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Distribuição digital, não-comercial. 1 Três Marias Teatro A perseguição ou O longo caminho que vai de Zero a Ene Autor: Timochenco Wehbi O uso comercial desta obra está sujeito a direitos autorais. Verifique com os detentores dos direitos da obra (autores, SBAT ou editora) a possibilidade de uso comercial.

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Distribuição digital, não-comercial. 1

Três Marias Teatro

A perseguição

ou

O longo caminho que vai de Zero a Ene

Autor: Timochenco Wehbi

O uso comercial desta obra está sujeito a direitos autorais. Verifique com os detentores

dos direitos da obra (autores, SBAT ou editora) a possibilidade de uso comercial.

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A PERSEGUIÇÃO ou O LONGO CAMINHO QUE VAI DE ZERO A ENE

PEÇA DE ABSURDO EM UM ATO, SUBDIVIDIDO EM CINCO

FRAGMENTOS

PERSONAGENS

ZERO - o perseguidor.

ENE - o perseguido

Ação num local qualquer.

1° FRAGMENTO: DE ZERO A UM

Zero e Ene dançam ao acaso até assumirem suas posições de perseguidor e perseguido.

A perseguição deverá ser circular.

ZERO - Eu ainda te pego, ainda te pego, te pego!

ENE - Conversa fiada, Zero, você nunca vai conseguir me pegar.

ZERO - Quer apostar, quer?

ENE - Você não me pega porque não é atleta.

ZERO - E você, por acaso, é?

ENE - Sempre fui ... não corri a vida inteira?

ZERO - E eu também ... não corri?

ENE - E daí? Isto não quer dizer que você seja atleta.

ZERO - Poderia me dizer por quê, se começamos juntos esta corrida?

ENE - Porque você nunca conseguiu me alcançar.

ZERO - O que importa é que estamos correndo no mesmo plano.

ENE - Mas se você não me alcançou, é porque você é menos atleta do que eu.

ZERO (Chateado) - Por que você está sempre me ofendendo, Ene?

ENE - Eu nunca estou sempre te ofendendo.

ZERO (Embirrado) - Ah, não?! E esta súbita agressão desferida por você contra mim,

com todo o menosprezo possível, não foi proposital?

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ENE - Deixe de fantasias Zero, isso é mania de perseguição.

ZERO - Ora, essa é boa! Mania ... mania ... só faltava essa! É você quem tem mania de

perseguição, eu não.

ENE - E tem outro jeito, se você vive sempre no meu encalço? Não é mania, é

necessidade, é defesa, Zero.

Zero grita apontando Um fotógrafo invisível. Ambos assumem algumas posições

fotográficas, tais como: caçadores na mira de Um pássaro, pugilistas medindo as

forças, etc. Sempre mantendo Uma distância.

ZERO - Pára, Ene! Olha o fotógrafo!

Vamos aproveitar.

ENE- Vamos ...

ZERO - Quem sabe sei desta vez o fotógrafo revele agente, hein?

ENE (Desanimado) - E ... quem sabe ...

quem sabe ...

ZERO - Pra que este desânimo?

ENE - Não estou desanimado.

ZERO (Pose de brinde de taça de champagne) - Está cansado de correr, não é? tchim-

tchim.

ENE (Brindando) - Não é só isso, não.

Tchim-tchim.

ZERO - Por que você está sempre correndo à minha frente?

ENE - Talvez por ser atleta ... talvez por ter corrido a vida inteira.

ZERO - Eu também corri a vida inteira, apesar de não ter o físico que você tem.

ENE - Não precisa dizer assim.

ZERO - Desconfio que te persigo para ser tão atleta como você.

ENE - E é só por isso que você me persegue?

ZERO (Vai até o proscênio, olha indagadoramente ao longe. Entristece) - Acho que já

pararam de bater as fotos ... Deixa eu espiar melhor... Nada ... o fotógrafo foi embora ...

nada...

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ENE - Não se decepcione tanto, Zero, afinal de contas fomos fotografados milhares de

vezes e nunca ...

Ambos vão voltando lentamente à posição-perseguição.

ZERO - Tem razão, nunca ... não é este o método da nossa revelação e descoberta.

ENE (Pausa) - Bem ... por que você me persegue?

ZERO (Mais para si mesmo) - Qual é, então, a saída, qual? Parece que está aqui dentro

de minha cabeça ...

ENE (Alterando-se) - Estou te perguntando: por que é que você me persegue, Zero?

ZERO (Grita) - Não me atrapalha que estou refletindo I

ENE - E precisa gritar desse modo, precisa?

ZERO - Está bem, está bem. O que é mesmo que você estava perguntando?

ENE - Por que é que você sempre me persegue?

ZERO - Para ser tão atleta como você, está bom?

ENE - Pensa que eu sou bobo pra acreditar nesta história?

