trecho do livro "alma celta"

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Nota ao leitor

Esta obra é uma interpretação do autor dos relatos da mitologia ir­landesa. Sua narração não deve ser considerada um reflexo fiel das lendas conservadas nos manuscritos medievais, mas um tributo à riqueza dos velhos mitos que formam uma parte fundamental – em­bora negligenciada – da herança da cultura ocidental. Toda desse­melhança com a tradição é intencional e com propósitos poéticos. Esta é uma obra de ficção, que pertence ao gênero fantástico.

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Introdução

A cultura do Ocidente nasceu da interação entre a herança judai-co-cristã e a civilização mediterrânea. Grécia e Roma, elas próprias herdeiras de civilizações mais antigas, nos deram as artes visuais, a arquitetura, a filosofia, o pensamento científico, o direito, o con-ceito de Estado, as primeiras concepções sobre democracia e ideias de beleza que ainda marcam nossa cultura e nosso cotidiano.

O pensamento judaico-cristão praticamente norteia todos os códigos morais e legais do Ocidente moderno, afetando cris-tãos e não cristãos, pois seus valores, após séculos de interação (nem sempre tranquila) com a cultura greco-romana, passaram a ser considerados basilares por sociedades espalhadas em todos os continentes.

Em meio a esse diálogo multissecular, que forma o pano de fundo e a moldura de nossa existência, há um ator esquecido. Sua influência é como a de um rio oculto, que aflora aqui e ali, revelan-do-se como lago ou fonte e oferecendo um manancial que traz o sabor arcaico e mineral do ventre escuro da terra. Essa correnteza, que irrompe inesperadamente, é a mitologia celta.

Suas lendas e mitos não são estranhos para nós: o mago sá-bio e poderoso, reis, rainhas, cavaleiros, florestas misteriosas po-voadas por dragões e animais falantes, seres encantados, jornadas em busca de objetos místicos, tarefas perigosas que o herói tem

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que cumprir para obter a glorificação... Conhecemos todas essas figuras que nos ligam diretamente à época – para os que tiveram o privilégio de vivê-la – em que escutávamos, com os ouvidos aten-tos e os olhos arregalados, as histórias de nossas avós. Pois isto é mitologia celta: uma porta que se abre para a infância do homem. Suas lendas fantásticas preenchem o espírito com a natureza vi-brante e imaginativa deste povo, cuja sensibilidade onírica remete o entendimento ao imaginário antigo e primitivo, transfigurando as duras realidades da vida e delas extraindo sua essência.

Este livro tenciona abrir uma fresta dessa porta, deixando que um pequeno vislumbre do mundo passado-presente-eterno dos celtas flua para nossas vidas e complete o cálice do coração de cada um.

Contamos com um seleto grupo de artistas, historiadores e peritos em cultura celta que contempla essa alma, resgatando, revi-sitando e atualizando os valores antigos ao expandir os potenciais dessa temática em uma obra multiartística, essencialmente simbó-lica e multifacetada.

O esmero na construção das simbologias e alegorias, que dialogam linguisticamente com as diferentes formas de arte (mú-sica, dança, literatura, artes gráficas) evidencia Marmor como um projeto singular, agradável àqueles que buscam o entretenimento com qualidade estética. A cada acorde, a cada palavra poética, a cada coreografia, torna-se evidente a busca pelas significações ine-rentes ao espírito atemporal de uma cultura que sempre existiu em nós. Despertam-se os deuses antigos que libertam os falcões e ago-ra sobrevoam a montanha para mergulhar na essência humana. Apenas a apreciação de Marmor!

Bellovesos Isarnos e Eduardo Amaro

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Aspectos histórico-mitológicos

Em uma linguagem acessível, abordaremos alguns dos principais aspectos históricos da mitologia céltica, para que o leitor se situe no mundo do livro. Partes dessa introdução foram extraídas do livro The World of the Druids, de Miranda Jane Aldhouse Green, doutora em arqueologia e chefe do SCARAB (Centro de Pesquisas da Religião, Arqueologia, Cultura e Biogeografia) da Universidade de Gales.

