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TRATADO DAS AÇÕES – TOMO II AÇÕES DECLARATIVAS Tábua sistemática das matérias Parte I Ações declarativas em geral Capítulo I Conceito e natureza da ação declarativa § 1º. Conceito de ação declarativa . 1. Fixação conceptual e Ciência do Direito. 2. Finalidade das ações declarativas § 2º. Dados históricos . 1. Direito romano. 2. Idade Média. 3. Direito luso-brasileiro. 4. Direito brasileiro. 5.Direito alemão. 6. Outros Estados. 7. Inglaterra e Estados Unidos da América. 8. Direito das gentes Capítulo II Ação declarativa, interesse e extensão § 3º. Interesse na declaração . 1. Interesse, objetivo e fim. 2. Interesse jurídico em declaração. 3. Pretensão declarativa. 4. Relação jurídica e declaração § 4º. Declaração positiva e declaração negativa . 1. Existência e inexistência da relação jurídica. 2. Relação jurídica declarável. 3. Eficácia preponderante. 4. Interesse jurídico na declaração e pressupostos. 5. Interesse especifico na declaração § 5º Documento e ação declarativa. 1. Documento. 2. Autenticidade e falsidade do documento. 3. Subscrição ou indicação de pessoa imaginária; falsidade ou falsificação dos requisitos da letra de câmbio. 4. Atos e silên- cio confirmativos. 5. Incontagiabilidade da falsidade ou da falsificação § 6º. Exame do interesse jurídico . 1. Precisões. 2. Fatos e provas § 7º Efeitos da propositura das ações declarativas . 1.Eficácia em direito material. 2. Eficácia em direito processual. 3. Litispendência. 4. Eficácia de preceito. 5.Ônus da prova na ação declarativa § 8º Sentença em ação declarativa . 1. Eficácia preponderante da sentença. 2. Coisa julgada material e ex- ecução. 3. Propositura da ação condenatória após sentença de declaração. 4. Ação condenatória e ação ex- ecutiva. 5. Condenação nas custas § 9º Espécies de ação declarativa em geral . 1. Ação declarativa positiva. 2. Ação declarativa negativa. 3. Ex- istência de relação juridica, ou não-existência e existência ou não-existência do que se aponta como documento § 10. Eficácia da ação declarativa . 1. Eficácia preponderante. 2. Eficácia imediata e eficácia mediata § 11. Prescrição e ações declarativas . 1. Distinções relevantes. 2. Casos de prescrição

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TRATADO DAS AÇÕES – TOMO II AÇÕES DECLARATIVAS

Tábua sistemática das matérias

Parte I

Ações declarativas em geral

Capítulo I

Conceito e natureza da ação declarativa § 1º. Conceito de ação declarativa. 1. Fixação conceptual e Ciência do Direito. 2. Finalidade das ações declarativas § 2º. Dados históricos. 1. Direito romano. 2. Idade Média. 3. Direito luso-brasileiro. 4. Direito brasileiro. 5.Direito alemão. 6. Outros Estados. 7. Inglaterra e Estados Unidos da América. 8. Direito das gentes

Capítulo II

Ação declarativa, interesse e extensão § 3º. Interesse na declaração. 1. Interesse, objetivo e fim. 2. Interesse jurídico em declaração. 3. Pretensão declarativa. 4. Relação jurídica e declaração § 4º. Declaração positiva e declaração negativa. 1. Existência e inexistência da relação jurídica. 2. Relação jurídica declarável. 3. Eficácia preponderante. 4. Interesse jurídico na declaração e pressupostos. 5. Interesse especifico na declaração § 5º Documento e ação declarativa. 1. Documento. 2. Autenticidade e falsidade do documento. 3. Subscrição ou indicação de pessoa imaginária; falsidade ou falsificação dos requisitos da letra de câmbio. 4. Atos e silên-cio confirmativos. 5. Incontagiabilidade da falsidade ou da falsificação § 6º. Exame do interesse jurídico. 1. Precisões. 2. Fatos e provas § 7º Efeitos da propositura das ações declarativas. 1.Eficácia em direito material. 2. Eficácia em direito processual. 3. Litispendência. 4. Eficácia de preceito. 5.Ônus da prova na ação declarativa § 8º Sentença em ação declarativa. 1. Eficácia preponderante da sentença. 2. Coisa julgada material e ex-ecução. 3. Propositura da ação condenatória após sentença de declaração. 4. Ação condenatória e ação ex-ecutiva. 5. Condenação nas custas § 9º Espécies de ação declarativa em geral. 1. Ação declarativa positiva. 2. Ação declarativa negativa. 3. Ex-istência de relação juridica, ou não-existência e existência ou não-existência do que se aponta como documento § 10. Eficácia da ação declarativa. 1. Eficácia preponderante. 2. Eficácia imediata e eficácia mediata § 11. Prescrição e ações declarativas. 1. Distinções relevantes. 2. Casos de prescrição

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Parte II

Ação declarativa típica

Capítulo I

Conceito e extensão da ação declarativa típica

§ 12. Tentativas de conceituação. 1. Precisões. 2. Interesse jurídico em que se declare § 13. Declaração positiva e declaração negativa de ação. 1. Ações e existência. 2. Perigo de lide. 3. Pesos § 14. Documento autêntico ou falso. 1. Documento, autenticidade e falsidade. 2. Conceito de autenticidade. 3.Conceito de falsidade.4.Falsidade e vícios do conteúdo. 5. Cheque e subscrição

Capítulo II

Ações declarativas típicas e exemplificações freqúentes § 15. Ações concernentes ao direito autoral de personalidade. 1. Direito de personalidade. 2. Ações pro-poníveis § 16. Ações concernentes ao direito autoral de nominação. 1. Espécies em que há direito autoral de nominação. 2. Espécies em que não há direito autoral denominação § 17. Ação declarativa de nome. 1. Tutela do nome e ação declarativa. 2. Pessoas jurídicas e tutela do nome. 3. Ação declarativa oriunda do direito ao pseudônimo § 18. Ação declarativa de curador especial. 1. Instituição de curador especial. 2. Incapacidade superveniente § 19. Ação declarativa de vínculo conjugal e de sociedade conjugal. 1. Celebração de casamento. 2. Ação declarativa de dissolução do casamento. 3. Sociedade conjugal § 20. Ação declarativa de direito pessoal e de dívida pessoal. 1. Ação declarativa de crédito ou outro direito pessoal. 2. Ação declarativa de dívida. 3. Ações no tocante à prestação futura. 4. Ação declarativa de resolução e ação constitutiva negativa § 21. Ação declarativa do comprador e do vendedor. Preliminares. 2. Ação declarativa § 22. Ação declarativa do mutuante e do mutuário. 1.Ação declarativa do mutuante. 2. Ação declarativa do mutuário § 23. Direitos reais e ações declarativas. 1. Direitos reais e ação declarativa. 2. interesse na ação. 3. Cumu-labilidade. 4. Condomínio e comunhão “pro diviso”. 5. Declaração negativa de direitos reais ou de limitações ao conteúdo do direito de propriedade. 6. Ação declarativa e pretensões dominiais mobiliárias. 7. Tempo e de-claração. 8. Ação declarativa e direitos incorporados a títulos e direitos documentados. 9. Direito dominial, direitos reais e constrições § 24. Ações declarativas oriundas do direito de propriedade industrial. 1. Ação declarativa e patente. 2. Ação declarativa e registro. 3. Indicação de proveniência e ação declarativa. 4. Ação declarativa negativa e ação

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negatória. 5. Ação declarativa e determinação da abrangência da indicação de procedência. 6. Patente de modelo de utilidade. 7. Ação declarativa após expiração do prazo da patente de invenção. 8. Concorrência desleal e ação declarativa típica § 25. Ações de tutela de direitos reais limitados. 1. ‘Acho confessoria” e ações possessórias no direito anterior. 2. Direito vigente § 26. Ação declarativa típica e direitos reais limitados. 1.Servidões ou outros direitos reais e declaração. 2. Eficácia. 3. Ônus da prova. 4. Pretensão à declaração da enfiteuse. 5. Pretensão à declaração da existência e extensão do uso, do usufruto ou do direito de habitação. 6. Ação declarativa e direito real sobre renda de imóvel. 7. Existência do direito de hipoteca ou do penhor. 8. Declaração concernente a enfiteuse. 9. Ação declarativa e direito de retenção § 27. Figurantes e objetos da relação jurídica processual. 1. Partes na ação declarativa. 2. Pluralidade sub-jetiva. 3. Ação declarativa tipica e sua extensão. 4. Declaratividade e eficácia § 28. Reconvenção e ação declarativa. 1. Contestação e convenção. 2. Pressupostos da reconvenção. 3.Ação declarativa em reconvenção § 29. Duração e ação declarativa. 1. Imprescritibilidade. 2. Tempo e declaração. 3. Sentença em ação de-clarativa

Parte III

Ações declarativas especiais

Capítulo 1 Conceito e natureza das ações declarativas especiais § 30. Declaratividade preponderante. 1. Conceito. 2. Natureza das ações declarativas especiais. 3. Comparação com a ação declarativa típica § 31. Eficácia declarativa. 1. Distribuição eficacial. 2.Análise das ações declarativas especiais

