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ARTE TUDO SOBRE

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Page 1: TUDO SOBRE ARTE - esextante.com.br · papiro num mural em relevo do túmulo ... intuitivo da estética da pintura. A remota Europa ocidental passou por uma lenta e intermitente transformação

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PREFÁCIO

À medida que o século XXI avança, mais e mais pessoas no mundo inteiro se dão conta da existência da arte. Museus e galerias informam, com orgulho, quantidades espetaculares de visitantes, não apenas em exposições dos

grandes mestres, mas também em mostras de artistas contemporâneos e suas obras novas e polêmicas. O apetite por todas as modalidades de arte está sempre aumentando, e as multidões com frequência convergem para instalações incríveis com o fervor de peregrinos em grandes festivais religiosos.

Diante de tanto entusiasmo, pode parecer uma insanidade considerar alarmante esse extraordinário surto de interesse. Como um crítico que passou a maior parte da carreira encorajando os leitores a vivenciar a arte por si mesmos, eu deveria me sentir gratifi cado pelo fascínio que a arte hoje desperta. No entanto, quanto mais vejo os espectadores aglomerando-se para visitar a mais recente exposição de sucesso ou o acervo permanente do Museu do Prado, do Louvre ou da National Gallery, menos tenho certeza de que eles estão dando à arte qualquer atenção. A maioria dos visitantes passeia pelas exposições e pelos museus com rapidez desconcertante. Parando aqui e ali diante de imagens específi cas antes de retomar a caminhada, eles não parecem preparados para analisar nada durante um intervalo de tempo substancial.

De certo modo, essa relutância em se deter diante das obras é compreensível. Ao contrário do cinema, da música, do teatro e da literatura, a maioria das obras de arte nos dá a ilusão de que pode ser entendida em apenas um relance. Aparentemente, diante de uma obra de arte não precisamos passar as mesmas horas gastas lendo um livro, assistindo a uma peça, vendo um fi lme no cinema ou ouvindo um concerto. Nossos olhos simplesmente se concentram na obra em exibição e levamos muito pouco tempo para concluir se ela merece ou não nossa atenção. Por essa razão, tal rapidez parece muito bem-vinda. Nada é mais irritante do que perceber, depois de passarmos muito tempo assistindo a um épico, que ele é insuportavelmente monótono. Sem dúvida, é muito melhor admirar a arte de maneira apressada e nunca correr o risco de desperdiçar nossas energias com algo vulgar. Mas se adotarmos a mesma atitude nos museus, as obras ali expostas jamais terão a oportunidade de nos seduzir completamente. Um olhar impaciente não substitui o olhar inquiridor. Como podemos esperar que nos dediquemos à verdadeira sutileza da arte sem que estejamos preparados para fazer uma pausa, nos concentrar totalmente na obra diante de nós e, aos poucos, entrar em seu poderoso mundo imaginário? O olhar compenetrado e analítico é o único modo de aprofundarmos nosso entendimento de como os artistas podem inspirar a existência humana. No entanto não é nada fácil se envolver, num nível mais profundo, com as imagens que os mestres criaram. Nossa cultura anseia por estímulos visuais instantâneos. Somos invadidos, o tempo todo, por sucessões rápidas e incansáveis de imagens que roubam nossa atenção. Para onde quer que os moradores das cidades olhem – nas ruas, no metrô ou nas vitrines –, há anúncios gritando apelos urgentes. Eles bombardeiam nossos olhos e insistem numa reação ainda mais veloz. Mesmo se conseguirmos nos desviar desse bombardeio colossal, nossos telefones celulares cada vez mais sofi sticados com certeza tocarão, nos trazendo uma confusão muito menor, porém não menos intensa, de sons, palavras e (cada vez mais) imagens que exigem uma resposta imediata.