ZERO - Então por que me pergunta ... ?

ENE - Para saber a verdade.

ZERO - Esta é a verdade ... e acredite se quiser.

ENE - A tua verdade ... não a minha.

ZERO- E qual é a tua então?

ENE - A verdade dos perseguidos. A minha verdade.

ZERO - Bonita explicação, hein Ene?

ENE - É uma explicação.

ZERO - Pra mim é falta de imaginação ... é um círculo vicioso.

ENE - Não é círculo vicioso e muito menos falta de imaginação.

ZERO - O que é, então?

ENE - Segredo.

ZERO - Isto não é resposta.

ENE - É a minha resposta.

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ZERO - É muito cômodo dizer: é segredo.

ENE - Não é muito cômodo, não.

ZERO - Quem diz isto não tem imaginação.

ENE (Irado) - Não me acuse assim, Zero!

ZERO (Teimoso) - Não tem, não tem e não tem, pronto!

ENE - Tenho, tenho e tenho, pronto!

ZERO - Não tem porque você é um tapado.

ENE (Ofendido) - Ah, além de me acusar de falta de imaginação, me chama de tapado!

Eu posso te provar que tenho muita imaginação.

ZERO - Não, não precisa provar nada.

ENE - Posso, quer ver?

2° FRAGMENTO: DE ZERO A DOIS

Neste momento, Zero observa ao longe um indivíduo filmando invisivelmente o local.

ZERO (Apontando) - Olha lá, Ene ... Está vendo? Vão filmar. Quem sabe a gente

aparece no filme e ... (Ao virar-se para Ene pela primeira vez observa detidamente o

rosto deste.)

ENE (De um mesmo modo observa o rosto de Zero) - Que estranho ...

ZERO - É ... eu nunca tinha notado antes ...

ENE- É ... notado ...

ZERO - Há uma expressão diferente ... surgiu quando você olhou para mim.

ENE - É isto que estou achando estranho ... o teu rosto.

Começam a rir.

ZERO - Que gozado, temos um rosto.

ENE - Que bobos, um olhando para o outro.

ZERO - Temos rostos, e nunca havíamos nos apercebido.

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ENE (Acariciando o próprio rosto) Será que as mãos conseguem sentir as expressões?

ZERO (Estica as mãos tentando alcançar o rosto de Ene) - Vamos experimentar.

ENE (Acedendo deliciado) - Será? ... (Abruptamente) Não! Afaste-se! Mantenha a

distância conforme o combinado.

ZERO (Recuando) - Perdão, eu apenas queria sentir o teu rosto. Eu desejava ver como

ele é.

ENE - Mas ... mas você já está vendo.

ZERO - Porém, eu quero sentí-Io ... é bem diferente.

ENE - Sinta o teu próprio rosto como eu fiz.

ZERO - Não é a mesma coisa ... Deixa eu te tocar?

ENE - Eu deixaria ... Mas não posso.

ZERO - Por quê?

ENE - Porque a imaginação acaba.

ZERO - É mentira! Nossos rostos são realidades e não imaginação. Deixa?

ENE- Não.

ZERO - Mas por que não?

ENE - Quer mesmo saber?

ZERO - Quero.

ENE - Assim você me alcança e eu deixo de ser perseguido.

ZERO - Não é esta a minha intenção.

ENE - Quem pode me garantir? (Pausa.)

ZERO – É... ninguém ... Está bem ... Então ... então imagine, imagine, Ene,

eu apenas tocando o teu rosto e você toca no meu.

ENE - Bem ...é uma boa idéia .Imaginemos.

Os dois sem se moverem do lugar estendem suas mãos como se se acariciassem.

ENE - Que sensação agradável.

ZERO – Não é bom?

ENE - Eu gosto, e você?

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ZERO - Eu também. (Pausa) Que pena.

ENE - É mesmo ... que pena ...

ZERO - Se a gente pudesse de verdade!

ENE - É sim, se pudesse ... mas não é possível.

ZERO - É ... não é ... porém, volto atrás o que eu te disse: você tem muita imaginação.

ENE - Obrigado. Mas eu nem lhe provei direito, ainda.

ZERO - Pra mim já está provado.

ENE (Reanimando-se) - Posso te provar que tenho mais imaginação do que isto que

você viu.

ZERO - Não precisa provar mais nada que já estou satisfeito.

ENE - Que tal se imaginasse um piquenique

(Realiza mimicamente o ato de estender ao chão elementos de um piquenique.)

ZERO - Não precisa, Ene.

ENE (Atirando-se ao chão) - Um mergulho num reino submarino lendário, forrado de

ouro e de pedras preciosas, com sereias, cavalos marinhos ...

ZERO - Não, Ene ...

ENE (Cavalgando) - Uma cavalgada na floresta?