As primeiras referências históricas sobre os povos celtas en-contram-se na literatura grega, por volta de 500 a.C. Escritos gre-gos relatam que os celtas habitavam uma vasta área geográfica, que incluía a França, a Espanha e se estendia até o Danúbio superior, na Europa Oriental. Alguns arqueólogos defendem a gradual “cel-tização” de culturas na Europa Setentrional e Meridional por volta de 1500 a.C., indo desde a Bretanha céltica à Irlanda.

A palavra celta é derivada de “keltoi”, usada pelos antigos his-toriadores gregos para denominar as tribos europeias do Norte. En-tretanto, o termo “celta”, dado aos povos de mesma língua, é uma designação relativamente recente, datada a partir do século XVIII.

Durante os tempos antigos, podemos citar algumas tribos como os gauleses, belgaes, celtiberos, lusitanos, gálatas, bretões e irlandeses. E, conforme relata Júlio César em De Bello Galli­co, durante a conquista da Gália em 50 a.C., os povos que hoje

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consideramos celtas nunca se descreveram como tal, eram reco-nhecidos por seus nomes tribais. Quanto à Irlanda antiga, eles não tinham uma identidade comum até o início da Idade Média, quan-do adotaram o nome gaels (gaélico ou goidélico).

As línguas celtas – aparentadas em terminologia filológica – pertencem ao ramo da família indo-europeia, que inclui grego, latim, urdu (turco), híndi (derivado do sânscrito), iraniano, germâ-nico e línguas eslavas (bálticos). As famílias indo-europeias forma-vam, provavelmente, o grupo de língua mais difundido da Europa. As línguas célticas derivam de dois ramos indo-europeus e são co-nhecidas como: o Celta-P (galo-britânico) e o Celta-Q (goidélico). A divisão entre P e Q se refere a diferenças fonológicas.

Os celtas também introduziram a metalurgia na Europa, dando origem à Idade do Ferro, através das culturas de Hallstatt e La Tène. O sítio arqueológico de Hallstatt, localizado no sudes-te de Salzburgo, na Áustria, foi predominante durante a Idade do Bronze, dando origem à Cultura de Hallstatt (800-450 a.C.). E o sítio arqueológico de La Tène, localizado no lado norte do lago de Neuchâtel na Suíça, deu origem à Cultura de La Tène (450 a.C. até a conquista romana). Estes dois sítios arqueológicos comprovam dois grandes períodos da história no desenvolvimento e manejo de metais. Os achados arqueológicos dessas regiões atestam que os celtas possuíam uma cultura sofisticada, caracterizada por um estilo distinto de arte decorativa e adornos feitos em bronze, ferro e ouro. Apesar do aspecto de bravos guerreiros que jamais temiam a morte, os celtas possuíam um refinamento ímpar e inconfundível, sendo considerados uma sociedade desenvolvida como a dos gre-gos, romanos e germanos.

A civilização celta não era constituída de um único povo, mas de várias tribos que se distribuíam pela Europa Central, a Pe-nínsula Ibérica, as Ilhas Britânicas (incluindo, portanto, a Escócia) e a Irlanda. Apesar de nunca terem construído um império, essa

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cultura foi preservada e transmitida pela tradição oral através dos mitos e das lendas; sua verdadeira origem, portanto, acabou se per-dendo no tempo.

As fontes clássicas greco-romanas, mesmo que sob a pers-pectiva de conquistadores, são as grandes responsáveis por trans-mitirem as histórias dos celtas e, apesar da cristianização, as fontes insulares medievais irlandesas e galesas também apresentam um vasto campo para o estudo.

O universo irlandês foi o que melhor conservou as tradições celtas, pois a Irlanda jamais foi invadida por Roma. Os mitos se mantiveram muito mais precisos e, posteriormente, foram preser-vados em registros escritos por monges cristãos, poetas e escribas medievais, que se ocupavam em traduzir e copiar as lendas e his-tórias contadas entre os celtas e seus descendentes. A escrita dos celtas, propriamente dita, surgiu por volta do século V d.C., com a chegada do cristianismo através do monge São Patrício.

Os mitos irlandeses sofreram modificações conforme o con-texto cristão, como é o caso dos contos irlandeses de Lebor Gabála Érenn ou o Livro das Invasões, uma coleção de manuscritos redigi-dos em forma de poema e prosa, que narram as origens míticas e histórias da Irlanda, compilada por um anônimo no século XI d.C.

