um olhar freireano sobre a docÊncia no momento em que nos tornamos docentes de matemÁtica

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Esse texto pretende mostrar parte de resultados finais de uma pesquisa, em nível deIniciação Científica. Cujo objetivo é analisar as compreensões dos futuros professores deMatemática sobre educação, em particular, sobre conteúdos matemáticos. A ideia éidentificar se essas compreensões são permeadas pelo pensamento do Educador PauloFreire. Para tanto, foram entrevistados alguns alunos do curso de Licenciatura emMatemática de uma Universidade pública do Estado de São Paulo. Os resultados indicamque emergiram algumas ideias de Paulo Freire, como afetividade, autonomia, conteúdo etransmissão de valores. Embora elas não se mostrem articuladas do modo como esseeducador as idealizou, é possível observar alguns indícios de que para esses licenciandostornar-se professor significa ensinar e aprender em um exercício dialógico, que vai além datransmissão de conteúdos, envolvendo relações de amizade, liberdade, responsabilidade,ética e respeito mútuo.

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  • Anais do XI Encontro Nacional de Educao Matemtica ISSN 2178-034X Pgina 1

    UM OLHAR FREIREANO SOBRE A DOCNCIA NO MOMENTO EM QUE NOS

    TORNAMOS DOCENTES DE MATEMTICA

    Luana Pedrita Fernandes de Oliveira

    Universidade Estadual Paulista Jlio, Rio Claro [email protected]

    Resumo:

    Esse texto pretende mostrar parte de resultados finais de uma pesquisa, em nvel de

    Iniciao Cientfica. Cujo objetivo analisar as compreenses dos futuros professores de

    Matemtica sobre educao, em particular, sobre contedos matemticos. A ideia

    identificar se essas compreenses so permeadas pelo pensamento do Educador Paulo

    Freire. Para tanto, foram entrevistados alguns alunos do curso de Licenciatura em

    Matemtica de uma Universidade pblica do Estado de So Paulo. Os resultados indicam

    que emergiram algumas ideias de Paulo Freire, como afetividade, autonomia, contedo e

    transmisso de valores. Embora elas no se mostrem articuladas do modo como esse

    educador as idealizou, possvel observar alguns indcios de que para esses licenciandos

    tornar-se professor significa ensinar e aprender em um exerccio dialgico, que vai alm da

    transmisso de contedos, envolvendo relaes de amizade, liberdade, responsabilidade,

    tica e respeito mtuo.

    Palavras-chave: Formao de Professores; Licenciatura em Matemtica; Paulo Freire.

    1. Introduo

    Esse trabalho mostrar parte de resultados finais de uma pesquisa, em nvel de

    Iniciao Cientfica (IC), financiada pelo PIBIC/CNPq, que discute aspectos inerentes

    formao de futuros professores do curso de Licenciatura em Matemtica, UNESP -

    Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho, Rio Claro. O objetivo da pesquisa

    analisar as compreenses sobre educao dos futuros professores de Matemtica, em

    particular, sobre contedos matemticos.

    Acredito que um "encontro" com Paulo Freire, traz novas possibilidades e

    descobertas e, assim, a curiosidade epistemolgica1 ser cada vez maior e mais intensa

    com as ideias freireanas. Entende-se que as produes de Freire so mais reconhecidas no

    exterior do que no Brasil e que importante revertermos esta tendncia estudando suas

    ideias. Para ampliar a compreenso acerca dessas ideias de Freire, ressalto a importncia

    1 Insero do ser humano num permanente movimento de procura, que rediscute a curiosidade ingnua e a

    crtica, virando epistemolgica.

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    de uma reflexo sobre a formao docente e a prtica educativo-crtica (FREIRE, 1996).

    Segundo Freire (1996, p. 22)

    A reflexo crtica sobre a prtica se torna uma exigncia da relao

    Teoria/Prtica sem a qual a teoria pode ir virando bl-bl-bl e a prtica, ativismo. [] preciso, sobretudo, e a j vai um destes saberes indispensveis, que o formando, desde o princpio mesmo de sua

    experincia formadora, assumindo-se como sujeito tambm na produo do saber, se convena definitivamente de que ensinar no transferir

    conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produo ou a sua

    construo.

