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  • 7/29/2019 Turato II

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    OnlineRev Latino-am Enfermagem 2006 setembro-outubro; 14(5)

    www.eerp.usp.br/rlae

    COLETA DE DADOS NA PESQUISA CLNICO-QUALITATIVA: USO DE ENTREVISTAS NO-DIRIGIDAS DE QUESTES ABERTAS POR PROFISSIONAIS DA SADE

    Bruno Jos Barcellos Fontanella1

    Claudinei Jos Gomes Campos2

    Egberto Ribeiro Turato2

    Entrevistas no-dirigidas constituem o principal instrumento de coleta de dados nas pesquisas qualitativasno campo da sade. Estes estudos esto consolidados na literatura internacional. Para os profissionais de

    sade, saber o que as pessoas sentem e imaginam permite-nos uma relao clnico-paciente mais adequada. indispensvel saber o que os fenmenos da vida significam para os indivduos, porque os significados tmuma funo estruturante: em torno do que as coisas significam para ns, organizamos nossas vidas, incluindo

    os cuidados com nossa prpria sade. A partir de pesquisas concludas junto ao Laboratrio de Pesquisa

    Clnico-Qualitativa da Universidade Estadual de Campinas, Brasil, os autores abordam, neste artigo, os seguintes

    pontos: caracterizao de entrevistas no-dir igidas, diretividade das entrevistas, tcnicas de abordagem,observao de manifestaes no-verbais e para-verbais, tcnicas de registro e transcrio do discurso evalidade/confiabilidade das entrevistas no-dirigidas. O texto quer ser til para interessados em pesquisa da

    graduao e ps-graduao.

    DESCRITORES: entrevista psicolgica; pesquisa qualitativa; validade

    DATA COLLECTION IN CLINICAL-QUALITATIVE RESEARCH: USE OF NON-DIRECTEDINTERVIEWS WITH OPEN-ENDED QUESTIONS BY HEALTH PROFESSIONALS

    Non-directed interviews constitute the main data collection instrument in qualitative health research. Studies inwhich this is evident are well documented in international literature. For health professionals, knowing what

    people feel and imagine makes it possible to develop a more adequate clin ician-patient relationship. It isindispensable to know what the life phenomena mean for individuals, because the meanings have a structuring

    function. People organize their lives around the meaning they attribute to situations or object. This is alsorelevant to their health care. From research conducted at the Laboratory of Clinical-Qualitative Research, State

    University of Campinas, Campinas (So Paulo), Brazil, the authors address, in this article, the following matters:

    characterization of non-directed interviews, directiveness of interviews, approach techniques, observation ofnon-verbal and paraverbal manifestations, registry techniques / speech transcription, and validity/reliability ofnon-directed interviews. This is useful for people interested in research at graduate and undergraduate level.

    DESCRIPTORS: interview, psychological; qualitative research; validity

    COLECTA DE DATOS EN LA INVESTIGACIN CLNICO-CUALITATIVA: EL USO DEENTREVISTAS NO-DIRIGIDAS DE PREGUNTAS ABIERTAS POR LOS PROFESIONALES DE SALUD

    Las entrevistas no-dirigidas constituyen el principal instrumento de colecta de datos de la investigacin

    cualitativa en el campo de la salud. Estos estudios estn consolidados en la literatura internacional. Para losprofesionales de salud, saber lo que sienten e imaginan las personas contribuye para la construccin de una

    relacin medico-paciente mas adecuada. Es indispensable saber el significado de los fenmenos de la vidapara los individuos, porque tiene una funcin estructurante: alrededor de lo que significan organizamos nuestrasvidas, incluyendo los cuidados con nuestra salud. A partir de investigaciones realizadas en el Laboratorio deInvestigacin Clnico-Cualitativa, Universidad Estatal de Campinas, Brasil, los autores tratan de: caracterizacin

    de entrevistas no-dirigidas, continuum directivo de entrevistas, tcnicas del acercamiento, observacin de

    manifestaciones no-verbales y paraverbales, tcnicas del registro/ transcripcin del discurso, y validez/confiabilidad de entrevistas no-dirigidas. Es til para los interesados en investigacin de graduacin y

    posgraduacin.

    DESCRIPTORES: entrevista psicolgica; investigacin cualitativa; validez

    1 Doutor, Professor da Universidade Federal de Minas Gerais, Membro do Laboratrio de Pesquisa Clnico-Qualitativa; 2 Doutor; Professor da Faculdade deCincias Mdicas, Membro do Laboratrio de Pesquisa Clnico-Qualitativa. Universidade Estadual de Campinas

    Artigo de Reviso

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    INTRODUO

    Enfermeiros, mdicos e outros profissionais

    de sade necessitam, com freqncia, ampliar a

    compreenso cientfica de fenmenos acerca da vida

    e da doena, tais como vivenciados e simbolizados

    por seus pacientes. Conseqentemente, eles passam

    a assumir o papel especfico do clnico-investigador.

    Estes profissionais partem da premissa de que seus

    pacientes detm experincias de vida e informaes

    especficas que lhes ajudaro a compreender

    profundamente vrios problemas de sade e de vida,

    ento focalizados para uma investigao clnico-

    psicolgica. O encontro clnico-paciente comea,

    assim, a adquirir caractersticas peculiares a ambos,

    e deve ocorrer de uma maneira metodologicamente

    acurada, tal como realizada em qualquer pesquisa

    cientfica.Os profissionais de sade esto acostumados

    a coletar dados para chegar a um diagnstico clnico.

