tratamento ortodôntico com aparelho autoligável

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ARTIGO INÉDITO / 74 / ©DentalPress Publishing / Rev Clín Ortod Dental Press. 2015 fev-mar;14(1):74-89 Tratamento ortodôntico com aparelho autoligável Reginaldo Zanelato Mestre em Odontologia, UMESP. Resumo / Várias inovações tecnológicas são introduzidas com frequência no mercado ortodôntico. Entre elas, podemos destacar os aparelhos autoligáveis, que prometem encurtar o tempo de tratamento, pois têm como característica a baixa fricção, que facilita o início do movimento dentário, pela diminuição da resistência inicial à movi- mentação. Essa característica de autoligação, comum a todos os braquetes dessa geração, desperta bastante interesse entre os ortodontistas, pois esses acreditam que os tratamentos ortodônticos tornam-se mais fáceis e rápidos. Durante a movimentação dentária, o atrito pode ser estático ou dinâmico, e está intimamente relacionado com o material do braquete, com o contato do arco com o braquete e, principalmente, com o sistema de amarração. Devido à possibilidade de ter controle sobre essas variáveis que influenciam na movimentação ortodôntica, a escolha do sistema de braquetes deverá estar relacionada com os objetivos do tratamento, ou seja, em casos que demandam grandes movimentações por meio do deslizamento, onde o controle de torque não é relevante, braquetes autoligáveis terão melhor desempenho do que os convencionais. / Palavras-chave / Aparelho autoligável. Atrito. Tempo de tratamento. Como citar este artigo: Zanelato R. Tratamento ortodôntico com aparelho autoligável. Rev Clín Ortod Dental Press. 2015 fev- mar;14(1):74-89. Enviado em: 28/07/2014 - Revisado e aceito: 05/08/2014 Endereço de correspondência: Reginaldo Zanelato Rua Reverendo Coriolano 1490 - CEP 19015-070 - Presidente Prudente / SP - E-mail: [email protected] O autor declara não ter interesses associativos, comerciais, de propriedade ou financeiros que representem conflito de interesse nos produtos e companhias descritos nesse artigo. O(s) paciente(s) que aparece(m) no presente artigo autorizou(aram) previamente a publicação de suas fotografias faciais e intrabucais, e/ou radiografias.

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Reginaldo Zanelato Mestre em Odontologia, UMESP

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Page 1: Tratamento ortodôntico com aparelho autoligável

A R T I G O I N É D I T O

/ 74 / ©DentalPress Publishing / Rev Clín Ortod Dental Press. 2015 fev-mar;14(1):74-89

Tratamento ortodôntico com aparelho autoligável

Reginaldo ZanelatoMestre em Odontologia, UMESP.

Resumo / Várias inovações tecnológicas são introduzidas com frequência no mercado

ortodôntico. Entre elas, podemos destacar os aparelhos autoligáveis, que prometem

encurtar o tempo de tratamento, pois têm como característica a baixa fricção, que

facilita o início do movimento dentário, pela diminuição da resistência inicial à movi-

mentação. Essa característica de autoligação, comum a todos os braquetes dessa

geração, desperta bastante interesse entre os ortodontistas, pois esses acreditam que

os tratamentos ortodônticos tornam-se mais fáceis e rápidos. Durante a movimentação

dentária, o atrito pode ser estático ou dinâmico, e está intimamente relacionado com o

material do braquete, com o contato do arco com o braquete e, principalmente, com o

sistema de amarração. Devido à possibilidade de ter controle sobre essas variáveis que

influenciam na movimentação ortodôntica, a escolha do sistema de braquetes deverá

estar relacionada com os objetivos do tratamento, ou seja, em casos que demandam

grandes movimentações por meio do deslizamento, onde o controle de torque não é

relevante, braquetes autoligáveis terão melhor desempenho do que os convencionais.

/ Palavras-chave / Aparelho autoligável. Atrito. Tempo de tratamento.