    Freire e Shor (2011) advertem sobre o professor reduzir o ato de conhecer, a partir

    do conhecimento existente, a uma mera transferncia de conhecimentos existentes. Desse

    modo, o professor aborta as possibilidades para a construo do conhecimento e no

    estimula a curiosidade epistemolgica do aluno. Contribuindo para a consolidao de uma

    ideia falsa de que a motivao do estudo externa ao ato de estudar, conhecer.

    Pensar que possvel a realizao de um tal trabalho em que o contexto terico se separa de tal modo da experincia dos educandos no seu

    contexto concreto s concebvel a quem julga que o ensino dos

    contedos se faz indiferentemente ao e independentemente do que os

    educandos j sabem a partir de suas experincias anteriores escola. E no para quem, com razo, recusa essa dicotomia insustentvel entre

    contexto concreto e contexto terico. (FREIRE, 1997, p. 65)

    Alimentamos tal ideia quando, mesmo inconscientemente, surpreendemos os

    alunos com:

    Torne-se apto, depois poder obter uma educao de verdade! Primeiro,

    obtenha uma educao de verdade, depois poder ter um bom emprego!

    A melhor coisa sempre aquela que voc no est fazendo no momento. No de espantar que os estudantes no cooperem. (FREIRE; SHOR,

    2011)

    Acredito que o estudo das ideias do educador Paulo Freire se mostra relevante, uma

    vez que ele pensou uma educao transformadora do sujeito, capaz de interferir no

    contexto social. Diante disso, estabelecer conexes entre as ideias de Freire e as

    compreenses de educao dos futuros professores, ofereceu indcios das bases em que se

    apoiam a formao de professores.

    Para tanto, esta comunicao est estruturada da seguinte forma: primeiramente

    sero apresentados os aspectos metodolgicos da pesquisa, em seguida, o que os dados

    dizem e, por fim, a discusso dos resultados.

    2. Aspectos metodolgicos da pesquisa

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    Esta pesquisa possui carter qualitativo, pois segundo Bicudo (2006) ele engloba a

    ideia do subjetivo, passvel de expor sensaes e opinies. No se trata de estudar dados

    numricos passveis de serem medidos ou quantificados, mas investigar o como e

    analisar aquilo que particular para buscar compreender um fenmeno mais geral.

    Desse modo, as compreenses de educao de futuros professores remetem

    anlise da exposio de sensaes e opinies dos entrevistados, que expuseram de forma

    subjetiva as suas respostas s perguntas que direcionavam ao objetivo desta pesquisa. Em

    acordo com o objetivo, est a pergunta diretriz: Como alunos de um curso de Licenciatura

    em Matemtica compreendem a sua prpria Educao e que relaes podem ser

    estabelecidas entre essas compreenses e a pedagogia de Paulo Freire?

    Para cumprir com o objetivo e construir uma aproximao plausvel para a pergunta

    diretriz, foram convidados alguns alunos da Licenciatura em Matemtica, UNESP,

    Cmpus de Rio Claro, que estavam cursando entre o 3, 4 e 5 ano, para participar da

    pesquisa. Tomou-se o cuidado de convidar alunos que tinham perfil com caractersticas

    variadas, tais como diferentes desempenhos acadmicos ao longo do curso e condies

    socioeconmicas distintas. Oito desses alunos aceitaram o convite. Com cada um deles foi

    realizada uma entrevista semiestruturada, primando pela preservao da identidade dos

    depoentes, para isso, usando pseudnimos na apresentao dos dados produzidos. Cada

    entrevista foi audiogravada em aparelho celular, Ipod ou notebook.

    De acordo com Arnoldi e Rosa (2006) as questes, no caso da entrevista

    semiestruturada, permitem que o sujeito discorra e verbalize seus pensamentos, tendncias

    e reflexes sobre os temas apresentados. O questionamento mais profundo e, tambm,

    mais subjetivo, levando ambos, entrevistador e entrevistado, a um relacionamento

    recproco, muitas vezes, de confiabilidade.

    Durante a elaborao do roteiro de entrevistas, foi realizada uma entrevista piloto,

    para verificar se as perguntas formuladas eram claras e se realmente encaminharia

    respostas para o objetivo proposto. Por isso, na tentativa de eliminar alguns vieses da

    pesquisa, fez necessrio uma entrevista piloto. Segundo Goldenberg (2011)

    O esforo controlado do pesquisador de conter a subjetividade. [...]

    Quanto mais o pesquisador tem conscincia de suas preferncias pessoais

    mais capaz de evitar o bias, muito mais do que aquele que trabalha com a iluso de ser orientado apenas por consideraes cientficas.

