um certo olhar pela filatelia - caleida · 2019. 1. 30. · filatelia e a impõem como uma...

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Biblioteca Filatélica Digital © Clube Nacional de Filatelia Um Certo Olhar pela Filatelia Luis Eugénio Ferreira Edições Húmus | Biblioteca Filatélica Digital 1 0 0 1 1 0 0 1 1 0 0 1 0 0 0 0 1 0 1 1 1 0 0 0 0 0 1 1 1 0 1 0 1 0 0 0 1 0 1 0 1 1 1 0 1 0 1 0 0 0 1 1 1 0 0 0 1 0 0 1 1 0 1 0 1 0 0 0 1 1 1 0 1 0 1 1 0 1 0 1 1 1 1 0 0 1 1 1 1 1 0 1 0 0 0 1 0 1 0 0 1 1 1 0 0 1 0 1 1 0 1 1 0 1

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    1Um Certo Olhar pela FilateliaUm Certo Olharpela Filatelia

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    Autor: Luís Eugénio FerreiraTítulo: Um Certo Olhar pela FilateliaEditor: Edições Húmus LdªColecção: Biblioteca Electrónica de Filatelia (e-B)Director de Colecção: Carlos Pimenta ([email protected])Edição: 2ª (Jan. 2006) [1ª edição realizada pelo Clube Nacional de Filatelia]Composição: Papelmunde Lda.; Vila Nova de Famalicão (colaboração de Adélia Magalhães)ISBN: 972-99163-3-0Localização: http://www.fi latelicamente.online.pt http://www.caleida.pt/fi lateliaPreço: gratuito na edição electrónica, acesso por downloadSolicitação ao leitor: Transmita-nos ([email protected]) a sua opinião sobre este livro electró-nico e sobre a Biblioteca Electrónica de Filatelia.© Edições Húmus LdaÉ permitida a cópia deste e-livro, sem qualquer modifi cação, para utilização individual. Não é permitida qualquer utilização comercial. Não é permitida a sua disponibilização através de rede electrónica ou qual-quer forma de partilha electrónica. A reprodução de partes do seu conteúdo é permitida exclusivamente em documentos científi cos e fi latélicos, com indicação expressa da fonte.Em caso de dúvida ou pedido de autorização contactar directamente o director de colecção.

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    3Um Certo Olhar pela Filatelia

    Índice

    Prefácio

    Nota Introdutória

    Um Olhar pela História12345678910

    Um Olhar pela Filatelia Moderna123

    Um Olhar sobre Outros Aspectos PertinentesCorreio sob TensãoCorreio sobre os LimitesBreve Incursão Linguística sobre a FilateliaCaridade FilatélicaO Correio do Futuro

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    5Um Certo Olhar pela Filatelia

    Prefácio

    O livro e o e-livro (livro electrónico) são duas realidades sociais cristalizadoras de usos e costumes, de imutabilidade e inovação.São duas realidades indissoluvelmente ligadas pela sua função: transmitir pela escrita um conjunto de informações, servir de elo de ligação entre o autor e o leitor. Ambos re-presentam de forma perene a posição de quem o escreveu, eventual testemunho de uma época e de um seu grupo social.Essa ligação intrínseca faz com que haja mais comple-mentaridades que confl itos entre essas diversas formas de comunicar. Uns leitores preferirão uma forma de leitura, outros outra. Uma é mais proveitosa em livros de leitura sequencial enquanto a outra parece particularmente adap-tada à procura e leitura temática. Uma transporta toda a gravidade da palavra enquanto a outra aberta ao multimédia ressalta mais intensamente a apresentação. Uma permite associar à vista da leitura o odor e o tacto do papel, a que associamos recordações da infância, enquanto a outra pre-enche mais plenamente a vista e pode associar a audição. Uma é a companheira da mesa de cabeceira, do banco do jardim ou do autocarro, enquanto a outra é a amiga sempre disponível com um toque no computador.Contudo, como realidades sociais que são, a nossa relação com o livro e o e-livro é simultaneamente uma relação nossa com a cultura, uma exteriorização de práticas, hábitos e usos que interiorizámos em muitos anos de socialização. O livro transporta o peso secular de uma prática enraizada,

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    comungada, estimulada ou reprimida; é um símbolo de civilizações e povos. O e-livro, pelo contrário, é o recém nascido que tenta dar com segurança os primeiros passos, procurando conquistar um espaço de aceitação que ainda não lhe pertence, que olha para o futuro com a arrogância do domínio tecnológico, ainda menos simpático para o comum dos mortais.Tanto será fundamentalismo prognosticar a vitória inexo-rável do e-livro, como a imortalidade do livro. Não existem condições para fazer previsões cientifi camente válidas. O que podemos dizer é que neste momento coexistem e nos tempos próximos assim continuarão. Por isso acarinhamos as duas formas de escrita.Independentemente destas considerações os livros elec-trónicos apresentam para nós vantagens extremamente grandes. O custo de produção de um livro electrónico é muito menor que de um livro, os seus circuitos de distri-buição são tendencialmente gratuitos e pode-se chegar a leitores que de outra forma nunca teriam conhecimento da sua existência, nunca o adquiririam e nunca o leriam.Num país em que a fi latelia é um fantasma da fama que já granjeou, em que a maioria das empresas (públicas ou privadas) associadas ao negócio são pouco expressivas e capazes de zelar pelo seu interesse numa estratégia de lon-go prazo, em que se afasta burocraticamente o selo da sua utilização na correspondência, em que uma parte da classe política desconhece a importância do lazer no encontro da dinâmica social com as idiossincrasias pessoais, e quiçá terá que ir ao dicionário ver o que signifi ca “fi latelia”; num país em que as instituições fi latélicas da chamada “socie-dade civil” é incapaz de encontrar rumo, conjugar esforços, sobrepor os interesses colectivos à mesquinhez individual e aos projectos pessoais de efémero poder; num país as-sim apostar fortemente na produção de livros electrónicos é importante. A popularidade granjeada por esta colecção comprova-o inequivocamente.

    Ao fazermos a segunda edição é da mais elementar justiça formular publicamente um agradecimento muito especial a Luis Eugénio Ferreira.Em primeiro lugar porque teve a coragem de elaborar este li-vro especifi camente para edição electrónica. Quando a ideia desta colecção foi lançada Eugénio Ferreira foi o primeiro a

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    responder positivamente e a entregar um exemplar pronto para edição. Talvez com alguma nostalgia por ser um e-livro e não um livro, mas respondeu prontamente ao desafi o. Os downloads obtidos durante a anterior edição aí estão para comprovar que o seu entusiasmo foi recompensado.Em segundo lugar porque é o fi latelista ilustre, o amigo sincero, o escritor assíduo que, com empenhamento, en-tusiasmo, pedagogia e qualidade, sempre nos habituou a pensar fi latelica e socialmente ao ler os seus textos. Apren-demos sempre muito com a leitura dos seus trabalhos, de fi latelia ou outros.Obviamente que este agradecimento especial ao autor, feito com muita amizade e sinceridade, exige que estenda-mos este nosso agradecimento a quantos têm colaborado connosco nesta epopeia de pôr em linha uma colecção de e-livros fi latélicos. A todos os nosso obrigado.

    Estamos convictos que o projecto ainda só está no início.

    Carlos Pimenta

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    9Um Certo Olhar pela Filatelia

    Nota Introdutória

    Um certo olhar pela filatelia, é na sua essência, uma compi-lação das notas que venho elaborando ao longo de trintaanos, colaboração dispersa por diversas revistas e boletinsfilatélicos (alguns já desaparecidos), incidindo sobre algu-mas questões pertinentes do fenómeno filatélico, e ondetenho procurado defender a ideia de que antes de tudo, afilatelia representa na sua essência, um poderoso auxiliarda História.Defendo ainda que o selo, para lá da sua função postal,como corolário da organização proposta em seu tempo porRowland Hill, funcionou como um dos elementos fundamen-tais na afirmação da soberania dos Estados modernos, esão abundantes os exemplos que ilustram essa ideia.Em muitas outras notas proponho uma reflexão sobre osproblemas inerentes ao coleccionamento filatélico, toman-do quanto possível uma visão sociológica nos seus diver-sos aspectos. Não podemos ignorar hoje quanto a filateliarepresenta como um meio de aproximação e relacionamentoentre as pessoas, vencendo as diferenças que porventuranos separam no tocante a raça, religião, ou credo político.Proponho deste modo algumas reflexões, talvez marginais,em relação aos aspectos técnicos do coleccionamentofilatélico, que têm sido tratados por ilustres autores, e aosquais eventualmente me referirei quando oportuno.Todas as notas e artigos que constituem a presente compi-lação, foram revistos e alterados no sentido de criar umacerta homogeneidade ao trabalho que ora se apresenta.Nesta oportunidade, patenteio os meus agradecimentos àFilatelia Portuguesa onde publiquei a maior parte da mi-nha colaboração, e ao seu actual director, Dr. Carlos Pi-menta, que sempre me honrou com o seu apoio.

    Santarém, inverno de 2001Luís Eugénio Ferreira

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    11Um Certo Olhar pela Filatelia

    Um Olhar pelaHistória

    O selo e a História – Definição da filatelia como auxiliar daHistória – Incursões históricas, incidindo sobre a Europa doséculo XIX – Notas sobre a história da filatelia

    1.

    Num sentido lato, todo o selo é um documento histórico e afilatelia, ramo do conhecimento que tem por objecto o estu-do dos selos postais e/ou, paralelamente o estudo de todasas formas de franquia utilizadas na circulação postal, seráobviamente uma ciência auxiliar da História.Na realidade, porém, as coisas não poderão ser encaradascom tamanha simplicidade, pois não saberemos dizer atéonde o “coleccionismo”, isto é, “a paixão de coleccionar” se

    O Snr. A Houlbrique, residente em Le Havre,França escreve a G. B. Solary deAlexandria, propondo-lhe trocar selos dosrespectivos países. Tendo sido riscada areferência ao Egipto, onde fica a cidade dedestino, o postal andou a circular pelomundo. Colocada a 26 de Fevereiro de 1897chegou nesse mesmo mês à Beira,Moçambique. Só depois seguiu para oCairo, tendo chegado a 7 de Março, dataem que também deu entrada em Alexandria.Registe-se, como curiodidade, que nasegunda linha do destinatário se coloca aindicação "Philatéliste". A qualidade defilatelista era digna de expressa indicação.

