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UM MAR DE PROBLEMAS: INTERESSES ESTRATÉGICOS E A LUTA PELO PODER NO MAR DO SUL DA CHINA Wagner Martins dos Santos (PUC-Minas) Resumo: A região do Mar do Sul da China é considerada estratégica para todos os países que compõem o Sul Asiático, cobrindo uma área de aproximadamente 3,5 milhões de km². Rica em recursos naturais e minerais, e com saída estratégica para o Oceano Pacífico, tornando-se uma rota marítima chave para o comércio mundial, a área, a partir da década de 1990, passou a ser ainda mais cobiçada, especialmente pela própria China. De importância crítica para o governo chinês em sua segurança doméstica e estabilidade enquanto potência emergente, este artigo analisa o que está em jogo nas disputas territoriais pelo domínio da região e o motivo pelo qual é considerada fundamental para o equilíbrio regional. A pesquisa ainda analisa as razões que têm levado à tensão entre a China e os Estados Unidos na área e as possíveis consequências do choque de interesses para a relação entre as duas nações: Pode a rivalidade China-EUA nos conduzir a um conflito militar entre as duas potências? O que os demais países asiáticos têm feito para contemplar seus interesses na região sem confrontar o ímpeto expansionista chinês? Palavras-chave: Mar do Sul da China; China; Estados Unidos; Disputas territoriais; Segurança Internacional. A SEA OF TROUBLES: STRATEGIC INTERESTS AND THE STRUGGLE FOR POWER IN THE SOUTH CHINA SEA Abstract: The South China Sea region is considered strategic for all countries of South Asia, covering an area of approximately 3.5 million km². Rich in natural and mineral resources, and strategic output to the Pacific Ocean, becoming a maritime key route for world trade, the area, since the 1990s, has become even more coveted, especially for China itself. Of critical importance to the Chinese government in its domestic security and stability as an emerging power, this article analyzes what is at stake in territorial disputes for control over the region and the reasons why it is considered crucial to the regional stability. The research also analyzes the reasons that have led to tension between China and the United States in the area and the possible impact of the consequences of interest for the relationship between the two nations: Can China-US rivalry lead us to a military conflict between the two powers? What other Asian countries have made to contemplate their interests in the region without confronting the Chinese expansionism? Keywords: South China Sea; China; United States; Territorial disputes; International Security.

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UM MAR DE PROBLEMAS: INTERESSES ESTRATÉGICOS E A LUTA PELO

PODER NO MAR DO SUL DA CHINA

Wagner Martins dos Santos (PUC-Minas)

Resumo: A região do Mar do Sul da China é considerada estratégica para todos os países que

compõem o Sul Asiático, cobrindo uma área de aproximadamente 3,5 milhões de km². Rica

em recursos naturais e minerais, e com saída estratégica para o Oceano Pacífico, tornando-se

uma rota marítima chave para o comércio mundial, a área, a partir da década de 1990, passou

a ser ainda mais cobiçada, especialmente pela própria China. De importância crítica para o

governo chinês em sua segurança doméstica e estabilidade enquanto potência emergente, este

artigo analisa o que está em jogo nas disputas territoriais pelo domínio da região e o motivo

pelo qual é considerada fundamental para o equilíbrio regional. A pesquisa ainda analisa as

razões que têm levado à tensão entre a China e os Estados Unidos na área e as possíveis

consequências do choque de interesses para a relação entre as duas nações: Pode a rivalidade

China-EUA nos conduzir a um conflito militar entre as duas potências? O que os demais

países asiáticos têm feito para contemplar seus interesses na região sem confrontar o ímpeto

expansionista chinês?

Palavras-chave: Mar do Sul da China; China; Estados Unidos; Disputas territoriais;

Segurança Internacional.

A SEA OF TROUBLES: STRATEGIC INTERESTS AND THE STRUGGLE FOR

POWER IN THE SOUTH CHINA SEA

Abstract: The South China Sea region is considered strategic for all countries of South Asia,

covering an area of approximately 3.5 million km². Rich in natural and mineral resources, and

strategic output to the Pacific Ocean, becoming a maritime key route for world trade, the area,

since the 1990s, has become even more coveted, especially for China itself. Of critical

importance to the Chinese government in its domestic security and stability as an emerging

power, this article analyzes what is at stake in territorial disputes for control over the region

and the reasons why it is considered crucial to the regional stability. The research also

analyzes the reasons that have led to tension between China and the United States in the area

and the possible impact of the consequences of interest for the relationship between the two

nations: Can China-US rivalry lead us to a military conflict between the two powers? What

other Asian countries have made to contemplate their interests in the region without

confronting the Chinese expansionism?

Keywords: South China Sea; China; United States; Territorial disputes; International

Security.