    Entretanto, o recurso da anamnese, como bem se

    sabe, difere de um roteiro de entrevista da pesquisa

    qualitativa(1).Enquanto a anamnese representa uma

    entrevista dirigida, portanto com questes

    preestabelecidas para uma coleta ordenada de dados,

    organizando a memria do entrevistado (pacientes

    e/ou acompanhantes), visando dar diagnstico em

    clnica ou em pesquisa, a entrevista da pesquisa

    qualitativa igualmente um encontro interpessoal paraa obteno de informaes verbais e/ou escritas,

    porm de uma maneira no-dirigida, consistindo em

    um instrumento de pesquisa cientfica a fim de gerar

    conhecimentos novos sobre vivncias humanas. Um

    profissional clnico, devido a sua habitual prtica de

    assistncia teraputica, e embora agora j como um

    investigador qualitativista, poder interagir ainda

    ingenuamente com a pessoa doente, coletando dados

    automaticamente atravs de numerosas perguntas

    seqenciais, at mesmo solicitando respostas

    padronizadas, como geralmente ocorre quando sevisam descries clnicas aprendidas nos ambientes

    e nos tratados mdicos.

    De um ponto de vista metodolgico, se

    algum quiser explicar cientificamente certo

    fenmeno, por exemplo, relacionado dependncia

    de drogas, este seria um assunto para investigadores

    em psiquiatria, em epidemiologia ou farmacologia

    clnica. Mas se algum quiser compreender o que este

    fenmeno significa para um paciente dependente, este

    um tema para investigadores qualitativistas, que

    podem ser psiclogos, psicanalistas, socilogos,

    antroplogos ou educadores. Entretanto, seria muito

    interessante se enfermeiros, mdicos e todos os

    outros profissionais de sade, eles mesmos pudessem

    empregar mtodos qualitativos. Estes trazem a

    vantagem - devido a sua experincia de cuidado

    sade - de trazer uma atitude clnica e existencialista

    inerentes(1), que lhes permitir executarem valiosas

    coleta de dados e fazerem interpretaes dos

    resultados com autoridade.

    Em recente editorial, o renomado jornal

    britnico Medical Education anunciou uma nova srie

    sobre pesquisa qualitativa para aumentar a

    conscincia dos leitores acerca da variedade de

    mtodos disponveis(2). O assistente editorial enfatizou

    que, nos ltimos dez anos, os mtodos qualitativos

    de pesquisa, cada vez mais, tm se tornado bem

    aceitos em peridicos da sade. Diversas revistastm publicado regularmente pesquisas qualitativas e

    dispem de rbitros com claras diretrizes para avaliar

    os respectivos artigos. difcil encontrar profissionais

    da sade que ainda no tenham cincia sobre

    mtodos qualitativos e sobre sua contribuio s

    bases de conhecimento.

    A respeito doproblema a ser eleito para uma

    pesquisa qualitativa, este no deve ter sido explorado

    cientificamente de modo extenso. No caso dapesquisa

    clnico-qualitativa, a informao que interessa ao

    investigador necessita ser encontrada do ponto devista subjetivo dos indivduos em estudo (sejam

    pacientes, parentes ou mesmo os profissionais de

    sade). Esta a chamada perspectiva mica de uma

    pesquisa genuna(3), isto , o investigador respeita a

    posio do insider, com fidelidade fala destes

    entrevistados, interpretando os resultados de acordo

    com a prpria lgica deles considerando as relaes

    de significado que estabelecem. Conseqentemente,

    isto permitir gerar, de fato, um conhecimento original.

    A confrontao com os dados de literatura tem ento

    uma funo complementar, como uma estratgia detriangulao terica. Mas nunca deve servir como

    ponto inicial da discusso, na qual a apresentao

    das citaes, extrada do material das entrevistas,

    somente ajudaria a confirmar teorias j estabelecidas.

    Considerando ser, infelizmente, uma prtica muito

    comum nas produes acadmicas, o conhecimento

    cientfico, neste modo, realmente no avana.

    Referente s tcnicas de pesquisa, a fim de

    apreender espontnea e eficientemente o discurso

    dos sujeitos, um instrumento adequado de coleta de

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    dados deve colocar as duas pessoas face-a-face,

    procurando desenvolver um setting natural. Certos

    fenmenos vitais so mais evidenciados nesta

    situao, particularmente aqueles colocados em nveis

    mais profundos da realidade(4), tais como: as reaes

    psicolgicas e culturais a respeito do risco e do

    processo de adoecer; as crenas/atitudes dos

    pacientes ou dos profissionais a respeito da

    compreenso clnica da doena; a adeso aos

    tratamentos e s medidas de preveno; o manejo

    do estigma da doena e assim por diante.

    As ferramentas de pesquisa mais adequadas

    a tais peculiaridades so as entrevistas no-dirigidas

    em seus subtipos, a saber: as entrevistas abertas e

    as entrevistas semidirigidas. Nestes mtodos, os

    entrevistados falaro sobre os significados que eles

    atribuem a suas experincias de vida e da doena.

    interessante notar que este modo pode levar oentrevistador a aproximar-se de dados no

    esperados(5), que so os famosos achados de

    serendipidade: aqueles que so encontrados por

    acaso. O investigador ter que descrever e interpretar

    tais dados, como pode ser lembrado o exemplo bem

    conhecido de serendipidade da descoberta cientfica

    da penicilina no campo das cincias naturais.

