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i UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro Luiz Antonio de Saboya Renovação de Linguagens em Museus e Centros de Ciências: o caso do Museu da Vida Rio de Janeiro, 2016.

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UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro

Luiz Antonio de Saboya

Renovação de Linguagens em Museus e Centros de Ciências: o caso do Museu da Vida

Rio de Janeiro, 2016.

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Luiz Antonio de Saboya

Renovação de Linguagens em Museus e Centros de Ciências: o caso do Museu da Vida

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais (Imagem e Cultura), Escola de Belas Artes, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial à obtenção do título de Doutor em Artes Visuais

Orientador: Prof. Dr. Carlos de Azambuja Rodrigues

Rio de Janeiro, 2016.

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CIP - Catalogação na Publicação

Elaborado pelo Sistema de Geração Automática da UFRJ com osdados fornecidos pelo(a) autor(a).

SrSaboya, Luiz Antonio de Renovação de Linguagens em Museus e Centros deCiências: o caso do Museu da Vida / Luiz Antoniode Saboya. -- Rio de Janeiro, 2016. 400 f.

Orientador: Carlos de Azambuja Rodrigues. Tese (doutorado) - Universidade Federal do Riode Janeiro, Escola de Belas Artes, Programa de PósGraduação em Artes Visuais, 2016.

1. Museus e centros de ciências. 2. Divulgaçãoe popularização da ciência. 3. Design. 4.Exposições. 5. Estudo de caso. I. Rodrigues,Carlos de Azambuja, orient. II. Título.

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5 de outubro de 2016.

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A ciência pode classifi car e nomear os órgãos de um sabiá mas não pode medir seus encantos. A ciência não pode calcular quantos cavalos de força existem nos encantos de um sabiá.

Quem acumula muita informação perde o condão de adivinhar: divinare. Os sabiás divinam.

Manoel de BarrosLivro sobre nada

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Agradecimentos

Agradeço inicialmente ao meu orientador, Professor Doutor Carlos de Azam-buja Rodrigues, e um reconhecimento especial aos outros integrantes da banca, Pro-fessores Doutores Roberto Verschleisser, Marcus Dohmann, Carla Dias e Magali Ro-mero Sá, assim como os suplentes Maria Cristina Volpi e Daniel Portugal.

Muito importante ainda o apoio dos colegas da Escola Superior de Desenho Industrial (Esdi), professor Rodolfo Capeto, chefe de secretaria Anna Rosemblum, professor Arisio Rabin, professor Frank Barral, professora Zoy Anastassakis, pro-fessor Marcos Martins, professor Fernando Reiszel Pereira, professora Barbara Szaniecki, a coordenadora de informática Denise Fillipo pela valiosa colaboração, e aos bolsistas e amigos Marcos Vieira, Luciana de Souza Santos e Carlos Pedra. Faço um especial agradecimento à professora doutora Eleonora Kurtenback e à designer Marcia Brandão.

Foi importante o apoio dos meus colegas do Museu da Vida, em especial Ana Palma, Beatriz Schwenck, Tereza Osório, Fabíola Mairynk, Denise Studart, Diego Beviláqua, Rita Alcântara, José Ribamar Ferreira, Pedro Paulo Soares, Sergio Maga-lhães, Luciana Sepúlveda, Miguel Oliveira, Vanessa Guimarães, Carla Gruzman. Pelo grande apoio e relevância das contribuições, meus agradecimentos especiais à colega e amiga Sonia Mano. Agradeço ainda, in memoriam, a Iloni Seibel, e a Virgínia Schall, pelo estímulo, alegria de viver, entusiasmo e visão de mundo generosa e aberta.

Registro ainda o inestimável apoio de Elisabeth Lissovsky e Alexia Costa na fi nalização do texto.

Finalmente, para minha família, minha companheira Regina, meus fi lhos Ga-briel e André, pelo apoio, carinho, paciência e calor humano ao longo do processo de construção do trabalho, que resultou de muitas horas de dedicação e subtração ao convívio familiar.

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Lista de ilustrações

Figura 1. Diagrama com categorias de Peirce: triângulo peirceano 22

Figura 2: Modelo de DNA 32

Figura 3: Gestalt – exemplos 39

Figura 4: A percepção é dinâmica, constrói nosso mundo visual – ilusão em Escher 39

Figura 5: Diagrama que traduz conceitos abstratos: livre-arbítrio e determinismo 42

Figura 6: Diagrama de Venn para “silogismo” 43

Figura 7. Nissim de Camondo, Paris 65

Figura 8: Semióforos, coisas, objetos em exposição no museu do Art Institute, de Chi-cago, EUA 71

Figura 9. Gabinete de curiosidades 72

Figura 10. O British Museum, em Londres 75

Figura 11. Louvre, em Paris 77

Figura 12. O famoso Palácio de Cristal, projeto de Joseph Paxton 78

Figura 13. Cidade das Ciências e da Indústria, La Villete, Paris 86

Figura 14. Registros de diversas atividades do Ciência Viva 88

Figura 15. Novos museus e centros de ciências: ambientes em renovação 89

Figura 16. Imagens de Inhotim, em Minas Gerais 96

Figura 17: A transposição e o processo de confi guração de uma exposição de ciência e tecnologia 103

Figura 18. Ambiente do então Museu da Casa de Oswaldo Cruz, instalado na Cavalariça, prédio que faz parte do conjunto arquitetônico histórico do campus da Fiocruz 111

Figura 19. Estudo inicial para o Centro de Recepção, com o Bondinho no detalhe à direita 122

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Figura 20: Estudo inicial para o Espaço Ciência em Cena 124

Figura 21: Estudo inicial de circuito para a proposta de implantação do Espaço Museu da Vida 135

Figura 22: Complexo de Difusão Cultural e Científi ca, que iria abrigar espaços adicio-nais do MV 141

Figura 23: Vistas do Parque da Ciência – geral e detalhe de um dos equipamentos ins-talados 142

Figura 24: Interior da Pirâmide do Parque da Ciência 142

Figura 25: A tenda do Ciência em Cena 143

Figura 26: Centro de recepção e Trenzinho 143

Figura 27: Exposição Passado e Presente, no Castelo Mourisco 144

Figura 28: O Ciência Móvel 145

Figura 29: O prédio da Cavalariça, dentro do campus da Fiocruz 146

Figura 30. Estudos para a Biodescoberta 149

Figura 31. Parte do Painel da Mata Atlântica 150

Figura 32: Mediação na exposição da Biodescoberta 151

Figura 33: Detalhe da exposição, com conjunto de vitrines e “janela” do piso 152

Figura 34: Vista geral da exposição da Biodescoberta 153

Figura 35: Sala de acolhimento com seu grande painel na entrada da exposição da Biodescoberta, com uma das baias circundando um totem informatizado 155

Figura 36: Interatividade – observação ao microscópio 155

Figura 37: Imagens da Cavalariça, quando sendo restaurada, em 2014 160

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Lista de abreviaturas e siglas

ABC – Academia Brasileira de Ciências

ABCMC – Associação Brasileira de Centros e Museus de Ciências

ACS – Ação Cultural Científi ca

Capes – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

CAp/UFRJ – Colégio de Aplicação da UFRJ

CCS – Centro de Ciências da Sáude da UFRJ

CDCC - Centro de Divulgação Científi ca e Cultural

Cecierj – Fundação Centro de Ciências e Educação Superior a Distância do Estado do Rio de Janeiro

CIMADES - Conferência Internacional sobre Meio Ambiente, Desenvolvimento e Saúde

CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científi co e Tecnológico

Cnumad - Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento

COC – Casa de Oswaldo Cruz, Fiocruz

COPPE – Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós Graduação e Pesquisa em Engenharia

C&T – Ciência e Tecnologia

CTI – Ciência, Tecnologia e Inovação

CVI - Centro de Vida Independentena

DPH – Departamento de Patrimônio Histórico (COC – Fiocruz)

DSS – Determinantes Sociais da Saúde

EBA – Escola de Belas Artes da UFRJ

Ensp – Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca

Esdi – Escola Superior de Desenho Industrial da Uerj

EUA – Estados Unidos da América

FAPERJ – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro

FecomércioRJ – Federação do Comércio do Estado do Rio de Janeiro

FIFA – Federação Internacional de Futebol

Fiocruz – Fundação Oswaldo Cruz

Firjan – Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro

HEMORIO – Hemorrede do Estado do Rio de Janeiro

Ibram – Instituto Brasileiro de Museus

IOC – Instituto Oswaldo Cruz, Fiocruz

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ICB – Instituto de Ciências Biomédicas - UFRJ

Icom – International Council of Museums (Conselho Internacional de Museus)

IFRJ – Instituto Federal do Rio de Janeiro

INCA – Instituto Nacional do Câncer

INCQS – Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde

Iphan – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional

MAM – Museu da Arte Moderna do Rio de Janeiro

Masp – Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

Mast – Museu de Astronomia e Ciências Afi ns

MCT – Ministério de Ciência e Tecnologia

MHN – Museu Histórico Nacional

MinC – Ministério da Cultura

MIT – Massachussets Institute of Technology (Instituto de Tecnologia de Massa-chussets)

MPEG – Museu Paraense Emilio Goeldi

Musit - Museu Itinerante

MV – Museu da Vida, COC/Fiocruz

Nahm – Núcleo Arquitetônico Histórico de Manguinhos

NAS – National Association of Science (Associação Nacional de Ciências)

NCE – Núcleo de Computação Eletrônica da UFRJ

NEDC – Núcleo de Estudos de Divulgação Científi ca, MV/Fiocruz

Nepam – Núcleo de Estudos de Público e de Avaliação em Museus, MV/Fiocruz

NUTES – Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde da CCS/UFRJ

PADCT – Programa de Desenvolvimento Científi co e Tecnológico

PAP – Programa de Aperfeiçoamento Profi ssional da Fiocruz

PIB – Produto Interno Bruto

PUC/RJ – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

RA – Realidade Aumentada

RV – Realidade Virtual

SBPC - Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência

Sesc – Serviço Social do Comércio

SPCOC – Sociedade de Promoção da Casa de Oswaldo Cruz

TEA – Themed Entertainment Association (Associação de Entretenimento Temático)

Uerj – Universidade do Estado do Rio de Janeiro

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UFF – Universidade Federal Fluminense

UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro

Unesco – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

Unicamp – Universidade de Campinas

UNIRIO – Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro

WFS – World Future Society

WWW – World Wide Web

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RESUMOSABOYA, Luiz Antonio de. Renovação de Linguagens em Museus e Centros de Ciências: o caso do Museu da Vida. Rio de Janeiro, 2016. Tese (Doutorado em Artes Visuais) - Escola de Belas Artes, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2016.

Esta tese se situa em uma vertente eminentemente qualitativa e interpretativa, procurando identifi car, no campo da alfabetização, divulgação, popularização, com-preensão pública da ciência e, em especial, no novo museu, que peso a informação em modo não textual assume na exposição científi ca. Para tanto, foram reali-zados estudos teóricos com a revisão da literatura que têm conexões com o tema, em uma perspectiva eminentemente transdisciplinar, com suas complexidades inerentes, procurando reconhecer correlações, propor associações, analogias, com vistas a um conhecimento integrador, unindo ciência, arte, design, estudos culturais e disciplinas próximas, para contextualizar e englobar. Melhor conceituando o tema, teoricamente, quanto às suas conexões com diversos campos do conhecimento, foram realizados estudos de comunicação, linguagem, código, Gestalt, semiótica, ciência, arte e design; como arcabouço geral, para depois entrar em especifi cidades relacionadas com a di-vulgação científi ca, os museus, os aspectos históricos, chegando às coleções e seus desenvolvimentos no tempo, para desembocar em uma discussão a respeito das expo-sições científi cas.

Ao fi nal, no estudo de caso, além do estudo documental e teórico, adotaram-se procedimentos de observação participante, resultando em uma vivência relacionada com a perspectiva de mudança em um dos espaços constituintes do Museu da Vida, no prédio da Cavalariça (integrante do Núcleo Arquitetônico Histórico de Mangui-nhos), na Fiocruz. A desativação do antigo espaço da exposição de longa duração da Biodescoberta, para reforma e recuperação do prédio histórico, possibilitou a mu-dança completa no conceito geral da exposição. O desenrolar das reuniões da equipe designada para elaborar essa mudança, a nível conceitual, pôde ser acompanhado. Ainda, como suporte de maior consistência à referida orientação qualitativa, foram feitas entrevistas com indivíduos portadores de repertório (incluindo vivências) mui-to signifi cativo relacionado com a concepção de exposições de cunho técnico cientí-fi co, alguns deles relacionados diretamente com a concepção, o desenvolvimento e a implantação da antiga exposição de Biodescoberta, central no meu estudo de caso.

Nas concepções dos museus na contemporaneidade, as novas tendências se contrapõem a uma visão conservadora e elitista. O museu hoje deve ser encarado como uma instituição que, além de suas funções de preservar, conservar, pesquisar, comunicar e expor, visa ainda estar a serviço da sociedade, e se volta para o estudo, o lazer e a educação.

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A abordagem de um caso brasileiro, o Museu da Vida, permitiu a sua análise crítica, a discussão quanto a aspectos históricos e as relações com a Fiocruz. Certos aspectos dessa nova concepção, que aponta para uma nova visão da ciência, a visão sintética, a visualidade, a escrita espacial, e a valorização dos processos participativos e da interatividade, puderam ser vislumbrados. O estudo para um novo espaço expo-sitivo no Museu da Vida, com base em sua primeira exposição permanente (Biodes-coberta), que já na sua época era uma proposta transdisciplinar e integradora, levou a indicações quanto ao que pode ser reconfi gurado e o que pode ser proposto, com dire-trizes que tomam como base o pensamento visual e as propostas de R. Arnheim.

Palavras-chave: Museus e centros de ciências. Divulgação científi ca. Educação não formal. Exposições. Visualidade. Estudo de caso.

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ABSTRACTSABOYA, Luiz Antonio de. Renovação de Linguagens em Museus e Centros de Ciências: o caso do Museu da Vida. Rio de Janeiro, 2016. Tese (Doutorado em Artes Visuais) - Escola de Belas Artes, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2016.

This thesis is situated in a highly qualitative and interpretative track, trying to identify in the fi elds of literacy, promotion, popularization, public understanding of science and in particular in the new museum, which weight the non-textual mode information assumes in the scientifi c exposition. Therefore, were carried out theore-tical studies regarding the literature review that have connections to the subject in an eminently transdisciplinary perspective, with its inherent complexities, trying to re-cognize correlations and propose associations, analogies, with a view to an integrative knowledge, combining science, art , design, cultural studies and nearby disciplines, in order to contextualize and embrace. Trying to better conceptualize theoretically the subject in its connections with various fi elds of knowledge, studies in communication, language, code, Gestalt, semiotics, science, art and design were conducted as a gene-ral framework, and then were directed towards specifi cs related to science communi-cation, museums, historical aspects, reaching the collections and their development in time, to culminate in a discussion of the scientifi c exhibitions.

Finally, in the case study, in addition to the documentary and theoretical stu-dy, participant observation procedures were adopted, resulting in an experience re-lated to the change of perspective in one of the constituent spaces of the Museum of Life, situated in the Stables building (member of the Historical Architectural Center of Manguinhos) at Fiocruz. Disabling of the old long-term exhibition Biodiscovery, for renovation and restoration of the historic building, has provided a complete chan-ge in the overall concept of the exhibition. The conduct of team meetings designed to develop this change, at the conceptual level, could be followed. Yet, as a support to greater consistency in the qualitative guidelines, interviews were conducted with indi-viduals holding signifi cant repertoire (including experiences) related to the design of technical and scientifi c exhibitions, some of them directly related to the design, deve-lopment and implementation of old Biodiscovery exhibition, central in my case study. Nowadays, in the conception of museums, new trends are opposed to conservative and elitist views. The museum today should be seen as an institution that, in addition to its duties to preserve, conserve, research, communicate and exhibit, it aims to be at the service of society, and turns to embrace functions such as study, leisure and education. The approach of a Brazilian case, the Museum of Life, allowed its critical analysis and discussion about historical aspects, as well as relations with Fiocruz. Certain aspects of this new design, which points to new visions of science, synthetic

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approaches, visual, spatial writing, and the value of participatory processes and in-teractivity, could be glimpsed. The study for a new exhibition space in the Museum of Life, based on its fi rst permanent exhibition (Biodiscovery), that in its time had a transdisciplinary and integrative proposal, has led to indications as to what can be reconfi gured and what can be proposed with guidelines that take as a basis the visual thinking and proposals of R. Arnheim.

Keywords: Museums and science centers. Scientifi c divulgation. Non-formal education. Exhibitions. Visuality. Case study.

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Sumário

1 Introdução 11.1 Considerações preliminares 11.2 Objetivos, tema e hipóteses 71.3 Estrutura do trabalho 101.4. Metodologia 14

2 Cultura, Linguagens e Comunicação 162.1. Cultura e linguagem 162.1.1 Comunicação, sistemas de signos, linguagem. 192.1.2 Linguagem e pensamento 312.2 Linguagem visual, pensamento visual 332.2.1 Percepção, Gestalt, imagem 332.2.2 Filosofi a, ciência, história, imaginação. 452.3 Informação e compreensão 492.4 Ciência, comunicação, informação 51

3 A divulgação científi ca, coleção e o colecionismo, museus 563.1 Divulgação científi ca, no Brasil e no mundo 563.2 Coleção, colecionismo, museus 623.2.1 A coleção e o colecionismo 633.2.2 Tradição e história 673.2.3 Uma noção central: o visível e o invisível 683.2.4 Utilidade e signifi cado 693.3 Gabinetes de curiosidades e coleções, até os museus 713.3.1 As coleções particulares e os museus 713.3.2 Museus e sua consolidação 743.3.3 Museus no Brasil 793.4 Museus e centros de ciências: tradição e ruptura 803.4.1 Museu e sua renovação 81

4 Exposições científi cas 904.1 Museus e sua tipologia 904.2 Ciência, cultura: conexões 984.3 O discurso museográfi co: exposições 101

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5 O Museu da Vida 1105.1 Antecedentes 1105.2 Espaço Museu da Vida 1125.2.1 Por que um museu dessa natureza na Fiocruz? 1145.2.2 O projeto “Espaço Museu da Vida” e seus aspectos institucionais 1175.2.3 O projeto em si 1195.3 Desdobramentos: o Museu da Vida 1395.4 A Biodescoberta 1465.4.1 A renovação da Biodescoberta 1565.4.2 Uma nova exposição para a Cavalariça? 1605.5 Algumas observações 162

6. Considerações fi nais 168

Referências 180Anexos 188

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1 Introdução

1.1 Considerações preliminares

Uma visão atual sobre o pensamento científi co parte da conceituação tradicio-nal, que assegura uma abordagem disciplinada e fundamental aos processos de per-cepção, coleta, organização, processamento e utilização dos dados rumo à produção de conhecimentos, e a amplia, resgatando a importância do pensamento sintético e do pensamento criativo, assim como da intuição e dos métodos morfológicos, que não podem ser relegados a um plano secundário. Esta nova percepção do conhecimento reforça a importância de saberes como a teoria da informação, a comunicação, o de-sign, e a arte em uma perspectiva que privilegia o estudo da infl uência dos media (em especial os que lidam com a imagem) e as transformações que estes produziram na sociedade contemporânea.

Esta noção, relativamente nova, sobre o conhecimento científi co, é parte de mudanças mais amplas ocorridas nas últimas décadas na sociedade. Diz-se que vive-mos em plena era da informação e que as modernas sociedades industriais avançadas se tornaram “sociedades do conhecimento”. Na realidade, ao longo do século XX, assistimos ao avanço, inicialmente paulatino, da circulação das informações nas so-ciedades industrializadas, processo que, após a Segunda Guerra Mundial, se acentua de forma dramática, passando em pouco tempo a abarcar os países chamados “em desenvolvimento”, como é o caso do Brasil. A aceleração da circulação e o consumo de publicações de diversas naturezas se tornou um fenômeno marcante e abrangente. Após o rádio, o cinema e a televisão, em um tempo ainda recente (o início dos anos 1990), surgiu a Internet (a WWW) – a “nova mídia” da “era da informação” (MC LUHAN, 1964) –, que junto ao aumento da circulação da mídia impressa tornaram-se fatores decisivos para as mudanças que se confi guraram nas relações sociais, econô-micas e políticas, no fenômeno chamado “globalização”, termo ainda hoje em voga.

Isso parece ser apenas o começo. Segundo dados da World Future Society (uma instituição norte-americana dedicada a estudos e previsões quanto ao futuro), o conhecimento fornecido atualmente à sociedade vem aumentando na proporção de 100% a cada cinco anos , com a assustadora previsão de duplicação trimestral daqui a alguns anos (MORAES, 2006). Com este incremento expressivo das novas tecnolo-gias, especialmente aquelas ligadas à informática, surgiram a hipercompetição (que carrega no seu bojo a invenção e a inovação); a hiperinformação (a carga de informa-ção nova produzida em todas as áreas do conhecimento); o multiculturalismo; e os múltiplos modelos sociais, culturais, políticos e econômicos.

A inovação se traduz em benefícios econômicos para as empresas, e a informa-ção é um elemento primordial para se chegar até ela. A informação é um bem intangí-vel que vai se traduzir em algo tangível: capital, valor monetário. Mas o percurso até

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chegarmos à informação, e mais do que isso, ao conhecimento, envolve uma série de passos. Inicialmente, existe a necessidade de aprimorar a percepção da realidade à nossa volta, a seguir, proceder com a coleta dos dados, para em seguida avançarmos com a sua organização e o seu processamento, de modo a possibilitarmos a sua utili-zação. Nesse ponto, ocorre que os dados se transformam em informação – verifi ca-se um “salto”, a qualidade do processo muda, os dados ganham sentido. Nesse processo está ainda envolvida a questão da escolha, da seleção, que fi ltra elementos singulares de um conjunto maior. Mas é preciso chegar ao estágio do conhecimento e da inte-ligência: nesse momento temos a qualidade defi nitivamente integrada ao processo, pois as informações ganham signifi cados que podem ser avaliados e hierarquizados; o conhecimento se torna elemento de alto valor, um bem intangível que hoje se cons-titui no principal motor da inovação e item estratégico no avanço das sociedades rumo ao progresso social e econômico: cunhou-se então a expressão “economia do conhecimento”.

Os museus, se compararmos com os diversos aparatos considerados “novas mídias”, ocupam, até os dias atuais, um papel secundário. Entretanto, desde que devidamente direcionados, podem expandir seu papel, atraindo uma fatia de públi-co maior do que aquela com que tradicionalmente conta, mesmo em um país com tradição cultural incipiente e baixo interesse em leitura como o nosso. Para melhor situar o que está sendo delineado aqui, cabe reproduzir alguns dados apresentados em reportagem do jornal O Globo, na sua edição de 23 de março de 2008, no caderno “Revista”:

[...] uma pesquisa encomendada pelo Sistema FecomércioRJ, que pode ser classifi cada como um desanimador panorama dos hábitos de lazer cultural da população nacional. As principais descobertas do estudo não estão nos números, mas nas razões que man-tiveram 55% dos brasileiros longe de qualquer programa cultural em 2007. Apontado por muita gente como o maior vilão dos consumidores de cultura, o preço dos ingres-sos ou dos livros perdeu de longe para dois problemas ainda mais preocupantes, uma vez que demandam mais tempo para serem solucionados: a falta de hábito e o desinte-resse (AWI, 2008, p. 16 e 17).

Mais à frente, a reportagem nos informa que a pesquisa indica que o brasileiro não consome cultura porque não conhece e, desse modo, não gosta. “É uma falta de hábito que leva ao desinteresse, o que só pode ser resolvido num trabalho de longo prazo” – resume o então presidente da Federação do Comércio do Estado do Rio de Janeiro (FecomércioRJ), Orlando Diniz. O triste diagnóstico se confi rma em qualquer faixa etária, classe social ou grau de instrução. A pesquisa foi realizada em dezembro de 2007 e tomou como base amostra com 1.000 entrevistas nacionais, face a face, domiciliares. Do total de entrevistados, 69% disseram, por exemplo, que não leram nenhum livro em 2007. A falta de hábito foi o motivo alegado por 58% dos entrevis-tados das classes D e E, apenas 1% a menos que os das classes A e B. “Não gosto” foi a resposta de 27% das classes D e E, assim como 19% das classes A e B. Apenas 5% dos

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entrevistados que pertencem às classes D e E disseram que não leem porque não po-dem pagar pelo livro. A comparação também é parecida entre os que têm o primário incompleto e curso superior. Quanto a outras formas de consumo cultural, segue a reportagem, ainda com Diniz:

Com o estudo, a FecomércioRJ pretende levar a discussão não só para os órgãos públi-cos, mas, principalmente, para as famílias, pois é com os pais que a criança aprende a gostar de ler um livro ou ir ao teatro. O brasileiro vive num estado de inércia cultural. Em geral, ele não associa programa cultural à diversão, exceção feita ao cinema, que tem parentesco com a televisão.

Mesmo a minoria que lê livros ou vai a ambientes culturais o faz, em média, numa frequência baixa. Segundo a pesquisa, frequenta-se o cinema cinco vezes por ano, o que signifi ca um fi lme a cada dois meses e meio. É a mesma proporção dos en-trevistados que afi rmaram ter lido um livro em 2007. No mesmo período, esses pri-vilegiados foram a quatro shows de música, três peças de teatro e duas exposições de arte. E, para fi nalizar, a reportagem revela que “Apenas 22% deles (os entrevistados) disseram que pretendem ir a um espetáculo de dança em 2008, quase a mesma pro-porção dos que pensam em assistir a uma peça de teatro. Ir ao cinema ou a um show de música está nos planos de apenas 40% dos brasileiros”.

Uma questão central indicada pela pesquisa é que a maioria dos brasileiros não frequenta atividades culturais por falta de hábito ou por não gostar. No caso dos livros, por exemplo, a falta de hábito é a justifi cativa para a maioria dos que não leem, enquanto a falta de gosto justifi ca uma parcela menor. Portanto, dentro do que a pes-quisa indicou, a opção de ir ou não a programas culturais no Brasil não passa, neces-sariamente, pela questão do preço e, muito menos, pela falta de opções – e isso não tem mudado muito ao longo do tempo.

O museu é primordialmente um elemento cultural e ideológico, um agente de mudança social e uma instituição multidimensional, sendo que sua função como casa de comunicação não deve ser minimizada – trata-se de um espaço extraordinário para a articulação dos aspectos afetivos, sensoriais, cognitivos, do conhecimento con-creto e abstrato, possibilitando a formação complementar de cidadãos plenos, cons-cientes. Padilla (apud MARANDINO, p. 68), ao se referir ao fenômeno relativamente recente de proliferação de museus interativos e centros de ciência em diversas partes do planeta, defende que “tal movimento parece consolidar um importante e espeta-cular recurso social para a popularização, divulgação e aprendizagem não formal de ciências e tecnologia”. Estas concepções atuais se contrapõem a uma visão tradicio-nalista do museu “clássico”, associado muitas vezes à imagem do “templo das musas” da antiguidade grega, local com aura sagrada, próprio para a exibição de coleções da “alta cultura” das artes ou do mundo científi co, de preferência apenas para públicos selecionados, de modo estático, autoritário e impositivo – algo que vai inclusive con-tra o espírito que norteou a fundação dos primeiros museus na Europa. Se vivemos

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aqui em um estado de “inércia cultural”, como demonstrado na pesquisa do Siste-ma Fecomércio, e se podemos e devemos considerar o museu um espaço promotor de mudança no campo cultural, ele pode contribuir para melhorar a atual situação, desde que tenha a sua gestão devidamente orientada para uma política efi ciente e progressista. A defi nição de um estilo próprio, com ênfase na cultura local e destaque numa dinâmica multidimensional, irá reforçar o seu papel como mídia nesta nova “sociedade do conhecimento” que já criou raízes sólidas em nosso país. O trecho a se-guir, retirado de documento produzido pelo MinC (BRASIL, 2007, p. 20), atesta que:

Os museus conquistaram notável centralidade no panorama político e cultural do mundo contemporâneo. Deixaram de ser compreendidos por setores da política e da intelectualidade brasileira apenas como casas onde se guardam relíquias de um certo passado ou, na melhor das hipóteses, como lugares de interesse secundário do ponto de vista sociocultural. Eles passaram a ser percebidos como práticas sociais comple-xas, que se desenvolvem no presente, para o presente e para o futuro, como centros (ou pontos) envolvidos com criação, comunicação, produção de conhecimentos e pre-servação de bens e manifestações culturais. Por tudo isso, o interesse político nesse território simbólico está em franca expansão.

Nesse repensar da atribuição dos museus na contemporaneidade, a questão da alfabetização científi ca avançando até a visualização científi ca não pode fi car au-sente. Os museus e centros de ciências representam territórios privilegiados para a promoção qualifi cada desse tema tão importante na atualidade. Quando se discute a aspiração da sociedade para adquirir melhor entendimento da ciência, sua imagem pública e como ela se confi gura, o debate, em regra, gira em torno daquilo que a po-pulação sabe ou deveria saber sobre ciência. Tal entendimento tem sido classifi cado como alfabetização científi ca (CAZELLI, 1992). Uma pessoa que se diz alfabetizada cientifi camente deve ter os conhecimentos básicos para entender o universo que a cerca, os fenômenos da natureza e os do mundo social, sendo capaz de ler e discutir sobre um determinado tema, esboçando opinião própria sobre o assunto, indo além do senso comum. A alfabetização científi ca deve ser vista, em museus e centros de ciências, como instrumento para a formação de cidadãos plenos, que possam adotar uma postura crítica de modo a participar de maneira ativa na sociedade na qual estão inseridos, de modo inclusive a atenuar a exclusão social.

Os centros de ciências, assim como os museus interativos, surgiram com a in-tenção de combater a ideia de que a ciência é de difícil compreensão, está afastada do cotidiano, e o seu discurso é único, irrefutável e infalível. Em tais lugares, o público pode falar, ouvir, visualizar e tocar, ou seja, se expressar e ter uma interação ativa enquanto visitante. No Brasil, eles se constituíram majoritariamente após os anos 1970, uma vez que, conforme atenta documento já mencionado do MinC (BRASIL, 2007, p. 18), “o panorama museológico entre os anos 70 e 80 estava em ebulição e compunha-se de novas ideias, encontros, debates e novas propostas de uma museo-logia ativa, participativa e democrática”. Portanto, numa concepção contemporânea,

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o espaço do museu é espaço de negociação de sentidos, onde não deve haver a trans-missão pura e simples de conhecimentos, mas a produção das próprias interpreta-ções dos visitantes, com base no que já conhecem (o seu repertório ou “estoque de conhecimentos”), em aliança com a mediação dos recursos (em sentido amplo) do museu. Em seus movimentos nesse ambiente (ou “território simbólico”), eles podem se envolver basicamente com duas formas de interação: a mediação humana e a ins-trumental. Na mediação humana podem participar muitos tipos de mediadores, como monitores e professores, pais e outros acompanhantes. A mediação instrumental, aquela que não envolve diretamente outros seres humanos, pode se efetuar a partir de diversos recursos de linguagem: textos, imagens, experimentos, vitrines, mapas de localização, diagramas, jogos, brinquedos, microscópios, lupas, maquetes, dioramas, cenografi a, peças anatômicas, painéis simples e interativos, mídia eletrônica, recursos digitais avançados e outros. Os ditos exhibits interativos se constituem em um desses elementos de linguagem de mediação instrumental, de natureza complexa, que pode integrar vários dos componentes acima citados. Os exhibits interativos são objetos que incorporam uma natureza dinâmica e tendem a absorver mudanças tecnológicas recentes de modo a aprimorar a forma com que exercem mediação. Embora tenham sempre lugar garantido nos museus contemporâneos de ciências e seus similares, em geral é recomendada sua integração com mediações humanas.

Quanto às tendências nessas instituições, as mudanças mais relevantes sinali-zaram um movimento que, a partir de iniciativas de pequena monta ao fi nal do século XIX e início do século XX na Europa e nos Estados Unidos (STUDART, 2006), e com as diversas mudanças ocorridas a partir dos anos 1960, que se intensifi caram a partir da década de 1980 nos países centrais e ainda em alguns periféricos, como o Brasil, se distanciou do visitante passivo para chegar à exposição interativa – em um processo histórico que, como será verifi cado adiante, determinados autores (Paulette McMa-nus, Sibele Cazelli, Martha Marandino e outros) associam à ideia de “gerações” (“pri-meira geração, segunda geração, e por aí em diante”). Uma das maneiras de se esti-mar a soma das dimensões possíveis em uma exposição do tipo interativa em nossos tempos envolve, a partir de algumas das proposições de Padilla (apud MARANDINO, 2001, p. 69):

A tridimensionalidade da cultura material (representada pela mediação ins-trumental, que seriam os recursos acima mencionados, que dela fazem parte; e ainda o espaço físico em si do museu ou local onde se situa a exposição);

A participação cognitiva do visitante construindo de algum modo o seu conhe-cimento como uma quarta dimensão: a interatividade;

A criatividade atuando como motor da imaginação como a quinta, com a pos-sibilidade de redefi nição da exposição.

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Já a dimensão da hipertextualidade refere-se à lógica hipertextual, que se constitui em uma tendência das exposições mais recentes, ou seja, uma estrutura con-ceitual que permite múltiplas conexões por parte do público (podendo ser denomina-das “exposições de última geração”). Ao fazer as suas escolhas e traçar o seu percurso, o visitante escreve o seu próprio discurso, é autor do seu conhecimento e tem maior possibilidade de se expressar: uma rede de possibilidades, até mesmo a reconstrução da exposição (CANCLINI, 1998).

Temos então a exposição pentadimensional, a qual “em sua essência, permite não somente a interação entre público e exposição, mas fundamentalmente a atuação criativa do visitante” (CURY, 2005, p. 47). Portanto, no contexto museal atual, diver-sas linguagens coexistem, e há um espaço de liberdade que leva ao convívio demo-crático.

Ainda segundo a autora Marília Cury,A produção da exposição pentadimensional – ou hipertextual –, do planejamento e elaboração da proposta à sua concretização, permite também uma participação cria-tiva, por parte dos profi ssionais responsáveis, no processo de construção do conheci-mento, seja aquele relativo à temática, seja aquele necessário para propor a interação entre a exposição e o público: agentes da construção da exposição e o que a exposição revela (CURY, 2005, p. 48).

O Museu da Vida, ligado à Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), localizado na ci-dade do Rio de Janeiro, foi criado em 1999, com essas questões muito presentes na sua concepção e implantação. Este museu hoje possui vários espaços expositivos e sua ori-gem se deu como parte de um movimento cultural mais abrangente de criação de mu-seus no país, contando com fi nanciamento do governo federal para construção de insti-tuições desta natureza, através de programas como o do Programa de Desenvolvimento Científi co e Tecnológico (PADCT). No âmbito estadual, a criação do mesmo fez parte de um projeto que, em parceria com outros museus, pretendia habilitar o Rio de Janeiro a se “tornar o principal polo turístico e cultural da América Latina na área de divulgação científi ca” como defendia Arouca (apud MARANDINO, 2001, p. 24).

O Museu da Vida, que hoje em dia recebe cerca de 200 mil visitantes por ano, está atualmente confi gurado, dentro da estrutura organizacional da Fiocruz, como um Departamento da Casa de Oswaldo Cruz (COC). A COC é uma Unidade da Fundação que se dedica a questões de ordem cultural, incluindo-se a preservação da memória da instituição, e às atividades de pesquisa, ensino, documentação e divulgação da his-tória da saúde pública e das ciências biomédicas no Brasil. Ela abriga o mais expres-sivo acervo documental da saúde e uma referenciada pós-graduação em história das ciências e da saúde no país, e edita o periódico trimestral intitulado História, Ciên-cias, Saúde – Manguinhos, de reconhecido prestígio no meio acadêmico. Preserva o patrimônio arquitetônico da Fiocruz, que é bastante signifi cativo para a cidade do Rio de Janeiro, e se integra a redes de informação na América Latina.

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1.2 Objetivos, tema e hipóteses

Objetivo geral

Delimitar melhor qual o peso que a informação não textual assume em uma exposição de cunho técnico científi co.

Objetivos específi cos

No âmbito de tais exposições, relativizar o enfoque que privilegia, do ponto de vista cognitivo, apenas o conteúdo técnico científi co como digno de considera-ção na construção do discurso expositivo;

Expor a abordagem que enfatiza os processos perceptivos e intuitivos como formas plenas e válidas de cognição e apreensão do mundo e da realidade;

Explorar os sentidos, intenções e discursos que se intercalam nas formulações de conceptores (designers, arquitetos, curadores, e outros) envolvidos na for-mulação, desenvolvimento e implantação de exposições temáticas em tecnolo-gia e ciências, em museus e centros de ciências;

Situar a noção de que a exposição técnico-científi ca deve ser encarada como uma experiência de qualidade, a ser apreendida como um todo coerente pelo visitante de tais instituições;

Estudar a situação envolvida na criação, implantação e operação do Museu da Vida, em linhas gerais, quanto aos objetivos acima elencados, e defi nir o recor-

te para uma de suas exposições de longa duração, a Biodescoberta, procuran-do abordar algumas de suas peculiaridades nesse processo.

Tema

A presente proposta se volta para estudar, em um primeiro momento, a ques-tão da divulgação científi ca e a maneira como vem sendo feita e como pode vir a ser feita. O estudo terá como foco a questão da mediação instrumental em museus e cen-tros de ciências e como isso se relaciona no bojo da cultura material com a cultura digital (as novas tecnologias e mídias) e com a questão do design enquanto elemento ordenador e direcionador, especialmente no que tange a uma retórica visual para auxiliar a tornar o discurso da ciência menos intimidador, mais amigável e mais com-preensível.

Em maior detalhe, procurar-se-á, em determinado momento, identifi car e sistematizar quais recursos intelectuais (em especial aqueles ligados à informática) apontam as maiores possibilidades quanto à passagem de uma linguagem textual linear para uma espacial não linear e multidimensional que necessáriamen-te (e cada vez mais) está presente quando lidamos com uma exposição voltada para a divulgação científi ca. O aporte do design como fator direcionador, associado a tecno-

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logias inovadoras, pode representar um “salto qualitativo” relevante para os museus e centros de ciências, fazendo com que os mesmos passem a contribuir de modo mais expressivo para os hábitos de lazer cultural dos nossos concidadãos. Assim, reforçan-do a dimensão da criatividade e mesmo da ludicidade (HUIZINGA, 2000), vai contri-buir para mudar o estado de inércia cultural do brasileiro.

Hipóteses

A hipótese inicial é que a experiência de fruição do espaço expositivo possa ser bem mais proveitosa em diversos aspectos (inclusive no didático/conceitual) com a utilização de exhibits interativos inovadores que integrem a ênfase na retórica visual. A informação em modo não textual pode assumir papel de maior relevância e consequência, ainda mais se puder ser sensivelmente elaborada em associação com novas tecnologias digitais de comunicação e de informação. Esse novo papel pode contribuir de modo expressivo para a inovação e a renovação de exposições de divul-gação científi ca. As questões associadas a essa hipótese são as seguintes:

Existem aspectos de natureza cognitiva a se considerar, que na maioria das ve-zes são desprezados ou mesmo elaborados de maneira pouco cuidadosa quan-do da concepção desses recursos expositivos com vistas à divulgação científi ca;

O verdadeiro potencial do uso desses diferentes tipos de informa-ção ainda não foi corretamente avaliado e explorado;

A concepção de exposições em modernos centros/museus de ciências está condicionada pela informação de cunho linear textual (signo verbal) que é inerente à produção científi ca convencional em nossa sociedade (artigos, resenhas, monografi as, e similares); por outro lado, a transposição de uma informação estruturada em termos lineares textuais (como signos verbais) para outra estruturação na forma espacial multidimen-sional e interativa se reveste de aspectos bastante complexos, que são relevantes no processo de se imaginar, desenhar e produzir instalações museográfi cas em um museu/centro de ciência; ocorre que a curadoria (ou os conceptores) de tais exposições muitas vezes não leva em conta a linguagem visual mais apropriada; com tudo isso não se dá o devido reconhecimento ao papel que a linguagem visual (signos não ver-bais) desempenha nesse tipo de exposição e, mais ainda, como essa retórica visual pode ser instrumental do ponto de vista cognitivo na montagem do discurso expositivo;

A “visão científi ca” pura e simples não resolve toda a questão envolvida na transmissão de conhecimentos em uma exposição para um museu/centro de ciência;

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Os profi ssionais envolvidos na concepção e realização de instalações museo-gráfi cas (museólogos, designers, cientistas, artistas) nem sempre conseguem chegar a denominadores comuns em relação aos aspectos mencionados acima (WAGENSBERG, 2005).

Ao fi nal, esta tese propõe-se a analisar um exemplar de museu contemporâ-neo: o Museu da Vida da Fundação Oswaldo Cruz (situado na cidade do Rio de Ja-neiro, no campus em Manguinhos), instituição pública voltada para a saúde do povo brasileiro, e para verifi car sua mediação instrumental com o público sobre temas rele-vantes. Espera-se, especialmente, realizar uma investigação de cunho qualitativo em uma de suas exposições, à guisa de “estudo de caso”, que possa auxiliar o Museu da Vida, sugerindo formas de modelagem ou mesmo a prototipagem de exhibits sobre o tema para apresentação ao público.

Este trabalho se preocupa em trilhar um caminho transdisciplinar, aproximan-do em termos gerais, ciência, arte, design, estudos culturais e disciplinas próximas. Entretanto, houve a preocupação em demarcar um afastamento da perspectiva do cientista que, com uma formação acentuadamente empirista ou racionalista, se apro-xima da área artística porque quer se divertir com alguns assuntos amenos e demons-trar que é “cultivado” e possui “bom gosto”. Com outra perspectiva em vista, aqui se procura construir uma noção de que ciência, design e arte, são linguagens que podem conviver e interagir de modo proveitoso e harmônico, não existindo uma hierarquia inerente a cada um desses campos, ou seja, nenhum tem maior valor intrínseco do que os outros. Cada uma dessas áreas de conhecimento, assim como outras que pos-sam existir, é construída a partir do intelecto humano, ao que se somam as emoções e subjetividades, dentro de um processo histórico determinado, com condicionantes políticos, sociais, econômicos e psicológicos - são processos inscritos na dinâmica cul-tural dos povos.

Toda essa argumentação teórica pode suscitar reações de surpresa a alguns leitores, que podem julgar desnecessárias tais afi rmações. Entretanto, aquilo que ocorre nas práticas efetivas, em termos políticos e econômicos, vai exatamente nessa direção: basta comparar os orçamentos, por exemplo, de setores consolidados como a educação e a ciência e tecnologia (C&T), com as dotações alocadas ao MinC, recente-mente ameaçado de extinção (maio de 2016). Obviamente, não se está aqui querendo minimizar ou menos ainda negar a importância da educação e da C&T, mas apenas constatar que a própria dinâmica cultural em que nos inserimos carrega contradições e pode levar a distorções notáveis.

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1.3 Estrutura do trabalho

Esta tese está ordenada em cinco capítulos. No capítulo introdutório, busca-se oferecer um panorama geral das questões que serão debatidas, enquanto considerações preliminares, com sua problematização enfatizando certos aspectos que caracterizam o cenário brasileiro quanto aos temas da divulgação científi ca, do modo como o assunto é encarado em diversos setores, o problema da explosão da informação, os museus e os hábitos culturais no Brasil, o museu e suas potencialida-des na contemporaneidade (a partir de contribuições de Moraes, Marandino, Cazelli, Studart, Cury), a importância da alfabetização científi ca, as dimensões envolvidas na questão da exposição (em ambientes de museus) e, fi nalmente, os objetivos, o tema e as hipóteses que estão em jogo.

O capítulo dois discute a linguagem e suas diversas implicações. Um pri-meiro segmento situa cultura, linguagem e comunicação. Nessa parte, entram ques-tões como: o conceito de cultura e seus pressupostos históricos; a cultura não é algo monolítico e acabado. As duas culturas de C. P. Snow: cultura e educação, cultura e natureza. Cultura e a acepção “sala de ópera”. A cultura e o indivíduo, cultura e Esta-do. Cultura e seu sentido antropológico. Um segundo ponto do mesmo segmento se refere à comunicação, aos sistemas de signos e à linguagem. Nele se incluem tópicos como comunicação e cultura, comunicação e linguagem. Formas e ramos da comuni-cação. Linguagem e suas defi nições, linguagem e cultura, linguagem e sua diversidade de sentidos, linguagem e diversidade humana e cultural, linguagem verbal e não ver-bal. Semiótica, linguística, conexões (a partir de Noth e Joly). Linguagem mista e ex-posições científi cas. Linguagens artifi ciais: língua técnica. A ciência como linguagem. Heidegger: língua da tradição e língua técnica. A técnica moderna e a visão instru-mental da língua. Norbert Wiener e a cibernética. Shannon e a teoria da informação, os Laboratórios Bell, a invenção do bit e a quantifi cação da informação. A informação e os meios instrumentais de sua veiculação. A seguir, como terceiro ponto, emerge o tema da linguagem e pensamento. Linguagem e cognição humana; linguagem, pensa-mento e cultura.

Logo a seguir, como segundo segmento, temos a discussão do tema da lin-guagem visual, chegando ao pensamento visual. Um primeiro ponto desse segmento engloba pensamento visual e percepção humana, chegando até a Gestalt. Em seguida, Gestalt, seus principais nomes, fundamentos e história sucinta. Dentro dessa linha, o texto chega ao nome de Rudolf Arnheim, frisando a sua importância. Pensamento visual e inteligência visual; Arnheim e seus aportes quanto ao tema da percepção e pensamento.

Ainda nesse segmento aborda-se o mundo mental, com seus diversos matizes, e a ênfase em certos aspectos fi losófi cos. Mundo mental e vida mental: representa-ções. Platão e o racionalismo. Descartes e o moderno racionalismo. Kant e seus apor-

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tes (de modo muito breve). Alguns elementos básicos da ciência cognitiva. Mente e cérebro. A questão do imaginário e suas implicações gerais.

O terceiro segmento se volta para a informação e sua compreensão, com o questionamento de certas teorias e práticas prevalentes que se estruturam em cima de uma confi guração linear para processamento da informação. Engloba a questão da linguagem textual linear em contraposição à espacial não linear. Ao fi nal, no quarto segmento, temos a abordagem da divulgação científi ca naquilo que toca a questão da linguagem e suas diversas implicações. Divulgação científi ca, comunicação, informa-ção: ciência como linguagem, conhecer a ciência. A própria defi nição do que é ciência é abordada, a partir das contribuições de R. Ferreira.Thomas Khun e as revoluções científi cas: alguns insights. Alfabetização científi ca e as novas instituições. O questio-namento do “museu clássico”: o templo das musas ou ainda local com aura sagrada, e o museu como forum. Novo museu, novas linguagens. A compreensão pública da ciência. Alfabetização, divulgação, popularização. O novo museu visa desequilibrar o senso comum. Uma linguagem ainda em formação: linguagem mista. Que peso a informação em modo não textual assume na exposição científi ca?

Outras contribuições ao capítulo são dadas a partir de Francis Bacon, Roy Wagner, C. P. Snow, Terry Eagleton, Robert K. Logan, Attico Chassot, James Gleick, Norbert Wiener, Décio Pignatari, Celso Japiassu, Danilo Marcondes, Max Werthei-mer, Gilbert Durand, Johan Wagemans, James H. Elder, Michael Kubovy, Stephen E. Palmer, Mary A. Peterson, Manish Singh, Rüdiger Von der Heydt, Donald Hoffman.

O capítulo três se volta para a alfabetização e a divulgação científi ca. Abor-da de modo introdutório a questão do capital intelectual e como isso se relaciona com a questão educacional, científi ca e tecnológica; o esforço para o Brasil se manter no cenário global; o Brasil continua “invisível” na produção de tecnologia no mundo. A meta distante – o Brasil chegar a investir uma parcela mais expressiva do Produto In-terno Bruto (PIB) em ciência, tecnologia e inovação –, economia do conhecimento (o trabalho de Peter Drucker, Daniel Bell, Manuel Castells), economia criativa. O fato de que ciência, tecnologia e inovação têm sido fatores essenciais no competitivo processo de desenvolvimento de diversas nações.

A interface ciência/política/educação estando profundamente imbricada com as diversas mudanças sociais que se fi zeram no bojo do processo de globalização. Ciência e tecnologia presentes em um amplo espectro de setores da sociedade e se rela cionando com uma grande variedade de contextos, inclusive os tradicionalmente associados à área da cultura (no seu sentido “sala de ópera”). Em uma época pautada pelo desenvolvimento científi co e tecnológico, torna-se apropriado estudar como a educa ção formal e a não formal podem auxiliar as pessoas a entenderem e melhor se situarem com relação a tais avanços. Temos a abordagem de temas importantes que estão relacionados: o discurso da ciência, a visão científi ca; divulgação científi ca e

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imaginário; educação informal e divulgação científi ca; cultura de massa e divulgação científi ca (a partir de Robert K. Logan, Sibele Cazelli, Maria Esther Valente, Fátima Alves, Benjamin Shen, Roy Wagner, Anthony Giddens, Antonio Carlos Azevedo, Ri-chard Sennet). Ainda a transmissão de conhecimentos e a produção de conhecimen-to, envolvendo a passagem de dados para informações e depois para o conhecimento, não sendo algo linear; existindo “saltos qualitativos”, ou mesmo “saltos quânticos” no processo. O conhecimento se faz a partir da interpretação de dados e informações, en-tretanto, não se pode esquecer a imaginação, componente essencial para se chegar à inovação e dinamizar a tão celebrada economia criativa. Enfi m, chegamos à questão da divulgação e os museus: a discussão acerca dessa temática em relação aos museus de ciência e tecnologia, aos centros de ciências e congêneres.

Nesse ponto será enfocada a temática dos museus em geral, entrando por acer-vos e coleções (colecionismo, gabinetes de curiosidades), com aportes de Abraham Moles, Krzysztof Pomian, Gilbert Durand, Helga Possas, Jacques Le Goff, Hugues de Varine. A seguir temos a abordagem acerca da formação da ideia de coleção do mun-do ocidental, especialmente a partir do Renascimento e dos humanistas, com a ascen-são de novos grupos sociais, a formação do mercantilismo, etc. Os aspectos históricos dessa época, as condições culturais, políticas e sociais que conduziram a formação dos gabinetes de curiosidades e de coleções, e como tais entes vieram a se transformar em museus, em especial com as contribuições de Pomian.

O problema do museu em relação à tradição: o “museu templo” com aura sa-grada então será apontado. A ideia do museu como “templo” que remete à tradição, ao conservadorismo, a certa concepção estética, e como isso se “amalgamou” com a visão do museu como algo instrumental para a consolidação da identidade nacional em determinados países. O contraste com as concepções dos museus na contempora-neidade: as novas tendências que se contrapõem a essa visão conservadora e elitista. O museu hoje é visto como instituição que, além de suas funções de preservar, con-servar, pesquisar, comunicar e expor, visa ainda estar a serviço da sociedade, voltado para o estudo, o lazer e a educação, conforme a defi nição do International Council of Museums (Icom). A seguir, os museus e centros de ciências serão abordados quanto aos seus aspectos históricos. Esta abordagem se fará como um panorama geral tanto no mundo, em termos dos principais “momentos” e das tendências na evolução his-tórica dos museus e centros de ciências (o que pode ser destacado no processo, o que é relevante, como é o caso das exposições internacionais), quanto no Brasil: quais os “momentos” e as tendências na evolução histórica dos museus e centros de ciências no Brasil, destacando os acontecimentos mais recentes que levaram a uma renovação nesse campo.

No capítulo quatro, são enfocadas as exposições de natureza científi ca. Será tratado o que ocorre hoje em dia, quais as políticas públicas, os aspectos ideo-

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lógicos envolvidos, as ênfases pretendidas. Os museus e centros de ciências na con-temporaneidade serão então estudados: quais as grandes tendências. O problema da tipologia ou da classifi cação tipológica de museus, a tradicional, a proposta por U. Eco. O tipo totalmente “experimental”, calcado na experiência pioneira do Explo-ratorium, de São Francisco (EUA); o tipo “megaespectáculo”, com base em diversas instalações em diversos países, o tipo “híbrido”, entre o experimental e o espetacular; e o tradicional (ainda muito encontrado). A descrição das novas propostas: interati-vidade manual (hands on), interatividade mental (minds on), interatividade cultural (heart on). Então, teremos uma discussão acerca da concepção das exposições, bus-cando em especial debater: como se constrói o discurso expositivo, quem se envolve (os profi ssionais/especialistas)? Como se dá? Como se faz a curadoria ou o processo de concepção? Quais são os parâmetros de referência? Quais são as ênfases? Como ocorre o envolvimento institucional? Existe espaço para questionamentos? Quais as possibilidades quanto a novas visões e propostas alternativas? As contribuições em tal capítulo emanam, além do já citado Eco, de Chagas, LeGoff, Huyssen, Benjamin, Papert, Marandino, Ferreira, Fayard, Lopes, Herrero, Bruno, Cury, Davallon, Chauí.

No capítulo cinco, é feita a abordagem de um caso brasileiro: o Museu da Vida. Em um primeiro momento, temos a análise crítica e a discussão quanto aos as-pectos históricos, envolvendo a proposta da criação do museu dentro da Fiocruz. Em seguida, um relato enfocando as relações entre a Fiocruz e o Museu da Vida, como uma proposta nova em seu tempo.

A seguir, procuram-se enfatizar certos aspectos dessa nova proposta, que apos-ta em uma nova visão da ciência, a visão sintética, que inclui coisas como a escrita espacial, e a valorização dos processos participativos e da interatividade. Um quarto ponto a ser tratado envolve a retomada dos problemas relativos à divulgação e alfabe-tização e à incorporação da visualização no modo de expressar a linguagem científi ca: o enfoque no pensamento visual conectando pesquisa obscura e vida cotidiana.

Finalmente, discute-se o esboço de uma proposta para um novo espaço exposi-tivo no Museu da Vida, com base em sua primeira exposição permanente, que foi cha-mada Biodescoberta. Aquilo que lá existiu será devidamente documentado e analisado dentro de diversos aspectos (incluindo-se o da sua implantação), ressalvando que a sua proposta original já havia passado por reformulações, pois houve uma proposta de re-novação da Biodescoberta elaborada em 2009, outra em 2011, e, em 2013, o espaço foi fechado para que, a partir da necessidade de recuperação do prédio (a antiga Cavalari-ça, um prédio histórico), pudesse ser realizado um estudo mais ambicioso. De qualquer modo, já na sua época se tratou de uma proposta transdisciplinar e integradora; e a partir daí será aventado o que pode ser reconfi gurado e o que pode ser proposto, com diretrizes que tomam como base, em especial, o pensamento visual e as propostas de R. Arnheim.

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1.4. Metodologia

A metodologia constituída neste trabalho de tese se situa em uma vertente eminentemente qualitativa e interpretativa, adotando o conceito de lógica abdutiva, que se refere à inovadora noção de abdução, proposta por C. S. Peirce. A abdução en-volve um processo de raciocínio que opera a partir de indícios, pistas, aproximações, vestígios, sinais. Quanto às modalidades de inferência, temos, segundo Chauí, que

[...] na dedução, parte-se de uma verdade já conhecida para demonstrar que ela se aplica a todos os casos particulares iguais. Por isso também se diz que a dedução vai do geral ao particular ou do universal ao individual [...] a indução realiza um caminho exatamente contrário ao da dedução. Com a indução, partimos de casos particulares iguais ou semelhantes e procuramos a lei geral, a defi nição geral ou a teoria geral que explica e subordina todos esses casos particulares. [...] A abdução é uma espécie de intuição, mas que não se dá de uma só vez, indo passo a passo para chegar a uma conclusão. A abdução é a busca de uma conclusão pela interpretação racional de sinais, de indícios, de signos. [...] Ela se aproxima da intuição do artista e da adivinhação do detetive, que, antes de iniciarem seus trabalhos, só contam com alguns sinais que indicam pistas a seguir. Os historiadores costumam usar a abdução (CHAUÍ, 2001, p. 66 - 68).

Os métodos contemplados, portanto, têm uma natureza qualitativa e interpre-tativa. Porém, ultrapassando uma abordagem puramente analítica, sua utilização visa chegar a sínteses que podem ser expressas através de determinadas hipóteses, de cunho aproximativo, que estarão calcadas em indícios ou pistas relativos ao tema sendo trata-do na pesquisa. Outro aspecto importante a complementar o método é a visão sinótica, que está associada à ideia de síntese abrangente, abarcando o todo sem se preocupar com os detalhes em um primeiro momento, embora sem o seu descarte imediato.

Com isso, foram realizados estudos teóricos com a revisão da literatura que têm conexões com o tema, em uma perspectiva eminentemente transdisciplinar, com as suas complexidades inerentes, procurando reconhecer correlações, recompor elementos díspares, propor associações, analogias, com vistas a um conhecimento integrador, que procura contextualizar e englobar. Como dito acima, a transdiscipli-naridade teve o intuito de procurar integrar “ciência, arte, design, estudos culturais e disciplinas próximas”. Foram verifi cadas fontes primárias e secundárias diversas, compostas de documentos, textos, referências. Esses direcionamentos se deram no sentido de conceituar melhor as conexões do tema em relação à comunicação, lin-guagem, código, Gestalt, semiótica, ciência como arcabouço geral, para depois entrar em especifi cidades relacionadas com a divulgação científi ca, os museus, os aspectos históricos, chegando às coleções e seus desenvolvimentos no tempo, para desembocar em uma discussão a respeito das exposições científi cas.

Ao fi nal, no estudo de caso, além do estudo documental, procuramos adotar métodos similares aos de observação participante, resultando em uma vivência rela-cionada com a perspectiva de mudança em um dos espaços constituintes do Museu da Vida, no prédio da Cavalariça (integrante do Núcleo Arquitetônico Histórico de

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Manguinhos), já mencionada acima. Com a desativação do antigo espaço da exposi-ção de longa duração da Biodescoberta, para reforma e recuperação do prédio histó-rico, abriu-se a oportunidade de mudança completa no conceito geral da exposição. Pude acompanhar em grande medida o desenrolar das reuniões da equipe designada para elaborar essa mudança, a nível conceitual. Ainda, como suporte de maior consis-tência a essa orientação qualitativa, realizei entrevistas com indivíduos portadores de repertório (incluindo vivências) muito signifi cativo relacionado à concepção de expo-sições de cunho técnico-científi co, alguns deles relacionados diretamente com a con-cepção, desenvolvimento e implantação da antiga exposição de Biodescoberta, fulcro central do meu estudo de caso. O registro de tais entrevistas encontra-se em anexo.

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2 Cultura, Linguagens e Comunicação

2.1. Cultura e linguagem

Sabe-se que a palavra cultura origina-se de um modo não muito direto do verbo latino colere, que quer dizer cultivar, (e ainda “habitar”, “proteger”, “adorar”), derivando algumas de suas acepções dessa ligação primeva com o cultivo do solo. Em tempos idos (séculos XII a XV), o termo se associava de modo inquestionável a um “campo arado”. Termos próximos seriam “lavoura” e “cultivo agrícola” – portanto, na sua origem, o termo está muito próximo da natureza, dela emanando. No interior do Brasil, em diversas regiões, essa associação ainda se faz muito presente. Francis Bacon (1558 – 1627)1 escreveu por volta de 1600 sobre o “cultivo e a adubação de mentes”, já exercitando um pouco a maneira como o conceito foi metaforizado com o passar dos anos. Por essa época, o conceito passara a signifi car um processo de refi namento e aprimoramento progressivo de um determinado cultivo. Ou, ainda, o resultado ou incremento de tal processo: assim que se começava a falar da “cultura da vinha”, “cultura da cana-de-açúcar”, ainda no âmbito da natureza e da atividade ma-terial agrícola.

“Muitas vezes assumimos os pressupostos mais básicos de nossa cultura como tão certos que nem nos apercebemos deles” (WAGNER, 1999, p. 39). Esse “entranha-mento” de tais pressupostos que o autor menciona é um dos complicadores na tenta-tiva de defi nição do termo “cultura”. Talvez as pessoas já o tomem como um truísmo, algo autoevidente, que não demanda maiores considerações. Mas o fato é que, junto com o termo “natureza”, trata-se de um dos mais difíceis de conceituar, pela diversi-dade de acepções de que se reveste, de acordo com o campo ao qual se associa. Certas correntes da psicologia, por exemplo, afi rmam que tudo relacionado ao cérebro é uma combinação de “natureza” e “cultivo”. A cultura seria um fator que infl uencia nessa combinação, que, por sua vez, infl ui no comportamento, que, então, afeta o cérebro. De qualquer modo, sabe-se hoje que não é possível falar de cultura como uma enti-dade fi xa, objetiva, uma coisa monolítica. Há sempre nessa seara a presença de ambi-guidades e certo jogo dialético, que é dinâmico e criativo.

C.P. Snow cunhou a expressão “as duas culturas”, procurando evidenciar que, em sua época, o campo da arte estava muito distante da esfera científi ca, sendo que a arte compreendia o domínio da sensibilidade, da percepção, dos fatores subjeti-vos. Até o século XVIII, o mundo das letras englobava toda a produção intelectual no Ocidente, não havendo uma separação entre o mundo da ciência e o mundo artístico e/ou literário. No século XIX, ocorre a subdivisão entre cultura do texto e cultura científi ca. Em sua palestra de 1959, Snow chamava a atenção dos britânicos para o problema da separação de ambas culturas científi ca e literária. Ao mesmo tempo, re-

1 Político, fi lósofo e ensaísta inglês, considerado o fundador da ciência moderna.

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forçava a importância da educação e alertava para a necessidade dos intelectuais da época melhor se situarem com relação à industrialização: nessa palestra ele chega a afi rmar que integrantes dos círculos literários ingleses seriam “ludditas naturais”. Na oportunidade, ele alertava para o pouco estudo devotado ao fenômeno da Revolução Industrial e defendia que “a sociedade industrial da eletrônica, da energia atômica, da automação” teria a “natureza diferente da de qualquer coisa que vinha ocorrendo an-tes”, e desse modo conteria o potencial de mudar muito mais o mundo a partir de en-tão (SNOW, 1995, p. 49). Mais adiante ele retoma o mote da educação para reclamar que a Inglaterra não estaria enfrentando da melhor maneira a revolução científi ca, e que outros países estariam se saindo melhor. Ele então pergunta: “Como forjaremos o nosso futuro, tanto o futuro cultural quanto o prático?”. (Ibid., p. 53). Entrementes, cumpre ressaltar que a ciência é uma invenção recente, e as ciências sociais se iniciam no século XIX em uma época em que a Física e a Biologia eram dominantes: eram os campos paradigmáticos por excelência. Não custa lembrar que o paradigma evolucio-nista dominava na segunda metade daquele século.

Dadas tais origens históricas, o termo “cultura” pode ser apreciado, de acordo com o inglês Terry Eagleton, com inúmeras facetas que merecem uma análise mais cuidadosa. De início, ele reforça que

Se a palavra “cultura” guarda em si os requícios de uma transição histórica de grande importância, ela também codifi ca várias questões fi losófi cas fundamentais. Neste úni-co termo, entram indistintamente em foco questões de liberdade e determinismo, o fazer e o sofrer, mudança e identidade, o dado e o criado. Se cultura signifi ca cultivo, um cuidar, que é ativo, daquilo que cresce naturalmente, o termo sugere uma dialética entre o artifi cial e o natural, entre o que fazemos ao mundo e o que o mundo nos faz. É uma noção “realista”, no sentido epistemológico, já que implica a existência de uma natureza ou matéria-prima além de nós; mas tem também uma dimensão “constru-tivista”, já que essa matéria-prima precisa ser elaborada numa forma humanamente signifi cativa (EAGLETON, 2005, p. 11).

O termo “cultura” na contemporaneidade deriva de uma metáfora refi nada, que, como já foi visto, se alimenta da terminologia da geração e aperfeiçoamento agrí-cola. Essa interpretação, que pode ser designada como o tipo “sala de ópera” (WAG-NER, 1999), se caracteriza por uma imagem de controle, requinte, sofi sticação e “do-mesticação” do homem por ele mesmo, em cujo bojo está inscrita uma grande dose de autodisciplina. Eagleton nos alerta para o fato de que “a natureza produz cultura que transforma a natureza” (EAGLETON, 2005, p.12), e isso envolve a própria natureza humana. Há uma interação entre o crescimento espontâneo que é o dado natural e a regulação, o trabalho ligado a regras que não podem ser deixadas de lado na questão do cultivo e do refi namento. Se a cultura transmuta a natureza, esse é um projeto para o qual a natureza determina limites rigorosos.

Nos séculos XVIII e XIX dizia-se que uma pessoa cultivada era alguém que “tinha cultura”, que tinha desenvolvido seus interesses e feitos conforme padrões sancionados e recomendados socialmente. Ali, tratava-se da cultura sendo entendida

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como cultura individual, havendo então nesse entendimento a presença de uma du-alidade entre faculdades superiores e inferiores (vontade x desejo; razão x paixão), dualidade que seria superada pela prevalência das ditas qualidades superiores no indivíduo. A tal noção de cultura correspondia então um problema de autossupera-ção, assim como de autorrealização, exaltando o ego individual e ao mesmo tempo o disciplinando, estética e asceticamente. Note-se que, ainda nos dias que correm, essa é uma das acepções prevalentes da noção de cultura, que nos transfere do mundo na-tural para o espiritual, mas simultaneamente sugere uma afi nidade entre eles. Se for-mos seres culturais, somos da mesma forma seres biológicos, portanto, fazendo parte da natureza que trabalhamos e moldamos de acordo com nossos propósitos e interes-ses individuais e coletivos. O trecho a seguir situa bem a importância da passagem de uma concepção estritamente individual de cultura, que é aquela que prevalecia até o fi nal do século XIX, para uma em que o papel do Estado se torna preponderante:

Cultivo, entretanto, pode não ser apenas algo que fazemos a nós mesmos. Também pode ser algo feito a nós, em especial pelo Estado. Para que o Estado fl oresça, precisa incutir em seus cidadãos os tipos adequados de disposição espiritual; e é isso o que a ideia de cultura ou Bildung signifi ca numa venerável tradição de Schiller a Mathew Ar-nold. Numa sociedade civil, os indivíduos vivem num estado de antagonismo crônico, impelidos por interesses opostos; mas o Estado é aquele âmbito transcendente no qual essas divisões podem ser harmoniosamente reconciliadas. Para que isso aconteça, con-tudo, o Estado já tem que ter estado em atividade na sociedade civil, aplacando seus rancores e refi nando suas sensibilidades, e esse processo é o que conhecemos como cultura. A cultura é uma espécie de pedagogia ética que nos torna aptos para a cida-dania política ao liberar o eu ideal ou coletivo escondido em cada um de nós, um eu que encontra sua representação suprema no âmbito universal do Estado (EAGLETON, 2005, p. 17, grifos nossos).

Embora ecoe nas palavras de Eagleton uma ideologia liberal típica da Inglater-ra do século XIX, esse trecho não deixa de trazer à tona a questão da importância do papel do Estado na promoção da cultura como um bem em si, visando o aprimora-mento da cidadania e o estabelecimento do bem comum. Em tempos mais recentes, o uso antropológico de “cultura” constitui uma abstração ulterior, ou, ainda, uma democratização da concepção essencialmente individualista, elitista e aristocrática que era prevalente no século XIX (claro que ela subsistiu em determinados grupos e extratos ao longo do século XX e mesmo em nossos dias). Essa democratização se faz em amálgama com a emergência do papel do Estado como indutor de políticas no campo dito cultural, e, nesse caso, pode-se falar de cultura como uma extensão abs-trata da noção de domesticação e refi namento humanos do indivíduo para o coletivo, fi rmando-se a ideia de cultura como controle, refi namento e aperfeiçoamento gerais do homem por ele mesmo.

Em tempos mais recentes, temos a afi rmação de U. Eco: “ (...) a cultura, como um todo, deveria ser estudada como um fenômeno de comunicação baseado em sis-temas de signifi cação (...)” (ECO, 2007, p. 16). Seguimos, então, para uma abordagem mais detalhada da comunicação e suas diversas conexões.

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2.1.1 Comunicação, sistemas de signos, linguagem.Comunicação é uma palavra derivada do termo latino communicare, que

signifi ca “partilhar, participar algo, tornar comum”. Através da comunicação, os seres humanos e os animais partilham diferentes informações entre si, tornan-do o ato de comunicar uma atividade essencial para a vida em sociedade e para a cultura. Desde tempos imemoriais, a comunicação foi de importância vital, sendo uma ferramenta de integração, instrução, de troca mútua e desenvolvimento. O processo de comunicação consiste na transmissão de informação entre um emissor e um receptor que decodifi ca (interpreta) uma determinada mensagem. A mensagem é codifi cada num sistema de sinais defi nidos que podem ser gestos, sons, indícios, uma língua natural (português, inglês, espanhol, dentre outras), ou outros códigos que possuem um signifi cado (por exemplo, as cores do sinal de trânsito), e transportada até o destinatário através de um canal de comunicação (o meio por onde circula a mensagem, seja carta, telégrafo, telefone, rádio, televisão, jornais impressos ou ele-trônicos, satélite, a internet e similares – que nos dias atuais são chamados de modo abrangente de “mídia”, inclusive na literatura especializada).

Quando a comunicação se realiza por meio de uma linguagem falada ou escri-ta, denomina-se comunicação verbal, embora já nesse tópico alguns autores defen-dam que existem distinções entre a linguagem que se manifesta pela fala e a escrita. A linguagem escrita é derivada da fala e registrada em sinais visuais (LOGAN, 2012, p. 81). De qualquer modo, essa forma de comunicação é exclusiva dos seres humanos e a mais importante nas sociedades humanas em qualquer parte do mundo. As ou-tras formas de comunicação que recorrem a sistemas de sinais não linguísticos, como gestos, expressões faciais, imagens etc. são denominadas comunicação não verbal. Alguns ramos da comunicação que podem ser enunciados, de modo genérico, são: a teoria da informação, comunicação intrapessoal, comunicação interpessoal, marke-ting, publicidade, propaganda, relações públicas, análise do discurso, telecomunica-ções, jornalismo e a comunicação visual. A comunicação visual, como o próprio nome indica, recorre a sistemas de sinais não linguísticos. Assim, imagens, desenhos, sím-bolos, glifos e tipografi a integram a comunicação visual, bem como gestos, expressões faciais, as cores do semáforo, sinais de fumaça, o código Morse, o código braile, laba-notação, bandeiras, fl âmulas, emblemas, pictogramas e diversas outras manifestações de natureza não verbal ou não textual.

A linguagem, genericamente, pode ser defi nida como um sistema de signos convencionais que pretende representar a realidade e que é usado na comunicação humana. Linguagem e comunicação são conceitos muito próximos. A noção de sis-tema ganha destaque, sendo de um modo geral associada à ideia de um “conjunto de elementos relacionados entre si, ordenados de acordo com determinados princípios, formando um todo ou uma unidade”. Assim, vemos que, na prática, diversos sistemas

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de signos se encaixam bem na defi nição de linguagem. Um aspecto importante a ser ressaltado aqui é que se trata de um sistema aberto e, portanto, mutável, com capaci-dade de auto-organização; uma vez que as linguagens humanas evoluem com o tempo e se referenciam a um contexto, a uma cultura.

Em um sentido estrito, a linguagem está desse modo associada à sua forma falada e escrita, dentro de uma concepção teórica, ideal, ‘normal’, ou ainda ‘do sen-so comum’; se constituindo a partir de regras e convenções semânticas, sintáticas e pragmáticas. A obra de 1916, Curso de linguística geral, de Ferdinand de Saussure (1857-1913), suíço, é considerada a “pedra fundamental” da linguística moderna. Esse trabalho, famoso, dentre outras coisas, por ter sido compilado a partir das anotações dos alunos de Saussure após seu falecimento, aborda de modo especial o problema da língua. Sabe-se que Saussure estudou desde muito jovem (a partir dos quatorze anos) línguas como o inglês, grego, alemão, francês, celta e sânscrito. Ele, embora tenha dedicado boa parte de sua vida a estudar a língua, não assumiu em nenhum momento que esta era o único sistema de signos utilizado para exprimir ideias na comunicação humana. Desse modo, propôs a semiologia como uma ciência geral dos signos, dentro da qual a linguística, o estudo sistemático da língua, faria parte de modo predomi-nante, estabelecendo os fundamentos desse campo teórico (JOLY, 2007). De acordo com Rodrigues, Saussure “estava preocupado em observar a linguagem com rigor científi co, o que o levou a defi nir o objeto língua, percebendo o seu caráter social e complexo” (RODRIGUES, 2008, p. 4).

Diversos conceitos fundamentais para o campo da semiologia/semiótica foram estabelecidos a partir do trabalho de Saussure, como os de signifi cante e signifi cado, a forma dos signos linguísticos e as grandes regras de funcionamento da linguagem, em uma abordagem nova e vigorosa da língua como o mais complexo e mais amplo dos sistemas de expressão. Sendo muito característico e matizado, o seu estudo através da linguística poderia, de acordo com Saussure, se tornar o modelo geral para toda a semiologia, embora não se podendo esquecer que a língua seja apenas um sistema particular (JOLY, 2007). Um aspecto importante para este trabalho é que Saussure, a partir do trabalho pioneiro de Wilhelm Von Humboldt (1767 – 1835), assumiu e con-fi rmou a linguagem humana como um sistema governado por regras, e não apenas um conjunto de palavras que formam frases, associadas a determinados signifi cados (RODRIGUES, 2008).

Ainda como um dos precursores no campo da semiótica, destaca-se o trabalho do enciclopedista Diderot (1713-1784), que elaborou estudos acerca da comunicação não verbal e a estética (NOTH, 2008, p. 49). A partir de estudos genéticos da semiose humana que se desenvolveram no século XVIII, emergiram considerações acerca da diferença entre comunicação verbal e não verbal. O referido enciclopedista lançou al-gumas ideias que podem ser consideradas revolucionárias, se comparadas com aque-

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las elaboradas pelo racionalismo cartesiano. Ele afi rmou que a linguagem dos glifos não é só mais expressiva, como também mais lógica que a linguagem verbal. A razão desse argumento surpreendente prende-se à linearidade temporal dos fonemas, na expressão verbal, que determina uma estrutura unidimensional. Já a linguagem dos gestos é tridimensional, corresponde necessariamente mais à realidade do que as de-mais representações unidimensionais. Portanto, podemos concluir que, para Diderot, a linguagem na sua expressão verbal provoca uma distorção da realidade.

O argumento da superioridade da comunicação não verbal insere-se numa te-oria semiótica mais geral desenvolvida no âmbito da estética do século XVIII: a teoria da mimese, da representação por signos icônicos, mais próximos do mundo represen-tado (NOTH, 2008, p. 49-50).

Ainda no período iluminista, é importante salientar uma constatação surpre-endente: a iconicidade – a correspondência entre signo e mundo – era o critério se-miótico principal para duas formas de expressão cultural tantas vezes consideradas contrárias: a ciência e a arte. Entretanto, conforme nos enfatiza Snow (1995), já na primeira metade do século XIX (portanto, ainda em pleno vigor das ideias ilumi-nistas) dá-se o início daquilo que ele denominou de “as duas culturas”, a separação entre a cultura literária e/ou artística e a científi ca. De qualquer modo, em ambos os setores, os iluministas viram a possibilidade de serem atingidos níveis mais altos de perfeição por meio de signos que representem coisas por aproximação icônica. Esse ponto de vista aproxima arte e ciência como irmãs gêmeas (NOTH, 2008, p. 53). Os poucos apontamentos disponíveis sobre a semiótica do século XIX começam com a idade do romantismo (c.1790-1830). Símbolo e imagem são as noções centrais da se-miótica desse período. Na área do idealismo fi losófi co, J. G. Fichte (1762-1814), por exemplo, defendeu a importância das imagens na cognição e encampou a tese neo-platônica de que o sistema de conhecimentos é necessariamente um sistema de meras imagens sem nenhuma realidade, signifi cação e fi nalidade (NOTH, 2008, p. 55).

Roman Jacobson (1896-1982) é outro importante linguista do século XX, de origem russa, que, como Saussure, acredita que, dentre os sistemas de signos, a lin-guagem é o sistema semiótico mais importante, sendo de fato o próprio fundamento da cultura.

O instrumento principal da comunicação informativa, segundo Jacobson, é a linguagem. Charles Sanders Peirce (1839-1914), fi lósofo norte-americano, com for-mação em física e química, veio a ser um dos nomes mais importantes associados à semiótica contemporânea, com a sua teoria dos signos. Ele partiu de uma perspectiva bem diferente da de Saussure, pois, antes de estudar a língua, procurou estabelecer as bases de uma teoria geral dos signos, com uma tipologia muito ampla, que não deixasse, por certo, de incluir a língua; contudo, esta estaria inscrita e relativizada em uma perspectiva mais ampla (JOLY, 2007). Para ele, o signo era “tudo aquilo que está

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para alguém em lugar de algo” sob algum aspecto ou padrão (NOTH, 2008, p.65). A semiótica se estabeleceu como a doutrina dos signos (Jacobson, 1974; Rey, 1973; Se-beok, 1976; Todorov, 1977). Peirce desenvolveu uma tipologia elaborada de signos a partir de uma classifi cação com base inicial nos conceitos de representamen, objeto e interpretante (ver diagrama abaixo).

interpretante

objetorepresentamen

Figura 1. Diagrama com categorias de Peirce: triângulo peirceano (Fonte: ECO, 2007)

Essa categoria de elementos de classifi cação são as tricotomias, os triângulos semióticos. Dentro do sistema que elaborou, contendo dez classes, ocorriam ainda as noções de primeiridade, secundidade e terceiridade. Das tricotomias peirceanas, a que ele mesmo reputou a mais importante, e a que se tornou mais conhecida e re-ferenciada, é a que classifi ca os fenômenos sígnicos em ícone, índice e símbolo. São as categorias fundamentais, que constituem a segunda tricotomia, e descrevem os signos sob o ponto de vista das relações entre o representamen e o objeto (NOTH, 2008, p. 78). O ícone participa da primeiridade por ser um signo cuja qualidade síg-nica tem a ver principalmente com a sua qualidade em si. Em termos mais concretos, relacionados com a realidade cotidiana dos ícones, o critério para defi ni-los é o da similaridade entre representamen e objeto. Entretanto, essa defi nição pode ser ma-tizada, pois os exemplos aventados, que são as fotografi as, pinturas, retratos (cuja similaridade intuitivamente nos parece direta), admite ainda metáforas, diagramas e gráfi cos lógicos, e até mesmo fórmulas algébricas, cuja relação representamen– obje-to é indireta. Eles não são semelhantes ao seu objeto no sentido ordinário da palavra. Para o exemplo das fórmulas algébricas e os diagramas, a iconicidade desses signos não se encontra na semelhança com os seus objetos quanto à aparência, mas nas correspondências relacionais. Ou seja, a semelhança entre eles se confi gura apenas na relação entre suas partes. As metáforas, por sua vez, se referem indiretamente ao objeto, possuindo assim menor grau de iconicidade. Imagens são imediatamente icô-nicas (NOTH, 2008, p. 81-82).

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O índice está fi sicamente conectado com seu objeto, e, assim, formam ambos um par orgânico. Entre os exemplos peirceanos de índice incluem-se o catavento (ar em movimento), uma fi ta métrica (espaço, geometria), uma fotografi a (registro da cena de um crime), o ato de bater à porta (presença humana), um dedo indicador apontando numa direção (o caminho a seguir), e um grito de socorro (alguém em apuros) (NOTH, 2008, p. 82). No caso do símbolo, a relação entre representamen e objeto é arbitrária e depende de convenções sociais. Peirce situou que o uso de sím-bolos icônicos tem também um fundamento icônico, pois a única maneira de comu-nicar diretamente uma ideia é através de um ícone, e todo método de comunicação indireta de uma ideia deve depender, para ser estabelecido, do uso de um ícone. Daí segue que toda asserção deve conter um ícone ou conjunto de ícones, ou então deve conter signos cujos signifi cados só sejam explicáveis por ícones. No discurso verbal, a iconicidade consiste em metáforas, paráfrases explicativas e, sobretudo, na estrutura diagramática das proposições gramaticais, que ele denominou “ícones lógicos”. Con-forme sua proposição quanto à evolução da língua humana, existiram originalmente signos icônicos que foram, aos poucos, sendo substituídos por símbolos. Nesses sím-bolos, permanece, em todo caso, a base icônica (NOTH, 2008, p. 85).

A língua falada, à primeira vista, nos parece “amarrada” em sua estrutura line-ar e acústica, e, desse modo, pouco adequada para representar o mundo multidimen-sional e multimedial, uma vez que a iconicidade da língua é relativamente baixa. Os intelectuais concretistas, com essa premissa em mente, lançaram o conceito “verbivo-covisual”, que estava por trás das invenções da poesia concreta. Eles (Augusto e Ha-roldo de Campos, Décio Pignatari, José Lino Grünewald e Ronaldo Azeredo, do grupo NOIGRANDES), não escondiam as suas conexões com a semiótica peirceana (em especial Pignatari). Na entrevista de Augusto de Campos ao jornal O Globo, caderno “Prosa e Verso”, em 18 de julho de 2015, o poeta menciona tais questões, destacando o papel da poesia concreta como uma utopia construtivista, que teve uma fase ortodo-xa de poemas minimalistas “bauhausianos”. Cita ainda a arte concreta de Waldemar Cordeiro, com os seus “popcretos”, e ainda o “efeito borboleta” de Konrad Lorenz, um dos grandes nomes da cibernética (ciência que iremos novamente abordar mais adiante neste texto), como elementos importantes da movimentação concretista, que, segundo ele, não teria sido devidamente aquilatada no meio intelectual.

Em todo caso, podemos encontrar diversas linguagens que não apenas as que o senso comum assim reconhece como tal, que (como já mencionado) servem ao pro-pósito básico de permitir a comunicação entre os seres humanos na sua forma falada (linguagem oral), escrita (textual); aquelas que, fugindo ao seu sentido estrito ou ‘normal’, se revestem de uma natureza não linguística ou não verbal. Assim sendo, a noção de linguagem pode assumir certa diversidade de sentidos2:

2 Adaptado de Dicionário Michaelis On Line. Disponível em: http://michaelis.uol.com. br/, acesso em 9 jun 2015.

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Aptidão que têm os homens de comunicarem-se uns com os outros, exprimin-do seus pensamentos e sentimentos por meio de vocábulos, que se transcre-vem em signos alfabéticos convencionais grafados quando necessário. Pode ser ainda o sistema através do qual o indivíduo humano se comunica (suas ideias e sentimentos) com outros, seja através da fala, da escrita ou de outros signos convencionais;

Maneira de falar, relativamente às expressões, ao estilo: assim, pode-se falar em linguagem obscura, cifrada, incorreta;

Voz, grito, canto dos animais: “linguagem dos papagaios”, latido (“au-au”); Modo de se exprimir por meio de símbolos, formas artísticas e plásticas: a lin-

guagem do cinema; Linguagem formal, linguagem simbólica que se serve de axiomas e leis, bem

como de normas especiais (como é o caso dos algoritmos), em oposição à lin-guagem natural;

Linguagem natural, como sendo o conjunto de sinais que se empregam e in-terpretam indistintamente em determinado meio, cultura, civilização, socie-dade, etnia, comunidade ou grupo social (como a fala, o grito, os olhares, os gestos, expressões faciais, dentre outros).

A diversidade de linguagens está ligada à própria diversidade humana. Se ad-mitirmos que pudessem ser elencadas diversas linguagens além daquelas associadas à forma falada e escrita, haveria um aumento exponencial em sua complexidade. A diversidade humana e cultural aponta principalmente para a assim chamada “lin-guagem natural”, a das falas, gritos, olhares, gestos; que é construída histórica e culturalmente pelos povos ao redor do planeta. Entretanto, nesse quesito, faz-se necessário enfatizar algumas das outras formas de linguagem, como aquela que en-volve o modo de se exprimir por meio de símbolos – já presente em civilizações muito antigas e mesmo naquelas que se encontram há muito tempo desaparecidas (como a dos sumérios e a dos etruscos). Citando M. Joly, quanto a uma retórica da linguagem:

A panorâmica que acabamos de efetuar permite-nos portanto recolocar e compreender as proposições de Barthes na sua Retórica da imagem. Elas inscrevem-se na evolução do conceito do alargamento da retórica da linguagem verbal na direção de uma retóri-ca geral, aplicável a todos os tipos de linguagem: A retórica clássica deverá ser repen-sada em termos estruturais e [que] será então talvez possível estabelecer uma retórica geral (...) válida para o som articulado, a imagem, o gesto, etc. Jacobson também já ha-via considerado que os dois processos da metáfora e da metonímia não eram de forma alguma apanágio da literatura, antes surgindo também em sistemas de signos que não a linguagem tais como a pintura e o cinema. Podemos notar a orientação manifesta-mente metonímica do cubismo, o qual transforma o objeto numa série de sinédoques; os pintores surrealistas reagiram com uma concepção visivelmente metafórica (JOLY, 2007, p. 101).

Na vida cotidiana, nós, seres humanos, fazemos uso da linguagem verbal e não verbal para nos comunicarmos. A linguagem verbal, como já foi visto, integra a fala e

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a escrita (diálogo, informações no rádio, televisão ou imprensa etc.). Todos os outros recursos de comunicação (como imagens, desenhos, símbolos, músicas, gestos, tom de voz, dentre outros) fazem parte da linguagem não verbal. A linguagem corporal é um tipo de linguagem não verbal, pois determinados movimentos corporais po-dem transmitir mensagens e intenções – por exemplo, um indivíduo ao se contorcer subitamente está expressando, em princípio, sensação de dor física intensa. Dentro dessa categoria existe a linguagem gestual, um sistema de gestos e movimentos cujo signifi cado se fi xa por convenção, usada (tipicamente) na comunicação de pessoas com defi ciências na fala e/ou audição. Mais recentemente, dentro do campo teórico da cultura material, surgiu a expressão “linguagem das coisas”, expressando a noção de que vivemos em um mundo repleto de objetos que de alguma forma se comunicam conosco, constituindo desse modo uma linguagem (SUDJIC, 2010). Se retomarmos algumas das proposições de Peirce, podemos considerar que as linguagens seriam “sistemas de signos” com bom nível de estruturação, o signo considerado como algo que expressa alguma signifi cação, algo que signifi ca outra coisa para alguém, devido a uma relação ou motivo qualquer. Assim, o indivíduo estar corado ou pálido pode ser um sinal de que ele está doente ou emocionado; o cheiro de fumaça pode signifi car fogo nas proximidades; as nuvens carregadas, sinal de chuva iminente. Desse modo, para aquele que pertence a uma determinada cultura, os sons da língua que ouve são signos de conceitos que aprendeu a associar a tais sons (JOLY, 2007). Em maior de-talhe, um alfabeto representa sons por meio de signos que se tornam convencionais e são compartilhados pelos que deles se valem para se comunicar na sua comunidade.

Uma linguagem mista (ou ainda “híbrida”) faz uso da linguagem verbal e da não verbal ao mesmo tempo. Por exemplo, uma história em quadrinhos integra, si-multaneamente, imagens, símbolos e diálogos. Dependendo do contexto social em que a linguagem é produzida, o emitente pode usar a linguagem formal (produzida em situações que exigem o uso da linguagem padrão, por exemplo, salas de aula, con-ferências em auditórios ou reuniões de trabalho) ou informal (usada quando existe intimidade entre os indivíduos que ali estão congregados, tipicamente em situações festivas, reuniões familiares e ocasiões esportivas; nelas, o habitual é as pessoas se valerem de expressões coloquiais). No caso das exposições de natureza científi ca, é muito comum o uso da linguagem mista evocada logo acima.

As linguagens artifi ciais (criadas para servirem a um fi m específi co, por exem-plo, a lógica matemática ou a informática) também são designadas por linguagens formais ou, ainda, na expressão de Heidegger, a “língua técnica”. A linguagem de pro-gramação de computadores é uma linguagem formal que consiste na criação de códi-gos e regras específi cas que processam instruções para computadores. Esse tema será abordado de maneira mais detalhada logo adiante.

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Desse modo, cumpre ressaltar uma vez mais que podem ser elencadas diversas formas de linguagem, que não apenas as mais comumente conhecidas. Assim, não so-mente aquelas que estão associadas a uma formalização rigorosa, como o código Mor-se e as linguagens de programação de computadores, como também aquelas não tão rigorosamente estruturadas, que admitem certo grau de imprecisão e subjetividades, como as que se associam ao trabalho de determinado artista plástico ou fotógrafo, e que pode ser denominada de “linguagem plástico formal”. Temos ainda o que mais acima denominamos de “linguagem mista”, aquela que faz uso da linguagem verbal e da não verbal, assim como a importante questão relacionada ao “modo de se exprimir por meio de símbolos”, muito associado às formas artísticas. Entre um polo e outro se situam coisas como os sistemas de pictogramas e elementos simbólicos diversos, que admitem certa variação na sua representação estilística. A ciência em si pode ser vista como uma linguagem para facilitar a leitura do mundo natural (CHASSOT, 1993).

Nesse ponto, é importante destacar as refl exões apresentadas pelo fi lósofo Martin Heidegger em texto reproduzindo o manuscrito de uma conferência que ele proferiu em 18 de julho de 1962. Essa palestra foi direcionada para os professores das escolas profi ssionais, na Academia de Estado para a Formação Contínua, em Combourg (Schwäbich Hall), na Alemanha, tendo sido intitulada “Língua da tradição e língua técnica”. Com rigor metodológico e clareza argumentativa, o fi lósofo em di-versas passagens deixa transparecer uma visão crítica quanto à tecnociência, que da época da conferência até os dias atuais apenas ganhou maior ímpeto e importância no dia a dia das pessoas e nas esferas mais amplas política, econômica e cultural da vida social dos povos.

Em determinado ponto ele defende que “a língua é o mundo intermediário entre o espírito humano e os objetos” (HEIDEGGER, 1995, p. 32), destacando aí a importân-cia que lhe atribui na cultura humana; o que é reforçado quando, a seguir, ele defende que a língua não é apenas um instrumento de troca e de comunicação, pura e simples-mente, sendo que a dominação indiscriminada da técnica moderna estaria reforçando essa visão “instrumental” (Ibid., p. 33) na contemporaneidade. Ele ainda vai identifi car informação com língua técnica, e nesse caso haveria um reducionismo inerente ao pro-cesso que necessariamente empobrece a língua natural (ou “língua de tradição”).

Para que uma tal espécie de informação se torne possível, cada sinal deve ser defi nido de maneira unívoca; da mesma maneira cada conjunto de sinais deve signifi car de ma-neira unívoca um enunciado determinado. O único caráter da língua que permanece na informação é a forma abstracta da escrita, que é transcrita nas fórmulas de uma álgebra lógica (IIbid., p. 36).

Ele, como que a enfatizar certas objeções a esse predomínio expressivo da língua técnica e suas possíveis consequências indesejáveis, ressaltava mais adiante no seu ma-nuscrito que “um poema, por princípio, não pode ser programado” (Ibid., p. 37) – em que pesem os esforços de toda uma plêiade de poetas concretos e assemelhados.

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Em continuidade aos seus comentários quanto ao predomínio da tecnociência no mundo moderno e contemporâneo, Heidegger defende mais adiante que “Com a dominação absoluta da técnica moderna cresce o poder – tanto a exigência como a efi cácia – da língua técnica adaptada para cobrir a latitude de informações mais vasta possível” (Ibid., p. 37). Essa crítica segue adiante, com ele analisando as teorias de-fendidas por Norbert Wiener, um dos fundadores da cibernética; alertando para cer-tos exageros ligados a uma visão (a seu ver) excessivamente tecnicista daquele cien-tista. Como exemplo, cita a hoje bem conhecida interpretação de Wiener da atividade do aprender, que para ele seria nada mais que uma atividade de “retroalimentação” (“feedback”) em que o modelo de comportamento é modifi cado pela experiência que o precedeu, em um circuito lógico automatizado no qual não existem saltos e descon-tinuidades nem fantasia e/ou imaginação (Ibid., p. 39).

Para a cibernética, então, a língua não é uma capacidade reservada ao homem, mas algo que ele partilha até certo grau com as máquinas que desenvolveu – o que, hoje em dia, é lugar comum com a disseminação da informática, a emergência do mundo digital, a inteligência artifi cial e a “cybercultura”. Heidegger então contrapõe a isso o fato de que tal se dá apenas em relação a uma língua técnica que se limita à produção de sinais e ao envio de mensagens (algo que vem ocorrendo ao longo da história humana em muitas gerações, mas que agora se faz de maneira avassalado-ra através dos sistemas de rede informatizados – daí viria o seu perigo inerente). A seguinte passagem da autora M. Chauí nos auxilia a reforçar essas diferenças entre língua técnica (que se aproxima do que ela chama de linguagem conceitual) e língua natural (que equivale à linguagem simbólica):

A linguagem simbólica nos oferece palavras polissêmicas, isto é, carregadas de múl-tiplos sentidos simultâneos e diferentes, tanto sentidos semelhantes e em harmonia, quanto sentidos opostos e contrários; a linguagem conceitual procura diminuir ao má-ximo a polissemia e a conotação, buscando fazer com que cada palavra tenha um sen-tido próprio (...) a linguagem simbólica fascina e seduz; a linguagem conceitual exige o trabalho lento do pensamento (CHAUÍ, 2001, p. 150).

De qualquer modo, a língua técnica é sempre formulada com base na língua natural, embora a primeira esteja ligada a uma formalização lógica e técnica, e a outra permaneça “aberta” como língua corrente não tecnicizada, plena de possibilidades criativas. A língua natural ou tradicional permanece repleta de plasticidade, dinamis-mo e criatividade, enquanto a língua técnica é inerentemente limitada.

A lógica, por sua vez, distingue dois níveis de linguagem (CHAUÍ, 2001):1. linguagem natural , isto é, aquela que usamos em nossa vida cotidiana, nas

artes, na política, na fi losofi a;2. linguagem formal, isto é, aquela que é constituída segundo princípios e re-

gras determinadas que descrevem um tipo específi co de objeto, o objeto das ciências.

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Essa distinção também pode ser apresentada como diferença entre dois tipos de linguagens simbólicas:

1. a linguagem simbólica cultural (a “linguagem natural”), que usa signos, me-táforas, analogias, esquemas para exprimir signifi cações cotidianas, religiosas, artísti-cas, políticas, fi losófi cas. A principal característica desse simbolismo é ser conotativo, isto é, os símbolos carregam muitos sentidos e referem-se a muitas signifi cações. A linguagem cultural é polissêmica, isto é, nela, como visto logo acima, as palavras pos-suem inúmeros signifi cados;

2. a linguagem simbólica lógicocientífi ca (a linguagem “construída”), que usa um sistema fechado de signos ou símbolos (o algoritmo), em que cada palavra, termo ou sinal é símbolo de uma única coisa e corresponde a uma única signifi cação. Sua principal característica é ser essencialmente um simbolismo denotativo ou indicativo, evitando a polissemia e afi rmando a univocidade do sentido simbolizado, de modo preciso. Por exemplo, H O, +, *, >,< etc. são símbolos denotativos ou indicativos de um só objeto ou de um só sentido, podendo ser incluídos em algoritmos (CHAUÍ, 2001). O algoritmo, por sua vez, em linhas gerais, poderá ser codifi cado em uma lin-guagem de programação e, assim, alimentar um computador para, essencialmente, processar dados (numéricos ou mesmo alfanuméricos). Nas distinções acima, esta-mos próximos às conceituações de Heidegger quanto à “língua técnica” e a “língua da tradição”.

Tais observações a respeito da “língua técnica” nos levam diretamente aos dias atuais, em que as sociedades estão imersas, em grande medida, em uma globalização de cunho técnocientífi co (dentre outros aspectos). Não é ocioso apontar alguns mo-mentos marcantes que levaram a essa trajetória nas modernas sociedades industriais avançadas. Um desses momentos se deu na segunda metade da década de quarenta do século XX, portanto, após a Segunda Guerra Mundial. O transistor, invenção dos Laboratórios Bell (EUA), deu início a uma revolução na eletrônica, colocando a tecno-logia no caminho da miniaturização e da maior presença de componentes eletrônicos nos objetos de fabricação industrial (tais como eletrodomésticos, máquinas diversas, meios de comunicação, dentre outros).

Entretanto, uma invenção mais profunda e fundamental surgiu em uma mono-grafi a publicada em 79 páginas da Revista Técnica dos Sistemas Bell, nas edições de julho e outubro de 1948 (GLEICK, 2013, p. 12). Com o título “Uma teoria matemática da comunicação”, seu autor, Claude Shannon (1916 – 2001), procurou formalizar e, nas palavras de Heidegger, identifi car informação com uma língua técnica, contendo um reducionismo empobrecedor da língua natural, de modo a que cada sinal ali fosse defi nido de maneira unívoca; e cada conjunto de sinais signifi casse de maneira unívo-ca um enunciado determinado. Cumpre notar que, apesar dessa formalização e rigor com que o termo foi tratado nos meios especializados, permaneceu no senso comum

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com outra acepção, que liga informação aos meios de comunicação e seus conteúdos, às notícias, ao jornalismo.

Nessa mesma época (fi nal da década de 1940), Shannon defi niu um conceito fundamental que se tornou a pedra de toque de todo o desenvolvimento dos sistemas informatizados a partir de então: a palavra bit, de binary digit. Celebra-se que o bit se juntou à polegada, à libra, ao quarto de galão e ao minuto e passou a ser visto como uma quantidade determinada – uma unidade fundamental de medida. Uma unida-de de medida de informação: com isso, a informação passou a ser algo mensurável e quantifi cável, ou seja, um passo muito importante na escalada daquilo que Heidegger denunciou como o processo de dominação da “língua técnica” nos tempos modernos.

Nesse ponto, torna-se importante trazer à baila texto seminal de Walter Benja-min, o hoje notório “A obra de arte na época de sua reprodutibilidade técnica” (BEN-JAMIN, 2000). Nesse trabalho, ele situa a perda da “aura” e a ruptura da tradição que as técnicas (ou aparelhos técnicos) de reprodução em massa trouxeram para o campo da arte. O texto foi publicado inicialmente em 1936, e nele há a menção de que as técnicas de reprodução seriam, na verdade “um fenômeno novo, de fato, que nas-ceu e se desenvolveu no curso da história, mediante saltos sucessivos, separados por longos intervalos, mas num ritmo cada vez mais rápido” (BENJAMIN, op. cit., p. 2). Ele segue exemplifi cando com diversas tecnologias de produção, desde as muito an-tigas, como a fundição e a cunhagem, passando pela xilogravura, a imprensa (com a tipografi a), a litografi a no início do século XIX, até as mais recentes, como a fotogra-fi a e o cinema. O ponto de vista de Benjamin, em sua época, destaca o papel do cine-ma como a linguagem nova que teria sido engendrada já dentro desse ambiente de ruptura com a tradição. Pela própria concepção do aparato técnico, no seu essencial, imagens em movimento que, uma vez gravadas, podem ser depois projetadas, ense-jou a formação de uma indústria cinematográfi ca que trouxe no bojo a ruptura com a tradição das chamadas “belas artes”. O ponto central da sua discussão é a supressão da “aura” da obra de arte. No trecho a seguir, isso é explicitado de modo muito claro e objetivo:

(...) na época das técnicas de reprodução, o que é atingido na obra de arte é a sua aura. Esse processo tem valor de sintoma, sua signifi cação vai além do terreno da arte. Seria impossível dizer, de modo geral, que as técnicas de reprodução separaram o objeto re-produzido do âmbito da tradição. Multiplicando as cópias, elas transformam o evento produzido apenas uma vez num fenômeno de massas. Permitindo ao objeto reprodu-zido oferecer-se à visão e à audição, em quaisquer circunstâncias, conferem-lhe atuali-dade permanente. Esses dois processos conduzem a um abalo considerável da realida-de transmitida – a um abalo da tradição, que se constitui na contrapartida da crise por que passa a humanidade e a sua renovação (BENJAMIN, op. cit., p. 4).

Evidentemente, diversos argumentos podem ser lançados quanto às mudan-ças que ocorreram no devir histórico de 1936 para os dias atuais. Acontecimentos de grande monta, como a Segunda Guerra Mundial, o processo de libertação dos países

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colonizados por nações europeias, a Guerra Fria e a posterior débâcle do comunismo, a guerra do Vietnã, a queda do muro de Berlim, a globalização, dentre outros, são exemplos eloquentes das grandes transformações ocorridas no período. Certamente que o mundo mudou muito de 1936 para cá, inclusive no campo artístico, talvez de modo até mais intenso e imprevisto. Mas o signifi cado dessa “perda da aura” e suas implicações foi muito bem formulado por Benjamin, e por certo esse processo levou a diversas consequências, inclusive no terreno dos museus. Não se pode esquecer, como já mencionado, que o museu clássico tradicional se consolidou no século XIX, época em que se deu uma aceleração no surgimento de novas técnicas de reprodução, como a litografi a, a fotografi a e o cinema. Se de fato ocorreu o impacto na tradição, com a consequente perda da “aura” por parte dos objetos artísticos, os museus passa-ram a funcionar até certo ponto como bastiões para a preservação dessa dita “aura”, na medida em que os objetos que passavam a fazer parte das suas coleções assumiam um estatuto privilegiado perante à sociedade. Assim que, para as ditas vanguardas do início do século XX, como o dadaísmo, o cubismo, o futurismo, o suprematismo, e ainda o surrealismo, a consagração se deu posteriormente, muito em função da aco-lhida de determinadas obras em museus importantes do mundo ocidental. O mesmo ocorre com objetos utilitários, como equipamentos científi cos e outros, que, quan-do expostos em museus, ganham destaque e notoriedade, e passam a ostentar certa “aura”.

Benjamim se referiu ao processo que estava ocorrendo em sua época, ainda embasado em tecnologias calcadas em fenômenos óticos, químicos e mecânicos, como é o caso da fotografi a e do cinema naqueles tempos. Não poderia ele prever o que viria a seguir, com base na invenção de Shannon, o bit. Claude Shannon havia se formado pelo MIT (Massachussets Institute of Technology) e, durante o período da Segunda Guerra Mundial, já como funcionário dos Laboratórios Bell, desenvolveu pesquisas e projetos ligados ao esforço de guerra, em especial estudos e aplicações envolvendo criptografi a – daí a familiaridade e interesse por códigos e o tratamento da informação. Em 1948, havia já algum tempo estava consolidada a tecnologia do telefone (principal negócio dos Laboratórios Bell de então) em relação ao telégrafo. Considerado então completamente obsoleto, no telégrafo, os pontos e traços utiliza-dos representavam letras do alfabeto (em si já um código), em uma cadeia de abstra-ção que de alguma maneira foi recuperada na linguagem binária dos computadores e o seu famoso “código ASCII”. Shannon, como já mencionado, tinha grande interesse por jogos e charadas, e os códigos secretos o fascinavam. A concepção de “Uma teoria matemática da comunicação”, é fácil concluir, deveu muito à essa faceta da sua perso-nalidade. Nesse aspecto ainda, se aproximou também do trabalho do matemático in-glês Alan Turing, que liderou uma equipe nos anos da Segunda Guerra Mundial com vistas a decifrar o código ENIGMA dos alemães, com sucesso. A máquina de decodi-

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fi cação de Turing era conhecida como Colossus, e é agora francamente considerada como precursora do computador digital eletromagnético (GLEICK, 2013, p. 212).

O caminho de Shannon também se cruzou com o de Norbert Wiener (1894 – 1964), um dos pais fundadores da cibernética, mencionado por Heidegger. Ele ti-nha sido professor no MIT e em 1948 já propunha a criação da nova disciplina da cibernética. Shannon começou a elaborar uma teoria para a informação, a partir da matéria-prima que na época já estava por toda parte: letras e mensagens, sons e ima-gens, notícias e instruções, abstrações e fatos, sinais e signos (GLEICK, 2013, p. 14). Tais elementos estavam em movimento, fosse pelo correio, por fi o ou via onda ele-tromagnética – os meios instrumentais para a veiculação dessa “matéria-prima”. Interessante notar como tudo isso estabelece vínculos entre a teoria da informação com não apenas a já mencionada concepção do senso comum, como com diversas correntes da semiologia/semiótica, como pode ser atestado no trabalho do professor e poeta Décio Pignatari (PIGNATARI, 1971). Os engenheiros, por volta dos anos 1940, começaram a utilizar o termo “informação” de maneira a sugerir algo técnico – quan-tidade de Informação ou medida de informação. Shannon adotou esse uso e com seu trabalho permitiu avanços expressivos na sua expansão e consolidação. Mais recente, o aporte de Logan e outros teóricos foi além, no sentido de trazer à baila a questão do signifi cado e sua importância, enfatizando qualidade e subjetividade como fatores re-levantes no trabalho científi co, para além da visão de mundo positivista, determinista e mecanicista ainda predominante.

2.1.2 Linguagem e pensamentoHá toda uma corrente de estudos e pesquisas hoje em dia que defende que

o nosso pensamento se dá através da linguagem. A criança, portanto, aprenderia a pensar em paralelo com o progressivo domínio da linguagem, inicialmente oral, com o posterior refi namento na escrita e fi nalmente chegando à abstração (linguagem matemática). Ainda, diferentes idiomas podem transmitir diferentes habilidades cognitivas aos indivíduos a eles relacionados – os diferentes idiomas modelam o pen-samento. A linguagem pode moldar até mesmo as dimensões mais fundamentais da experiência humana: espaço, tempo, causalidade e relacionamentos com os outros. Por exemplo, a direção da escrita em uma linguagem infl uencia a forma como organi-zamos o tempo – nas escritas hebraicas e árabes, escreve-se da direita para a esquer-da, ao contrário da grafi a ocidental. Isso diferencia a maneira como ocidentais e não ocidentais organizam o tempo.

Embora recentemente tenham surgido indícios promissores apontando em novas direções, apenas 2% do nosso DNA está sendo usado para o controle genético, com a codifi cação de RNA e a construção de proteínas, segundo reza a genética ma-joritariamente aceita nos meios científi cos especializados. Os biólogos e geneticistas

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usam uma linguagem de analogias e metáforas para explicar como o sistema gené-tico opera. O material genético que consiste em 46 cromossomos é visto como uma biblioteca composta de 46 volumes ou livros. Cada livro (um cromossomo) encerra um texto (instruções de como construir um organismo), que se constitui de sentenças (DNA), e cada um DNA por sua vez se compõe de palavras (genes). E cada palavra (um gene) é estruturada por quatro letras (algumas “letras químicas”), ou seja, o “al-fabeto genético” é composto por apenas quatro “cartas”. As realizações materiais das moléculas de DNA se dão a partir das famosas hélices duplas, que consistem em seg-mentos que são genes. Em essência, o aparelho genético opera da seguinte maneira: os textos, escritos na “linguagem do DNA”, são primeiramente traduzidos pelo orga-nismo para a “linguagem RNA” e depois em “linguagem de proteína”. E as proteínas são as coisas primordiais de que somos feitos, além de água. Elas executam duas fun-ções básicas no organismo: (1) metabolizar substâncias que comemos e (2) participar na morfogênese, ou seja, no desenvolvimento da organização espaço-temporal de um organismo.

Figura 2: Modelo de DNA (Fonte: Google)

Os pesquisadores ligados ao “mainstream” da biologia molecular e à genética se interessam apenas pelo subconjunto (os 2%) da molécula de DNA, que é o que está sendo investigado, examinado e classifi cado. Os outros 98% da molécula, ou seja, o restante, seria, a princípio, considerado “DNA lixo”. Alguns pesquisadores russos, no entanto, estavam convencidos de que a natureza não era tão inefi ciente, desperdiçan-do toda essa parte como rejeito (GARIAEV et al., 2011). Eles se juntaram a linguis-

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tas e geneticistas em uma busca para explorar de que se tratava esse 98% de “DNA lixo”. Seus estudos, resultados e conclusões trouxeram perspectivas realmente novas a esse campo. De acordo com os seus resultados, o DNA é não só responsável pela construção do nosso corpo, mas também serve como um meio de armazenamento e comunicação de dados. Os linguistas russos descobriram que o código genético – es-pecialmente no aparentemente “inútil” 98% – segue as mesmas regras que as nossas línguas humanas. Eles compararam as regras de sintaxe (a forma em que as palavras são colocadas juntas para formar frases e sentenças), de semântica (o estudo do sig-nifi cado nas formas de linguagem) e as regras básicas da gramática. Eles descobriram que os alcalinos de nosso DNA seguem uma “gramática” regular e, ao fazer isso, es-tabeleceram regras de forma similar com o que ocorre com nossas línguas. Portanto, cabe a especulação de que as línguas humanas não apareceram por acaso, mas pare-cem ser um refl exo dos padrões inerentes ao nosso DNA humano.

Não se pode esquecer que na questão dos idiomas, das línguas, e sua relação com a “moldagem” do pensamento, está imbricado o conceito de cultura. Uma carac-terística marcante da inteligência humana é a sua adaptabilidade, a capacidade de inventar novos conceitos assim como reorganizar os conceitos existentes de modo a se adequar às mudanças de metas e ambientes. Uma consequência dessa fl exibilida-de é a enorme diversidade de idiomas que podem ser verifi cados ao redor do mundo. Cada um oferece o seu próprio conjunto de ferramentas cognitivas e engloba o conhe-cimento e a visão de mundo, elaborados ao longo de milhares de anos dentro de uma determinada cultura. Cada um tem uma forma de perceber, classifi car e fazer sentido no mundo, com a sua própria riqueza e criatividade – o que aponta novamente para o tema da diversidade e a sua inquestionável importância.

2.2 Linguagem visual, pensamento visual

2.2.1 Percepção, Gestalt, imagemO tema da linguagem visual associada ao pensamento visual ainda é recente

nos meios acadêmico-científi cos. Predomina uma concepção que defi ne que o do-mínio da percepção se restringe aos dados sensoriais – as representações mentais daquilo que é dado pelas sensações do indivíduo em contato com a realidade à sua volta (o seu meio ambiente próximo). Embora o empirismo tenha dado um lugar de destaque à percepção como fonte de todo conhecimento, desde os primórdios os ra-cionalistas dela desconfi aram, alegando ser sujeita à ilusão. Ainda hoje, a concepção racionalista é a prevalente nos meios científi cos, relegando a experiência perceptiva a um degrau mais do que secundário na escadaria que leva à cognição, ao conhecimen-to e à sabedoria.

Na Antiguidade clássica, Platão representou a ruptura efetiva com o pensa-mento mítico e a afi rmação da fi losofi a. Já naquele tempo emergiu a preocupação

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com os processos mentais e as diversas noções associadas, como o pensamento em si, a razão, os sentidos, a percepção, o conhecimento. A obra de Platão é grandiosa e multifacetada, mas ali já encontramos, em especial na sua famosa alegoria da ca-verna, uma representação da vida mental. Nessa alegoria, as sombras projetadas nas paredes da caverna representam o mundo ilusório do senso comum, a que a grande maioria das pessoas está condicionada. A tarefa da fi losofi a seria superar esse estado e chegar à verdade, à certeza, à clareza, através do uso da razão. Esta permite então que se chegue ao conhecimento verdadeiro, ao mundo das ideias, que se constitui em outra realidade que não apenas aquela sensível, material e mutável. Em especial, ele procurou superar as contradições existentes entre a visão de mundo de Heráclito de Éfeso e aquela de Parmênides de Eleia (CHAUÍ, 2001, p. 212). Em Platão, a teoria do conhecimento pressupõe uma teoria sobre a natureza da realidade a ser conhecida. Ele foi um dos primeiros a introduzir o racionalismo como base na teoria fi losófi ca, afi rmando que o verdadeiro conhecimento seria alcançado pela razão e não pelos sen-tidos. Com isso, as nossas decisões devem se dar baseadas em uma norma racional com fundamento teórico e não em ideias arbitrárias, aleatórias ou mesmo casuais. Ele defendeu a importância do pensamento refl exivo e crítico para se chegar ao conhe-cimento verdadeiro. Este reside no mundo das ideias, que existiria em algum lugar separado do mundo material, sendo só alcançável pela razão humana.

O pensamento é atividade mental, através dele se dá a tomada de decisões acerca da realização de uma ação ou ainda a tematização de objetos. Descartes, pai do moderno racionalismo, na sua Terceira Meditação, se refere à atividade mental da seguinte maneira: “sou uma coisa que pensa, isto é, que duvida, que afi rma, que nega, que conhece poucas coisas, que ignora muitas, que ama, que odeia, que deseja, que não deseja, que imagina também e que sente” – e, dessa maneira, confere aos processos mentais um sentido bastante amplo. Já Kant, outro nome muito ligado à corrente racionalista, estabelece de modo muito preciso que “pensar é conhecer atra-vés de conceitos”, e mais, que “pensar (...) é julgar” (JAPIASSU; MARCONDES, 1996, p. 209). Os empiristas (como Locke e Hume) foram defensores da concepção de que todo conhecimento humano deve vir direta ou indiretamente da experiência do mun-do adquirida por meio do uso exclusivo dos sentidos. Isso entra em contraste com o pensamento dos racionalistas, como Descartes. Eles se posicionaram contra a teoria das ideias inatas – a mente, ao nascimento, seria uma “tabula rasa”.

A Gestalt afi rmou um princípio psicológico que se estendeu a outros domínios de conhecimento, segundo o qual não percebemos jamais senão conjuntos de elemen-tos. Esse conjunto percebido se chama forma, signifi cando confi guração, estrutura e organização (JAPIASSU; MARCONDES, 1996, p. 116). Assim, existiria uma capacida-de inata do cérebro de organizar a percepção visual segundo leis bem defi nidas – e nesse ponto a teoria da Gestalt se distanciou de modo claro dos empiristas. De qual-

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quer modo, a Gestalt situou a experiência perceptiva em um patamar de destaque nas suas formulações teóricas. Ao redor disso, veio a propor uma “pedagogia do olhar”, com diversas contribuições: os elementos da percepção nunca são apreendidos de modo isolado, analítico, mas sempre simultâneos – trata-se da apreensão sinóptica que se contrapõe a uma abordagem linear dos fenômenos, o todo sendo mais do que apenas a soma das partes. A descoberta do “fenômeno phi” por Max Wertheimer foi muito importante, pois desencadeou a chamada “Revolução da Gestalt”, que mu-dou a maneira como a percepção era estudada. Wertheimer publicou os resultados da pesquisa, em 1912, em artigo intitulado “Estudos experimentais de percepção do movimento”, considerado o marco formal do início da escola de pensamento da psi-cologia da Gestalt.