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Mapa 1 - O Mar do Sul da China

Fonte: CÁCERES, 2014, p. xii

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Introdução

A ascensão da China como um ator-chave no cenário global é, sem dúvida, um fenômeno de

grande impacto nas relações internacionais (SHAMBAUGH 2005; TALMON; JIA, 2014;

WANG 2004). Muito se tem debatido sobre como os líderes chineses usarão seu crescente

poder econômico, político e militar para perseguir seus interesses nacionais, e como o mundo

deve responder a uma China cada vez mais poderosa e decisiva regional e mundialmente. Para

Li (2009), embora importantes, essas questões não podem ser totalmente respondidas sem que

sejam consideradas as percepções de segurança chinesas que têm levado o país a tomar

decisões cada vez mais expansionistas. Como os líderes chineses e as elites políticas do país

compreendem a estrutura do sistema internacional do pós-Guerra Fria? Como eles percebem

os interesses da China e seu papel em um contexto de segurança internacional cada vez mais

dinâmico? E como essas questões se relacionam com política doméstica e a agenda

econômica do país?

Embora todas essas questões sejam desafiadoras do ponto de vista da segurança

internacional, esta pesquisa analisa as disputas territoriais cada vez mais acirradas e perigosas

na região do Mar do Sul da China (MSC), com impactos sobre todos os países que estão

localizados em seu entorno1 e que tem alertado os Estados Unidos sobre a crescente influência

chinesa na área. Desde o estabelecimento da República Popular da China (RPC), os líderes

chineses têm dado extrema importância política às questões de segurança e cálculos

estratégicos (LO, 1989). Mais recentemente, sobretudo a partir da década de 1990, a China

tem buscado manter parcerias estratégicas com grandes atores internacionais. Não há dúvidas

que o gigante asiático possui aspirações globais. Todavia, por questões históricas e

geográficas, o Sul e o Leste Asiático permanecem sendo seus focos principais (BUSZYNSKI;

ROBERTS, 2014; LI, 2009).

Em termos de desenvolvimento econômico e questão de segurança, o Leste Asiático é

considerado pelos líderes chineses como a região mais importante. É uma área sob a qual as

atividades comerciais e econômicas chinesas dependem; onde a China possui interesses de

segurança vitais, ao passo que disputas territoriais mal resolvidas podem facilmente conduzir

a um conflito militar num futuro próximo. Por isso, não é surpresa que seus líderes prestem

cada vez mais atenção aos movimentos das grandes potências na região (THUY; TRANG,

2015). Especial atenção tem sido dada à Rússia e aos Estados Unidos, potências nucleares e

1 Ver Mapa 1.

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membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU). Mas também

ao Japão, que embora possua limitada capacidade militar, é uma potência econômica com

perfil global em expansão.

Apesar de uma série de acordos terem sido firmados no início de 1960, as disputas

sobre muitas partes das fronteiras chinesas permanecem instáveis. Segundo Lo (1989), desde

1949 a China reivindicou territórios com praticamente todos os seus vizinhos que são

banhados pelo MSC. A disputa territorial chinesa com eles tem sido acompanhada por

grandes operações militares que comprometem a estabilidade regional: a disputa ao longo da

fronteira sino-indiana em 1962; a fronteira sino-soviética em 1969 e a disputa sobre as Ilhas

Paracel em 1974 são alguns exemplos (WEISSMANN, 2010).

Como consequência de um ambiente historicamente tenso, as disputas territoriais no

MSC têm se tornado um campo fértil e uma importante área de investigação para a política

externa chinesa. Não é diferente nesta pesquisa: O que está em jogo nas disputas territoriais

no Mar do Sul da China? Por que ela é tão estratégica para a China e seu ímpeto

expansionista? Qual a importância comercial da região para a economia chinesa? Por que a

China tem realizado operações militares com frequência para fazer valer suas reivindicações

territoriais em alguns locais e outros não? Qual o impacto dessas operações para o equilíbrio

regional? Por que os Estados Unidos possuem interesse na região? Pode a China entrar em

conflito com os Estados Unidos pelo controle local? Tais questionamentos são cruciais para se

entender o atual contexto de disputa territorial no MSC e serão analisados ao longo desta

pesquisa.

Este artigo gira em torno de pelo menos três tópicos centrais: no primeiro, inicio

expondo a posição geográfica do Mar do Sul da China e suas riquezas natural e mineral,

revelando a importância econômica da região, sobretudo para a indústria pesqueira, e,

posteriormente, analiso sua relevância geoestratégica como central para as disputas territoriais

na região. No segundo, elenco os principais países e suas reivindicações de soberania. Nesta

parte, que não será uma análise exaustiva, sintetizo os principais argumentos e o que está em

jogo em cada reivindicação. No terceiro, levanto uma temática cada vez mais debatida: a

possibilidade do conflito entre a China e os Estados Unidos pelo controle da região. Ao final,

exponho a dificuldade de se analisar a questão das disputas territoriais, pois envolvem desde

questões culturais e históricas, até argumentos geopolíticos e estratégicos em defesa da

segurança regional e contra possíveis ataques militares contra o continente Asiático.

