tratados de direitos humanos

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  • 120 R. CEJ, Braslia, n. 18, p. 120-124, jul./set. 2002

    OS TRATADOSINTERNACIONAIS DEDIREITOS HUMANOS

    COMO FONTE DOSISTEMA

    CONSTITUCIONAL DEPROTEO DE DIREITOS

    DIREITOS HUMANOS

    Valrio de Oliveira Mazzuoli

    RESUMO

    Demonstra que a Constituio brasileira de 1988 consagrou, no que tange ao seu sistema de direitos e garantias, uma dupla fonte normativa, sendouma delas os tratados internacionais de proteo dos direitos humanos ratificados pelo Estado brasileiro.Examina de que forma a Carta Magna de 1988, influenciada pela nova ordem internacional instaurada finda a Segunda Grande Guerra, abriu-sedefinitivamente para o sistema internacional de proteo de direitos.Verifica como os tratados internacionais de proteo aos direitos humanos integram-se Constituio e como tais instrumentos passam a ser fontedo nosso rol de direitos e garantias constitucionalmente protegidos.Busca, por fim, dar um novo enfoque questo das relaes entre o Direito Internacional e o Direito interno, no que toca proteo internacional dosdireitos humanos e seu impacto no Direito brasileiro.

    PALAVRAS-CHAVEConstituio Federal de 1988; Direito Internacional; direitos humanos; tratado internacional; Direito interno.

  • 121R. CEJ, Braslia, n. 18, p. 120-124, jul./set. 2002

    INOVAO CONSTITUCIONAL

    A Constituio de 1988,alcunhada de cidad, foi omarco fundamental para oprocesso da institucionalizao dosdireitos humanos no Brasil. Erigindoa dignidade da pessoa humana aprincpio fundamental, pelo qual aRepblica Federativa do Brasil deve-se reger no cenrio internacional,instituiu a Carta de 1988 um novo valorque confere suporte axiolgico a todosistema jurdico brasileiro e que deveser sempre levado em consideraoquando se trata de interpretar quais-quer das normas constantes doordenamento jurdico ptrio.

    Nessa esteira, a Carta de 1988,seguindo a tendncia do constitu-cionalismo contemporneo de seigualar hierarquicamente os tratadosde proteo dos direitos humanos snormas constitucionais, deu umgrande passo rumo abertura dosistema jurdico brasileiro ao sistemainternacional de proteo de direitos,quando, no 2 do seu art. 5, deixouestatudo que: Os direitos e garantiasexpressos nesta Constituio noexcluem outros decorrentes doregime e dos princpios por elaadotados, ou dos tratados interna-cionais em que a Repblica Fede-rativa do Brasil seja parte.

    A inovao, em relao sCartas anteriores, diz respeito referncia aos tratados internacionaisem que a Repblica Federativa doBrasil seja parte. Tal modificao,referente a estes instrumentos inter-nacionais, alm de ampliar os meca-nismos de proteo da dignidade dapessoa humana, veio tambm reforare engrandecer o princpio da pre-valncia dos direitos humanos,consagrado pela Carta de 1988 comoum dos princpios pelo qual a Rep-blica Federativa do Brasil deve-sereger em suas relaes internacionais(CF, art. 4, II). E isso fez com que semodificasse sensivelmente a inter-pretao relativa s relaes doDireito Internacional com o Direitointerno, no que toca proteo dosdireitos fundamentais, coletivos esociais. Basta pensar que a inserodos Estados em um sistema supraes-tatal de proteo de direitos, comseus organismos de controle inter-nacional, fortalece a tendnciaconstitucional em limitar o Estado eseu poder em prol da proteo esalvaguarda dos direitos humanosuniversalmente reconhecidos.

    O processo de internaciona-lizao dos direitos humanos, assim,

    teve fundamental importncia para aabertura democrtica do Estadobrasileiro, que passou a afinar-se comos novos ditames da nova ordemmundial a partir de ento estabe-lecida. Essa abertura, por sua vez,contribuiu enormemente para ainsero automtica dos tratadosinternacionais de direitos humanos naordem jurdica brasileira e para aredefinio da cidadania no mbito doDireito brasileiro.

