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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA INSTITUTO DE ARTES Clara Makdisse Saito Um estudo da “Escola do Desvendar da Voz” de Valborg Werbeck-Svärdström SÃO PAULO 2011

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  • UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA INSTITUTO DE ARTES

    Clara Makdisse Saito

    Um estudo da Escola do Desvendar da Voz de Valborg Werbeck-Svrdstrm

    SO PAULO 2011

  • UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA INSTITUTO DE ARTES

    Um estudo da Escola do Desvendar da Voz de Valborg Werbeck-Svrdstrm

    Clara Makdisse Saito

    Trabalho de Concluso de Curso apresentado ao Curso de Licenciatura em Educao Musical do Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho UNESP Campus So Paulo como requisito para obteno do ttulo de Licenciado em Msica. Orientador: Prof. Dr. Paulo Castagna

    SO PAULO 2011

  • CLARA MAKDISSE SAITO

    UM ESTUDO DA ESCOLA DO DESVENDAR DA VOZ DE VALBORG WERBECK-SVRDSTRM

    Trabalho de Concluso de Curso de Licenciatura em Educao Musical

    Instituto de Artes - Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho (UNESP). Banca Examinadora Orientador: _________________________________ Prof. Dr. Paulo Castagna Instituto de Artes - Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho Membro:__________________________________ Profa. Dra. Margarete Arroyo Instituto de Artes - Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho

    So Paulo, 2011

  • A todos os que procuram integrar o que foi fragmentado.

    Aos que buscam o que os olhos comuns no podem ver, o que os ouvidos treinados querem ouvir e o necessrio soar da voz.

    Aos que buscam matar a sede de paz que consome o corao.

    Aos que buscam sentidos em suas aes.

    Dedico este trabalho

  • AGRADECIMENTOS

    Minha imensa gratido

    Ao meu orientador Paulo Castagna, pela sinceridade, clareza e pacincia.

    minha tia Marieta Trancoso de Castro, pela presteza com que fez uma impecvel reviso neste trabalho.

    minha grande famlia, que sempre me apia nas minhas mais diversas decises, demonstrando a fora do amor incondicional. Nessa famlia incluo os meus amigos, que so uma extenso de meu ncleo familiar.

    Aos colegas e grandes amigos do Instituto de Artes (IA), que me ajudaram a crescer e a aprender com tantas reflexes em aula ou fora dela.

    Aos colegas da OrCom (Orientao Compartilhada), que muito contriburam sobre o fazer acadmico em nossos encontros de quarta-feira noite.

    A todos os professores e funcionrios do IA, que participaram de minha jornada na graduao.

    E no poderia esquecer de agradecer - mesmo no fazendo mais parte deste plano terrestre a Valborg Werbeck-Svrdstrm, que deixou sua contribuio nica para a msica, possibilitando a realizao deste trabalho e me inspirando a cantar novamente.

  • RESUMO O presente trabalho de concluso de curso um estudo sobre o livro A Escola do Desvendar da Voz: um caminho para a redeno na arte do canto, de Valborg Werbeck-Svrdstrm, com o qual tomei contato em minha busca por autoconhecimento e desenvolvimento pessoal atravs da msica. Instrumento musical nico, a voz constitui-se em excelente auxlio no caminho do autoconhecimento, e por essa razo a obra de Werbeck-Svrdstrm tornou-se o objeto desta monografia. As questes norteadoras deste trabalho foram: 1) Para qu ensinar msica? 2) O que fazer para ser um ser humano melhor e, consequentemente, ser um melhor professor? 3) A tica mecanicista, na qual a msica mais um produto ou pura tcnica, esgota todas as caractersticas e possibilidades da msica? Assim sendo, o objetivo deste trabalho foi desvendar se e como a escola proposta por Werbeck-Svrdstrm poderia atender a tais indagaes, atribuindo maior significado vida dedicada msica. A monografia compreende nove captulos, iniciando-se pela introduo. O segundo captulo traz uma breve biografia de Valborg Werbeck-Svrdstrm, cuja trajetria pessoal est intimamente relacionada com o desenvolvimento de sua Escola. No terceiro captulo so apresentados os fundamentos da Cincia Espiritual ou Antroposofia que se revestem de importncia para a melhor compreenso da Escola do Desvendar da Voz, cujos princpios so calcados nessa filosofia. Nos captulos quatro a oito so apresentados aspectos relacionados ao processo de trabalho e s perspectivas da Escola do Desvendar da Voz e, no captulo de nmero nove, a autora manifesta as suas concluses.

  • LISTA DE ILUSTRAES

    Figura 1 As trs divises da corda vocal direita 20

    Tabela 1 Tripartio do ser humano 20

    Tabela 2 Tom, Som e Rudo relacionado com a Trimembrao do ser humano 22

    Figura 2 Ressonncias verticais da primeira fase da Escola do desvendar da Voz

    30

    Figura 3 Ampliao lateral da laringe, faringe e trompa de Eustquio que ocorre na segunda fase da Escola do Desvendar da Voz

    32

  • SUMRIO

    1 INTRODUO ........................................................................................... 9

    2 VALBORG WERBECK-SVRDSTRM: O NASCIMENTO DA ESCOLA DO DESVENDAR DA VOZ ...................................................... 11

    3 CINCIA ESPIRITUAL: FUNDAMENTOS PARA MAIOR ENTENDIMENTO DA ESCOLA DO DESVENDAR DA VOZ .................. 15 3.1 AS TRS FACES NA NATUREZA, OU TRIMEMBRAO DO SER HUMANO .......... 18 3.2 OS TRS MEMBROS DA CORPORALIDADE E O EU OU QUADRIMEMBRAO DO SER HUMANO ......................................................................................... 19 3.3 A TRIPARTIO DO SER HUMANO .................................................................. 19

    4 O TOM: A ESCUTA INTERIOR ............................................................... 21

    5 AS DIFERENAS ESSENCIAIS ENTRE FALA E CANTO .................... 24

    6 AS TRS FASES DO DESVENDAR DA VOZ ........................................ 27 6.1 PRIMEIRA FASE: O DIRECIONAMENTO DO SOM ............................................... 27 6.2 SEGUNDA FASE: A EXPANSO DO SOM ......................................................... 31 6.1 TERCEIRA FASE: O ESPELHAMENTO DO SOM ................................................. 33

    7 O ESPELHAMENTO DA PALAVRA PARA A ARTE DO CANTO ......... 36

    8 A FISIOLOGIA DA LNGUA E A ARTE DA RESPIRAO ................... 38 8.1 A FISIOLOGIA DA LNGUA ............................................................................ 38 8.2 A ARTE DA RESPIRAO ............................................................................. 39

    9 CONCLUSES ......................................................................................... 42

    BIBLIOGRAFIA........................................................................................ . 44

  • Quando o pedagogo e artista se dedica pesquisa dirigida ao interior e busca espiritual, ele ingressa num caminho de uma lenta, gradual e rdua jornada. Ele se depara com vivncias que lhe traro dor, comoo, dvida, alegria em resumo, tudo o que perturba profundamente a alma humana.

    Valborg Werbeck-Svrdstrm

  • CLARA MAKDISSE SAITO 9

    1 INTRODUO

    Embora centrado no canto, o presente trabalho no se constitui em uma

    investigao sobre a tcnica vocal. De vez que seu objeto a Escola do Desvendar

    da Voz, desenvolvida por Valborg Werbeck-Svrdstrm no incio do sculo XX sob a

    gide da antroposofia1, esta monografia uma contribuio aos estudos voltados

    profunda relao existente entre a msica e o ser humano.

    Assim sendo, e considerando que, de acordo com Steiner, a primeira

    experincia que podemos ter de um conceito que no encontra correspondente nas

    percepes do mundo a vivncia do prprio EU, a autora optou pela pessoalidade

    nesta Introduo, em alguns comentrios apresentados ao longo dos captulos de

    nmeros dois a oito e nas Consideraes Finais.

    O meu encontro com a Escola do Desvendar da Voz foi providencial. Como

    diz o ditado: quem procura acha.

    Busquei em diversos caminhos algo que conferisse maior sentido ao viver

    musical, pois acredito que para ser um educador necessrio, antes de tudo,

    possuir um ideal, algo em que se acredite. Sem essa crena, a docncia no faz

    sentido...

    Identifiquei-me profundamente com o iderio e a proposta desse livro escrito

    no incio do sculo XX. Finalmente, encontrei uma escola cuidadosamente

    construda por uma pessoa que viveu para e da msica e que, como eu, buscou um

    para qu no viver musical e encontrou respostas que transcendem o pensamento

    puramente materialista.

    Coincidente e curiosamente, o primeiro contato de estudo que tive com a

    msica foi o canto, que abandonei por diversos motivos. O subttulo do livro Um

    caminho para a redeno na arte do canto e para mim, voltar arte do canto

    tambm constitui-se em uma redeno: como o necessrio retorno s origens para

    virar a pgina, para a concluso de um ciclo, que neste caso o curso de

    graduao.

    1 Antroposofia do grego, anthropos = homem + sophia = cincia (MICHAELIS, 2011) - corrente filosfica criada por Rudolf Steiner tambm no incio do sculo XX e brevemente apresentada no captulo 3 desta monografia.

  • CLARA MAKDISSE SAITO 10

    Todo msico deve cantar, todas as pessoas devem e podem cantar. A voz

    o instrumento musical primordial. As palavras de Werbeck-Svrdstrm (2011, p.32-

    33) expressam muito bem esse sentimento:

    Todo trabalho, todo esforo pela chamada formao da voz no , basicamente, nada alm de uma libertao e remoo das coberturas obstrutivas que no querem deixar a voz sair tal como hoje se diz, com acerto. E aqui nos deparamos com o principal erro de nossa atual pedagogia do canto: a voz humana no precisa de qualquer formao; ela est l, pronta, perfeita como um ser que ressoa no ideal, esperando porm por libertao! Devemos dizer libertar ou, melhor ainda, desvendar a voz, e no formar a voz.

    O conceito de que a voz humana no necessita de qualquer formao

    muito belo, e permite uma analogia com o iderio e as prticas pedaggicas

    atualmente em curso. De maneira geral, tem-se uma educao que Paulo Freire

    chamaria de bancria (FREIRE, 1983, p.66), que elimina a reflexo sobre a

    experincia do aluno, que tem como foco formar ao invs de libertar, desvendar

    o aprendiz, como postulava Werbeck-Svrdstrm (2011).

    Espero que este trabalho possa auxiliar aqueles que, como eu, buscam alm

    do que a nossa limitada capacidade pode captar.

