um jovem príncipe cristão

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Biografia de neto da Princesa Isabel

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MONSENHOR REN DELAIR

UM JOVEM PRNCIPE CRISTO D. LUS GASTO DO BRASIL (1911-1931)Editora ... Rio de Janeiro 2007

UM JOVEM PRNCIPE CRISTO D. LUIS GASTO DO BRASIL (1911-1931)

MONSENHOR REN DELAIR - Prelado do Colgio de Sua Santidade

TRADUO DE JOS UBALDINO MOTTA DO AMARAL Do original em francs Um Jeune Prince Chrtien Louis-Gaston dOrlans-Bragance

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A SUA ME, QUE MO CONFIOU, Em lembrana e em reconhecimento dos anos passados no convvio daquela alma to forte e to doce, to altiva e to simples, to conforme as tradies de honra e de piedade de sua Famlia.

CARTA DE S.A.I, D. MARIA PIA DE BOURBON-SICLIA PRINCESA IMPERIAL VIVA AO PROFESSOR SEBASTIO PAGANO, SOBRE A PUBLICAO DESTE LIVRO

Mandelieu, Alpes Maritimes, 20 de maio de 1937 Prezado amigo, Gostaria que fizesse ressaltar, de maneira mais categrica, a energia de carter to viril, de Lus Gasto, as suas idias to largas e a sua inteligncia. Monsenhor Delair (aqui para ns) apresenta-o como uma criana encantadora verdade mas no o mostra como um rapaz de 18, 20 anos, cheio de vida, de alegria e de entusiasmo, com uma grande fora de vontade e uma coragem que ia quase temeridade; no receando firmar, abertamente, as suas opinies (o seu juzo era, quase sempre, certo), bom e indulgente para com os outros, severo para consigo; sempre pronto a fazer o bem roda de si, no receando, nunca, diante das dificuldades e de seu dever, gozando, ao mesmo tempo, de todas as felicidades desta vida. A sua conversa era encantadora. Podia ser, s vezes, muito alegre, cheia de esprito, contando coisas engraadas que divertiam todos os que o ouviam. Outras vezes, falava muito a srio, conforme os assuntos de que tratava. A sua grande devoo edificava os que o viam rezar; e dizia-se dele: Este Prncipe bom demais para esta terra. Como seu Pai, no queria ser um intil nesta vida, e como ele encarou a morte sem receio (...). Peo-lhe desculpas por ter sido to extensa falando do meu querido filho, mas tanto queria que, no Brasil, conhecessem o grande valor deste rapaz que, em poucos dias, encheu anos. Nele, Pedro Henrique perdeu, no s um irmo, mas o melhor dos amigos e conselheiros. Atravessamos uma poca muito difcil, em que se quer deitar abaixo tudo quanto belo, e nobre, e herico neste mundo. Mas no duvido que os bons triunfem e que vejamos melhores dias, voltando as naes s antigas tradies que fizeram a sua grandeza e felicidade.

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NDICEDEDICATRIA CARTA DE S.A.I. A PRINCESA IMPERIAL VIVA 1- A INFNCIA - UM TPICO BOURBON 2- A ADOLESCNCIA - TESTEMUNHO DO SANGUE 3 - O MAS SAINT LOUIS 4 - BEM NA MODA 5 - ERA PRECISO ... 6 - EM MEUS BRAOS, DEUS BUSCA TUA ALMA 7 - NO QUERO SER UM HOMEM INTIL 8 - QUADROS GENEALGICOS 9 - ANTEPASSADOS DE D. LUS GASTO 10 - DESCENDNCIA DE D. LUS DO BRASIL E D. MARIA PIA DE BOURBON-SICLIA

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A INFNCIA1 UM TPICO BOURBOND. Lus Gasto nasceu em Cannes, a 19 de fevereiro de 1911, na Vila Maria Teresa, modesto palcio de exlio dos Condes de Caserta 1, seus avs maternos, situado no centro da Croisette2, onde residiam desde que a unificao italiana os tinha expulsado de Npoles e, mais tarde, de Roma. As janelas do quarto em que nasceu davam para aquela admirvel baa no Mediterrneo, quase um lago de to fechada que , entre a ponta de Antibes, o Esterel e as ilhas de Lrins. Naquele dia um avio3 se entregava a caprichosas evolues no cu fulgurante de luz, que, como sempre, refletia, no mar, seu azul de anil. Era o segundo filho com que Deus abenoava a feliz unio de D. Lus4, Prncipe Imperial do Brasil5 com a princesa Maria Pia de Bourbon-Siclia6.AFONSO (I) Maria Jos Alberto, Conde de Caserta (* Caserta, Itlia, 28-03-1841; Cannes, Frana, 26-05-1934), filho de Fernando II, Rei das Duas-Siclias, e de Maria Teresa, arquiduquesa da ustria, princesa de Teschen, prncipe das Duas-Siclias, Prncipe Real das Duas-Siclias (08-06-1886/27-12-1894), Chefe da Casa Real das Duas-Siclias (27-12-1894/2605-1934). X Roma, Itlia, 08-06-1868 MARIA ANTONIETA Josefina Leopoldina, (* Npoles, Itlia, 16-03-1851; Friburgo-de-Brisgvia, Alemanha, 12-09-1938), filha de Francisco de Paula, prncipe das Duas-Siclias, conde de Trapani, e de Isabel, arquiduquesa da ustria, princesa de Toscana,, de quem teve doze filhos, entre os quais Fernando (III), Duque de Calbria, Reiniro (I), duque de Castro, Chefes da Casa Real das Duas-Siclias, Carlos, infante consorte da Espanha, Maria Cristina, gr-duquesa de Toscana, e Maria Pia, Princesa Imperial do Brasil. Sucedeu a seu meio-irmo Francisco II, em 27-12-1894, e foi sucedido por seu filho Fernando (III) em 26-05-1934. Era av materno de D. Lus Gasto. 2 "Cruzeta". Avenida beira-mar em Cannes, que se tornou, mais tarde lugar elegante e concorrido. 3 Um avio, raridade na poca, fazia-se notar. 4 LUS Maria Filipe Gasto Miguel Gabriel Rafael Gonzaga, o Prncipe Perfeito (* Petrpolis, RJ, Brasil, 26-10-1878; Cannes, Frana, 26-03-1920), filho de Isabel (I), Chefe da Casa Imperial do Brasil, e de Gasto, prncipe de Orlans-Nemours, conde d'Eu, prncipe do Brasil, Prncipe Imperial do Brasil (30-10-1908/26-02-1920), prncipe de Orlans e Bragana, X Cannes, Frana, 04-11-1908 Maria Pia, princesa de Bourbon-Siclia, de quem teve trs filhos: D. Pedro (III) Henrique, Chefe da Casa Imperial do Brasil, Lus Gasto, nosso biografado e D. Pia Maria, condessa Renato de Nicola. 5 Prncipe Imperial era o ttulo do herdeiro do trono do Brasil, conforme o art. 105 da Constituio de 23 de maro de 1824. Foram Prncipes Imperiais do Brasil: D. Maria da Glria (1822-26; e 1831-34), futura Maria II, rainha de Portugal; D. Pedro de Alcntara (1825-31), futuro D. Pedro II, Imperador do Brasil; D. Januria (1834-45), futura Condessa de quila; D.1

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Entre ele e o irmo mais velho, D. Pedro Henrique, havia um ano e meio de diferena. Dois anos mais tarde, nasceria uma irm, a princesa Pia Maria7. Foi dizem com um gentil sorriso que D. Lus Gasto veio ao mundo. A promessa desse feliz sucesso, embora um pouco modesta, deixou uma lembrana de delicado encanto e de bom augrio, que marcaria, para sempre, a sua jovem personalidade. Inclinado, ao observar o pequeno rosto, o feliz papai nele reconheceu o tipo histrico. Correu sala de visitas para anunciar aos dois avs8 que l esperavam ansiosos: Um tpico Bourbon... No decorrer de alguns dias, a natureza foi fazendo sua obra: abriram-se luz os olhos do recm-nascido, que se mostravam de um azul doce e transparente, que combinava perfeitamente com o louro acinzentado do cabelo. Linhas e cores se harmonizavam com suavidade naquele rosto onde o sangue atestava, num especial privilgio, seu cunho de pureza. Sangue? Quem, em terras de Frana ou no mundo, poderia apresentar uma linhagem9 to gloriosa e nobre? Os que contemplavam o principezinho adormecido placidamente e suas mantas com brases imperiais e reais, jamais poderiam pensar, sem emoo, no nmero de raas ilustres que aquela frgil criaturinha representava. Por sua av paterna, a Condessa dEu, Princesa Isabel10 do Brasil, ele tinha, por bisav, D. Pedro II11, Imperador do Brasil, e descendia dos Reis de PorAfonso (1845-47), D. Isabel (1847-48 e 1850-91), futura Condessa dEu; D. Pedro Afonso (1848-50); D. Pedro de Alcntara (1891-1908); D. Lus (1908-20); D. Pedro (III) Henrique (192021); D. Lus Gasto (1921-31); D. Pia Maria (1931-38), futura Condessa Renato de Nicola; D. Lus (I) (1938-81) e D. Beltro (1981). 6 MARIA PIA Clara Ana Teresa Isabel Ludgarda Apolnia gueda Ceclia Filomena Antnia Lcia Cristina Catarina (* Cannes, Frana, 12-08-1878; Mandelieu, Frana, 20-06-1973), filha de Afonso (I), Conde de Caserta, Chefe da Casa Real das Duas Siclias, e de Maria Antonieta, princesa de Bourbon-Siclia-Trapani; princesa de Bourbon-Siclia, Regente da Casa Imperial do Brasil (28-08-1922/13-09-1927) X Cannes, 04-11-1908, Lus, Prncipe Imperial do Brasil, c.s. (ver 4) Os Condes dEu e de Caserta, aos quais, sendo homens, embora casados e idosos, as convenes sociais no permitiam entrar no quarto de uma parturiente. 9 Ver Tbuas Genealgicas e principalmente, rvore de Costado. 10 ISABEL (I) Cristina Leopoldina Augusta Micaela Gabriela Rafaela Gonzaga, a Redentora (* Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 29-07-1846; Eu, Frana, 14-11-1921), filha de D. Pedro II, Imperador do Brasil, e de Teresa Cristina, princesa das Duas-Siclias, princesa do Brasil, Princesa Imperial do Brasil (11-06-1847/19-07-1948; e 09-01-1850/05-12-1891), Chefe da Casa Imperial do Brasil (05-12-1891/14-11-1921) X Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 15-10-1864, Gasto, prncipe de Orlans-Nemours, Conde d'Eu, 1 Prncipe de Orlans e Bragana, de quem teve trs8