Apesar da descarga de adrenalina que essa pressão incansável possa desencadear, ela não serve para nos preparar para o desafi o requerido pelo gesto de

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admirar a arte demoradamente. A carga visual pura da arte em geral é imediata e pode atrair nosso olhar de uma só vez. Depois que essa sedução inicial ocorre, porém, precisamos garantir que outras distrações não nos arrebatem. Somente ao permanecer perto de uma obra em particular é que os espectadores podem de fato dar início ao processo de entrar em seu mundo e dentro dela passear. Mas conseguir isso é difícil. Analisar corretamente a arte durante um tempo considerável é uma atividade bastante exigente e que só se aprende aos poucos. Depois de darmos uma olhada preliminar na imagem, é tentador concluir que não encontraremos nada de mais nela. Começamos a nos sentir impacientes, desejando seguir adiante. Mas vale a pena lutar contra essa ansiedade. Se permanecermos diante da obra e permitirmos que ela se infi ltre em nossa consciência aos poucos, talvez seja possível que ocorra uma comunhão reveladora entre a arte e o espectador. Não pretendo menosprezar as difi culdades envolvidas. Explorar uma imagem da maneira adequada é um processo que requer comprometimento total, e a lentidão meditativa desse processo continua chocando-se com a velocidade frenética exigida pelas análises da vida urbana contemporânea. Não existem fórmulas nem um caminho seguro para se alcançar o nível de atenção necessário à observação aprofundada. Cada encontro com uma obra de arte específi ca exige uma abordagem única, portanto seria desonesto de minha parte sugerir o contrário. Quem argumenta que os guias de áudio são a solução, por oferecerem explicações instantâneas em algumas exposições, deveria pensar duas vezes sobre isso. Como é possível que se tenha uma reação autêntica e própria quando uma voz, alojada bem dentro no ouvido, está lhe dizendo exatamente o que pensar? Tais artifícios tendem, sem dúvida, a estimular a passividade crônica do espectador.

Assim, Tudo sobre arte oferece um antídoto revigorante. Os leitores que o consultarem tranquilamente, no recesso do lar, poderão encontrar nestas páginas acessíveis um guia admirável. Embora o período abordado seja muito amplo e sejam numerosos os diferentes movimentos artísticos representados, este livro em nenhum momento ignora a importância de se deter em imagens específi cas e compreendê-las em todos os seus detalhes. Cada página nos faz recordar como é fascinante interpretar a riqueza das obras-primas individualmente. Ler este compêndio obrigatório pode estimular nossa reação diante da visão de um artista de várias maneiras recompensadoras. Devemos nos lembrar, entretanto, que suas palavras só deveriam ser absorvidas antes ou depois de visitarmos as exposições que estão à nossa espera nos museus e nas galerias. Não se deve permitir jamais que algo interfi ra em nossa experiência direta diante da obra original quando olhamos para ela com a atenção e a paixão avassaladora que os grandes artistas sempre despertam. E esse é, afi nal, o segredo.

HISTORIADOR DA ARTE, CRÍTICO, EDITOR, APRESENTADOR DE TELEVISÃO E CURADORLONDRES, REINO UNIDO

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Ao longo da história, nenhuma sociedade, por mais baixo que tenha sido seu nível de existência material, deixou de produzir arte. Representações e decorações, assim como a narração de histórias e a música, são tão naturais

para o ser humano quanto a construção de ninhos é para os pássaros. Ainda assim, as formas de arte variaram radicalmente em épocas e lugares diversos, sob a infl uência de diferentes circunstâncias culturais e sociais.