Como citar este artigo: Zanelato R. Tratamento ortodôntico com aparelho autoligável. Rev Clín Ortod Dental Press. 2015 fev-

mar;14(1):74-89.

Enviado em: 28/07/2014 - Revisado e aceito: 05/08/2014

Endereço de correspondência: Reginaldo Zanelato

Rua Reverendo Coriolano 1490 - CEP 19015-070 - Presidente Prudente / SP - E-mail: [email protected]

O autor declara não ter interesses associativos, comerciais, de

propriedade ou financeiros que representem conflito de interesse

nos produtos e companhias descritos nesse artigo.

O(s) paciente(s) que aparece(m) no presente artigo

autorizou(aram) previamente a publicação de suas fotografias

faciais e intrabucais, e/ou radiografias.

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O ATRITO DURANTE A MOVIMENTAÇÃO ORTODÔNTICACom a evolução das mecânicas de tratamento e a po-pularização dos aparelhos autoligáveis, faz-se necessário entender os fatores que facilitam ou dificultam o movimen-to dentário, em razão da baixa fricção ser uma das princi-pais vantagens atribuídas aos braquetes autoligáveis, em comparação aos convencionais. O atrito, ou fricção, pode ser definido como a resistência, encontrada durante o mo-vimento dentário, quando o fio ortodôntico e o braquete entram em contato, podendo ser estático ou dinâmico.

O atrito estático é a resistência inicial à movimentação, ou seja, a força aplicada para iniciar o movimento dentário deverá suplantar a inércia (estado de equilíbrio). A mus-culatura, a intercuspidação, o material do braquete, o contato do fio com o braquete e, principalmente, o siste-ma de amarração, interferem no início da movimentação. Peterson, Spencer e Andersen10 encontraram resistência friccional de 100g em um braquete Edgewise slot 0,022" com um arco retangular de 0,019”  x  0,025" instalado. Como a força necessária para mover o dente estaria em torno de 100g, seria necessário empregar 200g de força para iniciar o movimento dentário.

Os braquetes metálicos fabricados em aço inoxidável possuem excelentes propriedades mecânicas, e a es-colha das ligaduras metálicas ou elásticas deve ser um ponto de consideração no tratamento. Ligaduras elásti-cas aumentam o atrito estático, dificultando o início da movimentação. Quanto maior o atrito, maior deverá ser a força aplicada para superá-lo, aumentando, conse-quentemente, os efeitos colaterais. Com a possibilidade de se aplicar uma magnitude de força adequada, au-menta-se a possibilidade de respostas adequadas nos tecidos periodontais, causando movimentações mais eficientes e rápidas, repercutindo nos efeitos colaterais e no tempo de tratamento7.

O atrito dinâmico ocorre, durante o deslizamento dentá-rio, quando o fio ortodôntico se desloca dentro das cana-letas dos braquetes e tubos. As variáveis que interferem nesse tipo de atrito estão relacionadas com o material dos braquetes e dos fios ortodônticos, e, também, com o sistema de amarração. Assim, a escolha do braquete e do sistema de amarração é imprescindível nos casos que demandam extensos movimentos dentários, como nos

fechamentos de espaços das extrações de pré-molares. Nessas situações, os aparelhos autoligáveis têm melhor desempenho do que os aparelhos convencionais.

De acordo com Cotrim-Ferreira7, os profissionais des-preparados, que utilizam sistemas mecânicos que ge-ram demasiado atrito em um aparelho fixo, frequen-temente elevam o nível de força visando solucionar a lentidão dos deslocamentos dentários. Tal atitude oca-siona sobrecarga das unidades de ancoragem, além de poder gerar hialinização e danos teciduais nas regiões envolvidas na movimentação.

