três teses em torno do pt das origens

8
Gilson Dantas Introdução A importância atual da discussão deste artigo – com foco no PT das origens - tem fundamentalmente a ver com lições do passado para o presente e o futuro. Não tem a ver com denunciar que o PT tinha problemas “desde o início” (condição inevitável em um partido surgido em condições reais); um dos objetivos destas teses é o de chamar a atenção para o debate sobre o tema da estratégia das correntes revolucionárias do proletariado em situações semelhantes (pré-revolucionárias), ou mais que isso, nas contingências que tendem a se recolocar em nosso país, da construção de um partido de massas, da classe operária, na perspectiva da revolução socialista. Que lições tirar? Que estratégia seria a mais adequada para a esquerda revolucionária naquela oportunidade, em certa medida perdida, como parte da luta contra a ditadura e por mudanças sociais de fundo? Como não perder a próxima oportunidade? Sem um apurado exame do passado não se constrói o futuro da revolução proletária. Esta é a questão-chave que inspirou este artigo de balanço PT-30 anos, ele mesmo por sua vez, inspirado amplamente nas teses defendidas no livro A classe operária na luta contra a ditadura assim como na entrevista com o militante operário Val Lisboa (detalhes na Bibliografia ao final). É absolutamente superficial limitar-se - a exemplo de vários autores e como faz concretamente Petras -, à afirmação de que “desde a sua fundação, até o final dos anos oitenta, o PT tinha vida interna vibrante, aberta e descontraída” e que a “liderança era coletiva”, que “o Partido avançava” (ia no caminho correto etc) ou argumentos afins, para concluir que em algum ponto da curva ele degenerou; no caso do argumento de Petras, referindo-se à evolução do PT ele argumenta que antes do final dos oitenta, aconteceu que a “ala eleitoral social- democrata do Partido tornou-se mais influente” (2004, Doutor em Sociologia pela Universidade de Brasília, escreveu Estados Unidos: militarismo e economia da destruição, Achiamé, Rio de Janeiro, 2007 e organizou O capital de Karl Marx: resumo (Engels, Lenin, Trotski), Ícone, Brasília, 2008. 26); na verdade este tipo de abordagem encobre o balanço necessário sobre a luta que já era necessário travar desde os primeiros momentos do PT das origens. Para não ficar a impressão que a degeneração do PT das origens em partido do agronegócio e da grande banca (PT atual) caiu do céu. E também porque esse tipo de abordagem deixa de fora as determinações sociais e a dinâmica de classe encarnada nas direções políticas do movimento e que ia abortando o potencial original do partido para conformar-se de forma classista. E escorrega-se para uma posição normativa, abstrata, como faz o próprio Petras ao concluir, depois daquelas observações acima, que o que falta na América Latina é canalizar os protestos sociais setoriais para uma “estratégia de construção de um partido político como o objetivo de tomar o poder de Estado” (2004, 24). Estas teses não pretendem abarcar os temas fundamentais de importância estratégica quando se trata de avaliar o partido de trabalhadores mais importante que já surgiu na América Latina. Apenas levantam o debate. Seu papel, reiteramos, é promover ou chamar à discussão, infelizmente pouco realizada pela esquerda, acadêmica ou não, em torno de que lições tirar dessa experiência para o próximo ascenso da classe operária, para a necessária construção de um partido autenticamente operário no país. É um dado histórico que as lutas dos trabalhadores que se generalizavam no campo e na cidade e foram abortadas pelo golpe de 64 (e, em seguida, com o aprofundamento da ditadura em 968), não vinham marcadas por uma tradição de independência de classe. O PCB, stalinista, que detinha mais peso em setores decisivos da classe trabalhadora não primava por organizar a independência política da classe diante da burguesia; fazia exatamente o oposto: subordinava as lutas operárias à burguesia democrática. Em outras palavras, a direção operária então dominante, adaptou-se a Jango até o fim e, desfechada a ditadura, desgastou-se, chegando ao final dos anos 70 com enorme desprestígio. Até o momento do surgimento do PT a tradição era de que as direções operárias de DOSSIÊ PT - 30 anos Três teses em torno do PT das origens

Upload: alessandro-de-moura

Post on 24-Jun-2015

666 views

Category:

News & Politics


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Três teses em torno do PT das Origens

Gilson Dantas�

Introdução A importância atual da discussão deste artigo – com

foco no PT das origens - tem fundamentalmente a ver com lições do passado para o presente e o futuro. Não tem a ver com denunciar que o PT tinha problemas “desde o início” (condição inevitável em um partido surgido em condições reais); um dos objetivos destas teses é o de chamar a atenção para o debate sobre o tema da estratégia das correntes revolucionárias do proletariado em situações semelhantes (pré-revolucionárias), ou mais que isso, nas contingências que tendem a se recolocar em nosso país, da construção de um partido de massas, da classe operária, na perspectiva da revolução socialista.

Que lições tirar? Que estratégia seria a mais adequada para a esquerda revolucionária naquela oportunidade, em certa medida perdida, como parte da luta contra a ditadura e por mudanças sociais de fundo? Como não perder a próxima oportunidade? Sem um apurado exame do passado não se constrói o futuro da revolução proletária. Esta é a questão-chave que inspirou este artigo de balanço PT-30 anos, ele mesmo por sua vez, inspirado amplamente nas teses defendidas no livro A classe operária na luta contra a ditadura assim como na entrevista com o militante operário Val Lisboa (detalhes na Bibliografia ao final).