  • CLARA MAKDISSE SAITO 11

    2 VALBORG WERBECK-SVRDSTRM: O NASCIMENTO DA ESCOLA DO DESVENDAR DA VOZ

    Valborg Werbeck-Svrdstrm nasceu na Sucia no ano de 1879. Cresceu

    em ntimo contato com a natureza, pois vivia no campo. Graas facilidade e ao

    prazer que demonstrava ao cantar desde a mais tenra infncia, foi considerada uma

    criana-prodgio.

    Aos dez anos de idade, participando como solista do coro de crianas em

    um concerto pblico da igreja, ficou preocupada ao ver a grande solista da noite,

    uma cantora de pera, fazer estranhos movimentos com a cabea preparando-se

    para as notas agudssimas. Os risos dissimulados que tais movimentos provocavam

    na platia levaram-na determinao de jamais se tornar uma grande solista. Assim

    ela descreve o primeiro choque da criana com as dificuldades do cantar:

    Para mim o canto era simplesmente meu elemento vital. Eu no conhecia absolutamente nenhuma das chamadas dificuldades, quer nos registros mais agudos (tanto que me pareceu fcil cantar o sol#3 e o l3), quer nos mais graves. Dificuldades de respirao no existiam. A coloratura (com exceo do trilo, que eu s pude aprender no conservatrio) surgiu como que espontaneamente, e eu no tinha tampouco por que me queixar de falta de fora de expresso. Isso se devia ao meu humor ingnuo e infantil e ao meu impulso natural de imitao, remanescente de minha tenra infncia. Eu no podia, de modo algum, compreender que se pudesse ficar rouca ou cansada por cantar (conforme deduzi das conversas com adultos). Para mim, o canto era a expresso mais direta de toda a minha existncia infantil e despreocupada. Porm logo eu tambm deveria experimentar, de modo suficientemente doloroso, que existem pontos realmente crticos no processo de desenvolvimento do canto (WERBECK-SVRDSTRM, 2011, p.23).

    Depois de ingressar na Academia Real de Msica Estocolmo -, aos quinze

    anos, Valborg comeou a sentir um certo desconforto ao cantar, desconforto este

    que classificou como perceber que estava cantando de vez que, at ento, o ato

    de cantar lhe era inconsciente, natural. Foi contagiada pelo desejo de possuir uma

    voz possante, e os esforos que fez nesse sentido acentuaram a sensao de mal-

    estar, revelando alteraes fisiolgicas.

    Decorridos dois anos e meio, sua professora adoeceu. O professor que a

    substituiu utilizava um mtodo que lhe causava grande desconforto, o que levou-a

    ao desinteresse e ao desenvolvimento de uma doena nas amgdalas que, com o

    tempo, afetou de maneira audvel a sua voz. Perdia assim a alegria de cantar.

  • CLARA MAKDISSE SAITO 12

    Mas, a despeito de todas as dificuldades, prosseguiu os estudos e aos 21

    anos ingressou no elenco da pera Real.

    Exigncias extraordinrias foram feitas minha voz. Apesar do lento declnio anteriormente descrito, eu podia, se bem que custa de grandes esforos, corresponder a essas exigncias. Numa nica temporada, por exemplo, estudei e cantei oito grandes papis principais porm custa de quantos sacrifcios e tratamentos violentos! Eu teria de escrever muito para narrar todos eles (WERBECK-SVRDSTRM, 2011, p.24).

    Com a obteno de uma bolsa para estudos no exterior, Werbeck-

    Svrdstrm sentiu-se aliviada pela pausa reconfortante, embora no tenha

    encontrado resposta aos seus anseios, como se observa a seguir: Em Paris, na

    Itlia, na Alemanha, eu busquei ento um modo novo e saudvel de cantar mas

    por toda parte em vo... (Ibidem, p.25).

    De volta Sucia e aos 25 anos de idade, Werbeck-Svrdstrm (2011, p.25)

    contraiu uma espcie de paralisia vocal que fazia com que sua voz falhasse sbita e

    completamente, embora isso no a tenha surpreendido.

    [...] De fato no fiquei surpresa, pois o resultado no podia ser muito diferente. Agora eu sabia bem claramente que nada mais tinha a perder, e sim tudo a ganhar, e sobretudo das experincias negativas de minhas viagens de estudos que s a partir de minhas prprias foras eu poderia recuperar-me.

    No podendo mais cantar, comeou a falar conduzindo o som pelo nariz e,

    concentrando a escuta nessa nova forma de ressonncia da fala, encontrou a

    recuperao de seu instrumento de trabalho, a voz:

    Ento emergiu dessa escuta, de forma incrivelmente vvida, a recordao da minha voz infantil! A sonoridade prateada, outrora presente nos tons, veio ao meu encontro quase como um ser independente, fazendo-me procurar fonema em que melhor expressasse.... E assim encontrei o fonema NG! Isso foi uma descoberta muito significativa para mim! De fato, eu soube de imediato que somente aqui deveria ser procurado o novo ponto de partida, e o sucesso desse exercitar tambm parecia um milagre. No decorrer de apenas algumas semanas eu havia recuperado minha voz, e, como o colapso acontecera no comeo das frias de vero, com o incio da temporada pude retomar minha atividade publica. Agora, porm, cantar se tornara quase um martrio para mim. Era um contnuo fazer acordos entre a nova e a antiga maneira de cantar. Esta ltima tentava, obviamente, predominar com vigor, enquanto a nova maneira era to sutil, to diferente que eu me sentia como que entre dois mundos adversrios (Ibidem, p.26).

    Casou-se com Louis Michael Julius Werbeck e foi morar na Alemanha,

    encerrando o vnculo com a pera Real. Seguiu-se um perodo de muita atividade,

  • CLARA MAKDISSE SAITO 13

    no qual cantou como convidada em quase todos os pases da Europa, o que s foi

    possvel porque utilizava os exerccios da nova escola. Mas, a despeito das muitas

    glrias obtidas nessa fase, sua vida se tornara insuportvel. Embora no pice da

    carreira, ansiava por dar fim a tudo aquilo para ento solidificar a nova escola. Mas

    somente aps a Primeira Guerra Mundial, e com a morte do marido - que tanto

    contribura no delineamento de seu projeto -, retirou-se da vida pblica e passou a

    se dedicar construo de sua escola.

    Valborg Werbeck-Svrdstrm conheceu Rudolf Steiner em 1912, e esse

    encontro marcou-a como um acontecimento especial: as palavras de Steiner fizeram

    com que ela intusse que o trabalho que vinha desenvolvendo tinha algum valor.

    Assim sendo, passou a se aconselhar com Steiner nas questes e dificuldades que

    no conseguia solucionar.

    [...] E devo admitir que me sentia como uma principiante sem importncia pois, para minha surpresa, eu constatava rapidamente que o problema que eu lutava j tinha sido plenamente solucionado por ele como conseqncia de seu prprio trabalho, e de vez em quando ele desatava com uma nica frase os emaranhados ns. Assim aconteceu com muitas de minhas perguntas (WERBECK-SVRDSTRM, 2011, p.28).

    Assim nascia a escola de Valborg Werbeck-Svrdstrm, para quem a

    autorizao de Steiner era obrigatria.

    [...] Rudolf Steiner me brindou com uma exposio extremamente interessante e significativa de sua opinio sobre minha escola, e que no literalmente, mas em seu contedo essencial, foi mais ou menos a seguinte: - A natureza dessa escola individualmente muito diferente nas etapas e fases de seu desenvolvimento. O o qu da escola ser, naturalmente, o mesmo para todos, mas o como mediante o qual cada um a vivncia, depende do talento e da constituio pessoal de cada um. No absolutamente necessrio que todos os alunos tenham a mesma vivncia que eu pois em tais vivncias trata-se, em ltima anlise, apenas a capacidade de perceber aqueles momentos de transio muito sutis, entre dois estgios, que podem variar tanto em intensidade como em sua natureza intrnseca (Ibidem, p.28).

    Para minha maior alegria, nesse momento, Rudolf Steiner declarou que eu estava autorizada a apresentar essa escola de canto como aprovada por ele e edificada sobre os princpios fundamentais da Cincia Espiritual. Foi isso o que fiz posteriormente (Ibidem, p. 29).

    Antes de falecer, Louis Michael marido e companheiro, a quem A Escola

    do Desvendar da Voz dedicado - auxiliou Valborg Werbeck-Svrdstrm no

    captulo introdutrio do livro, cuja primeira edio remonta a 1935, posteriormente

    morte de Rudolf Steiner.

  • CLARA MAKDISSE SAITO 14

    Valborg Werbeck-Svrdstrm contou com a colaborao de renomados

    mdicos na fundamentao cientfica de seus estudos. Dentre estes destaca-se o

    Dr. Eugen Kolisko, cuja participao foi fundamental no embasamento da terapia

    pelo canto, como ressalta a prpria autora:

    [...] Sou-lhe particularmente grata, porm, pela contribuio para este livro; pois, apesar de toda a exposio estar orientada principalmente em direo experincia artstica e aquisio do verdadeiro canto, a imagem viva desta escola sua meta essencial, pela qual ela se esfora s pode ser vista em plenitude quando se consideram tanto as bases fisiolgicas da Cincia Espiritual quanto suas perspectivas de aplicao teraputica. Por esse motivo, acolho com muita gratido e alegria o posfcio elaborado por ele (WERBECK-SVRDSTRM, 2011, p.30).

    Valborg Werbeck-Svrdstrm - que nunca escreveu sua autobiografia -

    dedicou grande parte de sua vida a alicerar essa escola, pois acreditava

    plenamente nas possibilidades teraputicas do canto. Como se constatar ao longo

    dos prximos captulos deste trabalho, muitas das idias apresentadas no livro A

    Escola do Desvendar da Voz so atemporais e guardam sua originalidade mesmo

    nos dias atuais.

  • CLARA MAKDISSE SAITO 15

    3 CINCIA ESPIRITUAL: FUNDAMENTOS PARA MELHOR ENTENDIMENTO DA ESCOLA DO DESVENDAR DA VOZ

    A Escola do Desvendar da Voz tem uma relao intrnseca com os

    fundamentos da Cincia Espiritual, filosofia e prtica denominada Antroposofia e

    erigida por Rudolf Steiner (1861-1925). De acordo com a Sociedade Antroposfica

    no Brasil (2011), a

    [...] Antroposofia, do grego conhecimento do ser humano, introduzida no incio do sculo XX pelo austraco Rudolf Steiner, pode ser caracterizada como um mtodo de conhecimento da natureza do ser humano e do universo, que amplia o conhecimento obtido pelo mtodo cientfico convencional, bem como a sua aplicao em praticamente todas as reas da vida humana.