    OS TRATADOS INTERNACIONAIS DEDIREITOS HUMANOS COMO FONTEDO SISTEMA CONSTITUCIONAL DE

    PROTEO DE DIREITOS

    Da anlise do 2 do art. 5 daCarta brasileira de 1988, percebe-seque trs so as vertentes, no textoconstitucional brasileiro, dos direitose garantias individuais: a) direitos egarantias expressos na Constituio,a exemplo dos elencados nos incs. Iao LXXVII do seu art. 5, bem comooutros fora do rol de direitos, masdentro da Constituio, como agarantia da anterioridade tributria,prevista no art. 150, III, b, do TextoMagno; b) direitos e garantias impl-citos, subentendidos nas regras degarantias, bem como os decorrentesdo regime e dos princpios pelaConstituio adotados, e c) direitos egarantias inscritos nos tratadosinternacionais em que a RepblicaFederativa do Brasil seja parte.

    A Carta de 1988, com a dis-posio do 2 do seu art. 5, deforma indita, passou a reconhecer deforma clara, no que tange ao seusistema de direitos e garantias, umadupla fonte normativa: aquela ad-vinda do Direito interno (direitosexpressos e implcitos na Consti-tuio, estes ltimos decorrentes doregime e dos princpios por elaadotados), e; outra advinda do DireitoInternacional (decorrente dos tratadosinternacionais de direitos humanosem que a Repblica Federativa doBrasil seja parte). De forma expressa,a Carta de 1988 atribuiu aos tratadosinternacionais de proteo dosdireitos humanos devidamente rati-ficados pelo Estado brasileiro acondio de fonte do sistema cons-titucional de proteo de direitos egarantias. Tais tratados passam a serfonte do sistema constitucional deproteo de direitos no mesmo planode eficcia e igualdade daquelesdireitos, expressa ou implicitamente,consagrados pelo texto constitu-cional, o que justifica o status denorma constitucional que detm tais

    instrumentos internacionais no orde-namento brasileiro. E esta dualidadede fontes que alimenta a completudedo sistema significa que, em caso deconflito, deve o intrprete optarpreferencialmente pela fonte queproporciona a norma mais favorvel pessoa protegida, pois o que se visa a otimizao e a maximizao dosistema (interno e internacional) dedireitos e garantias individuais1.

    A clusula aberta do 2 doart. 5 da Carta da Repblica de 1988,assim, est a admitir visivelmente queos tratados internacionais de proteodos direitos humanos ratificados pelogoverno ingressam no ordenamentojurdico brasileiro no mesmo grauhierrquico das normas constitu-cionais, e no em outro mbito dehierarquia normativa.

    Se a Constituio estabeleceque os direitos e garantias nelaelencados no excluem outrosprovenientes dos tratados interna-cionais em que a Repblica Fede-rativa do Brasil seja parte, porqueela prpria est a autorizar que essesdireitos e garantias internacionaisconstantes dos tratados internacionaisratificados pelo Brasil se incluem nonosso ordenamento jurdico interno,passando a ser considerados comose escritos na Constituio estives-sem, ou seja, a Constituio os incluino seu catlogo de direitos prote-gidos, ampliando, assim, o seubloco de constitucionalidade2.

    Grande parte da doutrinaconstitucionalista brasileira, infe-lizmente, parece no ter se aper-cebido do grande passo dado pelolegislador constituinte de 1988 nadisposio do 2 do art. 5 daConstituio, que faz agora referncia expresso tratados internacionais,no encontrada nas Cartas anteriores.O Prof. Celso D. de AlbuquerqueMello, a esse respeito, cita vriosautores brasileiros, como ManoelGonalves Ferreira Filho, Ivo Dantas,Pinto Ferreira, Alcino Pinto Falco eJos Cretella Jnior, que, ao comen-tarem o citado dispositivo, nolevaram em considerao as conse-qncias da insero da referidaexpresso tratados internacionaisnaquele dispositivo. E a concluso doProf. Celso Albuquerque Mello foi: Oque se pode dizer que os cons-titucionalistas brasileiros de um modogeral ignoram o Direito InternacionalPblico e no sabem aplic-lo. Noh por parte deles nenhuma meno questo das relaes entre o DI e oD. interno. Ou ainda, no se referemao status das normas dos tratados