ZERO - Não, Ene, eu já disse que está provado.

ENE - Olha lá, hein? Não venha depois me atirar no rosto que eu não tenho imaginação.

ZERO - Não, não direi mais nada. Não tem mais sentido dizer qualquer coisa.

ENE - Parece que você está muito triste.

ZERO - É, estou.

ENE - Triste ou preocupado?

ZERO - Triste e preocupado.

ENE - ... ノ o problema da nossa descoberta?

ZERO - Sim, este o problema. Ser que desta vez v� � 縊 conseguir nos captar?

ENE - Esperemos, est 縊 nos filmando ainda, paci麩cia.

ZERO - Ah, paciência! O pior é que sempre estão nos filmando ainda.

ENE - Esquece a tristeza, Zero, ela é o começo da ... da ...

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ZERO - Termina a frase, terminal Não tenha medo. É nisso mesmo que eu estou

pensando ... na desistência.

ENE (Preocupando-se) - Não Zero, não pense nisso, apaga da cabeça a desistência, eu

te peço!

ZERO - Minha paciência está se esgotando ... não estou agüentando mais.

ENE - Não tentamos tudo, ainda.

ZERO - Mas eu não consigo controlar meu desespero. (Contorce-se)

ENE - Não fique assim, não fique!

ZERO - Quando é que a gente vai começar a existir, hein Ene?

ENE - Quando encontrarmos alguém que tenha uma ... fantástica imaginação, urna

imaginação maravilhosa!

ZERO - Será que existe alguém que a tenha?

ENE - É possível.

ZERO - Existe ou não?

ENE - Não sei ... deve existir ...

ZERO (Impaciente) - Deve, deve ... Desta vez a desistência está se instalando dentro de

mim de uma maneira tão violenta que ...

ENE (Cortando, desesperado) - Não, Zero, você não pode desistir, pois não quero ser

condenado a ficar sozinho e ... depois ... . não!

ZERO - Não vai adiantar o seu apelo.

ENE - Você não tem coração, Zero, nem o mínimo de piedade pelo próximo. Pense

bem, tente imaginar ... eu correndo e correndo e correndo até que ... sem ninguém atrás

de mim ... Sinta a minha situação, não seria terrível? I

ZERO (Compadecido) - Esquece, Ene, eu estava apenas brincando. Não falei a sério.

ENE - Verdade?

ZERO - Acho que dá pra suportar mais um pouco ... Eu tenho uma idéia: se nas

próximas tentativas que surgirem não conseguirmos ser descobertos, aplicarei o meu

método.

ENE - Quer dizer que você não vai desistir mais?

ZERO - Não, não quero que você fique triste.

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ENE - Então promete que eu tiro a expressão de tristeza do meu rosto.

ZERO - Prometo, prometo.

ENE - Aaah, se pudéssemos nos aproximar e nos abraçar!

ZERO - Corno os outros?

ENE - Sim, corno os outros ... mas podemos imaginar.

Ambos fazem gestos como se abraçassem amigavelmente.

ZERO - Bem apertado?

ENE - Bem forte.

ZERO - Como está se sentindo?

ENE - Pena que só podemos imaginar!

ZERO - Presta atenção, olha a câmera, é a última cena. (Ambos olham para um ponto

invisível) Precisamos sorrir ... Os outros adoram o happy-end.

ENE - Eu havia até me esquecido do filme.

(Ambos berram para a câmera) - Ei, estamos aquiii!

ZERO - ei, vocês gostaram?

ENE - ei, vocês nos viram?

ZERO - Nós vamos sair no filme?

ENE - Eeeeeeeeeeei! (Pausa.) Ninguém responde.

ZERO - Ninguém nos viu.

ENE - Pudera, já estava tão escuro e .

ZERO - É isso mesmo, faltou luz, como poderiam ter percebido a nossa presença?

ENE - Quantas vezes já nos filmaram, hein Zero?

ZERO - Ene vezes ...

ENE - Ene? Não entendi, por que Ene?

ZERO - Muitas vezes ... Não liga não, eu fiz um trocadilho, isto é ... depois eu explico.

ENE - Por que você me chama de Ene?

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ZERO - E por que você me chama de Zero?

ENE - Não sei, não estou entendendo esta conversa e você está muito esquisito, Zero.

ZERO - Você logo saberá ... Recomeçam a perseguição

ENE - Está bem ... vamos continuar?

ZERO (Desanimado) - Sim ... outra vez ...

3° FRAGMENTO: DE ZERO A TRÊS

ENE - Por que este debochado "outra vez"?

ZERO - Eu estou cansado.

ENE (Irritando-se) - Cansado, cansado, cansado! É só o que eu ouço de você. Você é

quem está me cansando de tanto reclamar.

ZERO - Eu?! Sou eu quem reclamo, é? Estou te cansando então?