    Considerando a complexidade de que se reveste a Antroposofia e o

    escasso conhecimento que a autora desta monografia detm sobre o assunto -, o

    presente captulo limita-se a apresentar os fundamentos da Cincia Espiritual mais

    relevantes para o entendimento da Escola do Desvendar da Voz, identificados em

    investigao que contemplou a profcua produo escrita de Rudolf Steiner.

    E, por experincia pessoal, recomendo aos leitores que evitem qualquer

    possibilidade de correlao com o entendimento material, com a realidade palpvel.

    A propsito, a aceitao de um projeto de pesquisa que se debrua sobre o elo

    musicalidade-espiritualidade deve-se mudana de paradigma que a Academia tem

    vivenciado nas ltimas dcadas. A rejeio a investigaes que no se revestissem

    de um rigor eminentemente cientfico cientificista, permito-me dizer em relao

    espiritualidade vem decrescendo significativamente neste novo milnio.

    Neste trabalho, a palavra espiritualidade indica a crena - de cunho religioso

    ou no religioso - de que existe um esprito. Para definir sucintamente o conceito de

    esprito, utilizarei o Dicionrio Michaelis (2011): princpio animador ou vital que d

    vida aos organismos fsicos. A espiritualidade uma busca de entendimento para o

    fenmeno do existir. Em muitas religies, o esprito considerado o sopro de vida ou

    a respirao. A definio de esprito no mbito da Cincia Espiritual Antroposofia

    apresentada mais adiante.

  • CLARA MAKDISSE SAITO 16

    Esta no foi, entretanto, a realidade vivenciada por Steiner que, no primeiro

    captulo2 do livro A CINCIA OCULTA: ESBOO DE UMA COSMOVISO SUPRA-SENSORIAL,

    cuja primeira edio foi publicada em 1910, destaca:

    Uma antiga expresso Cincia Oculta atribuda ao contedo deste livro. A denominao pode provocar, nas pessoas de nossa poca, as mais contraditrias sensaes. Para muitas, possui algo repulsivo; suscita comentrios irnicos, sorriso de compaixo, talvez desprezo. Tais pessoas imaginam que um modo de pensar assim designado s possa contribuir em sonhos ociosos, em vises fantsticas; que por detrs desta pretensa cincia s possa ocultar-se a compulso de reativar toda espcie de supersties repudiadas, e com razo, por quem conheceu o verdadeiro esprito cientfico e o genuno anseio por conhecimento. Sobre outras pessoas, a expresso atua como se o sentido implcito lhes devesse proporcionar algo impossvel de ser alcanado por qualquer outro caminho, onde elas se sentem atradas, segundo sua predisposio, por um profundo anseio interior de conhecimento ou pela curiosidade sublimada da alma. Entre tais opinies to diametralmente opostas, existem todos os matizes possveis de estados intermedirios de repdio condicional ou aceitao daquilo que esta ou aquela pessoa imagina ao ouvir a designao Cincia Oculta (STEINER, 1998, p.31).

    Na mesma obra, Steiner postula que, para entender a Cincia Espiritual ou

    Oculta, necessrio diferenci-la da Cincia Natural, com a qual estamos mais

    familiarizados.

    A Cincia Oculta deseja emancipar o mtodo e a atitude investigativa das Cincias Naturais os quais, em sua esfera, se atm ao contexto e ao decorrer dos fatos sensrios dessa aplicao especial, porm conservando-os em sua caracterstica pensamental e outras. Ela quer falar sobre o no-sensvel do mesmo modo como a Cincia Natural fala do sensvel. Enquanto a Cincia Natural permanece no mbito sensvel com esse mtodo de organizao e essa maneira de pensar, a Cincia Oculta deseja considerar o trabalho anmico junto natureza como uma espcie de auto-educao da alma, aplicando os frutos dessa educao ao mbito no-sensvel. Ela deseja proceder do modo a falar no sobre os fenmenos sensveis como tais, e sim sobre os contedos no-sensveis do mundo tal qual o pesquisador da natureza fala sobre os sensveis. Do procedimento cientifico-natural ela conserva a disposio anmica inerente a ele, ou seja, justamente o que faz do conhecimento da natureza uma cincia. Por isso lhe cabe designar-se como cincia (Ibidem, p.33).

    Em publicao anterior editada pela primeira vez em 1905 -, o autor

    atribua, ao conhecimento sensrio - no qual a Cincia Natural se baseia -, a

    denominao conhecimento material, e classificava-o como primeiro grau cognitivo.

    Antes de penetrar no sendeiro [caminho] do conhecimento superior, o homem s conhece o primeiro dos quatro graus de conhecimento. Trata-se do conhecimento da vida comum, no mbito do mundo sensrio. Naquilo que se d comumente o nome cincia tambm se trata deste primeiro grau 2 STEINER, R. O carter da cincia oculta. In: _____. A cincia oculta: esboo de uma cosmoviso supra-

    sensorial. 4. ed. So Paulo: Antroposfica, 1998.

  • CLARA MAKDISSE SAITO 17

    de conhecimento, pois essa cincia se limita a elaborar o conhecimento comum de modo mais perfeito e disciplinado. Ele arma os sentidos com instrumentos microscpio, telescpio, etc. , para ver com maior preciso o que os sentidos por si ss no vem. Porm o grau do conhecimento permanece o mesmo, tanto no caso de se verem normalmente objetos grandes com a vista comum como no caso de se observarem minsculos objetos e fenmenos com a lente de aumento. Tambm com respeito a maneira de pensar sobre as coisas e os fatos, essa cincia limita-se ao domnio das coisas usuais. Classificam-se, descrevem-se e comparam-se os objetos, procura-se imaginar suas transformaes, etc. O mais seno metodizar a observao usual. Seu conhecimento torna-se mais vasto, mais complicado e lgico, mas ele no passa a uma outra forma de conhecimento. Na Cincia Espiritual chama-se esse primeiro grau cognitivo de conhecimento material (STEINER, 1996, p.19).

    Para Valborg, a cincia unilateral foi a causadora da misria interior

    humana, e o esprito da Cincia Natural, que passou a permear praticamente todas

    as reas do conhecimento humano, promoveu a banalizao da pedagogia, a se

    incluindo a educao artstica:

    [...] a cincia unilateral do materialismo criou, de um lado, a grandeza de nossa poca na cultura tcnica, e, de outro, fez emergir a misria interior por causa da alienao anmico-espiritual. O esprito da Cincia Natural, que se introduziu de modo transformador em todos os campos da vida, expandindo-os desmedidamente no aspecto material mas ao mesmo tempo superficializando seus contedos, invadiu tambm as Cincias Humanas, aproximando-se de forma imperceptvel e inconsciente e por isso mesmo, incontestvel de seus representantes. Assim, o esprito da Cincia Natural invadiu tambm toda espcie de pedagogia e, com isso, simultaneamente a pedagogia do canto. E embora a educao artstica, pelo elevado sentimento de seus professores em relao vida, tenha resistido ao seu adversrio por tempo suficientemente longo, tambm ela sucumbiu, por fim, diante do ser profano que banaliza tudo (WERBECK-SVRDSTRM, 2011, p.33).

    As palavras de Valborg constituem-se em uma ruptura com a viso

    puramente newtoniana cartesiana do mundo, predominante quela poca e bastante

    discutida e comentada por diferentes linhas de pensamento como o pensamento

    complexo (MORIN, 2011) e a viso holstica dos fenmenos (YUS, 2002).

    Para melhor compreender a Escola do Desvendar da Voz faz-se necessrio

    examinar, ainda que rapidamente, trs grupos de conceitos, a saber:

  • CLARA MAKDISSE SAITO 18

    3.1 AS TRS FACES NA NATUREZA OU TRIMEMBRAO DO SER HUMANO, que abrange:

    3.1.1 A NATUREZA CORPREA DO HOMEM (Corpo), constituda pelo corpo fsico-qumico;

    3.1.2 A NATUREZA ANMICA DO HOMEM (Alma), que compreende a impresso sensorial, o interior do ser humano, assim definida por Steiner (2004, p. 31):

    impresso sensorial junta-se de incio o sentimento. Uma sensao d ao homem prazer, outra desprazer. Trata-se de emoes de sua vida interior, anmica. Em seus sentimentos o homem acrescenta um segundo mundo quele que o influencia de fora; e a isso vem agregar-se ainda um terceiro: a vontade, mediante a qual o homem reage ao mundo exterior, imprimindo assim a sse mundo exterior seu interior. Em seus atos volitivos, a alma do homem como que jorra para o exterior. Os atos do homem diferem dos fenmenos da natureza externa por serem portadores de sua vida interior. Assim sendo, a alma que se contrape ao mundo exterior como o elemento do prprio homem. Este recebe os estmulos do mundo exterior; porm constri, de acordo com esses estmulos, um mundo prprio. A corporalidade torna-se o alicerce do anmico.

    3.1.3 A NATUREZA ESPIRITUAL DO HOMEM (Esprito), que contempla a reflexo das percepes e aes perante a vida

    O elemento anmico do homem no determinado somente pelo corpo. O homem no vagueia sem direo e sem objetivo de uma impresso sensorial a outra; nem tampouco age sob a impresso de um estmulo qualquer exercido sobre ele, seja por algo exterior ou pelos processos de seu corpo. Ele reflete sobre suas percepes e sobre suas aes. Refletindo sobre as percepes, adquire conhecimentos sobre as coisas; refletindo sobre suas aes, introduz em sua vida coerncia racional. E sabe que sua misso como ser humano s cumprida dignamente quando, tanto no processo cognitivo quanto no agir, ele se deixa conduzir por pensamentos corretos. [...] Com isso o homem se torna participante de uma ordem superior que pertence por seu corpo; e essa ordem a espiritual. To diverso como o corpreo do anmico, to diverso este, por sua vez, do espiritual. Enquanto se fala simplesmente das partculas de carbono, hidrognio, nitrognio e oxignio que se movimentam no corpo, no se tem em vista a alma. A vida anmica s comea quando, em meio a esse movimento, surge a sensao: eu sinto o sabor doce ou sinto prazer. Tampouco se tem em vista o esprito quando se assiste apenas s experincias anmicas que perpassam o homem quando este se entrega completamente ao mundo exterior e vida de seu corpo. Esse elemento anmico constitui, muito mais, somente a base para o espiritual, do mesmo modo como o corpreo constitui a base para o anmico (STEINER, 2004, p.31-32).