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    terá hoje sobreposto aos fundamentos que estruturam afilatelia e a impõem como uma categoria do conhecimentohistórico.Um coleccionador de borboletas não terá que ser necessa-riamente um entomólogo, no sentido rigoroso de que assuas motivações profundas poderão não assentar exacta-mente sobre o estudo científico e sistematizado dos insec-tos, pois se podem basear muito simplesmente num crité-rio de pura estética, por exemplo.O coleccionador de selos postais, pode assim encarar duasformas para a sua actividade.A primeira, tomando-a como um acto “científico” envolven-do a pesquisa e a sistematização histórico-documental, asegunda, encarando-a pelos seus aspectos estéticos e cri-ativos, senão mesmo pelas suas potencialidades no domí-nio pedagógico e didáctico.Coloco de fora os que tomam a filatelia como uma forma deinvestimento (por vezes bastante lucrativa), de ondelogicamente, excluo os comerciantes filatélicos, que a to-mam como objecto lícito do seu negócio, possibilitando acriação de stocks que de outro modo se não conseguiriam.Marcamos assim, no início destas notas, as duas correntesfundamentais do coleccionismo filatélico, que importa reterseparadamente.É certo que uma não excluirá a outra, antes estabelecendouma relação de complementaridade, pois a colecção deborboletas que o amador organizou, por uma motivação deordem estética, preocupado somente com o colorido e oexotismo das formas dos seus exemplares, é por certo esempre um precioso auxiliar do entomólogo que desejedocumentar-se sobre leptidópteros. Grandes colecções deselos e de outros documentos postais, são sempre, seja

    A Comuna de Paris em selos da República Democrática da Alemanha (RDA)

    Um selo e um carimbo simultaneamentepedagógicos e bonitos.

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    qual tiver sido a motivação que lhes deu origem, fontes se-guras para o seu estudo histórico.Arthur Maury, conhecido como um dos pais da filatelia, com-preendeu bem essa ligação íntima da filatelia aos rumossurpreendentes da História, legando-nos preciosas notassobre a sua experiência, de que destaco as que se referemsobretudo ao perturbante período da Comuna de Paris queele viveu empenhadamente.Maury, que acompanhou os primeiros passos docoleccionismo filatélico, mostrar-se-ia bem relutante emaceitar as emissões ditas comemorativas que começavamentão a surgir, considerando-as como uma intromissão ouuma excrescência em relação à filatelia. Corrigiremos esteseu ponto de vista, com a visão contemporânea docoleccionismo temático, que procurando resolver os pro-blemas abertos ao coleccionador, acabou por criar novosrumos para a filatelia, tida não já só como uma evidenteciência auxiliar da História, mas igualmente tomando a His-tória como uma sua própria auxiliar.A seu tempo voltaremos a reflectir sobre este assunto.Fixemo-nos por agora, sobre as primeiras emissões pos-tais.A criação do selo adesivo por Rowland Hill, é, indiscutivel-mente um dos grandes acontecimentos históricos contem-porâneos e não será o facto de a maior parte dos Compên-dios de História o não fixarem nas suas páginas, que a suaimportância possa ser tida como menos significativa.Deste modo, as primeiras edições postais, (ditas históricas),têm um valor documental indesmentivel.Importaria um estudo crítico, que está por fazer, conside-rando as múltiplas coordenadas determinantes da sua exe-cução, de um ponto de vista não só necessariamentefilatélico.A envolvente técnico-administrativa é por demais conheci-da – assenta na publicação dos decretos, por vezes bemsecos, que dispuseram à sua criação, com a consequenteprática postal, ora referindo os pormenores do desenho esua gravação, ora circunstanciando as diversas fases doseu lançamento, ora predispondo as estruturas necessári-as para pôr em prática o novo sistema. Mas as motivaçõesprofundas que o selo reflecte como documento – tomadocomo a essência da própria História - raramente são referi-das. E é quanto a mim o verdadeiro ponto de partida.

    Sir Rowland Hill. 1795 - 1879.Fonte: The Guinness Book of Stamps. Facts& Feats

    Grã-Bretanha - Penny Black.One Penny Black teve oficialmente a suaemissão a 6 de Maio de 1840

    1842 - Postal (inteiro) Mulready de 1p.Fonte: Catálogo Leilão Afinsa: Colección 20Aniversario

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    Léon Salefranque, na sua “história do selo”, demasiado pre-ocupado com a evolução etimológica do termo, indica queo selo, tomado agora como a percepção de um imposto, sesecularizaria no sentido pelo qual hoje o tomamos. Corrijoa observação em dois pontos. Rectifico a tendência (talvezlógica) para considerar o selo postal (paralelamente ao selofiscal), como um instrumento de percepção de um imposto.Não. O selo postal é apenas a marca que formaliza e evi-dencia o contrato tácito entre um expedidor de uma missivaou qualquer outro objecto postal, e um serviço público quetoma expressamente a seu cargo o transporte e a entregaa um destinatário dessa missiva ou desse objecto postal.Poderíamos, evidentemente, chamar-lhe vinheta móvel,recibo de porte, porte pago, como chegou a ser sugerido, eaí, talvez que Salefranque toque direito no aspecto dasmotivações. Mas o segundo ponto, carece de uma reflexãocuidada. Não é só aos selos (siggilus) ou aos timbres(cabeção heráldico, parte superior do escudo), que o selopostal vai buscar os seus primitivos figurinos, e bastará oestudo analítico das primeiras emissões para confirmar aminha razão.Com efeito e apenas por circunstâncias históricasdeterminantes, essas primeiras edições buscam invariavel-mente os seus motivos gráficos, não só nas heráldicas (ar-mas e brasões), como também nos motivos consagradospela numismática, na ausência de outros modelos disponí-veis na altura, e aí, as efígies dos soberanos reinantes,eventualmente certas figuras mitológicas ou até conceitosabstractos antropomorfizados pela convenção (a Paz, aJustiça, a República, etc.), cobrem praticamente todas asemissões, durante os primeiros 50 anos da história da fila-telia.Fixemo-nos agora sobre o seguinte quadro:

    1- Séries apresentando efígies de soberanos reinan-tes:(Monarquias unificadas com forte centralização.Soberanos descendentes da aristocracia tradicionaleuropeia):Baviera / Prússia / Saxe - Àustria / Bélgica / Espanha /Grã-Bretanha / Hungria - Sardenha / Itália - Luxemburgo- Países Baixos - Portugal.

    Exemplos de selos reproduzindo soberanos:Espanha e Portugal.Fontes: Catálogo Leilão Afinsa: Colección20 Aniversario e Albúm de Portugal deCarlos Kullberg (no prelo)

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    2 - Armas e brasões - Motivos heráldicos diversos:(Países sujeitos a ocupação ou em sistemas de uniãode reinos, sem correspondente adequação étnica oupolítica):Bade - Bergedorf - Bremen - Brunwik - Hamburgo -Lubeck - Oldenburgo - Holstein - Áustria - Bósnia -Bulgária - Finlândia - Duas Sicílias - Rep. Lombarda -Modena - Noruega / Suécia - Polónia - Roménia (sobocupação) - Suíça (correios cantonais) - Rússia .3 - Motivos mitológicos:França (caso específico que analisaremos à frente),Grécia (de recente independência).

    Desde logo o selo foi tomado consensualmente como umsinal definidor da soberania dos Estados e de certa manei-ra, como o seu mais próximo representante diplomático.Assim o entenderam todos os Estados que prontamenteemitiram os seus selos postais, como forma de se confir-marem pela demonstração consensual da sua soberania.Permitam-me neste ponto, umas breves incursões históri-cas:Vejamos como todos os Estados que viriam a constituir oImpério Alemão, se afirmaram através das suas emissõespostais, cujo estudo atento nos permitirá seguir a evoluçãohistórica das suas lutas, até que a unificação alemã fosseuma realidade.Em Maio de 1849, convocados pela Prússia, os delegadosdos Estados alemães, reuniam em Erfurt, a fim de altera-rem a sua constituição federal. Formava-se então a uniãorestrita, a que não adeririam a Áustria (selos Império Aus-tríaco), a Baviera (selos Bayern 1849) e o Wurtenberg (selos1851 - reino).Então, sob a ameaça da Áustria, Frederico Guilherme IVem Setembro 1849 (lª emissão da Prússia) contemporizacom um regime intermédio, enquanto Hanôver (reino, se-los 1850), abandonam a reunião.Em 1868 estabelece-se a Confederação da Alemanha doNorte (1ª emissão 1868) e a partir de Dezembro 1870 eraconsagrada a unificação de um Império Alemão.Ficam-nos as emissões dos seus Estados, como testemu-nhas imperecíveis da sua História, a que juntaremos refe-

    Exemplos de “Armas e Brazões”: 1º selo daNoruega, 2º selo da Roménia, selo suiçodo cantão de Zurich, 4º selo da Suécia.Fonte: Leilão J. Robineau

    Exemplo de “Motivo Mitológico”. Selo daGrécia catalogado em YT como 3a. Fonte:Leilão J. Robineau

    O Império Alemão em 1871

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    rência às emissões de Tour e Taxis que em virtude de anti-gos privilégios (foi sob sua égide que se organizou a pri-meira e mais completa rede de correios na Europa Cen-tral), manteve as suas emissões até à compra dos seusdireitos pela Prússia em Junho 1867. Por feliz coincidên-cia, o aparecimento das primeiras emissões de selos, noseguimento da adopção da nova reforma postal, vai de parcom os perturbantes acontecimentos ocorridos um poucopor toda a Europa, ora no sentido da centralização do po-der, ora no do restabelecimento de um novo mapa de fron-teiras e consequentes ocupações territoriais, o que nãopodia deixar de se reflectir sobre a própria estrutura dosselos emitidos, tal como vimos demonstrando.Também os antigos Estados Italianos deixaram as marcasdas suas dissenções, até alcançarem a unidade, sob a au-toridade de Victor Emanuel II (1ª série de Itália 1862), ab-sorvendo, após um percurso nem sempre pacífico, o reinode Nápoles (1ª série 1851), a Sicília (1ª série 1859), aLombardo-Veneza (província austríaca, usando selos daÁustria, suprimidos pela Itália em 1866), o ducado deModena (1ª série 1852), o ducado de Parma (1ª série 1852),o reino de Sardenha (1ª série ostentando a efígie de VictorEmmanuel II ) e o grão-ducado de Toscana (1ª série 1851).Do mesmo modo referiremos as primeiras emissões daHungria, que simultaneamente serviam na Áustria (com aparticularidade de não trazerem nenhuma inscrição alémdo seu valor em kreuzer), mesmo após a independência daHungria, proclamada pelo Compromisso de 1867. De fac-to, só a partir de 1871 a Hungria emite os seus primeirosselos privados, consolidando assim a ideia consensual dasua soberania.Aludiremos ainda ao exemplo dos selos da Bulgária, dividi-da entre o principado da Bulgária do Norte e a Rumélia,incluindo a Trácia e a Macedónia que utilizava os selos tur-cos sobrecargados até que a Rumélia se uniu à Bulgária,passando a utilizar os seus selos, com a sobrecarga doLeão e as armas búlgaras. A adopção de selos comuns em1885, confirma historicamente a nova soberania e a suaunidade política.É natural portanto, que a escolha dos primitivos motivosgráficos ou figurinos a inserir nas fórmulas postais, nemsempre foi tarefa fácil.Estava-se sobre o acontecimento histórico, pelo que o seloera de facto visto mais como um documento do que é hoje,

    Mapa de parte dos Estados Italianos em1811.