Tal estudo de pesquisa foi conduzido, a partir de 1910, por Wertheimer, en-quanto viajava de trem pela Alemanha durante as férias. Na ocasião, ocorreu-lhe a ideia de realizar uma experiência para visualizar um movimento quando ele não esti-vesse efetivamente ocorrendo. Abandonou seus planos de viagem, desceu do trem em Frankfurt, comprou um estroboscópio de brinquedo e analisou as sensações provoca-das por ele, em um estudo preliminar que realizou no quarto de um hotel. Mais tarde, conduziu um programa de pesquisa mais abrangente na universidade de Frankfurt, juntamente com dois outros psicólogos, Koff ka e Köhler.

A questão central da pesquisa de Wertheimer, para a qual Koff ka e Köhler serviram como sujeitos, envolvia a percepção do movimento aparente, ou seja, do movimento quando não há efetivamente o movimento físico. Wertheimer referia-se a essa percepção como “impressão” do movimento3. Esse tema pode até parecer pouco importante: os cientistas conhecem o fenômeno há anos, e ele parece fazer parte do senso comum. No entanto, de acordo com a posição predominante na psicologia, que era dominada pela visão de Wundt, toda experiência consciente era passível de análi-se em elementos sensoriais individualizados. Portanto, como explicar a percepção do movimento aparente como uma soma de elementos individuais, quando os elementos eram simplesmente duas fendas fi xas de luz? Seria possível acrescentar um estímulo fi xo a outro para produzir uma sensação de movimento? Não, não era possível, e foi exatamente esse o ponto demonstrado de modo simples e brilhante por Wertheimer, assim confrontando a explicação baseada no sistema de Wundt.

Wertheimer acreditava que o fenômeno na forma verifi cada em laboratório era tão elementar quanto uma sensação, mas era diferente de uma sensação ou de uma

3 Usando o taquistoscópio, projetava a luz através de duas fendas, uma vertical e a outra com ângulo de 20 ou 30 graus da vertical. Se a luz era projetada, primeiro através de uma fenda, e de-pois através da outra, com um intervalo relativamente longo entre elas (mais de 200 milisegundos), os sujeitos enxergavam algo como duas luzes sucessivas, primeiro em uma fenda, depois na outra. Quan-do o intervalo entre as luzes era menor, os observadores percebiam duas luzes que pareciam contínuas. Com intervalo de tempo ótimo entre as luzes, cerca de 60 milissegundos, eles enxergavam um único feixe de luz que parecia se mover de uma fenda a outra, voltando novamente ao lugar.

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série de sensações. Chamou a essa noção de “fenômeno phi”. E como Wertheimer explicava o fenômeno phi quando a psicologia da época não conseguia encontrar nenhuma explicação? Sua resposta era tão simples quanto sua pesquisa. O movimen-to aparente dispensa qualquer explicação. Ele é inato, existe assim como é percebido e não pode ser reduzido a um elemento mais simples.

A teoria da Gestalt contou com alguns precursores de renome, como Ernst Mach (1839-1916), que possuía formação em matemática, física e fi losofi a; Carl Stum-pf (1844-1936), principal discípulo de Franz Brentano e aluno de Hermann Lotze; Christian Von Ehrenfels (1859-1932), que havia estudado com Brentano em Viena, tendo sido o “formulador” do termo Gestalt; e Friedrich Schumann (1863-1940), que foi aluno de Georg Elias Müller em Göttingen e assistente de Carl Stumpf em Berlim. Carl Stumpf (1848 - 1936), por sua vez, havia sido também discípulo de Franz Brenta-no e foi reconhecido como o mestre que infl uenciou os teóricos da Gestalt e os treinou para o trabalho experimental e a pesquisa. Ainda em 1873, ele publicou livro seminal abordando as origens psicológicas do espaço.

Em linhas gerais, sabe-se que, desde a sua gênese, o movimento da Gestalt se dividiu a grosso modo em duas escolas: a de Graz e a de Berlim. Na de Graz se situa-vam fi guras como Ehrenfels e posteriormente Benussi, com uma abordagem de cunho construtivista, e a visão da formação da Gestalt por meio das qualidades emergentes dos objetos, sendo que no processo a mente produz as “percepções resultantes”. A de Berlim assumia uma postura “objetivista”, admitindo que as coisas possuem uma re-alidade autônoma no mundo, entendendo a Gestalt como a formação de um todo sui generis, no qual há uma auto-organização por mútua interação dos elementos cons-tituintes do processo perceptivo (trata-se da corrente mais aceita e mais conhecida). Nela se encontravam Wertheimer, Köhler e Koff ka, os representantes mais eminen-tes da teoria da Gestalt na sua fase inicial.

Max Wertheimer (1880-1943) foi um psicólogo de origem tcheca. Passou a parte inicial de sua vida acadêmica entre Praga, Berlim e Viena. Estudou, junto com W. Köhler e Kurt Koff ka, Fenomenologia com Carl Stumpf, principal discípulo de Franz Brentano. Eles fundaram a Escola de Berlin de Psicologia da Gestalt. Werthei-mer e seus companheiros estudaram fenomenologicamente a percepção, inspirados nos princípios de Brentano, em sua polêmica contra a perspectiva elementarista ou associacionista de Wundt. A tese básica da teoria da Gestalt pode ser formulada em outros termos, da seguinte maneira: existem contextos em que o que está a acontecer no todo não pode ser deduzido das características das partes separadas, mas, ao con-trário, o que acontece com uma parte do todo é, em casos claros, determinado pelas leis da estrutura interna de seu todo.

O neuropsiquiatra Kurt Goldstein (1878-1965, considerado já como parte da segunda geração de gestaltistas) se juntou a eles posteriormente. Ele se destacou

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desenvolvendo a psicologia organísmica, uma perspectiva fenomenológica da psico-logia, enfatizando o ponto de vista da integração corpo/mente, o organismo. As con-cepções de Goldstein, que se desenvolveram a partir dos princípios da Psicologia da Gestalt, foram fundamentais para as ideias de Fritz Perls e de Carl Rogers, em tempos mais recentes.

A partir de suas concepções fenomenológicas e gestálticas, Wertheimer reali-zou estudos críticos de psicologia, da educação e da pedagogia. Quando perseguido pelos nazistas, em 1933, refugiou-se nos EUA, onde se integrou à New School of So-cial Research, lecionando até o fi m de sua vida. Editado em 1945 (após a sua morte em 1943), Productive Thinking foi o seu principal livro, que muito infl uenciou os psicólogos humanistas norte-americanos. Nele são abordadas questões extremamen-te relevantes quanto ao pensamento produtivo em sua relação com a criatividade, a questão do insight, a clareza de visão e os métodos de apreensão cognitiva que se de-lineiam a partir das contribuições da Gestalt.

Nascido em Berlim, Kurt Koff ka (1886-1941) veio a ser um dos mais criativos dentre os fundadores da psicologia da Gestalt. Interessou-se por ciência e fi losofi a, frequentando a Universidade de Berlim. Lá estudou psicologia com Carl Stumpf, ob-tendo o seu Ph. D. em 1909; e já no ano seguinte começou a trabalhar com Werthei-mer e Köhler, na Universidade de Frankfurt. Em 1911, Koff ka aceitou uma posição na Universidade de Giessen, onde permaneceu até 1924. Após a Primeira Guerra Mundial, e percebendo que alguns psicólogos norte-americanos estavam começando a se interessar pela psicologia da Gestalt, escreveu um artigo para a revista americana Psychological Bulletin intitulado “Perception: an introduction to the Gestalt-Theo-rie” (em 1922), onde explicava os conceitos básicos daquilo que seria um novo méto-do de pensamento e trabalho, na medida em que era mais do que apenas uma teoria da percepção e mesmo mais do que uma mera teoria psicológica. Esse artigo teve grande importância, pois divulgou para os psicólogos americanos os seus conceitos básicos; entretanto, os mesmos acreditaram que a psicologia da Gestalt trabalhava apenas com percepção e que não serviria para nenhuma outra área da psicologia. Em 1921, Koff ka tinha publicado The growth of the mind, um livro que falava a respeito do desenvolvimento infantil. Ele lecionou como professor visitante na Universidade Cornell e na Universidade de Wisconsin e, em 1927, foi indicado para lecionar na Smith College, onde permaneceu até a morte, em 1941.

Köhler (1887-1967) foi considerado o porta-voz do movimento da Gestalt. Como seus livros eram escritos com cuidado e precisão, acabaram se tornando os tra-balhos padrão da psicologia da Gestalt. Ele nasceu na Estônia em 1887 e com cinco anos se mudou para o norte da Alemanha. Seus estudos universitários se deram em Tübingen, Bonn e Berlim, tendo obtido o seu doutorado na Universidade de Berlim, em 1909, orientado por Stumpf. No seu início de carreira, Köhler passou sete anos

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estudando o comportamento dos chimpanzés. Registrou o trabalho no clássico vo-lume The mentality of the apes (1917), lançado em segunda edição no ano de 1924. Em 1922 Köhler substituiu Stumpf como professor de psicologia da Universidade de Berlim. Com o seu livro Static and stationary physical gestalts (1920), Köhler aprofundou a posição de Wertheimer, sugerindo que a teoria da Gestalt consistia em uma lei geral da natureza que poderia ser amplamente aplicada em todas as ciências. Em 1929, publicou Gestalt Psychology, uma descrição completa do movimento da Gestalt. Deixou a Alemanha nazista em 1935. Após emigrar para os Estados Unidos, Köhler lecionou na Swarthmore College, publicou diversos livros e editou a revista Psychological Research. Em 1956, recebeu o Prêmio de Destaque pela Contribuição Científi ca da APA, órgão que, em 1959, elegeu-o seu presidente.

A segunda geração dos gestaltistas incluiu, além do já mencionado Kurt Golds-tein, os nomes de Kurt Lewin (1890-1947), que obteve seu doutorado em Berlim com Stumpf e em 1944 criou no MIT o Research Center for Goup Dynamics, depois vindo a infl uenciar nomes como Solomon Asch e Leon Festinger; Wolfgang Metzger (1899 - 1979), que havia estudado com Wertheimer, Koffka e Kohler em Berlim e se tornou o assistente e posteriormente o sucessor de Wertheimer em Frankfurt; Fritz Heider (1896-1988), que trabalhou com Wertheimer em Berlim e com Koff ka nos EUA; e ainda Hans Wallach (1905-1998), que em 1934 obteve seu doutorado em Berlim com Wertheimer e em 1936 rumou para os EUA para integrar o Swarthmore College. Essa segunda geração incluiria ainda o nome de Rudolf Arnheim (1904-2007), funda-mental para este trabalho, que estudou com Wertheimer, Köhler e Lewin em Berlim, tendo emigrado em 1933 para a Itália, para a Inglaterra em 1939 e fi nalmente para os EUA em 1940, onde obteve cargo na New School for Social Research. Em 1976, foi eleito membro da Academia Americana de Artes e Ciências. Arnheim ganhou noto-riedade principalmente por ter introduzido as teorias da Gestalt na arte e na teoria da arte.

A sua estada na Itália não foi por acaso, na medida em que as ideias da Ges-talt tiveram grande infl uência nesse país, a partir de nomes como Vittorio Benussi (1878-1927), que foi o introdutor do pensamento da Gestalt por lá; Cesare Musatti (1897-1989), que foi assistente de Benussi, Fabio Metelli (1907-1987), que em 1943 se tornou diretor do Instituto Psicológico em Pádua; e Gaetano Kanizsa (1913-1993), que fi cou muito conhecido por suas pesquisas com contornos subjetivos, modos de manifestação das cores, e fenomenologia da transparência, como na imagem abaixo (WAGEMANS et al., 2012)

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Figura 3: Gestalt – exemplos (Fonte: acervo do autor)

O pensamento visual está ligado à ideia de uma inteligência visual. Sendo um aspecto importante da experiência cognitiva de cada um de nós, seres humanos, essa tal “inteligência” está ligada ao fato de que nossos olhos, longe de apenas fazer um registro passivo de um mundo preexistente, constroem ativamente cada aspecto de nossa experiência visual (HOFFMAN, 2000). Mesmo as mais simples situações coti-dianas são bem mais complexas do que a mera reação a estímulos isolados, de manei-ra passiva – trata-se da organização do visível pela percepção. Perceber formas é algo dinâmico e ativo, que busca captar as características estruturais globais do fenômeno observado (ARNHEIM, 1980).

Figura 4: A percepção é dinâmica, constrói nosso mundo visual – ilusão em Escher (Fonte: Google)

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Marcel Duchamp, artista plástico fundamental para defi nição de caminhos da arte moderna e contemporânea, já no início do século XX dizia que a visão é uma experiência mental. Hoje em dia, existem alguns estudos (em especial no campo da neurociência) que, avançando um tanto além daquilo que a teoria da Gestalt ti-nha estabelecido, procuram defi nir os poderes construtivos da visão – um conjun-to de regras que governam a nossa percepção de linha, cor, forma, profundidade e movimento (AUMONT, 1993).

Arnheim, como já mencionado, foi integrante da segunda geração dos gestal-tistas e deixou obra profícua e instigante. Embora não tenha fi cado muito conhecido em seu país natal, a Alemanha, exerceu grande infl uência no meio intelectual e acadê-mico norte-americano, onde ainda hoje sua obra é reconhecida e valorizada. Avançou bastante nas questões relativas à percepção visual e defendeu de modo brilhante a noção de um pensamento visual e as suas muitas implicações. Ele argumentava que todas as formas de pensamento (não apenas aquelas relacionadas à arte ou qual-quer outra experiência visual) se baseiam na atividade perceptiva. Desse modo, have-ria um falso problema relacionado com a suposta dicotomia entre “ver” e “pensar”, ou entre “perceber” e “raciocinar”. No seu ponto de vista, do mesmo modo que as desco-bertas científi cas, as expressões artísticas são uma forma de conhecimento na qual a percepção e o pensamento estão indivisivelmente emaranhados (ARNHEIM, 2004).

Arnheim sem dúvida contribuiu de modo marcante para o aprofundamento das questões da Gestalt, enfatizando a importância dos fatores perceptivos, a busca do delineamento da inteligência visual, a força da abordagem da “apreensão sinópti-ca” versus a linear nos processos cognitivos. Ele se voltou de modo enfático para a de-fesa do pensamento visual e tudo aquilo a ele relacionado (ARNHEIM, 2004, p. 141-159). Inicia constatando que, na longa tradição da fi losofi a e psicologia do Ocidente, os conceitos de percepção e raciocínio nunca coexistiram sem atritos. Entretanto, segundo ele, a percepção e o pensamento precisam um do outro. Há uma pressuposi-ção generalizada que a percepção se limita à tarefa de agrupar a matéria-prima neces-sária ao conhecimento. Uma vez que o material tenha sido congregado, o pensamento entraria em ação, num nível cognitivo eventualmente superior, para fazer o proces-samento do material ajuntado. Para o pensamento tradicional, as duas funções (per-cepção e pensamento) se rejeitam mutuamente, e a percepção só pode se voltar para situações individuais específi cas, não tendo a capacidade de abstrair e generalizar.

O hábito de separar funções “intuitivas” (ligadas à percepção) das “abstrati-vas” (ligadas ao intelecto) é muito antigo. Na sua Sexta Meditação, Descartes defi niu o homem como “uma coisa que pensa”. Para ele, o raciocínio chegava naturalmente, enquanto a atividade de imaginar, ligada aos sentidos, exigia um esforço bem mais signifi cativo. Para Descartes, a capacidade passiva de receber imagens das coisas sen-soriais não teria qualquer uso se não houvesse, na mente, uma competência ativa, su-

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plementar e superior, capaz de dar forma a essas imagens e corrigir os erros que têm origem na experiência sensorial, pouco confi ável. Leibniz, por sua vez, elencou dois níveis de cognição manifesta: o raciocínio seria a cognição de grau superior, e a expe-riência sensorial, a de categoria inferior.

G. Berkeley (1685 – 1753), no seu “Tratado sobre os Princípios do Conhecimento Humano”, aborda a questão das imagens mentais. Para ele, ninguém pode retratar uma ideia em sua mente, a não ser naquilo que é particular e específi co. Então, por exemplo, o conceito “homem” tem que ser visualizado mentalmente como um homem em particular: alto ou baixo, gordo ou magro, jovem ou idoso. Por trás dessas proposi-ções, existe a noção de que o pensamento só opera com generalidades, e, por extensão, que o raciocínio só pode se realizar através da linguagem textual linear convencional.

A tais crenças, Arnheim contrapõe que, para se pensar de forma produtiva sobre a natureza de um fato ou problema, quer no domínio dos objetos físicos ou das abstrações teóricas, precisa-se de um meio de expressão do pensamento no qual possam ser representadas as características da situação que merecem ser explora-das. O pensamento produtivo, noção central para os teóricos da Gestalt, atua por meio das coisas às quais a linguagem se refere, e tais referências não são ver-bais, mas perceptivas. Ele oferece como exemplo de solução visual um determinado “quebra-cabeças” que envolve um cubo formado por vinte e sete cubos menores; sendo que, no caso, a solução emerge a partir da estruturação do conjunto de cubos. Ele segue defendendo a ideia de que o pensamento produtivo consegue abordar perceptivamente qualquer tipo de assunto, e que a mente humana pode desse modo resolver uma questão extremamente “abstrata”. Exemplifi ca com um problema re-lacionado à pergunta sobre se o livre-arbítrio é compatível com o determinismo. A resposta é dada através de um diagrama (ver a Figura 5, logo a seguir) que se vale de setas para representar “imagens” de Vontade, Liberdade, Contexto e Limites.

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Figura 5: Diagrama que traduz conceitos abstratos: livre-arbítrio e determinismo (Fonte: ARNHEIM, 2004, p. 146)

Curiosamente, ele expõe uma contradição ao afi rmar que, embora concreto, o modelo é inteiramente abstrato – algo que pode estar envolvido na essência de qual-quer tipo de diagrama, chegando até mesmo ao domínio das obras de arte abstrata. Isto porque se sabe que na trajetória de muitos artistas plásticos reconhecidos como abstratos (Kandinsky, Mondrian, Klee, Miró, dentre outros) pode-se destacar uma fase inicial fi gurativa, e uma “passagem” do fi gurativo ao abstrato pela “depuração” dos temas retratados (paisagens, retratos, naturezas mortas, nus).

Ele depois menciona em seu texto o diagrama utilizado por Sigmund Freud para ilustrar alguns conceitos chave das suas ideias psicanalíticas. Portanto, às pro-posições de Berkeley sobre as imagens mentais, que enfatizavam a noção de que não poderiam ser direcionadas ao pensamento abstrato, Arnheim contrapõe o argumento de que os diagramas esquemáticos são amplamente utilizados como veículos de pen-samento, num nível superior de abstração. No silogismo, por exemplo, a fórmula “se todos os A estão contidos em B, e se C está contido em A, então C deve, também, estar contido em B” pode ser representada através do diagrama visto na fi gura a seguir (Fi-gura 6), no qual as relações factuais são mostradas como relações espaciais.

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Figura 6: Diagrama de Venn para “silogismo” (Fonte: ARNHEIM, 2004, p.149)

Arnheim segue defendendo que toda percepção é a percepção de qualidades, e na medida em que todas as qualidades são genéricas, então, a percepção sempre se refere a propriedades genéricas. O autor afi rma ainda que o pensamento perceptivo tende a ser visual, e que, de fato, a visão é a única modalidade dos sentidos em que as relações espaciais podem ser representadas com precisão e complexidade sufi cientes. Por conseguinte, o pensamento é principalmente pensamento visual.

A linguagem usual, as palavras e frases são apenas um conjunto de referências a fatos que devem ser dados (e manipulados em algum outro meio). Pode-se aventar que existe um meio não visual capaz de solucionar um problema de forma inteira-mente automática, assim que todos os dados pertinentes são fornecidos. Os computa-dores trabalham assim, sem precisar fazer qualquer consulta a imagens perceptivas. Não é possível misturar operações maquinais (mecânicas e puramente automáticas), mesmo que muito úteis, com a capacidade humana de estruturar e reestruturar situa-ções as mais diversas.

Os enxadristas, na sua prática, oferecem uma boa ilustração de toda essa proble-mática, com o jogo de xadrez se manifestando como uma cadeia extremamente dinâmi-ca de relações, onde cada peça tem seus movimentos potenciais e sua função relaciona-dos com uma estratégia global. O enxadrista precisa estar atento ao longo do jogo a essa estratégia global, enquanto realiza a análise e o movimento de cada peça individual-mente. Todo pensamento produtivo se baseia necessariamente na imagística perceptiva e, inversamente, toda percepção ativa envolve aspectos de pensamento. Se todo pensa-mento autêntico envolve a percepção, segue-se que a base perceptiva do raciocínio do estudante e do professor deve ser verdadeiramente aperfeiçoada em todas as áreas.

Nesse ponto, Arnheim toca em um aspecto muito importante que se relaciona com o modo como a educação é encarada no mundo ocidental. Raramente se observa que o desenho, a pintura e a escultura, adequadamente concebidos, suscitam ques-tões cognitivas merecedoras da atenção de mentes bem aquinhoadas e tão exatas, em cada um de seus aspectos, quanto um bom enigma matemático ou científi co. Realiza-do com inteligência, o trabalho artístico permite que o estudante se torne consciente

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dos diferentes aspectos da experiência perceptiva. A competente manipulação das re-lações espaciais, adquirida no estúdio, proporciona vantagens profi ssionais imediatas para atividades aparentemente distantes como a cirurgia e a engenharia. Em termos de pensamento visual, não existe uma separação clara entre as artes e as ciências, bem como entre o uso de imagens e o das palavras. Além das virtudes puramente eti-mológicas das palavras, o “escrever bem” se distingue, tanto na literatura quanto nas ciências, pela evocação constante das imagens vivas às quais as palavras se referem: as metáforas, metonímias e sinédoques. A esterilidade de nossa linguagem atual é sintomática da divergência nociva entre a manipulação dos projetos intelectuais e o manuseio de temas vitais.

A moderna ciência cognitiva se propõe a estar perto de explicar como funciona a mente humana. Poderá esta ser defi nitivamente elucidada, ou permanecerá sempre algum mistério? As diversas áreas do conhecimento humano oferecem um testemunho eloquente da capacidade e da complexidade do nosso mundo mental. A concepção da mente humana como um sistema de órgãos computacionais que foi talhado pela seleção natural ao longo de muitas eras desde os tempos mais remotos é a prevalente em certos círculos da psicolo-gia e da neurociência na atualidade, em especial naqueles ligados às correntes behavioris-tas (comportamentistas), mas existem diversas objeções. Estas partem principalmente das disciplinas que ressaltam os aspectos fi losófi cos quanto à cognição humana. Um tema que permanece controverso diz respeito às relações mente/cérebro, e dentro disso o problema da percepção (RAMACHANDRAN et al, 1986).

Os empiristas defendiam que tudo aquilo que chega à nossa consciência passa pelos sentidos (visão, tato, audição, paladar, olfato). Eles, de acordo com Danilo Mar-condes (1998, p. 176), tinham como lema “a frase de inspiração aristotélica: ‘Nada está no intelecto que não tenha passado antes pelos sentidos’. Ou seja, todo conheci-mento resulta de uma base empírica, de percepções ou impressões sensíveis sobre o real (...)”. A visão e a audição são os sentidos mais “remotos”, pois permitem que pos-samos perceber coisas mais distantes, ao contrário do tato, por exemplo. Já o olfato tem alcance um pouco maior do que o tato e o paladar. No caso da percepção visual, quando o objeto está à distância, temos aí um “retardo”, sufi ciente para que seja feita uma avaliação da razão até chegar à cognição, ao entendimento do sujeito. Por exem-plo, se ocorre a percepção de uma cena à distância que oferece perigo iminente, o su-jeito pode mudar o curso das suas atividades, evitando assim o perigo (AZAMBUJA, 1998, p. 52). De qualquer modo, a percepção é dinâmica, e o processo da imagem é também dinâmico. Marcondes (idem) volta mais adiante a nos alertar quanto ao fato de que os empiristas rejeitavam “a noção de ideias inatas ou de um conhecimento an-terior à experiência ou independente desta”. Curioso notar que um cientista contem-porâneo, especializado em cognição, o já mencionado David Hoffman, com toda a sua inclinação para a tradição empirista, afi rma em seu livro Inteligência visual:

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As crianças não são ensinadas a ver. Os pais não se sentam com os fi lhos para explicar a eles como utilizar o movimento e para construir profundidade, ou como esculpir o mundo visual em objetos e ações. Na verdade, muitos pais não sabem como eles pró-prios fazem isso. E, mesmo assim, parece que toda criança normal acaba conseguindo construir profundidade, forma, cores, objetos e ações visuais do mesmo modo que qualquer outra criança normal. Toda criança normal, sem ser ensinada, reinventa o mundo visual; e todas o fazem basicamente da mesma forma. (...) Apesar da abundân-cia de imagens, o problema fundamental da visão ainda permanece: há inumeráveis mundos visuais que as crianças poderiam, em princípio, continuar construindo a partir delas. Isso faz a tarefa soar impossível. Como seria possível, para uma criança, selecionar entre inumeráveis mundos visuais possíveis e chegar à mesma resposta que qualquer outra criança? É impossível. A menos, é claro, que as crianças enfrentem essa tarefa com regras inatas (HOFFMAN, 2000, p. 13-14).

Desse modo, Hoffman aceita e defende a existência de “regras inatas” que es-tariam por trás do aprendizado e domínio do mundo visual por parte das crianças, de maneira uniforme e independente. Assim, ao empirismo e à valorização da percepção e dos sentidos, verifi ca-se a necessidade de associar o inatismo para que se torne pos-sível explicar o desenvolvimento do mundo visual pelas crianças de qualquer lugar da Terra. Hoffman chama essas “regras inatas, que asseguram domínio visual à criança na idade de um ano e acarretam o consenso nas construções visuais de todos os adul-tos normais, apesar da ambiguidade infi nita das imagens, de regras da visão univer-sal” (HOFFMAN, 2000, p. 14, destaque no original).

2.2.2 Filosofi a, ciência, história, imaginação.O debate Heráclito versus Parmênides, os fi lósofos pré-socráticos gregos, é

bem antigo. Heráclito é o fi lósofo do devir, do vir a ser, para ele, o universo muda e se transforma infi nitamente a cada instante. Tudo é movimento, nada permanece o mesmo, tudo que é fi xo é ilusão. Parmênides representa o outro polo do pensamen-to humano. Para ele, é a mudança e o movimento que são ilusões. O devir não passa de uma aparência. São nossos sentidos que nos levam a crer no fl uxo incessante dos fenômenos. Haveria um véu (das aparências múltiplas) encobrindo a face do real, e, nesse sentido, ele se aproxima dos pensadores hindus que se referem ao “véu de Maya, a ilusão”. Esse debate permanece ainda hoje como “pano de fundo” de diversas ideias e teorias que foram criadas e apresentadas ao longo da história da fi losofi a no Ocidente. Certamente que nesse bojo encontramos uma ligação direta com a percep-ção e o papel dos sentidos no processo. Claro está que a percepção e os sentidos são associados ao mundo do devir e das transformações defendido por Heráclito. Curioso ainda notar como o seu pensamento se aproxima de outra tradição oriental, a do ta-oismo, cuja expressão mais conhecida permanece sendo o Tao Te Ching, escrito entre 350 e 250 a.C. por Lao Tsé, sábio chinês com uma aura “mitológica”.

Em Aristóteles temos uma passagem do seu tratado de Metafísica que faz refe-rência aos sentidos e exalta a importância da visão:

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Todos os homens têm, por natureza, desejo de conhecer: uma prova disso é o prazer, das sensações, pois, fora até da sua utilidade, elas nos agradam por si mesmas e, mais que todas as outras, as visuais. Com efeito, não só para agir, mas até quando não nos propomos operar coisa alguma, preferimos, por assim dizer, a vista aos demais. A ra-zão é que ela é, de todos os sentidos, o que melhor nos faz conhecer as coisas e mais diferenças nos descobre (MARCONDES, 1998, p. 78) .

Platão considerava os sentidos pouco confi áveis, ao passo que Aristóteles os via como pontos de partida do processo de conhecimento (MARCONDES, 1998, p. 78-80). Já Descartes afi rmava que “as ideias são em mim como quadros ou imagens” (Descartes, Terceira Meditação). Com essa declaração, ele chegou muito perto da noção de “imagem mental”, algo que nos é muito próximo e útil para expressar a ima-gem que o sujeito forma em relação ao objeto que é o foco do seu interesse cognitivo.

O empirismo caracterizou-se pela valorização da experiência sensível como fon-te de conhecimento. O homem nasce tabula rasa, sem nenhuma mente ou substância pensante a priori. De acordo com essa concepção, não pode haver nenhuma represen-tação de nossa mente independente de nossa experiência, ou melhor, de nossas impres-sões sensíveis e da maneira como as elaboramos. Desse modo, o empirismo valorizou a experiência dos sentidos, ao contrário do racionalismo cartesiano, que privilegiava ape-nas o cogito, o pensamento. A razão natural seria o ponto de partida do processo do co-nhecimento. O fi lósofo alemão I. Kant fez a ponderação entre o racionalismo francês e o empirismo inglês, buscou uma síntese. Uma das suas contribuições foi a valorização do pensamento crítico: o criticismo. Não se trata, como eventualmente se pensa em alguns círculos, de estar “contra tudo que aí está”, a crítica pela crítica, o ceticismo exacerba-do. Ou mesmo a atitude negativa de espírito, que metodicamente visa desacreditar as opiniões e/ou ações de outrem, com o único fi to de valorizar mais seus pontos de vista ou suas próprias atitudes. Na realidade, o raciocínio crítico se vale da razão para ques-tionar a aparência das coisas, não aceitando declarações prontas e acabadas, ou ainda verdades “pré-fabricadas”. A legitimidade racional, o uso do juízo apreciativo, evitando cair tanto no dogmatismo (a razão como única referência) quanto no ceticismo (a refe-rência está toda no objeto, no mundo material), representou um passo adiante em rela-ção ao pensamento cartesiano. No criticismo kantiano, à pergunta “o que é conhecer”, temos a resposta de que, no conhecimento, o sujeito não apreende as coisas como são “em si”, mas através de um fi ltro (que corresponde à sua lei, ou seja, às formas a priori da sensibilidade – espaço e tempo – e às categorias do seu entendimento) (JAPIASSU, MARCONDES, 1996, p. 60). Essa postura, seguida pelos neo-kantianos e ainda hoje in-fl uente, reafi rma que a experiência subjetiva é virtual, mas há uma busca de comunica-ção com a realidade, não é algo completamente isolado e distanciado (ou seja, o “fi ltro” não cria uma distorção absoluta).

Toda produção de imagens é afetiva, ou envolve a construção de algum ima-ginário. Gilbert Durand enfatizou com muita propriedade as resistências que se

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criaram ao imaginário no Ocidente, em um movimento que remonta, segundo ele, às ideias de Aristóteles, passando por São Tomás de Aquino e, ainda, Galileu e Newton. Ele defende que a partir do século XVII o imaginário passa a ser excluído dos proces-sos intelectuais, devido a tal movimento que desemboca no primado da razão como o único meio de legitimação e acesso à verdade (DURAND, 2010, p. 12). Ele vai além e afi rma que “a mecânica de Galileu e Descartes decompõe o objeto estudado no jogo unidimensional de uma única causalidade” e assim, levando adiante o argumento, ar-remata a questão ao mencionar que, dentro dessa lógica, o universo concebível seria regido por um único determinismo. Avançando pelo terreno do Iluminismo e das te-orias de Kant, Durand esgrima suas objeções quanto aos argumentos da Razão pura, chegando ao positivismo e às fi losofi as da História. Segundo ele, com o cientifi cismo e o historicismo, iria se desvalorizar por completo o imaginário, o pensamento sim-bólico, assim como o raciocínio pela semelhança, a metáfora. Trata-se de uma visão crítica muito signifi cativa, pois ainda em nossos dias esse estado de coisas se mantém inabalável, condenando como altamente suspeitas e não confi áveis as divagações dos poetas, as visões dos místicos, as obras de arte, as alucinações e os delírios dos doen-tes mentais. Tudo o que não se enquadra na “terra fi rme” da ciência (ou melhor, de uma certa ciência) passa a ser secundário, não merecedor de crédito, não fi dedigno. Cabe aqui citar alguns trechos a partir do trabalho de M. Chauí, em que ela sustenta que

Em outras palavras, percebemos e imaginamos ao mesmo tempo, embora perceber e imaginar sejam diferentes (...) São dois estados de consciência simultâneos e diferen-tes (...) A força irrealizadora da imaginação signifi ca, por um lado, que ela é capaz de tornar ausente o que está presente (...) , de tornar presente o ausente (...) e criar intei-ramente o inexistente (...). É por isso que a imaginação tem também uma força pros-pectiva, isto é, consegue inventar o futuro (CHAUÍ, 2001, p. 134).

Ela, mais adiante, abordando as relações entre imaginação e teoria do conheci-mento, ressalta que

Quando lemos relatos dos cientistas sobre suas pesquisas e investigações, com fre-quência eles se referem aos momentos em que tiveram que imaginar, isto é, criar pelo pensamento a imagem total ou completa do fenômeno pesquisado para, graças a ela, orientar os detalhes e pormenores da pesquisa concreta que realizavam. Essa imagem é negadora e antecipadora. Negadora: graças a ela, o cientista pode negar ou recusar as teorias já existentes. Antecipadora: graças a ela, o cientista pode antever o signifi cado completo de sua própria pesquisa, mesmo que esta ainda esteja em anda-mento; a imaginação orienta o pensamento (CHAUÍ, 2001, p. 135).

Cumpre ressaltar que, na passagem acima, o que a autora menciona como “criar pelo pensamento a imagem total ou completa do fenômeno pesquisado” apre-senta uma relação direta com o fenômeno do insight descrito inicialmente pelos teó-ricos da Gestalt.

Embora as posições de Durand possam ser consideradas extremadas ou carre-gadas de um viés antirracionalista ou algo do gênero, ele merece atenção nesses pon-tos em que contrapõe ao discurso cientifi cista a possibilidade de abordagens alterna-

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tivas para apreensão do mundo. Desse modo, os seus questionamentos são impor-tantes para se confrontar o “exagero racionalista” nas grandes questões do Ocidente nos séculos XX/XXI, que aponta dramaticamente para a hipertrofi a do lado racional, lógico, materialista nas visões de mundo dominantes.

Tais questionamentos nos levam a abordagem de M. Chauí, que traça uma pa-norâmica bastante pertinente ao defender que

Essas duas concepções de cientifi cidade possuíam o mesmo pressuposto, embora o realizassem de maneiras diferentes. Ambas consideravam que a teoria científi ca era uma explicação e uma representação verdadeira da própria realidade, tal como é em si mesma. A ciência era uma espécie de raio X da realidade. A concepção racionalista era hipotético-dedutiva, isto é, defi nia o objeto e suas leis e disso deduzia propriedades, efeitos posteriores, previsões. A concepção empirista era hipotético-indutiva, isto é, apresentava suposições sobre o objeto, realizava observações e experimentos e chegava à defi nição dos fatos, às suas leis, suas propriedades, seus efeitos posteriores e a previ-sões (CHAUÍ, 2001, p. 252, destaques no original).

Cabe ressalvar que, embora a autora dê a entender que essas concepções de cientifi cidade seriam coisa do passado, já em princípio superadas, elas continuam ainda a nortear muitas correntes científi cas, como a já citada do behaviorismo, muito infl uente no século XX. Continua a autora sustentando que, nesse século,

A concepção construtivista (...) considera a ciência uma construção de modelos ex-plicativos para a realidade e não uma representação da própria realidade. O cientista combina dois procedimentos – um, vindo do racionalismo, e outro, vindo do empiris-mo – e a eles acrescenta um terceiro, vindo da ideia de conhecimento aproximativo e corrigível.

Como o racionalista, o cientista construtivista exige que o método lhe permita e lhe ga-ranta estabelecer axiomas, postulados, defi nições e deduções sobre o objeto científi co. Como o empirista, o construtivista exige que a experimentação guie e modifi que axio-mas, postulados, defi nições e demonstrações. No entanto, porque considera o objeto uma construção lógico-intelectual e uma construção experimental feita em laboratório, o cientista não espera que seu trabalho apresente a realidade em si mesma, mas ofere-ça estruturas e modelos de funcionamento da realidade, explicando os fenômenos ob-servados. Não espera, portanto, apresentar uma verdade absoluta e sim uma verdade aproximada que pode ser corrigida, modifi cada, abandonada por outra mais adequada aos fenômenos (CHAUÍ, 2001, p. 252-253).

Torna-se evidente que a concepção construtivista da ciência vai além de uma síntese entre racionalismo e empirismo.

A controvérsia a respeito das relações mente-cérebro é extensa e envolve o fato de que tudo relacionado ao cérebro é uma combinação de “natureza” e “cultivo” (para retomarmos alguns conceitos já abordados no início do capítulo), algo que nos reme-te diretamente ao conceito de cultura. A cultura, portanto, é um fator que infl uencia na própria formação cerebral do indivíduo, que por sua vez infl ui no comportamento individual, que por sua vez vai afetar de algum modo o cérebro, em um processo di-nâmico, recursivo, que se aproxima da visão da ciência construtivista. Logan (2012, p. 101) apresenta uma formulação para a mente, como a seguir: “mente = cérebro + linguagem + cultura”. A mente não seria, como querem alguns autores, apenas uma

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extensão do cérebro, ou uma sua “emanação”. A cultura faz necessariamente parte da equação, e a linguagem está ali também imbricada.

2.3 Informação e compreensão

A passagem de uma linguagem textual linear para uma espacial não linear e multidimensional envolve diversas questões de ordem cognitiva. A informação em si e como ela é transmitida é o primeiro aspecto a ser analisado. Em nossa sociedade, a formação escolar das crianças e jovens segue um modelo muito antigo e bem estabe-lecido, que valoriza sobremaneira a apreensão dos conteúdos, principalmente através da memorização por parte do estudante. Embora tal modelo tenha sofrido questiona-mentos ao longo do tempo por diversos educadores de renome, ainda é o prevalente, até porque foi o que se fi rmou nas modernas sociedades democráticas a partir do século XIX com a ampliação do acesso à escola e o combate ao analfabetismo. Nomes como Montessori, com seu método educacional, Froebel, Pestalozzi, Vigotsky e Piaget foram tremendamente importantes e deixaram suas marcas, mas não alteraram fundamental-mente o aparato educacional nessas sociedades. Desse modo, a informação que precisa ser transmitida e apreendida do mesmo modo pelo estudante se conforma a um modelo estabelecido e consolidado, que ainda vigora soberano nas sociedades ocidentais. Essa informação é codifi cada dentro de um padrão linear e sequencial, determinista, com uma coisa se seguindo a outra de modo muito bem defi nido. Todo o edifício didático se escora nesse “modo de operação” sequencial linear, assumindo que o aprendizado, a cognição, só pode se dar dessa maneira. Talvez pela infl uência marcante das teorias racionalistas, ou mesmo do mecanicismo e do determinismo, chegando até ao positivis-mo do século XIX, essa concepção se tornou prevalente e dominante.

Nesse ponto, cabe mais uma vez recorrermos à autora M. Chauí, quando nos informa que, relativamente à intuição, trata-se de

(...) uma compreensão global e instantânea de uma verdade, de um objeto, de um fato. Nela, de uma só vez, a razão capta todas as relações que constituem a realidade e a ver-dade da coisa intuída. É um ato intelectual de discernimento e compreensão, como, por exemplo, tem um médico quando faz um diagnóstico e apreende de uma só vez a doença, sua causa e o modo de tratá-la. Os psicólogos se referem à intuição usando o termo insi-ght, para referirem-se ao momento em que temos uma compreensão total, direta e ime-diata de alguma coisa, ou o momento em que percebemos, num só lance, um caminho para a solução de um problema científi co, fi losófi co ou vital (CHAUÍ, 2001, p. 64).

Ela segue detalhando um pouco mais essa noção, ao referir-se ao fato de que(...) a intuição racional pode ser de dois tipos: intuição sensível ou empírica e intuição racional. (...) A intuição empírica é o conhecimento direto e imediato das qualidades sensíveis do objeto externo: cores, sabores, odores, paladares, texturas, dimensões, distâncias. É também o conhecimento direto e imediato de estados internos ou men-tais: lembranças, desejos, sentimentos, imagens. (...) A intuição intelectual difere da sensível justamente por sua universalidade e necessidade. Quando penso: “Uma coisa não pode ser e não ser ao mesmo tempo”, sei, sem necessidade de provas ou demons-trações, que isso é verdade. Ou seja, tenho conhecimento intuitivo do princípio da con-

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tradição. (...) Na história da Filosofi a, o exemplo mais célebre de intuição intelectual é conhecido como o cogito cartesiano, isto é, a afi rmação de Descartes: “Penso (cogito), logo existo”. De fato, quando penso, sei que estou pensando e não é preciso provar ou demonstrar isso, mesmo porque provar e demonstrar é pensar e para demonstrar e provar é preciso, primeiro, pensar e saber que se pensa (CHAUÍ, 2001, p. 64).

Mais adiante, ela defende queA intuição pode ser o ponto de chegada, a conclusão de um processo de conhecimento, e pode também ser o ponto de partida de um processo cognitivo. O processo de co-nhecimento, seja o que chega a uma intuição, seja o que parte dela, constitui a razão discursiva ou o raciocínio. Ao contrário da intuição, o raciocínio é o conhecimento que exige provas e demonstrações e se realiza igualmente por meio de provas e demonstra-ções das verdades que estão sendo conhecidas ou investigadas. Não é um ato intelectu-al, mas são vários atos intelectuais internamente ligados ou conectados, formando um processo de conhecimento (CHAUÍ, 2001, p. 64, grifo nosso).

A educação formal, menosprezando a intuição e favorecendo a hipertrofi a da razão discursiva, veio sendo construída essencialmente dentro desse primado, privile-giando dessa forma uma organização em que o aluno vai progressivamente galgando os degraus dentro de uma formação paulatina e continuada, com ênfase nos proces-sos analíticos, na memorização de conteúdos e na meritocracia (que se materializa na prática através da obtenção de “notas” pelo aluno). A educação não formal procura fugir dessa estrutura, buscando novas maneiras de realizar a passagem da informa-ção, uma nova atitude com relação à cognição e uma perspectiva construtivista para a formação mais ampla do indivíduo. Uma das alternativas que sempre se apresenta é a do modo não linear de se tratar a informação e a sua percepção pelo sujeito cognitivo.

Se entendermos o processo linear como algo sequencial, com uma coisa se seguindo depois da outra, não há como se ter a visão do todo e apreender o sentido antes de completar todo o trajeto (de observação, de leitura) – e esse, como foi alerta-do acima, é o padrão dominante de codifi cação, passagem e processamento da infor-mação em nossos sistemas educacionais. Tal forma de estruturação pode ser inclusive associada ao modo de produção fordista, o pioneiro da linha de montagem e paradig-ma máximo da atividade industrial no século XX. Já o modo não linear está associado a uma apreensão global do objeto de estudo, mesmo que sem entrar nos detalhes; tra-tando-se de um procedimento sintético, que está associado ao assim chamado “racio-cínio espacial” e às proposições da Gestalt. Nessa acepção, valoriza-se o todo antes de se chegar às partes, o todo é mais importante do que simplesmente a soma das partes, como já ressaltado: temos aí novamente a visão gestaltista com seu sentido unifi cador e globalizante para o entendimento dos fenômenos de ordem cognitiva.2.4 Ciência, comunicação, informação

A ciência pode ser vista como uma linguagem para a leitura do mundo natural, na acepção do nosso mundo orgânico e inorgânico, que chamamos de natureza. Pode ser associada ao mundo material, por um lado; por outro, naquilo que está relaciona-do ao campo das ciências humanas, temos o mundo intelectual ou ainda o mundo so-cial. A ciência envolve a construção de um conjunto de conhecimentos metodicamen-

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te adquiridos, a partir da elaboração de uma explicação do mundo natural. Galileu, considerado o “pai fundador” da ciência moderna, estabeleceu que a ciência devesse se embasar nos critérios de possibilidade de validação experimental e de utilidade. Os cientistas, cada vez mais, se expressam em uma linguagem hermética e esotérica, de difícil acesso para os leigos.

Entretanto, a linguagem da ciência também é um construto humano, e com isso sujeita a falhas, imperfeições e mudanças. Mas, em diversos segmentos da produ-ção acadêmica e de pesquisa, perdura uma propensão a se valorizar uma visão pronta e acabada do fazer científi co, que, de certo modo (e dentre outras coisas), com isso procura se afastar do mundo artístico, com suas ambiguidades e experimentalismos, visando obter perante a sociedade uma aura de respeitabilidade e inatacabilidade. O determinismo, não apenas no campo científi co, mas também no cerne do pensamen-to ocidental desde os primórdios do que é chamado “racionalidade”, com os gregos pré-socráticos, veio a se tornar preponderante. Nessa concepção, as leis da natureza que a física apresenta residem em um domínio ideal que se associa à certeza. Dadas certas condições iniciais, tudo pode ser determinado. A natureza pode ser controlada, dominada e submetida ao desígnio humano. Dessa forma, sobretudo desde o século XIX, a ciência, em suas diversas variações, veio a se tornar a linguagem “canônica” do nosso tempo.

Em respeito a essas variações, cabe trazer à tona observações elencadas por Ferreira (2014) em sua tese de doutorado, em um trecho em que ele declara que, para tentar abarcar toda a “complexidade desse processo, torna-se recomendável apresen-tar (...) informações contextualizadas de conceitos fundamentais sobre a natureza do conhecimento e o seu desenvolvimento histórico”, para em seguida enumerar visões de pensadores ilustres, como:

Bacon (...) defendeu que a regularidade de resultados empíricos permitiria induzir relações, leis e teorias, que, segundo Hodson (...), eram generalizações a partir de veri-fi cações particulares;

Descartes (...), com o método que fi cou conhecido como Racionalismo Dedutivista, ba-seado na metodologia de análise e dedução;

O positivismo, que segundo Kolakowski (...) estava alinhado com as ideias de Bacon, Locke e Newton, com a “primazia da observação e a busca da explicação causal por meio da generalização indutiva”;

Popper, que retomou o Problema de Hume, da impossibilidade lógica da indução, e defendeu que nenhum conhecimento é defi nitivo e propôs a possibilidade de falsea-mentos e refutações, que abririam caminho para novas teorias e para o aperfeiçoamen-to das antigas (...);

Thomas Kuhn (...), que introduziu conceitos como ciência normal, paradigma e revo-luções científi cas;

Feyerabend que, segundo Borges (...), defendeu o pluralismo e a diversifi cação de mé-todos, para gerar oportunidades de mudança;

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Ian Hacking (...), que introduziu a noção de probabilidade, ao invés do determinismo, nos resultados do método indutivo;

Chalmers (...), que refutou uma “concepção atemporal e universal da ciência e de um método científi co que possa atender ao objetivo de avaliar todas as pretensões do co-nhecimento”;

Lévy-Leblond e Jaubert (...), que acreditaram que a ciência refl etia a sociedade em que está inserida, sendo “portadora de todos os seus traços e contradições, tanto em sua organização interna quanto em suas aplicações”;

Santos (...), para quem o paradigma dominante baseado no determinismo mecanicista se afastou das humanidades e do senso comum, encontra-se em crise. Esse pensador acredita na emergência de um novo paradigma, calcado nas teses de que “todo o co-nhecimento científi co-natural é científi co-social; todo o conhecimento é local e total, é autoconhecimento e visa constituir-se em senso comum” (...);

Morin (...) defendeu o pensamento complexo e criticou o agravamento do que chama de movimento separatista ou princípio da simplifi cação, que “isola as disciplinas umas das outras e insulariza a ciência na sociedade” (FERREIR A, 2014, p.19-20).

Em outro trecho, logo a seguir, reforça aspectos relacionados à visão da ciência como importante empreendimento cultural humano:

Nunca se pode provar que uma teoria seja verdadeira, pois jamais saberemos se expe-riências futuras não venham contradizer suas conclusões. Einstein (...);

A ciência moderna não tem características que a tornem superior e distinta do vodu ou da astrologia (Feyerabend (...));

Há três séculos, o conhecimento científi co não faz mais do que provar suas virtudes de verifi cação e de descoberta em relação a todos os outros modos de conhecimento (MO-RIN (...));

O que é a ciência? A questão parece banal. As respostas, porém, são complexas e di-fíceis. Talvez a ciência nem possa ser defi nida. Em geral, é mais conceituada do que propriamente defi nida. Uma coisa nos parece certa: não existe defi nição objetiva, nem muito menos neutra, daquilo que é ou não a ciência (JAPIASSU (...));

Então, o que é a ciência? É antes de tudo uma classifi cação, um modo de aproximar fatos que as aparências separavam, embora estivessem ligados por algum parentesco natural e oculto. A ciência, em outros termos, é um sistema de relações (POINCARÉ (...));

O que defi ne a ciência como tal é a tentativa de conhecimento da verdade. Nesse sen-tido, há uma relação entre ciência e conhecimento da verdade. Porém, a verdade abso-luta jamais será conhecida, todo o processo de conhecimento é um processo de acer-camento, de aproximação à verdade. (...) Deste modo, quando eu digo ciência, eu não estou dizendo verdade, estou simplesmente dizendo processo: a ciência é um processo de produção do conhecimento da verdade (Löwi (...)) [FERREIR A, 2014, p. 20].

De acordo com as citações acima, a defi nição do que é ou não ciência permane-ce ainda em um terreno contraditório, movediço, com incertezas: tudo bem distante daquilo que o senso comum assume como ciência na atualidade, que se resume a uma visão reducionista, determinista e mecanicista, associando ciência e tecnologia a uma consagrada esfera de certezas, soluções infalíveis e progresso ininterrupto conduzin-do de modo inexorável ao bem-estar humano (esse seria ainda o “paradigma domi-nante” do nosso tempo).

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Historicamente, é sabido que, no século XIX, evidenciou-se a separação entre a cultura do texto e a cultura científi ca. Até o século XVIII, o mundo das letras englo-bava toda a produção intelectual no mundo ocidental, e não havia de modo claro essa separação. Mas o fato é ela ocorreu e veio se aprofundado ao longo do tempo. Usual-mente, hoje, conhecer a ciência é assunto quase vedado àqueles que não pertencem à comunidade científi ca. Thomas Khun, no seu hoje célebre A estrutura das revoluções científi cas, em uma passagem explica que

Tanto na Matemática como na Astronomia, já na Antiguidade os relatórios de pesqui-sas deixaram de ser inteligíveis para um auditório dotado de cultura geral. Na Dinâmi-ca, a pesquisa tornou-se igualmente esotérica nos fi ns da Idade Média, recapturando sua inteligibilidade mais generalizada apenas por um breve período, durante o início do século XVII, quando um novo paradigma substituiu o que havia guiado a pesquisa medieval. A pesquisa elétrica começou a exigir tradução para leigos no fi m do século XVIII. Muitos outros campos da ciência física deixaram de ser acessíveis no século XIX. Durante esses mesmos dois séculos, transições similares podem ser identifi cadas nas diferentes áreas das ciências biológicas. Podem muito bem estar ocorrendo hoje, em determinados setores das ciências sociais. (KHUN, 1978, p. 41)

Essa passagem reforça que, em nossos dias, apesar dos esforços e avanços na alfabetização e divulgação científi cas, conhecer a ciência é algo para poucos, para aqueles que são “iniciados”. Aspectos da ciência são às vezes muito difíceis de ser en-tendidos. Há a necessidade de se criar uma conexão com o público para se facilitar esse entendimento. Isso se encontra no âmago do processo de divulgação científi ca. Sabe-se que a linguagem da ciência se constrói a partir do esforço humano, e assim trata-se de algo sujeito a falhas e revisões; o problema é que, muitas vezes, nos ma-nuais o leigo encontra apenas a versão “bem acabada” e fechada, empacotada para consumo, desse conhecimento. Nada mais inadequado, pois atualmente sabe-se que os conhecimentos científi cos são necessariamente parciais e relativos, cabendo a presença de dúvidas e de incertezas.

Se partirmos do pressuposto de que a ciência é uma linguagem, diz-se que ser alfabetizado cientifi camente é saber ler a linguagem em que a natureza está escrita. Um analfabeto científi co é aquele incapaz de uma leitura do universo. O sur-gimento e a consolidação e difusão de instituições como centros de ciência e tecnolo-gia, centros de arte, museus de comunidade, planetários, centros culturais; fez parte de uma corrente de tendências que se fi zeram sentir com mais intensidade nos anos 1980 e 1990, e infl uenciaram de um modo especial esses espaços dedicados à ciência e à tecnologia nos seus sentidos mais amplos. O questionamento do papel tradicional dos museus irrompe fundamentalmente a partir da Segunda Guerra Mundial, uma vez que as sociedades passam a viver em constante inquietação (devido a fatores como a própria Guerra Fria entre as “superpotências” da época) e, assim, começam a restringir a aceitação de instituições estáticas. A partir dos anos 1960, com todos os seus gritos de contestação e movimentos de mudança, o processo se acentua. O ques-tionamento e a crítica se voltam para a busca de uma transformação na prática e no

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papel social do museu – o museu clássico passa a ser fortemente questionado. Temos então um movimento de dinamização – se o museu público clássico mantém a prática de preservar, conservar, estocar, guardar, classifi car; o novo museu busca uma nova linguagem, é dinâmico e procura, antes de qualquer coisa, estimular a criatividade e a inovação de modo a se afi rmar e ser identifi cado como instituição de comunicação de massas, educativa e de difusão cultural.

Intensifi caram-se signifi cativamente as atividades promotoras da compre-ensão pública da ciência: a assim chamada “popularização científi ca”. Emerge e se solidifi ca o conceito de “alfabetização científi ca”, afi rmando a sua importância nas sociedades modernas. Nesse âmbito, o museu tem um papel fundamental, e mais especifi camente o conceito renovado do papel dos museus e centros de ciências. Tais instituições vêm desde aquela década consolidando um profícuo e estupendo recurso social para a popularização, a divulgação e a aprendizagem não formal de ciência e tecnologia.

Alfabetização e divulgação científi cas são noções muito próximas, assim como a popularização da ciência. A divulgação científi ca é uma ferramenta importante para diminuir o analfabetismo científi co, e, nesse processo, a popularização acontece. Esse procedimento envolve questões como o melhor entendimento da ciência, sua imagem para o público em geral, e a verifi cação daquilo que a população sabe ou deveria saber sobre ciência – e esses são itens que não podem fi car de fora em uma discussão séria acerca da formação de cidadãos plenos, que possam adotar uma postura crítica de modo a participar de forma ativa na sociedade na qual estão inseridos, com vistas in-clusive a ampliar a inclusão social (CASELLI, 2005).

Dentro do senso comum, museu é um local onde se encontram guardados ob-jetos antigos. Outras concepções, quiçá mais “nobres”, defi nem o museu como um local com aura sagrada, que remeteria ao “templo das musas” da Antiguidade clássica grega, onde uma elite privilegiada da “alta cultura” usufrui, contempla e refl ete acerca de determinados “tesouros do conhecimento”. Os centros de ciências, assim como os museus interativos, surgiram com a intenção de questionar e problematizar a ideia de que a ciência está distante do dia a dia das pessoas, que é obscura e hermética, e que o seu discurso é único, indiscutível e infalível. Ali, ao contrário do que muitas vezes ocorre na educação formal tradicional (ou seja, a transmissão pura e simples de co-nhecimentos), os visitantes são convidados a produzir as suas próprias interpretações e a explorar o seu imaginário, com base naquilo que já conhecem (o seu repertório, aquilo que lhes é familiar), que pode ser potencializado a partir dos recursos do mu-seu, das novas informações que o mesmo tem a oferecer. O Museu da Vida se situa dentro desse contexto e funciona com vistas a atingir objetivos que são comuns aos museus e centros de ciências logo acima referidos.

Com o objetivo de desequilibrar o senso comum dos visitantes, valoriza-se a

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noção de “confl ito cognitivo” que irá contribuir para que eles construam o seu conhe-cimento de um modo novo e produtivo. De um ponto de vista que vai além daquele da educação formal, é reconhecida e apreciada a experiência em ambientes distintos de uma sala de aula convencional, que sejam acolhedores, bem equipados e divertidos.

Ao mesmo tempo, diversas questões são levantadas com relação ao potencial e às possibilidades efetivas dessas instituições. Como as pessoas aprendem em ambien-tes que não os da educação formal tradicional? O que as motiva a aprender nesse tipo de ambiente? O que efetivamente se aprende? Como se dá a apreensão das informa-ções? O que está envolvido na experiência da visita em si? O que dizer dos aspectos de comunicação? Qual a linguagem a ser utilizada? A linguagem que aqui tratamos ainda é algo em formação, pois, como foi dito acima, se encaixa na categoria daquelas não tão rigorosamente estruturadas, que admitem certo grau de imprecisão e subje-tividades, se aproximando assim da que se pode denominar de “linguagem natural” ou “língua da tradição”, na terminologia utilizada por Heidegger. Não seria incorreto qualifi cá-la como “linguagem mista”, aquela que faz uso da linguagem verbal e da não verbal. Assim, cabe a pergunta: que peso a informação em modo não textual pode assumir em uma exposição científi ca? A princípio, podemos defender que a informação em modo não textual pode assumir papel de maior relevância e consequência, ainda mais se pensarmos na sua associação com novas tecnologias de comunicação e informação. Esse novo papel pode contribuir de modo expressivo para concretizar inovações e a renovação de exposições voltadas para a divulgação cientí-fi ca. O verdadeiro potencial do uso desses diferentes tipos de informações ainda não foi corretamente avaliado e explorado. Não se pode deixar de lembrar que, atualmen-te, diversas linguagens coexistem no contexto museal das sociedades democráticas ocidentais. Entretanto, o que muitas vezes se observa são soluções que tendem para a “espetacularização” e o excesso, com um mergulho em certas pirotecnias – ou, então, coisas repetitivas, que caem em fórmulas já consagradas. Isso para não mencionar, é claro, que uma parte signifi cativa das instituições museais continuam com a ideia do museu como “templo” que remete à tradição, ao conservadorismo e a certas concep-ções estéticas.

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3 A divulgação científi ca, coleção e o colecionismo, museus

3.1 Divulgação científi ca, no Brasil e no mundo

Os esforços para o Brasil incrementar o capital intelectual de sua população, em especial do segmento que engloba crianças, adolescentes e jovens – aqueles que representam o futuro da nação brasileira – passam necessariamente pela divulgação científi ca. Um dos aspectos que difi cultam ainda a visibilidade do país no cenário in-ternacional é exatamente o seu défi cit quanto a uma educação de qualidade, o desem-penho tímido na pesquisa científi ca e seus resultados pífi os na área tecnológica. Neste ponto é importante relembrar Snow quando chamou a atenção dos britânicos para a separação das culturas científi ca e literária, ao mesmo tempo reforçando a impor-tância da educação e alertando para a necessidade dos intelectuais da época melhor se situarem com relação à industrialização e às inovações que chegavam. Esse alerta continua válido no Brasil dos nossos dias, pois o país continua “invisível” na produ-ção de tecnologia no mundo, e o modo de se encarar o problema ainda é tosco, rudi-mentar. Para seguir o exemplo das economias mais desenvolvidas, o Brasil chegar a investir 3% do PIB em ciência, tecnologia e inovação é uma meta que ainda parece distante. Mas o fato é que ciência, tecnologia e inovação têm sido fatores essenciais no competitivo processo de desenvolvimento de diversas nações. E esses ingredientes são muito importantes para a consolidação da dita “economia do conhecimento”, que está muito próxima da assim chamada “economia criativa”. A economia do conheci-mento, segundo alguns autores (como, por exemplo, Drucker (1969), Bell (1974), Cas-tells (1996)), vem a ser um conceito associado a uma visão pós-industrial concernente às economias avançadas, em que a produção de bens físicos já não importa tanto e o motor econômico passa a ser a geração e o domínio dos conhecimentos, em especial aqueles que pertencem a esfera tecnocientifi ca, e a incorporação de mudanças cada vez mais aceleradas, o que vêm ocorrendo desde o início da revolução industrial. A economia criativa, por sua vez, se aproxima do conceito anterior, uma vez que se ba-seia na produção de conhecimentos em uma esfera complementar àquela da tecno-ciência, a da criação artística e intelectual, com a confi guração de bens intangíveis. A interface ciência/ política/educação está profundamente imbricada com as diversas mudanças sociais que se fi zeram no bojo do processo de globalização. Ciência e tecno-logia estão presentes em um amplo espectro de setores da sociedade e relacionam-se a uma grande variedade de contextos, inclusive os tradicionalmente associados à área da cultura. Nesta época tão pautada pelo desenvolvimento científi co e tecnológico, torna-se mais do que apropriado estudar como a educação formal e a não formal po-dem auxiliar as pessoas a entenderem e melhor se situarem com relação a tais avan-ços. Se o alerta de C. P. Snow continua válido, essas questões ainda precisam ser cor-retamente examinadas em nosso país.

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Por outro lado, não se pode ter uma abordagem da divulgação científi ca que seja anódina e burocrática, que não leve em conta, por exemplo, as questões do ima-ginário, os aspectos emocionais e a subjetividade, o imaginário popular, o senso co-mum, mitologias, conhecimento tradicional. A divulgação científi ca se relaciona de algum modo com a educação informal e a não formal. A educação informal é aquela que se realiza de modo mais casual e empírico, não sendo intencional nem organi-zada, exercida a partir das vivências do indivíduo, de modo espontâneo. Ela se faz primeiramente na família, se estendendo a seguir ao convívio com os amigos, nas atividades de trabalho e lazer, na interação com os veículos de comunicação, nas ati-vidades comunitárias em igrejas, clubes, associações, e assim por diante. A educação não formal é a que ocorre fora do sistema formal tradicional de ensino, sendo com-plementar a este. Trata-se de um processo organizado e com certas características próprias de sistematização, mas os resultados das atividades de aprendizagem em ge-ral não têm como ser avaliados formalmente. Na educação não formal existe uma in-tenção clara dos seus agentes em buscar certos objetivos relacionados com o ganho de conhecimentos dos educandos. Isso é o que tipicamente ocorre em grande parte dos museus e centros de ciências contemporâneos. Entretanto, já vem de longe a noção de que divulgação científi ca, educação não formal e mesmo a informal não podem cami-nhar estanques, sem um conjunto de “vasos comunicantes” que permitam as mais di-versas trocas: o discurso da ciência e a visão científi ca não podem refl etir apenas uma imagem já cristalizada, pronta e acabada da atividade científi ca em si.

Nesse ponto, cabe uma refl exão acerca da transmissão de conhecimentos, assim como da produção de conhecimento: como é feita a passagem de dados para informações e depois para o conhecimento, uma vez que não é algo linear; existem “saltos” nessa trajetória. De acordo com Logan,

1. Dados são os fatos puros e simples, sem qualquer estrutura ou organização; os áto-mos básicos da informação.

2. A informação é feita da estruturação de dados, o que adiciona signifi cado aos dados e lhes dá contexto e signifi cância.

3. Conhecimento é a capacidade de usar informação de forma estratégica para atingir determinados objetivos (LOGAN, 2012, p. 53).

Logo mais à frente o autor trata da questão da sabedoria, que estaria em um patamar mais sofi sticado dentro da escala de valores mental, envolvendo o uso do conhecimento de maneira apropriada. A meu ver, trata-se de uma questão um tanto mais profunda, que não pode ser abordada de modo raso, uma vez que existem diver-sas interpretações desse conceito no campo da fi losofi a.

Com as devidas reservas pelo “empréstimo” tomado dentro do campo da física – que obviamente deve conter todas as ressalvas e cuidados nessa transposi-ção – emerge a noção dos “saltos quânticos”, que pode ser aplicada a determinados

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aspectos do processo cognitivo dos indivíduos humanos. Essa noção procura es-clarecer como se dá a consolidação de conhecimentos ao longo da vida de um ser humano, enfatizando que o conhecimento se faz a partir da interpretação de dados e informações – como defendem diversos autores dentro da teoria da informação e da comunicação –, mas que não se pode esquecer a imaginação, que incorpora um potencial muito grande para o estabelecimento de “descontinuidades signifi cativas”, e é ingrediente muito importante para que efetivamente o conhecimento se consoli-de, incorporando inclusive elementos de ordem afetiva e emocional. Nunca é demais lembrar que a imaginação é componente essencial para se chegar à inovação e assim dinamizar a hoje tão celebrada “economia criativa”, que engloba, nos seus meandros, atividades de cunho cultural as mais diversas, indo da cultura de massa até a divulga-ção científi ca, passando por moda, gastronomia, arquitetura e design, manifestações artísticas diversas e, com certeza, os museus, tanto artísticos como científi cos.

Especifi camente quanto à divulgação científi ca, de início pode ser menciona-do estudo pioneiro que buscava, ainda sob o impacto do Sputnik soviético, captar a atitude pública para com a ciência e a tecnologia, nos Estados Unidos da América. Foi conduzido pelo “Survey Research Centre”, ligado à Universidade de Michigan, para a National Association of Science (NAS), em 1957-1958, na época do lançamento do primeiro satélite Sputnik pelos russos (a então URSS). O estudo mostrou, dentre outras coisas, que pequena proporção do público geral nos EUA estava fi rmemente interessada em assuntos científi cos e que o conhecimento público sobre ciência estava relativamente baixo (CAZELLI et al., 2003, p. 28).

B. Shen, no trabalho cujo título é “Science Literacy”, afi rmava que a ciência toca quase todos os aspectos da vida cotidiana dos indivíduos, e já na ocasião (década de 1970) apontava para a ampliação dos seus domínios em futuro bastante próximo (como, sabemos hoje, acabou ocorrendo de modo avassalador). Para ele, portanto, seria de interesse para todo mundo (cientistas e não cientistas) adquirir uma melhor compreensão da ciência e de suas aplicações e implicações – e essa perspectiva con-tinua válida até nossos dias. Ele chamava ainda a atenção para o fato de que os meios com os quais a sociedade poderia contar para tornar mais clara essa compreensão eram os divulgadores especializados, os meios de comunicação de massa e as escolas (SHEN, 1975).

Nesse trabalho, Shen diferenciou, do ponto de vista conceitual, três formas de alfabetismo científi co: a “prática”, a “cívica” e a “cultural”. A essas, pode ser acrescen-tada uma quarta, a “econômico/profi ssional” (CAZELLI et al., 2003, p. 39). Essas for-mas seriam diferentes tanto nos seus objetivos como no seu conteúdo. A forma “prá-tica” é aquela que torna o indivíduo apto a resolver, de maneira imediata, problemas básicos do seu dia a dia. Por exemplo, uma pessoa com conhecimentos básicos sobre nutrição é capaz de decidir com clareza e descortino entre comprar um alimento po-

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bre ou rico em proteínas, ou se preocupar com o excesso de conservantes em certos enlatados. A “cívica” torna o cidadão mais atento para a ciência e seus problemas, de modo que ele e seus representantes nos diversos níveis de atuação política possam tomar suas decisões melhor informados. Dois exemplos brasileiros: um seria a con-trovérsia em torno da mistura de etanol com combustíveis básicos (para veículos) uti-lizados no país; outro o plantio da soja transgênica. Já a “cultural” é aquela procurada por uma pequena parcela da população que se interessa em saber mais sobre ciência como uma “façanha” da humanidade, aprofundando os seus conhecimentos (trata-se do conceito de cultura como “sala de ópera” de que nos fala Roy Wagner). Nesse caso, o exemplo se dá com determinados profi ssionais não pertencentes à área científi ca que passam a interessar-se por um dado assunto e, a partir daí, começam a ler, a pensar e a assinar revistas específi cas para aprimorar o seu conhecimento. Já a forma “econômico/profi ssional” defende que uma força de trabalho cientifi camente alfabeti-zada contribui para um crescimento econômico sustentável.

Especifi camente no enfoque da atitude pública para com a ciência e a tecnolo-gia, e suas consequências, várias pesquisas de opinião pública realizadas na Europa, nos Estados Unidos e também no Brasil demonstraram que existe, na sociedade urba-na, uma demanda pelas atividades tecnocientífi cas, assim como o interesse de exercer o direito de cidadania, contribuindo na formulação das políticas públicas gerais e, também, naquelas que envolvem ciência e tecnologia. Embora o cidadão médio leve sua vida afastado dos principais centros que formulam tais políticas direcionadoras das sociedades, a participação da população na defi nição dessas políticas é necessária como parte indispensável do esforço nacional para a construção de um estado demo-crático.

No Brasil, o Instituto Gallup de Opinião Pública, nos meses de janeiro e fe-vereiro de 1987, realizou com exclusividade para o Conselho Nacional de Desenvol-vimento Científi co e Tecnológico (CNPq), por intermédio do Museu de Astronomia e Ciências Afi ns (Mast), pesquisa de opinião pública destinada a coletar elementos sobre a imagem da ciência e da tecnologia junto à população urbana adulta brasileira. Tratou-se de pesquisa pioneira com essas características no país e, assim sendo, mui-to relevante.

Para fazer um julgamento bem informado acerca de assuntos controversos, tais como energia nuclear, aditivos químicos, pesticidas, engenharia genética, controle ambiental e saúde pública, clonagem, alimentos transgênicos, dentre outros, o público precisa compreendê-los mais e melhor debatê-los, para além de uma abordagem super-fi cial, apressada e até mesmo sensacionalista. É dentro dessa ótica que o alfabetismo científi co deve ser discutido, com as suas implicações para uma sociedade democrática, aberta e inclusiva. Sabe-se que, dado o alto grau “analfabetismo científi co” presente em determinadas sociedades, os temas da ciência fi cam além da compreensão dos cidadãos

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comuns nessas sociedades, salvo no reduto de especialistas, o que acaba por se confi gu-rar como uma forma de exclusão social (CAZELLI et al., 2003, p. 31).

Na década de 1990, predomina o entendimento de que a globalização é polí-tica, tecnológica e cultural, tanto quanto econômica. Giddens menciona, com certa ênfase, o ritmo e o alcance da mudança – “à medida em que áreas diferentes do glo-bo são postas em interconexão umas com as outras, ondas de transformação social atingem virtualmente toda a superfície da terra – e a natureza das instituições mo-dernas (GIDDENS, 1990, p. 6). Do ponto de vista estritamente econômico, temos, na verdade, um processo que vem de longe, fundamentado no pensamento grego e na estrutura jurídica romana. Esta realidade em nossos dias, que é caracteriza-da como nova, tem um passado de cinco séculos, sendo que isso se relaciona com a presença de dois fatores predominantes: aumento de produtividade e a interação âmbito interno/contexto mundial. Na Antiguidade e na Idade Média, pelo menos até o século XII, tais circunstâncias inexistiam. As relações entre países, entretanto, não demoraram a alcançar melhores resultados na produção e, consequentemente, na distribuição de riqueza. Parece indiscutível que o passo inicial para a globalização derivou da expansão colonial empreendida pelas nações europeias que – nas Américas em particular – criou sociedades permanentes, que vieram a se tornar Estados-nação. Os descobrimentos, as conquistas e a colonização – movimentos expansionistas e de na-tureza dominadora – no chamado Novo Mundo tiveram como consequência imediata a presença de um espaço físico, terrestre e marítimo, extremamente importante e valioso, estimulando a formação de uma nova ordem econômica. O período de 1500 a 1800 (os trezentos anos que se seguiram aos descobrimentos espanhóis e portugueses) pode ser considerado como a matriz geradora dos elementos que, no futuro, iriam erigir a globa-lização. A presença de europeus nos continentes asiático, africano e americano, a partir de 1500, tornou viável a integração socioeconômica em escala mundial, possibilitando a implantação de um sistema internacional globalizado em tempos mais recentes. Sua característica fundamental se manifesta pela interdependência econômica, traduzida na concorrência cada vez maior dos mercados, materializada na intensa mobilização dos fatores de produção, a saber, capital e trabalho. Esta interdependência se tornou eviden-te entre as regiões mais desenvolvidas (América do Norte, Europa Ocidental e Japão), polos que totalizam quase dois terços da riqueza mundial. A internacionalização é favo-recida pela chamada “revolução dos meios de comunicação”, confi gurada nos satélites, transportes e, principalmente, nos computadores com as redes telemáticas que possibi-litam a “viagem” de somas consideráveis de um país para outro de modo muito rápido. A mundialização, em que pese a sua ambiguidade e diversos aspectos perversos, ao cons-truir exclusões sociais quase sempre injustas, trouxe também benefícios que não podem ser negligenciados, facilitando a circulação de mercadorias e, sobretudo, de informações (dados, imagens e outros) em escala mundial (AZEVEDO, 2012, p. 215).

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Portanto, é limitado pensar que a globalização afetou apenas a ordem fi nancei-ra mundial e que diz respeito ao queé estranho e muito distante do dia a dia dos indi-víduos. Com essa perspectiva em mente, ganha relevância a educação não formal, de-vido às mudanças ocorridas no contexto social e no mundo do trabalho, que vieram a ampliar ainda mais a demanda por conhecimento e informação, inclusive no bojo do já referido “sistema internacional globalizado” dos tempos mais recentes. Em relação à ciência e à tecnologia contemporâneas (e ao que está previsto quanto ao futuro), a sociedade de um modo geral manifesta o interesse de entender um pouco mais sobre esse campo de conhecimento, além de ansiar por uma posição que lhe permita avaliar as consequências políticas, sociais, econômicas e culturais das inovações científi cas e tecnológicas. Importantes organismos internacionais têm patrocinado reuniões que discutem, dentre outros assuntos, o entendimento público da ciência e da tecnologia, a necessidade da redução do analfabetismo científi co das sociedades, as complexida-des da aprendizagem não formal em ciências e a urgência de reforçar as investigações na área. Quando institucionalizado, esse tipo de educação visa melhorar o nível de interesse pela ciência, incrementar o desempenho dos estudantes nas disciplinas rela-cionadas à área, suplementar a aprendizagem formal em sala de aula, principalmente em virtude dos benefícios afetivos que geram ganhos cognitivos. Ela não pode ser confundida com a educação informal, que, como já visto, é um tipo de educação que ocorre de forma espontânea, no dia a dia, por meio de conversas e vivências com fa-miliares, amigos, colegas e interlocutores ocasionais com quem o indivíduo mantém contato ao longo da sua trajetória de vida.

Sennet (2000, p. 21) chama a atenção para uma característica distintiva do capitalismo da época atual (para além do mercado global e do uso de novas tecnolo-gias), que é a nova maneira de organizar o tempo, sobretudo o do trabalho. Ele susten-ta que

O sinal mais tangível dessa mudança talvez seja o lema “não há longo prazo”. No tra-balho, a carreira tradicional, que avança passo a passo pelos corredores de uma ou duas instituições, está fenecendo, e também a utilização de um único conjunto de qua-lifi cações no decorrer de uma vida de trabalho.

Tal afi rmação coloca em destaque a relevância da educação não formal, dada a sua fl exibilidade e adaptabilidade às transformações por que passamos no mundo contemporâneo. Algumas aproximações teóricas com a educação não formal se re-lacionam, dentre outras dimensões, com aquela da capacitação dos indivíduos para o trabalho e a aprendizagem política dos seus direitos enquanto cidadãos. Em tais aspectos, os museus podem desempenhar importante papel no seio da sociedade. Em geral, museus são eleitos como fontes importantes de aprendizagem e de contribuição para o aumento do nível da cultura geral (e da ciência em particular) no ambiente social. Tais locais não podem ser caracterizados exclusivamente como institutos de pesquisa, no sentido habitual do termo. Seus compromissos com a investigação es-

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tão também relacionados aos problemas pedagógicos e museológicos, e não podem ser esquecidas suas relações com a questão da comunicação e da informação. Tudo isso se refere ao esforço em prol da divulgação correta e inteligível dos saberes ne-les veiculados. Nesse sentido, os museus estão hoje discutindo suas especifi cidades para melhor defi nir estratégias de interação com o público. No museu, os objetivos da educação não formal estão direcionados, de modo geral, para a socialização de co-nhecimentos historicamente produzidos e organizados, e, nesse sentido, se distancia bastante do que ocorre na escola. Assim, nessas instituições em geral (e em particular nos museus e centros de ciências) há uma preocupação em priorizar a escolha de te-máticas relativas à cultura de modo amplo e à cultura científi ca em especial, com uma dinâmica que estimula a participação ativa do público, inclusive com seu envolvimen-to intelectual e emocional com aquilo que está sendo exibido. Há uma centralidade em formular situações experimentais em que o fi o condutor é a curiosidade, o lúdico e o cotidiano. Cabe chamar ainda a atenção para o uso de métodos e cronogramas diferenciados, bem como para a escolha de conteúdos fl exíveis e adaptáveis a um pú-blico heterogêneo. Não é demais ressaltar que ações interativas entre indivíduos são fundamentais para a aquisição de novos saberes, e essas ações, no museu fundamen-talmente, ocorrem no plano da comunicação escrita, visual e oral. Daí a importância da construção de discursos coerentes nas exposições. O objetivo maior na concepção de tais exposições é unir cultura, saberes interdisciplinares e lazer.

3.2 Coleção, colecionismo, museus

A cultura material distingue os objetos como apanágios da cultura. Os objetos podem, portanto, ser considerados do ponto de vista de uma “materialização da cons-ciência” dos indivíduos, ou, ainda, de determinados indivíduos de uma determinada cultura. Nas sociedades humanas, a cultura material pode ser conceituada como se constituindo pelo mundo dos objetos tangíveis e, ainda, em uma abordagem mais ampla, o dos intangíveis (incluindo-se, por exemplo, os rituais, as tradições, lendas, crenças, usos e costumes de um povo ou região). Assim, diversos aspectos da cultura material despertam o interesse e chamam a atenção dos estudiosos do assunto nos dias atuais: a grande diversidade de objetos em nosso meio ambiente, com a sua uti-lização avassaladora tanto no intermédio com a natureza como com o mundo social, sendo que tal utilização, muitas vezes, se dá em relação às mínimas coisas, em ativi-dades de pouca importância, altamente corriqueiras e triviais. Outro aspecto que atrai o foco de atenção dos estudiosos é o aspecto da evolução histórica dos objetos e sua relação com as tradições dos povos, e, associado a isso, a relação do objeto com a me-mória, individual ou coletiva (DOHMANN et al., 2013).

Moles (1981) propõe muito apropriadamente a problemática do sótão, aí en-tendido como um espaço de acúmulo de objetos, impregnados de uma determinada

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carga afetiva, que muitas vezes passam a representar um dilema para o seu proprie-tário, no momento em que este é confrontado com a ideia da eliminação de deter-minado objeto ali guardado. O assim chamado “sótão” (na verdade pode ser sótão, porão ou qualquer outro espaço assemelhado), se constitui em um terreno privado e pessoal, raras vezes visitado, que constitui a historicidade da vida (a memória) e, nesse sentido, um reservatório secreto de objetos e sentimentos (há, no caso, uma forte carga romântica envolvida). Pode, por outro lado, ser encarado como “purgató-rio” para os objetos: um estágio oportuno entre o lixo e o antiquário. Como no sótão temos uma sedimentação temporária, ocorre um acúmulo cronológico que fatalmente se traduz em uma aparência de desordem; tudo isso refl etindo a rejeição dos objetos da vida cotidiana, por um lado, e, por outro, a tendência ao seu acúmulo. Dessa ten-dência emerge a noção de coleção.

3.2.1 A coleção e o colecionismoUma das formas, portanto, em que se traduz essa tendência ao acúmulo é a

da coleção. Moles situa que o indivíduo sente prazer em colecionar, desde selos até tapetes persas; e que a coleção, que em geral tem estrutura linear, é uma instituição na população de objetos. Trata-se de ideia muito antiga, que se liga à riqueza: o ho-mem adquiria objetos para efetuar atos, havendo uma correlação entre ambos. Um descompasso nessa relação poderia levar a mais objetos, gerando um excedente, cuja posterior ordenação por semelhança se constituiu na coleção. Entretanto, Moles de-fende que a gênese da coleção resulta do acaso ou da aproximação de alguns elemen-tos (futuras “peças”) que pertencem a um conjunto. No circuito da coleção, elementos internos à mesma, com relação muito forte uns com os outros, podem engendrar uma ligação funcional qualquer (até mesmo apenas para identifi cação). No caso, a “fun-ção” não é funcional (na coleção), uma vez que as peças não têm sua utilidade origi-nal, então, tal “ligação funcional” serve apenas para defi nição semântica visando ao conjunto dos objetos colecionados. Portanto, embora tendo início funcional, a coleção é muito pouco funcional enquanto um sistema de objetos. A coleção exprimiria então um amor pelo absoluto – o “domínio de uma parte do mundo” como fenômeno esteti-camente puro. Para o colecionador, portanto, a coleção é um tesouro, mas até mesmo ele sabe que nem todos os tesouros são coleções. Em verdade, existem coleções de di-versos tipos, como as de arte (com alto valor social), passando pelas de livros, de arte-fatos exóticos, até aquelas de objetos de pouco valor (como as de caixas de fósforos), que apenas se constituem em um “tesouro” para os seus entusiastas.

Para Moles, poderiam ainda ser feitas conexões entre a noção de coleção e a Gestalt. Para começar, o todo é maior que a soma das partes, e, nesse sentido, só a coleção em sua totalidade vale, pois, quando há dispersão da mesma, o valor se per-de completamente. Entretanto, em vez de uma forma fechada, estamos lidando com

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uma imperfeitamente fechada, ou seja, aberta ao futuro: a Gestalt nunca é fechada, na medida em que a série quase nunca termina, e aí reside uma das grandes motiva-ções do colecionador. Assim, ocorre que os objetos são agrupados fora do seu valor intrínseco, se tornando elementos de um conjunto cuja totalidade transcende a soma das partes. Não se pode minimizar o fato de que se trata de um fenômeno cultural, no qual o número de componentes tende sempre a aumentar, e há certa gratuidade na forma de reunir os componentes (apesar de seu início “funcional”).

Já a abordagem proposta por Pomian (1984) para o problema da coleção e do colecionismo é bem mais abrangente e detalhada, entrando em aspectos históricos e mesmo antropológicos, com alguns aportes fascinantes. A citação a seguir oferece um panorama geral das suas colocações acerca do tema:

Em qualquer sociedade existem objetos mantidos temporária ou defi nitivamente fora do circuito das atividades económicas, sujeitos a uma proteção especial e expostos ao olhar dos deuses ou dos homens: os objectos de colecção. Privados de utilidade, estes são portanto privados de valor de uso, tendo todavia um valor de troca que se traduz na existência de um mercado em que são comprados e vendidos. Este valor de troca depende de diversos signifi cados atribuídos aos objectos de colecção pelos mitos e em geral pelas tradições. Com efeito, aqueles são considerados no quadro da permuta que une os deuses e os homens, os heróis e o comum dos mortais, o além e o mundo ter-reno, o tempo das origens e o presente, o longe e o perto. Daí o seu vínculo à religião, substituído apenas na idade moderna pelos interesses estéticos, científi cos ou, mais recentemente ainda, pela afi rmação ideológica de entidades nacionais. Suporte da me-mória colectiva e das fontes da história dos homens e da terra, os objectos de colecção fazem parte de uma classe mais ampla, a dos semióforos, a que pertencem também as obras de arte, os objetos em metais preciosos, a moeda, etc. Enquanto portadores de signifi cado, todos esses objetos encarnam a riqueza e/ou o poder (mesmo a autorida-de), o que explica os comportamentos agonísticos de que muitas vezes são expressão (POMIAN, 1984, p. 86).

De início, ele procura fazer a associação entre coleções e museus, destacando o fato de que algumas coleções se transformam em museus, sendo exemplos conhe-cidos, em Paris, o Cognat-Jay, Jacquement-André, Nissim de Camondo (ver Figura 7 mais à frente); em Genebra, o Museu Ariana; em Barcelona, o Frederico Marés; em Veneza, a Fundação Peggy Guggenheim; a Frick Collection, em Nova Iorque, e o Gardner House, em Boston, para fi car em alguns casos mais evidentes.

Pomian faz menção a uma tipologia que pode ser instrumental para uma aná-lise da instituição museu, na medida em que existem vários tipos de museus. Um ótimo exemplo é o da cidade de Paris, que em 1984 contava com cento e cinquenta deles: museus da arte, assim como “das Forças Armadas”, “do Cinema”, “da História da França”, “de História Natural”, “das Técnicas” etc. Portanto, pode-se afi rmar sem medo de estar cometendo um erro crasso que qualquer objeto natural e qualquer ar-tefato constam em algum lugar em um museu ou em uma coleção particular.

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Figura 7. Nissim de Camondo, Paris (Fonte: Google)

Do mesmo modo que Moles se refere a um início funcional que depois se perde na coleção, Pomian (1984, p. 51) defende que essas coisas têm em comum o fato de que no museu, assim como na coleção, a utilidade do objeto é banida; desse modo, a sua única função passa a ser a sua exposição ao olhar. Espadas, fl oretes, canhões e espingardas que não servem para duelar e não disparam nenhum tiro, locomotivas e vagões que não transportam nenhuma carga nem ninguém. Fechaduras e chaves que não fecham nem abrem porta alguma. Relógios nos quais ninguém espera mais ver a hora com precisão. Utensílios e instrumentos que não mais participam do cotidiano das populações, artefatos técnicos que já se encontram obsoletos e foram substituídos por outros tecnologicamente mais avançados. Assim, ainda que na sua vida anterior tenha tido uso, quando se torna peça de museu ou de coleção já não o tem mais. Nes-se aspecto, o objeto então se aproxima da obra de arte que, por sua vez, não possui fi nalidade utilitária. Ela pode, quando muito, ser considerada como produto para or-namentar as pessoas, os palácios, os templos, os apartamentos, os jardins, as ruas, as praças, os cemitérios – mas a peça de museu ou de coleção, em si mesma, não serve, em princípio, para decorar.

Outro ponto importante diz respeito ao mercado: as peças de museu ou de coleção têm valor signifi cativo, são peças valiosas – trata-se de um valor de nature-za simbólica. Em especial nos grandes centros urbanos como Nova Iorque, Paris e Londres (apenas para fi car em exemplos mais conhecidos), existe um mercado espe-cífi co, muito sofi sticado e exigente, no qual alguns dos preços podem chegar a cifras astronômicas (por exemplo, as obras de arte de mestres como Rembrandt, Van Gogh, Picasso). Sabe-se que existe ainda um “mercado negro” de objetos valiosos roubados de museus ou coleções. Pomian4 se aproxima das colocações de Moles quando afi rma

4 Para Pomian, uma peça em exposição em coleção ou museu se torna um semióforo,

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que os acervos de museus e coleções são vistos como “tesouros”, acrescentando, en-tretanto, que exigem proteção especial, sistemas de vigilância, seguro patrimonial – uma parafernália que sinaliza o valor social atribuído a tais acervos.

A coleção pode ser então defi nida como qualquer conjunto de objetos naturais ou artifi ciais (artefatos) mantidos temporária ou defi nitivamente fora do circuito das atividades econômicas (a circulação de mercadorias), sujeitos a uma proteção espe-cial, em local fechado preparado para essa fi nalidade, e expostos ao olhar do público. Existem similares que se encaixam nessa defi nição (além dos museus e as coleções particulares), a saber, (a maior parte das) bibliotecas e arquivos. Os arquivos dizem respeito a documentos ofi ciais e registros que se tornaram supérfl uos para uso co-tidiano nas repartições e assim passam a ser guardados nesse local específi co (com segurança, classifi cados e tratados etc.). As bibliotecas são um caso mais complexo, devido à natureza do livro, que pode muitas vezes assumir o papel de objeto (vide en-cadernações, obras ilustradas etc.).

Visto de uma perspectiva mais abrangente e simplifi cada, o sistema econômico inclui questões relacionadas ao ciclo produção-consumo, a circulação de mercadorias, e os aspectos de demanda e oferta, preços, valor. A peculiaridade é que museus e coleções mantêm o objeto “fora da circulação” econômica usual por determinado tempo, sendo que os museus visam reter o objeto indefi nidamente. Então, quando o objeto se torna peça de museu ou de coleção, fi ca temporária ou defi nitivamente fora do circuito das atividades econômicas, mas submetido a uma proteção especial, passando a ser con-siderado valioso: perde então seu “valor de uso”, mas pode aumentar muito seu “valor de troca”. Diversos argumentos são levantados para explicar porque isso ocorre: certas peças de coleção são fonte de prazer estético, outras permitem a obtenção de conheci-mentos históricos ou científi cos (caso do museu de ciências), e ainda o prestígio. Certas peças de coleção conferem prestígio, reconhecimento e visibilidade a quem as possui, e com isso forma-se uma procura (demanda) por determinadas peças que incorporam essa “aura” especial, criando-se, então, um mercado. Em determinado momento his-tórico, o Estado é pressionado para que viabilize o acesso à visitação desses bens a um maior número de pessoas, e essa é uma das razões para a proliferação de museus em sociedades democráticas ocidentais (ou ocidentalizadas, como é o caso do Japão).3.2.2 Tradição e história

Embora fora do já mencionado padrão “museus e coleções particulares”, nas sociedades não ocidentais podem ser encontradas coleções, sendo que as razões para a constituição das mesmas não são aquelas descritas anteriormente. Nessas socieda-des, temos a presença de coleções em locais especiais como nas tumbas e nos tem-plos, nos palácios dos reis e nas residências particulares de pessoas com posses.

objeto signo, adquirindo valor expressivo e carga simbólica, se tornando, dentre outras coisas, emble-ma de superioridade para o seu possuidor.

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Para o mobiliário funerário, bons exemplos são a cidade na Anatólia (entre 6500 e 5700 a.C.), que contava com tumbas com instrumentos, armas, objetos de toalete, joias e ornamentos, tapeçarias, instrumentos musicais, obras de arte, assim como as atualmente famosas descobertas arqueológicas na China, que evidenciaram estatuetas funerárias em terracota, ornamentos de vestuário, cerâmicas, objetos de ouro, bronzes, ornamentos de porta, objetos de ferro, jades. No caso do Antigo Egito, são famosos os tesouros encontrados em tumbas reais, como, por exemplo, o que foi descoberto no túmulo do faraó Tutankâmon. Outro grupo que evidencia razões diver-sas da tradição ocidental é o das oferendas: nos templos gregos e romanos, se acumu-lavam e eram expostas as oferendas aos deuses. O recinto sagrado não era adequado para atividades utilitárias, por conseguinte, os objetos estavam voltados ao culto, ao ritual; tais objetos deveriam fi car em princípio para sempre no templo em que foram ofertados. Pode-se aqui traçar um paralelo com os nossos conhecidos ex-votos, obje-tos devocionais, de agradecimento, muito difundidos no nordeste brasileiro (embora da mesma forma bem conhecidos em outras regiões do país).

Historicamente, aquilo que se acumulava nas residências dos detentores do poder nas monarquias orientais e nos países da Europa medieval poderia ser enca-rado como uma coleção. Em certas ocasiões extraordinárias, tais coleções de objetos eram expostas ao público em geral: em Roma, por exemplo, os grandes colecionado-res (Julio César, Venes, Sila) eram generais ou diplomatas, e aquilo que expunham em suas residências era proveniente do saque, havendo inclusive disputa de prestígio com relação ao que cada um tinha a expor, ou mesmo, em alguns casos, o quanto pagou por determinado objeto, não sendo exagero afi rmar que ali existia um pouco da atmosfera de potlach, embora com características próprias ao tempo e lugar. Os templos serviam para abrigar as relíquias e os objetos sagrados. A relíquia é algo que entrou em contato com um deus, santo ou herói, ou algo que seja vestígio de algum acontecimento longínquo ou mítico – gregos e romanos já os tinham. Com o cristia-nismo, deu-se sua grande difusão, através do culto aos santos, chegando mesmo ao seu apogeu no período medieval. A relíquia conserva a graça de que o santo era inves-tido, acreditava-se que podiam ter propriedades de cura e de proteção, e assim san-tifi cava o local em que era guardada e/ou exposta. Eram conservadas nos relicários, e muito frequentemente se tornavam objetos de comércio, passando a ter um valor monetário e logo atraindo a cobiça daqueles que os encaravam apenas como merca-doria. As igrejas conservavam e expunham relíquias e outros objetos: altares, cálices, candelabros, tapeçarias, vitrais, capitéis, pinturas, esculturas.

Pomian (1984) menciona ainda os tesouros principescos como outro agrupa-mento que poderia ser vinculado à ideia de coleção. Os inventários medievais lista-vam um grande número de objetos, como, por exemplo, o de Carlos V, rei de França, com 3.906 objetos, alguns muito valiosos. Com o acúmulo de riquezas nos palácios

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reais (entesouramento), uma parte fi cava guardada e outra era exposta aos súditos. Todas essas coleções enumeradas diferenciam-se das contemporâneas e das ociden-tais, diferindo também umas das outras.

3.2.3 Uma noção central: o visível e o invisívelUm primeiro item a ser esclarecido se refere à denominação dos objetos como

intermediários: as oferendas e o mobiliário funerário podem ser considerados cole-ções, na medida em que pode ser presumido que existem espectadores virtuais (antepassados, deuses) que assentariam o olhar sobre objetos pertencentes aos vivos – tais objetos se tornam, dessa forma, intermediários entre o profano e o sagrado. As imagens, por exemplo, fi cam investidas de certo poder que as faz participar direta-mente do sagrado, e as relíquias representam não só o sagrado como também o pas-sado (muitas vezes distante); ambas são, portanto, intermediárias entre o espectador (que com elas interage) e o invisível. Desse modo, a função desse tipo de coleção é assegurar a comunicação entre os dois mundos (o visível e o invisível) em que se separa o universo. Entretanto, faz-se necessário ressaltar que a oposição entre visível e invisível pode se manifestar de modos muito variáveis, uma vez que o invisível é aquilo que está muito longe no espaço ou no tempo (no passado, no futuro), e pode ainda estar situado em um tempo sui generis (na eternidade, por exemplo) ou mesmo em outra dimensão espaço-temporal.

A comunicação com o invisível sempre foi uma preocupação relevante nas di-versas culturas e sociedades, em especial naquelas denominadas dos “povos ou comu-nidades tradicionais”. Existiram (e ainda existem) diversas modalidades de transmis-são de mensagens ao invisível, tais como: sacrifícios humanos e animais, oferendas de objetos, rezas e mediunidade. Alguns fenômenos ganham destaque, como aqueles que representam o invisível em tais sociedades: aparições celestes, meteoros, animais (como, por exemplo, as vacas sagradas na Índia), plantas (as fl orestas sagradas dos romanos), acidentes de relevo (montanha sagrada), cursos de água (o rio Ganges, o Rio Jordão). O mundo invisível é falado nos mitos, nos contos, nas narrativas, nas histórias, nas lendas. Neste ponto é ilustrativo encaixarmos um trecho retirado de ensaio de Gilbert Durand (2010, p. 73), no qual ele cita a obra monumental do rome-no Mircea Eliade, nos informando que este último “mostra que em todas as religiões, mesmo nas mais arcaicas, há uma organização de uma rede de imagens simbólicas coligidas em mitos e ritos que revelam uma trans-história por detrás de todas as manifestações da religiosidade na história”. Mais adiante, ele insiste na perenidade das imagens e dos mitos fundadores associados ao fenômeno religioso, que, por sua vez, está intimamente relacionado com o “mundo invisível” nominado por Pomian. Este menciona a existência de coleções entre as sociedades ditas primitivas, como os churinga dos australianos e os vaygu’a dos trobiandeses. Exemplares de utensílios

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conservados nas aldeias bambara que fazem parte das cerimônias de iniciação dos adolescentes, tais como estatuetas, mantas, máscaras, são mantidos temporária ou defi nitivamente fora do circuito das atividades econômicas, submetidos a uma pro-teção especial em locais fechados e pensados para este fi m e expostos ao olhar. Tais elementos são intermediários entre os espectadores e um mundo invisível, dos mitos, das lendas, das histórias e dos contos. Aqui se faz necessário simplesmente reiterar que a coleção é apenas um dos meios para assegurar a comunicação entre os dois mundos, sendo assim uma instituição universalmente difundida, até mesmo pelo ca-ráter universal da oposição entre o visível e o invisível.

3.2.4 Utilidade e signifi cadoAs origens da linguagem permanecem obscuras. Em alguns mitos muito anti-

gos, a linguagem é considerada um presente dos deuses aos seres humanos. De qual-quer modo, como visto anteriormente, não se pode de maneira alguma descartar sua importância para a cultura humana e suas complexidades: ela, dentre muitas outras coisas, permite falar dos mortos como se fossem vivos, das coisas do passado como se estivessem ocorrendo no presente, do distante como se fosse próximo, e do oculto como se fosse visível. Por conseguinte, a linguagem descreve o invisível, incluindo-se o que fi cou no passado, permitindo a comunicação linguística entre as gerações.

A dialética do visível e do invisível tem a ver com a oposição entre o que se per-cebe aqui e agora e aquilo de que se fala, entre o mundo da visão e o universo do dis-curso, em outras palavras, entre a percepção e o discurso. Aquilo que pertence ao invisível usualmente é considerado superior ao que é visível, e essa distin-ção está presente nas mitologias, religiões, fi losofi as, mesmo nas ciências – o invisível é o que não se pode atingir nem dominar, o misterioso, o universo do discurso, dos relatos, dos mitos – tudo que está ligado ao invisível, e, por consequência, os objetos que se pensa que o representam ganham interesse, relevância e destaque.

Aventa-se que a história dos artefatos começou há cerca de dois milhões de anos, que é quando as pesquisas arqueológicas situaram o homem como produtor de coisas, de utensílios a habitações (na Tanzânia, cerca de 1.800.000 anos atrás), sendo que o domínio do fogo se deu há aproximadamente 700.000 anos. Já a presença de sinais gráfi cos (traçados não fi gurativos) em ossos ou em pedras datam de 400.000 a 500.000 anos atrás; tais objetos não são simplesmente “coisas”, mas portam signifi -cado. A emergência da cultura, algum tempo após o domínio do fogo, estaria relacio-nada com o início da produção de objetos que representam o invisível. Os habitantes da gruta de Hyène em Arcysur-Cure são considerados, até o momento, os primeiros colecionadores de que se têm notícia. Eles guardavam curiosidades naturais que atra-íam o olhar provocando espanto, e só podiam ser explicadas pela referência ao invisí-

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vel. No Paleolítico superior, o visível se dividiu entre os objetos úteis (as coisas), e os semióforos5 (que, desse modo, surgem nesse período).

No objeto, pode-se ter pura utilidade, puro signifi cado e uma mescla de ambos, e é importante salientar que tanto a utilidade como o signifi cado estão relacionados a um observador (indivíduos e/ou grupos dentro de uma dada cultura). Utilidade e sig-nifi cado são reciprocamente exclusivos, quer dizer, quanto mais carga de signifi cado tem um objeto, menos utilidade tem, e vice-versa. O aspecto do valor vem à baila: o objeto é valorizado quando (a) é útil ou (b) é carregado de signifi cado. Nas coleções, evidencia-se que o valor de troca das peças é estabelecido em função do signifi cado que cada uma delas possui, o que corrobora a noção de que quanto mais signifi cado se atribui a um objeto menos interesse tem a sua utilidade. Se nos voltarmos para o terreno das atividades humanas, podemos de modo similar defender que elas se clas-sifi cam com base na separação entre as atividades utilitárias e aquelas que produzem apenas signifi cados. As hierarquias sociais podem ser vistas pelo prisma dos signifi -cados, ou seja, os homens que representam o invisível são “homens-semióforos” e se encontram no topo da hierarquia nas mais diversas sociedades (tanto de um ponto de vista sincrônico como diacrônico). Eles são investidos de grande carga de signifi -cado, fazendo jus a uma posição social relevante, sendo exemplos mais destacados o rei, o imperador, o papa, o presidente da República, o senhor feudal. A estratifi cação em hierarquias sociais leva ao aparecimento de coleções, e os objetos nessas coleções são vistos como manifestações dentro dos locais sociais nos quais se opera, em graus variáveis e hierarquizados, a transformação do invisível no visível. Essa passagem se dá inclusive nas sociedades com hierarquia não complexa, ditas “primitivas” ou “tradicionais”, sendo que nas sociedades fortemente hierarquizadas se constata a pre-sença de coleções em lugares sociais privilegiados: túmulos de fi guras importantes, templos, palácios: daí a aura sagrada que em determinada época passou a impregnar os locais denominados “museus”.

Isso tudo implica que o estudo das coleções e dos colecionadores não pode se ater a um quadro conceitual de uma psicologia individual explicando tudo com base no gosto, interesse pessoal ou prazer estético privado. Antes, é necessário e mesmo muito importante identifi car o que é signifi cativo e relevante para uma dada socieda-de, a partir do modo como delimita a fronteira entre o visível e o invisível, e, assim, identifi car quais objetos privilegia e, com isso, que comportamentos tais objetos im-põem aos colecionadores. A partir daí podem ser identifi cados os espaços livres para o jogo das diferenças individuais (gosto pessoal, inclinações, preferências etc.).

5 Como já visto, são objetos que não têm utilidade, representam o invisível, são dotados de signifi cado e são expostos ao olhar de determinado público.

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Figura 8: Semióforos, coisas, objetos em exposição no museu do Art Institute, de Chicago, EUA (Fonte: fotografi a do acervo de Luiz Saboya)

3.3 Gabinetes de curiosidades e coleções, até os museus

3.3.1 As coleções particulares e os museusA partir da segunda metade do século XIV, no continente europeu, ocorre uma

lenta, porém ininterrupta ruptura com a tradição. Os humanistas, os antiquários, os artistas e os estudiosos formam novos grupos sociais, cuja razão de ser é o estudo e o domínio sobre certos conhecimentos e capacidades, quais sejam: o saber sobre a vida dos antigos, a produção de obras, a ciência. A Europa passa a experimentar, após al-gum tempo, com o Renascimento, novas atitudes em relação ao invisível (aquilo que não era conhecido ou que estava distante): o passado, partes desconhecidas da terra (“terras d’além-mar”), a natureza; com tudo isso, a imagem tradicional do passado foi posta em questão. Naquele tempo deu-se o fenômeno da iconoclastia religiosa, ligada ao período de expansão da Reforma, a infl uência do Humanismo até chegar às guerras religiosas6 Ao mesmo tempo havia uma busca de elementos da Antiguidade clássica, e tais elementos (vestígios do passado, relíquias antigas) tornaram-se obje-

6 A partir da rivalidade entre católicos e calvinistas, em especial na França.

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tos de estudo. Um novo grupo emergente ao fi nal do século XV, o dos humanistas, se volta para o estudo dessa nova classe de semióforos. Tal grupo, embora difuso, de um modo geral se dedica a formar coleções de antiguidades.

Na segunda metade do século XVI, a moda de colecionar antiguidades difun-diu-se em todos os países europeus, e diversas personalidades se envolveram então com essa atividade: o papa, os cardeais, o imperador, reis e príncipes, juristas e mé-dicos, sábios e poetas, padres e monges, ofi ciais e artistas. A Inglaterra, em torno de 1584-1586, funda o seu “College of Antiquaries”. Os donos do poder que formam cole-ções, o fazem por razões diversas: para marcar posição social, demonstrar superiori-dade, ou mesmo sinalizar sua posição eminente na sociedade. Os poderosos também se valem dos que produzem obras de arte visando determinados fi ns políticos e de propaganda, vindo daí o mecenato e a formação de coleções.

A partir do século XV, os grandes descobrimentos fi zeram com que fosse des-locada a fronteira do invisível, pois eram realizadas viagens a partes desconhecidas da terra. As expedições trazem muita coisa nova, mercadorias vantajosas, novo saber e novos semióforos, como ourivesarias, porcelanas, “ídolos”, conchas, pedras. Na Europa, tais objetos se constituem em semióforos dado o signifi cado que adquirem enquanto representantes do invisível distante (povos e países exóticos etc.) e dessa maneira passam a ser considerados como curiosidades (daí a formação dos “gabine-tes de curiosidades” da época).

Figura 9. Gabinete de curiosidades (Fonte: Google)

Na provisão de condições materiais para a produção artística, científi ca e lite-rária está a origem dos gabinetes de curiosidades, galerias de pintura e de escultura

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e bibliotecas – as coleções seriam tanto instrumentos de trabalho como símbolos de “status” social para os membros do meio intelectual e artístico. Nesse aspecto o eram também para os integrantes da elite do poder, na medida em que representavam em-blemas da sua superioridade e, dessa maneira, funcionavam como instrumentos de dominação: as peças de coleção seriam símbolos de pertencimento social, como já insinuado anteriormente.

Uma terceira categoria de semióforos surge a partir do séc. XV, que, embora não sendo nova, assume naquele momento maior dignidade: são as obras de arte (quadros, esculturas) como, por exemplo, as obras do período medieval que, no sé-culo XVIII, na Inglaterra, provocam interesse renovado. Vale ressaltar que a arte permite transformar o transitório em durável, pois o que se representa, por exemplo, em um quadro, irá um dia se tornar invisível, mas a imagem fi xada na superfície da tela permanecerá ao longo do tempo. Dessa maneira, o artista torna-se personagem privilegiado, pois pode retratar o príncipe, e a sua imagem permanecerá com fama duradoura entre os homens.

Os instrumentos científi cos constituem uma quarta categoria de semióforos que surge a partir do século XVII. As teorias e os conceitos científi cos passam a tecer considerações sobre o que não se pode ver (tanto a nível macro, com as novas teorias cosmológicas, como também na abordagem do mundo dos micróbios). Os cientistas formam então um novo grupo social emergente.

Nos séculos XVI e XVII organiza-se aos poucos um mercado de obras de arte, antiguidades e curiosidades diversas. Com a imprensa e os progressos na construção naval e na navegação houve maior circulação comercial, de produtos e de ideias. Nas repúblicas holandesa e veneziana, deu-se um acúmulo de capital como nunca tinha se visto antes, correspondendo ao apogeu da economia mercantilista nesses países. Isto proporcionou uma alentada cultura de colecionador, visto que era necessário dispor de tempo e recursos para se dedicar à procura de supostas “coisas inúteis”. As coleções, portanto, fl oresceram em toda parte onde o comércio prosperou, e um sinal claro disso se relaciona ao aparecimento, na Holanda, em 1616, do catálogo impresso dos objetos postos à venda. Em paralelo, surge ainda a fi gura do leiloeiro e do perito.

O custo em dinheiro de certos objetos de coleções, a saber, obras de arte e quadros antigos, os deixavam fora do alcance dos que não dispunham de meios fi -nanceiros. Estes, por sua vez, partem para colecionar objetos de menor valor, como moedas, estampas, desenhos, curiosidades exóticas, exemplares de história natural; e o curioso é que tais coisas, a partir de determinado momento, ganham valor, confi gu-rando um mecanismo que leva a transformar objetos anteriormente desprezados em semióforos.

Os gabinetes de curiosidades poderiam ser defi nidos como os lugares nos quais se estabelece uma relação entre o que se conhece e o que se imagina. Nesta relação

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fi ca explicitado o sentimento necessário de controle, de poder, de conhecimento do mundo, da criação divina. São lugares de uma memória que pode ser materializada em determinados objetos, o que amplia a sensação de poder, de conhecimento e do-mínio. Helga Possas (2005, p. 155) defende que, a partir dessas ideias e de um certo pendor enciclopedista por parte dos entusiastas dos gabinetes, “esses objetivos come-çavam a dar um caráter mais próximo da Ciência, como conhecimento, às coleções que iam se formando”. Uma vez que pertenciam a indivíduos, o acesso aos gabinetes era restrito; apesar disso, Possas em seu texto informa que a maioria podia ser visi-tada mediante carta de apresentação. Porém, existiam aqueles gabinetes de caráter secreto, normalmente pertencentes a nobres e famílias de grande importância, como, por exemplo, o gabinete de Rodolfo II Habsburgo, imperador do Reino da Hungria e da Bohemia. Sua coleção posteriormente se transformou no Museu Imperial de Viena – mais tarde chamado Museu de História da Arte em Viena, um dos primeiros mu-seus de belas artes e artes decorativas do mundo. A sua inauguração se deu em1891, para abrigar a vasta coleção imperial dos Habsburgos. Nesse contexto, uma consci-ência mais bem delineada daquilo que mais tarde viria a ser aceito socialmente como “conhecimento científi co” vai se confi gurando, e se formam novas disciplinas como a arqueologia, a paleontologia e a história da arte, com vistas a descobrir novos objetos e estudá-los em diversos aspectos.

Nos séculos XVII e XVIII, a grande maioria das populações se encontrava dis-tante daquilo que se acumulava nas coleções, que eram particulares e de acesso exclu-sivo dos integrantes do círculo social de seus proprietários, e de artistas e sábios, que podiam ter acesso para estudar as peças dessas coleções. As únicas coleções acessíveis a todos por essa época são as das igrejas: por conseguinte, a arte profana moderna, antiguidades, curiosidades exóticas e naturais são expostas apenas ao olhar de privi-legiados (aqueles do círculo da amizade do proprietário e/ou os que possuíam a tal carta de apresentação).

3.3.2 Museus e sua consolidaçãoDe acordo com Kury e Camenietzki (apud MARANDINO, 2001, p. 35), o perí-

odo entre os séculos XVI e XIX é marcado pela substituição dos antigos gabinetes de curiosidades pelos museus científi cos. A partir do início do século XVII, são fundadas bibliotecas públicas e depois museus, com base em iniciativas de empreendedores particulares e do poder público. A primeira das grandes bibliotecas públicas, a Bod-leiana, surgiu em 1602 em Oxford; já em 1609, em Milão, o bispo Frederico Borro-meu fundou a segunda, chamada Ambrosiana, sendo que diversas outras surgiram pela mesma época. O primeiro museu se constitui a partir da iniciativa de Elias Ash-mole, que, em 1675, doa suas coleções para a Universidade de Oxford. Outros museus são criados logo a seguir em Roma e na Toscana; e, em 1753, o Parlamento britânico

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institui o British Museum – que certamente se tornou um marco na história dos mu-seus no Ocidente. Na sequência, em outros países europeus, diversos novos museus são criados.

Figura 10. O British Museum, em Londres (Fonte: Google)

O museu, ao contrário do que poderia acontecer com um gabinete de curiosi-dades, sobrevive aos seus fundadores e têm (a princípio) existência tranquila (embora isso não seja de modo algum uma regra em instituições dessa natureza no Terceiro Mundo). Muitos resultaram da doação, da compra de coleções particulares pelo Es-tado, da nacionalização das antigas propriedades reais, nobiliárias ou eclesiásticas, ou como estabelecimentos sem fi ns lucrativos. Os museus, desde os seus primórdios, têm caráter público, e seu acervo, ao contrário do que acontecia (e ainda acontece) com as coleções particulares, pode ser exposto ao visitante, à comunidade, sem restri-ções que não as de ordem técnica e prática.

A expansão e a consolidação dos museus como instituições culturais relevantes ocorrem, sobretudo, no século XIX. Nessa época observa-se, além da expansão em si dessas instituições, a criação de grupos para discutir questões profi ssionais relacio-nadas ao museu enquanto instituição e à museologia enquanto uma área de conheci-mento.

A Museologia (do grego μουσειόν = museión ‘museu’, lugar das musas, e λόγος = logos, ‘razão’) é a área do conhecimento dedicada especialmente à administração, manutenção, organização de exposições e eventos em museus. A museologia contem-porânea trata desde as técnicas de restauração, conservação, acondicionamento e do-

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cumentação do acervo até a preparação de mostras, exposições e ações culturais. Atu-almente, o museólogo (profi ssional da área) trabalha com as ciências da comunicação e da computação. A televisão e a informática têm sido incorporadas para transmitir os conteúdos de forma lúdica e efi ciente, e a manipulação, estudo e catalogação dos objetos passou a ser praticamente uma condição essencial aos museus, assim como a inclusão de tecnologia que durante muito tempo fi cou restrita a parques de diversão (trens para percorrer réplica de minas e cavernas, dinossauros, salas com equipamen-tos especiais, etc.)7.

Outro aspecto relevante naquele século foi a abertura ao público das grandes coleções, tanto na Europa como nas culturas por ela infl uenciadas. Esse movimento teve como precursores no século XVIII movimentos pioneiros de transformação de coleções privadas em públicas. Em especial na Itália e na Alemanha, alguns monarcas desenvolvem o interesse por construir novos edifícios, independentes de seus palá-cios, para abrigar suas coleções de arte e seus gabinetes de História Natural (gabine-tes de curiosidades). Alguns autores defendem que o museu pode ser considerado um herdeiro do gabinete de curiosidades.

Com a Revolução Francesa e o apogeu do Iluminismo, e ainda a unifi cação de estados europeus, ganha ímpeto o discurso da nacionalidade e, desse modo, ganha destaque a memória (como elemento fundamental para a constituição e preservação da identidade nacional). O movimento científi co proporciona à memória coletiva das nações os monumentos de lembrança: os Arquivos Nacionais da França são abertos ao público em 1794; o Public Record Offi ce é estruturado na Inglaterra em 1838; e esse mesmo movimento impulsiona a criação e/ou expansão dos museus na época. Na França, a Grande Galeria do Louvre (ver Figura 11 a seguir) foi inaugurada em 1793, assim como o Muséum National d’Histoire Naturelle de Paris, e ainda o Conser-vatório Nacional de Artes e Ofícios, herdeiro do espírito dos enciclopedistas, que foi fundado em 1794, todos esses durante a Revolução Francesa; em 1833 foi constituído o Museu de Versalhes, e em 1862 Napoleão III criou o Museu de Saint-Germain.

7 A partir de http://pt.wikipedia.org/wiki/Museologia. Acesso em: 17 ago. 2014.

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Figura 11. Louvre, em Paris (Fonte: Google)

Na Áustria, como já visto acima, foi inaugurado em 1891 o Museu Imperial de Viena. Na Inglaterra, em Londres (1838), a National Gallery. Os alemães, por sua vez, criaram em 1830 o Museu das Antiguidades Nacionais de Berlim e, em 1852, o Museu Germânico de Nuremberg. Na Itália, ao tempo da unifi cação nacional, foi criado pela Casa de Savoia, em 1859, o Museu Nacional do Barguello em Florença (LE GOFF, 2003, p. 459).