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tugal (primeiro ramo). Esta linha se rene, pela imperatriz Leopoldina12, me de D. Pedro II, arquiduquesa da ustria, e filha do Imperador Francisco II13, aos Imperadores alemes14, s poderosas Casas de Lorena e Borgonha, a Maria Teresa15, a Carlos V16 e a Carlos, o Temerrio17. Aos Impefilhos, entre os quais Lus, Prncipe Imperial do Brasil, e Pedro de Alcntara, 2 Prncipe de Orlans e Bragana. Sucedeu seu pai D.Pedro II em 05-12-1891, e foi sucedida por seu neto D.Pedro (III) Henrique em 14-11-1921. Era av paterna de D. Lus Gasto. 11 PEDRO II de Alcntara Joo Carlos Leopoldo Salvador Bibiano Francisco Xavier de Paula Leocdio Miguel Gabriel Rafael Gonzaga, o Magnnimo, (* Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 0212-1825; Paris, Frana, 05-12-1891), filho de D. Pedro I, Imperador do Brasil e Rei de Portugal, e de Maria Leopoldina, arquiduquesa da ustria; Prncipe Imperial do Brasil (02-121825/07-04-1831), Imperador do Brasil (07-04-1831/15-11-1889), Chefe da Casa Imperial do Brasil (15-11-1889/05-12-1891), X Npoles, Itlia, 30-05 e Rio de Janeiro, Brasil 04-09-1843 Teresa Cristina, princesa das Duas Siclias, de quem teve quatro filhos, entre os quais Isabel (I), Chefe da Casa Imperial do Brasil. Sucedeu seu pai, D. Pedro I em 07-04-1831, e foi sucedido por sua filha D. Isabel (I) em 05-12-1891. Era bisav de D. Lus Gasto (av materno de seu pai). 12 Maria LEOPOLDINA Josefa Carolina 12, arquiduquesa da ustria (* Viena, ustria, 22-011797; Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 11-12-1826), filha de Francisco I, Imperador da ustria (Francisco II, Imperador da Alemanha) e de Maria Teresa, princesa de Npoles e Siclia. X Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 06-11-1817, D. Pedro I (IV), Imperador do Brasil e Rei de Portugal, de quem teve seis filhos. Era trisav de D. Lus Gasto (av paterna da av paterna). 13 FRANCISCO II (I) Jos Carlos (* Florena, Itlia, 17-02-1768; Viena, ustria, 02-03-1835), Prncipe Imperial da Alemanha (20-02-1790/01-03-1792), filho de Leopoldo II, Imperador da Alemanha, e de Maria Lusa, infanta da Espanha; arquiduque da ustria (17-02-1768/2002-1790) Prncipe Imperial da Alemanha (20-02-1790/01-03-1792), Imperador da Alemanha (01-03-1792/1806), Imperador da ustria (1806/02-03-1835); X I Viena, ustria, 06-01-1788, ISABEL Guilhermina Lusa (* Treptow, Alemanha, 21-04-1767; Viena, ustria, 18-02-1790), filha de Frederico II, Duque de Wrttemberg, e de Frederica, margravina de Brandemburgo-Schwedt, de quem teve uma filha; X II Npoles, Itlia, 15-08-1790 e Viena, ustria, 1909-1790, MARIA TERESA Carolina Josefina (* Npoles, Itlia, 06-06-1772; Viena, ustria, 1304-1807), filha de Fernando IV, Rei de Npoles (Fernando V, Rei da Siclia e Fernando I, Rei das Duas-Siclias), e de Maria Carolina, arquiduquesa da ustria,de quem teve doze filhos, entre os quais, Fernando I, Imperador da ustria, Francisco Calos, arquiduque herdeiro (pai do Imperador Francisco Jos), Maria Lusa, imperatriz da Frana, Duquesa de Parma, condessa de Neipperg e Sra. Bombelles), Maria Leopoldina, imperatriz do Brasil e rainha de Portugal, Maria Clementina, princesa de Salerno, e Maria Carolina, rainha da Saxnia; X III Viena, ustria, 06-01-1808, MARIA LUSA Beatriz Antnia Josefa Joana (* Monza, Itlia, 14-12-1787; Verona, Itlia, 07-04-1816), filha de Fernando I, Duque de Mdena, e de Maria Beatriz de Este, princesa herdeira de Mdena s.s.; X IV Munique, Alemanha, 29-10-1816 e Viena, ustria, 10-11-1816, CAROLINA AUGUSTA [* Manheim, 08-12-1792; X I, s.s., Munique, Alemanha, 08-06-1808, Guilherme I (* Lbben, Alemanha, 27-09-1781; Rosenstein, Alemanha, 25-06-1864), filho de Frederico I, Rei do Wrttemberg, e de Augusta, duquesa de Brunswick-Woffenbttel); Viena, ustria, 09-02-1873), filha de Maximiliano I, Rei da Baviera, e de Augusta, landgravina de Hesse-Darmstadt], s.s. 14 Imprio Romano-germnico (I Reich), fundado por Carlo I Magno e terminado por Napoleo I, ao vencer Francisco II. 15 MARIA TERESA (* Viena, 13-05-1717; ibd. 28-11-1780), filha de Carlos VI, Imperador da Alemanha, e de Isabel de Brunswick-Wolfenbttel, arquiduquesa da ustria, Rainha da Hungria e da Bomia (20-10-1740/28-11-1780), X Viena, ustria, 12-02-1736 Francisco de

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radores da ustria ela se junta, outra vez na linha real dos Bourbons-Siclia por sua bisav, a Rainha Maria Teresa de Npoles18, filha do Arquiduque Carlos19 de Teschen, adversrio de Napoleo I20, e pela rainha Maria CaroLorena (* Nancy, Frana, 08-12-1780; Innsbruck, ustria, 18-08-1765), filho de Leopoldo, Duque de Lorena, e de Isabel Carlota de Orleans, Duque de Lorena (27-08-1725/18-111738), Duque de Toscana (18-11-1738/18-08-1765), Imperador da Alemanha (Francisco I)(20-10-1740/18-08-1765), de quem teve 16 filhos entre os quais Jos II, Imperador da Alemanha, Leopoldo II, Duque de Toscana e Imperador da Alemanha, Maria Amlia, duquesa de Parma, Maria Carolina, rainha de Npoles (Siclia e Duas-Siclias), Fernando, Duque de Mdena, Maria Antonieta, rainha de Frana, e Maximiliano, bispo de Colnia. 16 CARLOS I e V (* Gand, Blgica, 24-02-1500; Yuste, Espanha, 21-09-1558), filho de Filipe I, o Belo, Rei titular de Castela, arquiduque herdeiro da ustria, e de Joana I, a Louca, Rainha da Espanha, prncipe herdeiro de Castela (24-02-1500/13-04-1555), prncipe herdeiro de Arago (24-01500/23-01-1516), Rei de Arago (23-01-1516/13-04-1555), Rei da Espanha (13-04-1555/27-08-1556), Arquiduque da ustria, Senhor dos Pases Baixos, Imperador da Alemanha (12-01-1519/27-08-1556); X Sevilha, 11-03-1526 Isabel (* Lisboa, Portugal, 04-101503; Toledo, Espanha, 01-05-1539), filha de Manuel I, Rei de Portugal, e de Maria, Infanta da Espanha, com quem teve sete filhos, entre os quais Filipe II (I), Rei da Espanha e Portugal, Maria, Imperatriz da Alemanha e Joana, Princesa Real de Portugal. 17 CARLOS, o Temerrio (* Dijon, Frana, 10-11-1433; Nancy, Frana, 05-01-1477), filho de Filipe, o Bom, duque Borgonha, e de Isabel, princesa de Portugal, Duque herdeiro de Borgonha (10-11-1433/15-07-1467) e Duque de Borgonha (15-07-1467/05-01-1477). X I Catarina ( 1446), filha de Carlos VII, Rei de Frana, s.s; X II Isabel ( 1461), filha de ... de Bourbon, s.s. X III,1468 Margarida (), filha de Eduardo IV, Rei da Inglaterra, de quem teve uma filha, Maria, imperatriz da Alemanha (esposa de Maximiliano I). ltimo senhor feudal francs que resistiu ao poder real. 18 MARIA TERESA Isabel, arquiduquesa da ustria, princesa de Teschen (* Viena, ustria, 3107-1816; Albano, Itlia, 08-08-1867), filha de Carlos, arquiduque da ustria, duque de Teschen, e de Henriqueta, princesa de Nassau-Weilburg. X Trieste, Itlia, 09 e Npoles, Itlia, 27-01-1837 FERNANDO II Carlos, (* Palermo, Itlia, 12-01-1810; X I Voltri, Itlia, Maria CRISTINA Carolina Josefina Caetana Elisa, princesa da Savia (* Cagliari, Itlia, 14-11-1812; Caserta, 31-01-1836), filha de Vtor Manuel I, Rei da Sardenha, e de Maria Teresa, arquiduquesa da ustria, princesa de Mdena, de quem teve um filho, Francisco II, Rei das DuasSiclias; Caserta, Itlia, 22-05-1859), prncipe das Duas-Siclias (12-01-1810/04-01-1825), Prncipe Real das Duas Siclias (04-01-1825/08-11-1830), Rei das Duas-Siclias 08-11-1830/2205-1859), filho de Francisco I, Rei das Duas-Siclias e de Isabel, infanta da Espanha, de quem teve doze filhos, entre os quais Afonso, Conde de Caserta, Chefe da Casa Real das Duas-Siclias, e Maria das Graas, duquesa de Parma. Era bisav de D. Lus Gasto (av materna de sua me). 19 CARLOS Lus Joo Jos Loureno, arquiduque da ustria, Duque de Teschen (* Florena, Itlia, 05-09-1771; Viena, ustria, 30-04-1847), filho de Leopoldo II, Imperador da Alemanha, e de Maria Lusa, infanta da Espanha. X Weilburg, Alemanha, 17-09-1815 HENRIQUETA Alexandrina Frederica Guilhermina, princesa de Nassau-Weilburg (* Bayreuth, Alemanha, 30-10-1797; Viena, ustria, 29-12-1829), filha de Frederico Guilherme, Duque de NassauWeilburg e de Lusa, burgravina de Kirchberg, de quem teve sete filhos, entre os quais Maria Teresa, rainha das Duas-Siclias, e Alberto e Carlos Fernando, Duques de Teschen. Era trisav de D. Lus Gasto (av materno de sua av materna). 20 NAPOLEO I (* Ajcio, Crsega, 15-08-1869; Santa Helena, 05-05-1821, filho de Carlos Bonaparte e de Letcia Ramolino. 1 Cnsul da Frana (09-11-1799/08-05-1804), Imperador do Franceses (18-05-1804/11-04-1814 e 01-03/09-06-1815), Chefe da Casa Imperial da Frana (09-06-1815/05-05-1821),; X I Paris, Frana, 09-03-1796, ibd. 16-02-1809, Maria Rosa

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lina21, filha da Imperatriz Maria Teresa. Alcanava, assim, a descendncia capetngia dos Valois22, pelo Rei Joo23, cujo filho, Filipe24, o Ousado como se sabe fundou a Casa dos Gro-Duques do Ocidente.Josefa Tascher de La Pagrie [JOSEFINA] [* Saint Pierre, Martinica, 23-06-1763; X I c.s., Paris, Frana, 13-12-1779, ALEXANDRE Francisco Maria, visconde de Beauharnais (* Fort Royal, Martinica, 28-05-1760; (guilhotinado) Paris, Frana, 23-07-1794), filho de Francisco de Beauharnais, baro de Beauville, e de Maria Henriqueta de Pyvart de Chastull); Malmaison, Frana, 29-05-1814], filha de Jos Gaspar Tascher de La Pagrie e de Rosa Clara des Veergers de Sannois, s.s., X II Viena, ustria, 11-03, e Paris, 01-04-1810 MARIA LUSA Leopoldina Francisca Teresa Josefa Lcia, arquiduquesa da ustria (* Viena, 07-12-1891; ibd. 1712-1847), filha de Francisco I, Imperador da ustria, e de Maria Teresa, princesa de Npoles e Siclia, de quem teve um filho, Napoleo II (Rei de Roma), Duque de Eichtdt. Chefe da Casa Imperial da Frana. No havia parentesco de sangue entre os Bonaparte e a casa Imperial do Brasil, apenas D. Pedro I, se casaria, em segundas npcias, com uma neta paterna de Josefina, primeira esposa de Napoleo. 21 MARIA CAROLINA Lusa Josefa Joana Antnia (* Viena; ustria, 13-08-1852; Hertzendorf, ustria, 08-09-1814), filha de Francisco I, Imperador da Alemanha, e de Maria Teresa, arquiduquesa da ustria, Rainha da Hungria e Bomia. X Viena, ustria, 07-04-1868 e Caserta, Itlia, 12-05-1868, FERNANDO IV (V e I) Antnio Pascoal Joo Nepomuceno Jos Serafim Janurio Bento, (* Npoles, Itlia, 18-01-1751; ibd. 04-01-1825), Infante d Espanha e Prncipe Real de Npoles e da Siclia (18-01-1751/06-10-1759), Rei de Npoles e da Siclia (06-10-1759/08-12-1816), Rei das Duas-Siclias (08-12-1816/04-01-1825), de quem teve dezessete filhos, entre os quais Maria Teresa, Imperatriz da Alemanha e da ustria, Lusa, GrDuquesa de Toscana, Francisco I, Rei das Duas-Siclias, Maria Cristina, Rainha da Sardenha, Maria Amlia, Duquesa de Orlans e Rainha dos Franceses, e Maria Antnia, Infanta da Espanha. Era tetrav de D. Lus Gasto. 22 Sub-dinastia francesa, ramo dos capetngios, que comea com Carlos, Duque de Valois, filho de Filipe II, o Ousado, e sobe ao trono com a extino dos capetos diretos (Carlos IV)(1328). dividida em trs ramos: Valois diretos (Filipe VI, Joo II, Carlos V, Carlos VI, Carlos VII, Lus IX e Carlos VIII), Valois-Orlans (Lus XII) e Valois-Angoulme (Francisco I, Henrique II, Francisco II, Carlos IX e Henrique III). Com sua extino (1589), a coroa francesa passou ao ramo dos Bourbons (Henrique IV). 23 JOO II, o Bom (* 16-04-1319; Savoy, Inglaterra, 08-04-1364), filho de Filipe VI, Rei de Frana, e de Joana, duquesa de Borgonha, Delfim de Frana (01-02-1328/23-08-1350) e Rei da Frana (23-08-1350/08-04-1364); X 1332 Bona (* 20-05-1315; 11-11-1349), filha de Joo, Conde de Luxemburgo, Rei da Boemia, de Isabel, princesa da Bomia, de quem teve onze filhos, entre os quais Carlos V. o Sbio, Rei de Frana, Lus I, Duque de Anjou, Joo, Duque de Berri, Filipe II, o Ousado, Duque de Borgonha, Joana, rainha de Navarra, Maria, duquesa de Bar, e Isabel, duquesa de Milo. X II, 1340, Joana (* 1320; X I, c.s., Filipe de Borgonha; ...), filha de Guilherme XII, Conde de Bolonha e Auvernia, e de Margarida, condessa de Evreux, de quem teve trs filhos. Os Valois, eram antepassados de D. Lus Gasto, apenas por linha feminina. 24 FILIPE III, o Ousado (* Poissy, Frana, 01-05-1245; Perpignan, Frana, 05-10-1285), filho de Lus IX (So Lus), Rei de Frana, e de Margarida, condessa de Provena, prncipe de Frana (01-05-1245/...1260), Delfim de Frana (... 1260/25-08-1270) e Rei de Frana (25-081270/05-10-1285); X I 28-05-1262, Isabel (*...1246; 28-01-1271), filha de Jaime I, Rei de Arago, Valncia e Maiorca, e de Iolanda, princesa da Hungria, de quem teve quatro filhos, entre os quais Filipe IV, o Belo, Rei de Frana, e Roberto, Duque de Valois; X II 1274 Maria (* 1260; 12-01-1321), filha de Henrique III, Duque de Brabante, e de Adelaide, duquesa de Borgonha, de quem teve trs filhos, Lus, Conde de Evreux, Margarida, rainha da Inglater-

