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Resumo Atour through Media History: the public space trom primai grunts to cyberspace Patrícia Bandeira de Melo. Um passeio pela História da Imprensa: o espaço público dos grunhidos ao ciberespaço. Comunicação e Informação, V 8, nO 1: pág 26 - 38. - jan/jun. 2005. representação analógica dos objetos. Para melhor exercer a comunicação, o homem chegou ao alfabeto, à escrita, que são o suporte estável da comunicação. Afinal, é a forma mais eficaz, duradoura e decifrável da mensagem, o que não ocorria antes com o som, o fogo ou, simplesmente, com a memória. A chegada à escrita é um processo resultante de fatores econômicos, como um sistema de controle e de contabilidade dos bens trocados. De acordo com o conceito de Habermas, espaço público, ou esfera pública, é o local "onde se formam as opiniões e as decisões políticas e onde se legitima o exercício do poder" (SOUSA, 2003, SI). Estudar a formação da linguagem e a aquisição da escrita nos ajuda a entender como o homem chegou ao exercício da democracia e à capacidade de expor idéias em público, como ocorria já na sociedade ateniense, quando os cidadãos participavam do processo de discussão política, troca de informações e de opiniões em plena rua, em pregações e debates. Assim, deu-se a evolução da comunicação: dos sons à discussão no espaço público. Hoje, esse espaço se deslocou: de início, para a imprensa escrita, e em seguida para o rádio, a TV Dos primeiros sons ao alfabeto Patrícia Bandeira de Melo Mestre em Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco e Professora da Escola Superior de Relações Públicas eda Faculdade Maurício de Nassau E-maIZ' [email protected] [email protected] Comunicar é fazer uma transação, negociar para se entender. Os discursos são práticas sociais historicamente datadas, ou seja, são compreendidos dentro do contexto sociocultural em que se dão. Dessa forma, a comunicação passeou pela história humana: 01 fato , tato, visão, audição, na pré-história, e depois rosnados, gritos, posturas físicas, linguagens corporais. Com o desenvolvimento social em grupo, o homem precisou dar nomes aos objetos. Os sons surgiram para isso. Em seguida, chegaram o alfabeto e a escrita, para perpetuar a comunicação. O alfabeto, que permitiu a construção do armazenamento da informação na história, foi uma conquista de muitas sociedades: índia, China, Coréia, Japão, Mesopotâmia, Egito, regiões da Europa e dos povos maias e astecas. Na Mesopotâmia, a escrita - ou a transcrição da língua falada - surgiu de início com a pictografia, que representava, pela associação de palavras, um objeto ou um ser. Essa associação exigiu do homem a capacidade de interpretar o signo para além do concreto, entrando numa realidade absrrata. Assim, a escrita se afastou da imagem e se associou a uma Este artigo tem como objetivo fazer uma retrospectiva histórica da evolução da comunicação na civilização humana até achegada das novas tecnologias, visando a discutir o novo espaço público em formação na era nas inovações que atingem a mídia. Com isso, tratamos desde os primórdios do espaço público, quando as relações humanas se davam de forma direta, até o novo (ciber) espaço criado pelos avanços das novas tecnologias midiáticas, mediador das relações na atualidade. Na era atual, mostramos como a comunicação écontaminada pela hegemonia cultural, como isso ocorreu desde aorigem da história do homem e, especialmente, na história da imprensa no Brasil. Palavras-chave: história da comunicação, novas tecnologias, espaço-público. Um passeio pela História da Imprensa: o espaço público dos grunhidos ao ciberespaço 26

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Resumo

Atour through Media History: the public space trom primai grunts to cyberspace

Patrícia Bandeira de Melo. Um passeio pela História da Imprensa: o espaço público dos grunhidos ao ciberespaço.Comunicação e Informação, V8, nO 1: pág 26 - 38. - jan/jun. 2005.

representação analógica dos objetos. Paramelhor exercer a comunicação, ohomem chegou ao alfabeto, à escrita,que são o suporte estável dacomunicação. Afinal, é a forma maiseficaz, duradoura e decifrável damensagem, o que não ocorria antes como som, o fogo ou, simplesmente, com amemória. A chegada à escrita é umprocesso resultante de fatoreseconômicos, como um sistema decontrole e de contabilidade dos benstrocados.

De acordo com o conceito deHabermas, espaço público, ou esferapública, é o local "onde se formam asopiniões e as decisões políticas e ondese legitima o exercício do poder"(SOUSA, 2003, SI). Estudar aformação da linguagem e a aquisição daescrita nos ajuda a entender como ohomem chegou ao exercício dademocracia e à capacidade de exporidéias em público, como ocorria já nasociedade ateniense, quando os cidadãosparticipavam do processo de discussãopolítica, troca de informações e deopiniões em plena rua, em pregações edebates. Assim, deu-se a evolução dacomunicação: dos sons à discussão noespaço público. Hoje, esse espaço sedeslocou: de início, para a imprensaescrita, e em seguida para o rádio, a TV

Dos primeiros sons ao alfabeto

Patrícia Bandeira de MeloMestre em Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco eProfessora da Escola SuperiordeRelações Públicas eda Faculdade Maurício de NassauE-maIZ'[email protected]@hotmail.com

Comunicar é fazer uma transação,negociar para se entender. Os discursossão práticas sociais historicamentedatadas, ou seja, são compreendidosdentro do contexto sociocultural em quese dão. Dessa forma, a comunicaçãopasseou pela história humana: 01fato ,tato, visão, audição, na pré-história, edepois rosnados, gritos, posturas físicas,linguagens corporais. Com odesenvolvimento social em grupo, ohomem precisou dar nomes aos objetos.Os sons surgiram para isso. Em seguida,chegaram o alfabeto e a escrita, paraperpetuar a comunicação.