É absolutamente superficial limitar-se - a exemplo de vários autores e como faz concretamente Petras -, à afirmação de que “desde a sua fundação, até o final dos anos oitenta, o PT tinha vida interna vibrante, aberta e descontraída” e que a “liderança era coletiva”, que “o Partido avançava” (ia no caminho correto etc) ou argumentos afins, para concluir que em algum ponto da curva ele degenerou; no caso do argumento de Petras, referindo-se à evolução do PT ele argumenta que antes do final dos oitenta, aconteceu que a “ala eleitoral social-democrata do Partido tornou-se mais influente” (2004,

� Doutor em Sociologia pela Universidade de Brasília, escreveu Estados Unidos: militarismo e economia da destruição, Achiamé, Rio de Janeiro, 2007 e organizou O capital de Karl Marx: resumo (Engels, Lenin, Trotski), Ícone, Brasília, 2008.

26); na verdade este tipo de abordagem encobre o balanço necessário sobre a luta que já era necessário travar desde os primeiros momentos do PT das origens. Para não ficar a impressão que a degeneração do PT das origens em partido do agronegócio e da grande banca (PT atual) caiu do céu.

E também porque esse tipo de abordagem deixa de fora as determinações sociais e a dinâmica de classe encarnada nas direções políticas do movimento e que ia abortando o potencial original do partido para conformar-se de forma classista. E escorrega-se para uma posição normativa, abstrata, como faz o próprio Petras ao concluir, depois daquelas observações acima, que o que falta na América Latina é canalizar os protestos sociais setoriais para uma “estratégia de construção de um partido político como o objetivo de tomar o poder de Estado” (2004, �24).

Estas teses não pretendem abarcar os temas fundamentais de importância estratégica quando se trata de avaliar o partido de trabalhadores mais importante que já surgiu na América Latina. Apenas levantam o debate. Seu papel, reiteramos, é promover ou chamar à discussão, infelizmente pouco realizada pela esquerda, acadêmica ou não, em torno de que lições tirar dessa experiência para o próximo ascenso da classe operária, para a necessária construção de um partido autenticamente operário no país.

É um dado histórico que as lutas dos trabalhadores que se generalizavam no campo e na cidade e foram abortadas pelo golpe de 64 (e, em seguida, com o aprofundamento da ditadura em �968), não vinham marcadas por uma tradição de independência de classe. O PCB, stalinista, que detinha mais peso em setores decisivos da classe trabalhadora não primava por organizar a independência política da classe diante da burguesia; fazia exatamente o oposto: subordinava as lutas operárias à burguesia democrática.

Em outras palavras, a direção operária então dominante, adaptou-se a Jango até o fim e, desfechada a ditadura, desgastou-se, chegando ao final dos anos 70 com enorme desprestígio. Até o momento do surgimento do PT a tradição era de que as direções operárias de

DO

SSIÊ

PT -

30 a

nos

Três teses em torno do PT das origens

Page 2: Três teses em torno do PT das Origens

Contra a Corrente �

mais peso praticavam amálgamas de colaboração de classe. Deixavam-se levar pela política burguesa, travavam acordos anti-operários pelo alto, traíam greves combativas, em vez de se ocuparem de desenvolver a hegemonia do movimento operário, com programa próprio e em liderança frente aos demais movimentos populares, do campo e cidade.

O PT era a grande oportunidade que surgia, no pós-ditadura, para quebrar com aquela tradição. Lamentavelmente não chegou a ir tão longe.

Este partido, que surgiu assentado nas lutas fabris e dos trabalhadores do urbanos e também do campo, não seguiu a tendência mais lógica e necessária (este é o núcleo das teses abaixo) de construir-se, organicamente e ativamente apoiado nestas mesmas massas organizadas e buscando a política independente de qualquer variante burguesa; o PT muito prontamente, em que pese a combatividade de suas bases, tendia a alinhar-se e aliar-se com a ala esquerda democrática da burguesia. Crítico do stalinismo, terminou não indo muito além, frente ao proletariado, de uma versão moderna da política daquela do velho PCB stalinista.

As massas em luta, naquele momento – fim dos anos �970 – por meio de suas greves e ações democráticas de rua, por meio de enfrentamentos com a polícia, tendiam a romper com os limites políticos que a burguesia traçava pelo alto, no seu projeto de pacto de negociação de classe. A política de Lula e seus aliados “autênticos” era, no entanto, a de canalizar o ascenso para os marcos daquela negociação. A operação historiográfica de mostrar o lulismo das origens como anticapitalista ou classista – como querem alguns - exige ter que reescrever ou deixar de mencionar fatos históricos de época e também o potencial de luta da classe operária e dos movimentos populares ali presentes e que foi canalizado para becos sem saída.

O PT surge no mesmo processo em que Lula e seus amigos sindicalistas se opõem como podem às comissões de fábrica e às oposições sindicais anti-pelegas e, portanto, na prática – apesar de sua incensada combatividade – termina preservando uma estrutura sindical vertical, envelhecida, de perfil corporativo. A posse de Lula ao seu segundo mandato, em pleno ano das greves de �978, se dá com a presença destacada de generais e do presidente do partido da ditadura (Arena), em total respeito, portanto, à velha estrutura sindical que o Lula “combativo” parecia enfrentar, mas que, nos fatos, não queria afrontar. Apesar de toda a esperança nele encarnada, o PT carrega essa digital e nasce no momento de começo do declínio das greves.

Em síntese, e já desenvolvendo as teses deste artigo: o O PT surgiu como um movimento amplo, de base operária, de diferentes alas, onde era necessário atuar, mas não surge e nem se desenvolve – nas origens e muito menos depois – como um partido estratégico

dos trabalhadores. A imensa combatividade da época foi sendo paulatinamente canalizada para o beco sem saída da transição democrática burguesa pela cúpula. E ele próprio conformou-se como um partido cada vez mais de colaboração de classes, cada vez mais aburguesado e finalmente como baluarte do grande capital em sua ofensiva neoliberal.