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Pelo Prncipe Afonso de Bourbon-Siclia, Conde e Caserta, seu av materno, ele descendia dos Reis de Npoles25. Logo, por Filipe V26, da Espanha, dos Bourbons de Frana, de Lus XIV27 e de So Lus. Orlans, por seu avra, e Branca, duquesa da ustria e rainha da Bomia. Como Valois, era antepassado de Lus Gasto, apenas por linha feminina. 25 Nota do Autor (NA). O Reino de Npoles interessante recordar foi, durante muitos sculos, como uma outra Frana capetngia, onde os Duques de Anjou, segunda linha da Casa de Frana, foram, vrias vezes, chamados a reinar. A primeira vez foi com Carlos de Anjou, irmo de So Lus, investido pelo Papa Urbano IV. A segunda quando da instituio de Lus de Anjou, irmo de Joo II, o Bom, pela Rainha Joana I, como seu herdeiro. Entretanto, nem ele nem seu filho, coroados reis de Npoles, puderam possuir tranqilamente aquela magnfica herana, contestada pelos colaterais. Joana II, ltima descendente de Carlos de Anjou, instituiu, como seus herdeiros, novamente, a Lus III de Anjou e a seu irmo, o Bom Rei Renato, coroados, tambm, Reis de Npoles. Finalmente, e terceira vez, com Filipe V, neto de Lus XIV, em virtude do testamento de Carlos II, ltimo dos Habsburgos da Espanha, pois Npoles tinha cado sob o domnio espanhol pela Casa de Arago que, no sculo XV, suplantaram os prncipes capetngios. O reinado efetivo dos descendentes de Filipe V em Npoles terminou com Francisco II, desapossado pela revoluo italiana, na rendio de Gaeta (13 de fevereiro de 1861), rendo, apenas, 25 anos de idade, ele defendeu durante trs meses. O Conde de Caserta dirigia a defesa ao lado don Rei, seu irmo, e do tio, o Conde de Trapani. Com a queda da monarquia bourbnica das Duas-Siclias, a Fraca perdeu um apoio fiel e importante no Mediterrneo. 26 FILIPE V (* Versalhes, Frana, 19-12-1683; Madri, Espanha, 09-07-1746), filho de Lus de Frana, o Grande Delfim, e de Maria Ana, princesa da Baviera, prncipe de Frana, Duque de Anjou, Rei da Espanha (01-11-1700/15-01-1724; 06-09-1724/09-07-1746). X I Turim, Itlia, 11-09-1701 e Figueras, Espanha, 03-11-1701 Maria Lusa (Turim, Itlia, 17-09-1688; Madri, Espanha, 14-02-1714), fila de Vtor Amadeu II, Duque de Savia, Rei da Siclia e Sardenha, e de Ana, princesa de Orlans, com quem teve trs filhos, entre os quais Lus I e Fernando VI, Reis a Espanha; X II Parma, Itlia, 16-09-1714, e Guadalajara, Espanha, 24-12-1714, Isabel (* Parma, Itlia, 25-10-1692; Aranjuez, Espanha, 11-07-1766), filha de Eduardo Farnese, Duque herdeiro de Parma,e de Dorotia Sofia, princesa do Palatinado, de quem teve seis filhos, entre os quais, Carlos III, Rei da Espanha, Maria Ana Vitria, rainha de Portugal, Filipe I, Duque de Parma, e Maria Teresa, delfina de Frana. Era sexto-av de D. Lus Gasto (pai do av paterno da av paterna de seu av paterno). 27 LUIS XIV, (* Saint-Germain-em-Laye, 05-09-1638; Versalhes, Frana, 01-09-1715),filho de Lus XIII, Rei de Frana, e de Ana, Infanta da Espanha, Delfim de Frana (05-09-1638/14-051643), Rei de Frana (14-05-1643/01-09-1715), X I Fuenterraba, Espanha, 03-06-1660 e SaintJean-de-Luz, Frana, 09-06-1660 MARIA TERESA, (* Madri, Espanha, 20-09-1838; Versalhes, Frana, 30-07-1683), filha de Filipe IV, Rei da Espanha, e de Isabel, princesa de Frana, de quem teve seis filhos, entre os quais Lus, o Grande Delfim, cujo neto (Lus XV) o sucedeu. X II Versalhes, Frana, 12-061684 Francisca dAubign, Marquesa de Maintenon e du Parc (1688) [* Niort, Frana, 27-11-1635; X I Paris, 1652 Paulo Scarron (* Grenoble, Frana, 1610; Paris, Frana, 14-10-1660); Saint-Cyr, Frana, 15-04-1719], filha de Constante dAubign, Baro de Surineau, e de Joana de Cardillac, s.s. Com Lusa Francisca de La Baume-LeBlanc (Vincennes, Frana, 02-10-1667; Paris, 03-05-1739), Duquesa de La Valire, filha de Loureno de La Baume Le-Blanc, Senhor de La Vallire, e de Francisca Prevost, teve quatro filhos, entre os quais Maria Ana, princesa de Conti; com Maria Anglica Scoraille de Roussille, Duquesa de Fontanges (* Cropires, Frana, ..-09-1661; Port-Royal, Frana, 2606-1681), filha de Joo Rigaud de Scoraille de Rousille, Marqus de Rousille, e de Aime Eleonora de Plas, Senhora de Fontanges, teve um filho, morto ao nascer; com Francisca

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paterno, Gasto, Conde dEu28, ele descendia de Lus XII, pela segunda linha29. Entretanto, aquele menino, aluno estudioso, de memria incomum e entregando aos estudos cotidianos, encontrava, em cada folha de seu manual de Histria, os nomes, os feitos e as figuras de seus antepassados, mas no manifestaria jamais laivos de vaidade e complacncia para consigo mesmo. Nada o desgostava mais que uma aluso ao seu nascimento; seu rosto se contraa numa expresso de impacincia: Ora, no gosto que me falem disso. Seria devido os primeis ensinamentos palavras ouvidas no meio familiar e retidas nos quis ele aprendeu eu a verdadeira nobreza se recomenda e se impe por si mesma, ou a um profundo sentimento de modstia,que no tolerava seno o atestado do mrito pessoal? Certa a segunda alternativa, pois, e outros setores, o pequeno mostrava uma preferncia consciente pela reserva e pela simplicidade. A primeira infncia de D. Lus Gasto foi dividida em estadas no Castelo dEu, na Vila Maia Teresa, em Cannes, e no Solar de Boulogne-sur-Seine. Nesse palcio, to privilegiadamente situado beira da floresta, de fronte s colinas de Saint-Cloud e de Mont-Valrien, residia, por intervalos30, a Condessa dEu. A colnia brasileira conservou a lembrana das brilhantes recepes e das festas ao ar livre que ali oferecia, com uma dignidade to afvel, a Imperatriz exilada31.Athenas de Rochechouart-Montemart (* Tornay-Charente, Frana, 05-10-1640; X, c.s. Lus Henrique Pardaillan de Gondrin (* 1640; ); Bourbon-lArchambauld, Frana, 27-05-1707), Marquesa de Monterspan, filha de Gabriel de Rochechouart, 1 Duque de Mortemart, e de Diana de Grandseigne, teve sete filhos, entre os quais Lus Augusto, Duque de Maine, Lusa Francisca, princesa de Cond, Francisca Maria, duquesa de Orlans, e Lus Alexandre, Conde de Tolosa. Com Cludia de Vin (* 1640; 18-05-1687), teve uma filha, Lusa, baronesa de La Queue. Era stimo av de D. Lus Gasto (av paterno do av paterno da av paterna de seu av paterno). 28 Lus Filipe Maria GASTO (I), prncipe de Orlans-Nemours, Conde d'Eu, (* Neuilly-doSena, Frana, 28-04-1942; a bordo do "Masslia" 28-08-1922), filho de Lus, prncipe de Orlans, Duque de Nemours, e de Vitria Antonieta, princesa de Saxe-Coburgo-Gotha. Prncipe Imperial Consorte (15-10-1864/05-12-1891), Chefe Consorte da Casa Imperial do Brasil (05-12-1891/14-11-1921), 1 Prncipe de Orlans e Bragana (24-09-1909/28-08-1922), Regente da Casa Imperial do Brasil (14-11-1921/28-08-1922); X Rio de Janeiro, Brasil, 15-101864, Isabel (I), Chefe da Casa Imperial do Brasil, de quem teve trs filhos, entre os quais Lus, Prncipe Imperial do Brasil, e Pedro de Alcntara, 2 Prncipe de Orlans e Bragana. 29 Por Filipe de Frana, duque de Orlans, segundo filho de Lus XIII. 30 Passava ali o outono e o inverno. 31 No Castelo dEu, D. Isabel era, simplesmente, a Condessa dEu, j que o castelo pertencia a seu marido, e eram casados por separao de bens. Entretanto, no Solar de Boulogne-sur-Seine, ela se tornava Imperatriz de direito, passando o Conde dEu a prncipe

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Onde quer que estivesse, o pequeno Lus Gasto, acomodando-se a tudo, mostrava uma natureza cheia de alegria espontnea e comunicativa. Muito socivel, ele recebia, da melhor maneira possvel, os companheiros de brinquedo que chegavam inesperadamente. Mas, sempre que podia, escolhia a solido. Distraa-se, em um canto qualquer, identificando-se com o trenzinho de brinquedo do qual parecia querer adquirir todas as propriedades, imitando, sem se cansar, meia-voz, o barulho da mquina e do atrito das rodas sobre os trilhos. Nada de egosmos ou caprichos infantis. Repartia seus prazeres de boa vontade. Tal disposio de carter, to positiva, se transporia, mais tarde, a assuntos mais srios. Parecia no se prender a nada. O diagnstico um lugar comum: melancolia precoce, fadiga da raa Julgamento precipitado e imparcial: nenhum erro de psicologia seria to grosseiro. O gosto pela observao ia at a abstrao do sofrimento e, mesmo, da dor fsica. Viram-no, certo dia, examinar curiosamente, um caranguejo que se lhe agarrar ao dedo. Como se tratasse de outra pessoa, tendo o crustceo pendurado diante do rosto, ele considerava, interessado: Um morde e o outro sangra. Durante toda a vida, D. Lus Gasto manifestaria essa resistncia ao sofrimento fsico; nunca seria um comodista sempre preocupado consigo mesmo e com o prprio conforto. Isto basta costumava repetir, no sem alguma impacincia quando algum insistia a seu favor. Nessa particularidade de carter, pode-se reconhecer a influncia paterna. Sensveis s primeiras impresses diretas, as crianas, inconscientemente, se amoldam ao ambiente. Deixando esposa a iniciativa de tudo que concernia sade, D. Lus exigia que seus filhos fossem educados com energia e sem mimos. Intransigente consigo mesmo, apesar de uma constituio fsica prejudicada por uma atividade estafante, ele sabia se contentar com um mnimo necessrio, levando uma vida simples, sem grandes luxos mesa e na habitao; acomodava-se a todos os acontecimentos, fossem eles favorveis ou no. Essa disciplina austera podia fazer com que se dissesse dele o mesmo que de Francisco Jos32 a quem serviu militarmente33 at a Primeira Guerra Mundial: Passou a vida abotoado.consorte. At mesmo nas fotos tiradas nas duas residncias h diferenas na posio do casal e dos filhos. No Castelo dEu, D. Isabel ficava esquerda do marido, e o filho mais velho, D. Pedro de Alcntara, direita deste; em Boulogne, o Conde dEu ficava esquerda de D. Isabel, e D. Lus, direita dela. Os testamentos do casal confirmam essa separao da famlia em membros imperiais e membros apenas principescos. 32 FRANCISCO JOS I Carlos (*Schnbrunn, ustria, 18-08-1830; ibd., 21-11-1916), filho de Francisco Carlos, arquiduque da ustria, Prncipe Imperial da ustria, e de Sofia, princesa