O alfabeto, que permitiu aconstrução do armazenamento dainformação na história, foi umaconquista de muitas sociedades: índia,China, Coréia, Japão, Mesopotâmia,Egito, regiões da Europa e dos povosmaias e astecas. Na Mesopotâmia, aescrita - ou a transcrição da línguafalada - surgiu de início com apictografia, que representava, pelaassociação de palavras, um objeto ou umser. Essa associação exigiu do homem acapacidade de interpretar o signo paraalém do concreto, entrando numarealidade absrrata. Assim, a escrita seafastou da imagem e se associou a uma

Este artigo tem como objetivo fazer uma retrospectiva histórica da evolução da comunicação na civilizaçãohumana até achegada das novas tecnologias, visando adiscutir onovo espaço público em formação na eranas inovações que atingem amídia. Com isso, tratamos desde os primórdios do espaço público, quando asrelações humanas se davam de forma direta, até o novo (ciber) espaço criado pelos avanços das novastecnologias midiáticas, mediador das relações na atualidade. Na era atual, mostramos como acomunicaçãoécontaminada pela hegemonia cultural, ressa~ando como isso ocorreu desde aorigem da história do homeme, especialmente, na história da imprensa no Brasil.Palavras-chave: história da comunicação, novas tecnologias, espaço-público.

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nternet. Os debates, antes nas ruas,a ser mediados pela imprensa.

espaço público como espaço para as idéias

O surgimento da esfera públicacomo espaço para a burguesia discutir,:~ntre si, assuntos relacionados à.ociedade civil e ao Estado abriu;taminho para uma informação maisapecializada, exigindo novas formaspara a exposição de idéias. Somente no

;.éculo XV foi produzido o papelmaleável, permitindo a impressão delivros de forma prática. Porém, apenasem 1840 o papel passou a ser produzidoda resina das árvores, reduzindo oproblema da escassez de material para

.. sua produção. O papel é fundamentalpara o início da produção de textos e dacomunicação impressa, para rompercom o estado de segredo de informações,antes controladas pelo Estado e pelaIgreja. O espaço público gerou umademanda pela troca de informações,intensificada cada vez mais pelo acessoda população à leitura e à escrita. Aviabilização do papel foi o que permitiuuma outra descoberta, o tipógrafo. Aprodução da cultura foi acelerada pelouso do papel e pela impressão em largaescala. Para Thompson, "os meios decomunicação são rodas de fiar nomundo moderno e, ao usar estes meios,os seres humanos fabricam teias designificação para SI mesmos"(THOMPSON,1998,20).

A reprodução de textos teve iníciocom os copistas e os escribas, que, como desenvolvimento da escrita, dopergaminho e do papel, puderam fazercópias de textos religiosos, literários efilosóficos. Até a Idade Média, asinformações eram restritas e controladas,mas com o ciclo das navegações e aexpansão da atividade comercial, a partirdo século XIII, veio a troca demercadorias e também de informações.O crescimento econômico da épocafavoreceu o acesso à alfabetização,reduzindo cada vez mais a necessidadede que textos fossem lidos em públicopara a população iletrada.

Segundo Habermas (HABERMAS,1984, apud SOUZA, 2003), o espaço

público surgiu no seio da democraciaateniense, mas foi no século XVIII queo conceito se firmou na versão da eramoderna. Se, de início, o espaço públicoera o local das discussões políticas, daformação de opinião e da legitimaçãodo poder, com a imprensa ocorreu odeslocamento desse espaço para osjornais. A imprensa foi a primeirainstância mediadora do espaço público,antes concretizado pelos debates emclubes, ruas e praças. No entanto, comoos meios de comunicação não atendema todos os segmentos sociais quedesejam ou tentam participar do debateestabelecido na mídia, os gruposexcluídos da esfera midiática são, porconseqüência, excluídos do espaçopúblico. Ou seja, a imprensa favoreceua "privatização do espaço público".Porém, é interessante observar quesempre houve e possivelmente semprehaverá excluídos do espaço público,aqueles que por alguma razão nãoestiveram aptos a discutir e polemizar,seja por razões econômicas oueducacionais.

olivro e a imprensa, os novos condutores dopensamento

A máquina impressora foi umdivisor de águas, permitindo areprodução de informações em escala evelocidade consideradas impossíveis paraa época. Em 1452 (essa data varia deacordo com a fonte consultada),Gutenberg imprimiu a Bíblia de 42linhas. Foi o aprimoramento docomércio entre Europa e Ásia quefavoreceu o desenvolvimento datecnologia gráfica. Os tipos de metalsurgiram na Coréia, em 1390, e os decerâmica são de dois séculos antes, naChina. Observa-se que a visãoteocêntrica do mundo vai sendosubstituída pela visão antropocêntrica,como destaca Sousa (2003). Segundoele, o que detonou a explosão dacomunicação foram os grandesdescobrimentos, o crescimento docomércio e a invenção da tipografia.

Gutenberg foi o responsável pelacriação dos tipos móveis, comcapacidade de impressão em papel, com

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uma tinta fabricada por ele. Uma sériede obras começou a ser impressa,lançando também as bases para apublicidade impressa. Para Giovannini(1987,111), "o livro, com tudo aquiloque contém, envolve interesses jurídicos,econômicos e comerciais, tanto maisrelevantes quanto mais se desenvolve oseu potencial de difusão popular". Éinteressante observar que o livro passoua ser o novo fio condutor das idéias.Filósofos, intelectuais e poetas passarama expressar seus pensamentos em livros,fazendo suas idéias circularem nasociedade de forma mediada.

Surgiram as primeiras impressõessobre a humanidade: as gazetas, cominformações úteis sobre a atualidade; ospasquins, folhetos com notícias sobredesgraças alheias; e os libelos, folhas decaráter opinativo. A combinação dessestrês tipos de impressos resultou, noséculo XVII, no jornalismo. O papel daimprensa periódica, na emergência daesfera pública, revestiu-se deimportância especial. O aparecimentodos jornais no final do século XVII eprincípios do século XVIII fomentouum novo espaço público para o debate.De início, esses jornais eram dedicadosa assuntos literários e culturais, mas atemática foi se alargando para questõesde interesse social e político. Gerou-seuma demanda por essas informações,pois o público queria entender eparticipar do processo decisório dasinstâncias de poder. Nesse novo espaçopúblico, a sociedade começou a obrigaro poder a justificar-se perante a opiniãopública.

O surgimento da imprensa foi,segundo Sousa (2003), o primeiro passopara a democratização da cultura,mesmo tendo desencadeado aestandardização e a simplificação dasmensagens. Antes da indústria dacomunicação, a compreensão do tempopassado e de lugares distantes se faziapor intermédio da informação trazidapor pessoas que mantiveram contatacom essas realidades. Com a imprensa,a história passou a ser contada de formamediada. Segundo Thompson(1998,38), "nosso sentido de passado ede como ele nos alcança se torna cada

vez mais dependente da expansãocrescente de um reservatório de formassimbólicas mediadas".