Capítulo II

Ação de consignação em pagamento § 32. Natureza da ação de consignação em pagamento. 1. Dados preliminares. 2. Execução pelo devedor § 33. Análise da ação de consignação em pagamento. 1. Oblação e depósito. 2. Regras jurídicas que incidem. . Legitimação ativa. 4. Fundamento da ação. 5.Tempo para o pedido de consignação em pagamento. 6. Citação do credor. 7. Contraprestação e depósito com cláusula. 8. Escolha que cabe ao credor. 9.Principio de economia § 34. Processo da ação de consignação em pagamento. 1. Citação. 2. Disputa da prestação. 3. Lugar do depósito e lugar da execução. 4. Suficiência satisfativa do depósito. 5. Contestação pelo réu. 6. Litispendência § 35. Eficácia sentencial. 1. Eficácia da sentença favorável. 2. Comparecimento do credor para receber. 3. Contrato de depósito. 4. Cognição completante. 5. Comparência sem contestação

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§ 36. Atos processuais e prazos. 1. Curador especial. 2.Contagem do prazo para a contestação. 3. Curso or-dinário. 4. Termo de entrega. 5. Levantamento pelo devedor, até quando pode ser feito. 6. Despesas com o depósito. 7. Credor desconhecido ou dúvida quanto ao credor. 8. Dia do recebimento, dependendo de legiti-mação. 9. Citação e interesse do não-citado. 10. Falta de acordo. 11. Entrega da prestação. 12. Não-depósito. 13. Comparência. 14. Arrecadação

Capítulo III

Ação de demarcação de terras § 37. Limites entre prédios. 1. Limitações ao conteúdo do direito de propriedade e abuso do direito. 2. Direito romano. 3. Objeto da demarcação e da deslindação § 38. Eficácia da pretensão e da sentença. 1. Natureza da pretensão e da sentença. 2. Pretensão à demarcação. 3. Limites ainda não fixados § 39. Ações proponíveis. Propriedade e posse. 2. Reivindicação e demarcação. 3. Demarcação e usucapião. § 40. Natureza da ação de demarcação. 1. Ação real.2. Legitimação ativa. 3. Prescrição da ação. 4. Prova a § 41. Sentença na ação de demarcação. 1. Força da sentença. 2. Reivindicação e demarcação

Capítulo IV

Ação de usucapião § 42. Aquisição da propriedade imóvel ou móvel por usucapião. 1. Não se adquire “de alguém” pela usucapião. 2. Espécies de usucapião. 3. Requisitos da usucapião (direito material). 4. Se a regra jurídica de presunção de boa-fé, se há justo título, incide em matéria de usucapião § 43. Suspensão e interrupção do prazo de usucapião. 1. Remissão ás regras jurídicas sobre prescrição. 2. Sus-pensão. 3. Condição suspensiva, prazo não expirado e pendência de ação de evicção. 4. Interrupção § 44. “Successio in usucapionem”. 1. Morte e usucapião. 2. Sucessão universal entre vivos. 3. ‘Successio in usucapionem”, no direito brasileiro § 45. “Accessio possessionis”. 1. Posse e acessão pretória. 2. “Accessio possessionis”, fora da proteção da posse. 3. “Accessio possessionis” na usucapião, segundo o direito brasileiro § 46. Pressupostos da usucapião por tempo longo. 1. Conteúdo da regra jurídica sobre usucapião por tempo § 47. Pressupostos da usucapião por tempo breve. 1. “Tempus”, ‘bona fides”, “titulus iustus”. 2. “Res babilis”. 3. Boa-fé. 4. Justo título § 48. Ação de usucapião. 1. Ação de usucapião. 2. Processo. 3. Eficácia da sentença. 4. Efeito mandamental. 5.

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Posse própria imediata § 49. Remédio jurídico processual da usucapião. 1. Legitimação ativa. 2. Legitimação passiva. 3. Justificação prévia. 4. Ineficácia e nulidade. 5. Citação de todos

Capítulo V

Ação “embutida” de pagamento de impostos e taxas § 50. Impostos, taxas e processos. 1. Principio geral. 2. Partilha. 3. Pagamento dos impostos e taxas § 51. Natureza da ação “embutida” de pagamento de impostos e taxas. 1. Embutimento de ações. 2. Ação de impostos e taxas

Capítulo VI

Ação declarativa de herança vacante e ação declarativa de bens vagos

§ 52. Ações declarativas concernentes a bens da herança vacante e bens vagos de ausente. 1. Preliminares. 2. Força declarativa § 53. Ação dos credores da herança após o trânsito em julgado da decisão sobre a vacância. 1. Julgamento da vacância. 2. Ação dos credores. 3. Natureza da ação dos credores

Capítulo VII

Ação declarativa em caso dc simulação § 54. Simulação absoluta inocente. 1. Inocência e inocência da simulação. 2. Função integrativa do juiz. 3.Inexistência do ato jurídico simulado, figurantes e terceiro legitimados à ação declarativa. 4. Ato aparente na simulação absoluta § 55. Simulação relativa inocente. 1. Simulação relativa e inocência. 2. Legitimação de terceiros. 3. Falta de pressuposto § 56. Ação declarativa de aparência por simulação absoluto inocente. 1. Simulação absoluta inocente. 2. A ação de anulação por simulação e a ação declarativa negativa. 3. Prova e irrenunciabilidade da ação § 57. Ação declarativa em caso de simulação inocente relativa. 1. Validade do ato jurídico dissimulado.2. Invalidade do ato dissimulado

Capítulo VIII

Ação declarativa e incapacidade civil

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§ 58. Ações de declaração da cessação da incapacidade civil. 1. Causas de cessação da incapacidade civil. 2. Casamento e cessação da incapacidade civil. 3. Natureza da sentença. 4. Putatividade do casamento. 5. Casamento precipitado. 6. Emprego público efetivo e cessação da incapacidade civil. 7. Grau científico em curso de ensino superior e cessação de incapacidade. 8.Eficácia “ipso iure” § 59. Estabelecimento civil ou comercial, com economia própria, e cessação da incapacidade. 1.Origens da regra jurídica. 2. “Usos modernos”

Capítulo IX

Ação declarativa da extinção “ipso iure” de fundação ou de sociedade § 60. Extinção “ipso iure” de fundação. 1. Distinções.2.Pressupostos para a ação declarativa da extinção da fundação § 61. Ações declarativas de extinção de sociedades.1.Precisões. 2. Dissolução e liquidação

Capítulo X

Acões declarativas de filiação § 62. Filiação. 1. Impugnação indireta da filiação. 2.Ação declarativa negativa. 3. Família, parentesco e ação declarativa § 63. Filiação e declaração. 1. Ação de declaração negativa da filiação. 2. Ação de declaração positiva da filiação

Capítulo XI

Ação declarativa, construção e passagem forçada § 64. Direito de construir e ação declarativa. 1. Construção e demolição. 2. Direito de entrada para obras e ações declarativas § 65. Passagens em terras e edifícios. 1. Passagem forçada e fixação judicial do rumo. 2. Ações proponíveis § 66. “Exceptio rei inter alios iudicatae”. 1. Coisa julgada e negação de eficácia. 2. Terceiro e defesa contra eficácia de julgado. 3. Eficácia sentencial

Capítulo XII

Ação de abertura da sucessão definitiva § 67. Relação jurídica existente. 1. Sucessão provisória. 2. Cessação da sucessão provisória § 68. Sucessão definitiva. 1. Conceito. 2. Conseqúências da decisão favorável § 69. Ação vocatária e convite ao ausente para entrar na posse dos bens arrecadados. 1. “Vocatio in ius”. 2. Eficácia da ação e da decisão

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Capítulo XIII

Ações declarativas incidentais § 70. Habilitação para casamento posterior ao ato. 1.Celebração em caso de risco de vida. 2.Habilitação pos-terior ou protraida § 71. Incidentalidade da ação de falsidade e eficácia preponderante. 1. Declaração incidental de falsidade. 2. Repercussão jurídica do falso. 3. Instrumentos públicos.4.Ação independente de falsidade. 5. Legitimação proc-essual ativa e procedimento da ação incidental de falsidade § 72. Pressupostos da ação. 1. Eficácia suspensiva da propositura. 2. De que documento se pode tratar. 3.Petição inicial § 73. Processo da ação incidental de falsidade.1. Forma e rito do processo. 2. Provas admissíveis. 3.Exame de livros e originais arquivados. 4. Natureza da ação incidental de falsidade. 5. Falta do documento original. 6. Competência judicial. 7. Incidente ocorrido no segundo grau de jurisdição. 8. Eficácia suspensiva, a qualquer tempo. 9. Falsidade de provas não documentais § 74. Ação de verificação de créditos contra pessoa falecida. 1. Pessoa falecida e dividas. 2. Natureza da ação § 75. Outras ações declarativas incidentais. 1. Exemplificação. 2. Pré-exclusões. 3. Pressupostos das ações declarativas incidentais

Capítulo XIV

Ação de habilitacão incidental § 76. Habilitações e suas espécies. 1. Conceito e processo de habilitação incidental. 2. Ações de herança e habilitação incidental. 3. Habilitação autoral e habilitação defensiva. 4. Habilitação ativa e habilitação passiva. 5. Legitimação processual ativa. 6. Dispensa da sentença em habilitação incidental do cônjuge. 7. Dispensa da sentença, se há coisa julgada material de alguma sentença. 8. Dispensa da sentença em caso de confissão. 9. Réu revel e herdeiro que ainda não aceitou a herança. 10. Dissolução e liquidação das sociedades. ii. Petição e citação. 12. Coisa julgada material e decisão em matéria de habilitação. 13. Habilitação incidental e coisa julgada em outra causa. 14. Cessionário. 15. Sub-rogado. 16. Interesse no prosseguimento e interesse na inserção na relação jurídica processual. 17. Alusão pelo juiz. 18. Habilitação no segundo grau de jurisdição. 19. Falecimento da parte antes da remessa do recurso. 20. Preparo e julgamento.21. Natureza da ação de habilitação. 22. Suspensão do procedimento e não-suspensão § 77. Ação de declaração de crédito no processo de concordata. 1. Créditos e processo de concordata. 2.Eficácia sentencial § 78. Ação de cumprimento da concordata. 1. Natureza da ação. 2. Eficácia da sentença

