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Gabinete do Reitor • Superintendência Geral de Comunicação Social da UFRJ • Ano VI • Nº 60 • Maio de 2011 “O samba em pessoa” Aracy de Almeida Aracy de Almeida, estigmatizada no fim da vida como jurada de programa de calouros na TV, tem seu nome marcado na Música Popular Brasileira como a maior intérprete de Noel Rosa. O desafio de construir o novo Uma nova experiência de formação médica vem sendo realizada na UFRJ, em Macaé. A implantação do curso de Medicina, articulado ao de Enfermagem e ao de Nutrição, procura romper paradigmas do ensino tradicional e promove uma reforma curricular baseada nas Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina. Nos últimos anos, o Judiciário se transformou em instância de decisão hegemônica de assuntos que afetam diretamente a sociedade brasileira. Cabe mesmo a ele a última palavra? Qual o papel dos outros poderes no cumprimento da Constituição? Ao interpretar a Carta Magna, o Supremo Tribunal Federal (STF) estaria criando novas leis e extrapolando sua função?Acerca dessas questões, José Ribas Vieira, professor da Faculdade de Direito (FD) da UFRJ, faz referência ao chamado “ativismo judicial”, que estaria sendo praticado pelo STF, o que, para ele, “fere a ordem democrática”. José Ribas Vieira Ao baixar duro pacote fiscal e aumentar a taxa básica de juros por três vezes consecutivas, governo desperta controvérsias em relação ao rumo do desenvolvimento brasileiro. que se agiganta Obesidade Recente pesquisa realizada pelo Ministério da Saúde, e divulgada em abril deste ano, aponta que o excesso de peso da população cresceu nos últimos cinco anos. A proporção de adultos obesos subiu de 11,4, em 2006 para 15%, em 2010.

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Gabinete do Reitor • Superintendência Geral de Comunicação Social da UFRJ • Ano VI • Nº 60 • Maio de 2011

Quem diz comquem está

o Direito?

“O sambaem pessoa”

Aracy de Almeida

Aracy de Almeida, estigmatizada no fim

da vida como jurada de programa de calouros

na TV, tem seu nome marcado na Música

Popular Brasileira como a maior intérprete de

Noel Rosa.

O desafio deconstruir o novo

Uma nova experiência de formação médica vem sendo realizada na UFRJ, em Macaé. A implantação do curso de Medicina, articulado ao de Enfermagem e ao de Nutrição, procura romper paradigmas do ensino tradicional e promove uma reforma curricular baseada nas Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina.

Nos últimos anos, o Judiciário se transformou em instância de decisão hegemônica de assuntos que afetam diretamente a sociedade brasileira. Cabe mesmo a ele a última palavra? Qual o papel dos outros poderes no cumprimento da Constituição? Ao interpretar a Carta Magna, o Supremo Tribunal Federal (STF) estaria criando novas leis e extrapolando sua função?Acerca dessas questões, José Ribas Vieira, professor da Faculdade de Direito (FD) da UFRJ, faz referência ao chamado “ativismo judicial”, que estaria sendo praticado pelo STF, o que, para ele, “fere a ordem democrática”.

José Ribas Vieira

Ao baixar duro pacote fiscal e aumentar

a taxa básica de juros por três vezes

consecutivas, governo desperta controvérsias

em relação ao rumo do desenvolvimento

brasileiro.

que se agiganta

Obesidade

Recente pesquisa realizada pelo Ministério da Saúde, e divulgada em abril deste ano, aponta que o excesso de peso da população cresceu nos últimos cinco anos. A proporção de adultos obesos subiu de 11,4, em 2006 para 15%, em 2010.

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Maio 2011

Reitor Aloisio Teixeira

Vice-reitora Sylvia da Silveira Mello Vargas

Pró-reitoria de Graduação (PR-1) Belkis Valdman

Pró-reitoria de Pós-graduação e Pesquisa (PR-2)

Ângela Maria Cohen UllerPró-reitoria de Planejamento e Desenvolvimento (PR-3)

Regina Célia Alves Soares LoureiroPró-reitoria de Pessoal (PR-4) Luiz Afonso Henriques Mariz Pró-reitoria de Extensão (PR-5) Laura Tavares Ribeiro Soares

Superintendência Geral de Administração e Finanças

Milton FloresChefe de Gabinete

João Eduardo FonsecaFórum de Ciência e Cultura

Beatriz ResendePrefeito da Cidade Universitária

Hélio de Mattos Alves Sistema de Bibliotecas e Informação (SiBI) Paula Maria Abrantes Cotta de Melo

Superintendência Geral de Com. Social Fortunato MauroOuvidoria Geral

Cristina Ayoub Riche

Fotolito e impressão Gráfica Posigraf

25 mil exemplares

Av. Pedro Calmon, 550. Prédio da Reitoria – Gabinete do Reitor

Cidade Universitária CEP 21941-590

Rio de Janeiro – RJ Telefone: (21) 2598-1621

Fax: (21) 2598-1605 [email protected]

JORNAL DA UFRJ é UmA PUBlICAçãO mENSAl DA SUPERINTENDÊNCIA GERAl DE COmUNICAçãO SOCIAl DA UNIVERSIDADE FEDERAl DO RIO

DE JANEIRO.

Supervisão editorial João Eduardo Fonseca Jornalista responsável

Fortunato mauro (Reg. 20732 mTE) Edição

Fortunato mauro Pauta

Fortunato mauro, Coryntho Baldez e márcio Castilho

Redação Coryntho Baldez, Fernanda mendes, Fernando Pedro lopes, Gisele motta,

mariana Finelli, márcio Castilho, Pedro Barreto, Rafaela Pereira e

Vanessa SolRevisão

érica Bispo e luciana Crespo Arte

Anna Carolina BayerIlustração

Anna Carolina Bayer,Diego Novaes, João Rezende,Júlio m. de Castro,

marco Fernandes e Zope Charge ZopeFotos

marco Fernandes Expedição

marta Andrade

Interessados em receber esta publicação devem entrar em contato pelo e-mail

[email protected]

O Jornal da UFRJ publica opiniões sobre o conteúdo de suas edições. Por restrições de

espaço, as cartas sofrerão seleção e poderão ser resumidas.

UFRJJornal da 2

Semana comemorativa130 anos do Observatório do Valongo

Bruno Franco

PalestrasQUANDO: 30 de maio a 03 de Junho de 2011ONDE: Salão Nobre – CCMN – Fundão – Meio dia12h – Histórico sobre o Observatório do Valongo– Adolfo de Campos – 30/0512h – Por você vou roubar os anéis de Saturno – Thaís Mothé-Diniz – 31/0512h – Nossa ignorância sobre o Universo – Carlos Rabaça – 01/0612h – Galáxias: blocos de construção do Universo – Paulo Lopes – 02/0612h – Alquimia Estelar – Hélio Rocha-Pinto – 03/06ONDE: Sala 02 - CCMN – Fundão – 17h17h – Poeira de Estrelas – Silvia Lorenz-Martins – 30/0517h – As raízes da Astronomia – Rundsthen Nader – 31/0517h – Histórico sobre o Observatório do Valongo – Adolfo de Campos – 01/0617h – As estrelas envelhecem – Wagner Marcolino – 02/06

O Observatório do Valongo completa 130 anos desde a sua fundação no morro de Santo Antônioainda como observatório da Escola Politécnica. Com o desmanche do morro, todos osinstrumentos foram transferidos para o morro da Conceição, onde o observatório pas-sa a se chamar inicialmente Observatório do Morro do Valongo.

Na semana comemorativa levamos um pouco do nosso universo à Ilha da Cidade Universitária.

Apresentaremos palestras voltadas ao público em geral com temas atuais da área de Astronomia, emdois horários diferentes: as 12hs e as 17hs.Além dos seminários, levaremos um pouco da história de nosso Instituto com a exposição fotográfica: “130 anos de história do Obser-vatório do Valongo”.

Marco Fernandes

O Colégio Eleitoral – for-mado pelos Conselho Univer-sitário (Consuni), Conselho de Ensino de Graduação (CEG), Conselho de Ensino para Gra-duados (CEPG) e Conselho de Curadores – reunido no dia 2 de maio, elaborou as listas trí-plices que foram encaminhadas ao Ministério da Educação para nomeação de reitor e de vice-rei-tor da UFRJ, com mandato para o quadriênio 2011-2015.

Na consulta à comunidade acadêmica, a chapa 10, compos-ta pelos professores Carlos Levi e Antônio Ledo, foi a escolhida após a realização do 2º turno.

Carlos Levi e Antônio Ledo encabeçam listas enviadas ao Ministério da Educação

Levi e Ledo receberam 1.441 votos de docentes, 2.659 de téc-nico-administrativos e 3.517 de estudantes, chegando a 26,09% no sistema de votação pondera-da. Os professores Godofredo Oliveira Neto e Léa Mirian, que compunham a Chapa 20, rece-beram 969, 2.117, 3.139 votos, respectivamente, totalizando 19,31% na votação ponderada.

O Colégio Eleitoral com-putou 62 votos para reitor e 63 para vice-reitor. A lista tríplice para reitor foi aprovada com os nomes do professor Carlos Levi (48 votos do Colégio Eleitoral); Ângela Rocha (cinco votos) e

Araceli Ferreira (três votos). Houve ainda um voto em bran-co e cinco nulos. Já a lista trípli-ce para vice-reitor foi composta com os nomes dos docentes An-

tônio Ledo (44 votos), Roberto Medronho (12 votos) e Pablo Benetti (cinco votos). O Colégio registrou ainda dois votos em branco.

Marco Fernandes

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3UFRJJornal da

Maio 2011Maio 2011 Economia

Para David Kupfer, o Brasil pode acabar sendo um exportador de commodities.

Acossado pela pressão do mercado financeiro, o novo governo optou pelo

clássico pacote econômico ortodoxo para domar uma possível escalada inflacionária. Cortou R$ 50 bilhões nas despesas do Orçamento 2011, com o argumento de frear a deman-da interna, e promoveu três aumen-tos sucessivos na taxa básica de juros, atualmente em 12% ao ano. Com as medidas, o governo também pretende cumprir a meta de superávit primário de R$ 117,8 bilhões para pagar juros da dívida interna aos que continuam a apostar no rentável mercado de títu-los públicos.

Após a tesourada governamental, veio a polêmica: o modelo desenvol-vimentista, com redistribuição de renda, perderá terreno para uma con-dução conservadora da economia? Teme-se que a política de contenção da inflação pela alta de juros e cortes orçamentários represente um freio no dinamismo econômico dos últimos anos, com impactos negativos sobre o emprego, a renda e os investimentos sociais. De outro lado, alguns analis-tas avaliam que por trás das medidas há um recado político para setores que insistem em pedidos de desone-rações fiscais e que era chegada a hora de reduzir os estímulos antirrecessi-vos adotados no auge da crise econô-mica global.

Corte linearDavid Kupfer, professor associa-

do do Instituto de Economia (IE) da UFRJ, embora defenda a necessidade de realinhar o gasto público em fun-ção dos aumentos ocorridos nos últi-mos anos, ressalva que o aperto fiscal se justifica na medida em que elimi-ne desperdícios e não comprometa o atendimento das políticas de transfe-rência de renda. Há espaço, segundo ele, para uma economia significativa, porque o setor público brasileiro ain-da não teria superado a sua histórica ineficiência. “Deve-se focar na elimi-nação de desperdícios e preservar a parte de custeio voltada para a plena realização das políticas do governo”, assinala o pesquisador, que coordena o Grupo em Indústria e Competitivi-dade (GIC) do IE da UFRJ.

No entanto, o professor observa que, na prática, o método do ajuste fiscal recorreu ao velho expediente do corte linear em todas as áreas do governo. Ele também está convencido de que o pacote expressa uma tenta-tiva da presidente Dilma Rousseff de recuperar o controle sobre a política de gasto público. “Tenho a impres-são de que ela quis dar uma espécie de ‘soco na mesa’ para recomeçar de novo, freando demandas cada vez mais volumosas de incentivos fiscais

Ao baixar duro pacote fiscal e aumentar a taxa básica

de juros por três vezes consecutivas, governo desperta

controvérsias em relação ao rumo do desenvolvimento

brasileiro.

Coryntho Baldez

e aumento de recursos para inúmeros setores”, frisa David Kupfer.

Ao comentar a possibilidade de possível mudança no script desenvol-vimentista sustentado pelo projeto vitorioso nas urnas em 2010, Kupfer afirma que isso dependerá de como as medidas serão executadas. No pla-no teórico, diz que elas não conflitam com os objetivos do desenvolvimento – “um processo de longo prazo” – e vê com naturalidade a dosagem da velo-cidade de crescimento: “É um proces-so que chamamos de stop and go. De fato, não vejo contradição entre desen-volvimento e estabilização. O que não se pode é recorrer a políticas de es-tabilização que tenham uma nature-za antidesenvolvimento, como se fez longamente no país durantes os anos 1980 e 1990, quando se adotava uma

estratégia de estabilização que conde-nava o país ao baixo crescimento”.

Recuperação e expansãoFernando Cardim, professor titu-

lar do IE da UFRJ, ao analisar o ce-nário econômico anterior, afirma que o governo federal, corretamente, im-plementou uma série de medidas ex-pansivas quando a crise internacional chegou ao Brasil, no final de 2008. As medidas – lembra – incluíam desde a expansão de investimentos públicos, como o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e similares, até a concessão de estímulos localizados em favor da compra de bens de con-sumo durável. O efeito expansivo des-sas ações, para Cardim, se somava ao de outras medidas – de caráter mais estrutural – visando à diminuição das

desigualdades seculares da sociedade brasileira, através não apenas de ini-ciativas como o Bolsa Família, mas também, por exemplo, do aumen-to do salário mínimo. Segundo ele, a economia brasileira se recuperou com rapidez da pressão recessiva so-frida no fim de 2008 e início de 2009, e retomou a rota de crescimento pré-crise. “Nesse quadro, é inevitável que o governo tenha de diminuir a pres-são sobre a economia, retirando os es-tímulos antirrecessivos que já não se justificam mais. Se o valor dos cortes é adequado ou não é outra discussão, e podem coexistir várias posições, mas que alguma normalização da po-sição do governo se tornava necessá-ria, diminuindo a pressão expansiva, me parece claro”, frisa o especialista em Macroeconomia.

onde vai?Para

a nau da economia?economia

Marco Fernandes

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UFRJJornal da 4 Maio 2011Economia

Fernando Cardim não avalia que o pacote fiscal não se choca com a ban-deira desenvolvimentista do governo. Para o docente, as medidas de nature-za redistributivas foram mantidas. Ele assinala que, no combate à contração da economia, o que importa é que o governo expanda seus gastos. Em sua opinião, passado o período recessivo, o problema do desenvolvimento diz respeito menos à quantidade e mais à qualidade e à estrutura dos gastos públicos. “Não sei se o novo governo vai conseguir fazer isso, mas melhorar a eficiência do gasto público é crucial para que o Estado possa dar o suporte necessário ao desenvolvimento”, assi-nala o professor.

Armadilha macroeconômicaDe acordo com David Kupfer, há

também um problema de ordem es-trutural que emperra o desenvolvi-mento econômico: o modelo de juros altos e câmbio baixo – com o dólar menos valorizado em relação ao real. “Estamos em uma espécie de arma-dilha, montada ao longo do tempo”, sentencia o economista. Para o pes-quisador, a economia se adaptou aos juros elevados e ao real mais forte frente ao dólar, alcançou até algum dinamismo, mas não conseguiu esca-par de uma nociva circularidade.

Segundo ele, se o governo desva-loriza o real dificultando as importa-ções, os preços internos sobem, o que o obrigará a aumentar os juros – uma medida que atrairá dólares e voltará a valorizar o real. Se baixar os juros, a economia responde com uma acele-ração excessiva, o que também exigirá contenção. “Seria necessário um pro-jeto de longo prazo e uma capacidade de articulação política em torno dele para permitir que o Brasil saia rapida-mente desta armadilha. Provavelmen-te, o que vai se tentar é desembarcar, ao longo do tempo, desta situação, em um processo mais gradual. Infe-lizmente, a conjuntura mundial está andando em uma direção que provo-ca dificuldades para o país”, lamenta Kupfer.

A crise financeira global de 2008 abriu oportunidades para o Brasil quebrar a armadilha do câmbio, na opinião do especialista em Padrões de Desenvolvimento Econômico. Isso porque a crise levou a taxa de câmbio para um nível em que o valor médio do real era de R$ 2,40 em relação ao dólar, abrindo espaço para a redução dos juros. “Houve o entendimento de que deveríamos manter os juros elevados durante aquele período. O Brasil superou a crise, mas voltou ao seu estágio anterior, que é o da relati-va imobilidade no que diz respeito à construção do desenvolvimento eco-nômico. O governo até demonstra, desde 2009, interesse crescente em impedir a continuidade do processo de apreciação do real, mas em su-cessivas ocasiões isso tem sido usado

para frear a inflação, como está acon-tecendo agora. É uma armadilha de política macroeconômica cuja saída é muito difícil”, destaca o professor.

Que alternativas?Em relação a políticas

antiinflacionárias al-ternativas ao corte de gastos e ao aumento de juros, Fernando Cardim afirma que a ação apropriada depende da natu-reza do processo de aumento de pre-ços e da tolerância da sociedade face ao crescimento da inflação em compa-ração com o custo da desaceleração da economia – como o desemprego –, que acar-retará o combate à alta de preços.

Segundo o docente, o Brasil e o mundo passam por um período complicado, em que pressões importantes se fazem sentir em preços de alimentos, de energia, entre outros. “Não há políti-ca econômica que possa evitar pagar esse custo. Por outro lado, há o pro-blema de como essas pressões de ori-gem externa se propagam pela econo-mia. Todo mundo que sofre perdas de renda real tende a transferir a perda para os outros, demandando reajustes dos preços do que vende. Com isso, a pressão inicial se propaga pela econo-mia”, analisa Cardim.

Segundo ele, as políticas fiscais e monetárias contracionistas tentam impedir a propagação do aumento dos preços. Caso caia a demanda pelo que se vende – inclusive da força de trabalho – não há como repassar aos preços os aumentos sofridos pelo de-tentor da mercadoria. Na opinião de Cardim, o erro não foi aumentar a taxa de juros neste momento, porque as pressões inflacionárias pareciam mesmo se avolumar e a experiência passada mostraria baixa tolerância da sociedade brasileira com a inflação. “O problema que vejo com a política monetária do Banco Central nos úl-timos anos é sua assimetria. O Banco reage rapidamente quando se trata de subir os juros, mas reage com apatia e lentidão quando a situação pede re-dução. Com isso, toda vez que se vive a necessidade de aumentar os juros

já se parte de níveis excessiva-mente altos”, afirma o professor.

Cardim observa que gran-de parte do efeito que se espera da política monetária tem a ver com o sinal dado pelo Banco Central: o en-durecimento pelo aumento dos juros ou o apoio à expansão pela redução da taxa. “É o diferencial que importa mais do que o nível. Como o Banco Central age de forma assimétrica, o nível está sempre muito mais alto do que é razoável”, critica o docente.

Para ele, existem alternativas de combate à inflação, embora ressalte que não é fácil programá-las. Exem-plifica com a chamada política de rendas, que funcionou bem nos paí-ses escandinavos por décadas, que se refere às formas de coordenar as va-riações de preços e salários de modo a distribuir melhor as perdas – “ine-vitáveis com choques de preços como os que ocorrem hoje com alimentos e energia”. Algo menos difícil e eficaz, segundo ele, seria remover as formas de indexação ainda sobreviventes na

economia, inclusive nas tarifas de serviços de infraestrutura. “A dificul-dade é que vários desses mecanismos foram estabelecidos nos processos de privatização e sua troca, agora, exigi-ria mudanças contratuais. Mas quan-do o preço da carne afeta de modo mecânico e direto a tarifa de energia elétrica, o sistema tem de ser repensa-do”, avalia o economista.

O risco de desindustrializaçãoDavid Kupfer também alerta que

a combinação de juros altos com taxa de câmbio baixa é muito hostil à ati-vidade industrial e, em longo prazo, permitirá somente a sobrevivência de setores muito competitivos. No caso brasileiro, seriam aqueles vinculados ao extrativismo mineral e à agricultu-ra que têm estruturas de custos muito eficientes na comparação internacio-

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5UFRJJornal da

Maio 2011Maio 2011 Economia

nal. O professor explica que os juros elevados encarecem o ca-pital e uma taxa de câmbio baixa encarece os custos internos em dólar. “O salário em dólar no Bra-sil, por exemplo, está muito alto em comparação com outros países. Isso terá um efeito negativo na atividade industrial. O risco de desindustriali-zação vai se tornando cada vez mais concreto na medida em que, desde 2005, esse quadro não se reverte”, res-salta o pesquisador. Há mais de cinco anos, há um processo de valorização do real que, na análise do economista, faz com que a indústria venha pro-gressivamente perdendo competiti-vidade: “Isso está começando a minar mesmo a capacidade de resposta da indústria”.