Tese � - O PT das origens: os trabalhadores jamais controlaram o partido que eles estavam criando

O PT das origens não eclodiu e nem se estruturou sob controle dos trabalhadores combativos. A relação do PT com a classe operária não era o que parecia ser. Os setores que inicialmente propuseram o PT (em Lins), amplos setores das oposições anti-pelegas, das comissões internas, de sindicatos combativos de vários pontos do país, não tiveram peso determinante em sua direção, em seu interior. Os chamados núcleos do PT não surgiram com esse projeto de um partido onde os trabalhadores em luta, os setores mais combativos, tivessem peso orgânico em sua direção ou que controlassem o partido. Este projeto sequer foi discutido, seja como proposta da esquerda seja, obviamente, a partir da direção “autêntica”, que trabalhava em sentido contrário.

A ironia é que o PT só surgia por influxo das lutas operárias, sobretudo do ABC, por isso mesmo saltava aos olhos o peso inicial das direções do sindicalismo “autêntico” (e não, o peso intelectual-parlamentar como no caso da origem do PSOL), mas por outro lado, nasce com uma direção reformista que não apenas não o concebia como um partido estratégico da classe trabalhadora, mas estava inclinada a tornar o PT uma peça da transição negociada da ditadura, um partido para eleições, embora tensionado por outras forças.e com potencial para converter-se em ponte para um partido revolucionário da classe operária e dos pobres do campo e da cidade.

Corporativo e de forte viés sindicalista desde sua conformação, sob a liderança dos sindicalistas chamados “autênticos”, o PT se opunha a reforçar os organismos de base da classe operária em luta, resistia à representação por local de trabalho, resistia ao surgimento das comissões de fábrica. Paradoxalmente, ele surge simultaneamente a um processo amplo de formação de comissões de fábrica (e de oposições sindicais metalúrgicas, caso São Paulo) que começara antes do PT e ao qual Lula e seus pares resistiu quanto pôde; seu grupo não pretendia perder o controle do movimento, a partir da direção do prestigiado sindicado metalúrgico de S.Bernardo. Esta mesma direção tratava também de desviar a luta contra a ditadura (o Abaixo a ditadura de então) para uma negociação com setores da ditadura em busca de uma transição na qual o movimento operário não interviesse como sujeito independente.

As lutas contra a ditadura se generalizavam – esse foi o caldo de cultura que deu origem ao PT - no

Page 3: Três teses em torno do PT das Origens

Três teses sobre o PT das origens �

entanto a liderança do PT em formação não focava nem a aglutinação de uma frente única de massas para levar essa luta adiante, muito menos a tarefa da preparação da greve geral. Não se cogitava chamar a um organismo democrático de massas, baseado em delegados eleitos na base, em ofensiva nacional contra a ditadura, organizando a auto-defesa de classe, com representantes de fábrica, de escola, de bairro, dos comitês contra a carestia, dos camponeses pobres em luta.

Sem esse instrumento, os sindicalistas “autênticos” do ABC, mais a Igreja, setores pequeno-burgueses democráticos terminavam por fazer prevalecer uma política corporativa, colaboracionista travestida de combativa, que desviava e travava o potencial do movimento operário e de massas, e que não permitia desenvolver a plena espontaneidade das lutas das massas.

O fato histórico foi que, ao separar a vanguarda da própria classe nos marcos do partido, a direção fundadora do PT ficou de mãos livres para levar adiante uma política funcional para a burguesia democrática e militares, a transição pactuada.

Desde o início, o petismo reinventou uma cultura de esquerda que entende partido separado de sindicato no pior sentido dessa equação: o partido faz política, sobretudo parlamentar, e os sindicatos travam uma relação com a patronal e desenvolvem suas lutas preferencialmente afastadas da luta política. O partido não se faz ativamente presente nas lutas da classe defendendo um programa que eleve politicamente a classe, que a unifique e aos explorados como um conjunto, assumindo, a partir da classe organizada nos sindicatos combativos e em todo tipo de órgão democrático da classe trabalhadora, a defesa do conjunto das massas pobres do campo e da cidade. Não levanta, na luta cotidiana, bandeiras como a do fim do desemprego através da redistribuição das horas de trabalho entre todos e sem redução do salário, da expropriação de toda empresa que demita trabalhadores e seu controle pelos próprios trabalhadores e assim por diante.

Esta separação partido/sindicatos rompe com uma importante tradição marxista que vem desde Marx, Lenine e, por outro lado, facilita o trabalho da burocracia partidária que, ao “cuidar da política” troca a esfera de luta da classe operária, do chão de fábrica, das lutas sindicais pela esfera parlamentar, de conciliação de classes; nem politiza a luta dos trabalhadores contra sua patronal, nem conforma um efetivo partido dos trabalhadores, onde estes possam ter controle sobre estratégia e programa.

Essa foi a via seguida pelo PT2.

2 Não é preciso acrescentar que esta vem sendo a trilha do PSOL que sequer possui a relação orgânica com um importante setor da classe como o PT das origens. Não é um problema insanável que um partido surja a partir de um grupo de intelectuais e/ou parlamentares, mas é um problema insanável o de reiterar a

Um partido autenticamente operário tenderia a se construir rompendo com essa cultura que o PT, em vez disso, consolidou, na esfera partido/sindicatos. Os trabalhadores jamais controlaram o partido que eles estavam criando. O PT nasceu de uma proposta do movimento sindical (sindicato dos metalúrgicos de S.André), mas este influxo não tomou forma democrática na direção do PT, desde o início centralizado nas mãos da direção dos sindicalistas “autênticos” e de Lula. O papel cupulista dos “autênticos” foi esse: separar as duas frentes de luta. Ao mesmo tempo subordinar as lutas operárias à política de “transição pactuada”, negociada com setores militares e da Arena e do MDB. Anistia livre, geral e irrestrita – que poupa os torturadores – não é uma proposta da classe trabalhadora, cujos líderes vinham sendo assassinados e torturados sistematicamente pela ditadura militar. Mas esta era a proposta da burguesia, aceita pelos generais: anistiar ao torturadores e seus cúmplices, civis e militares.