    Em contraste com as tcnicas da pesquisa

    experimental, as entrevistas no-dirigidas so

    instrumentos interativos complexos, em que o

    investigador no deveria - e de fato no pode -controlar variveis emocionais, cognitivas e

    comportamentais. Uma verdadeira pesquisa de campo

    deveria ir alm do histrico papel passivo de confirmar

    ou de refutar hipteses. As entrevistas qualitativas

    tm que produzir dados a fim de realizar, pelo menos,

    quatro importantes funes que deveriam desenvolver

    os modelos tericos, nomeadamente: os resultados

    iniciam, reformulam, redirecionam e clareiam

    teorias(5).

    DEFINIO E OBJETIVO

    A Metodologia Clnico-Qualitativa - uma das

    muitas abordagens qualitativas - um particular

    refinamento da genrica metodologia qualitativa vinda

    das cincias humanas. definida como se segue:

    o estudo terico - e seu uso correspondente em

    investigao - de um conjunto de mtodos cientficos,

    tcnicas e procedimentos adequados para descrever

    e interpretar os sentidos e os significados atribudos

    a fenmenos e relacionados vida dos indivduos,

    sejam pacientes ou qualquer outra pessoa participante

    do setting dos cuidados com a sade (parentes,

    membros da equipe profissional e da

    comunidade)(6).

    Frente ao delineado acima, o arrazoado deste

    artigo fornece estratgias para melhor conhecer o

    que as pessoas sentem e imaginam sobre os

    fenmenos da sade. De pesquisas conduzidas junto

    ao Laboratrio da Pesquisa Clnico-Qualitativa, da

    Universidade Estadual de Campinas, os autores

    almejam discutir seis problemas: caracterizao de

    entrevistas no-dirigidas; diretividade das entrevistas;

    tcnicas de abordagem; observao de manifestaes

    no-verbais e paraverbais; tcnicas de registro e

    transcrio do discurso; e, finalmente, validade/

    confiabilidade das entrevistas no-dirigidas.

    A CARACTERIZAO DE ENTREVISTASNO-DIRIGIDAS

    Certos textos que definem entrevistas no-

    dirigidas tm indicado dois aspectos especficos deste

    instrumento de coleta de dados, a saber: seu intento

    exploratrio e seu carter de assimetria(7). Quanto

    menos dirigidas, as entrevistas puderem ser, mais

    eficientes se apresentaro. Em contraste com uma

    conversao diria, so conduzidas de modometodologicamente acurado por um investigador. De

    um lado, h uma pessoa que um tcnico no papel

    de detentor de certo conhecimento cientfico - o

    pe squi sado r, e de outro lado, h uma pessoa

    convidada que assume o papel do receptor da

    abordagem tcnica - o entrevistado.

    Essa assimetria tem sido definida como uma

    relao entre duas ou mais pessoas, em que estas

    intervm como tais. (...) [a entrevista] consiste em

    uma relao humana, na qual um dos integrantes

    deve procurar saber o que est acontecendo e deveatuar segundo esse conhecimento(8). De maneira

    similar, a assimetria da entrevista de pesquisa foi

    assim comentada por outro autor: A conversao

    em uma entrevista de pesquisa no a interao

    recproca de dois parceiros iguais. H uma definida

    assimetria de poder: o entrevistador define a situao,

    introduz os tpicos da conversao e, atravs de

    perguntas sucessivas, guia o curso da entrevista(9).

    A assimetria da entrevista no-dirigida torna

    possvel aos entrevistados configurar o campo da

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    pesquisa de acordo com sua particular estrutura

    psicolgica, modulando-a em conformidade com o

    que lhes acontece e no em conformidade com um

    questionrio previamente organizado e fechado que

    lhes tenha sido mostrado. Compreender a modulao,

    assim como permitir a livre manifestao dos

    entrevistados, papel do entrevistador. Isto no

    implica em uma atitude passiva frente queles

    primeiros, mas ao contrrio, o entrevistador deve usar

    tanto seu conhecimento tcnico como o conhecimento

    do universo cultural dos entrevistados. O

    entrevistador deve aplicar sua habilidade ao problema

    sob investigao, deve usar tcnicas de explorao

    e, finalmente, deve modular a diretividade da

    entrevista. Cada conduta tomada durante a entrevista

    usada na explorao daquilo a que se props.

    A DIRETIVIDADEDAS ENTREVISTAS

    As intervenes do pesquisador fornecem

    maior ou menor diretividade entrevista, criando

    desse modo um continuum de possibilidades entre

    duas extremidades - a entrevista informal e a

    entrevista padronizada. Na pesquisa clnico-

    qualitativa, o instrumento de escolha poderia ser tanto

    a entrevista aberta ou a entrevista semidirigida (com

    perguntas abertas). Quanto menos se sabe sobre o

    problema que est sendo pesquisado, menos dirigidadeve ser a entrevista. Em pesquisas de natureza mais

    exploratria, poucos temas devem ser propostos.