AS VANTAGENS DO APARELHO AUTOLIGÁVELQuando se começa a utilizar um “novo conceito de aparelho ortodôntico”, que garante algumas facilida-des — tais como a redução do tempo de tratamento, menor tempo de cadeira ao paciente, mais facilidade para mover os dentes, maior expansão das arcadas e menos casos de extração dentária —, a expectativa em torno do tratamento se eleva, mas muitas vezes os resultados clínicos imediatos são frustrantes. Tais fatos ocorrem em razão da falta de experiência e do des-conhecimento de alguns fatores sobre o conceito de autoligação. Em virtude de ser uma proposta nova de tratamento, introduzida recentemente no mercado, ne-cessita-se de treinamento apropriado para ser utilizada corretamente. Paulatinamente, os resultados obtidos com o uso de tais aparelhos estarão de acordo com nossa expectativa, justificando o investimento. O obje-tivo do presente trabalho é mostrar algumas vantagens atribuídas ao aparelho autoligável, em comparação ao aparelho convencional.

DIMINUIÇÃO DO ATRITOA diminuição da resistência friccional é a principal ca-racterística do aparelho autoligável, assim, observa-se maior facilidade do movimento dentário, principalmente nas fases iniciais do tratamento. O atrito está diretamen-te relacionado ao sistema de amarração e à espessura do fio ortodôntico. Dessa forma, nas fases iniciais do tratamento, nota-se diferença no movimento dentário com o aparelho autoligável e o convencional, em razão de se utilizar arco de baixo calibre e alta resiliência, e, também, devido à ausência de ligaduras convencionais (metálicas ou elásticas). Tal fato permite que o fio perma-neça livre dentro das canaletas dos braquetes.

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Cada vez mais, os braquetes autoligáveis têm desper-tado o interesse dos ortodontistas, uma vez que, nesse sistema, a atividade friccional é consideravelmente redu-zida e a liberação de forças mais leves é possibilitada, facilitando o movimento dentário, reduzindo o tempo de tratamento e otimizando o conforto ao paciente11.

Os principais fatores envolvidos na determinação do nível de fricção são o material de composição dos bra-quetes e dos fios, as condições de superfície dos fios e das canaletas dos braquetes, o calibre do fio, o torque na interface fio-braquete, a distância interbraquetes, o tipo e a força da amarração, a saliva e a influência das funções bucais. Adicionalmente, quanto mais mal po-sicionado estiver o dente, maior será a deflexão do fio; portanto, o contato desse com o braquete faz aumen-tar o atrito estático e a força necessária à movimenta-ção. Quanto maior a área de contato com o material utilizado para amarrar o arco, maior poderá ser o atrito. Nos casos de amarrilhos metálicos, sabe-se que o atri-to estático é significativamente menor, quando compa-rado às ligaduras elásticas; e, se as ligaduras elásticas forem utilizadas em forma de “8”, o atrito será ainda maior (de 70 a 220% maior)9.

Em algumas situações clínicas, dificulta-se o desloca-mento dentário com a utilização de ligaduras elásticas sobre o arco onde os dentes estão sendo movimenta-dos. A Figura 1 mostra os caninos sendo distalizados com lacebacks e os braquetes amarrados com ligadu-ras elásticas, dificultando o movimento dentário, pelo aumento do atrito estático. Nessa situação, é necessá-rio aumentar a força aplicada sobre os caninos; esse excesso de força repercute nos efeitos colaterais e no tempo de tratamento.

INTENSIDADE DA FORÇA DE MOVIMENTAÇÃOComo a característica principal do aparelho autoli-gável é a diminuição da fricção durante o movimen-to dentário, a força aplicada necessária para iniciar a movimentação é menor, repercutindo positivamente nos efeitos colaterais, danos teciduais e no tempo de tratamento. Normalmente, o excesso de força traduz--se em perda de ancoragem molar e de inclinação dos incisivos, efeitos, esses, indesejáveis durante a fase ini-cial do tratamento. Os braquetes autoligáveis passivos não aceitam excesso de força e sobreativações, pois

tais situações acarretam em considerável perda de in-clinação anterior, em razão da deficiência no controle de torque. Assim, cabe aos ortodontistas entenderem esse conceito e aplicá-lo corretamente, diminuindo a força durante as ativações do aparelho e aumentando os intervalos entre as consultas de controle.