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    dos Direitos Humanos perante o D.interno. Eles se esqueceram at deverificar os anais da Constituinte ondeveriam que havia alguma novidade,vez que, como j afirmamos, umaproposio do internacionalistaCanado Trindade 3.

    medida que a Constituiodeixa de prever determinados direitose garantias, e encontrando-se talpreviso nos tratados internacionaisde proteo dos direitos humanos emque a Repblica Federativa do Brasil parte, tais instrumentos sobrepem-se toda legislao infraconsti-tucional interna por ter a Carta Magnaequiparado, no mesmo grau dehierarquia normativa, os direitos egarantias nela constantes quelesadvindos de tratados internacionaisde direitos humanos ratificados peloEstado brasileiro.

    Como bem sustenta a Prof.Flvia Piovesan, quando a Carta da1988 em seu art. 5, 2, dispe que(...) os direitos e garantias expressosna Constituio no excluem outrosdireitos decorrentes dos tratadosinternacionais, porque a contrariosensu, est ela (...) a incluir, nocatlogo dos direitos constitucio-nalmente protegidos, os direitosenunciados nos tratados interna-cionais em que o Brasil seja parte.Este processo de incluso implica aincorporao pelo texto constitucionaldestes direitos 4.

    E isso significa, na intelignciado art. 5, 2, da ConstituioFederal, que o status do produtonormativo convencional, no que tange proteo dos direitos humanos, nopode ser outro que no o de ver-dadeira norma materialmente cons-titucional. Diz-se materialmenteconstitucional, tendo em vista nointegrarem tais tratados, formalmente,a Carta Poltica, o que demandaria umprocedimento de emenda Cons-tituio, previsto no art. 60, 2, oqual prev que tal proposta (...) serdiscutida e votada em cada Casa doCongresso Nacional, em dois turnos,considerando-se aprovada se obtiver,em ambos, trs quintos dos votosdos respectivos membros. Integramos tratados de proteo dos direitoshumanos, entretanto, o contedomaterial da Constituio, o seu blocode constitucionalidade.

    A Constituio, no 2 do seuart. 5, no se refere lei, mas to-somente aos direitos por ela, Cons-tituio, assegurados, ou inscritosnos tratados internacionais em que aRepblica Federativa do Brasil sejaparte. De modo que se uma lei

    contemplar outro direito ou garantiaque no esteja previsto na Cons-tituio, esta lei, sem ferir o textoconstitucional, poder ser revogadapor outra que lhe seja posterior.Entretanto, se tal direito ou garantiavier expresso em tratado de direitoshumanos ratificado pelo Estadobrasileiro, a lei interna no poderrevog-lo, diante do status de normaconstitucional que detm os dispo-sitivos desses tratados5.

    Assim, entenda-se, os direitosinternacionais provenientes de trata-dos, em face da clusula de no-excluso do 2 do art. 5 da Cartade 1988, passam a incluir-se nochamado bloco de constitucio-nalidade, e no no texto constitu-cional propriamente dito. E assimsendo, como explica Carlos Weis, (...)o artigo que confere ao SupremoTribunal Federal poder de decidirsobre a constitucionalidade detratado internacional (art. 102, III, b)no pode ser aplicado aos quetenham por objeto direitos humanos,os quais () possuem privilgiohierrquico em relao aos demais,conferido pela Constituio Federal de1988, em ateno sua natureza efinalidade 6.

    No se declara a inconstitu-cionalidade de direitos e garantiasfundamentais. So eles clusulasptreas, no podendo ser abolidosnem mesmo pela via de emenda

    Constituio. E a situao dostratados de proteo dos direitoshumanos no outra. Gozando taisinstrumentos de hierarquia constitu-cional, e ingressando, conseqen-temente, no chamado bloco deconstitucionalidade, ou seja, nocatlogo dos direitos e garantiasfundamentais protegidos, fica tam-bm impedida, por parte do SupremoTribunal Federal, qualquer declaraode inconstitucionalidade no que dizrespeito aos direitos e garantias nelescontidos. Sendo considerados normasconstitucionais, d-se por despre-zado qualquer argumento que possasustentar o seu no-cumprimento oua sua no-aplicao7.