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1 O Mar do Sul da China

1.1 Posição geográfica e riquezas natural e mineral

O Mar do Sul da China compreende uma região semifechada localizada ao Sul da China

Continental e Taiwan, limitada a Leste pelas Filipinas, a Oeste por Taiwan, e ao Sul por

Brunei e Malásia.2 Considerado o maior mar do mundo, e cobrindo uma área de

aproximadamente 3,5 milhões de km², possui um grande número de ilhas, das quais a maioria

é desabitada. Dentre as mais importantes estão as Ilhas Paracel e Spratly. As reivindicações da

China, Vietnã, Filipinas, Malásia, Brunei e Taiwan sobre esses grupos de ilhas e rochas, que

foram ocupados por vários países requerentes de soberania sobre eles, tem sido uma fonte

contínua de tensão e até mesmo conflito, que por sua vez mina a paz e a estabilidade em toda

região Ásia-Pacífico (BATEMAN; EMMERS, 2009; TALMON; JIA, 2014).

O MSC se conecta com outros mares através do Estreito de Taiwan, de Lombok e de

Malacca, onde faz o encontro estratégico entre os Oceanos Pacífico e Índico. Em toda sua

extensão, o MSC tem aproximadamente 2000 quilômetros no sentido Norte-Sul e 1000

quilômetros no Leste-Oeste. Possui um grande número de ilhas, recifes e rochas distribuídas

por toda sua extensão (HONG, 2012).

Por sua grande extensão e localização privilegiada, a área detém riquezas naturais e

minerais que têm despertado a cobiça dos países asiáticos, mas também de outras potências,

em especial pelo fato de um terço dos seus quase 3 milhões de km² estar localizado sobre uma

plataforma continental de menos de 200 metros de profundidade, sobretudo a Oeste e Sul da

Ásia (DJALAL, 1998). Embora não seja difícil precisar a profundidade de plataformas

continentais, a presença de petróleo e gás é. A estimativa do potencial de recursos minerais

varia bastante. Bateman (2009) ressalta que, enquanto os Estados Unidos alegam ser a área

detentora de 7 bilhões de barris de óleo, o governo chinês estima o potencial entre 105-213

bilhões de barris. O mesmo se aplica ao potencial de hidrocarbonetos, gás e petróleo, ao passo

que as estimativas são divergentes e incertas. Enquanto a Agência de Energia Americana3

estima que existam reservas de 11 bilhões de barris de petróleo e aproximadamente 190

trilhões de metros cúbicos de gás, as autoridades chinesas consideram 125 bilhões de barris de

petróleo e 500 trilhões de metros cúbicos de gás, respectivamente. Todavia, independente da

divergência nesses dados, eles revelam a riqueza e importância da área como fonte de

2 Ver Mapa 1.

3 EIA, em inglês.

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recursos essenciais para o mercado internacional.

Além da notória riqueza mineral e potencial de reservas de óleo e gás, o MSC é uma

das regiões marinhas mais importantes do mundo, com centenas de variedades de peixes, a

ponto de ocupar a quarta posição mundial em áreas mais ricas de espécies de peixes (NÆSS,

2002). Sua capacidade pesqueira é estimada em 7,5 toneladas por km² anuais apenas ao redor

das Ilhas Spratly. Anualmente, os Estados do Mar do Sul da China produzem mais de 8

milhões de toneladas de peixes, respondendo por 1/10 (10%) de toda a captura mundial e 23%

de todo continente asiático, tornando-se vital para as indústrias de pesca dos países da região

(DUPONT, 1998; XINJUN, 2015). Bateman (2009) ainda ressalta que cento e vinte e cinco

grandes rios desaguam em diversos pontos do MSC, e mais de 30 por cento de todos os corais

do mundo estão, ou fazem fronteira, ao longo da região, em especial ao redor dos

arquipélagos da Indonésia e Filipinas.

Por sua riqueza natural e mineral, a região tornou-se uma das rotas marítimas de maior

circulação no mundo, passando por suas águas mais da metade da frota perolífera e comercial

do mundo. Rosenberg (2010) explica que toda essa movimentação corre devido à localização

geográfica, sendo o caminho mais curto a partir do Oriente Médio e da África para o

escoamento de petróleo e recursos naturais rumo à Ásia, além de dar estratégico acesso ao

Sudeste Asiático, onde encontra os maiores exportadores de produtos manufaturados do

mundo.