    Os antroplogos aplicam freqentemente as

    referidas entrevistas informais nas situaes

    chamadas observao participante, em sua imerso

    na comunidade em estudo. Esta estratgia foi

    desenvolvida a partir de famoso estudo sobre os

    nativos da Oceania, h quase um sculo(10). Esses

    pesquisadores pressupem ter assim mais

    compreenso do problema do que seria alcanado

    por qualquer tipo de questionrio (longo ou curto,mltipla escolha, escalas ou outros). Algumas

    vantagens dessa tcnica so as seguintes: garantia

    de ter acessado a fonte original, alta validade dos

    dados coletados e, por fim, grande confiana com

    baixo custo operacional.

    Sabe-se que a explorao cientfica de um

    tema clnico deve abranger, alm do conhecimento

    terico do entrevistador, um conjunto de contedos e

    habilidades, advindas de entrevistas clnicas

    previamente realizadas durante atividades

    assistenciais. Atravs dessa experincia profissional,

    o investigador clnico-qualitativo j ter familiarizao

    com o seguinte: o vocabulrio acerca do tema que

    ser pesquisado; o modo de ser dos sujeitos com os

    quais ele interagir; e as habituais demandas

    emocionais e sociais dessa populao.

    Conseqentemente, as entrevistas clnicas

    conduzidas durante a vida acadmico-profissional do

    pesquisador tero assegurado diversas habilidades

    socioculturais, tcnicas e psicolgicas, tais como

    requeridas para a pesquisa clnico-qualitativa.

    Os pesquisadores qualitativistas mantm

    tambm uma valiosa atitude clnica de acolhida dos

    sofrimentos emocionais da pessoa, inclinando-lhes a

    escuta e o olhar, movidos pelo desejo e pelo hbito

    de fornecer ajuda(1). Tais habilidades clnicas so

    similares competncia cultural buscada pelos

    antroplogos durante a fase informal da entrevista,quando querem conhecer o funcionamento

    sociocultural cotidiano no campo em observao. A

    competncia cultural, requerida para o pesquisador

    clnico-qualitativo, consiste em um certo conhecimento

    do problema da pesquisa e do campo, evitando erros

    que comprometeriam a validade dos dados obtidos,

    tais como impor problemas estranhos ao universo

    scio-psicolgico das pessoas ou usar conceitos no-

    correntes na populao pesquisada.

    As denominadas entrevistas de aculturao

    so necessrias, devido s mesmas razes, ou sejapara familiarizao do pesquisador frente a um

    especfico setting envolvendo entrevistador-

    entrevistado. As entrevistas de aculturao das

    investigaes qualitativas correspondem,

    metodologicamente, s clssicas entrevistas piloto das

    pesquisas quantitativas(1). Com relao entrevista

    semidirigida de perguntas abertas, tais entrevistas

    livres precedentes servem para adaptao de seu

    roteiro. Elas permitem ratificar a adequao do roteiro

    previamente elaborado ou mesmo incluir tpicos no

    planejados anteriormente, em caso de certa nfaseespontnea, por parte dos entrevistados, ser

    percebida para uma questo especfica. As entrevistas

    preliminares permitem tambm ao pesquisador

    avaliar seu prprio comportamento no campo,

    calibrando a si mesmo enquantopesquisador-como-

    instrumento e reduzindo suas ansiedades (normais)

    neste particular setting de pesquisa.

    Em entrevistas no-dirigidas, o entrevistador

    no necessita formular muitas perguntas, mas ele

    meramente convida os entrevistados a falar sobre:

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    os prprios problemas vivenciados, interesses,

    preocupaes, opinies, expectativas, medos,

    fantasias, devaneios e assim por diante. Espera-se

    que os entrevistados se expressem com suas prprias

    palavras, comportando-se como um sujeito ativo na

    entrevista. As entrevistas no-dirigidas podem durar

    mais tempo, mas compensando esta aparente

    desvantagem prtica do instrumento possibilita

    possvel menos vieses nas fases da coleta de dados

    e da interpretao, sendo conseqentemente mais

    eficazes em situaes de pesquisa exploratria.

    No caso do subtipo da entrevista aberta, o

    pesquisador prope um assunto e posteriormente

    apenas catalisar o discurso do entrevistado, usando-

    se estmulos sonoros de comunicao, que facilitam

    a manifestao das possibilidades de expresso do

    entrevistado. Freqentemente, descrita como sendo

    uma entrevista em profundidade(3), reforando as

    possibilidades ilimitadas de consideraes por parte

    do entrevistado, acerca do tema proposto e de suas

    associaes, podendo ir alm do que o pesquisador

    havia imaginado ou categorizado previamente.

    O subtipo da entrevista semidirigida uma

    espcie de guia temtico, mais curto, que serve como

    roteiro para o encontro. Algumas questes-tpicos j

    so suficientemente conhecidas para serem propostas,

    porm o todo da entrevista no est predeterminado e

    nem as respostas esto preditas(1). A diretividade

    subliminarmente alternante entre ambos participantes

    e, por conseguinte, tambm no transcorrendo ao

    acaso, no guiada pelo desejo exclusivo do

    entrevistador ou do entrevistado. As entrevistas

    semidirigidas so altamente dinmicas e,

    conseqentemente, as consideraes sobre como

    realiz-las so somente tentativas de esquematiz-las.

    Tipicamente, a entrevista semidirigida deveria

    ter um carter aberto ao incio, quando uma primeira

    pergunta considerada - a chamada a questo

    disparadora. Ela focaliza o trabalho de investigao,

    encorajando a gerao de idias, deve ser bem entendida

    para a resposta ser suficientemente desenvolvida. Apergunta no deve se referir a um assunto ambguo,

    nem deve enderear-se a um tpico sobre o qual o

    entrevistado no tenha habilidade emocional ou cognitiva

    para falar. A frase usada para focar o problema no

    deve ser muito geral, nem muito especfica, impedindo

    desenvolvimentos que no tenham sido de interesse do

    entrevistador. Obviamente, a pergunta disparadora est

    relacionada diretamente ao objetivo geral da pesquisa.

