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Page 1: Um dos dilemas de todo corretor de redações, · (Jorge Luís Borges, História da eternidade) Um dos dilemas de todo corretor de redações, especialmente daqueles que já participaram

Comentário de: José Ruy Lozano (*)

DE CICLOS E RETORNOS

“Chego ao terceiro modo de interpretar as eternas repetições: o menos pavoroso e melodramático, mas também o único

imaginável. Quero dizer, a concepção de ciclos similares, não idênticos. (...) Lembra-te de que todas as coisas giram e voltam a

girar pelas mesmas órbitas e que para o espectador é igual vê-la um século ou dois ou infinitamente. ” (Jorge Luís Borges, História da eternidade)

Um dos dilemas de todo corretor de redações, especialmente daqueles que já participaram de bancas de concursos e exames vestibulares, é a verificação se de fato o aluno respeitou o tema proposto. Muitos são os professores que adotam posturas radicalmente restritivas a respeito. Fazemos essa observação, Emmanuel, porque você arriscou. Desconstruiu, mas reconstruiu, o mundo hippie, aos olhos do jovem de hoje, como quem diz e pensa: “e nós, o que nós temos a ver com isso?” E sua reflexão mostra que sim, temos muito a ver com eles, os que um dia ousaram sair da copa e da cozinha bem postas pela sociedade e levar adiante a ideia de ruptura. Afinal, há em comum a percepção de desigualdades e a sensação de injustiça, além da noção difusa de que as pantomimas do mundo do consumo já não dão conta do que queremos, já não nos servem mais. O mundo que você nos apresenta, porém, perdeu a esperança (ingênua?) que um dia embalou a geração dos vovôs da contracultura. Paz e amor soa pueril no contexto da brutalização da vida cotidiana das grandes cidades e do cinismo desprovido de sonhos de muitos dos jovens de hoje. Hair cedeu lugar a Sobrevivendo no Inferno. Lennon foi substituído por Fifty Cents e Os mutantes passaram o bastão para Emicida. Talvez pensando na raiz da palavra (e do movimento), você brilhantemente leu a contracultura como cultura do contra. Contra formas e gêneros reconhecidos e mercantilizados, contra manifestações restritas a elites autorreferenciadas no mundo acadêmico, contra todo o beneplácito oficial. E você consegue relacionar a arte marginal, o grafite, o rap e outras revelações de grupos e coletivos de rua às ideias que um dia nasceram em Woodstock. Afinal, foi o tema, senhor das dissertações, quem pediu: o quê, da ideologia hippie, ficou no mundo atual? Você respondeu ao chamado e localizou a sociedade alternativa de ontem nos becos das favelas e nos desvãos de pontes e viadutos de hoje. Ali surgem novas manifestações culturais e artísticas com vitalidade imprevista. E dali podem surgir, quiçá, novas formas de organização social e política. Justamente o que desejou a juventude norte-americana, universitária, privilegiada e bem-nascida, no final dos anos 1960. Parabéns, Emmanuel. Parabéns, Colégio Santo Antonio, por despertar tamanha noção crítica em seus estudantes. E parabéns à professora Cleide, que soube zelar pela produção de seu aluno. (*) JOSÉ RUY LOZANO é sociólogo, autor de livros didáticos, conselheiro do Cipi (Conselho Independente de Proteção à Infância)

e coordenador pedagógico geral da Rede Alix - Colégio Nossa Senhora do Morumbi