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Capítulo XV

Declaratividade imediata e declaratividade mediata § 79. Relevância da eficácia declarativa imediata. 1. Coisa julgada material. 2. Ações constitutivas, conde-natórias, mandamentais e executivas e pesos de declaração § 80. Relevância da eficácia declarativa mediata. 1.Coisa julgada material. 2. Peso de declaratividade mediata

Parte 1

Ações declarativas em geral

Capítulo 1

Conceito e natureza da ação declarativa

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§ lº Conceito de ação declarativa 1.Fixação conceptual e ciência do direito. O conceito de ação declarativa é que leva a rigorosa e científica classificação das ações. Dai delas termos falado, suficientemente, como das outras espécies de ações, no Tomo 1. Aqui, o que nos incumbe é clarear, ainda mais, o conceito, e pôr em tabela os elementos contenutísticos das ações declarativas, ou declaratôrias, dois nomes da mesma espécie de ações. Há interesse jurídico em que se aclare, que se torne claro, existir, ou não existir, alguma relação jurídica, sem que se tenha por fito principal constituir, ou desconstituir, ou condenar, ou mandar, ou executar. Conforme por vezes frisamos e temos de insistir, a declaração, nas ações declarativas, é a energia preponderante, pois muitas são as ações em que há elemento declarativo que não vem antes dos outros, ou de alguns deles. Assim, tem-se de falar de ação declarativa quando o elemento de declaratividade vem à frente dos outros, e não quando a declaratividade exista sem ser preponderante. A preponderância é que importa. Outro ponto que temos de frisar é o de não ser apenas uma a ação declarativa, razão por que chamamos àquela, de que se tem cogitado como se fosse única, ação declarativa típica. As regras jurídicas sobre ação declarativa típica atenderam a que a declaração era necessária a cada momento, sem que se lhe revelasse a exigência especial. A concepção superada de que a tutela jurídica só seria indispensável em caso de violação de direito, de pretensão ou de ação, apenas tinha fito de reintegrar, de restaurar, de restabelecer. Ações há havia que se destinavam à afirmação ou à negação de relações jurídicas, porém percebia-se a falta de ação declarativa que abstraisse da espécie de relação jurídica, que tinha de ser apontada, ou negada. Havia a lacuna, embora se ressentissem os sistemas jurídicos de falta que em verdade logicamente não se justificava. Hoje, já se percebe que, para se alcançar o que se impunha e não se conseguia, se pensou em juízos medievais de jactância e de provocações ad agendum. O que mais importava — e pouco se exprimiu era ver-se que não se poderia compreender tutela jurídica em que se não protegesse, com enunciados existenciais, interesse jurídico. Ser ou não ser vem antes de qualquer outra proposição concernente a interesse jurídico. Erros houve, e há, no tocante a espécies de declaração. Um deles é o que confunde existência e validade, e chegou ao ponto de ter como declarativo o julgado que decreta a nulidade ou a anulação (e. g., Guilherme Estellita, Da Ação declaratória no Direito brasileiro, 70 s., livro aliás pioneiro no Brasil). De ordinário, quando se fala de ação declaratória, alude-se à ação declarativa típica, que os sistemas jurídicos tiveram de regular, em textos explícitos. Mas ações declarativas, ou ações declaratórias, existem muitas, e sempre existiram. Algumas vezes há dilatação do conceito, provocando confusões, por chamarem-se ações declarativas as ações em que há efeito declarativo relevante (efeito imediato ou mediato), e não só as em que o efeito declarativo é preponderante. Tem-se que evitar tal extensão que levaria a erros graves, não só em terminologia. Tem-se de precisar que se dizem declarativas as ações em que o peso maior é o de declaração, como são constitutivas, ou condenatórias, ou mandamentais, ou executivas, aquelas em que o peso maior, a força, é de constituição, ou de condenação, ou de mandamento, ou de execução. Tanto são declarativas as ações declarativas típicas como as ações declarativas especiais. 2. Finalidade das ações declarativas. As ações declarativas têm como elemento predominante o de enunciado de fato: ou nelas se diz, em primeira plana que algo existe, ou que algo não existe. Sim, ou não. Depois é que vêm os outros pesos. O que nelas mais importa, o que preponderantemente se estabelece, é o que se contém na proposição existencial. O estudo das ações por sua carga de eficácia, portanto por dentro, é como análise espectral de cada uma delas. Decompõe-se cada ação para se lhe verem os elementos formativos.

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O que se colima, com a ação declarativa, é estabelecer-se a certeza no mundo jurídico, ou para se dar por certa a existência da relação jurídica ou a autenticidade do documento, o que se mostra no mundo jurídico; ou para se dar por certo que a relação jurídica não existe, ou que é falso o documento. Afastam-se dúvidas, de modo que há sempre o enunciado existencial: é, ou não é. O elemento da declaratividade aparece em todas as ações e sentenças, às vezes com peso ínfimo. Mas, nas ações declarativas, a declaratividade é o que vem em primeiro lugar, ela é que é a força eficacial. Com isso, abstrai-se de ter havido, ou de não ter havido, a violação do direito, da pretensão, da ação, ou da exceção, razão por que, na ação declarativa típica, o elemento condenatório é mínimo. Apenas, em algumas ações declarativas especiais, ele sobe (e. g., na ação declarativa de demarcação de terras, na 1ª fase; na ação declarativa para reaver bens vacantes que estão com o Estado). Não importa se a relação jurídica foi violada, ou se vai ser violada. De modo nenhum se há de entender que ao titular da ação condenatória se retire a pretensão à ação declarativa. O interesse de agir apenas se prende a poder haver ofensa à esfera jurídica do autor; ou pela existência da relação jurídica, ou pela inexistência da relação jurídica, ou pela autenticidade, ou pela falsidade de documento. Basta a atingibilidade da esfera jurídica (= o não estar incólume). A declaração tem por fim o evitamento de possível ofensa. Basta a incerteza jurídica. Se a simples suposição da dúvida não bastaria, basta que as circuns-tâncias a levantem, ou haja interesse jurídico em que se não espere o nascimento da ação constitutiva, condenatôria, mandamental, ou executiva. O interesse de agir pode referir-se à existência ou à inexistência de prova. A referência a “documento” concerne a existência, ou à inexistência dele, ou à falsidade, ou não-falsidade. Se alguém diz que tem certidão, certificado, depoimento, cada, recibo, quitação, filme, disco, ou outro documento, expõe-se a que seja proposta a ação declarativa negativa. Mas pode propor a ação declarativa positiva. O que é de mister é haver o interesse de agir. Quem tem interesse na clareza, positiva ou negativa, tem ação para se declarar. Se algum Estado, em lei processual, cria ou regula ação declarativa, “declaratory judgment” o que se há de entender, mesmo se não falou de remédio jurídico processual, é que se referiu a ‘ação”, e não à ação, embora tenha suposto já existam a pretensão à tutela jurídica (elemento pré-processual) e a ação de direito material. O legislador apenas se incumbiu de dar remédio jurídico processual, ou de regulá-lo, porque quem tem ação constitutiva, ou condenatória, ou mandamental, ou executiva, conta com algum peso de declaratividade na ação e na sentença, e a ação declarativa apenas põe em primeira plana (peso 5) esse elemento. Com isso, fez possível pedir-se a declaração da existência de relação jurídica que ainda não permitiria a ação de constituição, ou a de condenação, ou a mandamental ou a executiva. Exemplo tem-se na ação declarativa típica se o crédito ou o débito ainda não chegou à data do vencimento, ou ainda não ocorreu no tempo, sucessivamente, a afirmação e a negação: é justo, e não só lógico, que possa A antecipar a sua negação, de modo que contestante seja B. O que surpreende, na análise dos dados históricos, é que não se haja levado em conta que o demandado que contesta exerce pretensão à tutela jurídica, e tal pretensão somente é exercida em contestação porque se antepôs o exercício da pretensão à tutela jurídica de outrem, A ação (portanto, de direito material) foi algum fato ou omissão que daria lugar à exigibilidade. Quer-se a declaração, o clareamento, a certeza jurídica, antes de haver a ação constitutiva, condenatória, ou mandamental, ou executiva. Se alguém, A, tem interesse jurídico em que se declare a inexistência da relação jurídica, ou a falsidade de um documento compreende-se que se permita ao interessado a propositura da ação declaratória negativa. Se 8, propondo a ação contra A estaria sujeito à contestação por A, com a que foi proposta contestou-se-lhe a existência ou a autenticidade do documento. Porém não seria acolhível a falta de legitimação ativa para quem está ameaçado, ou teme ser ameaçado, com a propositura de ação constitutiva, condenatória, mandamental, ou executiva, ou mesmo declarativa. Atenda-se a que há interesse jurídico em que a sociedade, ou pessoas em contato com a pessoa a que se atribui ser devedor, ou não ter algum direito, pretensão, ação, ou exceção, fique