    Aps a coleta de dados, comeou a fase de anlise dos dados, que exigiu leituras e

    releituras constantes dos fatos observados, uma vez que essa fase foi no linear, e

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    conversar com os membros do grupo, mestrandos e doutorandos, sobre como fazer anlise

    em pesquisas em Educao Matemtica foi muito produtivo. O prprio Paulo Freire

    quando refletiu sobre o processo de escrita do livro Pedagogia do Oprimido disse que

    O tempo de escrever, diga-se ainda, sempre precedido pelo de falar das

    ideias que sero fixadas no papel. [...] Falar delas antes de sobre elas

    escrever, em conversas de amigos, em seminrios, em conferncias, foi tambm uma forma de no s test-las, mas de recri-las, de repartej-las,

    cujas arestas poderiam ser melhor aparadas quando o pensamento

    ganhasse forma escrita com outra disciplina, com outra sistemtica. Neste sentido, escrever to refazer o que esteve sendo pensado nos diferentes

    momentos de nossa prtica, de nossas relaes com, to recriar, to

    redizer o antes dizendo-se no tempo de nossa ao quanto ler seriamente exige de quem o faz, repensar o pensado, reescrever o escrito e ler

    tambm antes de ter virado o escrito do autor ou da autora foi uma certa

    leitura sua. (FREIRE, 2011a, p. 175)

    Os dados coletados sobre as vises dos futuros professores foram entrelaados as

    ideias de Paulo Freire que foram estudadas para, assim, buscar compreender as falas de

    educao que foram trabalhadas durante a formao bsica e superior dos licenciandos.

    A meu ver, o contedo das entrevistas se mostrou de forma nica para mim, porque

    se fosse outra pessoa analisando esses dados no seria a mesma interpretao sobre os

    mesmos. Ento, ressalto que as interpretaes descritas nesse trabalho foram feitas por

    meio do que julguei ser fundamental trazer na pesquisa. No se pode trazer aqui tudo o que

    os entrevistados disseram, devido s limitaes de espao, mas foram destacados alguns

    aspectos que se evidenciaram importantes e, simultaneamente, sintetizaram as falas.

    importante salientar que os prprios entrevistados, tambm, no disseram tudo o

    que pensavam, porque, conforme a entrevista foi tomando corpo e rumo, priorizou-se falar

    sobre o que norteava a concluso do pensamento, deixando de lado alguns assuntos que

    talvez pudessem contribuir para uma melhor compreenso sobre as falas, mas que no

    momento no foi priorizado. Por mais que desejssemos falar sobre tudo.

    Nem sempre, porm, todas as coisas que se vivem numa prtica vm

    tona quando dela se fala. s vezes porque, no ato de escrever, escapam; s vezes porque, no momento da redao, no pareciam fundamentais, s

    vezes porque taticamente no devessem ser explicitadas, na poca.

    (FREIRE, 2011c)

    Os discursos sugerem compreenses incertas, com frases iniciadas sempre com

    No sei se estou pensando certo...; Sem a prtica eu penso assim...; Quando eu estiver na

    escola eu vou saber te responder...; Hoje eu estou com vontade de dar aula, mas amanh eu

    j no sei...; etc.. A maioria, ao final da entrevista, disse que as questes abordadas foram

    difceis de responder, porque exigia muita reflexo.

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    Iniciando mais uma etapa da anlise, a organizao dos dados, observou-se que

    temticas surgiam das falas dos entrevistados. Aps escutar os udios algumas vezes,

    surgiram questionamentos de como organizar esses dados de forma a expor as falas dos

    entrevistados e, tambm, expor minhas falas com as ideias que causavam um alvoroo

    intelectual, que provocaram reflexes que jamais tinham sido objetos de minha

    preocupao enquanto uma aluna de graduao. Ento, junto com meu orientador, decidi

    separar os dados em categorias que juntassem o que emergiu das falas com a seleo de

    algumas caractersticas importantes na formao do professor na pedagogia de Paulo

    Freire. A partir disso, priorizamos quatro categorias, sendo Afetividade, Autonomia,

    Contedo e Transmisso de Valores. Nesse trabalho, entretanto, devido a limitao de

    espao, apenas as reflexes sobre a categoria Contedo ser apresentada.