De acordo com Kupfer, se a de-sindustrialização ainda não é uma

ameaça iminente, o Brasil já pas-sa por um processo estrutural de primarização das exportações. A desindustrialização poderá ser a

etapa posterior. No entanto, ele lembra que o peso do setor externo na economia brasileira é relativamen-te pequeno. “Ao contrário de econo-mias asiáticas, montadas em torno de plataformas de exportação, a brasilei-ra é uma economia de mercado in-terno. Por isso, há uma diferença en-tre a mudança estrutural na balança comercial e a mudança estrutural no complexo produtivo, que será muito mais grave caso venha a ocorrer”, ad-verte o professor.

No curto prazo, o que é possível prever, com alguma segurança, é a redução do dinamismo econômico brasileiro. Segundo Fernando Car-dim, o crescimento deve ser menor

do que no ano passado. “Porém, isso não quer dizer grande coisa, já que os 7,5% de expansão em 2010 se expli-cam em boa parte porque em 2009 houve queda do Produto Interno Bruto (PIB). Não foi somente expan-são, foi recuperação, seguida de algu-ma expansão. Depois é esperar para ver qual vai ser a política econômica adota-da. A economia brasileira é muito dinâ-mica, novas fontes de demanda foram estabelecidas pelas políticas redistributi-vas, as expectativas permanecem otimis-tas e isso é bom”, destaca o professor do IE-UFRJ.

Por outro lado, Cardim adverte que o resultado do balanço de pagamentos brasileiro – síntese das transações de bens e serviços com o exterior – é cada vez mais preocupante, especialmen-te diante das incertezas da economia mundial. “Isso acontece não apenas pelos efeitos duráveis da grande crise ente 2008 e 2009, mas também pela variada sucessão de incertezas, como a criada pela situação japonesa, a ins-tabilidade climática e a insegurança política mundial”, enumera o espe-cialista.

Posição incômodaDiante do atual cenário econômico

internacional, David Kupfer teme que, caso o Brasil não adote uma política in-

dustrial mais ousada, acabará condenado a ser um exportador de commodities ao longo do todo o século XXI. Ele comenta que a situação hoje é muito diferente de todas as que já vivemos historicamente, inclusive da década de 1930, quando o país era uma economia primário-expor-tadora. “A situação que o Brasil enfren-ta hoje é única na trajetória econômica brasileira. Existe em andamento uma mudança no mundo que está nos em-purrando para o papel de exportadores de commodities. O que acontece é que, se tivermos políticas de ajustamento muito passivas, que fiquem cuidando apenas de manter a saúde macroeconômica do país, o mundo nos empurrará para essa posição de exportadores de produtos primários”, adverte o especialista.

Por isto, o professor considera essen-cial uma política industrial muito bem feita, destinada especialmente a setores de maior conteúdo tecnológico, a fim de criar condições para uma mudança estrutural que retire o país da posição se-cundária que ocupa hoje no mundo. Ele espera que o minério nacional, a produ-ção do pré-sal e as exportações agrícolas sejam a ponte que permita ao Brasil a travessia para outro perfil de economia – que pode ser exportadora de recursos naturais, mas que desenvolva uma estru-tura industrial de século XXI dentro do espaço nacional brasileiro.

Um dos objetivos do governo com o pacote fiscal é economizar R$ 117,8 bilhões – 60% a mais do orçamento previsto para a Educação este ano – a fim de pagar os juros da dívida interna. Mas por que existe, hoje, um orçamento para pagar uma elevada conta de juros praticamente intocável e livre de qualquer corte?

Para David Kupfer, professor do Instituto de Economia (IE) da UFRJ, é preciso fazer um diagnóstico da situação. Ele diz que o Brasil teve uma melhora impor-tante na relação entre a dívida interna e o Produto Interno Bruto (PIB). A dívida somada caiu para 40% do PIB. “Isso foi fruto de um esforço fiscal muito grande. O que justificava a obsessão pelo superávit primário é exatamente o pagamen-to e a redução da dívida”, assinala o especialista.

Se, em face ao tamanho do PIB, a dívida caiu, Kupfer lembra que, por ser de curto prazo, ela necessita ser rolada permanentemente – uma das razões do au-mento da taxa de juros. “Os detentores de riqueza ficam avaliando as condições de vulnerabilidade fiscal do país para comprar títulos da dívida pública. Se o país dá sinais de perda de robustez fiscal, esses investidores recuam e dificul-tam a rolagem da dívida, o que levará, na prática, à necessidade de aumentar os juros, realimentando esse processo”, explica o professor. Ele defende outro sistema financeiro, a partir de uma construção institucional prévia, para que o Brasil escape da armadilha relativa ao financiamento da dívida pública.

Para Fernando Cardim, o superávit primário tem a “missão” de permitir uma redução da dívida pública. Assim, haveria um lado bom, que seria reduzir a dependência que o governo mantém do mercado financeiro, pois precisaria cada vez menos dele para financiar suas atividades. Segundo o professor do IE, o problema dessa política, desde 1999, quando se começou a fixar metas de superávit primário, é que ela se tornou simplesmente um meio de tranquilizar mercados financeiros, exigindo-se pouco em troca.

Superávit primário – explica Cardim – não implica redução de gasto público, mas o seu redirecionamento. Deixa-se de gastar em alguma área para se efetuar o pagamento de juros e, quando possível, o resgate de dívida. Mas, segundo ele, com a dívida pública de curto prazo, “tende-se a enxugar gelo”, pois o Banco Central aumenta as despesas públicas automaticamente quando sobe a taxa de juros. “É esse o mecanismo que tem de ser quebrado”, avalia Cardim. Se isso acontecer, sustenta que a redução da dívida pública – por meio do superávit primário – pode ser mais um dos objetivos da administração financeira do go-verno a ser confrontado com outras metas do Estado.

O intocável gasto financeiro

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UFRJJornal da 6 Maio 2011Saúde

A saúde é direito de todos e dever do Estado.” É o que diz o artigo 196 da Cons-

tituição Federal brasileira, que criou, em 1988, o Sistema Único de Saúde (SUS), responsável pela assistência à saúde de toda população brasileira. A proposta de um sistema universal de Saúde no Brasil é exemplo para o mundo inteiro. Seu funcionamento, no entanto, tem sido alvo de críticas, desde a sua institucionalização, princi-palmente por parte da mídia, que, com suas imagens e “fatos”, corrobora com o senso comum de uma Saúde Pública de hospitais sucateados, de longas filas e da falta de profissionais. Mas, quem contrata um plano de saúde pode até ter atendimento imediato, porém tam-bém encontra dificuldades no que diz

Mariana Finelli

respeito à qualidade da assistência, à abrangência da cobertura, a procedi-mentos médico-hospitalares, além de outros aspectos.

Por que, então, os brasileiros conti-nuam pagando pelos serviços de Saú-de que deveriam ser oferecidos gratui-tamente pelo Estado? De acordo com uma pesquisa elaborada pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) junto a famílias brasileiras, as principais razões para se ter um plano de saúde são a maior rapidez ao reali-zar uma consulta ou exame e pelo fato de ser um serviço oferecido gratuita-mente pela empresa em que trabalha, através dos chamados planos coletivos.

De acordo com Lígia Bahia, profes-sora da Faculdade de Medicina (FM) e pesquisadora do Instituto de Estu-

dos em Saúde Coletiva (Iesc) da UFRJ, 25% dos brasileiros contam, hoje, com serviços de plano ou seguro de saú-de e o mercado continua crescendo. “Não temos a estimativa precisa, mas entre as décadas de 1960 e 1970, cerca de 15% da população tinha plano ou seguro de saúde. A proporção do cres-cimento tem se mantido estável nos últimos anos, mas, em números abso-lutos, de 2003 para cá, são dez milhões de brasileiros que adquiriram esses serviços, o que representa uma expan-são do mercado”, explica Lígia, que é doutora em Saúde Pública e especia-lista em Sistemas de Proteção Social e Saúde.

O sistema híbrido de saúde pú-blica e privada existente no Brasil faz com que surjam distorções no siste-ma, segundo Nelson de Souza e Silva, também professor da FM-UFRJ. De acordo ele, os planos de saúde inves-tem cada vez menos em atendimento

de emergência, e a espera em hospitais particulares, hoje, se compara a do setor público. “Acaba se criando uma divisão no acesso à Saúde entre quem pode e quem não pode pagar, o que não condiz com um sistema universal. Mas, ainda assim, tenho mais críticas ao sistema privado de saúde que ao público”, afirma o professor titular, que também é diretor do Instituto do Co-ração Edson Saad (Iceas) da UFRJ. Entre as críticas ao setor privado, Nelson Souza e Silva cita o mau uso dos investimentos em exames des-necessários, enquanto a remunera-ção dos médicos continua baixa.

Uma das maiores distorções des-se sistema híbrido apontada pelo médico é o episódio em que há du-plicidade de pagamento pelos servi-ços de saúde. Ele explica que muitos pacientes passam por procedimen-tos em hospitais privados, mas aten-didos pelo SUS. Essa prática gera o pagamento interno pelo SUS e a cobrança pelos planos de saúde, ou, se a pessoa não tiver cobertura, é feita uma cobrança adicional. “Através do cruzamento de dados da Comunica-ção de Internação Hospitalar (CIH), que, por lei, todo o setor privado deve-ria registrar, e da Autorização de Inter-nação Hospitalar (AIH), que é feita no setor público, percebemos a existência de pacientes que foram internados, no mesmo dia, tanto pelo setor priva-do quanto pelo público, gerando duas cobranças”, relata o professor. A cons-tatação deu origem a um relatório en-viado pelo Iceas à Agência Nacional de

Apesar de um sistema universal de saúde propor que a população tenha atendimento e os direitos de acesso aos serviços de forma igual, não é este o cenário apresentado no Relatório de Desigualdades Raciais, realizado por Marcelo Paixão, professor do Instituto de Economia (IE) da UFRJ e membro do Laboratório de Análises Econômicas, Históricas, Sociais e Estatísticas das Relações Raciais (Laeser).

O estudo mostra que o sistema de saúde brasileiro trata de forma desigual pretos e pardos em comparação à população considerada branca. Entre os dados coletados, o percentual de pretos e pardos atendidos pelo SUS, e que não avaliaram o sistema de forma positiva, está em 17,4% contra 12,2% de brancos.

A desigualdade racial no atendimento do SUS

Ao comparar o número de homens e mulheres que não procurou atendimento de saúde mesmo tendo necessidade com o total de pessoas que buscaram o serviço, os números apontam que, entre os homens, 35,2% eram pretos e pardos e 15,9% brancos. Entre as mulheres, 26,1% eram pretas e pardas e 13,1% brancas.

Ainda assim, o estudo indica que a população preta e parda demanda mais atendimento do SUS do que a população branca. No total de óbitos por razão desconhecida decorrente de falta de atendimento, 47% eram pretos e pardos, 31,1% eram brancos e 21% tiveram a cor ignorada.

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7UFRJJornal da

Maio 2011Maio 2011 Saúde

Saúde Suplementar (ANS), que regula os planos e seguros de saúde privados no Brasil.

Regulação dos planos de saúdeA ANS foi criada em 2000 para atu-

ar, vinculada ao Ministério da Saúde, na regulação de empresas de planos privados de assistência à Saúde. Lígia Bahia questiona a criação da agência. “Talvez não fosse necessário existir a ANS. A regulação deveria estar no sis-tema, no próprio Ministério da Saúde. A ideia de fazer uma regulação à par-te do ministério ou do SUS pode ser a principal falha. A ideia inicial de uma regulação mais abrangente é dife-rente do que é feito hoje. A ANS não consegue regular o preço dos planos coletivos – que são a maioria -, nem a quantidade de dias de internação e exames previstos, e também não regula o acesso, pois é contratual”, argumenta a professora.

Na análise da pesquisadora, há o reconhecimento da importância do trabalho da ANS na atualização permanente do rol de procedimen-tos, com coberturas progressivas. Para ela, é essencial que as cobertu-ras dos planos de saúde sejam mais amplas, o que configura, normativa-mente, um avanço na regulação. Re-cuperando o tom crítico, a pesqui-sadora do Iesc aponta os retrocessos presentes na ANS, entre eles, o fato de o atual presidente, Maurício Ceschin, ter sido empresário no ramo da saú-de: foi superintendente do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, e pre-sidente-executivo do grupo Quali-corp, empresa de viabilização e ges-tão de benefícios na área da saúde, antes de ser indicado ao cargo pelo ex-presidente Lula e aprovado na sabatina do Senado Federal.

A associação entre o mercado de planos de saúde e representações políticas tem sido estreitada, desde a década de 1960, quando as empre-sas de planos de saúde chegaram ao Brasil. “Elas sempre tiveram poder no Brasil. Foram instituídas pelo governo militar e tinham poder burocrático. Pessoas das empresas tinham lugares importantes na máquina governamen-tal. Nas últimas décadas, perderam esses lugares. O que é interessante é que avançamos e recuamos, voltamos a ter o padrão de empresários no apa-relho do Estado”, explica Ligia Bahia, atentando para o fato de que sempre houve representação no parlamento para esse setor. A diferença, segundo ela, é que hoje é possível quantificar esses representantes com maior preci-são, permitindo aprimorar os estudos e observar o crescimento das empresas envolvidas.

Doações para campanhas eleitoraisO estudo Representação política

e interesses particulares na saúde: o caso do financiamento de campanhas eleitorais pelas empresas de planos de

saúde no Brasil, realizado por Lígia Bahia junto com o pesquisador Mário Scheffer, do Departamento de Medici-na Preventiva da Universidade de São Paulo (USP) revela que, em 2010, em-presas do setor da Saúde Suplementar destinaram, através de doações, mais de R$ 12 milhões para as campanhas eleitorais de 157 candidatos de 20 par-tidos. De acordo com a pesquisa, entre os que receberam essas doações, foram eleitos 38 depu-tados federais, 26 deputados estadu-ais, cinco senado-res, além de cinco governadores e da presidente da República, Dilma Rousseff. A partir das declarações de prestação de contas feitas pe-los candidatos ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), os pesquisadores, que estudam o tema desde as eleições de 2002, observaram que, em 2010, as doações cresceram em quase R$ 5 milhões em relação a 2006, quando fo-ram arrecadados R$ 7,1 milhões para campanhas eleitorais.

As doações não comprovam que os candidatos sejam alinhados aos

interesses dos planos de saúde, mas, segundo Lígia e Scheffer, podem ter relação com troca de favores ou com compromissos e envolvimentos an-teriores com o setor de Saúde Suple-mentar. Essa representação garante às empresas de planos privados que seus interesses sejam defendidos, na Câmara e no Senado, através das co-missões permanentes - como as de Seguridade Social, Saúde e Defesa do

Consumidor - em comissões espe-ciais e audiências públicas.

Sistema privado versus SUS

Lígia Bahia re-afirma que deve ser investido mais em Saúde no Bra-sil e que os recur-sos deveriam ser direcionados de forma mais efi-ciente. Segundo

ela, o setor privado recebe 55% dos recursos destinados à Saúde, enquan-to o setor público, os 45% restantes. Levantamentos de um dos estudos da professora sobre as receitas e despesas da ANS indicam que, de 2005 a 2009, os empréstimos a planos de saúde au-mentaram 210%. Enquanto isso, no

período de 2007 a 2009, a agência ar-recadou 31% menos recursos através do ressarcimento ao SUS, processo em que as empresas de Saúde Suple-mentar devem retornar aos cofres públicos o que ela deixou de gastar quando um cliente foi internado na rede pública.

O ressarcimento ao SUS é um tema que divide opiniões entre os pesquisadores. Junto ao discurso que defende a restituição como forma de justiça econômica, ou seja, fazer a re-posição do que o SUS gastou no aten-dimento da pessoa que possui plano de saúde e teria cobertura para tal, existe a máxima de que um sistema universal é para todos e um dever do Estado, o que tornaria a cobrança in-constitucional.

Para Ligia, o ideal seria ampliar a cobertura dos planos de saúde para que o ressarcimento não fosse ne-cessário. “As coberturas deveriam ser ampliadas, e para isso os planos se-riam caros e poucas pessoas teriam acesso. Não sou contra os planos de saúde. Eles não devem ser concorren-tes ou predadores do setor público, como acontece quando a cobertura é restrita”, afirma a pesquisadora, citan-do o caso de um empresário de São Paulo que teve medicamento negado pelo plano de saúde, que o encami-nhou para receber a medicação pelo SUS.

Como os brasileiros avaliam o SUSNa pesquisa realizada pelo Ipea, os

serviços públicos de saúde prestados pelos SUS foram mais bem avalia-dos pelos entrevistados que tiveram experiência com esses serviços do que pelos que não foram considera-dos usuários. Entre os que usam o SUS, 30% disseram que o serviço é bom, 42% consideraram regular e 27% avaliaram como ruim. En-tre os não usuários, as avaliações positivas foram feitas por 19%, 46% avaliaram como regular e 34% consi-deram o serviço ruim.

Entre os serviços prestados, o atendimento pelo programa Saúde da Família foi o mais bem avaliado, seguido pela distribuição gratuita de medicamentos. Já o atendimento em centros e postos de saúde ficaram com as piores avaliações entre os ser-viços prestados pelo SUS. O relatório do Ipea sugere que quando o entre-vistado faz a avaliação específica de cada um dos serviços prestados pelo SUS, ele é convidado a refletir sobre sua própria experiência na utilização desses serviços, enquanto, em uma avaliação geral, é maior o peso das informações de outras fontes, como a mídia na formação da percepção do indivíduo. A pesquisa também indicou que os entrevistados desejam maior facilidade e qualidade no acesso aos serviços públicos de saúde, através da contratação de médicos e na dimi-nuição na espera do atendimento.

Marco Fernandes

“Acaba se criando

uma divisão no acesso

à Saúde entre quem

pode e quem não

pode pagar, o que

não condiz com um

sistema universal.

Ligia Bahia: planos de saúde não devem ser concorrentes ou predadores do setor público.

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Maio 2011UFRJJornal da 8 Maio 2011

A tragédia que assolou, so-bretudo, as províncias de Iwate, Fukushima e

Miyagi, resultou na morte de 14.616 pessoas, fora as 11.111 que ainda estão desaparecidas, e deixou um cenário de-solador, com 25 milhões de toneladas de escombros. Em meio a todo esse drama, o fato que mais ocupou o noticiário in-ternacional foi o vazamento de material radioativo da usina de Fukushima, seria-mente danificada com o sismo.

O abalo sofrido pela estrutura da usina foi responsável pela falha dos ge-radores auxiliares de energia, responsá-veis pela refrigeração dos reatores. Os índices de radioatividade no entorno de Fukushima subiram a níveis perigosos, tendo inclusive contaminado parte da produção agrícola da região. O governo japonês e a empresa Tokyo Electric Po-wer (Tepco) tentaram resfriar os reatores com o bombeamento de água do mar.

Apesar do sucesso em conter o su-peraquecimento, ocorreu um vazamen-to de 11 mil toneladas de água radioati-va (com iodo 131 e césio 137) por uma fissura de 20 cm na parede da usina. No dia 5 de abril, a Tepco conseguiu inter-romper o fluxo após injetar 1,5 mil litros de silicato de sódio, conhecido como vidro solúvel. Ainda assim, a atividade pesqueira a 20 km da costa permanece proibida por tempo indeterminado.

O incidente – considerado o mais grave na indústria nuclear desde Tcher-nobyl – reavivou o debate público, em nível internacional, acerca das diferentes formas de produção de energia e trouxe à baila velhos discursos esgrimidos de tempos em tempos contra a tecnologia nuclear.

Na Alemanha, em meio a grandes protestos de ambientalistas (na Pont de l’Europe, que liga a França e a Alemanha sobre o rio Reno, entre a cidade france-sa de Strasbourg e Kehl, do lado alemão, manifestantes gritavam “Chernobyl, Fukushima, nunca mais”), a primeira-ministra Angela Merkel, que ano passa-do elaborara um plano para aumentar o total de energia nuclear produzido no país, ordenou que os seis reatores mais antigos da Alemanha fossem desativa-dos.

Na contramão de franceses e ale-mães, o primeiro-ministro russo Vlad-mir Putin informou que a Rússia con-tinuará a construir novas estações de energia. Não obstante, Putin também ordenou uma abrangente revisão de se-gurança nas instalações nucleares russas.

O polêmico abalo da

energia nuclearApós o terremoto de nove graus na escala Richter e o subsequente tsunami que devastaram parte do nordeste do Japão, a conveniência do uso de tecnologia nuclear para a geração de eletricidade voltou a estar em xeque, no mundo todo.

Bruno Franco

De acordo com Odair Gonçalves, professor do Instituto de Física (IF) da UFRJ e presidente da Comissão Nacio-nal de Energia Nuclear (Cnen), o pro-grama nuclear brasileiro, por ser um planejamento político, é, naturalmente, passível de mudanças. “O programa nuclear é muito complexo, não envolve somente a geração de energia. Temos a construção de um reator de pesquisas, que é basicamente para a fabricação de radiofármacos. Há utilização de fontes nucleares para a indústria, a agricultura, Ciências Ambientais. Há uma gama de usos muito grande e quem define a apli-cação da tecnologia nuclear é o governo”, explica Gonçalves.

Um debate necessárioNa opinião de Odair Gonçalves, o

debate em torno do programa nuclear é natural. “Na democracia, quando acon-tece algo é normal que o fato suscite dis-cussão. Ele pode vir a alterar o programa nuclear brasileiro, mas isso depende de como esse debate vai acontecer. Do pon-to de vista técnico, não existe razão algu-ma para que o programa seja alterado”, avalia o professor.