  • CLARA MAKDISSE SAITO 19

    3.2 OS TRS MEMBROS DA CORPORALIDADE E O EU OU QUADRIMEMBRAO DO SER HUMANO (SOCIEDADE ANTROPOSFICA NO BRASIL, 2011), que abrange:

    3.2.1 o CORPO FSICO;

    3.2.2 o CORPO ETRICO ou CORPO VITAL - de natureza suprassensvel, como se observa a seguir:

    [...] algo responsvel por processos qumicos, crescimento, reproduo, metabolismo, enfim, pelo que chamamos de vida (e que parece deixar de existir no momento da morte, quando voltamos a obedecer s leis do mundo inorgnico). A esta substancialidade, Rudolf Steiner d o nome de corpo etrico (RIBEIRO, 2010, p.11).

    3.2.3 o CORPO ASTRAL - tambm suprassensvel, porm mais sutil que o corpo etrico, o veculo no fsico das sensaes, responsvel pelos instintos:

    [...] O corpo astral est acima do corpo etrico e do corpo fsico, sendo responsvel pela especializao e obom funcionamento dos outros dois (Ibidem, p.11).

    3.2.4 o EU - ainda mais sutil que o corpo astral, puramente espiritual. denominado individualidade superior, de natureza distinta entre os seres humanos, individual. o esprito das trs faces da natureza ou trimembrao do ser humano.

    3.3 A TRIPARTIO DO SER HUMANO:

    Segundo Steiner, a tripartio em cabea, trax e abdmen-membros evidente at mesmo na constituio fsica do homem. A cabea, onde se encontra o crebro e o ncleo do sistema neuro-sensorial, est associada atividade anmica do pensar; na regio do abdmen temos o sistema metablico-motor, aonde aquilo que nos vem do mundo externo transformado, reutilizado ou descartado. Neste processo, os membros tm papel fundamental, pois atravs deles que o homem estabelece seus primeiros contatos com o que lhe externo (e nunca deixa de faz-lo), atravs dos cinco sentidos fsicos. A regio do abdmen e membros associa-se ento a atividade anmica do querer. Entre estes dois plos cabea e abdmen-membros est o trax, regio do corpo onde se encontram os ncleos dos processos rtmicos: o sistema respiratrio-circulatrio. atravs deste ncleo que tudo o que acontece em nossos pensamentos e em nossas percepes e relaes com o mundo externo mediado por sensaes de agrado ou desagrado, gosto ou repulsa, desde a qualidade de um pensamento, de um ambiente comida que ingerimos. Por esta razo, o sentir a atividade anmica relacionada com a regio torcica (RIBEIRO, 2010, p.13).

    O conceito da tripartio do homem importante no contexto deste

    trabalho, pois Werbeck-Svrdstrm (2011) relaciona-o s cordas vocais, como se

  • CLARA MAKDISSE SAITO 20

    ver a seguir.

    As duas cordas vocais, que se alojam paralelamente uma outra na

    garganta, so denominada direita e esquerda. A direita tem trs regies vibratrias

    distintas, enquanto a esquerda tem apenas duas, em uma relao vibratria de 3:2.

    Numa observao acurada da corda vocal direita, evidencia-se que sua regio superior envia todas as vibraes para cima. Na regio mediana, por sua vez, a primeira metade vibra para cima e a outra metade para baixo; e na terceira regio todas as vibraes fluem para baixo. [...] As vibraes das trs regies j no se interpenetram de maneira orgnica e fluida como acontecia antigamente. [...] reunir os trs centros separados uma das tarefas essenciais da Escola do Desvendar da Voz (WERBECK-SVRDSTRM, 2011, p.49).

    Essas trs divises da corda vocal direita tm ntima relao com o conceito

    de tripartio do ser humano, como se verifica na Figura 1 e na Tabela 1.

    Figura 1 As trs divises da corda vocal direita

    Fonte: Werbeck-Svrdstrm (2011, p.49)

    Tabela 1 Tripartio do ser humano e suas relaes

    Regio vibratria superior pensamento Ser neurossensorial

    Regio vibratria mediana sentimento Rtmico respiratrio

    Regio vibratria inferior vontade Metablico-motor Fonte: (Esquema feito pela autora da monografia)

  • CLARA MAKDISSE SAITO 21

    4 O TOM: A ESCUTA INTERIOR

    Para Werbeck-Svrdstrm (2011, p. 31), o tom elemento essencial para

    o comeo do caminhar na Escola do Desvendar da Voz. preciso aprender a

    escutar a manifestao dos tons para enfim desvendar o princpio comum entre

    eles: em nossa alma deve reluzir a idia da voz humana arquetpica, o som

    primordial subjacente multiplicidade do mundo dos tons.

    Se aprendermos a nos deixar conduzir por nosso ouvido interior e exterior, exercitando a j mencionada escuta, prestando ateno ao som oculto, ento o princpio que d origem ao tom se tornar interiormente audvel para ns, e esse som primordial ir aos poucos reluzir em nossos prprios tons e em sua ressonncia exterior. Ele ser cada vez mais evidente para o ouvido externo, e pouco a pouco se libertar de dentro dos tons presos corporalidade (Ibidem, p.32).

    Valborg Werbeck-Svrdstrm (2011) fala sobre os tons, o som primordial,

    o som oculto e o ouvido interior. Mas o que seriam estes?

    Nas Notas e referncias apresentadas no fim do livro, a expresso tom

    assim definida:

    Adotamos, na presente traduo, a palavra tom em seu significado de nota ou som musical, correspondente ao vocbulo alemo Ton. J a palavra som corresponde aqui ao alemo Lang, e fonema ao alemo Laut (Ibidem, p.197).

    Como se pode verificar, o tom seria um som musical, mas essa

    constatao no suficiente para revelar o exato significado da palavra no contexto

    da Escola do Desvendar da Voz. E a afirmao de Valborg, de que o tom algo

    profundo, no parece adequada se atribuda a um mero som, como eu entendi de

    incio. Explicao mais detalhada e esclarecedora a de Marcelo Petraglia (2010),

    que - assim como Werbeck-Svrdstrm (2011) - aborda a msica com base nos

    fundamentos da Antroposofia, e estabelece uma analogia com a trimembrao do

    ser humano quando diferencia rudo, som e tom:

    [...] podemos dizer que: quando vivenciado no nvel puramente fsico, sem estar integrado a um conceito, o fenmeno sonoro um rudo; no nvel da alma, quando evoca prazer ou desprazer e transmite um sentimento um som; e quando se deixa permear por uma lei numrica clara, objetiva e espiritual que nos permite reconhecer sua identidade torna-se um tom (PETRAGLIA, 2010, p.55).

  • CLARA MAKDISSE SAITO 22

    Tabela 2 Tom, Som e Rudo relacionado com a Trimembrao do ser humano

    Tom Cognio Esprito Reconhecimento objetivo

    Som Sensao Alma Qualidade objetiva

    Rudo Impresso Corpo Impresso sensria

    Fonte: (PETRAGLIA, 2010, p.55)

    [...] Todo o fenmeno sonoro tem sua parcela ou momento de rudo, som ou tom. Algo que ficasse no estgio de rudo, no sentido que descrevemos a pouco, de fato nem seria percebido pela nossa conscincia. [...] (PETRAGLIA, 2010, p.55 e 56).

    Ainda mais especificamente sobre o tom, o mesmo autor (PETRAGLIA,

    2010, p.61-62) explicita:

    [...] para compreendermos a essncia daquilo que chamamos de tom fazer a distino entre o ser tonal e sua manifestao como vibrao acstica: Um tom Sol pode soar em freqncias mltiplas, desde que relacionadas na proporo de 1:2, a base e essncia numrica do intervalo de 8 (por ex. ... 192, 384, 768, 1536 Hz etc.) Portanto, o ser Sol, no est atrelado a uma nica freqncia. Ele tem na vibrao do ar seu corpo fsico, mas no seu cerne espiritual. Podemos dizer que a matria (ar) em vibrao est para o tom na mesma relao que o corpo fsico est para o cerne da individualidade humana: seu eu. Ele pode, portanto, ser captado, mesmo que no haja manifestao acstica. Por exemplo: na audio interna, como fazem os compositores ou qualquer um que cantarole mentalmente uma melodia. [...] Ele pode soar em qualquer lugar, a qualquer momento, e estar em vrios lugares ao mesmo tempo. Possui atributo de ubiqidade. De fato, pode-se entender o tom como um ser vibracional, que tem sua morada em um mundo potencial inaudvel de onde flui, sempre que chamado, para se encarnar nas mais variadas vestes da matria. Ao cantar um l, com minha voz, este ser se manifesta atravs de minha corporalidade, sendo tingido por maior ou menor resistncia do instrumento, que serve de mediador para sua manifestao. Parece-me que a fonte de onde ele provm inesgotvel e autossustentada, como imaginamos ser a fonte da vida de todo o universo. Ele pode se manifestar em muitos lugares ao mesmo tempo, incansavelmente reaparecer e retornar sua origem, soar infinita e inabalavelmente como um rgo.

    Essa explicao levou-me a concluir que o som primordial e o som oculto

    correspondem ao tom ainda no manifesto, proveniente daquela fonte inesgotvel

    e autossustentada que o autor menciona.

    J a expresso escuta interior no to difcil de entender, principalmente

    para aqueles que estudam msica. Quando estudamos percepo, quando lemos

    alguma msica na cabea, e at mesmo quando nos lembramos de alguma cano

  • CLARA MAKDISSE SAITO 23

    ou nota musical, a escuta interior se manifesta, formando os sons musicais no nosso

    interior.

    O som primordial que devemos escutar em nosso interior a base criativa

    para a manifestao da voz humana. O corpo todo deve soar pois, quando esse

    corpo no impede a manifestao do tom, essa manifestao marcada pela

    beleza. Fluindo de dentro para fora, o cantar nasce do inaudvel, o que torna difcil

    se no impossibilita compreend-lo sob uma perspectiva materialista, sob uma

    tica cartesiana, como argumenta Werbeck-Svrdstrm (2011, p.36 e 37)

    Tais pessoas percebero, j no incio de suas descobertas interiores que esse algo ressonante, claramente sentido, ultrapassa em todas as direes o corpo material. Mais tarde quando a vivncia comear a diferenciar-se, elas constaro determinado centro sonoro acima da cabea, e tambm sabero que essa organizao ressonante se encontra sobre seus ps. E com isso sentiro que esse princpio sonoro e o corpo fsico, limitado no espao, no se correspondem totalmente. [...] Assim, de acordo com a experincia e em concordncia com a Cincia Espiritual, seja constatado o seguinte: o corpo etrico vibra atravs do corpo fsico e ressoa para o mundo e para o Cosmos quando, em seu desabrochar sonoro, no impedido nem detido pelo corpo fsico.