1.2 Interesse geopolítico

A vasta maioria das Ilhas presentes no MSC, em especial as Ilhas Spratly, são remotas,

improdutivas, áridas, pequenas, desabitadas, rochosas e de baixa elevação, próxima ao nível

do mar. Mesmo as partes maiores e com algum potencial de habitação não têm sido capazes

de manter uma população constante e com condições essenciais de vida, limitando-se a serem

pontos de pesca rotineiros. A ausência de habitação permanente pode ser atribuída às

características físicas das ilhas, tanto pelo tamanho quanto pela inexistência de água doce. Até

mesmo a vegetação não consegue ser significativa, evoluindo para grandes árvores, levando o

local a ser pouco atraente nessas questões (SCHOFIELD, 2009). Além disso, a única fonte

real de riqueza é pesca. A presença de grandes porções de hidrocarbonetos, óleo e gás natural,

embora relevantes, permanecem sendo estimativas. E mesmo se as estimativas forem verdade,

ainda se faz necessário o desenvolvimento de técnicas de perfuração para exploração desses

recursos. Dito isto, o benefício econômico não pode ser a única atração que o Mar do Sul da

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China pode trazer aos países que o reivindicam. Nesses termos, questiona-se: por que a região

tem sido alvo de cobiça e disputas históricas ferrenhas entre os países banhados pelo Mar? A

resposta está em sua posição geoestratégica (ANH, 2015; KIM, 2015; THUY; TRANG,

2015).

É a importância geoestratégica que tem sido a principal razão para as partes

envolvidas disputarem e reivindicarem as Ilhas Spratly e Paracel. Como oceano que conecta

todos os territórios litorâneos do Sul e Sudeste Asiático, o MSC tem sido usado há séculos

pela sua localização estratégica. Anh (2015) ressalta que o Mar do Sul da China é a porta de

entrada e saída do mundo para os países do Sul Asiático, sendo também o elo para a

navegação e uma importante barreira natural de segurança para vários países litorâneos. Uma

vez que questões acerca da segurança marítima e liberdade de navegação em tempos de

pirataria têm sido cada vez mais frequentes, e não são apenas de interesse de países costeiros,

mas de todos que utilizam o mar com alguma finalidade, o MSC pode ser classificado

geopolítica, econômica e estrategicamente como um dos mares mais importantes do mundo

(BATEMAN, 2009, HAYTON, 2014; JUN, 2015).

O Mar do Sul da China fornece um vasto oceano de acesso para os países da região.

Mesmo sendo o terceiro maior país do mundo em dimensão territorial, a China possui uma

desvantagem estratégica em espaço marítimo. É porta de saída do país para o mundo. Torna-

se compreensível o desejo expansionista chinês pelas ilhas, não apenas para expandir seu

espaço marítimo, mas servir como rota estratégica para suas constantes ações militares. Por

sua vez, a mesma importância tem para os demais Estados ao seu redor, sendo um bem

comum que naturalmente gera tensão e incerteza sobre possíveis movimentos militares que

possam colocar em cheque a estabilidade regional, uma vez que todos desejam desfrutar da

riqueza e prosperidade que a região pode trazer (SWAINE, 1998; CÁCERES, 2014).

Também é uma rota estratégica de abastecimento para a maioria das economias da

região, fornecendo, em suas rotas, segurança vital para muitos países. Sendo um dos maiores

importadores de petróleo e gás do mundo, a China precisa garantir a sua segurança energética

no transporte desses elementos. O Departamento de Energia dos Estados Unidos estimou que,

em 2011, 4,5 trilhões de barris de petróleo e 0,6 trilhões de pés cúbicos de gás natural

liquefeito foram transportados ao longo de todo o Mar do Sul da China por dia. Este número

tende a crescer na medida em que o país tem se consolidado como uma das maiores potências

econômicas do mundo (ANH, 2015; THUY; TRANG, 2015).

Para alguns Estados do Sudeste Asiático, o MSC também possui papel relevante em

questões de segurança. Alguns exemplos históricos podem ser citados: (1) durante a Guerra

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Fria, quando algumas nações litorâneas enfrentaram ameaças militares; (2) em 1856 quando o

Vietnã enfrentou ameaças e ataques em sua costa pela França; (3) em 1964 quando os Estados

Unidos desferiram ataques aéreos contra o Vietnã; e (4) quando o Japão conquistou a Malaya

(atuais Malásia e Brunei) durante a Segunda Guerra Mundial.

Mais recentemente, o MSC está sendo disputado também pelos Estados Unidos. Por

um lado, essa disputa revela a tensão entre uma China em franca ascensão, prestes a exercer

uma maior influência em toda Ásia, e, por outro, os Estados Unidos dispostos a manter seu

“status quo” e preservar sua forte presença em uma região de crescente e notória importância

estratégica (TALMON; JIA, 2014). A China alega ser o MSC uma zona histórica de sua

influência, e sob a qual ela goza de plena soberania. Tendo o controle sobre toda a região, ela

seria capaz de monitorar os movimentos de navios ou qualquer outra movimentação que

julgue ameaçadora contra sua soberania territorial. Anh (2015) ainda ressalta que o fato de as

Ilhas Spratly estarem no meio do Mar, ofereceriam o local ideal para monitorar toda

movimentação marítima em seu entorno, impedindo com antecedência qualquer ação bélica

ou avessa aos seus propósitos, ou ainda a todo continente asiático. Tendo o domínio

estratégico, a China ainda teria uma grande área para exercer seu poder naval e demonstrar

sua força operando submarinos capazes de proteger contra qualquer ameaça antes mesmo que

ela chegue na costa dos países que compõem todo o Sul e Sudeste Asiático, incluindo

possíveis ataques dos Estados Unidos.