    3. O que dizem os dados

    Uma temtica muito importante ser discutida e que permeou boa parte dos

    discursos dos entrevistados foi contedo. Nos discursos essa temtica foi discutida

    baseada, em sua maioria, na vivncia que os futuros professores tiveram na transio do

    ensino bsico para o ensino superior. Ao refletirem sobre quando ingressaram na

    universidade, disseram que a sua formao no ensino bsico no deu suporte para

    acompanhar as disciplinas da graduao, porque alguns dos contedos que os professores

    da universidade consideram que os alunos aprenderam no ensino bsico no haviam sido

    explorados ao longo da formao bsica. Alcia relata o que sentiu quando ingressou no

    curso, simultaneamente, como a sua imagem de boa aluna em matemtica foi questionada

    por ela.

    Ento, eu achava que eu tinha tido uma boa formao, mas quando eu cheguei aqui, [...] eu sempre falo isso, acho que eu fui enganada pelos professores. Eles fingiam que eu era uma boa aluna e eu acreditava

    nisso, principalmente, em matemtica, sabe?! Eu sempre fui muito bem

    em matemtica, eu sempre tirava 9, 10 em todas as provas, quando eu cheguei aqui (na graduao em matemtica) eu no sabia fazer matriz,

    determinante... mas eu no sabia porque no me ensinaram, entendeu?!

    Eu no sei coisas bsicas, aquilo que me ensinaram eu era boa, mas eu

    acreditava que eu sabia muita matemtica... quando eu cheguei na faculdade foi uma das minhas grandes desiluses, assim... eu descobri

    que eu no sabia nada! Quem me fez acreditar nisso foi os meus

    professores, ento eu me sinto enganada! (Alcia)

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    No mesmo enfoque, discutindo sobre como foi a formao no Ensino Bsico,

    Leonardo disse que

    Faltaram coisas para serem dadas, ou seja, eu acho que no foi uma formao completa, porm, eu acho que o que eu aprendi eu aprendi bem. Deu para entender?! [...] eu acho que faltou tempo, tempo no, eu

    acho que faltou organizao. Mas o que foi dado eu acho que eu aprendi

    bem. [...] por parte da estrutura escolar, eu acho que no exclusividade das minhas escolas, das escolas que eu estudei... acho que a escola

    pblica tem esse problema de no se organizar para passar todo o

    contedo [...] mas o que eu aprendi eu aprendi bem, tive bons professores. Acho que tm pontualidades, em algumas disciplinas eu no

    aprendi nada. (Leonardo)

    Em seguida, Leonardo continua a fala descrevendo as disciplinas nas quais no

    aprendeu nada e as outras em que aprendeu bastante, descrevendo o perfil de um

    professor e outro. Nas falas de Alcia e Leonardo, acredito que os professores envolvidos

    no esto considerando a sua formao permanente, a importncia do momento da reflexo

    crtica sobre a prtica.

    pensando criticamente a prtica de hoje ou de ontem que se pode

    melhorar a prxima prtica. [] Por outro lado, quanto mais me assumo como estou sendo e percebo a ou as razes de ser de porque estou sendo assim, mais me torno capaz de mudar, de promover-me, no caso, do

    estado de curiosidade ingnua para o de curiosidade epistemolgica. No

    possvel a assuno que o sujeito faz de si numa certa forma de estar sendo sem a disponibilidade para mudar. Para mudar e de cujo processo

    se faz necessariamente sujeito tambm. (FREIRE, 1996, p. 39)

    Ainda, nessa mesma direo, Leonardo teceu comentrios sobre a professora de

    qumica:

    Eu acho que por conta da professora que eu tive, a professora... ela era maluca, era maluca, ela no queria dar aula, ela dava nota olhando para

    a cara da pessoa, sabe?! Ela nunca chegou e falou vou dar uma aula, mas eu acho que o problema dela mesmo, o problema da professora.

    Ela no tinha jogo de cintura para dar aula, ela no tem jogo de cintura

    para dar aula. (Leonardo)

    Analisando essa parte da entrevista, surgiram reflexes sobre o que leva um aluno a

    descrever que a professora maluca. O que faz com que as coisas cheguem nesse ponto?

    Qual o erro do professor? Essas so algumas das reflexes que rodearam a pesquisa.

    Nota-se que Leonardo sempre procura deixar claro em seu discurso que teve professores

    ruins, mas que tambm teve bons professores do qual nunca se esquecer!