  • CLARA MAKDISSE SAITO 24

    5 AS DIFERENAS ESSENCIAIS ENTRE A FALA E O CANTO

    De acordo com Werbeck-Svrdstrm (2011), a distino entre fala e canto,

    ou mundo fontico e mundo musical essencial no contexto da Escola do

    Desvendamento da Voz, razo pela qual dedicou um captulo - intitulado Sons

    musicais e sons da fala: dois mundos essencialmente distintos ao tema. Embora

    destaque a importncia da diferenciao entre som e tom apresentada no captulo

    anterior deste trabalho -, a autora refere-se diferenciao entre a fala e o canto

    como o mais importante ponto de referncia para o trabalho prtico no mbito desta

    escola (WERBECK-SVRDSTRM, 2011, p.51).

    Enquanto o mundo sonoro flui ilimitadamente, o mundo fontico - cujo

    princpio criador ocorre no mbito orgnico - limitado.

    Para a autora, a necessidade de diferenciar esses dois mundos um

    reflexo dos fatos. Agora separados, esses dois mundos j constituram uma unidade,

    uma coisa s: as pessoas, artisticamente, cantavam como falavam e vice-versa:

    [...] Se pudssemos retroceder a pocas passadas, veramos que os homens falavam e cantavam artisticamente de forma bem diferente de como fazemos hoje. De fato, naquela poca quase no havia diferena entre ambas as artes: cantar e falar. [...] Sente-se que as palavras so como que levadas a reencontrar os tons preenchidos de ressonncia, e que ambos, palavra e tom, manifestam-se sintetizados num nico e mesmo nvel (Ibidem, p.56).

    Tal separao ocorreu porque a palavra foi se modificando em sua essncia,

    desvinculou-se do plano superior e se tornou - como quase tudo - materialista.

    Para a autora, tambm o canto foi submetido a uma concepo materialista, e a

    Escola do Desvendar da Voz poderia se constituir em um resgate da conexo com o

    plano espiritual, em um resgate de sentido na vida do ser humano transformado

    em mquina:

    O fato que lentamente a palavra se modificou em sua essncia, tornando-se mais terrena, individual, com nfase no significado e tambm, por isso, submetendo-se ainda mais ao seu peso terrestre; deste modo, na atual relao com o canto ela sentida como situada num plano muito inferior, como que decada e at mesmo como se, a partir de uma certa prepotncia, quisesse prevalecer sobre o elemento sonoro, puxando-o para o seu prprio nvel. No entanto, essa dissociao entre palavra e tom, que se foi estabelecendo lentamente ao longo do tempo, coloca hoje em oposio ambos os fatores como sendo princpios totalmente diferentes, no podendo ser superada,

  • CLARA MAKDISSE SAITO 25

    nem na teoria nem na prtica, por qualquer pedagogia do canto com mentalidade materialista e que no possua orientao sobre a evoluo destes fatos (WERBECK-SVRDSTRM, 2011, p.57).

    Assim, a escola proposta por Werbeck-Svrdstrm (2011) tem, entre seus

    princpios fundamentais, a transformao dos elementos da fala antes de uni-los aos

    elementos sonoros. Isto possvel atravs do exerccio de cantar as slabas -

    contenham elas vogais e/ou consoantes - isoladas ou combinadas das mais

    variadas formas possveis, at que tais slabas sejam libertadas do confinamento

    limitado do organismo, oferecendo o texto e a palavra para o elemento sonoro.

    Somente assim ser possvel unir o som e a palavra em um mesmo e nico nvel:

    Portanto, no basta remodelar som e fonema para que suas essncias se aproximem; devemos, sim, lev-los ao equilbrio considerando suas atuaes antagnicas. Em termos prticos, isso quer dizer o seguinte: quanto maior a riqueza sonora que caracteriza uma voz, mais intenso deve ser o trabalho dedicado s formas e ao domnio do mundo fontico; e quanto mais consciente for a capacidade de moldar fonemas, com maior cuidado os elementos sonoros devero ser integrados at que reine equilbrio entre os dois fatores. Certamente jamais o conseguiremos se no tentarmos primeiramente a maior separao possvel entre ambos os elementos. [...] dissociar um do outro para que, isolados, eles possam ser retrabalhados, remodelados, reconduzidos e finalmente equilibrados, cada qual sua maneira (Ibidem, p.60).

    Para a autora, esse um trabalho de conscientizao: somente quando tiver

    a conscincia de que esses dois mundos so distintos o cantor se reencontrar

    como artista. E, para atingir esse patamar, o cantor deve se conscientizar de trs

    importantes fatos:

    [...] o canto composto por dois elementos fundamentais de um lado, o fluir objetivo do som, e de outro, o princpio modelador de mundo das vogais e consoantes; [...] no decorrer do tempo a relao entre a palavra e o princpio sonoro se modificou e precisa ser retransformada pelo cantor; [...] os dois fatores, aps terem sido desenvolvidos separadamente, devero ser levados a um equilbrio antes de podermos uni-los conscientemente ao texto (Ibidem, 2011, p.60).

    Embora distintos, o cantar e o falar so irmos. Se separarmos essas duas

    artes - a palavra e o canto - como nada tendo em comum, incorreremos no mesmo

    pensamento errneo e fragmentador da cincia. O ator e o cantor deveriam penetrar

    na singularidade dessas duas manifestaes artsticas - o canto e a fala -, para

    identificar a similaridade e a distino que existe entre ambas, expandindo assim

    seu conhecimento e sensibilidade (WERBECK-SVRDSTRM, 2011).

  • CLARA MAKDISSE SAITO 26

    Entretanto, h que considerar que:

    [...] nunca os exerccios falados e os exerccios cantados deveriam ser combinados! Isso vlido especialmente para o cantor: ele no deveria praticar no mesmo dia exerccio da arte da fala e exerccio de canto. [...] E o segredo do canto artstico nada mais do que levar esses dois fatores a uma colaborao harmnica, sem deixar de considerar suas diferenas. [...] Podemos dizer que, no ato da criao artstica, o cantor levar os elementos objetivos e subjetivos a uma unificao (WERBECK-SVRDSTRM, 2011, p.62).

  • CLARA MAKDISSE SAITO 27

    6 AS TRS FASES DO DESVENDAR DA VOZ

    Como anteriormente mencionado3, as trs fases do desvendar da voz esto

    intimamente ligadas ao conceito antroposfico de tripartio do homem - pensar,

    sentir, querer -, que Werbeck-Svrdstrm (2011) corrrelacionou com a diviso da

    corda vocal direita.

    [...] Estas trs diferentes fases na escola do Desvendar da Voz podem ser melhor caracterizadas ao serem nomeadas segundo as principais tarefas que nos propem: PRIMEIRA FASE O DIRECIONAMENTO DO SOM: encontrar a direo para a corrente sonora. Aqui o fator auxiliar a representao. SEGUNDA FASE A AMPLIAO (OU ALARGAMENTO): neste caso, o fator auxiliar o sentimento. TERCEIRA FASE O ESPELHAMENTO DO SOM: Nesta fase, essencial instigar a atuao da vontade (WERBECK-SVRDSTRM, 2011, p.50). [...] No decorrer deste aprendizado se percebe que para crescer e apoderar-se de tudo o que este trabalho oferece ao cantor, no sentido da criao e da autossuperao, ser necessrio evocar as trs foras da alma afim de se alcanar conscientemente o objetivo to desejado ou seja, com a ajuda delas, atingir os diferentes estgios com base em sua afinidade individual com cada uma das trs fases (Ibidem, p.74).

    Assim sendo, o presente captulo focado na conduo do elemento sonoro

    fator mais importante para o canto durante essas trs fases.

    6.1 PRIMEIRA FASE: O DIRECIONAMENTO DO SOM

    A Escola do Desvendar da Voz se desenvolve organicamente a partir de um

    nico exerccio, relacionado com [...] a corrente sonora (WERBECK-

    SVRDSTRM, 2011, p.65).

    A corrente sonora nada mais do que a ligao do cantor com o tom, que

    deve soar livremente por todo o corpo. Esse exerccio considerado por Werbeck-

    Svrdstrm (2011, p.65-66) como uma clula germinativa sobre a qual uma 3 V. captulo 3 - CINCIA ESPIRITUAL: fundamentos para maior entendimento da Escola do Desvendar da Voz -

    desta monografia.

  • CLARA MAKDISSE SAITO 28

    estrutura orgnica inteira cresce lentamente, passo a passo, segundo determinadas

    leis (WERBECK-SVRDSTRM, 2011, p.65-66).

    Para tanto, necessrio encontrar um fonema que seja capaz de separar o

    mundo sonoro do mundo fontico. Esse fonema, que pode ser chamado de

    suprafonema, ou ainda fonema intermedirio ou a-fonema (WERBECK-

    SVRDSTRM, 2011, p.67 ), a juno das consoantes N e G.

    O poderoso NG mencionado em diferentes captulos da obra. Nas Notas

    e referncia, a autora caracteriza-o como fonema primordial, arquetpico e, portanto,

    teraputico:

    O fonema NG aqui referido no , como aparenta graficamente, um mero encontro consonantal; trata-se na verdade, de um fonema universal, que ao lado do M aparece logo no incio da vocalizao de bebs. o que as mes geralmente interpenetram, em lngua portuguesa, como angu no primeiro balbucio infantil, sendo semelhante ao nosso NH. Para a Escola do Desvendar da Voz, o NG o FONEMA PRIMORDIAL UNIVERSAL, ou seja, o QUE D ORIGEM A TODOS OS OUTROS FONEMAS. Ele o FONEMA ARQUETPICO que contm a sabedoria crstica, sendo, portanto, o grande curador e sanador do homem. O NG , por excelncia, um FONEMA TERAPUTICO (WERBECK-SVRDSTRM, 2011, p.197 grifos nossos).

    E destaca que ele deve atuar sobre o organismo fonador fechando o acesso

    cavidade da boca h que lembrar que a autora recuperou a voz deslocando o

    som para o nariz:

    Ao cant-lo como uma unidade NG [...] e observando a posio da lngua que ele provoca, podemos sentir nitidamente como a PARTE POSTERIOR DA LNGUA FECHA REALMENTE O ACESSO DA GARGANTA PARA A CAVIDADE BUCAL, ABRINDO ao mesmo tempo o CAMINHO para cima, EM DIREO AO NARIZ e s cavidades ocas situadas atrs dele. [...] Este fonema NG est de certa maneira fora do mbito dos sons comuns da fala. Ele no nem consoante nem vogal, mas poderia ser sentido como uma transio do elemento consonantal para o voclico e vice-versa. [...] preciso enfatizar que somente aps se exercitar e observar adequadamente durante certo tempo que esse fonema NG poder ser aprendido em sua essncia. [...] Quando somos capazes de formar o fonema de modo correto, ele se transforma num elemento fontico por assim dizer superior a todos os fonemas existentes, ou que se opem a ele (Ibidem, p.67).