Ainda no século XIX, deu-se a instauração um evento da maior importância, que foi a primeira Exposição Internacional, inaugurada com a presença da rainha Vitória e do príncipe Albert, em maio de 1851, em Londres. Ela foi instalada em um imenso palácio de cristal, projeto inovador para a época, atribuído a Joseph Paxton, que se constituiu em um marco para a arquitetura e o design (ver Figura 12 mais adiante). Essa exposição anunciava uma nova forma de cooperação entre arte, indús-tria, ciência e técnica, indicando ao mesmo tempo a grandeza e a hegemonia europeia do saber, do poder e da riqueza.

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Figura 12. O famoso Palácio de Cristal, projeto de Joseph Paxton (Fonte: Google)

Essas exposições surgiram no bojo da necessidade de ampliação dos mercados consumidores e de expansão do capital fi nanceiro e industrial dos países europeus industrializados, que tentariam buscar também a liderança mundial em terrenos menos convencionais para a época, como o da ciência e tecnologia. A burguesia dos países centrais, para alcançar seus objetivos políticos e econômicos, adotou a estraté-gia de introduzir mudanças culturais nos países periféricos, para que estes pudessem absorver novos padrões de vida e de consumo de produtos. Para tornar plausível sua política aos olhos desses outros povos, é claro que as motivações expansionistas (co-merciais, industriais, ideológicas e culturais) das potências europeias não apareciam nos discursos que justifi cavam as grandes exposições, sendo assim substituídas pelo sentimento da responsabilidade maior de levar o progresso para outros povos e pro-mover a paz entre as nações. Não escondiam, contudo, seus sentimentos de superio-ridade racial e, assim, essas potências se sentiam com o direito e mesmo com o dever de exercer um papel civilizador perante os povos dos países periféricos.

A essa primeira exposição seguiram-se outras, a II Exposição Universal foi rea-lizada em Paris em 1855; e cumpre ressaltar que o Brasil, desde a III Exposição reali-zada na capital inglesa, em 1862, passou a participar de tais eventos. Ainda no século XIX ocorreram em novas oportunidades. A Exposição Universal de 1876, na Filadél-fi a, Pennsylvania, primeira exposição mundial nos Estados Unidos, foi realizada para comemorar o centenário da assinatura da declaração de independência do país, que também tinha ocorrido na Filadélfi a8. Outra, em Paris (a de 1889), ocupou um lugar

8 Wikipedia. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Exposi%C3%A7%C3%A3o. Acesso em: 12 out. 2015.

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de destaque no imaginário político do país, ao comemorar o primeiro centenário da Revolução Francesa. A Torre Eiffel, inaugurada para ser uma instalação provisória durante o evento, permanece até hoje como um dos símbolos de Paris, atraindo gran-de interesse turístico (FERREIR A, 2014). Para o Brasil, temos a ação do imperador D. Pedro II, que, em seu tempo, defendia as exposições, pois entendia que o inter-câmbio com as nações desenvolvidas traria “ventos de modernização” para o Brasil, como era do seu gosto. Ele e seus aliados souberam mediar os confl itos e viabilizaram as participações do Brasil naqueles eventos. Personalidade afi nada com aquele tempo de revoluções tecnológicas, D. Pedro II se envolvia pessoalmente com as grandes ex-posições e tinha satisfação em ser considerado um cidadão moderno (Schwarcz apud FERREIRA, 2014). Mesmo em meio a confl itos sociais e ao alto grau de exclusão e preconceitos, a população em termos gerais se deixava cativar pelo clima de otimismo e progresso e pelo aceno ao sentimento nacionalista (na época já existia a preocupa-ção com a criação de uma identidade nacional). Isto pode ter contribuído para o fato de o Brasil ter participado de muitas exposições internacionais, como em Londres (1862), Paris (1867), Viena (1873), Filadélfi a (1876), Paris (1889), e organizado algu-mas exposições nacionais (FERREIR A, 2014). Com tudo isso em vista, podemos situar que esse século foi o da consolidação dos museus como instituições clássicas no campo da cultura do tipo “sala de ópera”, para retomarmos a expressão de Roy Wagner.

3.3.3 Museus no BrasilOs primeiros museus brasileiros tinham temática científi ca e foram criados no

século XIX. O marco inicial é o Museu Nacional do Rio de Janeiro, criado em 1818, a primeira instituição brasileira dedicada primordialmente à história natural. Outros vieram com a mesma ênfase na história natural, como o Museu Paraense Emilio Go-eldi, de 1866 (em Belém, no Pará); o Museu da Marinha (1868), o Museu Paranaense (1876), e o Museu do Ipiranga, de 1894, em São Paulo (depois rebatizado para Museu Paulista). Nesse processo, cumpre ressaltar o papel do “programa de modernização do país provocado pela vinda da família real portuguesa” (VALENTE, CAZELLI, AL-VES, 2005a, p. 185). Tal ímpeto é especialmente relacionado à implantação do Mu-seu Nacional, cuja inspiração teria sido o Muséum National d’Histoire Naturelle de Paris. Já o Museu Nacional de Belas Artes teve origem no conjunto de obras de arte trazido por D. João VI de Portugal, em 1808, ampliado algum tempo depois com a coleção reunida por Joachin Lebreton, que chefi ou a chamada Missão Artística Fran-cesa, formando a mais importante pinacoteca do país na época (primeira metade do século XIX). Ao longo do século XIX e início do século XX, este núcleo original foi enriquecido com importantes incorporações. Com a construção da nova sede da Esco-la Nacional de Belas Artes em 1908, na cidade do Rio de Janeiro, este acervo passou a ocupar parte do prédio então construído, sendo o museu criado ofi cialmente em

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1937 (MNBA, home page9). A instituição museu havia se tornado, na segunda metade do século XIX, o símbolo de urbanismo, civilização e progresso; e, para além disso, uma das expressões mais signifi cativas da identidade nacional. Nada mais apro-priado a um império com pouco tempo de existência nos trópicos. Assim que, para Lopes (apud MARANDINO, 2001, p. 77), no seu nascedouro, os museus brasileiros estiveram relacionados a dois símbolos referenciais da cultura brasileira: a transição para o século XIX, com a crise do antigo sistema colonial e a transferência da sede da monarquia para o país, com todas as suas implicações políticas, sociais, econômicas e culturais; e pelo período dos anos 1870, caracterizado como momento de “novas ideias” e de “efervescência intelectual” no Brasil – o tempo do Império de D. Pedro II, grande patrocinador da cultura, das artes e do conhecimento em nosso país.

Na primeira metade do século XX, outro importante museu com sede na cida-de do Rio de Janeiro, o Museu Histórico Nacional , foi criado em 1922 (MHN, home page10). Em São Paulo, o grande exemplo é o Museu Biológico do Instituto Butantan, criado em 1912, ligado ao Instituto Butantan, instituição pública estadual, subordi-nada à Secretaria de Estado da Saúde do governo paulista11. Dentre outros museus relevantes que foram criados em meados do século XX no Brasil, podem ser citados o Museu da República e o Museu da Imagem e do Som (ambos na cidade do Rio de Janeiro), sempre por iniciativa do poder público. Outros exemplos dignos de nota são os do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM), e o Museu da Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (Masp), também criados por essa época. Hugues de Vari-ne (1979, p.10), diretor do Conselho Internacional dos Museus Icom, de 1965 a 1974, em entrevista no início da década de 1970, defende que noventa e nove por cento dos museus daquela época no mundo ocidental ainda se encontravam como as institui-ções do século XIX.

3.4 Museus e centros de ciências: tradição e ruptura

A visão de A. Moles (1981, p. 75-77) assume uma postura de análise crítica e nos traz algumas contribuições bastante relevantes quanto à noção de museu como reserva de objetos. Para ele, todo museu efetua uma seleção no mundo dos objetos, tratando-se de uma construção: pode ser inicialmente visto como uma imensa gale-ria. De outro modo, vê no museu um labirinto de duas ou três dimensões, que possui função estética na medida em que guarda os objetos mais “belos”. O seu critério fun-damental, de acordo com Moles, é apresentar ao máximo de pessoas o maior número de elementos criadores de prazer estético; e nesse sentido pode ser comparado a uma

9 MNBA. Home Page institucional. Disponível em: <http://www.mnba.gov.br/1_his-torico/historico.htm>. Acesso em: 12 jan. 2015.

10 MHN. Home Page institucional. Disponível em: <http://www.museuhistoriconacion-al.com.br>. Acesso em: 13 jan. 2015.

11 Wikipedia. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Instituto_Butantan>. Acesso em: 02 nov. 2015.

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imensa loja de departamentos – na ideia de “vender beleza” a um determinado públi-co, buscando ao longo do tempo a maximização disso.

Não apenas a beleza, mas outros critérios podem ser utilizados para a classi-fi cação dos objetos: históricos, importância científi ca, o critério da pedagogia para o museu de História Natural, o de máquinas, das coleções pré-históricas, quanto aos aspectos funcionais, artesanato, industrialização; o critério da elucidação dos circui-tos de produção/montagem para museus como o do automóvel, da máquina de escre-ver, e similares. Ainda outro critério que pode se manifestar é o da SEDIMENTAÇÃO, que se refere simplesmente a um processo de acumulação12.

Ele situa que o museu em essência é uma expressão acabada da razão orde-nadora, que nesse sentido se contrasta com o quebra-cabeça, o sótão e o antiquário. Tratar-se-ia de manifestação fundamental do século XIX: ordenado, bem mantido, bem sustentado, totalmente não espontâneo (com a ressalva de que isso vale para os países centrais industrializados e ricos...), amplifi cando assim uma série de fatores ordenado-res do universo. Ao mesmo tempo, incorpora com isso um feixe de características (qual seja distanciado, frio, racional, longínquo) que nos afasta do cotidiano do objeto.

O museu pode ser visto como uma das instituições cuja função (concordando com Pomian) consiste em opor o visível ao invisível. Nesse sentido, os museus subs-tituem as igrejas como locais onde todos os membros de uma sociedade podem se envolver na celebração de um mesmo culto – com isso, o número de museus aumenta muito nos séculos XIX e XX, à medida que cresce o desinteresse das populações (em especial as urbanas) pela religião tradicional. Pode ser vista no museu uma home-nagem que a nação presta a si mesma com a celebração do próprio passado, assim o museu se converte no depósito de tudo aquilo que está ligado à história nacional, passando a ser um dos pilares centrais na construção e preservação da identidade nacional nos modernos Estados democráticos. Consolida-se no século XX a noção de que a missão dos museus é a de abrigar objetos a serem preservados e tornados aces-síveis a todos os membros da comunidade. O museu, assim, se confi gura e consolida como uma instituição essencialmente democrática. Quanto às observações de Moles, nos resta opinar que, embora sem dúvida exista a marca do século XIX no “DNA” da instituição museu, esta não é uma realidade pétrea e estagnada: pelo contrário, con-temporaneamente vemos que, especialmente a partir de meados do século XX, em diversos países ocorreu uma “revolução” na concepção de diversos tipos de museus, e que esse fato vem gerando seus efeitos até os dias que correm.

3.4.1 Museu e sua renovaçãoO surgimento e a consolidação e difusão de instituições como centros de ci-

ência e tecnologia, centros de arte, museus de comunidade e planetários foi parte 12 Nesse processo, os objetos vão ali se “fi xando” e se deixando fi car, à guisa do que

ocorre no “sótão”.

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de uma voga que se intensifi cou nos anos 1980 e 1990, infl uenciando de um modo especial esses espaços dedicados à ciência e tecnologia no seu sentido mais amplo. O questionamento do papel tradicional dos museus, daquele museu público clássico que se consolidou no século XIX e veio impávido na primeira metade do século XX, como já mencionado, eclode principalmente a partir da Segunda Guerra Mundial, uma vez que as sociedades passam a viver em constante inquietação13 e assim começam a restringir a aceitação de instituições estáticas, cristalizadas, imobilistas. A partir dos anos 1960, com toda a sua onda de contestação e movimentos de crítica social e de mudanças de comportamento e costumes, o processo ganha ímpeto. O questiona-mento e a crítica se voltam para a busca de uma transformação na prática e no papel social do museu – o museu clássico passa a ser fortemente questionado. Temos então um movimento de dinamização – que por sua vez procura referências em experi-ências inovadoras que tinham sido bem sucedidas. Por exemplo, entre 1899 e 1930 foram criados cerca de 50 museus para crianças nos Estados Unidos, com algumas características interativas inovadoras para a época, uma vez que a sua ideia principal era servir de centro de entretenimento e lazer para a comunidade, distanciando-se, com isso, do museu clássico tradicional. Interessante notar que esses primeiros mu-seus para crianças foram criados por indivíduos envolvidos com educação artística ou científi ca (STUDART, 2006). A primeira iniciativa nessa direção se deu com a criação de uma Sala das Crianças (Children´s Room) na torre sul do Castelo Smithsonian, em Washington DC, EUA, no ano de 1901. Com esse pioneirismo, se tornou um marco na introdução de um espaço voltado para crianças em um museu tradicional, levando a mudanças na maneira como o ambiente era concebido e trabalhado (STUDART, 2006).

Em Munique, na Alemanha, em 1903, foi fundado o Deutsches Museum. Em 1913 foi transferido para novo prédio, no qual se encontra até os dias atuais. Conta com três andares, totalizando 156 salas. Sua criação foi muito importante na introdu-ção de novas formas de apresentação de informações, incluindo exposições participa-tivas e experiências ativadas por visitantes e/ou mediadores. Na sua concepção, havia o interesse em demonstrar, de forma eloquente, a infl uência das invenções tecnológi-cas, do progresso técnico-mecânico e da ciência de um modo geral nas sociedades hu-manas (STUDART, 2006). Tratou-se de uma iniciativa pioneira, quando introduziu novas formas de comunicação em suas exposições.

A exposição Internacional de Paris de 1937 (denominada ofi cialmente “Expo-sition Internationale des Arts et des Techniques Apliqués a la Vie Moderne”) foi um evento que juntou 44 países em torno do tema “Artes e técnicas aplicadas à vida mo-derna”. Como todas as exposições internacionais do período (desde a já mencionada 1ª Exposição Internacional, de 1851 em Londres, instalada no Palácio de Cristal), foi um evento de grande envergadura que deu ímpeto à criação de alguns novos museus

13 Devido a fatores como a própria Guerra Fria entre as “superpotências” da época.

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na cidade: o Museu do Homem (Musée de l´Homme), o Museu dos Monumentos (Musée des Monuments), o Museu de Artes e Tradições Populares (Musée des Arts e Traditions Populaires), o Museu da Marinha (Musée de la Marine) e o Palácio da Des-coberta (Palais de la Decouverte) (MAURY, 1994).

Desses, o Palácio da Descoberta, criado como parte da Universidade de Pa-ris, visava se tornar um veículo para a popularização da ciência e ao mesmo tempo uma instituição de aprendizado científi co e de pesquisa de alto nível, aberto a toda a população. Com ênfase na experimentação, funcionava como um laboratório aberto para o público, ocupando cerca de 20.000 metros quadrados que abrigavam mais de 50 salas com mediadores que explicavam centenas de experimentos aos visitan-tes (STUDART, 2006). O Palácio da Descoberta é considerado o primeiro museu de ciência efetivamente interativo – um museu de ciência no qual os visitantes podem mexer nos objetos nele expostos – e, com isso, pode ser rotulado como um museu de ciências de segunda geração. Os de primeira geração, cabe enfatizar, são aqueles que, de modo semelhante aos museus de arte14, abrigam coleções organizadas de objetos que devem ser preservados e exibidos ao público – são os já citados museus públicos tradicionais, em que o visitante apenas observa em uma fruição passiva, sem possibi-lidade de qualquer outra forma de interação com os objetos expostos.

A nomenclatura acima utilizada, que se refere a “gerações” de museus, parte da análise realizada por Paullette McManus no campo dos museus e centros de ciên-cia e tecnologia; que caracteriza os museus a partir das temáticas que os geraram, a saber: museus de História Natural ou museus públicos clássicos (seriam os de primei-ra geração); museus de Indústria (os de segunda geração) e museus de Fenômenos e Conceitos Científi cos (terceira geração). Tal classifi cação é mencionada por diversos autores (Caselli, Valente, Marandino) e é bastante instrumental para a discussão da evolução no tempo dessas instituições, embora não esgote o assunto.

Os museus de primeira geração caracterizaram-se, nos primórdios de sua formação, pelo simples acúmulo de objetos mostrados de forma desorganizada (a “sedimentação” mencionada por Moles), uma vez que derivavam diretamente dos gabinetes de curiosidades. A partir do século XVIII, com o conhecimento já tendendo a se organizar em disciplinas mais estanques (relembrar Snow e as suas “duas cultu-ras”), este tipo de museu começa a se ordenar, promovendo apresentações calcadas na abordagem das diferentes disciplinas que começavam, então, a se delinear. Naque-le período, os museus são encarados como santuários em uma reserva aberta, na qual o conhecimento produzido e as peças são apresentados amiúde em sua totalidade a partir de uma classifi cação que se baseia, em essência, no trabalho de Lineu (1707-1778), com a sua taxonomia.

14 Cuja origem, ainda incipiente, se pode situar no Renascimento.

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Os museus de segunda geração evidenciam o mundo do trabalho e o avanço científi co e tecnológico. São espaços que valorizam em grande medida a tecnologia industrial, funcionando como vitrines para a indústria e o progresso das nações, despertando a admiração dos visitantes quanto às conquistas nesses domínios. As já mencionadas exposições internacionais (cujo início, como já visto, se deu em 1851, em Londres) são a referência para essa categoria de museu. A conexão desse tipo de instituição com a sociedade se faz, para além das exposições em si, também por meio de conferências públicas e de treinamento técnico. Nesses dois tipos de museu ora defi nidos, há uma postura mais tradicional, uma vez que as representações museo-lógicas apresentam sempre, a um visitante passivo, o conhecimento universalmente considerado como o melhor na ocasião.

Os museus de terceira geração surgem no início do século XX, propondo uma nova forma de comunicação com o público. O já mencionado Deutsches Museum é o mais conhecido deles, caracterizando-se pelo uso de aparatos tecnológicos com mo-vimento junto a exemplares de acervo. Na intenção de valorizar o desenvolvimento científi co e tecnológico, por meio do esclarecimento do público e da melhor comuni-cação com ele, faz uso de novas estratégias de interatividade, como girar manivelas do tipo hands on. Acredita-se que o visitante, ao fazer funcionar o aparato, assimile facilmente os princípios científi cos ali envolvidos. Entretanto, ocorre uma visão tec-nicista, uma vez que os aparatos são apresentados a partir de passos programados, pelos quais é conferida ao visitante uma única resposta, sem que precise controlar variáveis ou explorar caminhos alternativos. Dessa forma, o que se promove é uma ciência acabada com uma única verdade, e certo deslumbramento (e até mesmo feti-che) tecnológico.

Para além da terceira geração de museus de ciência, o foco central mudou e deu-se a busca de uma forma de comunicação entre o visitante e a ciência mediada por aparatos com maior interatividade, que visam garantir o engajamento intelec-tual dos usuários por meio de uma interação física baseada no estudo da percepção humana, que não é restrita a apertar botões e que valoriza a temática dos fenômenos e conceitos científi cos. Tal tipo de interatividade enriquece as instituições com a exi-bição de fenômenos científi cos e a ênfase na ação dos visitantes. Desde os anos 1960, devido aos novos conceitos de aprendizagem que entraram em voga (em especial, mas não apenas, aqueles propostos por Piaget), que os museus passaram a caminhar de modo resoluto, nas suas exposições, em direção à interatividade. Exposições inte-rativas em ambientes educativos não formais convidam os visitantes a não se colocar em uma atitude passiva e envolvem, por exemplo, a participação ativa, o estímulo à curiosidade, a motivação intrínseca, a ludicidade, os jogos e a exploração (STUDART, 2006). Um dos mais infl uentes e famosos centros de ciência interativos, o Explora-torium, foi inaugurado em 1969 na cidade de São Francisco, na Califórnia, EUA. Sua

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concepção deveu-se ao físico Frank Oppenheimer (1912-1985), que viu seu trabalho receber muitos prêmios. O Exploratorium foi concebido como um laboratório de pes-quisa e desenvolvimento, dinâmico, investigativo e criativo. O seu objetivo primordial era chegar a um misto de percepção, arte, tecnologia e ciência. Conforme relata a pesquisadora Denise Studart, “atualmente o Exploratorium conta com mais de 700 experimentos interativos que os visitantes podem explorar em seu próprio ritmo” (STUDART, 2006, p. 21).

As concepções de Oppenheimer expressam uma visão inovadora que busca aper-feiçoar a relação entre arte e ciência, conforme pode ser verifi cado no trecho a seguir:

Há vários vínculos entre arte e ciência. Ambas iniciam-se com a percepção de padrões – espaciais, temporais, funcionais e comportamentais. Ambas elaboram, reformulam e fi nalmente ligam padrões, por natureza e/ou signifi cado, que inicialmente apareciam não relacionados... Ambas, arte e ciência, estão envolvidas com transições de ordem – desordem, e com a criação e o alívio de tensão. O esforço de ambas está profunda-mente enraizado na cultura e na herança; ambas expandem nossa consciência e sen-sibilidade ao que está acontecendo na natureza e em nós mesmos (OPPENHEIMER apud STUDART, 2006).

A discussão das implicações sociais do desenvolvimento da ciência e da tecno-logia é introduzida aqui com a abordagem das preocupações educacionais/culturais visando a melhoria do ensino de ciências, na tentativa de minimizar o analfabetismo científi co e tecnológico da sociedade. O afl orar de novas tendências da educação em ciências tem como prioridade realçar o papel da ação do sujeito na aprendizagem com o “aprender fazendo”. Desse modo, agindo com maior liberdade na manipulação dos aparatos interativos, diferentes possibilidades de interação surgem. Com isso em mente, cumpre ressaltar que, de acordo com Valente (2001 /2002, p. 13), “aqueles que projetam os aparatos e exposições passam a dispor do conjunto de evidências oriundas das pesquisas de ensino e aprendizagem”. Assim, continua a autora (idem), observa-se a “adoção de formas de construtivismo propostas pela educação em ciên-cias, entre elas a mudança conceitual das concepções alternativas dos estudantes, re-lativas às ciências”, e tal se deu com a utilização de “questões exploratórias junto aos comandos dos aparatos das exposições”.

Ao longo dos anos 1970, em museus da América do Norte, foram inicialmen-te criadas as chamadas “salas de descoberta”. Nesses locais, a ideia central estava na criação de ambientes nos quais os visitantes pudessem ter contato direto com as coleções do museu e explorá-las em um lugar confortável e informal, tentando mini-mizar qualquer possível inibição do visitante. O Museu Nacional de História Natural do Smithsonian Institute, em Washington (DC), foi o primeiro museu a estabelecer uma sala de descoberta em 1974. Outros, logo a seguir, procederam do mesmo modo, como foi o caso do Field Museum de Chicago em 1976, e o Museu Americano de His-tória Natural em Nova Iorque, em 1977. Esses locais são considerados ambientes de educação não formal em seu pleno sentido (STUDART, 2006).

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A partir dos anos 1980, conforme já mencionado, ocorre uma maior dinamiza-ção do processo de expansão de museus e centros de ciências em diversos países, in-clusive no Brasil (VALENTE, 2008). Isso coincide com o fato de se ter verifi cado, nesse período, em especial nos países ricos, o movimento de privatização, liberalização da economia e desregulamentação dos mercados fi nanceiros e dos fl uxos de capital, algo que veio a se espalhar para diversos locais, inclusive o Brasil, já no início da década de 1990. Criou-se então uma diversidade de tendências e encaminhamentos, pois, nessa década, de modo mais enfático, a instituição museu passa a não mais ser pensada como “templo”, espaço de representação de uma cultura transcendente, com aura sagrada, estável e homogênea. Em vez disso, essa instituição passa a ser cada vez mais conceitu-ada como um espaço de representação de diferenças e confl itos entre os vários segmen-tos sociais e suas respectivas culturas: a noção do museu como “fórum”. Ele retrata uma concepção de cultura na qual a ênfase está menos na coerência e na estabilidade e mais no caráter fragmentário e instável dos diversos sistemas culturais, em uma diversidade que é própria do pensamento “pós-moderno” (GONÇALVES, 1994).

Um marco nesse período foi a inauguração, em Paris, da “Cité des Sciences et de L´Industrie” (Cidade das Ciências e da Indústria), em 1986, pelo então presidente Mitterrand. Com extensão e monumentalidade impressionantes, a sua principal mis-são é difundir informação sobre pesquisa científi ca e desenvolvimento tecnológico para um vasto público. O prédio foi edifi cado no parque La Villete, uma área de 55 hectares, sendo que a área construída abriga 30.000 m2 de exposições permanentes e temporárias, uma biblioteca especializada, e a Geode, uma imensa esfera polida de aço inoxidável, símbolo da instituição, que exibe fi lmes em uma tela hemisférica de 1.000 m2. Para a pesquisadora Denise Studart, “A Cité (...) permanece um exemplo de inovação no campo dos centros de ciência.” (STUDART, 2006, p.26).

Figura 13. Cidade das Ciências e da Indústria, La Villete, Paris (Fonte: Google)

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Na Grã-Bretanha, a partir dos anos 1980, diversos centros de ciência e desco-berta foram criados em cidades como Londres, Manchester, Newcastle, Bristol, Car-diff, dentre outras. A maioria deles de pequeno porte, com alguma variação. Um des-ses centros, criado em Cardiff em 1986, foi o Techniquest, já com maior porte e alcan-ce. Outro, também com maior escala, localizado em Bristol (Explore@Bristol), fun-dado nos anos 1980, pertence à nova geração de centros de ciência no Reino Unido. Esses são apenas alguns poucos exemplos do que ocorreu nessa época em diversos países, como, por exemplo, a Austrália (com o Questacon, em Camberra, de 1988), o Chile (com a Corporación Privada para la Divulgación de la Ciencia y Tecnologia, de 1983, em Santiago), Espanha (com o Cosmocaixa, inaugurado em 1981 em Barcelona, na Catalunha, e a Casa de las Ciencias de La Coruña, na Galícia, em 1989), Argentina (com o Museo Participativo de Ciencias, de 1988, em Buenos Aires), e, ainda, o Brasil.

Para Ferreira (2014), a década de 1980 representou um turning point no pro-cesso de popularização da ciência. Ele nos informa que

Na virada dos anos 1970 para 1980, os esforços acumulados nas décadas anteriores se concretizam e é verifi cável uma ampliação da popularização da ciência no Brasil. Co-meçam a surgir os primeiros centros de ciências interativos brasileiros, como o Museu de Ciência e Tecnologia da Bahia (Salvador, 1979) e o Espaço Ciência Viva (Rio de Ja-neiro/RJ, 1983), já antenados com a proposta museológica que valorizava a interativi-dade do tipo hands on do Exploratorium de São Francisco (FERREIR A, 2014, p. 15).

No Brasil, na década de 1980, foram implantados 31 museus interativos, den-tre eles o Centro de Divulgação Científi ca e Cultural/CDCC (São Carlos/SP, 1980), o Museu da Astronomia e Ciências Afi ns/Mast (Rio de Janeiro/RJ, 1985) e a Estação Ciência (São Paulo/SP, 1987), inicialmente pertencente ao Ministério de Ciência e Tecnologia e mais tarde absorvida pela Universidade de São Paulo, alguns deles bus-cando proximidade evidente com a proposta pedagógica do Exploratorium de São Francisco (EUA). Um bom exemplo é o já citado Espaço Ciência Viva, que foi ins-talado em 1983 como o primeiro museu participativo de ciências do Rio de Janeiro, buscando divulgar e estimular a experimentação e a descoberta da ciência. Sendo um espaço pioneiro, procurou executar atividades diversifi cadas, sempre com a utilização de materiais de baixo custo, com adaptações e até mesmo improvisações no intuito de demonstrar fenômenos científi cos. Tais atividades muitas vezes envolveram a itinerân-cia dentro da cidade do Rio de Janeiro e mesmo fora dela, inclusive para outros esta-dos do país (ver fotos a seguir e entrevista em anexo).

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Figura 14. Registros de diversas atividades do Ciência Viva (Fonte: fotografi as do acervo de Denise Fillipo)

Outros exemplos dessa época incluem a criação do Museu Dinâmico de Cam-pinas, na Unicamp, e o Espaço UFF de Ciências, na Universidade Federal Fluminense (UFF), em Niterói, RJ; inaugurado em 1989, contando com espaço para exposição, au-ditório, laboratórios, biblioteca, dentre outras atrações e instalações (ABCMC, 2009).

Nos anos 1990, o processo continuou com maior intensidade e 45 novos mu-seus e centros de ciências foram criados no Brasil, dentre eles o Museu de Ciências e Tecnologia da Pontifícia Universidade Católica (Porto Alegre, RS, 1993), o Espaço Ciência (Recife, 1995), a Casa da Ciência da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ, Rio de Janeiro/RJ, 1995), e o Museu da Vida/Casa de Oswaldo Cruz (COC) da Fiocruz (Rio de Janeiro). Esses dados constam de uma apresentação feita em 2006 sobre a ABCMC por José Ribamar Ferreira15, que foi presidente dessa instituição (FERREIRA, 2006).

15 ABCMC. Home Page institucional. Disponível em: <http://www.abcmc.org.br>. Aces-so em: 06 dez. 2014.

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Figura 15. Novos museus e centros de ciências: ambientes em renovação (Fonte: acervo do Museu da Vida/COC/Fiocruz)

Um pouco mais tarde, em janeiro de 2009, deu-se a aprovação da Lei nº 11.904, que instituiu o Estatuto de Museus, defi nindo que: “Consideram-se museus, para os efeitos desta Lei, as instituições sem fi ns lucrativos que conservam, investi-gam, comunicam, interpretam e expõem, para fi ns de preservação, estudo, pesquisa, educação, contemplação e turismo, conjuntos e coleções de valor histórico, artístico, científi co, técnico ou de qualquer outra natureza cultural, abertas ao público, a servi-ço da sociedade e de seu desenvolvimento”16.

16 Ibram. Home page institucional. Disponível em: http://www.museus.gov.br/os-museus/o-que-e-museu/. Acesso em: 19 dez. 2014.

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4 Exposições científi cas

4.1 Museus e sua tipologia

Conforme já visto, os museus conquistaram evidente relevância no cenário po-lítico e cultural do mundo contemporâneo. Em nosso país, deixaram de ser compre-endidos por determinadas esferas da política e da intelectualidade brasileira apenas como casas veneráveis onde se guardam relíquias de um passado irrefutável ou, na melhor das hipóteses, como local de interesse secundário no âmbito sociocultural.

Eles passaram a ser percebidos como práticas sociais complexas, que se desen-volvem no presente, para o presente e para o futuro, como centros (ou pontos de uma rede) envolvidos com criação, comunicação, educação, geração de conhecimentos e preservação de bens e de manifestações culturais. Com tudo isso, o interesse político nesse território simbólico apresenta-se em clara expansão.

Não é necessário mencionar que existe uma dimensão educativa dos museus. No Brasil, o campo de conhecimento (com seus discursos, visões e práticas) que se compõe com base na relação museu e educação tem recebido, nos últimos 35 anos, expressivos subsídios intelectuais. A produção de monografi as, dissertações e teses tem sido signifi cativa, embora com problemas quanto a sua divulgação e publicação. Aqui, são poucos os programas de pós-graduação na área de museologia, o que tem levado muitos museólogos e profi ssionais de museus, interessados em buscar qualifi -cação profi ssional ao nível de mestrado e doutorado, a desenvolver dissertações e te-ses em áreas como educação, ciências sociais, comunicação, história da arte, ciências da informação, desenho industrial e outras. Alguns autores, como José Reis, Virgínia Schall, Ennio Candotti, Ernst Hamburger, Sibele Cazelli, Maria Esther Valente, Maria M. Lopes, Denise Grinspun, Denise Studart, Luciana Sepúlveda, Mário Chagas, Mar-tha Marandino, Magaly de Oliveira Cabral dos Santos, Ilone Seibel, Henrique Lins e Silva, Douglas Falcão, dentre outros, já são conhecidos e reconhecidos no meio que integra educação, museologia, arte e ciência. Os autores acima citados não esgotam a produção nessa área, mas apenas tornam evidente a movimentação e ebulição do campo, sendo que não faz sentido, neste ponto do meu trabalho, realizar uma revisão da literatura ou algo similar. Torna-se mais importante tentar estimular o debate, provocar refl exões, suscitar indagações, “tocar o corpo subjetivo, abrir a porta para a intuição (museal e museológica)” (CHAGAS, 2001/2002, p. 47).

Usualmente se fala em três funções básicas, comuns a todo e qualquer museu: a preservação, a investigação e a comunicação. Entretanto, na defi nição operacional de museus constante nos estatutos do Icom, educação e lazer são também incluídos como fi nalidades – assim, a preservação, a investigação e a comunicação estão conec-tadas com a educação e o lazer nessas entidades. Isso tudo é abarcado por ondas de forças sociais, políticas e econômicas. De acordo com M. Chagas, haveria então uma

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“cunha de distinção entre os termos função e dimensão, reservando o primeiro para as funções básicas de todo e qualquer museu, e o segundo para a dimensão educativa museal”. Museal seria aquilo que se refere ao museu, e museológico aquilo que se re-fere à museologia (CHAGAS, 2001/2002, p. 48). Para M. Cury, haveria um contexto institucionalizado que se associa à ideia consensual de museu, como algo se defi ne por

um prédio que abriga um acervo (depositado em reserva técnica), possui uma fonte de recursos (mesmo que sejam insignifi cantes), um quadro de pessoal (mesmo que pequeno ou insufi ciente), um conjunto de procedimentos técnicos e científi cos, uma exposição, serviço educativo e muitas outras coisas. Esse museu trabalha com certo aspecto da realidade e a apresenta a seu público (CURY, 2005, p. 32).

Em capítulo anterior, já foi mencionado que o século XX, especialmente após a Segunda Grande Guerra, foi caracterizado por experiências inovadoras, que se fi -zeram sentir com maior intensidade a partir dos anos 1980, trazendo avanços teóri-cos e práticos no campo da relação museu e educação, e de modo muito especial nos centros e museus de ciência e tecnologia. Entretanto, no século XXI ainda se podem identifi car muitas pendências nesse contexto, com um acervo ampliado de problemas e, em certos casos, com uma tendência de evasão nostálgica do presente, espetacula-rização e de celebração da moda “retrô” (LE GOFF, 1986, HUYSSEN, 1996). Em ou-tros termos, continua em pauta no universo museal uma tendência de dupla conexão: uma à atualidade pela via da tecnologia e da mercantilização cultural (o museu com a estética do “shopping center”, como nos alerta Huyssen) e outra remetendo ao pas-sado retrasado (século XIX, o da consolidação do museu clássico) quanto ao modelo dominante. Um dos resultados dessa tendência é a predominância numérica e políti-co-econômica dos museus mais tradicionais, menos participativos, menos inovado-res, mais engessados ou mesmo “cristalizados”; ainda assim maquiados de glamour tecnológico. Ou seja, ainda hoje, conforme nos alertava M. Chagas (2001/2002), te-mos a presença de “novíssimos museus tradicionais”. De acordo com levantamentos realizados nos anos de 2012 e 2013 pela Themed Entertainment Association (TEA), os dez museus mais visitados do mundo, com cinco milhões ou mais visitantes por ano, são do tipo tradicional, clássico e monumental. Temos nessa lista o Louvre, em Paris (França), o mais visitado, chegando a algo entre nove e dez milhões por ano; o Museu Nacional de História Natural, em Washington, DC (EUA), em segundo lugar no número de visitantes; o Museu Nacional da China, em Pequim, no terceiro lugar; o Museu Nacional do Ar e do Espaço, também em Washington, em quarto; o Museu Britânico, em Londres (Inglaterra), ocupando a quinta posição; o Metropolitan, de arte, em N. York (EUA), na sexta; a National Gallery (também na área artística) de Londres, em sétimo lugar; os museus do Vaticano, em Roma (Itália), em oitavo; o Museu de História Natural de Londres, em nono; e o Museu Americano de História Natural, em N. York, na décima posição, com a faixa de cinco milhões de visitantes em ambos os anos estudados. Essa lista, de acordo com a mesma fonte, não se alterou

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quase nada em 2014. A grande maioria desses museus são instituições consolidadas, com uma trajetória reconhecida e fama mundial, além dos seus elementos institucio-nais inerentes, como organização interna, efi ciência na gestão, instalações adequadas e funcionais, marketing bem formulado, dentre outros. Mas certamente se enqua-dram no rótulo “novíssimos museus tradicionais”, uma vez que contam com recursos expressivos, o que lhes permite a aquisição de equipamentos de ponta, garantindo o mencionado “glamour tecnológico”, que, em nossos tempos, algumas vezes se torna fetiche, e certamente é um grande atrativo para o público que vai a esses museus, além obviamente dos elementos expostos logo acima.

No campo dos museus de arte, a ideia de “coleção de objetos artísticos expostos ao visitante” continua sendo a mesma, embora surjam aqui e ali algumas exceções. “O museu tradicional é uma tumba de objetos mortos”, e a relação dos visitantes com esses objetos tende também a ser fria, distante e sem uma maior gratifi cação. Tal diagnóstico levou Umberto Eco (1932-2016) a ativar a sua imaginação museológica e a conceber um plano com alguns modelos alternativos de museus, a que ele denominou como o didáti-co, o móvel, o lúdico e o experimental de fi cção científi ca (CHAGAS, 2001/2002).

O museu didático, para o escritor italiano, deveria concentrar-se em uma úni-ca obra ou objeto. A ela o visitante poderia chegar através de diferentes roteiros ou circuitos expográfi cos, e por eles seria informado sobre a conjuntura social, política, econômica e cultural em que aquela obra foi produzida, as infl uências que sofreu e proporcionou. Para facilitar a compreensão de sua proposta, ele dá como exemplo um museu didático que se concentrasse na obra “A primavera”, de Botticelli. Nesse mu-seu, o visitante, passando por uma série de situações expográfi cas atraentes e estimu-lantes, seria informado

sobre a civilização fl orentina do século XV, sua música, seu pensamento fi losófi co, a vida cotidiana da cidade e da casa, a vida da corte, os problemas econômicos, o modo de trabalho dos artistas, a organização do atelier do pintor, as técnicas de pintura, os con-dicionamentos econômicos da obra, a tradição fi gurativa anterior, os valores políticos, morais e religiosos em que o pintor se inspirava, etc. (CHAGAS, 2001/2002, p. 49).

Já o museu móvel ou itinerante, por sua vez, ofereceria possibilidades de apresentar o museu tradicional de modo mais dinâmico. Ele poderia ser estruturado, por exemplo, com base em uma “lona de circo”, em cujo interior seriam projetadas, em tamanho natural, obras de arte. Assim, o museu móvel ou ambulante poderia instalar-se numa pequena cidade e ali, durante um determinado tempo, apresentar o acervo de diferentes museus. Segundo Eco, apesar da solução ainda não transformar a idéia tradicional de museu, ela “a dinamiza e, de qualquer modo, alivia o visitante do equívoco da adoração fetichista do objeto precioso e intocável, o que representa a negação de uma verdadeira experiência cultural.” (ECO apud CHAGAS, 2001/2002, p. 50). Nesse trecho, U. Eco retoma as teses caras ao pensador W. Benjamin, já men-cionado em capítulo anterior deste trabalho.

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O museu experimental de fi cção científi ca não expõe objetos, mas sim as pró-prias “técnicas expositivas”. Nesse terceiro tipo de museu, o público seria provocado a receber informações de múltiplos modos. Em exposição estariam “o espaço, a luz e a cor”, por exemplo. Nesse caso, segundo Eco:

(...) o museu, como tal, morre e nasce em ambientes como o Eletric Circus de Nova York, que é ao mesmo tempo discoteca, salão de dança e exposição, que se fazem e se desfazem em um progressivo movimento sobre grandes paredes móveis e envolventes, constituídas segundo um espaço ‘topológico’. Por último, os freqüentadores do Eletric Circus realizam uma experiência de arte contemporânea, luz e som, mais vivida do que quando visitam o Metropolitan Museum of Art (ECO apud CHAGAS, 2001/2002, p. 50).

O quarto e último modelo proposto, o museu lúdico, permitiria ao público par-ticipar de um jogo instigante. Nesse museu, deve-se provocar uma experiência direta ao visitante, mas não de modo totalmente livre. Poder-se-ia experimentar determina-dos fenômenos e fatos de maneira controlada, mas a ideia é que o visitante vivencia-ria o museu como uma aventura, com uma participação mais intensa, maior emoção e interatividade.

Assim, o respeitado intelectual, professor e escritor Umberto Eco procurou for-mular, ainda em meados do século passado, uma crítica teórica e uma ruptura prática com a noção tradicional de colecionismo, ainda muito presente em nossos dias. Por exemplo, a partir do conceito de obra de arte reproduzida tecnicamente (BENJAMIN, 1936), propõe um modelo em que o próprio museu pode ser reproduzido tecnicamen-te e apresentado ao mesmo tempo em espaços diferentes, algo que só se tornou ple-namente possível e viável com o advento da internet (WWW), o aumento exponencial da capacidade computacional (memória, processamento, redes) e o refi namento da computação gráfi ca e do software de jogos eletrônicos.

Assim, no primeiro caso (do museu didático), a coleção é paradoxalmente reduzida a uma única obra (conjunto unitário); no segundo, a coleção se reproduz tecnicamente ao infi nito e rompe com as limitações espaço-temporais; no terceiro, a coleção é desmaterializada e entra em cena o não tangível; no quarto caso, a coleção é a experiência vivida, o experimento, a aventura, o desdobramento da curiosidade. Além dos rompimentos com a noção tradicional de coleção, os quatro modelos iden-tifi cados por Eco valorizam a dimensão lúdica, educativa e comunicativa dos museus, capaz de lhes dar sentido e de propiciar ao visitante/participante uma “verdadeira experiência cultural”, o que é fundamental para propostas efetivamente renovadoras nesse campo. A perspectiva do entesouramento, do culto ao objeto idealizado e tra-tado como instância metafísica (o “semióforo”); a “ligação com o invisível”, de que nos falava Pomian, é efetivamente aquilo que nutre o museu tradicional, é o seu traço fundamental, e esse aspecto não deve ser esquecido, até porque continua muito pre-sente nas sociedades contemporâneas. Em nossos dias, entretanto, os museus não podem se constituir apenas como guardiães de sentidos e coisas, de certas tradições

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ou da identidade nacional; ou apenas instâncias que legitimam e autenticam coisas, eventos históricos, ou mesmo conquistas científi cas. Eles são também (e talvez pri-mordialmente) produtores de conhecimento, espaços de comunicação e ferramentas de intervenção social.

A questão da dimensão educativa nos museus demanda algumas considera-ções, embora neste trabalho, como dito anteriormente, não sejam nem muito exten-sas nem densas. Importa esclarecer que a educação aqui, de um modo geral, está sen-do pensada como um processo dialógico comprometido com a transformação social, com a instrumentalização de indivíduos e grupos sociais para o melhor enfrentamen-to de seu acervo de problemas (em especial aqueles do cotidiano); e isso ocorrendo através de uma formação humanística, do desenvolvimento da criatividade, do aper-feiçoamento da inteligência crítica e refl exiva, visual e perceptiva. Essa formação deve estar relacionada com uma pedagogia da curiosidade, que privilegie a centralidade do aprendizado a partir do desejo do indivíduo, muito além daquilo que o ensino forma-lizado estabelece (com mestres, escolas, burocracia): a educação não formal, consi-derada de uma perspectiva abrangente e contemporânea. Para Seymour Papert, dis-cípulo de Piaget, matemático, teórico da inteligência artifi cial e pesquisador do MIT, em uma abordagem que pode até mesmo ser considerada radical, com o advento da informática e sua rápida disseminação e amplifi cação, ocorre uma involução da esco-la como instituição. Como decorrência disso, amplia-se enormemente a lacuna que existia e ainda existe entre sociedade e escola: esta se torna cada vez mais cristaliza-da, até mesmo inerte. De qualquer modo, uma perspectiva como aquela exposta logo acima, humanista, aberta, privilegiando o aprendizado e a descoberta, se contrapõe ao individualismo exacerbado, ao estímulo à competição desenfreada, ao dogmatismo religioso, político e científi co que tem se disseminado em diversas esferas nos tempos atuais. Outro aspecto é que educação e cultura, no terreno das práticas, caminham juntas e se reforçam mutuamente, em simbiose. Como defende Chagas (2001/2002, p. 52), “não se pode alijar a memória da ação educativa”, e, assim sendo, nem a edu-cação é exclusividade das instituições de ensino, nem a memória é exclusividade das denominadas “instituições de memória” (arquivos, bibliotecas e museus). Conforme pode ser constatado na prática, temos que nos envolver com uma realidade dinâmica e até mesmo complexa, na qual “as escolas e os museus são espaços diferenciados de memória, de patrimônio cultural e de educação e por isso são vias sociais por onde o poder e a memória circulam” (CHAGAS, 2001/2002, p. 52). Explorando um pouco mais a contribuição de Papert, pode-se considerar que os museus e centros de ciên-cias tenham grande potencial para se tornar espaços privilegiados para o aprendiza-do, o estímulo à curiosidade e à descoberta, o exercício da criatividade e da ludicida-de, e até mesmo a aproximação com práticas artísticas, naquelas zonas de intercessão entre arte e ciência.

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Os antepassados dos museus de História Natural estariam situados no século XVI, uma vez que, conforme já mencionado anteriormente, a revolução cultural re-nascentista deu início às coleções, que, por sua vez, vieram a constituir os “gabinetes de curiosidades”, e, estes, os primeiros museus, em especial aqueles que poderiam ser chamados de científi cos. Eram instituições destinadas a recolha, conservação e estudo de espécimes que permitiam fazer a investigação e o estudo sistemático da Natureza. Em Paris, em 1635, Luís XIII criou o Jardin des Plantes e do Cabinet d’Histoire Na-turelle, designados em 1794 por Jardin du Roi, marco importante na origem destas instituições (MARANDINO, 2001, p. 33). Em 1753 surgiu, como já foi visto, o British Museum (ainda hoje um dos museus mais visitados do planeta, conforme já mencio-nado), outro marco importantíssimo, que contava com uma ala voltada para o campo da história natural. Com a Revolução Francesa, os estabelecimentos franceses logo acima mencionados transformaram-se no Museum National d’Histoire Naturelle, surgindo assim o primeiro museu moderno com cunho declaradamente científi co. No Brasil, o Museu Nacional do Rio de Janeiro, principal instituição dedicada à história natural até o início do século XX, foi criado em 1818 (LOPES, 1993).

A classifi cação tipológica tradicional estabelece que, com base em seus acervos e na disciplina com que estão relacionados, tais entidades podem ser divididas em museus de Arte, História, Etnologia, Ciência e Técnica. Essa classifi cação revela-se inadequada, pois alguém poderia perguntar em que escaninho estariam situados os museus arqueológicos, os da imagem e do som, os de comunidade, os de bairro e os relacionados com as novas mídias. A classifi cação tipológica tradicionalista situa a história e a etnologia fora do território da ciência e não considera que uma parcela expressiva dos chamados museus de ciência e de arte são, na realidade, museus de história da arte e da ciência. Podemos associar a esse modo de classifi cação a visão cartesiana, que nos impõe um paradigma (um conjunto de regras, padrões, teorias, modelos, visões de mundo) ainda muito valorizado socialmente. O paradigma car-tesiano nos ensinou a utilizar os escaninhos para a separação das coisas do mundo, separando a razão do imaginário, a razão do mito, o sensível do inteligível, a física quântica da antropologia, a ciência da cultura, a ciência da arte. O trabalho de C. P. Snow merece ainda uma vez ser lembrado, na medida em que foi o primeiro a cons-tatar a profunda separação entre as ciências e as humanidades. Entretanto, ainda cumpre ressaltar que, na atualidade, todos os museus, ultrapassando as tais diferen-ças tipológicas, são, em maior ou menor grau, museus de história social, uma vez que tudo o que possuem ou exibem tem implicações sociais, representam testemunhos históricos, de uma época, de um contexto, do mundo social ou do mundo natural.

Essa classifi cação tipológica pode ser rompida e reformulada, inclusive de modo a que cheguemos, em função de situações concretas, a classifi cações mais fl exí-veis. Os modelos alternativos de museus, na proposta de Umberto Eco, a questionam.

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Existem casos de fronteira, como, por exemplo, o do Museu de Imagens do In-consciente, criado pela Dra. Nise da Silveira. Alguns se referem ao mesmo como mu-seu de arte, mas certos estudiosos junguianos e parte do público tratam-no como um museu de ciência ou ainda de psicologia analítica. De qualquer modo, nada impede que num museu de ciência se realize uma exposição de arte (como já ocorreu no Mu-seu da Vida e em outros museus científi cos) ou que num museu de arte se realize uma exposição de ciência. Outro caso fronteiriço é o de Inhotim, localizado próximo ao po-voado de Brumadinho, a 60 km de Belo Horizonte. Uma mistura de parque (com pro-jeto do escritório Burle Marx), jardim botânico e reserva ecológica, abriga pavilhões de arquitetura arrojada e obras de arte contemporânea de alto nível, como os trabalhos de Hélio Oiticica, Adriana Varejão, Cildo Meireles, Ligia Pape, dentre muitos outros.

Figura 16. Imagens de Inhotim, em Minas Gerais (Fonte: fotografi as de Luiz A. Saboya)

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Ainda outro exemplo de instituição nessa linha fronteiriça, que não cabe em escaninhos rígidos, seria o Oi Futuro, no Rio de Janeiro, um “museu de telecomunica-ções”. Temos ainda o Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo capital, fronteiriço entre arte e literatura, história e linguagem. Não se trata de defender uma nova visão indiferenciada e que pode ser até mesmo entrópica, mas reconhecer que, embora a classifi cação possa ser necessária, devido a questões metodológicas, não se deve natu-ralizá-la e, com isso, reforçar enclaves burocráticos.

Conforme nos alerta Mário Chagas em seu artigo:A vida museal não se organiza de acordo com a classifi cação criada. Em outros ter-mos: os critérios que enquadram determinados museus na categoria “ciência” e outros “X” ou “Y” resultam do arbítrio e não são apenas científi cos e técnicos, são também ideológicos e políticos. Não é difícil imaginar o vínculo desse tema com uma política de desenvolvimento científi co que implique aporte de recursos (humanos e fi nancei-ros) e de equipamentos de pesquisa. O fato é que o mundo dos museus é muito mais complexo do que se pode imaginar. O museu, seja ele de que tipo for, é um microcos-mo, atravessado por diferentes forças políticas, econômicas e sociais. Insisto nessa tecla por acreditar que é saudável uma posição de alerta e de refl exão, que nos auxilie a evitar os encantos e os perigos da naturalização (CHAGAS, 2001/2002, p. 53).

Outro aspecto importante a se levar em conta é que, nos tempos atuais, dá-se a dissolução das fronteiras disciplinares, levando mais e mais ao aparecimento de cam-pos híbridos: a transdisciplinaridade (MORIN, 2004). Assim, ao invés do que ocorre nas abordagens clássicas, as possibilidades de se estabelecer distinções sufi ciente-mente nítidas entre museus de ciência, de etnologia, de história e de arte se tornam cada vez mais remotas. Em diversas ocasiões foram montadas exposições com acervo etnográfi co ou mesmo com um acervo de pedras preciosas e semipreciosas que valori-zavam apenas a dimensão estética e econômica das coleções expostas. Adicionalmen-te, uma vez que o nível de complexidade de determinadas instituições é muito alto, elas são capazes de apresentar ao mesmo tempo abordagens completamente distintas acerca de um mesmo tema. Todas essas questões levam Mário Chagas a afi rmar, com adequação, que “o que torna um museu científi co não é o acervo, mas a abordagem que ele desenvolve, a forma como ele se oferta e interage com a sociedade” (CHAGAS, 2001/2002, p. 54). Deve-se ressaltar que, cada vez mais, o acervo em si perde impor-tância nos novos museus e centros de ciências que são criados17. Um dos exemplos já mencionados é o Ciência Viva, espaço pioneiro do Rio de Janeiro. Outro exemplo im-portante é o Catavento Cultural e Educacional, de São Paulo (capital), que ocupa an-tigo prédio que foi sede da Prefeitura de 1992 a 2004. Tendo sido instalado no prédio denominado Palácio das Indústrias (inaugurado em 1924), tombado pelo Patrimônio Histórico, apresenta, assim como o Museu da Língua Portuguesa, que se encontra instalado em prédio da mesma forma tombado, situação similar ao do Museu da Vida, em que parte das suas instalações ocupa alguns prédios históricos da Fiocruz. O

17 Eventualmernte, pela infl uência marcante da experiência do Exploratorium de São Francisco (Califórnia, EUA).

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Catavento, de acordo com apresentação contida em seu folheto ofi cial, “é um espaço cultural e educacional que apresenta ao público, especialmente o jovem, a ciência e os problemas sociais, de um modo atraente e participativo”. Nas suas instalações, com exposições executadas por “renomados especialistas, cenógrafos e instituições educa-cionais”, não há a presença signifi cativa de um acervo científi co típico (instrumentos, equipamentos, aparatos históricos), mas a predominância de elementos expositivos outros, que podem ser denominados museográfi cos, como painéis (interativos ou não), dioramas, aparatos interativos (exhibits), e outros do tipo hands on, que bus-cam atrair o visitante pela curiosidade e ludicidade. Ainda outro, de lavra recente, é o Museu do Amanhã, inaugurado recentemente (dezembro de 2015), instalado em prédio projetado pelo arquiteto espanhol Santiago Calatrava, erguido ao lado da Pra-ça Mauá, centro da cidade do Rio de Janeiro. O visitante é convidado a se envolver, a participar, a experimentar e se divertir com o que está ali, e a experiência da visita como um todo é o que realmente conta.

Admitindo que seja importante identifi car a missão e defi nir uma tipologia museal, pode-se aventar que a tarefa envolvida seja orientada pelas seguintes per-guntas: de que modo certos museus lidam com as funções de preservação, pesquisa e comunicação? De que modo as suas práticas estão conectadas com as dimensões educativa e lúdica? Não se pode nunca admitir uma prática pedagógica autoritária que queira eliminar o deslumbramento, a admiração, o assombro e a curiosidade e afi rmar apenas a transmissão, a repetição, a passagem pura e simples de informações. Em tal panorama, o museu, de ciência ou de arte, torna-se apenas ilustração auxiliar, estação repetidora do que se produz em outras instâncias, livro texto colocado na vertical, janela fechada para o novo. No Brasil, a partir dos anos 1980, o pensamento museológico e algumas práticas museais sofreram uma infl exão no sentido de maior aproximação das questões políticas e sociais do país (VALENTE, 2008). Além dis-so, por mais que alguns profi ssionais de museus queiram fi xar critérios de leitura de acervos e estabelecer procedimentos de fruição e determinar o modo pelo qual o mu-seu deve ser percebido, sempre serão possíveis novas leituras; a experiência do sujei-to com o patrimônio cultural e o território museal não é algo demarcado, delimitado, conformado – muito pelo contrário, constitui um campo de múltiplas possibilidades, permeado por representações, simbolismos, imagens, interpretações, que sempre se pode renovar e enriquecer. A experiência museal inovadora não é aquela que garante a transmissão de informações eventualmente verídicas (portadoras de uma suposta “verdade” determinista), e sim a que tece teias, conectando subjetividades.

4.2 Ciência, cultura: conexões

A comunicação pública da ciência, a difusão científi ca, ou ainda a sua popula-rização, se tornou tema de debates signifi cativos, como alerta Ferreira (2014, p. 4) em

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seu trabalho de doutorado, informando que “Razuck (2012), em sua tese de doutora-do” argumenta quanto à existência de termos como “difusão, disseminação, sensibili-zação, compreensão e letramento científi co” no debate que permeia essa nova área de conhecimento. Sem entrar no mérito da terminologia a ser adotada, em que pesem as diversas proposições nesse sentido, é relevante salientar que esta tem um papel signi-fi cativo de posicionar um país no mundo contemporâneo. Nesse sentido, o empenho em adaptar, representar, e aprender “não deveria se limitar aos conteúdos estrita-mente científi cos e/ou técnicos, senão deveria passar também por uma abertura cul-tural a outros sistemas de pensamento”, de acordo com Fayard (apud MARANDINO, 2001, p. 103). Essa questão é muito pouco ventilada no Brasil.

Na sua retrospectiva histórica do movimento da divulgação científi ca, Fayard assinala que, a partir do primeiro semestre do ano de 1969, na França, a Ação Cultu-ral Científi ca (ACS) se caracterizou por uma militância que se voltava para a transfor-mação social, através da luta contra o que se confi gurava então como a confi scação do saber, considerado um instrumento de poder da classe dominante. Desta forma, os anos 1970 foram marcados pela crítica ao papel da ciência e aos frágeis resultados da divulgação científi ca. Nos anos 1980, por outro lado, como já mencionado ante-riormente, multiplicaram-se inovações (em um fl orescimento marcante), dirigidas por uma nova geração de centros de cultura científi ca, “dotados de equipamentos permanentes e que prefi guravam a institucionalização do movimento”, como assinala Fayard (apud MARANDINO, 2001, p. 103). Tendo então como marco o público, nos anos 1990, segundo Fayard, se constitui uma “autêntica pequena indústria cultural em comunicação pública das ciências com os produtores, os criadores e os realizadores, os anunciantes públicos e privados, as redes de distribuição e os espaços de interação com o público” (Ibid., p.103).

O mesmo autor defende em determinado momento queEm um mundo multipolar tanto em termos políticos como econômicos, marcado pela diversidade das culturas e de seus confrontos e diante da necessidade de coexistir em um mundo planetário fechado, qual é o lugar da cultura científi ca? Que está ocorrendo com os problemas surgidos da dinâmica de relações entre <ciências, técnicas, cultu-ra e sociedade> em um contexto de mundialização econômica, de descontinuidades tecnológicas, de desocupação crescente e de redefi nição de profi ssões? (FAYARD,1999 apud MAR ANDINO, 2001) .

Neste sentido, os desafi os contemporâneos para o campo da comunicação pú-blica da ciência são numerosos, uma vez que, nos dias de hoje, o assunto primordial não seria mais a quantidade de conhecimentos e a sua pura acumulação e estocagem, mas, sim, a habilidade e a importância de criar sentido, a atitude de movimentar e direcionar as informações aproveitáveis em momentos oportunos e numa lógica de fl uxo “não turbulento”, em meio a uma avalanche cada vez maior de dados, informa-ções e conhecimentos que se tornam progressivamente disponíveis aos indivíduos de um modo amplo, geral e irrestrito. O trecho retoma uma questão abordada ante-

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riormente, em que traçamos uma breve história do processo de globalização e apon-tamos as questões contemporâneas a ele associadas, como o advento da sociedade pós-industrial e o avanço da cultura digital.

Quando pensamos em novas linguagens, é preciso incluir o tema das novas formas de pensamento, de uma nova mentalidade. As propostas de Edgar Morin re-tomam as questões levantadas por Snow, dentro de um novo prisma. Ele sugere que o cisma entre as duas culturas possa ser superado, mencionando que, no início do sécu-lo XX, duas revoluções científi cas prepararam a reforma do pensamento, sendo que

A primeira começou com a física quântica e, como já mencionado, desencadeia o co-lapso do Universo de Laplace: a queda do dogma determinista, o esboroamento de toda ideia de que haveria uma unidade simples na base do universo; e a introdução da incerteza no conhecimento científi co. (...) A segunda revolução, realizada com a constituição de grandes ligações científi cas, faz com que se levem em consideração os conjuntos organizados, ou sistemas, em detrimento do dogma reducionista que im-perara durante o século XIX. (...) Ainda que nem todas as consequências dessas duas revoluções sejam aparentes e que a segunda continue incompleta em vários domínios (ciências da vida, ciências humanas e sociais), a complexidade invadiu o mundo pelas mesmas vias que a baniram dele. A maior parte das ciências descobre diversos cam-pos em que os enunciados simples estão errados (...) Além disso, já foram formados princípios de inteligibilidade do complexo, e, a partir da cibernética, da teoria infor-mação, foi elaborada uma concepção de autoorganização capaz de conceber a autono-mia, o que era impossível, segundo a ciência clássica. A racionalidade e a cientifi cidade começaram a ser redefi nidas e complexifi cadas a partir dos trabalhos de Bachelard, Popper, Kuhn, Holton, Lakatos, Feyerabend. Também é de se esperar o avanço pací-fi co de uma reforma do pensamento. (...) Alguns elos começaram a se formar entre as duas culturas. Alguns pensadores científi cos (...) restabeleceram as relações entre as duas culturas desunidas, o que suscitará uma nova cultura geral, mais rica que a an-tiga e capaz de analisar os problemas fundamentais da humanidade contemporânea (MORIN, 2004, p. 89-90).

A questão da “transposição didática” é um tema importante, que mereceu a atenção de diversos autores. Refere-se primordialmente ao saber científi co e sua rela-ção com os outros saberes, e a questão da necessidade do didatismo, da estruturação e sistematização dos saberes, das práticas sociais, do senso comum, de modo a que possam ser abordados, por exemplo, nos currículos escolares, dentro do sistema de ensino de uma determinada sociedade. Trata-se de uma discussão fundamental, de grande relevância, com óbvias implicações com relação à comunicação pública da ciência, a divulgação científi ca (e por extensão, aos seus correlatos identifi cados logo acima), e a educação não formal (assim como, obviamente, a formal). Os autores que podem ser mencionados incluem Chevallard, Risky, Caillot, Astolfi e Develay, Forquin, Chervel, Goodson, Ball, Popkewitz, Davallon, dentre outros. No Brasil, de acordo com Marandino (2001, p. 124), “um importante trabalho que discute o tema da transposição didática” foi a tese de doutorado de Lopes (1996). Nela, fundamenta-da em argumentos de cunho epistemológico, históricos e culturais, a autora defende a existência de uma ruptura entre conhecimento científi co e conhecimento cotidiano. Ela trabalha com conceitos relevantes, como o papel da escola na mediação didática,

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não sendo apenas uma repassadora de conhecimentos, mas tendo papel ativo como socializadora e produtora destes. A discussão envolve detalhes que não cabem no presente trabalho, pois, embora a educação não seja exclusividade das instituições de ensino, não queremos nos aprofundar em um tema tão voltado às questões de ensino e aprendizagem. Disso tudo, queremos reter o conceito de transposição, que está as-sociado à questão da mediação entre duas linguagens e suas diversas implicações.

4.3 O discurso museográfi co: exposições

Os museus são espaços que possuem uma cultura própria. Esta afi rmação tem por base o conceito antropológico de cultura já visto anteriormente nesta tese, o qual se aproxima das noções ligadas à semiótica que contemplam o termo, confi -gurando teias de signifi cados e a sua análise. Assim, para alguns autores, o museu (técnico-científi co) pode ser considerado uma casa da cultura científi ca, pois o termo cultura é apropriado já que “engloba fatores como a história de criação do conheci-mento científi co, seu contexto acadêmico-político e a seleção e priorização do con-teúdo científi co por uma comunidade que tem um marco interpretativo particular”. Herrero (1998, p.152, tradução livre) vai afi rmar, então, que todos esses fatores irão “produzir uma linguagem com a qual se transmite a cultura científi ca em um museu: o discurso museográfi co”. Para os estudos qualitativos em museus, a autora apon-ta que estes almejam responder a perguntas como: “Como se produz o discurso? Em que consiste? Quais são suas estratégias de comunicação? Quais são os meios e os recursos? Qual é o seu marco e competência interpretativa? Com que conjunto de va-lores prioritários trabalha? Como se transmite esse discurso?”.

Pode-se reconhecer assim que o museu, sendo um espaço social, possui ritos próprios, com códigos específi cos, sendo considerado então um espaço com uma cultura particular. Nos museus de ciências, a cultura científi ca em especial irá se ma-nifestar de modo evidente, fazendo parte desta cultura mais ampla, a cultura museal. Para situar melhor esta ideia, foi tomado como parâmetro o trabalho de Bruno (apud MARANDINO, 2001, p. 144) ao defi nir o processo de musealização como aquele “constituído por um conjunto de fatores e diversos procedimentos que possibilitam parcelas do patrimônio cultural se transformarem em herança, na medida em que são alvo de preservação e comunicação”. Nesse trâmite, ecoam as proposições de Pomian, quanto ao visível e ao invisível, os semióforos. Indica ainda a autora:

Segundo Shanks e Tilley (1987), ‘musealização é a elaboração de um sistema estético para criar signifi cados’. Esta elaboração, por sua vez, é fundamental para a consoli-dação da Museologia, mas diz respeito, também, a outras áreas de conhecimento, na medida em que a proposição deste ‘sistema estético musealizado’ representa não só convivência mental com as questões ligadas aos sinais, imagens e símbolos, mas, so-bretudo a implementação de procedimentos adequados ao reconhecimento, tratamen-to e extroversão dos sentidos e signifi cados dos indicadores de memória (...)” (BRUNO, 1996 apud MAR ANDINO, 2001 p. 144).

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Para ela, na museologia existe a preocupação tanto em administrar e conser-var a informação contida nos objetos (que se associa a um procedimento “clássico”), quanto em sistematizar novas maneiras de veicular informação, por meio da compo-sição de discursos expositivos e de estratégias pedagógicas. Em seu trabalho, a autora efetua uma análise sobre o discurso expositivo como um dos frutos do processo de musealização, o qual implica uma dinâmica própria, onde sucedem escolhas, surgem limites (inclusive, muitas vezes, aqueles relativos à politica insti-tucional) e envolvem-se atores, caracterizando assim o universo de cons-trução do discurso expositivo. Para Marília X. Cury, o processo de musealização envolve a seleção de um objeto por valorização, seleção essa que de novo nos remete ao conceito de semióforo proposto por Pomian. Ela segue mais à frente defendendo que “a comunicação museológica é a denominação genérica que são dadas às diversas formas de extroversão do conhecimento em museus”, e ainda que “a principal forma de comunicação em museus é a exposição ou, ainda, a mais específi ca, pois é na exposição que o público tem a oportunidade de acesso à poesia das coisas” (CURY, 2005, p. 34).

Nos estudos sobre museus é possível identifi car trabalhos que consideram a elaboração das exposições como um processo de transformação e de uma nova produção de conhecimentos. Muitos desses trabalhos partem do pressuposto que as exposições são mídias e que devem ser analisadas levando em conta o refe-rencial teórico da comunicação (incluindo-se a comunicação visual). Davallon (apud MARANDINO, 2001, p. 145-146), por exemplo, introduz nesse sentido a noção de mídia de espaço e caracteriza as exposições científi cas e técnicas como um “gênero de exposição documental”, diferenciando-as das exposições históricas ou etnológicas: enquanto essas “expõem objetos testemunhos de uma cultura”, as outras “expõem, essencialmente, meios de representação de conhecimentos (esquemas, discursos, manipulações, reconstituições)”. Este autor destaca os desafi os das exposições cien-tífi cas, sendo que, neste meio de divulgação, as difi culdades se multiplicam em relação aos outros meios. Ele parte da hipótese de que, para a elaboração de exposições, dá-se um processo de “representação”, de “confi guração” que acompa-nha a passagem do discurso científi co (a fonte) ao discurso da vulgarização (o alvo), e mais ainda, a da lógica do discurso para a do espaço. Davallon analisa o processo de representação com base na interpretação semiótica do espaço no processo de vulgari-zação18. Discute, nesta perspectiva, a transformação do “texto-fonte” em “texto-alvo” e sustenta que o conceito de vulgarização científi ca conduz a pensar a “passagem” do texto científi co ao de divulgação, “não sobre uma forma de tradução (no sentido de uma passagem de signifi cado de um texto para o outro), mas de uma transformação (como ‘transferência’ e ‘travestimento’, como Freud se referiu a propósito do sonho)”. Trata-se da transposição: a diferença entre a fonte e o alvo, para Davallon, é que o

18 Ainda, como já visto, “divulgação” ou “popularização”.

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processo de “representação” do primeiro para o segundo acarreta a “produção de um objeto”, a exposição, onde os elementos do texto científi co terão o papel de fornecer matéria-prima para a operação de representação (Ibid., p. 145).

Este processo de transformação, para Davallon, não se limita à ilustração de um texto, mas é mais amplo, uma vez que implica a já mencionada passagem da “fonte” para o “alvo” na representação do texto científi co, que no caso das exposições determina o que ele chama de uma mídia de espaço. Neste sentido, este autor ana-lisa o espaço nas exposições científi cas e técnicas, o qual pode ser considerado apenas como um simples suporte funcional dos objetos, numa perspectiva neutra e instru-mental, ou como componente importante na produção de efeitos, sendo, neste caso, considerado uma mídia que fala aos visitantes, que produz sentido, que conota. Ou seja, a especifi cidade da comunicação através das exposições não é, em essência, ver-bal, e não pode ser comparada com a leitura de um texto. Davallon, nessa perspectiva, identifi ca quatro chaves de análise do espaço expositivo: como produtor de sentido, como unidade de conteúdo, como unidade de signifi cação e como dispositivo semiótico.

Figura 17: A transposição e o processo de confi guração de uma exposição de ciência e tecnologia (Fonte: diagrama do autor).

Posteriormente, Davallon (1993) discute de maneira mais ampla a ideia do museu como mídia. Para ele, é necessário realizar uma genealogia da instituição mu-seológica que permita “devolver a dimensão simbólica e não só de comunicação do

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museu”. Assim, esse processo se realiza não só através “da instalação do sistema de exposição, mas também através da operação de ‘conversão de patrimônio’ com que se benefi ciam os objetos de museu” (Ibid., p.147, tradução livre). Mais recentemente, Davallon (1999 apud MARANDINO, 2001) desenvolve o tema sobre a produção de exposições e, segundo este autor, não existe um mesmo procedimento operacional para a produção de todos os tipos de exposição (algo que criaria uma forma de “pas-teurização” do projeto de exposições) nem uma forma exclusiva para temáticas es-pecífi cas. Existem, sim, modos de expor com características mais ou menos voltadas para um tipo particular de exposição; com isso, as relações, os usos, as estratégias e os efeitos de uma exposição de caráter histórico, por exemplo, que não são os mesmos de uma exposição de arte ou ainda de uma exposição documental.

Ao se analisar o funcionamento de exposições, observa-se que a relação simbó-lica da ação de expor vai bem além de um simples ato de tornar públicos os objetos. As exposições, assim, têm naturezas diferentes (estética, semiótica, social, etc.) e to-das podem, em graus diversos, produzir efeitos estéticos, signifi cantes e instrumen-tais, sem que seja simplesmente uma obra de arte, um recurso semiótico ou um ins-trumento didático. Pode-se considerar, desta forma, uma exposição como um produ-to resultante da execução de uma técnica. Ela responde a um desígnio, ou seja, a um objetivo de produzir um efeito. A questão é saber o que se visa com essa intenção ou qual é a função assinalada pela exposição. A exposição, portanto, não deve ser considerada um objeto cultural constituído, defi nido e acabado, mas o re-sultado de seu processo de execução e, nessa perspectiva, deve-se buscar entender o processo do qual ela resulta, ou seja, o conjunto de operações técnicas, o espaço e os atores sociais envolvidos, assim como aqueles as-pectos mais amplos de natureza institucional, política e econômica.

Na produção estão incluídos dois níveis de intencionalidade: um corresponde ao que se pode chamar de intencionalidade constitutiva (a intenção dos elementos presentes no processo de execução – estratégias técnicas) e o outro à intencionalida-de comunicacional (intenção relacionada a um querer comunicar-se com o visitante de determinado modo – estratégias comunicacionais). A exposição pode então ser defi nida, em sentido amplo, como um dispositivo resultante de um agenciamento de coisas (objetos históricos, aparatos 3D, dioramas, vídeos, diapositivos, equipamentos de informática, vitrines, painéis) em um espaço, dotado de intenções constitutivas e comunicacionais (sem esquecer das educacionais e institucionais) e capaz de atrair o público. Forma-se um campo de relações complexas, de tal modo que a exposição torna-se um produto que reúne elementos semióticos, pedagógicos, estéticos, cien-tífi cos, políticos (cabe lembrar aqui os semióforos de Pomian), dentre outros. Dentro desse contexto, constata-se que a exposição se caracteriza por uma heteroge-neidade de componentes, a exposição é um dispositivo sociossimbólico,

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um fenômeno de linguagem. Três lógicas de linguagem podem ser elencadas na produção da exposição: lógica do discurso, lógica do espaço e lógica do gesto. Essas lógicas correspondem a momentos da transformação: a preparação da exposição, a execução e a visita; e, para compreender esse processo, é necessário poder captar as fronteiras da passagem de uma lógica para a outra.

O primeiro momento corresponde à fronteira entre um saber e a estratégia de colocá-lo em exposição, ou seja, a passagem da lógica do discurso linear para a do espaço. Essa passagem é o ato de instalação do saber no espaço – ato de criação da exposição como objeto cultural. O segundo momento é marcado pela chega-da do visitante. Para ele, a compreensão da exposição é subordinada a uma atividade e uma lógica gestual (percurso, aproximação, olhar, e tudo o mais). Esses momentos, para Davallon (1999 apud Marandino 2001), variam segundo o saber tratado, o tipo de exposição, o tamanho, a estrutura institucional de produção etc. A dinâmica da cadeia de operações da transformação encontra-se organizada no tratamento do discurso cien-tífi co pelos cientistas na direção do saber exposto, e a sua confi guração espacial, engen-drada pelos arquitetos, designers, artistas plásticos e outros realizadores. Essa confi gu-ração pode marcar fortemente, com um estilo particular, o produto fi nal.

A lógica do discurso está relacionada à operação de linguagem que envolve as-pectos da produção da estrutura textual. Nesse caso, duas operações estão presentes:1 – A defi nição da ideia ou conceito da exposição, dos objetivos que a fundamentam e a sua inserção em um programa da instituição. Esse ponto é verifi cado, amiúde, inter-pretado e reproduzido em partes da exposição ou em seu catálogo;2 – O texto científi co, que constitui originalmente o conteúdo e o assunto da exposição, passará, ao ser reescrito, por muitas operações de escolha, de recorte e de comparação.

A delimitação dos objetivos da exposição e a reescrita do discurso científi co que lhe dá a base, através da escrita de um programa, dão início ao que será a expo-sição, defi nindo uma estratégia que lhe fornecerá um estilo. Essas duas operações têm como efeito semiótico extrair um saber (ou conhecimento) do campo científi co e reduzi-lo a um conteúdo sob o olhar do programa expositivo.

A lógica do espaço pode ser dividida de acordo com as diversas operações de lin-guagem a ela relacionada: as concernentes à concepção e as concernentes à realização. Com relação à concepção, podem-se distinguir dois tipos de operações: a conceptuali-zação e a cenarização. A primeira refere-se à elaboração do conceito de exposição, ou seja, ao conceito do produto e eventualmente ao conceito de comunicação. Já a cena-rização corresponde às operações de corte da exposição nas suas diversas sequências de encadeamento da temática e que pré-fi guram a visita.

Essas operações são organizadas de forma a dar sentido ao conjunto de ele-mentos que serão expostos, visando um todo coerente: a experiência que será cons-truída e oferecida ao público.

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Nas operações concernentes à realização, observa-se que as diferentes formas de fazer exposições estão relacionadas, tanto ao tipo do saber tratado, quanto ao ta-manho ou gênero da exposição em questão. Para exemplifi car, Davallon (1999 apud MAR ANDINO, 2001) argumenta que uma exposição que trata de um tema sensível aos cientistas pode tornar-se secundária em função da separação entre disciplinas, ocasionada, em certa medida, pelo efeito das imposições diretamente ligadas à mídia, bem como pelas características técnicas, custos e/ou simplesmente pela pressão da moda de um determinado estilo ou técnica de exposição. Nesse caso, a concepção da exposição tende a ignorar a lógica do discurso científi co para privilegiar a lógica vi-sual e espacial, algo que também não faz muito sentido. A linguagem espacial parece unir cada vez mais a concepção com a realização em um momento específi co: o da produção. Entretanto, essa segmentação em fases (concepção, realização, produção) pode levar a problemas que passam despercebidos ao longo de todo o processo da elaboração de exposições de natureza científi ca. Um deles é o da necessidade de in-tegração e adequado tratamento da linguagem espacial, que não pode ser encarada como algo “acidental” ou puramente “cosmético”, e relegada a um plano secundário ou, ainda, acessório.

Essas diversas operações têm por efeito semiótico projetar um tratamento fi -gurativo e um tratamento narrativo para o saber que serve de conteúdo à exposição. Trata-se de um processo de simbolização, pois os signifi cados dados pelo visitante à exposição não são disponibilizados a priori nem evidentes, mas dependem do contex-to que constitui a exposição no seu conjunto, de modo integral e globalístico. Há, ain-da, a questão do repertório desse mesmo visitante, inclusive aspectos ligados ao seu imaginário, inclinações, subjetividades e mesmo preconceitos. Assim, para Davallon (1999 apud MARANDINO, 2001, p. 148):

A reunião de objetos em um lugar aberto ao público não é sufi ciente para tornar estes objetos compreensíveis. É preciso lhes dar ainda uma apresentação e um ambiente que faça sentido. Ao contrário a capacidade de fazer sentido não é diretamente propor-cional à quantidade de textos apresentados sobre os painéis, cartazes, no catálogo etc. O sentido provém também da disposição, de colocar em cena, o recurso aos esquemas, as fotografi as e outros meios visuais ou espaciais.

Com relação aos painéis e cartazes, por exemplo, ocorre uma questão mais lo-calizada, que diz respeito às relações entre imagem e texto, imagem e legenda. O texto pode funcionar como âncora no sentido da imagem e da palavra falada no audiovisu-al. As exposições científi cas usualmente contam com legendas para imagens e para objetos físicos tridimensionais (desde dioramas até exemplares de animais empalha-dos ou esculturas). Temos ainda algo de lavra mais recente, o hipertexto.

Importante observar que a relação entre imagens e palavras (texto), de uma forma ou de outra, deve ser de complementaridade, com umas se alimentando das outras, de modo harmônico.

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A partir da literatura discutida anteriormente, versando sobre o processo de musealização ou transformação do discurso científi co textual e linear para uma mídia espacial como a exposição, é possível afi rmar que, na elaboração das exposições de museus, uma outra lógica vai se constituir, diferente daquela presente no discurso científi co em si. Neste processo, ocorre a criação de um novo objeto de conhecimento, a partir do texto do saber de referência (que encerra o conteúdo científi co), mas que se confi gura em um objeto específi co, com características únicas e com a fi nalidade de produzir efeito de sentido, de um determinado modo, cuja percepção se dará de maneira diferenciada para o público em geral. Importa assim estudar esta transfor-mação da lógica do discurso científi co para a lógica espacial, a qual se considera ter um discurso próprio. Neste ponto, cumpre relembrar as questões abordadas anterior-mente neste trabalho de tese, referentes à Gestalt e ao pensamento visual. O proces-so perceptivo, na perspectiva da Gestalt, não se dá na forma de sensações parciais e segmentadas, mas sim como percepções globais de uma forma ou de uma estrutura, e não é algo distinto, inferior ao processo cognitivo em si. As contribuições de M. Chauí ao assunto reforçam que é mais correto se falar

em campo perceptivo para indicar que se trata de uma relação complexa entre o corpo-sujeito e os corpos-objetos num campo de signifi cações visuais, táteis, olfativas, gustativas, sonoras, motrizes, espaciais, temporais e linguísticas. A percepção é uma conduta vital, uma comunicação, uma interpretação e uma valoração do mundo, a partir da estrutura de relações entre nosso corpo e o mundo (CHAUI, 2001, p. 123).

A percepção, portanto, é também uma forma de conhecimento, e para Arnheim toda percepção é a percepção de qualidades, e na medida em que as qualida-des são genéricas, então a percepção sempre se refere a propriedades genéricas. Ele situa apropriadamente que o pensamento perceptivo tende a ser visual, e que, de fato, a visão é a única modalidade dos sentidos em que as relações espaciais podem ser re-presentadas com precisão e complexidade sufi cientes. A visão não é um registro me-cânico de elementos, mas a apreensão de padrões estruturais signifi cativos. A visão prova ser uma apreensão verdadeiramente criadora da realidade. A mente sempre funciona como um todo – toda a percepção é também pensamento, todo o raciocínio é também intuição, toda a observação é também invenção. Por conseguinte, o pen-samento é principalmente pensamento visual. A linguagem usual, as palavras e frases, seriam apenas um conjunto de referências a fatos que devem ser dados (e manipulados em algum outro meio).

A exposição, por sua vez, enquanto resultado de um processo de planejamento e projeto, deve ser pensada como um todo, uma vez que será apreendida como um todo pelo público visitante. Nesse ponto, cabe entrar com a contribuição de M. Cury, quando ela situa que

Exposição é, didaticamente falando, conteúdo e forma, sendo que o conteúdo é dado pela informação científi ca e pela concepção de comunicação como interação. A forma da exposição diz respeito à maneira como vamos organizá-la, considerando a orga-

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nização do tema (...) associados a outras estratégias que juntas revestem a exposição de qualidades sensoriais (...) conceber e montar uma exposição signifi ca construir e oferecer uma experiência para o público. Mas, que experiência é essa? (CURY, 2005, p. 42-43).

A autora enfatiza essa questão da experiência, a nosso ver de modo muito apropriado, inclusive na medida em que oferece pontos de contato nítidos com as questões abordadas logo acima quanto à percepção como uma forma de conhecimen-to e as teorias de Arnheim.

M. Cury, mais adiante, defende que a experiência relacionada com a exposição deve ser, a seu ver

uma experiência de qualidade. Mas, quais são os fatores que determinam a qualidade de uma experiência? (...) Primeiramente, uma experiência de qualidade é completa e consciente, integrada e delimitada, íntegra de maneira a alcançar a consumação. “Tal experiência é um todo (...) É uma experiência” (...) É aquela experiência que fi ca na mente da pessoa que a viveu, podendo acontecer em qualquer situação, como degustar uma refeição em determinado restaurante com determinada pessoa, um passeio no parque, um acidente, uma viagem, um curso, fazer pós-graduação (CURY, 2005, p. 43).

Desse modo, como propõe a autora, conceber e montar uma exposição signifi -ca construir (a partir de um projeto adequadamente formulado) e oferecer ao público uma experiência de qualidade. Uma tal experiência, entretanto, deve (quanto a esse público) estar “conectada com suas experiências anteriores” e infl uenciar “positi-vamente suas experiências futuras” (CURY, 2005, p. 44). Mais adiante, a autora tece novas considerações a respeito da construção da experiência do público, mencionan-do os recursos expográfi cos, como ilustrações, fotografi as, textos, legendas, cenários, dentre outros, assim como a importância do discurso expositivo, a sua retórica, a questão da persuasão inerente à essa retórica, a narrativa e a lógica textual. A seguir, há uma passagem que merece destaque, pela pertinência ao que está sendo trabalha-do nesta tese:

Dois outros elementos fundamentais da construção da experiência do público são a apropriação do espaço físico e o desenho da exposição (sua visualidade) associados ao uso de outros recursos sensoriais. A elaboração espacial associada à visualidade da exposição são momentos chaves no processo de concepção, pois são questões fundamentais da experiência do visitante (...) O desenho (design) da exposição é um forte elemento de atratividade e assim como a escolha do tema, dos objetos e da orga-nização espacial, é variável que infl uencia a experiência do público (CURY, 2005, p. 46-47, grifo nosso).

De qualquer modo, para compreender o processo de construção do discurso expositivo, faz-se necessário estudá-lo inserido no contexto sócio-histórico, político e científi co das instituições nas quais essas exposições se encontram. Desta forma, outros aspectos também devem ser incluídos na análise do discurso expositivo, como a proposta conceitual, a história dos acervos, as características da linguagem escrita e dos objetos, a especifi cidade do discurso científi co em si, dentre outros. Entende-se, com isso, que os estudos sobre o processo de recontextualização nos museus contri-

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bui para a melhor compreensão das ações sociais, educativas e comunicativas que ocorrem nessas instituições. Em particular, a concepção de interfaces (JOHNSON, 2001) é deveras importante, na medida em que, para as exposições, ela é aquilo que fi ca ou fi cará mais diretamente em contato com o visitante, ou seja, o material con-creto que “materializa” o discurso expositivo/museográfi co. Nunca é demais lembrar que, até meados da segunda metade do século XX, a museologia considerava que a função principal de um museu era a de preservar as riquezas culturais ou naturais acumuladas, podendo eventualmente expô-las, sem que houvesse de modo explícito um propósito de comunicar, ou seja, de fazer circular uma mensagem ou uma infor-mação a um público recebedor. A função ligada à comunicação, para os museus e cen-tros de ciência, passa a ser bem mais relevante a partir dos anos 1980, com o questio-namento do papel tradicional dos museus e as mudanças que então se seguiram.

As repercussões dessa infl exão no papel tradicional dos museus se fez sentir mais à frente, inclusive quando muitos museus de ciências, que contavam com acer-vos históricos, reformularam seu perfi l incorporando o espírito dos science centers, gerando novas confi gurações de exposições, ou ainda desenvolvendo áreas interati-vas, com artefatos especialmente concebidos para representar conteúdos científi cos junto aos visitantes. Foi o caso do Museu da Vida, implantado em 1999 pela Fiocruz como um misto de museu e science center (FERREIRA, 2014).

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5 O Museu da Vida

5.1 Antecedentes

O antigo Instituto Soroterápico Federal, criado com o objetivo de produzir soros contra a peste bubônica, foi renomeado em 1908 como Instituto Oswaldo Cruz e tinha na criação de um museu de ciências uma das metas relevantes do cientista, gestor e professor Oswaldo Cruz (1872-1917), a partir do momento em que se tornou diretor daquela instituição. Desde o início do século XX, ela se voltou para a medicina experimental e saúde pública, fi cando radicada na cidade do Rio de Janeiro, então capital da República.

Com a conclusão fi nal das obras do Castelo Mourisco, em 1918, um museu científi co foi lá instalado, iniciando assim suas atividades. Ele se tornou o guardião das primeiras coleções do instituto, abrangendo exemplos de anatomia patológica, parasitologia, micologia, e entomologia, dentro dos parâmetros anteriormente men-cionados, que se referiam à tradição do colecionismo, aos gabinetes de curiosidades e à consolidação dos museus como instituições culturais relevantes, o que ocorreu especialmente no século XIX. Essas coleções tinham uma relação muito próxima com as atividades típicas da instituição, refl etindo sua trajetória ao longo do tempo. O mu-seu também concedia apoio para cientistas de outros centros de pesquisas e se envol-via com a troca de itens de coleções com eles, atividades típicas dos museus da época (SOARES; NOGUEIRA, 2014).

Após a morte de Oswaldo Cruz, em 1917, o seu local de trabalho no Castelo Mourisco foi mantido intocado e aberto ocasionalmente apenas para visitas especiais, com o nome de Museu Oswaldo Cruz. Foi o início de uma coleção histórica, consti-tuída de objetos pessoais e profi ssionais, documentos, livros e fotografi as. Quanto ao seu papel, missão principal e características, os dois museus – o de Oswaldo Cruz e o de ciências – apresentavam diferenças que iriam se acentuar ao longo das décadas a seguir. O primeiro, criado com a intenção de ser um memorial e preservar a história da personalidade fundadora e principal fi gura pública da instituição, gradualmente se orientou para uma abordagem mais ampla, visando um público diversifi cado e, em sua maioria, leigo. O outro, por sua vez, com suas coleções, fi cou mais restrito ao campo da pesquisa e do interesse dos especialistas (SOARES; NOGUEIRA, 2014).

Em 1962, o Museu Oswaldo Cruz foi integrado à biblioteca e ligado a outras atividades auxiliares, como aquelas conduzidas no laboratório de fotografi a e por pro-fi ssionais no campo da ilustração científi ca. Em 1970, deu-se a criação da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Algum tempo depois, em 1972, com a comemoração do cen-tésimo aniversário de Oswaldo Cruz, o museu expandiu sua área de exposições. Elas passaram a ocupar três salas do Castelo Mourisco, dedicadas à memória de Oswaldo Cruz, e ao trabalho científi co do instituto. Ainda nos anos 1970 (mais precisamente,

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entre 1975 e 1979), foi iniciado um projeto de revitalização do instituto, incluindo-se aí a renovação dos equipamentos de laboratórios abandonados, construção de novas instalações /prédios e reforma dos antigos. O mesmo projeto impulsionou o trabalho relacionado com a preservação do patrimônio histórico que foi encaminhado para a nova fundação (Fiocruz), e ainda o seu compartilhamento com o público mais amplo (SOARES; NOGUEIRA, 2014).

Em paralelo, determinadas iniciativas dentro da educação formal e da educa-ção científi ca em especial pavimentaram o caminho para o fl orescimento de alguns outros museus dentro da instituição, inclusive o próprio Museu do Instituto Oswaldo Cruz, que funcionou de 1977 a 1979. Com a criação da Casa de Oswaldo Cruz (COC – hoje unidade da Fiocruz) em 1986, sob a gestão Sérgio Arouca, as coleções desse museu (e de alguns outros) foram parcialmente incorporadas em um novo museu, inaugurado no ano seguinte, e então chamado de Museu da Casa de Oswaldo Cruz (ver fotografi a a seguir).

Figura 18. Ambiente do então Museu da Casa de Oswaldo Cruz, instalado na Cavalariça, prédio que faz parte do conjunto arquitetônico histórico do campus da Fiocruz (Fonte: acervo do MV).

A inauguração do (hoje denominado) Museu da Vida se daria mais de dez anos depois. Um evento que se tornou um marco fundamental nessa trajetória foi a Expo-sição Vida (1995), melhor explanada mais adiante.

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5.2 Espaço Museu da Vida

O trecho a seguir se baseia em um documento produzido no ano de 1994, denomi-nado informalmente de Livro azul (Fiocruz et al., 1994). Tal documento foi apresentado a programas de órgãos de fomento, como o Programa de Desenvolvimento Científi co e Tecnológico (PADCT) da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e a Fundação Vitae de Apoio à Cultura, Educação e Promoção Cultural. Em mea-dos de 1993, o Congresso Interno da Fiocruz, instância de deliberação democrática dentro da instituição, havia referendado a implantação do Espaço Museu da Vida, um museu dinâmico para educação e popularização da ciência. O Conselho Deliberativo da institui-ção, por sua vez, apoiou a realização daquele projeto museológico, fi cando ele abrigado e mantido no campus da Fiocruz. A ideia era sistematizar e ampliar a gama de atividades ligadas ao campo da difusão científi ca, de modo mais evidente e estruturado. A proposta conceitual e organizacional do museu buscava incorporar as experiências amealhadas pela Fiocruz nos domínios do desenvolvimento cultural, popularização e educação em ciência, e da memória; ao mesmo tempo procurando aproveitar o corpo de especialistas da fundação nos mais diversos campos do conhecimento humano, como aqueles oriun-dos da biologia, matemática, química, física, história, ciências sociais, dentre vários ou-tros. Embora tenha havido a aprovação formal, a proposta, na prática, encontrou algumas resistências dentro da instituição, como atesta o historiador Pedro Paulo em um trecho da sua entrevista: “(...) o momento de criação do Museu da Vida, já no âmbito de ser um projeto da presidência da Fiocruz que aglutinava o apoio da comunidade científi ca (ainda que com críticas, sabemos disso já que vivemos isso na época), mas houve um manifesto de apoio à criação de um museu, embasado nas questões de aproximar educação, ciência, divulgação e cultura em um espaço que acho que foi percebido com um potencial enor-me”. Em outro trecho, ele retoma o assunto para lembrar que “(...) Toda aquela resistên-cia que vivemos no passado não existe mais. Pessoas que foram nossos detratores, hoje são nossos apoiadores escancarados”.

O designer Sergio, por sua vez, relata que: “É bom lembrar que acho que um pouco da maneira como foi implantado tinha a ver com uma certa oposição ao museu aqui. Muita gente achava que queria se fazer a Disneylândia na Fiocruz, logo havia muita gente contra. Então, essa maneira de se fazer o museu veio um pouco em fun-ção disso. O pessoal se preocupava muito com isso.”

Além da já mencionada Exposição Vida, ao conjunto das experiências predeces-soras do advento do então nomeado “Espaço Museu da Vida” estão incluídos o processo de Tombamento e Preservação Ambiental dos prédios históricos do campus e a questão da Restauração do Conjunto Histórico de Manguinhos, que se coadunou com a iniciativa de incorporar o Conjunto Histórico no Roteiro Turístico, Científi co-Cultural da cidade do Rio de Janeiro e a sua inclusão no Guia Michelin. A partir de 1989, ocorreu ainda a viabilização de exposições de caráter histórico e científi co, como, por exemplo:

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Carlos Chagas, Vida e Obra, montada na Academia Nacional de Medicina, na cidade do Rio de Janeiro, em 1989, por ocasião das comemorações dos 80 anos da descoberta da Doença de Chagas;

Instituto Pasteur: 100 anos a Serviço da Saúde Pública - Fundação Oswaldo Cruz: a Permanente Aventura da Modernidade, instalada em 1989 no Palácio da Cultura, na cidade do Rio de Janeiro;

A Ciência a Caminho da Roça: Expedições do Instituto Oswaldo Cruz, no Museu Histórico Nacional (MHN), também na cidade do Rio de Janeiro, em 1989;

Fiocruz: Passado e Presente, que se integrou na Programação da Conferência Internacional sobre Meio Ambiente, Desenvolvimento e Saúde (CIMADES) na Rio – 92,19 e mais tarde inspirou um dos espaços de visitação permanente do museu;

A Peste Branca: Memória da Tuberculose no Brasil, em 1993, também no MHN;

Revolta da Vacina: cidadania, ciência e saúde, em 1994, exposição itinerante da Casa de Oswaldo Cruz (COC).

A fala de Pedro Paulo em sua entrevista uma vez mais nos auxilia aqui: “(...) nós já havíamos adquirido uma bagagem e experiência interessantes na proposição e desenvolvimento de exposições de cunho mais histórico-científi cas. Posso citar rapidamente: a Peste Branca, sobre a memória da tuberculose no Brasil; Revolta da Vacina, por ocasião dos 90 anos daquela rebelião popular; e como uma espécie de uma exposição piloto e teste para a inauguração do Museu da Vida, a Exposição Vida de 1995, que foi um grande piloto para a mediação humana que se pretendia criar e manter como está até hoje no museu, para interface entre história, ciência e cultura que a gente via muito fortemente nos anos iniciais da Casa e do Museu”.

Estruturado a partir de 1989 para ordenar e melhor consolidar múltiplas ini-ciativas culturais, o Programa de Promoção Cultural da Fiocruz se voltou para ativi-dades como concertos musicais, Coral Fiocruz, teatralização e palestras sobre arte, cultura e ética. O conceito de cultura então adotado estava estritamente ligado a “ma-nifestações artísticas”, mantendo e até mesmo fortalecendo a dicotomia arte e ciência, dentro da concepção de cultura como “sala de ópera”, na acepção de Roy Wagner (como anteriormente mencionada). De qualquer modo, não se pode deixar de lado as atividades ligadas a Animação e Difusão Científi ca, que caracterizavam uma “linha direta” com a conceituação do (futuro) Museu da Vida. Dessa época, cumpre desta-

19 Em 1992, ocorreu a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e De-senvolvimento (Cnumad), no mês de junho, na cidade do Rio de Janeiro (RJ). Também chamada de Cúpula da Terra, reuniu mais de 100 chefes de Estado para debater formas de desenvolvimento sus-tentável.

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car os Domingos de Arte e Ciência, com a abertura do campus da Fiocruz à visitação pública, e a concomitante realização de atividades como o teatro, música, recreação, acesso ao Castelo Mourisco e difusão científi ca. Ainda seria importante ressaltar as Feiras de Ciências, com mostras de exemplos de coleções científi cas, representações de experimentos e processos, assim como pequenas exposições sobre o cotidiano das prá-ticas científi cas e tecnológicas, com a cooperação de cientistas e tecnólogos da Fiocruz.

A equipe de museólogos da Fiocruz promovia, de forma continuada, um Pro-grama de Visitação Escolar para alunos e professores de primeiro e segundo graus. Já o Laboratório de Educação do Instituto Oswaldo Cruz (IOC), uma das mais tradi-cionais e conceituadas unidades da instituição, oferecia cursos de Atualização para Professores, também com foco nos profi ssionais de primeiro e segundo graus. Tam-bém digna de nota foi a produção, edição e difusão de materiais educativos direcio-nados ao público infantojuvenil. Os temas eram tratados com linguagem adequada às várias faixas etárias, com orientação de especialistas da Fiocruz, assim como por profi ssionais de reconhecida competência na literatura infantojuvenil. Os produtos valorizavam os aspectos cognitivos e afetivos dessa faixa de público, e buscava-se o diálogo com os professores, chamando a sua atenção para questões fundamentais da Educação Ambiental, em Saúde e em Ciência. Os exemplos incluíam a Ciranda da Saúde, Ciranda do Meio Ambiente, Ciranda da Vida e Jogos Interativos sobre Saúde e Ciência. Dentre os jogos interativos, destacou-se o Zig Zaids, projeto liderado pela pesquisadora Virginia Schall (1954-2015), que ganhou o 11º Prêmio de Divulgação Científi ca José Reis, do CNPq, em 1990.

Portanto, para a sua consolidação, o Espaço Museu da Vida contou com esse conjunto variado de experiências acumuladas, tanto no campo da museologia em si, como, em especial, aquelas que incorporavam meios lúdicos como música, pantomi-ma, teatro e outros recursos artísticos, com vistas à popularização das ciências e da saúde, em consonância inclusive com tendências internacionais da época, conforme já relatado em capítulos anteriores deste texto. Pensava-se que, com a capacidade ins-talada da Fiocruz (prédios, serviços, equipamentos) e sua massa crítica de funcioná-rios, bolsistas, alunos, haveria a possibilidade de construção de um núcleo irradiador de iniciativas e gerador de efeitos multiplicadores no campo da educação e populari-zação da ciência.

5.2.1 Por que um museu dessa natureza na Fiocruz?O fundamento para a organização da vida humana, na atual civilização, está

estribado na ciência e na tecnologia. Essa constatação pode estar revestida de contra-dições, contestações e polêmicas, mas certamente é a visão prevalente nas modernas sociedades no mundo pós-industrial. Esse processo não é tão recente, tendo suas ori-gens no advento da Revolução Industrial, um conjunto de mudanças ocorridas na Eu-

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ropa nos séculos XVIII e XIX. A principal característica dessa revolução foi a substi-tuição do trabalho artesanal pelo assalariado em grandes unidades fabris e, associado a isso, a implementação do uso das máquinas, assim como a introdução progressiva do conhecimento científi co nos setores de produção naqueles países europeus em que o fenômeno se iniciou. Em adição, deu-se o avanço signifi cativo, em especial após o período do Iluminismo, da valorização da ciência e do pensamento científi co (com gradual ênfase na chamada “ciência aplicada”), e a adoção, no meio fabril, de procedi-mentos que derivavam de experiências e pesquisas no campo acadêmico, como o pró-prio movimento pasteuriano, no século XIX, na esfera da saúde pública, incluindo-se a prevenção da deterioração de alimentos e a vacinação.

Nos dias atuais, percebe-se que o esforço de codifi cação e comunicação da produção científi ca e tecnológica para o senso comum, que está diretamente ligado ao campo da popularização da ciência e à educação não formal, gera efeitos propul-sores na própria construção do conhecimento, na ampliação de suas condições de desenvolvimento e na elevação dos padrões técnicos, críticos e éticos da comunidade científi ca. A ciência se integra na base da promoção da própria cultura que caracteri-za a civilização moderna: ela se torna então também “cultura científi ca”. A despeito disso, faz-se notável a considerável distância que separa, de um lado, as informações pulverizadas e dispersas junto com a presença disseminada e avassaladora dos arte-fatos tecnológicos na vida cotidiana, e, de outro, o adequado engajamento intelectual das pessoas comuns, os cidadãos. Assim, há um distanciamento, um hiato, que só tende a aumentar, e ao qual se tentam confrontar propostas de divulgação ou mesmo vulgarização do conhecimento científi co, em que pesem os árduos caminhos envol-vidos. Desde o início do século XX, o tema desperta inúmeras controvérsias, como o próprio trabalho de C. P. Snow aborda, embora nesse período tenham surgido inicia-tivas marcantes e ambiciosas nesse campo, como o já mencionado e famoso Deutches Museum, em Munique (Alemanha), uma das primeiras experiências de vulto de um museu interativo de grande porte.

No Espaço Museu da Vida, o eixo temático integrado à sua proposta esta-ria contido no seu nome: vida. Esta deveria ser apresentada como um fenômeno complexo, cuja abordagem iria exigir a cooperação de várias disciplinas (biologia, química, física, matemática, história etc.), com o intuito de narrar os testemunhos materiais de transformação, ao longo das eras, do Universo, do planeta Terra, dos ambientes físico, biológico e social do mundo passado e da atualidade, destacando-se as realizações dos seres humanos ao longo da sua existência.

A pedagogia envolvida se encaixava em uma compreensão transdisciplinar (MORIN, 2004) da educação, dentro de uma perspectiva construtivista. Entretanto, não poderiam ser deixadas de lado as funções intrínsecas a qualquer tipo de museu, como as de ação cultural, conservação, exposição, investigação, restauro, coleções,

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acervo, dentre outras; assim como as funções voltadas para o papel político da insti-tuição (em consonância com a Fiocruz), no seu diálogo com a sociedade, procurando associar e integrar ensino, pesquisa e museologia. Nesse âmbito, havia a preocupação com o desenvolvimento da consciência ecológica e da visão holística dos cidadãos, com o entendimento de que existem interligações entre as variadas formas de vida entre si e os diversos processos físicos e químicos no planeta. A questão da cidadania seria outro tema muito importante, pois por meio da educação e alfabetização (ou ainda, como já visto anteriormente, popularização, divulgação, vulgarização etc.) em ciência, há uma expectativa de que o indivíduo passe a decodifi car e assimilar melhor o mundo à sua volta, vindo assim a ter uma participação efetiva numa sociedade em que a ciência, como já mencionado anteriormente, está cada vez mais presente, im-pulsionando transformações constantes e muitas vezes profundas, em um ritmo que se torna gradativamente mais veloz e avassalador. Outro assunto muito relevante di-zia respeito ao desenvolvimento cultural geral, fundamento para a qualifi cação global de uma população economicamente ativa, contribuindo para alavancar o desenvol-vimento econômico do país. Especifi camente, sabe-se que não pode ser menospreza-do o esforço para o fl orescimento de uma consciência da necessidade do nosso país investir em pesquisa e desenvolvimento de tecnologias inovadoras, preparando a so-ciedade para as grandes transformações que estão a ocorrer no mundo, incluindo-se aquelas implicadas pela biotecnologia. Em particular, emerge a questão da riqueza da biodiversidade e do imenso patrimônio genético do Brasil, que demanda atenção e cuidados, em especial na esfera governamental, mas com respaldo e consonância com a opinião pública em nossa sociedade, através de suas organizações atuantes20.

Concernente a todas essas ideias, e sem confl itar com elas, havia a proposta interativa do museu, que seguia a tendência que, como já exposto anteriormente em algumas passagens, manifestou-se com vigor a partir dos anos 1980, em escala mun-dial: um convite à participação ativa do visitante, estimulando sua refl exão crítica e aguçando a sua percepção quanto a um conceito de vida em sentido amplo, através de uma perspectiva transdisciplinar. Os temas científi cos deveriam ser tratados dentro do universo da história e da cultura, em uma relação bem próxima com a realidade social. A vida é integrada e não separada em áreas de conhecimento estanques, de modo analítico, em um enquadramento hipotético dedutivo, reducionista e determi-nista. A abordagem deveria levar em conta a realidade cotidiana, com todas as suas peculiaridades, estimulando assim uma percepção global dos conceitos fundamentais relacionados à vida.

De qualquer modo, ao valorizar a história da ciência na concepção das suas exposições, haveria ali entrelaçada a visualização dos processos de construção e re-construção dos conceitos científi cos, tornando possível a percepção da multiplicidade

20 Incluido-se movimentos sociais, grupos comunitários, associações profi ssionais, gru-pos ativistas, associações comerciais, organização não governamentais, etc.

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de ideias que os seres humanos elaboraram acerca de um mesmo fenômeno, ao longo da passagem do tempo, e como se deu o seu registro em termos históricos. Emerge então a noção de processo, que se associa ao empreendimento científi co e/ou tecnoló-gico: há uma evolução não linear, com idas e vindas, avanços e retrocessos, sucessos e fracassos; com uma história que pode estar permeada por contradições e até mesmo acasos, produzida coletivamente e com intercâmbio de informações em determinado contexto histórico e cultural – e não algo que se manifesta de súbito, como resultado do trabalho impecável de um gênio iluminado. A ciência e seu contexto estão associa-dos a uma história, e ela não é linearmente cumulativa, pois ocorrem difi culdades de todas as ordens, falta de recursos, fracassos e reviravoltas, discussões e confl itos entre pesquisadores, que são indivíduos de carne e osso inseridos em determinado ambien-te – sociopolítico, cultural e econômico, em uma dada época. Da mesma forma, e se somando a tudo isso, a ciência envolve o espírito de aventura, de indagação, de curio-sidade; e o ofício científi co se propõe a enfrentar criativamente problemas concretos. Nessa trajetória, a busca por uma resposta que seja a melhor possível para determi-nada pergunta, muitas vezes, envolve várias tentativas frustradas que eventualmente tenham sido feitas.

5.2.2 O projeto “Espaço Museu da Vida” e seus aspectos institucionaisEm setembro de 1994, foram encaminhadas ao gerente geral da Vitae Apoio à

Cultura, Educação e Promoção Cultural as propostas de consolidação do (então cha-mado) Espaço Museu da Vida e de desenvolvimento do Museu de Ciência e Tecnolo-gia do Rio de Janeiro, projeto que havia sido recentemente aprovado em concorrência nacional constituída pela PADCT/Capes/SPEC. Na ocasião, três propostas foram fei-tas, e só a do Espaço Museu da Vida seguiu adiante.

O documento encaminhado à época, contido no Livro azul, apresentava o pro-jeto do “Espaço Museu da Vida” como um “museu dinâmico de ciência e tecnologia”, que iria possibilitar o desenvolvimento integrado de atividades educacionais envol-vendo diversos campos do conhecimento (visão interpolitransdisciplinar) e apontan-do, quanto aos fenômenos vitais, qual a sua contribuição. Um dos seus objetivos pri-mordiais era a difusão e alfabetização científi ca. Haveria ainda um destaque dentro da articulação educação, ciência e cidadania quanto à atribuição, limites, contradi-ções e avanços da ciência e da tecnologia em sua relação com o desenvolvimento eco-nômico e social da humanidade. Tratava-se de uma proposta generosa e abrangente.

A apresentação mencionava ainda a Fiocruz, instituição de caráter multi e transdisciplinar, cuja importância certamente a gabaritava para sediar o Espaço Mu-seu da Vida. Na época, a Fiocruz já havia demonstrado potencial signifi cativo nas áre-as de divulgação e educação científi ca, e o documento destacava a importância dessa sua vocação e da localização no Rio de Janeiro, cidade cosmopolita com tradição cul-

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tural e forte apelo turístico, reunindo grande número de instituições científi cas e cul-turais, assim como universidades e ampla rede pública escolar. O Espaço Museu da Vida seria na época parte integrante do projeto de criação do Museu de Ciência e Tec-nologia do Rio de Janeiro, que reunia ainda a Prefeitura e a Rede de Tecnologia. De qualquer modo, para seu funcionamento, ele não dependia da implantação dos outros polos da entidade. De fato, isso acabou ocorrendo: o Espaço Museu da Vida foi im-plantado de forma independente, vindo a ser inaugurado em 1999. A ideia da criação do Museu de Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro resultou de intenso processo de discussões congregando representantes de diversas instituições (universitárias, mu-seológicas e de ciência e tecnologia), que se fi zeram representar pela Rede de Tecno-logia do Rio de Janeiro. Todavia, naquela época, no Rio de Janeiro, já haviam se dado experiências anteriores em instituições diversas, como aquelas da própria Fiocruz no campo da educação científi ca, a do Espaço Ciência Viva na divulgação interativa de ci-ências (de natureza mais experimental, com grande inspiração no Exploratorium, de São Francisco, EUA, como já mencionado), assim como aquelas do Mast, com exposi-ções de divulgação científi ca em geral e de astronomia. A proposta associada ao Mu-seu de Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro era compor um núcleo multiplicador de experiências que poderiam ser realizadas em espaços diferenciados, independentes e autônomos, multidisciplinares em si mesmos. Havia a perspectiva de a Prefeitura ceder terreno e dotação fi nanceira para que se pudesse construir o então “Espaço Mu-seu do Universo”, como uma extensão do Planetário do Rio de Janeiro, o que acabou se realizando. Havia ainda a programação para a criação do “Espaço Museu do Mar”, em área nobre do corredor cultural da cidade do Rio de Janeiro, com a participação do Museu Naval e da Fundação Roberto Marinho, mas esse empreendimento não foi adiante, pelo menos nos termos então propostos. Hoje temos o Museu Naval e o Es-paço Cultural da Marinha integrando o Complexo Cultural da Marinha, que incorpora ainda outros equipamentos e instalações.

Para a construção do projeto do então “Espaço Museu da Vida”, que concorreu e obteve a aprovação do PADCT/Capes, foram constituídas diversas instâncias orga-nizacionais, como:1. Um Conselho Curador, com Presidente e Membros integrantes, com personalida-des ligadas a diversas instituições públicas e privadas do Rio de Janeiro. O conselho curador contava com representantes de instituições como a própria Rede de Tecno-logia do Rio de Janeiro, a Unesco, o Mast, a Uerj, a Associação Comercial do Rio de Janeiro, a Fundação Roberto Marinho, a PUC-Rio, a Firjan, dentre outros;2. Um Corpo Permanente de consultores, com consultores estrangeiros ligados a ins-tituições museais e similares na França e nos EUA, e com consultores nacionais, de diversas origens, mas com a predominância daqueles ligados a instituições de pesqui-sa científi ca “clássica”.

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Na época (1994), para desenvolver e detalhar o projeto, a Presidência da Fio-cruz, através de uma portaria, defi niu diversos grupos de trabalho, contando com profi ssionais de várias áreas e interesses. Havia a Coordenação Geral, composta por Virginia Schall, Gilson Antunes da Silva, Thereza Christina Tavares e Danielle Gryns-pan, e diversos Grupos de Trabalho (GTs). Entre tais GTs, havia, por exemplo, o GT Engenharia, Arquitetura, Paisagismo, Design e Programação Visual; o GT Educação e Ciência; o GT Difusão Científi ca. Em adição, foram também criados Grupos de Trabalho para as funções de desenvolvimento e elaboração dos Projetos Executivos: GT Recepção de Usuários, Circuitos Históricos, Trilhas e Bondinhos; GT Ciência em Cena; GT Observatório Microcósmico; GT Minifábrica de Vacinas; GT Biotério Natu-ral; GT Jardins de Plantas Medicinais e Minifábrica de Medicamentos; GT Espaço de Experimentação, Espaço da Descoberta e Centro de Ciência e de Atualização de Pro-fessores; GT Videoteca de Ciência e Espaço Iconográfi co; GT Mostras das Coleções Científi cas; GT Sala de Oswaldo Cruz; GT Museu Histórico; GT Ecomuseu de Ciência (Museu Comunitário da Fiocruz); GT Programação Cultural do Castelo e do Pombal. Interessante notar que, de todos esses projetos executivos, apenas uma parte pequena foi efetivamente executada e implantada.

5.2.3 O projeto em siEm correspondência aos GTs, determinadas áreas, espaços, circuitos e trilhas

estavam sendo cogitados. Por conseguinte, o circuito do Espaço Museu da Vida, obje-to do documento então elaborado, seria composto de:

Portaria, Centro de Recepção, Circuito Histórico (campus de Manguinhos) e Bondinho da Ciência;

Trilhas Ecológicas, de Biodiversidade e da Energia; Espaço Ciência em Cena (tenda da Eco-92, já na época montada dentro do

campus de Manguinhos); Espaço da Descoberta (seria instalado em um galpão); Espaços da Experimentação (também seria instalado em um galpão), cujas temá-

ticas envolveriam Energia, Ciclos, Química, Sistemas, Física, Vida, Matemática; Laboratório Interdisciplinar de Ensino de Ciência: Energia, Ciclo, Sistema e

Vida; Espaço Oswaldo Cruz (2° pavimento do Castelo Mourisco); Escritório de Viagem no Tempo; Laboratório Interativo; Sala de Atualização de Professores de Ciência; Centro Interdisciplinar de Referência em Ensino de Ciência (previsto para ocu-

par um pavimento do Castelo Mourisco);

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Centro de Referência (Experimentoteca e Biblioteca Especializada no Ensino de Ciência);

Videoteca de Ciência – Centro de Referência de Vídeos de Ciência (que seria instalada no segundo pavimento do Castelo Mourisco);

Associação de Professores de Ciência; Espaço Iconográfi co (também iria ser instalado no segundo pavimento do Cas-

telo Mourisco); Mostras das Coleções Científi cas (do mesmo modo, no segundo pavimento do

Castelo Mourisco); Espaços Cultura e Ciência (previa a utilização do Pombal, antigo biotério de

pequenos animais, assim como o Anfi teatro do terceiro pavimento do Castelo Mourisco e outros auditórios da Fiocruz);

Espaços Passado e Presente (previstos, curiosamente, para serem instalados na Cavalariça, onde acabou sendo construído o Espaço da Biodescoberta);

Museu Histórico da Fiocruz; Museu Comunitário Fiocruz; Ofi cina e Laboratórios de Apoio para Criação, Conservação e Restauração de

Acervo e para Difusão e Educação em Ciência (estavam previstas instalações anexas à administração da Prefeitura do Campus da Fiocruz);

Núcleo de Difusão Científi ca (previsto para ocupar a Sala Intermediária da Ca-valariça, o que acabou não ocorrendo);

Coordenação Geral do Espaço Museu da Vida (iria ocupar o Salão Superior da Cavalariça, o que também acabou não ocorrendo).