ENE -Está sim ... seu ... seu ...

ZERO - Diga, diga!

ENE - Seu verme passivo, inútil verme passivo!

ZERO - Repita o que disse! Se te pego, eu te estraçalho!

ENE - Só se você tiver asas nos pés.

ZERO - Tenho força de vontade e te pego já já.

ENE - Não é suficiente, não me pega.

ZERO - Logo você se cansa e eu te pego.

ENE - Não me canso e nem você me pega.

ZERO - Cansa, eu sei. ENE - Não canso.

ZERO - Cansa.

ENE - Não me pega, nunca vai me alcançar.

ZERO - Espera pra ver.

ENE - Como se atreve a dizer que me canso se eu tenho maior preparo físico que você?

ZERO - Eu disse ... eu disse ... por ... intui-ção.

ENE - Só faltava essa: in-tu-i-ção. Você é engraçado Zero ... e de que adianta ... intuir?

ZERO - Você acha que eu suportaria esta situação sem ... intuir? Neste ponto somos

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semelhantes: você agüenta porque ... imagina e eu porque ... intuo.

ENE - Mas na realidade você não vai me alcançar, apenas intui que vai.

ZERO - Isto é fruto da tua imaginação.

ENE - Fruto da minha imaginação?!

ZERO - Poderia ser outra coisa, vindo de você?

ENE - É, é mesmo. (Pausa) E agora?

ZERO- Agora? ... Nada.

ENE - Como nada?! Você acaba de me enrascar!

ZERO - Foi você quem começou a insinuar coisas. Eu uso a minha intuição porque

acredito nela.

ENE - E se eu não acreditar?

ZERO - Seria um disparate.

ENE - Por quê?

ZERO - Porque as coisas só têm sentido se forem participadas por mais de uma pessoa.

Por exemplo: Tua imaginação foi comprovada por mim, porque eu estava aqui e

participei dela.

ENE - Então a tua perseguição também está comprovada porque eu participo dela?

ZERO - Claro, você é o perseguido.

ENE - E você o perseguidor, não é?

ZERO- Sim ...

ENE - Então eu te pergunto: tem sentido esta perseguição interminável que você me

faz?

Zero grita ao verificar um pintor invisível, retratando o local.

ZERO - Vamos parar, Ene. (Apontando) Está vendo o pintor?

ENE (Desanimado) - Sim, estou vendo o pintor.

ZERO - Quem sabe agora? ENE - Você acredita.

ZERO - Eu intuo, eu observo, eu registro tudo que vejo e acredito que brevemente

seremos descobertos.

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ENE - Brevemente? Você usou um termo ainda inédito. Desde quando você começou a

medir o tempo?

ZERO - Não sei ... mas e você, desde quando você começou a empregar o termo "desde

quando"?

ENE - Iiih, também não sei... você me embaraçou.

ZERO - Desconfio que começamos a perceber o tempo desde que descobrimos o jogo

dos outros.

ENE - Ê provável.

ZERO - Os outros costumam limitar o tempo.

ENE (Aponta para o pintor) - Um artista também?

ZERO - E por que não?

ENE - E que eles usam a imaginação e esta não se aprisiona ao tempo dos outros.

ZERO - Bobagem. Talvez este pintor consiga nos retratar e ...

ENE – Posemos, então.

ZERO - Posemos.

Ambos assumem posições de modelos.

Por sugestão: podem representar a "Pietà", uma luta, etc. Enquanto posam continuam

o diálogo.

ENE - Por que você me persegue, Zero?

ZERO - Porque sempre foi assim.

ENE - Mas esta perseguição deve ter começado num tempo determinado ... quando foi?

ZERO - Não sei ... Não não ... me ... lembro ... lembro ... lembro .

ENE - E a memória? ... a memória? ... a memória?

ZERO - A me-mó-ria?! ... A memória ... está ... turva ... Talvez tenhamos começado no

ponto infinito onde as paralelas se cruzam.

ENE - Mas ... por quê? .. por quê?

ZERO - Por costume ... é por costume ... hábito ... tradição ... Dê o nome que você

quiser.

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ENE - Esta linguagem que você usou não é a tua. Você está mentindo!

ZERO (Indignado) - Ah, é?! E porventura você em algum tempo me contou por que se

deixa perseguir?

ENE (Engasgando) - Eu? ... É difícil... não me lembro ... a memória está vazia .

é nada. (Pausa, desesperado) Por quê, Zero, porquê?

ZERO - Não sei, não sei. Talvez alguém, num tempo remoto, tenha inventado esta

situação por não ter o que fazer. .. por capricho ... por brincadeira ...

ENE - Que brincadeira é esta que nos obriga a realizar eterna e arduamente a mesma

trajetória, o mesmo percurso, com a mesma distância?