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Embora dedicado aos trabalhos de escritor, pois como sabe deixou brilhantes ensaios histricos e geogrficos e recordaes de viagens tinha, em primeiro lugar, a educao dos filhos. Sua pedagogia no era a de um amador diga-se de passagem; no destrua os princpios tradicionais, mas se opunha sua aplicao cega. Julgava, e com razo, que os organismos jovens nada tinham a ganhar, ficando, cedo demais, presos aos livros, ainda que fossem s de figuras, ou submetidos ao mecanismo cotidiano de um regulamento inflexvel em sua aplicao Esprito independente, livre apreciador das mximas que se transmitem mais pela rotina do que pela razo, o Prncipe imperial nunca foi um homem cuja maneira de educar se tornasse opressiva no intuito de controlar as ms tendncias, e que, ao tentar eliminar o joio, arrancasse, tambm, o trigo. Como espectador interessado, o pai assistia assiduamente aos filhos, quer nas horas de estudo, quer nas brincadeiras, onde saltavam e corriam como pequenos cabritos em liberdade. Quando algo, por um motivo qualquer, distraa os meninos, ele sabia reaver-lhes a ateno, picar-lhes a curiosidade, provocar-lhes a reflexo e obter uma resposta que seria dada tranqilamente nos joelhos paternos ou no encosto de uma poltrona, numa turbulenta travessura. Em passeios instrutivos, mais srios do que parecia os meninos verdadeiros cabritos monteses recebiam noes de histria e geografia: palavras altivas e obres feitos dos heris brasileiros e franceses ou o soar dce claro dos nomes das cidades, rios e montanhas do Brasil e da Frana; tudo o que poderia levar um jovem prncipe a honrar e amar aqueles pases construdos por seus antepassados. Antes, porm, nada podia ou devia servir mais a uma curta existncia de algumas primaveras do que perguntas e respostas; e os jovens prncipes no tardariam a exprimi-las em francs, alemo e

da Baviera; arquiduque da ustria (18-08-1830/02-02-1848), Imperador da ustria (02-021848/21-11-1916) e Rei da Hungria (08-06-1867/21-11-1916), X Viena, ustria, 24-04-1854 Isabel Amlia Eugnia [Sissi] (* Munique, Baviera, 24-12-1937; (assassinada) Genebra, Sua, 10-09-1898), filha de Maximiliano, Duque em Baviera, e de Lusa, princesa da Baviera, de quem teve quatro filhos. Sucedeu a seu tio Fernando I em 02-02-1848, e foi sucedido por seu sobrinho-neto Carlos I (IV) em 21-11-1916. Era primo-bisav de D. Lus Gasto, pois tinham, como ancestral comum, a Francisco I, Imperador da ustria, av de Francisco Jos, tetrav de D. Lus Gasto. 33 NA. Obediente a seu temperamento de homem de ao tanto quanto a sua tradio de famlia e ao gosto pelo servio militar, D. Lus, no podendo servir em Frana, entrou no exrcito austraco depois de um estgio numa escola para oficiais. Declarada a guerra, ele no imaginou sequer um instante em usar sua espada contra a Frana. Pediu a Francisco Jos que o desligasse de seu juramento de fidelidade. Foi com nobres palavras que o Imperador deferiu seu requerimento.

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ingls e, naturalmente em primeiro lugar, em portugus lngua do pai e dos avs brasileiros. No que D. Lus ignorasse o grande valor da disciplina, mas ele julgava que esta necessitava de um auxiliar: o amor filial. Achava que este atuava mais sobre uma jovem conscincia do que um grito colrico, um dedo em riste ou o medo do Papo. Sim, D. Lus no admitia, de maneira alguma, que seus filhos se ornassem crianas medrosas. Uma vez, quiseram persuadir ao pequeno Lus Gasto que os clares e o barulho dos fogos de artifcio, que iluminavam o Esterel e a colina de Suquet era obra do terrvel monstro de nossa infncia; ouviram do pai este conselho desdenhoso: Desistam: o menino no tem medo de nada. A vida ao a livre e a ginstica tambm faziam parte daquela ampla concepo de educao. O prprio Prncipe Imperial gostava de chefiar as excurses. Depois de horas de profunda meditao, donde sairiam, mais tarde, as admirveis pginas de Sob o Cruzeiro do Sul, era natural que ele sentisse necessidade de um derivativo, ao qual gostava de associar a esposa e os filhos. Algumas fotos nos deixaram comovente lembrana daqueles passeios em famlia sob o sol fulgurante da Croisette. Quanto instruo religiosa, o catecismo, quela teologia reduzida que a Igreja difunde em nossos primeiros anos, o Prncipe Imperial entregava-a esposa, reservando a ela, inflexvel, alis, nesse ponto, a tarefa de velar com exatido pontual pelos Direitos de Deus, dever dos pais para com as almas dos filhos. Deferncia para com ela? Desconfiana de si mesmo, motivada ou no? Ou persuaso de que no h para as crianas como o receber as primeiras impresses da f sobre os joelhos maternos? Em todo caso, D. Lus sabia a quem confiava o despertar da conscincia religiosa de seus filhos. Certamente, lembrava-se de que, de sua me, Branca de Castela34, So Luis recebera aquela iniciao f e santidade que deveria, para tantos prncipes de seu sangue, servir de modelo de famlia.

BRANCA (* Palncia, Espanha, 04-03-1188; Paris, Frana, 26-11-1252), filha de Afonso VIII, Rei de Castela, e de Leonor da Inglaterra; X Sens, Frana, 23-05-1200, LUIS VII, o Leo (* Paris, 05-09-1187; Montpensier, Frana 08-11-1226), Delfim de Frana (05-09-1187/0407-1223), Rei de Frana (4-07-1223/08-11-1226), filho de Filipe II Augusto, Rei de Frana, e de Isabel de Hainaut, de quem teve 10 filhos, entre os quais Lus IX (So Lus), Roberto, Duque de Artois; Afonso, Duque de Poitiers, e Carlos, Duque de Anjou e Rei de Npoles. Branca foi regente da Frana durante a menoridade de So Lus e durante a ausncia deste quando chefiava a VI Cruzada, Era vigsima-primeira-av de D. Lus Gasto, por linha masculina.34

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Infelizmente, a guerra deveria interromper, ou, pelo menos, espaar o exerccio daquela educao inspirada nas mais nobres tradies e apoiada num juzo largamente informado. Desde o incio das hostilidades, D. Lus, filho da Frana pelo sangue e por adoo35, no imaginou, sequer um instante, em se valer da excluso injusta que as leis da Terceira Repblica o atingiam, pelas quais, os descendentes daqueles que, no correr dos sculos, aumentaram o territrio francs, estendendo-o, sem descanso, a seus limites naturais, no mereciam a honra de proteg-lo contra o inimigo tradicional36. O bisneto de Luis Filipe37 foi oferecer ao presidente Poincar38 a cooperao de seu devotamento e de sua cincia militar, adquirida em escolas especializadas. O presidente, rendendo homenagem ao nobre gesto de S.A.I., no acreditou poder aceitar seus prstimos. Sugeriu-lhe39que se dirigisse a seu parente, Alberto I40 que, sem dvida, lhe abriria os postos do valente exrcito belga. Por ra-

Adoo um tanto forada. Embora, ao se casar com D. Isabel, o Conde dEu tivesse renunciado aos seus direitos eventuais ao trono francs, portanto, no mais pertencendo Famlia Real de Frana, e seus filhos fossem prncipes brasileiros, a lei de 1886 os proibia de servir militarmente na Frana somente por serem descendentes (bisnetos) de Lus Filipe, em linha masculina. 37 LUS FILIPE I, (* Paris, Frana, 06-10-1773; Claremont, Inglaterra, 26-08-1850), filho de Filipe III [Filipe Igualdade], duque de Orlans, e de Adelaide, princesa de BourbonPenthivre; Duque de Chartres (06-10-1773/06-11-1792) e de Orlans (06-11-1792/09-101830, e 24-02-1848/26-08-1850) e Rei dos Franceses (09-08-1830/24-02-1848) X Palermo, Itlia, 25-11-1809, MARIA AMLIA Teresa, princesa de Npoles, Siclia e das Duas-Siclias (* Caserta, Itlia, 26-04-1782; Claremont, Inglaterra, 24-03-1866), filha de Fernando IV, Rei de Npoles (Fernando V, Rei da Siclia, Fernando I, Rei das Duas-Siclias), e de Maria Carolina, arquiduquesa da ustria, de quem teve dez filhos, entre os quais Fernando (1810-42), Duque de Orlans, de quem descende a Casa Real de Frana; Lus, Duque de Nemours, de quem descende a Casa Imperial do Brasil; Lusa, Rainha da Blgica, de quem descende a Casa Real Belga, Maria (1813-39), duquesa do Wrttemberg, de quem descende a Casa Real do Wrttemberg; e Clementina (1817-1907), princesa Augusto de Saxe-CoburgoGotha, de quem descende a Casa Real da Bulgria. Era trisav de D. Lus Gasto (av paterno de seu av paterno). 38 Raimundo Poincar (* Bar-le-Duc, Frana, 20-04-1869; Pais Frana, 15-10-1934), foi presidente da Frana, de 1913 a 1920. 39 Sabendo, de antemo, que o pedido no seria atendido por presso do prprio governo francs. 40 ALBERTO I Leopoldo Clemente Maria Menrado (* Bruxelas, Blgica, 08-04-1875 (acid.) Marches-les-Dames, Blgica, 17-02-1934), filho de Filipe, prncipe da Blgica, Duque de Flandres, Prncipe Real da Blgica, e de Maria, princesa de Hohenzollern-Singmaringa; prncipe da Blgica, Duque de Flandres, Prncipe Real da Blgica (16-11-1905/17-12-1909), Rei da Blgica (17-12-1909/17-02-1934); X Munique, Alemanha, 02-10-1900 ISABEL VALRIA Gabriela Maria, duquesa em Baviera (* Possenhofen, Alemanha, 25-07-1876; Bruxelas, Blgica, 23-11-1965), filha de Carlos Teodoro, Duque em Baviera, e de Maria Jos, princesa de Bragana, de quem teve trs filhos, entre os quais Leopoldo III, Rei da Blgica, e Maria Jos, rainha da Itlia. Era primo-segundo tio de D. Lus Gasto, pois tinham Lus Filipe, Rei35 36

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zes que no nos cabe aqui apreciar41, S.M. declinou, tambm, a oferta de seu primo. D. Lus no desanimou: foi ao Rei da Inglaterra. Mais independente em suas decises, Jorge V42o ligou ao Estado-Maior do general Douglas-Haig43. Pouco depois, ele atingia o posto de capito, com a misso de oficial de ligao. No correr dessa misso, o Prncipe Imperial deixou um Dirio de Guerra que no relata seno a marcha de um dia medocre dos acontecimentos da cooperao franco-britnica. de se desejar que esse relatrio, de uma franqueza rude, seja, um dia publicado44. O pequeno Boubou era ainda muito criana para compreender, mas o Bon Papa45, Conde dEu, no perdeu a oportunidade de deixar, na jovem mente, uma lembrana do herosmo paterno, semente que germinaria com vitalidade nos anos da adolescncia. Mostrou ao menino o uniforme e a espada do pai: Olhe, veja isso! Mais tarde, ser preciso partir, tambm, para a guerra e lutar, como o papai, para defender a Frana46dos Franceses como ancestral comum (trisav de D. Lus Gasto) e bisav do Rei Alberto I (av materno de seu pai). 41 O governo republicano francs mantinha a Blgica sob presso (ameaava tirar-lhe o apoio militar), impedindo-a de dar qualquer apoio aos prncipes franceses, ainda que esses fossem parentes prximos da Famlia Real belga. Vinte anos mais tarde, o Conde de Paris, ento Delfim de Frana, foi impedido de se casar, em territrio belga, com Isabel de Orlans e Bragana (prima de D. Lus Gasto). 42 JORGE V Alberto Frederico Artur (* Londres, Inglaterra, 03-06-1865; Sandringham, Inglaterra, 20-01-1936), filho de Eduardo VII, Rei da Gr-Bretanha e Irlanda e Imperador das ndias, e de Alexandra, princesa da Dinamarca; prncipe da Gr-Bretanha e Irlanda, Prncipe de Gales (22-01-1901/06-05-1910), Rei da Gr-Bretanha (06-05-1910/20-01-1936), da Irlanda (06-05-01/22-06-1921) e da Irlanda do Norte (22-06-1921/20-01-1936), Imperador das ndias (06-05-1910/20-01-1936); X Londres 06-07-1893 MARIA Augusta Lusa Olga Paulina Cludia Ins (* Londres, Gr-Bretanha, 26-05-1867; ibd. 14-03-1953), filha de Francisco, duque de Teck, e de Maria, princesa da Gr-Bretanha e Irlanda, duquesa de Cumberland, de quem teve cinco filhos, entre os quais Eduardo VIII e Jorge VI, Reis da GrBretanha e Irlanda e Imperadores das ndias. Era primo-terceiro tio de D. Lus Gasto, pois tinham Francisco Frederico, Duque de Saxe-Coburgo-Saalfeld como ancestral comum (tetrav de D. Lus Gasto av paterno da av materna de seu pai) e trisav de Jorge V (av materno de sua av paterna). 43 Douglas Haig, 1 Conde Haig (1919) e baro Haig de Bermersyde (1921) (* Edimburgo, Esccia, 19-06-1861; Londres, 28-01-1928). Marechal ingls. Lutara anteriormente na Guerra dos Beres. 44 Trabalho j publicado em 1960. 45 D. Isabel era tratada pelos netos de vov, brasileira; o Conde dEu o era de Bon Papa, francesa. 46 V-se como o Conde dEu procurava incutir em seus netos o sentimento francs, embora D. Lus Gasto fosse filho de D. Lus, Prncipe Imperial do Brasil. A prpria Condessa de Paris, em seu livro De todo Corao, diz textualmente: Sim, Bon Papa adorava Eu. Tinha partido para o Brasil e ali vivera longos anos como prncipe consorte; alm disso, teve de renunciar a todos os seus direitos de prncipe francs e assumir a nacionalidade brasileira.