Para Jorge Luiz do Nascimento, co-ordenador do Laboratório de Fontes de Energia Alternativas (Lafae), do Depar-tamento de Energia Elétrica (DEE), do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe) da UFRJ, quando ocorre um acidente de tal porte, tudo deve ser re-pensado. “Pelas informações que temos, não houve planejamento para caso de vazamento. Projetaram uma estrutura forte o bastante para não ruir, mas faltou um plano de retaguarda para caso ocor-resse um vazamento. Isso certamente trará a necessidade de novas normas para a construção das próximas usinas”, acredita o pesquisador.

De acordo com o presidente da Cnen, não existe possibilidade de que um acidente como o de Fukushima ocorra no Brasil. Quanto a outros possí-veis problemas que têm sido aventados pela mídia e por políticos como Fernan-do Gabeira, como riscos de deslizamen-to de terra, “a Eletronuclear monitora as encostas constantemente e mesmo que ocorresse não atingiria a usina” afirma, Odair Gonçalves.

Apesar disso, os procedimentos de segurança das usinas de Angra estão sen-do revistos, com alterações no programa de evacuação de emergência, instalação de novas alternativas caso falhem os ge-

radores, como uma pequena hidrelétrica na montanha que alimentaria o sistema de refrigeração.

Repensando a geração de energiaJorge Luiz do Nascimento concorda

que o programa nuclear não deve ser in-terrompido. Para o engenheiro, se as usi-nas nucleares são vilãs, as hidrelétricas também o são. “Elas alagam vastas áreas, destroem vegetação; as pessoas têm de ser removidas. Essa história de vamos retirar os animaizinhos é “para inglês ver”. Se você pensar em poluição de uma forma ampla, ela é altamente poluidora”, critica o especialista.

Para o professor, o imaginário social teme a energia nuclear, porque quando há um vazamento, pessoas podem mor-rer. “Mas, abandoná-la não tem sentido. Porém deveríamos avaliar a substitui-ção da usina nuclear por outro tipo de termoelétrica, que seria a termossolar. Além disso, deveríamos repensar o mo-delo de consumo, o que é mais difícil”, avalia Jorge Luiz.

Em sua opinião, o planejamento energético do país deveria se basear em fontes renováveis, que utilizem proces-sos que tenham poucas conversões. “En-tra aí o incentivo à pesquisa. Quando se fala em biomassa, as pessoas pensam em queimar bagaço de cana, mas não é ape-nas isso. O esgoto doméstico também é biomassa. A energia deveria ser produzi-da no próprio local de consumo. Pois em todo o transporte de energia há perdas”, esclarece o professor.

No entendimento de Jorge Luiz, a única fonte alternativa com esse poten-cial substitutivo é a usina termossolar, exatamente como a termoelétrica, mas

Energia

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Maio 2011Maio 2011 9UFRJJornal da

Maio 2011 Energia

O polêmico abalo da

energia nuclear

sem a utilização do combustível fóssil: “Precisamos apenas de campo para posi-cionar os espelhos. O custo inicial é ele-vado, mas depois se torna muito barato, e o potencial de geração é muito grande”.

Segundo Odair Gonçalves, as fontes alternativas não podem ser usadas como energia de base, que fica ligada o tem-po todo. “Não se pode fazer isso com a eólica e a solar, que são intermitentes. Para indústrias e hospitais precisa-se de fontes que gerem energia o tempo todo, como é o caso de hidrelétricas, térmicas, dentre as quais a nuclear, que é a mais limpa e mais barata”, explica o pesquisador.

O presidente da Cnem destaca que a produção do chamado lixo nucle-ar não é problema significativo. “Em todo país, se trabalha com depósitos permanentes ou reprocessamento de combustível. Os depósitos permanentes precisam ter um tamanho mínimo para serem viáveis. O Brasil ainda não atin-giu esse patamar”, informa o físico, que explica ainda que a produção de rejeitos pelas usinas nucleares é muito pequena: “Caso tivéssemos 20 usinas em funcio-namento e elas operassem por 60 anos, a produção total de rejeitos ocuparia metade de um campo de futebol”.

Impasse entre ambientalistasEmbora o Greenpeace organize e

lidere manifestações contra a energia nuclear, e essa seja uma causa comum a muitos ativistas, nem todos os ambien-talistas se insurgem contra o uso de tec-nologia nuclear para a geração de eletri-cidade. Alguns chegam mesmo a defen-dê-la, como é o caso de Patrick Moore, um dos fundadores do Greenpeace.

Moore – que defende a tecnologia nuclear como forma de gerar energia com baixa produção de CO2 – em entre-vista à revista Época explicou a mudança de postura. “Acreditávamos que a ener-gia nuclear estava inevitavelmente ligada às armas atômicas. Na verdade, reatores são usados até na Medicina para produ-zir medicamentos que tratam milhões de pessoas. Muitas tecnologias podem ser usadas para o bem ou para o mal. Você pode voar em um avião para promover uma missão de paz ou para destruir uma cidade com uma bomba”, relativizou o ativista.

Outro que mudou de lado é o am-bientalista inglês George Monbiot, colu-nista do jornal The Guardian. Monbiot criou polêmica ao afirmar em sua coluna semanal que o acidente em Fukushima, em vez de estimular-lhe a verve crítica, tornou-o “um partidário das usinas nu-cleares”. No artigo, o ambientalista argu-menta: “Uma usina velha e dotada de recursos de segurança insuficientes foi atingida por um monstruoso terremoto. As redes de energia falharam, derruban-do o sistema de refrigeração. Os reatores começaram a explodir. O desastre expôs um legado conhecido: projetos deficien-tes e o uso de gambiarras para reduzir custos. Mas, pelo menos, até onde sabe-mos, ninguém recebeu uma dose letal de radiação”.

Monbiot diz preferir que o setor fos-se fechado, caso houvesse alternativas viáveis. “Mas, a fonte de energia a que a maioria das economias recorreria, caso fechassem suas usinas nucleares, não é água, vento ou luz solar, e, sim, o com-bustível fóssil. O carvão é 100 vezes pior que a energia nuclear. A energia nuclear foi submetida a um dos mais severos tes-tes possíveis, e o impacto sobre o planeta foi pequeno. Mesmo quando centrais nucleares têm problemas horríveis, elas causam menos dano ao planeta do que termelétricas a carvão, que operam nor-malmente”, defende o articulista verde.

O ambientalista acredita que o de-sastre ocorrido em uma instalação es-pantosamente situada em uma zona sujeita a terremotos serviu para que o usassem em apoio a posições pré-conce-bidas, que alguns ambientalistas defen-dem por outras razões.

Para o físico e ambientalista alemão Ralf Bönt, que considera a radioativida-de uma assassina insidiosa, Monbiot foi cínico, pois escreveu o artigo enquanto bombeiros arriscavam a saúde e até a

vida para proteger Tóquio, ao passo que a central nuclear ainda libertava radiação

Em defesa da energia nuclear, Mon-biot afirma que o movimento antinu-clear, do qual fizera parte, baseia seus argumentos em falsas premissas. No ar-tigo “Evidence Meltdown” (Desastre das Evidências), também publicado pelo The Guardian, o jornalista revela que desco-briu a debilidade científica da campanha antinuclear em debate com Helen Caldi-cott, uma das mais proeminentes ativis-tas, indicada inclusive ao prêmio Nobel da Paz.

Questionada quanto às fontes que utilizara para embasar sua argumenta-ção antinuclear, Caldicott citara nove documentos. Nenhum dos quais conta-va com referência científica, conforme apurou o jornalista, que refutou o argu-mento de que o desastre de Tchernobyl causara 985 mil mortes.

Segundo o Comitê Científico so-bre os Efeitos da Radiação Atômica das Nações Unidas (Unscear), as consequ-ências da tragédia soviética foram as se-guintes: 134 trabalhadores mobilizados para emergência sofreram problemas motivados pela radiação. Morreram 28, pouco após a operação. Quatro tiveram câncer e dois, leucemia. No restante da população, houve 6.848 casos de câncer de tireoide entre crianças, causados pelo consumo de leite contaminado com o isótopo de iodo 131.

O Comitê assegura que não há evi-dência de que qualquer outro problema de saúde pública possa ser atribuído à radiação e que as pessoas hoje residentes na área afetada não precisam viver com medo de consequências sérias à saúde por causa do acidente de Tchernobyl.

O Unscear desmente ainda a alega-ção recorrente de deformações congêni-tas em fetos como consequência da tra-gédia soviética. Tal cenário não foi cons-tatado, cientificamente, nem mesmo em Hiroshima e Nagasaki, cujas populações foram expostas à radiação de maneira muito mais agressiva e com material in-comparavelmente mais tóxico.

Na avaliação de Monbiot, é dever dos ambientalistas basear seus julga-mentos na melhor informação disponí-vel. “Não devemos apresentar os fatos de maneira justa apenas às outras pessoas, mas devemos a nós mesmos não des-perdiçarmos nossas vidas com contos de fada. O movimento (ambientalista) cometeu um grande erro. Devemos con-sertá-lo”, critica o missivista.

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UFRJJornal da 10 Maio 2011Conhecimento

Ciênciade ruptura

Cientistas de todo o mun-do enfrentam o desafio de desenvolver produtos

em escala reduzida. Não mais em micropartículas, mas a partir da escala nanométri-ca. E essas nanopartículas são usadas em uma série de tratamentos e aplicadas na ge-ração de diversos produtos.

Mas o que caracterizaria um pro-duto nanotecnológico? Seu tamanho e também

Informática, aparelhos telefônicos, cosméticos e suplementos. Essas são algumas das áreas em que se pode aplicar a Nanociência e a Nanotecnologia. Uma ciência relativamente nova que veio para romper as fronteiras do conhecimento.Rafaela Pereira

sua propriedade. “De início, acháva-mos que seria seu tamanho em escala diferenciada. Contudo, não basta o produto ser medido pela escala nano-métrica. É preciso que sua funciona-lidade se destaque devido à redução de seu tamanho”, explica Anna Paola Pierucci, professora do Instituto de Nutrição Josué de Castro (INJC) da UFRJ e responsável pela 5ª edição da Escola de Nanociência e Nanotecno-logia da universidade, que acontecerá entre os dias 1º e 5 de agosto.

Para José d’Albuquerque e Cas-tro, diretor do Instituto de Física (IF) da UFRJ e um dos idealizadores da Escola, esse é um tipo de ciência de ruptura. “Existem tecnologias que são incrementais e outras que são de rup-tura. Nas primeiras, há um processo de fabricação em que se aper-

feiçoa o que já existe. Já as de ruptura rompem com a tecnologia anterior e introduzem novas técnicas, novos procedimentos. A Nanotecnologia tem essa característica. E quem não dominá-la vai ficar para trás”, aposta o professor que pesquisa proprieda-des magnéticas e de transporte de sis-temas nanoestruturados.

E para dominar essa tecnologia é necessário investir em pesquisas. De acordo com os dados da organização Nanoforum (www.nanoforum.org), o investimento público mundial em Na-nociência e Nanotecnologia passou de € 400 milhões em 1997 para cerca de € 3 bilhões em 2004. A comunidade europeia destina € 150 milhões para pesquisa e desenvolvimento. A Na-tional Science Foundation, dos EUA, prevê que até 2015 o mercado para os produtos que incorporam a Nanotec-nologia deverá atingir o patamar de US$ 1 trilhão.

Aqui no Brasil o investimento também é crescente, através da co-munidade científica e das agências

governamentais como, por exemplo, a Agência Brasileira de Desenvolvi-mento Industrial (ABDI). O país tem se mostrado capaz de participar de forma competitiva no cenário inter-nacional.

Segundo estudo da ABDI, publi-cado em 2009 no site do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), entre

1996 a 2005 o número de trabalhos científicos em Nanociência cresceu a uma taxa anual de 16%, ou seja, quatro vezes mais que a taxa de cres-cimento da produção científica nos outros campos do conhecimento. “Na América Latina, o Brasil é o país com maior investimento em Nanotecnolo-gia e também com a maior produção científica na área. Superamos Argen-tina e México”, revela D’Albuquerque e Castro.

Em fevereiro deste ano, uma de-legação brasileira formada por repre-sentantes do governo, institutos e as-sociações envolvidos no desenvolvi-mento do uso da Nanotecnologia no Brasil, foi ao Japão para participar da Nanotech 2011, uma feira considera-da a maior do mundo na área. “O país está em busca dos seus nichos. Quais os setores em que ele poderá ser, de fato, competitivo internacionalmente. Eu apostaria nas áreas de fármacos e cosméticos, que crescem de forma promissora. Há também a aplicação no setor agropecuário e em Nanome-trologia, através do Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qua-lidade Industrial (Inmetro)”, enumera d’Albuquerque e Castro.

Rio Grande do Sul, São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro são es-tados que vêm investindo em ações na área. No Rio Grande do Sul, por exemplo, destaca-se o projeto de ins-

Para José d’Albuquerque e Castro, quem não dominar a Nanotecnologia ficará para trás.

Marco Fernandes

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11UFRJJornal da

Maio 2011Maio 2011 Conhecimento

talação de um Centro de Excelência em Tecnologia Eletrônica Avançada (Ceitec), com investimento da ordem de R$ 130 milhões. Em São Paulo, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) vem apoiando o desenvolvimento da área através de diversos projetos temáti-cos. Em Minas, já está acertada a im-plantação no estado de um Centro de Nanofabricação em convênio com a empresa suíça CSM Instruments S/A, que envolverá um investimento da ordem de algumas centenas de mi-lhões de reais. E no estado do Rio de Janeiro, destacam-se os do Progra-ma de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (PADCT), os Projetos Temáticos e, particular-mente, a criação do Instituto Virtu-al de Nanociência e Nanotecnologia (IVNN) pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Ja-neiro (Faperj).

MultidisciplinarTransitando na fronteira entre

Física, Química, Biologia e Enge-nharia, a área de Nanotecnologia e Nanociência exige melhor forma-ção dos profissionais. “Durante o processo de produção nanométrica,

Anna Paola Pierucci, nutricionista e professora do Instituto de Nutri-ção Josué de Castro (INJC) da UFRJ e coordenadora da Escola de Nano-ciência e Nanotecnologia, desde 2005 conduz estudos para aplicação dos princípios da Ciência e da Tecnologia para projetar e produzir alimentos que ajudem na orientação e na suplementação nutricional com biomate-riais ativos, micro e nanoencapsulados, para formação de atletas de alto desempenho.

De acordo com ela, já há resultados que mostram que a vitamina C encapsulada mantém sua propriedade antioxidante por mais tempo que a sua forma livre. Para testar a eficácia desses suplementos, o projeto-piloto foi até a Federação de Pentatlo Moderno do Estado do Rio de Janeiro (FP-MERJ) para investigar as necessidades específicas dos atletas. No futuro, o desejo é programar esse projeto em vilas olímpicas que, além de exer-cerem função social, são usadas para preparação de atletas de base em diferentes modalidades.

Com um Laboratório de Avaliação Nutricional montado no local de treinamento, a equipe de pesquisa liderada pela professora administrou suplementos alimentares, elaboraram cardápios especiais para os dias de competições e atividades educativas sobre alimentos e alimentação sau-dável. “O suplemento administrado é um gel energético, obtido de mis-tura coloidal de carboidratos, acrescido de vitaminas C e E micro e na-noencapsuladas. Acreditamos que as nanopartículas foram, ao longo do tempo, absorvidas integralmente e depois direcionadas ao local de ação. Observamos a absorção mais lenta e a redução dos indicadores de estresse oxidativo”, explica Ana Paola.

Segundo ela, nesta fase do estudo, os suplementos são produzidos a partir da união das substâncias nano e microestruturadas. Contudo, a partir de agora, o projeto começará a separar essas duas substâncias. “Acreditamos que, quando usarmos apenas as partículas nanométricas, a absorção vai aumentar. E isso é importante para ser trabalhado com vários nutrientes. O ferro, por exemplo, se nós conseguirmos encapsular a partir desse novo modelo poderemos aumentar a absorção do nutriente e melhorar o tratamento de anemia. Isso é o que esperamos, mas a ciência é um mistério”, explica a professora.

Nutrição esportivaem escala nanométrica

precisamos controlar diversas pro-priedades dos materiais. Dependen-do do campo biológico que se tem para aquele produto, se torna neces-sário realizar parcerias com diversas áreas disciplinares”, explica Anna Paola Pierucci.

Para D’Albuquerque e Castro, a multidisciplinaridade define a mu-dança na formação dos profissio-nais. “Entre os grandes desafios é encontrar a melhor formação dos profissionais que vão trabalhar nas empresas, projetando e produzin-do produtos. A gente percebe uma tendência. Se antes se achava que o profissional saía pronto da univer-sidade, hoje se percebe que não. O estudante que se forma na área deve ser capaz de, fora da universidade, aprender, criar e atuar em diferentes setores”, aponta o pesquisador.

A EscolaCom o objetivo de oferecer aos

alunos uma visão abrangente da área, foi criada a Escola de Nano-ciência e Nanotecnologia da UFRJ, um dos produtos do intercâmbio entre grupos e projetos na área, que começaram a surgir após a criação do Instituto

Virtual de Nanociência e Nanotecno-logia da Faperj. “Na época verificou-se que a UFRJ, de longe, tinha o maior conjunto de pesquisadores atuando na área. E a Escola nasceu deste con-junto de pessoas e ideias, oferecendo uma oportunidade que, em geral, o aluno não tem. E a nossa preo-cupação está em unir aulas teóri-cas e práticas, assim é possível co-nhecer as ferramentas usadas, mas também quais as pesquisas que se desenvolvem nessa área”, explica o professor do IF.

O evento, que começou em 2006 e este ano está em sua quin-ta edição, acontecerá entre os dias 1º e 5 de agosto. Com caráter in-terdisciplinar, inerente à ciência, cada ano a Escola é coordenada por uma das unidades envolvidas. E este ano, quem está à frente é o INJC.

De acordo com Anna Paola Pie-rucci, a Escola é direcionada para estudantes que estejam no final da graduação, matriculados em cur-sos de mestrado e doutorado e até profissionais que já atuem na área. Este ano, serão abertas 100 vagas, sendo que cerca de 30 são desti-nadas a quem venha de outros es-tados. “A gente integra alunos de

diferentes cursos – Química, Física, Nutrição, Farmácia e Biologia. Além das aulas práticas e teóricas, promo-vemos eventos para que haja a inte-gração entre as pessoas. Nosso objeti-vo também é integrar o Brasil através da pesquisa, formar novas parcerias e colaborações”, aponta a professora e coordenadora da Escola.

Em 2011, os tópicos abordados serão: Nanobiomateriais; Nanotec-nologia e Meio Ambiente; Inovações em Nanotecnologia; Nanotecnolo-gia na Saúde; e Nanotecnologia na Indústria do Petróleo. “Estrategica-mente o tema ‘Inovações’ incluirá palestras de setores que começam a ganhar destaque em nossa universi-dade na geração de patentes de pro-dutos e processos na produção de produtos nanotecnológicos, sendo eles a Agência UFRJ de Inovação e o Parque Tecnológico”, esclarece Anna Paola.

Na UFRJ, além da Escola há também o curso de graduação em Nanotecnologia, que começou com 30 alunos, em 2010, na Cidade Uni-versitária, e 20 no campus de Xerém.

A iniciativa surgiu da iniciativa de quatro unidades da UFRJ: Instituto de Física (IF), Escola Politécnica (Poli), Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho (IBCFF) e Instituto de Macro-moléculas Professora Eloísa Mano (IMA).

Anna Paola Pierucci: Escola Nano busca oferecer visão abrangente da área, além de intercâmbio entre seus grupos e projetos.

Marco Fernandes

Marco Fernandes

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Maio 2011UFRJJornal da 12 Maio 2011

O desafio de construir

o novo

Uma nova experiência de formação médica vem sendo realizada na

UFRJ, em Macaé. A implantação do curso de Medicina, articulado ao de Enfermagem e ao de Nutrição, pro-cura romper paradigmas do ensino tradicional e promove uma refor-ma curricular baseada nas Diretri-zes Curriculares Nacionais (DCN) do Curso de Graduação em Medi-cina, definidas pela Resolução nº 4, de 07/11/2001, da Câmara de Edu-cação Superior (CES) do Conselho Nacional de Educação (CNE).

Entre os pontos de destaque no perfil esperado do formando em Medicina, está sua visão humanis-ta, crítica e reflexiva. Com forma-ção generalista, o médico deverá realizar sua atividade profissional “pautada por princípios éticos nos diferentes níveis de atenção, com ações de promoção, prevenção, re-cuperação e reabilitação à saúde, na perspectiva da integralidade da assistência, com senso de respon-sabilidade social e compromisso com a cidadania”, segundo preco-nizam as DCN.

A reportagem do Jornal da UFRJ esteve em Macaé e ouviu estudan-tes, médicos, professores e coorde-nadores de curso, buscando identi-ficar quais são os diferenciais que

Curso Médico em Macaé

Fernando Pedro Lopes

qualificam a formação dos futuros médicos e constatou que a implan-tação do curso não se faz sem per-calços e em curto prazo, exigindo muita determinação e participação dos envolvidos.