Somente por meio dos livros,jornais, filmes e programas de rádio eTV vai se tornando possível o contatomediado com a história, mesmo ahistória recente. Livros, jornais e revistastransformaram a civilização,promovendo a mudança da esferapública e da cultura. As mudançaspolítico-sociais são creditadas àcirculação de impressos, o que favoreceua Revolução Francesa e a ascensão daburguesia. Os filósofos da época ­Voltaire, Montesquieu e Rousseau ­eram entusiastas da divulgação e datroca de idéias. Formalizou-se o conceitode enciclopédia, que propunha reuniros conhecimentos acumulados naqueleperíodo.

Para Breton e Proulx (2002) eGiovannini (1987), não é tão evidenteque a imprensa tenha sido a causa dasgrandes mudanças sociais. Segundo osdois primeiros autores, as idéiasrenascentistas que favoreceram asrevoluções são anteriores às técnicastipográficas e contribuíram para oprocesso mecânico de reprodução detextos. Antes da tipografia, os livrosmanuscritos já geravam tanto interesseque algumas obras chegaram a sercopiadas em até 400 exemplares,manualmente, para atender àsencomendas. Ou seja, a imprensamecânica veio dar solução a essa grandedemanda. Giovannini destaca que nãose sabe se foi a impressão tipográfica quepromoveu o Renascimento ou se foi acorrente cultural que favoreceu aimprensa. O que é certo afirmar é que acirculação de idéias em grande escalaestava presente durante as grandesmudanças sociais.

o sucesso da imprensa e o processo deindustrialização

Segundo Sousa (2003), o sucesso daimprensa se deveu ao aperfeiçoamentocontínuo das técnicas de tipografia, àdiminuição dos custos e ao aumento dastiragens (que estimulou a leitura), aoincentivo à instrução e ao gosto de ler,

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o

re

e

tivado por livros, revistas e jornais, eaumento da curiosidade e da vontade

adquirir conhecimento sobreuntos do mundo em geral. A arte dentar histórias, característica dornalismo, embora datada do século

II, sempre existiu ao longo da.. olução humana.

Apartir da invenção da escrita, asse tornaram a principal fonte de

ormações entre as pessoas, numa faseterior à tipografia. Já na Idade Média,crônicas narravam fatos importantes

ié eram enviadas aos nobres e àspersonalidades importantes. Em.seguida, surgiram na Europa as folhasvolantes e as gazetas manuscritas,narrando tanto fatos verdadeiros como

; fantasiosos. Já no século XV, surgiu uma.fariedade de folhetos informativos,

polêmicos, descrevendo eventos; particulares, desastres naturais, relações; sensacionalistas ou fenômenossobrenaturais. De publicação avulsa eirregular, esses impressos eram vendidos

inas ruas como uma grande fonte de.informação sobre os acontecimentos daépoca.

A regularidade das publicações; aconteceu a partir da segunda metade

... do século XVI, mas a origem dos jornaismodernos está situada nas duasprimeiras décadas do século XVII,quando as notícias passaram a ter maisconfiabilidade. Verifica-se que a origemdo jornal é registrada em vários países,em curtos períodos de tempo:Inglaterra, França e Alemanha e,posteriormente, Estados Unidos. Deinício, o investimento para editar umjornal era pequeno, a redação contava

; com duas ou três pessoas, e os leitorespagavam pelo papel e pela tinta gastana impressão e ajudavam a compor ocapital do jornal para favorecer a suacirculação.

Outro fato importante para aevolução do jornalismo foi a

.industrialização. A mecanização tornouo processo de impressão mais rápido,barato e dinâmico, o que motivou oaumento do público leitor. No séculoXIX, têm início as primeiras inovaçõesnos jornais. Nos EUA, o progresso daimprensa possibilitou a popularização

do jornal sensacionalista, expondo naprimeira página imagens e notícias decaráter extremamente violento. Osjornais norte-americanos já eram muitoilustrados e surgiram, então, as históriasem quadrinhos - seção humorística degrande sucesso até hoje.

O crescimento da imprensaamericana era dificultado pelo tamanhodo país. A solução para o problema foia criação de cadeias - agências queestendiam informações locais em nívelnacional. As cadeias levavam ao controlede centenas de jornais, mas a criseeconômica de 1929, com a queda daBolsa de Valores de Nova Iorque, abaloua economia nacional e prejudicou essasistemática. Surgiu, em seguida, o jornaltablóide, produzido com a metade dotamanho do jornal padrão e com menornúmero de páginas.

Na Inglaterra, a imprensa partiupara a inclusão de assuntos variados,para atender a um público maior.Esportes, entretenimento, manchetes deprimeira página já estavam no novomodelo inglês de jornal. Já na França,após o processo de industrialização, osveículos se manifestavam em váriastendências, estilos e orientações,identificando jornais de esquerda, decentro e de direita, além de jornaisreligiosos e monarquistas. Na II GrandeGuerra, os jornais já dividiam o espaçocom o rádio e a televisão, o que gerounovas alterações na forma de fazer jornal.A publicidade passa a ocupar de modopermanente as páginas dos jornais, deforma a garantir a sua subsistênciaeconômica.

Imprensa opinativa ou ideológica, imprensapopular eimprensa de referência

O jornalismo é a atividade dedivulgar informações voltadas para opúblico, de forma mediada, periódica eorganizada. À luz da democracia, ojornalismo tem como missão vigiar econtrolar o Estado e as organizaçõesprivadas de interesse público. Por ter suaatuação delegada pela sociedade - quetransferiu para a imprensa o papel de"dialogar" com o poder -, o jornalismotem que se legitimar continuamente a

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partir de suas práticas. Ou seja, para quesua existência tenha sentido, precisafortalecer o suporte de apoio social queo justifica. O jornalismo impresso foi aprimeira forma de expressão organizadada comunicação social. Em seguida, oprocesso de evolução industrial eeletrônica produziu o radiojornalismo,o telejornalismo, o ciberjornalismo.