    Alm disso, atribui-lhe a condio de condutor da corrente sonora:

  • CLARA MAKDISSE SAITO 29

    [...] este som nico da fala, REPRESENTA, na verdade, A PRPRIA CORRENTE SONORA. Ele deve ser considerado ao mesmo tempo como CONDUTOR e CAMINHO (WERBECK-SVRDSTRM, 2011, p.75 grifos nossos).

    A correta apreenso do fonema NG indica a finalizao da primeira tarefa da

    Escola do Desvendamento da Voz, qual seja: a separao entre elementos sonoros

    e elementos fonticos. Trabalhando incansavelmente nesse fonema, repetida e de

    variadas maneiras, pode-se perceber que a voz comea a crescer. Nesse exerccio

    possvel descobrir - ou melhor, desvendar - a voz de pessoas que, desde crianas,

    foram consideradas no possuidoras de voz alguma, e at mesmo excludas ou

    inferiorizadas diante do canto em conjunto, o que, como comenta a autora, pode

    provocar sentimento de inferioridade e conduzir a depresses. Com certeza iramos

    descobrir que uma musicalidade latente poderia ser despertada em quase todos os

    casos, se houvesse persistncia o suficiente (WERBECK-SVRDSTRM, 2011,

    p.69).

    Exercitando concretamente o "aparentemente primitivo NG, ser possvel

    escutar intensamente os prprios tons como se outra pessoa os cantasse

    (WERBECK-SVRDSTRM, 2011, p.69). Comearemos, lentamente, a sentir

    como se no caminho sonoro atrs do nariz surgisse uma espcie de ponto central ou

    ponto de encontro de todos os tons cantados desta maneira (Ibidem, p.70).

    Esse ponto, que a autora situa atrs da narina e um pouco mais

    profundamente para o interior da cabea, a mais elementar e primeira posio

    para a emisso do fonema NG. O exerccio contnuo revelar a mobilidade desse

    ponto. Uma ligao do fluxo vibratrio se estende entre esse ponto e a garganta

    alongando-se at - ou mais em baixo - a altura do corao. Em paralelo, a

    ressonncia tambm ser sentida na altura dos olhos. O fluxo vibratrio, que se

    estende no sentido vertical - acima e abaixo - e tambm no sentido horizontal,

    sentido na nuca. Assim, vai se propagando para todas as direes, dirigindo-se

    principalmente para cima. A ressonncia salta em direo a testa - a representao

    dessas ressonncias consta da Figura 2. Nesse estgio de aprendizagem

    importante localizar as ressonncias exclusivamente dentro da cabea:

    [...] Com essa ascenso o fluxo sonoro recebe um fora vibratria totalmente nova, muito maior, de modo que se recusa a ficar retido dentro dos limites da organizao fsica da cabea e, de repente, comea a transbordar para fora atravs da nuca. Ento l fora, no espao, comea lentamente a oscilar e formar, ao dissipar-se, uma espcie de guirlanda espiralada que pode ser sentida mais nitidamente quando no aprendizado,

  • CLARA MAKDISSE SAITO 30

    se progrediu a ponto de poder acrescentar corretamente ao som puro o elemento fontico, e ento deixar o tom surgir na cor das vogais I e E (WERBECK-SVRDSTRM, 2011, p.72).

    Figura 2 - Ressonncias verticais da primeira fase da Escola do Desvendar da Voz

    Fonte: Werbeck-Svrdstrm (2011, p.71)

    A corrente vibratria sonora se expandir para o exterior. Gradativamente

    toma-se conscincia de todas as cavidades da cabea, o que amplia o acesso ao

    fluxo sonoro:

    Agora, no entanto, esse fluxo originalmente fraco e insignificante cresceu consideravelmente em plenitude e intensidade. (...) no ficaremos surpresos se um dia vivenciarmos realmente como a corrente sonora no se deixa mais deter pela cabea, mais simplesmente irrompe atravs da calota craniana, lanando-se no espao. Esse um acontecimento verdadeiramente grandioso, antecedido pela vivncia do ltimo estgio em que as vibraes ainda seguiam a superfcie da cabea. [...] samos do slido corpo fsico-material e mergulhamos no domnio do mundo etrico e suas foras (WERBECK-SVRDSTRM, 2011, p.73).

    Entretanto, para que o fluxo sonoro revele o caminho a ser seguido, faz-se

    necessrio acurar a escuta:

    [...] com a ateno totalmente voltada para o escutar, aguarda-se que o prprio fluxo sonoro diga o que necessita como ajuda meldica para o desenvolvimento de cada estgio de seu trabalho. [...]

  • CLARA MAKDISSE SAITO 31

    Partindo de um nico exerccio bsico, criativo em si, ele nos presenteia com muitas e inumerveis melodias que oferecem a base para o aprendizado (WERBECK-SVRDSTRM, 2011, p.75-76).

    Os constantes exerccios com o fonema NG, - de carter primordial, -

    facilitam a emisso de outros fonemas, comeando pelas vogais.

    6.2 SEGUNDA FASE: A EXPANSO DO SOM

    A segunda fase, mais complexa que a primeira, necessita da ajuda da fora

    do sentir - como consta do captulo 3 deste trabalho -, necessrio ir tateando.

    Nesta fase deve-se abrir um caminho adicional para a corrente sonora,

    vencendo os obstculos representados por alguns msculos. necessrio

    empenhar com toda a intensidade foras ativas sobre o organismo para que a

    transformao ocorra.

    [...] da entrada para este segundo caminho [...] nosso organismo fsico se contraiu numa espcie de portal (metaforicamente falando), e agora devemos conseguir que esse portal se abra para que a corrente sonora tambm possa servir-se desse segundo caminho (WERBECK-SVRDSTRM, 2011, p.79-80)..

    O segundo caminho mencionado pela autora corresponde ao trajeto pelo

    qual se deve conduzir a corrente sonora: laringe, faringe, seguindo pelo porta dos

    orifcios das trompas de Eustquio - canal que conecta a faringe ao ouvido at os

    ouvidos, que atravessa antes de sair do organismo.

    [...] ser preciso fazer algum tipo de trabalho sobre o elemento orgnico. Sem uma expanso considervel, uma dilatao at mesmo visvel do espao farngeo que dar corrente sonora a possibilidade e sobretudo a razo para se ramificar da laringe para dentro das trompas de Eustquio, em vez de seguir diretamente para cima , o cumprimento dessa tarefa absolutamente impensvel! (Ibidem, p.80).

    Como a autora postula, a ampliao lateral da parte superior da garganta -

    laringe - e da faringe (Figura 3) imprescindvel para a abertura desse caminho.

  • CLARA MAKDISSE SAITO 32

    Figura 3 - Ampliao lateral da laringe, faringe e trompa de Eustquio que ocorrem na segunda fase

    da Escola do Desvendar da Voz

    Fonte: Werbeck-Svrdstrm (2011, p.81)

    Ainda que rdua, essa uma tarefa realizvel, afirma WERBECK-

    SVRDSTRM (2011), que destaca que, como a prtica de exerccios especficos e

    adequados, possvel trazer conscincia o ponto no qual se d a expanso

    Resgata-se o suprafonema NG, que agora soar bem diferente da primeira

    fase:

    [...] Agora ele assume sua aplicao diferenciada e correspondente a um carter sonoro bem diverso: no mais frio, nasal e suave, mas obscuro, quente e metlico-argnteo, para no final da fase de ampliao vibrar numa plenitude sonora potente e profunda (WERBECK-SVRDSTRM, 2011, p.83).

    A autora menciona uma lei que volta gradualmente nessas duas primeiras

    fases do aprendizado: Um ponto se desenvolve, se transforma e se torna periferia!

    (WERBECK-SVRDSTRM, 2011, p.83).

    Essa lei bastante clara: foca-se uma determinada regio ou rgo, que

    trabalhado pela prtica de exerccios at se transformar. Nesta segunda fase, a

    transformao a dilatao da musculatura, que permite o fluir da corrente sonora

    at que esta saia pela periferia do corpo.

    Como anteriormente mencionado, esta fase liga-se com a regio media da

    corda vocal direita, tendo sua vibrao metade para cima e a outra metade para

  • CLARA MAKDISSE SAITO 33

    baixo, vibrando em conjunto d-se uma vibrao horizontal. Juntando a idia da

    vibrao com a de que a corrente sonora ser enviada horizontalmente , ou seja, na

    direo dos ouvidos.

    Werbeck-Svrdstrm (2011) destaca a natureza pessoal e intransfervel da

    experincia vivenciada na Escola do Desvendar da Voz, experincia esta muitas

    vezes intraduzvel em palavras, enfatizando que uma escola que se faz no

    praticar.

    De acordo com Werbeck-Svrdstrm (2011), o final de cada fase se anuncia

    por meio de uma vivncia especial. E a imagem que melhor ilustra a sensao

    obtida ao trmino da segunda fase, segundo ela, a de um morcego, em repouso,

    pendurado nas prprias garras e envolto pelas asas, que se assemelham a um

    manto.:

    [...] essa pessoa se sente como que envolta num manto de sonoridade, e esse manto sonoro tem uma espcie de garra ou dedo. Quando cantamos como se atacssemos cada tom com esse dedo naquele pondo acima da cabea, no plo superior, onde ele estaria agarrado ou pendurado, enquanto embaixo nos sentiramos completamente livres, balanando no ar, envoltos por uma onda sonora. [...] o ideal [...] que o cantar acontea sem nenhum esforo, inteiramente livre de qualquer ligao corporal (WERBECK-SVRDSTRM, 2011, p.95).

    6.3 TERCEIRA FASE: O ESPELHAMENTO DO SOM

    O processo de espelhamento envolve dois componentes - aquilo que se

    quer espelhar e um aparelho refletor cuja interao resulta em um terceiro

    componente, que a figura espelhada. Werbeck-Svrdstrm (2011) compara a

    manifestao sonora a uma imagem espelhada, onde o som primordial a pessoa

    ou objeto a espelhar -, e o tom a figura espelhada.