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sabendo que tal situação passiva não existe. O que parece estranho é que, no passado, se não houvesse chegado a todos esses raciocínios e conclusões; mas todas as dimensões sociais dependem de evolução, e não se pode pretender que uma geração saiba o que outras gerações vão descobrir. Assim, cientificamente, tanto tem pleno fundamento a ação declarativa negativa quanto a ação declarativa positiva. O primeiro elemento que concerne a qualquer relação jurídica é que ela existo; daí poder-se declarar que ela existe, ou que ela não existe. Se a ação declarativa tivesse base em dever de reconhecimento, seria preciso que tal dever existisse, mas a ação declarativa é ação que se exerce para se afirmar ou negar a existência de relação jurídica, ou a autenticidade ou falsidade de documento: o juiz é que declara, depois da petição e da contestação. Com isso, põe-se de lado, por errônea, a teoria que se ligava ao reconhecimento pelo demandado, reminiscência das ações provocatórias e da opinião de Otto Bãhr (Die Anerkennung ais t.Jerpflichtunqsgrund, 315). Não se diga, porém, que não há relação jurídica material e processual entre o demandante e o demandado. O que não há é o dever de reconhecimento. O demandante tem o dever de afimiar o que pede, e o demandado, o de afirmar o que contesta. A existência ou a inexistência da relação jurídica é que está em causa, ou a autenticidade ou a falsidade do documento. Não há apenas a pretensão à tutela jurídica (teoria da simples tutela jurídica pelo Estado). Nem a ação declarativa como simples figura jurídica processual, erro de E. Windscheid (Lehrbucli des Pandektenrechts, 1, 9 ed., 195 s.) e Jakob Weismann (Die Feststeliungskiage, 1 s., cp. Hauptintervention und Streitgenossenschaft, 78). Tampouco se considere a ação declaratória como “ação” preventiva de litígios (e. g., M. Maynard, Des Jugements dêc laratoires, 4; Guilherme Estellita, Da ação declaratôria no Direito brasileiro, 10). Não há preventividade nas ações declarativas: não se está a resguardar exercício de algum direito, pretensão, ação, ou exceção, nem se previne dano que pode ocorrer; apenas se pede a declaração. No que concerne a ações futuras, a sentença tem a autoridade de coisa julgada material, que é a eficácia preponderante da ação declarativa. A ação que depois se propoe é outra ação. Não é de admitir-se que se veja na ação declarativa ação de caução, ou ação correspondente a pretensão de caução, como entendeu A. Plósz (Beitrâqe zur Theorie des Klagrechts, 162), com dois sujeitos passivos, o Estado e o demandado, nem a caução pelo juiz, como sustentou Heinrich Degenkolb (Em Iassungszwang und Urteilsnorm, 166). Não se pode sustentar que não existe pretensão à tutela jurídica para a declaração, nem que não exista a ação (no sentido do direito material), nem que apenas exista a “ação” (remédio juridico processual). Existem as três. A ação declarativa, no sentido do direito material, com a sentença favorável, está apontada. Se desfavorável a sentença, a declaração (direito pré-processual e processual) é pela inexistência da ação declarativa de direito material. Assim, é erro dizer-se que, para a ação declarativa, se prescinde de qualquer elemento de direito material. Há a ação declarativa da inexistência da relação jurídica, ou da falsidade do documento, porque a atitude de outrem fere a esfera jurídica do autor. Quando Alfredo Rocco (La Sentenza civile, 106), e tantos outros juristas, disse que se devia denominar “ação de simples apreciação ou declaração” a ação declarativa de que falam as leis processuais, porque há ações declarativas em que se tende à condenação, ou à própria execução, de modo que a ação condenatória é também e antes de tudo ação declarativa, ignorava os pesas das ações e das sentenças e ainda não se havia descoberto que o nome de cada espécie dc ações provêm da preponderância do peso (5) e corresponde a esse quanto eficacial preponderante. A ação declarativa, de que se cogita nas leis processuais, é apenas a ação declarativa típica, sem que se jus~ tifique falar-se de ação meramente declarativa. De modo nenhum ações constitutivas, condenatôrias, mandamentais ou executivas são ações declarativas: têm, sim, elementos eficaciais, declarativos, imediatos ou mediatos. O que se há de ter por objeto da ação declarativa é a relação jurídica, ou o documento, de que possa resultar ou de que haja de resultar relação juridica. Não se diga, portanto, que a ação declarativa a respeito da autenticidade, ou da falsidade de um documento, seja exceção ao principio de que se há de considerar objeto

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relação jurídica. Não há ação declarativa da falsidade, ou da autenticidade de cada que nenhum interesse jurídico possa ser. A excepcionalidade não ocorre, a despeito do que escreveu Leo Rosenberg (Lehrbuch des deutschen Zivilprozessrechts, 53 cd., 368 sj. O demandado pode alegar que nenhum interesse jurídico pode haver na declaração da autenticidade ou da falsidade do documento (falta da pretensão à tutela jurídica, que é pré-processual), que nenhuma relação jurídica pode derivar, ou ser extinta, ou modificada, ou simplesmente atingida pelo documento, se autêntico, ou se falso (ação declarativa). (De antemão, frise-se que é de repelir-se a concepção da relação jurídica entre pessoa e coisa. Todas as relações jurídicas são entre pessoas, mesmo se entre pessoa e quem quer que seja, como se dá com os direitos de propriedade. CI. Windscheid, Lehrbuch des Pandektenrechts, J, Y cd., 166 s. Os direitos reais, como todos os direitos absolutos, são contra todos). § 2º Dados histéricos 1.Direito romano. No direito romano, a pretensão do demandante, a intentio, era parte necessária de todas as forrnulae. Se não havia outro fim que a declaração de existência ou de inexistência, o juiz tinha de restringir-se à afirmativa, ou à negativa. Porém não se afastava que se tivesse de dizer que a intentio era certa, ou que tivesse de ser determinado pelo juiz o quanto devido (intentio incerta). O elemento de eficácia imediata, ou mesmo de eficácia mediata, já aparecia, como era o caso das ações divisórias, e até o de eficácia executiva. Cumpre, porém, que se atenda a que a classificação das ações e das sentenças em cinco classes exaustivas, pela preponderância da eficácia e a graduação das outras eficácias, é obra recente de ciência. 2. Idade média. Na Idade Média, eram exercidas as provocationes ad aqendum, de origem germânica, posto que com aparência romana. No direito romano, havia o texto da L. 5, C., de ingenuis manumissis, 7, 14, onde se lê: “Defamari statum ingenuorum seu errore seu malignitate quorundam periniquum est, praesertim cum adfirmes diu praesidem unum atque alterum interpelíatum a te vocitasse diversam partem, ut contradictionem faceret, si defensionibus suis confideret. Unde constat merito rectorem provinciae commotum adlegationibus tuis sententiam dedisse, ne de cetero inquietudinem sustineres. Si igitur adhuc diversa pars perseverat in eadem obstinatione, aditus praeses provinciae ab iniuria temperari praecipiet.” E muito iníquo que se difame o estado dos ingênuos, ou por erro ou por maldade de alguns, principalmente afirmando ter que, tendo-se recorrido por ti, faz já muito tempo, a um e a outro presidente, chamaram a parte contrária para que formulasse sua contradição, se confiava em seus meios de defesa. Por onde se evidencia que, com razão, o governador da província deu sentença para que não suportasses tal inquietude. Se, pois, persevera a outra parte na mesma obs-tinação, o presidente da província a quem se recorra mandará que se abstenha de injuriar-te. O elemento germânico aproveitou-se da regra jurídica da L. 5, C., de ingenuis manumissis, 7, 14, e pós a imposição do perpétuo silêncio (impositio silentii), mas, na verdade, se hoje classificamos, cientificamente, tal sentença, não podemos deixar de ver na chamada impositio a eficácia da coisa julgada que está em toda ação declarativa negatória, com o plus mandamental e condenatório. A extensão aos outros casos foi feita pelos intérpretes e pelos glosadores, “per interpretionem ad omnes illos, qui iniquis sermonum jactationibus existimationem alterius minutum aut elevatum eunt, quasi is, aut crimen perpetrasset, aut debitor esset iniquusve rei alienae possessor: tali enim difíamatione posita, diffamato eandem probanti accommodari solet actio ex d. 1. diffamari, adversus diffamatorem, ut actionem, aul accusationem, si quam habere se putet, intra certum tempus instituat; aut alioquin ei perpetuum imponatur silentium” (Johann Voet, Com mentarius ad Pandectas, 1, 245). Para a apreciação do que fora feito, a literatura anterior ao século XVIII é expressiva da inserção dessa ação declarativa. O principio invitus agere nemo cogotur, que se observava no direito romano, sofreu, no direito medieval, com as provocationes ad agendum, golpe profundo, pela obrigação de agir em juízo que delas resultava. Alguns problemas surgiram como os de se saber quem se havia de considerar autor, ou réu, qual o foro competente, e qual a eficácia da sentença. Havia provocationes ad agendurn, ligadas à L. dijfarnari e á L. si contendat; mais (Edwin M. Borchard, Declaratory iudgments, 99 s.) a querela nuilitatis, a liberationis condictia e a actio

