um assalto inusitado

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PrlogoNo temam, no tenho associao com SBAT nem com a Biblioteca Nacional. Acredito que todos possam usar e abusar de meus trabalhos, modificar e adapt-los como bem entenderem, sem se preocuparem com minha parcela como autor. S peo que me comuniquem, caso queiram trabalhar com qualquer de meus textos. Seria uma satisfao para mim, assistir a um dos espetculos. Acredito sim, que o autor merea o reconhecimento por seu trabalho, bem como ser premiado pelo mesmo, em um festival qualquer. Mas no sou a favor de restringir a arte do teatro, a quem a desenvolve. Por isso deixo meus textos a merc de meus colegas atores, diretores, autores e quem quer que esteja interessado em trabalh-los. Para que continuem fazendo arte em prol da cultura de nosso pas, e de outrem. No ms, divirtam-se. Obrigado! CONTATO: E-mail: [email protected] MSN: [email protected] Twitter: @alanbalbino

Um assalto Inusitadolan Balbino PERSONAGENS: Genaro (Pai) Maria (Me) Rosicleide (Filha) Srgio (Noivo de Rose) Laurinda (Filha) Z Roberto (Primo de Srgio) Tony (Entregador de Pizza)

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CENRIO: SALA DE UMA CASA POBRE, COMUM.

CENA I (Genaro chama a famlia, festivo e alegre. Tem sotaque italiano.) Genaro Maria... Rosicleide... Laurinda... Vieni qui que hoje dia de pizza! (Resmunga.) Ganhei uma merreca hoje. Laurinda ba, Pizza! Pizza...Pizza...Pizza!(Empolgada.) Maria Ento liga logo pra pizzaria e pede a dita cuja. Genaro Dita Cuja? Non, melhor pedir meia mozzarella, meia calabreza! (Entra Rosicleide, enrolada em uma toalha, estava tomando banho. Dondoca, cheia de lesgo-lesgo.) Rose Ai, que dio! Odeio ser pobre. Essa porcaria desse chuveiro ta dando choque de novo. Assim eu no saio pra ver o Srgio. Genaro Ma Che foi agora, h? Rose Essa porcaria de chuveiro dando choque, pai. Essa merda de vida que a gente vive aqui na periferia. Essa pobreza de lascar! Genaro Ah filha, v.. Che mal h em ser pobre, eh?! Ns somo pobre, m somo limpinho. Rose Que mal h? At parece que o senhor no sabe. Sem dinheiro pra isso... Sem condies pra aquilo... Ai, no vejo a hora do Srgio, meu noivo, vir me buscar pra gente casar, e eu finalmente ter a vida que eu mereo! Ele me prometeu me levar pra morar em Alphaville*, com todo o luxo que eu tenho direito. (Suspira.) Genaro vero, filha. Voc precisa trazer aqui este seu noivo pra gente conhecer. Rose Qu? Voc acha que eu vou trazer ele aqui pra ele virar atrao? Ele cheio da grana, um rico empresrio... No quero passar a vergonha de ver vocs puxando o saco dele, pedir as coisas pra ele... Imagino at o senhor pedindo dinheiro emprestado pra ele. Eu, hein... Nessa famlia de 3 que eu tenho? Nunquinha! Genaro (Decepcionado.) Ah, filha... assim voc magoa a gente. Rose E o senhor pensa que no me magoa ser pobre? Ver tudo o que o mundo pode oferecer, e no poder desfrutar?! Genaro (Desconsolado.) Non tem jeito com voc mesmo, filha. Io v l consertar cuesto chuveiro. (Sai.)Pgina 2 de 10

Rose (Para a platia.) Vocs vo ver, eu vou sair dessa periferia imunda. Vou virar madame. (Sai, toda cheia de si.) (Em off, ouve-se os gritos de genaro, no banheiro.) Genaro (Em off.) Malledetto chuveiro!!! CENA II (Em cena Maria e Laurinda. Genaro chega com a cara suja, cabelo arrepiado, chupando dedo meio tonto.) Genaro Malledetto Chuveiro! Porca Misria! Levei um choque e tanto. Maria Genaro, mi amore, viene qui co me. Voc t bem, meu querido? Laurinda Papai, papaizinho. Voc t bem? (Genaro senta na cadeira, quase desfalecido.) Genaro Eco, eco. (batem na porta.) Agora melhor perque chego a pizza! Abre a porta, filha. (Laurinda vai abrir a porta. Entram dois homens encapuzados, meio atrapalhados. Ladres amadores.Entram com as mos ocultas embaixo da camiseta, como se estivessem armados.) Ladro Mos ao alto! Comparsa Isso um assalto! (Todos se assustam e fazem o que eles mandam.) Ladro (Empurrando-os para um canto.) Encosta... encosta... (Faz sinal para que o comparasa revire a casa, em busca de algo de valor. O mesmo age do modo combinado.) Ladro Bem quietinhos, hein, seno eu acabo com voces. Eu passo fogo mesmo. (Os trs ficam quietos, aflitos, se lamentando. Instantes depois chega o comparsa.) Comparsa - Srgio, no tem nada que serve aqui no, mano! (Srgio d-lhe um pescotapa bem acertado.) Srgio No fala meu nome, idiota! Comparsa Ai, desculpa, srgio... (Manhoso. Toma outro.) Srgio Burro, no fala meu nome, idiota!Pgina 3 de 10