N o início do século XIX, aimprensa que dominava era a opinativaou ideológica, ou seja, a imprensa departido. Esse tipo de jornalismoimperava em virtude do aumentocrescente do nível de politização dapopulação e, ao mesmo tempo, da faltade matéria-prima para a produção denotícias factuais, além do baixo índicede alfabetização de grande parte dasociedade. A partir do anos 30 domesmo século, nos Estados Unidos,surgiram os primeiros jornais maisfactuais e menos opinativos, ou seja, asnotícias saíram do meio meramenteeconômico, político e bélico eingressaram nos fatos do cotidiano dasociedade, dando origem às notícias deinteresse humano. De acordo comSousa (2003), o que contribuiu para essamudança no perfil dos jornais foi ofortalecimento da alfabetização, aconcentração das pessoas nas cidades(com a conseqüente urbanização), oaumento do poder aquisitivo, amudança do conceito de jornal departido para o de jornal-empresa (comvista aos lucros), os novos valores sociaise o progresso tecnológico das formas deimpressão, permitindo aumento dastiragens e redução dos preços dos jornais.Nessa fase, a formatação dos textosjornalísticos começou a ser feita a partirda fórmula de pirâmide invertida. Essaformatação surgiu em decorrência douso do telégrafo, que exigia economiade linguagem, por conta do custo daligação e devido aos cortes comunsdurante a transmissão.

N o fim do século XIX, a segundageração da imprensa popular seestruturou. Os jornais ficaram maisbaratos e direcionados para apopulação. Os donos de jornal passarama focar seus objetivos nos lucros, dandoabertura ao surgimento do jornalismo

não só notiCIOSO e factual, massensacionalista. Surgiram novas regras,como a utilização de gráficos efotografias. Nessa fase, o sensacionalismopermaneceu, chamado de jornalismoamarelo ou marrom, com fatosinventados e divulgados, mesmo quedepois fossem seguidos de umdesmentido. Esse perfil de imprensa secaracterizou pelo tratamento emocionaldado a um assunto que, construído comvistas à sua comercialização pelo veículo,não se poupava de mentiras eventuais.

Nesse meio tempo, estabeleceu-sea imprensa de referência, somandoqualidades da imprensa opinativa e daimprensa popular: rigor, exatidão,sobriedade gráfica e de conteúdos,análise e opinião, independência e cultoda objetividade. As características daimprensa americana são exportadas paraa Europa, inicialmente para aInglaterra. A imprensa evoluiu de modorelativamente homogêneo no Ocidente.De acordo com Sousa (2003), nosséculos XVII e XVIII, o domínio foieuropeu; já a partir do século XIX,passou para os EUA o papel deintroduzir inovações no jornalismo.Muito tempo se passou até a chegadados conceitos que hoje traduzem ojornalismo moderno: publicidade,atualidade, universalidade eperiodicidade. A distinção entre notíciase comentários se solidificou, resultandona criação de espaços específicos, emcada veículo, para o jornalismo opinativoe informativo. Com o tempo, a imprensainformativa prevaleceu, ficando o espaçopara opinião reduzido às páginaseditoriais.

Da pirâmide invertida à infografia

Após a definição do processo depirâmide invertida, outra característicaadquirida pelo jornalismo foi aformatação descritiva de seus textos.Após a I e a II Guerra Mundial ­especificamente em decorrência da IGuerra, quando os jornalistas foramimpedidos de ir ao front acompanharas batalhas - essa tendência determinouuma forma de delegação de informaçõesao discurso relatado. Isso significa que

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textos eram elaborados a partir de~ e declarações creditadas às fontes

nalísticas. No período das guerras,poder assistir aos episódios daa in loco, repórteres narravam fatos

ditando-os às suas fontes dermação: segundo disse, de acordo, como afirma...Esse formato textual separou o

mentário do fato, tornando onalismo mais descritivo do que

tico, situação que foi modificada a'r dos anos 60 do século XX, quandojornalistas partem para a

ecialização. O jornalismo decia caminha, assim, para a análise,

ttapondo-se ao modelo descritivo.'«l'dade, o jornalismo interpretativoexistia, mas foi de certa forma

do pelo processo de censura noo de guerra, com o impedimento

presença de jornalistas nos camposbatalha,Após o processo de pirâmideertida, nasceu o lide (as clássicas

ntas quem, quê, quando, onde,e por quê). Somados aoimento de gêneros textuais - a

ista, a reportagem, a notícia - a~~~io de uma linguagem espedfica

a uma crescente afirmação da'dade profissional dos jornalistas.

acontecimentos começaram a ser. dos, simplificados e criticados,o forma de facilitar a suareensão pela sociedade, ajudando

.rimar o jornalista como intérpretefatos sociais, políticos e econômicos.

'Aplando surge o chamado SegundoJornalismo, momento em que a

rensa aprofundou investigações,unciou irregularidades e passou a

nfiar de suas fontes. O jornalistagulha no ambiente das pessoas am consulta, nas histórias e naquisa, dando um caráter maisano e literário à sua produção. Seu

pel cresceu no seio da sociedade,nando-se referência da verdade.O crescimento de sua função social,m, não mudou a questão básica quemina o jornalismo: o fato. Esse fato,

rado pelo jornalista, reveste-se dejetividade. Com isso, somente uma

de seu todo, a parte escolhida pelo

repórter como a de interesse público,vem à tona no texto jornalístico. Aseleção é determinista no sentido de quenão nos é dado saber tudo, mas simsaber tudo sobre aquilo que se escolheudar conhecimento, uma atitude decaráter subjetivo.

Acensura ealiberdade de imprensa

O crescimento do impressoperiódico ocorreu de forma distinta emcada país, mas o jornalismo em geralsofreu rígidos controles do governo, coma censura, impondo leis severas para oseu funcionamento. À medida que osjornais ocupavam a mente de seusleitores, levando-os aos questionamentose ao debate, gerava no poder central umtemor por colocá-lo em xeque. Paramanter o controle sobre as publicações,os governos adotavam um sistema deconcessão de licenças, destinadas àspessoas de sua confiança.

A Revolução Francesa foideterminante, na Europa, para oestabelecimento do Estado democráticoe da ordem social dele decorrente. Alémde problemas de ordem tecnológica,um dos motivos da periodicidadeirregular de muitas publicações era avigência da censura prévia na Europa.Além da Igreja, também o Estadoabsolutista fomentou a censura.