A importância geoestratégica do Mar do Sul da China tem transformado, cada vez

mais, o que seria uma disputa regional, em internacional. Progressivamente tem se tornado

um tabuleiro de xadrez estratégico para as grandes potências, seja em questões econômicas,

uma vez que mais da metade da frota perolífera e comercial do mundo passam por suas águas;

mas também, e essencialmente, por questões geoestratégicas. Como afirma Huang e Jagtiani

(2015): “Quem controla o Mar do Sul da China controla o Pacífico Ocidental”4 (HUANG;

JAGTIANI, p. 7, tradução nossa).

2 Reivindicações dos países banhados pelo Mar do Sul da China

Nos subtópicos a seguir, sintetizo os principais argumentos e reivindicações dos países que

reivindicam porções territoriais no Mar do Sul da China. A análise serve para mostrar como

os interesses de cada país se sobressaem em seus argumentos e locais reivindicados. A síntese

4 Texto original em inglês: Whoever controls the South China Sea controls the western Pacific.

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obedece à seguinte ordem analítica: Brunei; Camboja; República Popular da China;

Indonésia; Malásia; Filipinas; Taiwan; Tailândia; e Vietnã.5

Brunei

Na parte sul do Mar da China Meridional, Brunei reclama uma Zona Econômica Exclusiva

(ZEE) de 200 milhas náuticas6 e o aumento natural de sua plataforma continental. Além disso,

reivindica soberania sobre o Recife de Louisa no arquipélago das Ilhas Spratly. Desde 1982,

com a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM), Brunei sustenta sua

suposta ZEE e a plataforma continental no Mar do Sul da China. No caso do Recife de

Louisa, Brunei se baseia no fato de que o Recife está localizado dentro da plataforma

continental reivindicada, o que naturalmente outorga seu direito sobre ele.

Camboja

O Camboja reivindica soberania sobre as ilhas, ilhotas e recifes presentes no Golfo da

Tailândia, e o controle de todos esses recursos. O país também reivindica 200 milhas náuticas

e o prolongamento de seu território continental no Golfo da Tailândia, ao longo de sua costa

até o Sudoeste e Sul tailandês. Desde a década de 1960 o país reivindica essa porção

territorial, provocando crises diplomáticas com o seu vizinho regional.

República Popular da China

A China, juntamente com Taiwan, possui as mais amplas reivindicações sobre o Mar do Sul

da China. O país reclama soberania sobre todas as Ilhas Paracel, Spratly e Prata. Além disso, a

China reivindica as principais zonas marítimas do MSC, chamadas “águas históricas” em uma

área em forma de U para o Sul e Leste da costa vietnamita, alcançando o Nordeste das Ilhas

Natuna controladas pela Indonésia, o Norte da Malásia, O Nordeste da costa de Brunei e o

estado malaio de Sabah, e mais ao Norte tomando toda parte Oeste das Filipinas. A China

também reclama uma ZEE de 200 milhas náuticas e o prolongamento de sua plataforma

continental ao longo do Golfo de Tonkin.

É importante destacar que, desde 1956 a China iniciou o controle do arquipélago de

Paracel, tendo total domínio em 1974. Já no arquipélago de Spratly iniciou sua ocupação em

5 A análise aqui sintetizada foi extraída de vários autores. Para uma leitura aprofundada, cito: Kaplan (2014),

Jacques (2009), Kivimäki (2002), Cáceres (2014), Elleman, Kotkin e Schofeld (2013), Fels e Vu (2016), Li

(2009), Lo (1989), Shicun (2013), Wu; Zou (2009), Jayakimar; Koh; Beckman (2014), Buszynski; Roberts

(2014), Hayton (2014), Yee (2015). 6 Milha náutica é uma unidade de medida utilizada em navegação marítima e aérea, e na medição de distâncias

marítimas. Cada milha náutica equivale a 1,852 km. No caso de Brunei, o país reclama 200 milhas náuticas,

que equivale, por sua vez, a 370,4 km.

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1988. Desde então, continua a expandir o controle sobre as ilhas e recifes do arquipélago. A

estimativa é que ela controle ao menos dez ilhas, ilhotas e recifes nas Spratly. Já as Ilhas Prata

são controladas por Taiwan. As reclamações chinesas são baseadas em registros e mapas

históricos que são usados para sustentar dois tipos de reivindicações: (1) que a China

descobriu os grupos de ilhas no MSC, e (2) que eles realizaram não apenas o descobrimento,

mas a ocupação e desenvolvimento do local.