Sempre se presume, corretamente ou não, que o propósito da arte em sociedades sem organização política – a pintura rupestre, por exemplo – tenha sido mágico. Imagina-se que ela expressasse crenças comuns e exercesse algum papel em rituais da comunidade. Com o surgimento de nações com uma hierarquia clara, nas civilizações da Mesopotâmia e do Egito, a arte assumiu uma posição a serviço dos ricos e poderosos, embelezando palácios e glorifi cando o prestígio e as conquistas dos governantes. Ela também serviu aos propósitos das religiões organizadas – difíceis de se distinguirem do poder secular –, como decoração em templos, retratando os deuses e recontando os mitos religiosos por meio de imagens. Essa arte é coletiva: a ideia de estilo individual e inovação não existe, ou certamente é invisível aos nossos olhos. Ainda assim ela é, em geral, feita com delicadeza e sutileza e até mesmo com um detalhismo perfeito, como se vê nas cenas de batalhas assírias ou nas representações egípcias de aves e animais.

Costuma-se dizer, talvez corretamente, que o individualismo moderno tem origem nos povos agrícolas e comerciais do Mediterrâneo – gregos, fenícios, etruscos, romanos. Artistas como Praxíteles (em atividade em meados do século IV a.C.) foram celebrados por suas realizações. Prédios públicos, importantes para atividades civis ou religiosas, eram embelezados e os governantes e seus triunfos, celebrados, mas também surgiu uma classe mais ampla de consumidores de arte, exemplifi cados pelos prósperos cidadãos de Pompeia e Herculano. Vários gêneros – pinturas de paisagens, retratos, naturezas-mortas, animais e temas mitológicos – evoluíram para embelezar as residências e registrar a aparência desses patronos. Nossa noção da arte dessa época é distorcida pelos caprichos da sobrevivência – afrescos e mosaicos foram conservados, mas não a maioria dos painéis de madeira.

A partir do século IV d.C., a arte bizantina evoluiu da arte romana, transformada pelo cristianismo. A arte esteve a serviço da Igreja ou da fé particular. Na forma de

INTRODUÇÃO

8 INTRODUÇÃO

Um homem do Egito antigo fabrica papiro num mural em relevo do túmulo de Ti, em Saqqara (2450 a.C.-2325 a.C.). O personagem sentado está arrumando as tiras de junco já preparadas para serem prensadas e misturadas, a fi m de produzir uma folha.

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ícones, as imagens adquiriram um inerente valor espiritual, com o visível simbolizando o invisível. Mas os ícones foram combatidos com violência pelos iconoclastas, que acreditavam que o visível estava suplantando o invisível. O islamismo, que nasceu nesse mesmo mundo do Mediterrâneo oriental, tendeu para crenças iconoclastas semelhantes, mas juntamente com uma arte geométrica e caligráfi ca que também deu origem a uma tradição de um realismo estilizado refi nado. Apesar de a arte islâmica ter se desenvolvido com base nos estilos bizantino e romano, ela recebeu também infl uências da arte sassânida da Pérsia pré-islâmica. O período sassânida testemunhou algumas das realizações mais importantes da civilização persa, e as formas e os temas dessa arte seguiram para o leste, infi ltrando-se na Índia, no Turquistão e na China.

No século I a.C., a imagem do Buda foi esculpida pela primeira vez em pedra na cidade de Gandhara, no atual Paquistão, estabelecendo o modelo para a arte budista posterior. Enquanto o budismo se disseminava a partir do subcontinente indiano pela Ásia e pelo restante do mundo, ele exercia sua própria infl uência no fomento às artes da China, do Japão e da Coreia. À medida que a religião evoluía em cada país, ela incorporava novas formas, como estatuários e esculturas de monumentos. A arte primitiva japonesa estava ligada ao budismo, mas, a partir do século IX, enquanto o país se afastava da infl uência da China, as artes seculares ganharam importância e a pintura acabou se tornando a tradição artística predominante. Numa sociedade em que as pessoas escreviam com pincel, em vez de caneta, havia um entendimento intuitivo da estética da pintura.