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Mais profundamente, ainda, penetraria, na alma do menino, a lio de patriotismo e de honra, quando o velho Prncipe, sentido, os 72 anos, despertar, em si, aquele ardor que tinha experimentado, quer a servio da Espanha, que, sobretudo, como marechal do exrcito brasileiro na guerra do Paraguai, quis, para dar exemplo, vestir o uniforme da Guarda Cvica e montar guarda, por uma hora, diante da Cmara Municipal de Eu, sob as vistas dos seus. Naturalmente, a famlia conservou o retrato do real funcionrio. O Prncipe, em sentinela, junto a sua guarita, pousou pra a objetiva, acompanhado do pequeno ordenana que levava pela mo. D.Lus Gasto, empertigado e com um ar marcial, parecia ter, verdadeiramente, conscincia de sua faco. O pequeno teve uma infncia cheia de grandes exemplos. O maior deles foi o admirvel fim cristo de seu pai47. Pode-se dize que foi o modelo do se que quem diria? estava to prximo!48

Mas, sempre, sofreu da nostalgia de sua terra. Com o advento da repblica, quando toda a Famlia Imperial veio para a Frana, ele, realmente, reencontrou sua ptria e, l no fundo do corao, estava totalmente feliz de voltar para a sua regio; Papai (D. Pedro de Alcntara), ao contrrio, tendo deixado o Brasil aos quinze anos, conservava, como sua me (D. Isabel), uma grande saudade de l. O Conde dEu esperava fixar seu filho Pedro de Alcntara em Eu para fazer dele um prncipe francs. Para consegui-lo, ele tiranizava um pouco a meu pai que, por amor filial, aceitava tudo. At o testamento de Conde dEu tinha a inteno de amarrar D. Pedro a Eu. Este no detestava Eu e a vida na Europa, mas, se ele se opunha s aspiraes de Bon Papa, se tudo fez para voltar ao Brasil, era porque estava sofrendo do mal do exlio. Ficou em Eu, no em alguma tristeza, pois Bon Papa se achava bem em Eu; mas sua alegria seria passar com mame (Elisabeth Dobrzensky de Dobrzenicz) e seus filhos, os longos e belos anos que lhe restavam, em sua ptria na Amrica do Sul, onde terminaria seus dias, apesar de tudo, em sua to amada cidade de Petrpolis, rodeado de todos ns.... V-se a a origem da renncia de D. Pedro de Alcntara a seus direitos ao trono brasileiro, em Cannes, em 30-0-1908, e no, como comumente se diz, que renunciou para casar-se com uma plebia (que a condessa Dobrzensky no era), pois a Constituio de 1824 nada dizia a respeito do casamento de prncipes. O amor filial o fazia dcil vontade paterna, o que no invalida, em absoluto, seus atos, j que estava de plena posse de suas faculdades mentais. 47 Em 26-03-1920, D. Pedro Henrique, Prncipe do Gro-Par, se tornava Prncipe Imperial. D. Lus Gasto passava a ser o segundo na ordem de sucesso ao trono. Com morte de D. Lus, os monarquistas e nacionalistas brasileiros perderam um lder de peso. Embora a lei do banimento pudesse ser, ento, revogada j que os republicanos a ningum mais teriam a temer, a vida da famlia Imperial ficou seriamente abalada: D Isabel perderia a sade rapidamente e faleceria no ano seguinte; a fora moral de D. Maria Pia no poderia estender-se ao campo poltico. A vida tornou-se, ainda que relativamente feliz, visivelmente fragmentria. 48 Onze anos depois.

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Obrigado a deixar a frente de combate onde a sade, de que nunca soubera tratar, tinha recebido um gole irreparvel, D. Lus sucumbiu a um resfriado complicado por um estado artrtico49. Compreendendo que a hora suprema era chegada, o descendente de So Lus enfrentou a morte com uma perfeita serenidade. Nem seu bom humor o deixou e, diletante impenitente, disse sorrindo a sua mulher: Ser mesmo interessante ver o que se passa do outro lado. Aps confessar-se, fez, em voz alta, sua profisso de : Eu creio. E, depois, recomendou quela a quem ia deixar s com trs crianas o cuidado e a guarda das mesmas: a voc que eu as confio; no poderiam ficar em melhores mos. Aps ter agradecido a todos os presentes e deles se despedido estendendo-lhes a mo, recebeu, diante da famlia e da criadagem, os ltimos sacramentos, com sentimentos de profunda piedade. Embora to criana, D. Luis Gasto recolheu, em sua alma meditativa, a fortssima impresso daquele espetculo do qual seu pai quisera que e fosse testemunha. Onze anos depois, o filho seguiria o exemplo paterno. A Princesa Maria Pia, sustentada por sua f e por seu amor de me, conservou, em seu corao partido mas no desanimado, as palavras do esposo querido a quem deveria, numa viuvez austera, guardar uma inviolvel fidelidade. Continuou, corajosamente, a educao comeada pelo marido, guiando-se em seus mtodos e exemplos. Em compensao, foi ajudada pelo sogro que, sendo um homem preocupado com as menores coisas, no esquecia os mnimos detalhes. Era curioso ver-se o nobre ancio, de halteres nas mos demonstrar os movimento de ginsticas aos queridos do Lus, ou, nos seres, no Salo Negro do Castelo dEu, sob os retratos do Imperador50 e do Duque de Nemours51, folhear LIllustration entre os dois meninos interessados nos seus comentrios.Tratava-se de um pneumonia galopante. A inexistncia de antibiticos impediu-o de se salvar. 50 D. Pedro II 51 LUS Carlos Filipe Rafael, prncipe de Orlans, Duque de Nemours (* Paris, Frana, 25-101814; Versalhes, Frana, 26-06-1896), filho de Lus Filipe, Rei dos Franceses, e de Maria Amlia, princesa de Npoles e Siclia; X Saint Cloud, Frana, 27-04-1840, VITRIA Francisca ANTONIETA Juliana Lusa, princesa da Saxe Coburgo Gotha (* Viena, ustria, 26-02-1822; Claremont, Inglaterra, 10-11-1857), filha de Fernando, prncipe de Saxe-Coburgo-Gotha e de Antonieta, princesa de Kohry, de quem teve quatro filhos: Gasto, Conde d'Eu, Fernando, Duque de Alenon, Margarida, princesa Ladislau Czartoryski, e Branca. Era bisav (av paterno do pai) de D. Lus Gasto;49

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Duvido que outro assunto os divertisse mais do que as impagveis charges e croquis de Henriot52. Ainda hoje, em minha memria, ouo as exclamaes e os aplausos dos jovens leitores diante dos tipos originais do admirvel caricaturista. No se esquecia o bilhar. Tambm era considerado uma disciplina de estudo em virtude do princpio de que um prncipe no podia aparecer em sociedade S.A dizia com uma ironia maliciosa ignorando to importante meio de contato social. Assim, pois, o jovens prncipes, dceis aos ensinamentos do venerando amador, esforavam-se por se adestrar nas mais complicadas e difceis tacadas. Infelizmente, no raro, surgiam desavenas entre os dois irmos claro e os tacos pacficos se tornavam armas de guerra. Em guarda, mediam-se distncia. Impotente, o av53tinha de solicitar a interveno materna: Venha, depressa, venha depressa. Os meninos esto brigando furiosamente com os tacos do bilhar. No sem dificuldades, a princesa obrigava os beligerantes a deporem as armas. Um aperto de mo selava a reconciliao e a partida recomeava. Um passeio instrutivo trazia, por vezes, a lio de Histria. Por exemplo, uma visita ao Museu dos Invlidos54. L, na Galeria das Pinturas Militares, o Conde dEu se sentia em famlia. Certa vez, deteve os netos55diante do clebre quadro dos funerais do general Danrmont56 junto brecha do muro de Constantina57, e, apertando contra si pequeno Lus Gasto, mostrou-lhe, falando alto demais, pois, como todo surdo58, ele media mal a voz, a figura que presidia a cena: Est vendo aquele l na frente? meu pai, o Duque de Nemours. Comeou a chamar a ateno dos outros visitantes que se voltavam curiosos e espantados: Ser possvel? Um filho do Duque de Nemours?!Pseudnimo do caricaturista francs, Henrique Maigrot (* Tolosa, Frana, 1851; Paris, Frana, 1933). 53 Como se pode verificar, a autoridade do av no era absoluta. 54 Museu Militar situado em Paris. Naturalmente tal visita se realizava quando a famlia estava em Boulogne. 55 Em sua autobiografia, a Condessa de Paris relata o mesmo fato quase que de forma idntica. 56 Carlos Maria, conde Denys de Danrmont (*Chaumont, Frana, 02-08-1783; Constantina, Arglia, 11-10-1837). General francs que participou das guerras napolenicas (inclusive da invaso de Portugal) e morreu na terceira batalha de Constantina, na conquista da Arglia pelos franceses, no reinado de Lus Filipe. 57 Cidade da Arglia, ponto de grande resistncia militar dos argelinos invaso francesa, em 1830. A cidade foi sitiada por trs vezes, caindo em poder dos franceses sob o comando do general Danrmont, que venceu o bei El Hadj Ahmd, chefe da resistncia argelina, em 12 de outubro de 1837. 58 A surdez era um mal de famlia entre os Orlans, a tal ponto que usavam bilhetes para conversar entre si.52

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Mais adiante, sempre falando alto demais: Olha o quepe do tio dAumale59 na tomada de Smala...60 E, diante da vitrine de armas e brases: Estas so as armas do reinado de Lus Filipe, meu av. Ento, uma senhora se aproximou e perguntou, timidamente, a uma pessoa que o acompanhava: Quem esse senhor? Um Prncipe de Orlans? Sim, minha Senhora: S.A. o Conde dEu. Ah! Se o senhor mo quisesse apresentar... Meu pai era chefe do esquadro de caadores, e serviu, na Arglia, sob o comando dos prncipes. A apresentao se fez por intermdio da concha acstica61que o Prncipe sempre levava consigo. Um grupo de curiosos se formou distncia. O Conde dEu estendeu a mo, com afabilidade, senhora que se inclinou respeitosamente e, depois, naquela atitude to sua, to natural, passou a outro objeto de observao. Quantas lembranas da Petite Histoire62 passavam, assim, da memria do av que era excepcionalmente lcida para as mentes dos meninos, sempre atentos. Certa vez, ao passar, com eles, de carro, diante do Palais Royal63, o Prncipe lhes apontou, com o dedo, um ponto da fachada: Olhem! Esto vendo aquela janela, l embaixo, no ngulo do primeiro andar? Ali era o meu quarto. L que eu fiquei esquecido no dia64 da fuga do Rei, meu av65; uma dama de honra66 veio me apanhar. Como tiveHENRIQUE Eugnio Filipe Lus (* Paris, Frana, 16-01-1822; Zucco, Itlia, 07-05-1897), prncipe de Orlans, Duque de Aumale, filho de Lus Filipe, Rei dos Franceses, e de Maria Amlia, princesa das Duas-Siclias. X Npoles, Itlia, 25-11-1844 MARIA CAROLINA Augusta (*Npoles, Itlia, 26-04-1822; Londres, Inglaterra, 06-12-1869), filha de Leopoldo de Bourbon-Siclia, Prncipe de Salerno, e de Maria Clementina, arquiduquesa da ustria. O casal teve seis filhos, mas sobreviveu a todos que no passaram da infncia ou da adolescncia. Era tio-bisav de D. Lus Gasto, sendo sua esposa, tia-trisav, pois era irm da imperatriz Leopoldina. 60 Batalha decisiva na conquista da Arglia pelos franceses (1843). Foi vencida pelo duque de Aumale contra Abdel Kader, emir de Mascara, feroz oponente dos franceses e genro de Abdel-Rhaman, rei de Marrocos. 61 Prova suplementar da surdez do Conde dEu. 62 Pequena Histria detalhes de acontecimentos histricos, principalmente os mais ntimos e familiares dos protagonistas. 63 Palcio Real, moradia dos reis do antigo regime. Lus Filipe, depois de aceitar o trono, passou a residir ali, ato que foi tomado por seus opositores domo uma demonstrao de absolutismo e de autoritarismo. 64 24 de fevereiro de 1848 65 Invadido o palcio, a famlia real escapou por pouco da multido enfurecida: o Rei e a Rainha chegaram a seu refgio na Inglaterra somente com a roupa do corpo.59