    Parece que a falta de conexo entre o concreto e o conceito na hora de ensinar faz

    com que o professor perca a linha com os alunos, e, desse modo, os alunos perdem o

    interesse e, consequentemente, o rigor sobre tal contedo.

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    O rigor um desejo de saber, uma busca de resposta, um mtodo crtico

    de aprender. Talvez o rigor seja, tambm, uma forma de comunicao

    que provoca o outro a participar, ou inclui o outro numa busca ativa. Quem sabe essa seja a razo pela qual tanta educao formal nas salas de

    aula no consiga motivar os estudantes. Os estudantes so excludos da

    busca, da atividade do rigor. As respostas lhes so dadas para que as

    memorizem. O conhecimento lhes dado como um cadver de informao um corpo morto de conhecimento e no uma conexo viva com a realidade deles. (FREIRE; SHOR, 2011)

    Discurso semelhante pode ser notado nas falas de Caroline, mas vale destacar a

    vontade que ela tem de fazer com que os seus alunos vivenciem uma situao diferente do

    que ela presenciou.

    A minha formao - a parte de primeira a quarta, quinta a oitava-, acho que eu tive uma boa base. O que foi falho, que foi depois que eu

    mudei (mudou da escola particular para a escola pblica), a diferena

    que eu sinto que foi no ensino mdio. Eu comecei a ter contato com falta de professor na escola, gente mais desinteressada e vrios

    problemas que em outra escola no tinha e a o contedo ficava meio de

    lado. Teve essa diferena tambm de uma escola ter um material fixo, apostilado... teve essa diferena. [...] Assim, de matemtica eu acho que

    eu no cheguei a ter um bom professor assim, sempre que... tanto que eu

    entrei no curso com o pensamento de querer fazer o que no fizeram por mim, sabe?! Esse o meu principal pensamento no curso. (Caroline)

    Em outra direo, a entrevistada da Edna sugere que o professor no precisa

    dominar o contedo, mas dominar a relao entre o professor e o aluno, destacando a

    afetividade que deveria existir nessa relao. Por outro lado, Edna diz que

    O professor tem que conhecer o aluno, tem que ter uma intimidade, que gosta do aluno, que tem uma relao melhor com ele assim... mesmo se ele no muito bom no contedo, no precisa. Se ele j olhar para voc

    (aluno) de forma diferente [...] acho que no precisa saber todo o

    contedo, ser o bonzo, ele tem que ser humano eu acho. [...] dar uma chance do aluno colocar a posio dele, por exemplo, numa prova na

    hora que ele for corrigir, se pegar um exerccio de jeito diferente,

    considerar o pensamento do aluno, ver o que ele est fazendo. (Edna)

    Embora veja a necessidade do professor ser flexvel com a aprendizagem dos

    alunos, ela reconhece que o contedo importante, e usa lacunas na sua prpria formao:

    Eu no tive Trigonometria, eu no tive Combinatria, no tinha noo nenhuma, agora que eu trabalhei Combinatria na graduao [...] Antes, para entrar no vestibular eu decorei s frmulinhas, eu nem sabia aplicar, eu nem sabia sentido nenhum..., mas eu no tive Trigonometria,

    nada... P.A. e P.G. eu no tive. No segundo ano, eu tive o ano inteiro s

    matriz, eu s sabia matriz no meu segundo ano do colegial, porque o professor s passava isso... E Geometria?! Eu no tinha noo nenhuma

    de Geometria, nunca tive Geometria na minha vida... [...] foi bem ruim,

    assim, na parte de matemtica. (Edna)

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    Anais do XI Encontro Nacional de Educao Matemtica ISSN 2178-034X Pgina 8

    Conforme o exposto no discurso da Edna, sobre o professor no precisar dominar o

    contedo, sobre o professor considerar o pensamento do aluno e, depois, sobre a falta de

    contedo no ensino bsico, surgiram os seguintes questionamentos: Como o professor

    poderia ser justo na hora de corrigir a prova, se ele no domina o contedo? Como deixar o

    aluno colocar a posio dele e ao mesmo tempo ensinar o certo, se o prprio professor no

    tem clareza sobre o contedo? Ser que os professores da Edna no dominavam o

    contedo, por isso a falta destes? Paulo Freire (1996) diz que

    No devo pensar apenas sobre os contedos programticos que vm

    sendo expostos ou discutidos pelos professores das diferentes disciplinas mas, ao mesmo tempo, a maneira mais aberta, dialgica, ou mais fechada,

    autoritria, com que este ou aquele professor ensina. [...] Mas, de um

    lado, precisamente porque a prtica docente, sobretudo como a entendo,

    me coloca a possibilidade que devo estimular de perguntas vrias, preciso me preparar ao mximo para, de outro, continuar sem mentir aos alunos,

    de outro, no ter de afirmar seguidamente que no sei. (FREIRE, 1996, p.