Com a possibilidade de se usar braquetes autoligáveis e fios de alta flexibilidade — que reduzem o nível de força aplicada —, minimizam-se os danos teciduais no ligamento periodontal. Aplicando-se um nível de força adequado, ocorrerá diminuição de áreas hialinas e de le-sões na camada cementoblástica, que poderiam induzir reabsorções radiculares.

REDUÇÃO DO TEMPO DE TRATAMENTO E MAIOR INTERVALO ENTRE AS CONSULTASQuando comparado com o aparelho convencional li-gado, o uso de braquetes autoligáveis pode diminuir o tempo de tratamento de quatro a seis meses, também reduzindo o tempo de cadeira para as trocas de arcos4.

Por meio de uma revisão sistematizada da literatura, Chen et al.5 afirmaram que a diminuição do tempo de cadeira e a menor inclinação vestibular dos incisivos infe-riores, ao redor de 1,5°, são as principais diferenças entre os aparelhos autoligáveis e os sistemas convencionais. Não foram encontradas diferenças entre os dois sistemas quanto ao tempo de tratamento e características oclusais pós-tratamento. Quanto à estabilidade pós-tratamento, estudos adicionais são necessários.

Figura 1: Ligadura elástica sobre os lacebacks, dificultando a

retração dos caninos nos casos de extração de pré-molar.

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Essa diminuição no tempo total de tratamento será mais bem expressa nas fases iniciais, principalmente durante o alinhamento e nivelamento, fase em que o atrito está-tico estará reduzido, facilitando o movimento dentário. Já na fase de arcos retangulares, o atrito é significativa-mente aumentado, em razão do aumento da espessura do fio ortodôntico.

A incapacidade de alguns ortodontistas em verificar o melhor desempenho do fio de níquel-titânio ativo sobre os demais ocorre porque o fio não é mantido por tempo suficiente. Recomenda-se que os de liga termoativada sejam mantidos na boca por 10 a 12 semanas, pois a liberação da força após a deformação é suave e gra-dual. Esses intervalos mais prolongados entre as ativa-ções são intrigantes porque a manutenção desses fios instalados por mais tempo permite a verticalização dos dentes e a expansão lenta das arcadas dentárias sem provocar efeitos colaterais, como a fenestração óssea e o aumento exagerado da inclinação vestibular dos inci-sivos, fatos que causam instabilidade2.

Assim, quando se usa braquetes autoligáveis e fios de alta flexibilidade (Fig. 2, 3), há uma inserção total do fio dentro da canaleta. Dessa forma, recomenda-se que o fio permaneça por mais tempo, o que evita as trocas mensais de fios realizadas durante o tratamento com aparelho convencional. A manutenção desses fios por mais tempo permite que os dentes se movimentem para áreas de menor resistência, causando expansões lentas das arcadas dentárias sem forçar o nivelamento.

DESVANTAGENS DO APARELHO AUTOLIGÁVELO objetivo do presente trabalho é descrever algumas desvantagens atribuídas ao sistema de aparelhos au-toligáveis, pois tais informações serão importantes para fundamentar a escolha do sistema de braquetes de acordo com os objetivos do tratamento. As opi-niões são relativamente convergentes no que tange às desvantagens do sistema autoligável: alto custo, perfil mais alto dos braquetes, maior possibilidade de desconforto nos lábios e possibilidade de interferên-cias oclusais, falhas no controle rotacional e dificul-dade na finalização dos casos, devido à expressão incompleta dos arcos retangulares.