Segundo as classificações modernas, os contos celtas mais conhecidos são divididos em quatro grandes ciclos principais:

1º – o ciclo mitológico irlandês: descreve a história mítica da Irlanda e suas origens, com uma série de invasões como as Tuatha Dé Danann (povos mitológicos reconhecidos como deuses irlandeses) até a chegada dos milesianos.

2º – o ciclo de ulster: chamado antigamente de ciclo do Ramo Vermelho, descreve o reinado de Conchobur Mac Ness, rei de Ulster, no início da era cristã, os feitos do herói Cúchulainn e as aventuras dos guerreiros Ulaid.

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3º – o ciclo feniano: contos e baladas sobre a trajetória míti-ca de Finn Mac Cumhail e o Salmão do Conhecimento, além do seu exército de guerreiros, os Fianna.

4º – o ciclo histórico ou dos reis: histórias e feitos dos reis milesianos, que incluem alguns períodos históricos do ciclo de Ulster, presente nos anais irlandeses.

Há ainda outras histórias que não se enquadram em nenhum desses ciclos e que falam sobre aventuras e viagens ao Outro Mun-do, associados ao oeste e à água, conhecidas como Immram ou seu plural Immrama, que significa “navegação(ões)”. Nessas histórias são descritas as jornadas místicas de heróis pelo mar rumo a Tír inna n-Óc, a Ilha da Eterna Juventude, repleta de influência cristã.

Os mitos celtas galeses, por sua vez, foram conservados em onze contos do livro Mabionogion, reunidos em três grupos, além do Livro de Taliesin, numa coletânea de manuscritos em prosa, traduzidos por Lady Charlotte Guest, em 1849. São eles:

– os quatro ramos: “Pwyll, Príncipe de Dyfed”; “Branwen, a Filha de Llyr”; “Manawyddan, o Filho de Llyr” e “Math, o Filho de Mathonwy”.

– contos nativos: “Culhwch e Olwen”; “O sonho de Rho-nabwy”; “O sonho de Macsen Wledig”; “Lludd e Llefelys”.

– romances arthurianos: “Owain ou a Dama da Fonte”; “Peredur, filho de Efrawg” e “Geraint, filho de Erbin”.

Ao estudarmos todo esse material, devemos ter em mente que as traduções do irlandês ou do galês para outras línguas po-dem conter muitos erros. Como se trata de um estudo complexo,

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leva-nos a refletir como a história dos celtas foi estudada ao longo dos anos, principalmente depois das interpretações romanceadas com o surgimento do renascimento celta.

As invasões míticas da Irlanda

Os antigos ancestrais irlandeses, segundo as lendas, descenderam de grupos que povoaram a Ilha de Erin (Irlanda), com a chegada de Cessair e das tribos – partholonianos, nemedianos, firbolg, Tuatha Dé Danann e milesianos – descritas abaixo segundo a tradição do Livro das Invasões:

– cessair: rainha que liderou o primeiro grupo à Irlanda. Conforme a cristianização da lenda, ela era filha de Bith e neta de Noé, que partiu de suas terras quarenta dias antes do dilúvio. Casou-se com Fintan Mac Bochra.

– partholonianos: vieram para Irlanda por volta de tre-zentos anos depois de Cessair e seus seguidores. Eles lutaram contra os fomorianos, raça de gigantes cruéis, violentos, opressivos e, possivelmente, piratas do mar. Além dos partholonianos, os fomorianos lutaram contra os nemedianos e as Tuatha Dé Danann.

– Nemedianos: tribo cujo nome significa “sagrado”, che-garam cerca de trinta anos após a extinção dos partho-lonianos.

– Firbolg: o grupo seguinte a chegar à Irlanda foi o dos firbolgs, os “homens de sacos” (a palavra irlandesa bolg é traduzida como barriga, saco ou foles); são descenden-tes dos nemedianos. Eram ferreiros, mestres do fogo e

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inventores, destinados à guerra e aos trabalhos agrícolas. Chegaram 37 anos antes das tribos de Dana.

– tuatha dé danann: a tribo da deusa Dana é o quin-to grupo a invadir a Irlanda, conquistando a ilha dos firbolgs. Considerados seres divinos e heróis, vindos das “ilhas do norte do mundo”, introduziram na Irlanda a ciência, a magia e o druidismo, além de todas as crenças sobre as fadas. Eles são conhecidos como o grupo mais importante de divindades da mitologia irlandesa.