É interessante observar que aliberdade de imprensa não é ilimitada.Ela está sujeita à exigência de umjornalismo responsável e de profissionaiscom compromissos com a sociedade.Isso porque, como afirma Kunczik, "nãose deve esquecer que a batalha pelaliberdade de expressar uma opinião nãofoi a luta pela liberdade de imprensados jornalistas, mas sim pelo direito dohomem comum de falar o que pensa"(KUNCZIK, 1997,30). Para JoséMarques de Melo (I985), o jornalismoautêntico, com periodicidade regular,contínua e livre, só surge de fato com aascensão da burguesia ao poder e o fimda censura prévia. De acordo comNilson Lage (2002), três fatores foramfundamentais para a derrubada dacensura: o surgimento de um mercadode massa para os jornais, decorrente do

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processo de alfabetização crescente, queelevou os trabalhadores à categoria deleitores e formadores de opinião; odesenvolvimento do processo deimpressão, que transformou o fazerjornalístico numa indústria; a coberturados custos dos jornais pela publicidade,ajudando a firmar ainda mais o conceitode jornal-empresa.

Acensura no Brasil

No Brasil, a censura chegou noperíodo do Império e marcou nossahistória. Os movimentos militares e aditadura Vargas em 1937, assim comoa ditadura militar de 1964, acabarampor amordaçar os periódicos. Nos oitoanos da ditadura Vargas, o jornalismopolítico foi dizimado. Na ditadurainstaurada a partir de 1964, leis forampublicadas para dar justificativa aocontrole estatal da comunicação.Primeiro, a Lei de Segurança Nacional,e em seguida o Ato Institucional nO 5.O Brasil viveu seus piores momentos apartir da década de 1960, quando, como golpe militar de 1964, a sociedade ésubmetida ao terror da violênciaideológica, física e moral consentidapelo Estado. Após 21 anos, em 1985,saiu o último presidente militar eassumiu o presidente civil José Sarney,depois da eleição indireta de TancredoNeves pelo colégio eleitoral doCongresso Nacional para a presidênciaque nunca assumiria, vítima de umadoença que o levou à morte.

Nos 21 anos de véu negro sobre oPaís, o Congresso Nacional foi fechadotrês vezes e os Poderes Judiciário eLegislativo (este reaberto após umperíodo de fechamento e de cassação devários parlamentares) foram mantidosem funcionamento para salvar asaparências. Em 1970, um decreto-leido presidente Emílio Garrastazu Médicideterminou a censura prévia deperiódicos, visando a proibir apublicação de obras que atentassemcontra a moral e os bons costumes.Vícios, casamentos desfeitos e programasde apelo à caridade foram censurados,seja por ferir a moral, seja para que nãose mostrassem pessoas defeituosas para

o público.Para reforçar o decreto, o artigo 9

do AI-5 facultou ao presidente daRepública o recurso de suspender aliberdade de reunião e associação e decensurar correspondência, imprensa,telecomunicações e diversões públicas.Em 1968, é criado o Conselho Superiorde Censura. O chamado livro negro dacensura é um caderno de capa preta,onde se encontravam organizadas asregras do que podia e do que não podiaser publicado, segundo os censores. Aconspiração, porém, foi apoiada pelaprópria imprensa, que antes do golpeincentivara a saída de Jango, acusando­o de desgovernar o País. A relação quenasceu, a partir do golpe, entreimprensa e poder não durou muitotempo, pois os próprios jornais foramempastelados pelos militares.

O rápido esfacelamento daresistência política de esquerda no Brasilfavoreceu o regime militar. Qualquerordem para definir o que podia e o quenão podia constituir informação públicaera dada por meio de avisos escritos oupelo telefone, com vistas ao controle daopinião pública. Assim como naditadura anterior, de Getúlio Vargas, oBrasil voltou a viver as restrições deliberdade, sem qualquerquestionamento mais feroz sobre ogolpe. Um Brasil que antes fervilhavacom as ligas camponesas e com opresidente populista João Goulartassistia ao silenciamento de vozesimportantes do cenário nacional, tantona música como no teatro, no cinema,na política, nos sindicatos e naimprensa. Muitos foram torturados emortos e muitas mortes foramdivulgadas como suicídio.

Entre 1960 e 1980, vários jornaisde oposição à ditadura forampublicados, como O Pasquim, Opinião,Movimento e Em Tempo. Nos jornais,a censura de matérias dava espaço àironia: no local de notícias censuradaseram publicadas receitas de bolo. CarlosHeitor Cony continuou a dizer piadassobre o golpe, ao qual chamava de"quartelada de 1o de abril" ou "arevolução dos caranguejos" As pessoasmorriam, eram torturadas, humilhadas,

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?$oom econômico acontecia., : em baixa e o crescimento do

b Interno Bruto geraram oEconômico. O exercício do

I o foi cerceado com rigor e foi

'erlodo que a notícia off thequando não se identifica a fonte)

relevo, espaço para informaçõesno anonimato e para versões

;'. que muitas vezes não podiam

dos. O corte de publicidadenos veículos era uma excelente

de pressão, pois desestabilizava o

economicamente.

to da imprensa brasileira

I'. A História do Brasil como País

berto" por Portugal coincide com. cio da História da Imprensa no

do. Quando os portuguesesao País, encontraram povos que

viviam no período cultural da pedrada. Seu trabalho foi, então, de

a cultura indígena, o que ocorreuacatequese, feita pelos padres jesuítas.

inão haver leitura nem escrita entre os• os, os portugueses não precisaram

andir o processo de dominação

,com a instalação de universidadesda imprensa, no período colonial. As

cias da colônia eram passadas paragal via cartas. O livro, aqui no País,

destinado apenas aos religiosos e só acabia o manuseio, até mesmo porque

analfabetismo impedia qualquerpreensão. As bibliotecas existiam emas e mosteiros, não em residências.

Há pouco mais de 500 anos, aegada dos portugueses foi tratada

o a descoberta de um novo mundo.

uando chegaram, porém, nãocontraram um enorme "terrenodio" por ser ocupado: o Brasil era um

erritório habitado por cerca de 6ilhões de habitantes, com culturas

diversas e línguas específicas dos maisde 900 povos indígenas (TEXTO­BASE DA CAMPANHA DA

FRATERNIDADE 2002). O discursosobre a origem do Brasil tem como base,entretanto, a chegada do branco e oprocesso de catequização dos índios. O

discurso que se projetou na época foi "odiscurso das descobertas, discurso das

conquistas, discurso da dominação"(ORLANDI, 1990, 19). Foi o primeirosilenciamento dos índios, quando suaslínguas e suas práticas culturais foramsuplantadas pela língua portuguesa epela cultura européia, que dominaramo território brasileiro. Quando começaa nossa história? A mediação promovidapelos portugueses subverteu a idéia de"começo do Brasil":

"Vale perguntar: A Itália faz aniversário?A França faz aniversário? Os limites notempo e no espaço são fluidos eindeterminados, sujeitos à dúvida. Nestecaso, por que não escolher a data daindependência para começar o Brasil?"