CONTROLE DE TORQUEO controle de torque é um dos pontos críticos de um tratamento ortodôntico (Fig. 4 a 9), devido à falta de ex-pressão total de alguns sistemas de braquetes durante as mecânicas de tratamento. Para que haja a expressão de torque nos braquetes pré-ajustados, recomenda-se preencher totalmente a canaleta com um arco ideal (ca-libre total) ou pressionar o arco contra o fundo da cana-leta dos braquetes, pois nesses sistemas de braquetes o torque está contido na base dos braquetes.

Thiesen et al.12 escreveram sobre a importância do con-trole de torque durante algumas fases do tratamento, como, por exemplo, na fase de fechamento de espaços das extrações, bem como em casos tratados de ma-neira compensatória que visam mascarar discrepâncias esqueléticas das bases ósseas.

Figura 2, 3: Utilização de braquetes autoligáveis passivos e fio de alta flexibilidade com inserção total do arco na canaleta, notando-se,

algum tempo depois, bom alinhamento da arcada dentária superior.

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De acordo com Bennett3, algumas características im-portantes devem ser observadas durante a seleção dos braquetes para um tratamento ortodôntico. O controle de torque ainda é um grande problema para os braque-tes de aletas duplas, considerando-se a obtenção da sua expressão total. Sendo assim, alguns fatores devem ser observados, como a precisão na manufatura dos braquetes (as aletas devem ser paralelas); espessura da base do braquetes, ou seja, quanto mais próxima da superfície dentária, mais o torque se expressará; a efi-ciência do mecanismo de fechamento da canaleta e a dimensão do braquete, pois os braquetes pequenos têm mais dificuldade em expressar torque.

Fica evidente que a escolha do sistema de braque-tes está diretamente relacionada aos objetivos do tratamento; assim, em casos que demandam melhor controle de torque, deve-se optar por braquetes con-vencionais ou autoligáveis que permitam ligaduras con-vencionais — por expressarem melhor a prescrição de torque, dando, com isso, maior segurança à execução das mecânicas de tratamento.

CONSIDERAÇÕES SOBRE A FORMA E A EXPANSÃO DA ARCADA DENTÁRIAEntre todas as vantagens atribuídas ao sistema de bra-quetes autoligáveis, a mais controversa é, seguramente, a expansão progressiva das arcadas dentárias, realiza-da com a intensão de ganhar espaços para diminuir a quantidade de casos de extração dos pré-molares.

A manutenção da forma original da arcada dentária durante o tratamento ortodôntico é considerada um dos principais critérios de estabilidade pós-tratamento. A  forma original da arcada dentária deve ser um guia para o tratamento ortodôntico. Assim, alterações drásti-cas em sua forma poderão estar associadas a recidivas severas pós-tratamento.

Na tentativa de desenvolver conceitos e parâmetros para a obtenção da forma do arco ideal, Andrews e An-drews1 definiram o conceito da borda Wala, uma linha imaginária, imediatamente acima da junção mucogen-gival (Fig. 10). Segundo os autores, essa é uma refe-rência estável aos efeitos ambientais e, ainda, passível

Figura 4, 5, 6: Em casos de uso prolongado de elástico de Classe II, recomenda-se utilizar ligaduras elásticas nos dentes anteroinfe-

riores, para a expressão do torque lingual resistente contido nos braquetes.

Figura 7, 8, 9: Caso finalizado, tratado com aparelho autoligável passivo SmartClip13, prescrição MBT, e elástico intermaxilar de Classe II.

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de mensuração, permitindo a aferição do contorno ideal das arcadas dentárias, individualmente, para cada pa-ciente. Existe uma correlação direta entre os pontos centrais das coroas clínicas e a borda Wala. Os caninos inferiores, em vista oclusal, deverão estar sobrepostos à borda; e os primeiros molares inferiores, distantes em 2mm. Quando os valores estiverem próximos dessas médias, não é boa ideia planejar a expansão da arcada dentária inferior, pois haverá uma grande possibilidade de mover as raízes através das corticais alveolares.