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    em que uma certa alienação feitichista nos leva a encará-losob múltiplos aspectos completamente diferentes.Daí que filatelistas e autores desse tempo, se refiram nassuas crónicas e observações, aos condicionalismos políti-cos que envolveram a sua criação e lançamentoconsequente. A não compreensão desse facto e a interpre-tação dos fenómenos filatélicos originais, á luz dos concei-tos modernos, poderão induzir à formação de falsas ideiase precipitadas conclusões.Tal se conclui das afirmações legadas por Pierre Yvert numapequena brochura comemorativa do Centenário do SeloFrancês, editada em 1949, sob o título de certo modo pre-tensioso: As emissões de França e a evolução do espírito.Dizia ele: Nós (franceses), registamos tudo, reagimos a tudo.Reparem nos fleumáticos ingleses – não há certamentepaís onde o gosto da discussão se tenha desenvolvido tan-to; como nós, os ingleses sentem e reagem, mas não ésobre os seus selos que podemos procurar a materializaçãodos seus sentimentos.De rainha em rei, a efígie do soberano reinante, basta paraafirmar a sua fidelidade patriótica; nenhum país utilizoumenos do que eles, o selo postal, como meio de propagan-da ou de comemoração.É uma observação de cariz psicológico, mas que se funda-menta sobre o primado de que o selo tem que ser necessa-riamente um meio de propaganda e de comemoração, re-flectindo os puros sentimentos patrióticos.Tal concepção é posterior ao advento histórico do fenómenopostal e só no princípio do século recolhe a sua completaactualidade.À data das primeiras emissões, quando a cada país é pos-to o problema da emissão postal, segundo o novo sistema,as considerações que se tecem inscrevem-se invariavel-mente sobre os aspectos políticos determinantes. O selopostal não tinha sido ainda encarado como um objectocoleccionável, nem ninguém se tinha debruçado sobre osaspectos decorrentes da sua circulação interna e externa,como veículo de ideologias.Não nos foi fácil recolher os textos e intervenções produzi-dos pelos departamentos emissores até ao projecto defini-tivo das primeiras vinhetas postais. Em inúmeros casos,porém, a representação gráfica do soberano (por exemplo),mostra-se de tal modo óbvio e lógico que não suscitam

    Na obra acima referida (da responsabilida-de da UPU, decidida em 1994, mas sópublicada em 2000/2001, edição sem data)atribui-se ao selo uma multiplicidade de fun-ções para além da sua função original: va-lor equivalente à moeda, promoção da ima-gem de um país e seu “embaixador”, decla-ração de soberania e de pertença a institui-ções internacionais, imagem de marca deum serviço, meio de propaganda, ferramen-ta de marketing, como presente e, obvia-mente, como objecto de colecção, directaou indirectamente. De facto uma leitura eco-nómica, sociológica, simbólica e política doselo permite-lhe atribuir esses diversos sig-nificados, mas frequentemente isso estáassociado a uma subestimação do seu ver-dadeiro significado, o que só pode ser con-traproducente.

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    quaisquer dúvidasO projecto e o decreto que instituiu o primeiro selo portugu-ês, ilustra perfeitamente essa evidência. As controvérsiaslevantavam-se apenas quando a efígie de um soberano setornava impossivel ou não aconselhável politicamente, istoé, por razões necessariamente historicistas. Tal o caso daFrança, em que a segunda república afastava essa possi-bilidade.O decreto de 30 de Abril de 1848, que autorizava a fabrica-ção e venda de selos a partir do dia primeiro de Janeiro de1849, nada ilucida sobre esse ponto, mas os textos anteri-ores que se conhecem, aludem-lhe directamente.Falava-se num deles, sobre uma efígie da República, outroaludia a uma cabeça, figurando a Liberdade. Mas a enco-menda feita ao gravador Barre, refere-se a Ceres, deusada agricultura e símbolo das colheitas abundantes.Mas tê-lo-ão todos reconhecido assim ?A verdade é que textos em que Maury se refere a essaprimeira emissão, é sempre como Liberdade, e no seu ca-tálogo de 1897, ainda essa série nos surge com a designa-ção de Liberté à gaucheLiberdade à esquerda, não tem aqui obviamente aconotação política a que porventura possamos ser induzi-dos, pois significa apenas que a efígie da Liberdade estáde perfil, olhando para o lado esquerdo.A conotação que se extrai desta observação, e a de quesão, apesar de tudo, as considerações de ordem política ehistórica que estão na base destas emissões.A filatelia não era ainda conhecida no preciso sentido porque hoje a entendemos e Pierre Yvert, ainda no seu citadoartigo, quando se refere ao caso particular da França, es-creve:Como era hábito tomar por motivo a efígie do soberano,que iria fazer a França, dado que não havia nenhum rei?.O ilustre teórico admite a adopção da efígie do soberanocomo um mero hábito – mas hábito, é a disposição adquiri-da por actos reiterados, o que invalida a sua hipótese, dadoque se tratava, justamente das primeiras emissões, portan-to sem qualquer antecedente expresso. Exceptuam-se tal-vez, os selos fiscais, com os quais os selos postais se che-garam a confundir e inúmeros casos há em que os efeitospostais admitem selos fiscais com sobrecargas adequadas,

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    de que podemos dar como protótipo o selo de Nova Galesdo Sul de 1885 com sobrecarga Postage.Mas Yvert esqueceu-se ainda das dezenas de emissõesfeitas pelas muitas Repúblicas que já existiam no segundoquartel do século XIX, como se esqueceu dos inúmerosEstados em que politicamente se tornava impraticável a fi-guração de um soberano nos seus documentos oficiais, aque aludimos já.Não são hábitos, são condicionalismos históricos. Taiscondicionalismos, quando bem entendidos, suscitam con-siderações de outra ordem, como as que Maury produz in-variavelmente e talvez por isso ele seja o primeiro grandeteórico da filateliaQuando foi introduzido em França, depois de concorridoconcurso, o arranjo mitológico Paz e Comércio,filatelicamente conhecido pelo nome de Mouchon, seu gra-vador, Maury comenta:Muitos sugerem a inserção num selo, da efigie do Presi-dente Carnot. Ele representa tão dignamente a França, queseria inútil procurar uma simples alegoria. Mas infelizmenteos usos numa República, opõem-se a isso – é uma honrapóstuma igual à erecção de uma estátua.Maury entendia como usos numa República, oscondicionalismos históricos impostos aqui por uma meraquestão de regime.É preciso honrar M. Carnot, não só com esplêndidos fune-rais, monumentos e estátuas, mas igualmente com um selopostal que lembrará sempre e em todo o lado, a sua figuradoce e benevolente.Maury não se contradizia acerca dos usos impostos poruma República e ele próprio nos indica os exemplos a se-guir, na medida em que um puro acto político permitia abrirexcepção, gravando sobre os selos, a efígie de um Presi-dente.Escreve ele ainda:Quando em 1865, Abraão Lincoln foi morto no Teatro porum actor, e em 1881, Garfield é atingido por duas balas queo levam à morte, os Estados Unidos reproduziram de cadavez, sobre os selos, as efígies desses presidentes, eles pró-prios assassinados por fanáticos e apenas pelo simples factode que eram os primeiros magistrados de uma Nação.A adequação política, era assim estabelecida, dentro dos

    Última represen-tação de Lincolnantes de ser assas-sinado.

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    princípios que temos vindo a defender.Saudando a série de Espanha de 1894, Maury desenvolveeste brilhante comentário:O rei Afonso XIII não se reconhece já sobre os seus selos.O menino cresceu, tornou-se um rapazote.Esta mudança, porém, sobre os selos, não é para nos de-sagradar – cada evolução deve ser marcada na colecção,a despeito de alguns atrasados que não vêem mais queuma mania na paixão dos selos. Não podemos citar melhorexemplo que esta colecção de Espanha, que resume emalgumas páginas, toda a história política desse país, desde1850, com as suas revoluções, as suas insurreições, assuas mudanças de dinastia, etc.São estes os factos e as razões que nos fazem entender afilatelia, como um precioso auxiliar da História.O que exige de nós uma atitude declaradamente crítica eatenta em relação ao mundo que nos rodeia, com o reco-nhecimento de como a filatelia vem acompanhando de per-to o tumultuoso curso da História.Permita-se-me uma incursão sobre os perturbantes acon-tecimentos ocorridos no seio da Europa nos primeiros anosdo século XX. Sem perder de vista o fio filatélico.As guerras sempre deixam marcas indeléveis sobre a His-tória, perturbando o curso normal da vida dos povos e alte-rando profundamente as relações entre as Nações, ou pon-do em causa a sua coexistência. Assim se compreende quea Grande-Guerra (14/18) tenha alterado profundamente aestrutura geo-política da Europa, pondo a nu os seus imen-sos problemas estruturais, cuja solução implicaria esforço,o sacrifício de vidas humanas e a mobilização de recursosincomensuráveis.Não nos surpreende assim que muitos desses aconteci-mentos tenham deixado marcas impressas sobre os selosemitidos durante esse período, acompanhando e documen-tando as grandes alterações a que a guerra obrigou.Muitos desses problemas estruturais (geo-políticos ou atéideológicos) sobrepuseram-se ao próprio tempo, parairromperem numa segunda guerra e aí deixarem de novoimpressos os seus sinais, sobre esses pequenos quadra-dos de papel, cuja importância como definidores de sobe-rania ou tutela política, é assim posta em relevo, uma vezmais, de forma decisiva, como referiremos mais à frente.