    Todas as perguntas deveriam motivar um

    discurso respeitando o princpio da livre associao

    de idias(11). Por outro lado, o pesquisador pode

    retomar pontos j abordados pelo entrevistado, caso

    no tenham sido claramente expressos - fato que

    caracteriza uma alternncia de diretividade. Quando

    um ponto foi adequadamente abordado, o

    entrevistador introduz ento outros tpicos, em

    concordncia com o que foi includo no projeto de

    pesquisa. O pesquisador verifica quais tpicos ainda

    no foram abordados e ento os prope de uma

    maneira neutra e aberta. Estas perguntas refletem

    naturalmente os objetivos especficos da pesquisa que

    tinham sido definidos, sempre em correspondncia

    com as hipteses inicialmente formuladas. No se

    espera que o tema e seus subtemas sejam sempre

    propostos a diferentes entrevistados da mesma

    maneira. As perguntas e o modo como so expressas

    variaro obviamente de acordo com caractersticas

    pessoais de cada informante.Com o instrumento da pesquisa em mos, o

    investigador acompanha as variaes do campo e as

    estimula, sem perder de vista os objetivos da

    pesquisa. A lista dos subtemas adquire maior

    relevncia dependendo da fluncia dos entrevistados,

    quando estes focalizam a informao que se refere

    ao tema principal. Em geral, prefervel abordar os

    entrevistados somente uma vez. Uma segunda

    entrevista pode ser desnecessria, embora em alguns

    casos ela possa ter um efeito de maximizao da

    validade dos dados coletados neste mtodo.Opondo-se a tal no-diretividade, as

    entrevistas padronizadas ou estruturadas so

    incompatveis com pesquisas puramente qualitativas.

    Neste caso, o pesquisador l um questionrio

    previamente construdo com perguntas ordenadas e

    fixas. As respostas so anotadas e escolhidas pelo

    entrevistado necessariamente dentre aquelas

    predeterminadas e includas no instrumento. Para as

    mesmas perguntas feitas, pode haver respostas

    semelhantes, que de fato estariam com sentidos

    potencialmente enviesados, pois tiveram de serenquadradas s alternativas limitadas. Tais respostas

    tm a vantagem de no despender muito tempo e de

    se permitir certa homogeneizao dos dados

    coletados. Quanto mais dirigida for a entrevista,

    menor ser o nmero das variveis do instrumento

    de coleta de dados, incluindo as varveis relativas

    aos prprios pesquisadores. O extremo da

    diretividade o questionrio auto-aplicvel, devido

    menor variao possvel do comportamento do

    entrevistador.

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    AS TCNICAS DE ABORDAGEM

    Abordar indivduos atravs de entrevistas

    no-dirigidas implica em intervir cuidadosamente para

    se obter o mximo em profundidade sobre seus

    pontos de vista. Os indivduos podem falar sobre os

    tpicos almejados, mas tambm sobre questes

    introduzidas por eles mesmos durante a entrevista,

    obviamente se forem teis aos objetivos da pesquisa.

    Interveno mnima pode significar simplesmente

    permitir um momento ao entrevistado para que ele

    pense sobre o que estava dizendo, ficando o

    entrevistador sem intervir durante esses instantes.

    O silncio do entrevistado no significa

    necessariamente uma concluso de seu raciocnio,

    certa inibio ou um desinteresse, mas pode ter

    diversos significados psicolgicos a serem

    interpretados, tal como por exemplo, a procura damelhor forma de elaborar mentalmente o que ele est

    sentindo ou imaginando. Por sua vez, o silncio do

    pesquisador pode corresponder a uma eloqente

    linguagem de sentimentos angustiantes e at mesmo

    uma relao afetiva prazerosa estabelecida

    inconscientemente.

    Certas expresses faciais podem mostrar que

    o observador est seguindo o raciocnio do

    entrevistado. Movimentos afirmativos com a cabea,

    leves interjeies ou emisso de sons estimulantes

    so outras pequenas intervenes do pesquisador quemostram ao entrevistado que suas respostas so

    pertinentes e teis e, conseqentemente, o informante

    ver isto como uma oportunidade de expandir suas

    respostas. Para exploraes mais detalhadas, sem

    tentar dirigir o entrevistado, indica-se repetir as

    ltimas palavras ditas pelo informante, transmitindo

    a idia de que desejvel que ele desenvolva mais o

    argumento em andamento.

    Introduzir um subtema novo representaria a

    mais radical interveno em uma entrevista no-

    dirigida. O pesquisador estaria antecipando umapossvel resposta espontnea do entrevistado.

    Teoricamente, esta posio pode indicar certa

    ansiedade por parte do entrevistador, mas um

    fenmeno que nem sempre diminui a validade dos

    dados coletados. Entretanto, esta possvel atitude

    contratransferencial(um deslocamento involuntrio

    dos sentimentos do entrevistador ao entrevistado)

    deveria ser usada como um elemento de sua auto-

    observao a fim de compreender melhor, na futura

    fase de tratamento dos dados, como a dinmica da

    entrevista ocorreu. O citado comportamento pode

    tambm resultar da boa interao da dupla, da

    cooperao entre as partes, correspondendo ao

    instante exato em que uma nova pergunta, devido a

    razes diversas, teria que ser apresentada. O

    entrevistador estaria demonstrando, por exemplo, j

    ter compreendido o contedo latente do que foi

    revelado de algum modo pelo entrevistado.