ZERO (Para si mesmo) - Trajetória?... eternamente? ... Percurso? ... Distância?...

ENE (Gritando) '"- Quem é que inventou este maldito espaço que nos separa ... esta

distância povoada de medos e desejos?

ZERO - Es-pa-ço ... É curioso ... Um espaço entre nós ... livre de empecilhos ... mas ao

mesmo tempo uma barreira invisível impede a nossa aproximação... Como eu não havia

me apercebido antes?...Percebido?

ENE- Eu já... eu já havia sentido ... E, existe, há ... Prisão? Exatamente, somos

prisioneiros ... (Grita) Eu não estou agüentando mais!

ZERO (Penalizado) - Você me surpreende, Ene. Pensei que gostasse de ser perseguido.

Você também se cansa, não é?

ENE - Gostar? Já nem conheço mais a medida dos meus sentimentos. Nem mais sei o

que é gostar ou não gostar ... Tem sentido continuar assim, tem? (Pausa) Você se cala,

claro que se cala!... Há outra saída senão a desistên ...

ZERO (Cortando) - Atenção, Ene, o pintor está acabando de nos retratar.

ENE - Não, ele não nos retratou.

ZERO - Como é que você sabe?

ENE - Sua pintura é abstrata, ninguém nos descobrirá em sua tela.

ZERO - Mas imaginarão a nossa presença nela!

ENE - E a imaginação bastaria? As pessoas nos arrancariam daquela pequena tela e nos

levariam para o seio delas? Diz?

ZERO (Grita desesperado) - Socorro, socorro! Eu quero ser descoberto! Eu quero

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ser ...

ENE - Deixa de histeria, Zero, ninguém nos ouve!

ZERO - É ... talvez este pintor nem tenha nos retratado ...

ENE - E um pintor insensível... não acha?

ZERO - Não tem imaginação.

ENE - Nem intuição ...

ZERO - Não há espaço suficiente em sua tela ...

ENE - Não teve tempo para ...

ZERO - Talvez este pintor nem tenha existido ...

ENE - É ... É ... Verdade ...

Ambos recomeçam a perseguição abatidos e lentos.

ZERO - E tudo recomeça, Ene?

ENE - Tudo recomeça ... Zero?

4° FRAGMENTO: DE ZERO A ENE

ENE - Será mesmo que não saímos na fotografia ou no filme?

ZERO - Não, neste campo a imaginação é ainda menor.

ENE - E ... quem é então que poderia nos descobrir?

ZERO - Não sei... não sei.

ENE - Reflita, Zero.

ZERO - Que tal se escrevessem a nossa história?

ENE - E quem saberia a nossa história se não existimos para ninguém?

ZERO - É ... os historiadores excluíram a imaginação de seu trabalho ... Mas de um

mesmo lado não é possível que eles tenham nos omitido, pois a história deles é a nossa

própria história.

ENE - Por que a "nossa própria história"?

ZERO - Porque toda história é feita de perseguidores e perseguidos.

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ENE - Quer dizer que o assunto principal da história é a perseguição?

ZERO - E, somos a base dela. Comparecemos nela ... só que ... efetivamente nós, tal

qual somos e aqui nos encontramos, não fornos registrados ...

ENE - Por quê?

ZERO - Ora. Porque ... ela é .. tendenciosa ... tendenciosa ..tendenciosa ...

ENE - Você está divagando, Zero?

ZERO - Não ... não estou divagando... e sim começando a perceber... é estranho .

ENE - Perceber o quê?

ZERO - Tudo o que está acontecendo nos ... nos últimos tempos. Você reparou que, não

sei quando, não sei como. não sei porquê, começamos a seguir as regras de um jogo ...

do jogo dos outros?

ENE- Como?

ZERO - Você se lembra o que é que me fez te perseguir?

ENE- Não.

ZERO - Nem como, nem quando. nem onde, nem por quê?

ENE - Não, não, não e não.

ZERO (Animando-se) - E a falar? Você se recorda de como aprendemos a falar? .. A

conversar? .... A discutir? ... mesmo cantar? (Canta alguma canção.)

ENE (Admirado) - Não, não me recordo ... mas isto é próprio dos outros ... antes talvez

de conhecer o tempo ... o espaço ... éramos diferentes ... Estou me lembrando ...

ZERO - Lembrando-se ... Pois então: a ter memória ... Está percebendo o que eu quero

dizer?

ENE (Entusiasmando-se) - Sim, sim... E depois a andar, a correr, a dançar...(Dançando)

a sentir, a pensar ... a sentir... a pensar, Zero!

ZERO - A imaginar...

ENE - E a intuir... Agora estou vendo que há muito, muito tempo já vínhamos jogando

mais ou menos como os outros e ...

ZERO - Pois é, Ene, há muito tempo.