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negatoria utilis. Ponham-se ainda a publicatio testium e outras (cf. M. Maynard, Des iugernents dêclaratoires, 12 s.) O réu era citado e provocado a propor a ação, dentro de breve prazo. Se negada a difamação, ou tinha de propor a ação, ou era posto em silêncio. A provocatio ad agendum podia ir contra qualquer pessoa; daí, os editais. Quanto à provocatio ex lege si contendat, fundava-se na L.28, D., de fideiussoribus et mandatoribus, 46, 1, onde está o texto de Paulo: “Si contendat fideiussor ceteros solvendo esse, etiam exceptionem ei dandam ‘si non et illi solvendo sint.” Traduzindo-se: “Se o fiador sustenta que os demais são solventes, também se há de dar ‘se também eles não forem solventes’.” Dai se tirou que ao demandado para pagar a dívida podia ser oposta a exceção, já com a figura de provocatio ad agendum contra os outros vinculados, com fixação de prazo, à semelhança da provocação com base na 1. diffamari (cf. Chr. Wilhelm Schweitzer, Uber den Prouokationsprozess, 60 5.; Edwin M. Borchard, Declaratory Judgements, 92 s.). A figura existe no direito civil e no direito processual civil brasileiro (cl. Tratado de Direito Privado, Tomos II, § 235, 8; VI, § 683, 1; XXIV, 2.935, 5; 2.944, 2; XXVII, §§ 3.227, 4; 3.276, 3; 3.258, 10;3.265, 1, 3; 3.268, 2; 3.269, 2, 6; 3.274, 3; 3.280, 12;XXVIII, § 3.329, 1; XXIX, § 3.393, 4; XXX, §§ 3.470, 1;3.498, 1; XLIV, § 4.794, 2; LIV, § 5.577, 5). No direito canônico (e. g., cânones 2.223, § 4, e 2.232, § 2) têm-se como sententiae declaratoriae também aquelas em que se decreta ter alguém incorrido em pena. E evidente que esse conceito de sentença declarativa de modo nenhum é o que se acolheu para a classificação tripadita, ou quadripadita, ou quinqúipadita das ações: borraria limites entre condenação e declaratividade. As sentenças criminais entrariam na classe das sentenças declarativas. O conceito seria perigoso e de nenhum proveito prático, sobre ser sem base e lógica e científica. Cair-se-ia no erro de se falar de “declaração da condenação”, de “declaração condenatória”, ou de coisas semelhantes. 3. Direito luso-brasileiro. As ações provocatórias penetraram no direito português, com extensão que revela a necessidade, que já havia, de se regular a ação declaratória típica. Lê-se em Álvaro Valasco (Decisionum Consultationuni ac Rerum judicatarum in Regno Lusitaniae, II, 442): “(...) non habet hic locum illud remedium, quia verius est auxilium illius legis uti exorbitans a regula tituli, C. utnemo invitus, non procedere, nisi in casu, de quo loquitur, licet in causa status personae, et ita lege nova extravag. cautum est(..4, quamvis ante iliam legem passim eo remedio uteremur in quibuscunque causis quod erat litium prope infinitarum incentitum.” Assim, no direito luso-brasileiro havia opinião que impunha a limitação da ação cominatória com provocatio ad agendum àquela que fora a da ação da lei diffamari, isto é, ao estado da pessoa. Depois, houve a prodigalização da ação cominatória com a provocatio ad agendum, o que ressalta no texto de Álvaro Valasco, que citamos (verbis “quod erat litium prope infinitaram incentivum”). Houve, porém, o Alvará de 30 de agosto de 1564,que estendeu o remédio jurídico processual a todas as comunicações de conhecimento, falsas, que causem ou possam causar dano.

Lê-se no Alvará de 30 de agosto de 1564, Lei III: “Ordenou El-Rei . . ., limitando e declarando a pratica da lei Diffamari, por tirar os inconvenientes, que de ser tão largamente entendida e praticada se causavão, que daqui em diante a dita lei Diffamari se entenda, e pratique somente nas causas e demandas, que tocarem ao stado pessoal de qualquer pessoa, de qualquer qualidade que a dita causa de stado seja: assi como se hum dissesse, e diffamasse de outro, que era seu captivo, ou que he infame, ou spurio, ou incestuoso, ou frade, ou clerigo, ou casado, e outros casos semelhantes a estes, que tocarem ao stado da pessoa: porque nos ditos casos poderaa logo citar, e demandar o que delie diffamar, sem sperar mais tempo, intentando o remedio da dita lei, e fazer-lhe assinar termo, em que o demande, e proue o defeito do stado, hauendo respeito aa dita questão do stado ser muito prejudicial aa pessoa, e que não recebe dilação, nem deue star in pendenti. E isto, quando a dita causa se intentar dereita e principalmente sobre o stado da pessoa. E em outra nenhuma causa civel poderão os possuidores das cousas demandar, os que pretenderem ter dereito nelías, pelo remedio da dita lei, para lhe hauerem de assinar temio, que contra sua vontade os demandem pelas ditas cousas, nem fazer-lhe poer perpetuo silencio, nem encurtar-lhe o tempo, que lhe o dereito da para fazerem as ditas demandas, antes de se acabar o tempo das prescrições, que o dereito lhes concede, nem levalos sobre isso a outro foro, posto que,

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quando a causa for principalmente intentada sobre as ditas cousas no juizo e foro ordinario, as partes possão allegar incidentemente, ou per via de exceção a dita questão do stado.” CI. Duade Nunes Do Leão (Coleçâo de Leis Extravagantes, 314 s.). O texto de 1564 passou às Ordenações Filipinas, Livro III, Titulo, 11, § 4: ‘{..) todo aquêle, que difamar outro sôbre estado de sua pessoa, como se dissesse, que era seu cativo, liberto, infame, espúrio, incestuoso, Frade, Clérigo, ou casado, e em outros casos semelhantes a êstes, que tocarem ao estado da pessoa, de qualquer qualidade que a causa do estado seja, pode ser citado para vir citado ao domicilio do difamado, que o manda citar. E nos ditos casos, em que o assim citar, lhe fará assinar têrmo, para que o demande, e prove o defeito do estado, por quanto a tal questão do estado é prejudicial à pessoa, e não sofre dilação, nem deve estar impendente: e isto, quando a dita se intentar direita e principalmente sôbre o estado da pessoa. E em nenhuma outra causa cível poderão os possuidores das coisas citar os que pretenderem ter direito nelas, para que contra sua vontade os demandem pelas ditas coisas, nem fazer-lhes pôr perpétuo silêncio, nem encurtar-lhes o tempo, que o Direito dá para fazerem as ditas demandas, antes de se acabar o tempo das prescrições, que o Direito lhes concede, nem levá-los sôbre isso a outro fôro: pósto que quando a demanda fór principalmente intentada sóbre as ditas causas cíveis no Juízo e fôro ordinário, as partes possam alegar incidentemente, ou por via de exceção a dita questão do estado.’ A ação provocatória é ação sumária, preparatória de outra ação, que a ela pode suceder. Há a cominação. Ceda vez alguém se jactou de ser filho de outrem, que o pai era plebeu e havia, assim, de ser o seu herdeiro. Outra vez, alguém queria vender a quinta, que se supunha morgado; daí ter pedido que se declarasse que a quinta era livre, e o provedor julgou vinculada a quinta. Houve a apelação e a Relação considerou que não havia morgado, e houve a venda (Manuel de Almeida e Sousa, Tratado prático compendiário de tôdas as Ações Sumários, 1, 46 s.). Mais o fiador podia e pode — fazer citar o credor para que proponha a sua ação contra o devedor, ou que o desonere de obrigação da fiança, quando correr perigo o direito de excussão que lhe compete contra o devedor a quem afiançou, como se esse demora o pagamento, ou dilapida os seus bens; se os seus bens foram sequestrados ou por outro modo constritos, a pedido do credor, pode lazer citá-lo para que proponha a ação contra o devedor, sob pena de levantamento do sequestro (Pascoal José de Meio Freire, Institutiones luris Civilis Lusitani, IV, 89; Tidelussor quoque contra creditorem recte agit, ut actionem adversus principalem debitorem instituat, vel eum a fideiussiones obligatione liberet, quoties ex dilata actione periculum imminet amittendae exceptionis, veluti excussionis, quod fit, si debitor diu in solutione cessaverit, vel sua bona dilapidaverit. Fideiussor similiter, cuius bona ad instantiam creditoris sequestro fuerunt supposita, contra eum recte agit, ut personalem instituat sub poena remoti sequestri. Et hoc iure in foro utimur.”). 4.Direito brasileiro. Pouco se exerceu no Brasil a ação provocatória do tipo das Ordenações Filipinas e do Alvará de 30 de agosto de 1564. A Resolução Imperial de 28 de dezembro de 1876 entendeu que seria contra o direito público (?) a aplicação dos textos então vigentes. Houve a repulsa de Joaquim Inácio Ramalho (Praxe Brasileira, § 44) e a de Antonio Joaquim Ribas (Consolidação das Leis do Processo Civil, 538), que frisou não ter o Conselho de Estado poderes para ab-rogar ou derrogar leis, nem haver antinomia entre o texto das Ordenações Filipinas, Liwo III, Titulo 11, § 4, e o direito público do Brasil. Com toda a razão; sem razão, Teixeira de Freitas (Primeiras Linhas sobre o Processo Civil, 35; Doutrina das Ações, de J. H. Correia Teles, 3, nota 3), que exprobrou o que existia, e louvou a Resolução. Rui Barbosa (A Transação do Acre no Tratado de Petrópolis, 50) aludiu à existência dos julgados “meramente declarativos”, distintos das sentenças constitutivas; porém não precisou —e então não podia fazê-lo, salvo com antecipação de décadas — se se referia a sentenças declarativas, propriamente ditas, ou a sentenças declarativas e sentenças com elemento declarativo. Apenas como que viu, de longe, esse elemento, quando disse que sentenças como as de divórcio, de interdição, ou de adoção (então, havia as cadas de adoção, cf. Ordenações Filipinas, Livro II, Titulo 56, pn, e Livro III, Titulo 9, § 2, e Titulo 59, § 11, e a esses julgamentos confirmativos é que havia de referir-se Rui Barbosa), embora não sejam declarativos, “o principio geral de que o caráter das sentenças é declarativo subsistirá ileso”. Influiu no que disse texto de E. Glasson (Précis thêorique et pratique de Pracêdure civile, 1, 427), que ele citou. Percebe-se que lhe estava a impressionar a pluralidade de elementos eficaciais das sentenças; porém escapou-lhe que há o elemento preponderante, a força, que afasta poder-se chamar declaratória a ação ou a sentença de divórcio, ou a de interdição. Não temos