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medo! Tambm, estvamos em 1848, e eu s tinha seis anos! Espero que vocs nunca se encontrem numa revoluo67. Depois, com um suspiro: Eu j vi trs... Basta! 68 Os assuntos mais elevados tambm tinham sua hora. Sob as abbadas gticas da Colegiada de Eu, o Prncipe acompanhava a procisso do Corpo de Deus69, ensinando aos netos, com seu exemplo, a grande tradio catlica da famlia sem, entretanto, prejudicar uma outra, alis, bastante Orlans70: a de saudar a bandeira tricolor71 na minscula parada de 14 de julho72, no campo de manobras da cidadezinha de Eu, aonde os mandava acompanhados do Preceptor. Antes, porm lembremo-nos pedira licena nora que ele notava com bom humor naquele dia, usava, ostensivamente, como broche, a flor-de-lis dos Bourbons73. Coincidncia

Slvia Doyen, dama da duquesa de Nemours. D. Lus Gasto no esteve presente, mas foi contemporneo das revolues que sacudiram a primeira republica (1889-1930) brasileira, a saber: A Guerra do Contestado (1912), os Dezoito do Forte (1922), a Revoluo de 924 e a conseqente Coluna Prestes e a Revoluo da Aliana Liberal (1930) que acabou com a situao criada em 1889 (Primeira repblica predomnio das oligarquias escravocratas e dos Estados de So Paulo e Minas Gerais). Seus irmos (D.Pedro Henrique e D. Pia) veriam a Revoluo Constitucionalista (1932), a Revoluo Comunista (1935). a Revoluo Integralista (1937), o golpe de Estado Novo (1937), que acabou com a segunda repblica; a Revoluo de 1945 que derrubou o Estado Novo, o golpe de 1954, que deps o presidente Getlio Vargas; os de 11 e 21 de novembro de 1955, que depuseram os presidentes Caf Filho e Carlos Luz; o levante de Jacareacanga (1958), o golpe de 31 de maro de 1964, que acabou com a terceira Repblica; os golpes palacianos de 1968 e 1969 que acabaram com as quarta e quinta repblica. Depois de 1945, D.Pedro Henrique presenciaria, pessoalmente, todas essas revolues, golpes e contragolpes que degradaram totalmente regime. 68 O Conde dEu se referia s revolues de: 1848, que derrubou a monarquia orleanista, e a de 1871 (Comuna de Paris), conseqncia da derrota da Frana na guerra francoprussiana, ambas de cunho nitidamente popular e esquerdista; e ao golpe de 15 de novembro de 1889, que derrubou monarquia brasileira, de cunho nitidamente reacionrio e conservador, pois os militares fizeram sua a causa dos exproprietrios de escravos, para derrubar o regime que expropriara a estes. 69 Solenidade do calendrio catlico, comemorada na quinta-feira seguinte solenidade da Santssima Trindade (segundo domingo depois de Pentecostes) 70 Desde que o Duque de Orlans, Filipe (III) Igualdade tomou o partido dos revolucionrios contra a realeza e a nobreza, em 1789, a tradio dos Orlans era liberal. 71 Bandeira republicana francesa (azul, branco e vermelho) em oposio bandeira branca, smbolo do antigo regime. 72 Data nacional da Frana Tomada da Bastilha (14-07-1789) 73 Os Bourbons sempre se mantiveram afastados das comemoraes da revoluo que os destronara. D. Maria Pia, ao usar a flor-de-lis (smbolo herldico dos Bourbons e do antigo regime) como broche, estava demonstrando se houve inteno de sua parte ser, ainda, uma Bourbon, embora isso no afetasse sua posio de viva de um prncipe brasileiro que, por acidente, era um Orlans.66 67

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interessante ou simbologia intencional, isto no poderia ofender muito os sentimentos de um filho do Duque de Nemours, o legitimista da famlia74O Duque de Nemours, neto materno de Maria Carolina, arquiduquesa da ustria e rainha de Npoles, era extremamente formal, tendo at, na intimidade, o apelido de arquiduque, dado pelo prprio pai. Antipatizado pelo povo e julgado partidrio do antigo regime, pensavam que ele considerava ilegtima a realeza orleanista, achando, como sua me, a rainha Maria Amlia, que seria melhor recusar a coroa e receb-la, mais tarde, por herana, j que o ramo mais velho dos Bourbons estava em vias de extino.74

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A ADOLESCNCIA2 TESTEMUNHO DO SANGUEPor ocasio da morte de seu pai, ocorrida a 26 de maro de 1920, D. Lus Gasto acabava de completar nove anos de idade. Acentuaremos os traos de sua personalidade relativos aos onze anos que, ainda, teria de vida: traos de aparncia simples e delicada, mas onde um observador sagaz encontraria um cunho de eternidade sob o signo do sangue a que pertencia. A vida do jovem transcorreria num meio relativamente restrito famlia. Poucas viagens. A primeira, ao Brasil, onde, com sua me e seu irmo mais velho74, acompanhou o conde dEu para assistir as comemoraes do Centenrio da Independncia, em 1922. Viagem marcada pela trgica morte do av a bordo do Massilia, no momento e que o navio entrava em guas brasileiras74. Outras, Espanha, junto ao infante Carlos d Bourbon-Siclia74, seu tio, Arglia e Tunsia. Delas fez um dirio de notas breves e concretas. Consignou fatos e coisas; nada, porm, de impresses pessoais. Da disciplina a que estava submetido, tanto na escola como em casa, faziam parte as horas de recreao, s quais o menino se entregava com entusiasmo, sem preocupaes. Nem os dois irmos, nem a im caula admitiam a melancolia. No podiam passar longe um do outro. Aps as horas de estudo, gostavam de se reunir para qualquer jogo de inteligncia, principalmente os ento em moda: ma-jong, alma, etc. E exigiam absoluto silncio em sua volta... Mas, havia, tambm outro brinquedo mais barulhento e menos sedentrio: um ruidoso esconde-esconde do poro ao sto. Cochichos suspeitos... silncio ... gritos de espanto e corridas desenfreadas que pareciam um tufo a varrer as escadas, e que fazia estremecer os lustres do teto. Os esconderijos mais afastados, incrveis e perigos eram os preferidos. Os meninos, aos quais se juntava um grupo inteiro de primos74, perseguiam-se vertiginosamente at sobre os telhados, de tal forma que s vezes, os vizinhos vinham, preocupados, avisar, caridosamente, que as crianas aca25

bariam se matando. Que dizer disso? Havia motivos de sobra para que eles se preocupassem, mas, de antiqssima tradio, no tinham os pais e os tios apreciadores daquela equipe voadora feito o mesmo, em criana? Se houvesse uma diferena na eqidade do amor fraterno, seria a de D. Lus Gasto para com a irm. Juntavam-se para conversar misteriosamnte no meio do jardim ou em qualquer canto da casa. Aproximavam-se as cabeas cachos louros e rebeldes e um topete sedoso e acinzentado para as confidncias em voz baixa. Repentinamente, as duas fisionomias se iluminavam numa gargalhada franca: tinham chegado a um acordo. O grito de horror de uma criada de quarto marcaria o sucesso da cilada preparada. Que dizer do pega-pega em corrida por cima das cadeiras viradas em volta da mesa da sala de jantar, transformada, ento, em picadeiro? E do desespero do copeiro ao ver uma nuvem de poeira assentar sobre a mesa posta para a refeio? E o tren? Conhecem o clebre tren de famlia? No nos custa relatarlhes. Tiravam, furtivamente, as taboas da mesa para as quais o copeiro no tinha achado um esconderijo bastante seguro, para as instalar, uma aps outra, sobre os degraus da escada, do patamar at o piso; e, depois, desciam por ali, como uma avalanche, sem medir a conseqncias. Empurres, tropelias e a cambalhota final eram a graa da brincadeira, cuja inspirao se no me falha a memria vinha, quase sempre, de D. Lus Gasto. Contudo, a Princesa Imperial Viva no esperava acalmar aquela vivacidade infantil seno preenchendo, da melhor maneira possvel, a existncia dos filhos. Foi com essa finalidade que empreendeu a viagem Arglia, alm dos motivos de distrao, sade e formao. No s com viagens, mas, sobretudo, com os esportes: equitao, partidas de futebol, passeios de automvel ou bicicleta atravs da Provena e de outras provncias francesas, e regatas ao longo das costa de Cannes 74. Este era o esporte preferido. Adoravam os barcos e aspirar o ar do mar enquanto, sobre o anil, com o vento a enfunar a vela, a frgil casca de noz cortava as guas. As relaes se limitavam parentela, aos primos (principalmente os do lado paterno74), que eram tidos como irmos; com estes, as crianas concordavam sempre. Foi assim, em ocasies comuns a tal tipo de vida, que o carter e a virtude do jovem se manifestaram. Mas, que importa o tema se a inteno pro26

funda e elevada, e se as maneiras esto longe da vulgaridade? Os jovens santos no conquistaram seus ttulos pela fidelidade para com as pequenas coisas? Maximi minima facere74 E no so as pequenas aes precursoras das grandes? A personalidade de D. Lus Gasto deixou, na memria dos que com ele conviveram, parentes, mestres e servidores, tal lembrana de retido crist que cada um deles repetiria, de boa vontade as palavras de Maria Josefa da Saxnia74, sobre seu marido74, filho de Lus XV74: Bem sei que no se podem invocar seno os Santos que a Igreja canonizou, mas acho que no fao mal quando, passando diante de seu retrato, peo que se lembre de mim junto a Deus. Falo a seu retrato como se falasse sua pessoa. Traos rpidos de uma personalidade discreto e fugidia, pois D. Lus Gasto, sem inteno propositada e por um instinto de modstia prprio dos santos, escondia do mundo o que tinha de melhor, como que para confilo s e inteiramente a Deus. Seguia sua rotina diria: levantava-se rapidamente; trs passos, uma genuflexo e o beijo em seu crucifixo. Na hora da aula, era pontual, apresentando-se sempre, com as lies j estudadas. Ouviam-no repetir, com firmeza, um fragmento de Virglio74 ou de Corneille74 ou um texto litrgico, ao qual parecia reservar uma aplicao especial. Digo e polido para com os criados, nunca abusava de seus servios. Antes de mandar, ele se servia recordava um deles; e tal lembrana o comovia at as lgrimas. Mesmo quando a doena exigisse os cuidados de uma enfermeira, ele os recusaria tanto quanto possvel. Temendo se tornar um estorvo na vida dos que o cercavam, escondia os sofrimentos, no os relatando seno com grande insistncia da me. Tinha um terrvel medo de lhe dar preocupaes. O que o inspirava? O exemplo paterno? Talvez, pois aquele rapaz seguia, sempre, o bem nenhum gro de trigo deixaria de germinar naquela rica terra. como o pai notava a Princesa Imperial Viva, comparando as qualidades do filho s do marido, cujo lema sempre fora: Nunca se queixar de nada. Pois bem: a lio foi aproveitada: eficcia de uma educao dada pelo exemplo. Uma camareira, a quem no escapavam os mnimos gestos de seu jovem patro, resumia, com bastante exatido como diremos? o seu ascetismo? No, pois D. Lus Gasto no pode ser julgado num plano refletido j que, nele, no havia mais que o hbito de uma alma fiel graa: Aquele menino no tinha amor algum por si mesmo. Para ele, o prprio corpo no existia. 27

Lendo uma apreciao da Duquesa de Gontaut-Biron74 sobre Henrique de Frana74, seu aluno, naquele belo estudo que Pierre de Luz74 nos apresentou recentemente sobre o ltimo representante da linha mais velha dos Bourbons, no podemos deixar de fazer uma comparao: Ele fala pouco daquilo por que passa; tem uma sensibilidade e, com isso, um poder absoluto sobre si mesmo, bastante raro nesta idade. Tive ocasio de v-lo sofrer sem uma palavra de queixa sequer. Sob a influncia da graa, aquele rapaz de vinte anos no tinha outra inteno alm de assim permanecer e assim crescer espiritualmente. No era um temperamento aptico, mas equilibrado e sensvel, sabia-se guardar. Disso dava sinais marcantes. Nada de carnal havia nele. O espetculo das vestimentas pouco modestas o desgostava. No tinha contra ele nem mesmo um sorriso de malcia desdenhosa. Uma vez, folheando uma revista de ilustraes ousadas, virou a pgina com calma e, levantando os ombros, comentou: Que estupidez, francamente! Sim, estupidez. Com a razo to bem esclarecida pela Revelao, para a qual sua inteligncia se abria plenamente, aquele rapaz, pela fora da f e do bom senso, tinha formado, em sua mente, uma convico inquebrantvel: toda impureza, sendo pecado, no podia ter relao alguma com o fim ltimo. Logo, dela se afastava sem olhar para trs. Portanto, estava longe de ser um insensvel a reaes do exterior: era uma pessoa normal. Amava, certamente, mas com um afeto puro e delicado: uma palavra pronunciada meia-voz, uma reticncia, um sorriso, uma pequena inclinao da cabea, gesto que lhe era to prprio. Este, que teve a honra de envolv-lo em sua mortalha, constatou aquela inclinao obstinada, apesar do cuidados e dos esforos que faz para conservar-lhe a cabea reta sobre o travesseiro de seda do derradeiro sono. Vejamos, agora, amostras daquela sensibilidade to fina: Certa vez, no Castelo dEu, ele brincava com uma menina brasileira. Parou, por um momento, a observ-la e, depois, disse com um amvel sorriso: Que bonitos olhos negros voc tem! Outra vez, j no Brasil, com outra menina, passeando num jardim, pararam para admirar as rosas cujas cores resplandeciam ao sol tropical. A menina se mostrou encantada, e ele veio com um galanteio: Nenhuma delas to bonita quanto voc, Senhorita!