(ORLANDI, 1990, 121).

Fica claro que a presença do índioantes de 1500 é tratada como Pré­história do Brasil. O país somentepassou a ter história com a chegada dosportugueses: eles são os "fundadores" de

nossa cultura e de nosso conhecimento,marcando historicamente o nosso fazer

jornalístico. Segundo Sodré (1999), sóno fim do século XVIII apareceram asbibliotecas particulares. Mesmo com

uma literatura inexpressiva, em virtude

do :lI1alfabetismo e do controle da cortesobre a colônia brasileira, houve espaçopara a sátira verbal e as folhas volantes,para divulgação informal em feiras e

portos, o que poderíamos chamar de"espaço público possível". A Igrejasupria a necessidade de informaçõesquando os padres, em seus sermões,davam notícia de fatos relevantes ouconselhos à população. Sob proteção

oficial, a imprensa se iniciou no País deforma definitiva, somente a partir de

1808. A iniciativa da corte portuguesa

se deveu à vinda de D. João ao Brasil,começando aí a chamada ImpressãoRégia. No início do século XIX, o

surgimento do Correio Braziliense,

editado em Londres por Hipólito daCosta, fez nascer a crítica contra o poder

régio. Era o único veículo, à época, quemostrava as falhas da administraçãobrasileira.

Ao longo da história, a imprensabrasileira ia se desenvolvendo à medidaque a política nacional ia tomando orumo pós-independência. À época,

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A rede mundial de computadoresinterligados por linhas telefônicas ouqualquer Outro meio permitiu a conexãode milhares de pessoas, em várias partesdo mundo, facilitando contatos e trocasde dados. Sua origem foi militar, parapermitir o fluxo de informações, eexpandiu-se de início no meioacadêmico. Entre os anos de 1968/

falavam da luta operária e também da IGuerra Mundial, criticando a suaeclosão. A imprensa operária sedesenvolveu ao largo da grandeimprensa, sob difíceis condiçõesfinanceiras e políticas. O que tornou aimprensa proletária significativa não foio seu tamanho: mesmo com circulaçãoreduzida e com poucos recursosmateriais, muitas vezes os jornais dapequena imprensa assumiam posiçõescombativas e incomodavam o poder.

O desenvolvimento da parte gráficados jornais, com fotos e gráficos, o usoda cor, em contraste ao preto e branco,escondiam, segundo Sodré, uma falhado interior do jornalismo brasileiro: aposição diante dos problemas quenoticia. Isso porque um jornal é lido eprocurado pelo que expõe, por seuposicionamento, mas no Brasil ocrescimento e a valorização da reformagráfica acabou por escantear o essencial,o seu próprio discurso, que deveria seresclarecedor, opinativo e capaz de abrirdebates sobre as questões nacionais.Cada vez mais difícil adquirir e produzirjornais, o mercado foi se fechando emtorno de grandes empresas. Isso tambémdificultava a liberdade de expressão,restrita aos donos dos grandes negóciosda imprensa. A transformação daimprensa em um negócio caro tornoudesnecessária a censura, uma vez que asempresas - pela própria condição demercado, inseridas na economia comoqualquer outra - praticam a autocensuranaturalmente. Para Sodré, "deinstrumento de esclarecimento, aimprensa capitalista se transformou eminstrumento de alienação, fugindointeiramente aos seus fins originários"(SODRÉ, 1999: 408).

Internet

eram comuns os pasquins,jornais de caráter satírico

e difamatório. Com aproclamação daRepública, a grandeimprensa manteveseu crescimento,agora com umpouco mais deprestígio, força ecombatividade.

Com a censura dacorte, os Jornais

nasciam semprecontrolados e, mesmo com

a República, a imprensa nãoassumiu um papel mais evidente e

contumaz de se posicionar acerca dosfatos. Sodré ressalta que, mesmoostentando uma certa independência,os jornais brasileiros optavam porocupar suas páginas com publicidade,a "empregar sua influência na orientaçãoda opinião pública" (SODRÉ,1999,252). No fim do século XIX, umagrande luta pela posse de terras, naGuerra de Canudos, transformou-se naobra Os Sertões, de Euclides da Cunha.O livro foi considerado a primeiragrande reportagem do jornalismobrasileiro. João do Rio é outro nomemarcante, por favorecer o caráter literáriodo jornalismo, impondo umafisionomia própria do fazer jornalísticoa partir da observação da realidade,somada ao tratamento literário do texto.

A passagem do século XIX para oXX é significativa no mercadojornalístico, por marcar a mudança dosjornais de esrrutura simples, operandocom oficinas tipográficas, para asempresas jornalísticas dotadas deequipamentos gráficos mais avançadose mais voltadas para o comércio.Começavam a desaparecer as iniciativasisoladas de jornais panfletários, aventurasindividuais de poucos. Como empresas,os jornais ficaram em número reduzido,pois os avanços tecnológicos tornarammais difícil a fundação de um periódico.Com o progresso da indústria, surgiu aclasse de trabalhadores e, com ela, umaimprensa voltada si, com pequenosjornais anarquistas e socialistas, amaioria de vida curta. Esses jornais

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1969, o governo norte-americanoinvestiu numa rede experimental decomputadores, a Arpanet, queinterligava universidades e institutos depesquisa, garantindo acesso livre àsinformações aos professores epesquisadores. O objetivo da Arpanetera o compartilhamento de dados e agarantia de sua sobrevivência casohouvesse uma guerra que destruíssegrande parte da infra-estrutura do país.