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hoje cadas de adoção. Trata-se de adoção de negócio jurídico. Quanto a dizer que o principio geral de que o caráter das sentenças e declarativo subsistirá ileso”, não tinha razão, porque apenas existe o princípio de que em qualquer ação, ou sentença, há os cinco elementos (declarativo, constitutivo, condenatório, mandamental, executivo), porém podem ser mínimos. Há ações e sentenças com peso 2 ou mesmo 1 de declaratividade, como ocorre com as seguintes ações: de sub-rogação (2), de negócios jurídicos sobre bens de incapazes (2), de arrematação (1), de anulação (1), revogatória falencial (1), de sonegados (2), para cumprimento de testamento (2), de separação consensual (2), de separação litigiosa (2), de destituição de cabecel (2), da investidura da inventariança (2), todas elas ações constitutivas; de atentado (2), de revisão de aluguel (1), essas mandamentais; do vendedor com reserva de domínio para recuperar a posse (2), de dissolução contenciosa e liquidação (2), de exibição de livro ou coisa comum, ou de documento no caso de não poder ser negado (2), ações, essas, executivas.

Em verdade, Rui Barbosa fora vitima, como, ainda hoje, muitos juristas o são, da classificação binária das ações (declarativas, constitutivas), tal como aconteceu, em 1921, a Manuel Aureliano de Gusmão (Processo Civil e Comercial, 1, 308 s.), que só apontava as declarativas e as creditórias (condenatórias). O que disse ele sobre a ação declarativa foi de grande repercussão, bem como o que sugeriu Mário Tibúrcio Gomes Carneiro, no Congresso Jurídico em comemoração do centenário da Independência (1922), pois referiu-se ao exemplo dos Estados Unidos da América, com os declarativs judgments (cf. Guilherme EsteIlha, Da ação declaratária no Direito brasileiro, 25).

Colaborou para que se atentasse no problema de técnica legislativa e jurisprudencial, Jorge Araújo da Veiga, na sessao plenária do Instituto dos Advogados, em conferência sobre os “Julgamentos declaratórios” (20 de fevereiro de 1924) e Noé de Azevedo (RT 56/129), a propósito de um voto do Ministro Soriano de Souza, frisou que à ação declarativa não se há de dar mau trato, e considerou-a útil, simples e de grande alcance. Quando, em 1924, se cogitou, em São Paulo, da feitura do Código de Processo Civil, o autor do Projeto, Costa Manso, inseriu regras jurídicas sobre a ação declarativa, assaz minudentes. Reagiram, contra a inserção, Jorge Americano e Armando Fairbanks, e aquele atribuia ao direito material a ação declarativa, negando competência aos Estados, que então a tinham para o direito processual. E inegável que algumas regras jurídicas, que no Projeto do Estado de São Paulo se redigiram, eram, sem razão de ser, demasiado restringentes e minuciosas. Basta pensar-se que se não admitia a ação declarativa se podia ser proposta a executiva, o que aliás se inseriu em outros Códigos de Processo Civil. (Advirta-se que o conceito de ação executiva era, para os projetadores daquele tempo, por influência de M. Maynard, Des iugements dêclaratoires, e. g., 99, ação conforme a classificação binária). No 1º Congresso para redação de projeto do Código de Processo Civil, Guilherme Estellíta (A Ação declaratória no Congresso Nacional de Direito Judiciário, Arquivo Judiciário, 40, supl., 38 s.) confundiu algumas ações constitutivas negativas com a ação declarativa (e. g., a ação de invalidade de documento, a de ilegalidade de ato administrativo, a de inconstitucionalidade de lei, ou regulamento), e queria que não pudesse propor ação declarativa quem pudesse propor ação condenatória. 5. Direito alemão. A regra jurídica da Ordenação do Processo Civil alemão, § 256, antigo § 231, de que se pode demandar a declaração de existência, ou da inexistência, de uma relação jurídica, ou o reconhecimento da autenticidade, ou a declaração da falsidade, de um documento, se o demandante tem um interesse jurídico na relação jurídica ou em que autenticidade ou falsidade do documento seja declarada imediatamente por decisão judicial, foi de grande relevo histórico. Porém de modo nenhum se há de dizer que não houve noutros sistemas jurídicos anteriores ações declarativas. A vantagem consistiu em que se redigiu regra jurídica sobre a ação declarativa típica, quer positiva quer negativa. Os praeiudicia do direito romano eram ações declarativas. No direito comum, antes, pois, da Ordenação Processual Civil alemã, já se não limitava a ação declarativa típica às ações ditas de relação de estado. 6. Outros estados. As ações provocatórias já constavam das leis processuais civis, como a de Vurtemberga e a da Baviera. As críticas, que ocorreram lá e noutros países, levaram à inserção do § 231 da Ordenação Processual Civil alemã (hoje, § 256). Nele se fala de relação jurídica (‘eines Rechtsverhãltnisses”), acer-tadamente; e de autenticidade ou falsidade de documento. De modo nenhum se refere a ação de invalidade.

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Quanto à ação sobre autenticidade ou falsidade de documento, já a Ordenança francesa de julho de 1737, Titulo II, ad 1, estabelecia: ‘1. La poursuite du faux incident aura lieu, lorsqu’une des padies ayant signifié, communiqué ou produit quelque piêce que ce puisse être, dans le cours de la procédure, lautre padie prétendra que ladite piéce est fausse ou falsifiée. 2. Ladite poursuite pourra être reçue, s’il y échet, encore que les piéces prétendues fausses aient été vérifiées, même avec le demandeur en faux, à d’autres fins que celles d’une poursuite en faux principal ou incident, et qu’en conséquence il soit intervenu un jugement sur le fondement des dites piéces comme véritables.” Á Ordenação Processual Civil alemã sucedeu a Ordenação Processual Civil austríaca (1895), § 228, que repercutiu na legislação húngara e na tcheco-eslovaca (1919), nos territórios da Eslovênia e da Dalmácia. Na Suíça, influiu, quanto a Zurique, a Ordenação Processual Civil alemã; quanto a Berna, foi suprimida a parte referente à autenticidade ou falsidade de documento. Na Noruega (1915) e na Bulgária (1891 e 1930), a influência foi da Ordenação Processual Civil alemã. No Código de Processo Civil russo (1933), art. 3, apenas se disse que qualquer pessoa pode pedir a proteção da Justiça se tem interesse jurídico em declaração de relação, ou de direito. O Decreto-lei português de 28 de maio de 1939 (cf. Lei nº 29.950, de 30 de outubro de 1939), ad 4, referiu-se à ação declarativa: “As ações são de simples apreciação ou declaração, de condenação, conservatórias, constitutivas e executivas”. No Código de Processo Civil japonês (1926), ad 225, admitiu-se a ação declarativa, mesmo a respeito de documento, que se refira a prova de alguma relação. Cf. Código de Processo Civil chinês (1935), ad 247. 7. Inglaterra e Estados Unidos da América. Na Escócia, os julgamentos provocatórios foram evolvendo para julgamentos declarativos, no começo do século XVI. Aí foi que se operou a contagiação da ação declarativa medieval. Ao lado da ação declarativa típica existiam ações declarativas, com pedido de sanção, ou de adjudicação. Houve algumas particularidades no direito *escocês de que vem a ação declarativa da Inglaterra: a ação pode ser sobre direitos futuros, desde que já materialmente existam; o pedido do autor tem de ser contestado, na ação declarativa positiva; na ação declarativa positiva, tem de ser afirmado pelo demandante. Em 1828, Lord Brougham, em discurso na Câmara dos Comuns, mostrou o grande êxito da ação declarativa na Escócia. Surgiram os projetos em 1843, 1844, 1846, 1854 e 1857. Declaratory Judgements, 128). Já antes, posto que só em parte, houve o acolhimento pelo Chancerp Act de 1850, sendo limitada à Court of Chcxncery a competência. O Chancery Procedure Ad de 1852 frisou poder ser meramente declarativa a sentença (merely declaratorv). Depois que a Suprerna Corte de Londres passou a ter a delegação de legislar sobre regras jurídicas processuais (1873), as Supreme Court Bules de 1888, onde estatuiu (Order XXV, rule 5) que a ação podia ser meramente declarativa; e a emenda de 1893 (Order LIV) deu toda a extensão à pretensão à tutela jurídica, no tocante à ação declarativa. Tudo isso se transmitiu à Austrália, à Queensland, à Tasmânia, à Nova Zelândia, ao Canadá, à Irlanda, à Índia, ao Ceilão. Os Estados Unidos da América tiveram a lei sobre julgamento declarativo, com a Lei de New Jersey de 1915, § 7. Porém antes já havia sentenças sem execução forçada em Rhode lsland (1876) e Maryland (1888). Maior extensão do que em New Jersey teve a ação declarativa da Lei de Michigan (1919). Daí em diante alastrou-se pelos outros Estados. A recomendação da Conferência para a Uniformização das Leis dos Estados, o Uniform Declaratoyp Judgement Act (1922), foi acolhida por muitos Estados. Houve objeções, tais como não terem os tribunais funções de dar “advisory opinions” ou decidir “moot cases”, uma vez que a declaração seria simples parecer, e ser inadmissível a ação declarativa onde há outras ações proponíveis, ou outra ação proponível. Em Michigan, o aresto Anway v. Grand Rapids Railway Co. 221, Michigan, 592. 179, M. V., 350, 1919, decretou a inconstitucionalidade da lei. Mas houve forte reação, consi-derando-se errônea a decisão. Em 1930, a Corte Suprema de Michigan repeliu o que ela mesma julgara. Finalmente, adveio a Lei federal de 14 de junho de 1934. Surgiu a questão de a lei ser ou não inconstitucional e manteve-se até que se firmasse ser acorde com a Constituição (Cf. Edward 5. Corwin, Tbe Constitution and what it means today, l0ª ed., 122 s.).