Embora o documento afi rmasse que as áreas listadas acima contemplavam as funções essenciais de um museu de ciências, o Espaço Museu da Vida, quanto aos seus conteúdos e atividades, deveria se ater à sua concepção original e, com isso (tal-vez visando maior aderência ao trabalho da Fiocruz como um todo), complementá-los com espaços adicionais que seriam instalados em novas construções com fi nancia-mentos oriundos de outras fontes. Estes seriam como a seguir:

Observatório Microcósmico; Minifábrica de Vacinas; Biotério Ambiental; Jardim de Plantas Medicinais; Minifábrica de Medicamentos; Minilaboratório de Análise de Qualidade em Saúde; Espaço Água Viva (Estação de Tratamento de Água – instalação já existente – e

Minilaboratório de Análises de Água).

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Note-se que nesta segunda lista de espaços a serem constituídos nitidamente visava-se contemplar unidades existentes dentro da Fundação, como Biomanguinhos, Farmanguinhos, INCQS, dentre outros, no intuito de adequar a concepção do Espaço Museu da Vida, da melhor maneira, à moldura institucional da Fiocruz.

Quanto à proposta que havia sido submetida à Vitae, tinha-se ainda a des-crição e conteúdos das áreas do Espaço Museu da Vida, da lista exposta logo acima. Algumas dessas áreas serão abordadas logo a seguir, embora não correspondendo à totalidade dos espaços listados anteriormente.

• Portaria defi nitiva e Centro de Recepção de Usuários

A área seria composta dos seguintes espaços: portaria, estacionamento, ba-nheiros públicos, lanchonetes, terminal dos bondinhos da ciência e de um Centro de Recepção dos Usuários do Museu Interativo de Ciência e Tecnologia da Fiocruz. Tais espaços tinham como metas principais mais conforto para os usuários, a disciplina dos acessos do público, evitando impactos negativos nas rotinas de trabalho das uni-dades e laboratórios da Fiocruz, além de orientar e informar os usuários sobre os vá-rios circuitos e programações do museu.

• Bondinho da Ciência e Circuito Histórico

O circuito histórico do campus da Fiocruz poderia ser percorrido a bordo do Bondinho da Ciência. Junto ao Centro de Recepção, na plataforma de embarque, uma sineta iria sinalizar para os visitantes a hora de saída do bondinho, em intervalos de tempo regulares. Os bondinhos iriam percorrer o campus em circuitos delimitados, de forma ordenada e com paradas predeterminadas nas quais os guias poderiam ex-plicar aos passageiros os signifi cados diversos daqueles ambientes. Os grupos, sobre-tudo os escolares, contariam com um guia devidamente instruído e bem informado acerca dos conteúdos a serem veiculados ao público. Os bondinhos iriam circular pelo campus e, principalmente, pelas áreas e entornos das edifi cações históricas, propor-cionando aos usuários uma compreensão atual e retrospectiva da instituição.

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Figura 19. Estudo inicial para o Centro de Recepção, com o Bondinho no detalhe à direita (Fonte: acervo do MV).

• Trilhas

As trilhas estavam programadas para se constituírem em circuitos ao ar livre a serem percorridos através de caminhadas: Trilhas Ecológicas, Trilha da Biodi-versidade e Trilha da Energia, Ciclos, Sistema e Vida. As Trilhas Ecológicas seriam percursos de passeio a pé por caminhos existentes nas áreas de bens naturais do campus da Fiocruz. Essas trilhas também se constituiriam em circuitos interpreta-tivos, pois as espécies vegetais e os sítios arqueológicos já identifi cados no campus estariam devidamente sinalizados. A Trilha da Biodiversidade iria do grande painel de azulejos, com a temática de microrganismos aquáticos, de Burle Marx, fi xado na área externa do Pavilhão de Cursos do Instituto Oswaldo Cruz, até um dos espaços do museu, a ser construído: o galpão que abrigaria o Espaço da Descoberta e da Experimentação. Neste percurso estaria representada a biodiversidade de um deter-minado ecossistema: parte dos microrganismos, os insetos, répteis, aves e mamífe-ros. Painéis fotográfi cos, viveiros de insetos sociais, pegadas em placas de cimento e outros recursos de exposições ao ar livre poderiam ser utilizados. Essa trilha visava demonstrar a importância do equilíbrio ecológico, as interrelações e cadeias entre os seres e as consequências da destruição e desequilíbrios dos ecossistemas, com ênfase em seu impacto no campo da saúde pública. O modelo escolhido seria um ecossistema da Mata Atlântica.

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A Trilha da Energia, Ciclos, Sistema e Vida seria instalada dentro do campus, próxima à Trilha da Biodiversidade. Nesta trilha, havia a proposta de instalação de dispositivos relacionados aos temas energia, sistema, ciclo e vida, também a serem abordados nos espaços de experimentação. A intenção, no caso, era demonstrar, por exemplo, como os seres humanos, através da utilização de uma série de dispositivos técnicos, podem aproveitar ao máximo a energia solar. Para isto seria preciso, dentre outras coisas, afi rmar que o conhecimento do movimento “aparente” que o sol realiza diariamente na abóbada celeste é de vital importância. Alguns conceitos de astrono-mia básica, que ligam o sol, a terra e seus movimentos também poderiam ser explo-rados. Desta maneira, os outros três temas (ciclo, sistema e vida) seriam inseridos de modo integrado à energia solar em si.

• Ciência em Cena

Com arquitetura e equipamentos cênicos fl exíveis, sob uma tenda já montada, utilizada durante a Rio-92, o Ciência em Cena se voltaria para a realização de ativi-dades lúdico-pedagógicas. Ali, o público do museu iria assistir e participar de eventos teatrais, performances e outras formas de animação cultural, jogos e brincadeiras sobre questões da ciência. Seria, também, um espaço para grandes eventos científi cos e culturais promovidos pela Fiocruz. Estava previsto no projeto que no espaço se da-ria o início, propriamente dito, dos circuitos de visitação do Espaço Museu da Vida: a intenção era a de descontrair o público, desmistifi car e iniciar a decodifi cação para o senso comum das atividades científi cas e tecnológicas, habilitando o olhar do usuário (visitante), instigando a curiosidade e assegurando profundidade na apreensão das informações a serem vivenciadas nas outras atividades do museu. Alguns dos profi s-sionais do Espaço Ciência em Cena poderiam guiar os diversos grupos pelos vários circuitos. Enquanto espaço em si, iria promover atividades lúdico-pedagógicas (espe-táculos teatrais, dança, manhãs de criatividade, recreação, palestras, exposições, fei-ras de ciência e eventos afi ns), unindo a expressão artística com a informação científi -ca. A intenção subjacente era estimular a refl exão crítica sobre os aspectos históricos, políticos e sociais relacionados à ciência e divulgar o conhecimento científi co para os diversos públicos (infantil, juvenil e adulto) num processo participativo e dinâmico. Os textos produzidos dentro da instituição ou já existentes ligados à ciência iriam fazer parte de um banco de peças, que serviria de centro de referência para a classe artística e todos os segmentos da sociedade. Os espetáculos representados poderiam, mediante convênios com outras entidades, correr o estado e o país, estimulando a produção de atividades similares.

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Figura 20: Estudo inicial para o Espaço Ciência em Cena (Fonte: acervo do MV).

• Espaço da Experimentação

Consistiria em um espaço dinâmico de realização de atividades experimentais com o objetivo de trabalhar conceitos, fenômenos e relações; de modo a quebrar a visão estática e fragmentada do mundo que muitas vezes se encontra cristalizada dog-maticamente no senso comum. Ali, procurar-se-ia apresentar um número reduzido de experiências demonstrativas, evitando fortalecer a imagem adulterada da ciência como algo esquemático, inteiramente determinista, capaz de conduzir com inabalável segurança às respostas certas e defi nitivas para os problemas. Com isso, foram eleitos quatro temas de relevância científi ca, a serem tratados de maneira interdisciplinar.

Os temas escolhidos seriam, a partir do que já foi visto acima: energia, ciclo, sis-tema e vida. No caso da energia se trabalharia, por exemplo, a partir da problematiza-ção de uma situação sobre o processo da combustão, fazendo com que os visitantes fos-sem convidados a levantar hipóteses. O aspecto histórico do processo também deveria ser abordado. A introdução de experiências simples no Espaço da Experimentação seria algo fundamental para fortalecer a percepção de que a falta de materiais e equipamen-tos sofi sticados não iria necessariamente impedir o ensino para estudos dirigidos.

A ideia de ciclo poderia ser explorada, por exemplo, a partir do tema “os dias e as noites”, presente no cotidiano de uma pessoa de qualquer classe social. Esse tema ofe-rece desdobramentos em termos de fenômenos físicos e biológicos que são de enorme importância no funcionamento da natureza terrestre e das sociedades humanas.

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A ideia de sistema poderia ser trabalhada, também, através de experiências que lograssem permitir uma abordagem interdisciplinar. A montagem de um terrário, por exemplo, proporcionaria tanto um trabalho com o enfoque biológico, acerca de um ecossistema que permite a sobrevivência dos seres vivos, quanto um olhar quími-co, podendo ser esquematizado o ciclo do oxigênio; o dispositivo também permitiria a integração entre os quatro temas básicos propostos inicialmente para serem trabalha-dos nesse espaço.

Dentro do tema da vida em si, seriam consideradas as ideias envolvendo re-lações entre animais e plantas que conservam o equilíbrio do ecossistema, a saúde como produto do equilíbrio biológico e social, as organizações sociais de algumas es-pécies, a diversidade entre os seres vivos, tipos de desenvolvimento e suas fases, a re-produção como característica vital e o próprio ciclo da vida. Através de certos tipos de jogos de classifi cação, assuntos relacionados à sistemática seriam abordados; outros jogos que trabalhassem a menor ou maior adaptação de animais ao meio poderiam ser empregados para explorar o tema da evolução das espécies, sempre com a preo-cupação de introduzir a história das ideias científi cas sobre o assunto, de Aristóteles a Darwin. Favorecendo ainda a postura naturalista, poderia ser construído um grande formigueiro, com paredes transparentes que permitissem sua observação interna. Po-deriam ser explorados assuntos como o tipo de organização social que proporciona a sobrevivência das espécies, os papéis diferentes de rainhas e operárias, a transmissão das informações com vistas à nutrição e o odor que exalam em seus trajetos. Poderia ser testada a infl uência das cores sobre o comportamento das espécies de formigas através do uso de fi ltros de diferentes tonalidades.

Um dos principais objetivos do Espaço da Experimentação seria a possibili-dade de formulação de hipóteses, um tema caro à ciência. Através de abordagens in-terdisciplinares, com a montagem de experiências simples, partindo do cotidiano das pessoas no seu meio social, se despertariam a curiosidade e o interesse dos visitantes, e assim surgiriam novas possibilidades e ganhos cognitivos.

• Espaço Oswaldo Cruz

Para esse espaço, havia sido pensado o nome de “Escritório de Viagem no Tem-po e Laboratório Interativo de Oswaldo Cruz”. A intenção de se criar um Museu de Ciência tinha, como já relatado, o mesmo tempo de vida da instituição. Nos desenhos do patrono de Manguinhos para o Prédio Central, já se observa o espaço inicialmente reservado para esse fi m: um Museu de Anatomia Patológica. Com a morte de Oswaldo Cruz, sua sala de trabalho foi transformada em museu, que representou o embrião do resgate da memória que o Espaço Museu da Vida buscava realizar. Nas duas salas con-tíguas do segundo andar do Prédio Central, Oswaldo Cruz trabalhou entre 1909 e 1917. A primeira era a sala de direção, e a outra foi ocupada por seu laboratório.

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A ambiência da Sala de Oswaldo Cruz deveria sugerir uma viagem pelo tempo. Nela o visitante poderia se transferir para o passado, encontrando-se virtualmente com Oswaldo Cruz, podendo, inclusive, entrevistá-lo através do uso de tecnologias de informática que estabeleceriam a interatividade entre o visitante e o cientista. Um fi l-me de época, projetado no fundo da sala, iria insufl ar ao visitante o nítido sentimento de volta ao passado, possibilitando a associação da personalidade e do trabalho cien-tífi co de Oswaldo Cruz com os valores da sociedade brasileira de sua época. Esta sala e o laboratório anexo poderiam abrigar interfaces (JOHNSON, 2001) informatizadas, que iriam responder ao público sobre os mais diversos assuntos ligados à história da ciência e da Fiocruz. Haveria ainda o trabalho com a base científi ca de Oswaldo Cruz, através da tese do cientista21 para problematizar questões ligadas à teoria microbiana.

• Centro Interdisciplinar de Referência em Ensino de Ciência

O Centro Interdisciplinar de Referência em Ensino de Ciências se constituiria num local de atualização de professores, com uma maior ligação com o ensino formal. Com a dimensão projetada em sua concepção, previa uma proposta de intervenção junto a Secretaria Extraordinária de Educação do Rio de Janeiro e outros centros de ciência, nacionais e internacionais, a fi m de possibilitar experiências conjuntas e dis-cussões a partir da análise dos resultados obtidos em diversas partes do mundo.

Dentre outras propostas, havia a de se construir e operar um inventomóvel, que abrigaria uma exposição elaborada dentro das suas especifi cidades (visando deslocamentos, fl exibilidade, itinerância), e algumas atividades interdisciplinares de exploração sobre um tema científi co. O inventomóvel iria propiciar a expansão do museu científi co às escolas mais distantes, contribuindo para o efeito multiplicador a ser alcançado. O inventomóvel, como subprograma do Centro de Referência em Edu-cação para a Ciência, era um desdobramento natural do trabalho que já vinha sendo feito em municípios do interior do Brasil e do Estado do Rio de Janeiro. Em tempos mais recentes, essa ideia veio a se concretizar como o Ciência Móvel (ver adiante).

O Centro de Referência em Educação para a Ciência promoveria atividades como:

Promoção de cursos e palestras periódicas nas diferentes áreas das ciências e áreas afi ns, tanto de caráter teórico, quanto prático.

Realização de encontros com professores para debates sobre temas fundamen-tais da ciência e seu enfoque escolar, que já era uma tradição do trabalho de diversos setores da Fiocruz.

Realização de conferências periódicas sobre questões contemporâneas da ci-ência.

21 Cujo título é: A veiculação microbiana pelas águas.

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Criação de grupos de estudos e grupos de trabalho envolvendo professores, mestrandos e estagiários com vistas à produção de textos, jogos e materiais didáticos, além do planejamento de experiências, produção de material e ins-trumentos para laboratório.

Estímulo à criação de Clubes de Ciência e Cultura nas escolas como desdobra-mento do projeto pedagógico do museu e reforçando o efeito multiplicador da proposta então encaminhada.

O Centro de Educação para a Ciência iria investigar e promover diversas for-mas de valorização dos professores – cada vez mais desprestigiados socialmente – que poderiam participar das atividades do centro de diversas maneiras. A interação com pesquisadores, doutorandos, mestrandos, recém-graduados e licenciados seria primordial para o seu funcionamento, uma vez que a intenção era a de criar uma rede de interessados no aprimoramento do ensino de ciência.

Tudo isso reforçava a necessidade de se contar com os professores, instrumen-talizando-os para:

novas formas de perceber; novas formas de pensar; novas formas de comunicar.

• Videoteca de Ciências

Na videoteca de ciências os visitantes e usuários do museu teriam acesso a um acervo valioso de recursos audiovisuais nas áreas de difusão científi ca e alfabetização em ciências. Em tal ambiente, o acesso se faria tanto através de sessões para grupos previamente programadas, como parte integrante de circuitos educacionais, assim como mediante solicitações individuais. Estava prevista ainda a cessão de obras por empréstimo para professores, escolas e outras instituições, funcionando a videoteca como um centro de referência em sua área de atuação e de forma especialmente in-tegrada às atividades de reciclagem e atualização de docentes a serem desenvolvidas pelo museu. Através de computadores, os usuários teriam acesso direto tanto ao catá-logo informatizado da videoteca como aos dados referenciais das obras disponíveis nos acervos de outras instituições, ampliando-se assim sua capacidade de operar como cen-tro de referência e polo aglutinador de ações cooperativas interinstitucionais.

No seu inicio, a constituição do acervo da videoteca contaria com as obras já produzidas e os títulos adquiridos pelos diversos setores da instituição, especialmen-te pelo Centro de Informação Científi ca e Tecnológica e pela Casa de Oswaldo Cruz (na época, eram ambas unidades técnico-científi cas da Fiocruz). O eixo principal de constituição do acervo se completaria através do levantamento e avaliação para aqui-

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sição, uma vez aprovadas, de obras disponíveis no mercado videográfi co brasileiro e internacional. No que se refere à produção estrangeira, a videoteca estaria capacitada a formular um programa visando fornecer a tradução, e mesmo a adaptação para o público brasileiro, daquelas obras mais signifi cativas. Estavam previstas ainda linhas de acervo complementares, como a que contemplaria as produções cinematográfi cas mais representativas de fi cção científi ca, assim como aquelas cujas temáticas abor-dam a aventura e os dramas humanos envolvidos na produção do conhecimento cien-tífi co e em suas aplicações.

• Espaço lconográfi co

A Fundação Oswaldo Cruz congrega um conjunto de institutos e unidades técnico-científi cas cujas origens remontam ao início do século XX. Ao longo da sua trajetória, a instituição acumulou um estupendo acervo de imagens: registros foto-gráfi cos obtidos através de diferentes tecnologias, desde câmeras de grande formato e negativos de vidro até microfotografi as produzidas a partir da microscopia eletrônica e da digitalização de imagens; ilustrações e desenhos técnico-científi cos, plantas e projetos de edifi cações destinadas a fi ns científi cos, esquemas, cartazes de divulgação e charges alusivas a campanhas de saúde. No seu conjunto, esses registros represen-tam o mais importante acervo de imagens do país nas áreas de biologia, medicina e saúde coletiva. Inerentes ao trabalho de produção do conhecimento, a observação de fenômenos, a experimentação e a demonstração de resultados resultam muitas vezes na realização, em diversas formas, de registros iconográfi cos. Do mesmo modo, as iniciativas de difusão e divulgação do conhecimento científi co e de promoção de po-líticas sociais recorrem às imagens enquanto instrumentos privilegiados, se valendo desses registros. Recursos imagéticos são ainda utilizados pelos vários grupos sociais como parte integrante das formas com que interagem com a ciência e a tecnologia, a partir do momento em que estas interferem em seu cotidiano. Assim, as instituições de algum modo envolvidas em atividades de ciência e tecnologia produzem e acumu-lam acervos de imagens, que registram e ilustram não só os objetos, processos, proce-dimentos e resultados do trabalho científi co e os recursos utilizados na sua divulgação e difusão, como também os caminhos (muitas vezes cheios de obstáculos) de constru-ção e afi rmação da ciência e de suas agências como partes integrantes do processo so-cial. Por outro lado, transformando-se ao longo do tempo e a cada dia incorporando novos recursos, as técnicas e tecnologias utilizadas na produção iconográfi ca são, elas mesmas, expressão da maneira como, através das imagens, a ciência, a tecnologia, a estética, o simbólico e o cotidiano se entrelaçam de modo complexo.

O Espaço Iconográfi co contaria com local capaz de acomodar, dentro de um formato modular, mostras e pequenas exposições de imagens e recursos técnicos de produção. Sempre que possível, os módulos de exposição contemplariam atividades

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orientadas que, recorrendo a experimentos e jogos, possibilitariam aos visitantes tan-to o manejo de técnicas de produção de imagens, como exercícios de reconhecimento de conceitos básicos de ótica, ampliando a sua capacidade de interagir, de modo críti-co e criativo, com o mundo de luzes e sombras que a todo momento nos circunda.

• Mostras das Coleções Científi cas

Situadas no Pavilhão Mourisco, confi gurariam exposições temporárias e inte-rativas, baseadas no acervo das coleções científi cas da Fiocruz e de outras instituições de ciência. De acordo com a exposição, através de sonorização e projeções nas pare-des, seriam criados cenários, mostrando campos, fl orestas ou rios onde vivem insetos e outros animais (por exemplo, mariposas, vagalumes, besouros, caramujos, sapos, peixes). O espaço das coleções científi cas pretendia também ser um centro difusor de acervos científi cos de outras instituições. Com esse intuito, iria trazer para o Espaço Museu da Vida exposições representativas destes acervos, além de levar suas exposi-ções a outros centros do país.

A reserva técnica das Mostras das Coleções Científi cas teria o seu acervo ini-cialmente formado pelas diversas coleções mantidas pela Fiocruz e dentre elas pode-riam se destacar a Coleção Entomológica, que reunia na época cerca de 800 mil ar-trópodes (insetos e ácaros) e a maior coleção de fl ebotomíneos (mosquitos transmis-sores de leishmanioses) das Américas, com mais de 30 mil exemplares, assim como importantes insetários, entre os quais, o de triatomíneos, reunindo 26 espécies de barbeiros – a mais completa coleção da América Latina. Criada na década de 1920, a micoteca de Manguinhos era, na época da concepção do Espaço Museu da Vida, uma das mais completas no país, com 1.877 cepas de fungos nacionais e internacionais. Pela doação de suas amostras, foi possível a reconstituição da micoteca do Instituto Pasteur, destruída durante a II Guerra Mundial, e a formação da coleção micológica da Universidade Imperial de Sendai, no Japão, entre outras. Da mesma forma, a Co-leção Malacológica de Manguinhos ultrapassava quatro mil lotes de exemplares de moluscos (caramujos) de água doce.

• Espaços Passado e Presente

Museu HistóricoInstalado na Cavalariça (um dos prédios históricos tombados no campus de

Manguinhos), o Museu Histórico permitiria aos visitantes reconhecer as relações entre ciência e sociedade e a própria história das ciências e das técnicas, através de fi lmes, simulações de experiências, fotos e objetos, entre outros materiais, mediante o emprego de recursos da museografi a que estimulassem o público a interagir com os conteúdos e acervos nas exposições. As exposições, além de utilizarem recursos de in-

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teratividade com simulações de experiências e contato dos visitantes com os materiais expostos, seriam circunstanciadas com informações históricas, ajudando os usuários a situarem e entenderem a evolução da ciência e das tecnologias em suas ambiências sociais e de períodos históricos próprios. Utilizariam ainda recursos cenográfi cos com o intuito de estabelecer uma relação de envolvência afetiva, convidando os usuários a uma efetiva participação, contato e inserção virtual nas situações e conteúdos expos-tos. O Museu Histórico abordaria, entre outros temas, os vários segmentos da história das ciências e das técnicas, dos instrumentos de pesquisa científi ca, das doenças, das expedições científi cas e da Fiocruz. Dada a sua concepção dinâmica, o museu se va-leria intensamente das reservas técnicas e dos laboratórios e ofi cinas de apoio. Além disso, teria como característica a possibilidade de itinerância das exposições, permi-tindo que suas atividades chegassem a envolver um público maior.

Museu Comunitário da FiocruzNa visão de Hugues de Varine, os museus comunitários, integrando patrimô-

nio, território e comunidade, tornam-se capazes de adequar concretamente o domí-nio da cultura e a construção de indivíduos cidadãos, aptos a refl etir e atuar sobre o seu desenvolvimento. Trata-se de um instrumento concebido, construído e explorado conjuntamente por uma equipe técnica e uma população local. A participação da equipe técnica se dá através dos seus conhecimentos museológicos e museográfi cos e da catalisação de recursos existentes na comunidade. A participação da comunidade depende de suas aspirações coletivas, do seu repertório e da sua experiência histórica singular. As atividades, o perfi l comunitário de cientistas e tecnólogos da Fiocruz e as condições físicas do campus de Manguinhos eram fatores que favoreciam a elabora-ção de uma linha museológica com essa perspectiva conceitual. O Museu Comunitá-rio seria outra atividade prevista para ocorrer dentro do prédio da Cavalariça.

A Fiocruz constitui-se num espaço institucional ideal para a realização da convergência patrimônio-território-comunidade, dado o caráter de seus objetos na produção científi ca e seus objetivos na construção, na preservação e na socialização desse patrimônio. O campus, onde estão distribuídas diversas edifi cações que abri-gam os laboratórios, as unidades de produção de medicamentos e vacinas, os prédios históricos, as coleções científi cas e as bibliotecas científi cas, estende-se por uma área de 820.000 m2, situado às margens de uma das principais vias urbanas da cidade, a Avenida Brasil. No espaço dinâmico da Cavalariça, seriam organizadas exposições temporárias para instituir um diálogo direto, tanto entre os membros da comunidade Fiocruz como com outros segmentos da sociedade, valorizando uma linguagem capaz de refl etir sentidos e sentimentos relacionados ao fazer científi co da instituição. As exposições temporárias, organizadas dentro da lógica do museu, teriam como cura-dores os próprios cientistas dos laboratórios, responsáveis diretos pela produção

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científi ca da Fiocruz. Ali ocorreriam também as Feiras de Ciências de Estudantes, as exposições de empresas e de outras comunidades científi cas e acadêmicas, que con-tribuiriam diretamente com as temáticas ligadas à ciência, à tecnologia, aos instru-mentos e insumos da pesquisa científi ca. Enfi m, o Museu Comunitário iria reforçar, através de suas atividades, a identidade institucional e comunitária, estreitando as relações internas e externas com os objetivos de conhecimento, produção e ensino efetuados pela Fiocruz.

Reservas TécnicasA reserva técnica do Espaço Museu da Vida contaria com acervos bibliográfi -

cos, museológicos e arquivísticos, nas áreas de ciência básica, saúde pública e história da ciência. A biblioteca possuía na época um acervo especializado com mais de 10 mil itens, reunindo obras clássicas e de referência sobre ciências, biologia e medicina e material bibliográfi co recente nas áreas de história, sociologia e fi losofi a das ciências. Ela atendia às diversas linhas de pesquisa da Fiocruz, sendo uma das poucas existen-tes no país com especialização nas áreas anteriormente mencionadas. A Biblioteca de Obras Raras e História das Ciências, sediada no Pavilhão Mourisco, concentrava um acervo com aproximadamente cinco mil títulos, publicados entre os séculos XVII e XX.

O acervo museológico era constituído por documentos textuais, fotografi as, objetos de arte, mobiliário e aparelhos e instrumentos científi cos. Mereceria destaque o conjunto de itens do Instrumental Científi co, composto de microscópios, balan-ças, vidraria, teodolito e mesas de laboratório, dentre outros. As coleções científi cas da Fiocruz que integram esse acervo teriam seu potencial informativo explorado em diferentes atividades no âmbito do Espaço Museu da Vida. Dentre essas coleções destacavam-se, como já mencionado, as de Entomologia, a de Anatomia Patológica, a Coleção Malacológica, e a Coleção Bacteriológica.

O acervo arquivístico seria composto por documentação de diferentes suportes e origens. Nele poderiam ser encontrados acervos de cientistas e de outras institui-ções, além de um vasto arquivo de sons e imagens sobre a história de Manguinhos e da ciência no país.

O Espaço das Coleções Científi cas se constituiria também em um local para difusão e trabalho de educação científi ca, valorizando acervos da Fiocruz e de outras instituições científi cas. Cumpre ressaltar que as coleções científi cas já vinham sendo informatizadas, com recursos de multimídia.

• Ofi cinas e Laboratórios de Apoio à Criação

O Espaço Museu da Vida contaria com ofi cinas de apoio nas áreas de conser-vação, restauração, fotografi a, produção de instrumentos de experimentação e de montagem de exposições. Para a efetivação deste objetivo, seriam adaptadas algumas

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das instalações do complexo da Fiocruz. As ofi cinas e laboratórios deveriam aliar suas funções de apoio às atividades do museu ao objetivo de tornarem-se centros de refe-rência e difusão de conhecimentos nas suas respectivas áreas de ação.

Centro de Criação e Ofi cinas de Produção de Materiais para Experimentação e de Montagem de Exposições

Esta ofi cina teria por fi nalidade criar e produzir instrumentos e suportes para a realização de experiências, visando ao ensino de ciências baseado na experimentação. Trabalhando com a ideia de modelos de experimentação, os instrumentos e supor-tes possibilitariam isolar e controlar, para efeito de análise, as variáveis presentes na ocorrência dos fenômenos a serem observados, objetivando orientar o processo de aprendizado. O projeto estimularia ainda a iniciativa do estudante, colocando à sua disposição suportes e instrumentos que poderiam servir de base ao exercício da livre experimentação, da criatividade e da imaginação. Necessariamente, seriam consi-deradas, na elaboração de kits e outros instrumentos, as possibilidades de obtenção dos materiais neles empregados, o grau de complexidade das experiências propostas, os objetivos pedagógicos a serem atingidos e as possibilidades de reprodução desses suportes em escala seriada. A ofi cina atuaria também na elaboração e confecção de painéis, vitrines, suportes, estruturas e pedestais para a realização de exposições. O desenvolvimento destes produtos deveria levar em conta a segurança do acervo ex-posto e o caráter itinerante que eventualmente se pretendesse imprimir às mostras programadas pelo museu. Neste sentido, as peças projetadas deveriam ater-se às características de peso, volume e qualidade dos materiais a serem nelas empregados, bem como à praticidade e versatilidade no seu uso. Para a fabricação das peças defi -nidas pela equipe de criação, estava previsto o apoio de profi ssionais gabaritados e a aquisição de equipamentos das áreas de vidraria, marcenaria e serralheria.

Ofi cinas de Restauração e Conservação ArquitetônicaA ofi cina já se havia iniciado e pretendia ampliar a transferência de know-how

para outras instituições, a exemplo do que já vinha ocorrendo em relação ao conjunto arquitetônico tombado do Arquivo Nacional, no Rio de Janeiro. Nela eram confeccio-nados diversos tipos de ornamentos existentes no conjunto arquitetônico tombado de Manguinhos, então formado pelos seguintes edifícios: Pavilhão Mourisco, Pavilhão da Peste, Cavalariça, Pombal, Quinino e Hospital Evandro Chagas. Para a confecção dos ornamentos em cimento e areia, os artesãos trabalham com formas de cimento, gesso, madeira, poliéster e fi berglass. Nesta atividade, leva-se em consideração a composição das argamassas antigas e para isso são feitas análises granulométricas e de reconstituição de traços originais em laboratórios especializados. A ofi cina de restauração arquitetônica é dotada de espaços para confecção de formas, cura e des-

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forma dos novos ornamentos. Possui também espaços de apoio para que os artesãos possam trabalhar na manutenção e na conservação do conjunto arquitetônico tom-bado de Manguinhos. Seguindo o exemplo das demais ofi cinas, este espaço também estaria aberto à capacitação técnica de profi ssionais e à realização de visitas públicas monitoradas.

Ofi cina de Conservação e Restauração de DocumentosCom a fi nalidade de apoiar o museu na preservação dos acervos arquivísticos e

bibliográfi cos que constituiriam parte de sua reserva técnica, a ofi cina se responsabi-lizaria também pelo material exposto, de modo a garantir que este não fosse danifi ca-do no decorrer das sucessivas mostras a serem realizadas no museu.

Dividida em três setores (Preservação, Encadernação e Restauração), tal ofi cina contaria com o auxílio de diversos laboratórios da Fiocruz no que diz res-peito à realização de testes e de análises de compensação e de comportamento de materiais. Caberia ao setor de preservação, além do estabelecimento das rotinas de higienização, acondicionamento e armazenagem dos documentos, traçar a política de conservação dos acervos do museu, divulgada por meio de atos normativos, ma-nuais técnicos e de programação visual dos espaços destinados às mostras. A nor-matização de procedimentos deveria atingir as esferas de produção, uso, guarda e aquisição de materiais, de modo a abarcar o amplo espectro de condicionantes que envolvem a adequada conservação daqueles registros. O setor de encadernação se responsabilizaria pela realização de reparos e pela confecção de encadernações de proteção para livros, periódicos e documentos. No laboratório de restauração se-riam realizados desde pequenos reparos até a restauração completa dos documen-tos para ali encaminhados. No campo da capacitação e da difusão de conhecimen-tos, estava prevista a realização de ciclos diferenciados de treinamento, com o duplo objetivo de, por um lado, reciclar e formar técnicos habilitados a atuar nesta área e, por outro, orientar um público mais amplo sobre os procedimentos adequados de uso, acumulação e conservação dos registros.

Laboratório de Fotografi aCriado para dar suporte a atividades do museu, este laboratório iria se voltar

para a preservação e reconstituição das imagens que compõem o seu acervo icono-gráfi co. Nele seriam realizadas ampliações de longa permanência, duplicação de fo-tografi as e negativos para arquivo de segurança, geração de negativos de base fl exível a partir de negativos de vidro e de ampliações não convencionais. Equipado para trabalhar com fi lmes preto e branco de diversos formatos, o laboratório realizaria ainda serviços de reportagens, de ampliações para exposições, para atendimento de usuários do museu e para publicações. Estava prevista a implantação de um setor de

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ampliação colorida para formatos de até 50 x 60 cm, o que permitiria a execução de reproduções com alto padrão de qualidade, destinadas às exposições e publicações. Nunca é demais mencionar que, com a evolução da fotografi a digital, todo esse pla-nejamento teria que ser reconsiderado, absorvendo os avanços tecnológicos logrados nesse campo.

• Núcleo de Difusão Científi ca

O Núcleo de Difusão Científi ca iria propor, acompanhar e avaliar as atividades de divulgação científi ca desenvolvidas nos diversos espaços do museu, defi nindo uma política coerente para nortear essas atividades. Em termos de política institucional, deveria estimular o intercâmbio de experiências entre as várias instituições de pes-quisa do país e do mundo, visando criar um ambiente dinâmico de divulgação da ci-ência e da tecnologia, aproximando a comunidade científi ca do público em geral, bem como incentivando o intercâmbio e o debate de ideias entre as várias sociedades cien-tífi cas das áreas afi ns. Deveria, também, estimular a refl exão crítica e interdisciplinar sobre temas como fi losofi a da ciência, história da ciência, ciência e criação, ciência e arte, dentre outros. Iria acompanhar ainda temas de política científi ca relevantes para o estado e/ou país, possibilitando a transformação do museu num centro de referên-cia para a refl exão e o debate das diversas questões ligadas à ciência e à tecnologia.

O núcleo teria como metas prioritárias propagar e difundir o trabalho cotidia-no dos laboratórios de pesquisas científi cas na Fiocruz, em outras instituições cientí-fi cas no Brasil, e mesmo no mundo, numa linguagem acessível, atraente e instigante para o público leigo. Ele iria supervisionar as atividades de divulgação de todos os espaços do Museu da Vida, propondo ações a serem realizadas com a participação efetiva dos profi ssionais de várias unidades e setores afi ns da Fiocruz (Coordenadoria de Comunicação Social, Multimeios e Núcleo de Produção de Vídeos da Superinten-dência de Informação Científi ca e Tecnológica, Núcleo de Vídeo da Casa de Oswaldo Cruz, Editora e Gráfi ca da Fiocruz, para citar alguns), articulando e acionando-os nos processos de editoração, produção e disseminação dos materiais de difusão científi ca do museu.

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Figura 21: Estudo inicial de circuito para a proposta de implantação do Espaço Museu da Vida (Fonte: acervo do MV).

Outros espaços

O Espaço Museu da Vida previa ainda a implantação de mais alguns espaços que seriam negociados visando à obtenção de outras fontes de fi nanciamento, que acabaram por não se concretizar. Eram eles:

• Observatório Microcósmico

Estava prevista uma construção em forma de semiesfera, contendo um auditó-rio de 200 lugares e tela na forma de segmento esférico, para permitir aos usuários a sensação de navegação pelas imagens. Suas poltronas seriam envolventes e confortá-veis, com graus de inclinação variáveis. Os sistemas de som e acústica seriam dimen-sionados para aumentar o impacto psicológico das imagens, acentuando a sensação de imersão do espectador. Os fi lmes e vídeos apresentariam temas relativos ao micro-mundo biológico – seres ou partes de seres não observáveis a olho nu: microartrópo-des, protozoários, fungos, bactérias, vírus, células, estruturas celulares.

Na parte inferior do prédio haveria corredores com paredes espelhadas, ofere-cendo aos usuários diferentes alterações de imagens, permitindo-lhes uma interativi-dade com a capacidade física do vidro de modifi car as formas, que ora diminuem, ora aumentam, ora deformam ou fi cam nítidas. Ali se iniciaria o processo de pensar sobre os instrumentos que ampliam a nossa capacidade de ver e desvendar os mundos, seja o macrouniverso das galáxias, estrelas, planetas, seja o micromundo, escondido nas entranhas dos seres vivos ou no próprio ambiente.

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O local abrigaria, ainda, lupas e microscópios dos mais antigos e simples aos mais modernos e potentes, possibilitando aos usuários a observação desses mundos. Haveria também computadores com programas multimídia interativos e com in-terface (JOHNSON, 2001) amigável, possibilitando aos visitantes acesso a registros fotográfi cos do microcosmo, em particular na área da saúde (por exemplo, agentes patogênicos como protozoários, fungos, bactérias, vírus, células, moléculas, arranjos de substâncias químicas). Tais computadores deveriam conter, ainda, informações para permitir ao usuário contextualizar historicamente a evolução da microscopia e da microbiologia, além de informações gerais e catálogos multimídia das coleções científi cas de microrganismos da Fiocruz.

• Minifábrica de Vacinas

Seria instalada em um prédio construído em arquitetura high-tech, buscando associar sua forma interior com o desenvolvimento de tecnologias de ponta, empre-gadas na produção de vacinas. Teria em uma de suas alas um anfi teatro, ao estilo de uma sala de observação de cirurgias. Lá os usuários poderiam assistir simulações, no ambiente de um laboratório, de algumas fases da produção de determinadas vacinas.

Esse anfi teatro também serviria para a projeção de vídeos sobre questões rela-cionadas a vacinas, epidemiologia e imunologia. O prédio abrigaria ainda uma sala de experimentação, na qual os usuários só poderiam entrar vestidos de forma adequada, de modo a vivenciar e perceber a importância dos cuidados com os riscos de contami-nação, tanto dos técnicos quanto do material ou produto envolvidos neste processo de produção. Nesta sala os visitantes poderiam observar e de algum modo se envolver na realização de algumas experiências.

O local, da mesma forma que em outros ambientes descritos, contaria com sala de computadores interativos com interface (JOHNSON, 2001) amigável para os usuários, dando acesso a dados epidemiológicos de algumas doenças, projeções sobre a capacidade preventiva das vacinas, integrando conhecimentos de diversas áreas científi cas. Neles estariam armazenadas informações de natureza histórica sobre a evolução das vacinas e outros dados que permitissem contextualizar e referenciar sua produção sob os pontos de vista histórico, contemporâneo e quanto às projeções para o futuro.

• Biotério Ambiental

Neste prédio circular, os visitantes iriam conhecer os animais transmissores de doenças ou utilizados como cobaias para pesquisas na Fiocruz. Com recursos ce-nográfi cos, seriam recriados os habitats originais e os locais para onde migram, indi-cando os riscos para a saúde humana. Por exemplo, réplicas do barbeiro seriam colo-

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cadas em palmeiras, seu ambiente original, e em casas de pau a pique (“cafuas”), para onde migram, fi cando próximos do homem. Enriquecendo as informações, seriam associados desenhos esquemáticos, diagramas, fotos, cenários e outros recursos de ordem expositiva. Diversos tipos de mosquitos, caramujos e outros animais transmis-sores de doenças estariam representados.

Quanto aos animais usados como cobaias, o biotério incluiria espécimes vivos, mantidos para a função exclusiva de demonstração, em viveiros adequados para ob-servação. Estes animais estariam associados a fotografi as e outros recursos visuais e imagéticos, de modo a revelar a maneira como são utilizados nas experiências, os processos a que são submetidos e os cuidados com a sua criação.

• Jardim de Plantas Medicinais

Um prédio circular com cúpula transparente abrigaria uma estufa para o cul-tivo de ervas medicinais. Em anexo, haveria uma sala para a representação virtual de técnicas de extração de princípios ativos e demonstração das formas de se extrair essências de algumas plantas. Seriam apresentados desde os processos e equipamen-tos mais antigos até os mais modernos. No mesmo local, fi caria o herbário onde os visitantes poderiam ter contato com técnicas de plantio e conservação dos vegetais, participando, se o desejassem, dessas atividades. Este espaço incluiria, ainda, uma sala de experimentação, com demonstração científi ca de alguns processos relativos à vida vegetal. Contaria ainda com uma sala multimídia, com animações a respeito da reprodução de algumas plantas, seu crescimento e inserção no ambiente natural, além de informações sobre o patrimônio genético de ecossistemas de países tropicais e recursos da natureza no campo da saúde.

• Minifábrica de Medicamentos

O espaço destinado ao funcionamento da Minifábrica de Medicamentos se si-tuaria próximo ao Jardim de Plantas Medicinais, de forma a haver uma cooperação para fornecimento de matéria-prima para fabricação dos medicamentos. O seu obje-tivo principal seria proporcionar aos visitantes uma demonstração participativa dos processos envolvidos na fabricação de medicamentos.

Quando se pensa no aproveitamento dos vegetais com fi nalidade terapêuti-ca, são necessárias algumas considerações que envolvem o controle de qualidade do produto fi nal, tais como controle do cultivo da matéria-prima (as plantas), condições adequadas de armazenamento e padronização do produto, através da análise do con-teúdo ativo das plantas. No prédio seria instalada uma linha de produção para o pre-paro de medicamentos. Os visitantes poderiam circular livremente e eventualmente participar de alguma etapa de fabricação. Cada uma das linhas de produção seria

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montada em bancadas individuais, permitindo uma visão sequencial de todo o pro-cesso de produção.

• Minilaboratório de Análise de Qualidade

O Minilaboratório de Análise de Qualidade seria instalado em prédio também com estilo high-tech. Ele estimularia nos usuários a observação crítica com relação aos produtos oferecidos no mercado consumidor, tornando-se um espaço de des-mistifi cação de produtos e tecnologias. Nesse ambiente seriam apresentados aos visitantes os recursos desenvolvidos pelas tecnologias de ponta para a avaliação e controle da qualidade de produtos consumidos cotidianamente. Os usuários seriam convidados a refl etir sobre a importância das técnicas e das ciências no controle da qualidade de produtos que utiliza no seu dia a dia, tomando consciência da impor-tância dos valores de qualidade. Haveria ainda uma sala de experimentação, na qual seria estimulado, com o auxílio de instrumentos, o teste da qualidade de diversos pro-dutos presentes no universo cotidiano, como brinquedos, guloseimas e similares. No processo de demonstração do controle de qualidade, os visitantes poderiam solicitar esclarecimentos sobre como proceder na avaliação da qualidade daquilo que compram e consomem e indagar a respeito das experiências vivenciadas.

• Espaço Água Viva

Próxima ao prédio da Escola Politécnica22 funciona uma estação-piloto de tra-tamento de efl uentes líquidos, pela qual passa parte do volume de águas servidas da comunidade vizinha ao campus da Fiocruz. Na referida estação, a cargo do Departa-mento de Engenharia Sanitária da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp), unidade da Fiocruz, além do sistema convencional de decantação, aeração e processamento dos efl uentes, funciona um sistema alternativo cuja patente pertence a pesquisador do próprio departamento. Sua efi cácia e baixo custo já estão comprovados, assegu-rando, inclusive, bons resultados no caso da prevenção de doenças infectocontagiosas como a cólera. Esta estação, devidamente adaptada pela construção de um sistema adequado de circulação e recintos para atividades didáticas e demonstração de roti-nas laboratoriais, constituiria um dos setores a serem abertos à visitação pública, ten-do em vista seu grande interesse para a educação sanitária. O Departamento de Enge-nharia Sanitária da ENSP, através de seus pesquisadores e funcionários, vem sempre adotando uma política de educar para sanear, mobilizando esforços em programas de ação comunitária e recebendo, em suas instalações, professores e alunos interessados em conhecer os problemas do tratamento de esgotos e das análises elementares de qualidade em potabilidade de água. Desse modo, apoiou a inclusão da estação-piloto no Museu Interativo, já que isto possibilitaria a ampliação e organização dessa ati-

22 Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV)

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vidade didática e disseminadora de informação, que já vinha sendo desenvolvida há longo tempo na Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz.

5.3 Desdobramentos: o Museu da Vida

Uma exposição que se tornou um marco e teve grande importância na con-ceituação do novo museu foi a exposição Vida. Elaborada na primeira metade dos anos 1990 e apresentada no Centro Cultural dos Correios em 1995, a exposição serviu como balão de ensaio, laboratório e prototipagem para projetos de museus interati-vos, em especial o do Espaço Museu da Vida. Tendo nascido como uma homenagem ao centenário da morte de Louis Pasteur (1822-1895), com uma proposta generosa e instigante, o seu catálogo de apresentação citava Carlos Drummond de Andrade: “se procurar bem, você acaba encontrando não a explicação (duvidosa) da vida, mas a poesia (inexplicável) da vida”. Com seus aspectos históricos, Vida procurava apre-sentar uma visão atualizada da ciência, aberta e entranhada nos processos sociais e culturais. Originalmente concebida como uma exposição itinerante, convidava os vi-sitantes a uma viagem através das teorias, concepções e controvérsias que marcaram a construção do conhecimento dos fenômenos vitais, em especial a questão da origem da vida em nosso planeta. Embora priorizando o conhecimento científi co, buscou não perder de vista sua natureza humana e, por conseguinte, social.

Sabe-se que, desde suas origens, a ciência moderna esteve intimamente ligada às transformações econômicas, sociais, políticas e culturais que marcaram a história do mundo ocidental. A exposição Vida não deixou de, nas suas inovações e propostas, reconhecer essa faceta tão relevante. Ainda não se pode deixar de mencionar que, além de prototípica para a constituição do próprio Espaço Museu da Vida, ela teve pa-pel relevante na concepção de uma das suas exposições de longa duração, a Biodesco-berta. Inclusive, alguns dos profi ssionais que estiveram envolvidos na elaboração da exposição Vida voltaram a trabalhar juntos na concepção, desenvolvimento e implan-tação da Biodescoberta. Trechos da entrevista concedida pela bióloga Marta Fabíola Mayrink nos auxiliam a descrever o que ocorreu: “(...) Posso dizer que a exposição Vida foi um grande aprendizado sobre produzir atividades, gestar o evento, preparar o evento - pois, demandamos em fazer eventos com professores que trariam suas es-colas para lá -, fazer seleção e treinamento da monitoria - fazer perfi l sobre isto”.

Ela, que integrou a equipe que se dedicou à concepção da Biodescoberta na Cavalariça, em outro trecho da sua entrevista nos informa que, nos primórdios “(...) o prédio da Cavalariça estava à disposição que havia sido recém reformado, começou com a parte administrativa, depois foi cedida uma área no Castelo ocupada pela co-municação social da época com algumas salas. Conforme foram abrigando pessoas que precisavam de espaço físico foram agregando essas áreas. Acredito que foi no fi nal de 95/96 que veio o contêiner, e ele fi cou 10 anos conosco, e aí as pessoas se

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mudaram para o contêiner. A área física era o prédio Cavalariça, o espaço físico era a terra do parque e trilhas que eram áreas externas. O Centro de Recepção também es-tava sendo idealizado, mas só havia o terreno; ou seja, como prédio concreto era só a Cavalariça. E, também, a tenda do Rio 92 que era só uma lona, que hoje é o teatro que nós temos”.

O nome, já em 1996, mudou de Espaço Museu da Vida para apenas Museu da Vida (MV). O projeto grandioso, contido no Livro azul e que foi (em linhas gerais) anteriormente descrito, não pôde ser implementado em sua totalidade devido a di-versas circunstâncias, inclusive algumas de natureza orçamentária. Na realidade, a execução do projeto encontrou barreiras de difícil superação, como a ocupação do terreno para a construção do complexo projetado pelo escritório do arquiteto Os-car Niemeyer (1907-2012), que incluía uma passarela para carros e pedestres sobre a avenida Brasil, conectando o campus principal da Fiocruz com sua expansão (ver ilustrações a seguir). Novamente recorremos aqui ao historiador Pedro Paulo, que em alguns trechos de sua entrevista situa bem a questão: “(...) o Museu da Vida no seu projeto mais ambicioso previa dois circuitos. O básico, que é o museu real, o que exis-te hoje e é formado pelos espaços que já falamos e que estava voltado para receber um público menor, controlado, escolar, com atividades voltadas para os professores, preparação prévia das visitas aos espaços, algum alinhamento entre currículo e visita ao museu. Esse é o museu que, de fato, vingou. O outro museu, o complexo de difusão científi ca, uma bela obra do Niemeyer para um complexo a ser construído (...) Com grandes exposições temporárias. Com uma capacidade de recebimento de público na casa dos milhares. Não vingou. E esse, talvez, voltado para a sociedade de um modo geral. Para atrair todas as faixas de público. Acho que na medida em que essa segun-da perna do projeto do museu não foi viável, aquela que foi já vinha com essa marca forte de ter essa pegada escolar, de ter essa relação forte com a escola, com os profes-sores, e portanto, desde o início, esse é o forte do público do Museu da Vida. Público escolar, do segundo grau, escolas públicas e privadas da cidade do Rio de Janeiro, do entorno do município, de outros municípios e às vezes até de outros estados. Mas é basicamente o escolar”. Em outra passagem, ele faz ainda outra afi rmação importan-te, que nos auxilia a entender melhor a magnitude do MV, uma vez ele implantado (...) O museu pode ser considerado de médio a grande porte, se levar em consideração recursos alocados anualmente e o número de pessoal direta e indiretamente utilizado a serviço dos processos, das atividades”.

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Figura 22: Complexo de Difusão Cultural e Científi ca, que iria abrigar espaços adicionais do MV (Fonte: acervo do MV).

Em termos práticos, portanto, na inauguração ofi cial do MV, em 1999, concre-tizaram-se apenas algumas das propostas contidas no Livro azul.

A Cavalariça, local do antigo Museu Histórico, passou a abrigar a Biodesco-berta, exposição dedicada ao conhecimento científi co sobre a vida, que perdurou até 2013.

O Parque da Ciência (1999-presente), dedicado aos temas Energia, Comu-nicação e Organização da Vida (sendo a comunicação entendida como resultado de processos de transformação e interação da energia e responsável pela organização da vida), não estava previsto no projeto, mas incorporou diversas ideias do mesmo. Consta de uma área aberta (ver imagens abaixo), com equipamentos lúdicos e inte-rativos, e uma área anexa coberta, a Pirâmide, que abriga alguns outros dispositivos, jogos, kits, móbiles, painéis expositivos (ver a seguir).

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Figura 23: Vistas do Parque da Ciência – geral e detalhe de um dos equipamentos instalados (Fonte: acervo do MV).

Figura 24: Interior da Pirâmide do Parque da Ciência (Fonte: acervo do MV).

O Ciência em Cena (1999-presente) concretizou-se de modo bem próximo ao proposto no projeto, voltando-se para a realização de atividades lúdico-pedagógi-cas, em especial peças teatrais dentro da tenda, ofi cinas de produção de vídeo e labo-ratórios educativos, sensibilizando o visitante sobre processos da percepção humana. Além da tenda em si, foi construído um anexo subterrâneo, com um pequeno anfi -teatro e algumas salas para exposições e administração. O entorno da tenda recebeu alguns equipamentos lúdicos, já em desuso, e um projeto paisagístico que pode ser visualizado na imagem a seguir. Posteriormente, o espaço foi rebatizado e desmem-brado em Tenda da Ciência e Epidaurinho. Mais recentemente, um borboletário foi construído nas imediações da tenda.

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Figura 25: A tenda do Ciência em Cena (Fonte: acervo do MV).

O Centro de Recepção (1999-presente) e o Trenzinho da Ciência, que começou a operar algum tempo depois da inauguração (ver imagens a seguir), da mesma forma, respeitaram bem de perto aquilo que estava previsto no Livro azul. Enquanto o Centro recepciona os visitantes e faz o papel de estação do Trenzinho, este leva o público para um passeio pelos espaços do MV e os prédios históricos da Fiocruz, em um circuito específi co do campus de Manguinhos.

Figura 26: Centro de recepção e Trenzinho (Fonte: acervo do MV).

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Mais recentemente, foram criadas duas exposições no Pavilhão Mourisco: Passado e Presente – Ciência, Saúde e Vida Pública (2008-presente), abordando a vida e obra de Carlos Chagas e Oswaldo Cruz (ver fi gura a seguir), com característi-cas históricas bem defi nidas; e A entomologia de Costa Lima e Biodiversidade Entomológica (2008-presente), com o propósito de divulgação científi ca, expondo cole ções relevantes da Fiocruz. Essas exposições também se basearam no que estava proposto no projeto inicial, embora de modo bastante contido.

Figura 27: Exposição Passado e Presente, no Castelo Mourisco (Fonte: acervo do MV).

Outro desdobramento da criação do MV foi o projeto do Ciência Móvel, res-gatando o conceito inicial de “inventomóvel”, como mencionado anteriormente. Com vistas a levar a cultura científi ca a outros estados e municípios, o Museu da Vida con-correu e se capacitou em um edital da Academia Brasileira de Ciências (ABC), com recursos do Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT), repassados através de convê-nio. Intitulado como “Vida e Saúde para Todos”, foi um dos nove projetos vencedores, entre 48 concorrentes de todo o Brasil. Ele se confi gurou como um museu itinerante que visava ampliar o movimento de divulgação da ciência para outros municípios da região Sudeste. Em termos concretos, a sua implementação se deu em um caminhão com 13,5 metros de extensão, que se transforma em um moderno auditório multimí-dia e transporta experimentos científi cos e kits educativos nas suas viagens. Algum tempo após a inauguração do MV, em meados dos anos 2000, o Ciência Móvel come-çou a operar regularmente (ver imagens a seguir).

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Figura 28: O Ciência Móvel (Fonte: acervo do MV).

Em adição, havia os espaços ditos “transversais”, de apoio aos espaços de visi-tação: o Centro de Educação e o Centro de Criação. Ambos procuraram manter em linhas gerais o que havia sido proposto no projeto original para as áreas equiva-lentes, o Centro Interdisciplinar de Referência em Ensino de Ciências e o das Ofi cinas e Laboratórios de Apoio à Criação. Outro espaço, a ser implantado em local histórico tombado, o Pombal (antigo Biotério de Manguinhos), não chegou a ser efetivado, em-bora tenham sido feitas diversas tentativas ao longo do tempo.

Já o Núcleo de Difusão Científi ca se transmutou, na prática do MV, em dois segmentos: o Núcleo de Estudos de Público e de Avaliação em Museus (Nepam) e o Núcleo de Estudos de Divulgação Científi ca (NEDC). Ambos lograram até o momento algum êxito em relação às propostas do projeto original, como as iniciativas voltadas para a divulgação da ciência e tecnologia, buscando aproximar a comunidade cien-tífi ca do público em geral, e o incentivo ao intercâmbio e o debate de ideias entre as várias sociedades científi cas das áreas afi ns, assim como o estímulo à refl exão crítica e interdisciplinar sobre temas como fi losofi a e história da ciência, ciência e criação, ci-ência e arte, dentre outros. Trouxeram ainda bons resultados na pesquisa de público, estudos de divulgação institucional e de comunicação do MV, observatório de museus e centros de ciências, assim como produção de artigos e monografi as, organização de eventos e capacitação profi ssional.Importante mencionar a criação da Sede do MV, a partir da reforma de antigas instalações que abrigavam ofi cinas de marcenaria e serralheria da Prefeitura do campus de Manguinhos. O local abrigou a Coordenação Geral, o Centro de Educação, o Centro de Criação (com pequena ofi cina anexa), o Ne-pam e o NEDC, a Biblioteca, assim como um salão para exposições temporárias pró-prias e de terceiros.

Os projetos relacionados ao Observatório Microcósmico, à Minifábrica de Vacinas, ao Biotério Ambiental, ao Jardim de Plantas Medicinais, à Minifábrica de Medicamentos e ao Minilaboratório de Análise de Qualidade em Saúde não foram im-plantados devido aos problemas já apontados.

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O MV se confi gurou como um espaço híbrido, congregando aspectos de natu-reza mais tradicional dos museus histórico-científi cos com outros, que caracteriza-riam os science centers, cuja referência maior é o Exploratorium de São Francisco (EUA), a exemplo do Ciência Viva do Rio de Janeiro. Uma das exposições permanen-tes do MV que causou grande impacto na época de sua inauguração foi a Biodesco-berta.

5.4 A Biodescoberta

Com uma proposta inovadora, ocupando um dos prédios do complexo histó-rico do campus de Manguinhos, a Cavalariça, a Biodescoberta se constituiu na pri-meira exposição de longa duração efetivamente inaugurada (maio de 1999) dentro do MV. Curioso notar que essa exposição, embora não estando descrita no chamado Livro azul, representou uma síntese de alguns dos espaços previstos naquele proje-to original.

Figura 29: O prédio da Cavalariça, dentro do campus da Fiocruz (Fonte: acervo do MV).

A já citada exposição Vida, que ocorreu em 1995, no espaço do Centro Cultural dos Correios, focava na origem da vida e na integração ciência e cultura e se tornou uma das fontes inspiradoras básicas da Biodescoberta. Novamente inserimos aqui trecho da entrevista com a bióloga Fabíola, apontando que “(...) A gente conjugou duas coisas, (...) Havia o espaço de experimentação em biologia e havia um espaço de animais, de plan-tas e tal, então, a gente pinçou coisas das duas áreas visando uma integração, já que as propostas não iriam acontecer compartimentadas conforme estava no Livro (Azul), pois haviam ideias que demandavam áreas físicas construídas ou não. Observamos que algu-mas coisas não iam acontecer, mas que seriam interessantes se fi cassem juntas. Obvia-

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mente, nós buscamos também experiências que tivemos com a exposição Vida”. Muitos dos profi ssionais envolvidos na exposição Vida estiveram também participando na for-mulação e implantação da Biodescoberta. A equipe, consoante com as novas tendências que estavam emergindo, se constituiu como um time interdisciplinar, formado por pes-quisadores, educadores; e mais tarde museólogos, arquitetos e designers. Cumpre aqui mencionar que essas “novas tendências” se encontram bem descritas no trecho a seguir, extraído do trabalho de M. Cury, quando alerta que

A transformação do museu autocrático, com suas exposições de enfoque taxonômico, e o museu comunicativo teve no seu bojo uma transformação na forma de se traba-lhar: na primeira situação as exposições são concebidas por uma pessoa (ou centrali-zada em poucas pessoas) e eram contemplativas. Essas exposições eram organizadas com base na apresentação das estruturas classifi catórias das coleções. Eram expo-sições herméticas, pois somente pesquisadores eram capazes de perceber e compre-ender essas estruturas classifi catórias, provocando uma atitude passiva no visitante comum. Na segunda as exposições são concebidas por equipes para serem compreen-didas e provocarem uma atitude ativa no visitante. A equipe é formada para responder às indagações: como as pessoas aprendem, o quê e como estamos ensinando e, ainda, quais são as melhores estratégias expográfi cas de comunicação (CURY, 2005, p. 37).

Ou seja, a referida transformação do museu autocrático para um comunicativo encontrou expressão na concepção e implantação da Biodescoberta, que buscou, des-de o princípio, estimular a atitude ativa do visitante.

Retomando a discussão proposta por Davallon, temos tipicamente a tentativa de transposição de um discurso a outro. Em sua entrevista, Pedro Paulo contribui com um trecho importante nesse sentido: “(...) Mas o fato de não haver uma deno-minação de curadoria não quer dizer que não haja um grupo de pessoas que trabalhe para isto. Fico pensando nos próprios grupos que coordenaram, desenvolveram e im-plantaram nossas exposições de longa duração. Você pode não ter um curador na ex-posição da Biodescoberta ou no Parque da Ciência, mas se você olhar para nossos co-legas que estavam lá na exposição no tempo envolvido, é possível identifi cá-los como um grupo curador. Eles atuaram dessa maneira. Luiz, Carla e mais aquelas pessoas que eram os consultores que entravam pontualmente para trazer informações, dados, imagens, objetos sobre os módulos, as sessões, etc. Penso que se olharmos com mais afi nco podemos vê-los como um grupo curador”.

A Biodescoberta, no seu início, posicionou um desafi o à equipe: a defi nição do seu conceito ou tema fundamental. A esse respeito, um trecho da entrevista da bióloga Fabíola é revelador: “(...) em 96 já havíamos decidido que o tema maior seria biodiversidade e os temas transversais seriam história e saúde”. Algum tempo antes, em 1994, os integrantes da equipe (para a concepção inicial da Biodescoberta) se de-dicaram a visitar museus através da internet – na época, algo difícil e que consumia muito tempo, tendo em vista os recursos de informática que eram disponíveis e a novidade da própria WWW. De qualquer modo, foi uma experiência enriquecedora, que trouxe à tona diversas questões. A temática em si envolvia um contexto interdis-

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ciplinar, com discussões de época, debates e interrogações que ressaltaram a impor-tância de se trazer o aspecto sócio-histórico para ser integrado à exposição. Um ponto importante dizia respeito à questão das diferentes linguagens e à defi nição de qual linguagem a ser utilizada e para qual público. Sabe-se que, como visto anteriormente, uma das ferramentas para se trabalhar a linguagem é a semiótica. Na linguagem expositiva, dá-se necessariamente a presença do imaginário. Ao olhar ima-gens, as pessoas encontram signos e se reportam a códigos, e a exposição, enquanto produto ou objeto cultural, possibilita, por um lado, uma leitura mais imediata, na qual emerge o aspecto denotativo (semântico – por exemplo, o texto científi co e/ou técnico em si), mas também, com certeza, uma leitura por metáforas, de natureza co-notativa23.

Para o grupo envolvido nas origens da Biodescoberta, na sua elaboração, a te-mática e seus desdobramentos resultaram em conceitos como as ilhas de interativida-de e a presença do objeto vivo (animais). Entrementes, deu-se um longo processo de concepção, desenvolvimento e produção até que a exposição pudesse ser inaugurada.

O testemunho da bióloga Marta Fabíola, integrante da equipe que concebeu a exposição, reforça essa questão: “(...) eu me lembro do Luiz falando, em Maio de 95, que nós iríamos inaugurá-la em 96. Nós não tínhamos o contêiner na época, então se criou uma expectativa com a desocupação física administrativa que havia na Cavalari-ça. Com a mudança para o contêiner liberou a Cavalariça, logo pensamos em ocupar e construir a exposição. Como eu estava já vendo a velocidade do andamento das coisas desde 94 eu pensei: “só se for um estacionamento de cavalos” (...). Quando nós nos mudamos para o contêiner, todo mundo colocou na porta quais eram seus projetos, enquanto eu coloquei um cartazinho escrito: “Breve inauguração do estacionamento de cavalos” (...). Eu não via a condição de fazer uma instalação, até mesmo como foi a exposição Vida, em um lugar maior com produtos e tudo o mais, não conseguia ver isso acontecendo na Cavalariça no período de um ano e pouco (...) Nós estivemos com ela pronta em 98, sendo que tivemos que adiar a inauguração, pois houve uma grande chuva que inundou a Cavalariça”.

23 O âmbito propriamente estético, metafórico e subjetivo; como aquele que se experi-menta na leitura de poesias de Fernando Pessoa.

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Figura 30. Estudos para a Biodescoberta (Fonte: acervo do MV).

Os centros de ciências privilegiavam (e ainda privilegiam) as ciências duras (fí-sica, química, matemática), e a saúde trazia (e ainda traz) novas perspectivas, como, por exemplo, a relação com o meio ambiente, coisa que facilita uma aproximação com temas do cotidiano dos visitantes. O Painel da Mata Atlântica (ver fi gura a seguir) – degradada de um lado, preservada de outro – oferecia, dentro de uma linguagem visual, essa aproximação que cativa e estimula a imaginação do visitante. Assim, os visitantes eram levados a admirar, observar, descobrir, questionar, experimentar, no percurso da visita.

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Figura 31. Parte do Painel da Mata Atlântica (fonte: acervo do MV)

A bióloga Fabíola nos explica, em outro trecho da sua entrevista: “(...) Um pai-nel é a Mata Atlântica toda feita em escala, com seus animais característicos. Cada animal está ao lado de sua planta característica. Temos o hipertexto que fala sobre cada espécie. Nesse hipertexto está incluída a reprodução da imagem do painel e fala sobre cada espécie da Mata. Você clica em um quadrante e ali fala sobre cada animal e planta que há no quadrante clicado. O outro painel é o da Mata Atlântica ocupada pelo homem, onde há rio poluído, uma fazenda desmatada por fogo, uma área de mo-nocultura, ou seja, tudo com suas intervenções mais desastrosas do meio ambiente”.

Com a especifi cidade da temática, pode-se afi rmar que a exposição Biodesco-berta continha um híbrido no qual havia um elemento temático transversal, permi-tindo fugir da perspectiva linear – embora o espaço físico da exposição não refl etisse essa não linearidade. A proposta educativa se ancorava em expoentes do pensamento construtivista, como Piaget, Vigotsky, Paulo Freire; havia inclusive a questão da mediação – especifi camente a mediação humana, atividade na qual o co-nhecimento é entendido como uma malha de interações, incluindo motivações diver-gentes, de modo a suscitar mais dúvidas e questionamentos, e até mesmo provocando novas intuições no imaginário dos visitantes, com isso reforçando sua importância nesse processo.

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Figura 32: Mediação na exposição da Biodescoberta (fonte: acervo do MV).

A Biodescoberta, quanto aos aspectos museográfi cos e o espaço físico, encarou como restrição predominante o conjunto de exigências do Iphan (defendidos pelo DPH da COC) que acabaram por valorizar o projeto em alguns aspectos. Havia a limi-tação dos espaços em decorrência da existência da maioria das baias originais, o que foi defi nidor para a implantação em salas sucessivas, moduladas, acessíveis por um corredor central. Então, o revestimento aplicado para recobrimento das baias, com o fi to de demarcar a separação dos ambientes, teve que ser constituído com janelas por onde era possível observar componentes da construção original. Tal tratamento da exposição se deu também no piso, permitindo uma leitura do prédio tombado que, na época, foi considerada satisfatória pelos avaliadores do DPH/COC e do Iphan. Toda-via, nem todos fi caram plenamente satisfeitos com esse tipo de tratamento, pois aqui e ali surgiram questionamentos de que houve um excessivo “envelopamento” do pré-dio histórico no seu interior. Esse ponto é abordado pelo designer Sergio, quando em um trecho da sua entrevista situa que na Cavalariça “(...) O próprio prédio foi muito modifi cado. Foi coberto de uma certa maneira. (...) Envelopado. Aparecendo alguns detalhes. Acho que isso não houve realmente uma preocupação e uma discussão entre patrimônio e a equipe do museu, que queria uma coisa mais colorida, mais impactan-te e havia uma outra proposta que seria mais usando o próprio espaço da Cavalariça como ele é”.

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Figura 33: Detalhe da exposição, com conjunto de vitrines e “janela” do piso (Fonte: acervo do MV).

O conjunto, com o telhado aparente como seu principal elemento integra-dor, permitia uma compreensão abrangente do projeto desde a sua primeira sala, fazendo com que o visitante fosse estimulado a atravessá-la na sua totalidade. Cabe destacar que os corredores ligeiramente elevados localizados nas laterais, por onde se alimentavam os cavalos, passou a ser usado como galeria técnica, para fi ação elé-trica, cabeamento, ligação e manutenção de aquário, computadores, vitrines e demais aparatos instalados (ou a serem ainda implantados). Vale recordar que o aquário de-veria refl etir a costa do estado do Rio de Janeiro, e, dentro de uma aproximação com a questão institucional, evocava o aquário “histórico” que existiu e foi demolido. Um formigueiro, por sua vez, foi algo planejado e concebido, e, como dito, não chegou a ser construído. Um dos aspectos que não foram concluídos diz respeito a alguns dos elementos de acessibilidade propostos pelo Centro de Vida Independente (CVI), que não interfeririam no design da exposição nem na leitura do prédio tombado.

Oswaldo Cruz teve como sonho a construção de um símbolo para a ciência no Brasil, que fi cou conhecido como o Castelo de Manguinhos (Pavilhão Mourisco do conjunto histórico tombado de Manguinhos). Tal símbolo foi materializado a partir do projeto do arquiteto Luís de Moraes, em uma construção sólida e com apuro es-tético e riqueza de detalhes expressivos, que evoca nos visitantes um clima especial,

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para muitos até mesmo fascinante. Da mesma maneira, a exposição permanente da Biodescoberta seguia esse desígnio original, causando admiração e certo encanta-mento arrebatador, pela atmosfera criada, disposição dos espaços, volumetria e de-talhes, a iluminação sensível de caráter cenográfi co que valorizava sobremaneira os ambientes, o conjunto harmônico e rico, o projeto criterioso dos componentes (mobi-liário, equipamentos, etc.).

Figura 34: Vista geral da exposição da Biodescoberta (Fonte: acervo do MV).

Os componentes institucionais, que diziam respeito à Fiocruz e se referiam à ciência como construção social, conforme constava no documento da proposta de consolidação do (então chamado) Espaço Museu da Vida, não poderiam ser relegados ao esquecimento. A Biodescoberta, como primeiro espaço de exposição permanente (ou de longa duração) inaugurado do MV, não desconsiderou tais aspectos. Na en-trada da exposição, à esquerda, havia uma pequena sala com painéis que ilustravam aspectos históricos quanto ao uso do prédio da Cavalariça, para a confecção de soros a partir do sangue extraído de cavalos (ver no anexo entrevista da bióloga Fabíola). Entretanto, na época da sua inauguração, não é exagero afi rmar que a Fiocruz não es-tava plenamente aberta para ter um museu de ciências, pois, embora o Conselho De-liberativo da instituição tivesse apoiado a sua implantação, possibilitando que o mes-mo fi casse instalado no campus da Fiocruz, foi necessário um trabalho de conquista, uma vez que diversos pesquisadores eminentes reclamavam, e, com isso, formou-se

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uma pressão contrária de parte do “publico interno” da instituição. A esse respeito, recorremos uma vez mais ao depoimento da bióloga Fabíola, que em um trecho da sua entrevista situa que “(...) estávamos com crise naquela época (da implantação), sobre aceitação do museu. Por isso havia essa preocupação de passar o conteúdo por vários grupos, por uma questão de aceitação interna (...) estando dentro da Fiocruz, isso foi algo que fi cou bem claro na nossa exposição. Principalmente, na parte que fala dos insetos; na parte das células, pois haviam vários laboratórios aqui dentro com posições contrárias entre si. Buscamos evitar entrar em pontos passíveis de dis-cussão, até porque a profundidade da discussão era tal que desviava do nosso público. Nós estávamos falando sobre a divulgação científi ca, a parte inicial. As pessoas que, posteriormente, viessem a se aprofundar no assunto já entram em outro nível de dis-cussão (...) mas nós limitávamos o nível da discussão. Mostrávamos um texto com o tema principal e a partir dali seriam links e hipertextos para o pessoal ir para outra área ou se aprofundar mais naquilo. Até isso você precisa estar muito bem concatena-da à equipe e às pessoas para que você não fosse demandado do porquê não ter falado sobre tal assunto. Nós sempre orientávamos sobre nossos monitores e estudantes a não aprofundar o tema, dizer que não possuía aquela resposta, e que havia alguém que poderia responder melhor. A árvore da classifi cação, por exemplo, era questiona-da por várias pessoas diversas vezes”.

Outro fator a ser considerado é a questão do MV ser um museu temático com integração entre diferentes disciplinas, o que criou certa difi culdade para o público o entender como um único museu, e até mesmo o fato de estar fi sicamente distribuído no campus, um contratempo que ainda hoje ocorre. Esse aspecto é abordado pelo historiador Pedro Paulo na sua entrevista, quando ele afi rma que “(...) continuamos com aqueles velhos problemas de identidade visual que ainda não chegaram a um bom termo. Aquela questão que ouvíamos falar, e ainda se ouve, quando um visitante sai de um espaço do museu e pergunta: ‘E agora, quando vou para o Museu?’ Porque ele acha que o Museu é o Castelo. Se ele sai da Tenda, da Biodescoberta ou do Parque ele pode se virar para o mediador e perguntar: ‘E agora, nós vamos para o Museu?’ É também um pouco do senso comum que relaciona Museu com Antiguidade. ‘Então tem um prédio histórico que deve certamente falar de Oswaldo Cruz, e lá deve ser o Museu’. Isso está ligado, em parte, com essa percepção do público e, em parte, com questões de identidade e de sinalização, dentro de um campus que é cheio de estímu-los visuais. Placas para todos os lados falando de um monte de prédios. Que é de pro-dução, de pesquisa, de escola e no meio disso o Museu, que não está nessa sinalização”.

O espaço da Biodescoberta, portanto, se constituía de módulos que incluíam coisas como um painel grande da entrada, em uma sala azul – “sala de acolhimento” do público (ver imagem a seguir); uma sala menor, ainda na entrada, com os aspectos históricos do prédio e seu uso; logo a seguir, o jogo da memória, próximo a um pla-

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nisfério, ladeado pelos já mencionados painéis da Mata Atlântica; mais à frente um aquário – que demandava muita manutenção e atenção; vitrines diversas com exem-plares de conchas, borboletas e animais ao vivo, totens informatizados rodando pro-gramas multimídia com temas relevantes para a exposição; e o piso, que era elevado, revestindo o original e apresentando janelas para a visualização do mesmo.

Figura 35: Sala de acolhimento com seu grande painel na entrada da exposição da Biodescoberta, com uma das baias circundando um totem informatizado (Fonte: acervo do MV).

Figura 36: Interatividade – observação ao microscópio (Fonte: acervo do MV).

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5.4.1 A renovação da BiodescobertaNos anos de 2009 e 2010, diversos profi ssionais do MV, que realizaram visitas

técnicas ao espaço ocupado pela exposição Biodescoberta (no prédio da Cavalariça), identifi caram diversos problemas, relacionados com o próprio tempo de existência da exposição (aproximadamente 10 anos), assim como aqueles ligados às condições do prédio histórico, e ainda algumas questões de natureza conceitual. A exposição da Biodescoberta necessitava, na época, de atualizações conceituais (quanto ao conte-údo científi co), assim como da renovação de alguns equipamentos (como aquário e terrários), painéis e imagens, espaços ocupados, forma de mediação; e ainda outros aspectos que foram sendo apontados na medida em que as pessoas se envolveram e começaram a participar. Já haviam sido realizados alguns ajustes, de pequena monta. A manutenção elétrica, bem como da estrutura do prédio, demandava intervenções imediatas devido a problemas de segurança, preservação predial e melhorias para acesso do público. Estas deveriam ser encaradas como prioridade, e isso signifi cava a necessidade de dispor de recursos fi nanceiros de algum vulto. Na época, portanto, evidenciavam-se problemas interferindo diretamente na qualidade do atendimento. Muito importante então seria identifi car aquilo que demandava ações emergenciais e o que poderia ser encaminhado como proposta de adaptação, num projeto de cap-tação de recursos. Outras coisas, ainda, mereciam avaliação cuidadosa quanto à sua permanência. Naquele período, foram lidos artigos e outras produções científi cas, do-cumentos relativos à manutenção e processos de elaboração de aparatos, como tinha sido a proposta inicial de mediação, e tudo aquilo que se constituía na prática do coti-diano daquele espaço. Foram ainda vistos relatórios e registros de visita com caráter avaliativo e propostas e projetos para melhoria da acessibilidade.

Surgiram então diversas dúvidas e questionamentos. Quanto aos aparatos idealizados na proposta inicial, valeria a pena produzir novos naquele momento, sem alterações naquilo que havia sido feito, ou seria melhor esperar para captar recursos, unifi car o estilo e incluir textos mais “enxutos”, com atualizações conceituais? Outro ponto era a questão do fl uxo dos visitantes dentro da exposição e a necessidade de identifi car melhor como isso se dava, os gargalos, locais preferenciais, como as pesso-as se apropriavam do espaço; isso seria feito com mapeamento em planta baixa.

Os painéis mereceriam reformulação, pois a sua leitura deveria ser breve e aju-dar o público a relacionar Biodiversidade com Saúde Pública, tema fundamental para a Fiocruz. Esta observação se aplicava também para a mediação humana. Um aspecto importante era evitar repetir temas ou mesmo atividades que já estavam contemplados em outros segmentos do MV, pois havia certa incidência de redundâncias no conjunto das exposições. Foi lembrada a existência de registros de avaliações anteriores e dados não trabalhados, captados através de questionários aplicados a diferentes grupos no início dos trabalhos com o público, no processo de visitação do espaço expositivo.

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O contato com o Departamento de Patrimônio Histórico (DPH/COC), já na-quele início do trabalho, foi um tópico importante, para evitar iniciativas em descom-passo com os aspectos de preservação.

Foi elaborado um cronograma de ações a curto, médio e longo prazo, e, junto a este, uma proposta para captação de recursos. Na proposta de curto/médio prazo, foram pensadas melhorias na situação em que se encontrava a exposição, mas sem o aporte de recursos expressivos. Na de longo prazo, havia a necessidade de se con-solidar um projeto mais ambicioso; para captar recursos e reformular a exposição (o que poderia signifi car também manter algumas das coisas existentes). Foram então formulados pressupostos para orientar a proposta de reformulação do espaço da ex-posição da Biodescoberta.

Quanto à Exposição em si (em sentido amplo e integrado), a reformulação seria um processo de sua atualização com o intuito de evoluir na forma, no conteúdo apresentado, nas linguagens utilizadas, na mediação proposta, nos aparatos constru-ídos, na apresentação dos objetos de acervo expostos, entre outros aspectos, devido à defasagem ao longo dos dez anos da implantação do espaço. O tema Biodiversidade, a princípio, deveria ser mantido, pela relevância do assunto na época em que ocorreu a inauguração e no período em tela24, uma vez que todos estavam de acordo que a mu-dança completa do tema caracterizaria uma outra exposição, havendo ainda o desafi o de tornar este tema integrado ao trabalho da Fiocruz.

Quanto ao Conteúdo, incluiria textos, imagens, desenhos, diagramas, víde-os, multimídias, programas. Seria importante uma renovação de linguagem para um partido mais contemporâneo, entrar com aspectos recentes das ciências da vida, am-pliar a presença do tema da saúde e sua relação com a questão da biodiversidade. A atualização do tema deveria se relacionar com a interação entre biodiversidade, saúde e desenvolvimento tecnológico, buscando uma abordagem que permitisse mostrar o tema biodiversidade a partir do “olhar” da Fiocruz, mas sem correr o risco de fazer “propaganda institucional”. Importante ainda seria manter a história como forma de contextualizar o tema, e, no entanto, abordá-la de modo menos convencional, sem o rigor das datas, sequência cronológica ou ainda com a função de “contar a origem das coisas”. Deveria haver um esforço no sentido de produzir textos mais curtos, coesos, e com informações mais integradas (textos, imagens, objetos, deveriam “conversar” entre si e com o público).

Se ocorresse a repetição de temas presentes em outras subdivisões do MV, isso deveria se resolver através de enfoques diferenciados, complementando aquilo que já existia em outro local, evitando redundâncias. Outro ponto importante seria a valori-zação de objetos de acervo, bem como coleções biológicas da Fiocruz, visando à con-servação e divulgação desse patrimônio, enfatizando sua importância atual e futura.

24 2010 foi aclamado como o ano da biodiversidade.

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A interatividade e os momentos de experimentação em grupos com os micros-cópios e lupas, embora hoje em dia seja trivial, não poderiam ser deixados de lado.

Quanto à Forma, os painéis, suportes, vitrines, totens, balcões, monitores, te-levisores e esculturas deveriam se integrar melhor com o restante do Museu da Vida. Era ainda muito importante renovar a programação visual dos painéis, incorporando maior dinamismo, assim como renovar o design das vitrines e do mobiliário em geral. Deveria haver estudo mais criterioso do sistema de cores para a exposição reformu-lada e a investigação de como ampliar a visibilidade de elementos da arquitetura do interior do prédio da Cavalariça, explorando uma nova forma de tratamento para as baias, e, ainda, nova forma de tratamento para o piso.

O Prédio mereceria, da mesma forma, cuidados, em sintonia com o DPH/COC. No seu exterior, a recuperação da fachada, portas, janelas, telhado, calçada, escada de metal e jardim. Havia a necessidade de efetivar nova sinalização do espa-ço, assim como estudar aspectos de acessibilidade com vistas a melhorias e sanar problemas de infi ltração. Outro aspecto importante era integrar melhor o prédio da Cavalariça com o prédio anexo, que fi ca em desnível (mais abaixo) com relação aos da praça dos prédios históricos. Quanto ao interior, havia os elementos arquitetônicos de época (piso, paredes, janelas, detalhes etc.) e a necessidade de se aprimorar aspectos de iluminação, valorizando determinados “nichos”, controlando melhor a entrada de luz do exterior. Outros aspectos arquitetônicos incluiriam a visualização dos detalhes e o estudo de como melhorar aspectos de manutenção e limpeza do espaço. A guarda de objetos e equipamentos dentro do ambiente visitado era percebido como algo pro-blemático, assim como a inadequação das instalações para a parte administrativa e de suporte técnico. Aspectos relacionados com o fl uxo dos visitantes – entradas e saídas, cruzamentos, supressão de gargalos, não poderiam ser esquecidos. Os aspectos de segurança, por exemplo, nas instalações elétricas, teriam que ser aprimorados, e, fi -nalmente, o melhor uso do espaço vertical, pois o pé-direito do prédio é generoso.

Em alguns itens havia consenso: a importância dos relatos de experiência coti-diana dos mediadores que atuam no espaço, a avaliação e discussão da situação atual e a análise de seus pontos positivos e negativos estavam auxiliando na defi nição de alguns critérios para a reformulação. Trabalhos de mestrado, doutorado e monografi as, baseadas em diferentes aspectos da Biodescoberta, também seriam importantes para balizar o pro-cesso. Havia ainda o interesse em realizar uma consulta ao público e a especialistas, no sentido de compor vários elementos para subsidiar uma proposta inicial de reformulação. Outro ponto que importava ser valorizado era a estética do prédio, encoberta com alguns elementos da exposição da época. A proposta de reformulação deveria aproveitar tais as-pectos estéticos para compor a exposição. Entrava também na pauta aprimorar a acessi-bilidade, de modo a não perder de vista os estudos e as propostas já realizadas por pessoal do próprio MV, e os integrantes da equipe concordavam que deveria ser prioridade.

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Em outros, pairavam dúvidas, como, por exemplo, na Mediação. Dever-se-ia manter a dependência da mediação humana? Seria interessante uma exposição mais autônoma, ou, ainda, intercalar momentos de mediação, com os nichos de experi-mentação, e outros módulos mais autônomos? Outras abordagens dos conceitos po-deriam vir a ser criadas, nas quais o visitante poderia perceber confl itos, participar mais, interagir para fugir da visão comum que se tem de um tema, ajudar a construir outras visões? Com ou sem mediação humana?

Outro tema polêmico era o dos Animais Vivos. Eles permitiam atividades im-portantes e admitiam várias possibilidades de interação com o público, que sempre havia demonstrado muito interesse. Poderiam ser refeitos os viveiros, expô-los de maneira diferente, mais adequada? O aquário, por exemplo: aquelas dimensões eram efetivamente necessárias? Seria possível manter os animais, e, ao mesmo tempo, ga-rantir a praticidade?

Em suma, tratava-se de uma situação complexa, em que havia toda uma pers-pectiva de reformulação do discurso expositivo, mas cuja extensão e alcance estavam atrelados a uma série de condições: de natureza institucional, de recursos fi nanceiros, de vontade política, de negociações internas, de eventuais consensos entre os atores envolvidos. Apesar de toda essa mobilização e envolvimento da equipe do MV, ape-nas alguns ajustes de pequeno alcance foram realizados naquela época. Algum tempo depois, como pode ser depreendido de uma das entrevistas, houve a substituição da célula (estrutura em escala muito ampliada), situada à direita e ao fundo do grande salão principal, pela “cafua” elaborada para a exposição Carlos Chagas, em um mo-vimento sem muita coerência com o conceito geral da exposição, em especial quanto à sua estética. A “cafua” representava um casebre rural interiorano, tipicamente um hospedeiro preferencial para o barbeiro, inseto transmissor da Doença de Chagas. Em 2013, o prédio da Cavalariça foi fechado para obras de restauração de maior vulto, sob a supervisão do DPH/COC.

A esse respeito, um trecho da entrevista da bióloga Fabíola traz uma contribui-ção, ao afi rmar que na exposição da Biodescoberta: “(...) para o fi nal de 2012, mais ou menos, ela sofreu uma modifi cação, pois retiraram a célula e colocaram a “cafua”. Ligada a uma exposição que teve sobre o Carlos Chagas e foi feita externamente e nós, de certa forma, herdamos aquela “cafua”. O pessoal que fi cou à frente da exposição naquela época decidiu que aquela área ia fazer uma conexão com a vitrine do Vivo, que tinha uma parte de barbeiro que nunca tínhamos conseguido botar para frente satisfatoriamente. A gente fez alguns períodos usando o barbeiro vivo na exposição. Então, foi colocada a “cafua” lá, mas sinceramente não sei como foi trabalhado na sequência de conteúdo que nós tínhamos. Tenho a impressão que foi como algo à par-te”. Em 2013, o prédio da Cavalariça foi fechado para obras de restauração de maior vulto, sob a supervisão do DPH/COC.

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5.4.2 Uma nova exposição para a Cavalariça?A Cavalariça fi cou fechada desde 2013, quando se deu a desativação e a des-

montagem da exposição da Biodescoberta. Nesse interim, foram realizadas obras de recuperação e restauração do prédio tombado (ver imagens a seguir). O prédio da Cava-lariça, como se sabe, foi construído no início do século XX, entre 1904 e 1906, e abrigou cavalos com vistas à produção de soro para o combate à peste bubônica. Tombado na década de 80, foi utilizado de diversas maneiras em ocasiões distintas. A sua última ocupação, conforme anteriormente visto, se deu com a exposição Biodescoberta.

Figura 37: Imagens da Cavalariça, quando sendo restaurada, em 2014 (fonte: fotografi as de Luiz A. Saboya).

A nova proposta para revitalização da exposição da Cavalariça, dentro do contexto dos eixos temáticos do Núcleo Arquitetônico Histórico de Manguinhos (Nahm), situa-se dentro dos eixos da Produção de Ciência e Tecnologia em Saúde e Saúde e Ambiente, ha-vendo uma preocupação da sua adequada integração com o restante do Museu da Vida. O Nahm foi uma proposta lançada em tempos recentes, e o seu objetivo principal é a requalifi cação urbana e paisagística das áreas de entorno das edifi cações tombadas. Uma proposta abrangente e que contempla a revitalização de diversos prédios históricos do campus de Manguinhos: Pavilhão Mourisco; Quinino; Cavalariça; Pavilhão do Relógio; Casa de Chá e anexo; Pombal; Praça Pasteur; e o Antigo Almoxarifado.

Para a exposição a ser sediada na Cavalariça, a ideia original consistia, a prin-cípio, em realizar uma releitura da exposição Vida, abordando os temas:

Complexidade e diversidade da vida; Saúde e a organização microscópica da vida (complexidade microbiológica da

vida); Diversidade da vida e suas relações (complexidade biológica da vida); As relações sociais e saúde (complexidade social da vida).

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Trata-se de uma nova exposição e não uma reconfi guração da antiga Biodesco-berta. A exposição deverá trazer em seu bojo uma abordagem que enfatize a visão am-pliada de saúde, adotada pela Fiocruz, favorecendo a comunicação e compreensão por parte do público do conceito dos Determinantes Sociais da Saúde (DSS). A comple-xidade da temática e a diversidade de tópicos a serem abordados demanda a adoção de um conceito fulcral compartilhado, que possa estabelecer as conexões necessárias, propiciando que tal diversidade seja harmonizada, constituindo um núcleo temático a partir do qual se desenvolverá a narrativa da exposição. Este conceito unifi cador per-mitirá a sua transformação em uma totalidade coerente, embora organizada de forma não linear, não hierarquizada ou disciplinar, algo que em si traz aderência a diversos aspectos ressaltados neste trabalho de tese. Além disso, faz-se necessário estabelecer os recortes indispensáveis para adequar a temática proposta ao espaço disponível e também de modo a explorar da melhor maneira os tópicos de maior interesse. Neste sentido, esta seria uma excelente oportunidade para considerar os interesses expres-sos pelo público do Museu da Vida nas pesquisas de opinião desenvolvidas pelo Nú-cleo de Estudos de Público e de Avaliação em Museus (Nepam), do próprio MV, em relação aos temas que gostaria de ver apresentados em suas exposições. Um dos prin-cipais temas citados, de acordo com tais pesquisas, foi o corpo humano.

Assim, a proposta inicialmente iria adotar o conceito de ECOSSISTEMA como o conceito norteador e eixo temático para o desenvolvimento da exposição. Ela seria composta por três setores:1. O Ser Humano como Ecossistema

Neste setor seria abordada a biodiversidade microbiana existente em nossos corpos (temos uma bactéria em cada 10 células do nosso corpo) e a sua importância para a nossa saúde e bem-estar. O tema saúde, aqui, seria tratado do ponto de vista fi -siológico e comportamental, mas evitando cair em uma abordagem puramente “beha-viourista”. O corpo humano com seus sistemas, funções e simbioses seria apresentado como um ecossistema de cujo equilíbrio depende a nossa saúde.2. O Ecossistema do Ser Humano

Neste setor seriam abordados os ecossistemas resultantes da ação humana, ou seja, os ambientes que nós, seres humanos, criamos para nossa sobrevivência e reprodução econômica e social. Haveria uma discussão acerca do modelo econômico dominante e seus efeitos sobre o ambiente e a saúde do ser humano. Os DSS seriam o tema orientador, se relacionando com as condições de vida e trabalho como aspectos primordiais e determinantes no surgimento e na propagação de doenças. A saúde se-ria tratada do ponto de vista social e econômico, sendo sua distribuição na população inversamente proporcional ao grau de exclusão e de desigualdade.

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3. O Homem e os Ecossistemas NaturaisNeste setor seriam abordadas as intervenções antrópicas sobre o meio ambien-

te, destacando-se o impacto da crescente destruição dos ambientes naturais e altera-ções no clima, que vem causando desequilíbrios nos ecossistemas naturais, perda da biodiversidade e outros efeitos maléfi cos que comprometem a saúde e a qualidade de vida das populações humanas. Neste módulo, se discutiria como um meio ambiente saudável e biodiverso é um indicador de saúde também para o ser humano. As rela-ções entre as doenças emergentes e reemergentes causadoras de epidemias (Ebola, Sars, Infl uenza, Dengue etc.) resultantes desta convivência predatória do ser humano como o meio ambiente seriam também abordadas.

Assim, nessa concepção inicial, a exposição trabalharia as relações micro e macro em níveis crescentes de complexidade. Essa proposta é relativamente recente e ainda se encontra em discussão. As reuniões do Grupo de Trabalho indicado para estudar uma nova proposta para o espaço expositivo do prédio da Cavalariça, após a aprovação do projeto do Nahm pela Presidência da Fiocruz, se iniciaram em julho de 2014. Entretanto, é preciso ressaltar que o debate em torno do conteúdo tomou um tempo bastante dilatado, com reuniões, discussões, entrevistas com especialistas, elaboração de textos e diagnósticos. Porém, o aspecto da transposição do discurso, conforme ressaltado por Davallon, que trouxemos à baila no quarto capítulo, não foi trabalhada com a mesma intensidade que a discussão de conteúdo, nem de longe. A questão da exposição, considerada do ponto de vista de uma “mídia espacial”, não en-trou no universo das preocupações da equipe, a não ser de modo episódico e tangen-cial. E, embora a equipe constituinte do Grupo de Trabalho contasse com a participa-ção de alguns designers, pouco se ouviu deles, existindo o tempo todo, por parte da equipe, uma preocupação fl agrante em resolver completamente o escopo do conteúdo a ser privilegiado na exposição.

5.5 Algumas observações

Em relação ao processo de criação do Museu da Vida, e em especial à trajetória de ocupação do prédio da antiga Cavalariça, é preciso jogar luz e salientar alguns pon-tos que tocam mais de perto o tema que resolvemos enfrentar neste trabalho de tese.

A conjuntura inicial de elaboração do MV, como consta no documento infor-malmente chamado de Livro azul, se estruturava a partir de Grupos de Trabalho (GTs). Tais grupos, tipicamente, se constituíram e passaram a se reunir, objetivando o detalhamento daquilo que tinha sido proposto no projeto original. A partir desse movimento inicial, ocorreram alguns ajustes e, com o passar do tempo, aconteceram modifi cações mais signifi cativas, como pode ser depreendido daquilo que é repor-tado em algumas das entrevistas. Como exemplo, temos a fala da bióloga Fabíola. Na sua entrevista, ela menciona que, tendo iniciado o seu trabalho ligada a um dos

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GTs, o mesmo não prosperou, e ela passou a se envolver com outro GT, cujo traba-lho avançou e veio a resultar na exposição da Biodescoberta. Conforme ela mesma diz, em um trecho da sua entrevista: “Em 95, faz-se essas divisões de grupo no qual: Carla, Edmilson e Maurício estão no primeiro grupo tendo Luiz Antônio se dedicado a coordenar o grupo com a exposição na Cavalariça. O meu grupo das trilhas não se reunia, eu vinha todo dia aqui e comecei a invadir as reuniões da Cavalariça já que eu tinha intimidade com as pessoas. Eu estava com o Chico no grupo das trilhas. A Ruth estava na área do Parque, mas estava tendo difi culdades em relação à formatação do grupo. Creio que aí entre a questão de perfi l, pois se esperava que outras pessoas da instituição se agregassem. (...) Se considerar o fato de que haviam dois biólogos e uma bióloga “enxerida” (...). (...). Essa separação que houve, e aí uma certa desilu-são acrescentada à demanda da vida de cada um, seus interesses, é algo difícil. Como alguns projetos não andavam, isso desanimava. Com relação ao projeto das trilhas, até o Luiz comentou que eu estava lá direto, ajudava lá e que ele iria me por naquela equipe, mas que não tinha muito andamento. Quando tinham as reuniões da trilha eu ia, mas realmente o projeto não tinha muito andamento. Lembro que a trilha estava com o saudoso professor Fontinha e nós participamos em fazer uma trilha ecológica, a partir daí escrevemos e fi zemos vários trabalhos que eram sobre visitar o campus do jeito que ele era, fazendo algumas intervenções; mas não a trilha que depois se dese-nhou que é a trilha toda construída, que passou a ser sobre o homem e sua evolução”.

Esse tipo de ocorrência não é invulgar em uma instituição de pesquisa, ou mesmo em universidades. As causas são diversas e envolvem questões muitas vezes de ordem estritamente pessoal, como confl itos de personalidade, inadequações e indisposições; até aquelas envolvendo a instituição e sua dinâmica política interna. Mas é importante sublinhar que, dentro dos passos básicos inerentes ao método de elaboração de uma exposição, muitas vezes a etapa inicial, que inclui como uma das suas subetapas a construção do discurso expositivo em si, consome um tempo muito signifi cativo do processo.

Tipicamente, a guisa de didatismo, tais etapas podem ser elencadas, a partir do exposto por Cury, dentro de uma abordagem técnica. Segundo a autora a “área de de-sign de exposições apresenta o processo dividido em momentos (ou fases), sendo que há uma convergência de ideias entre os diversos autores” que constam na bibliografi a (CURY, 2005, p.99-100):

Fase de Planejamento e de Ideia; Fase de Design; Fase de Elaboração Técnica; Fase de Montagem; Fase de Manutenção, Atualização e Avaliação.

Cada uma dessas etapas se desdobra em subetapas, em maior ou menor grau, com suas peculiaridades, embora essa sequência não se possa considerar um método absoluto e infalível. Entretanto, é importante chamar a atenção para o fato de que, nas exposições de natureza científi ca, existe um cuidado e uma preocupação especial

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com a etapa inicial (Fase de Planejamento e de Ideia), na qual se dá o desenvolvimen-to conceitual. Isto porque é nesta etapa que o conteúdo científi co é visto e revisto, trabalhado, burilado, aperfeiçoado e editado. Há uma grande preocupação, em certa medida justifi cada, com a correção, a precisão e o rigor do ponto de vista científi co, quanto a esse conteúdo. Entrementes, nessa etapa, se dá a construção do discurso ex-positivo em si, com as implicações relatadas ao fi nal do capítulo quatro. A meu ver, no caso específi co da trajetória da criação da exposição da Biodescoberta, para o espaço da Cavalariça, por certo que a subetapa de desenvolvimento conceitual não foi esque-cida. A bióloga Fabíola, em um trecho da sua entrevista, situa que “(...) para chegar ao design, o conteúdo tem que estar decidido. Utilizando a Cavalariça de exemplo, esta-mos falando sobre Biodiversidade, mas o que vamos falar sobre ela? O pessoal do de-sign, o museólogo e outras pessoas que, depois, vieram a concretizar o que estávamos imaginando, eles fi cariam como observadores se participassem disso desde o início. Então, quando recorremos a eles, a gente já sabia direitinho o que iríamos falar, o que queríamos. A forma com que vamos concretizar entra na discussão com os museólo-gos e museógrafos. Após isso, entrou o design”.

Assim, deu-se o fenômeno acima mencionado, o cuidado extremado na for-mulação do conteúdo, acarretando a dilatação expressiva do tempo decorrido para a conclusão da etapa inicial. O envolvimento com as questões teórico-conceituais (que teve as suas motivações) implicou maior tempo gasto nessa etapa, o que acarretou redução dos prazos para efetivação das etapas seguintes, e mesmo o prejuízo de al-gumas das atividades inerentes a tais etapas, como aquelas envolvendo conceituação formal e prototipagem, validação e testes. Tal situação não é incomum nas exposições científi cas, pelos motivos expostos anteriormente. O depoimento da designer Márcia Brandão, no trecho a seguir, se aproxima desse tema: “(...) Muitas vezes eu me deparo com prazos errados, via de regra, as pessoas quando conseguem recursos em órgãos de fomento para desenvolvimento, elas não têm essa visão do prazo para desenho de produto e execução. Eu sempre brinco que uma cadeira demora três anos para ser feita, porém nós temos que fazer uma exposição completa com duzentas cadeiras, às vezes, em um ano, ou com cem cadeiras em seis meses, nesse sentido. Como as expo-sições são muito diferentes, tudo é protótipo, raramente nós temos a oportunidade de repetir alguma solução, alguma seriação. Às vezes, a gente faz em seis meses, mas digamos que seis meses seria o tempo mínimo de uma exposição pequena”.

A realização de exposições de natureza científi ca, como qualquer empreendi-mento humano, é condicionada por requisitos e restrições de diversas ordens. Dentre estas, temos as relacionadas com tempo (cronograma) e recursos monetários (orça-mento), ambas muito relevantes e incontornáveis em tais empreendimentos. Evi-dentemente, cada projeto de exposição tem as suas peculiaridades, um projeto pode resultar em uma exposição modesta, de pequeno porte, com baixo orçamento; en-

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quanto outro pode resultar em algo mais grandioso e dispendioso. De qualquer modo, em determinadas ocasiões, existe alguma fl exibilidade quanto a prazo e recursos, as-sim como em relação a outros fatores. No caso da exposição da Biodescoberta, havia a pressão da necessidade de inauguração do (Espaço) Museu da Vida, com todos os compromissos institucionais envolvidos. Conforme relatado em entrevista da bióloga Fabíola, “(...) Havia essa expectativa de o dinheiro entrar e, então a gente comprar tudo o que precisava, em 96”. Em outro trecho mais à frente, ela continua: “Como falei no início, começamos em maio de 1995 e eles esperavam que em 96 já estivésse-mos com a exposição funcionando, o que não foi possível. Poderíamos ter a exposição pronta em 98, questões civis, externas à exposição foram apontadas”. Como já visto, a inauguração efetiva se deu em 1999.

Ainda a esse respeito, concordamos com a observação feita pela designer Már-cia Brandão, que em linhas gerais acredita que “(...) Geralmente, o problema é o pra-zo, pois há prazo do ministério, do CNPq, do MCT enfi m. Geralmente, eu questiono muito essas datas de inauguração. Tirando situações em que são “aniversários” de algo, as datas são aleatórias (...) são datas políticas”, se referindo a diversos projetos com os quais se envolveu. No caso da Biodescoberta e do Museu da Vida, o mesmo se deu. E o orçamento tinha também limites claros, pois grande parte do que foi propos-to no Livro azul não se concretizou devido a tais limites.

A questão da concepção, com relação ao conteúdo e à hipertrofi a da sua impor-tância no contexto geral da exposição, embora justifi cável, dados os atores envolvidos (cientistas, pesquisadores, especialistas), não resulta em um processo de projeto mais harmônico e prejudica a qualidade fi nal do produto (exposição). No caso do Museu da Vida, e em especial na Biodescoberta, não foi diferente, em que pesem a boa re-ceptividade e encantamento observados na sua abertura e posterior operação. Ainda na entrevista da bióloga Fabíola, temos trechos em que isso fi ca evidente, quando ela reporta que “Nós queríamos amadurecer o conteúdo. Caso contrário, iríamos contra-tar o pessoal para fazer o quê? Falar sobre o quê?” Mais adiante, ela continua: “(...) Tivemos muito cuidado com a construção do conteúdo, porque a concepção seria que o tema maior seria da biodiversidade, então fomos contratando pessoas de vários conteúdos e tudo que era escrito ou modulado a gente passava por diversos tipos de pesquisadores, principalmente os internos”.

Na trajetória da Biodescoberta, emergem, conforme observado, as tentativas de renovação, que elencaram diversos problemas, alguns causados pelo próprio des-gaste devido ao passar do tempo, outros resultantes de “adaptações informais” que se deram ao longo do tempo de permanência da exposição, outros relacionados com a própria manutenção do prédio histórico da Cavalariça.

Quanto à implantação do Museu, observa-se que o tópico relativo a “prazo,

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cronograma e acompanhamento crítico”, para implantação das áreas e atividades do então Espaço Museu da Vida, contido no documento Livro azul, previa dois anos para contemplar todos os espaços e todas as fases de implantação e operacionalização. Essa previsão, contida no documento de setembro de 1994, se revelou completamente irreal neste aspecto, uma vez que, em setembro de 1996, não havia nenhum espaço em funcionamento. A inauguração da Biodescoberta, como já mencionado, se deu em 1999, ou seja, cinco anos após a ofi cialização do documento.

Essa constatação não visa menosprezar o cronograma ali elaborado, uma vez que as razões para a ocorrência do atraso são inúmeras e de ordem bastante comple-xa, envolvendo questões institucionais, mudança de ênfases políticas, prioridades or-çamentárias e tudo o mais. Entretanto, há a necessidade de trazer à baila a importân-cia da discussão acerca de um melhor descortino quanto aos prazos, assim como, em especial, a distribuição das etapas e atividades dentro do tempo total previsto. Essa questão é fundamental, pois se uma das etapas vem a ser “hiperdimensionada”, con-forme mencionado, e outras etapas são prejudicadas em função desse prazo, resulta que a qualidade da experiência da exposição pode ser comprometida.

A Biodescoberta contou com um ensaio de prototipagem na exposição Vida que trouxe diversos subsídios para a sua elaboração. A aproximação, na prática, com o conceito de interatividade, a presença de monitores e a inovação presente no con-ceito mais amplo da exposição foram aspectos que não podem ser menosprezados. As experiências e insumos oriundos do Espaço Ciência Viva, pioneiro e em plena atividade, também merecem destaque. Não podem ser esquecidos ainda os contatos com instituições internacionais, como o próprio La Villete, na França; assim como a realização de seminários dentro da Fiocruz, com convidados ilustres do campo da divulgação científi ca25. Todos esses elementos tiveram o seu papel e a sua infl uência, mas permaneceram certas noções excessivamente teóricas e acadêmicas, que despre-zaram, por exemplo, a importância da prototipagem e validação de certas propostas de equipamentos interativos, como o jogo da memória, a bancada de observação com microscópios e as vitrines com pequenos animais vivos. Até mesmo os hipertextos exibidos em alguns equipamentos computadorizados, com monitores toque de tela, novidade na época, mereceriam uma “fase beta” de testes e validação. Em todos es-ses exemplos, havia questões de funcionalidade e usabilidade que demandavam um maior cuidado e atenção, para um melhor desempenho. Até mesmo a elaboração de uma maquete (um modelo em escala reduzida), para a visualização tridimensional concreta do conceito formal geral da exposição (importante para o seu refi namento estético), não chegou a ser realizada, pois a etapa de desenvolvimento de design fi cou bastante comprometida, não dando margem a tais desdobramentos.

Como relatado na entrevista do historiador Pedro Paulo, “(...) agora estamos

25 Popularização, alfabetização, letramento...

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passando por um processo de renovação de exposições de longa duração como é o caso da antiga Biodescoberta. A nova exposição para o espaço da cavalariça. Esse projeto de requalifi cação do núcleo histórico vai gerar, dependendo da dinâmica das instituições públicas daqui pra frente, novos grupos para concepção, desenvolvimen-to e implantação de novos espaços de exposições de longa duração no Castelo, no Pavilhão da Peste, no próprio Pombal, aquilo que não conseguimos fazer vingar a 17 anos”. Para a nova proposta visando à revitalização da exposição da Cavalariça, den-tro do contexto dos eixos temáticos do Nahm, a tendência que identifi camos acima continua presente, conforme relatado em 5.4.2. As discussões, entrevistas, debates, apresentações e quejandos, concernentes à conceituação, vieram ocorrendo desde meados de 2014, e apenas no início de 2016 observou-se alguma movimentação no sentido da abordagem da forma da exposição a ser ali instalada.

Naturalmente, continuam a existir restrições de diversas ordens, inclusive aquelas concernentes ao patrimônio histórico e à necessidade de acessibilidade (dese-nho universal). Na conceituação, vale destacar o trecho que ressalta a complexidade da temática e a diversidade de tópicos a serem abordados. Esses pontos recomen-dam a adoção de um conceito central compartilhado, para estabelecer as conexões necessárias, de modo a que tal diversidade seja harmonizada, constituindo um eixo temático a partir do qual seja possível desenvolver a narrativa da exposição. Este con-ceito unifi cador permitiria a sua transformação em uma totalidade coerente, embora organizada de forma não linear, não hierarquizada ou disciplinar. Notar que nesta última noção, decorrente das anteriores, se faz presente uma noção que infl uen-cia diretamente a confi guração da exposição, a sua Gestalt. Sendo uma totalidade co-erente, deve exibir alguma forma de ordenação, de estrutura. Entretanto, essa orde-nação não pode ser linear, hierarquizada ou disciplinar, na medida em que não deve remeter ao ensino formal. Os estudos para a sua confi guração formal já deveriam ter-se iniciado há mais tempo, pois essa proposta é instigante, mas para a sua mate-rialização, as respostas não são fáceis nem encontráveis no curto prazo. Ainda mais se considerarmos a necessidade de prototipagem, ensaios e testes para a sua plena realização com qualidade. Contudo, os cronogramas de desenvolvimento do design, até onde pude observar, continuam comprimindo excessivamente o tempo necessário para o processo, sem levar em conta as complexidades envolvidas no mesmo e a sua importância para a confi guração de uma experiência de qualidade, conforme defendi-da por Cury (2005).

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6. Considerações fi nais

Neste trabalho de tese, partimos de um pressuposto inicial que propunha uma visão contemporânea sobre o pensamento científi co e que avançaria de modo decisivo em relação à conceituação tradicional – com sua postura disciplinada e fundamental para os processos de percepção, coleta, organização, processamento e utilização dos dados rumo à produção de conhecimentos – de modo a ampliá-la, resgatando a im-portância do pensamento sintético e do pensamento criativo, assim como da intuição e dos métodos morfológicos, que seriam posicionados em um ponto de vista privi-legiado. Esta nova percepção do conhecimento reforçaria a importância de saberes como a teoria da informação, a comunicação, o design e a arte em uma perspectiva transdisciplinar e integradora, privilegiando o estudo da infl uência dos media (em especial os que lidam com a imagem) e as transformações que estes produziram (e continuam produzindo) na sociedade contemporânea.

Na atualidade, é cada vez mais necessária a integração da ciência e da tecno-logia na cultura geral da população para promover a inovação e para uma formação cidadã que possibilite a tomada de decisões bem informadas, de maneira crítica e criativa, tanto no âmbito pessoal quanto no coletivo, de modo a cooperar para o de-senvolvimento de uma sociedade equitativa, inclusiva e sustentável. A divulgação da ciência e da tecnologia é fundamental na transformação social, cultural, política e econômica nos países ditos “em desenvolvimento”, caso do Brasil. Da mesma ma-neira, é importante para a educação ao longo da vida das pessoas, por isso, ela deve alcançar todos os setores da população. Como pano de fundo, não se pode esquecer que quase metade da população brasileira, como já mencionado, dentre outros aspec-tos, não tem o hábito de ler livros, e que isso não vem mudando de modo signifi cativo nos últimos anos: trata-se da “inércia cultural” do brasileiro, referida na pesquisa da Fecomércio.

Entretanto, a noção acima exposta sobre o conhecimento científi co é relativa-mente nova e faz parte de mudanças mais amplas ocorridas nas últimas décadas na sociedade, em especial aqui em nosso país. Implica assumir, dentre outras coisas, que a cognição dos seres humanos pode se dar com uma ênfase muito mais signifi cativa quanto ao valor dos processos perceptivos, como fi ca patente ao nos determos nas abordagens da fenomenologia de Husserl, nas concepções da Gestalt e naquelas de R. Arnheim.

A partir de tudo o quanto foi visto e discutido nos capítulos anteriores, cabe entrar com uma citação a E. Morin, que sintetiza bem grande parte do que foi tratado, ao mencionar que

Certas noções circulam e, com frequência, atravessam clandestinamente as fronteiras, sem serem detectadas pelos ‘alfandegueiros’. Ao contrário da ideia muito difundida de que uma noção pertence apenas ao campo disciplinar em que nasceu, algumas noções migradoras fecundam um novo terreno, onde vão enraizar-se, ainda que à custa de

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um contrasenso. B. Mandelbrot chega até a dizer que ‘uma das ferramentas mais po-derosas da ciência, a única universal, é o contrasenso manejado por um pesquisador de talento’. De fato, um erro em relação a um sistema de referências pode tornar-se uma verdade em relação a um outro tipo de sistema. A noção de informação, originada na prática social, adquiriu um sentido científi co, preciso, novo, na teoria de Shannon; depois, migrou para a Biologia para se inserir no gene, onde foi associada à noção de código; este, originado da linguagem jurídica, ‘biologizou-se’ na noção de código ge-nético. A Biologia Molecular muitas vezes esquece que, sem essas noções de herança, código, informação, mensagem, de origem antropossociomorfa, a organização viva seria ininteligível (MORIN, 2004, p. 108, grifos no original).

Não é preciso relembrar que as noções de código, informação e mensagem se associam à questão da comunicação e, ainda, à teoria semiótica, para, dentro do sentido maior deste trabalho, desaguar no terreno da linguagem. A renovação da linguagem em instituições como museus e centros de ciências passa por diversas questões: o pensamento do complexo; um novo espírito científi co que caminhe para a síntese das chamadas “duas culturas”; a superação das tendências reducionistas e da compartimentação entre disciplinas, caminhando no sentido da redução de confl i-tos que têm origem nas disputas pela hegemonia que ocorre entre certas disciplinas. Abrange ainda tudo aquilo que envolve as concepções da ciência e seus paradigmas, seus limites e suas relações com a difusão científi ca e a complementariedade entre a educação formal e a não formal. Nesse caminhar, exibe a constatação que, após a in-fl exão verifi cada a partir dos anos 1980, com a renovação que começou a ser efetuada, o papel dos museus e centros de ciências na educação não formal ganhou maior rele-vância. Em paralelo, constata que, pouco a pouco, a força e a dominação de uma visão prevalente no campo científi co, que privilegiava o reducionismo, o intelectualismo e mesmo o determinismo, vêm se reduzindo. A relação do ser humano com a natureza, em especial, não pode ser percebida de forma reducionista nem disjuntiva, mas sim globalizante, abrangente e generosa. A linguagem em si, por sua vez, deve ser aquela denominada “mista” em capítulo anterior, que coaduna elementos da textual e da não textual de modo integrado. Engloba, portanto, signos da linguagem textual (letras al-fabéticas, palavras, elementos da linguagem verbal), assim como aqueles constituídos de outros modos: diagramas, desenhos, emblemas, símbolos, ícones, elementos ana-lógicos, pictogramas, gestos, marcas, etiquetas, dentre muitos outros.

Ainda com Morin, encontramos uma das chaves mais amplas para tal renova-ção:

A poesia, que faz parte da literatura e, ao mesmo tempo, é mais que a literatura, leva-nos à dimensão poética da existência humana. Revela que habitamos a Terra, não só prosaicamente – sujeitos à utilidade e à funcionalidade – mas também po-eticamente, destinados ao deslumbramento, ao amor, ao êxtase. Pelo poder da lin-guagem, a poesia nos põe em comunicação com o mistério, que está além do dizível (MORIN, 2004, p. 45).

O meu trabalho de pesquisa partiu de uma hipótese, a de que a informação em modo não textual pode assumir papel de maior relevância e consequência, e assim

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contribuir de maneira expressiva para a inovação e a renovação de exposições de di-vulgação científi ca. Alguns desdobramentos dessa hipótese, que podem novamente ser lembrados, são:

Certos aspectos de natureza cognitiva a se considerar, muitas vezes são des-prezados ou eventualmente elaborados de maneira pouco cuidadosa quando da concepção desses recursos expositivos com vistas à divulgação científi ca;

O verdadeiro potencial do uso desses diferentes tipos de informa-ção ainda não foi corretamente avaliado e explorado;

Em geral, nos centros/museus de ciências, a concepção de exposições fi ca bastante condicionada pela informação de cunho linear textual (signo verbal) que é inerente à produção cientifi ca convencional em nossa sociedade (artigos, resenhas, monografi as, e similares);

A transposição de uma informação estruturada em termos lineares textuais (como signos verbais) para outra estruturação na forma espacial multidimen-sional e interativa se reveste de aspectos bastante complexos, que são relevan-tes no processo de se imaginar, desenhar e produzir instalações museográfi cas em um museu/centro de ciência; entretanto a curadoria (ou os concep-tores) de tais exposições muitas vezes não leva em conta a linguagem visual mais apropriada; com tudo isso não se dá o devido reconhecimento ao papel que a linguagem visual (signos não verbais) desempenha nesse tipo de expo-sição, e, mais ainda, como essa retórica visual pode ser instrumental do ponto de vista cognitivo na montagem do discurso expositivo;

A “visão científi ca” pura e simples não consegue equacionar toda a questão en-volvida na transmissão de conhecimentos em uma exposição para um museu/centro de ciência;

Os profi ssionais envolvidos na concepção e realização de instalações museo-gráfi cas (museólogos, designers, cientistas, artistas) usualmente têm difi culda-des em chegar a denominadores comuns em relação aos aspectos menciona-dos acima.