    Em suma, tanto os direitoscomo as garantias constantes dostratados internacionais de proteodos direitos humanos de que o Brasilseja parte, passam, com a ratificaodesses instrumentos, a integrar o roldos direitos e garantias constitu-cionalmente protegidos, ampliandoconsideravelmente o ncleo mnimodos direitos constitucionalmenteprotegidos8.

    H de se enfatizar, porm, queos demais tratados internacionais queno versem sobre direitos humanosno tm natureza de norma cons-titucional; mas natureza de normainfraconstitucional (supralegal, nopodendo, contudo, ser revogados porlei posterior), extrada justamente docitado art. 102, III, b, da Carta Magna,que confere ao Supremo TribunalFederal a competncia para (...)julgar, mediante recurso extraor-dinrio, as causas decididas em nicaou ltima instncia, quando a decisorecorrida: b) declarar a inconstitu-cionalidade de tratado ou lei federal.O termo inconstitucionalidade dostratados, frise-se, surgiu pelaprimeira vez com a Carta de 1967,emendada em 1969, que atribua aoSupremo Tribunal Federal a com-petncia para (...) julgar, medianterecurso extraordinrio, as causasdecididas em nica ou ltima instnciapor outros tribunais, quando a decisorecorrida declarar a inconstitucio-nalidade de tratado ou lei federal (art.119, III, b). Neste caso, como sepercebe com facilidade, perfeita-mente vlida a declarao de incons-titucionalidade dos instrumentosinternacionais tradicionais ou co-muns pelo Pretrio Excelso.

    primeira vista, a conclusoextrada do dispositivo a de que ostratados internacionais (tradicionais oucomuns, to-somente) apresentam amesma hierarquia jurdica das leis

    Como se j no bastasseo status constitucionalatribudo pela Carta de

    1988 aos tratadosinternacionais de

    proteo dos direitoshumanos, ressalte-se que

    tais tratados, pordisposio tambm

    expressa da Constituio,passam a incorporar-seautomaticamente emnosso ordenamento, a

    partir de suas respectivasratificaes.

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    federais, sendo, portanto, aplicvel nocaso de conflito a regra lex posteriorderogat priori. Foi inclusive com basenesse dispositivo que o STF passoua adotar a j comentada teoria daparidade, equiparando o tratado sleis federais. Os tratados interna-cionais (comuns) incorporados aoordenamento brasileiro esto, naescala hierrquica das normas, numaposio intermediria, situando-seabaixo da Constituio, mas acima dalegislao infraconstitucional, nopodendo ser revogados por leiposterior, posto que os tratados tmsua forma prpria de revogao que a denncia.

    No demais recordar que adeciso da Excelsa Corte que deu aostratados internacionais o mesmo grauhierrquico das leis infraconstitu-cionais, no Recurso Extraordinrio n.80.004-SE, de 1977, alm de ter sidoproferida antes da entrada em vigorda Constituio de 1988, tratava dematria atinente ao Direito Comercial;estranha, por conseguinte, ao objetodo Direito Internacional dos direitoshumanos.

    Dessa forma, mais do quevigorar como lei interna, os direitos egarantias fundamentais proclamadosnas convenes ratificadas peloBrasil, por fora do mencionado art.5, 2, da Constituio Federal,passam a ter o status de normaconstitucional. A isto se acrescenta oargumento, sustentado por boa parteda doutrina publicista, de que ostratados de direitos humanos tmsuperioridade hierrquica em relaoaos demais acordos internacionais decarter mais tcnico, pois formamtodo um universo de princpios no-convencionais imperativos, chamadosde jus cogens, que, como j se viuanteriormente, no podem ser der-rogados por tratados internacionais,por deterem uma fora obrigatriaanterior a todo o Direito positivo. Taisregras de jus cogens, a exemplo dosdireitos humanos fundamentais,assim, tm o carter de serem normasimperativas de Direito Internacionalgeral, sendo consideradas aceitas ereconhecidas pela comunidadeinternacional dos Estados, em seuconjunto, como normas que noadmitem acordo em contrrio (direito imperativo para os Estados) eque somente podem ser modificadaspor uma norma ulterior de DireitoInternacional geral que tenha, ade-mais, o mesmo carter. Dessa forma,somente surgindo nova norma deDireito Internacional geral que ostratados existentes que estejam em

    oposio com esta norma se tornaronulos e terminaro.