2 - O PT das origens: a oportunidade estratégica e programática perdida pela esquerda marxista da época (o embate de duas estratégias).

O PT surgiu de forma confusa, caótica, e usualmente é o que acontece. A questão central, aqui, é a de como utilizar situações assim a favor da organização revolucionária dos trabalhadores? O PT não estava consolidado como partido reformista e nas origens, ao contrário, abria campo para a intervenção da esquerda, do trotskismo por exemplo. Como intervir naquele processo? Esta questão foi mal resolvida pela esquerda. A estratégia de desenvolver, sobretudo na classe operária, organismos de massas em luta, expressamente baseados na democracia de base, generalizar tais organismos, coordená-los, generalizá-los na luta contra a ditadura, por melhores condições de vida para as massas, por medidas econômicas de transição como estratégia e tática de formação do partido revolucionário não foi a marca da esquerda que incluiu-se no PT de então. Pelo contrário, seguiu o caminho mais fácil de adaptação (mais crítica ou menos crítica) à direção lulista, à estratégia conciliadora levada adiante por esta.

Sem romper ainda com a direção lulista colaboracionista, se fazia necessário, entretanto, desenvolver uma fração de massas no PT em formação com base em outra estratégia que não era a de Lula e seu grupo. Travava-se (inconscientemente e em grande medida para a esquerda) de uma batalha de estratégias. A da direção burocrático-corporativa prevaleceu e, dessa forma, perdeu-se a chance de construção de uma

cultura petista que separa luta política da sindical, fabril; além disso, o PSOL já nasce com um programa adaptado ao eleitoralismo e à burguesia democrática (adotando, por exemplo, medidas como o Supersimples, de precarizacao do trabalho, de adaptação à burguesia não-oligopolista).

Page 4: Três teses em torno do PT das Origens

Contra a Corrente �

ala esquerda com peso de massa e que romperia com o PT mais adiante, servindo como referência da estratégia correta, da lição viva e do formato necessário para tornar-se, quando viesse a ocasião, um partido operário de massas e revolucionário em superação dos descaminhos do PT.

O desarme e o despreparo da esquerda daquele momento, dos setores trotskistas, tinha tudo a ver com sua evolução anterior, desde o pós-Guerra, habituadas que estavam à adaptação ao nacionalismo, às direções guerrilheiristas, quase que sempre a reboque de tudo que tivesse peso de massa e que parecesse revolucionário (peronismo, brizolismo, stalinismo reciclado, alfonsinismo, castrismo, Miterrand, montoneros e assim por diante): o fato é que de inúmeras formas o próprio trotskismo – para não falarmos de outra esquerda – vinha adotando o mau hábito de adaptação a direções de massa de qualquer perfil ´socialista´, nacionalista, pequeno-burguês de esquerda, vinha adaptando-se a atalhos centristas.

De forma que a adaptação aos sindicalistas “autênticos” e à sua estratégia conciliadora foi um passo quase natural, estava de acordo com a trajetória daquela esquerda. Faltou a dialética presente no Programa de Transição, de Trotski, de intervir no PT sem embelezar e sem adaptar-se à sua direção corporativa, procurando construir uma frente de massas com nítido caráter classista – e não o “partido amplo”, policlassista como tendia a conformar-se o PT - , como parte da luta revolucionária contra a ditadura, do exercício político e democrático apoiado nas alas mais radicais de massas, e da estratégia de um poder dos trabalhadores. Não cabia assumir o papel estratégico de ser parte de esquerda da transição pactuada com a ditadura militar, seguindo rotineiramente a inércia das lutas e acordos eleitorais/sindicais.

O PT das origens evidentemente já adotava um rumo basicamente reformista (ou caoticamente reformista) e colaboracionista mas o fato mais importante é que, ao mesmo tempo, expressava uma ofensiva de massas e proletária que aspirava e buscava afirmar independência política frente à burguesia, frente ao regime. Esta era uma força real que integrava o PT, era uma tendência em estado nascente, em desenvolvimento e, diante dela, diante da direção mais conciliadora do Lula, cabia ir construindo uma corrente que afirmasse a estratégia necessária. Que afirmasse um partido operário classista, processo que, naturalmente, tenderia a chocar-se com a política corporativa e sindicalista dos “autênticos”.

Maciel argumenta corretamente que em �982 os núcleos de base do PT se convertem em comitês eleitorais. Mas é pior que isso: tampouco antes de �982 os núcleos eram organizados sob qualquer critério classista, nem orgânica e nem programaticamente3.

3 O autor destas linhas participou, no início dos 80, de

Estava na ordem do dia uma estratégia contrária à da emergente direção do PT que subordinava cada comissão de fábrica ao aparato do sindicato e que não tendia à formação de um comando de greve anti-pelego (que unificasse sindicatos combativos, comissões de fábrica, as oposições sindicais e delegados de base). Estava aberta a perspectiva da greve geral contra a ditadura, bandeira que jamais foi levada adiante pelos “autênticos”, cuja tendência era a de despolitizar a luta nessa direção, como o fizeram. O problema é que a esquerda e seus lideres sindicais e figuras públicas não defendiam esta perspectiva; tampouco a politização e a democratização pela base que era necessária e que teria permitido formar uma fração, dentro do PT inicialmente, que seria a chave para toda a etapa e estratégia revolucionária posterior e para educar um novo movimento frente ao desenvolvimento burocrático/eleitoralista do PT.

A esquerda da época dava toda importância à direção dos “autênticos”, aos sindicatos oficiais e praticamente nenhuma à organização anti-pelega pela base, a partir das lutas mais radicalizadas. O resultado desta “opção” estratégica não tardou a desenvolver-se: as lutas operárias e populares foram se colocando a reboque da pauta da burguesia democrática enquanto Lula e seus companheiros eram vistos por praticamente toda a esquerda, apenas como líderes sindicais “combativos”. Líderes, no entanto cada vez mais adaptados à auto-reforma do regime, que procuravam manter a greve na esfera reivindicativa, corporativa.