Um curso em novas basesDesde sua implantação, no se-

gundo semestre de 2009, o curso de Medicina passou a oferecer 60 vagas por ano e desde então é dos mais concorridos na relação can-didato/vaga, que chegou em 2011 próximo a 85 candidatos para uma vaga, a terceira proporção de maior índice em todo o concurso de aces-so à graduação na UFRJ.

Herdeiro da tradição de mais de 200 anos de formação médica de nível superior no Brasil, o curso em Macaé se propõe a inaugurar me-todologias de ensino que priorizem a interdisciplinaridade, o senti-mento de equipe e o compromisso com uma prática em favor da saúde como direito público e que respeite a individualidade do cidadão.

Paulo Eduardo Xavier de Men-donça, professor e coordenador do curso de Medicina da UFRJ em Macaé, observa que boa parte dos médicos dialoga com a doença e não com o paciente. “Perguntamos ao paciente o que ele está sentindo

e não como ele está ou como tem passado. É preciso reencarnar o su-jeito nas relações médico-paciente, permitir que entre humanos possa existir afetação mútua. É aí, e so-mente aí, que existe o cuidado. Do contrário, a prática médica sempre será uma abstração, mediada por uma batelada de exames e divorcia-da de qualquer alteridade, na qual o ‘seu’ José seja reconhecido como legítimo outro.”

O argumento arraigado à for-mação tradicional é de que “se o médico ficar se envolvendo com o sofrimento alheio, não vai ‘aguen-tar a barra’”, comenta Sérgio Zai-dhaft, médico psiquiatra, professor e coordenador do curso de Medici-na da UFRJ na Cidade Universitá-ria do Rio, para em seguida afirmar que “isso é uma desculpa esfarra-pada. Não há como se relacionar com quem quer que seja se não ti-ver algum grau de envolvimento”. Zaidhaft se lembra de um episódio em sala de aula, no qual os alunos do primeiro período assistiram ao relato de um pediatra que infor-mara aos pais de um paciente que a criança era portadora de uma do-ença rara, degenerativa e com pra-zo de vida limitado à adolescência. No debate, as perguntas concentra-ram-se nos aspectos genéticos. Ao

final, Zaidhaft indagou: vocês não ficaram curiosos de saber como é atender um garoto que vai morrer aos 18 anos e a seus pais? Os estu-dantes responderam que isso era muito pessoal.

É evidente que esses sinais de alheamento ao outro concreto tra-duzem uma maneira de ver o mun-do que foi construída no interior de relações sociais que ultrapassam os muros da escola. Logo, alterar essas relações implicará mudanças que também estarão em disputa no interior dos projetos pedagógicos da universidade. Macaé resolveu vivenciar essas mudanças, a come-çar pelos próprios mecanismos de decisão institucional.

A ideia de integração e sociali-zação das decisões levou ao rom-pimento das estruturas departa-mentais convencionais. Segundo Beatriz Gonçalves Ribeiro, pro-fessora e coordenadora do curso de Nutrição em Macaé, “em nossa estrutura administrativa temos so-mente o curso, que é a unidade, e o colegiado de curso, no qual todos os professores e representantes de estudantes e de técnico-adminis-trativos se fazem representar”. Os demais cursos do campo da Saúde – Enfermagem e Medicina – tam-bém funcionam com dispositivo

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Maio 2011Maio 2011 13UFRJJornal da

Maio 2011

semelhante. Os professores que tra-balham no curso médico e também atuam no de Nutrição participam com direito a voz e voto em ambos os colegiados. Beatriz Gonçalves explica que, na prática, o coorde-nador tem autonomia próxima a de um diretor de unidade acadêmica e que as decisões de peso e polêmicas são submetidas ao colegiado: “Isso ajuda a acabar com os nichos de-partamentais, nos quais muitas ve-zes desconhecemos o que o colega de departamento ao lado realiza”.

A estrutura colegiada é provisó-ria, uma vez que os regimentos ain-da não foram aprovados pelo Con-selho Universitário (Consuni), ins-tância máxima de decisão da UFRJ. Também está previsto um Colegia-do Maior, em Macaé, que reúna em uma grande assembleia todos os coordenadores de todos os cursos da UFRJ presentes na região.

Essa concepção organizacional é um marco diferencial em Macaé e tem fortes repercussões na estru-tura de gestão acadêmica. Glaucia Valente Valadares, professora e coordenadora do curso de Enfer-magem e Obstetrícia, explica que os cursos da área da Saúde – Me-dicina, Enfermagem e Nutrição – desenvolvem uma metodologia de ensino que visa à inserção de vá-rios assuntos e temáticas de forma integrada, construindo a ideia de equipe de saúde desde a formação. “O grande marco de Macaé é pos-sibilitar que essa formação se dê de forma a agregar valores, conheci-mentos e saberes, permitindo aos estudantes, a despeito de buscarem identidades profissionais diferen-tes, a troca de conhecimentos e a

vivência de experiências conjuntas, enriquecendo, assim, sua forma-ção”, afirma a professora.

Opiniões divididas Discutir diferenças em salas de

aula onde estudantes dos três cur-sos participam de aulas comuns é um desafio cotidiano. Marcelo d´Amado, estudante do 4º perío-do de Medicina, acha que ter aulas comuns com colegas de Nutrição não é muito vá-lido, mas com os de Enfermagem, não vê proble-ma. Recente-mente os alunos de Medicina de Macaé estive-ram no Con-gresso Brasilei-ro de Educação Médica e, se-gundo d’Amado, “lá constatamos que há outras escolas em que nos dois primei-ros anos os colegas de Medicina e de Enfermagem estudam juntos, sem nenhum problema”.

Anna Carolina de Oliveira, da mesma turma de Marcelo, não acha certo ou errado. “Sou indiferente”, afirma ela, acrescentando que o saber que o médico e a enfermeira têm que acumular, em termos bási-cos, de introdução ao conhecimen-to acerca da saúde, é o mesmo. A estudante acredita que a troca, pro-piciada por aulas conjuntas, seria mais interessante se praticada nos últimos anos, quando já estivessem definidos os focos profissionais.

“Para mim, falta a instrumentali-zação profissional para somar com essa troca”, avalia a estudante.

Outra estudante do curso de Medicina, Larissa de Souza, des-taca que sua turma de Medicina “está inteira, mas os estudantes dos outros cursos foram ficando pelo meio do caminho. Tem gente do 4º período distribuído no 3º e no 2º. Foram reprovados, porque a dinâ-mica é puxada”.

Paulo Edu-ardo Mendonça - que participou da conversa en-tre os estudan-tes e a reporta-gem -, enfatiza que faz parte da proposta do curso, tanto no Brasil quanto em outros paí-ses, a extinção do conceito de ciclos básico e prof i s s i on a l i -zante. Ao invés

de o conhecimento das Biociências ser tratado como um alicerce, no qual se sedimentaria, posterior-mente, a Clínica, a opção mais con-temporânea defende a articulação desse com os da Clínica e das prá-ticas e técnicas cirúrgicas. “Desde o início do curso, na hora em que se estuda o Sistema Digestório, se deve também vislumbrar a Clínica que nele está envolvida e investi-gar como as pessoas se constituem pessoas. Como elas vivem e dão conta de seus problemas”, aponta o professor, lamentando que a re-forma curricular em Macaé ainda

seja, sob certos pontos de vista, conservadora. Neste aspecto, Pau-lo Eduardo destaca outro exemplo: “Somente após o estudo de toda a Bioquímica é que vamos estudar as doenças metabólicas. Perdemos a oportunidade de vê-las articula-damente, o que daria mais sentido para a disciplina, tanto para os es-tudantes de Nutrição como para os de Enfermagem”.

Há, entretanto, uma experiên-cia sendo praticada em Macaé com êxito entre os estudantes: a tutoria. Sob a orientação de um professor, eles têm contato com situações re-ais de determinado paciente, des-critas por ele. “Trata-se de um pro-blema com o ‘seu’ José, de tantos anos, que teve tal problema”, narra Anna Carolina. “A partir dos sin-tomas e sinais; da apresentação de sua condição de vida, de seu exame físico, como uma situação real, pas-so a buscar, nos livros, a identifica-ção de suas possíveis patologias, o que confere um caráter investigati-vo muito mais atraente ao estudo”, avalia a estudante.

Embora isso não seja novida-de, pois a prática investigativa faz parte do ensino e da formação em Medicina, o caráter precoce dessa abordagem, já nos primeiros perí-odos, favorece a produção de senti-do. “Isso permite que os alunos não tenham que saber somente para fa-zer uma prova, mas para perceber como o conhecimento se encaixa”, pondera Paulo Eduardo, lembran-do que a tutoria não é obrigatória, mas quase todos participam, usan-do o espaço de turnos vagos, espe-cialmente dedicados para o aluno investir em seus estudos, atividades

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“Não há como se relacionar

com quem quer que seja se não tiver

algum grau de envolvimento”.

Articulação entre disciplinas para o rompimento de paradigmas de ensino tradicional.

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UFRJJornal da 14 Especial Maio 2011

de Extensão e de Iniciação Cientí-fica.

Outras queixas também se fa-zem presentes. Por exemplo, quan-to à quantidade de livros disponí-veis na biblioteca. Larissa de Souza, estudante de Medicina, é categóri-ca: “A gente agora tem Propedêuti-ca, que é uma matéria muito impor-tante. Há dois livros que usamos muito: o Battes e o Porto. Existe somente um na biblioteca. O de Farmacologia é que tem mais, pois o curso é mais antigo aqui em Macaé”.

Outra reclamação diz respeito aos laboratórios, que, no entender de Mar-celo D`Amado, representante do Cen-tro Acadêmico de Medicina em Macaé, deixam um pouco a desejar. “Temos peças anatômicas plastinadas, mas não é o ideal, pois deveríamos ter muito mais. Soube que chegaram os simula-dores, mas ainda não os vi, na Clínica”.

Paulo Eduardo reconhece as limita-ções da biblioteca, que já consta de sua lista de necessidades mais urgentes. O coordenador também destaca que, para o ensino de Anatomia, já está prevista a confecção de mais peças no Laborató-rio de Plastinação, na Cidade Universi-tária, e que vem sendo providenciada a importação da resina necessária, fabri-cada unicamente na Alemanha. Quan-to aos laboratórios, o professor assegura que sua infraestrutura é satisfatória e fala com entusiasmo das recentes aqui-sições de simuladores. Trata-se de uma série de manequins, modelos e recursos técnicos, inclusive maquiagem, que en-volvem o desenvolvimento de habilida-des em situações críticas de atendimen-to a pacientes, como passar um cateter, um tubo oro-traqueal, colher sangue etc. Um dos mais estimados do Labo-ratório de Simulação em Saúde é um bebê, com cerca de seis meses, comple-tamente monitorizado, que pode entrar em estados críticos. “Nossos alunos, ao

passarem para o 5º período, entrarão com mais ênfase na Clínica e come-çarão a ter, no laboratório, um grande módulo de Saúde da Criança”.

Encontros com a comunidadeA equipe de reportagem do Jornal

da UFRJ esteve no Posto de Saúde, hoje denominado Estratégia de Saúde da Família (ESF), no bairro de Cajueiros, do Sistema Único de Saúde (SUS). Vi-sitas regulares de alunos dos primeiros períodos ao ESF acontecem no escopo da disciplina Saúde da Comunidade. Isabela Bajo Parizoto, médica responsá-vel pelo posto, declara que “é um ganho maravilhoso ter o estudante aqui em todos os sentidos. Os agentes comuni-tários de saúde, a recepcionista, a equi-pe de Enfermagem, todos ficam mais estimulados. A população que recorre ao ESF se sente mais vista e torna-se possível demonstrar que o trabalho de Medicina Preventiva e também curati-va, que aqui realizamos, tem significati-vos resultados”.

Rosemeire Belizário de Oliveira Moreira, enfermeira do posto de saúde, explica que a equipe do ESF é composta por ela e mais duas técnicas de enfer-magem, uma fisioterapeuta, três dentis-tas e nove agentes comunitários. Esses últimos são a ligação da ESF com a co-munidade de nove microáreas em que a abrangência geográfica da ESF foi di-vida. “Ficamos sabendo quem engravi-dou ou usa drogas, quem adoeceu, teve diarréia ou conjuntivite, por exemplo. Atualmente, cerca de 1.200 famílias já estão cadastradas, o que perfaz um total aproximado de 4.000 pessoas”, informa a profissional de Saúde.

Isabela Parizoto assinala que os es-tudantes acompanham os agentes co-munitários nas visitas domiciliares e nos trabalhos da ESF: “Muitos se emo-cionam na Clínica da Saúde da Mulher, quando auscultam, com o estetoscópio,

as primeiras batidas do coração dos fe-tos”.

O estudante Bernardo Alencar con-firma a importância desse aprendizado no ESF: “Antes de medicar, você tem que entender o funcionamento da rede e perceber a universidade como mais um fator de intervenção na rede e a sua integração com ela”. Felipe Teixei-ra, também aluno, complementa: “Esta prática me fez ter conhecimento de ou-tra área. Antes eu imaginava que a Me-dicina era ligada somente ao hospital. Ela abriu outra oportunidade, de uma Medicina que ocorre de forma não mais simples, e que é uma importante porta de entrada na organização do sistema de Saúde”. Guilherme Spitz, também estudante de Medicina da turma do 4º período, a pioneira em Macaé, conclui que “na disciplina Saúde da Comunida-de, não vemos somente o atendimento básico. Vemos também Pediatria e Epi-demiologia, coisa que o pessoal do Fun-dão verá somente no quinto ano”.

A oportunidade de observar de per-to como se efetua uma anamnese (des-crição dos antecedentes patológicos in-dividuais e familiares de um paciente) e o diagnóstico através da apalpação,

do estetoscópio, em paciente de carne e osso, e com história de vida, sem o uso de exames sofisticados, é um valioso aprendizado, afirma Isabela Parizoto, que se orgulha em afirmar que “hoje temos Grupos de Educação e Saúde com mais de 60 pessoas em reuniões semanais. Se há cinco anos tínhamos muito hipertensos e diabéticos descom-pensados, atualmente registramos um ou nenhum caso de pressão alta nesses grupos”.

Há, porém, estudantes como Luisa Meneses que, desde que pensou em fa-zer Medicina, sonha em entrar em um hospital: “Eu quero é cirurgia, pois, para mim, Medicina é mais associada a hos-pital”.

Analúcia Abreu Maranhão, vice-co-ordenadora do curso de Medicina em Macaé, revela que já está tudo pronto para o convênio entre o Hospital Mu-nicipal de Macaé, firmado entre a UFRJ e a Prefeitura, a fim de transformá-lo em um hospital-escola. “Até o arqui-teto que projetou o edifício hospitalar já elaborou as plantas de reformas no prédio a fim de atender às exigências do Ministério da Educação, entre outras, a existência de um centro de estudos para os professores”, informa a professora.

Isso não impede que alunos do cur-so de Medicina e Enfermagem frequen-tem o hospital, especializado em trau-ma e dotado de pronto-socorro. Ana-lúcia revela também que os estudantes têm realizado visitas no Posto de Saú-de Jorge Caldas, de acompanhamento ambulatorial, localizado no Centro da cidade e anuncia que no período que vem entrarão em um hospital pediátri-co, a fim de auxiliar o aprendizado da disciplina Saúde da Criança.

Há também convênios com es-colas da rede municipal, ali os es-tudantes acompanham o programa Criança Saudável, do governo fe-deral, cujo foco é a Saúde e não a doença.

Para Analúcia Abreu, a UFRJ traz de volta, com seu pioneirismo, a oportunidade de formar médi-cos, enfermeiros e nutricionistas que poderão se habilitar a atuar na cidade de Macaé em favor de uma região que ainda carece desses pro-fissionais.

Marco Fernandes

Paulo Eduardo:“Perguntamos ao paciente o que ele está sentindo e não como ele está ou como tem passado.”

Posto de Saúde, campo fértil para clínica e entendimento da realidade sanitária da população.

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Maio 2011 EntrevistaMaio 2011

Nos últimos anos, o Judiciário se transformou em instância de decisão hegemônica de assuntos que afetam diretamente a sociedade brasileira. Cabe mesmo a ele a última palavra? Qual o papel dos outros poderes no cumprimento da Constituição? Ao interpretar a Carta Magna, o Supremo Tribunal Federal (STF) estaria criando novas leis e extrapolando sua função?

Ao suscitar essas questões, o professor da Faculdade de Direito da UFRJ, José Ribas Vieira, faz referência ao chamado “ativismo judicial”, que estaria sendo praticado pelo STF. “Esse é um fenômeno que fere a ordem democrática. O Supremo está assumindo uma posição ativista, por exemplo, em relação à reforma política e a outros temas de interesse social, como o direito de greve do servidor público”, ressalta o especialista em Direito Público e Constitucional. En

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José Ribas Vieira

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UFRJJornal da 16 Entrevista Maio 2011

Quem diz comquem está o Direito?

Coryntho Baldez

Jornal da UFRJ: Recentemente, o Comando do Exército foi obrigado a cancelar a palestra “A contrarrevo-lução que salvou o Brasil” que pre-tendia fazer uma apologia ao golpe militar de 31 de março de 1964. Nesta data, não valeria, ao contrário, fazer uma reflexão para avaliar se o Brasil, depois de mais de 25 anos do fim da di-tadura militar, chegou de fato ao ple-no Estado de Direito Democrático?

José Ribas Vieira: Sim, acho que deveríamos refletir acerca disso. Eu diria que, formalmente, estamos vi-vendo em uma ordem democrática. Mas, não apenas não a consolidamos completamente como estamos dian-te de novos problemas. Eles existem, por exemplo, no sistema político, já que não temos uma estrutura par-tidária adequada. Também temos problemas na atuação dos meios de comunicação, que interferem em questões que dizem respeito à socie-dade. A proposta de democratização da mídia, portanto, deveria ser leva-da adiante. Outro problema novo, que vem se agravando, se relaciona

ao papel crescente que o Poder Ju-diciário, particularmente o Supre-mo Tribunal Federal, vem exercen-do na sociedade. Há pouco tempo, por exemplo, houve uma discussão naquele Tribunal para decidir se a suplência pertencia aos partidos ou às coligações. O órgão examinou toda uma literatura política, mas o que ficou claro ali é que estamos numa situação em que o STF exer-ce hoje um papel muito autoritário. Isso ficou patente naquela sessão. O recado para a sociedade é que ele é quem fará a reforma política, ele é quem dirá como deve funcionar a representação política.

Jornal da UFRJ: É um tipo de Esta-do em que há uma exacerbação da atividade judiciária?

José Ribas Vieira: Pode descam-bar para isso. É importante lem-brar que há casos em que a noção de Estado de Direito Democrático, que se afirmou depois da II Guerra Mundial, é substituída pela ideia de “Estado Juiz”, que é uma expressão

de origem alemã. Gilmar Ferreira Mendes, juiz do STF, a utiliza cons-tantemente. Mas o que ocorre é que o “Estado Juiz” substitui o legisla-dor. Essa questão esteve presente na discussão da Lei da Ficha Lim-pa (Lei Complementar nº 135, de 04/06/2010), quando o ministro do Supremo, Marco Aurélio Mello, afirmou que estava pouco ligando para a opinião pública. Por quê? Exatamente porque ali estava o “Estado Juiz”, que vai dizer como se deve interpretar a Constituição.

Jornal da UFRJ: Esse é um exem-plo da chamada “judicialização” de questões políticas e sociais, ou seja, a transferência de poder para as instituições judiciais?

José Ribas Vieira: Há duas ques-tões em relação a esse tema. Pri-meiro: não há dúvida nenhuma acerca da existência do fenôme-no de “judicialização”. Um autor canadense, Ran Hirschl (profes-sor da Faculdade de Direito da Universidade de Toronto), vem

chamando a atenção para o fato de que as elites, os grupos que detêm o poder, sendo incapazes de resolver conflitos, ou optando em resolvê-los de outra maneira, transferem ao Poder Judiciário a solução de determinadas questões de seu interesse. Outro problema é que temos que fazer uma distinção entre “judicialização” e “ativismo judicial”. A sociedade brasileira, após a Constituição de 1988, tem observado tanto esse fenômeno de “judicialização” - que é a transfe-rência de poder ao Judiciário para que ele decida questões sociais e políticas -, como também um processo de “ativismo judicial”, que fere a ordem democrática. O Supremo, por exemplo, está assu-mindo uma posição ativista em re-lação à reforma política. E quando se pronunciar em quatro de maio [esta entrevista foi realizada an-tes desta data] sobre as relações homoafetivas, provavelmente agirá do mesmo modo, ou seja, será o Tri-bunal que dirá se é moral ou não o casamento homoafetivo.

No caso Cesare Battisti, por exemplo, ele lembra que caberia ao Poder Executivo cumprir a Constituição e, com base no tratado entre Brasil e Itália, não extraditá-lo. “Battisti já deveria estar solto. O desejo do Supremo de analisar novamente o assunto pode gerar uma crise institucional”, afirma José Ribas.

Doutor em Direito pela UFRJ, o professor acredita que algumas experiências latino-americanas – como a criação da Justiça Indígena, na Bolívia – poderiam inspirar a democratização do Poder Judiciário no Brasil. Ele também defende a criação de uma nova cultura jurídica: “Os cursos de Direito deveriam criar condições para o surgimento do ‘juiz Hermes’, um juiz democrático e voltado para o diálogo”.