Segundo Consolaro et al.6, a movimentação ortodôntica de dentes em contato e/ou através das corticais tende a intensificar as forças no ligamento periodontal, pois falta elasticidade a essas estruturas. Induzir a movimen-tação ortodôntica sobre a borda Wala não só aumenta as chances de recidiva na prática ortodôntica, mas tam-bém pode aumentar o risco de reabsorções dentárias maiores e clinicamente mais significativas.

Se houver expansão sem controle das arcadas dentá-rias, com a utilização de aparelhos autoligáveis e fios ortodônticos suaves, contenções permanentes podem prevenir recidivas. Entretanto, o uso prolongado dessas contenções, mantendo a sobre-expansão da distância intercaninos em uma região instável, com pouco suporte ósseo, poderá levar a um colapso periodontal severo e de difícil tratamento4.

Durante a execução de um diagnóstico para definir o plano de tratamento, pode-se encontrar casos com extração e casos de expansão. Assim, cabe ao orto-dontista estar preparado para tomar a decisão correta, mediante as várias linhas de diagnósticos e os diversos protocolos de tratamentos exaustivamente estudados ao longo do tempo.

CONSIDERAÇÃO SOBRE A MECÂNICA DE TRATAMENTO COM APARELHO AUTOLIGÁVELA mecânica de tratamento com o sistema de aparelho autoligável está embasada em três pilares fundamentais, sendo: fios de alta tecnologia, desarticulação dentária inicial e uso precoce de elásticos intermaxilares (Fig. 11).

Os fios de ligas termoativadas devem ser utilizados nas fases iniciais do tratamento com o sistema de braquetes autoligáveis. Tal fato dá-se em razão desses fios serem

Figura 10: Modelo de estudo inferior: em vermelho, a borda

Wala, que serve como referência para o contorno ideal da arcada

dentária; em verde, a linha do centro das coroas clínicas. Nes-

se modelo em questão, permite-se o planejamento de expansão

para ganhar espaço, pois os centros das coroas clínicas estão

distantes da referência.

Figura 11: Conceitos básicos da mecânica com braquetes

autoligáveis.

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bastante flexíveis e possuírem alta resiliência, permitindo a inserção total do fio dentro das canaletas dos braque-tes. Outro ponto que deve ser observado é o aumento dos intervalos entre as trocas de arco, em razão do de-sempenho dessas ligas, que liberam forças de maneira suave e gradual.

Outro conceito é a desarticulação inicial da oclusão, sendo uma manobra que permite que os dentes fiquem livres das forças oclusais, possibilitando uma movimen-tação dentária mais rápida e eficiente. Existem várias maneiras de se desarticular os dentes, podendo-se atuar tanto no setor anterior quanto no posterior. No pa-ciente braquifacial, recomenda-se atuar no setor ante-rior, com placas acrílicas removíveis ou stops palatinos, para permitir a extrusão dos dentes posteriores. Já no padrão dolicofacial, recomenda-se a desarticulação no setor posterior, com blocos de acrílicos oclusais, para inibir a extrusão posterior e melhorar o controle vertical dos molares durante o tratamento (Fig. 12, 13).

O uso de elásticos nas fases iniciais e intermediárias do tratamento também é recomendado no sistema de bra-quetes autoligáveis. Como se faz necessário iniciar an-tes o uso dos arcos retangulares superelásticos, para se obter maior eficiência do controle rotacional e de torque, elásticos leves (2oz) intermaxilares estarão bem indica-dos nessas fases do tratamento. Já na fase de arco de trabalho (retangular 0,019” x 0,025”), os elásticos mé-dios devem ser recomendados (4oz) (Fig. 14).

O ponto frágil da mecânica de tratamento com o sis-tema autoligável é que, em alguns casos, torna-se um sistema “elástico-dependente”. Se tivermos em mãos um paciente colaborador, que usa os elásti-cos de maneira correta, a mecânica funcionará bem. Em contrapartida, quando o paciente não cumpre sua parte durante o tratamento, o sistema não funcionará bem; assim, mecânicas convencionais de tratamen-to deverão ser aplicadas, inviabilizando a escolha por braquetes autoligáveis.