A esquerda petista continuava falando em vitórias, “acúmulo de forças” e não se denunciava, por exemplo, a traição de Lula à greve de �980 e sua crescente adaptação à transição pactuada com a ditadura. Havia ambiente para isso, havia críticas na base4 à condução do movimento pela liderança de S.Bernardo, mas o que não havia era uma alternativa pela esquerda para desenvolver uma corrente com a estratégia correta e para além do mito Lula que foi sendo construído pela história oficial petista.

Era imperioso intervir no PT, organizá-lo, legalizá-lo, afirmá-lo. Mas era igualmente necessário não confundir aquela agrupação partidária com independência política

núcleos na área de funcionários da saúde e também em bairro operário; e em nenhum dos dois casos houve qualquer orientação nem da direção petista e tampouco da corrente política à qual pertencia no sentido de organizar o núcleo com base em programa de luta da classe trabalhadora, em princípios, muito menos com base na organização democrática por local de trabalho. Eram núcleos quaisquer, amorfos, para um partido amorfo ou qualquer, e uma corrente política em total seguidismo com o que vinha da direção dos “autênticos”, estes embelezados como direção operária de um partido operário... Não estava em questão qualquer estratégia revolucionária exceto a miragem ou mantra incansavelmente repetido da “acumulação de forças”.

4 O Caderno A classe operária na luta contra a ditadura chama a atençao para vários fatos de época que apontam nessa direção, mencionados no livro de Maurício Tragtenberg, Uma vida para as ciências humanas, da Editora Unesp, �999.

Page 5: Três teses em torno do PT das Origens

Três teses sobre o PT das origens �

da classe operária (que não era) ou com opção estratégica da classe operária (que não era, nem programaticamente e nem como partido que almejasse o poder operário). Estava de pé a necessidade de afirmar e desenvolver uma corrente interna que permitisse superar a miséria da estratégia da direção petista e que lutasse, ao mesmo tempo, pela legalização de todas as correntes políticas de esquerda� (rompendo, também por esta via, com o plano “aberturista” do regime).

Não se podia ficar nos marcos do PT das origens, cuja indefinição e linha política adotada pela direção dos “autênticos” apontava para uma perspectiva e uma estratégia de adaptação sindicalista/eleitoral ao regime. A atividade interna de cunho adaptativo – como ocorreu por parte das esquerdas – só poderia reforçar sua transformação, não inevitável, em partido reformista com todas as letras. Era essencial disputar a direção do PT.

O PT captava um impulso que vinha das recentes lutas operárias e populares, mas sob a influência e controle de sua direção reformista; sua direção – sob forte influência da Igreja, da pequeno-burguesia intelectual de esquerda - o empurrava no sentido de um partido funcional à transição burguesa, à armadilha eleitoral da burguesia e não para o papel de efetivo representante das lutas operárias, da democracia operária de base, para conformar-se como partido revolucionário dos trabalhadores.

O PT era amorfo e ainda se configurava como um terreno para disputar a direção contra o setor reformista dos “sindicalistas autênticos”. O projeto de Lula e da Igreja era constituir um partido que incluísse parlamentares pequeno-burgueses e intelectuais pequeno-burgueses, para integrar-se ao regime democrático-burguês. (...) Não devemos esquecer que a discussão sobre o PT começou em �978, foi votado num congresso metalúrgico em �979, mas Lula e a Igreja se encarregaram de manter o processo separado das greves que estavam acontecendo. Queriam impedir que o processo se politizasse ainda mais e se fizesse mais consciente o caráter político da luta. Não queriam um PT como instrumento das massas em luta contra a ditadura e sim como parte da transição e do sistema de partidos que se estava constituindo. Por isso o fundaram ao mesmo tempo em que trabalhavam pela derrota da greve metalúrgica de �980 (A classe operária ..., s /d, p. 98).

O trotskismo existente naquele momento tendeu ou a se adaptar à direção “autêntica” ou a isolar-se do PT, sectariamente, alegando que este não tinha um programa

� O autor destas linhas ao distribuir panfletos (da IV Internacional) numa assembléia operária, em Vila Euclides, ABC, �980, teve sua expulsão comandada pelo próprio Lula, aos gritos de que todo documento que não fosse do próprio sindicato era coisa da “polícia”. Ou seja, a direção lulista, desde as origens, mal tolerava a presença de correntes políticas de militantes de esquerda e somente as aceitou à medida em que aceitavam ser domesticadas/enquadradas na política da direção petista.

revolucionário de saída. Das duas formas a classe operária saía perdendo a chance de preparar as condições, através da experiência inicial do PT, de construir seu autêntico partido de classe e revolucionário.

A esquerda marxista de então, como regra, se manteve6 – política e programaticamente - dentro dos limites determinados pela direção petista, na condição de ala esquerda da democracia burguesa, adaptada ao reformismo lulista. Perdeu sua grande oportunidade naquele momento. Em escala mundial, o imperialismo impulsionava transições democráticas - era o mundo pós-Vietnã etc – e aqui não estava sendo diferente: se conformava uma transição democrática pelo alto com colaboração de ala da Igreja, do MDB, dos PCs stalinistas e que, ironicamente, também incluiu o trotskismo de então.

Vivia-se o primeiro momento da nossa história onde o trotskismo ganhava certa visibilidade, mas este, para além de sua fraseologia, não privilegiava as comissões de fábrica que existiam em São Paulo para se opor ao verticalismo do Lula, não levou um combate frontal à burocratização executada pela direção sindical lulista. Inserir-se nas bases operárias com essa estratégia seria uma política natural do trotskismo que não foi levada adiante7; não havia tampouco uma clara estratégia de classe, tanto que aquela mesma esquerda se incluiu em candidaturas burguesas (como a do general Euler Bentes, ou até apoiou o Colégio Eleitoral burguês ou chegou a chamar à formação de um partido de esquerda de massa sem qualquer delimitação de classe, como foi o caso da proposta do Partido Socialista, na época, em moldes “abertos” portanto, na prática, policlassista).