    Para conduzir uma entrevista de pesquisa de

    uma maneira satisfatria, reconhecendo o fato de que

    ela consiste em um encontro interpessoal rico e

    multidimensional, as caractersticas de personalidade

    do entrevistado deveriam tambm ser reconhecidas.

    Essas caractersticas modulam inexoravelmente o

    contedo e a forma do discurso de qualquer

    informante e, conseqentemente, todo o setting da

    entrevista. Pelo menos seis tipos de relaes

    psicolgicas podem ser sistematizadas comoelementos auxiliares s consideraes investigador,

    como os tipos: histrico, fbico, obsessivo, paranide,

    socioptico e esquizide(12). No setting da entrevista,

    o investigador aprende como detectar tais

    caractersticas e administr-las, assim como pode

    instruir-se previamente pela literatura cientfica e por

    aulas/conferncias sobre o assunto.

    A OBSERVAO DAS MANIFESTAES

    NO-VERBAIS E PARAVERBAIS

    Alm das enunciaes das palavras, devem

    igualmente ser anotados os mltiplos elementos no-

    verbais do informante, tais como: apresentao

    pessoal, comportamento global, mudanas na postura

    corporal, gesticulaes, mmica facial, riso, sorriso,

    choro e muitos outros(1). Anotar mudanas no

    volume, intensidade, tom, durao e ritmo da fala

    tambm importante. Sabe-se que a comunicao

    paraverbal e no-verbal traz informaes adicionais

    cruciais para a interpretao do entrevistador/observador, usada ento para confirmar,

    complementar ou mesmo - a partir de uma revelao

    inusitada - para contradizer o que foi falado acerca

    de pontos do tema tratado ou a respeito de assuntos

    gerais. O que uma pessoa no pode trazer como

    informao explcita, ela seria capaz de oferecer-nos

    - ou deixar emergir de alguma forma - atravs de

    outras manifestaes, tais como o comportamento

    global ou a linguagem no-verbal, expondo um lado

    de sua histria, em graus variveis de convergncia

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    ou divergncia, frente ao que ela havia expressado

    de um modo verbal e consciente.

    Observar e reagir s manifestaes acima

    mencionadas no constitui propriamente uma tcnica,

    mas sobretudo, uma conseqncia das caractersticas

    pessoais do pesquisador. O entrevistador procura fazer

    geralmente uso mximo de sua capacidade de

    observao. Observar e reagir aos comportamentos

    no-verbais da amostra sob estudo reflete a empatia

    do pesquisador com essa populao especfica -

    capacidade que no facilmente atingvel com mero

    treinamento. Em cada pesquisa de campo,

    reivindicam pesquisadores com habilidades

    especficas de respeito ao outro, que sejam, em

    conseqncia, sensveis s nuanas do

    comportamento singular de seu entrevistado.

    As tcnicas de observao em cincias

    humanas se aperfeioaram como resultado daexperincia dos antroplogos em campo,

    particularmente em sua interao com pessoas de

    diferentes crenas e valores, como participantes da

    cultura. O dirio de campo transformou-se em uma

    tcnica bsica para registrar as observaes

    conhecidas como anotaes de campo. Em entrevistas

    no-dirigidas, talvez as anotaes tenham que ser

    feitas durante seu andamento, minimizando o posterior

    vis de uma memria diluda. Mas para facilitar a

    espontaneidade dos entrevistados, prefervel anotar

    os dados da linguagem no-verbal logo em seguida entrevista.

    AS TCNICAS DE REGISTRO ETRANSCRIO DAS FALAS

    As entrevistas no-dirigidas so registradas

    geralmente em gravador de fita ou digital ou ainda,

    menos freqentemente, em vdeo, permitindo um

    tratamento posterior de tal material. A transcrio

    do udio para texto facilita alguns aspectos da anliseda entrevista, atravs de leitura e releituras

    flutuantes, enquanto as repetidas audies dos

    registros em udio permitem uma recordao mais

    precisa do contexto afetivo, atravs do novo contato

    com as variaes emocionais do tom e da voz, tais

    como ocorreram durante o setting. A forma de

    transcrio costuma variar de acordo com os objetivos

    do estudo. Na pesquisa clnico-qualitativa, as

    transcries na integra so geralmente a opo,

    refletindo acuradamente as palavras dos entrevistados

    e do entrevistador, porm sem a considerar ecos ou

    interjeies, que poderiam ter um efeito negativo de

    dificultar a leitura, particularmente quando so

    numerosos.

    Os presentes autores escolheram comear

    expondo o processo da transcrio utilizado em

    pesquisas j publicadas

    (13-14)

    . aconselhvel que atranscrio seja feita na forma de um texto literrio

    comum. As adaptaes so feitas de acordo com um

    equilbrio entre a fidelidade ao udio, a compreenso

    do material transcrito e o conforto psicolgico para a

    leitura. Por exemplo, freqentes superposies de fala

    so transcritas como se a contribuio de cada locutor

    fosse respeitada. Estes investigadores optam tambm

    pela ortografia etimolgica (preservando a redao

    das palavras de acordo com a norma culta), em

    detrimento da ortografia fontica (que escreve as

    palavras correspondendo aos sons pronunciados pelosentrevistados), porque manter pronncias erradas

    na transcrio resulta geralmente em uma

    interpretao pouco produtiva e inapropriada.