– Milesianos: guerreiros que vieram da Península His-pânica, atual Península Ibérica, descendentes do líder epônimo Mil Espaine, que era filho de Bilé e neto de Breogan. Último grupo migratório a invadir a Irlan-da, os filhos de Mil derrotaram as Tuatha Dé Danann durante a Batalha de Tailtiu, avançando da Espanha à Irlanda. Eram conhecidos como Soldados da Hispania, nome dado pelos romanos à Península Ibérica, encer-rando assim o Livro das Invasões. Os descendentes de Mil Espaine ou milesianos representam o ramo dos cel-tas goidélicos, considerados ancestrais dos irlandeses modernos.

Ciclo mitológico dos Danann aos milesianos

Conforme as lendas, as Tuatha Dé Danann – tribo dos filhos de Dana, a deusa-mãe desse povo – chegaram à Irlanda no início do mês de maio, na época de Bealtaine, vindas numa nuvem mági-ca. Tudo indica que, ao desembarcarem, incendiaram seus navios para que a fumaça ocultasse a sua chegada.

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As Tuatha Dé Danann tinham pele clara, porte grande, com-pleição robusta e eram hábeis no trabalho de metais, especialmente na fundição e na fabricação de ferramentas, armas e ornamentos. Eram habilidosas também nas artes musicais, poéticas, bem como na arte de curar. Eram consideradas as grandes mestres do druidismo.

Elas vieram das “ilhas do norte do mundo”, provenientes de quatro cidades míticas: Falias, Gorias, Findias e Murias. Em cada uma destas cidades, aprenderam as grandes ciências e estudaram os grandes ofícios com quatro sábios: Fessus, Esrus, Uscias e Se-mias. Cada cidade tinha um chefe como regente e de onde as Tua-tha Dé Danann levaram os quatro dons mágicos, como talismãs, para conquistar a Irlanda.

O primeiro tesouro veio da cidade de Falias: uma pedra cha-mada Lia Fáil, conhecida como a Pedra da Soberania, uma pedra oracular que, ao ser tocada, profetizava com um estrondo quem seria o próximo monarca apto a governar a Ilha Verde (Irlanda). A pedra ficava sobre a colina de Tara.

O segundo tesouro veio de Gorias: uma lança invencível, chamada Gáe Assail ou a Lança da Realeza, que mais tarde passa a pertencer a Lugh. O terceiro tesouro veio de Findias: uma espa-da mágica pertencente a Nuada, que se chamava Claiomh Solais ou Espada da Vitória, da qual ninguém escapava. O quarto tesou-ro veio de Murias: o Grande Caldeirão de Dagda, o Caldeirão da Abundância, que continha alimento inesgotável, podendo alimen-tar um exército inteiro e ainda continuar cheio.

Com estes quatro tesouros mágicos, as Tuatha Dé Danann poderiam derrotar qualquer inimigo. Elas ganharam a Primeira Batalha de Moytura contra o firbolgs, devido a sua superioridade tecnológica e às armas mágicas.

Logo após esse feito, as Tuatha Dé Danann aliaram-se aos fomorianos (antiga raça sobrenatural vinda do mar), mas, depois de algum tempo, ambos tornaram-se inimigos mortais. Sob a

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liderança de Lugh, as Tuatha derrotam os fomorianos na Segunda Batalha de Moytura. Após essa batalha, a Irlanda teve um longo período de paz e prosperidade.

Mais adiante, uma terceira batalha foi travada, dessa vez en-tre as Tuatha e os milesianos, filhos de Mil. Quando Mil trouxe sua família da Irlanda para a Espanha, se estabeleceram na Galícia, noroeste da Espanha. O seu avô Breogan foi para Brigantia (Bra-gança em Portugal), onde construiu uma torre bem alta para que seu filho Ith, tio de Mil, pudesse observar a Irlanda.

Um belo dia, Ith resolveu viajar e explorar a bela ilha, che-gando pacificamente à Irlanda com seus seguidores. Mas, após o mal-entendido de um comentário de Ith sobre as terras verdes, os reis de Danann o assassinaram. Os seguidores escaparam e conse-guiram levar seu corpo.