    A hierarquia constitucional dostratados de proteo dos direitoshumanos no serve apenas decomplemento parte dogmtica daConstituio, implicando, ainda, oexerccio necessrio de todo o poderpblico a incluso o Judicirio , emrespeitar e garantir a plena vignciadesses instrumentos. Disto decorreque a violao de tais tratadosconstitui no s responsabilidadeinternacional do Estado, mas tambmviolao da prpria Constituio queos erigiu categoria de normasconstitucionais.

    Aqueles que resistem a estasoluo tanto no Brasil, como emoutros pases que elegeram ostratados de proteo dos direitoshumanos como normas prevalentes apelam, no mais das vezes, para ato antiga doutrina da soberaniaestatal absoluta que a seus juzosficaria desvirtuada ou prejudicada bem como para a supremacia daConstituio. No falta tambm ainvocao ao poder constituinte, soba infundada alegao de que admitirque os tratados internacionais deproteo dos direitos humanos tmstatus de norma constitucional (ousupraconstitucional, se levarmos emconsiderao a tendncia mundial deproteo de direitos) seria o mesmoque anular de vez a participao dosrgos do poder constitudo noprocesso de formao das leis.

    Tais argumentos, nas palavrasde Bidart Campos, traduzem umaescassssima capacidade de absor-o das tendncias que, aos fins denosso sculo, exibem o DireitoInternacional e o Direito Constitucionalcomparado. Ademais, no revisar osconceitos e os modelos tradicionaisdo poder constituinte e da supremaciaconstitucional a fim de introduzir-lhesos reajustes que o ritmo histrico dotempo e as circunstncias mundiaisreclamam, significa, certamente,paralisar a doutrina constitucional comcongelamentos que eqivalem aatraso9.

    Como se j no bastasse ostatus constitucional atribudo pelaCarta de 1988 aos tratados interna-cionais de proteo dos direitoshumanos, ressalte-se que tais trata-dos, por disposio tambm expres-sa da Constituio, passam a incor-porar-se automaticamente em nossoordenamento, a partir de suas res-pectivas ratificaes. a conclusoque se extrai do mandamento do 1do art. 5 da nossa Carta Magna, que

    assim dispe: As normas definidorasdos direitos e garantias fundamentaistm aplicao imediata.

    A insero desta norma noTtulo correspondente aos direitos egarantias fundamentais na CartaMagna de 1988 fora influenciada, porcerto, pelo anteprojeto elaborado pelaComisso Afonso Arinos, que, emseu art. 10, continha preceito seme-lhante, o qual estabelecia que (...) osdireitos e garantias desta Constituiotm aplicao imediata.

    Frise-se que o 1 do art. 5da Constituio de 1988 d aplicaoimediata a todos os direitos e garan-tias fundamentais, sejam estesexpressos no texto da Constituioou provenientes de tratados, vincu-lando-se todo o Judicirio nacional aesta aplicao, e obrigando, porconseguinte, tambm o legislador, aincludo o legislador constitucional.Seu mbito material de aplicaotranscende o catlogo dos direitosindividuais e coletivos insculpidos nosarts. 5 a 17 da Carta da Repblica,para abranger ainda outros direitos egarantias expressos na mesmaConstituio (mas fora do catlogo),bem como queles decorrentes doregime e dos princpios por elaadotados e dos tratados internacionaisem que a Repblica Federativa doBrasil seja parte; tudo, consoante aregra do 2 do seu art. 5.

    justamente este ltimo caso(aplicao imediata dos tratadosinternacionais de direitos humanos)que nos interessa neste estudo. Seas normas definidoras dos direitos egarantias fundamentais tm aplicaoimediata, os tratados internacionaisde proteo dos direitos humanos,uma vez ratificados, por tambmconterem normas que dispem sobredireitos e garantias fundamentais,tero, dentro do contexto consti-tucional brasileiro, idntica aplicaoimediata. Da mesma forma que soimediatamente aplicveis quelasnormas expressas nos arts. 5 a 17da Constituio da Repblica, o so,de igual maneira, s normas contidasnos tratados internacionais de direitoshumanos de que o Brasil seja parte.