A partir do que foi pesquisado e estudado no trabalho, das entrevistas, das mi-nhas vivências pessoais nas reuniões e seminários de que participei, relativas ao es-tudo de caso, assim como vivências e experiências anteriores, com a interpretação de todos os indícios obtidos, posso afi rmar que a hipótese, com os seus desdobramentos, se sustenta. Claro que estamos tratando de uma situação nova em termos históricos, que começou a se delinear melhor a partir de meados dos anos 1980, como já visto. Mas alguns aspectos merecem ser levantados, de modo a ampliar o debate e trazer à tona algumas noções signifi cativas, apontando novas possibilidades. Por exemplo, as

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questões de ordem não textual, que estão além do conteúdo, são exaltadas em certas falas (como se pode ler em algumas das entrevistas em anexo), como aquilo que o historiador Pedro Paulo aponta no trecho a seguir: “(...) Na minha opinião uma expo-sição científi ca tem sempre a preocupação de passar um conteúdo. Porém a forma de se passar, ainda mais por se tratar de ciências, tem que ser impactante, atrativa, bela, desafi adora, instigante e sufi cientemente integrada ao conteúdo. Senão passa a ser uma exposição científi ca em que era para o visitante ter aprendido algo, mas na ver-dade, ele jogou, brincou, fi cou impactado por aquela luz estroboscópica e acabou vi-rando uma ida à boate”, alertando ao fi nal para os perigos de um enfoque meramente “formalista”, com um viés de “espetacularização”. A fala da bioquímica Eleonora, em determinado trecho, defende que “(...) A não textual é classicamente a que chamamos de emocional, tem a ver com o lado emocional. Acreditamos que a sensação da expe-rimentação que também não é textual, e sim manual - tem um texto por trás. Como, por exemplo, a famosa cadeira que vira, se a pessoa consegue perceber que aumen-ta a velocidade ou não, se a pessoa sente se conseguiu ver uma mudança de cor, se conseguiu precipitar algo, se conseguiu pegar um coração (que ela nunca havia visto aberto antes e ali observou a passagem do átrio, enfi m). Esse cenário, ainda que im-plique um texto por trás, é não textual. Há uma outra coisa, não sei bem se se adequa à pergunta, que é a passagem da diversão, e essa talvez tenha a ver com a junção da não textualidade e não cientifi cidade; e sim da empatia que aquele cria. Óbvio que também há texto de divulgação, mas o principal é qual a empatia que aquele lugar transmite ao visitante. Acredito que esse último fator falte nos dias de hoje. Isso não envolve um texto científi co, mas é aquela relação comunitária de proximidade, aco-lhimento, divulgação, de marketing (em um bom sentido)”. Ainda, a designer Márcia, quando situa que “(...) A ciência é um bicho-papão, então, se você não levar a beleza e a emoção, você acaba eliminando pessoas que olham e não irão se aproximar, por medo, receio de não entender (...) Há a questão do belo e a questão da imersão dos ambientes que são criados, ou seja, dos climas, da atmosfera que certos ambientes possuem. Só essa atmosfera já consegue tocar muito mais do que os demais fatores do experimento”. Retornando ao historiador Pedro Paulo: “(...) Aquilo que falamos há muito tempo e vivemos na prática, uma exposição não é um livro, não é um disco, não é um texto, não é um fi lme, não é uma peça de teatro, mas é uma mídia que pode e deve fazer uso desses e tantos mais recursos que ainda nem estão disponíveis. Hoje em dia com QR codes e com as realidades aumentadas todas as possibilidades que a tecnologia e os recursos fi nanceiros permitem”. Ou ainda, a bióloga Fabíola, quando afi rma que, na Biodescoberta, “(...) Ao você entrar no prédio, visualmente haviam ele-mentos que visavam trabalhar com a emoção do visitante, causavam um deslumbra-mento para querer ver mais. A exposição era toda colorida, com cores diferenciadas, então foi algo que foi sistematicamente pensado com intenção de chamar atenção.

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A intenção era que as cores fortes fi cassem ao início e chegando ao fi nal, as cores fi cavam mais suaves. No início a sala em que tinha os painéis de informações bási-cas era vermelha, por exemplo, como se a reprodução fosse um tema quente. Então, esses elementos têm a ver com a cenografi a aérea. Haviam cubos com microfotogra-fi as, fotos de microorganismos transiluminadas. Não existia uma informação sobre eles, mas tinha uma ambientação. Criávamos uma ambientação para cada módulo a fi m de suscitar essa curiosidade com elementos pertinentes a ele. Ao mesmo tempo, a iluminação tentava valorizar o próprio prédio e os detalhes que ele tinha”. Mais adiante, ela volta a se debruçar sobre questões que ultrapassam a dimensão científi -ca, na mesma exposição: “(...) A intenção era que o visitante fi zesse uma imersão ali e estimulasse a sua curiosidade. Aqueles objetos não tinham uma intenção científi ca de conteúdo, de fazer uma leitura conteudista. Era mais para criar uma experiência sensorial, mas visando a curiosidade, o deslumbramento, o pessoal chegar e pensar: ‘Uau!’ (...) Então, o visitante primeiro se deslumbrava e depois entrava no conteúdo da exposição. O conteúdo, por si só, não tinha a intenção de que as pessoas saíssem da exposição sabendo tudo sobre biodiversidade, todas as características sobre os animais que estavam lá, nem os mínimos detalhes do pensamento do homem ao clas-sifi cá-los, como estudou evolução e quais eram os microorganismos”. Indo além, ela situa que “(...) Os elementos não textuais, não científi cos, acho que tem grande poder no deslumbramento do visitante, nessa curiosidade de que você vai atrair o visitante para aquele módulo”.

No entanto, na prática projetual voltada para as exposições científi cas e tec-nológicas, há um atropelamento, que se refl ete no tempo alocado para o tratamento das questões estético-formais; na falta de estudos formais e/ou morfológicos mais cuidadosos na concepção das exposições; no descuido com a modelagem e a prototi-pagem de soluções em tais exposições. No fundo, isso tudo traduz visões de mundo (Weltanschauung – cosmovisão) que envolvem até mesmo o jogo de poder entre dis-ciplinas e a busca por hegemonias. Em certas esferas do mundo científi co, as questões estético-visuais, formais e espaciais não são importantes, são consideradas supérfl uas e superfi ciais. Entretanto, se, a partir de tudo o que foi visto até aqui, é importante reconsiderar e reposicionar as questões morfológicas, espaciais e visuais nas exposi-ções técnico-científi cas, então isso se inscreve na própria lógica de concepção dessas exposições.

Um aspecto primordial envolve a discussão acerca das interseções entre arte e ciência e, dentro dessa vertente, apontar os desafi os que os modernos museus e centros de ciência enfrentam para construir um caminho entre estes dois campos, buscando a sua harmonização. A designer Márcia chega a tocar nesse ponto, ao afi r-mar em um trecho da sua entrevista que “(...) Existe uma busca entre ciência e arte. Cada vez mais há essa convergência de ciência e arte”. Mais ainda, faz-se necessário

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salientar aquilo que é possível fazer dentro de uma concepção que leve em conta tudo o quanto foi discutido acerca da cognição humana, inclusive os problemas de compre-ensão e percepção. O modelo construtivista é inclusivo e respeitoso quanto ao ponto de vista de cada visitante do museu; motiva o pensamento crítico; nele, o sujeito con-trola o conhecimento e a interação; e, muito importante, há o respeito à transdisci-plinaridade. No construtivismo, as pessoas constroem e defi nem o signifi cado do que “viram” (da informação) no museu. Tudo isso realça a importância de se reforçar a construção do conhecimento.

O aspecto da complexidade envolvida nas soluções contemporâneas requer maior atenção e maior cuidado na sua concepção e posterior implementação. As solu-ções que se apresentam para as exposições científi cas e/ou tecnológicas devem buscar a transdisciplinaridade, como já ressaltado por diversos autores, de modo a evitar o velho ímpeto conservador da linguagem mecanicista e determinista, linear e unidi-mensional. Muito importante, então, é a integração de saberes e o equacionamento de elementos que surgem a partir de fontes diversas, incluindo-se aquela que privilegia o pensamento produtivo e as questões da visualidade e da imagem.

Assim, a transposição didática e a passagem de uma escrita textual, linear e acadêmica para uma mídia espacial (como nos relembra Davallon) deveriam merecer maior atenção e cuidado por parte dos atores envolvidos no processo – até porque, vale frisar, este envolve aspectos de natureza sutil, elementos intangíveis, poesia. A abordagem mais ampla desse processo deve questionar as posturas assumidas pelos gestores, os tomadores de decisão, cujo entendimento muitas vezes se volta apenas para contextos políticos conjunturais, aspectos fi nanceiros imediatistas e tendências de momento, sem levar muito em conta questões mais sutis e efeitos de longo prazo em suas decisões quanto ao desenvolvimento e implantação adequados das exposi-ções científi cas e tecnológicas, em especial naquilo que tange o seu discurso exposi-tivo. Ainda recorrendo ao que a designer Márcia responde em sua entrevista, em um trecho ela defende que “(...) Por exemplo, quando precisa-se decidir rapidamente, talvez, você não esteja decidindo pelo melhor aparato, mas o fato de você precisar decidir com rapidez faz com que você desenhe algo que possa ser construído naquele prazo curto. Também, reclamo, de uma maneira delicada, que às vezes a instituição perde um tempo imenso em burocracia, já o objetivo principal que é a execução da-quela exposição fi ca 10% do tempo disponível para fazer o que é mais relevante, que é construir e instalar. Acredito que deveria ser ao contrário, tudo deveria ser trabalha-do para dar o máximo de tempo possível para projeto executivo e execução, entretan-to, isso nunca é feito. Como não há planejamento, a pessoa que está trabalhando não tem pressa, ela não conhece a gestão de projeto, ela não conhece caminho crítico”.

Desse modo, a nossa proposta traz questionamentos em diversas direções. Por um lado, verifi cam-se alguns indícios de existência de uma barreira, erguida por

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segmentos da assim chamada “cultura científi ca”, em relação ao campo das ativida-des que se debruçam sobre a questão formal, elaboradas por aqueles que lidam com a confi guração espacial e com o pensamento visual em nosso ambiente construído. Essa postura está presente na fala da bioquímica Eleonora, quando ela informa que, quanto à curadoria, “(...) Eu acredito que mediante o que falamos, no Museu da Ciên-cia, parece que a curadoria é dividida e realmente falta um olhar mais artístico.

Serei bem “careta”, protecionista e bairrista, mas creio que deva ser feita por um cientista. Talvez não um, mais de um, uma equipe de cientistas. Talvez abarcando outras áreas da ciência, que não a ciência técnica, mas acredito que terão detalhes téc-nicos importantes na área da ciência, pois ela é muito especializada”. Por outro lado, temos que, no campo da “cultura das humanidades”, ou ainda da “cultura projetual” ou mesmo do campo artístico, são notados indícios de certa falta de nitidez e envolvi-mento quanto às vastas implicações e possibilidades de atuação na difusão científi ca e nas exposições dessa natureza, no que concerne à construção do seu discurso, em especial no aprimoramento da compreensão do signifi cado que é comunicado pela exposição; como pode ser deduzido de algumas das entrevistas em anexo. Esse pon-to é ilustrado por um trecho da entrevista do designer Sergio, quando ele afi rma que “(...) eu não acredito que o designer tem que, obrigatoriamente, participar desde o início da concepção de uma exposição. Creio que a gente tem uma função de resolver uma série de problemas e não obrigatoriamente participar da concepção e da ideia. Acho que o importante é respeitar a capacidade e a limitação profi ssional de cada um. E quem cuida disso na verdade é o Curador. É ele que vai escrever o texto junto com o patrocinador e etc. Depois acho que o designer é chamado e tem que participar ativa-mente das soluções que esse grupo quer passar para as pessoas”. Adiante, ele reforça que “(...) Na minha concepção, temática não era da minha alçada. Acho que a minha alçada é a questão do visual, da questão técnica, da questão de partido visual, etc. Isso sim acho que era necessário. Acho que não houve”. Entretanto, ele também conside-rou, na mesma entrevista, que “(...) acho que as pessoas não tinham noção da nossa função. Não sabiam exatamente o que é que nós fazíamos. Acho que um pouco isso. Qual é a função de um Designer? Isso de “Santo de casa não faz milagre”, é isso um pouco. E a questão de equipamento que era uma questão séria”.

Ainda, na entrevista da Márcia (designer), da MBA, temos uma visão um pou-co diferente, quando ela sustenta que “(...) Nossa preocupação, na verdade, é pegar esses temas complexos e fazer discursos que são visuais. Geralmente, a instituição de-termina que tipo de discurso ela quer, ou seja, como ela quer parecer, ser vista peran-te os outros. (...) Quando a instituição tem um bom pedagogo facilita muito o nosso trabalho, pois ele ajuda na transcrição daquela ideia. Geralmente, não existe e nossa equipe é que tem que fazer essa transposição, e depois, retornamos ao pesquisador, pois quando estou resumindo algo, não pode carecer de verdade e informação cientí-

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fi ca, ou seja, não pode estar errado. Às vezes nós entendemos um assunto de maneira equivocada, então, existem umas idas e vindas de acertos e erros nesse processo”. Ela reforça nessa sua fala que a transposição não é um processo simples, mas que envolve idas e vindas, experimentação, tentativa e erro.

Consequentemente, resulta que a construção do discurso expositivo, nesse âm-bito em particular, se faz, na maioria das ocasiões, com um peso muito grande na ela-boração e no refi namento do conteúdo em si, deixando de lado os aspectos formais, visuais e estéticos como um mero apêndice de status apenas ornamental e decorativo. Para Marília Cury, existem elementos fundamentais na construção da experiência do público em uma exposição, e ela destaca “a apropriação do espaço físico e o dese-nho da exposição (sua visualidade) associados ao uso de outros recursos sensoriais” (CURY, 2004, p. 46). Ela segue opinando que “a elaboração espacial associada à visu-alidade da exposição são momentos chaves no processo de concepção, pois são ques-tões fundamentais da experiência do visitante” (Ibid., p. 47).

A transdisciplinaridade e a complexidade demandam maior atenção, se que-remos realmente integrar as questões sensíveis, a percepção, a inteligência visual, o pensamento produtivo e o trato das questões formais e espaciais na elaboração do discurso expositivo em exposições técnico-científi cas. Na curadoria, ou na equipe de conceptores, deve haver a intenção de se prestigiar o trabalho de design e dos campos não textuais (a linguagem não textual), permitindo experimentações, elaborações, modelagem e prototipagem. Ainda com a autora M. Cury, verifi camos que ela propõe, quanto à concretização de uma exposição, que esta estaria

(...) depositada na capacidade do designer e/ou arquiteto de lidar com o espaço e com a forma da exposição. Se exposição é conteúdo e forma, a forma permite a comunicação. Sem o designer ou arquiteto, a exposição não sai das ideias. É ele que materializa os valores embutidos no enunciado central e no seu desenvolvimento conceitual. É ele também que dá valor ao espaço e torna a experiência do público possível, a experiên-cia sensorial, interativa e criativa (CURY, 2005, p. 113).

Não seria exagero afi rmar que, na elaboração de exposições, ao longo do pro-cesso de construção do discurso expositivo, deve haver a oportunidade de, mesmo que de modo experimental, avançar na passagem do “modo texto” para o “modo es-pacial”, valendo-se de diversos recursos, desde a elaboração de metáforas inspiradas, metonímias, analogias e polissemias; passando pelos croquis, esboços e mapas se-mântico-visuais, e mesmo diagramas diversos, até a elaboração de modelos de estudo tridimensionais e modelos virtuais em computação gráfi ca. A experimentação é muito importante, e não deve haver o medo de errar. Se a curadoria educativa é a coluna vertebral do museu interativo, esta deve estar a serviço de uma aprendizagem ativa, que envolva o aprender a aprender, o não parar de aprender. O público não se cons-titui só de estudantes do ensino fundamental e ensino médio, então são necessárias estratégias para envolver e motivar o público em geral; com isso, a comunicação é

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fundamental; e deve-se privilegiar nas exposições a vida cotidiana. As exposições de-vem ser consideradas como mídias em seu pleno direito. Nelas, é preciso reconhecer a singularidade, a coerência e o objetivo comunicacional.

O discurso expositivo deve ser construído de forma a sempre incluir os aspec-tos históricos, humanos e estéticos, de modo harmônico, equilibrado. Os valores de ordem estritamente técnica e especializada não podem ser esquecidos ou distorcidos, mas não podem ser os únicos. Isso não signifi ca de modo algum abandonar o rigor, a análise cuidadosa dos fatos e das evidências. Entretanto, por outro lado, deve-se dar o devido valor à imaginação e suas possibilidades, não aquela fútil e rasteira, superfi cial e piegas, mas a que mobiliza, envolve, estimula, propõe, instiga e produz inquieta-ções. Nesse sentido, é importante que, para que se chegue ao horizonte de uma expe-riência estética efetiva, intersubjetiva e impactante, haja o interesse em jogar com o contexto, surpreendendo o visitante, brincando com o saber e as expectativas desse visitante. Assim, não podem ser ignoradas as possibilidades contidas em uma visão que contemple, de modo produtivo e enriquecedor, a imaginação, o pensamento visu-al, o intuicionismo, o insight criativo, a abordagem sinótica e inclusiva, e a ludicidade.

Os exhibits interativos são objetos que incorporam uma natureza dinâmica e tendem a absorver mudanças tecnológicas “topo de linha” com o objetivo de aprimo-rar a maneira com que exercem a mediação. Também chamados de equipamentos ou aparatos interativos, ou até mesmo “brinquedos”, como se pode constatar na entre-vista da designer Márcia, são essencialmente objetos complexos. Além de incluírem funções de ludicidade, se tornam em grande medida semióforos, e incorcoporam questões ligadas à ergonomia (ou “fatores humanos”). Genericamente, poder-se-ia in-cluir pega, manejo, visualização, legibilidade, segurança, facilidade de uso e operação, aspectos antropométricos, para citar alguns. Os aspectos estéticos precisam da mes-ma maneira ser bem resolvidos. Em síntese, a complexidade envolve a necessidade de harmonização e integração de diversos fatores. Tendo sempre lugar garantido nos museus contemporâneos de ciências e seus similares, em geral, sua integração com mediações humanas é recomendada.

O uso de aparatos tecnológicos não pode nunca ser encarado como panaceia universal que resolve situações problemáticas e reduz a interação a um apertar de botões (mesmo que virtuais). Entretanto, não podemos adotar uma postura similar ao neoludismo, condenando a priori a sua adoção. Até porque esta é uma tendência irrefreável nas exposições em museus e centros de ciências, como o prova a recente inauguração do Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro, com grande sucesso até o mo-mento. Nesse museu, não há acervo, e a exposição se renova periodicamente (algo que só é possível com a utilização da informática), acompanhando o caminhar de temas científi cos “de ponta”. A cada novidade que surge, alguma coisa pode ser adi-cionada e substituir algo já desatualizado. Uma de suas exposições temporárias, aliás,

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merece destaque: “O poeta voador – Santos Dumont”, sobre a vida e a obra desse in-ventor brasileiro com projeção internacional, inaugurada em abril de 2016. O motivo do destaque é a exposição em si, com seu conteúdo e sua forma, mas também o fato de sua curadoria ter sido realizada por um cenógrafo (Gringo Cardia), algo raro em se tratando de exposições dessa natureza. Na entrevista concedida pelo historiador Pedro Paulo, esse ponto é abordado, e ele opina que enxergou, nesse caso, “(...) uma enorme roupagem estética, artística. Talvez menos científi ca e mais histórica. Não sei ao certo, preciso ir a essa exposição para ver os conteúdos, porque o pouco que eu vi da exposição foram as imagens e com relação à forma está chocante, brilhante. Mas a maneira com que estão apresentadas as informações e o que informa é outra coisa. Acredito que tenha espaço para tudo, para essa imersão. Você pode entrar num espa-ço expositivo sem aprender nada, mas ter uma experiência sensorial, sair dela rico, feliz, relaxado, satisfeito, pois aproveitou bastante a experiência. Creio que essa ques-tão seja falseável, são as ‘falseanes’ da museologia, ou seja, pensar que toda exposição é somente para ensinar algo. Às vezes você se esquece que já entrou em exposições em que não aprendeu nada, mas que elas foram marcantes para você de alguma forma”.

Outro ponto nessa discussão é que, na própria dinâmica da utilização de recur-sos informáticos26, com softwares cada vez mais sofi sticados e complexos, surgem no-vas ideias apontando caminhos possíveis e ainda inexplorados (KIRNER et al., 2007). A informatização crescente, admitindo maior capacidade de memória e processamen-to e telas de altíssima resolução, permite que se construam interfaces (JOHNSON, 2001) novas que representam experiências inéditas na relação humano-computador, que não apenas aquelas do mouse e do teclado, ou ainda o toque de tela, como uma das entrevistas ilustra, na fala da bióloga Fabíola, no trecho em que relata que “(...) Então você pensa, o visitante inicial daquela época fi cava lá na frente fazendo o dedi-nho para seguir a setinha do mouse. O que tinha ali dentro era um outro detalhe, mas a setinha do mouse as crianças adoravam (...) realmente na época ser “toque-de-tela” era um diferencial. O pessoal fi cava seguindo a setinha mais do que vendo o texto, (...)”.

Temos hoje concretamente a possibilidade de imersão do visitante em ambien-tes virtuais, nos quais a interação pode se dar através de gestos, comandos de voz, elementos gráfi cos, olhares. Isso, com custos cada vez mais acessíveis, apesar do au-mento signifi cativo de capacidade de processamento, memória e sofi sticação. Com a fl exibilidade e a versatilidade dos sistemas informáticos, é possível introduzir, em um mesmo elemento, diversas camadas de interação e de informação, permitindo esco-lhas ao visitante, que traça o seu caminho na exposição com liberdade. Contudo, não podemos entrar em situações que privilegiem o chamado “fetichismo tecnológico”, ou ainda a “espetacularização” por si só. A tecnologia deve ser utilizada de forma sensível e equilibrada, não como um fi m em si mesmo (GIBSON, 1995).

26 Hipertexto, WWW, realidade virtual [RV] e realidade aumentada [RA], inteligência artifi cial [IA] e computação gráfi ca [CG].

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Deve-se conscientemente procurar traçar analogias entre coisas e elementos disparatados e evitar o “juízo crítico”, muito presente na formação e no ambiente aca-dêmico de pesquisa científi ca. O exercício do juízo crítico inibe o fl uxo de pensamen-to, levando a formas de pensamento já consolidadas, inibindo a imaginação, o que pode tolher as iniciativas criativas. Ideias iniciais podem ser geradas de modo fraco, incipiente, sem muita base; entretanto, muitas vezes nesse estado podem conter em germe desdobramentos assaz produtivos. O juízo crítico, especialmente quando exer-cido por especialistas, tende a exercer forte impacto no sentido de vetar determinados caminhos e obstruir o fl uxo criativo.

Para fi nalizar, trago algumas considerações e refl exões derivadas da minha vivência e as observações que se somaram ao longo da minha atividade na área de museus de ciência e tecnologia, assim como aquelas verifi cadas em alguns trechos das entrevistas, participações em equipes de elaboração de exposições, seminários e atividades práticas, antes e durante o período da pesquisa em tela, em especial (mas não exclusivamente) no Museu da Vida da Fiocruz. Elas se concentram na questão do tempo para a concepção, desenvolvimento e implementação de exposições, na medi-da em que toda atividade relacionada com esse processo demanda a formulação de um cronograma. Um primeiro aspecto é admitirmos que exista efetivamente a neces-sidade de, na sua concepção, em especial na construção do discurso expositivo, haver a preocupação efetiva com o tratamento das questões visuais e espaciais. Isso não pode ocorrer da maneira como usualmente se introduz uma ilustração em um texto, de modo acessório e periférico, apenas para que se tenha um complemento superfi -cial ao conteúdo desse texto; mas, ao invés, é preciso que se considere efetivamente a importância dos elementos da linguagem visual, da visualidade e dos fenômenos per-ceptivos como um dado do conhecimento, do processo cognitivo em si, requisitando um tratamento e um refi namento específi cos. Um aspecto complementar é a neces-sidade da compreensão de que, nesse tipo de trabalho, deve haver experimentação, exploração e busca, como parte do processo criativo, que não se realiza em um passe de mágica, mas demanda o pensamento produtivo, com esforço, dedicação, empenho, investigação e descoberta, e tempo justo para sua realização. Se os pontos anteriores são verdadeiros, então o cronograma para uma exposição de cunho técnico-científi co deve levar isso em consideração, admitindo um quinhão de tempo maior do total esti-mado para tais atividades.

A questão do tempo, em princípio, parece um aspecto “menor”, mas isso é ilu-sório. Esse tema refl ete, na sua simplicidade, como, no ambiente acadêmico de pes-quisa científi ca, os elementos da linguagem visual, da visualidade e dos fenômenos perceptivos ainda são vistos com certa desconfi ança, mesmo nos tempos atuais. Essa mentalidade deriva das posturas intelectualistas, já largamente comentadas anterior-mente neste trabalho. Tais elementos pertencem a uma esfera que não é redutível

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a fórmulas matemáticas, resiste aos modelos quantitativos e admite ambiguidades, imprecisão e imprevisibilidade no seu modus operandi. De todo modo, isso cria in-certezas que derivam para a desconfi ança: para essa visão predominante em alguns meios acadêmicos: o que não pode ser totalmente controlado e quantifi cado não pode ser digno de consideração – embora, na contemporaneidade, estejamos mergulhados na denominada “cultura visual” (FLUSSER, 2007). Retomo ainda posturas assumidas por Marshall McLuhan (1964) em sua obra visionária, quando defende que a mecani-zação, com toda a infl uência e dominação do “fordismo”, se cumpriu através da frag-mentação de um processo, seguida da seriação das partes fragmentadas. Ali, temos uma lógica na qual as coisas ocorrem em sequência (linear) e em consequente conca-tenação: essa lógica ainda era a preponderante até meados do século XX. Para ele, no mundo contemporâneo, a “Era Eletrônica”; retornamos à forma inclusiva do ícone, na qual o sequencial cede ao simultâneo, chegamos ao “campo total”. Saímos das coisas de natureza fragmentada ou sequencial para o mundo das estruturas e confi -gurações criativas. Assim, nesse ponto de vista, retomamos noções caras aos teóricos da Gestalt, que na primeira metade do século XX defendiam que os seres humanos sentem e percebem formas como totalidades estruturadas dotadas de sentido, de sig-nifi cação: são as percepções globais. Na noção de campo perceptivo (em analogia com o “campo total”), a percepção é vista como conduta vital, comunicação, interpretação e valoração do mundo, a partir da estrutura de relações entre nosso corpo e o mundo (CHAUÍ, 2001).

A renovação de linguagens em Museus e Centros de Ciências não é algo tri-vial. Nessa seara, apesar de todos os movimentos das novas tendências que este texto apresentou e discutiu, continuamos em grande medida a navegar em águas “fordis-tas”, lineares e sequenciais. Como superar esse estado de coisas, só a realidade à nos-sa frente, com seu devir, nos revelará. De qualquer modo, a realidade é dinâmica, e as coisas podem mudar, mesmo que de modo lento e gradual. Espero que este trabalho possa contribuir nesse sentido.

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Anexos

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Entrevista 1

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Entrevista: MBA CULTURALEm: 03 /09 /2015

Entrevistador:Nome da empresa?

Márcia:MBA Cultural.

Entrevistador:Seu nome?

Márcia:Márcia Brandão Alves

Entrevistador:Sua ocupação?

Márcia:Diretora.

Entrevistador:Sua formação?

Márcia:Desenho Industrial

Entrevistador:E a data de hoje?

Márcia:Dia 03 de Setembro de 2015.

Entrevistador: O vínculo empresarial seria o tipo de vínculo que você tem com a empresa.

Márcia:Eu sou a dona (...). Sou a sócia diretora, vamos dizer, sóciagerente.

Entrevistador:Você tem associados?

Márcia:Não, eu não tenho sócios.

Entrevistador:E, qual é o seu envolvimento com as exposições que a empresa realiza?

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Márcia:É total o meu envolvimento. Eu sou a pessoa que atende o cliente, que entende o es-copo, que faz a proposta criativa expográfi ca, que acompanha a produção. Às vezes, a única etapa que não acompanho é a instalação fi nal, mas sempre vou após a instala-ção, porque depois da execução a equipe está tão dentro do projeto que, às vezes, eu não preciso ir instalar. Aí, eu prefi ro, enfi m, estar em outras etapas de outros proje-tos, porque são sempre alguns projetos pararelos, raramente é um único projeto, mas eu trabalho com uma equipe muito jovem, então não existe uma formação específi ca para essa área, então, nós acabamos formando. Por isso, eu participo de todas as eta-pas, mas eu faço sozinha as três primeiras que são: o atendimento ao cliente; a com-preensão do escopo e da demanda da instituição em relação ao tema, a temática e a conceitual; e a proposta criativa, expográfi ca, geralmente, eu que faço também.

Entrevistador:Você já abordou, então, o terceiro ponto que seriam as etapas e seu papel nas etapas de desenvolvimento das exposições, quer dizer, pelo que você falou você teria mais envolvimento nas etapas iniciais, certo?

Márcia:Isso. E, a equipe entra nos projetos básico e executivo.

Entrevistador:Entendi.

Márcia:Uma vez que a proposta conceitual é aceita, aí nós começamos um desenvolvimen-to com a equipe. É importante que essa aprovação seja feita de uma maneira ágil, a aprovação conceitual. Depois, é desenvolvido o projeto básico, aí entra a equipe.

Entrevistador:Perfeito. Então, entrando na segunda grande seção que seria a elaboração da expo-sição, que você também já entrou um pouco no assunto, que teria a ver com a forma que as exposições são usualmente elaboradas, de uma maneira geral: a equipe, a or-ganização interna, os prazos, os custos e tal; isso em termos genéricos, é claro.

Márcia:Isso.

Entrevistador:Em termos médios, é claro que você pode ter uma situação em que você tenha uma exposição muito grande e outra que tenha uma exposição menor.

Márcia:Isso, itinerante ou permanente (...).

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Entrevistador:Isso, o escopo pode variar, mas haveria um prazo médio ou não?

Márcia:Existe o seguinte: eu, com certeza, vou responder as seguintes perguntas um pouco. Como eu disse, após a aprovação desse projeto conceitual, que geralmente é aprovado em quase 100% das vezes, porque o cliente usual, a instituição pesquisadora não é dessa àrea. A gente tem acertado bastante em atender, então ela é bastante aprovada de 80% a 100%. Uma vez aprovada, ela precisa ser modelada em ambiente 3D, e aí entram: desenhista de produto, técnicos de modelagem 3D, que não são desenhistas de produto, mas que juntos com os desenhistas são capazes de montar as maquetes; entra o desenhista gráfi co que vai vestir as maquetes com a forma e as escolhas grá-fi cas. Com relação à equipe técnica, nesse momento a gente consulta os marceneiros, os torneiros, os eletrônicos para viabilidade das escolhas, dos partidos de desenho de produto, principalmente, checando os modos construtivos propostos com a experi-ência dos executores. E, entra a equipe de gestão de projetos que tem um engenheiro de produção que é um gerente de projeto e tem uma gerente não só de projeto, mas, também, gerente fi nanceira administrativa do cronograma. Em 2010, eu contratei um consultor que estudou a empresa como case e todas as especifi cidades no nosso fazer para nos organizar e ajudar em relação a valor e prazo. Depois desse estudo, que demorou dois anos (2010-2012), e com a implantação da gerência nós começamos a ser muito mais assertivos em relação à proposta de valor e prazo. Nós só começamos a ser mais perceptivos na concepção do prazo a partir desse estudo. Então, nós temos uma exposição grande de 1000m², complexa, que pode demorar de três a cinco anos para acontecer todo o processo do início ao encerramento. Exposições, como, por exemplo, na Casa da Ciência, que são menores, com um espaço de 250m² a 300m², demoraram de um ano a um ano e meio. Muitas vezes eu me deparo com prazos er-rados, via de regra, as pessoas quando conseguem recursos em orgãos de fomento para desenvolvimento, elas não têm essa visão do prazo para desenho de produto e execução. Eu sempre brinco que uma cadeira demora três anos para ser feita, porém nós temos que fazer uma exposição completa com duzentas cadeiras, às vezes, em um ano, ou com cem cadeiras em seis meses, nesse sentido. Como as exposições são mui-to diferentes, tudo é protótipo, raramente nós temos a oportunidade de repetir algu-ma solução, alguma seriação. Às vezes, a gente faz em seis meses, mas digamos que seis meses seria o tempo mínimo de uma exposição pequena.

Entrevistador:Seis seria o tempo mínimo de uma exposição pequena?

Márcia:Seria o tempo mínimo de uma exposição com tudo dando certo em relação à aprovação.

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Entrevistador:O que você chama de pequena, em termos de m²?

Márcia:100m², 150m². Com um pequeno grau de complexidade, pois a complexidade au-menta o tempo.

Entrevistador:Claro.

Márcia:Nós já apresentamos na rede POP, e eu posso te passar, um documento explicitando o que são esses graus de complexidade.

Entrevistador:Interessante.

Márcia:E o recurso é relativo a esses níveis, relativos a valor de m² ocupado e o grau de com-plexidade. E eu só pude obter isso depois que houve essa consultoria. Então, durante 10 anos a minha empresa não teve lucro, e eu me paguei subvalores, valores assim. Eu sempre consegui atender, eu sempre fui uma pessoa mais contida e mais preocu-pada e ponderada em relação a recursos, eu nunca estive no vermelho. Nesse ponto nunca cheguei, mas durante esses anos eu, praticamente, não tive lucro, é como se eu tivesse comprado meu portfólio. Depois da intervenção desse consultor, a MBA teve em torno de seis a sete porcento de lucro, eu pude ter algum capital de giro, que antes eu nunca tinha tido. A partir daí consegui me pagar um salário de um professor universitário em início de carreira. Digamos que a minha compensação vem de outras fontes que não sejam exatamente fi nanceiras, ou seja, fazer design de produto para os ricos dá mais recursos, ou fazer artes plásticas, você é melhor remunerado do que essa área de exposição científi ca.

Entrevistador:Entendi.

Márcia:A gente privilegia mesmo a exposição, a gente quer que ela seja a melhor exposição possível, é quase um compromisso cívico, ideais e civismo envolvidos aí.

Entrevistador:Legal. Como é a abordagem do tema da exposição? Existe um determinado padrão ou procedimento? Se há essa questão conceitual inicial? Imagino que isso dependa da complexidade envolvida, da temática e tal, mas haveriam algumas questões que sejam, talvez, comuns; em que você note um tipo de padrão nesse tipo de exposição, nessa

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seara? Você mencionou, e que tem a ver com o aspecto conceitual, que tem gente que subestima o prazo necessário para você desenvolver o trabalho, sendo um traço comum ou padrão que você tem notado. Haveria algum outro padrão que você note?

Márcia:Os temas de exposições de caráter científi co, que são a maioria das exposições que a gente faz, ou mesmo quando a gente trabalha com exposições de caráter artístico, como por exemplo, uma exposição que era sobre uma tese de doutorado em história da arte em que, também, há ciência envolvida no caráter daquela pesquisa. Os temas são muito variados. Alguns temas são mais fáceis de se transformar em expografi a e outros são extremamente complexos. O único padrão que vejo é que cada instituição tem seus pró-prios temas. Então, por exemplo, quando somos chamados para o TSE nós fazemos o museu do voto; quando somos chamados para a Fiocruz nós fazemos um museu mais ligado à biologia, à saúde pública. Cada instituição tem seu conjunto de pesquisado-res, como, por exemplo, a COPPE (que nós estamos fazendo o museu da mesma). São pesquisas bem variadas dentro das engenharias. O que, geralmente, eu encontro é que a instituição sabe o tipo de mensagem que deseja transmitir sobre ela mesma e o con-junto temático reunido e entregue; todos os temas tem que ser estudados e nós temos que ser pessoas muito estudiosas que além de ler todo o conteúdo que a instituição nos fornece, ainda temos que fazer uma pesquisa e imersão acerca do tema de forma que nós consigamos propo-lo. A exemplo de um brinquedo de física, não há como você propor tal brinquedo se você não entende o seu fenômeno. Eu, por exemplo, tive que voltar a estudar História do Brasil no que concerne às eleições, de uma maneira pro-funda como o próprio historiador, mas também de uma maneira como um almanaque onde você reúne toda a informação de uma maneira ligeira, sintética e resumida que te dê compreensão para o que você possa propor, havendo essa variação. A questão do prazo e do recurso varia de acordo com o cliente que contrata a empresa, sendo que eles (os clientes) geralmente não têm uma visão nem do recurso nem do prazo, porque é um fazer fora do hábito. Darei um exemplo: uma instituição pode ser muito efetiva na pesquisa que ela faz, só que momento em que ela for fazer uma exposição, ela é crua, ela não sabe nada sobre isso, o que faz gerar uma série de dúvidas a respeito dos valo-res e do prazo. Depois dessa intervenção da consultoria, eu consegui explicar melhor e agora nós estamos construindo uma ata com a UFRJ para que o contratante tenha uma ata em que se basear, pois os brinquedos e aparatos expográfi cos podem custar de zero a um milhão de reais, é difícil mensurar os valores pelas diferenças de complexidade que estes envolvem. Se fosse só painel não, isso já está defendido, já está dominado. Se fi zermos uma exposição só de painéis já é fácil levantar esse custo. Entretanto, qualquer interação hands on, mecânica ou mecatrônica, não se tem ideia de valores. Vou te dar um exemplo: nós fi zemos um objeto, que foi um pêndulo de Newton gigante, mecânico e eletrônico para o Catavento, que custou R$80.000,00.

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Entrevistador:O Catavento Cultural de São Paulo?

Márcia:Isso. E, às vezes, com R$80.000,00 você faz uma boa exposição de painéis. Um único aparato com as características robóticas que ele teve de levantar uma, duas ou três bolas e ainda freá-las, teve esse valor. Então, varia muitíssimo em relação à complexi-dade que o objeto possui.

Entrevistador:Entendi, legal. Um fator que tem a ver com a escolha do tema é a participação da em-presa na escolha do mesmo (...)

Márcia:Nenhuma. Não existe.

Entrevistador:Então, a instituição já oferece o tema predefi nido?

Márcia:Sim, o que acontece muito é que a partir da existência daquele tema, nós iremos pro-por a abordagem referente ao mesmo. Às vezes os clientes propõem o tema e o subte-ma também. O museu do planetário, por exemplo, que nós fi zemos a criação, era uma única folha de papel A4 com todos os temas de astronomia que gostariam de ser abor-dados, como “sistema”,” Sol”, “Lua”, “Efeito Doppler”, “observação de estrelas”, “nas-cimento, vida e morte das estrelas e galáxias”, “o big bang” estavam contidos em uma lista. A partir dessa lista, nós fi zemos a proposta expográfi ca com alguns subtemas de apoio na área da astrofísica, por exemplo, visando dar suporte àqueles conhecimen-tos, ou das tecnologias utilizadas, por exemplo.

Entrevistador:Essa proposta expográfi ca que você está mencionando, quer dizer a abordagem do tema já envolve alguma visualização de elementos?

Márcia:Não. Geralmente, eu faço essa proposta com um texto bem visual que, no caso de um planetário, diz: “eu proponho que seja feito um ambiente em que o usuário vá vi-sualizar maquetes de todos os aparatos utilizados para prospecção da astronomia com uma bancada em que esteja preso nela o espectro eletromagnético, e a pessoa vá deslocar um knob e ativar o modelo que vai acender a àrea do cosmos que aquilo investiga e com que cara que aquilo chega ao investigador do Voyager”. Então, eu descrevo dessa maneira.

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Entrevistador:Quer dizer, então, você faz uma descrição bem detalhada do ambiente, do seu funcio-namento. Sua confi guração.

Márcia:Sim, isso antes de modelar. Uma vez que o cliente consiga visualizar (e, ele, geral-mente, consegue) eu posso modelar. Preciso de uma pré-aprovação do cliente para começar a modelar, visto que a modelagem demora muito.

Entrevistador:Em geral, o cliente consegue visualizar?

Márcia:Consegue, esse é o lado bom. Contudo, tem que estar descrito de forma minuciosa. Darei um exemplo de uma exceção à regra: a Casa da Ciência. Por ser uma instituição tão pioneira com bastante experiência, faz todo esse trabalho antes de me chamar, não a observação do objeto em si, mas eles trabalham profundamente o tema. Quan-do eu chego, o tema já foi tão discutido, tão fi ltrado, tão pedagogicamente trabalhado que melhora muito o meu trabalho, pois é possível quase que visualizar a exposição de tão bem descrito. O trabalho da equipe da Casa da Ciência é diferente do de um pesquisador. Nós trabalhamos com a UNB, por exemplo, e iremos fazer um trabalho com a UNB em que o pesquisador não é da área de exposição. Já a Casa da Ciência se especializou nesse trabalho. Nós tivemos isso com o Museu da Vida, pois aquela equi-pe formada lá no início de sua formação era muito criativa também, já interferindo um pouco naquilo que a gente ia como o Paulo Colonese, a Paula Bonato, gerenciados pelo Gilson, a Sonia Mano, havia um grupo ali, como o Paulo, que já tinha experiência em divulgação científi ca. Então, isso é mais raro, geralmente o que eu encontro é o pesquisador sem nenhuma experiência na área de exposição, mas que quer fazer di-vulgação científi ca, então ele recebe o recurso, sendo um processo bem mais cru. No planetário, por exemplo, experiência nenhuma, nos deram uma folha A4, enquanto na Casa da Ciência e no Museu da Vida já nos deram um projeto mais elaborado, mas é raro; exceção.

Entrevistador:A questão do acervo. Usualmente, há necessidade de tratar do acervo do museu en-volvido?

Márcia:Não, raramente nós trabalhamos com acervo, e quando trabalhamos, contratamos um museólogo especializado, nós não temos esse perfi l. Quando acontece, nós preci-samos contratar. Só que aí, acredito que entre na próxima pergunta: se sim ou se não.

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Entrevistador:Em caso positivo, de que forma? Quais são os recortes patrimoniais adotados? E qual importância deve se atribuir ao acervo? O que acredito que também dependa da insti-tuição, certo?

Márcia:Isso que eu ia dizer. Geralmente, somos chamados para exposições interativas com participação do público em cada experiência, então, normalmente, nós preferimos, nesses casos, ao acervo, modelo, facsimile, qualquer coisa que o acervo fi que moran-do na reserva técnica e que exista visita às reservas técnicas. Quando há acervo im-portante, e o Brasil não é um lugar em que se conserva, então, raramente há um acer-vo importante. Geralmente, os acervos são perdidos, as peças são perdidas, e quando existe está em um estado de conservação que não seria adequado levar para dentro de uma exposição. Quando é importante, tem um grande custo para levar para a ex-posição que é a execução de vitrines climatizadas, mas raramente trabalhamos nesse cenário. Pelo que estou preenchendo a você dei dois exemplos: fi zemos o mobiliário para a exposição de Joseph Beuys que veio da Alemanha pro MAC, em que a nossa função era fazer o mobiliário, mas toda a parte de acervo era do museu da Alemanha. Outro exemplo foi a exposição de Andy Warhol que o museu do mesmo trouxe e eles nos contrataram para fazer uma parte interativa da exposição lidando com o acervo e esse acervo não foi a MBA, foi toda a equipe dos museus do MAC e de Vitória que cuidou da parte de acervo e conservação. Nossa orientação é sempre usar modelos e réplicas, principalmente, porque, quando se pensa em acessibilidade, espera-se que aquilo seja tocado, então se utilizar a peça original aquilo jamais será tocado. Então, ela não se torna acessível.

Entrevistador:Ela deteriora.

Márcia:Se for algo tão emocionante, como às vezes acontece, a gente ainda prefere que tenha a peça de acervo superprotegida e uma réplica que possa ser tocada. No Museu Na-cional da Quinta da Boavista, nós fi zemos a sala de Paleontologia e criamos vários ob-jetos que poderiam ser tocados, porque todos aqueles fósseis não podem ser tocados, então nós criamos réplicas para dar acessibilidade e a experiência do toque, pois mes-mo quem vê, quem não tem nenhuma restrição visual, muitas vezes é uma pessoa que aprende mais com o uso das mãos do que com o olhar. Então, a gente sempre orienta mais para o facsimile, para que não se tenha que ter um cuidado absurdo com peças de acervo.

Entrevistador:Entendi. No caso negativo, você já explicou, que seria essa questão da acessibilidade.

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Márcia:Mesmo a conservação do acervo, que às vezes é melhor que esteja na reserva técnica.

Entrevistador:Pela questão de deterioro.

Márcia:O custo absurdo para mantê-lo exposto, questões de segurança e várias outras (...)

Entrevistador:A próxima pergunta é como são, normalmente, escolhidos os espaços expositivos, as características principais desses espaços e se há variação de acordo com o museu? Uma coisa que você já mencionou seria a variação de área, em seu tamanho.

Márcia:Grande variação. Eu até dizia lá no texto que, às vezes, as salas de exposição não são feitas para este fi m. Raramente, um museu é construído desde o início onde a arqui-tetura, a edifi cação, os móveis e o mobiliário são criados em conjunto. Geralmente, a gente encontra salas adaptadas, é o mais comum. Existia, por exemplo, no Museu Na-cional existia um Palácio e as salas que foram adaptadas. São muitas as difi culdades, então, raramente você encontra uma sala excelente, própria para todas as variáveis que aquela exposição exige. Tem vezes que você se depara com questões de patrimô-nio histórico.

Entrevistador:Lá no Museu da Vida existe muito isso de questões de prédios históricos.

Márcia:Isso também determina a linha dos objetos que serão criados para esses lugares que estão sob proteção do IPHAN e porque tudo tem que ser autoportante e não se pode realizar nenhuma intervenção. E exposições itinerantes, também se tem uma variação absurda, é até complexo quando se faz uma exposição itinerante. Também há as ex-posições móveis que são os caminhões, esses veículos móveis que precisam ser adap-tados.

Entrevistador:Como, no caso, Ciência Móvel.

Márcia:Sim, e a Light Móvel sobre energia, esse caminhão veio para nós e nós customizamos esse baú. Faremos agora, também, para a Defesa Civil do Rio em que há um cami-nhão já comprado e nós precisamos customizar o baú, quando é dentro. Por exemplo, no caso do Ciência Móvel, toda a exposição acontece fora, já essas duas outras (expo-sições) acontecem dentro; o visitante entra no baú e lá tem tudo. Geralmente, a gente

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faz um pouco de exposição fora, aumenta esses baús com toldos por uma questão de fl uxo, para que se consiga manter ocupadas algumas pessoas do lado de fora enquan-to as que estão dentro visitem a exposição e saiam. Isso tudo é por uma questão de fl uxo, para que não haja muita ansiedade no lado externo. Raramente acontece como tivemos agora com o Instituto Vital Brasil, em que um prédio foi construído para a exposição, a arquitetura (...)

Entrevistador:Isso é um evento raro?

Márcia:Raríssimo.

Entrevistador:A arquitetura foi pensada com um objetivo.

Márcia:Para atender àquele projeto expográfi co. Na UNB também foi assim. O prédio, fomos nós que propusemos sua arquitetura adequado à exposição, mas isso é raríssimo.

Entrevistador:Só para eu ter uma noção, nesse caso da UNB, quanto tempo demorou todo o proje-to?

Márcia:Dois anos. A UNB foi uma das melhores equipes com quem trabalhei, no sentido de que haviam pessoas inteligentíssimas, interessadíssimas, comprometidas que nos davam todo o subsídio científi co e pedagógico, que é o que nós precisamos que a ins-tituição nos dê, e muitas vezes ela não nos dá. Nós também detectamos que existe uma situção grave nessas instituições em que o pesquisador é extremamente ocupado e quando ele decide fazer divulgação científi ca é um extra, então, ele não tem o tem-po devido que a exposição exige. No caso da UNB houve a compreensão por parte do gestor de que eles deveriam se dedicar à exposição por um certo período. Então, a in-terlocução melhorou o design, o produto foi se tornando cada vez melhor em função da intervenção inteligente da pedagogia e da parte científi ca, por parte da equipe da instituição que é excelente, mas também é raro.

Entrevistador:Entendi. Como é pensada a infraestrutura para as exposições em termos de mobilá-rio, iluminação, suporte, cores e tal, quer dizer, isso obviamente também varia muito.

Márcia:Depende do espaço, do recurso e do prazo. Tanto o espaço, as condicionantes da área, os recursos, o prazo e a complexidade do tema determinam. Não há uma regra nesse

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sentido. Aliás, essa apresentação que a gente fez na rede POP dá essa dimensão da variação, pois é muito variado. A proposta, o mobiliário podem variar muitíssimo, de-pende se o prédio é tombado ou não, é bastante variado. Nessa apresentação eu vou mostrando grau de complexidade, valores e dou exemplos; mostrando a área, quanto custou, etc. Acredito que isso te dará uma boa visão sobre as variáveis que existem perante às instituições e que espaços, recursos, prazos e como são os temas elas pos-suem.

Entrevistador:Também há a questão das linguagens de apoio, que acredito que sigam pelo mesmo caminho, pelos textos, etiquetas, painéis, ilustrações, gráfi cos, eletrônicos e etc. Exis-te total liberdade ou depende do museu?

Márcia:Existe total liberdade depois que a instituição nos entrega, pois faz parte da missão da mesma delegar toda informação para quem vá propor: referências, ilustrações, víde-os, animações, livros, diversas publicações, uma tese de doutorado, se necessário. Por exemplo, fui à COPPE e baixei a tese de doutorado de uma das pequisadoras, fi z uma leitura rápida o que foi essencial para minha compreensão do assunto. Depois disso o que acontece, a MBA é que faz a base do texto expográfi co e propõe as imagens que farão parte desse conjunto. Geralmente, a instituição é prolixa em apresentar o con-teúdo; inclusive há um jornalista na equipe da MBA, e nós retornamos à instituição com uma redução drástica de texto.

Entrevistador:E, essa redução de conteúdo é vista como um problema aos olhos da instituição? Digo, essa redução de prolixidade.

Márcia:Não, num primeiro momento a instituição resiste, mas logo entendem que, pedago-gicamente, é necessário. Inclusive, o Gilson Antunes me passou uma publicação do Smithsonian sobre exposições interativas, então, se nos EUA onde há uma boa educa-ção científi ca existe a recomendação de que os textos sejam curtos e diretos, imagine no Brasil onde a taxa de analfabetismo funcional é altíssima. Então, o texto longo tem que existir para as pessoas que querem o “saiba mais”, os 10% de nerds, estudiosos, jovens que querem saber muito mais, que também, tem que ser atendidos. Então, existem camadas de informação, mas a primeira deve ser curta, direta e clara ao má-ximo. Há temas que são mais propícios a isso, enquanto outros são muito complexos de serem explicados em poucas palavras, mas eu vejo que os pesquisadores fi cam sa-tisfeitos quando esse objetivo é alcançado. Aí, por exemplo, na COPPE tem uma equi-pe de comunicação, da Dominique Ribeiro, que é excelente; então, ela poupa muito do nosso trabalho em construir esses textos, porque eles são “craques”. Geralmente,

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a gente faz infográfi cos e multimídias e eles lapidam esses textos, mas isso é raro de acontecer, pois a parte de redação costuma fi car na nossa mão. E, a parte de conogra-fi a e de vídeos vem da instituição e nós selecionamos.

Entrevistador:Uma espécie de lapidação.

Márcia:Sim, e nós redesenhamos muito com ilustração. Às vezes a gente reilustra, quando a ilustração científi ca é tosca do ponto de vista gráfi co, então, a gente melhora isso. Para o pesquisador não importa muito a cor, o formato e tal, mas para a divulgação científi ca, beleza é fundamental. “Nossa, fi cou lindo!”, arrancar um suspiro por causa de beleza da exposição é um dos nosso objetivos. eu acredito que a beleza seja funda-mental.

Entrevistador:Pois existe um lado emocional do visitante, e é preciso consquistar esse lado dele. A pessoa vai se envolver e tal, não é algo puramente de raciocínio.

Márcia:Não, o papel pega a mosca (risos). A ciência é um bicho-papão, então, se você não levar a beleza e a emoção, você acaba eliminando pessoas que olham e não irão se aproximar, por medo, receio de não entender. O segundo grau é que fez esse serviço, ou melhor, desserviço.

Entrevistador:Correto. E, também existe a necessidade de você apresentar aquele conteúdo de uma forma palatável, agradável e interessante. Estou me estendendo um pouco também, mas caso você não faça isso, você começa a ter uma rejeição de cara. A pessoa nem quer saber daquilo, porque a primeira impressão já não foi legal, então, realmente é um lado que precisa ser considerado.

Márcia:Nós temos grande preocupação com o lado emocional e em impactar. Ainda mais na era do playstation 4, kinect, do wii é uma concorrência desleal (risos).

Entrevistador:Que é do tempo em que a gente vive.

Márcia:Sim, e a concorrência é forte. Mas, por exemplo, o Lego vai sempre fazer sucesso. O mundo pode fi car virtual o quanto for, mas aquelas caixinhas de montar sempre terão um apelo próprio. A gente aposta muito em utilizar os recursos de tecnologia visual com moderação, pois eles logo chegam também na casa do visitante. Então, se um dia

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foi bacana você ter uma TV de sessenta polegadas, rapidamente deixa de ser, pois o moleque tem aquilo em casa. Então, é necessário ter um certo cuidado em usar tec-nologia, precisa-se ter alma, roteiro, argumento para sustentar aquilo, senão aquilo também não se sustenta. Você vai a um shopping e o consumidor já tem uma inte-ração com vídeo, fora esses equipamentos que eu citei, que são sensacionais; então, você vai jogar FIFA e os mapas são fantásticos, são cada vez melhores, mais realistas. Então, na hora de produzir uma exposição é necessário utilizar esses artifícios tam-bém, senão não há impacto, emoção para quem vê.

Entrevistador:Com relação aos discursos expositivos, às características dos textos, e o discurso mu-seográfi co que está ligado ao discurso expositivo.

Márcia:Nossa preocupação, na verdade, é pegar esses temas complexos e fazer discursos que são visuais. Geralmente, a instituição determina que tipo de discurso ela quer, ou seja, como ela quer parecer, ser vista perante os outros.

Entrevistador:Você acha que a instituição tem consciência clara.

Márcia:Dos seus temas? Tem sim.

Entrevistador:Sim, mas de como elas querem parecer, como elas querem se comunicar?

Márcia:Sim, eu provoco isso. Quem você quer ser para o público.

Entrevistador:O fato de você provocar acontece com bastante frequência?

Márcia:Não, não acontece bastante. Na verdade, eu faço vários questionamentos para poder atender melhor, no sentido de não errar o partido que irei atender. Por exemplo, o Museu do Voto é um museu cheio de “não-me-toque”, mas a historiadora é uma pes-quisadora muito interessante, então, nós conseguimos mostrar realidade sem dizer: “Olha, que história complexa e estranha das eleições desde 1532, que é o que trata”. Nós abordamos sem juízo de valor, e isso também é importante. Não queríamos criti-car, e sim, apresentar os fatos como eles realmente eram, queríamos moderar os dis-cursos museográfi cos, museológicos, museal, o que a instituição queria sem deixar de apresentar a realidade, pois isso é muito importante. E, deixando que o usuário tire as suas conclusões, construa seu próprio discurso a partir do que ele viu. Também

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fi zemos exposição sobre energia nuclear com a Casa da Ciência, com o conselho de energia nuclear, com aquele grupo de engenheiros nucleares, que adoram a energia nuclear, que acham que estão salvando a humanidade com esse tipo de energia; e a Casa da Ciência conseguiu construir um discurso onde ela mostra todos os lados sem sectarismo, sem maniqueísmo, que é a característica da própria Casa. Sem defender nada, mostrando todos os aspectos, sem supervalorizar. Então, nós mostramos as partes de àtomos, atômicas, de física, de medicina. Quando eu cheguei para propor, a Casa da Ciência já tinha isso construído, o que foi excelente, mostramos em um setor, um nicho em que era somente a bomba de Hiroshima e Nagazaki, um em que mostra-va o acidente de Césio, outro que mostrava as usinas de Angra (mas só mostrando o funcionamento), outro nicho mostando como o Urânio é, a geologia; e uma parte que mostrava o Sol que era a fusão nuclear. O que é interessante sobre a Casa da Ciência é esse tipo de discurso que ela constrói em que não existe uma manipulação, nenhum partido tomado; é onde todas as decisões são tomadas para que o visitante tire suas próprias conclusões. Inclusive, lá, eles fazem várias entrevistas sobre todos os setores e colocam essas entrevistas disponíveis para que todos escutem dois, três, quatro, cinco lados de uma questão. Aprecio muito essa postura, pois acho que há um ganho quando não se é manipulado nem para supervalorizar nem para discriminar o objeto; creio que divulgação científi ca deve ser assim.

Entrevistador:Claro. Quanto à execução da exposição, que entra a pergunta a seguir: todas as etapas do planejamento são usualmente colocadas em práticas?

Márcia:Existem as ferramentas de gestão de projeto que são essenciais para a execução, a ideia da gestão PMI é que você fi ca 60% do seu tempo planejando e 40% do tempo executando. O Brasil não tem uma cultura de planejamento, aí, nós estamos no sexto ano de implantação (...)

Entrevistador:Aí, são 10% de planejamento e 90% de implantação desastrosa, pois há uma série de problemas, precisa-se refazer, mais trabalho.

Márcia:Todos sabem que o ganho em se planejar é grande, tanto em economia, evitar retra-balho, aumentar a qualidade do seu projeto de produto (que é o mais complexo, não o gráfi co). O gráfi co quando se tem os conteúdos, a gráfi ca é muito plástica, é muito fl uídica, há muitos profi ssionais bons; nunca tive problema com a parte gráfi ca. Já a parte de produto é muito mais complexa, pois quase tudo são protótipos, e, também porque nós não temos uma área de produto tão desenvolvida, visto que não há indús-tria contratando por uma questão estrutural do Brasil. Ainda assim, existe a parte de

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planejamento: projeto conceitual, projeto básico, projeto executivo, execução, insta-lação; são as etapas. O que acontece, que creio ser a segunda resposta, é que muitas vezes o prazo errado faz com que as etapas se sobreponham. Por exemplo, as vezes o prazo é tão curto, que você ainda tá planejando o project, e você já está executando algumas coisas. Fui chamada para revitalizar o Parque da Ciência (do Museu da Vida – Fiocruz) recentemente, parte do trabalho eu tenho que fazer um projeto bem com-plexo executivo, que é com aquele Enrolando e Torcendo, para criar um outro jeito de acionamento e tal. Agora há projetos, como o das bolas e das molas, em que tive só um pequeno desafi o que é em relação ao acionamento, que também é pequeno. No mais, meu compromisso é pintura e reinstalação o mais perfeita possível dentro daquele conjunto. Aquelas bicicletas, por exemplo, que tem o elástico que são aqueles ciclos e rítmos, uma das bicicletas irei adaptar para cadeirante, então, ela tem que ser manual, o que faz ser complexo. Então, o prazo é curto, e uma vez que eu aceito fazer, eu que me organizo para aquela situação, e por vezes acabo fazendo o projeto executivo de uma parte e a execução de outra. Isso que é mais complexo de, às vezes, gerenciar.

Entrevistador:E, também, há o problema do prazo, correto?

Márcia:Exato. Só em função do prazo. No Museu do Voto, por exemplo, nós estamos tendo o tempo necessário, já são 4 anos só em projeto executivo, super detalhado. No livro, que eu te falei que a gente vai lançar, eu vou encartar esse projeto executivo, pois ele dá uma bela noção de que quando você tem o tempo para executar o produto em ten-tativas e erros, mockups e protótipos, aí sim a etapa de planejamento está completa. Agora, eles irão contratar os executores e nós iremos acompanhar a execução.

Entrevistador:Supervisionar, certo?

Márcia:Exato. Isso seria se a gente tivesse o tempo hábil para a parte de project, que é a gerência. O certo seria fazer o projeto conceitual, o projeto básico e planejar com a gerência o project desde o caminho crítico que é a data que vai ser inaugurado, vir fazendo o caminho crítico, quer dizer, de trás para frente e determinar todas as ações, ou seja, todos os entregáveis (que é um termo que eles usam). Por exemplo, na ex-posição da COPPE são 59 entregáveis e eles precisam estar distribuídos nessa linha de tempo com todos os que eles chamam de predecessores, que é tudo que eu tenho disponível para fazer aquele objeto. Por exemplo, um objeto que seja um tubo de acrí-lico, de 500mm, 50cm de diâmetro, eu preciso comprar o tubo, que às vezes é impor-tado, e tem o tempo até que ele seja entregue. Logo, eu tenho quem faça esse tipo de

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planejamento, o que ocorre, às vezes, é que ele não pode ser tão detalhado em função do prazo errado do meu cliente institucional. Contudo, quando eu tenho tempo é uma maravilha. O gestor, o meu consultor, me provou isso na primeira exposição que nós fi zemos em Brasília, fomos com 5 caminhões e passamos 25 dias lá sem hora extra, sem trabalhar sábado e domingo, pois o gestor disse que se existe hora extra a pessoa está desorganizada. Acabou a hora extra na minha empresa, acabou virar a noite tra-balhando, até porque oito horas é mais do que o tempo bom para o trabalho; a partir da nona ou décima hora decresce a qualidade.

Entrevistador:Já está com esgotamento.

Márcia:Exatamente. Então, esse planejamento que nós trouxemos para dentro da empresa foi fundamental até para fazer face a prazos curtos e nós montamos um curso de uma tarde inteira e ministramos para alguns clientes a fi m de que o glossário, a linguagem da gestão fi casse mais acessível a eles. Na própria Casa da Ciência fi zemos isso, sendo que eles já tem essa gestão, e nós apresentamos essa nova organização que foi muito bem aceita, sendo essencial para nós a questão do planejamento. Há uma pergun-ta sua que diz o seguinte: “qual etapa sua é bypassada, ou seja, é a etapa que não ocorre?” , às vezes a etapa de planejamento não pode ser profunda, esse projecting tem que ser muito mais curto e menos detalhado do que seria bom, em função dessa sopreposição de etapas, que não é boa. O ideal é você ter o planejamento completo. Hoje mesmo, o gestor estava reclamando disso, visto que é algo que acontece sistema-ticamente.

Entrevistador:Na pergunta seguinte, seriam os materiais de apoio ou catálogos para exposição, você normalmente se envolve como são produzidos também?

Márcia:Sim, a gente produz o manual de uso da exposição sempre e nós damos cinco anos de garantia para uso não vandálico, igual a qualquer outro produto. Nós temos a preocu-pação de fazer bem esse manual do usuário explicando o que é o uso vandálico, como limpar, como conservar.

Entrevistador:Perfeito, mas isso é algo mais interno?

Márcia:Sim, interno, de produto mesmo. Nós produzimos, também, muitas vezes o manual para o mediador ou para o professor na pré-visita (em alguns casos, para ambos) para quem for fazer a mediação. Não fazemos sempre esse manual, mas muitas vezes ele é

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gerado; na Casa da Ciência, por exemplo, é feito sempre, só que lá a produção é feita pela própria instituição com a nossa colaboração eventual. Comumente, também há o folder, pois as exposições o requerem. Há alguns poucos catálogos; como, por exem-plo, na exposição que nós fi zemos sobre história da arte. Entretanto, é raro ter catá-logo. Geralmente, o que se tem são folders para o visitante, e esses materiais pedagó-gicos para professor e mediador. Muitas vezes quando vamos fazer esses materiais a gente contrata terceiros. Na exposição do SESC sobre a roda, que fi zemos, nós con-tratamos o Paulo Colonese, porque havia muita física envolvida, então, contratamos alguém de divulgação e da área de física, pois não tínhamos esse tipo de profi ssional, cientista, vamos dizer assim.

Entrevistador:Normalmente, há a divulgação das exposições, pelo que você está falando.

Márcia:Sim, banners, fl yers, muitas vezes saem em jornais (todos os da Casa da Ciência apa-recem em jornal), às vezes em rádio e TV (como na exposição Roda em que veio a Globo, a TV Cultura), na internet através de fl yer eletrônico, em todo um mundo de mídia social com certeza. São as instituições que fazem a divulgação, a nossa equipe fornece mais a parte gráfi ca, ou seja, o material de divulgação.

Entrevistador:As perguntas desse outro bloco já foram conversadas, mas irei retomá-las a fi m de encerrar o tópico. A proposta conceitual da exposição já foi falada, correto?

Márcia:Isso. Nós fazemos a partir do input que é o conteúdo temático.

Entrevistador:E, essa proposta é elaborada de diversas maneiras dependendo da instituição, do tipo. Em outra pergunta, tenho a questão das pesquisas, que você já mencionou, que mui-tas vezes são feitas pela instituição, no caso do planetário em que te deram uma lista, o que é algo muito sintético, então a MBA trabalhou numa pesquisa prévia, certo?

Márcia:Sim. Na verdade, eu estava com uma equipe do CNPq como coordenadora e havia uma pessoa que estava trabalhando com parte museográfi ca-expográfi ca, e no caso do planetário, a equipe dava subsídios. Geralmente, a instituição entrega todo o seu ma-terial de pesquisa, mas nós precisamos pesquisar também a fi m de ter uma visão mais ampla de um assunto, para que possamos estudar o assunto até para podermos con-versar sobre aquilo. Lá na COPPE, que é um lugar muito complexo, por exemplo, es-tou falando com a professora Leda Castilho sobre terapia celular e se eu não estudar minimamente sobre o assunto de todas as maneiras que possa achar na internet, o

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que facilitou bastante, eu não consigo sequer conversar com a professora Leda. É tão complexo, mas se ela conseguir me explicar, eu consigo explicar à uma criança; basi-camente isso. Eu sou uma pessoa, geralmente, interessada por tudo, então eu acabo aprendendo por me dedicar e ter um esforço naquela direção. Inclusive, faço pergun-tas para o meu interlocutor que nem criança, pois quero que ele baixe o discurso para que eu possa entender o que ele faz, que pesquisa é aquela ou que assunto é aquele. Vou falar sobre Efeito Doppler no planetário, logo, alguém tem que me explicar o que é Efeito Doppler (e, muito bem explicado!) senão não irei conseguir propor um brin-quedo.

Entrevistador:Nesse caso, haveria uma transposição no processo daquilo é gerado pelo cientista e que é uma informação especializada entre os pares, e aquilo que é passado para a MBA, e como a MBA retorna com isso na forma da exposição para a instituição. Exis-te uma transposição aí, certo?

Márcia:Sim. Existe um transformador, um certo adaptador no meio.

Entrevistador:Correto. E, essa espécie de passagem, quase que uma tradução e que tem uma impor-tância muito grande independente de qualquer coisa. Logo, essa tradução precisa ser muito bem trabalhada, certo?

Márcia:Quando a instituição tem um bom pedagogo facilita muito o nosso trabalho, pois ele ajuda na transcrição daquela idea. Geralmente, não existe e nossa equipe é que tem que fazer essa transposição, e depois, retornamos ao pesquisador, pois quando estou resumindo algo, não pode carecer de verdade e informação científi ca, ou seja, não pode estar errado. Às vezes nós entendemos um assunto de maneira equivocada, en-tão, existem umas idas e vindas de acertos e erros nesse processo. “Entendi bem o que é buraco negro e estou pensando em fazer dessa maneira. É isso mesmo ou estou fa-lando uma bobagem?”. Nossa equipe faz um esforço na compreensão do tema, pois, na verdade, esse é o real sentido da divulgação científi ca: conseguir fazer com que essa linguagem, essa peça de comunicação chegue a todos (uma criança de 10 anos, uma dona de casa). Pessoas que são leigas, então a exposição não pode conter muito texto, precisa ter uma experiência museal memorável, quer dizer, esse é o papel mais importante; conseguir fazer uma boa transposição. Aparatos, objetos, formas de mos-trar existem muitas, às vezes, há duas ou três maneiras de mostrar um fenômeno, por exemplo, dependendo de recurso, de prazo, se será mais ou menos complexo, se será com interação de vídeo ou se será algo mais Lego; esses são os desafi os. Se a equipe não compreender o que vai ser dito e que precisa ser entendido por todos, não dá

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certo. Esse feedback nós obtemos dentro da própria empresa, pois, geralmente, todo mundo é leigo naquele assunto dentro da equipe.

Entrevistador:Já comentamos sobre a existência de levantamentos bibliográfi cos, consultas a espe-cialistas, levantamento de imagens, dos interesses da exposição também.

Márcia:Sim, é tudo validado com o pesquisador. A validade e qualidade da informação, nesse campo, é muito importante. A gente aprova passo a passo, a gente não avança se não houver aprovação.

Entrevistador:Uma outra pergunta se baseia na escolha de conteúdos e conceitos, quero dizer, se há aspectos similares. Porém, isso também já foi comentado, depende da situação, da complexidade.

Márcia:Sim, em parte isso é dado pela instituição, mas a gente, às vezes, propõe certos cami-nhos que geram subtemas, como na exposição da COPPE, em que há 21 laboratórios de pesquisa, só que nós propusemos que nesse espaço em que há divulgação cientí-fi ca, nós falemos sobre a pesquisa e façamos algum desdobramento sobre conteúdos do ensino fundamental. Isso não estava na proposta da instituição, nossa equipe que levou essa ideia.

Entrevistador:E, foi bem aceita?

Márcia:Foi. Se for falar sobre veículos movidos a hidrogênio, é importante falar sobre o hi-drogênio em si, ter um carrinho de amostra, fazer hidrólise na frente de todo mundo, esse tipo de coisa.

Entrevistador:A pergunta a seguir se direciona às difi culdades frequentes da apresentação de algum dos temas abordados em uma determinada exposição e o porquê isso acontece.

Márcia:Vou te responder dando um exemplo sobre o Museu do Voto. Como transformar esse assunto em algo interessante e interativo? Pois é, basicamente, a história dos governantes e de como chegaram às suas posições e do modus operandi desse fazer eleitoral. Nossa equipe teve extrema difi culdade, especialmente, porque o espaço que é feito pelo Niemeyer. Havia uma sala em que o polígono era absolutamente irregular com sessões de cúpula, então, precisamos fazer um esforço em aproveitar que essa

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difi culdade fosse a nosso favor, ainda assim, fi cou bastante complexo e muito extenso, também eram oito estações em um espaço que não era grande e o pé direito era mui-to baixo. Haverão situações em que os temas propostos são muito complexos, e para transformar é muito difícil. E o oposto disso, em uma exposição sobre ótica, da física, é sensacional, até covardia, pois a física é só mágica, uma coisa incrível, então, fi ca muito fácil de criar. Essa transposição é muito mais tranquila. Já numa exposição de matemática, é mais complexo que se transforme qualquer assunto, álgebra, trigono-motria, já geometria é mais fácil.

Entrevistador:Sim, porque tem a ver com essa questão da visualização, pois quando a visualização for mais abstrata mais difícil é de reprensentá-la, de forma interessante pelo menos.

Márcia:Perfeito. Exatamente esse ponto que você mencionou. Quanto mais abstrato mais difícil, quanto mais apelos visual e volumétrico é mais fácil. Se a exposição fala do só-lido geométrico de Platão é uma beleza! Fica bem fácil, até óbvio o que se irá fazer. Já quando vai falar sobre física quântica é preciso fazer animação, se não houver anima-ção e coisas interativas na área visual não há como falar sobre isso, é muito abstrato. Potências de dez, objetos nano, derivadas e integrais, etc. Aliás, sobre derivadas e in-tegrais, tive uma aula com o professor Ildeu na qual ele me explicou em dois minutos o que era derivada e integral. Então, quando a pessoa é capaz de te explicar em dois minutos de uma maneira visual, ou seja, quando se tem um interlocutor com essa qualidade fi ca fácil também. Ele é professor, e dizem que é muito bom professor, e trabalha com divulgação científi ca há muito tempo. Fui no laboratório dele e lá ha-viam vários objetos sensacionais que ele mesmo construiu; então, quando se tem um profi ssional desses a coisa fl ui.

Entrevistador:Na sua opinião, normalmente, o público compreende a proposta conceitual da expo-sição? Você tem esse sentimento de que existe essa compreensão?

Márcia:Existe, de uma maneira geral. Mas, por exemplo, quando é muito bem trabalhado como na Casa da Ciência, onde eles trazem vários mediadores e tem uma forma de trabalhar tão interessante que vai fi ltrando bastante e a compreensão do público é maior. Pode haver 30 pessoas discutindo um assunto, e por conta desse fi ltro essa interlocução fi ca mais defi nida ao visitante, além disso, eles também fazem pesqui-sa do público, o que é muito importante. Às vezes, você acha que um aparato está comunicando perfeitamente um conceito e não está; então, esse acompanhamento é importantíssimo. Pode acontecer de ter 20 aparatos numa exposição e três não es-tarem comunicando tão bem, digamos assim, e nós trabalhamos muito com o lado

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emocional e da imersão, que também são camadas de absorção daquela informação. Existem as múltiplas inteligências, então, cada um absorve de uma maneira, por isso temos um cuidado para que fi que acessível. Até uma criança pequena vai à exposição e o conteúdo passado lá fi ca memorável, ela consegue interagir. A questão do quan-to o públcio entendeu ou não é variável, não só pelo grau de escolaridade, mas pelo grau de interesse no tema. Uma vez presenciei na Casa da Ciência um garoto que era morador vizinho da instituição e que estava indo à exposição pela terceira vez, quan-do perguntei-lhe a razão de estar lá novamente ele respondeu que havia adorado a exposição. Claramente, depende do interesse do usuário, mas nós buscamos capturar a atenção até de quem não a tem, e a Casa da Ciência facilita, uma vez que nos dá bas-tante feedbacks, assim como o Museu da Vida o que é bom para corrigirmos modus operandi futuramente e melhorar a proposta.

Entrevistador:Alguns poucos autores defendem que essa compreensão em si não é tão importante, e o mais importante é que haja empatia com a exposição, pois existe a discussão de que o público vai às exposições que são lúdicas e não aprendem. Mas, os autores defen-dem que isso não é importante, e sim que haja contato, que a pessoa crie um vínculo.

Márcia:O simples contato já é muito bom.

Entrevistador:E que aí vale mais o lado do coração, da pessoa querer se envolver, se motivar, buscar saber sobre aquele assunto (...)

Márcia:Sim, a pessoa tem que querer saber e depois se perguntar. Se a pessoa se perguntar signifi ca que a atingiu de forma máxima, pois a pessoa se interessou e levantou a per-gunta, e se ela tiver interesse em saber sobre aquilo ela irá procurar. A função da ex-posição é mais no sentido de apresentar, provocar, levantar questões.

Entrevistador:Sim, e não com a função de explicar tudo, correto?

Márcia:Exato. A exposição não quer explicar tudo minimamente, não deseja ser escola ou ser livro. E, sim, quer ser envolvente, instigante. Às vezes, o pesquisador não tem essa visão e nossa equipe acaba dialogando a respeito da função da exposição, que é a ex-pografi a.

Entrevistador:Entrando em outra questão que tem a ver com a avaliação. As exposições com as quais a empresa se envolveu após determinado período de existência passam por al-

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gum tipo de avaliação? Caso positivo, de que tipo de avaliação? Com que objetivos? São feitas proposições quanto a algum tipo de reformulação? E, em caso negativo, por quê? Ou seja, em caso positivo, quais seriam esses objetivos?

Márcia:Nós sempre procuramos receber esse retorno, ou seja, essa feedback da exposição que fazemos. Às vezes, acontece a gente ter que fazer algum tipo de modifi cação no objeto, porque, no uso massivo, ele apresentou algum tipo de problema ou imprevisto que é o mesmo caso do desenho industrial: é necessário testar na sua função. Não é muito comum, pois sou uma pessoa preocupada com durabilidade e robustez, mas algumas vezes precisamos fazer algum tipo de mudança, a qual fazemos questão de realizar, quando há algum tipo de problema em relação ao uso massivo do objeto. Há casos em que ocorrem mudanças na comunicação, às vezes a coisa está dita de algu-ma maneira em algo adesivado que foi aprovado pelo cliente, mas no uso ele percebeu que deveria modifi car algo relacionado ao texto, acionamento ou à referência; esse tipo de situação não é muito comum, mas pode acontecer. Nós fazemos questão de modifi car e sempre mencionamos que tudo que pode ser tocado estraga, ou seja, pode haver algum tipo de dano com o painel isso não acontece muito. Embora o painel es-teja exposto, as pessoas não o tocam. Darei o exemplo da exposição para ENSP ligada à saúde pública na Fiocruz, que foi muito agradável de fazer. Essa exposição foi itine-rante e itinerou muito, voltava uma vez por ano para nossa equipe só para repintura de algo, ou seja, ela foi bastante interativa, porém teve grande durabilidade o que é uma preocupação, especialmente, por se tratar de recurso público sendo um momen-to em que se faz perguntas sobre valores. Nós desejamos que dure o máximo possível em respeito ao esforço e ao recurso utilizado. Se você gastou R$100.000,00 em uma exposição e ela durar 10 anos, seu custo foi R$10.000,00 por ano, ou seja, esse custo é diluído. Há também a questão da manutenção, pois nós enfrentamos esse problema quando não há equipe de manuntenção.

Entrevistador:Acredito que seja porque não existe planejamento nessa questão da manuntenção.

Márcia:Isso, e é uma realidade de produto de qualquer objeto. Uma capinha de celular su-per bem elaborada pela indústria, por exemplo, fi ca surrada um ano após seu uso. A utilização contínua desgasta, e nossa equipe só evita que seja um desgaste de função. Tudo é pintura automotiva, laqueada, eletrostática que são materiais que fazem com que o objeto deteriore o menos possível na sua utilização, que seja robusto, inclusive limitando os objetos, materiais e modos de condução, pois precisa ser robusto, pre-cisa ser durável. Logo, dou cinco anos de garantia; então imagine se eu criar algo que quebre constantemente, seria inviável, insustentável. Inclusive, a primeira exposição

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que fi zemos que foi a da pirâmide do Museu da Vida ainda está lá bem (conservada). Nós a fi zemos com alumínio e com um material externo, que na época foi o dobro do preço de um adesivo comum, nós trabalhamos com a MW Barroso, lá em 1999, com o adesivo da 3M e a máquina da 3M, que eram o dobro do preço dos demais. Aliás, a 3M me dava cinco anos de garantia, e alguns materiais duraram 10 anos. Isso é uma visão empresarial também, que vale o investimento, uma vez que seu cliente irá en-tender seu cuidado com a qualidade e irá te multiplicar, sendo muito mais vantajoso do que economizar fi nanceiramente.

Entrevistador:Então, o cliente precisa entender essa questão que você está colocando. Embora seja mais caro, o produto ter maior qualidade, maior durabilidade, logo, o cliente precisa estar atento a esse detalhe, saber aquilatar o que está envolvido.

Márcia:Quando eu falo que nós damos cinco anos de garantia todo mundo fi ca impressiona-do. Para a MBA a exposição funcionando bem é muito importante. Recentemente, nós revitalizamos o caminhão da Light e o que me importa é que a exposição esteja inteira e funcionando bem, por isso a questão fi nanceira precisa se equilibrar com essa necessidade de sustentabilidade. Esse é o nosso cartão de visita. Então, é impor-tante para a empresa e para as insituições públicas que atendam à população.

Entrevistador:Como se diz nos Estados Unidos é uma “win win situation” (expressão para conceitu-ar uma situação vantajosa).

Márcia:Sem dúvidas.

Entrevistador:Normalmente, é comum que a empresa seja chamada para participar em avaliações nas exposições que ela se envolveu?

Márcia:Nunca.

Entrevistador:Isso não acontece?

Márcia:Para participar não. Eu recebo a avaliação posteriormente, mas a empresa não é con-vidada a participar. Às vezes, nós fazemos isso por iniciativa própria e fi camos como observadores, mas nunca participamos ativamente.

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Entrevistador:Entendi. Mas, não existe essa iniciativa de convidar a empresa, por parte da instituição?

Márcia:Não. Nunca fomos chamados formalmente. O que acontece é a gente receber feedba-cks, que por sinal, nós que tomamos essa iniciativa de procurar obter uma resposta, ou seja, um retorno da instituição; mas nunca o contrário.

Entrevistador:Entretanto, isso é algo de natureza mais informal, não há algo mais formal, contratual?

Márcia:Não, isso não existe. Não sei se é porque não existe uma cultura em dar esse feedback. Nossa equipe está sempre preocupada em ligar e obter um retorno. Por exemplo, o Ca-tavento, nós ligamos e perguntamos se a empresa precisa de algo, etc. Nós temos essa preocupação visto que queremos melhorar cada vez mais os produtos que construímos.

Entrevistador:A experiência também serve para crescer. Esse dado de não haver esse retorno por parte da instituição é interessante.

Márcia:Mas poderia haver uma previsão dessa etapa em que a empresa fará uma avaliação na exposição enquanto ela está em uso.

Entrevistador:Eventualmente, até em conjunto com a equipe. Seria algo mais formal, mas seria muito proveitoso.

Márcia:Seria muito bom. Agora, com a revitalização da sala de ótica do Ciência em Cena (do Museu da Vida) foi muito proveitosa, pois a equipe do Museu da Vida designou um grupo para fazer a avaliação. Então, eles estão me pedindo a reavaliação, só que já ha-via um relatório enorme e muito bem feito de avaliação.

Entrevistador:Mas não houve a iniciativa deles te chamarem?

Márcia:Me chamaram depois que já tinha evoluído essa avaliação, mas também já tinham aspectos da própria área de produto. Embora eles tenham sua própria equipe de pro-duto que já havia feito toda a avaliação, eles queriam uma resposta da gente enquanto fornecedores, referente á questão de materiais, o que a gente achava, por sermos es-pecialistas da área, etc. Eles nos chamaram como consultores muito antes do proces-so. Agora, que eles irão captar, fazer a parte burocrática para a contratação futura do

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serviço. Nós fazemos isso sem custo algum sempre, justamente pela especialização; às vezes a pessoa fi ca muito perdida nesse ambiente.

Entrevistador:Então, você já respondeu a outra pergunta: usualmente, a empresa é convidada a propor algum tipo de modifi cação nas exposições pela instituição? Após determinado período de existência da mesma?

Márcia:Sim, isso sim. Às vezes queremos mudar alguns equipamentos, esse tipo de situação pode ocorrer.

Entrevistador:Embora não na avaliação, mas pode ocorrer, depois de algum tempo, pelo interesse da insituição em fazer alguma modifi cação?

Márcia:Exato. Como exemplo há o caminhão da Light, no qual ele tinha um equipamento que foi proposto pela empresa (Light), mas ela queria trocá-lo, então chamaram nossa equipe e nós fi zemos a proposta de um único equipamento desse caminhão, pois os outros atendiam à proposta.

Entrevistador:Qual papel você acha que tem o aspecto não textual nas exposições? Não textual que-rendo dizer entender tudo àquilo que não se refere diretamente a conteúdo científi co, o que importa para a passagem desse contéudo desse visitante.

Márcia:Há a questão do belo e a questão da imersão dos ambientes que são criados, ou seja, dos climas, da atmosfera que certos ambientes possuem. Só essa atmosfera já conse-gue tocar muito mais do que os demais fatores do experimento. Darei como exemplo a exposição que fi zemos na Rio+20 para o Itamaraty, em que todas as pesquisas da COPPE estavam ligadas a clima, que era a sustentabilidade.

Entrevistador:Isso lá em Brasília?

Márcia:Não, foi aqui no Rio mesmo. No parque dos atletas. Existe um projeto com sistemas de usinas de ondas, no qual nós fi zemos um local de imersão do vento com um hexá-gono, em que um dos seus lados havia uma entrada; logo, eram cinco projetores. E, nós fi zemos fi lmes só desse lugar, sendo cinco fi lmes diferentes tendo o vento e o som de mar ao fundo. Há várias fotos de crianças deitadas no chão “nadando no mar”; então, houve a imersão. Também, tinham homens de terno que estavam boquiaber-

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tos diante daquele lugar. O que foi absorvido pelos diversos visitantes? Não sabemos bem, mas sabemos que aquela maneira de demonstrar foi muito poderosa, ela real-mente deu um efeito e provalvemente se tornou memorável, que alguém vá lembrar. Então, quando se põe os sons do vento e do mar você coloca o público dentro daquela experiência, daquele ambiente. Aí, a equipe de comunicação da COPPE, que é fantás-tica por sinal, propôs que houvesse um pouco de texto em forma de poemas, haviam alguns poemas de Fernando Pessoa, do Arnaldo Antunes. Aquele ambiente criado já falava por si, você olhava e já conseguia captar a mensagem.

Entrevistador:E, que mescla o conteúdo científi co-tecnológico, digamos assim, com a literatura, arte, fi cando uma experiência multidisciplinar e mais aberta.

Márcia:Existe uma busca entre ciência e arte. Cada vez mais há essa convergência de ciência e arte. Acabamos de fazer uma exposição para a COPPE de ciência e arte, aquela taça de bolinhas que era disputada pelo Flamengo e São Paulo. Um ex-professor meu da PUC, o Maurício Salgueiro, fez essa taça e a COPPE contratou um especialista para fa-zer a réplica, só que quem, de fato, fez essa réplica foi Paulo Miguéis; e fi cou incrível. Ele foi tão inteligente para fazer a taça de bolinhas, pois isso é um produto bem com-plexo. Depois te dou um livro em que há foto dele no catálogo. Esse cara é fantástico, sou muito fã dele. Essa busca era a taça de bolinhas e as cristalografi as do material da taça, que são obras de arte abstratas. Nós fi zemos um túnel em que o pessoal atra-vessava naquele ambiente das artes plásticas, mas que eram as fotos de microscópio eletrônico do material de bolinhas.

Entrevistador:Ganhou uma outra dimensão.

Márcia:E havia um som incidental nesse túnel. Nós trabalhamos com muitos profi ssionais ligados à música. Então, nós fazemos a parte de trilha sonora também. Usamos muita música, muito som. Meu irmão, que é um craque, trabalha com Surround, com 5.1 e sabe instalar tudo isso, então, eu tenho um consultor de alto nível para essa parte de som. O som também ajuda muito na imersão do público.

Entrevistador:Agora que você mencionou isso, me lembrou que fomos em Inhotim (que é também um parque) há um tempo atrás e lá tem uma instalação com várias dimensões (...)

Márcia:É botânico e ao mesmo tempo artes plásticas.

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Entrevistador:Exatamente, e arquitetura. Também, tem o lado do paisagismo, já que o projeto pai-sagístico é do escritório Burle Marx, e tem um pavilhão que é deles. Há um artista plástico, que acredito ser internacional, que fez uma sala com um conjunto de caixas de som em círculos, na qual as pessoas fi cam ali dentro e têm uma sensação de movi-mento do som e imersão naquele ambiente, quero dizer, é bem essa a ideia. Você con-segue distinguir o som do instrumento chegando perto de uma caixa daquelas.

Márcia:Você se movimentando no espaço muda aquela confi guração da obra.

Entrevistador:Sim, é algo muito interessante.

Márcia:Nós utilizamos muito esse recurso sonoro.

Entrevistador:Bacana. Isso tem a ver com essa questão da experiência mais sensorial. Há uma últi-ma pergunta que de certa maneira retoma essa questão que a gente já viu, mas vamos falar sobre ela a fi m de que você faça algumas observações falando da sua experiência. Qual a importãncia relativa a prazos? Qual o momento em que a concretização passa a ser mais relevante? (Isso já foi mais ou menos explicitado). Como isso é visto (pelos clientes)? Como se dá a locação do tempo para elaborar as questões? Há necessidade de uma pesquisa de ordem prática ou é apenas um executar a partir de orientações dadas pela equipe contratante? Você já mencionou que em alguns casos há um prazo adequado, mas que na maioria dos casos não há; te obrigando a encurtar certas coisas que você gostaria de fazer com mais calma.

Márcia:Perfeitamente. Até acaba modelando algumas decisões. Por exemplo, quando precisa--se decidir rapidamente, talvez, você não esteja decidindo pelo melhor aparato, mas o fato de você precisar decidir com rapidez faz com que você desenhe algo que possa ser construído naquele prazo curto. Também, reclamo, de uma maneira delicada, que às vezes a instituição perde um tempo imenso em burocracia, já o objetivo principal que é a execução daquela exposição fi ca 10% do tempo disponível para fazer o que é mais relevante, que é construir e instalar. Acredito que deveria ser ao contrário, tudo deveria ser trabalhado para dar o máximo de tempo possível para projeto executivo e execução, entretanto, isso nunca é feito. Como não há planejamento, a pessoa que está trabalhando não tem pressa, ela não conhece a gestão de projeto, ela não conhece caminho crítico. Quando nós apresentamos, o contratante fi ca de cabelo em pé, pois ele terá que fazer a parte dele num prazo que é razoável para que a exposição possa

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acontecer sem muito atropelo, não há essa visão. Sempre brinco que a gente (gestão de projetos) vê cada dia e cada hora de um dia como muito importantes para a con-secução do objetivo, já as intituições olham o mês como se fossem quatro semanas. Sempre aquilo que precisamos fi ca para a próxima semana, enquanto para nós cada hora é importante, também, em função de nosso tempo ser produtivo. Em contrapar-tida, pelo fato daquilo não ter o tempo hábil para elaboração, o nível de exigência cai muito. Nós precisamos ser os mais exigentes, pois geralmente nosso cliente fi ca muito satisfeito. Pode acontecer do cliente estar satisfeito e nós não estarmos. Depois que nós implantamos a gestão PMI, eu estava muito updated, muito pronta e o cliente estar muito atrasado e com muita raiva de mim (risos), pois eu sinalizo quando ele fi cou de me entregar algo ou de providenciar algo. Agora, farei uma defesa do cliente: geralmente, quando a instituição faz uma exposição, ela não possui uma equipe de produção, então, o gestor daquele projeto é uma pessoa ocupadíssima tendo que fazer 10 coisas ao mesmo tempo. Às vezes ele não posseu a rapidez necessária, pois ele está sozinho executando várias coisas ao mesmo tempo e não possui uma equipe de apoio para ser a interlocução com quem está fazendo a exposição. Gostaria de sinalizar que todas as instituições deveriam ter uma equipe de produção com duas, três ou quatros pessoas.

Entrevistador:Equipe de produção com bom treinamento.

Márcia:Exato. Às vezes há pessoas muito inteligentes que vão se formando ao longo da inter-locução. Como exemplo tem o Casaday, que era da Casa da Ciência, está trabalhando no Parque da Ciência, um lugar que carecia muito de ter esse tipo de profi ssional bem treinado e que tem uma visão de produção, pois isso falta muito no mercado. Então, já há um erro de base. Darei como exemplo a equipe da COPPE em que tem um even-to atrás do outro, a exposição que nós estamos fazendo é mais uma coisa que eles realizam. Há pessoas muito trabalhadoras, competentes, fazendo um esforço incrível para nos atender no prazo que nós necessitamos. Também há esse tipo de situação. Várias pessoas querem fazer divulgação científi ca, os orgãos estão dando recursos, mas eles também são equivocados; você pede um recurso, eles dão a metade e que-rem que se faça a mesma coisa, isso ocorre muito. O CNPq deu um valor muito lou-vável para a construção civil, só que é 1/3 do valor necessário para a despesa, sendo necessário rever as rubrícas, fazendo um rearranjo, um estresse. Acho que são postu-ras presentes em todas as áreas profi ssionais do Brasil. O cronograma é matemática pura, você estuda aquilo de maneira inteligente, que é o que as equipes de gestão fa-zem. Eu sou uma boa pessoa para a equipe, pois eu trabalho sem fi m e faço com que as coisas aconteçam, mas alguém tem que me organizar, eu quero ser organizada por

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uma equipe de gestão e eu sigo todos os procedimentos que eles me indicam. É isso o que acho que falta no Brasil como um todo, pois não é uma cultura nossa. Nós somos os reis do improvisso, gostamos de ser chamados para improvisar, de virar noite (ri-sos). Se você não discutir o prazo com o cliente você terá duas pessoas virando noite para realizar um serviço que seriam de quatro (pessoas). Geralmente, o problema é o prazo, pois há prazo do ministério, do CNPq, do MCTenfi m. Geralmente, eu questio-no muito essas datas de inauguração. Tirando situações em que são “aniversários” de algo, as datas são aleatórias.

Entrevistador:Às vezes, há uma questão política inclusa.

Márcia:Exato. São datas políticas. Às vezes, só políticas que não estão “nem aí” para a exposi-ção. Há casos em que se for colocado um mês a mais melhora tudo, nosso risco dimi-niu muito, por conta do prazo curto e do dinheiro envolvido.

Entrevistador:O Cosmo conspira a seu favor (risos).

Márcia:Sim, acredito que seja muita metafísica, porque não é moleza (risos). Agora, estamos fazendo uma instalação para o Instituto Vital Brasil que é a mais complexa da expo-sição. Você tem uma bancada com várias alavancas, manches, roldanas e que os ani-mais peçonhentos (feitos de recortes) se movem de dia e de noite dentro do cenário. Então, se for de dia, você move uma pedra e há uma serpente dormindo debaixo da pedra. Há um sapo e um escorpião em que você toca e o sapo salta e come o escor-pião. Imagine quantos testes fi zemos até acertar a parte desses mecanismos, rolda-nas, polias, enfi m. É bem complexo e ainda pode acontecer de nós testarmos bastante e na hora do uso massivo ser preciso modifi car algo, pois faz parte do Desenho Indus-trial.

Entrevistador:Uma coisa é você ter o uso do teste que é controlado e outra coisa é o dia-a-dia.

Márcia:Sim, até automóvel faz recall.

Entrevistador:E, em automóvel há todo um processo de prototipagem, de lote piloto, até conseguir chegar ao produto.

Márcia:Às vezes, esse procedimento é difícil de explicar aos clientes. Se der algum problema

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nós iremos fazer os ajustes necessários. Parece que o cliente imagina que esse tipo de situação seja parecida com a compra de uma TV em que o consumidor dá o dinheiro e pronto, o produto vem fi nalizado e maravilhoso.

Entrevistador:Verdade. É necessário que o cliente entenda a realidade que há por trás desse processo.

Márcia:Sim, com as coisas mais mecânicas, mais complexas, mais interativas (...). Tem um robô, então, se o cara não ligou uma bateria já nos informa: “MBA, não está funcio-nando!”. Já aconteceu de eu ter que ir a São Paulo, porque um cara ligou o motor no 220V e queimou, na exposição do Catavento. Então, até esse tipo de coisa bem básico pode acontecer.

Entrevistador:Maravilha. Muito obrigado!

NOTAS: 1. As palavras sublinhadas são nomes próprios do aúdio escritos a partir do que foi possível extrair do mesmo.

2. As palavras destacadas em itálico fazem parte da categoria estrangeiris-mo e/ou indicam discurso direto (falas) da entrevistada.

3. As palavras e/ou expressões entre “aspas” compõem gírias ou expres-sões coloquiais pertinentes ao entendimento do texto.

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Entrevista 2

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Entrevista: Eleonora Kurtenbach - Espaço Ciência VivaEm: 08/04/2016

Entrevistador:Então, eu pediria inicialmente o nome da instituição, o seu nome e, por fi m, a ocupa-ção, formação, essas coisas.

Eleonora:Estou representando o Espaço Ciência Viva no qual, atualmente, eu sou a vice-pre-sidente, na verdade o presidente é o Robson Coutinho mas eu estou no museu indo e voltando desde 1985 mais ou menos. Tem 30 anos e sou professora do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho. Na verdade, sou bioquímica com mestrado e douto-rado em biofísica. Tenho um laboratório de pesquisa básica e aplicada em biologia molecular e biotecnologia mas já me interesso por divulgação científi ca desde que eu faço mestrado. São idas e vindas, e saídas e voltas. Mas 10 anos atrás, mais ou menos, começou essa formalização maior da divulgação e como a gente já tinha o doutora-do da outra área a gente acabou facilitando a formação de gente nessa área também. Mesmo que a gente não seja um especialista teórico. Eu diria que o pessoal mais novo pegou mais a teoria e a gente pegou mais a prática em determinado momento.

Entrevistador:Bom, a data de hoje é dia 8 de abril de 2016. O primeiro ponto origem e tempo da ins-tituição você já falou que seriam 30 anos do Espaço Ciência Viva.

Eleonora:Estaríamos fazendo 30 anos do espaço como físico mas a gente começou as ativida-des um pouco antes. Ele se estabeleceu com atividades de rua primeiro, então ele não tinha um espaço físico. Em 1986, então desde 1983, mais ou menos, as discussões começaram nos anos 80 quando surgiu a Ciência Hoje e a gente (...)

Entrevistador:Ciência Hoje, a revista?

Eleonora:A revista. Mas um grupo que se reunia e fazia o Ciência as seis e meia no centro da cidade. Começou por aí. Eu não estava muito nessa época mas a Solange, o Bazin e o Pedro Pecequini e o Ildeu, eram os principais dessa época, faziam parte desse grupo que, não diria que achou, mas tentou fazer divulgação da ciência de duas maneiras diferentes; um pela escrita, e surgiu Ennio Candotti, Darcy de Almeida na parte do Ciência Hoje e a gente resolveu partir para uma coisa mais prática, mais experimen-tal, que era o Mão na Massa vindo do Maurice Bazin que já tinha essa experiência.

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Entrevistador:Do Exploratorium?

Eleonora:Fora. Mais no Chile. Ele não tinha passado muito pelo Exploratorium. Ele tinha fi ca-do um tempo no Chile e veio para cá junto com Pierre Lucida. Então o espaço físico, que a gente no início nem queria, foi inaugurado em 1986 e não é nosso de fato até hoje porque ele é cedido pelo estado. Ele foi cedido por 10 anos pelo governo do Bri-zola e hoje a gente não teve a cessão de novo do terreno. A gente ganha dinheiro do estado mas não tem a cessão permanente do terreno. Então, isso difi culta um monte de coisa. E a gente é uma ONG até hoje. Apesar de a maioria a fazer a sua atividade de extensão lá ser da UFRJ, a gente também abrange gente da UERJ e de outras uni-versidades, do IFRJ fazendo parte dessa extensão lá. Continua sendo uma associação sem fi ns lucrativos tendo suas vantagens e desvantagens neste sentido também.

Entrevistador:Quer dizer, o Espaço Ciência Viva é uma ONG, ou seja, é uma organização não gover-namental e não está fi liada à nenhuma instituição em particular?

Eleonora:Não está fi liada à nenhuma instituição. A gente vê vantagens e desvantagens. Até hoje ainda tem gente que seria favorável, já que a maior parte é da UFRJ, da gente de fato fosse ao Reitor e pedisse o espaço até pelo CCS porque a gente acaba, a maioria, da direção está ligada ao CCS mas outras pessoas fazem atividade lá também. Mas a gen-te também enxerga que para alguns editais de cultura e alguns outros editais e até a própria liberdade do sistema da gente ser uma ONG ainda é mais favorável do que ser da universidade que aí você fi ca mais restrito as regras da universidade mas por outro lado você também não tem funcionário, a gente não tem nada. Logo, é quase que um voluntariado e também uma dicotomia um pouco grande porque muitas vezes depen-de da universidade para fazer a atividade fi m lá porque nós estamos na universidade e os estudantes são a maioria estudantes bolsistas de extensão da universidade. Mas ai também tem alunos fazendo pós-graduação lá com temas que são da Fiocruz, que são de outras pós-graduações e até daqui mesmo.

Entrevistador:Compreendo.

Eleonora:Espalha um pouco os alunos. Então é uma confusão. (Risos) Não muito diferente da sua, Saboya. Eu estou até entendendo. Está no Museu da Vida. Está na EBA. Está na Esdi. Assim tem que ser.

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Entrevistador:É verdade. Quer dizer a fi liação institucional tem essa característica de ser uma ONG independente?

Eleonora:E tem outras vantagens, por exemplo, a gente percebe no trabalho do Fábio que mui-tas vezes a pessoa não chega à instituição, ao Museu da Vida. Não ao Museu da Vida, porque ele é muito grande, mas às vezes a pessoa não chega ao Museu da Vida porque ele está linkado à uma página institucional muito maior. Assim, ele perde a visibilida-de.

Entrevistador:Como na internet.

Eleonora:Por exemplo na internet, perde uma visibilidade mais rápida certo? Não que a gente tenha uma visibilidade enorme mas ele discute muito isso que muitas vezes o próprio museu daqui da instituição, que tem um museu pequeno em memória ao Carlos Cha-gas que fi ca dentro da instituição. Então claro, se você depois quiser conhecer ele ago-ra está com uma exposição muito bonitinha de algum dos fundadores da instituição. Acaba difi cultando algumas coisas estar linkado à instituição. Algumas diretrizes. Algumas... achados.

Entrevistador:Com relação à natureza do acervo ou especialidade institucional haveria essa caracte-rística de acervo, quer dizer, o Espaço Ciência Viva tem o acervo próprio ou não?

Eleonora:Desde que o Maurice Bazin, que era nosso primeiro fundador e líder, faleceu, a gente começou, e aí a institucionalização maior, a se preocupar com acervo. Hoje o Mast topou pegar o acervo do Maurice Bazin para que ele depois cuidasse do acervo e nisso a gente pediu para que, junto com do Maurice, a gente fi zesse mínimamente algum acervo da instituição documental. A gente percebe que há uma perda da documenta-ção do próprio módulo experimental. Algumas coisas que a gente vem jogando fora e que a gente não recuperou e nisso a gente começou também a pensar em fazer então o acervo pelo menos fotográfi co da instituição. Eu orientei um rapaz. Aí é o problema. O nosso acervo do Maurice Bazin tem parte ainda comigo mas está sendo catalogado pelo Mast e junto ele conseguiu pelo menos fazer algum acervo então a gente tem isso lá. A menina que estava tomando conta morreu e fi cou meio parado.

Entrevistador:Ela é do Mast?

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Eleonora:Do Mast. Volto a dizer que eu tenho o Everaldo, que é o chefe do Mast, o acervo e tenho que fazer essa retomada para ver quanto a gente e a gente tem medo que esse acervo volte para o museu que a gente não tem um lugar de acervo de fato lá. E nós gostaríamos muito.

Entrevistador:O acervo documental, ou seja, são documentos sobre projetos, propostas, enfi m, ma-terial textual e também uma documentação fotográfi ca que documenta os eventos e as atividades.

Eleonora:Essa é a ideia. O documental já está mais catalogado lá e os de foto também foi o me-nino que fez a especialização lá na Fiocruz e que começou a fazer. Fez a especialização na divulgação científi ca, mas ele não está robusto ainda não. É só, infelizmente, uma ideia. E foi o Mast que nos ajudou mais. A gente até teve as meninas lá da casa de Oswaldo Cruz que vieram ajudar nessa documentação do Carlos Chagas. Esse memo-rial foi ajudado bastante por lá.

Entrevistador:Pessoal da reserva técnica.

Eleonora:Eles acabaram de fato fazendo uma exposição do Carlos Chagas porque tinha o in-teresse comum. A Fiocruz tinha interesse no Carlos Chagas. Então inclusive muito material daqui acabou indo para lá. Estou confundindo as coisas porque foi mais ou menos na mesma época que nós começamos a fazer tudo junto. Eu ajudei um pouco as meninas aqui no Carlos Chagas e eles aqui criaram uma salinha de reserva técnica também para o museu. Tem muito equipamento antigo. Isso a gente não conseguiu fazer lá no Espaço Ciência Viva. A gente mandou um projeto (acho que foi) para o Ibram. Algum deles que abriram um de reserva técnica e a gente não ganhou. Não sei. Eu já não me lembro mais.

Entrevistador:Mas é uma técnica no sentido que também, quer dizer, tem a reserva de objetos.

Eleonora:Alguns objetos. Eu até não sei o que vocês pensam disso porque na verdade objetos de um museu de ciências, como eles são muito renováveis e muito usados pelo públi-co. Não sei se aquilo tem um valor de fato. Talvez a documental seja a mais(...)

Entrevistador:Relevante?

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Eleonora:Há umas coisas que são importantes. Na hora de você fazer o modo como é que foi a discussão. A parte na época como é que estava a ciência naquela situação. Não é? Porque a ciência também anda tão rápido que você rapidamente percebe que aquilo ali que você fez há dois anos atrás já deveria ser muito modifi cado dois anos depois. Não sei nem como seria, mas a gente percebe que a gente tem algumas possibilidades de museu. Sei lá, alguns microscópios, algumas montagens que seriam interessantes preservar e que são enormes. Que espaço seria esse?

Entrevistador:É agora que complica, certo?

Eleonora:É.

Entrevistador:Pela volumetria daquele parâmetro.

Eleonora:O que esse meu aluno quando fez a especialização percebeu é que pouca gente tinha coisa documentada. Tinha de fato em vídeos, em fotos, pouca documentação. Que o Mast era o mais próximo de estar fazendo isso permanentemente porque aí precisa-ria de um quadro de pessoas de lá, de historiadores permanente também. Nós lá no Espaço Ciência Viva somos cientistas experimentais a maioria. Não temos alguém trabalhando nisso não. É uma pena. Esse acervo foi eu que consegui com o pessoal do Mast. Eu tenho que reaver, parcerias. Tem um contrato estabelecido que a gente fez.

Entrevistador:Entendi. Outro ponto envolveria recursos fi nanceiros. Isso já foi comentado. No geral pelo o que entendi seriam recursos fi nanceiros obtidos através de editais de órgãos de fi nanciamento, da parte de educação...

Eleonora:É. Os de sempre. A gente até consegue por conta de sermos da Universidade e as vezes a gente acaba fazendo uns projetos a gente consegue, e por conta do conteúdo científi co, a gente consegue entrar não só em editais de divulgação e de educação. Há um tempo atrás quando a gente voltou mais fortemente ao museu recentemente porque ele teve uma época meio mal uns 10 anos atrás a gente teve um edital de água, de recursos hídricos. E foi o edital que foi muito bom porque era uma quantidade de dinheiro razoável e teve um impacto grande no museu. A gente conseguiu fazer algu-mas reformas que a gente chamou de módulo do jardim em torno do museu e colocou algumas coisas de protótipos de meio ambiente, então conseguimos colocar coleta de água da chuva para os banheiros. Agora, uma horta, a gente tem uma hidroponia por

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meio da continuidade do projeto. Então a gente consegue junto com um grupo maior que é dos recursos hídricos daqui da universidade. Esse projeto foi até o primeiro que quando eu mandei o relatório veio um elogio. “Seu relatório está muito bom. Esse projeto deveria ter uma continuidade”. Então ele vem com todo dinheiro dos recur-sos hídricos, então a gente consegue também e eu acho que isso devia ser mais utili-zado. Uma outra parte. Agora acabei voltando ao acervo. É que a gente tem um grupo de astronomia permanente lá no museu.

Entrevistador:De astronomia?

Eleonora:É um grupo amador. O antigo grupo amador de astronomia que ouve uma dissidên-cia. E eles também precisam de local para o acervo e eles sim fazem os seus próprios telescópios. Vendem até para..., também às vezes é um outro dinheiro que entra um pouco separado disso. É curto mas eles fi zeram há pouco tempo um projeto grande pro observatório do Valongo. Então eles fi zeram um instrumento novo. Relacionado a algumas medidas astronômicas. Então tem essas outras possíveis parcerias que é o que eu te digo que tem a facilidade de ter uma ONG, então a gente presta alguns serviços para o Sesc. Muito para o Sesc. E aí não é bem uma parceria, é realmente um serviço prestado. Óbvio que surgem parcerias que não sejam serviços prestados mas...

Entrevistador:Serviços prestados como consultoria, como se fosse uma consultoria.

Eleonora:A gente faz os módulos, faz os experimentos, treina as pessoas, faz os cartazes, monta os módulos que eles levam na caravana deles de saúde. Isso já tem muitos anos que a gente faz, então recentemente estão pedindo de novo o módulo que a gente tem sobre câncer de pulmão, então, isso a gente também faz bastante.

Entrevistador:No caso, uma pergunta saindo um pouco da linha central mas por exemplo, uma curiosi-dade, no caso desses recursos hídricos. Foram feitas benfeitorias ao local que inclui isso. Inclui captação da água da chuva, enfi m, são coisas que estão tornando o local mais au-tossustentável. Isso não conta pontos em relação ao Estado que é o proprietário da área?

Eleonora:Deveria. Tem época que a gente: “Então vamos lá, vamos consertar, vamos botar de volta nossa papelada em dia” e agora tem um vereador que está querendo nos aju-dar. Tem dois vereadores da área com a ideia de ser um corredor cultural onde está o museu que tem o teatro Ziembinski, tem o sindicato dos escritores e ai chegaria na praça Saens Penna. Eles falam quando vem essa discussão do corredor cultural.

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Eleonora:Onde eu estava?

Entrevistador:Essa questão do Estado reconhecer os benefícios.

Eleonora:Ele está retomando. Então, se a gente consegue chegar no governador que seria o ponto fi nal da história. Ele pediu que eu botasse uma carta contando todos os conta-tos que a gente fez mas ele falou muito nos números de visitantes, então eu acabei de refazer mas eu podia ter pensado nessa melhoria porque essa é sempre um impasse. Que a gente faz mas a gente não faz muito. Também não tem muito dinheiro e sempre com medo: “O que eu vou fazer se, de fato, o terreno não é nosso”. Então a gente vem fazendo melhorias com muita difi culdade e sempre com essa premissa.

Entrevistador:Que é uma coisa que o Estado deveria reconhecer.

Eleonora:Que aliás é uma coisa que a gente gostaria de voltar. Em conversas os amigos começam sempre a falar por que é que a gente, por exemplo, não pede uma ajuda maior à própria arquitetura da universidade e aos colegas porque a primeira melhoria que a gente fez foi a Servenco que deu para a gente. Primeira grande melhoria. E hoje não. A gente faz esses projetos que permitem uma reforma, que são poucos também. Então são sempre reformas pequenas. Recentemente, esse rapaz que está investindo agora em ciências e tecnologia da família do cinema lá. Está saindo agora no facebook constantemente. A gente perdeu o contato que era com ele... que eram donos do Unibanco.

Entrevistador:João Moreira Salles?

Eleonora:Isso. Moreira Salles. A gente já mandou ter essa discussão que ele começou e come-çou muito de uma discussão geral aqui da gente e ele estava. Por isso, inclusive, a gente está pedindo para o vereador de novo porque ele estava a fi m de investir um dinheiro para melhoria e a gente, há muito tempo atrás, ganhou um concurso com o pessoal da EBA que fez um plano para o museu.

Entrevistador:Um projeto?

Eleonora:Um projeto arquitetônico que ganhou um prêmio e nunca foi feito. Logo, a gente ain-da tem um sonho de fazer aquela baseada no Exploratorium.

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Entrevistador:A organização interna que envolve pessoal técnico. Também isso já foi mencionado. O pessoal técnico, a maioria é, senão a totalidade, cientistas.

Eleonora:Exato.

Entrevistador:Mas de diferentes orientações?

Eleonora:Pagas nós mantemos duas pessoas: uma secretária, que na verdade ela é de história da arte, mas ela faz a parte administrativa e um senhor que limpa o museu. A gente faz questão ou tenta uma grande maioria vai ser de professores ligados à área de bio-logia e alguns físicos, então somos os três daqui da biofísica agora. O que que a gente tentou criar de um tempo para cá. O estatuto do museu é só presidente, vice-presi-dente e um secretário geral. Ele tem um conselho fi scal. E um (...)

Entrevistador:Curador?

Eleonora:Não é bem um conselho curador. Depois eu tenho que olhar melhor. Eu não sou boa de conselho fi scal, posso consultar o estatuto aqui. Enfi m, de um tempo para cá a gen-te tentou abrir o que eu chamo de diretoria expandida. Então a gente criou. A gente tem bastante gente de educação e essas meninas ligadas a produção cultural, mas são alunos de pós graduação na sua maior parte. A nossa secretária geral é psicóloga, especialista em sexualidade, que já é um projeto que tem há anos no museu. Você começa a perceber que é tudo muito ligado a área de saúde e professores de ensino médio que estão lá permanentes, os professores do estado, então a gente tem uma diretora científi ca que também é da nossa área mas ela é do INPI e como ela fez mi-croscopia eletrônica muito tempo ela tem uma parte ligada a arte importante dentro do museu, então ela cuida mais da diretoria expandida científi ca e a gente criou grupo de educação, grupo científi co e um grupo de jornalistas.

Entrevistador:Mas essas pessoas estão ligadas através de convênios, de parcerias?

Eleonora:Através de parcerias. Ou são professores na universidade que estão lá também dando o seu tempo e entram depois para essa diretoria expandida mas são todos voluntá-rios. Ninguém recebe, até porque no estatuto quem é da diretoria não recebe. Depois vêm os alunos de pós-graduação e os mediadores juniores.

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Entrevistador:Como bolsistas?

Eleonora:Sim. Que atualmente são 30 mais ou menos. São bolsas, ou da Faperj, ou do CNPq e a gente tenta manter pelo menos alguns dos sêniores com bolsa de TCP, então é tudo nas costas do projeto que a gente submete. E, essa diretoria que é móvel mas que está lá, então tem os físicos (...)

Entrevistador:Móvel no sentido em que as pessoas vão sendo substituídas por períodos em termos de gestão?

Eleonora:Exato, por período. Mas nós três, por exemplo, temos cinco ou seis pessoas que já es-tão lá nesses últimos tempos pegando essa diretoria que é o que eu chamo de diretor, essa expandida e conselho fi scal que já é mantida há muito tempo. E os ex-presiden-tes, a gente mantém eles como permanente lá. O Pedro Peceguini é um que foi presi-dente durante muito tempo e hoje cuida da parte do site da gente basicamente é ele que é o pesquisador da universidade aqui também.

Entrevistador:Mas ele participa também de determinadas reuniões específi cas e estratégicas?

Eleonora:Sim.

Entrevistador:A questão dos programas museológicos, das atividades que realiza e os objetivos as-sim, quer dizer, em linhas gerais, quer dizer, existe uma, digamos, o Espaço Ciência Viva tem determinadas diretrizes de abordagem, então quais seriam essas?