Quando o corpo chegou de volta à família na Península His-pânica, os filhos de Mil queriam vingar a morte do tio-avô. Então, eles embarcaram com seus guerreiros e suas famílias em 65 navios rumo à Irlanda. O druida e herói chamado Amergin, filho de Mil, foi quem os conduziu.

As Tuatha Dé Danann tentaram evitar o confronto com os milesianos, usando da sua magia para ocultar a ilha em um ne-voeiro. No entanto, Amergin também usou dos seus poderes de druida, entoando um encantamento para dissipar a magia deles.

Os milesianos foram recebidos por Erin, deusa-rainha, que decidiu acolhê-los. Amergin aceitou as boas-vindas, mas não Éber Donn – chefe de uma das frotas e filho de Mil –, ofendendo-a com sua atitude rude. Erin abençoou Amergin e seus familiares e disse que eles iriam prosperar na Irlanda, mas que não haveria futuro para Donn e seus descendentes.

Amergin prometeu que a terra seria nomeada em home-nagem a Erin para sempre. Ele se reuniu com as irmãs da deusa, Banba e Fotla, e depois viajaram para Tara, onde se encontraram

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com os três maridos e reis da Irlanda, Mac Cuill, Mac Cécht, e Mac Gréine. Em seguida, decidiram dar um breve recuo por um período de três dias e três noites, atracados além da nona onda, preparando-se para a batalha.

No entanto, quando os milesianos buscaram a terra de novo, as Tuatha Dé Danann criaram um vento mágico, que levou suas embarcações para longe da costa. Com a tempestade, o navio de Donn acabou naufragando e toda a tripulação se afogou, inclusive ele. E, assim, a profecia de Erin se cumpriu.

Amergin, mais uma vez, entoou um encantamento sobre as ondas do mar para acalmá-las e os milesianos conseguiram vol-tar à terra. Ao desembarcarem novamente na Irlanda, na festa de Bealtaine em maio, no décimo sétimo dia da Lua, Amergin, que foi o primeiro a colocar os pés em solo irlandês, fez a seguinte in-vocação, em forma de poema, reivindicando as terras da Irlanda.

A canção de Amergin

Sou o vento sobre o mar;Sou a onda do oceano;Sou o rugido das ondas;Sou o poderoso boi de combate;Sou o falcão no penhasco;Sou a gota de orvalho no raio de sol;Sou o javali selvagem;Sou o salmão da sabedoria;Sou o lago da planície;Sou a força da palavra;Sou a lança certeira;Sou o fogo que cria o pensamento.Quem ilumina a pedra da montanha, senão eu?Quem sabe o lugar no qual o sol se deita?

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Quem conhece as idades da Lua, senão eu?Quem chama o gado de volta para casa, senão eu?Quem é o deus da forma, da batalha e dos ventos?Quem é que sabe o segredo do dólmen,1 senão eu?

Por fim, os três reis dos Danann e suas rainhas foram mortos na Batalha de Tailtiu. As Tuatha Dé Danann foram derrotadas e obrigadas a recuar para o Outro Mundo, através de colinas sub-terrâneas, o Sídhe, muito além-mar, graças a um feitiço de invisi-bilidade de Manannán. A Irlanda foi dividida entre os irmãos de Amergin, Érimón, que governou o norte, e Éber Finn, o sul.

Em nossa visão pessoal, a canção de Amergin invoca os rei-nos do céu, da terra e do mar com palavras de sabedoria e poder para reivindicar a soberania da terra, a partir do “Eu sou”, pois cada ser carrega em si elementos, ou dúile, que os une à natureza e aos deuses, ou seja, é a integração do homem com o Todo – inter-ligados como um nó celta.

Suas palavras são como um desafio, uma inspiração divi-na que, na língua gaélica, é conhecida como Imbas, a inspiração poé tica, tal como a Awen dos galeses, um frenesi conhecido como “fogo na cabeça”, promovido por estados alterados da consciência. O poema de Amergin revela segredos druídicos, centrados numa longa jornada xamânica, rumo ao Outro Mundo e o seu retorno.

Encerra-se, assim, mais um ciclo da epopeia celta, mas ele se perpetua e as Tuatha Dé Danann apareceriam em muitas outras histórias séculos adiante, comprovando a sua existência divina e imortal.

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