Comparsa T, desculpa, idiota! (Toma outro.) Srgio Cala a boca! Como no tem nada? (O comparsa fica quieto.) Srgio Como...? Fala, droga! (D-lhe outro.) Comparsa (Mais choroso ainda.) Aaaaaiii! Voc no me mandou calar a boca? Ento, eu calei. Srgio Mas agora pra falar. Como no tem nada? Comparsa Eu revirei tudo a, e no tem nada que preste! Genaro Ma che?? Tambm no ofende, eh! Srgio Cala a boca a, tiozinho. Ningum deu permisso...! (Para o comparsa.) Vamo embora, ento. (Dirigem-se para a porta.) Genaro Ma como? Onde vo? Srgio Embora, por qu? Genaro E non vai levar nada? (Todos ficam perplexos. Os ladres se entreolham sem entender.) Genaro (Se lamentando.) Dio Santo. Che vergonha. J roubaram a casa de tutti os vizinho, e agora, chega na minha vez... non levam nada?! (Maria e Laurinda do uns belisces pra ver se o velho fica quieto.) Genaro Ma voces non podem ir embora sem levar nada, assim, de mo abanando! (Eufrico.) Pra a. Lembrei. Tem uma coisa que voces podem levar. Um radinho que eu dei pra Laurinda, muito bom. Comparsa (Interessado.) Que tipo de radinho? (Olha curioso para Srgio.) Genaro (Para Laurinda.) Como que chama, filha, aquele radinho que eu comprei no $1,99 do Paraguai? Laurinda Walkman, papai. Genaro Isso. Viu, seu ladro... kimen papai! (Maria d outro belisco em Genaro, Laurinda tambm. Ele grita.) Comparsa Que voc acha, Srgio? Srgio (Outro pescotapa.) No fala meu nome...Pgina 4 de 10

Comparsa Ai, esquec... Srgio (Sem dar muita importancia.) Vamos embora, Juca. Comparsa Juca? Que Juca? C t cansado de saber que meu nome Z Roberto. Sou teu primo! C foi l em casa pra me chamar, l na Moca, pra fazer esse assalto, vio. Na casa da tia Jlia, lembra? L na rua... Srgio (Interrompendo. Sem d nem piedade, e sem medo de se arrepender, d-lhe um pescotapa supremo com hit combo x5.) CALA A BOCA, SUA ANTA!!! Comparsa Aaaaiii, descupa de novo. que eu no gostei de Juca. Me chama ento de Brad Pitt, Eddie Murphy... a eu gosto!(Vo saindo.) Genaro (Triste.) Pra a. Non vo embora. Non me passa essa vergonha! Srgio (Parado na porta da casa.) Mas o senhor no tem ada de valor pra gente roubar, poxa. Genaro Tem um vdeo cassete de 4 cabea. Srgio Cad? Genaro que t no conserto faz quase um ano. Era quatro cabea, mas depois que eu gastei o cabeote assistindo os filmes da Cicciolina, deve ter ficado com umas duas e meia. que io non tive dinheiro pra ir buscar. (Os ladres vo saindo. At que Z Roberto tem uma idia. Explica a Srgio.) Z Voc tem uma grana a? Srgio Pra qu? Z Confia em mim, Srgio! (Toma outro pescotapa.) Srgio (Tira dez reais do bolso.) Tem esse da conduo, pra casa. Z D aqui. (Ele pga a nota, vai at Genaro e a coloca no bolso da camisa. Vira as costas, d trs passos em direo porta, combinando o plano com Srgio. De repente, viram-se.) Ladres Mos ao alto! (Todos se assustam.) (Srgio vai at Genaro, enfia a mo no bolso e tira os dez reais.) Srgio - Escondendo o ouro, hein tiozinho! (Vai saindo com Z.) Genaro Ma che?! Cuesto catzo! Agora ladro faz caridade, eh? Non vale! Non aceito cuesto! Srgio E o senhor quer que a gente faa o qu???Pgina 5 de 10