Figura 12, 13: Métodos de desarticulação dentária: stops palatinos e resina oclusal.

Figura 14: Elástico intermaxilar médio (4oz), usado na fase de

arco retangular de 0,019” x 0,025".

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Figura 15, 16: Fotografias faciais iniciais.

DESCRIÇÃO DE CASO CLÍNICO 1Paciente do sexo feminino (Fig. 15 a 43), com 11 anos e 6 meses de idade ao início do tratamento ortodôntico. Apresentava padrão mesofacial de crescimento, com suave Classe III esquelética.

O apinhamento anteroinferior estava em torno de 5mm, e a ausência de sobremordida profunda inviabilizava o tra-tamento sem extrações dentárias. Foi utilizado, para o tratamento ortodôntico, o sistema autoligável passivo Smart-Clip, com a prescrição de braquetes MBT.

Figura 17, 18, 19: Fotografias intrabucais iniciais.

Figura 20, 21, 22: Modelos de estudos iniciais em vistas frontal e laterais.

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Perfil esquelético e relação das

bases

85

850.0

Figura 23, 24: Modelos de estudo iniciais, em vistas oclusais.

Figura 25: Radiografia panorâmica

inicial.

Figura 26, 27: Telerradiografia e

valores cefalométricos iniciais.SNA ........... 82°SNB ........... 80°ANB ........... 02°

Ocl.SN ....... 14°GoGn.SN ... 32°GnSN ......... 67°Mx.SN ......... 7°

15

25613

30

52541

1

3

20

243

118

6933

10

8723

-6

Padrão do Esqueleto Cefálico

Arcos Dentais x

Bases Apicais

Análise Comparativa

R. Inter-bases

Análise Facial Esp. Lábio .....Ân. Lab ..........NA-Nar ...........

Wits...............

1. P1 Mx ... 110°1-AP ......... 5mm1-P1 Mand .. 95°1-AP ......... 2mm

FH.Md ....... 26°Mx.Md ....... 28°FH.Mx ....... 02°

A-NFH .... 0mmP-NFH ... -4mm

1.NA .......... 22°1-NA ....... 4mm1.NB ......... 25°1-NB ...... 4mmP-NB ..............

Inic

ial

Inte

rmed

iária

Fina

l

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/ 83 /©DentalPress Publishing / Rev Clín Ortod Dental Press. 2015 fev-mar;14(1):74-89

Figura 37, 38: Fotografias intrabucais finais em vistas oclusais.

Figura 28, 29, 30: Aparelho autoligável SmartClip, na fase inicial do tratamento ortodôntico.

Figura 31, 32, 33: Fase de fechamento de espaços com arco de trabalho de 0,019” x 0,025", de aço inoxidável.

Figura 34, 35, 36: Fotografias intrabucais finais.

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/ 84 / ©DentalPress Publishing / Rev Clín Ortod Dental Press. 2015 fev-mar;14(1):74-89

Figura 39: Telerradiografia final. Figura 40: Radiografia panorâmica final.

Figura 41, 42, 43: Fotografias faciais finais.

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Figura 44, 45: Fotografias faciais iniciais.

Figura 46, 47, 48: Fotografias intrabucais iniciais.

Figura 49, 50, 51: Modelos iniciais, em vistas frontal e laterais.

DESCRIÇÃO DE CASO CLÍNICO 2Paciente do sexo feminino (Fig. 44 a 73), com 17 anos e 6 meses de idade ao início do tratamento ortodôntico. Apresentava padrão mesofacial de crescimento, com uma moderada Classe II esquelética.

A relação interarcadas inicial era de Classe II, medindo 5mm do lado direito e 3m do lado esquerdo. Apresentava, também, sobremordida profunda e agenesia de um incisivo inferior.