    Atribuindo-lhes a Constituioa natureza de normas constitu-cionais, passam os tratados deproteo dos direitos humanos, pelomandamento do citado 1 do seuart. 5, a ter aplicabilidade imediata,dispensando-se, desta forma, aedio de decreto de execuo paraque irradiem seus efeitos tanto noplano interno como no plano interna-cional. J nos casos de tratados

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    internacionais que no versem sobredireitos humanos, este decreto,materializando-os internamente, faz-se necessrio. Em outras palavras,com relao aos tratados inter-nacionais de proteo dos direitoshumanos, foi adotado no Brasil omonismo internacionalista kelse-niano, dispensando-se da siste-mtica da incorporao o decretoexecutivo presidencial para seuefetivo cumprimento no ordenamentoptrio, de forma que a simplesratificao do tratado por um Estadoimporta a incorporao automtica desuas normas respectiva legislaointerna.

    Ressalte-se que todos osdireitos inseridos nos referidostratados, incorporando-se imediata-mente no ordenamento interno bra-sileiro (CF, art. 5, 1), por seremnormas tambm definidoras dosdireitos e garantias fundamentais,passam a ser clusulas ptreas dotexto constitucional, no podendo sersuprimidos, nem mesmo por emenda Constituio (CF, art. 60, 1, IV). o que se extrai do resultado dainterpretao dos 1 e 2, do art. 5da Lei Fundamental, em cotejo com oart. 60, 4, IV, da mesma Carta. Issoporque, o 1, do art. 5, da Cons-tituio da Repblica, como se viu,dispe expressamente que (...) asnormas definidoras dos direitos egarantias fundamentais tm aplicaoimediata.

    Aceitar, pois, o ingresso dostratados internacionais de proteodos direitos humanos com hierarquiaigual ou superior a das normasconstitucionais significa, ao contrriodo que pensam os autores adeptosda soberania estatal absoluta, deixara Constituio mais intensa e commelhor aptido para operar com oDireito Internacional.

    SNTESE CONCLUSIVA

    Os tratados internacionais deproteo dos direitos humanosratificados pelo Estado brasileiro sofonte do sistema constitucional deproteo de direitos, pois ingressamna ordem jurdica brasileira com ndolee nvel constitucional, conferindosuporte axiolgico interpretao detodo o nosso Direito interno.

    Alm do status de normaconstitucional, tais tratados tmaplicao imediata na ordem jurdico-brasileira a partir da ratificao. Almdisso, os direitos e garantias advindosdesses instrumentos internacionais,uma vez integrados ao ordenamento

    brasileiro, passam a ser clusulasptreas do texto constitucional, nopodendo ser abolidos sequer poremenda Constituio. Conseqen-temente os tratados internacionais deproteo dos direitos humanos emque a Repblica Federativa do Brasilseja parte so insusceptveis dedenncia.

    A Constituio brasileira de1988 est perfeitamente apta a operarcom o Direito Internacional, bastandoque os operadores do Direito perce-bam o grande passo dado pelolegislador constituinte no que tange incorporao dos tratados deproteo dos direitos humanos noordenamento brasileiro. o que sedeseja e se espera.

    1 CAMPOS, German J. Bidart. Tratadoelemental de derecho constitucionalargentino. Tomo III. Buenos Aires: EdiarSociedad Annima, 1995. p. 282.