Eleonora:Então, as principais abordagens atuais que variam de tempo para tempo, mas eu acho que elas seguem o que você chamaria de diretrizes desafi os. A gente gostaria, por exemplo, de abrir, a gente acha que é importante abrir o museu noturnamente. A po-pulação carioca não tem museus abertos à noite. Essa é uma diretriz que a gente vem seguindo e que a gente abre pelo menos uma vez por semana à noite para colégios e principalmente para o grupo de EJA’s noturno. Então essa é uma das diretrizes.

Entrevistador:Grupo de EJA?

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Eleonora:Exato, Escola de Jovens Adultos. É uma experiência muito interessante porque é um público muito diverso, mais velho e tem uma vontade de aprender monstruosa, logo é um atendimento que as pessoas gostam muito, por isso a gente vem fazendo esse es-forço de abertura noturna. O que a gente faz também permanentemente são cursos de mediação para os mediadores do museu. A gente faz duas vezes ao ano em geral esse curso é aberto para quem quiser mas a partir dele a gente, na maior parte das vezes, escolhe aqueles alunos que vão fi car com a gente. Eles tem um período que eu acho que é de 300 horas, eu preciso ver o número direito, eu tinha me preparado para es-tes números fi xos. E depois eles fi cam ainda, o curso é aceito pela extensão da UFRJ, de uns três anos para cá, mas ele já vinha nesse ciclo de extensão e depois os alunos ainda cumprem algum período lá como mediadores, quer dizer, fazendo a prática da mediação. Então esses cursos acontecem e a gente tem tentado botar alguém de museologia mas a gente não tem uma infraestrutura de cuidar desse corpo de muse-ologia. Outra coisa que a gente está tentando fazer aumentar que a gente percebe que o voluntariado é importante naquele museu e nos outros. A gente está criando um grupo sempre de voluntários e uma pessoa para cuidar desses voluntários. Então, or-ganizar melhor esse voluntariado que em geral é muito ligado aos sábados da ciência, os últimos sábados do mês, que são temáticos. A gente está sempre fazendo um novo evento temático a cada mês. Isso toma uma energia grande das pessoas de lá.

Entrevistador:Mas o que orienta esses eventos temáticos? Existe uma linha?

Eleonora:A princípio nada orientava. A princípio a gente fazia baseado em temas da atualidade. Nós temos projetos específi cos para isso mas eram escolhas nossas, até do próprio(...)

Entrevistador:Debatidos pela equipe?

Eleonora:Sim, da equipe. Eu conheço bem uma pessoa. É lá do ICB que eu sei que goste de di-vulgação, então a gente se baseava um pouco assim. Qual são os projetos de extensão que as universidades têm e que a gente pode ter um público sufi ciente para criar um projeto? Ao longo do tempo a gente fez uma avaliação sistemática da população dos nossos visitantes e o que eles queriam. Alguns temas vieram, outros vieram por temas sociais que a gente já vinha trabalhando, então o museu tem um trabalho de mais de seis anos, agora quase sete, de doação de medula óssea e de sangue, e esses projetos eram colocados com a UERJ, pessoal da compatibilidade da UERJ com HemoRio e um pouquinho do INCA, que acabou não acontecendo muito. Esse era um tema que vinha sempre porque a gente queria, não só divulgar que a gente estava trabalhando

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com isso, como melhorar o espaço físico para isso, então a gente criou um laborató-rio. São permeados, eu diria, que por projetos e agora a gente está conseguindo in-serir o que as escolas mais pedem porque durante o atendimento das escolas a gente também oferece ofi cinas experimentais que vieram, além dos módulos, muitas vezes desse trabalho intenso dos Sábados da Ciência. Então baseados no que as escolas pe-dem muito, a gente acha que aquele é um tema interessante para você ampliar para um tema principal de sábado, e dessa avaliação com o público do que eles gostariam, então ao longo do tempo a gente vai colocando uma do que veio da nossa associação com o público.

Entrevistador:Esse público escolar é muita gente, assim quer dizer, representa um percentual gran-de dos visitantes ou não?

Eleonora:Ele é meio a meio. Eu diria que o público espontâneo a gente consegue porque tenta-mos atender só 40 pessoas por vez porque a gente acha que um público maior a gente não dá atenção sufi ciente. É sempre um problema na ciência. Você deve perceber isso rapidamente. As escolas querem aquilo como um passeio. A gente gostaria que fosse um pouco mais do que um passeio. Que fosse uma refl exão sobre o que é a ciência ou pelo menos no conceito do que aquilo está te passando, então elas são curtas, essas visitas, e essa é uma outra coisa que a gente está nas nossas metas dos próximos cinco anos.

Entrevistador:As visitas das escolas são curtas?

Eleonora:Que as visitas fossem um pouco mais longas e a gente não consegue, porque aí é uma discussão. A escola quer que seja rápido e a gente gostaria que aquilo fosse mais me-morável.

Entrevistador:Quer dizer, é uma coisa que parte das escolas. O que signifi ca em média esse tempo que as escolas defi nem?

Eleonora:Três horas.

Entrevistador:Três horas?

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Eleonora:É um passeio noturno ou um passeio à tarde. Se ela quer fazer ela curta, será que ela pode voltar em uma próxima vez que fosse estender aquele conceito de uma forma um pouco mais, eu não diria profunda, mas que entendesse o processo se não a gente fi ca sempre naquele dilema da ciência. Ciência ou ela é difícil ou ela é muito imedia-tista. O que não é verdade. Ela passa por um processo um pouco mais longo e aí o cara ou quer o imediatismo, “então é para curar?”. Há uma intensão de chegar lá, mas essa intensão passa por muita coisa para chegar lá. Se você for rápido demais pa-rece que é uma mágica e se você for lento demais fi ca chato. Qual é o equilíbrio para que as escolas pudessem voltar. A gente tem feito isso também: Botar mais as pessoas do ensino médio dentro do museu. Muitos projetos, não fomos só nós, acho que ou-tras pessoas pensam nisso, são já pegar os alunos de ensino médio para serem media-dores do museu e que a gente possa trabalhar com eles um mês, dois meses. Agora a gente faz isso. O problema é que a gente faz isso muito bem com as escolas que já são boas como Pedro II, escola técnica, com os CAp (com os CAp, às vezes, nem precisa fazer porque o tempo todo eles estão nessa). Com as outras a gente já não consegue fazer muito. Acho que já me perdi do que a gente estava falando sobre as diretrizes. Há uma lista de diretrizes. O envolvimento do ensino médio e a gente tem feito uma tentativa de interiorização grande, que não é muito grande, que não é dessa dimensão mas a gente conseguiu uma ex-aluna de doutorado. Ela hoje é diretora do IFRJ de Mesquita, Espaço Ciência interativa. Nós participamos do curso de formação de pro-fessores deles lá que também são duas vezes ao ano e é para professor do ensino fun-damental. Então ela tem um trabalho lindíssimo até, e ela é muito bonita. Pena que é um pouco fora da sua área, mais voltada para educação mesmo. Mostrando quanto ela consegue trabalhar minimamente a visita ao museu, a inclusão dessas pessoas da zona de Mesquita, que é uma das piores, assim, em termos de público. Nossa equipe já vem participando desse processo há muito tempo porque tem a Grazi que fez dou-torado aqui nesse tema, tem uma outra menina que faz doutorado, então os nossos mediadores vão muito a Mesquita, aquela área, fazendo essa interlocução com esse grupo.

Entrevistador:E, essa instituição que ela está coordenando é estadual?

Eleonora:Não. É Federal também. Da IFRJ. Do Instituto Federal do Rio de Janeiro, que eram as antigas escolas técnicas que agora viraram Universidade.

Entrevistador:Eu não sabia.

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Eleonora:Eles tem, inclusive, um curso de especialização em divulgação de ciência lá. Não sei se é um mestrado lá do Senso ou se é estudo do Senso. Então, esse grupo a gente se considera, talvez, muito nitidamente pioneiros mesmo nesse sentido porque(...) Eu estou tentando escrever um livro que é sobre um pouco sobre as memórias do Bazin e que a gente fi zesse essa entrevista, aliás adoraria um aluno de pós-doc, já tive mas não foi o sufi ciente para andar com essa coisa do acervo, porque tudo anda meio jun-to. Refazendo um pouco da história do Bazin, os contatos e percebendo que as pesso-as que foram criadas nesse momento lá, como eu, nos anos 80, que elas continuam na divulgação e o quanto que a gente foi, não pioneiro, mas conseguiu ajudar alguns estabelecimentos, fazer uns links, uma espécie de link. Eu acho que a gente encontra bastante pessoas que hoje estão envolvidas, não vão ser todas, óbvio, mas que tiveram um núcleo no Espaço Ciência Viva e conseguiram ajudar, seja orientando alguém ou estabelecendo contatos desse tipo.

Entrevistador:Um núcleo disseminador que cria sementes.

Eleonora:Queria fazer isso um pouco mais organizado agora. Tomara que a gente consiga.

Entrevistador:Esse papel pioneiro seria no Brasil?

Eleonora:Sim. A gente começou muito junto com o Estação Ciência.

Entrevistador:Que é ligado a USP?

Eleonora:Na mesma época, sim. Óbvio, que já existia o Museu Nacional, mas não com essa di-vulgação tão interativa, com a tentativa da interação, que era mais parecida com o Ex-ploratorium mesmo. Eu acredito que a gente continuou mais “mão na massa”. Se eu olhar o histórico, há pouco tempo a gente fez, eu e o Ildeu, que está muito junto nisso mas ele já começou a ir para o ministério, já saiu para uma coisa mais política, um pouco mais de história da ciência política. A gente no próprio Museu da Vida encon-tra, a gente participou muito das primeiras reuniões como consultores. Na verdade seria até mais do que isso. Há um papel histórico importante talvez por isso, porque como a gente, mais cedo, acabou se formando também como, ofi cialmente, doutores. Não estou dando valor para o doutorado, não mas a gente acabou disseminando tam-bém essa possibilidade de orientar gente nessa outra área que estava surgindo com a criação da pós-graduação da bioquímica médica com Leopoldo de Meis, todos nós

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fi camos ali ajudando. A universidade no início não gostava muito. Ele isolou da quí-mica biológica, então tinha o problema que as pessoas saíam formadas em doutores em química biológica e depois iam procurar alguma coisa por aí: “Que título é esse?” Mas a gente continuou fazendo um pouco isso. Ribamar saiu com ciência biofísica, também para juntar. Pessoas dizem: “Não é a gente que tinha que fazer”. Talvez não seja, mas eu continuo pensando que sim. Estando doutorando aqui nessa imersão de ciência. Para o cientista também ver também essa outra área, porque o cientista é meio ignorante culturalmente certo? Ele fi ca muito fechado aqui e não interage com as outras áreas. As vezes não chama nem a outra área de ciência.

Entrevistador:É, existe esse lado que é interessante também.

Eleonora:Falei demais!

Entrevistador:Não, é que há certas coisas que a gente não precisa entrar tanto. A reserva técnica já foi comentada. As coleções em si estariam ligadas a essa questão da reserva técnica. Você comentou que tem esse problema de conservação, de você encontrar o espaço e tudo mais.

Eleonora:Parece que aquelas que nasceram assim, nasceram o contrário, como o próprio Mu-seu Nacional e o próprio Jardim Botânico, eles hoje fazem um pouco de divulgação. Mas eles nasceram para Museus de Coleção. Talvez eles vão ser os que vão ter a reser-va técnica melhor. Não sei se quando eles abrirem essa reserva eles perdem a reserva, mas talvez estes que tenham nascido com a história contrária.

Entrevistador:É porque, na verdade, sempre existe essa dicotomia, talvez, que existe nessa litera-tura de divulgação, cumprir a legislação, entre o museu tradicional e o museu que é um modelo renovador e tem como base as experiências do Exploratorium e o Ciência Viva. Museus que fogem da maneira tradicional, que puramente expõem.

Eleonora:“Para mexer” certo? Não destrua. É mais ou menos isso.

Entrevistador:Você tem que interagir. O público visitante vai lá para interagir com aquilo que está lá. Com os objetos e tal. Então, cabe até perguntar, por exemplo, se em um espaço como o Ciência Viva tem sentido falar em coleção, certo? Porque o sentido da coleção, a aura da coleção(...)

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Eleonora:É preservar, guardar(...)

Entrevistador:Exatamente, e tinha no museu tradicional até uma função meio que uma aura sagra-da, quer dizer, as coisas do passado, de uma determinada glória, de uma determina-da, enfi m, é aquilo que fi cou como algo a ser cultuado em um certo sentido. Logo, em uma concepção de museu novo isso é diferente.

Eleonora:Mas eu acho que há uma perda de história, assim como há aqui também no laborató-rio experimental onde passa um monte de gente, onde os computadores e eu também não parei, você também percebe uma repetição. Esse é um problema. Você não tem um acervo original. Se esse seu acervo original, até de protocolos, se ele não foi bem documentado, se ele não passou de uma mídia para outra que se modifi cou. Daqui a pouco tem um aluno que vai ter que fazer um experimento muito parecido com aque-le que foi feito há 10 anos atrás e eu já não tenho muito bem documentado aquele de 10 anos atrás. Claro que 10 anos depois ele não vai ser exatamente o mesmo porque tudo mudou muito, o equipamento, mas você se sente meio (...)

Entrevistador:Mas, a essência?

Eleonora:Sim. Se sente meio (...) A ciência é sem fi ns lucrativos, a palavra é “dinheiro jogado fora” entre aspas. É fundo perdido. Você está formando o cara, então essa é uma. Eu acho que a outra coisa da formação é interessante também. Eu acho que o cara que está sendo formado nesse tipo de museu, que é outra coisa, outra diretriz importante. Porque aqui a gente faz os cursos de mediação para tentar botar que a garotada mais nova já entre no sistema pensando um pouco diferente da aula tradicional dentro da universidade. Então esse é um objetivo importante daquele museu no qual inclusive ele vai estar junto com o professor participando, que está pensando nisso que são poucos ainda. Infelizmente são poucos nessa de dar aula na universidade. Não sei na Esdi talvez seja mais moderno porque vocês são obrigados a trabalhar mas eu aqui também, na minha aula, faço estrutura tridimensional de proteína, uso as tecnologias de massa mais de ponta e na aula tento passar isso um pouco para os meus alunos. Não é a maioria dos professores que tem passado também o quanto que a comuni-dade lá fora está interessada em enxergar aquilo, como falar para eles. O que não é a maioria dos professores. Agora sou contra obrigatoriedade da extensão para todos os professores dentro da universidade. Na UERJ também foi assim e aqui agora vai ser obrigado.

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Entrevistador:Obrigado a que, me desculpa?

Eleonora:A fazer 10% de extensão.

Entrevistador:Entendo. Na UERJ não é obrigatório.

Eleonora:Agora é obrigado.

Entrevistador:Você é estimulado a ter envolvimento, mas não é obrigatório.

Eleonora:Agora é obrigatório para passagem para os níveis de progressão e aí tem a discussão que tem que ser com a comunidade mesmo porque muita gente diz: “Mas eu dei uma aulinha no congresso para estudante do ensino médio”. Não seria isso. Aqui é obri-gado, mas eu acho que realmente a percentagem de gente que está lá dentro fazendo isso é muito pouco, então eu acho que isso também contribui. Nossa proximidade. O estudante não enxerga isso muito bem não, mas o estudante que está lá no museu está convivendo com essas duas. Está lá no Espaço Ciência Viva mas podia estar em outros museus, mas eu acho que lá está mais próximo disso. Ele está convivendo com o professor que não está só na universidade. Que esta também preocupado (...) Eu acho que também é uma diretriz que a gente fi ca lá (...)

Entrevistador:E tem se mantido.

Eleonora:E o professor também. Ele saber que lá ele também está sendo bem-vindo. E os alu-nos de pós-graduação. Então hoje o meu número melhor, que eu diria, que é o que eu gosto de mostrar é isso: que eles fi cam muito nervosos: “O que que eu vou fazer lá, Eleonora? Como é que eu faço? Eu não sei fazer!”. Isso se torna uma dor de cabeça tremenda para gente que os convida. Mas a gente tem tido a participação de muitos professores. Passam pelo museu uns 300 professores universitários por ano mole. Uns 400 alunos de pós-graduação mole. Esse número, como as vezes são 300, mas as vezes se repetiram mais de uma vez, acho que isso é importante também. Para ver que lá isso aumenta a cada ano. “Posso ir?” “Você não está me chamando”. E o aluno vê que o professor está lá. E aí não só daqui não, a gente consegue muita gente da en-genharia da escola politécnica, da nutrição que oferece ainda um número maior. E da Arquitetura a gente teve muito tempo a Lourdes da Belas Artes lá, a Lourdes Barreto, mas não tem tido gente da arquitetura lá não. Antes dava mais.

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Entrevistador:Mas assim, principalmente o pessoal da UFRJ ou tem de outras?

Eleonora:Tem a UERJ e agora o IFRJ.

Entrevistador:O IFRJ? Esse que tem lá em Mesquita?

Eleonora:Sim. Nós temos um grupo grande da química. Essa menina da Educação, e na divul-gação que é física e o pessoal da escola técnica de química antiga. Muitos que foram alunos nossos daqui e agora são professores lá. Tem os mais velhos mas tem muita gente nova. O próximo evento, que é o de genética é basicamente feito, porque o de abril, é basicamente do pessoal do IFRJ. Tem uma galera da Unirio que não fi cou. Tentamos em faculdade particular.

Entrevistador:Entendi.

Eleonora:Então, nós estamos no conceito do Museu. Parece que eles vieram mesmo para não ter acervo.

Entrevistador:Como é que se realiza as exposições que existem lá? Porque eu estou tentando me di-recionar para a questão das exposições em si. Existem fases defi nidas? Por exemplo, aqui, tipicamente: pesquisa, conservação, documentação, a exposição, a educação (...) Essas coisas são trabalhadas de forma metódica ou é uma coisa que é mais orgânica, mais, digamos, sem um planejamento mais estruturado? Como é que isso funcio-na, uma vez que a exposição, se pensa em fazer, por exemplo, uma ligada à questão hídrica?

Eleonora:Nesse momento ou em outro nós não fazemos exposições grandes dessas chamadas temporárias que vão depois circular.

Entrevistador:Itinerar.

Eleonora:Isso não quer dizer que não estou apoiando isso e que não quero recebê-las. Em al-guns momentos, sim, eu gostaria de recebê-las. O museu, nesse momento, é, eu diria, dinâmico e anda de acordo com os projetos que estão em andamento. Quando tenho projetos maiores, como esse que foi de três anos, houve um planejamento enorme,

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como esse do Hídrico. Ele realmente compôs toda uma discussão: “O que que nós va-mos fazer de melhorias” e lá fi caram. Houve um envolvimento de gente para discutir todo o andamento, para fazer... e os módulos experimentais fi caram lá envolvidos com algumas monografi as de tese. Houve maquetes sendo feitas grandes, com pesso-al pago, pagamento de gente que veio discutir. Isso levou uns três anos para todas as áreas. Nós fi zemos curso ligado a isso e foi intenso.

Entrevistador:Entendo.

Eleonora:Mas o Sábado da Ciência sempre ocorreu. Ele está ocorrendo desde 1999. Todos os últimos sábados do mês. Mensalmente, a gente cria um evento novo. Não necessaria-mente completamente novo. Se você perceber, no de biodiversidade que vem depois (...) Não, depois vem matemática. No da Matemática a gente já vai usar coisa que a gente fez na genética. Então os eventos são criados com todas as áreas conversando. O que vem depois que é Natureza e Arte, eu já vou falar de biodiversidade, então ele vai poder pegar. É completamente dinâmico. Algumas coisas fi cam. O que a gente tenta é que alguns dos temas principais, eles vão entrar no Museu como ofi cina ou nós vamos criar um novo módulo permanente. Essa criação de novos módulos per-manentes a gente não faz muito porque não tem espaço. Mas ao longo desses últimos cinco anos a gente trabalhou, por exemplo, o tema Sangue. E foi esse projeto grande. A gente criou um laboratório que foi planejado, muito planejado e muito conversa-do. A gente criou uma artéria gigante. Uma instalação na qual o indivíduo entra na artéria e lá ele vai encontrar todos os elementos fi gurados do sangue. Deixa eu ver se tenho umas imagens boas para mostrar (...) Ele vai discutir algumas doenças. Tem toda uma montagem de casos clínicos de que ele vai entrar e vai descobrir qual é o tipo sanguíneo, vai discutir coagulação sanguínea. Ele vai entrar nessa instalação, que o pessoal da Belas Artes e os alunos que são Oceanógrafos, deveriamos ter mais na verdade, e ele vai entrar e vai dar no laboratório, onde vai fazer experimentos daque-las coisas fi guradas que ele viu. Está muito ligado a alunos de Ensino Médio. A gente atende alunos de Ensino Médio gratuitamente nesse projeto uma vez por semana, digo, duas vezes por semana, porque a ideia era depois ele ir para o HemoRio doar sangue.

Entrevistador:Compreendo.

Eleonora:Esse projeto começou pequenininho e foi sendo elaborado. Houveram duas teses de mestrado no projeto e agora o que a gente tem são imagens muito bonitas. Então, há um planejamento. Eu diria que essa nova exposição virou permanente.

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Entrevistador:A do sangue?

Eleonora:A do sangue. A gente atende escolas o tempo todo. Mas ela foi barata. Nós somos o museu que quem conhece diz: “Não é possível fazer tudo isso com esse pouco dinhei-ro que vocês ganham”. E ela agora estava sendo, inclusive, comprada pela sociedade brasileira de Angiologia, que gostou muito, e quer levar isso nos seus congressos e a gente está tentando vender.

Entrevistador:A exposição?

Eleonora:Sim. É uma instalação.

Entrevistador:Uma curiosidade. Ela é comprada como o projeto ou como objeto físico mesmo?

Eleonora:Essa é a vontade. Nós podemos vender como objeto físico. Isso é uma exposição que está lá. Ela na verdade veio de uma ideia. A gente acende luzes de cores diferentes e ele encontra as hemácias, encontra as células brancas de todos os tipos: leucócitos, macrófagos, no qual a gente mostra a diferenciação e porque uma célula é importan-te, encontra os anticorpos, encontra uma placa. Ele entra e sai e chega no laboratório. Acendo luzes diferentes para mostrar diferentes moléculas. Esse foi um projeto que gerou o laboratório, que gerou a instalação. Então trabalhou um monte de gente. Principalmente uma biologista celular, que acaba tendo essa dimensão da célula em tamanhos corretos, originais. Hoje a gente até já ganhou dinheiro para melhorá--la. Quando o pessoal entra, ela se estraga a cada momento e a gente está querendo fazê-la mais permanente. Então é baseado em projetos que duram mais do que um tempo. Na verdade, não é um único projeto que vai criar uma exposição. É um pro-jeto que envolve pegar estudantes que vão estudar o assunto, que vão discutir, que vão montar, então isso pede um grupo de umas oito pessoas, desde a Carla que é a microscopista eletrônica principal. O pessoal da UERJ de histocompatibilidade. É um professor “bam-bam-bam” que trabalha com... Luiz Cristóvão Porto. Uma outra pro-fessora de lá, estudante de cenografi a. Teve uma professora de cenografi a envolvida: Cássia alguma coisa. Da EBA. Não lembro agora o sobrenome dela. E biólogos e não biólogos, eu diria que infelizmente, sempre a gente traz.. são discutidos. A gente tem reuniões semanais de discussão com essa diretoria maior, expandida, e todo mundo. Nós mesmos temos uma reunião uma vez por mês. Dependendo do assunto ainda vem os famosos consultores. Hoje a gente está... É que já estão fazendo os experimen-

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tos relativos ao sangue que é feito no laboratório. Essa discussão do sangue combina muito bem com outras doenças. Com doenças sexualmente transmissíveis, que a gente trabalha com um grupo de sexualidade grande. Cabe muito bem com a doença infecciosa, o Aedes, então a gente modifi ca essa matéria, por exemplo, com mosquito invadindo pelo lado de fora e transmitindo o vírus e a multiplicação do vírus e agora a gente está nessa rede de Zika-Dengue. A gente conseguiu e uma das redes tem a parte de divulgação científi ca que entrou o pessoal do IOC - Fiocruz e nós. Então a ideia agora é ampliar essa no fato que estão chamando de artéria mas é uma veia no conceito correto e a gente então vai criar um capilar e a gente vai discutir a invasão da virologia. Então a gente chama os professores que estão aqui. Eu diria que meio de-sorganizado, se você me permitir a palavra correta. O aluno fi ca muito enlouquecido porque a gente já conhece essa rede, então a gente tem uma redinha, uma “redona” e agora a gente acha que pode até fazer um Crowdfunding, porque a gente tem uma rede razoável de gente para nos ajudar, mas o aluno que chega, cada vez mais depen-dente, tem essas difi culdades de chegar nesse cara da rede aqui. Então, eu preciso ou alguém precisa fazer essa conexão mais “vai lá procurar o professor”. O horário do professor é igual ao nosso. Entretanto, isso aqui foi uma coisa muito bacana. Ele veio dos desenhos dessa amiga que é consultora científi ca que, infelizmente, está com um câncer muito grave e é jovem, tem 42 anos.

Entrevistador:Caramba.

Eleonora:Ela tinha ido ao Japão, à China. Tinha conhecido os desenhos daquela chinesa que depois fi cou famosa aqui no CCBB com as bolas. Um ano antes dessa chinesa vir, que é doente mental até e não pode vir na exposição, foi feito baseado nos desenhos dela. Foi um trabalho bastante interessante. Mas a gente não chega a repetir. Até fi co pen-sando às vezes no acervo, se a gente poderia, esse aqui tinha um protótipo.

Entrevistador:Um modelo reduzido?

Eleonora:Um modelo reduzido. Se a gente deveria guardar esses modelos reduzidos, por exem-plo, seria uma coisa de acervo. Tudo tem modelo reduzido, que a gente começa a tra-balhar com aluno, como você vai discutir, quais são as implicações científi cas que tem nisso. Além disso, o que nós fazemos sempre é convidar tanto para esse Sábado, como permanentemente, a nós temos convidados uma vez por semana que vão lá palestrar. Às vezes somos nós mesmos que vamos dar uma aula de arteriosclerose. Nós tenta-mos manter esse grupo em permanente discussão.

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Entrevistador:Claro.

Eleonora:Às vezes fi ca um pouco mais difícil.

Entrevistador:Então, por exemplo, nesse caso aí, digamos que, por hipótese, daqui a algum tempo a exposição é desmobilizada. Ela, sendo permanente, vai ser substituída por uma outra temática. Se daqui a 10 anos quiser refazer essa exposição, seria possível refazer do jeito que ela é?

Eleonora:Hum (...)

Entrevistador:Não?

Eleonora:Mais ou menos. Em tese. Nós temos tentado escrever artigo, teses, monografi as.

Entrevistador:Mas isso, assim, dá uma ideia teórica da coisa. Mas e a parte física, mesmo? Porque ela vai ter um determinado aspecto, uma determinada característica, uma determina-da distribuição espacial. E, isso é mais difícil, certo?

Eleonora:Mais difícil. A gente toda vez que faz espera que dure para sempre, mas para sempre não existe. Porque outros projetos virão, o espaço não permite (...)

Entrevistador:A própria dinâmica do museu.

Eleonora:A gente faz uma coisa que nós também fazemos com que o acervo se deteriore. Se você entrar lá, e isso é uma característica de alguns museus, só que você vai encontrar essa discussão no seu, é a coisa da (...) Então, a cada vez que a gente faz um sábado, se você entrar no dia de semana vai encontrar o museu lá, que a gente chama de permanente, com uns 50, 60 módulos funcionantes. Alguns estão funcionando direitinho e outros se a gente for lá agora vai ver que já perdeu uma peça e não repôs. A gente faz com que os meninos sejam permanentes e o dinheiro também, e no sábado a gente usa aquilo mes-mo. Então, nós mesmos somos os quebradores de acervo porque a gente tira, e depois vai recolocar, mas a mesa foi mexida, foi tirada, foi colocada, foi quebrada, e a gente não faz um passeio guiado certinho no museu não. A gente sempre deixa com que a tur-ma entre, a não ser que a escola queira muito, mas a gente espera que eles conheçam o

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“geralzão”, por causa do tempo, e depois que a gente vai guiando um pouco de acordo com a escola. Mas nesse sábado é livre. Existe um planejamento nosso de que todos tem que saber: “Olha, se ele quiser saber mais sobre o que você estiver falando e você não souber, você vai indicar o que está acontecendo nas outras direções” mas a gente é contra colocar o cara: “Agora você vai aqui, daqui a pouco você vai ali (...)”

Entrevistador:Seguir um trajeto predefi nido.

Eleonora:Isso. Há na literatura os que são favoráveis a um trajeto, que daí você pode construir alguma coisa na sala de aula, e a gente acha que não. Que o trajeto tem que ser inde-pendente do cara pela própria curiosidade. Mostra que isso vai (...)

Entrevistador:Conseguir (...)

Eleonora:É. Temos que saber e trazer alguém com um trajeto (...)

Entrevistador:O tipo de público então já foi falado (...) Quer dizer, seria grande parte escolas (...)

Eleonora:Escolas durante a semana com esse atendimento noturno que a gente tem feito um esforço que a gente aumentou muito.

Entrevistador:Correto.

Eleonora:Algumas saídas. Participação em outras (...) A gente ainda cobra, viu? A gente como ONG cobra as escolas, então a gente dá uma percentagem de gratuidade durante o ano (...) 20%(...) Varia (...) A escola pede gratuidade, a gente dá. Mas a gente ainda obra. E a gente tem esse espaço permanente de divulgação do Aedes Aegypti, que a gente já tem há mais ou menos 10 anos. Desde a última crise de dengue a gente tem um espaço permanente de divulgação do Aedes que agora vai aumentar de novo. En-tão a gente faz um aqui um livrinho, umas fi guras, umas projeções. A gente está sem-pre com o mosquito do Aedes lá e uma discussão em torno dele há mais de 10 anos.

Entrevistador:Interessante nesse diagrama o Social Harm que há interação social.

Eleonora:Esses sábados são muito interessantes porque, de fato, o principal público é a família e os amigos. A gente encontra grupos que já vão lá todos os sábados, de amigos.

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Entrevistador:Como “habitués”? Interessante.

Eleonora:É o avô que leva o neto. São amigos que se encontram lá e eles tem tido agora um pú-blico muito interessante, que a gente não tinha antes. Antes a gente tinha o público que ia e saía rápido e agora eles vão e fi cam até o fi nal. O que é bastante interessante mas ao mesmo tempo fi cam. E eles fi cam mais tempo e parece que (...)

Entrevistador:Que realmente há interesse.

Eleonora:É o público espontâneo. Diferente da escola, que é mais direcionada pelo professor, que atrapalha. O professor reclama quando o aluno fi ca em um lugar só.

Entrevistador:Porque a escola já tem objetivos próprios com a visita, que é cumprir determinadas (...)

Eleonora:E aí eu acho que alguns museus tem discutido isso, de ir à escola antes, para conver-sar um pouco para ver o que a escola espera, o aluno espera. Isso a gente faz mal. Às vezes a gente faz melhor quando tem uma pessoa dedicada. Seria interessante. Essa área externa o Mast fala muito. O grupo de astronomia. A gente tem o grupo da dan-ça. Esse é o grupo da Astronomia. Esse é o pessoal da sexualidade, que já está há mui-to tempo. Eles criam, está vendo? Criam seus próprios. E aí no noturno a gente tenta fazer uma atividade relacionada a arte. Eles criam telas coletivas de pintura relacio-nada com o que eles estão vendo.

Entrevistador:O céu noturno?

Eleonora:É.

Entrevistador:Mas é um grupo relacionado à dança?

Eleonora:Aqui a gente tem o grupo da dança com um professor daqui da dança e faz danças científi cas. Fez um doutorado em danças científi cas. Só aos sábados os professores que vão muito lá (...) nossa pró-reitora. E a gente deve pedir um resgate para cientis-tas brasileiros. Ano passado a gente homenageou 11 cientistas básicamente da área biológica, mas teve um matemático e essa professora da dança, que foi a primeira

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aqui do Brasil a relacionar ciência e esporte com o corpo e a dança. Ela está viva ain-da então a gente resolveu homenagear os vivos e não os mortos. Na verdade o único morto aqui foi o Darci de Almeida que tinha acabado de morrer. Essa Elenita que agora está com derrame profundo, essa da dança. E aí foi muito bacana, porque as pessoas, essa coisa também da ciência, do público não reconhecer o cientista. Prin-cipalmente o cientista brasileiro. O menino da astronomia que era novinho, então as pessoas foram lá tirar foto com os cientistas. Foi muito bom. E eles foram. A grande maioria foi in loco. O Ângelo, que morreu logo depois. E esse é o evento que vai que ser repetido, do DNA. Esse sobre o sábado a gente até já escreveu uma coisinha que saiu em 2014, uma avaliação sempre preocupado com a qualidade. A qualidade é um (...) E os eventos grandes que a gente (...) Esse é o livrinho da Dengue, o primeiro. E esse é o do sangue. Então está vendo? Depois eles vão para o laboratório, investem, fazem experimento, fazem extração de medula óssea. Essa é a artéria nas duas colora-ções.

Entrevistador:Mas essa do sangue, por exemplo, é permanente. Mas ela ocupa uma parte do espaço apenas? Quer dizer, existe outras coisas lá? Ela não toma a totalidade.

Eleonora:Não, ela inclusive está em uma área que foi reformada. Foi tudo feito de novo. Era um pouco fora do galpão, anexa.

Entrevistador:Era uma área que estava aberta.

Eleonora:Meio parada. Ainda tem espaço para aumentar. Tem um jardim.

Entrevistador:Uma expansão, não é?

Eleonora:Exato. Agora está o pessoal de desastres naturais. É na área de expansão. Aí está as pinturas coletivas que a gente fez de redes neurais baseadas nos desenhos do Carva-jal. Foi em uma revista importante. Vamos lá, vamos acabar sua história senão você (...) Porque eu falo muito. Lembra? Foi a primeira frase que eu falei para você.

Entrevistador:Eu tenho uma questão aqui ligada ao discurso museográfi co que envolve como se pro-duz o discurso, em que consiste, quais as estratégias de comunicação, os meios e os recursos, o conjunto de valores prioritários que trabalha e como se transmite esse dis-curso. No caso, haveria um discurso museográfi co que diz respeito aquela mídia. Por que isso? Porque eu estou preocupado, principalmente, com a questão da comunica-

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ção dentro das exposições. A comunicação existe em dois níveis. Ela existe pelo as-pecto, digamos, denotativo e pelo aspecto conotativo também. Então, um caso, assim, um discurso se faz dentro de uma determinada orientação, certo? Haveria, assim, uma determinada orientação nesse discurso museográfi co? Quer dizer, tudo bem, pelo o que você falou, há esse aspecto: no ciência Viva interessam temas atuais. Mas assim, essa questão da forma de tratamento, das exposições, da maneira como ela se apresenta, a preocupação de como ela comunica com aquele público diversifi cado.

Eleonora:Então, essa preocupação é permanente. Primeiro, porque tem alguns assuntos de difí-cil comunicação, como por exemplo, esse grupo da sexualidade que foi implementado no museu vem desde o histórico do museu como uma exposição que veio da França na época de sexualidade e a gente acha que é um tema importante porque a escola, hoje até trata melhor, mas antigamente não tratava. A quantidade de doenças sexu-almente transmissíveis e a quantidade de graves é enorme, mas você tem que ter um cuidado ao falar porque você não pode interferir. Você deve interferir, mas você não pode, na verdade, ser absoluta naquela (...) O cuidado de se falar com o público sobre isso. Têm escolas, que quando a gente faz um tema grande de sexualidade, é quando a gente recebe mais telefonema: “sobre o que é que vocês vão falar?”. Então a gente tem um quadro de relação sexual mesmo. Penetração, para discutir e se fala de mas-turbação. Tem todo um discurso sobre isso para falar e as mães fi cam ali quase loucas e os alunos nossos também. Os nossos alunos, como eles vão passar isso adiante. Es-tou te dando um exemplo, mas acho que é um exemplo para quase tudo.

Entrevistador:Então são temas seriam espinhosos?

Eleonora:O criacionismo (...) Toda essa discussão atual de genética e, além disso, as certezas e incertezas da ciência. O que a gente discute principalmente com nossos alunos, e isso é falado desde o primeiro momento que entra até o último, é que ele não deve tentar dar uma aula teórica. Ele não está lá para repetir o que é uma aula em sala de aula, o que é muito difícil, mas que ele tem que saber. Ele não só tem que saber o assunto, que é muito parecido com o que vou dar em sala de aula. “Se eu não vou dar uma aula por que que eu preciso saber?” Não, você tem que saber e tem que saber mui-to. E teria também que entender o que é um discurso para o público. Então, olha, eu diria que nem nós sabemos sobre discurso. Porque não fomos criados na nossa pós graduação científi ca, poucos foram aqueles que fi zeram fi losofi a da ciência, história da ciência, que se preocupam com isso. Mas óbvio, graças a Deus há os que entendem um pouco sobre isso. A outra coisa é essa interferência, então eu tenho que discutir com o cara o que ele quer saber. Em forma de discussão. E de preferência com auxílio

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do experimento que vai fazer com que ele experiencie aquilo mas ele também pode experienciar e você pode experienciar aquilo completamente diferente do que eu vou experienciar.

Entrevistador:É uma questão também da percepção da pessoa.

Eleonora:Como é que ele vai saber o que que é mais importante? No nosso caso tem um proble-ma muito grave que ainda tem, por exemplo quando você quer fazer um experimento mais sofi sticado, que a gente acha importante como é o do sangue, você ainda tem que ter uma habilidade experimental envolvida, pro experimento dar certo. Então o cara ainda tem que ter uma habilidade experimental e você percebe claramente que alunos que vão para lá porque querem fugir dessa parte experimental chata. Mas a gente acha que o experimental vai dar essa sensação de descoberta de um determina-do fenômeno. E o cara tem que sentir, tem que ver o que está havendo. Então muita gente discute que as exposições muitas vezes são bonitas, mas elas não estão passan-do de fato aquela experimentação que você quer ver. Então o discurso é a coisa mais delicada que há. E eu vejo poucas pessoas trabalhando isso bem. E essa área vai ter que vir da área também da comunicação, das pessoas envolvidas em comunicação. Então tem grupos que percebe que você não deve falar muito, que você não deve es-crever muito, você deve usar a tecnologia a seu favor. E aí entra um outro mundo que é o mundo tecnológico. Que ele vem para ajudar mas ele também pode atrapalhar horrores porque ele também pode gerar uma caixa preta tremenda, mas as pessoas gostam, então entra o jogo, entra a capacidade de mexer, agora não só com experi-mento, mas com modelos, então usar modelos é interessante.

Entrevistador:Modelos, inclusive físicos?

Eleonora:Sim. Físicos eu ainda acho melhor do que o computador, mas ele gera uma preferên-cia grande pelas pessoas que vão lá.

Entrevistador:Existe realmente um interesse notável?

Eleonora:Existe sim. A garotada de 12, 13 anos que sai gosta, mas eu sou radicalmente contra o uso só de computador, senão nós vamos perder cada vez mais (...). E que linguagem é essa? Não sei que linguagem. Qual é a linguagem especializada do computador. Ela é mais visual? Ela responde? Eu acho que ela é limitada em alguns momentos.

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Entrevistador:Em que sentido?

Eleonora:Como é que ela vai mais longe? Ela vai fazer umas perguntinhas. Porque toda vez que você faz aquela coisa computacional bacana você começa a fazer umas perguntinhas só que volta para aquela provinha ridícula de sala de aula, que é um teste. Todos eles aca-bam em um teste. “Você compreendeu isso? Então, me responda”. Eu acho que a gente tem que fugir disso. A gente faz. Todo mundo faz em sala de aula. Eu acho que a gente tem fugir disso. Não sei o quanto, de fato, os eventos computacionais vão fugir disso, porque eles sempre estão como um Quiz fi nal. Como um jogo, os jogos também. Então são iguais e interessantes? São. Mas acho que ainda não sei qual seria a linguagem prin-cipal, mas também não sou especialista muito nisso não. Confesso que eu não sou. A gente teve lá uma pessoa que talvez você conheça, que é a Cecília Cavalcante, que fez o doutorado na escola de comunicação. Passou um tempo em Barcelona.

Entrevistador:Certo.

Eleonora:Ela foi minha aluna de mestrado.

Entrevistador:Ela esteve lá na Cosmocaixa. O Jorge Wagensberg (...).

Eleonora:E a tese dela é sobre linguagem, a tese de doutorado, acho que até tenho em PDF.

Entrevistador:Gostaria de dar uma olhada.

Eleonora:A orientadora dela é Yeda Cous (...), alguma coisa assim. Ela tem uma coisa não simi-lar com a sua, porque não sei o que é, mas ela começa um pouco falando da revolu-ção, inclusive da revolução estética nos museus, que teve uma época que eles viraram, os de ciência, construções tão bonitas quanto o próprio Cosmocaixa, ele tem esse atrativo. Já te impactar com a arquitetura. Até porque estão em cidades que a arqui-tetura é muito valorizada. Acho que o Museu da Vida tentou fazer isso no seu “proje-tão” original, e aqui a gente está longe disso. Então, ela começa um pouco com esse impacto e depois ela vai para a linguagem. E o pessoal da Martha Marandino também andou fazendo aquele “percebe”. E eles são até um pouco contra a nossa linguagem técnica-científi ca. Ela acha que aquilo não dá em nada porque a gente está muito pre-ocupado com o experimento. Que você deve passar mais só com a linguagem mesmo. Eu acho que não. Eu acho que as duas coisas tem que estar juntas.

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Entrevistador:Tem que se integrar.

Eleonora:Não sei. Eu não fui, por exemplo, quando o Museu do Amanhã está pronto. Você foi no Museu do Amanhã?

Entrevistador:Ainda não. Eu fui só na parte de fora. Não entrei ainda.

Eleonora:Essa ação é que ele tenha essa coisa de que o impacto do visual e da linguagem visual vai prevalecer.

Entrevistador:Aparentemente. Existe um autor chamado Andreas Huyssen que é da área de ciências humanas.

Eleonora:Huyssen?

Entrevistador:É, Huyssen. H-U-Y-S-S-E-N. Ele faz uma crítica aos museus nesse livro, quer dizer, é um capítulo do livro em que ele diz que nessa passagem do museu tradicional para o museu atual, em muitos casos houve uma tendência a caminhar para o museu como shopping center. A estética do shopping center, que tem essa coisa meio glamorosa, meio glitter(...) E que cai um pouco para essa história. Eu visitei alguns anos atrás o museu de ciência e tecnologia da PUC-RS que tem um pouco disso. Isso é, eu acho que, um exagero do formalismo, vamos dizer assim. É complicado. É um outro pon-to de vista. Mas eu entro aqui em uma pergunta que de certa maneira tem a ver com essa questão especialmente da linguagem. Na sua opinião, qual seria o papel das ex-posições em museus e centros de ciência? Qual o seu valor? E qual o aspecto que es-sas coisas, quero dizer as exposições, que o museu e centro de ciência mais valorizam ou mais deveriam valorizar? Qual seria esse papel? E, claro, existe o lado educativo, mas você entrou um pouco nisso.

Eleonora:Eu diria que se não estivéssemos no Brasil, responderia uma coisa, mas na situação brasileira, eu diria que ele vai ter um papel educacional grande porque a educação está tão ruim. Ele, na verdade, deveria, no meu ponto de vista, te trazer, de fato, as novidades científi cas ou ser uma ponte mais próxima da ciência. Não sei se na atuali-dade é o correto mas que eu pudesse estar discutindo temas paralelos ao do conven-cional, certo? Que tivesse como uma universidade popular no qual eu, Eleonora, ou você, ou as pessoas de nível mais médio, mais alto e médio, pudessem ir lá também

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para aproveitar, não só socialmente, para visitar o museu como ver as tendências, assim como eu vejo em uma exposição de pintura de um indivíduo que não conheço. Quais são as tendências da área. Da sua área. Você poderia vir da minha área, então ele teria um papel mais moderno, por assim dizer. E, obviamente levando a curiosi-dade para que o tema “Ciência” fosse mais, aí o nome, popular. Que ele tivesse acessí-vel a qualquer um para debate-lo. Na nossa situação ele acaba também cumprindo o dever educacional, não só de estar fora do currículo, muitas vezes nós pensamos em trabalhar com o que está fora do currículo mesmo, com o que seriam aquelas instân-cias que seriam as coisas transdisciplinares. Você vai trabalhar no Tristão. Você vai trabalhar uma doença. Não no Tristão no sentido clássico, mas alimentos saudáveis no qual você vai englobar um monte de outras coisas: química, biologia, conservação, física, então são esses temas transversais.

Entrevistador:Mas você diria que esse é o principal ou é um dos principais objetivos de realmente complementar ou fugir a “camisa de força” entre aspas do ensino convencional estru-turado?

Eleonora:É um dos objetivos. Não diria que é o principal. Para mim principal seria esse outro de, de fato, envolver as pessoas em discussões científi cas relevantes para tomadas de decisões ou não. Tomadas de decisões positivas “Eu amo a ciência” ou “não amo a ciência”. Então um museu de ciência deveria ter esse papel. Para mim talvez esse (...) seria o principal. Ter discussões permanentes. Agora não acho que ele deveria ser só isso, principalmente nesse país. Nesse país ele deveria também ter esse papel de discussões transversais no qual eu avanço determinados temas e que vai cobrir também uma maioria da população e nós aqui estamos em uma situação pior porque nós, muitas vezes, estamos fazendo papel que a escola deveria estar fazendo, porque a educação está realmente muito ruim. Eu acho que os grandes museus cobrem isso um pouquinho de cada coisa, mas acho que poucos cobrem essa discussão mais efe-tiva de englobar uma determinada situação. Como seria isso também é muito difícil. Teria debates permanentes? Eu conseguia (...) Porque um indivíduo precisa minima-mente chegar em um nível cultural para poder discutir. Não é que ele precise, mas ele precisa estar envolvido, então eu acho que a sociedade deveria fazer parte mais do museu mesmo no sentido de fazer parte do seu quadro. Eu deveria ter já, assim como a universidade às vezes tenta ter e não tem, eu não tenho ninguém da comunidade, de fato, incluída na minha diretoria e eu não sei se a gente já perdeu parte disso, porque acho que antes as associações de bairro mais fortes a gente tinha as pessoas inseridas e mais próximas desse tipo de coisa. Talvez um cara do governo dali (...) A gente até tenta. A mulher que é da administração da Tijuca. Então eu acho que a gente vai ter

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que chamar. Vai ter que ser um momento mais político e vai ter que perder medo. Vai ter que deixar de brigar. Porque há uma briga.

Entrevistador:Nesse sentido de envolver mais a comunidade?

Eleonora:Sim. E tem pessoas, também, que são favoráveis a isso. No México por exemplo. Que a partir dessa discussão comunitária surjam algumas exposições. As exposições sur-jam dessa discussão com um grupo mais envolvido, agora é difícil ter pernas para isso.

Entrevistador:A partir de demandas?

Eleonora:Exato. Nós trabalhamos durante cinco anos no Salgueiro logo no início, por acaso foi eu que trabalhei. Foi uma demanda do próprio Salgueiro em água, que há muito tempo está atualizada a água, e trabalhamos juntos relativamente bem. Agora a gente vai continuar cumprindo grupos, certo? Grupos pequenos. Porque como seria esse museu? Seria um Super Museu? Ou seriam comunidades pequenininhas? Em de-terminado momento, o Bazin largou o Exploratório como museu grande e começou a trabalhar com grupos em que eles chamavam de ofi cinas. Eles criaram pequenas ofi cinas. Acho que foram mais de 20 nos Estados Unidos, principalmente em lugares mais carentes, e depois o Ennio Candotti também inventou um pouco isso, a Oca, uma Oca da esquina. E eles voltaram para o básico do básico. Em vez de discutir os grandes temas, eles começaram a discutir coisas pequenas. O cara ia lá para consertar a batedeira dele ou a lâmpada que queimou, e a partir daquilo ali é que eles discutiam a ciência. Então de novo ou nós vamos ter um pouco de cada coisa, por isso que vai ser sempre essa mistura. Eu não sei te responder. Essa é a grande verdade. Qual é a principal função do museu de ciências?

Entrevistador:Bom, mas algumas. Teriam algumas.

Eleonora:É, teriam algumas, mas acho que a principal deveria ser essa: discussão permanente. Agora, nós temos tempo para discutir permanentemente alguma coisa?

Entrevistador:Aí tem um ponto aqui que para mim é bastante importante que é como você vê a curadoria de exposições científi cas, dada sua experiência em um museu ou centro de ciências como é o Espaço Ciência Viva. Como é que você vê essa questão da cura-doria? Porque a curadoria, em princípio, é um tema (...) Já andei lendo sobre isso e

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é um tema que é meio difuso, certo? O que que é o Curador? O que que é a Curado-ria? Emana muito da experiência artística. Daquele cara que cuida das exposições artísticas. Que de alguma maneira ele é quem dá o tom, que defi ne (...). No caso das exposições científi cas, a seu ver, como que isso se dá? Quer dizer, qual é sua visão a respeito?

Eleonora:Então, você quis dizer o que é mais importante. Minha experiência é pequena. A gen-te por exemplo, nunca teve, nós mesmo, que tocamos o barco o tempo todo, somos os nossos curadores. O curador tem o papel externo de avaliador? Não? Ele também não avalia, certo? As vezes a sensação que tenho é que falta um avaliador. Naquela con-versa interna assim como tem uma tese, não é? Às vezes a gente está tão imbuído na nossa própria tese, que você vai ter que fazer lá, em um momento, apresentar o proje-to para uma pessoa de fora. E, o curador também não tem esse papel?

Entrevistador:Não necessariamente. Na verdade, ele apenas defi ne o que a exposição deve ser. O que vai ser. No caso de uma exposição artística, quer dizer, ele defi ne as obras que vão estar lá de acordo com uma determinada temática ou de acordo com um período histórico ou de acordo com um artista. Dentro das obras daquele artista que ele quer. Por exemplo, se ele vai falar sobre um artista brasileiro, sei lá, o Ivan Serpa. “Vou pe-gar a fase tal do Ivan Serpa”,“Por quê?”, “Porque aquilo ali marcou”.

Eleonora:Contextualização histórica.

Entrevistador:Isso, isso. Quer dizer, ele dá as cartas naquela situação. Ele ganha, digamos, um po-der. Na exposição científi ca me parece que essa coisa é diferente. Assim, pela minha experiência no Museu da Vida, o que observei é que é uma coisa, apesar das pessoas falarem em curadoria lá, mais difusa em um certo sentido.

Eleonora:Eu diria que nós nunca usamos um curador. Nós usamos vários curadores. Isso, cada vez que você vai fazer vai nos especialistas. O especialista é um curador? O especialis-ta é que vai te dizer dentro daquele contexto. A gente sempre vai chamar alguns espe-cialistas. Nunca vai ser um só. Até porque a especialidade aqui é muito pontual, não é? A gente foi se especializando, se especializando e eu tenho alguns com as visões mais gerais. Então não pode ser um especialista. Um especialista tem que ter uma visão mais geral, então ele tem que ser um cara um pouquinho mais velho, mas acho que também os curadores de uma forma geral em uma exposição artística também vão ser aqueles que já tiveram uma experiência.

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Entrevistador:Tem que ter experiência.

Eleonora:E que ele vai te dar o tom: “olha, eu acho que esse assunto é interessante (...)”. Deixa eu pensar aqui. Essa da genética, quem veio é uma pessoa especialista em genética. Ela vai dar olhares diferentes também. Ela vai dar um olhar histórico, que a história vai ter que se passar em alguns momentos cada detalhe, mas ela vai dar um olhar na nossa ciência biológica, porque é uma imagem biológica, vai ter que dar um olhar ma-cro, depois um micro, no qual se vai interagir mais nos menores detalhes, e também tem essa difi culdade e vai dar um olhar conceitual de como é que aquilo se conceitua dentro de um determinado tema. Agora, nunca chamei ela de curadora. Mas ela na verdade é quem idealiza e costura. Então nós somos vários pequenos curadores e raramente sozinhos, porque dentro desse esquema teve que chamar outros especia-listas. Agora, eu imagino o que alguns museus que não são de ciência, eles algumas vezes vão usar a ciência. Agora, a gente vê isso claramente. Se for pensar naquele menino que está na capa dos jornais que fez aquelas instalações com as bolas. Esse agora, o Neto.

Entrevistador:Ernesto Neto?

Eleonora:Ernesto Neto. Tem uma pá científi ca ali e a gente, por exemplo, chama o Ernesto Neto. Esse menino da dança que é dançarino, chamou o Ernesto Neto para ajudar em algumas concepções da cenografi a da dança dele. Lembrei agora bem: Intrépida Trupe, quando fez aquela dança e chamou o físico famoso Davidovicci e tem um outro mais novo Luis Givelder. São físicos para discutir se aquela física da (...) Como é que eles conseguiriam rodar melhor aquela bola. Daí eles modifi caram algumas coisas na bola para que ela fi sicamente voasse melhor. Então ele é um curador específi co. Nas escolas de samba lá, aquele menino da Unidos da Tijuca, quando ele fez o DNA, ele chamou algumas pessoas para serem curadores. Que é curador o nome certo? Uma coisa específi ca lá de ciência que ele precisava naquele momento. Nós não chamamos curadores, mas acho que seria bem interessante a gente começar a chamar que esse indivíduo que nos ajuda em uma determinada exposição é um curador. A Fiocruz já chama. O Museu da Vida já chama. Quando eles fi zeram agora aquela exposição da África, eu acho que chamaram uns três ou quatro curadores. Mas aquela era muito histórica.

Entrevistador:É, porque, aí que está.

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Eleonora:Ele é um colaborador, ele é um curador (...) Ele não é um colaborador?

Entrevistador:Pois é. Essa é uma questão. O curador é o conceito daquele que idealiza, como você falou, idealiza e tem a concepção e tal, e haveria aquele que idealiza de uma forma ge-ral, pode ser ele ou uma equipe, que idealiza o conceito geral de estrutura, faz as cos-turas, e os colaboradores, no caso por exemplo, desse exemplo da União da Ilha, ele foi um colaborador porque a concepção geral é do nosso amigo Paulo Bastos.

Eleonora:Barros.

Entrevistador:Paulo Barros, certo? Quer dizer, na concepção geral que valeria o curador do desfi le seria ele, até ele teve essa consultoria específi ca. Então, mas é interessante essa coisa da curadoria assim, no caso das exposições científi cas, por conta dessas dimensões que estão envolvidas que a gente já discutiu, já conversou, que envolve o lado educa-tivo, envolve o lado do conteúdo em si, científi co, que aí o especialista é chamado e muitas vezes ele tem que entrar em detalhes.

Eleonora:Mas ele só é consultado mesmo. Na maioria das vezes entra mais nele.

Entrevistador:Existe o aspecto educativo, o aspecto comunicacional da exposição, quer dizer, a ex-posição precisa comunicar com o público, precisa enfi m, passar (...) e associado a isso essa questão da linguagem, do discurso (...) E embutido nisso cada vez mais, essa é uma tendência que a gente nota em modo geral nas exposições e na teoria científi ca, cada vez mais a incorporação de itens de natureza tecnológica, assim quer dizer, tec-nológico no sentido da tecnologia da informação por conta desse fascínio que existe com os equipamentos, seduz muito, provavelmente a garotada.

Eleonora:E, bem ou mal, a nossa vida já é embutida disso, certo?

Entrevistador:Já está envolvida.

Eleonora:Quando você tem que mexer em um equipamento muito grande (...) É que as vezes a gente nem percebe, mas você acaba utilizando. A estatística. Então, aquilo já veio muito cedo para a gente. Nós somos uma universidade, bem ou mal, com todos os seus defeitos, foi a primeira a usar a Internet discada. Era importante para ela a co-

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municação com exterior e também com o que está acontecendo internacionalmente. Mas poderia ser mais interessante. Porque a gente acaba, como a gente também tem um expertise geral, e no caso do museu, já é formado por cientistas e eu acho que isso diferencia um pouco o Espaço Ciência Viva de alguns outros. Talvez tenham menos cientistas experimentais. A própria Fiocruz, hoje o Diego é (...) O Diogo (...)

Entrevistador:O Diego que é coordenador.

Eleonora:Ele é um cientista que veio da área da ciência. Por exemplo, a Luiza que era a anterior não era, e sim, da área jornalística. Então, o Espaço Ciência Viva tem essa coisa de que foi fundado por cientistas e pesquisadores desde o seu início e ela mantém, então muitas vezes a gente não tem a necessidade de um curador tão forte. O idealizador intelectual. É uma idealização conjunta. E aí a gente vai buscando as parcerias. Em alguns momentos tem umas idealizações maiores. Essa própria da genética teve uma pessoa mais a frente, se bem que todo mundo poderia dar palpite. Quando a gente tem alguma coisa de matemática, a gente tem um idealizador que é o Colonese que é do Museu da Vida que foi um dois primeiros que foi lá do Espaço Ciência Viva. Na se-mana do cérebro, que agora a gente tem permanente, também tem um Neurocientista que é o idealizador principal que a gente chama de coordenador. Elaborador. A gente chama de coordenador. Mas que poderia ser (...). A palavra “Curador” caberia porque é ele que faz a idealização e a costura. Mas não sei se ele tem uma cabeça de curador de fato. Foi criado para um curador. Fez um curso especialista de curadoria. Talvez tenham coisas da curadoria que a gente cuide menos. A parte de escrita, do que vai a público escrito, os museus brasileiros temos uma certa limitação. Jornalistas estão mais próximos mesmo, linguistas. A gente vai meio pipocando e aparecendo. Acho que está em construção. Já esteve pior. Há uma construção mas eu acho que ainda tem uma (...) E eu acho que falta mais ainda, que o curador, é a estética. A estética do cientista é meio favelada. (Risos.) Ela precisava de um (...) Eu diria que no Museu de Vida é melhor. A equipe (...) Isso, eu gosto muito de um Museu colombiano que é o Explora.

Entrevistador:Fica em Bogotá?

Eleonora:Teve muita discussão (...) É Medelín. E foi para lá, pruma área de risco. Uma área que era uma favelona. Ele tem uma equipe interessante de estética. Ele tem o permanente dele e várias posições temporárias. Eu acho que falta um pouco mais do artista e que o artista já veio mais para próximo da ciência com umas porções do Leopoldo aqui com a Escola de Belas Artes. A gente em um primeiro momento lá no museu a PUC

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esteve muito presente. Alguns módulos foram gerados pelo pessoal do Design Gráfi co da PUC. A Denise há pouco tempo tentou botar o menino da Esdi para fazer um ne-gócio. Não rolou. Então eu acho que está faltando artista. Artista (...) – os cenógrafos estão aparecendo, mas acho que está faltando o grupo, não é só os alunos aparece-rem, mas grupos se aproximarem. Essa coisa da escola de comunicação da Cecília que estou te dizendo, foi ela que, como jornalista, primeiro veio nos procurar para fazer o Mestrado. Ela percebeu que o mestrado aqui (...) Fez a pesquisa dela com nutrição, gostou, mas ela falou “não vou fazer o doutorado aqui, vou tentar levar para escola de comunicação essa linguagem dos museus de ciências e as discussões do museu de ci-ência, é um novo nicho”. Começou a dar aula de divulgação científi ca. Não conseguiu passar como professora para lá, mas acho que ela percebeu a necessidade de juntar as duas coisas. A gente aqui tem um “projetão”, que estava na minha mão, e eu entre-guei o cargo para o diretor quando orientei o Ribamar e o Robson orientou ao mesmo tempo essa Grazielle que eu falei lá do museu de Mesquita. As duas teses foram muito bonitas. Eu diria que foram trabalhosas, mas bonitas. E a gente então, quando o Ri-bamar estava aqui, começou a discutir se aqui a gente ia fazer uma pós-graduação de divulgação. A pós-graduação não topa, porque vai baixar o nível de publicação. Aqui é nível sete e as nossas publicações não entram no quadro de lá, e eles acham que não tem como julgar o trabalho. Enfi m, não deu. Aí resolvemos criar um núcleo, porque nós temos alguns professores, uns cinco ou seis professores interessados. Um núcleo de educação pensando em criar uma pós-graduação, quem sabe um dia. Dizem que está faltando pós graduação no mercado e a minha ideia era a gente juntar alguma coisa de belas artes, que fosse a EBA, a comunicação e a gente para criar uma pós--graduação junto. Talvez as políticas públicas, a economia. E eu não aguentei.

Entrevistador:Acúmulo de coisas?

Eleonora:Isso, mas eu acho que seria interessante. Assim como o Museu da Vida criou, mas muito voltado para divulgação, mas eu acho que a gente tinha que ter um mais geral, que discutisse, que pudesse abrigar. Mas agora tem um na COPPE, que o Ildeu está, que é muito interessante e que se chama Epistemologia da Ciência. Inclusive alguns professores daqui, que faziam uma coisa de rede neural e coisa, foram para esse gru-po. Tem um pessoal de reabilitação. Fica no NCE.

Entrevistador:Certo.

Eleonora:Dizem que tem sido um grupo bastante transdisciplinar. Tenho até que conversar mais com eles. Acho que é nesse momento aí que a gente vai conseguir, voltando a

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curadoria, ter grupos que (...) Também não adianta eu botar um artista completo no museu, não é que não adianta, a palavra “adianta” não é a melhor palavra. Se ele tam-bém não estiver imbuído dessa (...)

Entrevistador:Quer dizer ele também tem que ter um, digamos assim, estoque ou um repertório que ele esteja sensibilizado para o tema da divulgação científi ca senão ele realmente não vai ter muito o que colaborar.

Eleonora:Eu acho que todos vão ter. No fundo todo mundo tem esse estoque. Você tem seu es-toque de arte. Você tem o seu estoque de fi losofi a. Tem o seu (...) certo? Mas como é que você (...)

Entrevistador:Mas pode ser uma coisa que você, assim, no caso do artista, para ele não é muito rele-vante. Não está muito interessado.

Eleonora:A ciência, como eu diria, não é a melhor interesse do mundo hoje, certo? Por isso acho que o papel do museu de ciência também tem esse. Mostrar a sua presença cul-tural no mundo. Acho que essa talvez seja o papel principal do museu de ciência, en-tão assim, olha, vamos lá. Temos que ir aos museus e existem os museus de ciências com esse papel de se posicionar.

Entrevistador:A ciência faz parte da cultura humana e tem interesse direto. Não é uma coisa isolada.

Eleonora:Exatamente.

Entrevistador:Mas, voltando a essa questão das características do Ciência Viva como umas coisas que funcionam na elaboração das exposições e tal. Sempre existe alguém que vai dar a palavra fi nal com relação a (...) Isso aí gera tensões? Gera confl itos de alguma ma-neira? Quero dizer, na hora de defi nir “Tem que ter essa cara” e “Não é por aí. Tem que ter essa outra cara”. Existem tensões notáveis ou não?

Eleonora:Eu não diria que são tensões não. Existem discordâncias sim. “Vamos lá, vamos ten-tar, tem isso, tem aquilo”. Não tem muita, poderia até ter mais. (Risos.) Não tem mui-tas não.

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Entrevistador:Mas isso em função de ser uma coisa democrática de, digamos assim, ser um debate democrático, ou de já ter a defi nição “Não, ele é”. Por exemplo o Paulo, que eu conhe-ço, que é matemático, “É ele que sabe, então é ele que decide”?.

Eleonora:Estou querendo pensar um pouco mais. Você tocou em um ponto fraco, quero dizer, quando é o Paulo, fi ca tudo mais difícil. (Risos) A democracia não é o principal (...)

Entrevistador:Eu citei ele como exemplo (...)

Eleonora:É, mas ele é pouco democrático, então as pessoas reclamam. Por isso que estou (...) Há momentos de tensões sim, dependendo (...) “Estou aqui, vou mandar dessa for-ma e vai ser do meu jeito”. Então tem um pouco. Mas de uma forma geral eu também estou me autocriticando porque eu sou uma das quem (...) Quem leva esses projetos dos sábados sou eu. Mas eu não aguento coordenar todos então já faço uma meia distribuição, mas estou sempre por trás. Então eu vou dizer que é democrático. Pode ser que não seja e que eu seja uma onipresente nessa história. Gostaria até que você perguntasse pros outros. Talvez eu seja uma ditadora nesse sentido. (Risos.) Então acho que é construído. Em alguns momentos menos quando vem de fora e há uma reclamação. Quando vem de fora. A gente tenta que seja construído e que todos parti-cipem.

Entrevistador:Mas “quando vem de fora” como assim?

Eleonora:Por exemplo o do Cérebro. Eles entram na semana (...) A gente abriga (...) Existe uma semana nacional mundial do cérebro. Então, em março, a nossa atividade de sábado é sempre a do cérebro. Ela vem com esse professor, que é professor daqui também. Um grupo, são dois professores daqui que já trabalham com a gente há muito tempo. En-tão as atividades são quase que uma recepção de uma exposição.

Entrevistador:Que vem já pronta?

Eleonora:Vem bem pronta mas a gente conversa. Tem reuniões anteriores de que que vai ser. Como é que a gente se encaixa. Se a gente também faz coisas complementares. O grupo reclama um pouco que houve um pouco de imposição. “Não seria melhor assim, e não assado?”. Então talvez esteja faltando uma discussão maior. Acho que depende de (...)

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Entrevistador:Da circunstância, da época(...)

Eleonora:Do andamento (...)

Entrevistador:Do andamento, sim.

Eleonora:Mas tem uns nossos que são trabalhados durante muitos anos e que vão evoluindo ao longo dos anos voltando de uma certa maneira ou outra.

Entrevistador:É porque pelo o que a Denise me falou (...)

Eleonora:Precisava de uma avaliação melhor. Uma avaliação melhor dele mesmo. Agora a gen-te está fazendo uma avaliação do grupo que participa. O quanto que ele se sentiu con-fortável. O quanto que ele deu palpite. É pequeno ainda. Nos últimos cinco a gente fez uma avaliação. Talvez seja interessante a parte de participação. Acho que a gente ofe-rece a possibilidade de discussão e participação, mas nem sempre ela vem. Funciona de um jeito mais democrático sim. É, a Denise é de um tempo anterior.

Entrevistador:Pois é. Ela comentou muito sobre o Bazin e uma das coisas que ela se lembra, que ela era jovem na época, no fi nal ou início da faculdade, alguma coisa assim, que uma das coisas que a encantou foi essa coisa da discussão coletiva e da democracia interna. De ele mesmo sendo a fi gura que criou e tinha um simbolismo associado a fi gura dele e em determinados momentos ele fala “Não, você tem razão realmente. É melhor ir por aí”.

Eleonora:Eu acho que continua esse espírito do Maurice Bazin, mas era um líder muito impor-tante. Acho que hoje a gente perde. O país está no estado que está por falta de lide-rança. Tem uma geração aqui, que acho que já pegou a minha, e olha que eu já sou velha, mas a geração abaixo não tem líder. Eles fi cam esperando ser mandados. Acho que ele era um líder. Não vou dizer que ele era completamente democrático não, que seria mentira, mas ele era um cara muito assim: se ele visse alguma coisa errada aqui que o próprio grupo fez ou não, ele ia lá e rabiscava mesmo. “Isso aqui está errado”. Nem chamava em um cantinho para dizer, não. Então, acho que tinha esses momen-tos. Mas era um líder. Ele se dedicou àquilo que ele resolveu fazer. E talvez, no nosso caso do Espaço Ciência Viva, a gente discute isso. Todos nós somos divididos. Nin-guém no nosso grupo só se dedica a divulgação. Então leva um tempo no laboratório

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grande com um monte de aluno. A outra área. Então a gente só acumulou função. A gente acha que se um de nós nos dedicarmos, nem que fosse depois da aposentadoria, aquilo talvez fosse mais interessante. Eu acho que o Bazin optou. Ele era um cientista famoso e ele saiu daquelas margens e foi se dedicar. Nos últimos anos ele estava nas tribos indígenas. Ele tem livros de educação, matemática, nas tribos lá da Amazônia fazendo um trabalho impressionante. Com 75 anos. Então era um cara ímpar. Então acho que eu não vi outra liderança. Talvez o Ildeu. Talvez. Mas eu acho que o Ildeu hoje, ele também tem uns nichos que ele dá mais atenção. Ele também não fi cou tão carismático como o Bazin. Então, o Ennio Candotti e o Ildeu. Não vejo outros. Na di-vulgação eu não vejo. Acho que a Luiza não é. Estou falando isso aqui que não é gra-vação. (Risos) O Wagensberg parece um cara que era também.

Entrevistador:O Jorge Wagensberg.

Eleonora:Sim.

Entrevistador:Lá do Cosmo Caixa.

Eleonora:Também há a dedicação e a liderança na história. Obviamente que todos tinham uma personalidade fortíssima. A democracia é uma coisa boa no sentido de que leva o cara a participar. Acho que isso deveria ser uma habilidade. Rapidamente você galga o status de fazedora do negócio. Não foi só ela que se sentiu assim, eu também, Vinte anos e eu estava no Salgueiro representando a comunidade. Agora é um cara de liga-ções importantes, ele é agregador. De abrir a sua casa para ligações importantes. Ele conhecia os políticos. Era amigo do Brizola. Era amigo do melhor físico. Era amigo do melhor médico, a mulher era cineasta e conhecia o cara do design que era bom. Tinha um poder agregador infi nito e eu não vejo os cientistas tendo tudo isso. Tudo isso que eu digo que talvez ainda o Ildeu seja também um cara mais próximo disso porque também tem essas ligações. Não sei você, mas eu não tenho. Eu tento ter. E, acho que os que foram anteriores a mim são piores. Porque é arranjar um trabalho permanen-te.

Entrevistador:Sem dúvida.

Eleonora:Era um namorador por excelência. Isso também atraía mulheres que faziam coisas para ele. Tinha sete ou oito mulheres que continuavam amigas depois dos casamen-tos. É o poder.

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Entrevistador:Um pouco como Darcy Ribeiro.

Eleonora:Um pouco como Darcy Ribeiro. O nosso último reitor também era um pouco assim, o Aloísio. Eu acho que são importantes nessas fi guras para, de fato, agregar.

Entrevistador:É, o aspecto carisma.

Eleonora:São carismáticos. Populistas.

Entrevistador:Então (...)

Eleonora:É o curador fi cou aí, certo?

Entrevistador:Bom, tem mais dois pontinhos que, aliás (...)

Eleonora:Você não quer uma água, não?

Entrevistador:Não, estou tranquilo.

Eleonora:Deixa eu só avisar para eles aqui que a gente tem uma reunião meio-dia.

Entrevistador:É. Já são meio dia. Caramba.

Eleonora:Mas eu acho que o que a gente discutiu certo, que é um para o (...)

Entrevistador:Vamos fi nalizar com a questão da curadoria. Você considera que uma exposição de ciências/tecnologia deve ser feita por um cientista ou não há necessidade disso? Por quê?

Eleonora:Eu acredito que mediante o que falamos, no Museu da Ciência, parece que a curado-ria é dividida e realmente falta um olhar mais artístico. Serei bem “careta”, protecio-nista e bairrista, mas creio que deva ser feita por um cientista. Talvez não um, mais de um, uma equipe de cientistas. Talvez abarcando outras áreas da ciência, que não a ciência técnica, mas acredito que terão detalhes técnicos importantes na área da

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ciência, pois ela é muito especializada. Acontece nas entrevistas mínimas e nos textos que escrevemos de haver algum erro. Pode-se perceber que quando são transmitidos é uma reclamação constante; quando se dá uma entrevista no jornal, por exemplo, e há um erro científi co. Nós somos puristas demais, pode até ser que esse erro passe adiante, mas tentamos minimizar. Entretanto, é um medo e é ruim que o conceito científi co seja mal passado adiante. Ao longo da minha vida, através de pesquisas, perguntei se as pessoas sabiam o que era fermentação e o que foi percebido é que as pessoas estão em situações científi cas muito diferentes. Fizemos a pesquisa com um público geral e mesmo dentro da universidade foi possível perceber que há professo-res que entendem a fermentação do século passado como um conceito de putrefação. E aí no meio do caminho vê-se que nem botaram enzimas no processo, nem microor-ganismos, e os que estão mais próximos da realidade enfi m. Então, temos um leque enorme. Pode ser que o purismo da informação mais nova, mais moderna, visto que a ciência muda muito; seja purista demais, o que seria o mais próximo do correto atual. Como muda tanto de hora para hora, pode ser que uma pessoa mais especialista na linguagem e na tecnologia seja melhor do que um cientista para uma exposição cien-tífi ca, no sentido de que ela vai usar de outras ferramentas como a psicologia, a cog-nição, o que seria mais atrativo para aquele indivíduo se a curiosidade é o principal elemento para discussão. Eu, como cientista, acredito que a informação científi ca tem que ser muito correta (...)

Entrevistador:Rigor?

Eleonora:É uma discussão. Tenho amigos que gostam muito da tecnologia da informação que são bons cientistas, gostam dessa coisa com aplicativos da informação mais rápida e de conteúdos científi cos. Eles acreditam que não precisaria do rigor, que o rigor já é sufi ciente, “eu estou passando aquela informação, então já tive rigor sufi ciente”, levando em consideração que o rigor dele já é mais alto visto que ele é cientista e acha que não precisaria de tanto (rigor). Eu acredito que ainda precise, posso estar sendo careta.

Entrevistador:Uma questão para retomar um ponto: as exposições e sua autonomia em relação à instituição, nas suas abordagens. No caso do Espaço Ciência Viva existe essa autono-mia, pelo que nós conversamos. Entretanto, pelo que conversamos notei que muita gente vem da UFRJ, então o Espaço Ciência Viva está ligado à UFRJ de alguma ma-neira. Isso cria algum nível de interferência da UFRJ ou não? Existe realmente uma independência sendo ONG?

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Eleonora:Ainda não existe (essa interferência), mas a faculdade pode vir a criar. Com a institu-cionalização da extensão é possível perceber através desses últimos editais que é pre-ciso fazer um link com sua aula de graduação e a UFRJ institucionalizou oito planos de meta da extensão. Na hora que eu peço a bolsa, a faculdade pede que eu me encai-xe em um daqueles planos. São planos largos ainda, por enquanto não há interven-ção, mas pode ser que, futuramente, esse cenário exista. Pode até ter limitação de al-gum assunto que eu queira tratar e a universidade não tenha, o que me faça a ter que me adequar, por comodidade a não tocar naquele assunto, senão terei que procurá-lo em outras instituições. A universidade é grande, logo possui um grande leque de pos-sibilidades. A princípio não existe essa intervenção.

Entrevistador:Finalmente, uma pergunta importante para meu trabalho. Qual papel que você acha que tem o aspecto não textual em exposições? Justifi que sua resposta. Por não textual entender tudo aquilo que não se refere diretamente ao conteúdo científi co, mas que importa para a passagem desse conteúdo para o visitante. Por isso conversamos um pouco sobre aquelas questões da linguagem e comunicação. As exposições científi cas, geralmente, tem informações textuais, uma vez que elas precisam passar essa infor-mação escrita ao público. Existe a informação que não é textual, mas é falada através dos monitores e outros meios visando a explicação às pessoas que estão na exposição.

Eleonora:A não textual é classicamente a que chamamos de emocional, tem a ver com o lado emocional. Acreditamos que a sensação da experimentação que também não é tex-tual, e sim manual tem um texto por trás. Como, por exemplo, a famosa cadeira que vira, se a pessoa consegue perceber que aumenta a velocidade ou não, se a pessoa sente se conseguiu ver uma mudança de cor, se conseguiu precipitar algo, se con-seguiu pegar um coração (que ela nunca havia visto aberto antes e ali observou a passagem do átrio, enfi m). Esse cenário, ainda que implique um texto por trás, é não textual. Há uma outra coisa, não sei bem se se adequa à pergunta, que é a passagem da diversão, e essa talvez tenha a ver com a junção da não textualidade e não cientifi -cidade; e sim da empatia que aquele cria. Óbvio que também há texto de divulgação, mas o principal é qual a empatia que aquele lugar transmite ao visitante. Acredito que esse último fator falte nos dias de hoje. Isso não envolve um texto científi co, mas é aquela relação comunitária de proximidade, acolhimento, divulgação, de marketing (em um bom sentido). Em um museu de ciência, a experimentação é algo essencial e precisa ser uma linguagem para toda a família, o que é outra difi culdade: conseguir atingir o público geral. No meu ponto de vista, o público adolescente é o que menos frequenta o museu, e o que está entre 20 e 24 anos, parece que o cara vai por obriga-

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ção. Já as crianças são o espetáculo, não precisam nem do texto. Entrentanto, aprendi que o texto é importante, também. Em determinado momento achava que ele não seria, mas há pessoas que tem o hábito da leitura, o que é importante de se preservar. fi zemos um pequeno levantamento com uns alunos de pós graduação e vimos que o atrativo da leitura para eles é relevante.

Entrevistador:Geralmente, textos curtos, certo?

Eleonora:Sim, textos curtos.

Entrevistador:A exposição é uma mídia em si. Muitas vezes existe essa discussão de que, às vezes, o cientista, o técnico, o estudioso quer fazer uma exposição como se fosse um livro colocado no espaço, e não é bem assim. Na verdade, não pode ser isso. Existe um equilíbrio, uma dialética (...)

Eleonora:Sim, o museu acredita que um mediador é importante também, pois faz esse link não textual com o visitante. Logo, ele faz essa aproximação que não pode ser obrigatória e algumas pessoas não querem; mas ele tem que estar bem representado. Acredito que o mediador tenha um papel importante, as pessoas elogiam. Há pessoas que não se agradam (raras), mas o mediador constantemente aparece entre os itens que o públi-co mais gostou.

Entrevistador:Ok, acredito que seja isso mesmo.

NOTAS:1. As palavras sublinhadas são nomes próprios ou conceitos específi cos presentes no aúdio, escritos a partir do que foi possível extrair do mesmo.

2. As palavras destacadas em itálico fazem parte da categoria estrangeiris-mo e/ou indicam discurso direto (falas).

3. As palavras e/ou expressões entre “aspas” compõem gírias ou expres-sões coloquiais pertinentes ao entendimento do texto.

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Entrevista 3

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Entrevista: Pedro Paulo Soares - Museu da Vida/COC/Fiocruz Em: 13 /05/2016

Entrevistador:Primeiramente, gostaria de saber o nome da instituição, seu nome, ocupação e formação.

Pedro:Meu nome é Pedro Paulo Soares, sou formado em História e sou tecnologista em saú-de pública da Fundação Oswaldo Cruz. Lotado na Casa de Oswaldo Cruz, no departa-mento Museu da Vida. Estou na Fundação Oswaldo Cruz desde 1990, com uma traje-tória que inclui passagens pelo departamento de Pesquisa Histórica, departamento de Arquivo e Documentação até a minha incorporação e permanência até os dias atuais no departamento do Museu da Vida.

Entrevistador:Gostaria que você comentasse sobre a origem e tempo da instituição Museu da Vida.

Pedro:Sim, e gostaria de ressaltar que meus comentários fazem parte de uma visão, de uma perspectiva. Atualmente, nós temos nos debruçado sobre a história na formação dos museus na Fundação Oswaldo Cruz, então seria interessante dizer que o Museu da Vida é mais um tributário de uma tendência que começa com o próprio Oswaldo Cruz, se consideramos que aquelas ações feitas por ele no tempo em que o mesmo organizava as participações do Instituto Oswaldo Cruz nas exposições internacionais de medicina, de higiene, que eram exposições abertas ao grande público. Portanto, nos dias atuais, podemos dizer que eram exposições de divulgação científi ca também, assim como de educação sanitária. Essa história é centenária se considerarmos alguns marcos. Outro marco é a própria abertura de um museu histórico após a morte de Oswaldo Cruz em 1917, quando a sala dele se transforma em Museu Oswaldo Cruz, uma espécie de santuário em homenagem ao patrono. Anos mais tarde, no decorrer do século XX, é possível ver iniciativas que vão se aproximando do momento de cria-ção do museu, que são datadas da década de 1970 e que estão relacionadas àquela preocupação de aproximar a formação, o ensino de ciências à divulgação de ciên-cia. Assim, espaços não formais já começavam a ser ensaiados dentro da Fundação Oswaldo Cruz, como é o caso do museu didático Marquês de Barbacena, que foi uma iniciativa de pesquisadores do Instituto Oswaldo Cruz e da presidência da fundação na época (...).

Entrevistador:Mas, se instalou aqui?

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Pedro:Sim, foi instalado aqui na Cavalariça. Nós temos fotos e alguns registros documen-tais do roteiro, dos conteúdos, do que era apresentado dentro desse museu. Entre-tanto, esse museu durou cerca de dois anos, segundo apuramos, por falta de apoio e de pessoal. Coincidentemente, na década de 80 surge a oportunidade de criação de uma unidade cultural dentro da Fiocruz, que veio a ser a Casa de Oswaldo Cruz (COC), retomando a ideia de um museu, também na Cavalariça, que foi o Museu de Oswaldo Cruz.

Entrevistador:Isso já na época do Sérgio Arouca?

Pedro:Sim, na gestão dele em meados dos anos 80. Era um museu mais tradicional, um mu-seu de história, que também ocupava um espaço que anteriormente havia sido ocupa-do pelo Museu Didático e que depois viria a ser a nossa Biodescoberta no Museu da Vida, a Cavalariça. Sem querer divagar, acho que o momento de criação do Museu da Vida, já no âmbito de ser um projeto da presidência da Fiocruz que aglutinava o apoio da comunidade científi ca (ainda que com críticas, sabemos disso já que vivemos isso na época), mas houve um manifesto de apoio á criação de um museu, embasado nas questões de aproximar educação, ciência, divulgação e cultura em um espaço que acho que foi percebido com um potencial enorme. O campus com seus prédios his-tóricos, uma instituição centenária com uma história muito rica, e a partir daí essa oportunidade e conjugação geram aquele grupo de trabalho da época – formado por profi ssionais de dentro da Fiocruz, mas também por profi ssionais não pertencentes à instituição. Lembrando da necessidade que se tinha, na época, de formar consultores, pois nós não tínhamos quadros para várias das áreas típicas de museu. Logo, aqueles grupos de trabalho foram formados, também, com a convocação, identifi cação e con-tratação por projeto de vários profi ssionais de áreas como arquitetura, design, educa-ção, apoio informacional e outros que não me ocorrem agora.

Entrevistador:Isso em 1995?

Pedro:Em 1993, 1994 que foram os anos da criação do projeto do PADCT.

Entrevistador:Do “Livro Azul”?

Pedro:Exatamente, o projeto foi elaborado com base no “Livro Azul”.

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Entrevistador:Mas essas contratações já aconteceram naquela época?

Pedro:Não. Elas foram pós a conquista desse edital, pois este propiciou a entrada de um recurso, que não me recordo de quanto ao certo, mas pós a premiação desse edital PADCT SPEC Capes, se não me engano, e que previa na época não apenas a criação de um museu de ciências da vida, mas uma rede de museus. Isto estava em voga na época, estavam falando sobre isso, sobre a criação de um espaço de um museu do mar, um espaço do universo, um planetário, e nós como um espaço do museu da vida. Era um consórcio de intenções semelhantes, inclusive, era uma rede que já dava indí-cios que viria a ser uma rede e que todas essas iniciativas foram realizadas, não mais com essa confi guração de rede. Porém, o Museu da Marinha e o espaço da Marinha estão lá, assim como o Museu do Planetário, não mais com aquele envolvimento de consórcio que prometia na época.

Entrevistador:Como rede, certo?

Pedro:Isso, como rede integrada. Bom, de 1994 a 1999, nós vivemos o período dos projetos de implantação do circuito básico. Em 1999, o museu abre formalmente ao público. Um pouco antes disso, nós já tínhamos acumulado uma bagagem interessante que era aquela na unidade Casa de Oswaldo Cruz, que cedeu muitos profi ssionais para o projeto Museu da Vida (que na época não era um departamento, e sim um projeto da presidên-cia). Antes disso, nós já havíamos adquirido uma bagagem e experiência interessantes na proposição e desenvolvimento de exposições de cunho mais histórico-científi cas. Posso citar rapidamente: Imagens da Peste Branca, sobre a tuberculose no Brasil; Re-volta da Vacina, por ocasião dos 90 anos daquela rebelião popular e como uma espécie de uma exposição piloto e teste para a inauguração do Museu da Vida, a Exposição Vida de 1995, que foi um grande piloto para a mediação humana que se prentendia criar e manter até hoje como está no museu, para interface entre história, ciência e cul-tura que a gente via muito fortemente nos anos iniciais da casa e do museu. Entretanto, esse período de 94 e 99, se não me engano, é o período de composição de vários grupos de trabalho. Havia o grupo de trabalho para Biodescoberta; o grupo de trabalho do Parque da ciência; o outro grupo do Pombal, que foi um espaço que não foi implantado posteriormente; o grupo das Trilhas, que também não foi à frente (...).

Entrevistador:Havia o Ciência em Cena, correto?

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Pedro:Exato, O Ciência em Cena foi um dos primeiros espaços a ser implantado e contou muito com a contribuição da Virgínia Schall, da Danielle Grynspan e de outros cole-gas do Instituto Oswaldo Cruz.

Entrevistador:No caso, o primeiro espaço efetivamente inaugurado foi a Biodescoberta?

Pedro:Não tenho certeza se foi a Biodescoberta ou o Ciência em Cena, pois suas datas de inauguração estão próximas. Creio que você está certo. A Biodescoberta foi inaugura-da primeiro e, logo depois o Ciência em Cena.

Entrevistador:E com relação à fi liação institucional do Museu (da Vida)?

Pedro:Creio que já comentei um pouco. Acho que esse museu é tributário de uma preocu-pação que podemos remeter a Oswaldo Cruz em relação à comunicação dos temas de sáude para a população. Oswaldo Cruz tinha aquela ideia dos conselhos para o povo, então, essa participação dos institutos nas exposições havia um lado científi co, mas também uma vertente de comunicação real com a sociedade. Algumas coisas que achamos ser novidades do nosso tempo, como preocupação com a linguagem visual das exposições, com o poder da imagem, a síntese, a atração, a interatividade - já que ensavam em motivar, inspirar o público, isso é uma espécie de interação - já eram presentes nessas exposições. Acredito que a fi liação é presente de um modo interno, nessa linha de preocupações que vem dos anos 60 no instituto. Iniciativas na ENSP, de fazer teatro popular para comunicar temas de saúde para a população. Se você for olhar, acho que a fi liação do Museu da Vida tem um tanto a ver com a história emo-cional, tem a ver com a história de educação no Brasil e alguns de seus momentos - os quais não me considero especialista para falar a respeito -, mas tem a ver com esse momento nos anos 80 de criação de espaços de divulgação científi ca, não como pró-prios museus, mas como divulgação de ciência.

Entrevistador:Como o próprio Ciência Viva?

Pedro:Exato. Como o Estação Ciência, como o Mast, que também é desse período. Talvez se olhássemos mundo a fora, outros exemplos devão estar datados mais ou menos dessa década ou a partir dessa década.

Entrevistador:O próprio Cité de Paris que aí já é um mega empreendimento.

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Pedro:Sim, esse é o forte das indústrias da França. Coisas que a gente não consegue ter a iniciativa, pois necessitam muito do aporte governamental e essa é uma das vanta-gens de um museu dentro de uma instituição com a força e o pretígio como na Fio-cruz. Essa fi liação tem mais a ver com essa preocupação com a educação não formal e um diálogo de educação com aquilo que era um dos eixos que aparecia em um dos documentos de origem do museu, que era despertar vocações através da curiosidade; quem sabe até provocar na cabeça de jovens e crianças um desejo de seguir a carreira científi ca (algo que cá entre nós, acho um tanto pretencioso), mas não era exclusivo desse momento. Se nós olhássemos para a história da educação e dos museus no páis, veremos que essa é uma preocupação apontada em várias épocas, especialmente den-tro da história do Brasil republicano onde podemos encontrar esse tipo de situação em mais de um momento.

Entrevistador:As perguntas a seguir apelariam um pouco para sua memória na experiência. Na épo-ca que foi você o gestor do museu, como você via a questão dos recursos fi nanceiros? E como era a questão da organização interna, no geral?

Pedro:Na época em que fui chefe do museu, sucedi o José Ribamar Ferreira (que foi nosso terceiro chefe). (Paulo) Gadelha foi o primeiro, apesar de fi car numa posição mais si-milar à de um mentor; Gilson (Antunes) foi o chefe de implantação e, por fi m, o Riba-mar. Enquanto eu sucedi o José Ribamar já com um museu institucionalizado como um departamento da casa de Oswaldo Cruz e não mais um projeto vinculado à presi-dência. Esse processo que foi necessário ser institucionalizado com a participação e colaboração de profi ssionais da casa, a própria vinculação do museu a uma unidade cultural que é uma das atribuições da Casa de Oswaldo Cruz fazia com que essa ins-titucionalização se desse no âmbito de uma unidade já existente com pefi l, com atri-buições. Porém, esse processo tem ganhos e perdas, na minha avaliação. Ganhos, pois ele nos ajuda a organizar os processos; organizar em áreas com atribuições; em per-mitir pensar mais claramente no dimensionamento nas equipes, identifi cando lacu-nas; propondo completar essas lacunas, seja com contratações temporárias ou através do surgimento dessas oportunidades com vagas de concurso, enfi m. Acredito que esse processo nos trouxe benefícios como a própria organização governamental que nos coloca em pé de igualdade perante os outros departamentos da casa; passamos a ele-ger os chefes de departamento, enfi m, nossa vida institucional entra no mesmo ritmo do resto das unidades da Casa de Oswaldo Cruz. Por outro lado, o que nós tínhamos em termos orçamentários, enquanto éramos um projeto, passa a ser mais um depar-tamento da unidade e creio que a racionalidade do gestor maior da unidade obrigava

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e nos olhar como um outro departamento da casa. Logo, nosso orçamento, que antes era só nosso e tinha uma negociação que era direto com a presidência, passa a ser um orçamento único da Casa de Oswaldo Cruz distribuído entre os departamentos, e, creio que com isso nós perdemos. Não é só uma crença particular, mas nós temos grá-fi cos e relatórios que comprovam isso, indicando claramente que houve um declínio em termos absolutos do orçamento. Por outro lado, essa curva declinante nos forçou a ser criativos, e no âmbito do museu nós organizamos, propusemos (ainda no fi nal da gestão do Ribamar e na minha) a implantação de um núcleo profi ssionalizado de captação de recursos para as atividades do museu. Este núcleo foi tão bem sucedido que a própria unidade, percebendo as possibilidades, levou o núcleo para a estrutura central da unidade. Atualmente, este núcleo não é mais do museu, apesar do museu ser o principal cliente, em termos de projetos e volumes captados que esse núcleo consegue trazer para a casa de Oswaldo Cruz. Desse período, também pude acom-panhar e participar, colaborando na elaboração de perfi s de concurso. Nós tivemos nesses últimos anos alguns concursos que possibilitaram a desprecarização parcial certos vínculos de trabalhos, que é a questão da tercerização, com a entrada renovada de profi ssionais para áreas já melhor mapeadas em termos de carências e necessida-des. Esse foi um movimento dos últimos 10 anos, em que três concursos, pelo menos, foram feitos e o museu foi bem agraciado com vagas nesse período.

Entrevistador:Você já entrou na questão da organização interna quando mecionou essa questão dos concursos e da desprecarização interna. Além disso, como o museu se organizava na época, do ponto de vista da organização interna?

Pedro:Em linhas gerais, por volta de 2001 nós tínhamos uma organização que já apresenta-va algumas áreas matriciais importantes em termos de horizontalidade na estrutura, mas não eram estruturas formais. Portanto, antes de sermos um departamento, toda essa organização existia e os processos de trabalho existiam também, mas não esta-vam mapeados e organizados dentro de uma estrutura formal do Ministério da Saúde dentro da Casa de Oswaldo Cruz. Lembro-me que áreas voltadas à educação, à cria-ção de exposições e de produtos de divulgação científi ca que eram tanto a educação como a criação, áreas, por excelência, defi nidas como matriciais. Estas áreas eram acionadas e acionavam todo o museu. Uma área fundamentalmente voltada para o acolhimento do público e a mediação das exposições, das ofi cinas e atividades, era organizada através da lógica dos espaços temáticos. Estes que até hoje atendem pelo nome de Circuitos de Visitação, organizados em: Ciência em Cena, que era um espaço de arte e ciência; ofi cinas da percepção; o parque da ciência, uma área ao ar livre e de-pois uma área construída que trabalhava comunicação pelo aspecto da biologia e das

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ciências da vida; o teatro; a pirâmide; o espaço da Biodescoberta que era uma grande exposição sobre a biologia; o espaço passado e presente, esse apesar de estar no pro-jeto, foi uma dos últimos a ser implantado, que funcionava no ínicio do museu, mes-mo com essa denominação. Ainda era uma antiga roupagem para o Museu Oswaldo Cruz, ou a Sala Oswaldo Cruz, sendo uma visitação a um espaço tradicional de uma exposição de objetos e memorábilia referentes a Oswaldo Cruz.

Entrevistador:Essa visitação ocorria mesmo antes do Museu da Vida começar?

Pedro:Sim, desde os anos 70 que ela começou a ocorrer em moldes museológicos, pois aí foram contratados museológos, organizados objetos, o espaço passou a ser pensado de maneira museológica. Mas nunca na escala, no tamanho que passou a ser após a inauguração do Museu da Vida, que é número na escala dos milhares por ano. Quan-do falamos de algo em torno de 200 mil visitantes por ano, nos dias atuais, falamos em cerca de 60 mil visitantes no campus de Manguinhos e o restante através das ati-vidades de itinerância da exposição, Ciência Móvel e demais. Voltando à questão da organização, até 2006 nós tínhamos essa organização por áreas fi nalistas, digamos assim, e áreas matriciais. Também, tínhamos uma área de planejamento e adminis-tração, tínhamos uma área de suporte tecnológico, pois era um museu que nasceu com muita demanda de tecnologia para comunicação dos conteúdos nas exposições.

Entrevistador:T.I?

Pedro:Exato, o que agora chamamos de T.I. Então, tínhamos planejamento, administração, TI e essas áreas matriciais: educação e centro de criação, e esses espaços aglutina-dos no serviço de visitação que seriam os espaços das exposições de longa duração. Até que em 2006, a Fundação Oswaldo Cruz passou por um processo de discussão e reestruturação das estruturas organizacionais de suas unidades tecno-científi cas e de apoio. A partir dessa ocasião que o Museu da Vida, já como um departamento da Casa (de Oswaldo Cruz), organizou a estrutura tal como é a de hoje, a qual está organizada em serviços, núcleos e sessões. Não sei exatamente o número, mas posso nominar; nós temos Serviço de Museologia (que eu coordeno); o Serviço de Visitação (antigo circuito de visitação); o Serviço de Design e Produtos de Divulgação Científi ca e o Serviço de Educação. Temos ainda a sessão Ciência Móvel, a Sessão de Operações Técnicas, o Núcleo de Estudos de Público e de Avaliação em Museus e um Núcleo de Estudos de Divulgação Científi ca composta por uma coordenação e uma secretaria. Essa é a organização atual.

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Entrevistador:Mas isso já se deu na sua gestão?

Pedro:Sim, isso aconteceu na minha gestão. Foi uma época muito difícil, pois estávamos ainda vivendo um pouco daquela transição de ter sido um projeto com uma certa au-tonomia, passando a ser um departamento que precisava se enquadrar na realidade de uma unidade. Não foi um processo fácil, mas foi um processo que, hoje em dia (2016, nove anos passados desde então) estamos fazendo a primeira revisão dessa estrutura. As instituições são dinâmicas e nós podemos ter criado, como alguns da equipe acreditam, algumas estruturas em função das conjunturas do momento. Hoje essas estruturas precisam ser atualizadas, revistas, extintas, ampliadas, substituídas. Lógico que isso que estou falando é do ponto de vista ideal, já que estamos vivendo uma situação bem drástica em termos de recursos, de Estado. Estamos falando hoje, no dia 13 de maio de 2016, no dia seguinte à mudança de Governo, para uma visão de Governo que sai de um Estado amplo com a pretensão de ocupar vários espaços da vida pública para um Governo com, quem sabe, uma lógica de Estado mínimo. Então, não sabemos como será essa questão de estrutura e de poder viabilizar sua ampliação e revisão.

Entrevistador:A próxima pergunta se refere ao pessoal, ou seja, pessoal técnico, a questão da pes-quisa e o educador. Você mencionou os setores, não sei se você teria algo mais a acrescentar em termos de quantidade, função, enfi m.

Pedro:Acredito que hoje as oportunidades da revisão da estrutura são da gente fazer uma avaliação de processos. Nós criamos há nove anos dois serviços: um de visitação e outro de educação. Atualmente, os profi ssionais que trabalham nesses serviços se veem na necessidade de fusão, pois todos se entendem como uma área de educação. É interessante nós vivermos essa dinâmica do tempo e acho isso muito importante de ser vivenciado nas instituições, até mesmo com data marcada e certa periodicidade. E o plano museológico que nós nos devemos, mas que, fi nalmente, este ano nós esta-mos em processo de elaboração do nosso primeiro ano museológico que pode prever inclusive esses momentos de avaliação, revisão e reestruturas, porque o dimensio-namento da equipe não pode se dar simplesmente por si, ela precisa vir baseada em uma avaliação de processo, de atribuição, de perfi s. As demandas que nós dirigimos nesses últimos anos de concurso, foi olhando para as estruturas que nós tínhamos. A avaliação da estrutura pode nos forçar a olhar para o futuro, para outros perfi s, em função de uma estrutura criticamente avaliada, analisada e revista, e sem aquele vício de reproduzir mais dos mesmos. Nós temos uma tendência, em uma determinada

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época, a defi nir sempre os mesmos perfi s, sempre as mesmas formações. Isto atendeu a uma necessidade e atende ainda, mas eu acredito que com relação à forma como estão organizados os processos de trabalho internamente, por isso a avaliação e um plano museológico são tão importantes. O museu pode ser considerado de médio a grande porte, se levar em consideração recursos alocados anualmente e o número de pessoal direta e indiretamente utilizado a serviço dos processos, das atividades, pois há vínculos com servidores públicos, com dois tipos de colaboradores terceirizados diretamente ou através de empresas contratadas (como manutenção museográfi ca); uma quantidade de jovens, que não podem ser confundidos como mão de obra, mas entram no escopo de número de pessoas que estão engajadas diariamente nas ativi-dades do museu, que são os jovens do programa de pró-cultural que são nossos anti-gos monitores, alunos de graduação - que hoje em dia são mediadores nas atividades de atendimento ao público.

Entrevistador:São bolsistas?

Pedro:Sim. Trabalham como bolsistas, não são força de trabalho, pois são estudantes que estão em formação. O museu tem um grande porte, também, em termos de área físi-ca. Nós estamos dentro de um campo, juntos em um prédio só, (não sei os números ao certo, mas é possível apurar com os relatórios do museu) são vários espaços espa-lhados, prédios próprios, ou seja, construídos para essa atividade, prédios adaptados para essa atividade (...).

Entrevistador:Inclusive os históricos?

Pedro:Inclusive os históricos. Agora, na perspectiva de um grande projeto de requalifi cação dos prédios históricos, isso pode vir a signifi car um incremento imenso das atividades e responsabilidades do museu com impacto na estrutura de pessoas, nos processos e na forma com eles estão organizados. Eu creio que são desafi os até bastante interes-santes que animam os mais jovens que estão entrando com mais gás e mais tempo de trabalho pela frente, que ainda tem muito que fazer nesse museu.

Entrevistador:Com relação aos programas e atividades que eram realizadas e os objetivos da época, você teria algo a assinalar?

Pedro:O meu período foi de mudança e nele eu herdei o projeto Ciência Móvel. O meu pe-ríodo foi o de consolidação do Ciência Móvel, quando ele deixou de ser um projeto e

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virou uma área do museu. O projeto foi fruto da gestão do Ribamar, mas foi na minha gestão que o Ciência Móvel se transforma numa área, se consolida e hoje em dia é a área responsável em trazer maior número de visitantes ao Museu da Vida. No meu período, também, houve a reestruturação da organização interna do museu. Mas em relação às atividades, nós habitamos a sede do museu marcando minha gestão pela dimensão dessa infra-estruturação formal do nosso organograma, tivemos a mudança para uma sede defi nitiva, a consolidação de uma área importantíssima que foi o Ciên-cia Móvel.

Entrevistador:Inclusive do ponto de vista museológico, uma opção que se traduz nesse veículo que é o “museu extramuros” que tem características bem próprias.

Pedro:Sim, nós não inventamos essa roda, sem querer fazer trocadilho. Nós nos inspiramos no museu itinerante, o museu de ciências da PUC do Rio Grande do Sul, Promusit. No período entre 2005 e 2009, o qual eu fui o chefe de departamento em duas ges-tões, o que nós fazíamos, de certa forma, era mais do mesmo, ou seja, exposições tem-porárias.

Entrevistador:É a manutenção do que já existia?

Pedro:Exatamente, manutenção das atividades que já existiam. Assim, o espaço Passado e Presente, na minha gestão, foi conceituado, desenvolvido e aberto a uma nova exposi-ção, incluindo uma sala dedicada a Carlos Chagas, algo que não havia anteriormente. Antes, o passado e presente era apenas a sala Oswaldo Cruz. Hoje há a sala Carlos Chagas, ligada ao lado da sala de Oswaldo Cruz. Do ponto de vista das iniciativas, em termos das exposições de longa duração, essa sala e o Ciência Móvel, talvez tenham sido as marcas dess período.

Entrevistador:Com relação á reserva técnica, assim como as coleções da época, você teria algo a mencionar?

Pedro:Claro, até com muito gosto. Hoje sou chefe do serviço de museologia e a reserva técni-ca é uma das áreas do serviço de museologia. Acredito que aí há uma questão para ser pensada com calma: o papel do acervo museológico e da história nesse nosso Museu da Vida, que, acredito, não ser aquela prevista no projeto originalmente do museu. As razões e as dinâmicas são várias e acho que não cabe a mim fi car destrinchando. Mas, eu creio que uma das coisas que faz o Museu da Vida ser um museu da Fiocruz,

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na Fiocruz: é a história dessa instituição, é o peso que essa história traz para essa ins-tituição museológica. Senão, nós poderíamos levar o museu para algum outro lugar qualquer. A relação do acervo muselógico com as coleções, os espaços e as atividades do Museu da Vida não é simples, não é uma relação pacífi ca. Acredito que, diferente-mente de museus em que a coleção é a fonte da exposição, da comunicação; isso não ocorre. Em minha opinião isso se deve ao fato do Museu da Vida ter um quê maior de ciência, dava e valorava o hands on, a interatividade, os aparatos e uma museo-logia mais moderna em oposição ao que seria uma museologia ou museografi a mais tradicional. Creio que colocou o objeto museológico em um limbo durante um tempo precioso e importante da implantação do museu. Ainda que no projeto do Livro Azul estivesse mencionada a reserva técnica, a história, a cultura como bases da qual não se podia fugir e que os acervos, não apenas os museológicos, mas os científi cos, bioló-gicos, também os documentais (que estão em outros departamentos), bibliográfi cos, pudessem ter um lugar de destaque no museu e, isso de fato, não ocorreu. A relação é um pouco dicotômica, pois se tem um museu e uma coleção que dialogam um pouco. Nos últimos anos, as últimas gestões do museu perceberam que isso é deixar escapar oportunidades interessantes de trazer, até porque o nosso público quando vem nos visitar quer ver a Fiocruz, o que se fez e se faz nessa instituição. Quando o público não encontra isso explicitado nas exposições do museu, ele lamenta. Uma das formas des-sa contextualização ser apresentada é através das coleções museológicas. É como se houvesse um trabalho de preservação, de identifi cação do matrimônio junto aos ins-titutos, lugares de pesquisa, mas que ela ocorre independentemente de um trabalho de divulgação científi ca e de educação não formal, pelo menos foi assim durante um tempo. Hoje, isso virou um problema. De certa forma, acho ótimo que isso seja um problema, pois diante de um problema iremos buscar juntos uma solução.

Entrevistador:Quer dizer, isso está sendo discutido, está em evidência?

Pedro:Sim, está sendo discutido e está em evidência. Acredito que isso tenha a ver, também, com o momento da gestão e com essa renovação dos quadros profi ssionais. Os con-cursos trouxeram não apenas para museologia, mas para outras áreas “sangue novo” e cabeças que pensam uma nova museologia e eu acho que não é por coincidência que a própria trajetória do objeto museológico também saiu dos anos 80 de um relativo afastamento ou menosprezo (...).

Entrevistador:Escanteio?

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Pedro:Escanteio também, e ela voltou para uma posição de centroavante, qer dizer, até o papel dos objetos do museu hoje, já não é mais descartado, pois há uma museologia que o resignifi cou; há uma preocupação em trazer de volta a cultura material. Essa dimensão do imaterial também trouxe um diálogo para o material, para os acervos. O saber, os objetos estão relacionados a práticas, saberes; isso na dimensão de uma cul-tura imaterial. Então, tudo isso hoje está resignifi cado, tem valor. Acredito que seja muito bom que as coleções sejam vistas como um problema, mas não no sentido de um impecílio, mas de oportunidades.

Entrevistador:Pode trazer novas posturas. É interessante

Pedro:Isso é legal. Eu acredito bastante nisso.

Entrevistador:A outra pergunta aqui seriam as exposições existentes na época, que você já falou a respeito. Existiam as permanentes: a Biodescoberta, o Parque da Ciência, área inter-na e externa, o Castelo.

Pedro:Até 2007 quando o Passado Presente é inaugurado.

Entrevistador:Já com uma renovação. Com questões mais históricas.

Pedro:E com uma ampliação que é a sala dedicada ao Carlos Chagas

Entrevistador:E também uma outra sala que tem uma função de exposições...

Pedro:Biológicas.

Entrevistador:Biológicas com os mostruários. Aquilo faz parte efetiva do museu?

Pedro:Não. Aquilo é Instituto Oswaldo Cruz. A sala da coleção Costa Lima. Entomológica. O Museu da Vida tem uma parceria com o instituto e com a curadoria da coleção Entomo-lógica no sentido de dinamizar as atividades culturais, a visitação pública àquela sala, mas ela não é Museu da Vida e não foi desenvolvida em parceria com o Museu da Vida, mas sim com o departamento de patrimônio histórico da Casa de Oswaldo Cruz. Aquela sala é IOC/DPH, mas ela entrou no circuito de visitação do Museu da Vida.

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Entrevistador:Para o público externo isso não é percebido?

Pedro:Não é perceptivo. Nós temos um problema de identidade.

Entrevistador:É uma questão mais interna. Institucional.

Pedro:Sim. Mas continuamos com aqueles velhos problemas de identidade visual que ainda não chegaram a um bom termo. Aquela questão que ouvíamos falar, e ainda se ouve, quando um visitante sai de um espaço do museu e pergunta: “E agora, quando vou para o Museu?” Porque ele acha que o Museu é o Castelo. Se ele sai da Tenda, da Biodescoberta ou do Parque ele pode se virar para o mediador e perguntar: “E agora, nós vamos para o Museu?” É também um pouco do senso comum que relaciona Mu-seu com Antiguidade. “Então tem um prédio histórico que deve certamente falar de Oswaldo Cruz, e lá deve ser o Museu”. Isso está ligado, em parte, com essa percepção do público e, em parte, com questões de identidade e sinalização, dentro de um cam-pus que é cheio de estímulos visuais. Placas para todos os lados falando de um monte de prédios. Que é de produção, de pesquisa, de escola e no meio disso o Museu, que não está nessa sinalização.

Entrevistador:E há uma densidade de ocupação cada vez maior.

Pedro:Cada vez maior.

Entrevistador:Mas também existe no senso comum do visitante que identifi ca com o museu certa aura que é ligada com essa coisa mais antiga e histórica, mas também tem a ver com o valor simbólico da instituição do Museu, que acredito que seja muito forte, embora exista toda essa renovação dos anos 80.

Pedro:Eu tenho dúvidas, Saboya, se o que leva essa imagem para o público é o termo “Mu-seu” já que sabemos por experiência e por leitura que não somos um povo com há-bitos de visitar museu. Acho que existem pesquisas que apontam dados sobre isso. Acho que nosso grande carro chefe se chama Oswaldo Cruz. Que é a fi gura histórica. É aquela velha história. As pessoas podem nem saber muito bem quem foi Oswaldo Cruz, mas se pedir na rua para citarem o nome de um cientista brasileiro, pode ter certeza, vão falar do nome do Oswaldo Cruz. Não vão falar aquele do Méson.

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Entrevistador:César Lattes?

Pedro:César Lattes, por exemplo. Acho que a palavra “Museu”, posso estar enganado, não sei se traz essa aura. Pelo menos não para nós. Acho que mundo afora e em outras situações culturais e históricas isso pode ter relevância. Até porque, voltando um pouco na pergunta sobre coleções, tem um pouco da questão do patrimônio. Do que e porque se deve preservar. Para quem se faz essa preservação. Acho que esse binômio Museu e Preservação, Museu e Patrimônio é até difícil de vender. Hoje numa socie-dade de massas, totalmente ligada e interligada pelas mídias sociais, acho que o papel do virtual, do simultâneo e do instantâneo é tão massifi cante, tão preponderante que o espaço físico do museu, a fruição da visita a um lugar, a uma coleção, a um objeto, é ainda algo um pouco (...). Eu tendo a romantizar.

Entrevistador:Na verdade você está dizendo que seria uma coisa distante da maioria da população?

Pedro:Eu acho que sim. Daí esse fascínio pelas novas tecnologias. Daí um Museu do Ama-nhã, que não tem preocupação nenhuma com acervo, e está certo, a proposta deles é outra. Mas por que que a proposta deles é outra? Por que o Museu da Língua portu-guesa é tão multimídia? Por que o museu do futebol é tão multimídia? Por que a tec-nologia da exibição do espetáculo e da imagem em movimento é tão forte e preponde-ra nos novos espaços chamados museus, inclusive, e nas exposições temporárias? É claro, isso tem a ver com esse momento, que é geracional. Com a cabeça dessas novas audiências.

Entrevistador:Existe também o lado do fetiche tecnológico. Existe certa “fetichização”. Por causa desses fatores.

Pedro:Sim.

Entrevistador:Enfi m, isso é verdade. Bom, as exposições existentes (...).

Pedro:No período, certo? Naquele período?

Entrevistador:Sim.

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Pedro:Eu não consigo lembrar das temporárias. Também teria que dar uma consultada e se tiver algo mais relevante te mando por e-mail.

Entrevistador:Está bom. Tem uma pergunta aqui um pouco mais elaborada: como se realizava, de novo em linhas gerais, pesquisa, conservação, documentação, exposição e educação na época?

Pedro:Caramba.

Entrevistador:É meio complexo.

Pedro:É complexo porque, mesmo sendo chefe do departamento, nunca dominei todos os processos que ocorriam e ocorrem em todas as áreas. Nós tivemos e ainda temos sem-pre uma estrutura colegiada de coordenação. Essa estrutura da tranquilidade ao gestor da vez de ter seus auxiliares na gestão. Esses, sim, mais afi nados com aquelas atribui-ções daquelas áreas. Portanto eu não posso falar. Poderia falar um pouco sobre exposi-ção, pesquisa e conservação, mas não me atrevo a dizer como se davam os processos de trabalho na educação ou na visitação porque certamente irei ser muito sintético. Vou falar platitudes obvias e vou, talvez, irritar colegas que venham a ler a sua tese depois, se você transcrever essa nossa conversa. Então é complexo porque é uma pergunta que gestor nenhum sozinho tem condição de chegar no nível do detalhe. Mas o importante é que esses processos, tentando lembrar a educação com suas atividades voltadas para o professor. Cursos para professor. Atividades voltadas para o desenvolvimento das exposições, pensando nas atividades pedagógicas. Atividades voltadas para própria ca-pacitação da área. Esse foi um período que estimulamos muito a capacitação e a forma-ção continuada da nossa equipe. Demos todo o apoio para que as pessoas saíssem para fazer doutorado e mestrado. Na visitação, a mesma coisa, aqueles processos de trabalho coordenados por um chefe de serviço. Na minha época deixou de existir aquela fi gu-ra do gerente, pois passou a existir o chefe de serviço. Esse cara que fi cou “ferrado da vida”, coitado, porque passou a fi car com ele a atribuição das cinco áreas. Na exposição era aquele processo matricial em que um projeto ou proposta de exposição podia vir de qualquer área e a coordenação designava um grupo responsável. Aparecia a fi gura da Curadoria. E as fi guras com suas atribuições. Pesquisas de imagens e de conteúdo. As equipes vinham do centro de criação se incorporar ou equipes contratadas externa-mente, se fosse o caso, para o desenvolvimento de forma e espaço daquelas exposições. Na museologia aquelas rotinas tradicionais. A museologia passa hoje por uma tentativa nossa de mudar uma postura clássica que era muito passiva em relação à identifi cação de novos objetos. Hoje estamos tentando incutir uma prática, uma política, para a gente

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sair ativamente em campo identifi cando lacunas. O que nós queremos preservar? O que é importante termos em nossa coleção que não temos? E respondendo às perguntas. O que é esse acervo? Porque antes tínhamos uma prática de acolher doações, transferên-cias internas. Então, seremos sinceros, nós recebemos alho e bugalho. Há um pouco de tudo nas coleções do museu e não há uma organicidade. Não há uma linha clara. Quais são os eixos temáticos que organizam a formação do acervo museológico. No geral é a história da saúde e da ciência com ênfase nas atividades da Fiocruz, mas isso é muito amplo, mas ao mesmo tempo por que tantas cadeiras de palinha no nosso acervo? O que explica então tantas máquinas de escrever?

Entrevistador:Como selecionar.

Pedro:Sim. Hoje, o que posso dizer, é que esse processo diz respeito à identifi cação de novos objetos para incorporação. A partir de eles virem entrando no acervo eles passam pe-las práticas tradicionais da museologia: Processamento técnico, documentação mu-seológica, catalogação, inventário, registro e higienização. Nós não fazemos restaura-ção, fazemos pequenas intervenções, acondicionamento, controle topográfi co, contro-le periódico para sua utilização em exposição e em outras atividades museológicas. É difícil responder essa pergunta exatamente porque para dentro de cada área você tem uma complexidade de processos que a estrutura colegiada é muito confortável. Ela é necessária, eu diria. Porque o diretor sozinho vê um macroprocesso da gestão, mas ali no frigir dos ovos são os coordenadores das áreas que dominam a temática dali e tem acesso a suas equipes, ao planejamento anual e as novas atividades. Acho que não dá para ir muito, além disso, na resposta.