    90)

    Embora Freire ressalte a importncia do professor no mentir para o aluno, do

    professor assumir que no sabe responder determinada dvida do aluno, ele, tambm, diz

    que o professor precisa estar preparado para no responder com frequncia que no sabe,

    para no perder a autoridade de quem conhece. Desse modo, parece que o professor precisa

    ter conhecimento adequado sobre o que est ensinando e, tambm, precisa contrabalancear

    contedo e afetividade em sala de aula, tomando cuidado para no tender somente a um ou

    outro, para no prejudicar um com a prtica demasiada do outro.

    A afetividade no se acha excluda da cognoscibilidade. O que no posso

    obviamente permitir que minha afetividade interfira no cumprimento

    tico de meu dever de professor no exerccio de minha autoridade. No posso condicionar a avaliao do trabalho escolar de um aluno ao maior

    ou menor bem querer que tenha por ele. (FREIRE, 1996, p. 141)

    A maioria dos entrevistados enfatizou a importncia do contedo, do quanto falta

    desses fizeram na graduao, principalmente no incio. No pretenso, desse texto,

    afirmar que a falta do contedo, citada nas falas, aconteceu devido afetividade

    demasiada, mas sugerir que exista por parte do professor preocupaes relacionadas

    afetividade e contedo. Nessa direo, Freire advertiu que

    preciso, por outro lado, reinsistir em que no se pense que a prtica

    educativa vivida com afetividade e alegria, prescinda da formao cientfica sria e da clareza poltica dos educadores ou educadoras. A

    prtica educativa tudo isso: afetividade, alegria, capacidade cientfica,

    domnio tcnico a servio da mudana ou, lamentavelmente, da permanncia do hoje. (FREIRE, 1996, p.142)

  • XI Encontro Nacional de Educao Matemtica Curitiba Paran, 18 a 21 de julho de 2013

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    Na entrevista da Alcia, ainda em relao ao contedo, surgiu um assunto delicado

    e, ao mesmo tempo, polmico sobre os contedos que o aluno no vai usar.

    Eu gosto de matemtica, ento eu adoro aprender tudo que se relaciona

    a matemtica, mas s que eu... vou ser sincera, sou meio contra a essa coisa de a gente as vezes ficar ensinando coisas que o aluno...tipo, no

    vai usar... As vezes voc pode ensinar uma matemtica bem mais til pra

    ele. Eu acho que acabaria se tornando bem mais interessante para o aluno, ento, por exemplo [...] polinmio, eu adoro polinmio, a gente

    que t na matemtica v utilidade, mas o aluno que no Ensino Mdio

    para que ele vai usar polinmio? O que mais pertinente voc ensinar o aluno a calcular: juros simples, juros composto, fazer uma tabela no

    Excel, saber ... essa coisa tipo quando ele for comprar saber o que usar,

    analisar essas coisas, ainda mais no mundo capitalista que a gente vive

    hoje[...] mais pertinente trabalhar isso com o aluno do que trabalhar diviso de polinmio, mtodo de Briot. (Alcia)

    Considerando que se trata de um assunto muito delicado, em vista que o professor

    no sabe qual carreira o aluno ir seguir, considerando que na maioria das vezes quando

    adolescente no estamos aptos a fazer escolhas definitivas e que em uma sala de aula

    existem muitos alunos idealizando muitas coisas. Com isso, acredita-se ser difcil escolher,

    direcionar o contedo que o aluno ou uma sala de alunos deve aprender, ou seja, escolher o

    que necessrio ou desnecessrio ensinar. Seguindo esse pensamento e voltando no

    discurso da Alcia, em que ela cita a falta de contedos no ensino bsico, questiono: Ser

    que os professores do Ensino Bsico, citado por ela, tambm pensaram assim e por isso

    deixaram de cumprir alguns contedos da ementa? Se isso aconteceu, ento no poderia

    haver a sensao de ter sido enganada pelos seus professores, porque eles podem ter

    optado por ensinar contedos que julgaram necessrios. Tenho a clareza de que essa

    discusso densa e renderia uma discusso profunda, que por hora no foi aprofundado

    nesta pesquisa de IC, em virtude de sua amplitude, j que esse apenas o inicio de uma

    discusso sobre tal aspecto que se mostra nos dados. Contudo, fica em aberto algumas

    reflexes que podem alavancar outras pesquisas. Afinal, que matemtica nossos

    professores querem nos ensinar? A "pronta e acabada"? Ou a "no pronta e no acabada"?