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Jornal da UFRJ: Antes de entrar na discussão acerca da postura ativis-ta do Supremo, pedimos que o se-nhor opine acerca dos efeitos so-ciais da chamada “judicialização da política”? José Ribas Vieira: É um fenômeno que vem sendo bastante estudado. Como o Jornal da UFRJ tem um pú-blico acadêmico, é bom lembrar um autor chamado Antoine Garapon (jurista e antropólogo francês), que teve muita penetração no Brasil. Ele diz que a “judicialização” não é apenas um processo em que o Poder Judiciário substitui a sociedade em termos de decisão, mas a própria so-ciedade fica “judicializada”. Ou seja, as pessoas passam a usar um voca-bulário que não é mais da ordem democrática, e, sim, ligado à esfera do Poder Judiciário. E Garapon, que é juiz, chama a atenção para o fato de que o resultado disso também é o enfraquecimento do sistema demo-crático.

Jornal da UFRJ: Há quem fale, no Brasil, em constitucionalização do debate político. Existem, de fato, muitos temas que são discutidos em âmbito judicial, como pesquisas com células-tronco, liberdade de expres-são, racismo, cotas sociais, entre ou-tros. Isso, em certa medida, é exacer-bado pelo nosso arranjo institucional que facilitaria o acesso ao Supremo por meio de ações diretas?

José Ribas Vieira: Esse é o outro braço da “judicialização”. Por quê? Porque a Constituição Federal de 1988, no seu artigo 103, procurou assegurar que a sociedade civil par-ticipasse da discussão de questões li-gadas à constitucionalidade. Isso le-gitimou a participação do Conselho Federal da Ordem dos Advogados, dos partidos políticos, das confe-derações sindicais em ações diretas de inconstitucionalidade ou ações declaratórias de constitucionalida-de. Houve essa abertura para a so-ciedade. Quando das privatizações de empresas públicas, no governo de Fernando Henrique Cardoso, os partidos atuaram bastante para ten-tar deter essa reforma do Estado. Agora, é importante ressaltar que o STF tem uma posição muito am-bígua, principalmente na pessoa do ministro Gilmar Mendes, que tem grande temor de uma demanda de massa e busca controlá-la.

Jornal da UFRJ: E como se faz isso?

José Ribas Vieira: A legislação per-mite, hoje, outra forma de participa-ção da sociedade nessas ações. Por exemplo, no último dia 27 de abril, o STF não permitiu que houvesse o amicus curiae (“amigo da corte”), na discussão sobre coligação partidá-

ria. É um instrumento que assegura a determinados segmentos da socie-dade a ida ao Supremo para apre-sentar suas posições mesmo não participando da ação. Isso aconte-ceu na discussão sobre a Lei de Bios-segurança, pois o Tribunal ficou em dúvida sobre o que era o direito à vida. O órgão convocou uma audi-ência pública aberta a setores da so-ciedade civil, como a Igreja, o meio acadêmico entre outros. Portanto, a “judicialização” hoje está, em certa medida, legitimada pelos entes do artigo constitucional 103.

Jornal da UFRJ: Lembrando de um caso que talvez tenha relação com o chamado ativismo judicial: na au-sência de lei regulando o direito de greve dos servidores públicos, que está previsto na Constituição, o Supremo mandou aplicar a Lei de Greve da iniciativa priva-da, de 1989. É possível que, sob o manto da in-terpretação das leis e normas, o Judiciário acabe criando as suas próprias leis e normas gerais?

José Ribas Vieira: Esse é um exem-plo claríssimo de “ativismo”. Existem ações de inconstitu-cionalidade por omissão. Há uma omissão legislativa na medida em que não há regu-lação da greve dos servidores públicos, como foi previsto pela Constituição Federal. Então, deter-minadas entidades de representa-ção, como os serventuários do Pará, ingressaram com um mandado de injunção para que fosse assegurado, no seu caso concreto, a aplicação do direito fundamental à greve. O que o Supremo fez? Assumiu claramente uma posição ativista e o fez de for-ma dupla. Primeiramente porque mandou aplicar outra legislação, re-lativa ao setor privado, para suprir a ausência de outra. E, de outro lado, porque ele também legislou.

Jornal da UFRJ: De que forma isso afeta o chamado equilíbrio entre os poderes?

José Ribas Vieira: Estamos dis-cutindo e estudando bastante essa questão na Faculdade de Direito da UFRJ. A Constituição diz que cabe ao STF ser o guardião da Constitui-ção. E a grande discussão é se cabe

mesmo ao Judiciário dar a última palavra. Então, hoje se repensa se os outros poderes da República têm também a função de cumprir a Constituição. No caso Cesare Bat-tisti, cabe ao Poder Executivo cum-prir a Constituição e, com base no tratado de extradição firmado entre Brasil e Itália, não extraditá-lo. A de-cisão do Supremo havia sido clara, ou seja, determinava que o Poder Exe-cutivo deveria atuar de acordo com esse tratado, que prevê que, excepcio-nalmente, a extradição pode não ser cumprida. A decisão do Executivo foi bem fundamentada em um parecer da Advocacia-Geral da União (AGU). Considero que estamos numa situa-ção dificílima. Na verdade, Battisti já deveria estar solto e o STF, por meio de sua Presidência, não está colocan-do essa questão em pauta. Isso pode gerar uma crise institucional, porque

o Supremo quer de novo fazer uma aná-lise da decisão já tomada, so-beranamente, pelo Poder Executivo. A e x t r a d i ç ã o tem uma natu-reza judiciária e o Supremo já cumpriu seu papel. Agora, cabe ao Exe-cutivo decidir – o que já foi feito – uma vez que a ex-tradição tem também um caráter ad-ministrativo. Hoje, a ex-tradição não pode ser re-

duzida a uma visão de processo pe-nal repressiva, como é a perspectiva do Supremo. Ela tem que ser vista também em uma ordem de direitos humanos. Em síntese, hoje precisa-mos rediscutir essa ideia de última palavra.

Jornal da UFRJ: E por onde se deve começar?

José Ribas Vieira: Temos que par-tir do que se chama Teoria dos Di-álogos Institucionais, que privilegia a articulação entre os poderes. Um bom começo seria a aprovação de um Projeto de Emenda Constitucio-nal (PEC), que foi apresentado pelo Legislativo quando da discussão acerca da suplência parlamentar, determinando que cada poder da República não interfira em decisões normativas do outro.

Jornal da UFRJ: Esse chamado “ati-vismo judicial”, em última instância,

não seria uma forma também de anular o poder constituinte que, ao menos em tese, deveria emanar da soberania popular?

José Ribas Vieira: Há um autor ita-liano chamado Antonio Negri que trabalha bastante com essa ideia de poder constituinte. O que ele quer dizer com isso? Ele afirma que, quando a Constituição entra em vi-gor, esse poder constituinte desapa-rece. E por que isso acontece? Por-que é o Judiciário que vai interpre-tá-la e, ao fazer isso, muitas vezes, ele anula o poder popular.

Jornal da UFRJ: Voltando à ideia de que há uma carência de diálogos institucionais, o senhor diria que vi-vemos hoje uma situação em que a interpretação da lei descamba para a usurpação de funções?

José Ribas Vieira: Isso hoje está cla-ro. Existem decisões do Supremo, como as relativas à Biossegurança, à Lei da Ficha Limpa e à reserva indí-gena Raposa Serra do Sol, entre ou-tras, que caracterizam essa situação. Em relação à Raposa Serra do Sol, o Poder Executivo tinha a compe-tência de estabelecer o estatuto da demarcação. O constituinte deu ao Executivo a tarefa de definir a de-marcação de uma reserva indígena. E o Supremo atuou de forma ativis-ta nesse caso, criando o Estatuto da Demarcação com 18 condições.

Jornal da UFRJ: Essa expansão da atividade judiciária é facilitada por certa desmoralização da representa-ção política tradicional?

José Ribas Vieira: Quando o mi-nistro Gilmar Mendes tomou posse como presidente do STF, ele defen-deu a atuação do Tribunal e criticou o Legislativo pela sua omissão. Na ocasião, houve um debate interes-sante entre cientistas políticos, que deram uma resposta ao discurso de Gilmar Mendes. Eles disseram que o Legislativo tem o seu tempo próprio, não que ele fosse omisso. É um poder que avalia o momento de consenso ou o momento em que há dissenso e a melhor opção é adiar a votação de uma matéria. Estamos assistindo às dificuldades para a aprovação das mudanças no Códi-go Florestal, mas está havendo todo um debate em torno da proposta. Os cientistas políticos chamaram a atenção para o fato de que o Judi-ciário não estava percebendo que o Legislativo tem um tempo próprio. Especialmente no período em que o ministro Gilmar Mendes ocupou a Presidência, o Supremo também sustentou que o Legislativo fazia uma representação política e que o Judiciário fazia uma representação argumentativa. Esta última, para o

“Há casos em

que a noção

de Estado

de Direito

Democrático

é substituída

pela ideia

de “Estado

Juiz”.”

Marco Fernandes

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Maio 2011UFRJJornal da 18 Maio 2011Entrevista

Supremo, não deixava de ser tam-bém uma representação da socie-dade, porque as demandas chegam ao Tribunal, que decide após ouvir os entes legitimados em cada ques-tão. Mas eu levanto outra questão: a representação argumentativa subs-tituiria a representação política? Es-taria ela legitimada para isso?

Jornal da UFRJ: A “naturalização” do Judiciário como instância hege-mônica pode também neutralizar algumas forças sociais que passam a depositar as suas expectativas de mu-danças nos tribunais?

José Ribas Vieira: Claro. Temos o exemplo flagrante na questão da Lei da Ficha Limpa, que foi pro-posta por iniciativa popular. Estou falando muito do ministro Gilmar Mendes, mas foi ele quem disse que, apesar da maioria pleitear uma le-gislação para moralizar a política, iria decidir no sentido de que a Constituição teria que prevalecer. O ministro Ricardo Lewandowski o interrompeu na sessão para lem-brar que a lei havia sido proposta por 40 entidades da sociedade, mas Gilmar Mendes disse que isso não o sensibilizava. E depois daquele em-pate na votação, veio o voto frus-trante do novo ministro, Luiz Fux, que, em nome de uma “segurança jurídica”, considerou inconstitucio-nal a aplicação da lei neste ano. Na medida em que o Poder Judiciário se arvora em instrumento hegemô-nico do poder político no Brasil, a frustração é maior. Há uma trans-ferência de decisões importantes da sociedade brasileira para 11 ju-ízes. Um autor brasileiro diz, mui-to bem, que são 11 ilhas. Nenhum deles ouve o outro e há uma difi-culdade depois de se estabelecer um acórdão, porque os votos não se comunicam. Não existe decisão de colegiado.

Jornal da UFRJ: E como o senhor avalia a prisão e o constrangimento imposto pela Polícia e pelo Judiciá-rio a estudantes, alguns da UFRJ, que participaram da manifestação no consulado norte-americano na ocasião da visita do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, ao Rio de Janeiro?

José Ribas Vieira: Ao lado do Ju-diciário, o Ministério Público teve também uma péssima atuação. Além desses estudantes terem fi-cado incomunicáveis, rasparam as suas cabeças. As pessoas foram presas e humilhadas. Foi uma situ-ação gravíssima contra a liberdade de manifestação.

Jornal da UFRJ: Com a Emenda Constitucional 45, de 2004, o Judici-ário passou a sofrer um controle ad-

ministrativo pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Qual a sua opinião sobre a atuação desse Conselho?

José Ribas Vieira: O Conselho Na-cional de Justiça é uma frustração. A Associação Nacional dos Magis-trados do Trabalho tinha uma po-sição radical, ou seja, defendia que os integrantes do Conselho tinham que ser, na sua maioria, oriundos da sociedade civil. Mas o CNJ aca-bou sendo composto de forma cor-porativa. E o que é mais grave: o presidente do Supremo também é o presidente do Conselho. Na verdade, o CNJ não tem atendido aos recla-mos da sociedade civil e tem atuado sob uma perspectiva quantitativa. Como? Estabelecendo metas para o julgamento de processos. Não acre-dito que as questões do Poder Judici-ário vão ser resolvidas dessa forma.

Jornal da UFRJ: Por que os pode-res de Estado, inclusive o Judiciário, ainda são reativos a um amplo con-trole social?

José Ribas Vieira: É verdade. A Constituição portuguesa diz clara-mente que o Poder Judiciário deve se submeter à soberania popular. Na Constituição brasileira também há um dispositivo, que talvez não seja tão expresso, mas que afirma que todo o poder emana do povo. O Conselho Nacional de Justiça de-

veria exercer esse papel, desde que ele, majoritariamente, fosse ocupa-do pela representação da sociedade civil.

Jornal da UFRJ: E qual deveria ser o papel do Judiciário na defesa e ma-nutenção dos direitos da cidadania? José Ribas Vieira: Em primeiro lugar, o Poder Judiciário deve es-tar consciente de que ele não tem a última palavra. Depois, ele deve-ria, cada vez mais, fortalecer meca-nismos que facilitem a presença da representação da sociedade, como as audiências e o amicus curiae. Por fim, deveria haver uma transforma-ção do papel do juiz. Hoje, se fala em três tipos de juiz. Um é o “juiz Júpi-ter”, do século XIX, que tirava a força da lei, que decidia sempre invocan-do a determinação da lei. O outro é o “juiz Hércules”, que predominou nos últimos 60 anos, após a II Guer-ra Mundial. É aquele que interpreta a lei, mas essa interpretação descamba para o “ativismo”, para situações dis-cricionárias. O que a sociedade hoje coloca é que precisamos do “juiz Hermes”. Hermes, que é o Deus da comunicação. Esse é o juiz que dia-loga com a sociedade e o Supremo não cumpre hoje esse papel.

Jornal da UFRJ: Há experiências inovadoras de democratização do Poder Judiciário que poderiam servir de inspiração para o Brasil?

José Ribas Vieira: Temos assistido a um fenômeno que se chama de cons-titucionalismo latino-americano. As constituições do Equador, da Bolí-via têm pensado outras formas para compor o Poder Judiciário. Há figu-ras como a Justiça Indígena, com representação de etnias. Há tam-bém a previsão de eleição de juízes para o Tribunal Constitucional da Bolívia. São experiências importan-tes. Não podemos mais continuar com a atual forma de composição do STF. Na Argentina, por exem-plo, a nomeação do juiz passa pelo crivo da sociedade civil. No Brasil, o juiz é indicado pelo presidente da República e passa por uma sabati-na no Senado. O ministro Luiz Fux chorou durante a sabatina, leu um poema do Gonçalves Dias, disse que trabalharia para permitir o acesso à Justiça e o Senado aprovou o seu nome. Nos Estados Unidos, embo-ra o Brasil siga o mesmo modelo, os integrantes da Corte Suprema pas-sam por um crivo muito maior, com intensas discussões no Senado antes da nomeação definitiva.

Jornal da UFRJ: Por fim, qual de-veria ser o papel das escolas e facul-dades de Direito na democratiza-ção do Poder Judiciário brasileiro?

José Ribas Vieira: Para democra-tizar o Judiciário, primeiramente, é preciso repensar essa noção de que a ele cabe a última palavra. Outra questão importante é mudar a cultura jurídica e, aqui, entram os cursos de Direito. Não conse-guimos ainda avançar nessa dire-ção, por exemplo, na Faculdade de Direito da UFRJ. É necessário que, durante a formação, possa-mos criar as condições para o sur-gimento do “juiz Hermes”. Hoje, os cursos patinam em uma visão tradicional do Direito. Estão, por exemplo, muito voltados para as carreiras jurídicas do Estado, para os concursos públicos. Isso desvia a formação jurídica. Nas univer-sidades particulares, não há segu-rança para os professores e eles ga-nham pouco. E nas universidades públicas, temos estabilidade, mas não temos condições de trabalho, inclusive na própria UFRJ. Preci-saríamos de condições para uma nova formação jurídica. Uma for-mação de tempo integral, em que o estudante e o professor possam permanecer na instituição. Na me-dida em que o ensino jurídico se deteriorou, precisamos perguntar que tipo de juízes e promotores, por exemplo, estamos formando. Vamos pagar um preço alto por isso. Por último, deveríamos criar novas jurisdições, como se fez na Bolívia. Ou pelo menos repensar a composição dos tribunais supe-riores.

fechado

Marco Fernandes

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Maio 2011Maio 2011 19UFRJJornal da

Maio 2011 Trabalho

O levante dos mais fracosO dia 1º de maio de 2011

será lembrado no Bra-sil pelas crescentes

manifestações de trabalhadores nas grandes obras de infraestrutu-ra país afora. Justamente o partido denominado “dos Trabalhadores”, no governo há oito anos, enfrenta, talvez, os maiores conflitos desen-cadeados por aqueles que, teorica-mente, representa.

Em Jirau (RO), Santo Antônio (RO), Pecém (CE), Porto do Açu (RJ) e outras localidades, onde acontecem obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do governo federal, operários do setor da construção civil, contra-tados para realizar os empreendi-mentos que mudarão a configura-ção geográfica das regiões Norte e Nordeste, denunciam o desrespeito à legislação trabalhista, como a ex-trapolação da jornada de trabalho, além de precárias condições dos alojamentos, transportes, entre ou-tros requisitos básicos para as con-dições de trabalho.

As manifestações nas obras da hidrelétrica de Jirau, às margens do

Pedro Barreto

Rio Madeira, a 150 km de Porto Ve-lho (RO), tiveram início em 2010, em pontos isolados, como afir-ma Luiz Fernando Novoa Garzon, professor da Universidade Federal de Rondônia (Unir) e pesquisador do Laboratório Estado, Trabalho, Território e Natureza, do Instituto de Pesquisa e Planejamen-to Urbano e Regional (Ippur), da UFRJ. As mobilizações tomaram vul-to nacional e contag iaram t r a b a l h a d o -res de ou-tras obras de grande porte, como a ter-melétrica de Pecém, no Ceará, ainda em agosto de 2010; a hidrelétrica de Santo Antônio, próximo a Porto Velho; a refinaria de Abreu e Lima, em Pernambuco,

em março de 2011; do Complexo de Porto do Açu, em São João da Barra, município do Rio de Janeiro, entre outras.

Em Jirau, os cerca de 22 mil tra-balhadores estavam alojados em contêineres com capacidade para

19 mil pesso-as. Pesquisas co ordenadas por Garzon, no local, dão conta de jor-nadas de tra-balho de até 70 horas se-manais em ritmo inten-so, devido à promessa, por parte da em-preiteira Ca-margo Corrêa, de entrega da obra para 2012. Muitos dos trabalha-

dores contratados, no entanto, so-mente conseguiram alojamentos em cidades vizinhas, como Nova Mutum, Jaci-Paraná e Porto Velho, e chegavam à localidade em precá-rios veículos de transporte.

A insatisfação dos operários levou ao agravamento do confli-to, em março último, que resul-

tou em dezenas de ônibus

queimados, destruição de parte da área de lazer, lavanderia e caixas eletrônicos do alojamento. A res-posta do governo federal veio na forma do envio da Força Nacional de Segurança para reprimir as ma-nifestações dos trabalhadores e a autorização à empresa concessio-nária para a demissão de até seis mil. “Essas demissões indicam um despreparo em lidar com a questão social. Demonstram ainda a inca-pacidade, falta de vontade, tanto de empresas, quanto do governo, de estabelecer canais que possam pro-cessar esses conflitos. É lamentável que um governo democrático assu-ma, desde logo, a sua incapacidade de estabelecer uma relação trans-parente e dialógica com os traba-lhadores desses empreendimentos”, analisa Garzon.

Por meio de nota divulgada à imprensa, o Sindicato Nacional da Indústria da Construção Pesada (Sinicon), que tem entre suas filia-das algumas das empresas conces-sionárias das obras do PAC, cita a comissão tripartite, formada pelo governo federal, os sindicatos dos trabalhadores e os representantes das empreiteiras, para a resolução dos conflitos: “Neste contexto, o Sinicon, em conjunto com o Go-verno e entidades sindicais dos tra-balhadores, não medirá esforços na busca do entendimento necessário ao bom andamento das obras. Na reunião, entretanto, ficou acordado que as discussões salariais ocorre-rão em momento próprio e através das negociações previstas em lei e acordos firmados entre as entida-des representativas”.

A nota afirma que suas associa-das, “além de cumprirem toda le-gislação vigente, oferecem aos seus colaboradores diversos benefícios adicionais não previstos em lei e/ou acordos e dissídios, prezando sempre pela qualidade, segurança e bem estar dos trabalhadores nas obras”. Sobre as condições de tra-

balho, o Sinicon garante que estas “são periodicamente acompa-nhadas e auditadas pelos ór-gãos governamentais de fisca-lização, dentre eles o próprio

Ministério do Trabalho, por

“É lamentável que um

governo democrático

assuma, desde logo,

a sua incapacidade

de estabelecer uma

relação transparente

e dialógica com os

trabalhadores.”

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UFRJJornal da 20

Zope

,

meio das Delegacias Regionais do Trabalho e pelos ministérios Públi-cos Federal e Estaduais” e que “es-tas obras estão permanentemente à disposição para toda e qualquer fiscalização legal”.