    Construes gramaticais diferentes da norma

    acadmica, indicativas do universo sociocultural do

    entrevistado so mantidas caso representem

    significados interpretveis.

    Partes ininteligveis, comentrios descritivos

    e anotaes explcitas sobre as pessoas e instituies

    mencionadas so indicados com observaes entre

    colchetes, como: [trecho ininteligvel de 5 segundos],

    [ele/ela riu], [fim da fita], [irmo do entrevistado].

    Nomes pessoais so substitudos por nomes fictcios.

    Nomes de instituies ou cidades que no identificam

    o entrevistado podem ser mantidos. Reticncias

    indicam pausas entre palavras e frases no-

    concludas. Entonaes enfticas so marcadas com

    pontos de exclamao. Referncias ao discurso direto

    de outras pessoas ou dos prprios pensamentos do

    entrevistado so transcritas entre aspas. Hesitaes

    para pronunciar palavras so indicadas pela primeiraletra ou slaba seguidas por reticncias. Sinais de

    pausa (ponto, vrgula, etc.) devem ser usados

    adequadamente.

    Finalmente, um quadro com as seguintes

    informaes bsicas deve preceder cada transcrio:

    identificao biodemogrfica, contextualizao quanto

    aa sade (diagnstico, durao do problema clnico,

    tratamentos e assim por diante), reaes do

    entrevistador entrevista (auto-observao),

    circunstncias ambientais relevantes e outras.

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    A VALIDADE E CONFIABILIDADE DASENTREVISTAS NO-DIRIGIDAS

    As entrevistas dirigidas so identificadas

    primam pelo atributo da confiabilidade, enquanto as

    no-dirigidas so distinguidas pelo rigor metodolgico

    da validade dos dados obtidos. De acordo com o MeSH

    - Medical Subject Headings - da Biblioteca Nacional

    de Medicina dos EUA, confiabilidade a

    reprodutibilidade ou a repetitividade estatstica das

    mensuraes, freqentemente em um contexto

    clnico, incluindo o teste de instrumentos ou de tcnicas

    para obter resultados reprodutveis (15). Validade

    corresponde aos trs seguintes pontos: o mtodo de

    pesquisa escolhido; as tcnicas de coleta de dados

    empregadas; e cuidados tomados com os

    procedimentos em campo os quais permitem o

    investigador capturar os fenmenos sob observao.A confiabilidade das entrevistas no-dirigidas

    avaliada de modo prprio, sendo tambm um aspecto

    a ser considerado na calibragem do rigor

    metodolgico das pesquisas qualitativas, embora nem

    todos os pesquisadores qualitativistas vejam isto como

    uma necessidade.

    A validade de um instrumento de coleta de

    dados refere-se sua capacidade de revelar a

    verdade, permitindo emergir contedos que espelham

    a realidade. As perguntas a ser respondidas so as

    seguintes: O instrumento revela (mede) corretamenteo que pretende revelar (medir)? uma tcnica que

    leva o investigador a focalizar a essncia do objeto?

    Os resultados diferentes obtidos refletem diferenas

    reais ou ocasionais? Sabe-se que os instrumentos

    diferentes devem ter a propriedade de se referirem

    s medidas da realidade emprica. As pesquisas

    qualitativas baseiam-se na validade interna

    determinada pelos graus de correo da apreenso

    e pela abordagem adequada do objeto que est sendo

    examinado(16).

    Em investigaes clnico-qualitativas,vivncias devem ser apreendidas em situaes

    especficas da vida dos entrevistados. O instrumento

    de coleta ter que capturar isto com acurcia, de um

    modo a assumir que as manifestaes esto revelando

    essas experincias, garantindo assim sua validade

    interna. Por estar na rea das cincias humanas, a

    validade cientfica verifica-se na plausibilidade dos

    elementos apreendidos na intersubjetividade, haja

    vista que o objeto de estudo das humanidades,

    diferentemente das cincias exatas, um ser humano

    tal como o pesquisador. Alm disso, um dos critrios

    de validade das entrevistas no-dirigidas o

    estabelecimento de uma transferncia positiva

    entrevistado-pesquisador, de modo que ao ocorrer, o

    informante demonstra uma atitude de colaborao

    confivel, passando tambm a perseguir os objetivos

    da pesquisa.

    Outras tcnicas que maximizam a validade

    deste instrumento, por facilitar a expresso da

    subjetividade dos entrevistados, so os seguintes:

    garantia do anonimato; conforto fsico durante a

    entrevista; disponibilidade da dupla para estender,

    se necessrio, o tempo previsto do procedimento;

    setting familiar da entrevista para o entrevistado (sua

    casa ou, preferencialmente, o servio de sade em

    que costuma ser atendido, sendo este um setting

    tambm familiar ao entrevistador); relao de

    confiana entre entrevistador e entrevistado; mesmo

    espao fsico para todas as entrevistas e somente

    um entrevistador para a amostra inteira (permitindo

    que as variaes das entrevistas somente aconteam

    devido s variaes dos entrevistados); competncia

    sociocultural do entrevistador frente ao entrevistado;

    possibilidade de mais de um encontro com o mesmo

    entrevistado ou, se o aspecto da catarse da entrevista

    tenha sido especialmente relevante, a evitao de

    uma segunda entrevista.