Entrevistador:Está ótimo. Quanto ao tipo de público. Na época já se teria perfi s ou linhas gerais quanto a esse público?

Pedro:Acho que sim. Claro. Com toda essa proposta, essa fi liação, essa preocupação com a educação formal, com o entrosamento entre espaços não formais e a escola, despertar de vocações nos jovens. Acho que desde o início se delineou que nosso público seria escolar infanto-juvenil. Segunda coisa que é bom lembrarmos que o Museu da Vida no seu projeto mais ambicioso previa dois circuitos. O básico, que é o museu real, que existe hoje e é formado pelos espaços que já falamos e que estava voltado para rece-ber um público menor, controlado, escolar, com atividades voltadas para os profes-sores, preparação prévia das visitas aos espaços, algum alinhamento entre currículo e visita ao museu. Esse é o museu que, de fato, vingou. O outro museu complexo de difusão científi ca, uma bela obra do Niemayer para um complexo a ser construído.

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Entrevistador:Que era bem mais ambicioso.

Pedro:Com grandes exposições temporárias. Com uma capacidade de recebimento de públi-co na casa dos milhares. Não vingou. E esse, talvez, voltado para a sociedade de um modo geral. Para atrair todas as faixas de público. Acho que, na medida em que essa segunda perna do projeto do museu não foi viável, aquela que foi já vinha com essa marca forte de ter essa pegada escolar, de ter essa relação forte com a escola, com os professores, e, portanto, desde o início, esse é o forte do público do Museu da Vida. Público escolar, do segundo grau, escolas públicas e privadas da cidade do rio de janeiro, do entorno do município, de outros municípios e às vezes até de outros esta-dos. Mas é basicamente o escolar.

Entrevistador:Mas isso se ampliou com o Ciência Móvel, não é?

Pedro:Mas lá no Ciência Móvel esse é o público também.

Entrevistador:Correto.

Pedro:Eu acho, Saboya, que é tudo bem. A gente defi niu uma marca. Mas estou falando mui-to pessoalmente. É uma opinião. Sinto falta de exposições para outras faixas de pú-blico. Acho que nosso museu se especializou em traduzir os conteúdos para uma faixa que varia em termos etários, mas é a faixa criança adolescente.

Entrevistador:Infanto-Juvenil.

Pedro:Exatamente. Acho que faltam exposições mais adultas. Acho que cabe apresentar também para uma mesma visita, principalmente pensando em uma visita de um gru-po familiar em um fi nal de semana, que você tenha algum tipo de atrativo para um público adulto também. Mas é uma opinião e não está embasado em nada. Eu, como público de museu que sou, sinto falta.

Entrevistador:Sim, mas também com a sua experiência e com a vinculação de todo esse tempo te dá uma base para formular.

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Pedro:Também.

Entrevistador:Sobre as exposições da época, você teria algo a acrescentar? Você já mencionou as permanentes, que fi zeram também as temporárias ou itinerantes e que houve como coisa marcante a formação do Ciência Móvel que é um tipo de proposta que tem a ver com a exposição embora não seja bem a exposição.

Pedro:O Ciência Móvel até leva algo que é exposição na sua caçamba, mas tem muitas ativi-dades, ofi cinas, palestras, fi lmes e exposições. Exposições menores, mas tem também. Acho que essa dimensão da atividade itinerante é muito peculiar porque dá traba-lho, tem custos e vejo que ela não é generalizada nos museus. De um modo geral os museus lutam para manter sua própria estrutura física e presencial na cidade e suas exposições de longa duração. De novo lembrando aquilo que falei: Nós somos um museu e termos orçamentários e pessoais acho que estamos em uma posição muito privilegiada no cenário cultural brasileiro e por isso que acho que esse nicho que en-tramos, não inventamos a roda, mas aperfeiçoamos, da itinerância, não é à toa que ele consegue fazer no fi nal de cada exercício o número mais expressivo de público. É através dessa atividade, das itinerâncias de exposições e do Ciência Móvel. Acho que um desafi o muito grande para todos os museus é a capacidade de renovar as exposi-ções.

Entrevistador:Sem dúvida. Até por questões orçamentais.

Pedro:Então nos museus as exposições envelhecem rapidamente. Pode ser uma provocação ou brincadeira, mas o curioso é que com a exposição itinerante não se muda de ex-posição e sim de público. Você leva a mesma exposição a outras cidades que não tem acesso a museus e aparelhos culturais. Para eles a exposição não é velha. Tudo é novo. Há uma questão também, que não é maquiavelismo, que nós podemos observar que a própria sobrevivência, a renovação, a atualização das exposições de longa duração requer recursos de ordem muito expressiva e mobilização de equipes. Às vezes alguns museus mundo afora fecham para renovar suas áreas expositivas. Isso não se coloca como uma possibilidade na nossa realidade, então temos que continuar com as portas abertas e a atividade da itinerância é uma estratégia muito inteligente do ponto de vista daquilo que é nossa missão, que é divulgar ciência e saúde para o nosso público, com as limitações que a atividade cultural tem. Porque mesmo estando em uma insti-tuição de ciência ligada ao ministério da saúde, somos um museu. Dentro das priori-dades da instituição temos conquistado avanços expressivos. Toda aquela resistência

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que vivemos no passado não existe mais. Pessoas que foram nossos detratores, hoje são nossos apoiadores escancarados.

Entrevistador:Isso é bem interessante.

Pedro:É muito interessante. Super relevante. Acho que a própria Fiocruz já o admite como um de seus macroprocessos, portanto ele é para toda a Fiocruz, pode ser que nem toda ela se veja nele, mas como um de seus macroprocessos à divulgação científi ca. Isso é fruto da ação do grupo de trabalhadores profi ssionais do Museu da Vida. É fru-to de um trabalho de quase 20 anos.

Entrevistador:Sem dúvida.

Pedro:E agora estamos passando por um processo de renovação de exposições de longa duração como é o caso da antiga Biodescoberta. A nova exposição para o espaço da Cavalariça. Esse projeto de requalifi cação do núcleo histórico vai gerar, dependendo da dinâmica das instituições públicas daqui pra frente, novos grupos para concepção, desenvolvimento e implantação de novos espaços de exposições de longa duração no Castelo, no Pavilhão da Peste, no próprio Pombal, aquilo que não conseguimos fazer vingar a 17 anos. Hoje, em novas bases, vamos tentar novamente e veremos como vai a conjuntura. Para que lado essa coisa vai também. Mas em relação às exposições daquele período, é como te digo, acho que não fi zemos na época como Viajantes, que não é bem uma exposição do Museu da Vida. É de antes. Amazônia, que já era uma exposição do Museu da Vida, que é de um pouco antes. 2001. O meu período de 2005 a 2009 nós tivemos aquele congresso internacional no Rio Centro de museus e cen-tros de ciência. Para lá fi zemos uma nova versão da (exposição) Revolta da Vacina. Não era exatamente uma nova exposição, mas sim uma nova versão para participar daquele evento internacional além das exposições de longa duração, da itinerância, daquilo que já itinerava e de novas e pequenas exposições. Com parceiros como a ex-posição de paleopatologia, que acho que é desse período. Com parceiros legais e pes-quisadores super respeitáveis como o falecido Adauto Araujo e a Sheila Mendonça da ENSP.

Entrevistador:No caso quem capitaneou foi a Gisele Catel?

Pedro:Foram Eloisa Ramos Sousa e Gisele Catel da equipe da museologia. Mas exposições de pequeno porte, já concebidas como temporárias para itinerar, então não foram ex-

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posições que tenham fechado uma área muito grande de espaço, até porque, se você lembra também, até 2005 quando inauguramos nossa sede não tínhamos espaço para exposições temporárias. Até 2005, 2006 mais ou menos só tínhamos exposições de longa duração e nossas temporárias eram feitas em espaços culturais da cidade.

Entrevistador:Como o Centro Cultural dos Correios?

Pedro:Exatamente. Ou eram exposições de tamanho pequeno, já concebidas para itinerar como foi a versão itinerante de Chagas e da Revolta da Vacina. Todas elas eram tem-porárias, grandes, feitas nos Correios ou no Palácio das Artes em Belo Horizonte, mas que foram transformadas na versão para itinerância e dali essa área ganha fôlego, pois ela parte de exposições temporárias grandes, pesadas, concebidas para espaços museológicos ou centros culturais e elas tiveram versões “pocket” e deram início a essa atividade que hoje se mantém como uma das mais importantes em termos de realização de metas numéricas.

Entrevistador:Um dado mais quantitativo, não é?

Pedro:Sim.

Entrevistador:Que também é um parâmetro de avaliação, não é?

Pedro:Sim, mas não é o melhor. Se você considerar que para a Fiocruz, um dos indicado-res que mede a atuação das suas unidades é o atendimento ao público. Nós estamos falando de hospital, posto de saúde, de escola e de museu também. Esse é um dos indicadores importantes da fundação. Além dos indicadores próprios da ciência como trabalhos publicados, egressos de cursos.

Entrevistador:De natureza mais acadêmica.

Pedro:Sim. Ou patentes registradas e produtos e invenções. Mas se tratando da grande área da saúde, que é uma área de assistência, apesar de haver certa confusão, temos uma afi nidade com essa área. Não é assistência médica, mas é uma relação direta com a sociedade. Uma prestação de serviço. Então, apesar de ser quantitativo é muito im-portante para a instituição.

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Entrevistador:Avançando um pouquinho. Em termos do discurso museográfi co, como você situaria? Naquela época havia uma preocupação com a questão do discurso museográfi co e como isso se dava?

Pedro:Também. Em grandes linhas acho que sim. Acho que é uma marca do museu da vida. Aquela questão também que a gente falou um pouco antes do certo escanteio do objeto museológico. Acho que não era culpa dele. Coitado do objeto museológico. Mas acho que de uma certa museografi a. As pessoas já estavam cansadas daquelas exposições (em determinados museus) que não se renovavam desde 1940. Você che-gava lá com aqueles móveis ainda daquela época. Aquela questão relacionada já às tecnologias da comunicação. O Museu da Vida já era um museu do computador, e em pouco tempo, da internet também. A questão da imagem. O papel relevante, im-portante e central da experiência estética, e não apenas da intelectual de transmissão de conteúdo. Entra também a questão de modelos de transmissão desse conteúdo. Aquela coisa passiva, ou a interatividade, o construtivismo. Valores e conceitos que ajudaram a organizar a proposta do museu. A dimensão estética e construtivista e a interatividade são valores que orientaram o desenvolvimento das exposições. Diria que, mais fortemente, das exposições de longa duração. Talvez menos na duração das exposições itinerantes, até por uma questão de ordem prática, toda a difi culdade que é de se viajar Brasil a fora com um equipamento tecnológico, uma delicadeza de cir-cuitos e coisas parecidas; ainda mais com a fragilidade das linhas de comunicação e manutenção. Uma vez que quebrasse um equipamento no Acre, lá ele permaneceria. Lembrando que o Ciência Móvel faz itinerância no Sudeste. As exposições itinerantes já foram do Oiapoque ao Chui, então, nós já tivemos exposições na Amazônia monta-da em oca de piaçaba tomando chuva, então imagine se houvesse um computador ou um microscópio embaixo dessa goteira. É uma dimensão que orientou, orienta e creio que permanecerá como um dos valores que é essa questão da museografi a, ou expo-grafi a, se preferir.

Entrevistador:Embora, você tenha chamado atenção dessa revalorização do objeto na exposição museológica. Eu acredito que surja, talvez, com um novo olhar.

Pedro:Uma coisa que temos discutido mais no museu é vários exemplares de um mesmo instrumento, darei como exemplo balanças e microscópios. Então, nós discutimos pegar parte desse acervo, tirar dele o atributo de objeto museológico já que temos vá-rias cópias - pois são objetos industriais- e alguns por defi ciência na sua produção, a gente não tem muito como contestualizar seus usos e transformar parte dessa coleção

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em didática, pedagógica ou qualquer que seja o termo para uso, manuseio. É isso que incomoda alguns colegas, essa massifi cação, essa sacralização, esse fetiche em torno do objeto que por ser histórico e estar preservado, precisa ser mantido com algumas salva-guardas, que às vezes chocam o visitante que deseja interagir (colocar a mão), não só olhar. Nós achamos muito legal que esses objetos permitam serem manipula-dos para que se possa olhar em dois, três microscópios três épocas diferentes; não só olhar a foto, e sim o próprio microscópio e ver que um determinado micro-organismo aparece de uma maneira três, trinta vezes amplifi cado. Isso, também, tem a ver com a expografi a científi ca em museus de ciência. Boa parte desses objetos podia ganhar um estatuto de coleção didática, digamos assim. Iria continuar preservado, seria objeto museológico, mas sem as salva-guardas de um objeto com valor histórico que merece um cuidado, um zelo maior.

Entrevistador:Essas últimas questões tem uma natureza mais opinativa, que gostaria que você res-pondesse com toda sua experiência no assunto. Qual o papel das exposições em mu-seus e centros de ciências? Qual o seu valor? Pois os museus e centros de ciências não têm apenas exposições, possuem diversas coisas. Qual o aspecto que as exposições mais valorizam, dentro da sua experiência?

Pedro:Bom, eu acho que a função mais importante do museu é a de comunicar. É possível comunicar de várias maneiras e nem sempre é somente possível se comunicar através de exposição. Acredito que o papel das exposições ainda é de extrema relevância na vida dos museus, e nela a comunicação seja a vertente mais valorizada. A comunica-ção pode se dar de várias maneiras, sendo bidimensional, multidimensional, e acho que como cada um e cada grupo é capaz de criar, com criativade e os perfi s profi ssio-nais envolvidos. Uma das coisas que sou um pouco cético é com o uso excessivo da tecnologia. Obviamente que ela (a tecnologia) muitas vezes tem o valor do impacto, então o visitante chega e é impactado por aquela projeção, composição incrível e pela iluminação fazendo com que ele seja imerso naquele ambiente. Essa capacidade é importantíssima, mas se você sai daquele ambiente e a única coisa que você se lem-bra é que entrou em um lugar incrível, teve uma experiência corporal/sensorial, mas não sabe dizer o que exatamente você viu lá dentro é porque falta algo. Acredito que a experiência na exposição não deva ser só corporal, sensorial, mas também cognitiva, intelectual, deve acrescentar alguma informação nova, não apenas uma nova sen-sação. Não que isso não seja bacana, mas um tobogã é bacana, andar em montanha russa é bacana também e só. Na minha visão, a exposição carrega o papel central do museu e seu maior foco é o de comunicar. Ao comunicar, acredito que seja necessário medir a experiência, qual é o valor da experiência para o público? É sensorial? Artís-

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tica? Intelectual? Informativa? Educativa? Acredito que tenha que ser isso tudo, na medida do possivel. Aquilo que falamos há muito tempo e vivemos na prática, uma exposição não é um livro, não é um disco, não é um texto, não é um fi lme, não é uma peça de teatro, mas é uma mídia que pode e deve fazer uso desses e tantos mais recur-sos que ainda nem estão disponíveis. Hoje em dia com QR codes e com as realidades aumentadas todas as possibilidades que a tecnologia e os recursos fi nanceiros permi-tem. Agora, vamos para a realidade da maioria dos museus deste país que sobrevivem na tentativa de manter íntegros e valorosamente aqueles acervos e registros, testemu-nhos, materiais de um passado ou de uma atividade e tudo mais. Você vai dizer que isso não tem valor? É aquela história, dê dinheiro para todos eles que eles irão buscar o melhor, inclusive incorporar tecnologias e sofi sticar formas de comunicar. Pela his-tória dos museus de ciência eles estão em outro nicho e no nosso caso essas diferen-ças também são muito gritantes. Entretanto, sobre a exposição, creio ser isso.

Entrevistador:Como você vê a curadoria de exposições científi cas? Normalmente, se fala de curado-ria associada à área artística, de museus artísticos, centros culturais, ligadas a fenô-menos artísticos. Mas haveria uma curadoria também às exposições científi cas, como você vê isso?

Pedro:Acredito que seja um desafi o por ser uma atividade de grupo. Exposição é algo compli-cado, é um produto matricial, um trabalho em equipe onde a projeção de egos e muito do lugar da curadoria se projeta sobre outros lugares mais técnicos, digamos assim. Há certa tendência a se sobrepor um ego que sabe mais, que domina o conjunto daquela ciência, daquele assunto, ou alguém que vem da área da forma; há uma necessidade de uma curadoria articulada dos saberes que irão articular naquela mídia, naquele produ-to da exposição, e é uma tensão, uma negociação, uma imposição muitas vezes porque o diretor do museu impõe que precisa ser de um jeito, ou que fulano é mais dífi cil, en-tão há de ceder, há de avançar. A curadoria é indispensável, agora a fi gura do curador precisa ser revista, em minha opinião. O curador da exposição de artes é o cara que é especialista em expressionismo abstrato, então ele já escreveu e escreve pesquisa e pode agenciar uma exposição com os artistas que ele conhece sozinho. Acredito que em exposição de ciência precisa ter cuidado com o rigor da informação, do que é passado. Precisa ter o cuidado com a ênfase e a criatividade. É necessário paciência para assun-tos duros, então a educação como curadora também é fundamental para conseguir me-diar e conseguir traduzir o conteúdo duro que o artista e o designer vão dar forma, e o educador vai conseguir dar o tom ou tons do discurso, considerando os vários públicos. Então, uma curadoria é indispensável, mas penso que ela também deva ser colegiada em exposições científi cas, não tem outro jeito. Falo também por experiência, sempre fi -

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zemos curadoria muito colegiadas. O grupo dos cientistas impõe o limite aos criadores, geralmente, quando avusam da criatividade ou desvirtuam do rigor da informação.

Entrevistador:Você acredita que a curadoria de uma exposição científi ca poderia ser exercida por um pessoal da área não científi ca?

Pedro:Exclusivamente não, digo, exclusivamente por designers, arquitetos, acho que não. Aí, teríamos que desenhar um fl uxo e criar atribuições do que eu e você entendemos desse trabalho de curadoria, que pode ser que nós tenhamos divergências das nuan-ces. O que me parece é que nenhuma área seja somente, por exemplo, um biólogo falando de biologia ou um historiador falando de história. Não é um assunto só como o episódio da vacina, um marco histórico na ciência. Curadoria dos conteúdos históri-cos a serem exibidos poderia até ser, mas estou chamando atenção para a necessidade dela ser colegiada não apenas pelos cenógrafos mais os arquitetos e os designers, eles são os únicos curadores; mas onde está o pessoal de conteúdo? Não apenas o pessoal de forma, mas de conteúdo.

Entrevistador:Você poderia ter o pessoal de conteúdo como consultor fornecendo as informações. Aconteceu isso no caso do Museu do Amanhã com a exposição do Santos Dumont. No caso o Gringo Cardia foi curador nessa exposição especifi camente e teve a consultoria do Henrique Linz e Silva, então, seria uma situação inusitada para uma exposição de cunho científi co. Se bem que lá talvez não seja só de cunho científi co e mais biográfi -co, histórico.

Pedro:Sim, uma enorme roupagem estética, artística. Talvez menos científi ca e mais his-tórica. Não sei ao certo, preciso ir a essa exposição para ver os conteúdos, porque o pouco que eu vi da exposição foram as imagens, e com relação à forma está chocante, brilhante. Mas a maneira com que estão apresentadas as informações e o que infor-ma é outra coisa. Acredito que tenha espaço para tudo, para essa imersão. Você pode entrar num espaço expositivo sem aprender nada, mas ter uma experiência sensorial, sair dela rico, feliz, relaxado, satisfeito, pois aproveitou bastante a experiência. Creio que essa questão seja falseável, são as “falsianes” da museologia, ou seja, pensar que toda exposição é somente para ensinar algo. Às vezes você se esquece de que já entrou em exposições em que não aprendeu nada, mas que elas foram marcantes para você de alguma forma.

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Entrevistador:Essa questão da curadoria é porque, eu acredito, que na área de exposições científi cas é menor em comparação aos museus de arte, de história; talvez devido às suas diferentes trajetórias. Os museus e centros de ciência, ainda mais com essa renovação, foram dis-tanciados da perspectiva tradicional e a posição do curador fi cou um pouco (...).

Pedro:Mas o fato de não haver uma denominação de curadoria não quer dizer que não haja um grupo de pessoas que trabalhe para isto. Fico pensando nos próprios grupos que coordenaram, desenvolveram e implantaram nossas exposições de longa duração. Você pode não ter um curador na exposição de Biodescoberta ou no parque da Ciên-cia, mas se você olhar para nossos colegas que estavam lá na exposição no tempo en-volvido, é possível identifi cá-los como um grupo curador. Eles atuaram dessa manei-ra. Luiz, Carla e mais aquelas pessoas que eram os consultores que entravam pontual-mente para trazer informações, dados, imagens, objetos sobre os módulos, as sessões, etc. Penso que se olharmos com mais afi nco podemos vê-los como um grupo curador. Havia os cenógrafos (aquele pessoal contratado), que criavam, produziam material e que era negociado por aquele grupo de coordenação executiva/curadoria. Não sei se o fato de chamar de curador ele não escamoteia à existência de curadores. Pelo me-nos em museus e exposições científi cos, a fi gura do curador é clássica. Nos institutos científi cos ou nos museus de ciências que formam coleções geológicas, “nlógicas” você tem a fi gura do curador, sempre teve.

Entrevistador:Que é o cara que toma conta, certo?

Pedro:Exatamente.

Entrevistador:A próxima pergunta tem a ver com a autonomia. Em sua opinião, as exposições de-vem ter autonomia em relação às instituições ou não? Até que ponto é interessante essa autonomia?

Pedro:Acho que é preciso alguma autonomia. Quando defi níamos como missão, os eixos do Museu da Vida eram a vida como fenômeno complexo, saúde enquanto qualidade de vida, como nosso famoso mantra que é um mega guarda-chuva. Acho interessante que museus tenham um mantra como nós temos esse. Acredito que debaixo desse grande guarda-chuva você pode trazer uma variedade de temas além do atual.

Entrevistador:Temas da Fiocruz.

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Pedro:Pior ainda, pois tenho uma moldura institucional. Por outro lado, a liberdade total não é legal. Fico pensando em museus que possuem uma programação, área de acer-vos, de exposições e espaços de exposições temporárias e atraem outras exposições, das quais muitas não têm a ver. Darei o exemplo da exposição de Lego do Museu Histórico Nacional, não parece que o conteúdo está muito ligado á temática do mu-seu. Porém, é claro que essa exposição sobre Lego será o maior sucesso, vai encher de jovens e quem sabe o museu acrescenta informações históricas na exposição. Acho interessante que os museus tenham mantras, os seus fundamentos, os seus eixos que organizam as atividades todas, não apenas as exposições. Também entendo que é ne-cessário abrir um pouco para outros conteúdos. Acredito que parte da identidade que aquele museu terá na sociedade vai ser em função da cara que ele vai defi nir.

Entrevistador:Corre o risco de você perder essa identidade se você não toma cuidado com essa ques-tão da autonomia.

Pedro:Claro. Acredito que isso há um certo limite. Brinco que a gente já fez uma exposição chamada Nascer, com esse mantra da vida. Então, a qualquer hora podemos fazer uma exposição chamada Morrer, tratando desses fenômenos, pois estão igualmente sob a ótica desse mantra, desse guarda-chuva vida. Então, você faz uma exposição so-bre a porta de entrada e outra sobre a porta de saída (risos) com a dimensão desejada seja histórica, cultural, exotérica, religiosa, econômica, demográfi ca, etc. Até porque científi co não pode excluir histórico, cultural, material, folclórica, de conhecimentos populares, etc.

Entrevistador:Sim, a questão é que talvez exista uma certa visão da ciência que às vezes é restritiva. Uma visão mainstream, aquela coisa mais rígida de que a ciência possui limites e se algo estiver fora desses limites não interessa. Para fechar, vamos à última questão: qual papel você acha que tem o aspecto não textual das exposições? Como não textual entender tudo aquilo não se remete diretamente ao conteúdo científi co, mas que im-porta para a passagem desse conteúdo como visitante.

Pedro:Em minha opinião uma exposição científi ca tem sempre a preocupação de passar um conteúdo. Porém a forma de ser passar, ainda mais por se tratar de ciências, tem que ser impactante, atrativa, bela, desafi adora, instigante e sufi cientemente integrada ao conteúdo. Senão passa a ser uma exposição científi ca em que era para o visitante ter aprendido algo, mas na verdade, ele jogou, brincou, fi cou impactado por aquela luz estroboscópica e acabou virando uma ida á boate.

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Entrevistador:Acabou virando uma cobaia...

Pedro:Com certeza. Acredito que o papel das exposições não textuais e mais nas exposições de ciências é central. Até porque eu acho que é uma ferramenta de engajamento, de envolvimento de seu público com o conteúdo. Nada impede que se tenha isso por si, aí é a ideia da imersão, é uma parte da exposição e não a exposição como um todo. É necessário medir o peso desses elementos não textuais em uma exposição. É preciso medir coisas, por exemplo, qual é o tempo médio de público? O que é uma visita de público a uma exposição que tem texto? O cara vai e não lê, então, ele faz em cinco minutos. Qual é o tempo médio de uma exposição multimídia? Se for tão multimídia, tão estimulada que ele passe quinze minutos, uma exposição do tipo espetáculo. Acho que essas coisas precisam essas outras ferramentas, avaliação dos públicos nas ex-posições mais tradicionais, mais radicalmente visuais. Acho que também tem meios de medir, aferir minimamente, é a avaliação de público, que eu acho uma área muito bacana dos museus e dos museus de ciência, em particular. Creio que seja isso: essa pretensão de transmitir um conteúdo. Quando se faz uma exposição, se não há uma maneira de aferir isso, como poderá saber qual foi o seu público? Por ser mais tecno-lógica, mais visual, mais textual, qual público deu preferência a essas soluções?

Entrevistador:Ok, obrigado.

NOTAS:1. As palavras sublinhadas são nomes próprios do aúdio escritos a partir do que foi possível extrair do mesmo.

2. As palavras destacadas em itálico fazem parte da categoria estrangeiris-mo e/ou indicam discurso direto (falas) do entrevistado.

3. As palavras e/ou expressões entre “aspas” compõem gírias ou expres-sões coloquiais pertinentes ao entendimento do texto.

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Entrevista 4

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Entrevista: Sergio Magalhães - Multimeios/FiocruzEm: 02 de junho de 2016.

Entrevistador:Primeiro seu nome completo.

Sergio:Sérgio Amarante de Almeida Magalhães.

Entrevistador:Ocupação?

Sergio:Sou Designer. Atualmente tecnologista sênior. Designer, hoje em dia, do Multimeios. Ilustrador do banco de imagens.

Entrevistador:Sua formação?

Sergio:Comunicação Visual na Escola de Belas Artes e Especialista em Tecnologias Educa-cionais e de Ciências da Saúde no Nutes - CCS - UFRJ.

Entrevistador:Hoje é o dia 2 de junho?

Sergio:Sim.

Entrevistador:Você já entrou no assunto, mas que tipo de vínculo você possui ou possuía com a ins-tituição Museu da Vida?

Sergio:Na época eu não tinha certeza se era bolsista. Entrei como Bolsista PAP e depois pas-sei em um concurso em 1996. Não tenho certeza se na época da exposição já era fun-cionário.

Entrevistador:Bem, a exposição da Biodescoberta foi inaugurada ofi cialmente em 1999.

Sergio:Então, sim. Eu já era funcionário no antigo Centro de Criação.

Entrevistador:E como se deu seu envolvimento com a exposição basicamente?

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Sergio:Bom, eu fazia parte da equipe do Centro de Criação e me ofereci como ilustrador na época e também para ajudar no planejamento. Não obrigatoriamente o planejamento, pois isso era feito por outras pessoas do museu.

Entrevistador:Que outras pessoas?

Sergio:No caso específi co, a Fabíola e o Luís Antônio que era o Curador Acho que o Luís An-tônio Teixeira era o Curador Geral. Tinha uma empresa contratada, que não lembro o nome, para programação visual. E o Raul Lody fez a concepção básica.

Entrevistador:Cenográfi ca?

Sergio:Sim. No caso eu cuidei dos painéis especifi camente O museu foi terceirizado pratica-mente nessa parte toda e tinha uma fi rma. Deixaram o trabalho, não sei o que aconte-ceu, e nós tomamos conta e terminamos o trabalho.

Entrevistador:Então entramos na outra questão. Qual foi seu papel nas etapas de desenvolvimento da exposição?

Sergio:Não foi exatamente uma coisa muito formal. Era, digamos assim, “apagar incêndio”, pode ser? Não sei como você vai colocar aí, mas foi salvar algumas coisas, resolver algumas coisas e a minha função principal, fui chamado para isso na época, era fazer algumas ilustrações e fazer o painel sumário, que também entrei no meio do caminho pois estava sendo feito por uma empresa. O próprio Bureau estava fazendo com os programadores visuais deles depois que o conceito foi resolvido e a Fabíola trabalhou com esse pessoal.

Entrevistador:Você falou que o seu papel nas etapas de desenvolvimento da exposição foi, digamos assim. Não foi muito...

Sergio:Formal?

Entrevistador:Formal, talvez. Linear ou algo do tipo.

Sergio:O que?

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Entrevistador:Como a exposição foi elaborada? Equipe, organização interna, prazos, etc.

Sergio:Não sei.

Entrevistador:De um modo geral. Do que você se lembra em relação à exposição da Biodescoberta?

Sergio:Que eu me lembre tinha essa equipe curadora, a Casa (de Oswaldo Cruz - COC) e várias pessoas da Casa inclusive. O Luís Antônio na época era da Casa e eu acho que com diretor Gilson, o Gadelha, Clarinha, acho que fazia parte também, Lody. E eles defi niram os temas e tal. Não sei exatamente como foi defi nido isso. Não participei diretamente disso. A gente fazia a parte de uma equipe de design, mas não éramos chamados exatamente para defi nir as coisas de design. Nós não éramos os encarrega-dos de supervisionar.

Entrevistador:E por que você acha que isso ocorreu? Esse fato de você não ser chamado e a equipe não ser chamada para supervisionar coisas ligadas a Design.

Sergio:Não sei te dizer. Não sei te dizer exatamente. Era até uma questão que a gente se per-guntava. Eu me perguntava, mas talvez porque tivesse um esforço em contratar uma equipe de fora. Foi contratada uma equipe de fora. Então, creio que por isso. A gente resolvia outras questões.

Entrevistador:Você acha que havia uma desconfi ança no ar em relação aos designers? Uma descon-fi ança sutil ou algo do gênero?

Sergio:Talvez o fato de sermos da casa atrapalhasse a celeridade do processo.

Entrevistador:Santo de casa não faz milagre, é isso?

Sergio:Eu acho que é mais do serviço público, porque também tem a questão do regime de trabalho. E não nos conheciam tanto, também. Não sabiam da nossa capacidade. Acho que por aí. Não sei. Realmente é uma questão que até hoje não tenho certeza. Não sei exatamente porque não. Mas acho que se você contrata uma empresa fora ela tem que cuidar daquilo ali naquele tempo. Tem um contrato de cuidar daquilo no tempo determinado. Nós não tínhamos equipamento para isso. Isso era uma

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coisa importante que nós falávamos. Nós não tínhamos computador sufi cientemen-te forte para fazer processamento. Naquela época realmente era tudo antigo. E as estações de trabalho. Empresas de fora é que tinham estações de trabalho. Isso era um tema muito importante no caso. Mas isso não eximiria a gente de ser chamado para conceituar. E isso realmente foi uma coisa que nós conquistamos. Acho que eu, da minha parte, conquistei esse espaço.

Entrevistador:Mas o que, na época, era precário?

Sergio:Era precário e acho que as pessoas não tinham noção da nossa função. Não sabiam exatamente o que é que nós fazíamos. Acho que um pouco isso. Qual é a função de um Designer? Isso de “Santo de casa não faz milagre”, é isso um pouco. E a questão de equipamento que era uma questão séria.

Entrevistador:A seu ver de que tratou a exposição? Qual foi o seu tema?

Sergio:O tema foi de biodiversidade. A origem da vida. As concepções da genética. Da diver-sidade genética.

Entrevistador:Você participou de alguma discussão relacionada a escolha desse tema?

Sergio:Não.

Entrevistador:Não?

Sergio:Não.

Entrevistador:Por que não? Não houve oportunidade?

Sergio:Eu acho que isso já veio da equipe de cima já muito mais fechado e acho que até antes de eu chegar ao museu. Tenho essa impressão.

Entrevistador:Você chegou ao museu...

Sergio:Em 94. Final de 94. Como bolsista PAP.

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Entrevistador:Você participou então da elaboração da Exposição Vida?

Sergio:Sim, da Exposição Vida sim, mas também da mesma maneira. Da mesma maneira. Foi contratada uma outra empresa e aí no caso tinha uma outra designer do museu, a Claudia, que participou. Eu não era chefe. Eu era bolsista, apesar de ter experiência, mas eu não fazia parte. Me lembro de ter participado de uma reunião lá na Casa de Oswaldo Cruz mas não era algo (...). Na minha concepção, temática não era da minha alçada. Acho que a minha alçada é a questão do visual, da questão técnica, da questão de partido visual, etc. Isso sim acho que era necessário. Acho que não houve.

Entrevistador:Qual, ao seu ver, seria a natureza do acervo do museu? O que quer dizer: até que pon-to esse acervo foi apropriado na exposição ou não? Se você acredita que foi apropria-do de forma adequada ou não. Enfi m, na exposição, especifi camente, da Biodescober-ta. Que se sabe que existia algumas peças, né?

Sergio:É. Nesse ponto, na época, não tinha muita noção disso. Eu confesso que não tinha noção. Eu não sabia de tudo que tinha na Fiocruz e etc. Hoje em dia eu tenho noção principalmente porque a gente fez a exposição de Oswaldo Cruz e Carlos Chagas que estava no Castelo (Mourisco). Daí sim, tive mais contato com o pessoal da reserva téc-nica e etc. Nessa época eu ainda estava realmente muito novo. Também essa questão pode ter ajudado também a não ser. Ainda não estava na cultura (...). Eu ainda estava novo na instituição.

Entrevistador:O acervo do museu foi considerado para ser objeto da exposição? Quer dizer, isso...

Sergio:É. A mesma coisa. Acho que sim, um pouco. É que não era exatamente do museu. Era do museu antigo do Oswaldo Cruz, né? E acho que foi considerado, tanto que entrou o cavalo. Teve na primeira parte ali a vidraria do Oswaldo Cruz. Agora me lembrando melhor teve a vidraria do Oswaldo Cruz. Teve aquele...

Entrevistador:Aquela sala que eles tinham um painel se não me engano...

Sergio:Colocaram algum material. E não me lembro mais. O que teria mais. Acho que não tinha mais. De acervo mesmo. O próprio prédio foi muito modifi cado. Foi coberto de uma certa maneira.

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Entrevistador:Envelopado?

Sergio:Envelopado. Aparecendo alguns detalhes. Houve uma discussão entre patrimônio e a equipe do museu, que queria uma coisa mais colorida, mais impactante e havia uma outra proposta que seria mais usando o próprio espaço da cavalariça como ele é.

Entrevistador:Arquitetura existente.

Sergio:Exatamente, então acho que chegou a ser um meio termo, onde pelo menos se mos-trava os buracos com vidros e janelas. Os elementos arquitetônicos.

Entrevistador:Certo. Isso teria a ver com relação a essa questão do recorte patrimonial que foi ado-tado. Houve alguma discussão a respeito disso que você tenha participado nesse iní-cio da concepção, ou seja, você, como designer, teve alguma participação nessa defi ni-ção do recorte?

Sergio:Que me lembre, não. Mas na época existia uma chefi a: a Claudia.

Entrevistador:A chefi a participou?

Sergio:Acho que participou, mas não tenho certeza. Eu estava chegando e não teria uma opi-nião muito clara sobre isso.

Entrevistador:Nesse caso, você acredita que tinha chegado há pouco tempo e ainda estava imaturo em relação à situação.

Sergio:E tinha um superior que estava mais próximo do assunto. Eu lembro de ter ido para uma reunião do Elio Grossman. Uma exposição que ele fez. Mas como participante com opinião, não.

Entrevistador:O Elio Grossman participou nesse início?

Sergio:Ele participou do início do Museu e por isso me deu a impressão que a proposta já es-tava desenhada. Quando cheguei aqui já tinha uma proposta desenhada. Essas coisas

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de Espaço Passado e Presente já existiam. Já estava defi nido. Não havia muito espaço de mudança.

Entrevistador:Como foi escolhido esse espaço expositivo da Biodescoberta e quais as características desse espaço? A Cavalariça?

Sergio:Não lembro exatamente como foi escolhido. Relativo às características, ele era muito amplo e era um espaço antigo da cavalariça e era para tirar soro do cavalo para fazer a vacina. Tinha azulejo branco, algumas baias e o teto era aberto. Em cima existia um espaço onde, inclusive, começamos a trabalhar lá. O primeiro lugar que comecei a trabalhar na Fiocruz era o chamado “Cocuruto” da cavalariça. Um lugar quente. Ti-nham várias pessoas lá.

Entrevistador:Tempos heroicos.

Sergio:Exatamente. Foi o primeiro lugar. A gente subia aquela escada helicoidal. Era um espaço bonito. O que se fez foi adequado. Botar os painéis e tal. Achei que o espaço fi cou bonito expositivamente. Existe uma questão do conceito de patrimônio que re-almente é outro assunto que eu mesmo não tenho opinião formada.

Entrevistador:Existe uma questão interessante, quando você lê aquele famoso Livro Azul que tem aquele projeto.

Sergio:Foi aí que começou.

Entrevistador:Aquele projeto foi elaborado em 1994.

Sergio:Pois é. Eu acho que o encadernei.

Entrevistador:A Cavalariça, como espaço para o Museu, tinha sido pensada como outro tipo de coi-sa. Para abrigar um museu histórico. Então é curioso como a Cavalariça acabou abri-gando a Biodescoberta, que não é exatamente um espaço histórico, como você falou. É um espaço voltado para questões da biologia, da genética e etc.

Sergio:O espaço histórico acabou sendo o Castelo, muito tempo depois.

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Entrevistador:Exatamente.

Sergio:Na verdade houve na sala de Oswaldo Cruz uma exposição anterior a essa que eu fi z.

Entrevistador:Sim, mas no caso da Biodescoberta se tem a sensação que ela é a síntese de propostas que existiam no Livro Azul.

Sergio:Você está falando do Livro Azul e está me lembrando de uma coisa que eu não conhe-cia tanto. Não sei se cheguei a ler o Livro Azul. Cheguei a encadernar. Para o PADCT encadernei o Livro Azul. Não lembro de ter lido. Não sei se foi o Livro Azul ou outro projeto da época.

Entrevistador:Não, mas o Livro Azul foi submetido ao PADCT mesmo.

Sergio:É. Algo do gênero. Para você ver como eu estava verde. Nessa questão, eu não acredi-to que o designer tem que, obrigatoriamente, participar desde o início da concepção de uma exposição. Creio que a gente tem uma função de resolver uma série de proble-mas e não obrigatoriamente participar da concepção e da ideia. Acho que o importan-te é respeitar a capacidade e a limitação profi ssional de cada um. E quem cuida disso na verdade é o Curador. Depois acho que o designer é chamado e tem que participar ativamente das soluções que esse grupo quer passar para as pessoas.

Entrevistador:Que tipo de infraestrutura foi pensada para a exposição? Mobiliário, suporte, ilumi-nação, essas coisas. Isso dentro do que você se lembra.

Sergio:Eu lembro de você fazendo os totens e aquelas vitrines. Dessa parte, realmente eu não me envolvi. Na questão das cores talvez eu tenha ajudado. Nesse caso foi o Lody que determinou. Vermelho, azul, verde isso aí foi muito em cima do Curador. Eu nem sei se chamaram a participação do cenógrafo, mas ele teve uma participação como um Curador também. E inclusive também participou da Exposição Vida fazendo o pri-meiro espaço e depois o grupo do Udi participou do resto da exposição.

Entrevistador:O grupo do Udi não participou da Biodescoberta?

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Sergio:Não, mas é engraçado. Nessa história tem a entrada do grupo Arqui5 em paralelo, que agora não tenho certeza se participaram dessa área. Só vendo os créditos. E hou-ve um grupo para fazer painéis que foi onde eu entrei de verdade.

Entrevistador:Painéis para a Biodescoberta?

Sergio:Sim. Foi onde eu trabalhei com mais afi nco como ilustrador, dando palpite e tentando resolver algumas coisas que estavam soltas no trabalho, mas da fi nalização eu não fui participar. Quem participou, que me lembre, foi a Fabíola com o pessoal da...

Entrevistador:Arqui5?

Sergio:Não mais. Da Color Offi ce.

Entrevistador:O Bureau?

Sergio:Sim. O que fi nalizou mesmo foi o Bureau. Nessa fase até me perguntavam algumas coisas, mas eram sugestões.

Entrevistador:Como foi elaborado o discurso expositivo? Quais as características dos textos que fo-ram elaborados para a exposição? Aqui não é uma pergunta de cunho estritamente acadêmico, mas sim a sua percepção quanto a esse discurso expositivo.

Sergio:Eu lembro que a proposta do museu era uma proposta construtivista. Sendo assim não era para deixar as coisas mastigadas para as pessoas, então quase todos textos eram em perguntas, dessa primeira fase. “O que é a Vida? ”. E nas respostas botavam as imagens e elas respondiam aquela questão. Não me lembro exatamente. Só olhando os painéis para saber se o texto era grande ou pequeno. Ele tinha um tamanho razoável.

Entrevistador:Com relação à execução da exposição. Você acredita que todas as etapas do plane-jamento foram colocadas em prática? Sinceramente, houve uma adesão do planeja-mento com a prática ou isso fi cou um pouco deslocado?

Sergio:Eu acho que dá para ver que o fato de uma empresa ter saído e ter que resolver o pro-blema. Não foram seguidos os processos exatamente. A maneira como foi feito teve

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certos problemas de desenvolvimento. Fugiu de uma programação. Não foi linear, como tudo na vida.

Entrevistador:De um modo geral, quais seriam as etapas que não foram realizadas adequadamente e por que isso ocorreu?

Sergio:Acho que essa questão da participação do designer em certas etapas não ter sido exa-tamente como deveria ser causou em certos momentos esse tipo de problema. Toda exposição tem esse problema como texto chegando em cima da hora, imagem não é achada no lugar certo; mas acho que faz parte também do processo do trabalho. O trabalho ideal infelizmente acho difícil de fazer porque tem muita gente envolvida e tem que ter organização. Difícil, inclusive na esfera pública.

Entrevistador:Você acha que isso decorre desse problema de ser um grupo de pessoas envolvidas e faltar uma coordenação melhor entre essas pessoas?

Sergio:Não sei se é isso. Talvez até a própria concepção da maneira como as coisas devem ser feitas. Pois as coisas devem ser feitas. De uma certa maneira foi feito o possível em re-lação ao que, politicamente, orçamentariamente e economicamente havia espaço para fazer. E dá essa impressão. Talvez não saísse o projeto se fosse seguir todas as normas certinhas e todas as etapas uma atrás da outra. Talvez não saísse. Isso é uma ideia que tenho hoje em dia do aprendizado que tive de viver a prática do serviço. Eu vim da iniciativa privada, do Teatro, Cinema, Jornal e Imprensa. Se nesses setores as vezes as coisas não andam exatamente na linha de trabalho e processo, no setor público possivelmente isso seja mais complicado porque depende dessas questões de verbas, orçamentos, projetos, a política mesmo. Se chega no fi nal do ano e não fez, acabou. O projeto fi ca parado, então você tem que botá-lo para frente.

Entrevistador:Isso tem a ver até com a proposta construtiva. Foram produzidos materiais de apoio ou catálogos para a exposição? Em caso positivo, com que objetivo e para que públi-co? Você se lembra disso? Se foram feitos catálogos ou folders?

Sergio:Depois sim. Eu fi z alguns. Fiz um livrinho, uma revista e um folder. Até pouco tempo o folder do museu estava sendo usado. Na época da inauguração da exposição Biodes-coberta especifi camente acredito que não tinha esse folder. Eu não tenho ele. Tenho na verdade o do museu. O do museu a gente fez um. Com várias lâminas. Então pode se dizer que sim.

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Entrevistador:Houve divulgação da exposição? Como se deu essa divulgação?

Sergio:Acho que sim, mas não lembro exatamente. Mas houve divulgação sim. Assessores de imprensa da própria assessoria da presidência. Eu lembro de gente que trabalhava aqui que era da assessoria. Não lembro exatamente como foi mas houve.

Entrevistador:Quanto à proposta conceitual. Qual teria sido, ao seu ver. a proposta conceitual da exposição?

Sergio:Bom, estaria dividido. Biodescoberta, especifi camente?

Entrevistador:Biodescoberta, especifi camente.

Sergio:Origens e desenvolvimento da vida.

Entrevistador:Certo, mas também do ponto de vista...

Sergio:Construtivista?

Entrevistador:Sim. Do ambiente todo e etc.

Sergio:Havia a proposta de maravilhar. Isso é o que foi mais dito. De ser uma coisa que desse impacto ao visitante. Que não fosse uma exposição acadêmica “careta”. Com perguntas e respostas, colorida, e muitas imagens. Nesse caso, os mais usados foram os microscópios na parte de interação com o público. Tinha o aquário. E a questão do monitor. Da pessoa que faz a mediação. Achei muito calcado nisso também.

Entrevistador:Você se lembra como essa proposta foi elaborada?

Sergio:Me lembro de conversas sobre isso sim, mas não tenho fatos claros. Era uma coisa discutida em geral. Isso... havia essa discussão.

Entrevistador:Com o grupo que estava envolvido no museu?

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Sergio:Sim. Não obrigatoriamente eu tenha participado delas.

Entrevistador:Talvez tangencialmente?

Sergio:Sim. Houve um seminário. Não lembro exatamente se era um seminário. A própria exposição Vida serviu para ajudar nesse processo. Eu não lembro pontualmente. Ha-via essa discussão. Eu fi z até o curso com a Tânia de divulgação científi ca na época.

Entrevistador:Tânia Araújo Jorge?

Sergio:Sim. Houve essa discussão da popularização da ciência.

Entrevistador:A Tânia Araújo Jorge participou inicialmente?

Sergio:Isso. Ela, o Elio, Danielle Grynspan. É bom lembrar que acho que um pouco da ma-neira como foi implantado tinha a ver com uma certa oposição ao museu aqui. Muita gente achava que queria se fazer a Disneylândia na Fiocruz, logo havia muita gente contra. Então, essa maneira de se fazer o museu veio um pouco em função disso. O pessoal se preocupava muito com isso. Acho que talvez até um pouco aquela questão do designer seria um pouquinho em função disso.

Entrevistador:Você lembra se foram realizadas pesquisas prévias sobre a temática da exposição.

Sergio:Não.

Entrevistador:Levantamento bibliográfi co e iconográfi co?

Sergio:O iconográfi co, sim. Inclusive um super fotógrafo que morreu ano passado em fren-te ao hospital. Ano passado ou retrasado. Luis Cláudio Marigo. Cedeu um material riquíssimo de Biodiversidade. Isso eu lembro de ter ocorrido. Creio que o pessoal da Casa (de Oswaldo Cruz) fez uma parte disso. Não sei exatamente como foi feito, mas houve material sim.

Entrevistador:Foram feitas consultas a especialistas? Você se lembra?

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Sergio:Sim, foram. Na época, sim. Não lembro exatamente quem, mas aconteceu sim.

Entrevistador:Como foram escolhidos os conteúdos e conceitos abordados na exposição e por quê?

Sergio:Isso foi anterior a mim também. Acho que foi anterior a mim e não participei disso.

Entrevistador:Como se deu a relação entre as pesquisas existentes na época sobre conhecimento e a sua apresentação na exposição?

Sergio:Não sei dizer. Não sabia, pessoalmente. Hoje em dia, talvez eu tenha até uma noção por estar imbuído no assunto, mas na época não tinha noção.

Entrevistador:Estiveram presentes na exposição temas ou conceitos científi cos da atualidade de en-tão?

Sergio:Sim.

Entrevistador:O quê?

Sergio:Das concepções anteriores do dilúvio até a genética. Até o último momento da ovelha Dolly, que era a grande novidade da época.

Entrevistador:Você considera que a exposição foi atual do ponto de vista científi co?

Sergio:Acredito que sim.

Entrevistador:Foram percebidas difi culdades na apresentação de alguns dos temas abordados na exposição? Você acredita que teve, nesse aspecto da apresentação, da questão da pro-gramação visual? Você acha que houve alguma difi culdade, algum debate ou algum questionamento?

Sergio:Acho que teve, mas não sei quais justamente pelo fato de não ter participado dessa parte de questão conceitual. Lembro de questões e das pessoas discutindo e etc., mas não isso exatamente. Acho que existia principalmente para a questão de se querer

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fazer uma proposta de um ponto de vista e que se tivesse mediador. Acho que houve-ram conversas sobre isso e inclusive na exposição Vida. Principalmente para quebrar o discurso acadêmico que poderia ser o que fosse permear a discussão.

Entrevistador:O que signifi ca quebrar o discurso acadêmico?

Sergio:Discurso de escrever textos gigantescos explicando para os pares. Nós estamos fazen-do uma exposição para o público geral, para crianças e adolescentes, então tem que se adequar a linguagem ao público. Se você pegasse e fi zesse o tipo de discurso como estão escritos e que é já a norma, já que as pessoas que estão aqui são acadêmicas, na-turalmente iria por esse caminho e isso não seria bom. A exposição não teria sentido. A exposição seria um livro.

Entrevistador:Em relação ao ponto de vista museográfi co como você percebia a atualidade da exposi-ção? Museográfi co, essas coisas todas do tratamento cenográfi co e afi ns, para a época.

Sergio:Sim, pois foi um tipo de proposta atualizada. Não vou falar a palavra “inovadora”. Era uma coisa coerente com o que estava acontecendo. Eu, na época, quando vim para cá, tinha visitado o La Villette. Vi a exposição antes de vir para cá sem saber que iria par-ticipar de museu de ciência.

Entrevistador:La Villette, lá na França?

Sergio:Sim. E tinha muito a ver o tipo de proposta aqui e o de lá. É atualizar. E creio que era essa a proposta das pessoas. Ninguém queria fazer um museu careta.

Entrevistador:Convencional.

Sergio:Esse que era o desafi o. E talvez isso tenha dado trabalho justamente. Agora, a questão da participação do designer é outra. É diferente pelos motivos que já relatei. O meu muito pontual. Achei muito pontual. Poderia acontecer de outra maneira.

Entrevistador:Então a participação dos designers foi muito pontual?

Sergio:Muito pontual a maneira como foi. Pelas condições. Agora lembrando. Por exemplo, a questão da oposição que havia ao museu. A questão da necessidade de contratar

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uma equipe e aí você teria que ter um curador, um “curador visual”, digamos assim. Vamos falar do que seria o ideal. O curador, a equipe de produção, as pessoas que criariam o conteúdo. Você teria o designer do museu e ele teria uma conversa com a empresa.

Entrevistador:Na sua opinião o público compreendeu a proposta conceitual da exposição? E. por que isso se deu?

Sergio:Eu não sei te dizer. Não tenho essa avaliação.

Entrevistador:E, pelo o que você observou das visitas e do início?

Sergio:Eu não sei te dizer. É muito difícil avaliar.

Entrevistador:Como você viu a questão da Curadoria em relação à exposição? Você já falou um pou-co sobre isso.

Sergio:Foi um grupo. Que eu me lembre o Luís Antônio era o chefe na época, mas tinha mui-ta gente de vários lugares que foram chamados, consultorias. Eu lembro que demorou muito para fechar as questões. Isso me lembro.

Entrevistador:Mas como você vê a questão da Curadoria em si? O que representou a Curadoria? O que representa a Curadoria para a exposição para você?

Sergio:Não sei te dizer.

Entrevistador:O que faz o Curador?

Sergio:Sei o que faz um Curador, mas não sei exatamente nesse caso.

Entrevistador:Sim, mas para você o que faz um Curador em uma exposição dessa natureza?

Sergio:O Curador defi ne o tema, como vai se dar o tema, a divisão temática, como a história vai ser contada, porque para mim é quase uma história sendo contada. Ele de certa maneira tem um poder geral. Ele também vai infl uenciar na parte visual, apesar de

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que no nosso caso, nessa questão, pode ser mais dividida ou mais discutida por outras pessoas. Não é um tipo de Curadoria onde um profi ssional é chamado por um grupo determinado que vai inserir uma exposição comercial em algum lugar com fi ns dife-rentes já que nós estamos numa empresa onde todo mundo tem uma certa voz então, há uma certa democratização.

Entrevistador:Do processo Curatorial?

Sergio:Sim, acredito que sim. Inclusive para que as coisas funcionem e todas as pessoas se sintam envolvidas e interessadas. Isso pode ser bom e ruim porque as vezes um dis-curso coerente pode ter problemas por isso porque as vezes você pode fazer uma col-cha de retalhos. Esse é o problema da gestão, entre aspas, “democrática”. Não é a pa-lavra correta. Participativa. O Curador tem que ter o domínio do tema. Eu, como de-signer, muitas vezes não tenho o domínio e de uma certa maneira vou dar uma suges-tão e a outra não considera. E faz sentido, penso eu. O Curador de uma certa maneira é um guarda-chuva porque toma conta de tudo, principalmente da questão temática e de como a história vai ser contada. Dos partidos visuais, do estilo de texto, do estilo visual que será usado, como vai ser usado, se, por exemplo, vai ser discurso com foto separada do texto. Ele decide o que vai entrar na exposição. Isso é fundamental para o Curador. Principalmente, ele decide o que vai ser montado na exposição.

Entrevistador:Ele é um tomador de decisões?

Sergio:Isso. Decisões principalmente sobre o tema e o recorte da temática. O que entra e o que não entra. Nisso acho que o Curador é fundamental. Ele pode não participar, por exem-plo, da parte visual. Pode ter um designer que vai cuidar de toda parte visual. Se derem permissão ele vai fazer isso e a exposição sai, e pode sair muito bem. Mas o designer não vai decidir o que vai entrar na exposição e o Curador precisa dizer para o designer exata-mente a cor que deve usar, mas ele vai participar junto e, naturalmente, deve ter o poder sobre isso, pois ele é como um diretor de cinema. Não tem sentido o diretor de cinema, ter crédito na cenografi a. Precisa? Se ele é diretor se está subentendido que ele participou da cenografi a. Ele participa de tudo. O Curador é como um diretor de cinema.

Entrevistador:Analogia, não é?

Sergio:Sim.

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Entrevistador:A exposição na sua época no seu período de existência passou por algum tipo de ava-liação? No caso positivo, de que tipo e com que objetivo? Foi proposto algum tipo de reformulação? Essa reformulação foi implantada? No caso negativo, por quê? Eu fi z em conjunto e eu já sei que aconteceu alguma coisa nesse sentido.

Sergio:Aconteceram mas acho que houve muitos adendos. Não obrigatoriamente uma mu-dança ou reformulação no discurso total e sim, em algum certo momento por exem-plo, necessitavam se colocar a casa de Chagas. Então se colocou a casa de Chagas no canto da exposição. Não foi uma reformulação geral para que a casa de Chagas, de sapê, fi casse lá.

Entrevistador:Mas como isso foi decidido?

Sergio:Que eu me lembre por necessidades da presidência, uma comemoração. Mas na Fio-cruz houve mudança da parte dos bichos. Dos bichos vivos. Necessidade de mudança naquela parte, porque tinha problema de manutenção dos bichos e dos peixes. Mu-dança de peixes. O próprio painel sumário, que foi reimplantado. A parte de trás tam-bém teve uma mudança em relação à parte das fotos. Que eu me lembre foi isso. Teve aquela também dos bichos.

Entrevistador:Do planisfério?

Sergio:Do planisfério. Algum painel mudou também, mas não estruturalmente. Quando houve essa mudança foi um enxerto.

Entrevistador:Entendi. Quais eram na sua opinião os pontos positivos e os elementos fortes da ex-posição e por quê?

Sergio:Eu gostava do aquário apesar de ter sido difícil sua manutenção. Creio que o início era bonito. Tinha um cavalo. Tinha uns multimídias que nunca mudaram.

Entrevistador:Multimídias?

Sergio:Sim. Aquilo deu problema e acho que até houve mudança conceitual. Teve que fi car parado um tempo. Também a questão tecnológica: o computador mudou, a lingua-

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gem mudou e me lembro que foi necessário fazer adaptação. Eu gostava da vitrine de insetos e daquela primeira área. Quando entrava na parte da célula e etc., acho que havia já uma certa confusão e na parte de trás, não sei porque aconteceu uma mudan-ça lá. Eu achava a exposição bonita visualmente.

Entrevistador:O conjunto?

Sergio:Sim. O conjunto. Eu achava que ela era uma exposição bonita. Tinha a história toda. Estava contada a história. Tinham algumas imagens. No todo, achava uma exposição bonita. O espaço fi cou bonito. Era interessante. Não sei dizer exatamente o que era melhor e o que era pior.

Entrevistador:Pois é. Essa era a próxima pergunta. Quais aspectos você a considerava frágil e por quê?

Sergio:Teve essa questão dos títulos eu não gostei realmente.

Entrevistador:Dos títulos?

Sergio:Sim. Porque foi feito no Bureau de uma maneira...

Entrevistador:Sem muito cuidado?

Sergio:Sim. Foi um colorido que tinha brilho, sombras etc. Inclusive depois, quando pude, mudei os painéis. A gente refez os painéis e eu mudei essa parte. Tive essa oportuni-dade de mexer nisso. Frágil.

Entrevistador:Por exemplo, o pessoal do departamento do patrimônio histórico questiona esse pro-blema que a Cavalariça fi cou muito escondida ou envelopada?

Sergio:Eu não tinha essa relação com a Cavalariça tão forte. Eu achava que a exposição era a exposição da Biodiversidade. Se fosse uma exposição de passado e presente, acho que teria mais sentido se manter o aspecto histórico. Agora, olhando hoje, realmen-te acho a parte da Cavalariça bonita e acho que é interessante se preservar como é. É outra questão. Hoje em dia uma exposição dessas não precisaria ser com tantos painéis. Porque ali poderia ser feito um grande laboratório onde questões da ciência

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e da vida fossem experimentados. E não um monte de vários vídeos como é a ten-dência atual. Penso que é o contrário. Acredito que deve se colocar experiência para mexer em coisas, porque vídeo já se tem muito. As crianças já estão míopes de tan-to ver vídeo. Ninguém precisa ver vídeo em exposição. E vídeos de alta tecnologia fi cam obsoletos muito rápido. Então, queria deixar registrado pois a melhor coisa que posso falar nessa entrevista é isso. O mais importante para a criança é mexer nas coisas e cada vez mais se tem menos espaço para isso. A interatividade está se transformando cada vez mais em apertar botãozinho, puxar botãozinho e responder perguntas prontas. E o que se deve fazer para criança é fazê-las experimentarem, tocarem e mexerem nas coisas. Acho que seria uma grande oportunidade fazer da Cavalariça um grande laboratório para as crianças virem e mexerem nas coisas, e não fi car olhando fi lme e vídeo porque para isso você tem o Youtube. O Youtube dá conta disso para elas. Os pais delas botam no Youtube e elas vão ver aquilo ali. Quanto mais material no Youtube sobre isso, melhor.

Entrevistador:Você acha então que a interatividade entrou em uma fórmula, certo? Em um caminho de moda? E tem que se fazer algo mais sério.

Sergio:E interatividade não é isso. Nós somos um Museu de Ciência e Experimentação. Você está indo para um lugar de experimentação. O que você puder fazer de coisas experi-mentais e não houver respostas prontas necessariamente. O meio digital tem resposta pronta. Ele está pronto. Isso não é criatividade, não é interatividade. Isso é uma ma-neira diferente de fazer uma coisa que havia nesse museu do tipo La Villete e que era uma discussão no início do museu sobre o construtivismo. O “Pushbutton”, ou seja, essa história de você ir ao museu para apertar botãozinho. Ir apertando botão para ver a coisa acontecer. Você olha a coisa acontecer passivamente. É quase a mesma coisa que você ver um painel, só que tem a demonstração. É quase a mesma coisa que ver televisão. Acho que é uma oportunidade que se tem de se fazer a criança experi-mentar, uma coisa que está tendo cada vez menos nesse mundo. As crianças estão cada vez mais abduzidas pelos tablets e pelos computadores que são linguagens pron-tas. Por mais que se queira fazê-los abertos, são linguagens prontas. É o programa e uma série de algoritmos que são fechados, por mais pareça que se abrem. E parece que nem há interesse em se abrir. Para se manter a mente criativa a criança tem que mexer na coisa. Tem que ter a oportunidade de errar, de acertar, de borrar o papel e de também não querer fazer aquilo. E ponto. Não fi car querendo guiar tanto. Você vai ter um experimento de montar. São jogos. Dar a possibilidade de desenhar, observar o fenômeno e descrever. É isso que o cientista faz. Se você tirar da criança essa opor-tunidade...

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Entrevistador:Você proporia algum tipo de modifi cação da exposição na época? E por quê? Tudo bem que você já fez uma proposta aqui. Você se lembra de alguma coisa que pensou que poderia ter sido feita?

Sergio:Lembro de na época ter pensado algumas coisas, sim. Não lembro atualmente.

Entrevistador:Por exemplo?

Sergio:Tinha a questão do bicho. Mas é muito pontual. Acho, por exemplo, que aquele início poderia ser um laboratório porque tinha uma mesa. A mesa que usava para o cavalo. Não precisaria obrigatoriamente um cavalo da antiga exposição do Oswaldo, e sim um transparente. Onde aparecesse o processo da vacina dentro dele, e coisas desse tipo. Tinha a questão do microscópico, que acho que é isso mesmo que será visto. Não há muito o que se inventar nisso. Eu colocaria mais jogos. Mais coisas para mexer. A própria genética. Você pode montar coisas. Acho que chegou a haver um DNA que podia se mexer, ou alguma coisa dessas, mas acho que também havia uma questão que isso iria ser feito no Parque.

Entrevistador:Não ter superposição ou paralelismo de linguagem, certo?

Sergio:Exatamente. Acho que no Parque se fazia mais, não sei exatamente o quanto. Não sei nem se hoje em dia está se fazendo. Os infográfi cos: umas coisas menos o “texto e a foto”.

Entrevistador:O infográfi co é uma linguagem mais interessante mesmo. Tem mais dinamismo.

Sergio:Exatamente. Essa divisão do escrito e visual. É a integração do visual. Acho que po-deria ter havido mais integração do visual apesar de que teve bastante em relação ao que poderia ter sido. Muito mais acadêmico, algo muito mais tradicional. Foi muito menos...

Entrevistador:Tradicional.

Sergio:Sim. Foi menos tradicional. Haviam as perguntas e as imagens. Talvez tenha fi cado no meio caminho entre uma coisa e outra. Não era “O livro em pé”.

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Entrevistador:Qual o público que mais visitava a exposição? E você saberia explicar o porquê disso?

Sergio:Escolas, porque é o público que vem aqui.

Entrevistador:Em função dos convênios?

Sergio:Sim. Exatamente. Acho que seria uma exposição para a faixa etária entre 10 e 17 anos. Menos para criança, mais para pré-adolescente e adolescente.

Entrevistador:Na sua opinião, o público aprendia os conceitos tratados na exposição?

Sergio:Não sei dizer.

Entrevistador:Não sabe avaliar?

Sergio:Não tenho como.

Entrevistador:E fi nalmente, qual papel você acha que teve aspecto não-textual na exposição? Você já entrou nesse tema, certo? Por “não-textual” entender tudo aquilo que não se refere diretamente ao conteúdo científi co, mas que importa para a passagem desse conteúdo para o visitante.

Sergio:Isso, as imagens, os bichos, algumas maquetes, tinha o mundo que girava, a vitrine, etc.

Entrevistador:Qual o papel que você acha que isso tinha? Você mencionou os infográfi cos.

Sergio:Acho que ter o contato com a realidade. É real. Um pouco, talvez, tridimensional, no mínimo. O espaço bidimensional é uma coisa e quando você vê uma coisa inteira, mesmo que seja um mundo “Fake”, um mundo cenográfi co, ele está lá numa bola, numa esfera. Mais interessante, possivelmente. Não estou desfazendo do escrito. Acho que o escrito e painel terão seu papel ainda porque são o material de apoio. Eles só não podem ser a exposição. Hoje em dia você bota isso no computador. Você não precisa botar de pé no lugar. Não precisa levar na exposição. A exposição vai à pessoa.

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É legal ler um livro. Acho que fi ca mais barato fazer só em um espaço, talvez, do que distribuir milhões de livros.

Entrevistador:Sim, mas a exposição é também uma maneira de mostrar as coisas. Expor coisas.

Sergio:Exatamente. Coisas. Material.

Entrevistador:Expor conceitos. Expor objetos.

Sergio:Acho que o objeto, principalmente na Fiocruz, é muito importante. Temos objetos im-portantes aqui. É importante mostrar isso.

Entrevistador:O acervo existente?

Sergio:Sim, com certeza. Acho que a exposição, à princípio, é de acervo.

Entrevistador:Sim. Mas isso é muito associado aos museus antigos.

Sergio:Exatamente, mas as pessoas querem ver as coisas reais. É isso que eu digo. Você pode levar um livrinho e ler. Isso já existe. O impresso dá conta dessa maneira. A menos que você, ao criar o painel, ele te envolva. Então o painel vai ter uma função de envol-vimento de uma escala maior daquele assunto, para a imagem poder ser maior e você poder vê-la em detalhe. Todas essas possibilidades. A gente tem que pensar: “Qual é a diferença entre livro e painel?”. Ao fazer o painel, você vai se diferenciar do livro. Senão você faz livro. Mas você faz painel. Painel já é maior. A letra pode ser maior. É menos texto, porém é mais inquisitivo, que faça você pensar. Ele pode te envolver. É lógico, você vê um vermelho em um quadrado é uma coisa, agora vê-lo em uma su-perfície grande é outra.

Entrevistador:O impacto é muito grande.

Sergio:Exatamente. É esse impacto plástico que acho que o painel pode buscar e na questão do infográfi co você pode ter um caminho que o olho percorra inteiro.

Entrevistador:Também uma apreensão de uma determinada ideia ou de um determinado conceito que o infográfi co pode te dar de uma maneira muito direta, muito presente.

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Sergio:Exatamente, vai fi car memorizado na sua cabeça como inteiro e não dividido em pe-dacinhos.

Entrevistador:Que é a coisa da Gestalt. Você pegar o todo. A apreensão do todo.

Sergio:Exatamente. Isso daí é uma coisa importante para os Curadores saberem. Nessa hora o designer pode dar essa clareza ao Curador porque ele não sabe disso obrigatoria-mente.

Entrevistador:Pois é. Isso que eu queria perguntar, pois tem a ver com aquela pergunta do Curador. Você acredita que o curador está atento para essas questões de um modo geral?

Sergio:Depende do Curador.

Entrevistador:Mas em linhas gerais.

Sergio:Já encontrei Curadores muito...

Entrevistador:Sim, mas no campo da ciência e da tecnologia, o pessoal que lida com a Curadoria dessas exposições.

Sergio:Nem sempre. Acho que como muitas vezes a formação é muito acadêmica, o discur-so é muito diferente. A maneira de fazer o discurso é muito diferente. A maneira de apreender as coisas é muito diferente.

Entrevistador:E a maneira de valorizar as coisas também.

Sergio:Exatamente. Na hora que você valoriza certos aspectos de uma imagem. E é essa questão da imagem e da ilustração principalmente. Da diferença da ilustração para uma fotografi a. Por que é que vou usar uma ilustração e não uma fotografi a? Por que que vou usar uma imagem grande e não uma pequena? Todas essas questões passam pela sensibilização da pessoa e da maneira como a gente é e como a gente aprende as coisas, que não obrigatoriamente é daquela maneira dedutiva e indutiva ou sei lá Eu, por exemplo, tenho uma maneira de aprender as coisas muito mais “do todo para o particular”. No entanto, às vezes você pega uma tese e ela vai querer esmiuçar o parti-

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cular e todo o caminho que ela vai fazer é totalmente antinatural ao pensamento. Nós não pensamos de uma maneira (...)

Entrevistador:Analítica?

Sergio:Analítica. Científi ca. A ciência é o método de resolver aquela questão, mas não é a linguagem. A linguagem de apreensão de ensino é bem diferente do método científi co e quem está envolto com ele está viciado, ás vezes, com aquela maneira, e vai querer dar o discurso igual ao aquele e você tem que mostrar para ele que é ao contrário. Ele tem que começar. Até se falava aqui do “maravilhar-se”. Deixar a pessoa (...). Porque a gente já sabe. De uma certa maneira o designer já entra nisso. O artista começa a vida assim e depois que ele vai começar a entender e esmiuçar. Até porque depois é que ele vai explicar o que ele fez. O cientista começa explicando o que faz. Ele começa explicando o método dele. Começa a explicar como é que ele vai chegar na “verdade”, e nós não. Nós já vemos a “verdade” e intuímos a “verdade” e depois vamos tentar descobrir como chegamos lá. Para justifi car o que é aquilo ali. São duas maneiras di-ferentes e isso o, realmente, o Curador tem que observar e aprender. Mas alguns sa-bem como não somos pessoas só de uma linha. Há Curadores artistas e cientistas as-sim como há designers analíticos, artistas e burocratas. (Coloco verdade entre aspas, pois o termo não é exatamente este, mas talvez “realidade” ou “conceito”).

Entrevistador:Sim, mas de um modo geral, essa coisa da Curadoria relacionada com a concepção das exposições, existe um aspecto que é a Curadoria dentro do termo “Curador” que vem da tradição. Porque o Curador era aquele que cuidava das exposições e mais con-temporaneamente ele passou a designar a pessoa que defi ne e conceitua tudo. Muito associado às exposições de artes. Quem faz a curadoria das exposições de artes. No campo científi co houve uma apropriação desse termo “Curador”. Essa apropriação existe. Vários museus e várias exposições científi cas tem o Curador ou tem uma equi-pe curatorial (nos créditos), mas essa visão do que é exatamente o Curador ou a equi-pe curatorial, no caso das exposições científi cas, me parece que fi ca um pouco mais difuso. Como é que isso funciona exatamente? Como você mencionou em um trecho da sua fala. Você tem um grupo que está trabalhando naquela conceituação, mas de-mora para sair e isso teria a ver com o próprio processo democrático.

Sergio:Participativo.

Entrevistador:Isso. Mas que, ao mesmo tempo, há a questão que às vezes tende a virar uma colcha de retalhos.

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Sergio:Exatamente. E indo para o campo da linguagem da arte: arte é coerência. Se você faz um objeto artístico. Você pode olhar a exposição como um objeto artístico. Se olhá-la como um objeto artístico, ela terá que ter uma coerência. Então vai ter que ter alguém que costure isso. Possivelmente será o Curador junto ao designer. Essa dobradinha é fundamental. E a pessoa que escreve o texto fi nal, o redator. Essas três fi guras. Lógi-co, o produtor e etc. é outro papo pois é uma questão de recursos, mas pensando no mundo ideal imagino que temos um Curador que defi ne o que é a exposição e o que entra na exposição, porque tem o conhecimento do assunto da exposição, o designer tem a ideia da forma dela e o escritor ou redator vai fazer o texto que vai explicar a forma e o conteúdo. Acho que essas três fi guras que tem que trabalhar juntas para fazer um discurso coerente. Você tem um outro grupo, e ele está dando sugestões. Ele está no primeiro processo e não pode estar até o fi nal querendo dominar, porque senão você não terá um discurso coerente. E a obra, como toda boa obra de arte, tem que ter um discurso pois é como uma forma, como um organismo.

Entrevistador:Um todo.

Sergio:Exatamente e isso tem que ser percebido porque senão você “dorme” no meio do caminho. Você dorme no meio do fi lme. As dosagens de drama e de comédia. Ela precisa de coerência de discurso e acho que de certa maneira as pessoas perdem essa noção. Pode haver até questão de ego. Existem muitas questões que mexem nisso. Não é só a questão técnica. É a questão política, técnica, de ego, de ciúmes e tal. É isso mesmo. Diretor de cinema. Diretor de cinema, às vezes, é um tirano. (Risos.)

Entrevistador:Então, pegando um pouco essa questão da Curadoria, só para arrematar. Você, como designer e com a sua experiência no Museu da Vida e na própria Biodescoberta, acre-dita que um designer, ou artista plástico, ou cenógrafo, ou arquiteto, uma pessoa que lida mais com as questões da forma e da imagem pode ser o Curador de uma exposi-ção de cunho técnico-científi co?

Sergio:Eu acho que não, a menos que se tenha um conhecimento. Acredito que ele tem que trabalhar afi nado com o Curador. Creio que sem ele irá se perder na forma. Tem uma ideia para se passar. Não se pode perder a ideia e o conceito, senão cai na formalidade da “forma pela forma”. Tem que ter um conceito claro e o que se quer dizer ali, prin-cipalmente naquilo. Porque aí não é arte. Arte é outra coisa. Você faz arte. E vou falar nisso também. Essa quantidade de Curadores que estão querendo virar artistas e às vezes o artista tem que se moldar à ideia da questão das artes plásticas e está muito

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complicado isso hoje em dia. Porque há uma inversão de valores. (Risos.) Cada um no seu papel, entendendo com boa vontade, tentando pensar no todo e no público, prin-cipalmente no público e quem vai ver. Olhar menos o próprio ego e mais o público. Para quem que está fazendo isso e o por quê está fazendo.

NOTAS:

1. As palavras sublinhadas são nomes próprios ou conceitos específi cos presentes no aúdio, escritos a partir do que foi possível extrair do mesmo.

2. As palavras destacadas em itálico fazem parte da categoria estrangeiris-mo e/ou indicam discurso direto (falas).

3. As palavras ou frases entre aspas indicam termos ou expressões munda-nas utilizadas pelo entrevistado.

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Entrevista 5

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Entrevista: Martha Fabíola Mayrink – Museu da Vida/COC/FiocruzEm: 08, 15 e 17 de junho de 2016

Entrevistador:Primeiro, seu nome completo e ocupação.

Fabíola:Sou Martha Fabíola Mayrink. Atualmente, tecnologista no Museu da Vida, responsá-vel pela sessão de operações técnicas.

Entrevistador:E a sua formação?

Fabíola:Minha formação foi biologia com bacharelado e licenciatura. Trabalhei com Biotec-nologia com produção de vacinas animais, cultivos celulares por um bom tempo. Fiz uma especialização em Milão de Biotecnologia, produção de vacina, e depois por or-dem do destino, quando voltei ao Brasil me deparei com a oportunidade de trabalhar na Fiocruz, no caso era para desenvolver o museu, era um projeto novo na época.

Entrevistador:Isso foi quando?

Fabíola:Em Agosto de 1994. Fiz a opção pelo projeto daqui, pois estava tentando fazer algo diferente em relação à minha competência anterior. Também tive oportunidade de ter uma entrevista para voltar a trabalhar nisso, mas é um trabalho muito confi nado. E ali (no museu) era um trabalho em que eu poderia fi car em aberto, então, foi um aprendizado desde o ínicio.

Entrevistador:Está certo. A data de hoje é oito de Junho de 2016. Que vínculo você possui ou pos-suía com a instituição no início do museu? Se isso mudou com a relação que acontece agora.

Fabíola:Com certeza. Meu primeiro vínculo foi com uma bolsa PAP (programa de aperfeiço-amento profi ssional), no caso, na época me foi dito que estavam selecionando os me-lhores profi ssionais que tivessem, pelo menos, dez anos de experiência e que tivessem licenciatura.

Entrevistador:Bolsa PAP da Fiocruz?

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Fabíola:Exato. Era chamado de PAP1, pois havia outa modalidade de PAP que era chama-da de PAP2. Com essa bolsa eu comecei a conhecer o projeto, em agosto de 1994, que estava recém aceito, estava se iniciando. As pessoas envolvidas com o museu que eu conheci na época foram o Gilson Antunes (coordenador do projeto), Iloni Seibel (que também estava no grupo), a Berenice, a Lúcia (que era administradora, contadora da Sociedade de Promoção da Casa de Oswaldo Cruz (SPCOC), que ad-ministrava parte do patrocínio recebido). Então, era um grupo muito pequeno que estava, na época, sediado na Cavalariça. O primeiro contato para entrevista e tudo o mais se deu na própria Cavalariça.

Entrevistador:Isso em 94?

Fabíola:Em 94. Quando eu fui aceita para a bolsa entraram junto comigo a Ana Beatriz Aires, a Heloísa e a Aparecida Lauria, sendo que estas duas últimas eram museólogas, então entraram para começar a pensar a reserva técnica do museu. A Ana Beatriz entrou para ajudar na administração da SPCOC que vinha esse aporte fi nanceiro. Todas nós éramos bolsas PAP.

Entrevistador:Quando você fala do projeto é o contido naquele famoso Livro Azul?

Fabíola:Isso. O PADCT. Vários museus na época receberam uma parte desse fi nanceiro. O projeto foi o primeiro colocado, mas o fi nanceiro naquele período foi dividido com outras duas instituições nas quais os projetos também eram de grande vergatura. Era o projeto do Museu do Sul - PUC de Rio Grande do sul - e o outro, creio que, de São Paulo.

Entrevistador:Como se deu o seu envolvimento com a exposição? No caso, a Biodescoberta, a inicial.

Fabíola:A inicial vem dessa época também. Esse projeto do Livro Azul trazia vários outros projetos espaços em que alguns se consolidaram, outros não. Na minha entrada co-mecei a fazer parte do grupo da Daniele Grynspan que estava trabalhando interati-vidade. Era um grupo de seis pessoas e ali eu conheci a Carla Grusman, o Maurício Luz (hoje, coordenador pedagógico do IOC), a Ruth (professora de Ciências Sociais), o Chico (professor de Física), Edmilson Rocha (atualmente, trabalha no museu). Dentro do projeto do Livro a questão era interatividade e seus conceitos que na época eram muito falados e pouco estudados, haviam muitos conceitos e pouca bibliografi a

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a respeito, muito material americano. Nós estávamos pensando no museu como um todo, ainda não estávamos pensando em espaços propriamente ditos. No fi nal de 94, o Gilson nos chamou para uma reunião, pois havia uma exposição que estava sendo concebida pela COC, a chamada exposição Vida, a respeito da origem da vida para comemorar os conceitos de origem da mesma e haviam os prêmios nobeis que viriam no ano seguinte envolvendo essa exposição.

Entrevistador:Tinha a ver com o Pasteur também, certo?

Fabíola:Sim, tinha a ver com os 100 anos de Pasteur e também com as publicações sobre DNA, vários conceitos que seriam comemorados no ano de 1995. Mas a gente não participou da concepção dessa exposição. Todos nós, o grupo da Daniele Grynspan, éramos bolsas PAP contratados para o projeto do museu e também foram convidadas pessoas do IOC, como a Tânia Araújo Jorge que trouxe a equipe dela com os concei-tos de célula, por causa do laboratório de microestrutura para dentro daquele conteú-do que nos foi apresentado que já haveria na exposição. Ou seja, o conteúdo, os textos já estavam prontos para a exposição, foram previamente conceituados, acordados. Nós não chegamos a ver a exposição pronta naquele momento, em 94. Entretanto, na reunião avisaram que faltava mais alguma coisa. Como nós estávamos pensando em interatividade, então o Gilson nos pediu para pensar em conceitos relacionados a isto (interatividade). Relembrando que assim que entrei, em agosto de 94, o grupo da Daniele que era do IOC, do laboratório de educação ambiental e saúde; faziam mui-tas atividades com escolas e professores. Com isso, nós participávamos de algumas atividades com o público nesse ano de 1994, inclusive usando a Cavalariça como área de apoio e fazendo atividades de ótica, percepção, de observação de animais, de meio ambiente. Então, já naquela época falávamos de mosquito, de ver larva, tudo isso que até hoje permanece.

Entrevistador:E a Cavalariça estava ocupada com alguma coisa ou não?

Fabíola:Ela tinha resíduos de uma exposição dos anos 70, de algumas bancadas de vitrine com réplicas de objetos antigos, tinha um armário só de lâminas de insetos (pulgas, mosquitos, etc) que ainda existe hoje na reserva técnica. Não tinha uma exposi-ção propriamente dita e não era apresentada como uma exposição, eram somente resíduos. Quando nós montávamos essa atividade, as escolas agendadas com esse laboratório iam para a gente trabalhar alguns conceitos de saúde. Entretanto, nós também trabalhávamos conceitos prévios para que o pessoal pudesse entender o fun-cionamento de um microscópio, por exemplo, as variações das refrações de luz; ou

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seja, tudo o que fosse ajudar ao público não chegar cru para observar as amostras nas lâminas nesse laboratório de educação e saúde. Penso eu que, por já fazer algumas atividades com o público, o Gilson demandou esse grupo e mais convidados do IOC para desenvolver atividades para esta exposição (Vida). Uma vez que a exposição es-tava com textos, fotos, mas não tinha concepção de como atrair o público e havia uma concepção jovem nesta exposição.

Entrevistador:A interatividade não estava sendo comtemplada na altura desses acontecimentos?

Fabíola:Inicialmente não se pensou. Realmente, não conheço bem como foi o desenvolvimen-to da exposição para saber o que o design da mesma sugeria ou não. Em determinda-do momento o Gilson nos chamou para fazer a reunião, até foi no Castelo mesmo já que tínhamos poucos espaços de encontro naquela época. O propósito da reunião era falar em fazer atividades para isso. Lembro-me que era véspera de Natal e Ano Novo e nós tínhamos que voltar em Janeiro com atividades conforme os temas que nos foram dados e os textos que já estavam na exposição. Participei da concepção dessas atividades, que foram escolhidas com base em suas importâncias históricas dentro dos temas propostos, por exemplo, falar da reprodução, sem usar a reprodução do ouriço que historicamente foi usada para observação dos gametas, para observação da separação das células e tal. Então, nós escolhemos atividades interativas com ani-mais que tinham um esforço também histórico dentro dessa exposição, na concepção histórica de origem da vida.

Entrevistador:Quer dizer, fazer uma ponte, certo?

Fabíola:Exato. Nós queríamos fazer uma ponte com isso e eu achei que fi cou bastante inte-ressante. Então, não posso dizer em que momento começou a Cavalariça, mas a gente participou disso. A exposição Vida havia fi cado três meses nos Correios e depois foi inaugurar a Casa da Ciência em Botafogo. Durante esses três meses nos quais par-ticipavam eu, a Carla, o Gilson, o Chico, nós fi camos nos Correios, pois a exposição funcionava das 08h00min às 20h00min de segunda a segunda, não fechava nenhum dia. A manutenção e a limpeza eram feitas à noite. Depois teve o esquete teatral que foi uma novidade inserida ao projeto. A Telma, que depois fez parte do Ciência em Cena, se vestia com uma roupa tipo de gari, aquele macacão laranja e com um mate-rial de limpeza em que eles passavam pela exposição como se estivessem limpando-a e faziam perguntas ao público, interagindo com o mesmo. Isso confundia bastante o público já que ele achava que as pessoas eram realmente da limpeza, fi cou interessan-te. Também havia uma segurança municipal que fi cava na exposição que tinha muito

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equipamento e tal, só que os seguranças não conversavam e muitos visitantes não entendiam, pois às vezes iam conversar com os seguranças e não havia um retorno por parte deles, mas o pessoal da limpeza respondia. Criava-se certa confusão nos vi-sitantes, mas era interessante. Nessa exposição, nós fi zemos ilhas de atividades bem coloridas, de lycra em que trabalhamos junto com o pessoal que estava propondo o espaço, eles aceitaram nossas sugestões. Nós precisávamos que as pessoas fi cassem um pouco isoladas, então fi zeram ilhas de lycra onde havia um piso, com um formato tipo de caracol, logo a pessoa só via o que havia ali, depois de passar por uma parte desse caracol.

Entrevistador:Quer dizer, havia uma entrada do caracol.

Fabíola:Sim, havia uma entrada pelo caracol e você saia no mesmo lugar. Mas quem estava dentro não via o que tinha fora e quem estava fora não via o que tinha dentro. As lycras eram peças bem tensionadas com cores bem vivas: pistache, amarelo-limão, vermelho. Cores que depois continuamos utilizando no museu a fi m de manter co-lorido o ambiente, deixá-lo divertido. Foram coisas que depois foram se agregando (intencionalmente ou não), mas sempre uma ideia de tudo com muita cor, nada som-brio ou monocromático. Não sei se já chegamos na parte, mas a partir disso, quando nós retornamos para a sede do museu, ou seja, voltar a frequentar a Fiocruz (...).

Entrevistador:Isso com o término da exposição Vida?

Fabíola:Exato. Nós fi zemos a transferência dela no primeiro semestre. A nossa interferência como um grupo que já fazia parte do projeto do museu em relação à exposição Vida se deu em alguns momentos. Não sei se o Luiz Antônio Teixeira e outros que participa-ram da exposição podem falar mais alguma coisa. Lembro-me do convite ao Luiz Otá-vio e ao Luiz Antônio, que foram os indicados como conceptores da exposição Vida e a gente, depois de ter proposto as atividades como foram aceitas, os roteiros como foram aceitos, fi zemos seleção e treinamento dos monitores que atuaram na época (por sinal, eram todos professores) e foram selecionados de um cadastro que o LEIAS tinha (...).

Entrevistador:Isso os monitores da exposição Vida? Eles trabalharam esses três meses nos Cor-reios?

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Fabíola:Exatamente. Era um grupo de mais de trinta pessoas e a gente tinha que fazer escalas com os horários. Posso dizer que a exposição Vida foi um grande aprendizado sobre produzir atividades, gestar o evento, preparar o evento - pois, demandamos em fazer eventos com professores que trariam suas escolas para lá -, fazer seleção e treinamen-to da monitoria - fazer perfi l sobre isto. O grupo que estava com a Daniele Grynspan do qual eu fazia parte teve bastante envolvimento nisso, de certa forma, como o grupo do Museu da Vida era muito restrito, o pessoal meio que deixou. A gente propôs, visi-tamos as instalações da exposição (...).

Entrevistador:Quer dizer, as propostas foram bem aceitas?

Fabíola:Exato. Não teve uma barreira ou alguém que se colocasse como coordenador de algo, enfi m. Posteriormente, houveram confusões de entendimento. Na parte inicial, tudo foi bem aceito com coisas que achavamos importantes para a exposição, como sele-cionar o perfi l de quem ia monitorar, bem como defi nir que os monitores tinham que ser professores, etc. Com relação ao dinheiro, verba da exposição não sei bem como foi, pois não me interei no assunto, mas nossas propostas foram aceitas, fi zemos o treinamento do pessoal, tivemos autorização para visitar o espaço da exposição ante-riormente. Posso identifi car que aquele grupo inicial estava bastante comprometido em fazer um museu e queria ver a partir de uma exposição coisas que poderiam ser abrangidas posteriormente em um grande museu; ainda que naquele momento nós não estivéssemos com o pensamento confi gurado a priori. Todas as preocupações que nós tínhamos sobre os funcionamentos, fomos aplicando nessa exposição.

Entrevistador:Foi como uma prototipagem, certo?

Fabíola:Sim, tudo o que achávamos importante, demandávamos e era aceito. Então, pedimos por esse encontro de professores a fi m de ver como iríamos atrair público, pois o es-paço dos Correios ainda não era muito conhecido do público. Já existia o espaço do Centro Cultural do Banco do Brasil, enquanto o dos Correios ainda estava inauguran-do, haviam acontecido pequenas exposições, mas ele ainda era retirado do circuito, digamos assim. Hoje em dia nem tanto, mas na época era e nós queríamos que ele fi -casse conhecido. Nós marcamos o encontro de professores na quinta e sexta, véspera de carnaval, e lembro-me que o Luiz Otávio não veio, já o Luiz Antônio compareceu. As pessoas da COC na época disseram que ninguém iria à reunião na véspera de car-naval, ou seja, nós estávamos tão imbuídos na situação que não nos demos conta da data. Nossa real preocupação era com os prazos, pois queríamos fazer os preparativos

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para a exposição, antes de ela ir ao público, e logo após o carnaval ela inaugurava. Por isso, só poderíamos nos encontrar antes do carnaval. Havia um pequeno auditório nos Correios onde fi zemos essa reunião para termos uma pequena passagem com a exposição que não estava completamente fi nalizada. Os professores compareceram em peso, bem mais do que o esperado nos dois dias. A partir daí percebe-se que há uma demanda reprimida por alguma coisa. Queríamos apresentar as pessoas que conceberam a exposição a fi m de falar sobre a mesma. Aliás, a exposição foi mui-to bem visitada durante seu período, tinha uma média de 2000 pessoas por dia. Às vezes domingo era uma demanda menor, especialmente à noite, por conta do local (Centro da Cidade) ser perigoso e tal. Mas tudo isso para chegar e dizer: “Ficamos esse período, administramos todas essas pequenas etapas para obter sucesso - o que de fato, foi! E voltamos para cá”. Nesse retorno, o pessoal, Gilson avançou no ponto dizendo assim: “O dinheiro está chegando, mas nós temos que montar os espaços, do jeito que está no livro não vai ser possível!”. Acredito que ali eles já haviam sido in-formados que não receberíamos todo o dinheiro que era esperado, e então, entraram questões como qual o prédio em que montaríamos a exposição e outras, e ele disse que não tínhamos que nos preocupar com isso, para a gente pensar no museu que se-ria melhor. Então, fi camos um pouco atordoados. Pensamos na área de percepção que teríamos uma colher gigante, estilo “país das maravilhas” com objetos gigantes e ob-jetos micros. Havíamos pensado em um local com salas amplas para por esses objetos e depois soubemos que não seria bem assim. Nesse momento, maio de 1995, estava com as coisas mais próximas à realidade e aí pegaram os grupos e quando a chegaram disseram que iriam nos dividir, pois entraríamos em uma parte mais executiva. Foi montado um grupo que iria ocupar a Cavalariça como exposição, um grupo que iria desenvolver as trilhas de energia como exposição e um grupo que desenvolveria um parque (o Parque da Ciência). Essas três áreas foram defi nidas pelos seis integrantes. Provavelmente já estavam pensando no Teatro, com a Clarinha, a Virgínia, já que ele foi o primeiro a inaugurar em 97.

Entrevistador:O Teatro dentro da tenda?

Fabíola:Sim, na tenda. A reformulação da tenda, do teatro e tudo o mais. A inauguração foi com a peça Galileu Galilei em 97 em que tinham pessoas como a Duaia, a Telma, o Gustavo Ottoni nesse grupo inicial. Depois entraram a Rosicler e o Vitorino para de-senvolver o Epidauro e a peça, eles trabalharam em conjunto. Então, dividiram essas áreas. A área da Cavalariça, inicialmente, pertencia áquela parte do projeto que dizia espaço de experimentação em biologia.

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Entrevistador:Espaço de Experimentação em Biologia?

Fabíola:É um termo que tem dentro do Livro Azul.

Entrevistador:Mas que não iria inicialmente ocupar nenhum prédio histórico, não é mesmo?

Fabíola:Exatamente, não iria. Mas aí tinha que ver quem estava com o Gilson, pois éramos bolsistas PAP, logo não fazíamos parte dessa cúpula (risos). Então, quem estava com ele a pensar que áreas físicas seriam pagas. Inicialmente, não tínhamos nem contêiner.

Entrevistador:Sim, que abrigou depois a parte administrativa (...).

Fabíola:Sim, o prédio da Cavalariça estava à disposição que havia sido recém reformado, co-meçou com a parte administrativa, depois foi cedida uma área no Castelo ocupada pela comunicação social da época com algumas salas. Conforme foram abrigando pessoas que precisavam de espaço físico foram agregando essas áreas. Acredito que foi no fi nal de 95/96 que veio o contêiner, e ele fi cou 10 anos conosco, e aí as pessoas se mudaram para o contêiner. A área física era o prédio Cavalariça, o espaço físico era a terra do parque e trilhas que eram áreas externas. O Centro de Recepção também estava sendo idealizado, mas só havia o terreno; ou seja, como prédio concreto era só a Cavalariça. E, também, a tenda do Rio 92 que era só uma lona, que hoje é o teatro que nós temos. Creio eu que os sonhos de quem estava concebendo foram um pouco travados por conta desse dinheiro que estava sendo aguardado. Em 95, fazem-se es-sas divisões de grupo no qual: Carla, Edmilson e Maurício estão no primeiro grupo tendo Luiz Antônio se dedicado a coordenar o grupo com a exposição na Cavalariça. O meu grupo das trilhas não se reunia, eu vinha todo dia aqui e comecei a invadir as reuniões da Cavalariça já que eu tinha intimidade com as pessoas. Eu estava com o Chico no grupo das trilhas. A Ruth estava na área do Parque, mas estava tendo di-fi culdades em relação à formatação do grupo. Creio que aí entre a questão de perfi l, pois se esperava que outras pessoas da instituição se agregassem. Então, restou para o Luiz Antônio, Edmilson, Maurício e a Carla se reunirem para ocupar a Cavalariça, mas surgia a questão; “Ocupar a Cavalariça com o que? O que vamos fazer?”. Quan-do se abre o Livro há várias propostas do que se pode fazer.

Entrevistador:Sim, ainda só como uma descrição.

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Fabíola:Exatamente. Como uma descrição, como expectativas, etc. Mas poderiam ter sido es-colhidas várias coisas. Se considerar o fato de que haviam dois biólogos e uma bióloga “enxerida” (risos) (...). A gente conjugou duas coisas, que estou tentando me lembrar agora ao certo. Havia o espaço de experimentação em biologia e havia um espaço de animais, de plantas e tal, então, a gente pinçou coisas das duas áreas visando uma integração, já que as propostas não iriam acontecer compartimentadas conforme es-tava no Livro (Azul), pois haviam ideias que demandavam áreas físicas construídas ou não. Observamos que algumas coisas não iam acontecer, mas que seriam inte-ressantes se fi cassem juntas. Obviamente, nós buscamos também experiências que tivemos com a exposição Vida, frisando que posteriormente nós escrevemos trabalhos sobre ela, separadamente. Os trabalhos eram sobre como foi a visitação, que tipo de público nos visitou e esses materiais foram minha participação em congressos como na SBPC. Na época o grupo dos seis, principalmente o Maurício nos induziu muito a escrever sobre nossas experiências e a decidir qual seria a ordem das publicações, dos nomes. Assim foi-se dividido através de sorteio o nome e a ordem de cada publi-cação. Nós só conseguimos fazer umas três, não conseguimos fechar todas as ordens (risos). Essa separação que houve, e aí uma certa desilusão acrescentada à demanda da vida de cada um, seus interesses, é algo difícil. Como alguns projetos não anda-vam isso desanimava. Com relação ao projeto das trilhas, até o Luiz comentou que eu estava lá direto, ajudava lá e que ele iria me por naquela equipe, mas que não tinha muito andamento. Quando tinham as reuniões da trilha eu ia, mas realmente o pro-jeto não tinha muito andamento. Lembro que a trilha estava com o saudoso professor Fontinha e nós participamos em fazer uma trilha ecológica, a partir daí escrevemos e fi zemos vários trabalhos que eram sobre visitar o campus do jeito que ele era, fazendo algumas intervenções; mas não a trilha que depois se desenhou que é a trilha toda construída, que passou a ser sobre o homem e sua evolução. Haviam várias coisas que faziam construções no meio do campus. Esses projetos estão todos aí, que o pessoal da UFRJ participou, não me recordo o nome agora.

Entrevistador:Não há problema.

Fabíola:Então, a gente centrou com a Cavalariça e eu me lembro do Luiz falando, em maio de 95, que nós iríamos inaugurá-la em 96. Nós não tínhamos o contêiner na época, então se criou uma expectativa com a desocupação física administrativa que havia na Cava-lariça. Com a mudança para o contêiner liberou a Cavalariça, logo pensamos em ocu-par e construir a exposição. Como eu estava já vendo a velocidade do andamento das coisas desde 94 eu pensei: “só se for um estacionamento de cavalos” (risos). Quando

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nós nos mudamos para o contêiner, todo mundo colocou na porta quais eram seus projetos, enquanto eu coloquei um cartazinho escrito: “Breve inauguração do esta-cionamento de cavalos” (risos). Eu não via a condição de fazer uma instalação, até mesmo algo como foi a exposição Vida, mas em um lugar maior com produtos mais perenes e tudo o mais, não conseguia ver isso acontecendo na Cavalariça no período de um ano e pouco.

Entrevistador:Como, de fato, não aconteceu.

Fabíola:Exatamente. Nós estivemos com ela pronta em 98, sendo que tivemos que adiar a inauguração, pois houve uma grande chuva que inundou a Cavalariça. Enquanto nós a ocupávamos (a Cavalariça) administrativamente todos falavam da questão da chu-va, por exemplo, ao fi nal da chuva todos cobriam suas mesas com plástico, pois se chuvesse molharia tudo que havia ali. Nada mudou quando teve a exposição. O envol-vimento inicial da Cavalariça foi esse, começou aproximadamente com o grupo for-mado em 95, antes de chamar o pessoal externo - como os designers e os profi ssionais que, depois, se envolveram - a gente debateu muito sobre o conceito da exposição, ou seja, o que será a exposição. Pensamos em manter um pouco desse arcabouço, dessa experimentação da biologia - sem se restringir somente à experiência -, discutimos sobre a instituição, várias coisas para chegar a ter uma concepção de contéudo, que tipo de conteúdo pesquisar, o que iremos expor e a forma como fazê-lo. Não posso te precisar o quanto isso foi linear, mas na época estávamos juntos todos os dias deba-tendo sobre isso. A biblioteca estava recém-inaugurada, então por falta de espaço, nós “alugávamos” o espaço de lá e fazíamos reunião. Éramos essas cinco pessoas se reu-nindo o tempo todo, e lembro-me de momentos em que questionávamos qual era a idade do visitante, então passávamos por aspectos técnicos como a altura das coisas, o linguajar que será usado e etc. Nosso foco era ver a concepção geral, até que teve um momento, em 96 (se não me engano) que tivemos que falar sobre isso. Antes es-távamos só debatendo conceitos, não havia nem uma linha sobre plano anual, contas; pois o dinheiro ainda estava na expectativa, não havia chegado verdadeiramente. Vá-rias coisas precisavam de dinheiro físico mesmo para que fossem criadas. A Fiocruz já estava dando sua contrapartida, pois tinha também que pagar aos bolsistas e todas as outras coisas que o cercam. Havia essa expectativa de o dinheiro entrar e, então a gente comprar tudo o que precisava, em 96. Constantemente, o Gilson nos pressio-nava com relação ao projeto por conta disso. Creio que ao fi nal de 96 que nós concor-damos que tinha que se incorporar, e sondamos também os museólogos que estavam presentes (...).

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Entrevistador:Museólogos, como a Eloisa?

Fabíola:Sim, a Eloísa, Aparecida, Márcia e Anunciata chegando também. A Eloisa e a Apare-cida eram PAP, logo não podiam criar uma área, elas trabalhavam no Castelo como museólogas, que na época estava capitaneado pelo Luiz Fernando, que era um mu-seólogo que se preocupou muito com a história da instituição. Muitas das coisas que hoje existem na reserva técnica, foram por conta dele. Lembro que teve esse convite, mas elas não se interessaram porque estavam mais imersas na parte de constituição da reserva técnica. Também havia uma briga por espaço físico que tivemos durante um longo tempo. Então, foi aceito fazermos contratação por fora. Na época, foi o Raul Lodi que trazia esse aporte de exposição, ele também era muito ligado ao carnaval. Queríamos incluir um coneito mais histórico na exposição, então, na época precisava ter um museógrafo, não bastava que fosse um designer. Antes de trazer o designer, é necessário trabalhar o conceito de exposição em museu com um museógrafo para tentar interpretar esse desejo que é estar concebendo um conteúdo. Isso, para nós foi muito importante na época, pois estávamos com uma série de ideias. Constantemen-te, nós estávamos viajando para outros museus, coletando material e informações que pudessem ser utilizados.

Entrevistador:Certo. A contratação do Raul e do (...).

Fabíola:Luizinho. O Raul e o Luizinho era como se fosse uma empresa, não foi por indíviduo.

Entrevistador:Isso se deu em 96, certo?

Fabíola:Certo. Ao fi nal de 96. Nós queríamos amadurecer o conteúdo. Caso contrário, iría-mos contratar o pessoal para fazer o quê? Falar sobre o quê? Teria que checar alguns documentos, mas creio que em 96 já havíamos decidido que o tema maior seria bio-diversidade e os temas transversais seriam história e saúde, porque dentro de uma unidade histórica não tinha como não falar sobre história. Nós estávamos em um prédio histórico, logo era essencial. Na época, Luiz Antônio tinha escrito o livro Man-guinhos: do Sonho à Vida, que contava sobre a história do campus, de alguns dos prédios, com reprodução de plantas, de mapas de terreno. Então, nós achamos que iria ser importante para situar o visitante. Nós pensávamos que o visitante iria chegar à instituição e se deparar com um castelo, e com prédios históricos, então tudo isso tinha relevância para o público. Na época, o prédio não era a exposição, mas situa-

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va a exposição. Por isso, na exposição da Cavalariça nós tínhamos a parte inicial em que situávamos os painéis que falavam da história da Cavalariça, falavam do Castelo, tinha um hipertexto histórico com o fi lme do Carlos Chagas incorporado, e a sala ini-cial também tinha um grande painel chamado de introdutório, que tinha 4m de altura e com várias fotos, criado pelo Sérgio Magalhães, que faziam interseções e ilustrações falando sobre tudo que iria acontecer na Cavalariça, sobre os pesquisadores: Pasteur, Chagas, Leeuwenhoek, Oswaldo Cruz; tinham vários modelos de microscópios, de visões de microscopia, de gravuras históricas, de fotos novas, tudo aquilo sendo um grande pot-pourri, um painel criativo, vamos dizer assim. Na verdade, esse painel seria um grande resumão de tudo o que o visitante veria posteriormente. Esse painel estava na parede com um grande recorte na janela e era uma bancada que dava apoio à mesa que a gente identifi cava como a mesa de cirurgia dos cavalos. Nós colocamos o computador dentro da baia, então o visitante entrava na baia do cavalo para acaessar o computador, ao lado havia a mesa e ao lado essa janela desse grande painel e ha-viam os bicos de água com várias vidrarias utilizadas na época. O que mais chamava atenção das crianças era o tamanho das seringas do cavalo. A gente situava o prédio historicamente ao visitante, para que depois ele fosse entrar na exposição. Fizemos isso de caso pensado em primeiramente quebrar essa curiosidade do visitante sobre onde ele está, e depois o convidamos à exposição. A entrada da Cavalariça convida a isso. Nós temos três entradas, sendo que há uma porta principal que dá entrada pela Praça Pasteur, na descida que dá acesso ao prédio, que também servia para entrada dos animais. O animal entrava por ali e havia uma balança em que ele era pesado, avaliado e prosseguia para dentro das baias internas onde ele era mantido, observa-do, alimentado. Tem a parte, ao fi nal ou à direita se você entra pelo centro, que era chamada de sangria. Havia uma antesala, até hoje se usa soro de cavalo para fazer uma série de medicamentos e soros, e lá você usa a sangria do animal, sem matá-lo. Historicamente você sangrava o animal, tirava de um a dois litros de sangue, depois dava medicamento ao animal e o colocava na baia para descanso. Então, iria se apro-veitar o soro ou via se o soro que havia sido inoculado já estava apto para fazer a me-dicação. Em relação à Cavalariça, a gente começa assim. Com a entrada do museólogo e museógrafo a gente começa a fazer croquis em relação aos conteúdos que já nessa época, nós estávamos modulando, ou seja, um módulo histórico, um módulo de iní-cio, vamos falar sobre a biodiversidade. Na primeira sala nós tentávamos falar sobre biodiversidade no mundo, com um planisfério central. Depois, a biodiversidade no Brasil, com o painel de ocupação de Mata Atlântica.

Entrevistador:Eram dois painéis, certo? Que ladeavam o planisfério.

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Fabíola:Sim, e eles ainda existem. São painéis de arte. Nós estamos vendo o que pode ser feito em relação a eles, pois não queremos destruí-los. Um painel é a Mata Atlântica toda feita em escala, com seus animais característicos. Cada animal está ao lado de sua planta característica. Temos o hipertexto que fala sobre cada espécie. Nesse hipertex-to está incluída a reprodução da imagem do painel e fala sobre cada espécie da Mata. Você clica em um quadrante e ali fala sobre cada animal e planta que há no quadrante clicado. O outro painel é o da Mata Atlântica ocupada pelo homem, onde há rio polu-ído, uma fazenda desmatada por fogo, uma área de monocultura, ou seja, tudo com suas intervenções mais desastrosas do meio ambiente.

Entrevistador:Mais evidentes, mais fl agrantes.

Fabíola:Exato. Havia também um hipertexto, desenvolvido pela Daniele Grynspan, falando sobre as intervenções do homem e suas consequências mais drásticas. Ao longo do processo da exposição, a gente decidiu pelo tema Biodiversidade, que era um tema forte na época e continua até hoje. Decidimos em puxar um pouco para a experimen-tação da biologia, ou seja, teremos experimentos. Um pouco aconteceu na experiência da exposição Vida, onde tínhamos o experimento em que você montava sua lâmina com gota d’água, sangue. Aliás, o uso de sangue foi uma crise, pois estávamos com muitos casos de AIDS na época, então havia pessoas que diziam que não podíamos obrigar os visitantes a tocar no sangue do monitor, pois poderia proliferar o contá-gio, etc. Foram situações que eu achei muito exageradas, mas ao mesmo tempo, por ser uma instituição de saúde pública isso poderia ter repercussões. Por isso, a gente evitou. Fizemos poucas atuações em que precisasse fazer esfregaço de sangue, mes-mo que fosse do próprio monitor, por causa do visitante que poderia se sentir mal. Passamos, então, a fazer somente esfregaço de células da boca e ainda assim tivemos algumas situações inconvenientes. Cada um tinha o seu palito para fazer o esfregaço e botar o corante, para ver célula e comparar célula animal com célula vegetal. A gente pegava elodea que fazia parte do aquário, o microorganismo e depois alimentavamos os ouriços. Dentro da própria exposição, a gente circulava com isso. A gente viu que o ouriço, que já havia sido utilizado em outros experimentos da Fiocruz, deixava o pessoal muito “ouriçado”, pois tratava do ser vivo. O Edmilson foi uma voz dentro da exposição defendendo animais vivos, já que o público fazia essa demanda. A parte da experimentação de biologia, na qual o Edmilson havia escrito e participado, foi pensada em aquários. Então, viemos com essa proposta e fi camos muito tempo de-batendo a parte do vivo, que fi caria mais isolado. Em termos que era preciso tratar, cuidar, limpar e situações do gênero. Mas a gente falava que isso atrairia muito as

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pessoas e se nós não trabalhássemos a curiosidade do público, como conseguiríamos trabalhar outros conceitos de ciência que queremos trabalhar? Nós vamos falar sobre a biodiversidade, mas também iremos falar da história e da saúde, tudo isso como uma vertente da ciência como processo. A história não é só a da Cavalariça e sim que a história é um processo e a ciência é outro processo, sendo que ambos fazem parte da cultura do homem.

Entrevistador:Tinha que integrar tudo isso?

Fabíola:A integração disso era o nosso desafi o. Se eu ponho uns bichos ao fi nal e o públcio tem a expectativa disso, então como eu trabalho? A gente queria falar que a água tem vida, não só observar os microorganismos. Um trabalho exaustivo que fi zemos foi listar as perguntas que as pessoas faziam durante a exposição Vida, em cada baia. A gente via que a primeira reação das pessoas nesse aquário era dizer que a água era suja, não prestativa, estava poluída. Mas ao contrário, a água tinha muita vida. Agora, é uma água para se beber? Não. Essa água tem muita vida e essa vida não combina com a que tem dentro em você, o que irá provocar um desequilíbrio, mas não signifi ca que essa água é suja. E lá nós tínhamos amostra de água suja, contaminada, mas sem vida, para comparar. Enquanto, na outra, você via protozoários, amebas, helmintos, até uma hidra se reproduzindo. Tentamos trabalhar isso na exposição Vida, mas o fl u-xo de gente era tão intenso que as atividades duravam 10, 15 minutos, acabou virando apenas uma demonstração das atividades. Na Cavalariça queríamos resgatar isso, fa-zer uma atividade com refl exão na exposição.

Entrevistador:Então, quer dizer, com mais tempo, certo?

Fabíola:Sim, com mais tempo. Pensávamos um pouco diferente a respeito disso e trouxemos essa experiência (da exposição Vida) para a exposição para dizer: “Isto aconteceu! Como podemos evitar que isso aconteça? como podemos gastar a curiosidade para depois trabalharmos o conceito que nós desejamos?”. Com toda essa discussão indo e vindo, acabamos por modular que o espaço vivo viria no início da exposição, ou seja, você entrava na exposição, tinha a parte do planisfério que falava de biodiversidade no geral, depois vinham os animais vivos. Ás vezes fazíamos atividades em que colo-cávamos pessoas para tocar os animais. Quanto ao aquário, de início seriam aquários pequenos, de 50 litros, que nós pensávamos que era possível cuidar de modo mais fácil. Entretanto, seguindo sugestão e proposta de escalões superiores, depois foi feito um grande aquário de 11000 litros. Lembro-me que na reunião sobre a discussão do mesmo, os problemas de sua manutenção estavam evidentes, mas foi dito: “Primeiro

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a gente faz. Depois a gente pensa nisso”. E, assim foi feito. Depois, através de con-tratos, conseguimos a manutenção. Mas tivemos os pequenos animais como: cobra, sapo, aranha, lagarto (...). Em alguns momentos fi zemos módulos com os animais para desmistifi car animais peçonhentos. Todos os módulos que foram criados tinham a intenção de passar conteúdo. Também entraram as pessoas do design para traba-lhar o conteúdo que levavamos a eles, os museólogos também. Cada módulo tinha muito conteúdo, com muitos textos, laudas e laudas. A gente sabia que não podería-mo incluir tudo aquilo. Tínhamos participado da exposição Vida e sabíamos que nin-guém lia aqueles textos, mas todo mundo fazia fi la para ver as atividades.

Entrevistador:Isso aconteceu na exposição Vida?

Fabíola:Exatamente. Tinha a intuição de que não adiantava botar um grande texto com tudo aquilo que foi dado. Tivemos muito cuidado com a construção do conteúdo, porque a conceção seria que o tema maior seria da biodiversidade, então fomos contratando pessoas de vários conteúdos e tudo que era escrito ou modulado a gente passava por diversos tipos de pesquisadores, principalmente os internos. Já estávamos com crise naquela época, sobre aceitação do museu. Por isso havia essa preocupação de passar o conteúdo por vários grupos, por uma questão de aceitação interna. Nós tínhamos defi nidos que cada texto passava por várias validações, então nós tínhamos um painel imenso de créditos, de agradecimentos, de que as pessoas foram contempladas, ouvi-das. Esses painéis continham textos curtos, eram uma introdução ao tema.

Entrevistador:Que aprofundava o conteúdo?

Fabíola:Sim, que aprofundava ao longo da exposição. Lembro que a parte dos microorganis-mos que falava sobre vacina e tal, várias vezes os visitantes pegavam um banquinho da atividade, sentavam e fi cavam lendo os hipertextos que eram expostos. Os textos eram bem grandes também, então havia pessoas que passavam duas horas, duas ho-ras e meia lendo, que tinham essa paciência. Aliás, qualquer pequisador que quisesse sentar e ler podia dizer: “Isso fui eu quem escreveu”.

Entrevistador:Isso já implantado?

Fabíola:Já implantado o hipertexto.

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Entrevistador:Nessa fase inicial, você pode delinear uma fronteira temporal ou uma fase temporal clara entre o conteúdo e depois a forma? Ou seja, a geração desse conteúdo todo, com essas validações e tal. Aí estando pronto, “passar a bola” para o pessoal do espaço, digamos assim. Cenógrafos, arquitetos, designers, etc. Grosso modo, existiria isso? Como você vê?

Fabíola:Eu vejo que não houve uma fronteira de dizer: “Formatei tudo e agora vou chamar as pessoas”. Isso não aconteceu por falta de desejo nosso, mas a parte executiva, o Gilson sempre dizia que a inauguração seria no ano seguinte e o ano seguinte ia sem-pre se postergando. Então, em 96, com a contratação do Lodi, que foi um aporte im-portante, ele deu um start em uma fase (...).

Entrevistador:Mas nesse fi nal, esse conteúdo todo já estava redondo?

Fabíola:Não. O conteúdo já estava bem desenvolvido e direcionado, inclusive com quem de-veríamos falar para indicação e produção de texto. Esse texto vinha grosseiro, ou seja, bastante robusto. O Luiz fazia uma redação, e contratamos uma pessoa de textos para reduzí-los ainda mais. O pessoal de design, que inicialmente era uma equipe chama-da de Quatro Mãos (...). O texto da vacina era o que estava mais desenvolvido, até porque o Luiz tinha domínio no assunto e se responsabilizou em desenvolvê-lo, com a contribuição de todos, claro. Apesar de nós termos três biólogos na equipe, eram biólogos de vertentes diferentes. Diria que o Edmilson é mais naturalista, o Maurício é mais de bancada, ele trabalhava com genoma, PCR (...).

Entrevistador:No caso, você diz laboratório?

Fabíola:Isso. E eu que trabalhava com a produção de vacina. Todos os três tínhamos licencia-tura com experiência em sala de aula. Ao mesmo tempo em que tínhamos algumas semelhanças, tínhamos algumas diferenças básicas da área. E Carla, da área de psi-cologia, que se aprofundou em educação e saúde, mas visando mais a área educativa. Quando um de nós fazia um texto, passava pela mão de todo mundo para que a equi-pe dissesse o que estava entendendo sobre o que estava escrito. Como bióloga, aquilo para mim estava claro, mas e para as pessoas que não são biólogas, elas entendiam o que estava escrito? Muitas vezes a Carla colocava muito estranhamento, entendia algo que não era a proposta do texto. Muitas vezes era preciso rever o texto e tentar simplifi cá-lo, porque simplifi car era mais a parte mais difícil. Até que em determina-

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do momento, creio que em 97, nós determinamos que iríamos sempre perguntar ao pessoal se havia algum erro de conceito, se não houvesse erro de conceito, não seria mudado. Se for uma questão de forma, cada um tem a sua, como dizia o Luiz.