Legislação e Poder JudiciárioDe acordo com Sayonara Grillo,

professora da Faculdade de Direi-to da UFRJ, a atual legislação não

contempla direitos trabalhistas no contexto de grandes obras de in-fraestrutura. “Não temos uma le-gislação específica que assegure ou minore os efeitos nefastos de em-preendimentos tão grandes como esses que geram uma intensificação do trabalho”, analisa a professora, que atua como advogada em di-versos sindicatos de trabalhadores. No entanto, mesmo no arcabouço

de leis vigentes, a docente obser-va o descumprimento de diversos pontos. “Várias das reivindicações dos trabalhadores de Jirau, que ocasionaram e eclodiram em con-flitos coletivos, dizem respeito ao descumprimento de direitos bá-sicos. Não apenas os previstos na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), como também os negocia-dos e firmados em acordo coletivo

de trabalho entre o sindicato dos trabalhadores da construção civil de Rondônia e a Camargo Corrêa”, analisa a docente.

Sayonara, que teve acesso ao acordo coletivo firmado entre tra-balhadores e a empresa, afirma que, entre outros benefícios não pagos, está o adicional de pericu-losidade. Segundo a coordenadora do grupo de pesquisa Configura-ções Institucionais e Direito do Trabalho, a Constituição Federal estabelece que, em turnos ininter-ruptos de revezamento, a jornada diária deve ser de seis horas, salvo acordo coletivo. “O que passou em Jirau foi, justamente, a assinatura

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21UFRJJornal da

Maio 2011

movimento sindical consolidado. Foram movimentos espontâneos, de autodefesa, e que acabaram ga-nhando uma dimensão massiva de-vido ao flagrante grau de brutalida-de, de injustiça e de revolta. Houve, assim, adesão das diversas unida-des de produção que, uma após a outra, passaram a depredar o patri-mônio empresarial, tendo em vista o acúmulo de indignação, diante da injustiça, da humilhação sofrida ao longo dos últimos anos. Então, o sin-dicato vem a posteriori, e tenta fazer um enquadramento pelo disciplina-mento da mão de obra”, aponta Luiz Fernando Novoa Garzon.

Na opinião do pesquisador, há uma crise de representatividade jun-to aos trabalhadores da construção civil, cujos sindicatos, desde o gover-no Lula, trabalham em consonância com as diretrizes do governo federal e das empresas concessionárias. “Há uma grande capacidade de captura das diretorias sin-dicais. Nós podemos ob-servar que, ao longo das primeiras re-beliões, as di-retorias eram chamadas para dentro das empresas para que elas pu-dessem levar propostas de contemporiza-ção à categoria. Além disso, não se obser-vou a presença de pessoal ca-pacitado para interferir e fa-zer com que as empresas revertessem o cenário de péssimas condições de trabalho”, continua o professor da Unir. “Presu-me-se que, a partir de conversas com o governo federal, a Central Única dos Trabalhadores (CUT) procura exercer o papel de mediar as grandes obras, no sentido de ocupar o vazio de representação e articulação dos interesses dos trabalhadores, que fi-caram absolutamente órfãos de lide-ranças e de qualquer tipo de dire-ção de expressão de seus interesses frente aos grandes empreendimen-tos”, completa Garzon.

Paradigma desenvolvimentistaAs obras do PAC estão sendo

realizadas através de concessões públicas com grandes empresas do ramo da denominada indús-tria pesada. As chamadas Parcerias Público-Privadas (PPP) são criti-cadas por Luiz Fernando Garzon, segundo quem “os orçamentos dos

ministérios estão sendo adminis-trados e geridos pelas próprias em-presas privadas que se beneficiam deles”.

De acordo com o pesquisador do Ippur da UFRJ, empresas que têm uma projeção internacional, com atuação em toda a América Latina, África e Ásia, contam com financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). “Não apenas isso, mas contam também com parce-rias com empresas estatais, que fornecem tecnologia e parcerias no início das obras, e fazem a interlo-cução inicial com os territórios. E, depois da obra iniciada, com custos reduzidos, passam ao controle das empresas privadas. Então é uma PPP em que o ‘público’ é pratica-mente abstraído e o ‘privado’ é que controla o ‘público’”, analisa o pes-quisador.

Para ele, o interesse eco-nômico das obras sobre-pujou os inte-resses sociais e ambientais, caracterizan-do um perfil estr itamente d e s e n v o l v i -mentista das obras de in-f r a e s t r utu r a tocadas por todo o país. “O que vemos é a grande con-centração de mão de obra, projetos sendo tocados no es-paço e no tem-po com gran-de volume de recursos. No

entanto, não há, em equivalência, a mesma intensidade no sentido social e político. Ou seja, a construção de canais institucionais que essas obras possam ter. Não somente viabilidade financeira, mas, também, viabilidade social”, ressalta Garzon.

Do ponto de vista ambiental, o professor da Unir questiona ainda o licenciamento das obras por parte dos organismos federais que devem regular a realização de empreendi-mentos deste porte. Para Garzon, os avanços, sob o aspecto formal, não foram acompanhados de sua respec-tiva aplicação na prática. “O que se pode notar, ao longo do licenciamen-to ambiental desses projetos, especi-ficamente em Rondônia, e em Belo Monte, no rio Xingu, no estado do Pará, foi um processo que procura criar uma fachada de normalidade institucional, mas que, na verdade, traz uma série de arbitrariedades”, aponta o pesquisador. O profes-

sor afirma que os pareceres técni-cos do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) foram ignora-dos ou negligenciados por parte de diversos órgãos do governo federal: “por exemplo, não existe previsibi-lidade sobre os sedimentos nas bar-ragens da Amazônia; mesmo assim, as licenças foram conferidas”.

Sob a perspectiva social, Garzon observa um desprezo pelas popu-lações locais, bem como pelas ca-racterísticas demográficas e econô-micas da Região Amazônica. “Não houve os entrecruzamentos neces-sários entre as questões ambiental e social. No caso da Amazônia, o meio ambiente somente é diverso, plural, abundante, riquíssimo, por causa da presença das populações tradicionais que há milhares de anos ocupam aquela região. Tam-bém estamos falando das popula-ções quilombolas, caboclas, nordes-tinas, que foram para os seringais e depois se tornaram ribeirinhas, aprendendo a conviver com o meio ambiente sem destruí-lo”, analisa o pesquisador.

Para ele, tampouco houve um estudo sobre o impacto que seria produzido, nas comunidades locais, pela chegada de dezenas de milha-res de trabalhadores àquela região. ”No caso de Porto Velho, são qua-se 120 mil pessoas adicionais, que chegaram nos últimos dois anos. Isto representa quase um terço da população de Porto Velho, sem que a cidade tenha sido preparada para receber esse volume migratório adi-cional”, destaca o docente.

Garzon cita o exemplo do mu-nicípio de Jaci-Paraná, localizado a cerca de 60 km de Porto Velho. A população de aproximadamente quatro mil pessoas chegou a quase 25 mil com a vinda de trabalhadores para as obras de Jirau. A expansão demográfica trouxe consigo proble-mas como a prostituição infantil, o tráfico de drogas e outros tipos de violência.

“Fala-se muito em energia limpa, mas, se o processo de produção da energia hidrelétrica se dá em condi-ções degradantes, não se pode dar esse adjetivo”, critica o pesquisador. Para ele, “se todas as condições so-ciais e ambientais fossem incorpo-radas ao processo de licenciamento, certamente o preço dessa energia seria muito maior. A população e o meio ambiente brasileiros é que estão sendo sacrificados em nome de uma energia barata para as grandes empre-sas, que se apossam de cerca de 30% da geração hidrelétrica”. Desse modo, então, Garzon enfatiza que esse “não é um negócio que compensa para a nação. São negócios voltados para a exportação, a baixa empregabili-dade, o elevado índice de impactos sociais e ambientais”.

de um acordo coletivo elevando essa jornada para sete horas e 20 minutos, acrescidas de duas horas extras diárias, em regime de reve-zamento. Então, é gravíssima a de-núncia, não apenas sobre a questão da intensidade, mas, também, da extrapolação da jornada e da inten-sificação do trabalho nessa jorna-da”, observa a especialista.

Com relação ao papel do Esta-do na resolução do conflito, a pro-fessora da Faculdade de Direito acredita que “não foi um equacio-namento libertário, pró-direitos, de defesa intransigente dos traba-lhadores. Foi um equacionamento combinado, tendo em vista as ga-rantias de continuidade das obras”. A especialista classifica como “con-traditória” a atuação dos diversos órgãos do Estado envolvidos no caso. Sayonara lembra que, se por um lado, o Ministério Público do Trabalho (MPT) solicitou à Justiça do Trabalho o embargo da obra até que o impasse trabalhista fosse re-solvido, assegurando, desta forma, a preservação dos empregos até a retomada das obras; por outro, o Tribunal Regional do Trabalho de Rondônia (TRT-RO) da 14ª Região determinou uma multa de R$ 200 mil ao Sindicato dos Trabalhadores na Indústria da Construção Civil do Estado de Rondônia (Sticcero) por cada dia de trabalho perdido.

Já a 6ª Vara do Trabalho de Porto Velho, por sua vez, negou o pedido de liminar por parte do MPT contra as concessionárias Energia Susten-tável do Brasil S/A e Construções e Comércio Camargo Corrêa, que as obrigaria a não mais estender a jornada de trabalho, computar nas horas diárias o deslocamento de ida e volta dos empregados, mes-mo com a comprovação, por meio de investigação em Inquérito Civil Público, do desrespeito a direitos elementares.

Com a negativa da liminar, o processo terá que prosseguir até decisão de mérito. “Demonstra-se, assim, como em dissídios de greve os tribunais costumam lidar com os sindicatos, ‘culpando-os’ pelas paralisações, e como as varas do trabalho agem, ora acolhendo em parte, ora negando pleitos do Mi-nistério Público do Trabalho, por meio de ações coletivas, visando a assegurar a paralisação das obras e a garantia do emprego”, analisa a docente.

Sindicatos e cooptaçãoSe os primeiros conflitos foram

gerados espontaneamente, a partir do descontentamento dos trabalha-dores de Jirau, após a eclosão das mobilizações, as centrais sindicais subiram ao palco para tentar me-diar as negociações entre operários, empresas e governo. “Não havia

“Não temos uma

legislação específica

que assegure

ou minore os

efeitos nefastos de

empreendimentos

tão grandes como

esses que geram

uma intensificação

do trabalho”

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UFRJJornal da 22 Maio 2011Universidade

Há 130 anos começava a ser desenhada a his-tória de um dos mais

importantes locais de formação de astrônomos do Brasil. Nascia, em 1881, o Observatório do Valongo, que à época chamava-se Observa-tório Astronômico da Escola Po-litécnica. Ao longo deste tempo, muita coisa mudou e transformou a trajetória do observatório, que antes era dedicado à formação de profissionais de Engenharia. As disciplinas de Astronomia eram

Localizado no coração da cidade do Rio de

Janeiro, o Observatório do Valongo comemora

130 anos de atividades acadêmicas

e científicas com palestras, exposições e seminários. E pretende

ainda aproximar o saber astronômico da população através de projetos de Extensão.

Vanessa Sol

obrigatórias para esse curso por ajudarem na identificação de pon-tos da costa e na localização dos limites do território através das la-titudes e longitudes.

Esse panorama perdura até a década de 1920, época em que o Observatório é transferido do Morro de Santo Antônio para o Morro da Conceição. A aplicação da Astronomia em Engenharia perde força e é substituída paula-tinamente por outras cadeiras. A perda de importância no currículo

da Engenharia leva o observatório, a partir dos anos 1930, a experi-mentar um forçoso processo de estagnação.

Após quase três décadas de esquecimento, dois astrônomos, Alércio Moreira Gomes e Mário Ferreira Dias, tomam a iniciativa de criar o curso de Astronomia na Faculdade Nacional de Filosofia (FNFi) da Universidade do Brasil. Em 1958, foi, então, criado o pri-meiro curso de graduação em As-tronomia do país.

Sendo pioneiro na formação de astrônomos por muitos anos, o curso passou a utilizar o Obser-vatório, que aos poucos foi sendo recuperado. E, em 1967, ganha a denominação de Observatório do Valongo (OV). Incorporado à UFRJ após a Reforma Univer-sitária de 1968, com a criação do Centro de Ciências Matemáticas e da Natureza (CCMN), o Obser-vatório do Valongo passou a ser a sede do Departamento de Astro-nomia, ligado ao Instituto de Ge-

Anna Carol Bayer

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23UFRJJornal da

Maio 2011Maio 2011

Hani Hazime

Universidade

ociências da UFRJ. De acordo com José Adolfo Snadjdauf de Campos, professor de Astronomia do OV, a disciplina, que no passado tinha fins utilitários, com a criação do curso de graduação, passou a fins de pesquisa astronômica.

Contudo, o excesso de lumino-sidade e a poluição do centro ur-bano já não permitem que o OV continue palco de observações do espaço por meio de seus telescó-pios, instrumentos de grande va-lor, que fazem parte de seu acervo. Porém, esse fato não impediu que ele se consolidasse como impor-tante centro dedicado ao desen-volvimento científico e acadêmico e à formação de profissionais.

Os astrônomos brasileiros, atu-almente, contam com a colabora-ção internacional para realizar as observações, que podem ser feitas no Southern Observatory for As-tronomical Research (SOAR), lo-calizado no Chile, que possui um telescópio de 4 metros no qual o Brasil tem 30% do tempo de ob-servação, e nos Gemini compostos por dois telescópios de 8 metros, localizados também no Chile e no Havaí, tendo os brasileiros 2,5% do tempo de observação.

Atividades de comemoração A data oficial de aniversário do

Observatório do Valongo é 5 de julho, no entanto, os seus 130 anos de exis-tência serão comemorados durante todo o ano de 2011. Em março, a Semana de Astronomia fez parte das comemorações, realizando o reencontro de ex-alunos do OV e dando as boas-vindas aos novos es-tudantes. Entre os dias 30 de maio e 3 de junho, serão realizados dois ciclos de palestras sobre Astrono-mia, o primeiro, ao meio-dia, e o segundo, às 17 horas, no Centro Cultural Professor Horácio Mace-do, na Cidade Universitária. Junto com as palestras, acontece a ex-posição “130 anos de observações - Observatório do Valongo”, mon-tada no Centro Cultural, que trará imagens e documentos antigos do acervo iconográfico do OV.

Há também outra exposição programada para o Centro Cultural dos Correios, cujo tema é “Olhares sobre o céu - dos índios à explo-ração espacial”, de 28 de setembro a 13 de novembro, com parte do acervo do OV e com peças produ-zidas por artistas plásticos.

De acordo com Silvia Lorens Martins, professora e diretora do OV, o início das obras para cons-trução de laboratórios e novas salas no Observatório impediram a reali-zação de mais atividades, inclusive, em sua própria sede. “Em função das obras que serão realizadas no Observatório do Valongo, não será possível realizar muitas atividades.

Por isso, as realizaremos na Cidade Universitária para a comunidade e outra para o público em geral nos Correios”, explica a diretora.

ExtensãoA atuação do Observatório do

Valongo não ficou restrita ao ensi-no de graduação e à pesquisa. Ele vem expandindo sua atuação atra-vés de atividades de Extensão. Há quatro anos o OV se engajou no Projeto Mauá – projeto cultural criado, em 2001, por iniciativa de artistas que vivem e trabalham no Morro da Conceição com a intenção de mostrar à co-munidade o valor cultural da região. Os eventos do projeto acontecem sempre no início de dezembro du-rante os festejos de Nossa Senhora da Conceição, pa-droeira do Morro. Nessa época, o Observatório abre suas portas à comunidade com exi-bição de filmes, palestras e visitas guiadas.

Segundo Carlos Roberto Raba-ça, coordenador de Extensão do OV, foi por meio deste projeto que a unidade passou a conhecer a co-munidade do Morro da Conceição e a perceber que era preciso inte-ragir artística e culturalmente com ela, com as instituições de seu en-torno e também com o projeto Por-to Maravilha, desenvolvido através da união das esferas municipal, es-tadual e federal, além da iniciativa privada, que pretende revitalizar toda a Zona Portuária da cidade, transformando-a em um pólo tu-rístico e de investimento para di-versos setores. “Esta será a quin-ta edição da qual o OV participa. A partir daí, vimos que há espaço para interagir com a sociedade. A gente sempre abre as portas do cur-so de Astronomia e a comunidade comparece. Percebemos que existe o interesse em conhecer o Obser-vatório naquilo que é o saber dele, a Astronomia”, destaca Carlos Ra-baça.

Contudo, o professor acredita que o OV pode e deve servir a vá-rios outros propósitos que vão mui-to além da Astronomia. Ele afirma que há vários potenciais na região que precisam ser explorados, como o histórico e o cultural, para valorizá-la. E a ideia é ousada: a criação de es-paços de interação com o público. “A nossa ideia é ir além. É avaliar se con-seguiremos instituir um museu a céu aberto, um auditório com teatro, de forma que não apenas a Astronomia possa utilizar o espaço, mas toda a universidade. Com isso, queremos expandir o trabalho social do OV levando um pouco do nosso co-nhecimento para fora da comuni-dade, interagindo com ela e valo-rizando-a”, afirma Carlos Rabaça.

Preservando a história

O Observatório do Valongo possui um valioso acervo composto por instru-mentos e equipamentos de observação do espaço celeste. A coleção é composta por 200 itens, havendo, entretanto, peças de grande destaque como o telescópio Cook, de 1910, e a luneta Pazos, feita no Brasil em 1880, sob encomenda para o Observatório Astronômico da Escola Politécnica.

Parte desses equipamentos que contam um pouco da história e da trajetória do OV estava sendo perdida. Para que a memória do OV não se apagasse no tempo, foi realizado, no final da década dos anos 1990, um projeto de preserva-ção de sua memória, sob a coordenação da professora Heloísa Boechat Roberty, que à época era a diretora da unidade.

Na primeira etapa do projeto (1996-1998) foi possível restaurar o telescópio Cook e sua cúpula. Na segunda (1998-2000), foi realizada a restauração da lune-ta Pazos, da luneta Zeiss e de um relógio de pêndulo. Além disso, parte da his-tória do Valongo foi registrada no livro Imagens da Astronomia na cidade do Rio de Janeiro: Os 120 anos do Observatório do Valongo, de Heloisa Boechat Roberty e Augusto Videira.

Na terceira etapa (2004-2005) foi realizada a restauração dos objetos que ain-da não haviam sido contemplados nas etapas anteriores e feita a higienização das peças já restauradas. Este projeto foi desenvolvido por Silvia Lorens através do edital de projetos de apoio à Infraestrutura de Preservação e Pesquisa da Memó-ria Científica e Tecnológica Brasileira do Conselho Nacional de Desenvolvimen-to Científico e Tecnológico (CNPq). Através dele o Observatório do Valongo pode fazer um convênio com o Museu de Astronomia e Ciências Afins (Mast), que disponibilizou funcionários para a higienização, conservação e manutenção dos equipamentos e uma técnica em Museologia, responsável pelo levantamen-to e elaboração das fichas técnicas de todos os instrumentos do OV. Esse trabalho culminou com a publicação de um catálogo de apresentação da Coleção de Ins-trumentos Científicos do Observatório do Valongo (julho, 2010).

A importância do Observatório do Valongo no desenvolvimento do conhe-cimento de Astronomia é incontestável e os equipamentos lá guardados, além de valor histórico, têm também grande valor afetivo para toda a comunidade acadêmica e científica da unidade. Contudo, a manutenção desses equipamen-tos é extremamente cara e precisa ser feita por profissionais especializados e a unidade não dispõe de muitos recursos para dar continuidade ao trabalho de preservação. Conforme explica Silvia Lorens, a solução para este problema “é continuar realizando convênios com outras instituições como o Mast, por exem-plo, e elaborando projetos e recebendo recursos financeiros das agências de fo-mentos à pesquisa”.

Heloisa Boechat ressalta que a preservação dos instrumentos é importante não somente pela raridade de algumas peças, mas porque “as novas gerações precisam ter esse contato com a história viva do Valongo”.Outros projetos de preservação foram sendo realizados paulatinamente, o que demonstra que a comunidade acadêmica do OV está integrada e preocupada com a preservação da história e da memória da unidade. De acordo com José Adolfo S. de Campos, professor de Astronomia, está sendo realizado um projeto de recuperação da história documental do OV. É um projeto de Extensão que vai para o segundo ano e é através dele vem sendo feita a digitalização de documen-tos antigos que contam a história da unidade. “A ideia é disponibilizar este mate-rial digitalizado na Base Minerva e no portal que será construído futuramente”, explica o professor.

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UFRJJornal da 24 Maio 2011Desenvolvimento

Índios brasileiros buscam igualdade participativa na discussão sobre política de desenvolvimento

adotada pelo governo, mas enfrentam múltiplas barreiras que dificultam diálogo aberto e

democrático. Mais de 20 anos depois da promulgação da “Carta Cidadã”, comunidades

indígenas ainda enfrentam forças de marginalização e exclusão.