    2 MAZZUOLI, Valrio de Oliveira. Direitoshumanos, Constituio e os tratadosinternacionais: estudo analtico da situaoe aplicao do tratado na ordem jurdicabrasileira. So Paulo: Juarez de Oliveira,2002. p. 233-252. Pelo status consti-tucional dos tratados de direitos humanos,vide tambm: TRINDADE, Antnio AugustoCanado: A interao entre o direitointernacional e o direito interno na proteodos direitos humanos. In: A incorporaodas normas internacionais de proteo dosdireitos humanos no direito brasileiro. 2. ed.San Jos, Costa Rica/Braslia: IIDH (et alli),1996. p. 210 ss.; PIOVESAN, Flvia.Direitos humanos e o Direito constitucionalinternacional. 4. ed. So Paulo: MaxLimonad, 2000. p. 73-94; e Temas dedireitos humanos. So Paulo: MaxLimonad, 1998. p. 34-38; SILVA, JosAfonso da. Poder constituinte e poderpopular: estudos sobre a Constituio. SoPaulo: Malheiros, 2000. p. 195-196; eMAGALHES, Jos Carlos de. O SupremoTribunal Federal e o direito internacional:uma anlise crtica. Porto Alegre: Livrariado Advogado, 2000. p. 64 e ss.

    3 MELLO, Celso D. de Albuquerque. O 2do art. 5 da Constituio Federal. In:TORRES, Ricardo Lobo (org.). Teoria dosdireitos fundamentais. 2. ed. rev. e atual.Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 17-18.

    4 PIOVESAN, op. cit., p. 73.5 MAGALHES, op. cit., p. 64-65.6 WEIS, Carlos. Direitos humanos contem-

    porneos. So Paulo: Malheiros, 1999.p. 33-34.

    7 CAMPOS, op. cit., p. 287-288.8 Sobre o impacto jurdico de tais tratados no

    ordenamento brasileiro, vide MAZZUOLI,op. cit., p. 265-271; para o impacto dostratados de direitos humanos na ordeminternacional, p. 323-325.

    9 CAMPOS, German J. Bidart. El derecho dela Constitucion y su fuerza normativa.Buenos Aires: Ediar Sociedad Annima,1995. p. 455-456.

    NOTAS BIBLIOGRFICAS

    BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR

    FIORATI, Jete Jane & BREVIGLIERI, Etiene.Direitos humanos e jurisprudnciainternacional: uma breve anlise das decisesda Corte Interamericana de Direitos Humanos.In: DANIELLE ANNONI (org.). Os novos conceitosdo novo direito internacional: cidadania,democracia e direitos humanos. Rio de Janeiro:Amrica Jurdica, 2002.MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Direitoshumanos & relaes internacionais. Campinas:Ag Juris, 2000.________ . Tratados internacionais. So Paulo:Juarez de Oliveira, 2001.________ . Direito internacional: tratados edireitos humanos fundamentais na ordemjurdica brasileira. Rio de Janeiro: AmricaJurdica, 2001.________ . Direitos humanos, cidadania eeducao: do ps-Segunda Guerra novaconcepo introduzida pela Constituio de1988. In: DANIELLE ANNONI (org.). Os novosconceitos do novo direito internacional:cidadania, democracia e direitos humanos. Riode Janeiro: Amrica Jurdica, 2002.

    ABSTRACT

    Valrio de Oliveira Mazzuoli Professorde Direito Internacional Pblico e DireitosHumanos na Faculdade de Direito dePresidente Prudente-SP e de DireitoConstitucional na Universidade do OestePaulista UNOESTE.

    The author demonstrates that theBrazilian Constitution, dated 1988,consecrated a double source of legislationdouble source of legislationdouble source of legislationdouble source of legislationdouble source of legislationin relation with its system of rights andguarantees, being one of them the internationaltreaties to protect the human rights ratified bythe Brazilian State.

    He examines the way the BrazilianConstitution of 1988, influenced by the newinternational order which has popped up afterthe Second World War, has been definitelyopened to the international system of rightsprotection.

    He verifies how the international treatiesto protect human rights are convenientlyblended to the Constitution and how suchinstruments have become the source source source source source of ourlist of rights and guarantees constitutionallyprotected.

    He aims, at the end, to enlighten thequestion concerning the relations between theInternational Law and the domestic Law,concerning the international protection systemof the human rights and its impact on theBrazilian domestic Law.

    KEYWORDS Brazilian Constitution of1988; International Law; human rights;international treaty; domestic Law.