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    Ignoramos a situação diacrónica dos graves problemas queainda hoje subsistem no espaço, afectando a reordenaçãode vastas regiões sobretudo na Europa Central, mas temosa convicção de que a sua resolução terá sempre uma equi-valente filatélica adequada, à atenção dos filatelistas dofuturo.Mas vejamos para já esse centro tumultuoso, de onde pa-recem emergir todas as guerras, forjando a grande com-plexidade política em que a Europa viveu no princípio doséculo que recentemente deixamos.Com efeito, a partir de 1918, o equilíbrio europeu assentou,talvez precariamente demais, em soluções de compromis-so, ora pela criação artificial de alguns Estados, ora pelaunião consensual de alguns outros, ora por ocupaçãoterritorial mais ou menos consentida.Obviamente que apenas referiremos, de forma esquemáticaalgumas dessas soluções, pelas suas equivalentes filatélicasmais evidentes.Tomemos então como primeiro exemplo, a Hungria, paísmilenariamente independente, cuja História filatélica come-ça pelos primeiros selos da Áustria, prolongando-se peloImpério Austro-Húngaro, designação que ainda se mantémem 1912, sobre os selos da Bosnia Herzgovina com sobre-carga KUK-FELDPOST.Após a guerra 1918, vemos o norte do país Slovaquia ligar-se à Checoslováquia (recentemente criada à custa de par-te das províncias austríacas da Boémia e Morávia, o leste,Transilvânia ligar-se à Roménia e a parte sul fundindo-se àtambém recém criada Jugoslávia, incorporando a Croácia,junto com as outras províncias eslavas do antigo reino dosServo-Croatas-Eslovenos, que utilizava como vimos, selosda Hungria sobrecarregados SHSHRVATSKA. A cidade e oporto de Fiume, tornam-se por sua vez italianos (sobrecar-ga FRANFRANCO FIUME) e o comando francês de Arad,faz sobrecargar (OCCUPATION FRANÇAISE) sobre os se-los do território à sua guarda. O que resta do país, cerca de1/3 do seu antigo espaço nacional, torna-se república. Amonarquia só virá a ser restabelecida em 1920, legendandoos selos com MAGYAR KIR-POSTA.Com o fim da guerra de 1945, é de novo restabelecida arepública passando a ter a designação de República Popu-lar a partir de 1949.Sigamos agora o exemplo da Checoslováquia, que de 28

    Bloco emitido em 1991 para comemorar os120 Anos do Primeiro Selo Hungaro. Obloco apresenta o carimbo com a primeiradata conhecida de circulação.Fonte: http://vattepain.free.fr

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    Outubro 1918 a 28 de Fevereiro 1919 usou os selos daÁustria e da Hungria, sem qualquer sobrecarga, os primei-ros na Boémia e Morávia, os segundos na Eslováquia.Em 1939 porém, foi criado o protectorado da Boémia eMorávia, tendo a Eslováquia declarado a sua independên-cia. Os selos checos em curso foram então sobrecargadosSLOVENSKI STAT 1939. Em 1945, no termo da guerra. AChecoslováquia é reconstituída sob a forma de RepúblicaDemocrática. A sua recente separação em RepúblicaEslovaca e República Checa, vai de novo alterar as suasemissões postais, interrompidas por circunstâncias históri-cas ao longo de algumas décadas.O mesmo problema se colocará em relação à Jugoslávia,já em vias de desagregação. Como sabemos, antes da guer-ra 14/18, a Jugoslávia era formada por uma parte da antigaSérvia, pelo Montenegro, pela Bósnia Herzgovina, pelaCroácia incluindo a Dalmácia e as províncias eslovenas. Opaís assim constituído, formou o reino dos Servo-Croatas-Eslovenos, emitindo cada um desses Estados, selos pró-prios. Mas a partir de 1931, o frágil reino mudou o seu nomepara Jugoslávia , que passou a emitir os seus selos comessa mesma designação.Uma vez mais o selo nos surge como um padrão definidorda soberania de um território e o seu fiel testemunho.A segunda guerra mundial vem uma vez mais alterar estasituação estrutural. A Croácia e a Sérvia emitem então, in-dependentemente, os seus selos; os italianos, como resul-tado da sua ocupação, sobrecarregam os do Montenegro;os da Eslovénia são sobrecarregados pelos italianos e pe-los alemães, mas em 1946, no termo do conflito, a

    Inteiro Postal da Roménia no período da suaocupação pela Alemanha.Fonte: http://postkort.topcities.com/index.htm

    Mapa da Jugoslávia como Estado.

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    Jugoslávia surge de novo, agora como República Demo-crática Federativa, voltando os seus selos a ser comuns atodos os seus territórios.Os acasos da História, não permitirão essa situação. A re-cente dissolução da Jugoslávia, vai permitir de novo a in-dependência da Croácia e da Sérvia.As ocupações militares e as mutações territoriais causadaspela guerra, estão também, como vimos, na origem de inú-meras emissões postais. É assim que aparecem só em re-lação ao território Romeno, uma série de ocupação búlgara,duas séries de ocupação austrohúngara, e várias emissõesde ocupação alemã, referentes apenas ao período 1917-1918. Por seu lado a Roménia emite em 1919, séries deocupação da Transilvânia, Cluj e Timissoara.As guerras balcânicas recaiem sobre os selos gregos de1912-1913, pela ocupação de Lemnos, Icarie, Cavalle, ondetambém funcionou um posto francês, e Mytilène, onde osselos da Turquia de 1908 levavam a sobrecarga ocupaçãogrega de Mytilène , testemunhando ainda os selos, toda aocupação grega das ilhas do mar Egeu. Em 1940, a Gréciatestemunha a ocupação da Albânia, com a sobrecargaELLENIKE DIOICCIC.

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    2.

    Se como vimos afirmando o selo é um dos símbolos dasoberania de um Estado, é natural admitirmos que ele evi-dencie igualmente o seu regime político, sobretudo quan-do, por motivos históricos esse regime se modificou. Natu-ral é portanto, que uma monarquia que se torna república,não continue a gravar nos seus selos a efígie do seu mo-narca reinante. Ou então que, pelo menos, essa evidênciaseja anulada pelos meios gráficos disponíveis.Os selos de Portugal de 1910, com a sobrecarga “Repúbli-ca” sobre a efígie de D. Manuel II, é um exemplo típico des-ta situação. Extensiva, como sabemos a todos os selos emuso nas nossas possessões coloniais, onde ainda vigora-va, eventualmente, a efígie de D. Carlos, superando aambiguidade desses selos indicarem a designação da Co-lónia e a sobrecarga “República” pretender dizer respeito àtutelar República Portuguesa.Curioso é ainda verificar como o excesso de zelo republi-cano, acabou imprimindo a sua sobrecarga em tudo quefosse selo, desde que existisse em stock, mesmo quando areferência ao regime anterior não estivesse expressa oufosse evidente.Também não nos admira o facto de em 1919, a tentativarestauracionista do Norte, tenha tido como cuidado primei-ro, a edição de uma série de selos com as armas reais e adesignação de “Reino de Portugal”.Fixemo-nos no entanto nos selos da Companhia deMoçambique (como na do Nyassa), abrangida igualmentepela sobrecarga republicana, impressa descricionariamentesobre os seus belos motivos indígenas ou sobre inofensi-vas espécies zoológicas.Todavia, tal ocorrência filatélica, vai permitir-nos reconhe-cer como a implantação da república no país da tutela, ocor-reu precisamente durante o prazo da concessão feita àque-las companhias e como essa concessão foi respeitada atéao seu limite em 1941.Intrigar-nos-à muito mais o porquê dessa concessão a fa-vor de uma Companhia majestática, permitindo-lhes queesta se sobrepusesse ao próprio Estado, na adopção deum privilégio que exprime o conceito de soberania no com-plexo contexto político internacional. Talvez que a tese de

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    doutoramento da Drª Maria Inês da Costa, da UniversidadeMondelane, nos ajude a compreender como o destino e aforça de uma Companhia privada exerceu tão grande influ-ência na preservação e desenvolvimento dos espaçosterritoriais do centro de Moçambique, afirmando a sua iden-tidade como um espaço patrimonial português, na sequên-cia da redestribuição formulada pela Conferência de Berlim.A Drª. Maria Inês da Costa não é, ao que eu saiba, filatelis-ta. Se o fosse, por certo que se teria referido igualmente àsbelas séries de selos que a Companhia emitiu ao longo dasua existência, o que confirmaria em plenitude, o exemplarpapel da filatelia como um ramo auxiliar da sua investiga-ção histórica.Nós sabemos como a Conferencia de Berlim se saldou pelavitória da política de Bismark, agravando a situação portu-guesa em África, instituindo um novo direito colonial base-ado na ocupação efectiva do território com desprezo pelosdireitos históricos que concediam prioridade ao seu desco-brimento. É lógico portanto considerarmos a importânciareal de uma companhia majestática que, embora exprimin-do a realidade da nova política das grandes potênciaseuropeias no aproveitamento colonial africano, constituiuum marco decisivo da ocupação territorial portuguesa, comoo atesta a prerrogativa da emissão dos seus próprios selos,consensualmente aceite como o sinal expresso da sua so-berania.Muitos outros países foram bem mais subtis na indicaçãoexpressa do seu regime sobre às suas emissões postais.Sabemos como a primeira emissão de França a apanha noflorescer da sua segunda república, em 1849. Surge assima legenda “Repub. Franc” sobre os selos Ceres, que se

    Selos de França com as duas primeirasdesignações.

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    manterá em 1849 sobre selos com a efígie do príncipe-pre-sidente Luís Napoleão, para acabar modificada em “EmpireFranc” sobre o agora Napoleão III que Victor Hugo contes-tava quando dizia que depois de Napoleão o Grande, a Fran-ça não toleraria um Napoleão pequeno. Em 1870 porém, alegenda tornava-se em “Repub. Franc” sob a constituiçãode um governo provisório (Ceres de Bordéus), para assimse manter até 1876, onde surgem os célebres selos tipoSage, exibindo a legenda “République Française” por ex-tenso, a qual se tornaria clássica sobre todas as demaisemissões francesas.Em 1918, a quando da implantação da república na Hungria,cujos selos ostentavam a efígie do rei Carlos, repetir-se-iaa fórmula portuguesa, sobrecargando os mesmos com“KOZTARSASAG”, isto é, República na língua magyar.Os selos são assim um espelho dos mais perturbantes acon-tecimentos da História, sobretudo quando deles resultammodificações na estrutura política dos próprios Estados, talcomo irá acontecer em todos aqueles territórios que alcan-çaram a sua independência rejeitando a tutela político-ad-ministrativa das potências colonizadoras, inaugurando as-sim um novo ciclo, que irá enriquecer a filatelia, e prestarum auxílio decisivo na interpretação da História.As sobrecargas “República Popular” ou “IndependênciaJunho 1975” ou ainda a alteração das legendas indicativasdos novos países de expressão portuguesa, “Estado daGuiné” ou “República Democrática de São Tomé e Prínci-pe”, como exemplos, ilustram para o futuro o momento dasua independência, mas igualmente o facto do portuguêscontinuar como sua língua oficial, motivo que talvez nosdeva honrar sobremaneira.No próximo número reflectiremos como as guerras são gran-des geradoras de modificações e como essas modificaçõespodem tão claramente traduzir-se sobre os selos postais,como vimos demonstrando.