ENE - ... Mas por que só agora, hein? Por que só agora tudo começa a ficar tão ... tão

evidente?

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ZERO - Só agora nos apercebemos de um detalhe muito importante para os outros, que

começamos a utilizar também: a ... cons-ci-ên-ci-a.

ENE - Explica melhor.

ZERO - Se eu explicar mais, acabo teorizando, é a teoria pura e simples acaba levando

a nada.

ENE - Como, como?

ZERO - Não, não me pergunte mais nada. Creio que descobri a chave do meu método.

Vamos pô-Io em prática. O importante é você acreditar nele. Psiuuu, acredite

simplesmente. Eu observei o tempo todo ... acho que descobri a forma ... o meio ... de

sermos descobertos.

ENE - E se seu método não der certo?

ZERO- Tem que dar, tem que dar. Se eu errar ... não temos mais nada a perder, não é

mesmo? (Tristemente Ene concorda com a cabeça) Creia em mim, Ene, isto é

fundamental.

ENE - Não consigo te compreender... mas sinto que algo há de mudar... vai mudar.

ZERO - Sentir é crer. Sinta com sua crença em tudo que eu ordenar... Sinta... creia...

Imagine... intua... fale... cante... ande... dance... Podemos iniciar?

ENE - A sua disposição.

ZERO - Por amor à pesquisa?

ENE - Por amor à pesquisa!

5° FRAGMENTO: DE ENE A... TRÊS... DOIS... UM... ZERO.

ZERO - Pois bem, já que somos conscientes, usemos agora, conscientemente, as regras:

vamos jogar como os outros. (Aponta para a platéia) Está vendo, Ene? Os outros estão

lá e nós à sua frente; eles ainda não nos enxergam, mas nós os vemos... Siga agora

rigorosamente minhas ordens que os outros acabarão nos descobrindo, e, descobertos,

tudo será diferente.

ENE (Olhando encabulado a platéia) Estou notando que eles se comportam de uma

maneira tão esquisita... tão estranha.

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ZERO - Os outros usam convenções... representam... por isso representaremos usando

as convenções com as quais eles se identificam...

ENE (Para si) - Identificam... identificam.. identificam ...

ZERO (Traçando um círculo no chão) Identificam... seremos idênticos a eles, teremos

identidade ... Pronto, Ene, o espaço está delimitado, daqui por diante, vamos

desenvolver nossas ações fora dele.

ENE (Amedrontado, girando ao redor do círculo) - Pra que limitar o espaço se...

ZERO - Não questione mais nada, apenas obedeça!

ENE - Não estou me sentindo bem, Zero... É diferente este espaço... O que você está

pretendendo? Neste espaço a distância entre nós se altera... e... você pode me alcançar

e... não, Zero!

ZERO - Tem que ser assim, confie em mim. Este círculo é apenas uma convenção...

Não pense que os outros não estejam também constantemente se perseguindo só porque

se encontram lado a lado!

ENE -... E quanto tempo vai durar esta... convenção?

ZERO - O tempo necessário para que desempenhemos os nossos papéis.

ENE - Papéis?!

ZERO - Representaremos os papéis que os outros representam, papéis que nos levam a

um desfecho, a um conflito, pois é isto que eles desejam. Encarnaremos os papéis que

os outros desempenham, aí eles se identificarão em nós, portanto nos descobrirão, não é

lógico?

ENE - Lógico? ... Não sei, está tudo muito confuso. O que é lógico para nós? O conflito

é lógico? Quem nos garante que...

ZERO - Quantas perguntas outra vez... "deixa os acontecimentos caminharem"...

(Representando) "Deixa os acontecimentos caminharem".¹

(1) SHAKESPEARE,Júlio César.

ENE (Estranhando) - Que voz é esta que não é a tua? E estes gestos... ?

ZERO - É o momento da representação. Para encarnar os papéis devemos utilizar uma

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série de elementos. (Gesto para o alto) Músicaaa! (Música no ar) Ouve? (Grita) Faça-

se a luz! (Foco sobre o círculo) Vê? Estamos começando a nascer para o mundo ... o

mundo dos outros.

ENE (Observa tudo o que acontece e gira ao redor do círculo tentando apalpar o

próprio ar como se tudo fosse concreto) - É estranho, é tudo muito estranho... Começar

a nascer... o que é começar a nascer? Uma vez eu vi um deles (Cai no chão e contorce-

se como criança chorando)

ZERO (Grita) - Levanta! Não é necessário começar do começo. (Atira-lhe algumas

vestes: tecidos quaisquer que criem um clima mágico) Vista-se! (Veste-se por sua vez)

Eu também me vestirei.

ENE (Envolvendo-se nos tecidos) Vestir-me ... vestir-me? E agora?