A remota Europa ocidental passou por uma lenta e intermitente transformação entre os séculos XII e XIII, depois que o desenvolvimento do comércio e a criação de novos territórios agrícolas geraram excedentes, a princípio usados na construção de prédios religiosos, muitos deles delicadamente decorados com pinturas e esculturas. Houve uma notável evolução estilística em direção ao realismo tridimensional, mas ainda não havia muita diferença entre a obra de Giotto (c.1270-1337) ou Simone Martini (c.1285-1344) e a arte bizantina. Com o dinheiro da Igreja e do comércio, cidades como Florença, Bruges e Veneza se tornaram centros de uma produção artística na qual a exatidão na representação dos detalhes, possivelmente ligada ao avanço das ciências ópticas, era valorizada pelos patronos. A espiritualidade da arte religiosa foi, em parte, suplantada por temas da mitologia clássica e a celebração do luxo é vista na representação das roupas e dos móveis. As próprias pinturas, itens cada vez mais portáteis, feitas com tinta a óleo, eram objetos de luxo, ainda que menos valorizadas do que as tapeçarias.

A arte ocidental, durante o que mais tarde foi chamado de Renascimento, representou apenas uma das muitas direções que a pintura tomou ao redor do mundo nos séculos XV e XVI. A arte renascentista não pode se considerar superior ou

INTRODUÇÃO 9

Timarete, artista da Grécia antiga, trabalha em seu estúdio num retrato da Virgem com o Menino. O detalhe foi extraído da obra De mulieribus claris (1360-1374), de Giovanni Boccaccio.

Afresco mostrando uma mulher pintando uma estátua, possivelmente do deus Príapo, na Casa del Chirugo, em Pompeia, 50 a.C.-79 a.C. Um menino segura um retrato emoldurado aos pés da artista.

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mais sofi sticada do que, digamos, as miniaturas persas ou as paisagens chinesas. Uma dinâmica cultura popular urbana no sul da China impulsionou o desenvolvimento das técnicas de impressão mecânica de imagens, o que também aconteceu no sul da Alemanha (e, posteriormente, aconteceria no “Mundo Flutuante” do Japão do período Edo). No entanto, existe uma notável diferença na tradição ocidental. Não apenas técnicas representativas inovadoras como a perspectiva linear foram exploradas pelos artistas como também os patronos passaram a ansiar por novas estratégias e estilos de representação. Ao mesmo tempo, começou a surgir uma espécie de teoria da originalidade – contida pela persistência de uma condição semiartesanal e da produção em ofi cinas. Individualmente, alguns artistas alcançaram prestígio de estrelas e eram contratados por patronos que competiam para empregar os mais famosos.

A proliferação de estilos distintos no período do Renascimento e da Reforma refl etia a diversidade da cultura e da sociedade europeias. O comércio de Veneza com o Oriente fi nanciou obras incríveis por suas cores – os materiais que produziam esses tons eram importados como nenhuma outra mercadoria. A teatralidade do barroco (como foi mais tarde chamado) expressava a Contrarreforma católica. A protestante Holanda precisava de uma arte diferente para decorar os lares dos burgueses ou para celebrar o decoro da vida civil – cenas de interiores, paisagens e retratos que sugeriam uma vida íntima e um recato externo. Reis, príncipes e aristocratas ainda pagavam para que suas glórias fossem celebradas e sua riqueza, retratada. Ainda assim havia também sinais de que os artistas estavam descobrindo um signifi cado mais pessoal na arte que produziam – como se vê nas obras tardias de Rembrandt (1606-1669) ou no estilo extremo de Caravaggio (1571-1610).

Nos séculos XVIII e XIX, a Europa desenvolveu uma consciência de sua história artística, vista como uma sucessão de obras-primas que eram elogiadas como joias da cultura e exibidas em museus para a educação espiritual e moral do público. A adoração dos “grandes mestres” do passado levou os pintores contemporâneos a

10 INTRODUÇÃO

A arte da pintura (1665-1666), de Jan Vermeer. O pintor holandês mantinha essa obra em seu estúdio, como uma amostra para seus possíveis clientes. O quadro nunca saiu do ateliê enquanto o pintor esteve vivo e, depois da morte dele, sua viúva se recusou a vendê-lo, apesar das difi culdades fi nanceiras.