Indonésia

A Indonésia controla as Ilhas Anambas, Badas, Natuna e Tambelan. O país, no entanto,

reivindica uma ZEE de 200 milhas náuticas e o prolongamento de sua plataforma continental

até o Sul da China, passando pelo norte das Ilhas Anambas e leste das Ilhas Natuna. Por

possuir um território bastante recortado e arquipélago, suas reivindicações seguem a norma de

medição contínua de suas ilhas. As ZEE e a extensão de sua plataforma continental são

medidas pela continuidade de suas ilhas até que circunde todo o território aclamado pelo país.

A reivindicação indonésia parte do pressuposto de que as ilhas são parte do arquipélago

indonésio, uma extensão dele, e, portanto, pertencentes ao país.

Malásia

A Malásia reivindica soberania territorial sobre a parte sul do arquipélago Spratly, além de

uma ZEE de 200 milhas náuticas e o prolongamento de sua plataforma continental no MSC

ao longo da sua costa Leste e da costa de seus estados Sabah e Sarawak. Além disso, reclama

o prolongamento de sua plataforma até o Golfo da Tailândia além de sua costa Nordeste

peninsular. Essas reinvindicações existem desde a década de 1960. Atualmente controla pelo

menos três ilhas e recifes no arquipélago de Spratly. Desde 1983, quando tomou o controle do

Recife de Swallow, a Malásia vem expandindo seu controle sobre a região.

Filipinas

As Filipinas reivindicam soberania sobre quase todas as ilhas do arquipélago de Spratly, com

exceção da própria Ilha de Spratly em si e os Recifes Royal Charlotte, Swallow e Louisa.

Também reclama uma ZEE de 200 milhas náuticas e o prolongamento de sua plataforma

continental no Mar do Sul da China, especificamente a parte Oeste do país.

Atualmente as Filipinas controlam oito ilhas, ilhotas e recifes ao longo do arquipélago

de Spratly. O controle de cinco ilhas, ilhotas e recifes teve início na década de 1970, e desde

então o país tem expandido seu controle sobre demais regiões. Por ser um Estado arquipélago,

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com território recortado, sua reivindicação segue os mesmos interesses e argumentos

indonésios.

Taiwan

Taiwan, pela sua proximidade com a China, possui as mesmas reivindicações de sua vizinha.

Entre as ilhas do MSC, Taiwan reivindica soberania sobre as ilhas Paracel e Spratly, além das

Ilhas Prata. Taiwan também reclama as principais partes das zonas marítimas da China, em

especial as chamadas “águas históricas” que se estendem tanto ao Sul quanto a Leste e

Nordeste da Indonésia, passando pelo Norte da Malásia no estado de Sarawak, pelo Nordeste

ao longo da costa de Brunei e o Estado malaio de Sabah, chegando ao Norte e Oeste das

Filipinas. Além disso, o país reivindica uma ZEE de 200 milhas náuticas e o prolongamento

natural da sua plataforma continental no Golfo do Tonkin.

Atualmente Taiwan controla Itu Aban no arquipélago de Spratly e as Ilhas Prata. O

país não controla, além desses, nenhuma outra ilha ou recife, que são dominados basicamente

pelo seu vizinho chinês. Assim como a China, suas reivindicações são baseadas em mapas

que são usados para defender suas posições de presença histórica e consequente direito natural

sobre as ilhas e recifes ao seu redor.

Tailândia

A Tailândia reivindica a soberania sobre todas as ilhas, ilhotas e recifes no Golfo da

Tailândia, e controla a maior parte desses recursos atualmente. O país também reclama uma

ZEE de 200 milhas náuticas e o prolongamento natural de sua plataforma continental do

Golfo da Tailândia que se estende ao Norte e Oeste do Golfo. Sua alegação histórica, datada

desde 1959, tem ganho força desde o início da década de 1970.

Vietnã

O Vietnã reivindica a soberania sobre a totalidade dos arquipélagos de Paracel e Spratly, além

de uma ZEE de 200 milhas náuticas e o prolongamento natural da sua plataforma continental

no Mar do Sul da China para o Leste e Sudeste da costa vietnamita e o Golfo de Tonkin. O

país também tem reivindicações de soberania para as ilhas, ilhotas e recifes até 200 milhas

náuticas de seu território. Atualmente o país controla mais de 20 ilhas, ilhotas e recifes ao

longo de todo arquipélago Spratly.

Seu controle sobre os recursos do arquipélago tem sido gradualmente expandido desde

a década de 1970. Todavia, nenhuma ilha ou recife das Ilhas Paracel são controladas pelo

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país, que estão em posse da China. O Vietnã ainda controla as ilhas, ilhotas e recifes no Golfo

da Tailândia. Assim como a China e Taiwan, o Vietnã alega registros históricos que

remontam o período pré-colonial e colonial francês.