A cada passo que dava na sua adaptação à ordem, o PT tendia a sofrer implosões, com correntes trotskistas combativas se desprendendo em �989, �992, correntes políticas e sindicais também se desprendendo mais tarde, mas sem que se travasse um debate frontal, mais programático e estratégico, em relação ao próprio PT. E, sobretudo, sem que se buscasse tirar lições para a construção do necessário partido operário no nosso

6 Quando não rompia sectariamente com o PT das origens, caso do lambertismo e da Causa Operária em um primeiro momento. Em seguida o lambertismo de O Trabalho (Libelu) ganhou peso, mas para praticar seguidismo com o PT. O lulismo invariavelmente se aproveitou dessa falta geral de estratégia revolucionária da esquerda – mesmo trotskista – de então. O SU (trotskismo mandelista) que vinha do apoio à guerrilha, foi outra corrente que colou em Lula, chegou a ter ministros no governo Lula recentemente e o lambertismo (de O Trabalho) até hoje está dentro do PT assim como também lá pode ser encontrado o cadáver político do posadismo.

7 A corrente da IV Internacional que vinha com algum peso no Brasil dos anos 70, o POR (posadismo), vinha de uma trajetória de completa adaptação à burguesia nacionalista, ao brizolismo e vivia processo de franco liquidacionismo como corrente da IV: ala esquerda de todo tipo de nacionalismo burguês, defensor não de uma estratégia operária mas sim de uma frente única antiimperialista que incluía a burguesia “nacional”, o posadismo adotou o entrismo eterno no PT onde se deixou liquidar. Ironicamente, teve o mesmo fim do velho PCB, stalinista, partido no qual também praticou longo “entrismo”.

Page 6: Três teses em torno do PT das Origens

Contra a Corrente �

país; e que inclusive se avaliasse porque tais correntes ficaram tanto tempo no PT ou o que estavam fazendo lá estrategicamente, nesse tempo.

Por conta disso é possível falar em oportunidades que foram perdidas no sentido do enraizamento de correntes políticas mais conseqüentes, política e programaticamente, na classe operária, no seio do processo inicial do PT, riquíssimo em diversidade de movimentos, de combatividade, de apelo nacional.

O ascenso de lutas operárias do final dos anos �970 colocava na ordem do dia, mais uma vez, o confronto entre as duas estratégias fundamentais, uma de conciliação de classes, de reformas no interior do capitalismo e outra, a do combate intransigente pela independência política da classe operária perante todas as vertentes burguesas – democráticas, progressistas, desenvolvimentistas. Havia um espaço, naquela conjuntura, para abrir caminho para a liderança da classe operária frente às massas mais exploradas na perspectiva de derrubada da ditadura por meio da ação direta de massas, abrindo caminho para uma saída revolucionária ainda mais avançada que solucionasse os problemas fundamentais de todos os explorados. Ao não adotar esse caminho é que se pode falar em perda de oportunidade. Desenvolve-se outra coisa em seu lugar, outra estratégia, que resulta na defesa clara e aberta do Estado burguês com suas mazelas inevitáveis. Foi o rumo seguido pela história do PT até chegar onde chegou, plenamente formatado como partido do capital.

3 . Lula e os “autênticos”: até que ponto

constituem um mito das origens? Em uma conjuntura de lutas operárias, de crise

econômica e social da ditadura, o proletariado das montadoras – situado no coração da política econômica da ditadura e núcleo duro do milagre econômico – se lançou a uma onda de greves que criava clima propício para a organização da classe em partido político; este projeto foi posto em marcha, a partir de propostas do próprio movimento operário, como se sabe; também se sabe que a direção lulista tratou de configurar tais elementos numa determinada direção em nome de “garantir a abertura”. A força das greves (a geral de �978 e a de �979), o potencial de luta capaz de ser organizado e amplificado naquela conjuntura, foram sendo represados para uma política limitada à transição pacífica para a democracia burguesa. Os chamados “autênticos” dirigiam sindicatos desde �97� e sua estratégia era mais ou menos conhecida.

A estratégia – para além da imensa combatividade da classe operária do ABC e de São Paulo - era de conciliação de classe por um lado, pela cúpula, e por outro, na base, de ir desviando a organização mais democrática e autônoma da classe operária; a combatividade da chamada oposição metalúrgica nas fábricas de São Paulo (contra os pelegos sindicais) não se tornou um espaço a ser politizado, garantido e organicamente desenvolvido;

o lulismo se colocou na contra-mão. Lula induzia aquela oposição a apoiar o pelego Joaquinzão.

Os sindicalistas “autênticos”, Lula à cabeça, não mostraram o menor interesse, como direção inicial do novo partido, em forjar um novo paradigma no qual a força viesse dos órgãos de base da classe operária e não de cima, de uma direção que negociava com generais e alas democráticas dos partidos burgueses a reciclagem da ditadura rumo a uma nova forma de autocracia burguesa.

Não se trata de que o “novo sindicalismo” envelheceu: ele já nasceu envelhecido: nunca abriu mão do imposto sindical, por exemplo. Jamais desconstruiu a verticalizacao sindical que era mascarada por comícios em estádios, jamais fomentou as comissões de fábrica não atreladas à direção sindical. O que há de “novo” nisso?