Para solucionar o caso, foi recomendado aparelho autoligável SmartClip, prescrição MBT, combinado com placa de acrílico anterior, para levantar a mordida, e elástico intermaxilar de Classe II.

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Figura 52, 53: Modelos de estudo em vistas oclusais.

Figura 54: Radiografia panorâmica inicial.

Figura 55, 56: Telerradiografia e medidas

cefalométricas iniciais.Perfil

esquelético e relação das

bases

Padrão do Esqueleto Cefálico

Arcos Dentais x

Bases Apicais

Análise Comparativa

R. Inter-bases

Análise Facial Esp. Lábio .....Ân. Lab ..........NA-Nar ...........

Wits ..............

1. Pl Mx ... 110°1-AP ......... 5mm1-Pl Mand .. 95°1-AP ......... 2mm

FH.Md ....... 26°Mx.Md ....... 28°FH.Mx ....... 02°

A-NFH .... 0mmP-NFH ... -4mm

1.NA .......... 22°1-NA ....... 4mm1.NB ......... 25°1-NB ...... 4mmP-NB ..............

Ocl.SN ....... 14°GoGn.SN ... 32°GnSN ......... 67°Mx.SN ......... 7°

SNA ........... 82°SNB ........... 80°ANB ........... 02°

Inic

ial

Inte

rmed

iária

Fina

l

81,9

79,22,7

7,2

28,565,44,7

23,0

6,423,53,83,0

-0,4

-2,8

23,3

25,9-2,5

109,75,5

93,70,5

9,2

116,127,9

4,5

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Tratamento ortodôntico com aparelho autoligável

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Figura 57, 58, 59: Fase inicial do tratamento ortodôntico, utilizando o aparelho autoligável passivo SmartClip e placa acrílica anterior.

Figura 66, 67: Fotografias intrabucais finais, em vistas oclusais.

Figura 60, 61, 62: Fase de arcos de trabalho retangulares de 0,019” x 0,025".

Figura 63, 64, 65: Fotografias intrabucais finais.

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Zanelato R

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Figura 68: Telerradiografia final. Figura 69: Radiografia panorâmica final.

Figura 70, 71: Fotografias faciais finais.

Figura 72, 73: Fotografias do sorriso.

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Tratamento ortodôntico com aparelho autoligável

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CONSIDERAÇÕES FINAISOs atuais avanços tecnológicos introduzidos na Or-todontia têm como objetivo facilitar a prática diária, oferecendo soluções de tratamentos mais simples e mais objetivas.

Seguramente, os conceitos que regem a Ortodontia como ciência não mudaram. Conceitos, esses, que já foram exaustivamente estudados ao longo dos anos. Ao  meu ver, realizar um bom diagnóstico é essencial para o sucesso de um tratamento, e a seleção dos bra-quetes estará na dependência do objetivos de cada tra-tamento. Assim, em casos clínicos em que se necessite de um melhor controle de torque, os aparelhos ligados convencionais superarão os sistemas autoligáveis.

ABSTRACTOrthodontic treatment with self-ligating applianceSeveral technological innovations are frequently intro-duced into the orthodontic market, among which we

can point out self-ligating appliances. The use of such appliances emphasize reduction in treatment time, as they have low friction as a feature, which makes the initiation of tooth movement easier by reducing the initial resistance to movement. Self-ligating ap-pliances have raised great interest among clinicians, as they believe that orthodontic treatment becomes easier and faster. During tooth movement, friction can be static or dynamic, being closely related to the bracket material, contact between the archwire and the bracket and, mainly, the ligating system. Due to the possibility of having control over these variables, which influence orthodontic movement, the choice of bracket system should be related to treatment goals. In other words, in cases that demand a great amount of dental movement by means of sliding mechanics, in which torque control is not relevant, self-ligating brackets will present a better performance when compared to conventional brackets. / Keyword / Self-ligating appliance. Friction. Treatment time.