    So questes difceis que merecem um debate mais amplo, pois em minha opinio a

    Matemtica no nem pronta nem acabada, mas a matemtica que aprendemos, na maioria

    das vezes, parece que .

    4. Discusso dos resultados

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    Anais do XI Encontro Nacional de Educao Matemtica ISSN 2178-034X Pgina 10

    Na anlise dos dados emergiram muitas ideias de Paulo Freire no depoimento

    desses futuros professores, tanto no que se refere a concepes bancrias de educao,

    quanto a noes relacionadas libertao. Dentro da temtica contedo, os sujeitos

    apresentaram em seus discursos ensaios e compreenses sobre essa temtica, apontando na

    maioria das vezes as prticas dos seus professores do ensino bsico para falar sobre o que

    havia sido questionado. Alm disso, os estudantes destacaram algumas prticas que

    pretendem reproduzir futuramente em sala de aula e outras que intencionam evitar.

    Nas entrevistas, ficou evidente o quanto o professor deixa marcas da sua prtica no

    aluno sendo bastante lembradas pelos futuros professores quando questionados sobre que

    professor idealiza ser futuramente e como isso se reflete nas escolas, por meio de prticas

    positivas e negativas, fruto das concepes que os professores carregam para a docncia.

    Um exemplo disso, que se a matemtica estiver sendo vista como algo de difcil acesso,

    ou seja, para poucos privilegiados, dificilmente teremos um amplo aproveitamento dos

    alunos em matemtica. Freire (2011a) descreve essa situao como sendo a fuga do real, a

    tentativa de domesticar o aluno pela ocultao da verdade, confirmando num discurso falso

    que o aluno no capaz de aprender matemtica. Por isso, formar muito mais do que

    puramente treinar o educando no desempenho de destrezas (FREIRE, 1996).

    Desse modo, abrindo um parntese, ainda nessa direo, ressalta-se que:

    Se nossas escolas, desde a mais tenra idade de seus alunos se entregassem ao trabalho de estimular neles o gosto da leitura e o da escrita, gosto que

    continuasse a ser estimulado durante todo o tempo de sua escolaridade,

    haveria possivelmente um nmero bastante menor de ps-graduandos

    falando de sua insegurana ou de sua incapacidade de escrever. Se estudar para ns no fosse quase sempre um fardo, se ler no fosse uma

    obrigao amarga a cumprir, se, pelo contrrio, estudar e ler fossem

    fontes de alegria e de prazer, de que resulta tambm o indispensvel conhecimento com que nos movemos melhor no mundo, teramos ndices

    melhor reveladores da qualidade de nossa educao. Este um esforo

    que deve comear na pr-escola, intensificar-se no perodo da alfabetizao e continuar sem jamais parar. (FREIRE, 1997)

    Os dados revelaram que nas compreenses dos licenciandos existem alguns traos

    da educao proposta por Paulo Freire, no sentido que se preocupam com a formao e

    prtica docente, mas, se analisarmos o todo, no encontramos esses aspectos sendo

    trabalhados de forma conjunta a formar cidados crticos e ainda se nota que a ideia de

    transmisso de contedo muito forte.

    Me parece demasiado bvio que a educao de que precisamos, capaz de

    formar pessoas crticas, de raciocnio rpido, com sentido do risco,

    curiosas, indagadoras no pode ser a que exercita a memorizao

  • XI Encontro Nacional de Educao Matemtica Curitiba Paran, 18 a 21 de julho de 2013