Historicamente se sabe que como fruto da greve dos 300 mil trabalhadores na cidade de São Paulo, por exemplo, e diante da traição da burocracia pelega (Joaquinzão, o PCB, o MR-8) emergiu um comando de greve a partir das bases, aglutinando comissões de fábricas e que desafiava abertamente a patronal. Havia condições para organizar uma unidade combativa de base. Jamais foi esta a iniciativa dos “autênticos”. Lula não somente não se uniu a este movimento como já vinha de dividir a reivindicação salarial dos metalúrgicos do ABC do resto da categoria; e quando propôs a Intersindical reconheceu os pelegos da cidade de São Paulo e não sua oposição metalúrgica. Invariavelmente tratava de organizar a “unidade” por cima, a partir dos sindicatos oficiais, dos aparatos, por fora da democracia de base que constituía justamente a estratégia necessária, sine qua para organizar a independência política dos trabalhadores.

A burguesia tinha consciência do que ocorria: a ditadura negociou a libertação de Lula e os “autênticos” em �980, na tentativa de barrar um processo que se desenvolvia por fora, nas ruas, nos locais de trabalho e bairros, durante 4� dias de resistência operária, com formas de auto-organização que não interessavam para nada à cúpula burguesa e da ditadura. Com a libertação de Lula, sua traição à greve de �980, as lutas tornam-se defensivas, a burguesia se lançou a demitir e combater a vanguarda da greve, o proletariado mergulhou em um impasse que terminou retirando-o do centro da cena. A liderança dos “autênticos”, agora no comando do novo PT, irá revelando sua enorme funcionalidade para a transição burguesa.

Era indefensável a operação política de Lula e seus “autênticos” no PT das origens ao reproduzir, em nome do “novo”, o velho sindicalismo dos anos anteriores, corporativista, de colaboração de classes, essencialmente defensor da tradicional do aparelho sindical vertical e, politicamente, da falida democracia do voto (dos ricos); por mais que não faça parte da história oficial do PT, o

Page 7: Três teses em torno do PT das Origens

Três teses sobre o PT das origens �

processo de época – no qual o PT foi sendo construído – passava por uma política não de adaptação mas de combate político aos dirigentes do ABC que, como argumenta Lisboa (2008) “apoiados por um setor da burguesia e da Igreja, atuavam efetivamente como freio contra-revolucionário, conscientes de que a força do ascenso proletário apontava contra a ditadura militar e tendia a ameaçar as bases do capitalismo”.

O “modo sindicalista (petista) de militar” conduziria à reprodução da estrutura sindical corporativa atrelada ao Estado, presente na nossa história; por sua vez, o movimento sindical tipo CUT, formatado em velhas bases, no imposto sindical, na não-autonomia política da classe, terminou amplamente cooptado pelo Estado burguês. Tombaram, PT e CUT, vítimas “da armadilha burguesa-militar da ´redemocratização pela via de um projeto de abertura “lenta, gradual e segura” que garantisse a continuidade do Estado e da dominação capitalista, espantando o ´fantasma´ da derrubada revolucionária da ditadura militar” (Lisboa, 2008, �7).

Não se centralizou a ofensiva operária para a derrubada do regime militar. Setores empresariais e o próprio governador biônico de São Paulo, Paulo Egídio, viam em Lula uma alternativa ao que vinha ocorrendo nos anos 70, “quando os operários paravam as fábricas, realizavam operações-tartaruga ou de sabotagem da produção sem conhecimento dos dirigentes sindicais, por desconfiarem desses sindicalistas” (Lisboa, 2008, 2�). Aquele governador da ditadura chegou a dizer que Lula era um dirigente sindical promissor, “sem filiações ideológicas”.

Com a ditadura em decomposição, o pior que poderia ocorrer para a burguesia – especialmente aquela do coração do milagre – era não poder contar com um sindicalismo confiável, “moderno” como diziam eles, mesmo que combativo. Não é possível discutir o “PT das origens” sem considerar esse elemento dialético de contenção: Lula liderava as greves, mas tratando de conter seus limites.

Empresários “modernos e democratas” da fase da abertura tinham manchado suas mãos com o sangue da ditadura, tentando impedir a reorganização operária dentro das fábricas, financiando a polícia política (Dops), reunindo-se com ela, colaborando com o Exército para mapear, assassinar e torturar militantes operários, financiando a Operação Bandeirantes. Esta era a mesma cúpula empresarial que depois terminaria apoiando, no governo Lula, os ataques aos direitos trabalhistas e previdenciários.

Na época, para a direção petista-“autêntica”, em nome da luta contra a “linha dura” valia tudo, valia apoiar uma lei de “anistia recíproca” que deu impunidade para aquele empresariado, seus generais e policiais torturadores e assassinos. Em nome do possibilismo e da transição pactuada marchou-se para o apoio da auto-

reforma do regime. Assembléias operárias eram convertidas em grandes

comícios sem a mínima preocupação em conformar delegações de base, de fábricas, coordenações inter-fabris, para ir quebrando com a estrutura sindical vertical. E nem em politizar o movimento na direção da derrubada da ditadura pela ação de massas. Parte fundamental das classes médias e dos pobres e lutadores do país afora viam com profunda simpatia aos operários do ABC em luta, havia uma predisposição de alcance nacional a aceitar a liderança revolucionária da classe operária que travava combate nas montadoras, mas havia, de parte da direção lulista, uma predisposição contrária, a de não encabeçar uma luta nacional por um partido que canalizasse tais lutas para além dos acordos com parte da ditadura. Ou, por exemplo, para democratizar o novo partido com os setores em luta tendo voz e comando nas bases e na direção.

Considerações finaisAo se adaptar à política dos setores oposicionistas/

democráticos da burguesia, o PT perdeu a chance de constituir-se como efetivo partido da classe trabalhadora.