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8. Direito das gentes. A Corte Permanente de Justiça Internacional (Protocolo de 15 de setembro de 1929, Estatuto, ad 36) tem a sua competência para as ações declarativas em termos explícitos: La compétence de la Cour s’étend à tous les aflaires que les padies lul soumettront, ainsi qu’ à tous les cas spécialement prévus dans les traités et conventions en vigueur. Les Membres de Ia Société et Êtats mentionés à l’Annexe au Pacte pourront, soit lors de la signature ou de la ratification du Protocole, auquel le présent Acte est joint, soit ulterieurement, declarer reconnaitre des à présent comme obligatoire, de pIem droit et sans convention spéciale, vis-à-vis de tout autre Membre ou État acceptant la même obligation, la jurisdiction de la Cour sur toutes ou quelquesunes des catégories de différends d’ordre juridique ayant pour object: a) — l’interprétation d’un traité; b) — tout point de droit intemational (...)“.

Capítulo II

Ação declarativa, interesse e extensão § 3º Interesse na declaração 1. Interesse, objetivo e fim. Qualquer ser que tenha objetivo (que se dirija para o objeto, que é o ser em frente, oposto, que se projeta contra), ou fim, interessa-se por algo. Porém nem todo interesse é interesse jurídico, dito legítimo, inclusive o de agir. Nem todos os interesses têm a tutela jurídica, isto é, nem todos são protegidos pelo Direito. No que concerne aos direitos, às pretensões, às ações e às exceções, uma vez que possa ser preciso exercê-los, ou simplesmente afirmá-los, ou mesmo negar-se a outrem, ou a todos, o exercício ou a afirmação, compreende-se que haja a tutela jurídica. O interesse jurídico pode consistir apenas na declaração pela Justiça, declaração de existir ou de não existir. (A declaração de autenticidade ou de falsidade de documento é declaração de existência ou de inexistência de instrumento, de modo que, ao falar-se, nas leis, de declaração de existência de relação jurídica, ou de inexistência de relação jurídica, e, depois, de autenticidade ou falsidade de documento, apenas se frisa a subespécie de existência ou de inexistência de relação jurídica). Seria atividade inútil a da Justiça se tivesse de pronunciar-se sobre assunto em que não tivesse interesse o demandante, nem o demandado. Quando se fala de interesse jurídico alude-se a proteção em geral, o que o toma inconfundível com o interesse de ordem puramente jurídica, porque o interesse de agir, interesse jurídico, pode ligar-se em interesse moral, ou econômico, ou intelectual (adístico, científico). Se C propala que B se diz ou é credor de A e A não é devedor de B, pode A propor ação declarativa contra B e C, somente contra C (se B não o afirma), para que se declare a inexistência da relação jurídica. Aí, o interesse pode ser apenas moral.

O interesse de agir, em se tratando de ação de declaração, tem extensão que vai além da existência de direito, pretensão ou ação, porque avança até à declaração de inexistência. Não há apenas o interesse em declarar ou resguardar ou conservar direito, como a alguns pareceu (e. g., G. Manfredini, Corso di Diritto Giudiziario Civile, 9) sj. O Direito, com a ação declarativa negativa, afasta o dano — moral, econômico, adístico, científico, religioso, político ou simplesmente jurídico — que proveio, provém ou vai provir da incerteza. Trata-se de pretensão à tutela jurídica. 2. Interesse jurídico em declaração. O interesse jurídico de autor da ação pode limitar-se à declaração da existência, ou da inexistência de relação jurídica, ou à declaração da autenticidade ou da falsidade de documento. Interesse jurídico, para a propositura da ação, é o interesse de tutela jurídica. Se falta o interesse jurídico, é de indeferimento inicial o despacho da petição. Nenhuma decisão sobre o mérito pode ocorrer se não se demonstrou o interesse jurídico. Trata-se de pressuposto pré-processual.

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O pressuposto do objeto da declaração é de direito material, por se tratar de efeito da relação jurídica, que se quer declarada, ou da suposição de que alguém quer a declaração da existência ou da inexistência. É de grande relevância saber-se que o pressuposto do objeto é o de ser afirmado que existe ou que não existe a relação jurídica. Além desse interesse em ser declarado o direito, ou mesmo o valor do documento, ou da existência ou não-existência do documento como elemento jurídico, existem quatro outros interesses: o de ser resolvido o litígio pela condenação, o de ser constituída ou transformada a relação jurídica, o de mandamento, o de execução. Donde cinco espécies de ação, que o comum dos processualístas nem sempre distingue como fora de mister: a ação de condenação, pela qual se pede que, chamado o réu a juízo, preste o Estado a sentença, dirimindo contenda existente; a ação pela qual se pede ao juiz, agente do Estado, que preste a sua sentença, criando ou transformando interiormente a relação jurídica entre as partes, quer dizer, mantendo casa uma com o seu direito, porém em estado diferente daquele em que se achava (a ação de cessação da sucessão provisória, por decurso de prazo, ou pela idade do ausente, por exemplo, caracteriza as partes de cada interessado, sem que cada interessado saia do seu direito, passando algo de um para outro); a ação declarativa, que nada tem de reparativa, mas de nenhum modo se pode considerar sem contenção, uma vez que o Estado, por seu juiz, é chamado a prestar a sentença, declarando direito que ainda não foi violado, que talvez nunca o seja, e no entanto é possível ser contestado pelo réu, ao responder à petição do autor; a ação de mandamento, em que o juiz ordena, sem preponderar o efeito condenatório ou o executório; a ação de execução, que se inicia com base em cognição incompleta, ou com base em cognição completa, como a execução de sentença. A ordem em que devemos pôr as ações para as classificar (frisemo-la mais uma vez) é a seguinte: a) ações declarativas; b) ações constitutivas; c) ações condenatórias; d) ações mandamentais; e) ações executivas. Mais uma vez lembremos que só se trata de qualificações segundo a eficácia preponderante, 3. Pretensâo declarativa. (a). O que primeiro se tem de considerar, a respeito de ação declarativa, é que existe a pretensão declarativo (Feststellungsanspruch). Tal pretensão é a de declaração autoritativa judicial (Rudoli Pollak, System des ósterreichischen Zivilprozessrechts, 8). Não é qualquer declaração: é a do árgão do Estado, que exerce a função jurisdicional; e declaração dele, em prestação jurisdicional, que seja “entregue” em virtude de, pedindo-o o autor, se ter formando entre ele e o Estado, o Estado e outra pessoa, relação jurídica processual como quaisquer outras. Mediante a sentença proferida na ação declarativa, nem se pode executar, nem constituir. Nem por ela se pode pedir reconhecimento de obrigação (G. Neumann, Kommentar zu den Zivilprozessgesetzen, 4a ed., 1, 878). Não é meio para se fazer prova. As suas provas devem existir no momento do pedido. Mas dá ensejo ao preceito. (b). O que dá a pretensão declarativa (— à declaração) é o poder ser posta em pergunta se existe ou não existe determinada relação jurídica; ou se é autêntico ou não-verdadeiro o documento. Essa relação jurídica pode ser de direito material, ou não; basta que se componha a seriedade da interrogação ao juiz. Assim, está claro que a ação declarativa pressupõe a pretensão á tutela jurídica, na sua parte que é a de pretensão à sentença (e não à execução), e se funda nos requisitos que, para o exercício da pretensão à declaração, se impõem à ação declarativa, cujo remédio jurídico processual é o processo ordinário. Por onde se vê que a regra jurídica alusiva à ação declarativa típica é regra de direito pré-processual, uma vez que cria pretensão e ação. A pretensão à declaração sempre existiu. Aparece em qualquer pedido ao juiz; às vezes, até em simples requerimentos. Há mesmo ações declarativas típicas, ainda fora daquela que as leis processuais soem mencionar ou definir. O que não havia era o reconhecimento da pretensão à declaração “em geral”, fora dos casos clássicos. (Tem-se aí um dos exemplos da existência do direito objetivo, tal como resulta do sistema juridico, com os seus princípios, sem o terem revelado em toda a sua plenitude os juristas e juizes, de modo que só posteriormente a apontem —ainda no passado — os juristas e juizes. Foi a cegueira dos homens do século passado e deste que não percebia no sistema jurídico brasileiro a ação declarativa, que existia no sistema jurídico brasileiro e já existia no sistema luso-brasileiro). Exemplo de ação declarativa, que no velho direito já se soía propor, era a que tinha o sucessor do fideicomisso