O grande avanço da Internet se deuentre 1993/1994, quando uma redededicada à pesquisa acadêmicadisponibilizou suas informações,abrindo-se para a sociedade. O sucessoda rede foi garantido pela criação de umprograma capaz de realizar pesquisas, oMosaico, a partir de 1992, além dasimplificação dos comandos necessáriospara navegar na Internet. O crescimentoda grande rede sem qualquer controletransformou a Internet na maior redede comunicação mundial, mas, aomesmo tempo, colocou uma enormequantidade de informações à disposição,de forma a dificultar a realização depesquisas sérias, seja pela qualidade dabusca em si, seja pela confiabilidade das

informações prestadas.Em 2000, a ombudsman da Folha

de S. Paulo, Renata Lo Prete, escreveuum artigo sobre a busca de notícias naInternet c a frustração de alguns leitores.Ela citou o caso do retorno deRonaldinho ao futebol, em Roma,depois de se recuperar de uma contusão.Ela afirmou que ao procurar novidadesna Internet, o leitor "encontrou menosconteúdo do que a propaganda do novomeio permitia esperar" (LO PRETE,apud MORETZSOHN, 2002, 133).Segundo Lo Prete, as fontes básicas donoticiário da Internet eram as agênciasinternacionais de notícias e a"rapinagem" de informações divulgadaspela televisão, e pelo rádio, e entre ospróprios sites. A ilusão da velocidade dainformação provocada pela Internet fazcom que as pessoas recorram a elaconstantemente, mas as pesquisas naárea mostram que grande parte dasinformações advém das agências

noticiosas.Não se pode desmerecer o valor da

nova tecnologia como fonte informativa,mas seu potencial ainda não está sendoplenamente explorado, ou seja, os sitesainda não se firmaram como empresasvirtuais de coleta e divulgação de notíciase informações que elas mesmaselaboraram, um espaço público virtual.Em vez disso, atuam apenas como pistasde corrida para ganhar do concorrentea preferência do leitor, iludido de queestá recebendo uma notícia em primeiramão, quando recebe, muitas vezes, oproduto das tradicionais agências denotícias ou das edições virtuais dosjornais tradicionais. É verdade que aentrada na era cibernética baixou oscustos da indústria da comunicação,facilitando o acesso às informações.Segundo Pollyana Ferrari:

"Não se pode negar que a Internetproporcionou um acesso à informaçãode maneira única. Achar o endereço deum restaurante sem ter que perguntarpara ninguém, usar o telefone ou folheara lista te1efônica. (. .. ). Enfim, aabrangência de serviços oferecidos numportal consegue preencher e resolvergrande parte das necessidades dohomem moderno" (FERRARI, 2003,

78).

A Internet, de fato, abre as portaspara um público mais carenteeconomicamente ter acesso aoaprendizado, tanto formal quantoinformal, mas esse uso depende davontade política dos governos dedisponibilizar equipamentos parafavorecer o acesso e da garantia de sitescom fontes confiáveis de informação, oque pressupõe um controle externo sobreo que é divulgado na grande rede. AInternet, ao que tudo indica, reúnequalidades, juntamente com a TVdigital e interativa, para garantir que seconcretize a expectativa de uma aldeiaglobal preconizada por Marshall

McLuhan.

ofuturo da comunicação

A evolução crescente das novastecnologias tende a facilitar e a baratearo fluxo das informações, ampliando aspossibilidades técnicas da mídia para

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transmlssao de dados. Isso dá espaçopara que se quebrem barreiras físicas eideológicas de acesso à informação. Alongo prazo, o homem cada vez maisvai se aperceber de que a notícia é umproduto valioso que ajuda norelacionamento entre os povos e asculturas. O caminho é o fim do conceitode broadcasting e o fortalecimento doconceito de narrowcasting. O primeirotrata de informações transmitidas a umpúblico que não se diferencia, misto. Osegundo se refere à difusão deinformações para públicos conhecidose segmentados, ou seja, para nichos domercado da comunicação.

Segundo o jornalista Ricardo Noblat(2002), empresários e jornalistas precisamrepensar a forma de fazer jornal. De acordocom ele, proprietários e profissionaisdevem analisar a fuga de leitores jovens ea adesão à Internet e sobre as queixas acercada tinta do jornal, que suja as mãos e asroupas, os erros de ortografia, as páginasque se soltam durante a leitura, o excessode páginas e o formato do jornal. Segundoele, os jornais vão morrer, mas não ojornalismo, pois a humanidade precisa deinformações. N oblat defende que aperspectiva futura talvez seja atransformação das redações emcorporações multimídia, investindo nainteratividade favorecida pelas novastecnologias. A tendência do jornalismo écaminhar para a convergência dos meios,uma questão considerada essencial para omodelo futuro da comunicação e que irápromover um novo modelo de espaçopúblico. Contar histórias, dar informaçõesreais 24 horas por dia, fugir da falsa idéiade velocidade da Internet (que em vez dedar notícias frescas a toda hora ainda estápresa às fontes tradicionais de informação)deve ser a saída da imprensa. Para atendera esse modelo, o jornalista precisa pensarem texto, imagem e som, para que ainformação possa ser colocada em meiosimpressos, eletrânicos e audiovisuais.

Que há entre comunicação e cultura?

Com tudo que foi visto na históriada comunicação, verificamos aconvergência entre comunicação ecultura. Tudo o que o homem adquire,

recebe, constrói, produz e alterameio em que vive é transmitidocomunicação, seja por meio midiá'organizacional ou interpessoal.trocar informações, o homemverdade permuta valores e permitacesso, entre povos diferentes,informações concernentes a um mde vida peculiar a um grupo social ea outro, ou seja, tradições e crençasconhecidas e determinadas pelos mde comunicação disponíveis emsociedade. No caso brasileiro, a histda comunicação foi determinadapresença portuguesa e pela forma cose processou o desenvolvimentomídia, totalmente marcado pecontrole resultante da censura.

Ao consumirmos os produtosindústria cultural, estamos nexprimindo culturalmente nucontexto social ao qual pertencemoNossas práticas diárias s'determinantes e determinadas pelcultura que vivenciamos. Toda cultresulta de uma mistura de outrculturas. A cultura brasileira sofre'influência das culturas européiindígena e negra, mas sem dúvidprevaleceu a força da culturportuguesa, pela sua condição decolonizadora. Hoje, com a globalização,a comunicação sofre novas intervençõelda cultura mundial. Assimcomunicação e cultura estão associad~

de modo intrínseco, uma interligaçãeque não se pode desfazer.