    Essa analogia com o processo de espelhamento provm de Rudolf Steiner,

    que menciona [...] imagens terrenas espelhadas da realidade csmico-espiritual,

    intermediada pelo pensar (WERBECK-SVRDSTRM, 2011, p.99).

    Como cada exerccio acolhe o anterior, pode-se concluir que as duas

    primeiras fases esto contidas nesta terceira. E, de vez que o fonema NG utilizado

  • CLARA MAKDISSE SAITO 34

    nas trs fases, a autora sintetiza: Assim, podemos dizer justificadamente que do

    ponto de vista dos processos globais existentes s h um exerccio: o do

    espelhamento! ((WERBECK-SVRDSTRM, 2011, p.98). E enfatiza:

    Desse ponto de vista, recai uma luz especial sobre a estrutura orgnica quase lgica da edificao de nossa escola; pois nas duas primeiras fases temos justamente a tarefa de livrar o organismo sonoro das amarras do organismo fsico, libertando-o e conduzindo-o para o espao exterior ao corpo fsico, para que ele possa espelhar-se justamente de fora! (WERBECK-SVRDSTRM, 2011, p.98).

    Mas o processo de espelhamento do som s pode ser vivenciado com a

    participao do plexo solar - regio na qual est localizado o diafragma e sua

    musculatura adjacente e denominado polo inferior -, que o rgo refletor sonoro do

    crebro denominado plo superior.

    Ora, no momento da confluncia (e na realidade esse momento determinante na passagem da segunda fase para a terceira) o ser sonoro que se volta repentinamente l em cima sobre a cabea, rumando to direta e decisivamente para o rgo refletor o plexo solar que isso se torna perceptvel pela primeira vez (Ibidem, p.100 e 101).

    Esta fase, como visto, contempla a ressonncia inferior da corda vocal

    direita com direo para baixo, e est associada atividade anmica do querer. O

    pensar, o sentir e o querer no so isolados, mas em cada fase predomina uma

    fora anmica. E na terceira fase, o elemento volitivo, no qual homem se torna

    consciente das aes que precisa realizar, predominante.

    A tarefa desta fase :

    [...] nos esforarmos para reunir e concentrar no polo superior tamanha quantidade desta nova sonoridade, vibrando agora livremente no espao fora do corpo, que faamos surgir, de certo modo, uma superabundncia sonora. [...] A consequncia disso ser, contudo, o paulatino surgimento de uma vigorosa fora de expanso das vibraes sonoras reunidas; desse modo, atingindo-se um certo grau de abundncia sonora a partir dessa tenso desmedida, elas como que explodem espontaneamente (portanto, sem nossa interferncia) a fim de chocar-se, embaixo, contra o plexo solar. Isso ocorrer no caminho mais curto, que liga o polo superior com a laringe. As vibraes se dirigem verticalmente para baixo, isto percorrem, de certa forma o caminho inverso do direcionamento do som, vibram atravs de toda a corda vocal direita (quando se pode ouvir bem nitidamente as passagens pelos dois limites vibratrios) e atingem o plexo solar; este, por sua vez, tal qual um espelho comum quando exposto luz do sol, esparge as vibraes em todas as direes, atravessando o corpo humano e irradiando para o espao que o circunda (Ibidem, p.102 e 103).

  • CLARA MAKDISSE SAITO 35

    A vibrao sonora reunida explicada por Werbeck-Svrdstrm (2011)

    como a capacidade de deixar um espao vazio de ar no polo superior, o que

    promove o surgimento de uma fora de suco capaz de aspirar os elementos

    sonoros que vibram fora do corpo - o som oculto. Essa fora de suco mantm o

    elemento sonoro e suga mais e mais at que, em um dado momento, acontece um

    transbordamento.

    Essa fora de suco descrita pela autora como o

    [...] nico verdadeiro ponto de partida para o cantar correto: o ouvir, o escutar aos quais devemos poder entregar-nos to incansavelmente que adquirimos a capacidade (agora no s na imaginao, mas na maneira bem real) de ouvir os tons l em cima, no polo superior! (WERBECK-SVRDSTRM, 2011, p.104).

    Werbeck-Svrdstrm (2011) tambm destaca que a meta e o ponto de

    partida de uma escola de canto so levar o aluno, durante o cantar, a se libertar das

    funes orgnicas e do prprio corpo para poder ouvir a fora curativa do Logos

    que ressoa em ns.

    E finaliza:

    [...] o artista continua a obra da natureza ao procurar aperfeioar cada vez mais seu corpo, como instrumento, mediante um trabalho volitivo; e pode-se dizer que quase no existe um exerccio artstico to penetrante no organismo fsico como o do cantar (Ibidem, p. 107).

  • CLARA MAKDISSE SAITO 36

    7 O ESPELHAMENTO DA PALAVRA PARA A ARTE DO CANTO

    Depois de passar pelas trs fases do desvendar da voz, chegado o

    momento de unir os elementos sonoros aos elementos fonticos.

    Werbeck-Svrdstrm (2011) constatou que, alm da diferena existente

    entre os mundo fontico e sonoro, dentro da fontica h diferena entre os mundos

    das vogais e das consoantes. As vogais tm maior proximidade com o nvel

    superior, enquanto as consoantes tm um carter mais terreno.

    Assim sendo, necessrio trabalhar com intensidade sobre as vogais para

    que estas elevem as consoantes s quais forem unidas.

    [...] a cada vogal corresponde uma configurao primordial, ordenada segundo leis que se encontram ancoradas nos msculos da nossa organizao fontica. Nossa tarefa agora consiste precisamente em encontrar essas configuraes e torn-las plenamente conscientes (WERBECK-SVRDSTRM, 2011, p.110).

    O trabalho a realizar para isso consiste em auxiliar os msculos -

    principalmente os da face, da nuca e do pescoo a se adequarem ao ato

    formativo das palavras.

    necessrio, atravs da fora de nossa conscincia, despertar uma srie de

    msculos, ou mesmo relaxar, tratar e desvincular alguns msculos que estejam

    presos a outros. Depois desse trabalho, tais msculos, com uma nova forma de

    manifestao, tornar-se-o naturais, no havendo mais necessidade de pensar

    neles.

    A sensao que adquirimos como se as paredes das formas voclicas se estendessem, como se as formas ficassem cada vez maiores e, com isso, cada vez mais ocas e vazias; e de repente nos vem conscincia que essas formas esto numa relao direta com o elemento areo. [...] a respirao que possui a fora formativa. [...] Quando se comea a perceber isso conscientemente, alcana-se algo eminentemente importante no mbito do aprendizado. [...] se reconhece que as formas fonticas existem de algum modo e em algum lugar de maneira real e viva, estando presentes com tal intensidade que encontram na respirao uma espcie de corpo [...] (Ibidem, p.112).

    De acordo com a autora, o que se evidencia no momento acima descrito

    que o ar respirado mais sutil e leve, mais fino, diferente do ar comum. E esse ar

    sublimado que desperta a percepo da fora criativa e formadora.

  • CLARA MAKDISSE SAITO 37

    A denominao espelhamento da palavra foi adotada pela autora em virtude

    da similaridade que esse processo tem com a terceira fase do desvendar da voz, a

    do espelhamento do som:

    [...] esse vazio cresce a tal ponto que no fim tem-se a impresso de que ela suga as vogais a partir de si mesmo e de fora para dentro do organismo. Elas so de uma grandeza infinita e vm em nossa direo a partir da periferia, do mundo areo, do exterior. como se ao inspir-las ns nos fundssemos com elas formando uma unidade, ou seja, como se as inspirssemos unindo-nos plenamente a elas (WERBECK-SVRDSTRM, 2011, p.112).

    Como no espelhamento do som, a audio tem papel decisivo no

    espelhamento da palavra: na prtica, deve-se escutar os elementos fonticos como

    se outra pessoa os cantasse.

    Entretanto, o espelhamento da palavra distinto do espelhamento do som

    porque

    [...] se o espelhamento do som s pode ser alcanado com base na mais extrema concentrao de todas as energias do sentimento e da vontade, j no espelhamento da palavra, da vogal, que consiste na luta da respirao contra os obstculos orgnicos durante a ao formativa, temos de contar com o princpio inverso: aqui no conseguimos ser suficientemente atuantes. Ora, obvio que s mediante um trabalho voluntrio ativo que se alcana tal domnio perfeito de nossa atividade muscular (Ibidem, p.114).

    Para Werbeck-Svrdstrm (2011), as formas perfeitas dos seres de todos os

    fonemas atuaram no desenvolvimento do organismo, na construo da laringe e dos

    rgos da fala e, assim que estes estavam prontos, elas se retiraram. Agora esses

    elementos aguardam a fora criativa do homem agir com tudo o que recebeu de

    presente para se tornar um criador do som e da palavra, mas para isso necessrio

    ter conscincia:

    No momento em que o homem for capaz de criar por si, com plena conscincia, uma forma tal que corresponda perfeitamente forma externa do mundo objetivo das formas, essa forma csmica lhe dar resposta. Ela se tornar um espelho e irradiar daquele centro, reluzindo da em diante para o homem a partir do exterior (Ibidem, p.115).

    A escuta sempre relembrada e, no caso do espelhamento da palavra, a

    capacidade de escutar a atividade formativa da respirao deve ser exercitada.

    Werbeck-Svrdstrm (2011) apresenta exerccios com vogais, que no so

    detalhados nesta monografia por no se constiturem em nosso objeto de estudo.

  • CLARA MAKDISSE SAITO 38

    8 A FISIOLOGIA DA LNGUA E A ARTE DA RESPIRAO

    Werbeck-Svrdstrm (2011) dedica um captulo de seu livro fisiologia da

    lngua e outro arte da respirao, temas estes que so abordados na presente

    seo, sob a perspectiva da autora.

    8.1 A FISIOLOGIA DA LNGUA

    Werbeck-Svrdstrm (2011) divide a lngua dentro da boca em trs regies -

    a ponta, a parte mediana e a parte posterior, que se liga epiglote e que no nos

    visvel - raiz da lngua -, e as relaciona com a trimembrao do ser humano4 e com

    a diviso da corda vocal direita relacionada s trs fases do desvendar da voz:

    [...] Na lngua visual tem-se, portanto, igualmente uma referencia do homem inteiro. [...] lngua humana representa um ser orgnico complexo e ao mesmo tempo repleto de sabedoria! (WERBECK-SVRDSTRM, 2011, p. 125).

    Para a autora, no existe lngua igual, cada uma possui um traado de

    linhas diferentes.

    A lngua participa da formao de cada fonema, e uma lngua que no est

    saudvel incapaz de fazer seu trabalho.