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    A filatelia, tomada no sentido de coleccionismo, tambémtem, como é evidente, a sua própria história.É, diria eu, uma história paralela em relação à história doselo postal, como documento histórico-político. Mas as duashistórias, aceitêmo-lo, fundem-se por identidade. Com efei-to, sendo o selo o objecto fundamental da filatelia, natural éque a sua história se reflicta sobre a história do seu própriocoleccionamento. Mas há factos específicos tão bem deli-mitados em cada uma dessas histórias, que para a contar-mos temos sempre que as referir separadamente.O coleccionismo considerado como uma actividade huma-na, tem, como sabemos uma larguíssima tradição. Mais di-remos que a paixão de coleccionar, tomada no seu sentidomais generalizado, é inclusivamente uma coordenada an-tropológica que sempre acompanhou o Homem em socie-dade. Não caberá aqui discorrer muito sobre esse facto,pois basta referir que o coleccionismo filatélico, à épocadas primeiras emissões, teve como antecedentes anumismática, aliás em franco desenvolvimento em meadosdo século XIX, a esfragística, o ex-librismo e, inclusivamenteo coleccionismo de selos fiscais, que também eram prati-cados em certos meios.É costume indicar-se como primeiro coleccionador, o nomede um tal Vetzel, cidadão de Lile, que desde 10 de Maio de1841 recolhia (segundo a sua própria expressão), asvinhetas inglesas criadas por Rowland Hill.Vetzel era aliás um coleccionador numismata de reconhe-cido valor e isso talvez explique a sua ideia de coleccionaros primeiros selos, dando início, certamente sem o suspei-tar, a um dos mais sofisticados e divulgados hobbies cria-dos no mundo contemporâneo.Em poucos anos, aliás, Vetzel veria nascer as inúmeraspossibilidades de uma vasta colecção, pois em 1843 apa-reciam as primeiras emissões cantonais suíças, em 1845 aRússia criava o seu primeiro selo, em 1847 os EstadosUnidos, a Bélgica e a França em 1849 e nos anos seguin-tes, sucessivamente, a Espanha, Guiana Inglesa, a NovaGales, Saxe, o Hawai, Portugal, etc.Vetzel morreu em 1906 e nessa data, o coleccionamentodos selos postais tinha-se de tal modo radicado e com um

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    grau de desenvolvimento tal, que poderemos afirmar quealgo de novo tinha acontecido na longa História da socie-dade humana.Em 1860, os coleccionadores são já de tal modo numero-sos em França, que é criada a Bolsa do Selo, nos Jardinsdas Tolherias, passando em 1866 para os Campos Elíseos,frente ao Teatro Guignol onde ainda hoje funciona.Em 1861, aparece o primeiro catálogo, edição Potiquet, logoseguido das edições de Moens em Bruxelas, do segundocatálogo francês de Vallete e do célebre British StampsCatalogue de Mount Brown, surgido em Londres em De-zembro de 1862, data em que é editado precisamente, oprimeiro jornal filatélico do mundo, The Monthly Advertiser.É também em 1862 que Pierre Mahé se estabelece na Ruedes Canettes, com uma casa que tinha por objecto de seucomércio, nem mais nem menos, que o selo postal, coisaque talvez não fosse muito bem compreendida na época,mas cujas possibilidades se viriam rapidamente a afirmar ea prová-lo está o facto de que muitos outros comerciantesfundaram casas com o mesmo objectivo, conhecendo umarápida expansão.Sabemos da economia que os preços sobem com o au-mento da procura, variando sobre certas condições. Assim,a história da filatelia a partir de certo momento, vai correrparalela à sua expansão em termos de rentabilidade e in-vestimento.Em 40 anos de emissões postais e dada a procura diferen-ciada de determinadas peças, foi possível estabelecer umquadro por grau de raridade ou frequência com a sua equi-valente cotação em termos de mercado corrente.É assim que o Catálogo Maury, edição de 1895, indica parao selo 15 C verde da primeira emissão francesa de 1849, ovalor já extraordinário para a época de 150 F. Maury recor-dava tê-los trocado, quando rapaz, pelo valor fictício de 20C, e para o franco vermelhão usado, o valor de 200 fran-cos, que havemos de convir, representava uma rentabilida-de até então desconhecida por qualquer outra forma de in-vestimento financeiro.Tais preços, apesar de tudo, nada significam em relação àsexorbitâncias representadas pelas peças de maior rarida-de e procura, pois ainda no mesmo catálogo, é cotado ocêntimo da Guiana n.° 9 por 10.000 francos e por 12.000 o1 e 2 pence da Maurícia, n°s. 6 e 7 de 1847, mas advertin-

    Capa da 1ª Edição do Catálogo UniversalYvert et Tellier. Edição recente facsimilado,Edição original em 1897.

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    do-se no prefácio do mesmo catálogo que tal preço é rela-tivamente baixo, atendendo a que tais selos tinham sidovendidos em Paris, num leilão, no ano anterior por 40.000francos o par.Observemos o seguinte quadro:

    As cotações de 1976, mesmo sem tomar em conta ofenómeno da inflação, representam uma rentabilidade ex-cepcional. Nenhum investimento fez reproduzir 3 francosem 150.000 no espaço de 120 anos. Estas consideraçõessão de resto confirmadas pelo First National Bank de NovaYorque que indica num seu recente relatório, que o selopostal ocupa o terceiro lugar entre os bens que mais sevalorizaram entre 1920 e 1970, e para obtermos uma visãobem nítida desse facto, basta compararmos as cotaçõesdos selos portugueses (1ª emissão) no espaço de 20 anos.

    Temos perfeita consciência de que na prática, as coisas senão passarão de forma tão simples. As cotações indicadasnos catálogos, são, com efeito, se não meras formalida-des, pelo menos e tão só, uma ligeira indicação sobre ovalor real dos selos.As cotações comerciais oscilam sobre valores na generali-

    Catálogo 1872Catálogo 1897

    Catálogo 1897Catálogo 1976

    Os 7 selos Ceres Valor facial 3,35 F

    A série, sem o franco vermelhão Facial 2,25 francos

    Novos

    108 F522 F

    222 F150.000 F

    Usados

    86 F218 F

    18 F35.900 F

    Cotações 1ª série francesa 1849

    N.° 1N.° 2N.° 3N.° 4

    Novos5.000$1.600$6.000$

    30.000$

    Obliterados6.000$

    200$10.000$18.000$

    Novos22.000$10.000$33.000$

    120.000$

    Obliterados1.250$

    37$1.250$4.500$

    19731953

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    dade mais baixos, à excepção de certas peças considera-das raras, que podem, eventualmente alcançar preços bas-tante mais altos.Tais factos, não invalidam o raciocínio seguido, sobretudoquando se toma como termo de comparação o espaço deum século e se não exige um rigor exagerado.O mercado dos selos está, aliás, sujeito a muitos outroscondicionalismos, cuja alusão não terão muito lugar, peloque as guardamos para outra altura.O facto real, é a subida rápida da cotação dos selos, hojeexcepcional, por razões óbvias, mas já detectada pelos clás-sicos da filatelia.Um episódio narrado pelo próprio Maury, (e que eventual-mente se poderia ter passado connosco), revela-nos bemcomo as cotações subiam já no seu tempo e por vezes emflecha.Quando Maury fiscalizava o trabalho de um moço de arma-zém, que procedia à arrumação de papéis velhos, verificouque este, subitamente, interrompeu o seu trabalho. Inquiri-do sobre a razão por que o fizera, o rapazote explicou terreparado que alguns selos dispersos se encontravam porentre os maços de papel. Maury aproximou-se, olhou osselos e puxando de duas moedas de prata, gratificou o ra-paz atónito com aquela súbita generosidade. É que Mauryverificou que se tratava de um bloco de 10 selos deMadagáscar, que ficara esquecido entre velhos papéis epelos quais receberia cerca de 600 ou 700 francos.Tais factos talvez passassem despercebidos ao comum doscidadãos, pouco familiarizados com os aspectos ainda umtanto misteriosos deste negócio dos selos.O seguinte excerto de uma narrativa em que Maury nosnarra a sua experiência durante os dias tumultuosos daComuna de Paris, dá-nos a conhecer perfeitamente queem 1871, a filatelia era já, por um lado, uma actividade cheiade potencialidades, mas por outro, ainda suficientementehermética em relação à generalidade do público.Diz ele: Os federados tinham-se afastado do nosso bairro;o canhão troava mais longe, para os lados de Montmatre ede Belleville. O incêndio espalhava-se por todo o lado. Aoacaso, pelas ruas, cruzavam-nos grupos lamentáveis deprisioneiros, homens e mulheres, com carradas de feridosensanguentados, levados dos Hospitais a caminho deVersalhes.

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    Um coleccionador conhecido que encontramos, informou-nos ter visto o “père“ Vallette (autor do segundo catálogode selos, que atrás referimos) arrastado para o quartelLobau, junto com um rebanho de infelizes e ali mesmo,passados pelas armas.Chegado junto a nossa casa, observamos um pequeno gru-po de vizinhos que liam o nosso anúncio, (Maury refere-secomo é evidente à sua casa de comércio filatélico) e umdeles, apontando-nos, proferiu: “mais um dos da Comuna;agora, fazia o correio, mas antes, era um espião prussiano.Não podemos sequer - continua Maury - odiar aquela genteque, ignorando tudo sobre o comércio de selos, atribuíam asua fortuna crescente (o sublinhado é nosso) a combina-ções impróprias e fantásticas. Por declarações deste tipo,centenas de infelizes foram arrastados para as enxovias oufuzilados de imediato. Deus nos preserve da guerra civil.Como podemos constatar por este depoimento, vinte anosapós a introdução do selo adesivo, a filatelia podia já serconsiderada como um negócio próspero e esse facto nãopodia deixar de ter os seus reflexos sobre a filatelia tomadacomo um credível auxiliar da História.

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    4.