    A validao feita pelos participantes,

    referentes aos dados tratados (a ratificao pelos

    entrevistados acerca da anlise feita posteriormente

    pelo investigador) incomum na pesquisa em settings

    clnicos. De um lado, se o entrevistado tiver

    oportunidades de explicar-se melhor, o investigador

    pode ser percebido como algum digno da confiana.

    Por outro lado, a exposio dos sujeitos a certas

    interpretaes psicolgicas ou sociolgicas feitas pelo

    pesquisador, quando realizadas fora do setting clnico,

    pode resultar em iatrogenias para o entrevistado. A

    validao pelos participantes destina-se a pesquisas

    sobre temas que no se referem diretamente a eles

    prprios, subjetividade do indivduo entrevistado enem sua vida ntima, tal como ocorre nas pesquisas

    historiogrficas ou macrossociais.

    A confiabilidade refere aos graus da

    confiana relacionados a certo mtodo ou

    instrumento, que reproduziria os mesmos achados,

    se outros pesquisadores estudassem outra amostra

    de sujeitos - porm de mesmo perfil - em outros

    settings ou outros momentos. H idias polmicas

    que defendem que a entrevista em profundidade

    detm uma confiabilidade baixa, porque cada

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    entrevistador, devido sua prpria personalidade,

    trabalharia de maneiras distintas. No haveria razo

    para discordar deste pensamento, se a mesma

    definio e as mesmas medidas da confiabilidade, tais

    como usadas em estudos quantitativos, fossem

    aplicveis pesquisa clnico-qualitativa e a seu

    instrumento de coleta de dados. Mas a discusso sobre

    a generalizao das concluses colocada em outros

    termos no caso das pesquisas qualitativas(17-18).

    Devido ao reconhecido fato de que os estudos

    qualitativos no se propem a generalizar os

    resultados matematicamente construdos, os

    questionamentos acadmicos correspondentes ao

    atributo da confiabilidade no so, portanto, aplicveis

    a estes estudos. No caso da pesquisa qualitativa, se

    os resultados obtidos com entrevistas

    metodologicamente corretas (acessveis aos leitores

    atravs das transcries, que so anexadas aorelatrio final da pesquisa) forem admitidos e aceitos

    pelos pares da comunidade cientifica, como gozando

    de plausibi lidade , ento os consumidores destes

    estudos tentaro aplic-los a outros settings para ver

    se tais concluses lhes fazem sentido. Se aqueles

    resultados que forneceram conhecimento original se

    relacionarem ao tema do novo estudo, tero jogado

    luz na compreenso dos elementos neste outro setting,

    podemos dizer que o carter da generalizabilidade

    aconteceu(19).

    CONCLUSES

    Entrevistas no-dirigidas no devem ser

    vistas como simples veculos de manifestaes clnico-

    psicolgicas das pessoas estudadas em settings da

    sade. Elas consistem realmente de instrumentos da

    explorao de problemas novos para a cincia, sendo

    assim: (a) elas so empreendidas para fazer emergir

    significados atribudos a fenmenos, at aquele

    momento uma exclusiva propriedade (nem sempreconscientes) dos entrevistados; (b) podem produzir

    novos e relevantes fenmenos a partir da interao

    entrevistador-entrevistado; e (c) registram tais dados,

    permitindo-lhes tratamentos/anlises. Os dados

    coletados sero cientificamente teis somente se

    forem conduzidos rigorosamente pelo investigador no

    relatrio da pesquisa.

    A hiptese da investigao poder, desta

    maneira, ser revista, assim como os leitores dos

    relatrios podero aumentar seu conhecimento sobre

    o comportamento e as reaes da populao

    estudada, melhorando sua prtica clnica e ajustando

    mais efetivamente os recursos assistenciais. Alm

    disso, uma das principais conseqncias dos

    conhecimentos produzidos a partir das entrevistas

    no-dirigidas na rea clnica, levantar problemas

    novos para pesquisa, assim como a formulao de

    hipteses cientficas novas para serem conferidas e

    expandidas qualitativamente ou mesmo testadas pormeio de outros mtodos.

    Entrevistas abertas e semidirigidas so

    tambm teis particularmente nos segmentos tcnico-

    cientficos relacionados s seguintes reas

    multidisciplinares: cuidado em sade geral, Sade

    Mental, Sade Coletiva, Sade da Famlia, da Criana,

    do Adolescente e do Idoso, Sade Reprodutiva e

    reas correlatas. Entretanto, as reas clnico-

    cirrgicas e a epidemiologia poderiam tambm se

    beneficiar dos estudos qualitativos, principalmente

    quando tais estudos investigam os problemas novosou razoavelmente desconhecidos, associados a

    adaptaes psicossociais a doenas crnicas,

    comportamentos de risco para doenas transmissveis

    ou ambientais, ou prticas teraputicas informais,

    complementares e alternativas, e assim por diante.

    Apesar dos numerosos textos j produzidos sobre

    entrevistas qualitativas, as respectivas tcnicas

    deveriam estar em um contnuo processo de

    refinamento. Finalmente, espera-se que os assuntos

    discutidos neste artigo possam ser teis para os que

    se interessam por pesquisa, estudantes graduadosou graduandos.

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