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desejarem imitá-los. A era do mecenato e dos pintores da corte demorou a acabar – Napoleão e seus artistas celebravam a glória imperial e Francisco de Goya (1746-1828) foi empregado da corte espanhola –, mas cada vez mais se esperava que os artistas buscassem uma visão própria do mundo. Enquanto a sociedade europeia progredia em direção ao aumento da produção, da mecanização, do utilitarismo e do racionalismo, a arte do continente se desenvolvia em direção ao romantismo – um movimento cultural complexo, mas com uma clara preferência pela natureza em vez da sociedade e das máquinas, a emoção em detrimento da razão, o artista inspirado contra o materialismo da sociedade burguesa.

Os artistas tendiam a se considerar necessários em oposição ao mundo moderno materialista. Alguns evitavam a abordagem de temas modernos, refugiando-se em temas medievais ou primitivos, ao passo que outros optavam por cenas da vida nas cidades como mote para observações irônicas. À medida que eles se tornavam fi nanceiramente dependentes das obras que produziam para serem vendidas no mercado, marchands e críticos de arte se tornaram personagens fundamentais na identifi cação dos talentos e no contato entre artistas e especialistas. Isso deu início a um jogo estranho, no qual se esperava que o artista fosse um ser inspirado, dedicado à expressão de sua genialidade, mas que também tinha de produzir obras comercializáveis e que provavelmente seriam vendidas justo por conta do suposto desprezo do artista por esse comércio. Foi quando surgiu a ideia da vanguarda. Ela expressava uma dedicação ao radicalismo estético, mas isso também implicava a aceitação de um legado comum, no qual a nova arte, apresentada como radical e livre do gosto público estabelecido, em pouco tempo se transformou em arte aceita, cuja beleza foi universalmente reconhecida.

A rapidez das transformações tecnológicas e sociais infl uenciou o artista de várias maneiras. As tintas fabricadas em larga escala possibilitaram o trabalho ao ar livre, não somente dentro dos estúdios. A primeira era de globalização – com a ascensão do imperialismo e das comunicações internacionais – trouxe as infl uências exóticas das gravuras japonesas e das máscaras africanas. Os próprios artistas viajavam. Eugène Fromentin (1820-1876) e William Holman Hunt (1827-1910), por exemplo, estavam entre os pintores orientalistas que realmente visitaram o norte da África e o Oriente Médio, e suas observações em primeira mão das paisagens e culturas foram registradas em detalhes autênticos em suas obras. Enquanto isso, Paul Gauguin (1848-1903) foi seduzido pelo exotismo das ilhas do Pacífi co, onde ele produziu algumas de suas melhores telas. A invenção da fotografi a gerou um debate a respeito do objetivo da arte representativa, mas ao mesmo tempo serviu como uma nova fonte para os pintores. Com seu Nu descendo a escada no 2 (1912), por exemplo, Marcel Duchamp reconheceu a infl uência da animação

Dois artistas trabalham num estúdio do Japão do século XIX. Eles estão cercados por seus materiais de trabalho, entre eles rolos de papel, tintas e pincéis. Detalhe de uma aquarela pintada por Kawahara Keiga.

Monet pintando em seu estúdio fl utuante (1874), de Edouard Manet. Os impressionistas deram um passo radical ao transportarem o ato de pintar de dentro do estúdio para o ar livre, onde podiam captar os efeitos instáveis da luz natural.

INTRODUÇÃO 11

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fotográfi ca. Avanços científi cos no estudo da óptica geraram novos experimentos com as cores, como se vê nas técnicas adotadas por Claude Monet (1840-1926) e Georges Seurat (1859-1891).