Genaro Deixa io pensar. (Anda de um lado para o outro, pensativo.) J sei. Tem o dente de ouro da Maria! (Empolgado.) (Os ladres se olham animados e sorridentes. Genaro continua.) Genaro Vale mil reais. Io ganhei no dia que eu participei do Show do Milho do Sirvo Santos. Io acertei a primeira pergunta, depois pulei todas e confiei em cuesti universitrio, tudo burro de Cudomundpolis do Norte... Errei, e s sobrou uma barrinha de ouro de mil reais, que eu mandei derreter e botemo na boca da Maria. (Maria se desespera, tapa a boca com as mos, arregala os olhos, e corre.) Genaro (Olha para todos.) Pga ela!!! CENA III (Todos correm pela sala atrs de Maria. Cercam-na. Ela grita desesperada. Seguram Maria na cadeira.) Genaro Segura firme que ela forte! (Maria olha pra Laurinda.) Maria At tu, Brutus? Genaro Vamo arranc logo que di menos. Maria Assim, sem anestesia? Genaro Laurinda, vai na cozinha e pga aquela garrafa de pinga que t no armrio. (Laurinda sai. Maria se debate, tenta escapar mas no consegue. Laurinda volta com a garrafa.) Genaro Dme qui. Toma Maria. (Enfiando a cachaa goela abaixo da mulher. Depois de certo tempo, Maria toma a garrafa da mo dele.) Maria D aqui. C t derramando. (Vira a garrafa novamente. Totalmente embriagada.) Manda brasa!! (Abre a boca.) (Genaro, j com o alicate na mo. Entrega ao comparsa.) Genaro Tome qui. Io ajudo, m facce alguma coisa que o interesse teu! E mio remorso menor. Z X comigo! Vamo l, Srgio. Puxa da que eu enrosco daqui. (Toma outro.) Srgio No fala meu nome, idiota! Z Na hora que eu contar trs. Um... dois... trs... (Aparece um dente na ponta do alicate.)Pgina 6 de 10

Srgio U, mas no parece de ouro no! Z ouro branco? Laurinda No! que essa anta, arrancou o dente errado! (Todos olham, cada um d um pescotapa em Z; inclusive Maria.) Srgio D esse alicate. Deixa que eu mesmo fao! De novo no trs. Um... dois... Trs! (Maria grita muito. ) Srgio Agora saiu. Douradinho. (Todos deixam Maria de lado. Srgio contempla o trofu.) Srgio Mil reais. Todinho meu.. Z Teu no, nosso! Genaro T satisfeito, seu ladro? Srgio Qu isso, o senhor ajudou bastante. Muito obrigado, hein. Isso aqui vai ajudar bastanteno meu casamento. Sabe... eu t apaixonado! E por amor que eu fao essas coisas. (Os dois vo saindo, quando param na porta, tiram os capuzes. Nesse momento entra Rose com o secador de cabelos na mo, e o cabelo molhado; agora vestida. Reconhece Srgio.) Rose Essas tomadas de casa tambm to uma bela porcaria, hein.... Srgio??? (Z d um pescotapa em Srgio.) Z No fala teu nome, idiota! Srgio (Revidando.) No falei meu nome, estupido! Z Mas, se no foi voc, nem fui eu... ento foi... (Se viram.) Ambos ELA!!! Rose O que voce t fazendo aqui em casa? Srgio (Espantado.) Rose... Rose Responde Srgio! Maria (Totalmente area.) Ele acabou de roubar 2 dentes meus. Genaro Voc conhece esse sujeito, filha?Pgina 7 de 10