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Coitado daquele que se arriscava a recordar esses episdios diante do heri. Receberia, na certa, uma resposta to pronta e to bem dada que ficaria desconsertado. D. Lus Gasto, com sua simplicidade e simpatia, conquistou o corao dos brasileiros. Tornou-se, para eles, o prncipe encantado da Famlia Imperial. Daquele imenso Brasil, dezessete vezes maior que a Frana, todo cheio de lembranas de seu bisav, o ilustre D. Pedro II, que foi, por assim dizer, o educador do gnio nacional, D. Lus Gasto, em quem os brasileiros encontravam os traos do saudoso D. Lus, seu pai, nunca mais se esqueceria. Apesar de Orleans por linha paterna, a acolhida calorosa feita ao neto de Isabel, a Redentora, acabou por faz-lo identificar-se, completamente, sua ptria de direito, seno sua terra natal, mas a de seus antepassados. De volta Frana, em companhia do primo Pedrinho74, foi visitar convento. Uma freira os recebeu com afabilidade, dando-lhes boas vindas num portugus bem brasileiro. A Senhora brasileira, Irm? pergunta, surpreso, o primo. Sim, Alteza. Ento, estamos bem! concluem, triunfantes, os dois meninos, nos quais se sentia o orgulho da raa. Como isso partira do fundo do corao! Duvido que algum brasileiro tenha ouvido um grito de amor pelo imenso Brasil mais forte e espontneo. Por acaso, viram, nisso, os fiis da Casa de Frana um indcio de defeco? Absolutamente! Ento, no eram os Braganas do Brasil prncipes europeus, da antiga raa capetngia? E quando Gasto de Orleans, Conde dEu, atravessou o oceano para desposar Isabel do Brasil 74, seu casamento na consagraria a unio dos dois ramos da famlia dos Duques de Frana?74 E depois que nos permitam esta digresso quantos exemplos de amor ao Brasil no tinham infludo sobre o carter de D. Lus Gasto em ss primeiros anos de vida? Primeiramente, de sua av Isabel, a Imperatriz de direito, Condessa dEu, e de seu pai D. Lus; depois, no tinha ele ouvido, nos seres de famlia as recordaes do av, Conde dEu sobre a campanha paraguaia? Quantas histrias sobre as batalhas de Peribebu74 e Campo Grande!74 D. Lus Gasto as sabia todas de cor. 29

E a famlia? Quantos sinais de afetuosa deferncia para com ela, para com aquela que pde dizer, um dia: Aquele menino nunca me deu um desgosto! Um capricho era logo esquecido com um gentil e sincero: Desculpe-me, Mame! S ela teve o delicioso privilgio de gozar os impulsos discretos, mas espontneos, de sua natureza afetuosa; pois, nada tendo a dissimular, deixava as perspectivas livres vontade dela. Como quiser, Mame era a invarivel resposta a qualquer proposta materna. Durante a viagem Tunsia, um dia em que uma acompanhante que lhe era cara74 emitiu a intimidade a autorizava a preferncia pessoal quanto ao itinerrio, ele interveio com firmeza: fcil criticar, mas Mame que deve decidir tudo. Entretanto, a que opinara tinha um lugar especial em seu corao. Outrora, como ele tinha abusado de sua pacincia, contando-lhe histrias sem fim, de palpitantes peripcias! Mas, ali, no pudera se conter. Pensava no cuidado com que sua me tinha preparado tudo. Como, pois, haveria de sofrer seu corao de filho por ocasio do acidente do qual sua me s saiu com vida devido a um milagre ou ao prprio sofrimento ntimo dele! Com sua irm, ela a estava levando em seu pequeno 201 sua naveta vermelha como a chamava. A carroceria no era das melhores. Numa curva, a porta se abriu74 e a Princesa Imperial Viva foi projetada violentamente na estrada. Freando, rapidamente, o veculo, ele desceu e ajudou-a a levantar-se; ela no perdera a conscincia, mas tinha o rosto coberto de sangue. F-la entrar no carro e, com a fisionomia plida e contrada, voltou ao Mas Saint Louis74, sempre senhor da direo. Felizmente, o ferimento sagrara abundantemente e no houvera fratura craniana74. Mas, no dia seguinte, o rosto estava totalmente tomado pelo hematoma, os olhos inchados e apenas entreabertos. Quando o pobre rapaz veio ver a me, quase no teve foras para olh-la. No curso da educao, os tropeos eram inevitveis naturalmente, Mas como ele reagia a eles! Tenho um mau carter, eu sei, mas vou me corrigir; tomei a deciso de no ser to desabrido e de estudar mais. Certa vez, o autor destas linhas o repreendeu por algum excesso de vivacidade. Pouco depois, ouviu baterem fortemente sua porta. O aluno entrou numa agitao enorme: chorava, soluava, batia os ps: Peo desculpas, quero uma punio, eu mereo, eu preciso reparar o mal que fiz...

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Sua conscincia delicada sem chegar aos escrpulos no seguia seno os ditames do corao, e mesmo se tratando de seu cachorro, agia em favor deste em detrimento da verdade. Vejam pois: Havia, no Mas, um fox-terrier chamado Lulu. De pura raa, era terrivelmente irascvel. Discutia-se muito a quem atribuir a responsabilidade desse defeito, se ao temperamento natural do co ou s excitaes incessantes do dono incorrigivelmente travesso. Um dia, porm, num acesso de peraltagem, o fox, no paroxismo da irritao, saltou ao nariz de seu dono e ali enfiou, raivosamente, os caninos. O sangue corria de um profundo ferimento, sendo preciso recorrer aos pontos cirrgicos. Julgando a me irada contra o animal por ter mandado chamar o veterinrio para examin-lo, enquanto o sangue corria, o menino suplicava: Mame, eu lhe peo, a culpa foi minha; eu o excitei demais, deixe-o viver! E o fox viveu. O dono foi quem mais gozou a aventura: no precisava mais se incomodar com os elogios a seu nariz bourbnico. No tinha ele declarado, um dia, Eu no quero ser bonito? Falando dessa sua conscincia escrupulosa, vem-me memria uma lembrana interessante por demonstrar uma grande independncia de esprito. Escutara, durante um sero de famlia, uma leitura que completava, utilmente, os estudos do dia, das narrativas dos trois glorieuses 74e do advento ao trono do ramo mais novo dos Bourbons74. Todos se levantaram para se retirar. Ele, no entanto, ficou pensativo e, finalmente, com uma tmida reticncia que testemunhava um debate interior em torno do ponto nevrlgico da questo, considerou: Em suma, Lus Filipe era ... talvez ... um pouco usurpador74. No preciso dizer que chamaram-no a uma interpretao mais benigna da tradio da famlia. Mas, afinal de contas, respeitveis precedentes no escusavam, se no autorizavam, aquela concesso ingnua legitimidade? Os professores no tiveram muito a dizer para educar aquela alma to sensvel s impresses puras do Belo s quais demonstrava uma mentalidade completamente formada, a menos que se negue a filosofia antiga: O Belo o esplendor do Verdadeiro. As viagens que empreendeu atravs da Frana o fizeram conhecer as grandes catedrais onde, naturalmente, no podia deixar de se deter diante das obras-primas dos mestres da arquitetura medieval. Dentre todas, foi 31

a catedral de Chartres que extasiou o jovem turista. Nossa Senhora da Belle Verrire74 e as rosceas irradiadas do transepto o encantaram. Sua piedade profunda foi magnetizada por aquela mstica de pedra e luz, que o Opus Francigenum74. Se algum elogiava outra, colocando esta em segundo pleno, havia, de sua parte, um protesto firme e impaciente: No, em absoluto. A de Chartres , indiscutivelmente, a mais bela de todas 74. O que o atraa, meu rapaz, naquele templo de F de seus antepassados? O que o fazia diminuir os passos sob as abbadas gticas onde se entrecruzam as finas nervuras das ogivas, e contemplar aqueles vitrais onde os mestres do ofcio dispuseram, com tanta arte, azuis, vermelhos e dourados luminosos? Era o xtase de um esprito artstico diante daquelas maravilhas da imaginao e da tcnica?74 No, pois voc no tinha nada de um sonhador romntico e sentimental. Orleans e Bourbons lhe haviam legado suas aptides e gostos pela ao. Ento, o quer era? Era a graa da F, que transportava sua alma para junto do coro de geraes de fiis que, invisveis, povoam aquelas naves de onde elevam aos Cus seus hinos e preces. L, voc no pensava e, no entanto, tinha colquios com a Virgem. Sua alma se abria numa adorao sem palavras, numa contemplao de pura f. Da Belle Verrire. Maria se inclinava para voc num convite sorridente: Isto aqui belo, meu menino, mas o Cu, onde reino com meu Filho, mais belo ainda; vem, no demores! A terra no para os puros e sinceros como tu. Notre Dame du Port74, aquela incomparvel jia da escola romnica da Auvernia74, foi a ltima que admirou. Desviando-se do itinerrio normal para fazer um venerando acompanhante conhecer a Igreja de Brou74, ele no prestou a ela seno um olhar distrado. Amava a simplicidade e, talvez, houvesse demasiado cuidado de efeito naquela virtuosidade de pedra vazada. Entre os autores clssicos, Corneille era o seu preferido. Uma afinidade de esprito o unia quele gnio absoluto e completo. Seu preceptor leu-lhe o Polyeucte o mais belo poema de F e de Amor de que se podem gabar as letras crists. Assistiu, tambm, a representao da obra prima no Odeon74. Corneille o meu preferido declarou ao voltar74. Sentia a profundidade toda a grandeza de alma e das coisas. Toda a beleza espiritual era, para ele, como a atmosfera da terra natal, onde seu ser se desenvolvia.

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Amava as duas ptrias por suas histrias e seus lugares. Depois do Brasil, nenhum pas to belo quanto a Frana. Ora, ele j tinha viajado bastante para poder fazer comparaes. Impossibilitado de viver no primeiro, ligou-se quele canto da costa mediterrnea, onde sus me, presa por tantas recordaes, fixara sua residncia preferida. No queria se mudar dali.