Entrevistador:Forma você diz o estilo do texto?

Fabíola:Isso. O estilo do texto. Não é um erro de conceito. Foram várias coisas que fomos de-lineando ao longo do processo. Se inicialmente não tínhamos uma faixa etária defi ni-da, quando nós chegamos a falar da exposição, na parte de produção dos móveis (...). Em 97 tivemos que licitar um produtor, pois essa licitação tinha que dizer quantos parafusos tinha na exposição. Fiquei perdida, pois teríamos que fazer o projeto execu-tivo primeiro. Eu pensava: “Como é que se diz isso sem fazer aquilo?”. E aí, chegamos ao ponto de ter que direcionar a quem estávamos falando, pois precisávamos dizer que altura teria o móvel. Se estiver falando com uma criança de seis anos, não posso ter uma cadeira muito alta. Se eu for falar com um adulto, a cadeira não pode ser do mesmo tamanho que a da criança. Na época, não lembo se foi você mesmo que fomos consultar uma tabela ergonômica, sobre a faixa etária e altura das pessoas. Lembro que nessa tabela havia o perfi l das pessoas, não lembro se era do Brasil ou América Latina, pois existiam tabelas com perfi s de pessoas em regiões diferenciadas. A partir dessa consulta fi camos com a fase adolescente da faixa etária de 13 a 17 anos, o que nos ajudou também a montar o texto que usaríamos. Quando decidimos a faixa etá-ria utilizada, conseguimos ter noção da altura dos móveis, por se ter uma referência. Além disso, tínhamos a referência de que estávamos falando com jovens, então se al-guém reclamasse que o texto tinha que ter mais pompa, podíamos falar que não, devi-do ao nosso público alvo. Depois, com o funcionamento algumas pessoas falaram que aquilo não era educação infantil e nós diziamos que não prentendíamos fazer uma exposição de educação infantil na sua concepção. Estávamos adaptando nossa exposi-ção para receber o público, por exemplo, da creche com crianças de até cinco anos. As crianças fi cavam encantadas com a Cavalariça, mas inevitavelmente, os textos e ma-teriais não eram adequados a elas. Mas os materiais que podíamos, adaptamos para elas, como por exemplo, o planisfério em que nós o fi zemos baixinho, porque quem é mais alto tinha uma visão geral, as crianças menores viam os bichinhos que fi cam nas bordas.

Entrevistador:Os detalhes, certo?

Fabíola:Sim. Não era feito para crianças, até porque o desenho dos bichos era de gravuras his-tóricas.

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Entrevistador:Ainda assim, elas apreciavam?

Fabíola:Apreciavam e conseguiam entender mapas e reconhecer os animais. O pessoal dizia que na parte do cognitivo as crianças de quatro anos não tinham maturação para co-locar os dois olhos no microscópio e enxergar o que estava ali. Mas eu dizia que essa não era minha intenção, e sim de que a criança tivesse contato com o objeto. Um dos microscópios era ligado à câmera, também com essa experiência da exposição Vida somada às experiências do dia a dia, em que a pessoa diz que está vendo, mas na ver-dade está vendo seu próprio cílio batendo na lente. Então, com um monitor de TV, a gente dizia que a pessoa veria algo semelhante à imagem do monitor e aí a pessoa dizia que não estava vendo nada. Logo, sabíamos que havia descalibrado, então nós o ensinávamos a mexer no charriot. Às vezes as crianças perguntavam o que estavam vendo e eu apontava para o monitor e lhes mostrava. Sabia que muitas vezes elas não estavam vendo a imagem do monitor, mas essa experienciação é importante. Ao futu-ro, quando essa criança tiver contato com o objeto ela não terá um estranhamento.

Entrevistador:Você recupera a memória, certo?

Fabíola:Pois é. Há alguma memória.

Entrevistador:Uma memória que não é precisa e sim, inicial, digamos assim.

Fabíola:Exato. Então, era esse primeiro momento. Na época fi zemos os bancos para a faixa etária que estava prevista, mas também fi zemos banquinhos menores esperando esse tipo de público. Aí a criança subia nos banquinhos e via o que estava ali, tinha esse primeiro contato e fazia o que o outro estava fazendo - porque isso é importante para a criança também. Na célula gigante, por exemplo, naquele momento ela pode não saber que está tocando a mitocôndria, diferentemente dos adolescentes que já tinham essa noção. Não chegava a ser um pula-pula, mas tinha um aspecto lúdico, fora a par-te do ser vivo, quando eles viam os animais. A Cavalariça se prestava a isso, uma vez tendo mediadores preparados para atuar com faixas etárias diferentes, principalmen-te nos fi nais de semana em que tinham os passeios em família. Voltando (ao processo de elaboração da exposição), saber em que momento parou uma coisa e começou outra, posso dizer que não foi uma linha tão defi nida, porque o processo executi-vo começou a atropelar, ou seja, o processo executivo da demanda superior de que tem que estar pronto. O museólogo Lodi quando entrou achou melhor estipular um

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cronograma, ainda que ele fosse mudado depois. Nós tínhamos meta de fechar por módulos, mas pelo menos, as linhas iniciais estavam traçadas. Já sabíamos o que iria perpassar. Há um texto da Carla sobre isso, as linhas transversais que perpassaram pela história e a saúde. Todos os textos falavam sobre classifi cação, então qual era a história disso? Ao fi nal, tinha-se um painel em que fi camos nos debatendo muito a respeito. Mesmo com a consultoria externa foi muito difícil. À época, haviam cinco linhas defendidas que eram árvores de diferente classifi cação, tinham coisas comple-tamente diferentes.

Entrevistador:Dentro da biologia?

Fabíola:Dentro da biologia. Magali estava à frente desse módulo, e a gente, após discussão, optou por uma vertente: qual era a mais aceita?

Entrevistador:Magali...?

Fabíola:Magali Romero Sá, que hoje em dia é vice de pesquisa da casa. Ela perticipou ativa-mente desse painel de biodiversidade. Ela e Edmilson seguiam quase diariamente (...). A primeira pintura de artes que nós recebemos era uma alegoria carnavalesca, com umas araras coloridas imensas, umas onças pintadas. Fomos falar com o artista que não era aquilo que nós queríamos, nós queríamos uma representação real, com profundidade e tal, aí ele fez um esboço de uma proposta e nós aceitamos. Ainda as-sim tínhamos que dar um animal de referência a ele. Ele deu as escalas: “Você está entrando na mata, com que distância da onça?”. Então, aquele painel era para você parar e olhar que você verá que está tudo bem detalhadinho, os animais.

Entrevistador:Existe uma questão de perspectiva também?

Fabíola:Tem. Há profundidade, tudo isso. Por isso que eu lastimo muito se tiver que jogar fora. Agora, há uma oportunidade de utilizar esse painel da Mata Atlântica.

Entrevistador:Agora tem outro que tem a ver com a natureza do acervo do museu. Você já mencio-nou que havia algumas coisas desse acervo lá na exposição, por exemplo, no painel grande no início, onde você tinha aquela janela.

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Fabíola:Nós buscamos. Acho que pode ser o seguinte. Em relação à Cavalariça e sua própria instalação como prédio, como queríamos contar também a história do prédio e traba-lhar um pouco a curiosidade que o visitante poderia ter porque é um prédio imponente.

Entrevistador:E não deixa de ser um acervo.

Fabíola:Exatamente. É um acervo cultural. Hoje em dia o Núcleo Arquitetônico Histórico de Manguinhos. Um nome pomposo. Então eles queriam contar um pouco da história e o prédio tem essa aura forte. Ele é alto. Tem 11 metros de pé direito. Tem estilo Elisabetano inglês, com os tijolinhos vermelhos e acabamento. Tudo isso suscita per-guntas se você não trabalhar um pouco isso antes da exposição. A exposição poderia ser visitada de várias formas, mas quando você a pensa linear, uma porta principal, que seria essa sala de pesagem dos animais, foi lá que buscamos valorizar os aspectos históricos e os acervos. Então, na sala da direita onde montamos uma história do pré-dio, onde falamos da construção do Castelo, do prédio, tem um mapa sobre como era o funcionamento do mesmo. Nós buscamos acervos de referência que existissem na reserva técnica que estava se formando no museu. Lá nós tínhamos uma vitrine com frascos de soro antipestoso que era a fi nalidade do recolhimento do soro do cavalo.

Entrevistador:Certo.

Fabíola:Você infectava o animal e depois recolhia o soro com anticorpos. Então pegamos esse material como um acervo. Existiam frascos oriundos disso.

Entrevistador:Material de vidraria que era efetivamente usado.

Fabíola:Não só isso. Nessa vitrine tinham frascos do soro antipestoso mesmo. Um frasco fe-chadinho. Tinha o líquido dentro, não sei se funcionava, mas tinha a etiqueta antiga, tudo direitinho. Era original e existe ainda hoje na reserva técnica. Depois no hall de entrada, onde tinha a balança, tinha a mesa de cirurgia, tinha esse grande painel ilustrativo que fi zemos a respeito da exposição. A gente fez uma janela porque lá tem uma bancada hoje ainda. Uma bancada de apoio que tem os bicos dourados de onde vinham gás e água que eram utilizados ali. A gente também pediu na reserva técnica vidraria para exemplifi car o tipo de material que era usado na época, como a seringa grande que se usava para aplicar fortifi cante no animal que fosse sangrado ou reco-lher alguma amostra de líquido que fosse retirado do animal. Então esse era o acervo

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museológico. Depois, internamente nós tivemos acervos museográfi cos, porque ti-nha objetos desenvolvidos, especialmente para lá. Nós tínhamos um acervo vivo, um aquário com peixes, vitrines para os pequenos animais, desenvolvidos pelo pessoal de design do museu (que você era responsável). As vitrines dos animais. Nós tínhamos um jogo da memória das espécies de plantas e animais que faziam parte dos painéis. Também na entrada da sala azul, desenvolvido pelo próprio pessoal de design do mu-seu. No “veja o vivo”, os móveis e vitrines também desenvolvidas aqui, mas era um acervo vivo. Depois passamos para um acervo tecnológico, pois tínhamos televisão, para ver a evolução, nós tínhamos os microscópios. Tínhamos 15 microscópios e lupas em atividade. Ali é um acervo tecnológico e sensível. Para a escolha desses materiais tivemos o auxílio do pessoal do politécnico para referendar, pois queríamos micros-cópios robustos, e não pequenos, para que não derrubasse e não houvesse risco para o público.

Entrevistador:Até pensando que iria ser utilizado diariamente por diversas pessoas.

Fabíola:Exatamente. Um volume diferente de um laboratório. Muitas vezes no laboratório o pesquisador tem o seu microscópio e usa em alguns momentos, enquanto o nosso era usado intensamente todas as horas.

Entrevistador:Com constância.

Fabíola:E muitas vezes desvirtuando o uso e excedendo alguma coisa que quebrava a lâmi-na. A gente nunca teve a quebra de nenhuma objetiva. Objetiva e ocular nunca que-brou. As lâminas sim, pois eram mexidas mais do que deviam e acabava forçando e quebrava.

Entrevistador:Aproveitando. Apenas uma curiosidade: teve algum incidente como vandalismo ou algo do tipo?

Fabíola:Pouquíssimo pelo o que percebemos ao longo dos mais de 10 anos que fi cou aberta a Cavalariça. Ela fi cou aberta por 13, 14 anos aproximadamente. Acho que sumiu duas objetivas, pois quando procurávamos não achávamos e tínhamos que falar com o pessoal.

Entrevistador:Objetivas dos microscópios?

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Fabíola:Sim. E uns dois fi ltros que colocávamos na luz para fazer uma refração diferenciada. A gente acha que quem possa ter pegado tinha uma intenção específi ca, pois essas objetivas não servem em qualquer microscópio, pois tem que ser da mesma marca e modelo e uma série de detalhes do tipo, ou se foi para levar uma lembrança.

Entrevistador:É mais provável.

Fabíola:Acho que nesse sentido, em relação ao microscópio, é muito pouco e não fez muita diferença nas nossas atividades. Fazia falta, é claro, porque entra uma poeira e tem que fechar de novo, mas é essa situação. Na parte de célula, quando a gente fazia com grupos marcados, a gente tentava preparar para o pessoal para que as pessoas vissem: por exemplo, o esfregaço da bochecha. Tinha essa atividade também. Fazia a lâmina, colocava o corante de azul, botava na lamínula. A gente pegava esmalte inco-lor e fechava na lamínula em volta, então você fi xa aquela lâmina e ela não sai. Então, quando se tinha uma atividade um pouco mais prolongada com o público, a gente dava a oportunidade de quem quisesse levasse a sua lâmina para casa. Porque a lâmi-na não tinha um custo tão alto que não pudesse fazer isso e não era todo mundo que queria levar para casa, mas alguns gostavam. Porque você tinha que observar na esco-la ou em casa, se tivesse um daqueles microscópios mais simples para chegar e dizer “Ai, minha célula” (risos.). Uma coisa que a gente sente falta ainda no museu, depois de uma época tivemos na Cavalariça uma publicação junto com a Virgínia e a Carla Gruzman, alguns dos mediadores pertencentes participaram, que foi uma revista cha-mada Colorindo a Fiocruz.

Entrevistador:Eu me lembro.

Fabíola:A gente fez com os temas da Cavalariça e distribuía principalmente para o pessoal mais jovem como uma lembrança daquilo que você participou. Era uma revista de ati-vidades simples, mas não deixava de ser uma lembrança, pois tinha algumas fotos de objetos da Cavalariça. A gente percebe que qualquer museu que você vá se quer levar uma lembrança. Se você não tem essa oportunidade acaba se criando essa lembrança com objetos que não deviam ser retirados do local.

Entrevistador:A Virginia Schall que participou?

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Fabíola:Sim. Tinha uma revista zero que era sobre o Castelo. Não sei se tem algum exemplar ainda aqui na biblioteca. O nosso Colorindo a Fiocruz acho que deve ter algum ainda. Não sei se tenho algum comigo, mas a gente fez e reeditei algumas vezes. Deixava sempre um dinheirinho para reeditar. Na época cada exemplar custava em torno de R$1,50. Costumava fazer uns 3.000 exemplares e fi cava R$ 1,50. Sempre dizia assim: “Gente, vou cobrar porque se receber R$ 1,50 pelo menos faço uma outra edição”. Principalmente fi nal de semana que pessoal sempre queria levar alguma coisa para as crianças.

Entrevistador:Então, o acervo do museu foi considerado para ser objeto [...].

Fabíola:Nós temos alguns desses acervos remanescentes que estou tentando dar prossegui-mento.

Entrevistador:Que seria mais museográfi co.

Fabíola:Sim. Por exemplo, veremos os suportes, separando assim, acervo tecnológico, acervo vivo, objeto museológico, e agora eu classifi caria como suporte, porque as vitrines re-dondas (projetadas pelo pessoal interno de design) também com acrílico redondo que eram as três vitrines para expor coleções na área de classifi cação estavam em perfeito estado.

Entrevistador:Sim. O material era de boa qualidade.

Fabíola:Tentamos fazer tudo de boa qualidade. Exigimos que tivesse 10 anos de garantia e realmente tudo que foi feito por aquelas pessoas se manteve maravilhosamente bem e isso foi impressionante. A exigência da qualidade se justifi ca para que você não tenha que refazer coisas ao longo do tempo. Resistiu às intempéries. Acho que temos como aproveitar aquelas vitrines para outras cosias do museu. O pé dela, que era metálico, está pintado de verde claro metálico, ou seja, pode receber adesivo, pode fi car de ou-tra cor. Você tem uma vitrine redonda que não está arranhada e está em perfeito uso. Por que não usar para “n” coisas, inclusive vamos dizer “decorativo” em algum lugar do museu, ao invés de fi car jogado nesse momento dentro do galpão da museografi a? Deixa-me um aperto no coração. Tenho que pensar em alguma coisa para fazer uma decoração no nosso hall de entrada. Fazer alguma invenção para que pelo menos o pessoal lembra-se “Olha, existe. Você pode usar em outra coisa”.

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Entrevistador:Estou vendo o roteiro aqui e também já foram abordadas essas questões quanto ao acervo e o espaço expositivo.

Fabíola:O acervo foi considerado objeto da exposição. O acervo do museu você falou o museo-lógico não é?

Entrevistador:O geral. Aquilo que você classifi cou.

Fabíola:O recorte foi isso. Foi valorizar a Cavalariça e o seu objeto inicial que era ser (...).

Entrevistador:O objeto inicial histórico?

Fabíola:Histórico, que é o cavalo. Ou seja, o animal, o viveiro do animal de grande porte que tinha uma função relacionada à saúde pública da época. O espaço expositivo seria a própria Cavalariça.

Entrevistador:Exatamente.

Fabíola:Que foi o prédio à disposição na época.

Entrevistador:Sim. Teve aquele histórico que você relatou.

Fabíola:Ainda falta relatar alguma coisa a respeito da infraestrutura da exposição.

Entrevistador:Sim, mas você também mencionou com relação aos tipos de mobiliários, vitrines e totens.

Fabíola:Os totens e a iluminação. O totem de computador, se a gente pensou em ter computa-dor para aprofundar o tema, porque a gente viu que...

Entrevistador:Através dos hipertextos.

Fabíola:Que era a tecnologia da época. Quando a gente fala em hipertexto hoje em dia as pes-soas nem sabem do que se trata, mas na época era o que se tinha de moderno. Nossos

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computadores eram toque-de-tela em 99. Não, licitamos em 97, recebemos em 98 e estávamos inaugurando em 99 com toque-de-tela. Então você pensa, o visitante inicial daquela época fi cava lá na frente fazendo o dedinho para seguir a setinha do mouse. O que tinha ali dentro era um outro detalhe, mas a setinha do mouse as crianças adora-vam. E a gente fez o totem, tinha um degrau embaixo que puxava e as crianças menores gostavam. Mesmo pensada a exposição para uma faixa etária com uma determinada curva de altura e acesso a gente mesmo assim pensou em um acesso para faixa etária menor, ou uma acessibilidade para quem tinha uma ligeira defi ciência de altura. O ter-mo mais politicamente correto, mas pensaram-se esses detalhes. Você ter um banco de altura diferenciado mesmo que se tenha uma faixa etária predominante. O degrau do computador, mesmo que você tenha uma predominância e público alvo especifi co. Al-gumas possibilidades de adaptação dentre as nossas limitações foram feitas.

Entrevistador:Amplia a acessibilidade.

Fabíola:Ampliamos a acessibilidade e tínhamos a intenção de ampliar mais. O hipertexto, por exemplo, do início, que tinha som, demandei durante muito tempo qual era a difi culda-de do pessoal colocar uma legenda seguindo porque você faria a acessibilidade do pú-blico surdo existente na própria instituição. Isso também se falava muito. Sobre o nosso público interno e não apenas o que trazíamos de fora. E essa parte da iluminação.

Entrevistador:Foi um ponto forte.

Fabíola:Foi muito forte na Cavalariça e muito decisiva em algumas coisas porque a Cavalariça tem, na parte inicial, os janelões, quatro janelões de quatro metros de altura.

Entrevistador:Ou seja, tinha muita luz natural.

Fabíola:Sim. Você depois tem na área interna as janelas menores que, dependendo de onde vem o sol durante o seu nascer, ilumina muito a Cavalariça. O pôr do sol nem tanto, pois tem um pouco de mata que dá um sombreado naquelas janelas. E a última sala da Cavalariça se tem uma grande claraboia. Ela era uma sala de sangria e o pessoal precisava de uma grande visibilidade para trabalhar, ou seja, toda essa luz, e isso é muito responsabilidade do museógrafo e do museólogo, eles chamavam muito para a gente pela dramaticidade que a exposição deveria ter. A dramaticidade da exposição com suas luzes, sombras e cores iriam valorizar os temas e isso a gente aceitou muito tranquilamente. Essa parte deles a gente não tinha uma posição formada. Mas a gente

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teve uma grande resistência com o pessoal de patrimônio histórico. Um que a gente fez apresentações o tempo todo e da minha parte e lembrança, vários passos que a gente deu sobre projetar a exposição, os chamamos para conversar (...).

Entrevistador:Ou seja, foram apresentados e compartilhados.

Fabíola:Foram apresentadas as propostas. A gente fez vários textos ao longo do ano e tiveram várias versões de texto, a cada vírgula colocada e quando a gente começou a ter uns croquis a respeito disso e até sobre o tipo de piso que seria colocado na exposição, que na época diziam que a gente não podia cobrir o piso, então fi zemos a apresentação de um piso orgânico porque a Cavalariça tinha várias ondulações devido às calhas por causa dos animais, quer dizer, ela tem uma construção inicial hidráulica que propiciava limpeza, higiene e facilidade dos cavalariços com o tratamento dos cavalos e agora nós teríamos uma nova utilização por nós que demandava colocar acervos e mobiliários que tinham que se equilibrar em um piso todo ondulado, então fi zemos uma proposta ini-cial e também perguntamos a respeito sobre as baias e a época das primeiras consultas fomos informados que se podia retirar as baias, pois eram móveis. Então fi zemos um projeto e apresentamos, fazendo perguntas ao longo do processo e quando fomos apre-sentar o projeto fi nal para ser licitado, foi uma grita geral em relação a esse pessoal de patrimônio porque eles não aceitavam o piso recordado. Esse piso tem a parte central livre e as pessoas pisariam normalmente, e as áreas onde teria móveis seria feito um nivelamento de madeira, compensado, combinando para receber os móveis que tinham que ser equilibrados, porque um microscópio desequilibrado não tem condição.

Entrevistador:Um plano horizontal?

Fabíola:Sim. Aonde o declive iria morrendo na madeira quando encontrasse com o piso dei-xando a parte central livre com todas as suas imperfeições vistas por nós, mas não sei exatamente o que houve. Acho que não gostaram do desenho e perguntaram por que não cobrimos o piso todo, e fi camos surpresos, pois eles tinham dito que não se pode-ria cobrir o piso todo.

Entrevistador:Então mudou a perspectiva?

Fabíola:A perspectiva de alguma coisa mudou, então a gente fez um piso que depois fi cou todo coberto e nivelado com visitas. Então tínhamos desenhos ondulados e visitas de vidro temperado com grossura para ser pisado.

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Entrevistador:Resistente.

Fabíola:Resistente, que foi ao longo dos anos pisado. Nessas visitas a gente observava os dre-nos que existiam na Cavalariça.

Entrevistador:Como se fossem janelas?

Fabíola:Exato. Outra grita foi o porquê de retirarmos as divisórias das baias. “Porque vocês disseram que podia retirar.” “Não, a gente não disse isso nunca.” Então a gente teve que refazer o projeto nesse sentido, pois era mais orgânico com vãos livres, dos mó-dulos, e tivemos que secciona-los de três em três metros conforme aquelas baias. Eles disseram que tinha que deixar o mínimo de x % de baias livres testemunhas. O lado esquerdo era praticamente coberto com paredes de MDF e que iam diminuindo de altura conforme chegavam ao fi nal para não dar a sensação de confi namento. Na épo-ca foi um museógrafo que fez essa proposta. O primeiro módulo tinha altura maior de painéis e os próximos eram menores, mas apenas para o lado esquerdo, do lado direito só a Sala Azul que recebia o painel grande e depois o resto tinha uma baixinha com o formigueiro que seria a área do “Vivo” e depois era tudo as baias livres. Elas próprias separando o tema sem o painel de madeira.

Entrevistador:Esquerda e direita em relação ao fl uxo?

Fabíola:Em relação ao fl uxo de visitantes. Você ia entrando pela sala de pesagem, olhando ao fundo aquela escada que vai para a caixa d’água. Então o lado esquerdo é o das árvo-res, que vai para o (pavilhão) Lauro Travassos, e o direito é o da Praça Pasteur que tem o (prédio do) Quinino. O fundo tem o Prédio do Relógio. Essas foram as opções. E com isso a iluminação, pois a gente precisou apresentar. A nossa iluminação estava a quatro metros de altura e estava instalada. Essa foi uma grita que aconteceu na hora da visita do projeto, perto de inaugurar, com a iluminação instalada, e aí a grita: “Não estou vendo as tesouras. Quem autorizou esta altura?” E estava lá o projeto, mas não constava ninguém assinando que tinha feito o projeto, logo tivemos que desfazer aquela iluminação e passar para sete metros de altura. E os gradis estavam bastante espaçados exatamente porque o museólogo e o museógrafo estavam querendo tam-bém valorizar a questão da Cavalariça e ao mesmo tempo na época não tínhamos perspectiva de climatização. E um dia a gente chega, em meio à obra de instalação e estava o pessoal furando a parede da Cavalariça. Eu fi quei aterrorizada. Pensei assim:

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“Quem deu autorização? O patrimônio vai nos matar”. E tinha sido eles mesmos que tinham feito um projeto sem avisar a gente que haveria a climatização. Na época foi pensado em grandes dutos lá em cima nas tesouras, vindo de um prédio anexo em que tínhamos uma central de água gelada. Agora com a reforma atual de 2015/2016 esses buracos foram fechados e os dutos retirados e estão com um novo projeto de climatização que ainda tenho que saber como vai funcionar.

Entrevistador:Uma nova tecnologia, talvez?

Fabíola:Talvez. E a questão do “insulfi lm” nas janelas. Íamos colocar “insulfi lm”, mas era uma barreira de luz e não foi autorizada, então nós importamos a cortina de roller, aquele rolinho com uma mola que é difícil de encontrar que levantasse as cortinas de quatro metros que tínhamos nos janelões. Eles autorizaram e foram importados da África do Sul. Enfi m, instalamos com a intenção de, como eles disseram inicialmente, manter o que é enxergado através da cortina. Ok. A percepção de todos na época era assim: “Bom, quando estou dentro da Cavalariça e olho para fora vejo, conforme o clima, fi ca meio cinzento, olhando para o alto”. Se olhar para cá, se o sol bater, vejo o verde da árvore, então tenho que manter o verde aqui para dentro. Ficamos nessas conjec-turas, mas lá fora, quando olhamos, se a parede está branca, vemos branco, então fi -zemos a cortina que era com uma face creme para fi car para dentro e uma face branca para fi car pra fora. Eles mandaram inverter. Mas se era para fi car igual quando estou em uma perspectiva, não estou entendendo, mas foi isso. E fi quei ao longo de alguns anos ali me debatendo para colocar “insulfi lm”, pois tinha muita luz entrando. Em determinado momento, ainda me debatendo com a situação do “insulfi lm”, chamei uma pessoa do “insulfi lm” e fi zemos uma aplicação teste escolhendo um tom meio, digamos assim, um chumbo que fi cava um pouco violeta escuro e outro que fi cava um pouco cobre, pois para mim dava a impressão do cobre; e outro para a janela da fren-te, porque lá temos duas em bisotê e outras duas que eram lisas. Então botei o cobre, pois via na janela que não tinha bisotê um pouco de marrom-cobre, e queria transmi-tir, e coloquei também essa que imitava o bisotê.

Entrevistador:Um teste, certo?

Fabíola:Sim. Um teste para chamar o pessoal do patrimônio para optar, pois precisávamos reduzir a luz e também com o discurso de que colocando o “insulfi lm” geraria uma proteção de Uva e Uvb e isso geraria menos luz e maior proteção ao patrimônio. Eles estavam muito resistentes ainda e chamaram o pessoal do Iphan e fi zeram testes. Então fui a uma reunião junto com eles e perguntei qual seria a melhor: a janela sem

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ou a com? Parece que aquele marrom ali fi ca mais próximo. E o pessoal do Iphan per-guntou por que não colocávamos logo o preto, pois tínhamos que tirar a luz. “Patri-mônio, vocês aprovam preto?” “Depois a gente conversa!”. Voltaram e escolheram, pois teria 90% de queda de luz, que era o que eu chamaria um chumbo - pois confor-me a luz e o gasto que teve a luz ele fi cou meio violeta escuro. Quando batia a luz dava a impressão que era violeta escuro e fosse cinza chumbo. Eles, ao invés de aceitarem o preto que o próprio Iphan falou, fi caram com os 90% que nos ajudou muito, e na área do outro que tinha sido aprovado, o cobre - mas o Iphan tinha falado para colocar o preto, eles aceitaram colocar o bisotê. Surpresa minha que com a restauração (mais recente), onde tem o insufi lm que imita o vidro, o bisotê, eles não tiraram, e fi quei na dúvida se eles sabiam quem tinha insufi lm e quem não tinha. Nesse momento fi quei nessa dúvida. Se foi uma opção consciente ou se eles nem repararam que você tem vi-dros com “insulfi lm” e vidros sem “insulfi lm”, pois realmente nesse bisotê o vidro fi ca exatamente idêntico. Você não percebe diferença entre o original e ele e dá uma que-bra de luminosidade, mas não a tira total, e ajuda muito, pois de manhã, até 11 horas mais ou menos, aquela área que dá para o Castelo, que fi ca de frente, que é a sala de pesagem, recebe muita luz do sol que batia e refl etia até nessa área dessa vitrine que tinha.

Entrevistador:Cria uma interferência grande com a luz natural em relação à luz cenográfi ca.

Fabíola:Exato. E fl uía muito lá para dentro. É forte mesmo. Então, essa parte de iluminação e esse entendimento de que temos que cortar a luz para dramatizar a exposição foi difí-cil. Não sei como está agora, mas foi muito difícil.

Entrevistador:Avançando aqui. Que tipo de linguagem de apoio foi pensado para a exposição? Etiquetas, painéis, ilustrações, recursos gráfi cos, eletrônicos e etc. Você também já começou a falar sobre isso. Dos textos, dos hipertextos, dos elementos e totens.

Fabíola:Também foi um aprendizado com o pessoal de design a respeito dos textos dos pai-néis porque aí entra a questão da hierarquia do texto. A gente falou muito sobre isso. Fizemos opções depois de eles explicarem várias coisas que nossos painéis tinham quatro hierarquias de texto, considerando a primeira hierarquia o título. A gente só iria descer até o nível quatro e este seria o texto de foto. Que tenha foto.

Entrevistador:Como se fosse uma legenda?

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Fabíola:A legenda da foto seria o quarto nível. A gente colocou assim: primeiro nível é o título. Segundo às vezes é um pequeno parágrafo de duas ou três linhas sobre o tema. Ter-ceiro nível é uma caixa de texto com mais alguma explicação a respeito do tema ou da situação que estava se colocando. O quarto e último nível, para a gente não ter mais nenhuma opção para poluir mais esse painel, era uma legenda quando havia foto, que explicava o que era a imagem. Por exemplo, uma foto com uma árvore e uma pequena explicação. Não sei se considera dizer nessa situação mesmo assim: quarto nível. Não sei se colocar na foto que vinha dentro dela própria o nome do fotógrafo poderia ser considerado um quinto nível de informação, mas a questão é que as fotos que conse-guimos com os direitos autorais, a pesquisa de imagem demandou muito isso da gen-te, a obrigação que tínhamos era colocar o nome do fotógrafo lá. Então não era parte de uma legenda. Se a foto tivesse direito autoral ou fosse doação, ela tinha impresso nela no cantinho à direita o nome do autor. Uma coisa que, atualmente, tenho que botar óculos para enxergar. Não é algo gritando nem nada. Era um pé de página míni-mo ali. Então, etiquetas. Nós tínhamos nos objetos que necessitavam.

Entrevistador:Em algumas vitrines?

Fabíola:Exatamente. As vitrines, por exemplo, a coleção dos insetos, que era uma dessas de acrílico redondo. Abaixo de cada inseto você tinha o nome e espécie dele nas etique-tas. Etiquetas de identifi cação do animal, do fruto, dos frascos de vacina. Era uma pequena etiqueta com a informação sobre o objeto. Mas, por exemplo, a vitrine com uma vidraria do cavalo na vitrine principal não tinha uma etiqueta em cada um dos vidros. Era uma vitrine com intenção decorativa. Não tinha necessidade daquele pai-nel introdutório de tudo, para fazer o pout pourri de tudo, não víamos ali um local para falar sobre cada vidraria.

Entrevistador:Embora fosse fi dedigno com a sua história, mas não houve a intenção.

Fabíola:Exatamente. Ali era um local de sensibilização do visitante. A mesa tinha uma eti-queta presa nela. Agora, esses objetos estavam identifi cados no painel da sala, da história, porque nós tínhamos o grande painel da Cavalariça com legendas dizendo o que era cada um. Então quando se tinha mesa, se colocava, por exemplo: “Mesa para pequenas cirurgias e autópsias de animais”. Aí você tinha um médico com um cavalo deitado sendo aberto. (Risos.) Tinham essas coisas. No móvel onde tinham os mi-croscópios, em alguns momentos, quando se fazia um tipo de feira, a gente colocava uma etiqueta temporária para dizer, por exemplo, o que tinha nas lâminas do micros-

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cópio. Então era uma atividade que estávamos montando. A “Fiocruz pra Você”, por exemplo, que é uma grande feira, a gente colocava a identifi cação do que era a lâmina que estava se vendo. Então, na bancada de célula: célula vegetal de elodea, célula da mucosa, e tinha que manter aquela lâmina sempre ali. Não se teria a possibilidade de preparar uma lâmina e saber o que se estava vendo no momento, então a gente colo-cava essa legenda ao lado de cada microscópio para que se o visitante tivesse a curio-sidade de saber o que estava vendo, ele olharia para a etiqueta.

Entrevistador:Mas nessas situações especiais?

Fabíola:Essa situação. E as outras situações fi xas era isso. A gente tinha a coleção de frutos com uma etiqueta para cada um, os animais, que a gente tinha lá as aranhas, que ti-nham suas legendas, e os peixes a gente começou a fazer aquele suporte e chegou até a fi car todo enferrujado para o nosso livro que inicialmente, antes de ser impresso, fi -cou só em um saquinho plástico mesmo, feito um fi chário sobre os peixes, mas aquele foi um ponto que entrava muita água da chuva e enferrujou o suporte que estávamos tentando chegar aos fi nalmentes.

Entrevistador:É verdade.

Fabíola:Então, nós tínhamos painéis de 1,5m a 2m, fotográfi cos.

Entrevistador:Com imagens e textos dentro desses quatro níveis.

Fabíola:Imagens com ilustrações dentro dos quatro níveis. Tinha ilustrações, por exemplo, na classifi cação também teve ilustrações do Sergio Magalhães com a história das adapta-ções das girafas, da teoria de Lamarck, ou a teoria de Darwin.

Entrevistador:Isso fi cava mais para o fi nal, não é?

Fabíola:Não. Ficava na área de classifi cação. Era assim: o vivo, a evolução, Lamarck é evo-lução, logo aqui, laranja, que tinha os lobos, Lamarck é essa parte, e depois vem a classifi cação e microscopia, e depois célula. Posteriormente, “eu sou único” que era o da carteira da identidade. E você fazia sua carteira eletrônica. E depois íamos para a parte de genética e reprodução.

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Entrevistador:Eu estava confundindo com isso, pois tinha uma “Árvore da Vida” nessa última sala.

Fabíola:Essa Árvore da Vida era a Arvore Genealógica porque falávamos de genetica e repro-dução. Então fi zemos uma árvore tentando colocar uma pessoa branca e uma pessoa mais morena e como seriam os fi lhos, ou netos, se casassem assim. Tentamos fazer mais ou menos.

Entrevistador:Mas havia uma analogia com essa coisa da “Arvore da Vida”.

Fabíola:Sim, da parte da reprodução. Nessa área todos os módulos, quando falávamos, tinha a parte da história, que era a do prédio, mas não era só a do prédio. A gente ia falar de classifi cação e como se entendia historicamente a classifi cação e depois qual é e como é entendida hoje a classifi cação. Então, reprodução. Como os antigos entendiam a reprodução? A gente tinha até uma gravura de uma reprodução alegórica de um ca-nhão jogando crianças, fetos para se reproduzir em algum lugar. (Risos.) Então as representações ao longo do tempo de estudar reprodução porque você tem gravuras da época do Leeuwenhoek que mostrava homúnculos dentro do espermatozoide. É como se fosse o homem o responsável da reprodução e a mulher recebe e faz crescer. Pois esse poder da mulher de gerar a vida, mas ela dependia do homem. Então você vê como a cultura pode infl uenciar. Você está tentando fazer o mais cientifi camente possível, porque se está desenhando ali e está vendo um homúnculo. Era um homem em miniatura. Era uma pessoa em miniatura toda encolhida. Não era um bebê ou um feto. Era uma pessoa em miniatura. E com certeza eles já tinham a visualização dos fetos dos pintinhos, dos animais, pois se tinha várias situações, mas eles não imagina-vam que os homens seguissem, ou alguns talvez com a sua prática pudessem ver isso, mas naquele momento colocaram assim. Então a gente usou reproduções históricas para eles até falarem dos tipos de reprodução. Aquela área de reprodução foi a mais densa e foi a do fi nal que a gente fez. Então ela, no meu entender, como não foi tão es-miuçada como as outras, não conseguimos reduzir tanto o texto quanto gostaríamos. Tinha muito texto. Porque eram textos tipos de legenda embaixo de cada foto para falar do tipo de reprodução (...).

Fabíola:Talvez pudéssemos aprofundar?

Entrevistador:Sim, creio que isso seria melhor.

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Fabíola:Quando falamos de característica sobre o texto elaborado, e de fato, elaborar texto para a exposição não é fácil. Então, no meu entendimento, é necessário saber qual é a sua base. Às vezes a base são várias coisas. Tiveram momentos em que contratamos pessoas quando tinhamos textos de 40 laudas, por exemplo. E, essas pessoas compi-lavam o texto, faziam-no redondo e faziam as referências bibliográfi cas. A partir daí, nós pinçávamos e faziamos hipertextos, e destacávamos coisas para o painel. Já que o painel era nossa “arma” de propaganda para puxar o interesse do leitor.

Entrevistador:Como se fosse um gancho, certo?

Fabíola:Exato. A pessoa vê o painel, se interessa e recorre ao hipertexto quando quer aprofun-dar o conteúdo, participar da atividade, fazer perguntas. Observamos que os temas eram muito profundos, então é preciso trabalhar em vários níveis. A mesma situação do painel, existem quatro níveis de texto, mas não se pode exceder isso senão fi ca pe-sado e ninguém lê texto, digo, com base na experiência que tivemos. Mas se ninguém lê texto, como se aprofundar no assunto? Bom, o painel chamou a atenção do visitan-te. Outro fator que acredito: a pessoa não entra em um museu, em uma exposição, a fi m de obter respostas, creio que a pessoa entra para sair com várias perguntas e von-tade de buscar essas curiosidades. A pessoa, depois, vai buscar respostas na internet, em uma biblioteca, vai ingressar em um curso porque se interessou pelo assunto, tem curiosidade de saber mais.

Entrevistador:Em especial, se você é o leigo, o senso comum, o adolescente.

Fabíola:Acho que hoje o desafi o é muito grande fazer a exposição por conta de internet e pes-quisa, especialmente pela questão conceitual. Ela precisa estar muito fechada, senão você será bombardeado por todos os lados. Não só por leigos, mas porque você tem que fechar com alguma linha de pensadores ou cientistas reconhecidos no tema. Se existe divergência e você opta por uma determinada linha sem expandir a divergência que existe, estando dentro desta instituição, você pode ser bombardeado pelas pesso-as que são contrárias.

Entrevistador:No caso, dos especialistas.

Fabíola:Exato. É diferente se eu montar um museu leigo na minha casa por prazer próprio. Com certeza, as pessoas não irão discordar. Entretanto, estando dentro da Fiocruz,

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isso foi algo que fi cou bem claro na nossa exposição. Principalmente, na parte que fala dos insetos; na parte das células, pois haviam vários laboratórios aqui dentro com posições contrárias entre si. Buscamos evitar entrar em pontos passíveis de discussão, até porque a profundidade da discussão era tal que desviava do nosso público. Nós estávamos falando sobre a divulgação científi ca, a parte inicial. As pessoas que, poste-riormente, viessem a se aprofundar no assunto já entram em outro nível de discussão.

Entrevistador:Se entra em um nível super hiper especializado.

Fabíola:Exatamente. Mas haviam algumas pessoas que queriam que nós fi zessemos isso, mas nós limitávamos o nível da discussão. Mostrávamos um texto com o tema principal e a partir dali seriam links e endereços para a pessoal ir para outra área ou se apro-fundar mais naquilo. Até isso você precisa estar muito bem concatenada à equipe e às pessoas para que você não fosse demandado do por que não ter falado sobre tal as-sunto. Nós sempre orientávamos sobre nossos monitores e mediadores (estudantes) a não aprofundar o tema, dizer que não possuia aquela resposta, e que havia alguém que poderia responder melhor. A Árvore da Classifi cação, por exemplo, era questio-nada por várias pessoas diversas vezes.

Entrevistador:Isso chegou a causar algum problema para valer? A ponto de ter que mudar algo?

Fabíola:Não. O que nós mais mudamos ao longo desses anos foi em relação aos créditos, por con-ta do professor Sebastião (risos). Uma das coisas mais importantes em uma exposição são os créditos, especialmente dos colaboradores, dos cientistas. Com relação a essas pessoas, não se pode botar uma vírgula fora do lugar. Soubemos de brigas por causa de créditos na instituição, não na exposição. Assim que começamos a montar a exposição, eu e Luiz pas-samos duas listas enormes a fi m de pegar o nome das pessoas envolvidas por causa dos créditos. Fizemos algo tipo uma agenda de lembrança. Na época entramos em contato com cada pessoa envolvida a fi m de saber como ela queria seu nome nos créditos.

Entrevistador:Era algo bem rigoroso.

Fabíola:Bastante rigoroso por ser institucional. O professor Sebastião foi um que reclamou bastante. Sempre antes de imprimir eu perguntava a ele como ele gostaria de seu nome escrito. Ele me procurava periodicamente para checar o nome dele, ver como havia sido escrito. Caso eu não estivesse lá, ele deixava um recado a alguém para me avisar (risos). A última vez foi a que fi cou certa.

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Entrevistador:É um processo longo, certo?

Fabíola:É um processo longo e quando se fala em institucional, tem que ser levado bem a sé-rio. Tem que anotar a mudança, colocar na fi la de espera - já que não conseguimos fa-zer isso de uma hora para outra -, e antes de fazer a mudança contatar a pessoa. Isso porque é uma forma de mostrar respeito à pessoa, e se a pessoa pode não conhecer a instituição. Além disso, são pessoas que depois a gente volta a se relacionar de uma forma ou de outra. Como já havíamos tido vários outros atritos, era melhor evitar ter mais. Sempre tentei ser uma pessoa muito cordata, ter um bom relacionamento com todos. Algumas pessoas que mandavam textos reclamavam que ao longo do proces-so eles haviam sido compactados ou encurtados demais. Então, eu buscava mostrar que os textos estavam como hipertextos e que no painel não caberia tudo. No painel colocamos uma foto do laboratório de microscopia eletrônica em preto e branco com várias linhas e a foto de como era representado na nossa célula vegetal. A partir daí a pessoa podia fazer a conexão. A experiência de entrar na célula “gigante” era senso-rial. Quando fazíamos atividades com mediador, se falava sobre algumas coisas. As pessoas que saiam de lá e estavam interessadas podiam absorver mais informações observando nos painéis. Era essa a nossa intenção. Se a intenção foi alcançada e a que nível ela foi alcançada eu desconheço.

Entrevistador:Vamos falar agora sobre o discurso museográfi co e alguns pontos que, eventualmen-te, ainda não foram abordados. Na verdade, o discurso museográfi co em termos de quais questões foram mais importantes para o mesmo, como ele foi elaborado. Você já tinha começado a falar que houve uma equipe comandada pelo Luiz Antônio Tei-xeira que trabalhou as questões ligadas à biodiversidade, principalmente. E, que hou-ve uma questão transversal também que envolvia (...).

Fabíola:História, ciência e saúde.

Entrevistador:Exato. Congregava essa transdisciplinaridade. O que talvez tenha faltado um pouco é como você vê esse discurso que tinha esses elementos que se constituiu em um deter-minado texto. Como houve essa passagem para uma confi guração espacial, tridimen-sional, concreta? Como você vê isso, em termos gerais?

Fabíola:Quando a gente já tinha algo mais certo do que iríamos falar e prosseguir, aí se incorpora o Luizinho e o Raul Lodi como museólogos e museógrafos em cima das

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conversas que a gente tem, eles trazem os primeiros croquis e como eles estavam vendo a ocupação espacial.

Entrevistador:Naquele recinto, certo?

Fabíola:Isso. No recinto da Cavalariça. Quando a gente começou a trabalhar a exposição, nos foi dado qual prédio seria instalado a mesma. A partir daí achávamos que era um desafi o com uma equipe de cinco pessoas, na época, sendo eu, Carla, Edmilson, Mau-rício e o coordenador. Pode-se dizer que a gente “viajou” dentro do espaço. Pensamos em várias formas de usar aqueles tetos imensos. Queríamos falar sobre tantas coisas, de conteúdos que subissem, quase como aqueles grandes teatros, grandes óperas que poderiam subir, se esconder, depois desceriam e apareceriam como exposição. A gen-te “viajou” bastante enquanto íamos fazendo as pesquisas de conteúdo sobre o que queríamos dizer na exposição.

Entrevistador:Mas essas “viagens” foram passadas ao pessoal da cenografi a?

Fabíola:Sim. A gente identifi ca a necessidade de ter um museólogo e um museógrafo que, posteriormente, juntos nós identifi camos o quanto é importante termos um produtor. No entanto, uma empresa licitada que concretizou, de fato. O nosso design pensado foi realmente fundamentado com o Raul Lodi (museólogo) e o Luizinho, como muse-ógrafo. Eles conversaram muito conosco. Nós passamos algumas ideias e mostramos fotos de vários museus. Eles tinham a experiência deles também, e depois eles nos trouxeram croquis. A parte inicial a gente já sabia. Inicialmente, queríamos falar de história. Lembro-me que, inicialmente, o painel ilustrativo que o Sérgio desenvolveu com 4m cobria a parede na entrada (...).

Entrevistador:Mas o Sérgio foi depois (...)?

Fabíola:Sim, o Sérgio foi depois. Mas aquele painel que fi cou ao fi nal, no primeiro momento, o Lodi trouxe uma proposta de um painel com janelas mostrando vários objetos do homem e de sua intervenção na natureza, algo mais voltado às ciências sociais. En-tão, ele gostaria de colocar cerâmicas e artefatos que o homem tivesse manipulado em meio às imagens que fossem plotadas. A respeito dessa parede, sempre pensamos em ocupá-la como um todo. Mas a ideia inicial foi esse painel construído pelo Sérgio? Não. Foram outras ideias que ocorreram e a possibilidade de execução delas. Confor-me a execução vai se aproximando e a gente vai tendo algumas limitações, sejam do

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tipo fi nanceiras ou estruturais em relação ao prédio (“Como irei prender esse painel? Se eu colocar objetos, terei que por prateleiras?”), então, as coisas vão andando em conjunto. Não tenho a ideia de que foi algo decidido de forma fechada e mantido até o fi nal.

Entrevistador:Teve que se adaptar ao longo do processo?

Fabíola:Sim. Tivemos a ideia e fomos adaptando-a ao longo do processo de modo a concre-tizá-la. Na prática, se vê que há algo na estrutura que não pode furar, um objeto que precisa ser fi xado de tal forma e outras coisas que, para acontecer, precisam de uma concretização diferente da imaginada. Logo, são adaptadas. Conforme as coisas foram se colocando, ou objetos que ele pensava da manufatura do homem, ele até tinha pon-tos de interseção com o Museu Histórico Nacional, acervos, etc., e a partir daí ele foi vendo as difi culdades do ambiente: como seria climatizado, como seria montado. No início do processo, até 97, a gente não tinha perspectiva de ter uma climatização, coi-sa que só aconteceu posteriormente. Inclusive, entre 96/97, houve um momento ini-cial na museografi a em que se podia retirar as baias, a gente estava selecionando um testemunho, íamos fazer um aparato com o cavalo. Quando apresentamos o projeto vimos que muita coisa não poderia ser feita, teria que manter as baias. Então, a mu-seografi a que já estava encaminhada, que estava sendo detalhada para fazer licitação e colocação, teve que voltar para a prancheta e ser refeita. Então nos deparamos com aquela situação que precisava ser feita e pensada novamente. A Sala Azul, chamada assim por conta de um painel azul royal de quatro metros que tinha nela, não. A Sala Azul já tinha uma ideia de ser uma sala fechada que dava uma imersão inicial. Inicial-mente, tínhamos a ideia de usar multimídia, só não sabiamos como a desenvolverí-amos. Aí, entrou a empresa do Marcelo que nos ajudou a desenvolver o multimídia, sendo que não foi tão rápido quanto esperávamos. Todas as empresas que tiveram contato com a gente acharam que iriam fi car com a gente durante seis meses, um ano, mas, no fi nal das contas, os prazos se estenderam. As situações que temos aqui de tra-balho levam a isso. Isso atende à questão do discurso museográfi co?

Entrevistador:Acredito que sim.

Fabíola:Algumas coisas foram adaptadas e ao longo do caminho, fomos fi xando outras até o momento de bater o martelo. A questão das cores, defi nição. Isso foi até o Luizinho que trouxe. Não sei como está sendo atualmente, mas essa negociação com o pessoal do patrimônio é algo que tenho como uma coisa difícil. Isto porque, primeiramente, fomos a eles perguntar o que podíamos e não podíamos fazer, só que com o andar das

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coisas que as regras foram mudando. Então, isso difi culta a fi nalizar um projeto. Você começa a trabalhar em cima de determinados parâmetros e no meio do caminho o pa-râmetro muda, começam os não entendimentos. Cheguei a sublinhar isso nesse novo projeto, não sei se facilitou ou não.

Entrevistador:Não sabe se as coisas mudam.

Fabíola:Digo mais em relação à clareza do que podemos fazer, ou seja, qual é o nosso nível de interferência ou não nessa área, que é uma área tombada. É um local belíssimo, tem uma série de coisas interessantes, mas ao chegar ali há a ideia de construir uma nova abordagem de acordo com a exposição. Em termos de defi nição museográfi ca, a gente discutia muito isso porque nós dizíamos ao pessoal envolvido - que depois se anexou: Magali, Roberta Câmara - que a história de lá era belíssima, só que a história que nós queríamos contar era outra. Por isso a questão da iluminação, de tirar a luz natural, para que se fi zesse uma imersão naquela nova história que se estava contando. En-quanto que, nós tínhamos luzes nas tesouras - como eles chamam -, então é possível desligar essa imersão para falar sobre o prédio. Havia momentos em que se via o pré-dio como um todo. Com uma intervenção visual de que o lado esquerdo de quem en-tra pela porta que dá para a Rua dos Correios - pensando na Cavalariça ao comprido -, pela sala da balança se tinha painel que começa com quatro metros até ir descendo e ter um metro e setenta centimetros mais ou menos. Você vai criando essa interven-ção do lado esquerdo. Já do lado direito, passando a Sala Azul que era essa primeira sala da Biodiversidade, era tudo livre. Era possível visualizar todas as tesouras até o fi nal da sala. Nós tivemos essa preocupação, mas a história principal não era a da Ca-valariça, e sim a da Biodiversidade. Mas havia também a possibilidade de visualizar o prédio.

Entrevistador:Com relação à execução da exposição: todas as etapas do planejamento foram colo-cadas em prática? No caso da exposição da Biodescoberta, na época. Digo isso, em linhas gerais do que foi planejado.

Fabíola:Algumas coisas até se superaram, como por exemplo, o fato de ter a climatização que foi feita pelo próprio DPH. Foi uma demanda nossa, mas não víamos possibilidade de ocorrer. Tem os anexos que é uma infraestrutura para os visitantes, como os sa-nitários, por exemplo. Inicialmente, também, não era possível fazer isso. O visitante deveria usar os sanitários à disposição no prédio do Quinino, o que era complicado. Porém, através de literaturas de fora e até mesmo de John Falk, que estava aqui na época, que em uma parte de sua fala sobre implantação de museus, ele falava o quão

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importante era a infraestrutura para o visitante. Deveria haver uma sinalização para informar a ele onde fi cam a água, os banheiros - especialmente quando se tinha crian-ça -, onde se alimentar. Lembro-me muito dessa fala, pois foi fundamental para que tivessemos o anexo na Cavalariça, que foi uma edifi cação que tem três salas separa-das, sendo uma delas o espaço para sanitários, outra é a sala de máquinas que dava apoio a esse grande ar condicionado e a terceira era o pequeno laboratório de apoio para as atividades com os animais (preparação de lâminas, lavagem, etc.) No prédio da Cavalariça, nós não tínhamos pia, não havia acesso à água e os materiais que usa-vamos nos experimentos com microscopia demandavam isso. Foi muito bem execu-tada a compra dos microscópios que são de excelente qualidade, funcionam até hoje. Conseguimos fazer atividade com microscopia. Já o aquário de 10.000 l nós não espe-rávamos que fosse desse tamanho. Pelo contrário, imaginávamos aquários menores. Ficamos com a área dos aquários menores, mas foi algo que “tocamos” em paralelo com o construtor do aquário. O aquário foi um caso à parte, mas ainda assim estava no escopo da licitação total. A caixa do aquário veio de Petrópolis com toda aquela logística de peça imensa, pesada. Foi preciso agendar com a polícia rodoviária, veio de noite, a cinco quilômetros por hora. Entrar na Cavalariça com o aquário, não foi fácil. Fizemos uma “cama” para ele a fi m de não danifi car o piso e quando o tiramos de cima da “cama” o piso estava intacto.

Entrevistador:O aquário entrou desmontado?

Fabíola:Não. A caixa veio inteira. Foi uma caixa de fi bra.

Entrevistador:Entrou pela porta central?

Fabíola:Isso. Entrou com um trator, tipo um guincho, aquele de palete próprio para andar até a localização dele. Ele não fi cava diretamente em frente à porta. Ele fi cava mais à esquerda, logo depois da Sala Azul. Aí fi cava o aquário de 10.000 l. Ainda tenho o po-licarbonato guardado, pois na época custou 10.000,00 dólares, então não foi barato. Era uma tecnologia nova com 2,5 polegadas de espessura sem refração para aguen-tar a pressão de 10.000 l mais uma tonelada de rocha viva e as espécies de peixes. O aquarista chegava e mergulhava com o cilindro a fi m de fazer manutenção no tanque, que era 3x3m.

Entrevistador:Um cubo?

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Fabíola:Um cubo aberto em cima. Posso dizer que as coisas que nós projetamos, batalhamos muito para que acontecessem. No início, nós tínhamos muito mais módulos pensados e idealizados. Ao longo da criação dessa museografi a nós fomos fazendo opções, cor-tamos algumas coisas, pois começamos a falar de escala, por exemplo: a biodiversida-de no mundo, biodiversidade da Mata Atlântica; e quando abordávamos animais fa-lávamos dos do Rio e Janeiro. A partir daí falávamos da evolução das espécies, depois como surgiram essas espécies -organizando esse pensamento- e, por fi m, entrávamos no micro. Lembro-me de um módulo em que queríamos trabalhar escala, mas a gente não conseguiu espaço físico entre tudo aquilo que queríamos colocar e o que realmen-te dava para colocar. Então, surgiu uma prioridade dos temas ao mesmo tempo em que eles tivessem uma relação entre eles, o quanto era mais importante colocar um tema sobre o outro. E, se eu não falo da escala como um módulo à parte, entra a ques-tão de como trabalhá-la em cada módulo quando se trabalha microscopia. Pensando nas faixas etárias que ainda não tinham essa atividade. Ainda que, em determinado momento, nós tenhamos feito uma opção em trabalhar a sétima série em diante, com relação ao conteúdo, à linguagem, ao tamanho dos objetos; no desenvolver do módu-lo na parte educativa, também tinhamos preocupação em atender àquela faixa etária que não tinha condição de compreender plenamente a forma como o conteúdo estava colocado. A mediação com outras atividades e aqueles objetos é o que teria que dar conta dessa parte museográfi ca do conteúdo. Coisas que não conseguimos colocar concretamente na exposição, tínhamos a expectativa de trabalhá-las de outra forma para dar introdução àquele conteúdo que poderia ser denso se não tivesse esse traba-lho com a medicação humana. A mediação humana era muito cara para nós a todo o momento da exposição. Nós não concebíamos uma exposição sem mediação humana. Uma vez que ela permitia uma apropriação mais densa do que conteúdo que quería-mos passar.

Entrevistador:“Cara”, no sentido de importante?

Fabíola:Sim, “cara” no sentido de importante, não no sentido monetário. Se parar para pen-sar, a exposição foi cara para e época. Utilizamos 11 monitores de toque de tela, 15 microscópios - sendo, pelo menos, cada bancada com um microscópio e um moni-tor. Quando nós tínhamos muito volume de pessoas, já aconteceu da bancada abri-gar cinco pessoas ali sentadas observando o microscópio e um grupo de pessoas em pé observando o que o monitor de vídeo transmitia, que tinha uma câmera conecta-da. Nós o chamávamos de microscópio ou lupa trinocular com duas oculares para a pessoa ver diretamente e uma terceira que transmitia uma imagem para o monitor a partir de um cabo (...).

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Entrevistador:Estrategicamente localizado.

Fabíola:Exatamente. No painel, atrás do microscópio. Se a mediação humana estivesse de frente para o público, atrás dela havia um monitor pelo qual as pessoas viam a pro-jeção. Era um monitor de 14 polegadas, pois não podia ser muito grande devido ao espaço que nós tínhamos e também devido à época. A gente conseguiu fazer bastante do que imaginávamos.

Entrevistador:Foram produzidos materiais de apoio para a exposição? Catálogos? Em caso positivo, com que objetivo isso foi feito e para que público?

Fabíola:Na época da inauguração nós não tivemos condições fi nanceiras de produzir um ca-tálogo da exposição. Depois com aproximadamente um ano e meio de andamento da exposição, nós produzimos uma revistinha chamada Colorindo a Fiocruz. Esperáva-mos que fosse uma coleção. O número zero foi sobre o Castelo, o qual Virgínia Schall orientou e coordenou. Sobre o castelo foi com a equipe do mesmo na época e sobre a Cavalariça foi ela e Carla Grussman que criaram. Essa revista foi pensada para a faixa etária de seis a oito anos, então tinha muitos desenhos coloridos. Havia uma pequena estória que alinhavava o conteúdo, por exemplo, crianças que estão chegando e tem uma surpresa sobre o que está acontecendo aqui e conforme passava de módulo em módulo, elas vão conhecendo uma parte a mais. Cada módulo se tornava uma ativida-de em cada folha dessa revistinha. Era a estratégia do passatempo. Haviam atividades para ligar os pontos, para formar um cavalo, atividades sobre microscopia de micro-organismos e fazia uma palavra cruzada com desenhos. Havia a página do meio, que era minha favorita, em que tinham várias fotos bem interessantes da Cavalariça que a gente tinha da exposição. Não era um catálogo em si, mas era uma recordação de uma visita que a pessoa havia feito. Haviam fotos de peixes, desenhos. A capa era colorida e o resto era preto e branco para desenhar, colorir. Tanto que o título era Colorindo a Fiocruz.

Entrevistador:Você falou que foi mais ou menos um ano depois da exposição, certo?

Fabíola:Isso. A gente inaugurou em 99, e creio que essa revista foi inaugurada em 2000, 2001. A gente produzia 1000 unidades e distribuiamo-las gratuitamente nos fi nais de semana e quando vinham os grupos de educação infantil de escola. Nesses casos, entregavamos as publicações às professoras, de acordo com o número de alunos que

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havia. Era interessante que, posteriormente, essas revistinhas ajudavam as professo-ras no trabalho dentro de sala de aula. No fi nal de semana, mais para as famílias com crianças.

Entrevistador:Funcionava como um catálogo diferenciado a um público bem específi co?

Fabíola:Exato. Um público infantil mesmo.

Entrevistador:De seis a oito anos.

Fabíola:Existiam textos, mas eram simples com letras grandes e haviam outras atividades. Se o responsável quisesse contar a estória para a criança, era possível e fazer juntos a ati-vidade. A criança um pouco maior que já soubesse ler já poderia fazer essa referência com a exposição. No que tange catálogo propriamente dito, nós não tivemos. Outro produto derivado disto, que era da própria exposição, era o hipertexto que já mencio-nei antes. Era um nível mais aprofundado do conteúdo no qual o pessoal consultava na Cavalariça. Em vários momentos pensamos em fazer isso para fora, mas preferi-mos não por conta do trabalho autoral já que envolvia várias imagens recuperadas ou de livros ou de pessoas. Muitos professores e alunos pediam para que nós fi zessemos cópias em CDs, mas sempre tivemos essa preocupação por conta da autoria. A gente nunca chegou a um nível de distribuição desse material com receio de direito auto-ral do conteúdo. Fizemos como um produto sempre ligado na exposição. Inclusive porque várias fotos usadas na exposição, que foram cedidas por fotógrafos, tiveram termos e contratos de uso para aquela exposição e sem fi ns lucrativos. Então, a re-vistinha tinha cópia das imagens, mas era distribuída gratuitamente. Os hipertextos nunca viraram um CD de distribuição gratuita ou de venda. O conteúdo ainda existe, provavelmente, por conta do passar dos anos já deve estar bastante defasado. Qual-quer coisa que se fi zesse de divulgação a partir disso dependeria de uma reavaliação ou algo do gênero.

Entrevistador:E a divulgação da exposição em si? Houve algo em termos de comunicação pela mí-dia? Mídia interna da Fiocruz?

Fabíola:Sim, mas não era uma divulgação da Cavalariça especifi camente. A gente teve oportu-nidade de abrir antes do museu, mas devido a problemas técnicos do edifício - como chuvas, etc -, a gente teve que interromper essa inauguração e inauguramos em con-junto em 99, junto com a abertura ofi cial do museu. Antes disso o que estava funcio-

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nando com a Tenda da Ciência era a peça Galileu Galilei em 97. Nós deveríamos ter aberto em 97, 98, mas isso não ocorreu devido a essa questão. Então, abriram juntos o Centro de Recepção, o Parque e a Cavalariça. O Epidauro veio depois.

Entrevistador:No caso, houve uma abertura da Cavalariça anterior, quero dizer, em 97. Mas foi ape-nas uma apresentação.

Fabíola:97 não, porque não estava montada. Havia a intenção de abrir em 97, mas não foi possível porque ainda tinham equipamentos que estavam chegando, o aquário ain-da estava sendo montado. Mas em meados de 98, no segundo semestre, já tínhamos condição de abrir. Porém, tivemos a festa, a comemoração no ínicio de 99. O pessoal sempre esperando uma situação (...).

Entrevistador:Mas essa festa já envolveu a abertura da exposição?

Fabíola:Não. Essa festa tinha a ver com o aniversário da Casa de Oswaldo Cruz. Era a festa de 10, 11 anos ou preparativo dos 15 anos. Fizemos a festa lá em cima. Ocupamos a praça com várias mesinhas e aí no meio da noite, umas 21 horas (nove da noite), caiu um “pé d’água” daqueles de verão. Pela data, acredito que foi em comemoração aos 10 anos da COC. Foi um tipo de comemoração em que se passa o ano comemorando. Por exemplo, agora estamos comemorando os 30 anos da COC, então, passamos o ano todo comemorando e, em determinadas conjunturas se faz uma festa maior. Nessa festa, estávamos fi nalizando a instalação da célula (...).

Entrevistador:Na Cavalariça?

Fabíola:Isso. E eu pedi que o pessoal que estava instalando a exposição para que não instalas-sem os painéis fi nais. Embora fosse o local da exposição, era um lugar relativamente exposto à chuva, se chovesse forte entrava água naquela área. Esperamos para insta-lar o painel na semana seguinte ao dia da festa. No dia da festa, uma sexta-feira, caiu uma quantidade de água exponencialmente grande. A sala vermelha da reprodução que dá para o prédio do Relógio era onde o pessoal estava fazendo o Buffet, preparan-do as coisas e servindo no prédio do Relógio e no jardim do lado de fora com as mesi-nhas. Quando começou a chover, nós estávamos dentro do prédio do Relógio - onde já caia bastante água na parte central - e o pessoal do Buffet nos disse para irmos lá que estava tudo alagado. A direção foi lá e viu a cachoeira que estava caindo da caixa d’água em direção à Cavalariça. Tivemos que desmontar a exposição que já estava

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montada, retirar o telhado, refazer e amarrar tudo, ver o que podíamos aproveitar das telhas. Contratamos a mesma equipe de marcenaria que estava fazendo o serviço lá.

Entrevistador:Com relação à proposta conceitual: isso já foi abordado e gostaria de saber se você tem algo a acrescentar em relação a isso.

Fabíola:A proposta conceitual vem antes do projeto museográfi co, ou seja, foi anterior à Ca-valariça, tudo aquilo que já contei. Ultimamente, tenho discutido muito com a Rita a questão do conceito do design e o conceito do conteúdo, porque eu acho que para chegar ao design, o conteúdo tem que estar decidido. Utilizando a Cavalariça de exemplo, estamos falando sobre Biodiversidade, mas o que vamos falar sobre ela? O pessoal do design, o museólogo e outras pessoas que, depois, vieram a concretizar o que estávamos imaginando, eles fi cariam como observadores se participassem disso desde o início. Então, quando recorremos a eles, a gente já sabia direitinho o que irí-amos falar, o que queríamos. A forma com que vamos concretizar entra na discussão com os museólogos e museógrafos. Após isso, entrou o design.

Entrevistador:Você acredita que fi caram como observadores porque a temática é especializada?

Fabíola:Eu entendo isso. A temática, principalmente, se já está fechada. Se você tem um gru-po que já defi niu qual é o conteúdo da exposição e se você anexa outros - que naquele momento nem eram da instituição, não eram residentes, vamos dizer assim - na insti-tuição, pessoas para as quais haviam outras demandas a serem cumpridas. Isso acon-teceu com nossa equipe. O Luiz, como era coordenador, foi procurar de que outra forma fazer isto no prazo que estavam demandando. Como falei no início, começamos em maio de 1995 e eles esperavam que 96 já estivéssemos com a exposição funcio-nando, o que não foi possível. Poderíamos ter a exposição pronta em 98, questões civis, externas à exposição foram apontadas.

Entrevistador:Dentro dessa questão conceitual, você considera que a exposição foi atual, do ponto de vista científi co na época?

Fabíola:Eu acredito que sim. No contexto da época que era, sim. Posso dar um exemplo da classifi cação: tínhamos um mico leão de cara preta (tinha sido encontrado e classifi -cado em 95) - que nós descobrimos como conteúdo para o módulo Classifi cação, en-tão os contatos com os pesquisadores que nós fi zemos em paralelo, os colaboradores, foram muito importantes para nos manter o máximo no presente possível. Algumas

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espécies novas que estavam em fotos na parte de reprodução também. O mico leão da cara preta, lá do Rio Grande do Sul, era considerada como uma espécie nova. Não que o animal fosse novo, surgiu agora. Mas tinha sido identifi cado e classifi cado naquela decáda. Por esses contatos, a gente tentou se manter. A parte da classifi cação nos deu muito trabalho conceitual pelas inúmeras vertentes, que existem até hoje, de cons-trução de uma árvore classifi catória, de como se organiza as espécies. Atualmente, entra-se com a genética para fazer classifi cação. Então, você tem algumas distinções que já existiam desde aquela época, mas não tínhamos o genoma mapeado - o que hoje em dia já existe. Naquela época, já existia essa discussão e já tinham algumas espécies identifi cadas que não poderiam fazer a classifi cação da forma como era pro-posta. Inclusive com microorganismos, as questões do vírus – vivo ou não vivo, o que é um debate até hoje - e nós tentamos nos manter. A partir do momento em que o conteúdo foi se mantendo fechado, impresso, em 97, foi o nosso corte, onde nós para-mos. Até porque tinha aquela ânsia de estar sempre atualizada, só que não parávamos de escrever e reescrever nunca através do hipertexto. No momento em que o hiper-texto fi cou pronto, a rotina nos consumiu o tempo e não houve nenhuma defi nição de prioridade. A cada um, dois anos nós temos que renovar o hipertexto. São hipertextos de arquitetura aberta, nós poderíamos estar os alimentado. Além disso, com a conso-lidação do museu na época criou o site Invivo, que pegou um pouco do conteúdo do nosso hipertexto e foi produzindo seu próprio conteúdo com seus pesquisadores. A internet começou a se fazer mais presente, e com isso a estrutura do nosso hipertexto passou a fi car démodé, ou seja, foi sendo superada. Se logo no início a gente tinha a tela e todo mundo seguia o ratinho, logo adiante o pessoal queria entrar na internet. Nós até pensávamos nisso. A estrutura da Cavalariça foi pensada para colocar os computadores em rede, mas era rede coaxial- a RJ 45. Só que na época (97/98) era muito cara. E, em 2000/2001, a gente já estava com a fi bra em que a rede coaxial não se prestava a isso. Também os nossos dutos não se prestavam á nova rede, pois o coaxial você emenda um no outro. Enquanto a rede de fi bra é um cabo diferente para cada um. Novamente, nossa estrutura física não conseguiu se adequar e os compu-tadores fi caram independentes. Há alguns anos atrás já se cogitava fazer rede Wi-fi , mas para isso é necessário melhorar a estrutura e torná-la segura. O tipo de estrutura que nós colocamos na Cavalariça e o tipo de exposição, no meu entender, se pres-tavam a se atualizar de período em período, já que você tinha um módulo que tinha computador e monitor. Esse módulo não era rígido, ou seja, podia ser mexido. Na época, em 95/96, estavam lançando as TVs de plasma. Nós tentávamos nos manter atualizados na exposição, pois usavamos televisões que ocupavam um espaço tremen-do e naquela época já existia, no Japão, a TV de plasma fi níssima que custava 25.000 doláres. E nós já tínhamos um custo grande lá. Em 2003/2004, nós tivemos condição fi nanceira de comprar monitores mais fi nos para a Cavalariça, mas não tivemos con-

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dição de remodelar o totem para o computador. Então, a gente adequou e colocamos um suporte atrás para que a tela fi na não escorregasse no módulo inteiro. Nós já ti-nhamos essa possibilidade de remodelar o módulo. Aliás, o módulo foi deenhado por vocês, os designers do museu, mas isso tornaria a exposição mais leve. Porque quan-do os computadores fi cavam fora da parede acabavam se tornando um volume maior por conta do monitor.

Entrevistador:Foram percebidas difi culdades na apresentação de algum dos temas abordados na exposição? Quero dizer, difi culdades de diversas ordens: desde questões do avanço da ciência até questionamentos de alguns pesquisadores.

Fabíola:Acredito que a primeira difi culdade a ser colocada é o fato de se trabalhar com ciência dentro de uma instituição de ciência. Então, a gente sabia que qualquer visitante que fosse funcionário da instituição iria olhar para aquele conteúdo de uma forma críti-ca. Erro conceitual era o que buscávamos evitar ao máximo. Se não conseguissemos aprofundar através do hipertexto, o mais importante para nós era não ter erro concei-tual. Por exemplo, a classifi cação foi difícil para a gente apresentar, porque os painéis trabalhavam com chaves: reino, espécie, subespécie, enfi m. Trabalhávamos com ba-lões de cores que visavam deixar lúcida essa evolução como do primata até o homem. Então, a forma como abordar esse tema foi difícil de chegar a uma conclusão com o pessoal do design, porque eles apresentavam uma proposta, mas não dava a entender de forma correta. Eles vinham apresentando propostas, o pessoal do design do painel, quanto ao conteúdo. A limitação que nós nos impomos junto com o pessoal do design fi cou, no caso, que o painel não fi casse pesado em relação a textos e para simplifi car é difícil. O que eu descobri durante a exposição é que fazer um texto simples é mais di-fícil do que escrever livremente.

Entrevistador:A tal da síntese.

Fabíola:Isso. No caso de falar da classifi cação, você tinha pelo menos quatro vertentes de árvores de classifi cação. Em certo momento é necessário optar. Geralmente opta-mos por aquela que é mais aceita conceitualmente, não tinha erro, mas cada pes-quisador que trabalha com sua taxonomia tem sua preferência; diz que uma é mais correta perante outra. Em alguns momentos ao longo da exposição, tanto visitantes externos quanto internos questionavam isso. E, se a monitoria não era indicada a responder, devia chamar alguém da equipe que fosse mais antigo. Haviam dúvidas pertinentes à razão do painel não estar atualizado, ao tipo de árvore que era utiliza-da, e nós explicávamos que a exposição era de anos antes, que o painel estava data-

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do e não havia sido atualizado. Às vezes o visitante chegava à exposição acreditando que veria um tema, um conteúdo ser abordado da forma mais recente possível. Se ontem esse assunto foi lançado, havia pessoas que achavam que hoje o veriam na exposição, e não é assim. Nós já havíamos pensado anteriormente que aquela ex-posição tinha um viés mais tradicional. A gente tinha essa preocupação com a parte conceitual, o que era difícil já que nossa equipe foi crescendo até ter umas 20 pes-soas. O contêiner, quando viemos, a nossa era uma sala bastante barulhenta, vamos dizer assim. Nessa equipe mais nuclear, a gente passava várias tarefas para o pes-soal e depois, a gente debatia o tema, esmiuçava ao máximo e tentava simplifi car o máximo possível. Mandávamos e recebíamos os textos revisados, em determinado momento sentimos a necessidade de ter uma pessoa revisora de texto para “mexer” no que fosse necessário, para ter uma linguagem comum. Nós, às vezes, tínhamos uma escrita a várias mãos. A parte histórica inicial de cada tema era toda feita pelo Luiz Antônio Teixeira. Você tem uma construção da linguagem, quando se vai en-trando com a parte mais técnica, que vai fi cando diferente.

Entrevistador:Por causa de uma questão de estilo, certo?

Fabíola:Exato. Para dar um mesmo estilo aos textos, para ter o mesmo viés na exposição toda. Impedindo que fi casse parecendo que foi feita a 50 mãos - já que recebíamos materiais de diversas fontes. Também, uma parte muito difícil foi o módulo da Re-produção, que a Carla fi cou responsável. Cada um de nós fi cava responsável por um módulo, de acordo como as tarefas iam acontecendo. Então, no módulo da Carla, ela teve muita difi culdade, porque após muita pesquisa que ela fazia ela trazia um concei-to, como por exemplo, a reprodução dos equinodermos: é isso. Eu lia o que ela havia preparado e dizia: “Está ok, mas com exceção disso”. A gente pensa que já descreveu tudo, mas frequentemente encontrávamos algo que destoava.

Entrevistador:Já tem um “porém”.

Fabíola:Isso. Sempre havia um “porém”. A difi culdade com relação ao desenvolvimento do conteúdo tem a ver com o momento em que se vai parar e desenvolver o que já tem. Na ciência, diariamente, há alguém descobrindo, renovando, repensando alguma coisa e de repente você tem uma quebra de paradigma, e tem que voltar lá do início. Qualquer exposição é necessário ter aquele recorte, saber em que ponto parar. De-pois, quando vierem as críticas, pode-se dizer que fi zemos aquilo até determinada época, agora é um novo momento. As opções que nós fi zemos para toda exposição, se nós tivéssemos tido fôlego para atualizar tudo, nós teríamos conseguido melho-

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rá-la. Isso porque o que estava no painel era mais uma introdução histórica e ela não muda, a não ser que haja uma mudança mais signifi cativa em termos históricos. Quando a gente falava de célula, ía pelo clássico, depois pelo moderno, falando so-bre microfotografi a eletrônica, varredura, da célula. Com essa série de fotos, pode-ríamos renovar o hipertexto. Mas na mediação humana esse discurso ia se renovan-do, com a troca dos mediadores. A gente começava com eles, sempre apresentando o básico aos visitantes, e se o visitante ultrapasasse essas perguntas do básico, ainda havia arcabouço para se trabalhar com ele. Em uma bancada de células, nós tínha-mos várias células. Mas o visitante leigo fi cava fascinado com fazer o esfregaço nas suas bochechas e ver as suas células. Já que ainda não estávamos fazendo observa-ção da célula do sangue, aquela observação das células próprias ainda eram as que fascinavam os visitantes, em sua grande maioria. O visitante sempre pensava: “Vou ver a minha célula”. Não era uma foto da célula, esse era o diferencial.

Entrevistador:Abordando a questão do ponto de vista museográfi co, como você percebia a atualida-de da exposição?

Fabíola:A atualidade dela para a época de 1999-2001 estava bem adequada, em termos de tec-nologia. Os computadores que recebemos em 98 e todos fi caram admirados com eles. Na época não havia esse avanço tecnológico de lançar um novo modelo de seis em seis meses. Lembro que muitas pessoas fi caram abismadas com nossos computado-res da seguinte forma: “Como vocês tem esses computadores, se os meus eram bem menos modernos?”. Diziam, “isso eu precisava para trabalhar!”. Na época usávamos o Windows 98, já atualizado. O pessoal que fazia o hipertexto utilizava-o muito. En-tão, os equipamentos, os microscópios são modernos até hoje e a nossa iluminação era também o que tinha de moderno, com as lâmpadas com foco e tudo o mais, havia também uma mesa de luz analógica para controlá-las. Para o propósito que precisa essa mesa até hoje é funcional. É uma coisa que fi ca fi xa. A iluminação da exposição não é igual à de espetáculo, em que você precisa mudar a cada momento que o ator se movimenta. A partir do momento em que ela está calibrada, você precisa ligar de ma-nhã e manter o mesmo calibre.

Entrevistador:Ela fi ca estável, certo?

Fabíola:Estável. Exatamente. Então, os equipamentos para a época eram o que havia de mais moderno. Ao longo do tempo, algumas coisas foram se tornando obsoletas. Por exem-plo: a difi culdade de fazer manutenção dos computadores - já que não se encontra-vam mais as peças necessárias - e o pessoal colocou alguns computadores com Win-

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dows XP, o que gerou difi culdades para os técnicos (que também eram estagiários) que não conheciam a linguagem dos nossos hipertextos. O Fábio Gouveia, que é do Nepam, tentou atualizar o nosso hipertexto com um novo tipo de programa - o qual não me recordo o nome - e que o Windows XP iria ler. Então, haviam computadores com Windows 98 e computadores com Windows XP que tornavam a situação às vezes complexa em termos de manutenção. O desafi o desde o início, e que já tinhamos essa expectativa, foi com a manutenção da exposição. Antes mesmo de ela abrir, fi zemos uma proposta de manutenção anual, pois pensamos que seria necessário repintar as coisas, trocar os painéis, que seria necessário trocar equipamentos, mas essa proposta não foi aceita, não conseguimos verba para fazer essa contratação de manutenção.

Entrevistador:Em sua opinião, o público entendeu a proposta conceitual da exposição de uma ma-neira geral? Você acha que isso se deu?

Fabíola:De um modo geral o público gostou muito da exposição. As expectativas que nós tínhamos a respeito do Vivo e da Microscopia, uma vez que já tínhamos tido essa ex-periência anteriormente, se realizaram. Eles fi cavam realmente encantados, não im-porta o que nós tínhamos ali, seja aranha, cobra, sapo, barata em uma época; também os peixes, sempre encantados com isso. A exposição na maior parte das vezes durante todos os anos que estive a frente dela até 2009, o pessoal continuava se deslumbran-do com os peixes, com a diversidade, interessado em tudo que você quisesse falar a respeito dos animais. Na parte de reprodução não conseguimos fazer tantas vezes quanto desejava a reprodução com ouriço, e por isso a gente usou a partir da entrada da Elen Pombal, que é bióloga também e tinha mais afi nidade com as plantas e tra-zia a reprodução das fl ores e encantava todo mundo: ver os gametas, os detalhes das fl ores na lupa e ver como é que o pessoal fazia para selecionar as fl ores. Não apenas o animal, mas também a fl ora encantava todo mundo nessa parte de você interagir. Então ela nunca foi uma exposição que você entrasse com os braços para trás, sem tocar em nada, só observa e sai. Era uma exposição que te convidava a movimentar as coisas. Ela foi tendo difi culdades com sua manutenção ao longo do tempo. A re-posição tão rápido quanto. A atualização do hipertexto, que poderia ter sido feita em vários momentos, mas os equipamentos suportaram bem. A gente teve trocas mais do aparelho de DVD, porque também passávamos fi lmes. Tínhamos três fi lmes pas-sando na exposição: um na tela inicial, que era da WWF e mostrava a terra e várias transformações sem som nenhum, tínhamos outro na evolução e lá trocamos algu-mas vezes, mas conforme a atividade com grupo se não deixávamos em looping uma animação canadense que mostrava a evolução. Era bem simples, de 97, que tinha ganhado o prêmio e que mostrava desde o grande mar até o surgimento do homem.

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Uma animaçãozinha de sete minutos. E uma outra que fi zemos com uma produtora que mostrava o desenvolvimento do feto na barriga da mulher. Estava falando de re-produção e naquele vídeo falávamos da humana. Esse também deu bastante trabalho e a Carla fi cou à frente com a produtora para sair do jeito que queríamos para que as fi guras desenhadas animadas não parecessem grotescas, que era bastante difícil em alguns momentos. Era uma pequena animação, que não dava nem sete minutos, mas dava muito trabalho. Aí vimos os bastidores de algo tão rápido, mas que demora tan-tos meses para se fazer e chegar a uma conclusão. São desafi os. Anteriormente você perguntou o que foi difícil. Vários momentos foram desafi os, pois não estávamos na nossa área, mas tínhamos ideais e o imaginário “eu quero que fi que assim” e se tem o contato com várias pessoas que em algum momento dirão que é possível, mas custa mais caro, demora mais tempo, envolve mais técnica. E acho que isso continua. Con-forme você vai se aprofundando nessa produção você vai entrando em contato com outras “expertises”. Outras coisas que enquanto a gente estava criando a exposição fo-ram fi cando mais acessíveis e hoje em dia já se tem coisas que você mesmo pode fazer se tiver a paciência, segundo algumas ferramentas que se colocam à disposição.

Entrevistador:Legal, legal. Então vamos entrar agora na questão mais, não sei se controversa, mas você mencionou a questão da equipe que concebeu e etc. Como você viu a Curadoria? A Curadoria está associada a essa história. Quem pensou a exposição. Quem conce-beu. Os conceptores. Como você vê? Acha que foi adequado ou não foi? Foi um pro-cesso que no caso da Biodescoberta ocorreu dentro de parâmetros usuais? Houve um aprendizado, como você disse?

Fabíola:Na época, pensamos mais sobre a Curadoria quando estávamos confeccionando os créditos, então crédito a gente não conseguia se ver como Curador da exposição, en-quanto que outras exposições que aconteceram em paralelo e as pessoas se colocavam como Curadores. Para mim a gente não se via assim.

Entrevistador:Por quê?

Fabíola:Não sei. É uma questão de concepção. Posso falar, de repente, por mim, porque o Curador, quando se fala em Curadoria de uma exposição museológica no sentido de um acervo antropológico, ele detém todo ou bastante conhecimento. É um super-conhecedor. Não posso dizer que é um doutor. Pode ser doutor ou não. Mas ele tem bastante conhecimento, por exemplo, a origem do homem, do neandertal. Ele sabe onde encontrar aquelas peças e constrói um discurso a partir daquilo ali que faz um determinado sentido e ele quer passar esse sentido para o outro. Essa é a minha visão

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do Curador. Do nosso grupo cada um tinha um pouco de domínio sobre determinadas áreas. Tínhamos um grupo inicial de três biólogos, um historiador, uma educadora e psicóloga. Depois veio a Magali que era doutora também em história da ciência com formação em Biologia. Edmilson, como já disse, mais com essa visão naturalista. Maurício mais com a parte da bancada. Ele quando a gente entrou muito nessa parte prática se afastou um pouco e fi cou mais com a parte de texto e pesquisa básica e con-ceitual. Ele dizia que essa parte desgastava bastante a forma dele pensar porque dá um tempo com coisas que ele achava que não dominava e que não pretendia dominar naquela época. Talvez um pensamento de doutor, pois ele já era doutor à época. Não sei. São vários interesses que as pessoas vão tendo ao longo da extensão do projeto. Enquanto ele se estende as pessoas vão diversifi cando seus interesses. Eram várias pessoas com o domínio, então no fi nal fi camos com o domínio da exposição como um tudo, e o Curador, na minha ótica, fi ca responsável caso alguém queira mexer ou tro-car alguma coisa, ele deve ser consultado para não perder o discurso que foi criado na sua exposição. Com a inauguração da exposição, as pessoas que participaram da sua produção se afastaram. A exposição iria funcionar. E, no caso, eu permaneci. Fiquei, na época, como gerente do espaço. Eu era responsável por tudo e como tinha sido parte dessa equipe da produção, tomei para mim, ninguém me solicitou ou me exigiu, a guarda desse discurso, e de certa forma acho que até hoje ajo assim, não a respeito da Biodescoberta pois já foi desmontada, mas a respeito do museu e de seu projeto inicial. Existe uma coisa que teve um projeto e nós temos que entender qual foi esse projeto. Não pode simplesmente dizer “esse equipamento não funciona. Tire-o e co-loque outro.” Mas outro com que sentido? Então acho que todo tempo na produção da Cavalariça me deu isso. Posso substituir alguma coisa sim. Nos momentos que fi z pequenas mudanças, como por exemplo, quando substituí os animais, não estava indo de encontro ao conceito daquela área, que era de animal vivo. Não me sentia for-çada ou insegura.

Entrevistador:Não estaria indo contra, não é?

Fabíola:Exatamente. No momento em que havia a troca dos animais, não me sentia insegura a fazer a troca, ou forçada a chamar todos e dizer “Aqui tinha tartaruga e agora estou botando sapo. Vocês acham que está bom?” por conta e através desse aprofundado e justifi cado envolvimento para elaboração de cada conteúdo porque, realmente, aque-la equipe mais nuclear sentava e discutia, debatia entre nós até que chegávamos a um consenso que tinha uma justifi cativa. Não era perfeito. Não era a situação perfeita e idealizada por uma ou outra linha de pesquisa. Era o consenso possível naquele mo-mento e isso foi muito importante para poder gerenciar o espaço e as modifi cações

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que se fi zeram necessárias ao longo da existência dela e enquanto eu estava à frente dela. Com isso, poderia ser teimosa quando tínhamos outros debates externos, quan-do o pessoal dizia “aquele módulo não está funcionando bem e devíamos trocar”. Tudo bem, mas vamos trocar pelo que? Temos que conversar com o restante.

Entrevistador:Sim. Envolvia uma situação mais ampla.

Fabíola:Exatamente. Envolvia uma situação mais ampla no meu entendimento. Sei que para o fi nal de 2012, mais ou menos, ela sofreu uma modifi cação, pois retiraram a célula e co-locaram a Cafua. Ligada a uma exposição que teve sobre o Carlos Chagas e foi feita ex-ternamente e nós, de certa forma, herdamos aquela Cafua. O pessoal que fi cou à frente da exposição naquela época decidiu que aquela área ia fazer uma conexão com a vitrine do Vivo, que tinha uma parte de barbeiro que nunca tínhamos conseguido botar para frente satisfatoriamente. A gente fez alguns períodos usando o barbeiro vivo na expo-sição. Então, foi colocada a Cafua lá, mas sinceramente não sei como foi trabalhado na sequência de conteúdo que nós tínhamos. Tenho a impressão que foi como algo à parte.

Entrevistador:Isso se deu quando?

Fabíola:Em 2012 mais ou menos. 2011 2012 já quase (...). Tendo à frente no circuito de visi-tação a Rosicler e à frente da Cavalariça à época não sei se a Suzy. Não sei se já tinha porque a visitação, o grupo de visitação ou, no caso, serviço de visitação SVAP sofreu algumas modifi cações sobre não ter mais equipe física nos espaços e aí essa questão do conteúdo também tem uma situação assim. Se nós tínhamos nos próprios créditos uma correlação sobre quem é a equipe que no caso a gente colocou a equipe de Coor-denação da Exposição e não como Curadoria nos créditos. Essas mudanças, não con-sultaram ninguém, e as pessoas, inclusive eu que já estava em outra função, também não me envolvi nas tentativas que o pessoal estava tentando fazer ali. Também não houve nenhuma discussão mais geral no museu a respeito disso. Isso já é uma crítica sobre o nosso trabalho como um todo. Mas nessa parte foi encaminhada (...) não em relação de poder trocar uma coisa pela outra. Não vejo nada demais.

Entrevistador:Precisava de uma discussão mais ampla?

Fabíola:Uma discussão mais ampla principalmente quando se mexe com projetos. Agora no setor que estou, que lidamos com a parte de manutenção, tentamos nos manter o mais fi el possível. Se uma área é azul, mantemos azul. Vai trocar a cor? Conversar

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mais amplamente a respeito disso. Continua havendo algumas interferências nesse sentido, mas são compreensões técnicas, talvez, ou conceituais; mas que as pessoas, mesmo as que ainda estão dentro do museu, não tem essa concepção de curadoria. De que “participei desse projeto, então devo ser consultado se eu vou modifi car ou se a gente faz agora um corte”. Inaugurou. Os Curadores fi zeram a instalação disso tudo e agora houve um corte - o museu, essa fi gura etérea, é o responsável por toda e qualquer mudança. Não temos uma defi nição muito forte sobre isso. Não sinto isso aqui no museu e também não sinto que as pessoas fi quem com seus egos feridos com isso, mas como responsável pelas operações de manutenção do museu, tento ser fi el ao projeto que foi proposto inicialmente. É o que posso dizer sobre curadoria.

Entrevistador:Aí a gente teria o bloco fi nal que tem a ver com a avaliação da exposição e saberia se a exposição, na sua época ou em seu período de existência, passou por algum tipo de avaliação e, em caso positivo, que tipo de avaliação foi, e em caso negativo, porque não se deu ou porque não houve condições.

Fabíola:É difícil responder isso assim. Uma avaliação e todo o seu formato de avaliação, se houve, ninguém me contou. Eu também não solicitei ofi cialmente que precisávamos fazer uma avaliação, mas nós, internamente, durante o período que eu estava à frente com o pessoal, fazíamos avaliações a partir do momento de mudança de turmas de monitores e mediadores, porque fazíamos questionários com eles a respeito, sobre como estava sendo a experiência, o que estava indo bem e mal.

Entrevistador:Com as equipes?

Fabíola:Exatamente. Então talvez isso não possa ser classifi cado como uma avaliação da ex-posição. A partir disso a gente tentava reavaliar a abordagem que tínhamos dos te-mas. Se respondessem que o assunto era entendido, mas havia difi culdade de explicar para o público, e coisas assim. Depois a gente teve que, em 2004 ou 2005, começou a inserir o sistema que chamamos de Sira, que era um sistema de agendamento que conseguíamos ver no computador e que gerava uma avaliação, pois tínhamos que, ao fi nal do atendimento ao público, avaliar como este se comportou. Preenchíamos um pequeno questionário que ia para um banco de dados. Tinha muito isso de avaliação do público visitante. Como a gente recebeu. Se o pessoal da equipe anterior entregou direitinho o público. Como ele se comportou ali. Quais difi culdades percebemos. Mas tinha uma observação sobre como estava a exposição como um todo e aí tinha um momento em que quem estava responsável na mediação tinha que responder o que difi cultou e facilitou o atendimento e se tinha algo que não estava funcionando direi-

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to. Então nesse momento, se tinha uma avaliação técnica da exposição. O que funcio-na e o que não funciona. Foi o momento da introdução desse questionário que está em desenvolvimento até hoje. Já passou Sira 1 e Sira 2. A ideia é que ele fi que online e a escola faça o agendamento online para isso. Tem a exposição como um todo, mas depois ela entra, também, em uma lógica da visitação a todo museu. Então você tem a avaliação dela dentro da lógica de você atender o público primeiramente na Cavalari-ça ou receber de um outro espaço. De você concatenar os temas. Se ele vem do Caste-lo e entra na Cavalariça, se tem uma sequência a esse respeito.

Entrevistador:Entendi.

Fabíola:Se ele vem do teatro para a Cavalariça, já começa uma abordagem histórica a respeito de que prédio eu estou, porque no Castelo já é uma sequência. Já se falou alguma coi-sa ali e você já tinha uma sequência diferenciada. Então, uma avaliação propriamente dita, com todos os detalhes que poderia ter, realmente não foi feita. Na época se pen-sava muito na avaliação do que funciona e do que não funciona, o que que o público está gostando e o que que não está gostando, como podemos fazer isso melhor e a parte mesmo da manutenção geral. Mas eu sei que houveram alguns trabalhos de pesquisadores desenvolvendo o doutorado com a Cavalariça. A Martha Marandino, que você citou, é uma. O Douglas Falcão também usou a Cavalariça como exemplo, principalmente para trabalhar a mediação e os tipos de mediação. Ele acompanhou o nosso atendimento. Então sei que houveram alguns trabalhos e que a gente deixava a Cavalariça aberta sem nenhuma censura para o pessoal acompanhar, perguntar, falar com o visitante. A própria Tânia Araújo Jorge, em uma das turmas dela da especiali-zação, teve uma época que ele seguiu - os alunos vinham para fazer uma avaliação do público para ver que tipo de visitação acontecia na Cavalariça na visitação espontâ-nea. Não aquela visitação que era com escola.

Entrevistador:Agendada, certo?

Fabíola:Sim. Não sei se continua assim, mas me lembro muito que ela disse assim: “Na Cava-lariça o que mais acontece é o visitante borboleta”.

Entrevistador:Visitante borboleta?

Fabíola:Sim. É o visitante que vai aqui e depois vai ali. Não tem uma sequência. O visitante espontâneo não fi cava em uma sequência, não fazia o que ela chamava também de

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“visitante formiguinha” porque a formiga pega um caminho e só segue nele passo a passo. Na Cavalariça, ela avaliou na época, não sei como foi publicado esse trabalho, mas era um grupo de especialização e tinha alguns estudantes fazendo esse tipo de observação em vários museus e na Cavalariça lembro-me dela comentar que o que mais tinha era visitante borboleta. E hoje em dia nós temos um borboletário no mu-seu. E pousava sem uma sequência específi ca. Não sei nem se isso ainda existe como classifi cação de visitação.

Entrevistador:Bom, avançando um pouco. Só para complementar isso, em sua opinião quais seriam os pontos positivos, os elementos fortes da exposição e quais seriam aqueles em que você a considerava frágil? Você teria alguma coisa para dizer?

Fabíola:Acho que forte já até comentei um pouco. A parte de ter os animais vivos, não impor-ta o tipo.

Entrevistador:As pessoas realmente fi cavam fascinadas.

Fabíola:Exatamente. Fascinadas. A parte com o vivo, uma coisa que nós tínhamos observado em outras atividades antes, até mesmo em Fiocruz Pra Você, sem a Cavalariça estar aberta - o pessoal sempre pedia para a gente fazer atividades com o Vivo. A gente sempre levava atividades com o Vivo porque o pessoal se encantava e fi cava circu-lando aquilo ali. Tentamos ter formigueiro por um bom tempo. Parece ser algo meio desinteressante, mas o pessoal fi ca fascinado com o trabalho que a formiga tem. E equipamento técnico. No nosso caso, nós usávamos a lupa e o microscópio eletrônico, e o pessoal, mesmo as crianças menores, tinham necessidade de tocar no objeto e de tentar ver. Para mim essa parte superava o computador, que era uma novidade, que realmente na época ser “toque-de-tela” era um diferencial. O pessoal fi cava seguindo a setinha mais do que vendo o texto, mas rapidamente se desinteressava para passar para essa parte do Vivo e do Técnico. O que foi mais frágil foi um conceito que nós tínhamos para a exposição, que era você construir todo um discurso. E discurso de que ciência é um processo, que é construída pelo homem e isso acho que foi algo que poucas vezes conseguimos fazer, tanto que inicialmente a gente fez uma estimativa de que se precisaria de três horas de presença na exposição, passando por todas as ativi-dades propostas para, ao fi nal, você junto com o visitante avaliar e ver o que que ele tinha percebido, se ele tinha conseguido alcançar. Não era alcançar o que é uma célu-la, mas sim o entendimento de que ciência é um processo e é feito pelo homem. Tanto que na possibilidade de montar as lâminas na própria experiência, sozinho, você, muitas vezes, não conseguia. Você montava sua lâmina, fazia o esfregaço da boche-

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cha, colocava no microscópio e não via nada porque não tinha feito direito. Tem uma técnica direitinho. Não pode fi car tudo muito embolado. O corante tem um tempo para agir. E a gota d’água que você pegava da chuva, das poças, do laguinho; às vezes se pegava com poucos sedimentos, e poucos animais ou protozoários para ver. Para mim os mediadores no dia-a-dia falavam assim: “Mas a pessoa demorou tanto tempo para preparar e não conseguiu”. Então eles sempre tinham uma lâmina pronta para mostrar o que você conseguiria se fi zesse certo.

Entrevistador:Para minimizar a frustração.

Fabíola:Sim. E eu dizia para o pessoal assim: “Mas isso vocês tem que trabalhar. Quando eu trabalhava na mesa era isso, mas esta é a Ciência. O pesquisador vai com uma intenção, mas nem sempre ele alcança o resultado que ele espera. E quantas vezes ele alcança e quantas ele não alcança serve para ele bi favorecer e encontrar uma resposta por um caminho ou pelo outro”. Nós tínhamos uma atividade com genética onde a gente iria fazer o DNA e ver a glândula salivar da larva da mosca da bana-na - drosophila melanogaster. E isso era uma atividade de no mínimo 40 minutos. Inicialmente, a gente sempre propunha isso a partir do segundo grau - pois você tinha que ter a garotada já com 14 a 15 anos para ter o domínio para se usar a pinça de relojoeiro. Ainda tenho uma aqui de recordação. Aquela bem fi ninha que se usa-va na lupa. Primeiro você separava. Tinha larva bem gordinha. Tinha que ser aquela grandona. Você separava, puxava a cabeça e via saltar, na lupa parecia bem grande, as duas glândulas salivares da larva. Não é da mosca. A da mosca fi ca menor do que da larva. Olha que coisa interessante. Você tirava a famosa glândula, colocava na lâmina, a esmigalhava com a lamínula, colocava o corante e esperava 10-15 minutos. Se você tivesse feito tudo bem bonitinho iria ver. Porque na glândula tem uma cadeia de DNA bem grande muito repetitiva que você via aquilo que aparecia nas fotos de microscó-pio eletrônico: as bandas do DNA. Fica claro, escuro, claro e escuro - fi cava vermelho, rosa claro, vermelho e rosa claro. Hoje em dia o pessoal faz experimento com moran-gos e outros tipos de frutas em que você coloca detergente e faz uma “baba” que é a parte do DNA. Mas esse é um que você pode fazer explicando bastante do processo, mas esse da drosophila é o que eu mais gosto porque você, quando está estudando no segundo grau ou no início da faculdade, vê várias fotos desse material e ali você pre-parava e conseguia fazer. Então se via que não era alguém que fez um desenho imagi-nário. Sobre o fato daquilo ser ou não ser o DNA, porque tem essa parte do cientista. Você saber com certeza aquela situação.

Entrevistador:Que você não está enganado.

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Fabíola:A questão do método científi co. Você, ao fazer, descreve e qualquer um faz igualmen-te e chega ao mesmo resultado.

Entrevistador:Certo.

Fabíola:Essa parte foi a mais difícil, pois nós tínhamos construído durante toda a exposição, com todos os módulos e a forma de apresentar. Nós tínhamos esta intenção. Então até hoje, em várias exposições do museu, ainda não estou satisfeita com a resposta. Não sei se alguém fez alguma pesquisa a respeito, que é: as intenções daquilo que você fez nesta exposição foram alcançadas? O público percebeu? Chegou a ler? Na parte do Vivo a gente tinha essa intenção de gastar, porque pensamos que ele seria muito melhor, fi sicamente para trabalhar e muito mais, colocar na sala vermelha, a última sala, pois é uma sala isolada que podia pegar, lavar e muitas coisas. Só que lá na última sala, se o pessoal que se encaminhava para a Cavalariça dizia assim: “Tem uma cobra na Cavalariça.” O pessoal já fi cava do lado de fora ansioso para ver a co-bra, então se fosse ver na última sala, não iria conseguir ter qualquer atenção sobre o que você gostaria de trabalhar, pois teria sempre o grupo falando: “Cadê a cobra?”.

Entrevistador:O pessoal mais animado.

Fabíola:Exato. Então, colocar o Vivo no início era intenção nossa e parece que fomos felizes. Vamos dizer que “gastou” a curiosidade. Para esse “gastar a curiosidade” nós nor-malmente, na visita que ao longo do tempo a gente viu que três horas, se não fosse combinado com a escola de antemão, não iria conseguir ter esse compromisso, esse comprometimento da turma.

Entrevistador:Qual papel você acha que teve o aspecto não textual na exposição? Por não textual en-tender tudo aquilo se refere diretamente ao conteúdo não científi co, mas que importa para a passagem desse conteúdo.

Fabíola:O que você está chamando de não textual, poderíamos dizer que são os próprios ele-mentos da Cavalariça, os elementos de cenografi a e fazer referência aos conteúdos que não eram científi cos, mas eram cenográfi cos, digamos assim. A própria Cavalari-ça tinha estruturas fi xadas (...).

Entrevistador:A iluminação também não deixa de ser cenográfi ca (...).

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Fabíola:A iluminação foi intencional. Nossa intenção era uma iluminação natural com que pudéssemos dramatizar com a mesma. Até hoje temos uma iluminação cênica que dramatiza a exposição, não apenas iluma o objeto, que tenta dar uma leitura e emo-ção ao visitante.

Entrevistador:Também os objetos que existiam (...).

Fabíola:E que não eram científi cos.

Entrevistador:Podem ser científi cos também, mas eram equipamentos históricos, por exemplo. Que existiam em uma bancada, etc.

Fabíola:Sim. Você quer dizer, qual era a importância deles?

Entrevistador:É. Dessas coisas todas, há o conteúdo, a informação de caráter técnico científi co. E, existe aquilo que não é de caráter técnico científi co, não é o conteúdo, mas é a forma. Existe aquilo que as pessoas efetivamente entram em contato.

Fabíola:Posso dizer que a exposição, ainda quando estávamos pesquisando conteúdo, nós damos prioridade para que ela fosse algo que convidasse a curiosidade do visitante. Então, a luz tinha esse papel para focar em coisas do próprio prédio que estávamos deixando à vista. Por exemplo, o piso era transparente e tinham recortes nele que avi-savam do que existia por baixo daquele piso de madeira que o visitante estava tendo acesso. Primeiro, na parte central da Cavalariça, o tipo do piso era uma contunidade do que havia quando ele entrava, que era um piso hidraúlico (...)

Entrevistador:Ladrilho hidráulico.

Fabíola:Ladrilho hidráulico, com reentrâncias para escoar bem a água e mesmo subindo um degrau para a parte central, nessa parte continuava o que nós chamamos tecnicamen-te, nessas áreas, de piso molhado. Haviam os animais e esse piso era lavável. Então, havia essa atenção para a continuidade do piso, porque o visitante na parte central poderia ter ideia de que o piso pelo prédio histórico não teria continuidade, então tivemos recortes para isso. Mas os recortes não foram só por conta de uma situação técnica, e sim para que o visitante interagisse com o prédio. Fora isso, os recursos que

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nós utilizamos. Por exemplo, na parte de evolução nós tínhamos dois pterodátilos feitos em escala, eles não tinham a ideia de você passar um elemento cientifi camente. Tanto que um pteranodon tinha uma legenda que indicava que ele era da família dos pterodátilos. Ao você entrar no prédio, visualmente haviam elementos que visavam trabalhar com a emoção do visitante, causavam um deslumbramento para querer ver mais. A exposição era toda colorida, com cores diferenciadas, então foi algo que foi sistematicamente pensado com intenção de chamar atenção. A intenção era que as cores fortes fi cassem ao início e chegando ao fi nal, as cores fi cavam mais suaves. No início a sala em que tinha os painéis de informações básicas era vermelha, por exemplo, como se a reprodução fosse um tema quente. Então, esses elementos têm a ver com a cenografi a aérea. Haviam cubos com microfotografi as, fotos de microor-ganismos transiluminadas. Não existia uma informação sobre eles, mas tinha uma ambientação. Criávamos uma ambientação para cada módulo a fi m de suscitar essa curiosidade com elementos pertinentes a ele. Ao mesmo tempo, a iluminação tentava valorizar o próprio prédio e os detalhes que ele tinha. Uma visita que poderia ser feita sem intenção de absorver o conteúdo que estava lá. Como disse antes, ao entrar no prédio, havia uma parte que falava da história do mesmo. Mas a partir do momento em que você subia o degrau e passava para a Sala Azul, a ideia era que você mergu-lhasse por essa nova exposição, com a iluminação que dramatizava isso. Era uma área bem teatral nesse sentido. As luzes vinham do teto, mas não iluminavam o teto. Quando a gente desligava a luz cênica, nós podíamos acender uma luz que ilumava as tesouras do teto e as baias que eram cobertas, tinham janelas para elas e uma luz própria que as iluminava. Também podia, em outro contexto, fazer uma visita técnica sobre a Cavalariça, independente da exposição.

Entrevistador:E, essas visitas eram feitas?

Fabíola:Era mais raro, porque essas visitas mais técnicas, geralmente feitas por estudantes de arquitetura, eram agendadas pelo próprio DPH. Ou, durante uma visitação livre, você via que as pessoas tinham um interesse mais difuso. O prédio tem sua imponência externa, e o pessoal se interessava por ele. Ao entrar, tinha um grande painel com o nome do prédio e você ia para uma sala à esquerda. De certa forma, fi cava encoberto o que vinha depois. Quando a pessoa passava por esse painel pela direita, passava pela mesa branca com as argolas ao lado, aí subia um degrau. Nesse momento, a pes-soa antevia o que vinha na exposição. Era uma porta de dois metros, mas pelo tama-nho do prédio que tem 11m de pé direito, fi ca algo pequeno. Ao passar dali e entrar na Sala Azul, aí sim ele imergia em outro mundo. Essa organização foi proposital para que o visitante tivesse um desligamento dessa realidade. Os hipertextos dessa sala

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que eram dois computadores falavam sobre os painéis que tinham pinturas artísti-cas de dois ambientes: um da Mata Atlântica e outro sobre a Mata Atlântica ocupada pelo homem. O hipertexto tinha um som de fundo de passarinhos, de mata, de água caindo - o que contribuía para a imersão em um outro ambiente, especialmente se a pessoa estivesse com um grupo pequeno que tinha menos algazarra. Com um grupo maior há mais alvoroço.

Entrevistador:Você diria que isso tinha a intenção de criar uma experiência mais sensorial do que propriamente intelectual?

Fabíola:Exatamente. Nesse momento das luzes, do som, dos objetos em escala (...). E era por módulo, então estava tudo muito condensado. De repente havia os pterodáctilos, e após haviam os cubos iluminados, depois, na classifi cação, haviam fl ores secas caindo sobre eles, fazendo uma dramatização daquela área. A intenção era que o visitante fi zesse uma imersão ali e estimulasse a sua curiosidade. Aqueles objetos não tinham uma intenção científi ca de conteúdo, de fazer uma leitura conteudista. Era mais para criar uma experiência sensorial, mas visando a curiosidade, o deslumbramento, o pessoal chegar e pensar: “Uau!”. Mais adiante, quando tivemos a exposição da Baleia à Vista, a gente recebeu ossadas do grupo dos golfi nhos, que não são baleias. Então, nós tinhamos ossadas da orca, do boto e do golfi nho. E, essa ossada original a gente instalou na exposição na área do Vejo Vivo e a gente fez uma montagem que era como se esses animais estivessem em direção a dar um mergulho em um aquário de 10.000 l. Então, foi mais um adereço aéreo, cenográfi co no sentido que era decorativo, mas era real, são ossos reais. Foi mais um elemento para esse deslumbramento do pesso-al. Então, o visitante primeiro se deslumbrava e depois entrava no conteúdo da ex-posição. O conteúdo, por si só, não tinha a intenção de que as pessoas saissem da ex-posição sabendo tudo sobre biodiversidade, todas as características sobre os animais que estavam lá, nem os mínimos detalhes do pensameno do homem ao classifi cá-los, como estudou evolução e quais eram os microorganismos. Eu, pessoalmente, não ti-nha intenção disso.

Entrevistador:De certa forma, é muita informação.

Fabíola:Sim, muita informação. Se a pessoa não tem uma formação básica para isso, isso é bastante informação. A ideia era dar um gostinho de: “Nossa, isso é muito interes-sante. Quero saber um pouco mais”. Na parte de treinamento, formação de pessoal, eles tinham muita preocupação com o conteúdo da célula. Então, a gente dizia que se uma criança saísse de lá com a ideia de que ela era formada por pedacinhos já seria

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o sufi ciente para mim. Ela não precisa saber que tem células, tem corpúsculos, RNA, DNA, etc. A observação que ela faz com aquilo que a gente trabalha com ela em ob-servar sua célula e compreender que ela é feita por pedacinhos, já estou satisfeita. A partir daí, em uma próxima visita você pode refi nar um pouco mais. Às vezes na sala de aula, são pequenas coisas que vão construindo o entendimento. Se na minha épo-ca, antes de eu estudar biologia, tivesse museu como esse eu acharia muito divertido e entenderia muitas outras coisas antes. Essa é a minha ideia para fazer as experiên-cias de microscópios. Meu primeiro contato com microscópio foi quando eu ganhei um, e havia muitas coisas ali que eu não sabia. O meu entendimento eram com coisas menores, então, eu tentava ver meu dedo - o que não dava para ver, pois precisava de lupa -, mas havia curiosidade em descobrir coisas. Não sei qual foi a intenção da mi-nha família ao certo quando me deram o microscópio, kit de química, kit de biologia. Acredito que era moda da época. Quando falamos em classifi cação, em taxonomia, se uma criança saísse com a ideia de que há uma razão em classifi car os animais, para mim estaria perfeito. Acho que por mais conteúdos que se coloque nas exposições, elas são sempre o primeiro passo para inserir um conteúdo na vida da pessoa. Há os estudantes de segundo grau, que às vezes vem com as famílias, e conseguem reco-nhecer algo que eles conhecem um pouco, mas que terão prazer em discutir com seus entes, pessoas que estão junto. Os elementos não textuais, não científi cos, acho que tem grande poder no deslumbramento do visitante, nessa curiosidade de que você vai atrair o visitante para aquele módulo. Seja por sua cor, por alguma coisa que apre-ça em destaque por conta da luz. Por algum tempo, as luzes queimavam e nós não conseguiamos trocar. Após uns quatro anos assim, conseguimos trocar a iluminação toda. Uma semana depois das luzes serem trocadas, uns colegas nossos foram na ex-posição e comentaram que nós havíamos trocado os módulos da exposição, que havia fi cado interessante. Então, é notável a diferença que a mudança de luzes, algo simpló-rio, traz um efeito impactante, destaca os objetos, direciona o olhar. Quando as luzes haviam sido trocadas e os colegas passaram por lá conseguindo olhar, observar as coisas que ali estavam, para eles é como se houvesse um novo módulo, novos objetos, uma nova exposição. Creio que esse seja um teste interessante: pegar uma exposição com luz normal, sem foco aos objetos e pedir que um grupo a visite; depois trocar a iluminação dessa exposição dando-a foco e pedir que esse mesmo grupo a visite. A partir daí é possível perceber as diferenças. Tem momentos em que o elemento deco-rativo é essencial. Imagina se na reprodução: não houvesse aquele vermelho intenso, ou se na Sala Azul que fala da Mata Atlântica e mostra a Terra cercada por mar, é como se aquele azul intenso representasse o mar que cercava o planisfério. Se ali fos-se preto ou se fosse verde e amarelo a vivência seria outra. Creio que ainda que não se tenha um elemento físico, as cores, a luzes serão mais um elemento dessa exposição, irão compor para que as pessoas façam uma imersão, uma leitura, a percepção de um

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objeto. Vi isso acontecer várias vezes apenas com a questão de tirar mais luz do es-paço e acrescentar mais focos de luz, principalmente com as pessoas que repetiam a visita. Na primeira vez que a pessoa visita tudo é novidade.

Entrevistador:São as primeiras impressões.

Fabíola:Exato. Mas o visitante que passe por lá de vez em quando sente essa diferença. No aquário nem se fala. Tinha o pessoal de limpeza, de segurança e tal que “batia ponto” lá para visitar determinados animais, às vezes eles perguntavam o porquê de deter-minado peixe não estar lá. Havia essa identifi cação, afi nidade. Sempre considerei que nosso público interno, como o dos estudantes, é o primeiro com quem nós temos que ter mais prioridade. Estamos falando sobre questões de conteúdo, cidadania, se apropriar dos conhecimentos, então, a gente precisa priorizar esse público que está todo dia com a gente. Precisamos inspirá-los a ter essa curiosidade. Sempre me sur-preendo, pois o pessoal faz a limpeza do espaço, mas são poucos que de fato olham para o que está ao seu redor. No dia do trabalho, a gente chama os funcionários para informá-los que estando conosco eles não só estão fazendo a sua função, mas que nós os tratamos como visitantes do local. Às vezes é difícil, por conta de liberação da em-presa para a qual trabalham. Mas aí eles começam a entender um pouco e também se apropriar do local que eles cuidam. Isso os faz ter um outro olhar perante o local, a ter carinho, cuidado.

Entrevistador:É uma forma de desalienar a pessoa.

Fabíola:Sim. Eles vêem que podem utilizar um objeto e que é um uso para a pessoa e sua fa-mília. Falo sempre com o pessoal de suporte que eles não estão cuidando dali apenas para terceiros ou para uma elite, e sim para si e seus familiares. Os familiares são sempre bem vindos, e é uma forma de valorizar o seu trabalho. Esse local é um local público, então também é “meu”, de cada um que se relaciona com ele. É também de todos, pois sendo um local feito com dinheiro público, então, pertence ao público.

Entrevistador:É um bem voltado para a coletividade.

Fabíola:Exatamente. Às vezes, isso é difícil de fazer as pessoas compreenderem.

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NOTAS:1. As palavras sublinhadas são nomes próprios do aúdio escritos a partir do que foi possível extrair do mesmo.

2. As palavras destacadas em itálico fazem parte da categoria estrangeiris-mo e/ou indicam discurso direto (falas) da entrevistada.

3. As palavras e/ou expressões entre “aspas” compõem gírias ou expres-sões coloquiais pertinentes ao entendimento do texto.