Os modos de viver, os gostos,prática da língua, o relacionamentlhumano, as formas de vestir, cozinha'comer e produzir bens culturais sãmarcadas por essa troca de informaçóeentre as sociedades humanas. No casbrasileiro, a hegemonia do colonizad(deu lugar à hegemonia cultur:americana, que acaba por ter uma mai<influência do que qualquer outlprodução cultural humana de outlnacionalidade, fruto do podeeconâmico exercido pelos Estad<Unidos sobre todo o mundo. Paalguns pesquisadores, esse poderamericano sobre a cultura de outflpovos é uma ameaça; para outros, é unadaptação normal de e\ementl

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culturais que são vantajosos para ospovos que as absorvem. Assim, sequisermos conhecer a comunicação,precisamos olhar para as práticasculturais de um determinado gruposocial, conhecendo suas crenças, valores,her6is e líderes, ritos e práticas sociais.

Existe um multiculturalismo? Nassociedades alfabetizadas, ahomogeneização dos hábitos provocadapela globalização anda junto com asnovas tecnologias, dominando osdialetos locais, as línguas e os costumespr6prios. Esconder o sotaque nordestinoe o gosto pela música sertaneja sãoexpressões dessa dominação. A rede decomputadores e as novas tecnologias emgeral fragmentam a realidade e garantemo fortalecimento do imperialismo, anteseconômico, hoje cultural. Fala-se emmescla de culturas, mas o que há de fatoé um mosaico, no qual somente as"pedras fortes" embelezam o quadro.

Não se vê, por ora, como os líderessociais poderão encontrar um caminhointermediário que permita a convivênciaentre as culturas sem a prevalência dasculturas de povos dominantes. Emborao poder tente se apropriar da cultura edas relações do homem no mundo, háo inconformismo que eles crêem quenunca será suplantado. O espaçodoméstico representa um mínimo deliberdade e iniciativa, numa tendênciasecreta para fomentar resistência paranão se digerir o que vem empacotadopelo imperialismo cultural.

Se existe uma rede virtualparticipativa, que dá acesso aos povos, épreciso cuidado para que a ausência defronteiras e1etrônicas não transformema Internet em um sistema de opressão ealienação. 56 há democracia e1etrônicase houver livre acesso associado àformação crítica. Do contrário, teremoso "cibercretinismo" e um mundodividido entre os conectados e os não­conectados, aumentando as diferençasentre os segmentos sociais. De acordocom Pierre Lévy, "a difusão depropagandas governamentais sobre arede, o anúncio dos endereços doslíderes políticos, ou a organização dereferendos pela Internet nada mais sãodo que caricaturas de democracia

eletrônica" (LEVY, 1999, 186).Somente uma reforma nas

mentalidades e nos hábitos políticospode resultar na colocação dociberespaço a serviço dodesenvolvimento de regiõesdesfavorecidas, com a valorização dascompetências locais e a troca deconhecimentos e experiências entre ascomunidades. Para Lévy, a verdadeirademocracia eletrônica consiste naexpressão dos problemas pelos próprioscidadãos, a auto-organização dascomunidades e a participação dosgrupos nas decisões, com transparêncianas políticas públicas. A mudança viráquando houver uma aliança de governos,empresários e forças de oposiçãocontrários à globalização e à

homogeneização do trabalho, dacomida, da cultura popular, em defesada diversidade.

O ciberespaço é o local derepresentação dinâmica dos recursos detodas as ordens (democratização dainformação), local virtual de ofertas decompetências, de emprego e deformação, local de controle ecológico,econômico, pedagógico, sanitário, dosistema de transporte e de comunicação.Segundo Briggs e Burke, "o ciberespaço,diferente da televisão, mas parecido comleitura sem censura, não é guardado porporteiros" (BRIGGS & BURKE, 2004,325). O acesso para todos não deve sero acesso ao equipamento ou à conexão,mas acesso aos processos de inteligênciacoletiva, numa visão do ciberespaçocomo local de expressão desingularidades, de confecção de trocaspara a aprendizagem recíproca. ParaLévy, "colocar a inteligência coletiva noposto de comando é escolher de novo ademocracia, reatualizá-Ia por meio daexploração das potencialidades maispositivas dos novos sistemas decomunicação" (LEVY, 1999, 196).

Considerações finais: areconstrução cultural doespaço público

O fazer jornalístico se consagrouhistoricamente como algo pragmático,resultante do contato direto com arealidade. Jornalismo é a arte de contar

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histórias para promover a construção da

história. Os fatos sociais estudados nos

livros são frutos de relatos, documentos,

fotografias e fragmentos de materiais

que ajudaram a montar o quebra-cabeça

chamado História, que é mediada pela

imprensa e pelos livros. Jornalismo é

história, uma história contada

cotidianamente, em breves textos. O

jornalista está envolvido no processo

interpretativo da notícia, não podendo

ocupar um lugar contemplativo em sua

pesquisa jornalística, o que marca o texto

jornalístico como fruto das relações

históricas e ideológicas do seu auror.

Será irreversível a baixa participação

social nos mercados globalizados de

bens e mensagens, a desatualização

tecnológica na indústria editorial e

audiovisual e a corrida tardia pelas

inovações informáticas? Mesmo com as

novas tecnologias globalizadas, países do

Terceiro Mundo fazem ressurgir a sua

produção cinematográfica, musical e

televisiva. No Brasil, nossos filmes estão

se internacionalizando (vide Central do

Brasil e Diários de Motocicleta). Novos

profissionais estão surgindo para um

mercado de cinema, jornalismo e

comunicação. O espaço público foi

transferido para um conjunto de

circuitos e fluxos que extrapolam os

territórios e se faz via televisão, rádio,

satélite, fax, telefone, Internet. Nesse

novo espaço público, as controvérsias são

debatidas. O novo espaço cultural exige

programas de desenvolvimento para a

redução das desigualdades de acesso às

novas tecnologias, garantindo que o

espaço virtual atenda aos circuitos

comunicacionais de diversas etnias,

povos e grupos sociais. A concepção

tecnológica conduz a uma confusão de

valores e idéias, que não se sabe se terá

um ponto organizador no novo

(ciber)espaço público que se estabelece.

Abstract

This article shows a historical retrospectiveabout the communication evolution in humancivilization until the arrival ofnew technologies,generating discussions about the ever increasingpublic space that in this age of innovations isshaping the media. Based on this, a study is made

from the early days of the public space,human relations were made in adireet basisthe eyberspace created by the ever growingteehnologies throughout the media, as am .in the actual relationships between peoplshows how the media is influenced bycultural hegemony and how it hashappening since the beginning of the hhistory, especially in the Brazilian media .Keywords: communication history,technologies and public space.

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