O breve panorama das reivindicações nos conduzem a um ambiente difícil e de contestações

que vão desde alegações históricas quanto interesse estratégico. O fato é que as disputas têm

gerado incerteza sobre a estabilidade regional. Uma China cada vez mais desejosa de poder

econômico e militar, ao passo que as demais nações temem ver sua pouca influência ser ainda

mais minada pelo gigante chinês. O mapa 2 resume os pontos discutidos e destaca as áreas

reivindicadas por pelo menos seis países. As linhas e suas respectivas cores indicam as áreas

reivindicadas por cada país. Destaque especial deve ser feito para a China, que reclama uma

média de 90 por cento de todo MSC, bem como o Vietnã.

Mapa 2 - Reivindicações marítimas no Mar do Sul da China

Fonte: VOICE OF AMERICA, 2012

3 A relação China-EUA e a contestação pela supremacia no MSC

As tensões no Mar do Sul da China têm crescido devido a uma junção de recursos e

competição geopolítica em nível internacional, misturadas com um sentimento nacionalista

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que une elementos históricos e contestação de soberania (HUI-YI, 2016). Tais atritos, que

ganham cada vez mais força, são complexos e perigosos, e não dão sinais de que serão

resolvidos em breve. Pelo contrário, estão tomando uma direção cada vez mais desfavorável

para a paz regional e mundial. No entanto, Cronin (2015) ressalta que tanto China quanto

Estados Unidos poderiam ajudar a dirimir qualquer possibilidade de conflito. A cooperação

entre as duas potências seria capaz de manter a estabilidade e reforçar o potencial da região

para o comércio internacional e combate à pirataria. Não é isso, todavia, o que tem ocorrido.

Mais do que o conflito regional, com diversos países reclamando vultosas porções de terra ao

longo de todo MSC, é do outro lado do Pacífico onde a crise pelo controle estratégico da

região tem se mostrado mais acirrado. Embora alguns analistas apontem para o aumento e

possibilidade do conflito direto na medida em que a disputa por supremacia na região cresce,

outros entendem que seria inviável um conflito, pois os custos pela guerra seriam altos e as

incertezas provocadas seriam capazes de mergulhar a economia mundial em uma crise sem

precedentes (JAYAKIMAR; KOH; BECKMAN, 2014; KIM, 2016).

3.1 “A Guerra Improvável”

Na medida em que a China desponta como a segunda maior economia do mundo e investe

pesado em seu poder bélico, torna-se um foco natural de atenção por parte do Estados Unidos.

Tal atenção se torna ainda mais relevante com as disputas territoriais no MSC pela

importância estratégica da região, já discutida no início deste artigo. Os Estados Unidos e a

China enfrentam hoje um dilema pelo poder de influência no mundo, de modo que a relação

entre ambos é claramente tensa. Enquanto a China vê os Estados Unidos como a maior

ameaça externa à sua influência regional, os norte-americanos enxergam a China como a

maior ameaça ao seu status quo, podendo tomar seu lugar em diversas áreas até então

hegemônicas e controladas pelos EUA. Pode a crescente tensão entre os dois nos conduzir a

um próximo conflito? Para alguns estudiosos a resposta é não.

Christopher Coker, em seu recente e provocador livro The Improbable War, publicado

em 2015, levanta esse assunto de grande interesse e importância geopolítica. Seu argumento é

simples: um conflito entre os dois países não é inevitável, mas também não é tão fácil de

ocorrer como alguns especialistas sugerem. De todo modo, como qualquer conflito teria um

grave impacto sobre outras nações e todo sistema internacional, vale a pena considerar a

possibilidade do conflito, seja ele inevitável ou improvável. O autor expõe o fato de que a

rivalidade entre EUA-China teria sido iniciada pelo declínio hegemônico dos EUA e o

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crescente poder da China. Embora ainda não esteja claro se Washington irá ceder a sua

posição dominante de forma voluntária para a China, uma vez que ambos possuem valores

bastante díspares em questões como democracia e livre mercado. Essa falta de conexão seria

suficiente para gerar um ambiente de desconfiança entre as duas potências e impedir qualquer

incentivo real por parte dos Estados Unidos para uma suave transição de poder.

Ao longo de toda sua pesquisa, Coker (2015) prossegue identificando potenciais fontes

de conflito que poderiam provocar uma guerra entre as duas grandes potências. O autor

argumenta que o principal fator motriz por trás de qualquer potencial foco nas hostilidades

será a percepção de que os governos de Pequim e Washington têm das intenções um do outro.

O forte e crescente nacionalismo chinês, reforçado pela narrativa de humilhação que o país

sofreu em tratados desiguais impostos após a derrota da China na Guerra do Ópio também é

fundamental, uma vez que poderia empurrar a China em um conflito com os aliados dos EUA,

ou mesmo contra a própria potência norte-americana.