    Como qualquer outro msculo, as trs partes da lngua tm que ser

    despertadas conscientemente. As vogais so formadas na parte mdia da lngua, e

    algumas consoantes - D,T,R,S,L/G,K,H,CH - so formadas na ponta da lngua. A

    parte posterior da lngua tem uma importante funo:

    [...] falamos vrias vezes sobre a diferena entre o organismo fontico e o musical, sem, contudo, tocar na questo de seus limites espaciais. Obviamente existe um rgo que estabelece o limite e mantm separado esses dois organismos: esse rgo a epiglote, que serve como parede de fundo, termino ou guardio, bloqueando a passagem da corrente sonora que flui mais atrs. Porm ela s poder tornar-se um limite verdadeiro na medida em que conseguir manter sua posio vertical, natural e saudvel (Ibidem, p. 129).

    4 V. Seo 3.1 desta monografia A Timembrao do Ser Humano.

  • CLARA MAKDISSE SAITO 39

    A lngua um complexo que se liga intimamente com outras partes do

    organismo fonador - lbios, palato, maxilar etc. - e, durante o canto, essas partes

    so interdependentes. Para Werbeck-Svrdstrm (2011), essas inter-relaes so

    fundamentais mas, para descrev-las em mincias, seria necessrio um pequeno

    livro para cada componente do grupo fonador.

    No que concerne aos cuidados que o cantor deve ter com o seu instrumento,

    a autora pondera:

    [...] Esquecemo-nos frequentemente de que existe uma enorme diferena entre sermos o prprio instrumento e lidarmos comum instrumento que est fora de ns, o qual devido sua estabilidade, suporta maiores exigncias do que a laringe humana. Para fazermos experincias musicais com canto, temos apenas este delicado instrumento que foi edificado em nosso corpo fsico. Se no quisermos aceitar positivamente o trabalho nesse corpo fsico, estaremos demonstrando pouco interesse na reconstruo e no aperfeioamento do nosso instrumento, que o meio para nos expressarmos artisticamente (WERBECK-SVRDSTRM, 2011, p.133).

    Werbeck-Svrdstrm (2011) lembra que as regies mdia e posterior da

    lngua - a epiglote - devem ser melhor trabalhadas pois, na maioria das vezes, a

    ponta da lngua que assume a dianteira. E que, durante o canto, evidentemente, no

    se deve pensar na lngua.

    A lngua mal formada em sua parte posterior leva a uma respirao de

    qualidade ruim, bloqueando a passagem do ar. O desenvolvimento da mobilidade da

    lngua importante no s para o cumprimento de suas prprias funes como para

    o bom processo respiratrio.

    8.2 A ARTE DA RESPIRAO

    Para Werbeck-Svrdstrm (2011), a respirao correta consititui-se em uma

    arte. A Escola do Desvendar da Voz busca esse respirar correto, mas as diferentes

    formas de lidar com a respirao adotadas pelas pedagogias de canto podem

    confundir as pessoas.

    Assim sendo, necessrio compreender que a arte do canto no requer

    uma respirao especfica, mas uma respirao normal:

  • CLARA MAKDISSE SAITO 40

    [...] da mesma maneira como se deve permanecer imperceptvel em todas as ocupaes cotidianas de uma pessoa saudvel, o processo respiratrio tampouco deve trazer inquietao de dificuldade ao cantarmos (WERBECK-SVRDSTRM, 2011, p.143).

    E, para reconhecer a respirao normal, faz-se necessrio manter uma

    atenta observao:

    [...] S se encontrar um significado decisivo quando se puder estudar o processo respiratrio sem qualquer representao e preconceito antigo ou novo, pessoal ou geral, e de modo totalmente independente de bloqueios e fenmenos paralelos. No fcil distinguir entre os fenmenos da decadncia respiratria e a fisiologia saudvel da respirao sem perturbaes, porque hoje todas as pessoas respiram de diferentes modos e, geralmente, respiram mal (Ibidem, p.143-144).

    Ainda que a autora tenha vivido e discorrido sobre h quase um sculo,

    a palavra hoje que consta da citao anterior cabe muito bem nos dias atuais, em

    que muitas pessoas sofrem de problemas respiratrios, em que no mais se sabe o

    que respirao saudvel.

    No o ar - ou fluxo respiratrio - que forma o tom. O ar proporciona uma

    espcie de resistncia fluente sobre a corrente sonora, levando o tom inaudvel ao

    mbito fsico-sensorial audvel:

    Certa vez Rudolf Steiner utilizou a seguinte imagem: - Assim como o homem est de p sobre a Terra, assim tambm est o tom sobre o elemento areo fluente. (...) A corrente de ar, ao oferecer resistncia ao tom, impede-o de cair para dentro do inaudvel e l continuar vibrando (Ibidem, p. 144).

    De acordo com a autora, o que nos faz cantar no o ar propriamente dito,

    mas o movimento do ar. o movimento do ar que nos deixa vivos, que respiramos.

    E o movimento do ar que nos faz cantar, no a quantidade de ar inspirada e

    expirada.

    Alm disso, ela destaca que no apenas o pulmo que respira, toda a

    superfcie da pele respira:

    [...] devemos reconhecer que a separao do processo respiratrio pulmonar do processo respiratrio global da respirao levou este ltimo a degenerao. Mais exatamente: o processo respiratrio pulmonar separou-se do ritmo integrado do processo total. Hoje ele possui um existncia quase autnoma e mais ou menos isolada como um processo parcial, estranho ao todo, submetendo-se aos ritmos voluntrios ou involuntrios impostos por nossas dificuldades individuais (Ibidem, p.145).

  • CLARA MAKDISSE SAITO 41

    Portanto, postula Werbeck-Svrdstrm (2011), nossa tarefa deve ser a de

    conscientemente reintegrar a respirao pulmonar ao ritmo do processo global de

    respirao, com o auxlio dos msculos. O movimento consciente e rtmico de

    determinados msculos - que atuem na fisiologia da respirao - durante o cantar,

    desvia a ateno da quantidade de ar inspirada:

    Portanto, se no fizermos mais exerccios respiratrios relacionados com a assimilao da maior quantidade possvel de ar, em vez disso, criarmos exerccios compondo-os de maneira que, ao cantar, possamos dirigir nossa atividade aos msculos primordialmente ligados movimentao do elemento areo dando-lhe energia e flexibilidade e, por meio da atividade, estabelecendo uma ligao com o ritmo , os processos da respirao sero cada vez mais afastados de nossa conscincia. [...] Ento se saber tambm que esse medo de no ter suficiente quantidade de ar e o apego desesperado ao ar material so os piores adversrios do processo respiratrio correto (WERBECK-SVRDSTRM, 2011, p. 147).

    O ponto de partida para o movimento deve ser estabelecido abaixo do

    diafragma, na regio do plexo solar.

    [...] o processo respiratrio em determinada etapa da vida do ser humano sofre um endurecimento, um embrutecimento semelhante ao processo de degenerao da lngua, onde tambm, de algum modo, a unidade do processo se quebra, fazendo com que lentamente comecemos a perder a conscincia para uma respirao correta [...] (WERBECK-SVRDSTRM, 2011, p.148).

    Werbeck-Svrdstrm (2011) destaca que podemos encontrar o respirar

    correto em ns mesmos no momento em que acordamos: se observarmos

    calmamente e com ateno, deitados com as costas voltadas para baixo,

    poderemos descobrir uma outra atividade respiratria.

    Para a autora, a respirao integrada capaz de curar o ser humano por

    inteiro:

    O organismo s prospera quando permanece inserido na vida como um todo, e o antiesprito de nossa poca o disseca em complexos isolados, que so observados e tratados separadamente. [...] O canto artstico uma potencializao de um intercmbio de funes espirituais, animicas e corporais, das quais, na verdade, durante a formao artstica, apenas as foras criativas deveriam atuar conscientemente. [...] o homem canta no apenas com a laringe; a laringe ampliada que se estende por sobre todo o organismo humano, prporcionando a verdadeira base para seu canto. E isso quer dizer: o homem inteiro que canta! (Ibidem, p.149).

  • CLARA MAKDISSE SAITO 42

    9 CONCLUSES

    O iderio e as proposies apresentados no livro Escola do Desvendar da

    Voz so originais e instigantes at hoje.

    A fundamentao terica dessa obra a Antroposofia, razo pela qual todo

    aquele que se dispuser a estudar o trabalho de Werbeck-Svrdstrm (2011) deve,

    necessariamente, ter um contato inicial com os princpios dessa filosofia. Para mim

    particularmente, esse contato trouxe valiosos subsdios a estudos pessoais de

    autoconhecimento.

    Foi um trabalho rduo em funo da quantidade de novos conceitos e de

    perspectivas que no so tteis, mas satisfatrio e enriquecedor porque tornou-me

    mais confiante para prosseguir esta jornada rumo consecuo dos ideais que me

    orientam. Ainda que apresentada h cerca um sculo, a escola proposta por

    Werbeck-Svrdstrm (2011) perfeitamente aplicvel nos dia de hoje, com algumas

    adaptaes. Embora no tenha vivenciado a prtica dessa escola de canto, a

    experincia que tive como aluna de canto lrico em um conservatrio faz com que a

    pedagogia proposta por Werbeck-Svrdstrm (2011) me estimula a uma nova

    prtica em educao musical.

    Quando nos debruamos sobre a poca em que Werbeck-Svrdstrm

    construiu esse trabalho, compreendemos o seu pessimismo, entendemos porque ela

    enfatiza a decadncia da arte a um plano puramente materialista. A autora

    presenciou a mudana do sculo XIX para o sculo XX, atravessou as duas guerras

    mundiais, viveu os grandes extremos da caminhada da humanidade, pois faleceu

    em 1972, aos 93 anos de idade,

    Se observarmos, ainda que superficialmente, o rumo que a msica tomou,

    concordaremos com a autora: no s a msica, mas a quase totalidade das coisas

    tornaram-se produtos destitudos de sentido. Cada vez mais, as pessoas tm

    buscado a conexo com o todo, mas essa busca no ter xito se no for precedida

    pela conexo do indivduo consigo mesmo, a conexo com a fonte que nunca

    acaba. Somente a partir da ser possvel transbordar para o mundo.

  • CLARA MAKDISSE SAITO 43

    O materialismo que vivemos real, e no acredito que se constitua em um

    empecilho para a conexo com o todo. A experincia que vivemos tridimensional e

    limitada, e esse um dos nossos maiores aprendizados na vida terrena. Somente o

    ser inteiro - Corpo, Alma e Esprito - pode ser pleno.

  • CLARA MAKDISSE SAITO 44

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  • CLARA MAKDISSE SAITO 45

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