Márcio Castilho

Os grandes mudosda história do Brasil“

“Zope com colaboração de Marco Fernandes

Márcio Castilho

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25UFRJJornal da

Maio 2011Maio 2011 Desenvolvimento

As populações indígenas estão divididas em 230 povos e 180 línguas, con-

centrando nas aldeias cerca de 500 mil habitantes. Não preservam apenas um tesouro cultural, com seus diferentes costumes e identidades. Apesar de repre-sentar menos de 1% dos 190 milhões de brasileiros, segundo o Censo Demográ-fico 2010 do Instituto Brasileiro de Ge-ografia e Estatística (IBGE), esse contin-gente que forma a “raiz” do Brasil ocupa parte considerável de um território tido como fonte estratégica de riquezas para o planeta. Em suas terras estão locali-zadas grandes reservas de água e uma biodiversidade exuberante que atrai o interesse do capitalismo global.

Diante dessa realidade, os índios tentam se incorporar ao debate sobre a política de desenvolvimento adotada pelo governo brasileiro. A construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu, estado do Pará, no entanto, expõe como os projetos de produção de energia e infraestrutura do Estado entram em choque com as demandas das comunidades indígenas. A origem do processo de exclusão dos indígenas na discussão sobre os grandes temas nacionais e globais tem relação com as limitações do conceito de democracia. Para Mariano Marcos Terena, membro do povo Xané, uma das lideranças do movimento indígena no país, os primei-ros habitantes “são os grandes mudos da história do Brasil” e que “o máximo que a gente consegue é tirar o título eleitoral para dizer que somos parte da democra-cia. Mas ela não é suficiente para garantir a nossa personalidade tradicional. So-mos a primeira nação, a origem do Bra-sil, mas nunca fomos contemplados por esse processo de igualdade participativa”. Terena foi um dos articuladores dos di-reitos indígenas na Constituição Federal. Mais de 20 anos após a promulgação da Carta de 1988, o país continua vivendo, segundo ele, um processo de “democra-cia unilateral”.

No mês passado, Terena foi um dos convidados do seminário internacional “Incluindo os excluídos na política glo-bal”, um dos eixos do programa Building Global Democracy (BGD), organizado pelo Instituto Brasileiro de Análises So-ciais e Econômicas (Ibase), no Rio de Ja-neiro. O evento reuniu 20 participantes de dez regiões do mundo, entre ativistas, lideranças sociais e pesquisadores, que discutiram formas de inserção de gru-pos minoritários nas sociedades em um cenário de globalização e de construção de mecanismos efetivamente mais de-mocráticos.

Para o líder indígena, tal modelo de democracia não promove a inclusão do próprio homem branco que forjou o conceito. “Vamos lutar para que a gente possa acessar um modelo de democracia no qual não sejamos políticos profissio-nais, mas no princípio do direito coleti-vo, do respeito mútuo e da diversidade linguística. Se não praticarmos isso, se-remos profissionais, teremos bons dis-

cursos e capacidade de nos elegermos, mas não de representar a verdade de um povo”, salientou Terena durante sua apre-sentação no seminário internacional ar-ticulado pelo Ibase.

Sem assento em organismos locais e nacionais que discutem políticas públi-cas de desenvolvimento que afetam di-retamente os povos indígenas, Mariano Marcos Terena afirma ao Jornal da UFRJ que uma das estratégias contra o pro-cesso de margina-lização é a partici-pação em fóruns internacionais. “A tática indígena é entrar na Organi-zação das Nações Unidas (ONU) ou no Banco Mun-dial, onde temos assento, de igual para igual. No Brasil, isso não acontece. Temos indígenas nego-ciando na ONU, com qualidade técnica, e inter-ferindo nos pro-gramas do Banco Mundial. Assim, quando esses projetos chegam ao Brasil, não é somente o Itamaraty quem fala. O índio tem que se qualificar na linguagem do branco, sem perder o conhecimento tradicional. É um desafio, mas temos que mostrar que o que estamos falando tem a ver com a modernidade”, afirma a lide-rança Xané.

Ele adverte acerca dos riscos do uso da tecnologia que impacte a biodiversi-dade e o discurso de “economia verde” traduzido, por exemplo, na geração de sementes mais resistentes. “Podemos pegar a semente tradicional para gerar qualidade de vida. Mas é essa qualidade

O Laboratório de Pesquisas em Etnicidade, Cultura e Desenvolvimento (Laced) do Museu Nacional(MN) da UFRJ, em colaboração com organiza-ções indígenas e outras universidades, discutiu, no último dia 25 de abril, ações que buscam a valorização da produção cultural dos índios Ticunas, que vivem na região do Alto Solimões, no estado do Amazonas. O semi-nário “Museus e protagonismo indígena no Alto Solimões” apresentou o Projeto de Valorização do Museu Magüta, desenvolvido pelo MN, pelo Instituto Brasileiro de Museus (Ibram) e o Programa de Licenciatura Indí-gena no Alto Solimões, uma iniciativa da Organização Geral dos Professo-res Ticunas Bilíngue (OGPTB) e da Universidade Estadual do Amazonas (UEA).

O Museu Magüta é o primeiro do país criado e administrado por in-dígenas. No seminário, os especialistas discutiram a implantação de ações de qualificação e difusão do espaço que confere visibilidade à produção cultural dos Ticunas. Já o curso de licenciatura prevê a formação de 250 professores daquela comunidade. A primeira turma está na etapa final. Dos 250 inscritos, 204 índios permanecem no projeto (81,6%), apesar das limitações de recursos e da falta de infraestrutura (transporte, alimenta-ção etc). “Não queremos desistir da universidade. Estamos precisando de apoio de outros parceiros. Queremos buscar conhecimento para socializar nossa educação”, afirma o professor indígena José Custódio, uma das lide-ranças da OGPTB.

Museu Nacional participa de projeto no Alto Solimões

de vida que o sistema não quer debater”, acrescenta Terena.

Outra preocupação do ativista recai sobre a questão da água. Segundo ele, o país copia um modelo dos anos 1970 de produção de energia baseado em usinas hidrelétricas. “O governo não tem um plano de sustentabilidade econômica para os próximos 50 anos na questão energética. Estamos preocupados com a perspectiva de futuro do Brasil nesse

modelo de de-senvolvimento. Queremos fazer com que o gover-no crie um plano estratégico sobre a questão da água e da biodiversidade. Trata-se de sobe-rania e bem viver. O Brasil não é um país pobre, embo-ra tenha muitos pobres. O governo precisa entender essa cosmovisão indígena para o futuro e que tipo de qualidade de vida vamos deixar para as próximas

gerações”, destaca Terena.

Pós-tutelaA articulação com movimentos so-

ciais e de trabalhadores e o fortaleci-mento de organizações de caráter local, regional e nacional, reunindo propostas para a adoção de uma política étnica universalista, são algumas das formas de intervenção para a autodeterminação dos povos indígenas e o combate às for-ças globais de exclusão e marginalização. É o que aponta o estudo “Os desafios da pós-tutela: cultura e política no processo de construção da democracia global”. O

artigo, apresentado no evento do Buil-ding Global Democracy, é de autoria do antropólogo João Pacheco de Oliveira, professor do Laboratório de Pesquisas em Etnicidade, Cultura e Desenvol-vimento (Laced) do Museu Nacional (MN) da UFRJ, e Andrey Cordeiro Ferreira, professor do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais em De-senvolvimento, Agricultura e Sociedade (CPDA) da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ).

Segundo Ferreira, o conceito de “pós-tutela” está associado à forma como o Estado na sociedade contemporânea tende a expandir sua atuação, excluindo alternativas de organização que resultem num processo democrático de mobili-zação política e social das comunidades indígenas e outras populações. Para ele, “existe uma ideia de que o Estado tem que tutelar a sociedade no Brasil. Não é exclusivo para as populações indígenas. Essa ideia não é nova: remete ao Império, aos pensadores conservadores do início do século XX. Perpassa vários momentos da história do Brasil”.

O pesquisador cita o exemplo da par-ticipação dos índios na Bolívia atualmen-te, como contraponto ao que vem ocor-rendo no Brasil, onde o chamado desen-volvimentismo costuma entrar em cho-que com as realidades e interesses locais. “Em países como a Bolívia, esse processo de democratização está sendo resultado de uma grande mobilização política e so-cial, enquanto no Brasil isso vem sendo desconstruído nas últimas duas décadas, com as iniciativas vindo cada vez mais de cima para baixo”, compara o pesquisador do CPDA.

Um dos mecanismos de tutela critica-do por Marcos Terena foi a implantação, pelo governo brasileiro, da Comissão Na-cional dos Povos Indígenas. Ele explica que o Estado se antecipou à iniciativa dos movimentos indígenas de criar esse fó-rum de negociação. “Os índios criariam a comissão, mas o Estado saiu na frente, pa-gando passagem e a hospedagem para os índios irem à Brasília, tutelando um ins-trumento que deveria ser autêntico. Ape-sar de termos representantes, quem dirige a comissão é o presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai). A comissão deveria ser criada para fiscalizar a ação do Estado, no caso a Funai”, observa Terena.

O ativista também condena o que ele chama de “consultores mercenários”, ou seja, especialistas que trabalham por pou-cos meses na Funai formulando pareceres contrários aos princípios indigenistas de-fendidos por nomes como Darcy Ribeiro e os irmãos Orlando, Cláudio e Leonardo Villas Bôas. “Percebemos que esse mo-delo de desenvolvimento está chegan-do sem termos sido acionados a tempo de nos organizar e reagir. O Estado não oferece alternativa de participação de igual para igual. Se dissermos que não queremos compensação, mas royalties ou participação como acionistas do projeto, o Estado não permite, pois isso poderia ‘em-poderar’ econômica e politicamente a co-munidade indígena”, conclui Terena.

Zope com colaboração de Marco Fernandes

“o máximo que a gente consegue é tirar o título eleitoral para

dizer que somos parte da democracia. Mas ela não é suficiente

para garantir a nossa personalidade

tradicional.”

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Maio 2011UFRJJornal da 26 Maio 2011Universidade

Fernanda Mendes

Apr

oxim

ação das questões

Extensão da Faculdade de Direito

São 10 ao todo os pro-jetos de Extensão em curso na Faculdade de Direito (FD) da UFRJ,

que tem se esforçado para aproxi-mar a comunidade acadêmica das questões sociais que permeiam a sociedade. Para Lílian Márcia Bal-mant Emerique, professora de Di-reito do Estado e Constitucional, seja atendendo estrangeiros ou moradores do Complexo da Maré, a unidade desenvolve projetos que procuram atender às principais demandas sociais e, ao mesmo tempo, proporcionar aos estudan-tes a oportunidade de participar de atividades acadêmicas e exten-sionistas.

Apesar de ter projetos devida-mente cadastrados e em opera-ção, a professora considera que

a Extensão ainda está em fase de implantação na FD. A docente ex-plica que a dimensão conquistada pela Extensão na unidade é recen-te, tem cerca de quatro anos. “Um dos primeiros passos que nós de-mos foi a sensibilização dos pro-fessores e alunos para as nossas necessidades. O ideal é que seja criada uma cultura de Extensão na UFRJ, o que existe de maneira muito inicial, e que, aos poucos, vai se transformando em um am-biente de formação dos alunos”, argumenta Lílian Márcia.

O papel dos projetos de Exten-são da FD, segundo ela, é devolver à sociedade aquilo que a universi-dade tem conseguido construir em termos de conhecimento. Contu-do, a professora alerta para o fato de que a UFRJ não deve substituir

o poder público no papel de aten-der às necessidades da população: “O perfil que temos buscado para a Extensão é a responsabilidade com a formação dos nossos estu-dantes, para que eles aprendam o que pode ser interessante no pro-cesso de construção de conheci-mento, e não, tão somente, o aten-dimento de uma demanda social, como se fosse responsabilidade da Faculdade de Direito, o que não é”. Para a formação dos alunos, Lilian Márcia observa que os projetos têm o papel de sensibilização para as necessidades de cunho social, além de possibilitar um aprendi-zado direto com a sociedade.

Projeto Gringo LegalUm dos projetos de Extensão

da FD é o Gringo Legal, coorde-

sociais

Marcos Vinícius e equipe do Gringo Legal: estudantes têm possibilidade de desnvolver atividades práticas relacionadas ao Direito Internacional.

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Maio 2011Maio 2011 27UFRJJornal da

Maio 2011 Universidade

Marco Fernandes

nado pelo professor de Direito In-ternacional Privado, Marcos Viní-cius Torres Pereira. O projeto teve início em fevereiro de 2010, com a função de atender gratuitamen-te estrangeiros que vivem no Rio de Janeiro. Dessa forma, o Gringo Legal atende tanto a uma deman-da externa, contribuindo com a comunidade em geral, quanto in-terna, proporcionando aos alunos da unidade, que precisam cumprir estágio nos dois últimos anos de curso, a possibilidade de desen-volver atividades práticas relacio-nadas ao Direito Internacional.

O projeto, que conta atualmente com uma média de 60 casos, aten-de principalmente estrangeiros ex-cluídos em termos de assistências. Os problemas mais recorrentes são de concessão de vistos, passaporte, extradição e problemas na área de família, como divórcio ou seques-tro de crianças. Ao promover o atendimento a esses estrangeiros, Marcos Vinícius defende o avan-ço em termos sociais. “Na medida em que trabalhamos para a lega-lização e inserção dessas pesso-as na sociedade carioca, estamos contribuindo para a diminuição da criminalidade, para a maior ar-recadação de tributos e até para a elevação do Índice de Desenvolvi-mento Humano (IDH)”, aponta o professor.

O Gringo Legal conta atual-

mente com dois bolsistas e cerca de 30 estudantes envolvidos nos plantões de atendimentos a es-trangeiros, realizados no Núcleo de Prática Jurídica da FD, às se-gundas-feiras, a partir das 11h30, e às quintas, a partir das 8h. Nos plantões é feito um questionário-entrevista com o assistido. Em se-guida, o projeto desenvolve traba-lho interno, que é constituído de estudo dos casos, acompanhamen-to das publicações e idas aos tri-bunais, à Polícia Federal e ao Ita-maraty. Esse trabalho é desenvol-vido por alunos, bolsistas ou não, e advogados da unidade. Torres explica que o objetivo é que tudo seja resolvido em equipe, tanto as reuniões quanto a elaboração de peças, contestações e petições re-querendo medidas.

Além de participar de ativida-des jurídicas, o projeto permite aos estudantes uma intensa troca cultural com os estrangeiros. “Os alunos aproveitam muito esta pos-sibilidade de interação. Conver-sam na língua nativa dos assisti-dos, trocam informações, enfim, aprendem sobre a questão cultu-ral”, conclui Marcos Vinícius.

Projeto Maré/NiacOutro projeto da unidade é o

Projeto Maré/Niac, coordenado por Ivan Simões Garcia, professor de Direito do Trabalho, e que tem

como principal objetivo prestar assessoria jurídica aos moradores do Complexo da Maré. Vincula-do ao Núcleo Interdisciplinar de Atendimento à Comunidade da Maré (Niac), o projeto trabalha com prática jurídica interdiscipli-nar, uma vez que o atendimento é articulado com outras áreas, como Psicologia e Serviço Social.

Ivan Garcia considera um dos pontos essenciais para o desenvol-vimento do projeto o esclarecimen-to de direitos e a conscientização da população assistida. Além disso, a tendência é procurar reduzir o nú-mero de processos judiciais. “Ten-tamos fazer com que esses proces-sos se tornem coletivos, abrangen-do vários sujeitos ao mesmo tempo, no lugar de uma ação individual. E como o Niac é interdisciplinar, a população tem a possibilidade de solucionar vários tipos de proble-mas”, explica o professor.

Além de trazer benefícios a comunidades carentes, o Projeto Maré/Niac também favorece aos estagiários, aos bolsistas e aos pro-fessores envolvidos. Segundo Ivan Garcia, “as pessoas que passam por essa experiência mudam suas perspectivas profissionais e acadê-micas, aprendem sobre o Direito, sobre outras áreas do conhecimen-to e, principalmente, sobre o saber popular”.

Os demais projetos de Exten-são da FD-UFRJ são os seguintes: Universitários pela Paz, coorde-nado por Vanessa Oliveira Batis-ta; Acesso à Justiça; Cidadania no Centro; Atuação do Núcleo de Prática Jurídica da Faculdade Na-cional de Direito, coordenado por Daniele Gabrich Gueiros; Assesso-ria Jurídica Universitária a movi-mentos sociais de luta pela terra e assentamentos urbanos no Estado do Rio de Janeiro, coordenado por Marilson dos Santos Santana; Nú-cleo de Prática Jurídica e o Exer-cício da Cidadania pelos cidadãos Carentes de recursos financeiros, coordenado por Roberto Mon-teiro Litrento; Acompanhamento e diagnóstico sociojurídico para fins de implementação de Políticas Urbanas em comunidade de baixa renda da área central do Municí-pio do Rio de Janeiro, coordenado por Cristiane Catarina Fagundes de Oliveira; Direito em Movimen-to; Acesso à Justiça para os mo-radores da Vila Residencial da UFRJ, coordenado por Luiz Cláu-dio Moreira Gomes; Formação de agentes comunitários em Direitos Humanos, coordenado por Ivan Simões Garcia; e Assessoria Jurí-dica para a Incubadora Tecnoló-gica de Cooperativas Populares, também coordenado por Ivan Si-mões Garcia.Marcos Vinícius e equipe do Gringo Legal: estudantes têm possibilidade de desnvolver atividades práticas relacionadas ao Direito Internacional.

Para Lílian Emerique, projetos buscam atender demandas sociais.

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Maio 2011UFRJJornal da 28 Maio 2011História

reprodução

Que tal voltar ao passa-do e dar um belo pas-seio no Rio de Janeiro

dos séculos XVI e XVII? Com Ge-ografia Histórica do Rio de Janeiro: séculos XVI e XVII, (Andrea Jako-bsson Estúdio, 2011), livro escrito por Maurício de Almeida Abreu, professor titular do Departamento de Geografia do Instituto de Geo-ciências (Igeo) da UFRJ, é possível retornar ao passado e mergulhar na história do desenvolvimento urbano da cidade do Rio de Janeiro. A obra desmonta alguns mitos em relação à evolução urbana da cidade e faz uma releitura acerca da construção do espaço territorial carioca.

A primeira desconstrução feita pelo autor é a origem do nome Rio de Janeiro. No século XVI, acredita-va-se que a entrada da baía de Gua-nabara era a foz de um grande rio, que teria sido descoberto no dia 1º de janeiro de 1502, daí o nome rio de Janeiro, no qual a palavra rio era grafada com letra minúscula por não se tratar ainda do nome da ci-

Ontem e hoje,

“Geografia Histórica do Rio de Janeiro”

traz uma nova interpretação para a evolução urbana da cidade do Rio de Janeiro, nos

séculos XVI e XVII, desconstruindo

mitos e quebrando paradigmas.

Vanessa Sol

dade. No entanto, na historiografia permaneceu a controvérsia. Mau-rício Abreu afirma que a hipótese trata-se de uma dedução, uma vez que “não existe um documento que comprove que a baía de Guanabara recebeu o nome de rio de Janeiro por ter sido descoberta em 1º de ja-neiro de 1502”.

Na época, a exuberante vegeta-ção dava lugar ao sítio urbano que foi se constituindo por meio de con-flitos, lutas e batalhas. A região tor-nou-se cidade real em 1º de março de 1565, após ter sido fundada por Estácio de Sá, ganhando a denomi-nação de cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro em homenagem ao rei de Portugal, D. Sebastião. A fun-dação da cidade foi estratégica na lógica da colonização portuguesa, pois à região era conferida grande importância na rota de circulação do Atlântico Sul, mesmo antes da descoberta do ouro e chegada da Família Real. De acordo com Rafael Straforini, também professor do De-partamento de Geografia do Igeo,

“havia uma estratégia na ocupação desse território, pois já se projetava para o Rio de Janeiro um sentido es-pecífico no projeto de exploração e colonização do Brasil, pelos portu-gueses”.

O professor destaca ainda que a localização do Rio de Janeiro era fundamental para Portugal expan-dir sua ocupação em relação aos limites do Tratado de Tordesilhas, que dividia o território brasileiro entre as cortes Portuguesa e Espa-nhola. “O litoral brasileiro apresen-ta uma orientação Norte-Sul do Rio Grande do Norte à Cabo Frio, onde a orientação passa a ser Leste-Oeste. Porém, muitos mapas portugueses do passado não faziam a orientação Leste-Oeste na costa de Cabo Frio. Eles representavam todo o litoral com orientação Norte-Sul para ca-muflar a estratégia de expansão. Au-mentavam o mapa para dar a ideia de que tinham uma parte de terra maior e, assim, expandirem cada vez mais”, explica Straforini.

A necessidade de expansão terri-

torial era notável à época. O espaço exíguo da cidade, fundada entre os morros Pão de Açúcar e São João, posteriormente chamado de Cara de Cão, obriga sua transferência, em pouco tempo, para o morro do Castelo.

Morro do CasteloQuando o assunto é morro do

Castelo, Rafael Straforini explica que Maurício Abreu teve que mon-tar um quebra-cabeça para recons-tituir a história do local. Para isso, fez inúmeras pesquisas no Arquivo Histórico Ultramarino de Lisboa, no Arquivo da Companhia de Jesus e no Arquivo Histórico Nacional. Ao cruzar os dados das iconogra-fias com a documentação cartorial que encontrou, o autor de Geografia Histórica do Rio de Janeiro começou a perceber que havia um conflito nesses dados e que aquilo que se di-zia do morro do Castelo – represen-tado, em geral, pelos portugueses, com fortificações para intimidar as invasões – não correspondia à do-cumentação disponível.