Sem a burocracia sindical, em um país como o nosso, a burguesia não tem como se manter; ela necessita daquilo que o PT foi conformando, ano após ano e que tomou forma na CUT que junto com as demais centrais burocráticas constituem base fundamental de sustentação da burguesia no nosso país. Ao não levar adiante os combates necessários e nem assumir a defesa da classe operária em sua aliança interna – com terceirizados – e externa, com o conjunto dos pobres urbanos e rurais; e em especial ao realizar uma política adaptada ao governo da patronal, ao não apoiar diretamente e em chave programática mais profunda cada luta e cada combate de classe, venha de que setor dos trabalhadores vier, o PT e sua central de trabalhadores construíram-se como a base funcional fundamental do regime neoliberal que desfechou e tende a desfechar ataques contra a classe trabalhadora.

O “modo petista de militar” é uma praga recriada na política de esquerda e reproduzido no campo sindical. Sem erradicar essa política não fundaremos um verdadeiro partido da classe operária. No “modo petista de militar” o parlamento, as épocas de eleições são a pauta mais importante, os movimentos sociais terminam sendo agendados por essa pauta e, ao mesmo tempo, pelas datas-base estabelecidas pela patronal, invariavelmente por fora das lutas fundamentais e reais da classe trabalhadora.

Com o PT desaparece a estratégia própria da classe trabalhadora. Com o PT os métodos de luta específicos da classe operária (luta direta, ocupações, greves combativas) dão lugar aos métodos burgueses ou de

Page 8: Três teses em torno do PT das Origens

Contra a Corrente �

pressão sobre as instituições burguesas. Sendo diferente da nefasta tradição dos stalinistas (PCB, PC do B), ainda assim, qualitativamente, o PT não inovou nesse item, basicamente reafirmou, na prática, a velha cultura que termina tornando os sindicatos pontos de apoio para a política geral da burguesia.

BibliografiaA classe operária na luta contra a ditadura (�964-�980),

Cadernos Estratégia Internacional-Brasil, n.�, julho 2008.CINATTI, Claudia, 2008. Que partido para qual estratégia?

Uma polêmica sobre as frentes “antineoliberais” e os “partidos amplos anticapitalistas”. In revista Estratégia Internacional-Brasil, n.3, maio 2008, p. 4�-74.

GIANNOTTI, Vito, 2007. História das lutas dos trabalhadores no Brasil. São Paulo: Mauad.

KECK, M, �99�. A lógica da diferença. O Partido dos Trabalhadores na construção da democracia brasileira. São Paulo: Ática.

LISBOA, Val, 2008. Algumas lições do ascenso proletário dos anos 70 contra a ditadura e o papel da esquerda. In revista Estratégia Internacional-Brasil, n.3, maio 2008, p. �3-40.

MACIEL, David, 20�0. As raízes ideológicas do PT. In Revista Contra a Corrente n.4, Brasília, setembro 20�0, p. 29-34.

PEDROSA, Mario, �980. Sobre o PT. São Paulo: Ched Editorial.

PETRAS, James, 200�. Brasil e Lula: ano zero. Blumenau, SC: Edifurb.

Trotski: stalinismo é negação do bolchevismo

“É verdade que o stalinismo representa o produto legítimo do bolchevismo, como crê toda a reação, como afirma o próprio Stalin,

como pensam os mencheviques, os anarquistas e alguns doutrinadores de esquerda, que se consideram marxistas? (...) A conclusão a

qual chegamos é a seguinte: evidentemente o stalinismo “surgiu” do bolchevismo; mas não surgiu de uma maneira lógica, senão dialética; não como sua afirmação revolucionária, mas como sua negação termidoriana. Que não é a mesma coisa. (...) O extermínio de toda uma velha geração bolchevique, de grande parte da geração intermediária que havia participado da

guerra civil, e também de uma parte da juventude que havia tomado mais a sério as tradições

bolcheviques, demonstra a incompatibilidade não somente da política como também diretamente

física entre o bolchevismo e o stalinismo. Como é possível que não se veja isto? (...) A burocracia stalinista, além de não ter nada em comum com o marxismo, é também estranha a toda doutrina,

programa ou sistema. Sua “ideologia” está impregnada de um subjetivismo absolutamente policial; sua prática, de um empirismo da mais pura violência. No fundo, os interesses da casta

dos usurpadores é hostil à teoria: não pode prestar contas a si mesma, nem a ninguém, de seu papel

social. Stalin não revisa Marx e Lênin com a pena dos teóricos, mas com as botas da GPU”.

(Bolchevismo e stalinismo de Trotski, 29 agosto �937)

Trotski: certo pensamento confunde stalinismo com bolchevismo

“Os liberais, inclusive o casal Webb, sempre afirmaram que a ditadura bolchevique representa

somente uma nova edição do czarismo�. Para isso fecham os olhos ante detalhes tais como a abolição da monarquia e da nobreza, a entrega

da terra aos camponeses, a expropriação do capital, a introdução da economia planificada, a educação laica etc. Também o pensamento liberal-anarquista fecha os olhos ante o fato

de que a revolução bolchevique, com todas as medidas de repressão, significava a subversão das relações sociais no interesse das massas, enquanto o golpe de Estado termidoriano de Stalin leva em

si o reagrupamento da sociedade soviética em benefício de uma minoria privilegiada.

Está claro que na identificação do stalinismo com o bolchevismo não existe nem vestígio de critério socialista”.

(Bolchevismo e stalinismo de Trotski, 29 agosto �937)

� Sydney (�8�9-�947) e Beatrice (�8�8-�943) Webb: socialistas fabianos ingleses e admiradores da burocracia stalinista.

Trotski: Maiakovski

“Maiakovski é um grande talento, ou, como definiu Block, um imenso talento. É capaz de apresentar as coisas que sempre vemos de tal modo que parecem novas. Maneja as palavras e o dicionário como um audacioso mestre que

trabalha de acordo com suas próprias leis e sem considerar se seu trabalho artesão

agrada ou desagrada”.(Literatura e revolução,

Trotski, p. �2�)