Rose Claro que conheo, e muito bem. Bom, pelo jeito no to bem quanto eu pensei. Esse o Srgio, meu noivo! Genaro Dio Mio!!! (Rose pga na mo de Srgio e o apresenta a seu pai.) Rose Pai, esse o Srgio, meu noivo. Srgio, esse meu pai, Genaro. Genaro Piacere Srgio! Srgio Prazer, seu Genaro. (Z aproxima-se e d um pescotapa em cada um.) Z No pode falar o nome dele, idiotas! Srgio (Devolvento sem medo de ser feliz, com f e vontade!) Agora pode, idiota. No t vendo que ele meu sogro?! Rose (Puxando-o de lado.) Voc no me disse que era um rico empresrio? Srgio mais, voce me disse que morava numa cobertura no Morumbi. Rose . Eu menti tambm. Mas acontece que eu sou pobre, mas sou limpinha. No sou ladra! Srgio (Chateado.) Eu tambm no! que eu nunca tive nada na vida. Eu no sou ladro. Eu s t lutando como eu posso, pra ficar do teu lado. Quando eu te conheci, tudo passou a fazer sentido pra mim. Mas quando voc me falou onde supostamente morava, eu imaginei que realmente voce levasse uma vida melhor que a minha. Eu s queria te dar, tudo o que eu acho que voc merece nessa vida, meu amor! Rose (Emocionada.) Aaaaaaaaaai, que fofo. Te amo, Srgio. (Abraam-se e, antes de se beijarem, quase tocando os lbios, batem na porta.) CENA IV Z a polcia, Tonho. (Agitao geral.) Srgio (Desolado.) P, logo na hora do beijo. Quem Tonho? Z Voc u. Num disse que no era pra falar teu nome? (Srgio olha para Rose.) Srgio Por favor, faa as honras! (Rose aproxima-se de Z e lhe carimba um belo pescotapa.) Rose Agora pode, imbecil!Pgina 8 de 10

Z Mas voces tambm num sabem o que querem, hein... Srgio (Para Genaro.) Foi o senhor quem chamou a polcia? Genaro Ma che? Aqui em casa, ns nem temos telefone, eh! Rose Pode ter sido um dos vizinhos. Genaro Io non acho. Os vizinho tudo se matam, gritam... cada um cuida de sua vida aqui! T cansada de saber. Rose Esconde, Srgio. (Todos em pnico. Srgio e Z correm de um lado para o outro feito bobos tentando encontrar um lugar para se esconderem. Srgio se amontoa com Z embaixo da mesa de centro da sala.) Srgio (Para Laurinda.) Gordinha, vai l ver quem . Laurinda Eu no. Srgio Se voc for, eu te dou 1 real, todinho pra voc. Laurinda - No sei, voc t com cara de quem pode pagar 10 reais. Srgio Que seja. Laurinda Quem paga 10, pode muito bem pagar 50 reais. Z Quem mesmo o ladro da histria?? Srgio T bom! Eu pago 50, mas vai abrir a porta. Laurinda Primeiro o dinheiro. Srgio Agora eu no tenho, mas depois... Laurinda Nada feito! Genaro Chega! Agora io vo dizer. Como o Srgio agora da familia. No tem perque se escondere. s a gente falar pra polcia que no t acontecendo nada, e pronto! Capicce? Todos Capicce! (Genaro vai at a porta. Abre, e se depara com grande surpresa.) Genaro Escuta aqui... A Pizza!!! Entra... entra... Laurinda A pizza!! (O entregador entra.)Pgina 9 de 10

Entregador Foi daqui que pediram uma pizza Mensalo? Meia mussarela, meia calabreza e manjerico?! Demorou um pouquinho porque a massa veio l de Braslia. Aquele pessoal l da CPI briga muito pra acertar as encomendas.Deus me livre! Todos Ah...t.... Genaro Quanto io te devo? Entregador (Lendo a nota fiscal.) Bom... so 10 reais, mais o da gasolina da Land Rover*, mais a comisso do entreador, mais os juros do emprstimo do TPM Transportes de Pizza Motorizados, mais a verba da propaganda, mais o jab do motorista... Eu acho que eu vou precisar de uma cueca maior, o dinheiro no cabe tudo nessa... Enfim, bota um adicional a pre eu comprar uma mala no caminho e mais a gorjeta. Todos (Indignados.) O qu? Mais isso um assalto!!! Entregador No falei que a pizza veio de Braslia? Tem que pagar, seno o patro ... (Faz sinal de estrangulamento.). O Calvos Valrio fica bravo! O) nosso lema : Pizzaria Congresso Insatisfao garantida, j que seu dinheiro no tem retorno! Srgio (Puxa uma faca ameaando-o.) Mas daqui voc volta vazio, pois vossa excelencia desperta em mim os sentimentos mais primitivos. Vaza daqui, rap! Entregador Olha que eu chamo o Z Dirceu, hein... Todos Ooohh!(Amedrontados.) Srgio Z Dirceu? Ai, ai, ai... quer saber? Manda ele vir aqui que eu repilo, viu? Eu repilo! Vaza! (Todos vo pra cima do entregador. Ele sai correndo, liga a moto e sai cantando pneu.) (Voltam. Sentam-se cada um num canto e comeam a comer a pizza.) Genaro (Para a platia.) In cuesta casa como em Braslia, tudo acaba em pizza!!! Pano.

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