ZERO (Atira-lhe folhas de papel) - Tome, represente estes papéis que eu representarei

os meus.

ENE (Apanhando-os e lendo-os) - O que faço... com eles?

ZERO - Leia-os, sinta-os, use a tua imaginação e represente-os.

ENE - Quem são esses seres que eu deverei ser?

ZERO (Grita) - Não importa! Sinta o que eles sentiram. Viva-os!

ENE (Lendo, gaguejando) - "É verdade ... reprimiríamos então esta natureza

selvagem ... este furor ... esta soberba ... se pudéssemos sonhar ainda ... sonhar ainda"

² ... O que é sonhar, Zero?

ZERO - Não interessa! Dê força à tua voz, aos teus gestos e à tua crença.

(Gradativamente vigoroso) "O frio inverno de nossa desesperança será transformado

num glorioso verão ... " ³

ENE (Lentamente entrando no personagem) (Mas com mais convicção do que Zero) -

"E assim... faremos, pois o mundo é tão singular que viver é apenas... sonhar... A

experiência ensina a mim que... o homem... vivendo... sonha que existe... até que

desperta ... " 4 Zero, mas se o homem sonha que existe, responda: o que é e-xistir?

ZERO (Compenetrado em seus papéis) - "As nuvens negras que sobre nós pendiam já

se encontram sepultadas no meio do oceano ... " 5

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ENE (Cortando preocupado) - Eu quero saber Zero, você está me ouvindo?

ZERO (Sempre continuando na dele) - "Agora temos as frontes circundadas por

grinaldas vistosas, nossas armas alçadas como troféus; os severos alarmas

transformaram-se em reuniões alegres, nossas marchas temerosas em danças aprazíveis"

6

ENE - Pois bem: entrarei no teu jogo. (Representando com bastante convicção) - "O rei

sonha que é rei e, neste momento, ele vive, comanda, dispõe e governa, e .as honras que

lhe conferem, ele as escreve no vento que para sua maior desgraça, a morte as

transforma em cinzas ... Sonha o rico entre suas riquezas que lhe dão tantas

inquietações; sonha o pobre que sofre a miséria e a penúria, sonha aquele que deseja e

se inquieta, sonha aquele que se atreve e injuria e... em todo mundo... sonham... aqueles

que... ", É isto, então, sonhar?... existir?

ZERO - "Lamento os sofrimentos atuais e vindouros, aguardando quando deverá

despontar enfim, o término deste suplício. "8

(2) CALDERON DE LA BARCA, La Vida es Sueño.

(3) SHAKESPEARE, Ricardo III.

(4) CALDERON DE LA BARCA, La Vida es Sueño.

(5) SHAKESPEARE, Ricardo III.

(ó) Idem.

(7) CALDERON DE LA BARCA, La Vida es Sueño.

(8) JÚLIO CORTAZAR, Las Reyes.

ENE (Entregando-se ao personagem) - "Eu sonho, eu que estou confinado a este

esconderijo e sonhava em me ver colocado na mais alta condição... "9

ZERO - "Cumpre suportar com a maior resignação os decretos do destino, pois não

adianta lutar contra a sua força"10

(Aproximando-se lenta e sinistramente de Ene)

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ENE - "O que é a vida? Um delírio. O que é a "ida? Aparência, fantasma, ilusão. É o

maior bem, não é nada? Se toda a vida é um sonho, e os sonhos não são nada além que

sonhos?"11... Os sonhos não são nada além do que meros sonhos... além que .. sonhos.

(Alterado) Viver é isso? (Percebe Zero) (Apavora-se) Zero, por que você está se

aproximando?... Afasta-se, Zero... A distância deve ser mantida... que método é este,

Zero? .. Eu estou com medo ... Por que você está tão diferente? .. Não, Zero, afasta-se,

afasta...!

ZERO (Déspota) - "Quantas falas! Vim para matar-te e calar-te. "12

ENE (Desesperando-se) - Matar-me, Zero? Então tudo isto foi uma mentira... uma farsa

para me apanhar... ? Responda!

ZERO (Indiferente) - "Não serás mais que uma recordação que morrerá no

crepúsculo ... Farei com que arrastem teu cadáver pelas ruas para que o povo abomine a

tua imagem."13

ENE (Tentando correr desesperado ao redor do círculo e gritando para a platéia)

Socorro! Ele vai me matar, ele vai me matar! Socorro! (Pausa) Vocês... vocês não estão

vendo?... Hein? (Pausa) Ou não querem ver... ou não querem ajudar, hein? hein?... Não

dizem nada... nada... é verdade, na-da! (Cai derrotado de joelhos, revolta-se) "Vieram

apenas assistir as minhas dores? Vieram, por acaso, participar de minha sorte para

chorar comigo a adversidade? Pois bem: comtempla o espetáculo."14 (De braços

abertos, volta-se para Zero, entregando-se) Eis-me aqui, Zero, de abraços abertos...

continue em direção ao desfecho... você é senhor do conflito, prolongue a tua

representação... eu continuarei à minha maneira... venha, faça de mim o que quiser!