    Anais do XI Encontro Nacional de Educao Matemtica ISSN 2178-034X Pgina 11

    mecnica dos educandos. A que treina em lugar de formar. No pode ser a que deposita contedos na cabea vazia dos educandos, mas a que, pelo contrrio, os desafia a pensar certo. Por isso, a que coloca ao educador ou educadora a tarefa de, ensinando contedos aos educandos,

    ensinar-lhes a pensar criticamente. O aprendizado de um contedo que se

    d a margem de ou sem incorporar o aprendizado maior que o da

    rigorosidade do pensar no sentido de apreenso da razo de ser do objeto no possibilita a indispensvel rapidez de raciocnio para resolver quela

    exigncia. (FREIRE, 2000, p. 45)

    Por outro lado, no parecem explicitar que se vem como um educador crtico

    transformador da realidade social que o cerca, conforme apregoado por Freire. Parece que

    os futuros professores compreendem o presente como algo que no pode ser mudado em

    geral, como um presente de limitaes, ao contrrio do que Freire (2011c) defende sobre

    um presente de possibilidades. Por outro lado, pode ser que o caminho para ser um

    professor diferente pode ser interpretado como um movimento para que se humanizem,

    no sentido dinmico de humanidade, exposto por Freire.

    Acredito que papel do professor ajudar o aluno a romper a cultura do silncio,

    faz-lo descobrir que no apenas pode falar, mas, tambm, que seu discurso crtico sobre o

    mundo, uma forma de refaz-lo, de transformar o mundo. Porm, a educao sozinha

    [...] no faz a transformao do mundo, mas esta a implica (FREIRE, 2011a).

    No tendo compreenses sobre as preocupaes polticas que so discutidas em

    suas obras, como por exemplo, criar uma sociedade em que, por exemplo, perguntar seja

    um ato comum, dirio... (FREIRE, 2011c). Por mais que se preocupam com a relao

    professor-aluno, no esto atentos a relao profunda entre opressor e oprimido, a relao

    de poder que existe nessa relao conforme prope Freire (2011b).

    Deste modo, foi extremamente importante investigar as compreenses de

    licenciandos em matemtica sobre a educao para apresentar encaminhamentos de uma

    formao de professores de matemtica que contemple as necessidades sociais atuais,

    como defende Paulo Freire.

    No fundo, o que eu quero dizer que o educando se torna realmente educando quando e na medida em que conhece, ou vai conhecendo os

    contedos, os objetos cognocveis, e no na medida em que o educador

    vai depositando nele a descrio dos objetos, ou dos contedos. (FREIRE, 2011a, p. 65)

    Com este projeto de iniciao cientfica tivemos uma janela para olhar como o

    licenciando v a docncia no momento em que se torna docente! Nesta pesquisa, o ser

    professor est relacionado afetividade, autonomia, contedo e transmisso de valores.

    Embora elas no se mostrem articuladas do modo como Paulo Freire as idealizou,

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    possvel observar alguns traos que indicam, para esses licenciandos, que tornar-se

    professor significa ensinar e aprender em um exerccio dialgico, que vai alm da

    transmisso de contedos, envolvendo relaes de amizade, liberdade, responsabilidade,

    tica e respeito mtuo.

    5. Referncias

    BICUDO, M. A. V. Pesquisa Qualitativa e Pesquisa Quantitativa Segundo a Abordagem

    Fenomenolgica. In: ARAJO, J. L.; BORBA, M. C. (orgs.). Pesquisa Qualitativa em

    Educao Matemtica. Belo Horizonte: Autntica, 2006.

    FREIRE, P.; SHOR, I. Medo e Ousadia: o cotidiano do professor. 7 Ed. So Paulo: Paz e

    Terra, 2011.

    FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia. So Paulo: Paz e Terra, 1996.

    FREIRE, P. Pedagogia da Esperana. 17 Ed. So Paulo: Paz e Terra, 2011a.

    FREIRE, P. Pedagogia da Indignao: cartas pedaggicas e outros inscritos. So Paulo:

    UNESP, 2000.

    FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. 50 Ed. So Paulo: Paz e Terra, 2011b.

    FREIRE, P. Por uma Pedagogia da Pergunta. 7 Ed. So Paulo: Paz e Terra, 2011c.

    FREIRE, P. Professora sim, tia no: cartas a quem ousa ensinar. So Paulo: Olho dgua,

    1997.

    GOLDENBERG, M. A arte de pesquisar. 12 Ed. Rio de Janeiro: Record, 2011.

    ROSA, M. V. F. P. C.; ARNOLDI, M. A. G. C. A Entrevista na Pesquisa Qualitativa:

    mecanismos para validao dos resultados. Belo Horizonte: Autntica, 2006.