    O gosto de coleccionar, pode ser realizado no silêncio dasnoites de inverno, como uma certa forma de evasão ao quo-tidiano, como um exercício pedagógico, enfim, a partir demúltiplas motivações. Mas as relações com o “mundo exte-rior”, são imprescindíveis. Excluindo alguns casos típicos,em que a colecção funciona como uma compensação, ocoleccionador é por princípio um homem gregário, que gostasobretudo de exibir a sua obra. Por outras palavras, o co-leccionador colecciona para os outros.De outro modo não compreenderíamos a existência de gran-des museus, hoje patrimónios nacionais, em cuja base po-demos pôr sempre uma colecção particular. No caso espe-cífico da filatelia, as relações com os “outros”, são mesmoincontornáveis. Muitos articulistas contemporâneos apon-tam inclusivamente esse facto como uma das grandes ra-zões para apoiar esta maravilhosa actividade como umcontributo para as boas relações entre todos os povos.Mas tais relações, não geram só a convivência amistosa,como se torna evidente, pois o simples facto de a filateliapoder ser tida como uma competição, predispunha desdelogo à instauração de uma concorrência entre os coleccio-nadores, que passaram a disputar entre si as peças maisraras, que um largo mercado filatélico passou a controlar,como fizemos referência anteriormente.Essa disputa foi de certo modo dramática, pelos fins doséculo, em que grandes coleccionadores por um lado ehomens extravagantes por outro, puseram as suas vaida-des e as suas fortunas ao serviço de um hobby de formapor vezes pouco edificante.Compreendia-se isso perfeitamente, numa altura em queas emissões postais somavam 4 ou 5 milhares de exem-plares, a que só essas peças mais raras poderiam empres-tar algum valor.De igual modo, a tendência para a pesquisa do pormenor,começava a generalizar-se, talvez como uma forma de di-versificar a base, ainda relativamente restrita das emissõesem curso, o que pode ser protagonizado pela colecção deum tal senhor Edouard N. de Baden, que em 1891 endere-çava a várias personalidades, um estranho convite para acontemplação da sua colecção de “turcos”. Nesse convite,advertia os convidados para irem bastante cedo, de forma

    Primeiro e quarto selo de Turquia, Tete-bêche. Fonte: Leilão David Feldman

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    a não serem perturbados pelo cair da noite. É que a colec-ção de “turcos” do ilustre senhor de Baden, constava denada menos que 21.691 exemplares, fixados em 1683 fo-lhas, formando 15 grossos volumes.Contra estas particularidades já vociferavam oscomentadores, contrariando de certo modo a ideia de mui-tos outros coleccionadores.Maury comentava assim: Grande número de catálogos vin-dos do estrangeiro, exaltam a colecção ilimitada e atribuemum preço de venda a todas as variedades, transformando-as em raridades e tomando os coleccionadores, mesmo osmédios, como grandes especialistas, levando-os a consa-grarem-se unicamente a um ou a alguns países, aos quaisesperam entregar-se de alma o coração.... Mas atenção – nós vemos aí um escolho em que a filate-lia pode vir a soçobrar...Para Maury, como para grande número de comentadores ecoleccionadores do seu tempo, eram imprevisíveis os ca-minhos que a filatelia tomaria (e tão rapidamente) comoforma de ultrapassar as suas próprias contradições, sinteti-zadas nestas perguntas mil vezes repetidas: Que se colec-ciona? Que é afinal uma colecção de selos?É evidente que tais perguntas, não envolveriam grandesdúvidas para o coleccionador que adquirisse o primeiro ál-bum organizado por Lallier em Dezembro de 1862. Certa-mente, que todos os selos! Obviamente por países !Logicamente, por ordem cronológica de emissão !Mas no último quartel do século, era já impossível respon-der dessa forma, do ponto de vista do coleccionador, sebem que os editores ainda persistissem na edição de ál-buns universais, com os consequentes aditamentos, ano aano.O Álbum Universal de 1897 da casa Maury, ainda se con-tém em dois volumes de espessura relativa, mas vinte anosdepois, tal modo de encarar o coleccionismo, tornava-se jáimpossível.Pelo fim do século, todos os comerciantes se inquiriam so-bre estes fenómenos. Os selos raros, de alta cotação, co-meçavam então a não ter procura, o que perturbava sobre-tudo os especuladores que neles haviam investido somasdemasiado altas.Com efeito, os coleccionadores milionários, estavam abas-tecidos, os restantes, não possuíam proventos suficientes

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    37Um Certo Olhar pela Filatelia

    para os adquirir em volume significativo.Estes factos abrirão novos rumos à filatelia, que a partirdeste ponto se começou a sentir ameaçada. Ocoleccionamento dos selos postais, não podia, de resto, seruma exclusividade dos ilustres senhores da SociétéFrançaise de Timbrologie , criada em Paris por volta de 1874,por Dantis, Rothschild, Legrand, Durrieu e pelo célebre con-de de Ferrari.Este último, que a morte surpreendeu em Paris no ano de1917, deixou a talvez maior colecção até hoje conseguida,ao Museu Postal de Berlim.Acontece que Ferrari era alemão de nascimento, pelo quea França lhe confiscou todos os bens, como forma de repa-rações da guerra 1914/18. A colecção Ferrari seria vendidaentre 1921 e 1925, tendo ao que se sabe, rendido mais dedois milhões de dólares.Mas em 1897, Mahé e o próprio Maury, constatavam asgrandes dificuldades que a filatelia atravessava, dando comoorigem desses males, os catálogos e os álbuns que de anopara ano se tornavam de uma complicação monstruosa.O mal, dizia ele: é o triunfo da especialidade, da minúcia,que apenas grandes amadores deveriam cultivar. Quanto àcolecção singela, gentil, que o colegial inicia sob oencorajamento dos pais, porque ensina história e geogra-fia, vai de encontro às ideias expressas nos seus própriosálbuns e catálogos, em que a clareza domina e não arras-tam os coleccionadores para o plano escorregadio dasfiligranas e dos denteados.Há evidentes contradições e ambiguidades nestas obser-vações, mas a um comerciante dos fins do século XIX sómuito remotamente poderia ocorrer o desenvolvimento atin-gido pela filatelia, naturalmente afectada como fenómenosocial, pelos condicionalismos que caracterizam o mundoem que hoje vivemos - a expansão demográfica crescente,a concentração urbana, as grandes inovações tecnológicassobretudo no domínio das comunicações, o aumento pro-gressivo da distribuição da renda per capita com oconsequente aumento do padrão de vida, sobretudo daspopulações dos países mais industrializados.É dentro destas condições que progressivamente se vãoabrir os grandes caminhos a uma filatelia moderna, tornan-do-a uma actividade diversificada e diríamos multidisciplinar,que a foi conduzindo aos lugares de destaque que hoje

    “FERRARI DE RENOTIÈRE (MARQUÊS):Diplomata e coleccionador francês,naturalizado alemão em 1914. Residiu emParis, Alemanha, Suiça e América.Constituiu a colecção filatélica mais rica emexemplares raros que se conhece até hoje.Com o pretexto da guerra 1914-18, aomorrer FERRARI, o governo francêsconfiscou e vendeu em leilão público a suacolecção, em 1922. O produto das vendasalcançou mais de 6.000.000 de francos. Osmelhores lotes foram para os EUA e aInglaterra” (Eciclopedia Universal IlustradaEuropea Americana, Madrid, Esposa-CalpeSA, Vol. 23, pag. 906)

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    Luis Eugénio Ferreira38

    assume, como uma das ocupações de tempos livres commaior número de adeptos em todo o mundo.A sua larga diversificação poderá ser facilmente constata-da através das inúmeras exposições filatélicas que todosos países promovem regularmente, dentro de calendárioscada vez mais apertados.Poucos elementos conseguimos obter sobre a 1ª exposi-ção de selos, que sabemos no entanto ter tido lugar emViena de Áustria no ano de 1881. Recolhemos porém al-guns pormenores da Exposição de 1894, integrada na Ex-posição Internacional do Livro, realizada no grande Paláciodas Indústrias de Paris.O seu programa dividia em seis classes os objectos a ex-por:

    1°. – selos móveis e fixos.2°. – selos de telégrafo e fiscais.3°. – jornais filatélicos.4°. – álbuns em branco e catálogos.5°. – obras escritas sobre filatelia.6°. – objectos diversos não abrangidos pelas classes

    precedentes.A exposição prolongou-se de 24 de Julho a 29 de Novem-bro, dando um mês para cada especialidade, assim descri-to: Selos da Europa, selos de África, selos da Oceânia.Em 1894, a diversidade era ainda tão reduzida e a planifi-cação das exposições tão incipiente, que todas elas se pa-reciam de alguma maneira. Um crítico da época referia-se-lhes afirmando que a mesma exposição apresentava 2 ve-zes a colecção da Suíça, 3 vezes a da Inglaterra, 20 vezeso mesmo selo raro, de tal forma que o público passa indife-rente diante dessas raridades coleccionadas com umaminúcia própria de sábios.No entanto estas observações não invalidam de forma al-guma a constatação do facto de que, apesar de tudo, opúblico de uma forma geral, tinha aderido plenamente aeste tipo de eventos culturais.Um cronista londrino, dá-nos a sua visão particular da grandefesta jubilar de 1890, para comemorar os 50 anos do esta-belecimento do sistema proposto por Rowland Hill.A exposição, implantada no Guidhall, transformado numimenso museu, foi aberta no meio de enorme afluência, peloPríncipe de Gales. Ser-nos-ia necessário um volume paradescrever o que aí vimos de notável: ensaios dos primeiros

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    39Um Certo Olhar pela Filatelia

    selos ingleses, envelopes Mulready, retratos e autógrafosde R. Hill.. etc.Mais abaixo, o cronista escreve: Não podíamos aproximar-nos dos postos improvisados de correio e telégrafo, asse-diados por um público imenso que daí desejava endereçarcartas e postais com obliteração especial: uma espécie deestrela com inscrições comemorativas. Estes postos decorreio, venderam só no Sábado, 10.000 postais de ummodelo especial, com o selo ordinário à direita e tendo naparte superior as armas de Londres, com o monograma VRsobreposto por uma coroa e a inscrição: PENNY POSTAGEJUBILEE GUIDHALL - LONDON.Entre as grandes colecções ali expostas, encontravam-sea de Tapling, cuja colecção geral era a mais importante de-pois da de Ferrari, os antigos selos da Guiana de Evans, aTasmânia de M. Castle, o Cabo da Boa Esperança deColeman, Cabul de Harrison, as Antilhas do Duque de Edim-burgo, os ensaios ingleses de Pearson Hill, filho de Rowlande finalmente, os ensaios oficiais da Coroa Britânica. O jubi-leu do selo de 1890, de Londres, é assim um marco nahistória da filatelia e uma das suas principais efemérides.Vinte anos depois, grande parte destas colecções já tinhasido desfeita e injectada no mercado mundial de selos.A filatelia era já uma força com a qual os Estados deveriamcontar e uma das formas estruturantes do próprio selo pos-tal como documento histórico, dentro da visão por que nosvimos a orientar.Em 1897, por ocasião da abertura dos trabalhos do Con-gresso Postal de Washington, era publicada noCollectionneur uma carta aberta aos senhores Delegados,na qual se podia ler:Os coleccionadores de selos, seguem com o maior interes-se os trabalhos do Congresso da União Postal Universal.Eles são os primeiros a constatar que a rede postal se es-tende cada vez mais sobre o mundo, restando apenas ra-ras manchas, onde o selo não levou ainda a sua obracivilizadora. Mas há, ao contrário, imensos países que des-de há alguns anos, vêm fazendo um verdadeiro abuso dosselos, criando a curtos intervalos, novas emissões e selosprovisórios, com o único fim de obter lucros, o que é verda-deiramente censurável.Em 1897, os coleccionadores e os comerciantes, que rece-avam que a filatelia se estiolasse esgotada na suas própri-