ZERO (De mãos abertas ao redor do pescoço de Ene) - "Assim. Deixa tua cabeça

parada e tudo será mais simples. Inclina-te mais. "15

ENE (Abraçando as pernas de Zero) - Será que você não se apercebeu que... Não, não

se apercebeu, Zero... Está bem, eu desisto, eu desisto... "Apaga-te, vela efêmera! A vida

é só uma sombra que passa; um ator que se pavoneia. Um ator que se pavoneia e se

desgasta por um momento no palco e de quem nunca mais se ouve falar. É uma história

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contada por um idiota, cheia de som e fúria, significando nada." 16

Pouco antes de Zero apertar a garganta, ENE desiste, morre, cai.

ZERO (Exultando) Venci! Venci, vitória.

Luz geral. Pausa. ENE continua estirado no chão.

(9) CALDERON DE LA BARCA, La Vida es Sueño.

(10) JÚLIO CORTAZAR, Las Reyes.

(11) CALDERON DE LA BARCA, La Vida es Sueño.

(12) JÚLIO CORT AZAR, Los Reyes.

(13) Idem.

(14) ÉSQUILO, Prometeu Acorrentado.

(15) JÚLIO CORTAZAR, LasReyes.

(16)SHAKESPEARE, Macbeth.

ZERO - Vencemos, Ene, vencemos! Você esteve magnífico! Viveu gloriosamente os

teus papéis. Descobriram-nos, até que enfim! Você viu, Ene? Participaram do nosso

conflito, sentiram nosso drama, choraram... Eu tinha certeza que o meu método não

falharia. Finalmente somos como os outros... como eles, Ene! (Pausa. Aproxima-se de

Ene) Agora pode se levantar. Não precisa ficar mais com medo de mim... A

representação acabou: somos... existimos... (Preocupado) Ei Ene, eu pedi que se

levantasse... (Sacudindo Ene) Ene, Ene, o que foi que aconteceu? Diz alguma coisa...

Eu... Eu te matei apenas na representação, foi tudo brincadeira... Nós... nós não

morremos, não podemos morrer, pois nós ... (Volta à posição de perseguidor) Olha, não

houve nada, tudo vai ser como antes... Vê eu estou te perseguindo, mas eu não consigo

te alcançar porque você é mais atleta do que eu, ouviu? (Pausa. Grita) Mais atleta do

que eu! (Pausa. Desesperando-se) Quer dizer então que ... ? Não, Ene, não posso

acreditar, eu não quero, eu não devo acreditaaar! Você não pode ter ... Ter... desistido. A

desistência não, ela é pior que a morte! Por que você foi dar tanta atenção aos teus

Distribuição digital, não-comercial. 22

papéis? Por quê? ... Você queria abraçar-me? (Abraça o corpo inerte de Ene) Sinta, veja,

eu estou te abraçando, estou te abraçando ... (Passa a mão no rosto de Ene) Eu estou

sentindo a tua expressão ... mas já não é a mesma que eu imaginava ... eu ... eu estou

chorando, Ene, chorando. (Berra) Eu não quero ficar sozinho! Não me abandone, Ene,

(Furioso sacode o corpo de Ene) Eu te mato, eu te mato! Mas ... o que estou dizendo?

Tem sentido a morte se ... (Grita para a platéia) Socorro, socorro, soco ... (Percebe o

silêncio do público) Não nos descobriram, não é mesmo? E você sabia: gritou também

por socorro e ninguém veio te acudir ... Então o meu método falhou? (Começa a se

contorcer como um balão que está sendo esvaziado) Você não devia ter desistido,

Ene ... (Agonizando) Na tua extinção está a minha extinção. Não há perseguidor sem

perseguido... Você desistindo o longo caminho que vai de Zero a Ene fica reduzido a

Zero... e Zero é nada... nada... não existe nada ... nada existe... mais nada... nada ... nada

mais ... Os outros bem à nossa frente, ao nosso lado... Num momento, num milímetro de

momento apenas ... eu pensei que ... os outros pudessem... (Desisti).

Luz apaga. Uma voz (talvez) possa completar o quadro.

VOZ - Tudo vazio. Nada existe neste agora, aqui... uma paisagem inutilmente estéril

povoada de ilhas silenciosas e ... Assim pensava um indivíduo qualquer que, numa hora

qualquer, passava por aquele lugar. O tempo fora curto demais para se completar o

pensamento: "Bobagem", balbuciou o indivíduo ... e prosseguiu seu caminho à procura

de um recanto onde pudesse dormir e sonhar.