No início do século XX, a arte ocidental entrou numa fase experimental que rompeu com as fronteiras da forma artística anteriormente conhecida. O cubismo e os primórdios do abstracionismo não eram representativos nem decorativos e forjavam novos modos de se ver o mundo. Transformações tecnológicas como o cinema, o carro, a luz elétrica e a aviação infl uenciaram a arte, às vezes declaradamente, como no caso do futurismo. Artistas de vanguarda formaram movimentos com manifestos que afi rmavam seus planos de revolução artística. Essas revoluções precederam o cataclisma da Grande Guerra – que fez ressurgir a patronagem estatal, na forma de certa “arte bélica”. Depois da guerra, a sensação de crise cultural era generalizada, o que gerou resultados diversos. Alguns artistas buscaram uma nova objetividade ou um retorno ao classicismo, ao passo que outros se aprofundaram numa celebração subversiva de tudo o que é irracional e dos tabus. A incrível variedade de estilos individuais e movimentos concorrentes entrou em confl ito com a ascensão das ditaduras europeias – o comunismo soviético, o nazismo e o fascismo –, que rejeitavam essa arte burguesa degenerada como um todo e defendiam a arte representativa que celebrava o Estado. O efeito improvável disso foi a transformação da arte modernista num símbolo adorado da democracia liberal capitalista, de modo que, depois da Segunda Guerra Mundial, a CIA surgiu como fonte de patronagem para artistas abstracionistas americanos, ao passo que a supremacia dos Estados Unidos no mundo econômico levava o país, com aparente inevitabilidade, a uma posição de destaque como centro de produção artística. Nova York, e não mais Paris, era a capital internacional da arte.

Depois de 1945, alguns artistas seguiram adotando o modelo heroico/romântico, expressando-se com grandes obras abstratas gestuais ou como seres torturados em obras representativas como as de Francis Bacon (1909-1992). O incômodo que alguns artistas sentiam em relação à sociedade mercantilista levou a rupturas ainda mais radicais com o passado. Artistas performáticos e, depois, conceituais desejaram criar obras que não fossem objetos. Andy Warhol (1928-1987) provocou outra revolução ao acabar com o “mito” do artista, criando imagens reproduzidas mecanicamente de produtos industrializados como se fossem obras de arte. A pop art rejeitava o

12 INTRODUÇÃO

Wassily Kandinsky pintando em seu estúdio em Neuilly-sur-Seine, na França, em dezembro de 1936. Nascido na Rússia, o artista era admirado por vários pintores mais jovens e constantemente visitado em seu estúdio por Joan Miró, Alberto Magnelli, Jean Arp e Sophie Tauber.

O ateliê do escultor americano Alexander Calder em Sache, no vale do Indre, na França. Calder é famoso por suas esculturas cinéticas coloridas, algumas das quais podem ser vistas nesta fotografi a de seu estúdio “François 1er”.

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INTRODUÇÃO 13

“elitismo” da alta cultura. A avalanche de informações visuais na era da comunicação de massa provocou um ajuste no modo como as obras de arte eram vistas – agora elas parecem ser apenas uma imagem entre tantas. Ironicamente, os preços das obras de arte resistiram ao ataque do anticomercialismo e atingiram níveis sem precedentes, até que acabassem por se transformar numa forma de sonegação de impostos e de investimento especulativo. Museus e galerias de arte, exibindo obras do passado e do presente, ganharam importância como lazer da burguesia e na indústria do turismo. Formas de arte radicais como as “instalações” se tornaram chamarizes de multidões e alguns artistas se adaptaram facilmente à cultura midiática das celebridades. Como bem disse John Ruskin, crítico de arte inglês do século XIX, embora as circunstâncias pareçam impróprias, “a sociedade continua produzindo a arte que merece”.

O pintor expressionista abstrato Jackson Pollock trabalhando em seu estúdio em 1950. A casa-estúdio de Pollock fi cava em Springs, na cidade de East Hampton, em Long Island. Pollock transformou um celeiro em estúdio, enquanto sua esposa Lee Krasner, também artista, costumava trabalhar no quarto.

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