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    Luis Eugénio Ferreira40

    as contradições, temiam que a filatelia se tornasse imprati-cável, dados os excessos e abusos cometidos pelas Admi-nistrações Postais, através de uma inflação desmedida devalores, que nenhuma bolsa comportaria, nenhum espaçoconteria, nenhum tempo bastaria.É exacto que a procura de lucros marginais, era seguidapor um grande numero de países através de emissões quepodemos considerar como abusivas por excederem os li-mites da sua necessidade (prática ainda seguida), mastais receios, derivavam sobretudo da falta de uma visãoprospectiva do mundo, que levava o homem do fim do sé-culo a encarar as coisas que o rodeavam como um todoabsoluto e imutável, a salvo de todas as contingências.É sobretudo a ideia de coleccionamento total, hábito aliásconsagrado pelas edições dos primeiros álbuns e catálo-gos, a que já fizemos referência, que sofre o maior choque,quando o homem se dá conta de que os fenómenos quedesencadeia, o superam irremediavelmente no tempo e noespaço.Decididamente, não era mais possível meter em álbum to-das as espécies filatélicas, como não é igualmente possí-vel ao entomólogo recolher todas as espécies de insectos,nem ao botânico organizar um herbário onde constem to-das as espécies vegetais. O mesmo será dizer que nenhu-ma colecção poderá ser completamente exaustiva.Resultam daqui, como se torna evidente, algumas contra-dições, que só o tempo poderá resolver, que consistem fun-damentalmente na resposta a dar à pergunta crucial já an-teriormente formulada: que é uma colecção de selos ? quecoleccionar ? mas cuja resposta será encontrada, não ape-nas pelos coleccionadores, mas também pelas entidadesencarregadas de elaborar no futuro as novas emissõespostais, de forma, não só a satisfazer as necessidades pro-venientes da circulação postal, não só no estrito cumpri-mento dos condicionalismos históricos e políticos (tal comose punha em relação às primeiras emissões) mas já parasatisfação de uma cada vez maior legião de coleccionado-res e comerciantes, cada vez também mais exigentes e maisrespeitáveis.São no fundo estes condicionalismos sociológicos, impos-tos ao fenómeno da circulação postal, que alienando a figu-ra do selo em tanto que documento “oficial”, vão abrir no-vas e fecundas perspectivas.Hoje já ninguém põe problemas desta ordem. Os selos são

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    41Um Certo Olhar pela Filatelia

    vistos pelos seus aspectos gráficos, pela sua beleza estéti-ca, como gravuras, por seus elementos estruturais comocor, motivo, desenho, ou até mesmo como ideia, represen-tação, originalidade e tudo o mais, de acordo com osparâmetros estabelecidos por uma sociedade do imediato,do sensual, dos prazeres visuais. Vai longe o raciocínio queMesureur, ministro francês do Comércio expunha no seucélebre e discutido relatório de 1892: Em todos os países,o selo traz a marca do carácter nacional ou do regime polí-tico vigente; em todos os lugares se verifica uma relaçãológica entre o assunto da imagem e o país de origem. Oselo francês apenas se destingue pela sua banalidade. Éuma marca de fábrica que poderia servir a não sei que casade comércio ou de indústria e não o emblema de um gran-de Estado republicano como a França.O ilustre ministro referia-se aqui, ao selo tipo Sage “alego-ria Paz e Comércio” em curso de 1876 a 1900.No decurso da sua exposição, Mesureur diria ainda: Vimosassim propor à vossa apreciação, um concurso público ourestrito, entre artistas franceses, para a escolha de uma“vinheta” que dê ao nosso selo, os caracteres que ele devepossuir - moderno, francês, republicano.Achamos particularmente significativa esta intervenção deMesureur, bem assim os largos comentários que toda aimprensa da época teceu e não só a imprensa filatélica,dado que o assunto, discutido por várias ocasiões na pró-pria Assembleia, assumiria foros de negócio nacional.O relatório de Mesureur, ilustra perfeitamente a primeiragrande viragem da filatelia e reflecte o exacto momento emque as considerações de ordem puramente filatélica se iri-am sobrepor em definitivo às considerações de teor postal,isto é, à reflexão histórica e política defendida por aqueleministro.As próprias intervenções, reproduzidas no semanárioRapide pelo jornalista Roger Marx, no Petit Journal pelapena de Thomas Grimm e sobretudo as notas de PierreVéron, insertas no reputado Monde Illustré, dão-nos bemconta dos problemas que se levantavam às consciênciasnacionais, a propósito desse acto, hoje tão simples e cor-rente, que constitui o lançamento de uma emissão postal.Não queremos alongar-nos mais neste ponto, embora nãodeixasse de ter interesse a transcrição exaustiva dos co-mentários, oscilando entre o tom dramático e a intervençãosarcástica e polémica que cada jornalista utilizava como

    Selos franceses tipo Sage.

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    introdução a propostas que iam desde a sistematização dosmotivos históricos franceses até à ordenação exaustiva dosgrandes vultos da França, divididos por categorias, dossantos aos heróis, como susceptíveis de poder constituirmotivo inspiratório para os novos selos, sob a legenda deMesureur: moderno, republicano e francês.Uma vez mais, como bons espíritos de fim de século, esteshomens encaravam o selo postal como um autêntico docu-mento nacional, uma peça solene, uma instituição repre-sentativa do Estado. De forma alguma lhes tinha passadopela mente que o selo, haveria de evoluir de acordo com osdiversos condicionalismos de ordem psicológica e social, eassim, reflectir em cada momento histórico, esses mesmoscondicionalismos.À beira de 1900, na viragem do século, ainda a França sedividia entre esses dois conceitos, sonhando em como sepoderia comemorar a sua Exposição Internacional, atravésde uma série filatélica, inspirada no exemplo que a Américadera já em 1893, fazendo gravar uma longa série para o 4°Centenário de Cristóvão Colombo.

    ANO

    1892

    1892

    1892

    1893

    1894

    1895

    1896

    1896

    1896

    PAIS

    SÃO SALVADOR

    NICARÁGUA

    ARGENTINA

    ESTADOSUNIDOS

    PORTUGAL

    PORTUGAL

    BÉLGICA

    NICARÁGUA

    GRÉCIA

    COMEMORAÇÃO

    Descoberta do país porColombo

    Idem

    Idem

    4° Centenário da descoberta daAmérica por Colombo

    Série de D. Henrique

    Série de Santo António

    Exposição de Bruxelas

    Aniversário da independência

    Comemorativos dos JogosOlímpicos

    OBSERVAÇÕES

    Motivos náuticos

    Idem

    Idem

    Série de 16 valores comcenas da vida deColombo e sua viagem

    1ª série jubilar europeia

    Série de 15 selos comalegorias do santo.

    Reprodução de umquadro flamengo

    Efigies dos seusPresidentes

    Estátuas gregas diversas

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    43Um Certo Olhar pela Filatelia

    A experiência dos selos jubilares é de resto um aconteci-mento bem tardio na história do selo. No quadro anteriorfixamos as primeiras séries comemorativas, após uma pri-meira tentativa datada de 1870.Por este quadro constatamos que apenas nos anos 1892/93, têm lugar as primeiras séries jubilares relativas a acon-tecimentos históricos, o que significa que só a partir dessadata a filatelia se liberta da História como factorcondicionante, transformando esta, ao invés, como suaauxiliar preciosa.A partir deste momento e embora enfrentando as críticasásperas dos autores da especialidade, Portugal em 1894inaugura o catálogo filatélico europeu das séries jubilares ecomemorativas, com a série dedicada a Santo António deLisboa “ou de Pádua”, que tão grande polémica levantarianos meios filatélicos sobretudo franceses, onde Maury pon-tificava.

    Série de Santo António

    Emissão 1894. TSC - Exposição Internacional de Lyon. Émissão da Société Philatélique Lyonnaise. Gravado por J.Grisard. Carimbo da Exposição. Trata-se de um inteiro postal.

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    Luis Eugénio Ferreira44

    E Maury, decididamente, não gostava destes selos: É pre-ciso dizer que são lamentáveis; não passam de imagensreligiosas de ínfima qualidade e nada mais que isso. Sãotirados em pobre litografia a uma ou a duas cores; as figu-ras ficam mal dentro de quadros demasiado embrulhados.A série completa é demasiado numerosa e os portuguesesnão poderiam trabalhar melhor para desgostar os coleccio-nadores com estas emissões especulativas (é nosso o su-blinhado).Para seu maior desespero, a Administração portuguesa cri-ara, para promoção da série (e não só), uma vinheta qua-drada em várias cores, representando o Santo sobre umfundo semeado de pequenas estrelas, com as seguintesinscrições:

    7° Centenário de Santo António - LisboaDe 12 a 13 de Junho 1895 - Festas maravilhosas.

    Viagens a preço reduzido.Estas vinhetas eram colocadas sobre a correspondênciadirigida ao estrangeiro, pelos próprios serviços oficiais, oque levantou violentos protestos, sob a alegação de que aConvenção Postal, proibia colar o que quer que fosse so-bre as correspondências, pelo que a Administração portu-guesa se encontrava em contravenção.Estas séries jubilares eram de resto identificadas no seuprincípio como uma ideia puramente especulativa de queos Estados se serviam para alcançar lucros marginais, de-fraudando os coleccionadores e os comerciantes.A História viria a refutar esta visão prospectiva de Maury, aquem juntaremos o bom grupo de ingleses que em 1894constituíam a Sociedade para a Supressão da Especula-ção de Selos, da qual o grande coleccionador Castle viria aser o primeiro presidente.Em meados desse mesmo ano e comentando o plano dosCorreios de Portugal que pretendiam lançar uma nova sé-rie jubilar sobre a Descoberta da Índia, Maury comentava:Parece que o Governo Português ficou tão encantado coma ideia, que já apresentou o decreto de emissão. Mas daquia 5 anos, nós esperamos bem que os selos jubilares te-nham passado de moda e então, aí estarão os Governospara as despesas...Maury estabelecia aqui um juízo puramente económico, masmesmo nesse sentido, enganava-se redondamente. Deentão para cá, os selos jubilares não tinham mesmo passa-

    As quatro imagens diferentes da emissãoportuguesa do 7º Centenário de SantoAntónio de Lisboa. Fonte: Album de Selosde Portugal, de Carlos Kullberg, no prelo.