De acordo com Rafael Straforini, Maurício Abreu precisou desmon-tar e montar uma nova leitura do espaço urbano do Rio de Janeiro, sobretudo no que diz respeito ao morro do Castelo, em decorrência da imprecisão de dados de grande parte da documentação dos sécu-los XVI e XVII. “O que se fala hoje do morro do Castelo está baseado em iconografias, mapas ou outro tipo de documentação que, neces-sariamente, não expressam aquilo que era a cidade. Cruzando os da-dos dessas iconografias com dados cartoriais, Maurício Abreu levantou hipóteses de como teria sido a cons-tituição daquele espaço”, declara o pesquisador do Igeo.

Outro ponto de destaque na evo-lução urbana da cidade Rio foi a relação conflituosa entre os donos de engenhos e as ordens religiosas quanto à ocupação do território. Em alguns casos, a Câmara Municipal do Rio de Janeiro doava sesmarias às ordens religiosas que se sobre-punham a outras sesmarias doadas para outro donatário. A maneira conflituosa como o espaço urbano da cidade se formou mostra, segun-do Straforini, “a dificuldade que foi lidar com solo urbano desde a aque-la época”.

Da mesma maneira, outro as-pecto que aponta dificuldades en-frentadas para lidar com o desen-volvimento do território urbano é a questão do abastecimento de água. Straforini explica que o acesso à água na cidade do Rio era difícil du-rante os séculos XVI e XVII, posto que a água, captada no rio Carioca, acabou sendo poluída pelos curtu-mes e lavadeiras. Com isso, houve a necessidade de busca de água em

a evolução urbana da cidade do Rio

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Maio 2011Maio 2011 29UFRJJornal da

Maio 2011 História

outra fonte, ocorrendo a construção dos Arcos (da Lapa) para o abasteci-mento da cidade.

Em Geografia Histórica do Rio de Janeiro é possível perceber que o es-paço urbano da cidade teve que ser conquistado, uma vez que era panta-noso, com manguezais e lagoas que precisavam ser aterradas. Exemplo disso é a localização da atual Pra-ça XV, que precisou de aterro em espaço da baía de Guanabara e, da mesma forma, a parte que compre-ende a rua 1º de Março e a estação das barcas. Segundo Straforini, esse fato demonstra a incompatibilidade do solo com a ocupação e, por isso, a ideia de conquista do sítio urbano: “A cidade precisou ser conquistada porque esse sítio era hostil à ocupa-ção e, mesmo em meio a tamanha hostilidade, esta ocorreu em função da necessidade de expansão que se tinha à época”.

Desmistificando a “Cidade Maravilhosa”

Um dos grandes problemas da-quela época, que ainda hoje é muito premente, é a falta de espaço na área central da cidade, limitada entre a baía e o morro de Santa Teresa. O Rio de Janeiro tinha, e ainda tem, um espaço exíguo e na conquista desse espaço áreas foram aterradas. Em sua obra, Maurício Abreu mos-tra que o Rio de Janeiro nunca foi uma “cidade maravilhosa” até a Belle Époque. O grande debate até o sécu-lo XIX foi o de que a cidade do Rio de Janeiro era insalubre, se compa-rada a Buenos Aires: enquanto que o Rio era uma cidade de doenças, Buenos Aires poderia ser, na Amé-rica, uma cidade europeia.

Na opinião de Rafael Straforini, Geografia Histórica do Rio de Janei-ro reúne os elementos que compu-nham a sociedade carioca nos sécu-los XVI e XVII e analisa como esses elementos estavam interrelaciona-dos e, do mesmo modo, a ocorrên-

cia da produção do espaço urbano naquele momento.

“O livro de Maurício Abreu des-constrói muitos mitos e, no momen-to atual, se a Geografia Histórica tem alguma importância para pensar o presente, eu avalio que vale a pena repensar a cidade. O Rio de Janeiro criou alguns mitos como, por exem-plo, o de ‘Cidade Maravilhosa’ que impossibilitou olhá-la com profun-didade e fazer dela uma leitura críti-ca. É necessário repensar um pouco o que se constrói e, agora, com Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos, a necessidade de retomar a importân-cia da cidade é muito calcada numa ficção.Geografia Histórica do Rio de Janeiro busca desconstruir isso, no passado”, aponta Rafael Straforini.

O livro Geografia Histórica do Rio de Janeiro é fruto do trabalho de pesquisa de mais de 15 anos de Maurício de Almeida Abreu, geógrafo, professor do Departamento de Geografia do Instituto de Geociências (Igeo) da UFRJ. A pesquisa sobre os séculos XVI e XVII emergiu de uma angústia do pesquisador ao estudar o século XIX e perceber que havia uma enorme lacuna na historiografia que diz respeito à urbanização da cidade do Rio de Janeiro do sé-culo XVI e XVII.

A obra é um dos trabalhos mais completos que existem no que diz respeito à evolução urbana do Rio de Janeiro, e é vista como um clássico tanto para pesquisadores em Geografia quanto em História, em função da qualidade da pesquisa e do método-teórico aplicado.

O tipo de pesquisa realizada pelo docente talvez possa ser extinta no campo acadêmico em função do tipo de produção requisitada aos pesquisadores pelas agências de fomento, que acabam, estes, não tendo tempo para dedicar tantos anos a uma pesquisa específica.

Em linguagem clara, sem o pesado jargão acadêmico, Geografia Histórica do Rio de Janeiro é pesquisa de fôlego, inédita, geográfica e historicamente falando. Retrata com fidelidade os espaços carioca e fluminense ao longo de 200 anos, com todas as suas nuanças e dimensões da dinâmica de construção geo-histórica. O rigoroso trabalho de levantamento histórico tem duração de 15 anos e foi realizado em diferentes instituições brasileiras, portuguesas, francesas e do Vaticano. O trabalho resultou numa série de descobertas empíricas que, cer-tamente, será marco na pesquisa nesta temática.

Em abril passado, Maurício Abreu recebeu a medalha Pedro Ernesto, comenda concedida pela Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro, que é a principal condecoração municipal concedida à personalidade de destaque no meio social.

A reportagem do Jornal da UFRJ fez contato com o professor para entrevistá-lo acerca de sua obra, mas constatou sua impossibilidade de fazê-lo, uma vez que ele se encontra doente. De qualquer maneira, a matéria, que pode ser entendida como um desejo de pronto-restabe-lecimento, se faz presente.

Pesquisa de fôlego

Vista da baía de Guanabara extraída do Livro de viagem pelo rico Brasil , Rio de la Plata e Magallanes...publicado em 1624, por Jan Canin, Amsterdam

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UFRJJornal da 30 Maio 2011

44,3%

52,1%

Comportamento

Obesidade que se agiganta

De acordo com o levanta-mento do Ministério da Saúde, quase metade da

população adulta - 48,1% - está acima do peso e 15% dela é obesa. Em 2006, a proporção era de 42,7% para excesso de peso e 11,4% para obesidade. Na popula-ção masculina, mais da metade está aci-ma do peso (52,1%). Entre as mulheres, a proporção é de 44,3%, com aumento significativo nos dois sexos. Em 2006, a pesquisa apontava excesso de peso em 47,2% dos homens e em 38,5% das mu-lheres.

Os dados fazem parte da “Vigilân-cia de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefô-nico” (Vigitel), que em 2010 entrevistou 54.339 adultos, nas 27 capitais. O Vigitel é realizado anualmente, desde 2006, pelo Ministério da Saúde, em colaboração com o Núcleo de Pesquisa em Nutrição e Saúde (Nupens) da Universidade de São Paulo (USP).

Deborah Carvalho Malta, coordena-dora da Coordenação Geral de Doen-ças e Agravos não Transmissíveis (CG-DANT), da Secretaria de Vigilância em Saúde, do Ministério da Saúde, explica que o expressivo crescimento no número de pessoas com sobrepeso e obesidade, em um curto período, é uma realidade em todo o mundo. “A ocorrência do ex-cesso de peso decorre do sedentarismo e de padrões alimentares inadequados. Essa é uma tendência mundial e o Bra-sil não está isolado. Ela é um reflexo do baixo consumo de alimentos saudáveis como frutas, legumes e verduras e do uso

Recente pesquisa realizada pelo Ministério da Saúde e divulgada em abril deste ano aponta que o excesso de peso da população cresceu nos últimos cinco anos. A proporção de adultos obesos subiu de 11,4, em 2006, para 15%, em 2010.

Rafaela Pereira

em excesso de produtos industrializados com elevado teor de calorias, como gor-duras e açúcares, além de baixos níveis de atividade física”, afirma Deborah Mal-ta, que é doutora em Saúde Coletiva.

De acordo com Renata Lopes Araú-jo, nutricionista e pós-doutoranda do Laboratório de Fisiologia Endócrina, do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Fi-lho (IBCCF) da UFRJ, o que chama mais a atenção é o percentual de indivíduos com sobrepeso, que atinge “50% dos ho-mens e 48% das mulheres”, o que signifi-ca dizer “que eles estão a um passo para a obesidade”. Esse grupo, segundo a pes-quisadora, “provavelmente será de obe-sos na próxima pesquisa”. Renata Araújo, diante do quadro, indaga “Como a gente vai cuidar de metade da população que está nesse contexto?”

Exercícios somados a dietaAssociar restrição alimentar com

exercícios físicos pode ser um dos cami-nhos para que a população consiga sair dos níveis de sobrepeso e/ou obesidade. Para Julia Nunes Perez Fandiño, psiquia-tra do Grupo de Obesidade e Transtor-nos Alimentares (Gota) do Instituto de Psiquiatria (IP) da UFRJ, diversos são os fatores que interagem e são responsáveis pelo sobrepeso e pela obesidade. “Esse aumento significativo da obesidade têm sido relacionado a fatores ambientais tais como diminuição dos níveis de ativida-de física e o aumento do consumo de ali-mentos hipercalóricos (ricos em açúcar e gordura), que, em geral, são mais bara-tos, servidos em grandes porções e com

extensa variedade de produtos”, analisa a pesquisadora.

Em relação à alimentação, a pesqui-sa do Ministério da Saúde aponta que o brasileiro está consumindo menos feijão (importante fonte de ferro e fibras), mais leite integral (com gordura) e bastante carne com gordura aparente. O número de adultos que comem feijão pelo menos cinco dias por semana é de 66,7% (em 2006, esse percentual alcançava 71,9%).

Também é preocupante o índice de adultos que consomem a quantidade re-comendada de frutas e hortaliças – cin-co porções diárias (ou 400 g), de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). Importante fator de proteção para as doenças crônicas não transmis-síveis, esses alimentos são consumidos na quantidade recomendada por apenas 18,2% dos brasileiros. Por outro lado, 34,2% dos entrevistados dizem que se alimentam de carnes vermelhas gordu-rosas ou de frango com pele; e 28,1% consomem refrigerantes, cinco vezes ou mais na semana.

Com relação a exercitar o corpo para gerar gasto calórico, o Vigitel mostra que

14,2% dos adultos são sedentários, ou seja, pessoas que não fazem nenhuma atividade física seja no tempo livre, no deslocamento diário ou em atividades como limpeza da casa ou trabalho pesa-do. Outro indicador de sedentarismo é o fato de assistir tevê por mais de três horas ao dia, hábito referido por 30,2% dos ho-mens e 26,5% das mulheres. Além disso, apenas 14,9% dos adultos são ativos no tempo livre, com maior proporção de homens (18,6%) em relação às mulheres (11,7%). A OMS recomenda a prática de 30 minutos de atividade física, em cinco ou mais dias por semana.

Comer ou não comer?Para alguns, essa pode ser uma ques-

tão fácil de responder. Contudo, para uma parcela da população, responder sabiamente a essa pergunta requer ficar atento a vários fatores. “Essa questão que envolve várias linhas integrativas de si-nalização e de saciedade vai além de um aspecto isolado de um hormônio ou de uma enzima. A sinalização de satisfação do apetite depende da interação senso-rial, visual e auditiva, entre outros. Po-

52,1%dos homens estão

acima do peso

44,3% das mulheres estão

acima do peso

Obesidade

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31UFRJJornal da

Maio 2011Maio 2011

15%

48,1%

Comportamento

Obesidade que se agiganta

rém, o obeso muitas vezes não tem esses sinais adequados”, aponta a nutricionista Renata Araújo.

O ser humano pode fazer a escolha de um alimento de duas maneiras: pelo valor nutricional ou pelo hedonismo. Um prato pode fazer bem ao corpo e ou-tro ao prazer. “Diante de algumas opções de pizza - calabresa, frutos do mar, mus-sarela ou vegetais – cada pessoa pode escolher também pelo prazer, pelo visu-al, pelos aspectos que marcam sua vida, pela família, enfim, o contexto em que cada um está inserido. É como se fosse um duelo entre o valor nutricional e o valor hedônico”, explica Renata Lopes.

O ato de se alimentar também pode estar relacionado às emoções. De acordo com Julia Fandiño, a regulação do ape-tite envolve estruturas do Sistema Ner-voso Central e também a substâncias químicas produzidas pelos neurônios que estão associadas ao prazer de co-mer. “Esses mesmos neurotransmisso-res estão envolvidos na modulação do humor e das emoções de uma maneira geral. Situações de ansiedade e depres-são têm sido associadas à obesidade e ao

da população

estão acima do peso

48,1%

15% dela é

obesa

sobrepeso, sugerindo uma relação en-tre estresse e obesidade. Por outro lado, transtornos psíquicos também podem ser causa de obesidade, como, por exem-plo, certo tipo de depressão chamada atí-pica que cursa com aumento do sono e do apetite; ou pessoas que desenvolvem compulsão alimentar em situações de ansiedade e nervosismo”, explica a psi-quiatra, apontando que essa relação en-tre emoções e ingestão de alimentos não está completamente estabelecida, mas estudos recentes sugerem forte associa-ção entre ambas.

Ações do MSNa busca da redução do número de

obesos no país, o Ministério da Saúde, de olho com o que vai para a mesa dos brasileiros, organiza ações como as do Programa Saúde da Família (PSF) - al-cançando mais de 100 milhões de pes-soas -, cujas equipes orientam as famílias no sentido da alimentação saudável e da prática de atividade física regulares.

Além disso, desde 2006, a Política Nacional de Promoção da Saúde esti-mula a realização de atividades físicas em 1.506 municípios dos 26 estados e do Distrito Federal. Somente entre 2006 e 2010, foram repassados R$ 171 milhões para as cidades que integram a Rede Na-cional de Promoção da Saúde. Os recur-sos são distribuídos regularmente para as secretarias municipais de Saúde, que desenvolvem projetos que oferecem ati-vidades físicas à população e capacitação para profissionais de saúde.

No último dia 7 de abril, o Ministério da Saúde e as associações que represen-tam os produtores de alimentos proces-sados firmaram termo de compromisso para reduzir a quantidade de sódio nos alimentos. O acordo estabelece um pla-no de redução gradual na quantidade presente em 16 categorias de alimentos, começando por massas instantâneas e pães. Essa colaboração soma-se às ini-ciativas anteriores, como o acordo para

redução de gordura trans (processo de hidrogenação artificial) nos alimentos.

Outro programa do Ministério da Saúde é o Academia da Saúde, iniciativa para promover hábitos saudáveis e esti-mular a melhoria da saúde na popula-ção. O programa prevê a implantação de infraestruturas com espaços para a reali-zação de atividades individuais e coleti-vas, a disposição de equipamentos para

alongamentos e outras práticas físicas e de lazer, com a orientação de profissio-nais qualificados.

Pesados custosNo Brasil e no mundo os custos, di-

retos ou indiretos, com a obesidade vêm aumentando e impactando na economia do país. De acordo com Renata Araú-jo, aqui, a obesidade, ou o sobrepeso, representa uma perda de US$ 7 mil ao ano por indivíduo obeso, relacionados à perda de produtividade e aos custos com tratamentos médicos.

O norte-americano National Insti-tutes of Health gasta cerca de US$ 800 milhões por ano com pesquisa em obesi-dade, analisando os fatores metabólicos, genéticos e neurológicos. Há pesquisas que apontam que os gastos diretos rela-cionados com a obesidade representarão pelo menos 1/3 dos gastos com cuidados de saúde nos EUA em 2018, caso sejam mantidas as previsões no aumento da prevalência.

No mundo, até 2003, segundo artigo de Maria Edna de Melo, da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso) esti-ma-se que 0,7 a 7,0% dos gastos nacio-nais com saúde, foram para os obesos e seus cuidados preventivos, suas consul-tas médicas, seu consumo de medica-mentos, sua internação hospitalar, seus exames e diagnósticos e suas cirurgias.Obesidade

Renata Araújo questiona como se cuidará de uma população que poderá, no futuro, ser obesa?

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Maio 201132 UFRJJornal da

Persona

Nascida e crescida no bairro carioca do Encantado, Aracy de Almeida (1914-1988) começou cedo na música, can-

tando no coral da Igreja Batista da qual seu irmão era pastor e sonhando em se apresentar no rá-dio. Curiosamente, cantava também em terrei-ros de candomblé e blocos carnavalescos, es-condida da família.

O sonho de se tornar intérprete começou a se realizar no início dos anos 1930, quando a jovem conheceu Custódio Mesquita, famoso cantor e compositor da época. Apresentou a canção Bom dia, meu amor, de Joubert de Car-valho e Olegário Mariano, que serviu de passa-porte para o início da carreira na Rádio Edu-cadora, em 1933. Não apenas isso. O convívio no meio musical proporcionou-lhe a oportuni-dade de conhecer aquele que viria a ser o com-positor dos seus maiores sucessos: Noel Rosa, parceiro de Custódio Mesquita na música e na boemia.

A amizade e admiração pela cantora nova-ta fizeram com que o “poeta da Vila” fizesse composições especialmente para Aracy. Ela chegou a gravar 34 músicas de Noel Rosa an-tes da morte do artista, em maio de 1937. Por esse motivo, “Araca”, como era chamada pelos amigos, ou “o samba em pessoa”, pela comuni-dade musical, é reconhecida, até hoje, na Músi-ca Popular Brasileira (MPB) como a intérprete

Aracy de Almeida

“O samba em pessoa”

Aracy de Almeida, estigmatizada no fim da vida como jurada de programa de calouros na TV, tem seu nome marcado na Música Popular Brasileira como a

maior intérprete de Noel Rosa.

Gisele Motta

mais constante do sambista. Certa vez, Noel disse: “Aracy de Almeida é, em minha opinião, a pessoa que interpreta com exatidão o que eu produzo”.

SingularidadeAracy, que se destacou como uma cantora

talentosa, foi aclamada pelo público. “Ela se tornou uma das intérpretes mais indicadas pelo próprio Noel Rosa. Tinha uma singularidade na voz, uma carioquice. Foi Noel, cronista, que percebeu que a cidade se verticalizava, que tudo mudava. Mas era Aracy quem interpretava. Era ela quem fazia chegar essas ideias ao grande pú-blico”, analisa Fred Góes, professor do Departa-mento de Ciência da Literatura da Faculdade de Letras (FE) da UFRJ e coordenador acadêmico do Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira, um site exclusivamente dedicado à MPB. “Se Noel Rosa foi quem ele foi, isso se deve muito à qualidade da interpretação de seus sambas na voz de Aracy”, completa o pesquisador.

Segundo Góes, a cantora tinha uma personali-dade diferente: “Ela era uma das poucas mulheres que frequentava bares, pois o mundo da MPB era muito masculino. A própria Aracy era um pouco masculinizada. Ela costumava ir à Galeria Cruzeiro e ficava no meio da roda dos homens”.

Aracy de Almeida trabalhou na Rádio Philips e excursionou com Carmem Miranda. Passou tam-

bém pela Rádio Tupi e pela boate Vogue, chegando ao auge da carreira levando a obra de Noel para o grande público. Além disso, a cantora contava com uma legião de fãs, como afirma Fred Góes. “Ela ti-nha um fã-clube enorme. Todos os jovens a enalte-ciam muito. Ela tinha um ‘quê’ de voz anasalada e aquela figura singular, o que fazia sucesso”.

Mesmo com o clamor do público, Aracy é hoje uma personagem pouco lembrada na música brasi-leira. Tem seu nome mais vinculado a programas de calouros, onde participava como jurada ranzinza, do que pela contribuição real na música. Há quem diga que, com a chegada da bossa nova e do próprio rock, os cantores de samba saíram de moda. Para Fred Góes, a artista poderia ter se tornado um íco-ne, não fosse a imagem criada pela TV: “Com o seu advento, Aracy ficou com a imagem de jurada mal-humorada. Aquela personagem ‘apagou’ a imagem de cantora de sucesso. Claro que quem conhece música popular sabe quem foi ela, mas apagou um pouco do brilho”, observa o professor.

Durante as homenagens por ocasião da morte de Aracy de Almeida, o Corpo de Bombeiros per-correu vários bairros do Rio de Janeiro com o corpo da cantora. Lugares frequentados por ela, como a boêmia Lapa, fizeram parte do trajeto do cortejo. Aracy morreu em 1988, aos 74 anos, “sem fogue-te, sem retrato, sem bilhete, sem luar, sem violão”, como em Último desejo, uma das obras-primas de Noel Rosa.