Outro possível motor para a guerra seria a estratégia inconsistente dos EUA. Enquanto

durante os governos de George W. Bush entre 2001 e 2009 a China foi considerada um perigo

para a segurança dos Estados Unidos, a crise de 2008 mudou essa percepção, e a China

tornou-se uma parte importante para a saída da crise e “aliada” dos EUA. Já a posição do

governo Obama tem sido defensiva contra as investidas do gigante asiático, sem esclarecer

como será a relação entre eles (FELS; VU, 2016; FRIEDBERG, 2011). Esta incerteza sobre

como lidar com o crescimento da China, nas palavras do autor, tem deixado os Estados

Unidos “nervoso sobre o que isto prenuncia tanto para a segurança regional quanto para a sua

própria primazia no Pacífico Ocidental”7 (COKER, 2015, p. 107, tradução nossa).

No caso específico do Mar do Sul da China, a tensão entre as duas potências não se

resume a questões econômicas ou estratégicas. Enquanto a China tem claramente reivindicado

quase a totalidade da região e aumentado sua presença militar, os interesses dos EUA são

mais complexos. Em suma, pelo menos quatro são os desafios e interesses norte-americanos

na região.

O primeiro desafio está diretamente relacionado aos interesses dos EUA, que é a

estabilidade da região. A estabilidade defendida foca, principalmente, em defender a liberdade

de navegação, ao mesmo tempo que se mantém “neutro” nas disputas de soberania entre os

países asiáticos. O comportamento agressivo da China desde 2012, no entanto, tem indicado

que esse objetivo ainda está longe de ser alcançado a curto prazo. Um pleno domínio

7 Texto original em inglês: nervous about what this portends for both regional security and its own primacy in

the Western Pacific.

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marítimo da China no MSC, local onde pelo menos metade da frota comercial do mundo

circula, representaria um duro golpe contra os interesses norte-americanos e de seus aliados

na região, como a Coréia do Sul e o Japão, além de forçar uma diminuição da sua presença

militar. O segundo desafio diz respeito ao desejo dos EUA em manter sua hegemonia na

região Ásia-Pacífico. No entanto, com problemas econômicos domésticos como o alto nível

de dívida pública e privada, além de alguns cortes no orçamento de defesa (que mesmo assim

continua sendo, de longe, o maior do mundo), e com as caras operações militares no Iraque e

Afeganistão, Washington reconhece que uma presença militar forte requer um alto gasto com

defesa, capaz de impor seus interesses e dirimir os avanços chineses na região. Em terceiro

lugar, os EUA precisam encontrar o equilíbrio entre apoiar seus aliados que estão, direta ou

indiretamente, sendo afetados pela ascensão chinesa, sem, contudo, danificar ou atrapalhar

seu relacionamento com a própria China. Por fim, a América precisa manter o ordenamento

internacional respeitando a liberdade de navegação. A China tem buscado restringir a

circulação de navios, o que coloca em cheque a liberdade, e, consequentemente, seus

interesses no MSC (FELS; VU, 2016).

Embora o cenário entre os dois países continue incerto, o fato é que a China tem

desafiado a influência dos EUA. Na África, as empresas chinesas têm investido pesadamente

em países com grandes reservas minerais e recursos naturais, como Nigéria e Sudão.

Enquanto os EUA consideram o respeito pela democracia e os direitos humanos como um

pré-requisito básico para a cooperação econômica com os regimes autoritários, a China

investe sem levar em conta essas questões. No entanto, a expansão chinesa tem sido não só no

continente Africano. Até mesmo na União Europeia, aliado histórico dos EUA, a China

ofereceu empréstimos a países com problemas financeiros em melhores condições do que o

Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial, ao passo que o Reino Unido, fiel

aliado de Washington, tem usado e encorajado outras nações a também tomar empréstimos de

bancos chineses (COKER, 2015).

Conclusão

“[W]ar is a dangerous place”

(BUSH, 2003)

O Mar do Sul da China é um dos maiores oceanos semifechados do mundo. Sua localização

geoestratégica e recursos são fatores que, em conjunto, tornam a região de interesse

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estratégico vital para os Estados litorâneos do Sul e Sudeste Asiático, mas também para os

interesses dos Estados Unidos. A breve discussão apresentada neste artigo revelou a

complexidade das questões que envolvem as disputas territoriais no MSC e seus possíveis

impactos e conflito na medida em que os problemas não sejam solucionados com rapidez. O

desenvolvimento do Direito Internacional Marítimo como importante mediador das

reivindicações de disputas territoriais tem gerado cada vez mais pedidos por parte dos países

solicitantes, indefinindo ainda mais a disputa. Fatores domésticos da China, questões

históricas levantadas pelos países asiáticos, riqueza de recursos naturais e possíveis recursos

minerais, além da crescente disputa por influência entre os Estados Unidos e a China, sem

esquecer dos interesses japoneses e sul-coreanos revela a complexidade da disputa, tornando o

Mar do Sul da China uma das disputas territoriais marítimas mais complicadas e difíceis em

suas negociações e alcance de soluções.

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