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    45Um Certo Olhar pela Filatelia

    do de moda – pelo contrário, tinham passado a constituir agrande moda da filatelia universal e o seu maior filão.É certo ter a França procurado resistir a esse impulso, tei-mosamente. De 1876 a 1917, de relatório em relatório, deprojecto em projecto, o panorama do selo francês é umamenos que pobre repetição de motivos, com o tipo Sage adominar todo o último quartel do século, para de seguidaceder lugar às figuras femininas de deusa e repúblicas (umaFrança em símbolos antropomórficos) que terminaria poruma semeadora de barrete frígio, isto é, uma semeadorarepublicana, dentro dos bons conceitos legados pelo minis-tro Mesureur. Só em 1923 surgiria a grande figura dePasteur, num pequeno selo de série corrente e apenas em1924 surgem os primeiros comemorativos, pela inaugura-ção dos Jogos Olímpicos de Paris.Em 1924, as séries comemorativas e jubilares em todo omundo, sobrelevam já em número e quantidade, todas asedições feitas desde o aparecimento do selo.Este facto vai ser determinante para a história docoleccionismo, ficando-se a dever a Portugal, não só a des-coberta da Índia, mas a introdução na Europa, dos selosjubilares e comemorativos, por muito que isso tenha pesa-do ao pai francês da filatelia.Desde há 50 anos que as comemorações jubilares ou co-memorativas de um evento, constituem 80% das séries re-alizadas em todo o mundo.Com um pouco de ironia, diríamos que o selo postal é hojeuma forma normal de se comemorarem acontecimentos.Veremos adiante como este facto irá ter tão grandes reper-cussões no domínio da filatelia, permitindo a criação de dis-ciplinas filatélicas tão diversificadas como a temática, ou amaximofilia. Sem esquecer os aspectos pedagógicos quea filatelia propicia, na medida em que permite referênciashistóricas importantes, cumprindo assim algumas ideias jáexpressas pelos primeiros comentaristas filatélicos, quepropunham a criação de uma filatelia gentil, educacional,que leva os pequenos estudantes a realizarem as suas pri-meiras colecções sob o impulso de pais e professores.Todavia, por nossa parte, achamos que daí não virá ne-nhum mal, embora bem no fundo convenhamos que sãobem diferentes os caminhos que seguimos como orienta-ção filatélica, na medida em que o selo postal possui em simesmo uma dimensão histórica, cumprindo, como tem vin-

    Selos franceses: tipo Mouchon (aperecidoem 1900), tipo Semeadora com solo (apa-recido em 1903) e tipo Merson (aparecidoem 1900).

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    Luis Eugénio Ferreira46

    do a ser demonstrado, a função de afirmar a nacionalidadede um Estado, prestando informações sobre a sua formade governo ou sobre os incidentes históricos ocorridos du-rante o seu curso.Tem sido nossa preocupação dominante demonstrar comoa filatelia deve ser tomada numa das suas mais importan-tes dimensões, como uma poderosa auxiliar da História. Aisso nos referiremos ainda nos capítulos seguintes.

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    47Um Certo Olhar pela Filatelia

    5.

    Se fosse necessário, por falta de provas, demonstrar a im-portância do coleccionismo filatélico em relação ao seu va-lor económico, bastaria aludir às falsificações que desdemuito cedo, aliás, criaram o seu próprio mercado, envol-vendo coleccionadores e comerciantes numa complexa teiade cumplicidades.É evidente que as primeiras falsificações detectadas teri-am apenas um objectivo declaradamente postal. O paga-mento dos portes postais por processos fraudulentos é to-davia, como se sabe, contrariado pelas primeiras leis re-pressivas que logo foram decretadas neste domínio,incidindo no seu contexto, sobre os processos maisincipientes da falsificação, que nada têm a ver ainda comas poderosas redes que se viriam a formar logo que deter-minadas peças atingiram num mercado filatélico, as cota-ções exorbitantes a que já referimos.A lei de 16 de Outubro de 1848, da legislação postal france-sa, 10 meses após o lançamento do selo adesivo no seuterritório, diz que quem tiver feito uso de um selo já servidoou imitado, na franquia de uma carta, será punido com umamulta de 50 a 1.000 francos, que em caso de recidiva, seráelevada ao dobro, acompanhado de prisão de 5 dias a ummês.Como seria lógico supor, também a legislação portuguesase refere ao uso de selos falsos, e no seu decreto regula-mentar do serviço de correios de 1886, diz expressamenteno seu artigo 11° que as cartas em que se acharem afixa-dos selos naquelas condições, ou das quais tenham sidoapagadas por qualquer processo as marcas de inutilização,serão remetidas à Administração onde se procederá à iden-tificação do signatário, lavrando-se auto de notícia, apóstrês peritos terem reconhecido a falsificação, enviando-sede seguida todo o processo para o juízo competente.Eram portanto os tribunais que determinavam as penas aaplicar aos falsários, onde não era de excluir, além de pe-sadas multas, a pena de prisão.São no fundo, leis acauteladoras do erário público, leis fis-cais na sua essência, que não aludem ainda aos interes-ses dos coleccionadores e comerciantes, onde a falsifica-ção configura já, nitidamente, a figura de crime de falsifica-ção. E não tardou muito que tal acontecesse; não tardou

    Selo espanhol falsificado por Fournier.Apresenta-se lado a lado o pormenor do selofalso e do verdadeiro. Os erros do falsoestão assinalados com as setas.Fonte: Artigo de Charles J. Peterson"Forgeries and Electronica Era", FakesForgeries Experts, nº 1

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    Luis Eugénio Ferreira48

    muito para que os processos por fraude se acumulassemnos tribunais; não tardou muito que o mercado de selos setornasse numa perigosa via cheia de armadilhas e surpre-sas. Não deixa de ser sintomático o facto da primeira obrade caracter nitidamente filatélico tenha versado precisamen-te este momentoso problema. Trata-se do opúsculo Falsifi-cação dos selos postais do filatelista Moens, que foi dado àestampa em Bruxelas em Dezembro de 1862.Por essa altura, quase podemos afirmar que não existianenhuma peça de algum valor, a que não correspondesseum ou vários duplos fabricados pelas artes diabólicas dosgrandes falsificadores.Falsários, é claro que sempre os houve através do tempo eem vários sectores. Moedas, notas de banco, objectos dearte, documentos, móveis, jóias, enfim, tudo que fosse sus-ceptível de trocas vantajosas ou justificativas de um certoinvestimento, mesmo implicando um certo grau de risco, foisempre objecto de falsários ou falsificadores artistas, maisou menos hábeis.Essa seria uma longa, muito longa história, onde não falta-riam pormenores rocambolescos e aventuras sem prece-dentes.Mas não é nosso propósito fixarmo-nos nessa história, emrelação a esses pequenos quadrados de papel que um aca-so fortuito e em muito pouco tempo se transformou de do-cumento com valor muito relativo num bem precioso, dis-putado por vezes a peso de ouro.Com efeito, a actividade filatélica era de tal modo posta emcausa pelo número e pela qualidade dos falsos que regu-larmente eram injectados no comércio, que Maury comen-tava com alguma amargura na sua revista de Maio de 1896:O comércio dos selos é hoje um dos mais dificeis de exer-cer seriamente, uma vez que a autenticidade é a sua pri-meira condição; ora essa autenticidade não é fácil dediscernir, por causa do progresso da arte dos falsários e dopartido que estes tiram da fotogravura, ainda por causa darelativa impunidade que lhes é assegurada pelos tribunaisfranceses, conforme se verificou o ano transacto (1895),em que oito frequentadores da Bolsa dos selos, foramilibados.A verdade é que tais fraudes levantavam por vezes autênti-cos problemas de ordem jurídica com que juizes e advoga-dos se debatiam para grande desespero dos comerciantese dos coleccionadores ludibriados. Com efeito, em muitos

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    49Um Certo Olhar pela Filatelia

    tribunais, perante o argumento de que o selo é sempre umdocumento oficial, representando um valor do erário públi-co, cuja contrafacção é severamente punida, alguns juizesdiziam não ser isso inteiramente exacto, na medida em quetais selos se encontravam já fora de curso legal, tendo porisso, naturalmente perdido toda a sua validade.Mais difícil se tornava ainda provar que o selo falso quefora adquirido, era exactamente aquele que se exibia naqueixa, pois era sempre possível admitir-se que o mesmopoderia ser trocado no sentido de se obter uma indemniza-ção de um suposto falsificador.A justiça tem destas coisas bizarras, podendo parecer porvezes que a lei é mais feita para proteger os falsários quepara acautelar os interesses das vítimas. Esta contradiçãoera de tal modo estimulante para os escroques, que selosfalsos a baixos preços chegavam a ser anunciados livre-mente, para os coleccionadores que desejassem comple-tar as folhas dos seus álbuns com relativa economia.Foram os comerciantes, mercê de grandes esforços, orafazendo valer a sua própria influência, que moralizariam omercado dos selos, perseguindo sem tréguas os falsifica-dores, denunciando as suas actividades, divulgando os por-menores susceptíveis de levar à descoberta de selos fal-sos, para o que criaram autênticos gabinetes técnicosespecializados na sua detecção.O episódio relatado por Maury, na sua qualidade de peritoconsultor, é aliás deveras significativo, pois dá-nos contado ponto até onde se chegara pelos fins do século, no quediz respeito ao problema dos falsos para colecção.Tendo sido chamado para expertizar a colecção de um talBarão de X. Maury acabou por afirmar que jamais tiveraocasião de ver reunidos num só conjunto, os exemplos maisnotáveis de “trucagens”, “montagens e reconstruções” deselos, que lhe fora dado verificar até então, indicando deseguida, de maneira sumária mas bastante sistemática, asprincipais manobras detectadas.Fugimos à tentação de transcrever o texto completo deMaury, demasiado longo e demasiado técnico, mas nãopodemos por outro lado, deixar de aludir a cada um dospontos nele referidos, pela sua im