Teatro no centro de Paris, conhecido pela apresentao de peas da literatura clssica. Em portugus, D. Lus Gasto apreciava as poesias abolicionistas de Castro Alves e a Cano do Exlio de Gonalves Dias. No teatro, sua pea preferida era A Ceia dos Cardeais, de Jlio Dantas, lida por ele em portugus, e assistida, em sua verso francesas, no mesmo Odeon.1 1

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3 O MAS SAINT LOUISE como ele amava o Mas Saint Louis, seu Paraso de Mandelieu! Com apenas um passar de olhos entusiasmado, ele conseguia que todos os detalhes viessem se estampar em sua imaginao viva, como esmaltes numa superfcie entalhada. A moradia no era vasta, mas aconchegante e suficiente para a famlia. Parva sed apta75. Fora planejada e construda num estilo essencialmente provenal. Numa dobra do terreno, ao p do Estrel, entre os pinheiros, os ciprestes e as mimosas, limparam-se alguns metros quadrados do solo. Depois, naquela rea magnificamente situada, construiu-se o Mas, e desenharam-se os jardins em patamares e ladeiras em frente baa. De l, pode-se descortin-la em toda sua vastido, com exceo da pequena enseada de Thoule, escondida pelo Monte Saint Pierre76. A leste, os Alpes, cujas neves, at abril, se confundem com as nuvens. Seus cimos passam, seguindo o declnio do sol, do rosa ao azul nacarado, e, deste, ao malva. De l, com a distncia uniformizando os planos, pode-se dizer que, pela colina Californie e pela ponta da Croisette, a cadeia se abaixa docemente em direo ao mar, para emergir, somente, nas ilhas Lrins, onde se vem, encimados pela pequena torre quadrada do mosteiro dos Cistercienses, seus pinheirais sombrios. O vento do sudeste, que traz as fortes chuvas de outono, os curva, inclinando-os at as rochas calcrias que formam, nas ilhas, uma cintura branca. Ao norte, atrs do Mas, as culturas de mimosas ganham, progressivamente e em retngulos, os cimos arredondados e os flancos do Estrel. O horizonte escondido por essa cadeia de rocha to antiga que se desmancha entre os dedos, formada por cortantes retilneos, dentes de serra, e, enfim, o cume pontudo do Saint Pierre. O Mas no deve todo seu encanto s complicaes arquitetnicas. No imaginem um desses cromos de natureza artificial como nos apresenta LIllustration. Nada mais que o lugar, o sol dourando a fachada amarela com janelas de postigos verdes com pequenos losangos vazados: roseiras trepadeiras, petnias balanando suas corolas no teto do alpendre e nosPequena e apropriada. So Pedro

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ngulos das paredes, gernios vermelhos enchendo os vasos bojudos ao longo do terrao. Deixando a estrada de Frjus, segue-se por um caminho m zigue-zague escavado, arruinado pelas tempestades de novembro e de maro. Era um prazer para D. Lus Gasto a fazer sacolejar sua naveta vermelha, enquanto lanava um olhar furtivo e malicioso ao companheiro de viagem, nada confiante, para ver o efeito produzido. O atalho atravessa uma velha horta onde as roseiras voltaram ao estado selvagem, completamente embrenhadas numa confuso exuberante com eucaliptos, palmeiras e mimosas. Enfim, atinge-se o patamar rodeado de terrenos gramados, onde foram plantadas as essncias indgenas. Nada menos do que cinco anos foram necessrios para, naquele clima de luz e calor, ao qual no falta a necessrias umidade, reaclimatar as oliveiras transplantadas da Rochette, cujos frutos, mesmo depois de colhidos, passam do verde ao dourado e, depois, ao ametista; para conduzir ao porte adulto os ciprestes, cuja extremidade, fina como uma pequena muda sensvel ao menor sopro, segue a direo do vento; para fazer arredondar os pinheiros em esferas perfeitas; para plantar os loureiros rosa e brancos, os ps de alecrim de flores azuis, cortadas em espessos tufos duplos ao p da santonina prateada, marcando as alias. E, Depois, as rosas, uma festa de rosas que comea em janeiro e se prolonga em pleno outono: suas corolas de veludo carmesim ou de cetim creme se aproximam e se entrelaam ao gradil do campo de tnis, rea, dentro da qual, jovens que se tratam com total camaradagem saltavam de um lado para o outro para lanar ou rebater a bola, sob um sol ardente que queimava os braos, os trax e os rostos cobertos de suor. Muito cedo, D Lus Gasto, despertado pelos raios de sol, cujas ondas vibrantes de ftons luminosos desenhavam, em sua cama, os losangos dos postigos, abria a janela. Inspecionava a baa, reconhecendo, com interesse, os visitantes habituais: o Vulcania, atracado cedo, grande transatlntico italiano de apito roucos seguidos de eco; os iates familiares no porto: o Rsolue77 e outros. No horizonte, fumaas anunciavam a aproximao de unidades da frota francesa ou inglesa; algumas vezes, emergia o doso fusiforme de um submarino. Mas, do que ele gostava e o fazia sorrir eram as velas dos barcos de regata, quem a sopro vivo do poente, se inclinavam, e a sua brancura tocava a massa azul como um grande pssaro que fosse agarrar as presa flor dgua.77

Resoluta

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Vamos dar uma volta no Crvard78 Vamos respondia o mais velho, atirando fora a coberta e saltando da cama Partimos em trs minutos. Crvard vocbulo pretensioso que denominava um barco de estabilidade suspeita que conduzia nossos pescadores pelas enseadas piscosas do litoral at a embocadura do Siagne79, e que voltava carregado de pescadas80, peixes-tordo81, linguados82 ou de gulosos rodovalhos83. E se o barco virasse? Ora, estavam de mai84 e nadavam de dar inveja as habitantes do mar. s vezes, quando o bom tempo convidava, reservavam a lancha a motor do Luiso85, bravo cans de expresso rude e trax cabeludo, que ganhava seu po transportando os turistas s ilhas. Escolhiam, pois, um belo dia e iam, em famlia, sob os pinheiros, participar de uma copiosa bouillabaisse86. A pequena sardinha toda bouillabaisse autntica a exige no dava mais que um salto do mar para a marmita que cozinhava num fogo aceso entre duas pedras. Antes, uma volta a nado preparava os estmagos; com grandes braadas, os nadadores fendiam a superfcie de esmeralda que deixava ver, de to transparente87, o fundo de areia com rochas onde a gua, em remoinhos, agitava as algas irrequietas como enguias. Dois meses aps a grande separao, este amigo voltou s ao Mas, precedendo a famlia da qual compartilhara as angstias, as esperanas alternadas e, enfim, a dor inexprimvel. Fazia aquela peregrinao obedecendo quele gosto amargo de ir at as profundezas da dor para l encontrar tudo o que podia do ente desaparecido. Absorto nas recordaes que ressuscitavam um passado to recente ainda, ele s foi tirado de seu devaneio por uma sbita dor no tornozelo quando seu p resvalou nas pedras arrancadas do caminho. Parou, levantou os olhos: viu, no alto do silencioso patamar, o Mas com seus postigos verdes. Estavam fechados. O quarto de D. Lus Gasto era o do ngulo esquerdo do primeiro andar. Embaixo, o vento leste curvava, como que para um abrao, um fino cipreste que tinha crescido junto com o rapaz.Sulcador, fendedor, aquele que sulca, que fende (as guas). Pequeno rio que desemboca na baa de Cannes. 80 Merlucius sp. 81 Labrus sp. 82 Syacium papillosum 83 Paralichthys sp. 84 Na poca, os homens no usavam nem sungas nem cales de banho. 85 Trata-se de Lus Fanciuli, irmo de leite de D. Maria Pia. 86 Sopa provenal de peixes e frutos do mar. 87 Hoje, o Mediterrneo, muito poludo, j no apresenta essa transparncia.78 79

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No h muito, o amigo distinguia, janela, a esguia silhueta de seu jovem prncipe, que o acolhia, de longe, com um largo gesto de boas vindas. Chegara, ento, novembro, poca das grandes chuvas na costa. No mais o anil, mas o cinza sombrio dos nimbos do leste, que se desmancham em aguaceiros oblquos e interminveis. No caminho, as roseiras ainda tinham rosas; elas o tinham visto passar em junho, pela ltima vez88. Como tinham perdido o colorido! Ento, memria do visitante, veio uma queixa do rapaz O mdico aconselhara, pra fortalecer aquela constituio prejudicada por um crescimento extremo e brusco, que ele fosse respirar os ares das montanhas. Mame suplicou ele fiquemos em Mandelieu! Se voc me levar, e no o verei mais. A me saiu com o orao confrangido. Advertncia ntima, tristeza de um momento de depresso que seu estado fsico, alis, no justificava? Mas, aquilo fora dito sem pieguice alguma. Ele na gostava e dramatizar nada. De fato, ele no mais voltara. Aos que deixava89 era preciso continuar sozinhos, atingir e atravessar a escurido sm ajuda e o encantamento de sua luminosa juventude. Quem poderia crer que suas palavras estivessem certas? Probabilidades sombrias diro mas a ameaa nunca estivera ausente. Entretanto, refletindo-se bem, sua estatura, seu bom humor pareciam demonstrar o domnio da vida. Magro, estava de acordo com os modelos dos homens da famlia. Vejam as litogravuras de 1840, que, de frente ou de perfil, nos conservaram as silhuetas esguias do bisav Nemours, dos tios-bisavs Joinville90D. Lus Gasto fora transportado para Cannes (para a Vila Maria Teresa II, casa de seu av materno), onde havia mais recursos mdicos, em junho de 1931. 89 A me, D. Maria Pia, Princesa Imperial Viva; a irm, D. Pia Maria, futura condessa Renato de Nicola; o irmo e companheiro, D. Pedro Henrique, Chefe da Casa Imperial do Brasil; e os avs maternos, os Condes de Caserta. Incluindo-se o preceptor, autor desse livro, todos tiveram, at o fim se sas vidas, somente recordaes agradveis de D. Lus Gasto. 90 FRANCISCO Fernando Filipe Lus Maria, prncipe de Orleans, Prncipe de Joinville (* Neuilly-sur-Seine, Frana, 14-08-1818; Paris, Frana, 16-06-1900), filho de Lus Filipe, Rei dos Franceses, e de Maria Amlia, princesa das Duas-Siclias; X Rio de Janeiro, Brasil, 01-05-1843 FRANCISCA Carolina Joana Carlota Leopoldina Romana Xavier de Paula Miguela Gabriela Rafaela Gonzaga, sua prima-sobrinha (* Rio de Janeiro, Brasil, 02-08-1824; Paris, Frana, 27-03-1898), filha de Pedro I (IV), Imperador do Brasil e Rei de Portugal, e de Maria Leopoldina, arquiduquesa da ustria, da qual teve um filho e uma filha que ancestral da Famlia Real Francesa (atual). Era tio-bisav de D. Lus Gasto. O casamento do Prncipe de Joinville com D. Francisca do Brasil foi a primeira unio entre os Orleans e os Braganas.88

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em uniforme de almirante; Aumale, com porte guapo e de quepe sobre a orelha; Montpensier91, visto no Castelo de Vincennes, todos mortos aos 80 anos92. Fisicamente, era bem msculo; seu aperto de mo esmagava as falanges de quem p cumprimentava. Dos quadris estreitos, erguia-se um trax que mostrava propenso deciso e ao. A mo segurava, nervosamente, a raquete. Os joelhos dominavam a montaria e o tornozelo se movia para um terrvel chute no futebol. Mas, o que dizer das reaes violentas, do bater portas, do ferir a cabea contra a parede do quarto? Era o primeiro tempo ao qual sucedia, imediatamente, o segundo, o do controle vitorioso, sorridente e conciliador. A bonana aps a tempestade. Mas, aquele desprendimento habitual das coisas preferidas pela juventude no indicaria uma fraqueza congnita, uma insuficincia de foras vitais? Certamente no. Os que com ele conviveram o sabem: era a estima e a preferncia pelo essencial e o desdm pelo suprfluo. O que guardava ele em seu bolso? O mnimo. Com que facilidade tirava, regularmente, da carteira, uma quantia que entregava ao capelo: Isto aqui para os seus pobres. Era guiado instintivamente pelo conselho evanglico Beati pauperes spiritu93, sinal de um carter singularmente formado, de uma alma orientada pela graa para o Eterno. Uma cama de vento sumariamente guarnecida lhe bastava, desde que, cabeceira, pendesse um crucifixo. Nunca houve um adolescente to afastado de toda vaidade mundana. Quiseram dar a seu quarto uma decorao mais cuidada: No, est bem assim; assim basta. No de espantar que fosse um apaixonado pelo automobilismo. Poderia ficar isolado do movimento que levava a sua gerao a desafiar a morte? Certa vez, sua me quis faz-lo aceitar um veculo possante. No, Mame, o meu est muito bom. Ora, seu carro era um pequeno Peugeot 201.

ANTNIO Maria Filipe Lus, prncipe de Orleans, Duque de Montpensier (* Neuilly-surSeine, 31-07-1824; San Lucar de Barrameda, Espanha, 04-02-1890), filho de Lus Filipe, Rei dos Franceses, e de Maria Amlia, princesa das Duas-Siclias; X Madri, Espanha, 10-10-1846 MARIA LUSA Fernanda (*Madri, Espanha, 31-01-1832; Sevilha, Espanha, 02-02-1897)(sua prima-sobrinha), filha de Fernando VII, Rei da Espanha, e de Maria Cristina (irm da Imperatriz Teresa Cristina), princesa das Duas Siclias, da qual teve oito filhos; naturalizou-se espanhol e renunciou a seus eventuais direitos ao trono francs, tornando-se um Infante. Era tio-bisav de D. Lus Gasto. 92 Dos filhos de Lus Filipe, somente o Prncipe de Joinvile e o Duque de Nemours atingiriam os 80 anos; entretanto, Clementina, princesa Augusto de Saxe-Coburgo-Gotha, chegaria aos 90 (1907). 93 Bem-aventurados os pobres em esprito (Mt 5, 3).91

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Todos os dias, viam-no passar dentre Cannes e Mandelieu, com a mo no volante, fechado em seu suter bege, fiel observador do Cdigo de Trnsito. Mas, o que veriam se ele tivesse, diante de si, o espao livre e a fita retilnea da estrada onde pudesse fix