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(fideicomissário) ou do morgado, se o fiduciário ou o atual administrador se jactava de serem livres do vínculo os bens, ou se procedia como se não houvesse fideicomisso, ou morgado (Manuel de Almeida e Sousa, Tratado Prático de Morgados, 3” ed., 222). Já havia um direito, que se declarava (cuja relação jurídica se declarava), embora o chamassem pitorescamente, “direito de futuro”. 4. Relação jurídica e declaração. A condição, o termo, a eventualidade e a futuridade assente da relação jurídica não obstam ao pedido de declaração. Obsta a simples esperança (G. Neumann, Komrnentar zu den Zivilprozessgesetzen, I, 4º ed., 881). Relação jurídica, e não regra de lei, ou de direito costumeiro, ou estrangeiro, ou uso e costume, ou uso comercial. Pode-se pedir que se declare a existência de determinada relação jurídica porque o direito costumeiro a determinou, ou, havendo tal uso comercial, a declaração de vontade foi suficiente; porém não se pode pedir que o juiz declare esse direito costumeiro ou esse uso (Rudolf Pollak, Svstem des õsterreichischen Zivilprozessrechts, 9.) Quando, em observância da regra jurídica que exige a prova do direito estadual, municipal, costumeiro, singular ou estrangeiro, e da sua vigência, se não a dispensou o juiz, o interessado, que o alegou, lhe faz prova do teor e da vigência, a decisão do juiz, que o aplica, não contém declaração incidental, porque a alegação e a prova são de regra jurídica, e não de relação jurídica, ou de autenticidade ou falsidade de documento. O interesse jurídico de declaração estabelece-se desde que alguém afirma, ou nega, a relação jurídica, que outrem tem interesse em negar, ou afirmar porque diz respeito a ele. Não importa se se trata de relação jurídica que não existiu, ou existiu ou que não vai existir, ou vai existir. Há interesse jurídico em que tenha sido, ou em que não tenha sido, em que vá existir, ou não vá existir, como em que exista agora, ou não exista. O interesse jurídico pode ser concernente a qualquer relação jurídica, em qualquer momento da dimensão do tempo ou de lugar. Mas é preciso que algo exista que a determinou, ou a determine, desde agora.

À pretensão prescrita é suscetível de ser declarada a existência: a sua eficácia está peremptoriamente encoberta; mas a pretensão existe, e somente se exige que se afirme e se discuta, na ação declarativa, a existência ou a inexistência da relação jurídica. Procurou Konrad Hellwig (Anspruch uind Klagrecht, 405) sustentar o contrário; mas sem razão: para ele, o exercício da exceção excluiria a ação declarativa. Ora, tal conclusão tornaria a exceção causa de extinção, o que deturparia o próprio conceito de exceção. Também pode ser objeto de ação declarativa a existência ou não-existência das relações jurídicas de que nascem exceções, e. g., a prescrição, a interrupção da prescrição, a suspensão da prescrição, a inexistência da prescrição, ou de condição suspensiva, ou de tenro suspensivo, ou outro fato, que obste a ela.

As relações jurídicas que são de mister para que exista a pretensão à tutela jurídica, ou o pressuposto processual, são suscetíveis de declaração. No despacho que se satisfaz com a invocação de qualquer dessas relações jurídicas há, implícita, a declaração de existência.Em princípio, a relação jurídica deve ser existente ou ter existido no momento em que se pede a declaração, ou há de ser negada em sua existência a esse momento. A relação jurídica futura, por ainda não estar composto o suporte fático do fato jurídico de que se irradiaria, não pode desde já ser declarada. Exemplo tem-se na herança de pessoa viva, porque só se pode falar, aí, de herança em termos do mundo fático e linguagem vulgar — não há herança de quem ainda não morreu. Se alguma relação juridica já está determinada e a relação jurídica, que se quer declarada, é efeito dela só dependente de acontecimento incerto ou certo, a declaração dessa é declaração daquela em sua irradiação no tempo.

Se já se iniciou a formação da relação jurídica, não mais é futura, no sentido de não ser ainda declarável. Quanto à relação jurídica já não existente, pode haver interesse em que se declare, ainda que não mais exista ação que dela haja resultado (sem razão, Adolf Schõnke, Lehrbuch des Ziuilprozessrechts, 7º ed., 173). § 4º Declaração positiva e declaração negativa 1. Existência e inexistência da relaçâo jurídica. As expressões existência ou inexistência de relaçâo jurídica aí estão no mais largo sentido. Relação juridica não tem apenas duas maneiras de ser: a do existir sem jaça ou

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mescla e a do não-existir; porque não há relação jurídica absoluta. Todos os direitos são relativos. Uns mais, outros menos. Os próprios direitos absolutos, tais como os quer a terminologia tradicional, apenas são menos relativos do que os outros. A declaração da existência da relação jurídica de condomínio, por exemplo, escalona-se desde a existência da pluralidade de sujeitos do direito de propriedade sobre a coisa pro indiviso até a existência de simples cláusula contratual ou testamentária concernente à administração do condomínio. A declaração de não-existência, inclusive a de falsidade de documento, que contêm declaração de inexistência, é o que se colima com a ação declarativa negativa. Onde quer que se tenha de avivar a linha divisória entre o fazer e o omitir de alguém e o fazer e o omitir do autor, aí pode estar o seu interesse na propositura de ação que declare a existência ou inexistência de relação juridica. Mostra isso que o legislador não se referiu somente à categoria jurídica, a que corresponde a relação jurídica típica, e sim a quaisquer filetes da relação jurídica ou categoria, a que, por brevidade, chamou “relação jurídica”. O duplo sentido não é estranho ao direito. No pátrio poder, a relação jurídica, no sentido de categoria, é o conjunto de deveres entre o pai ou a mãe e o filho. Porém cada um dos direitos, por mínimo que seja, tem o dever correlato: entre os dois pólos (direito, dever) há a ligação, que é relação jurídica. Rigorosamente, o mundo social é composto dessas relações jurídicas por bem dizer atômicas, com que se tecem os laços sociais regidos pela lei ou por ela feitos, e as categorias, mais moleculares, correspondem ao esforço do pensamento humano para meter cm quadros fixos as séries, ou sequências, ou grupos, que costumam aparecer na contextura do mundo social. O menor, ou o pai, ou a mãe, pode ter interesse na declaração, não só incidental, de qualquer uma dessas relações juridicas filetes. Quando se propõe ação declarativa negativa, preliminarmente se nega o que outrem afirma. Não se tire daí que se trate de ação provocatória. De modo nenhum. Porém não se pode elidir o que é elemento necessário de ação declarativa negativa-a afirmação da existência da relação jurídica, por parte de outrem, que se tem por falsa e o autor postula ser falsa. Ou a) se entende que essa afirmação falsa entrou no mundo jurídico, como ato-fato jurídico, de que nascem ao prejudicado por ela direito, pretensão e ação de declaração negativa; ou b) se admite que tudo se passa no plano pré-processual, como criação do direito público. A proposição a) é que é verdadeira. Uma das consequências de ser existente a pretensão à declaração negativa está em que, exigido de alguém, que afirma a existência, que faça declaração negativa, tem, não o fazendo, de responder pelos danos. Desde que, rio que se quer que seja declarado, há relação jurídica, ou poderia haver, e se nega, ou afirma, cabe a ação declarativa. (Aqui, ao falarmos de ação declarativa, só nos referimos à ação declarativa típica, a que se dá o rito ordinário: há outras ações declarativas que correspondem a relações jurídicas especiais e excepcionalmente têm objeto que não é relação jurídica). As relações jurídicas (e) são, necessariamente, irradiações de fatos jurídicos (d) e em todos os fatos jurídicos há fatos puros, (c) que compõem ou entram na composição do suporte fático (b) da regra jurídica (a). Mas o que se quer seja declarado e se pode declarar, na sentença que se profere, é (e) e não (d), (c), (b) ou (a). As vezes, nos julgados, se diz declarar-se (d), ou de-clarar-se o direito, a pretensão, a ação, ou a exceção, mas ao direito, à pretensão, à ação ou à exceção corresponde relação jurídica necessariamente, e é isso o que se declara. Os autores de ações declarativas não raro pedem declaração de (d), e são repelidos; outras vezes, de (c), e as decisões frisam o erro no pedido (e. g., 3ª Câmara Civil (lº Tribunal de Justiça de São Paulo, 9 de outubro de 1947, RT 171/ 684; 4ª Câmara Civil, 19 de agosto de 1948, 176, 743). E aconselhável, quando se pede a declaração de (cO, que o juiz busque nas postulações ou na discussão posterior salvar a ação, descobrindo qual a relação jurídica, resultante de (d), cuja existência se controverteu. Dificilmente se pede (declaração de fato jurídico sem implicitamente se haver aludido a relação jurídica, como acontece com quem pede a declaração da maioridade por ter o pai procedido como se ainda houvesse de assistir ao filho. A ação declarativa há de ter por fito declarar existência ou inexistência de relação jurídica, quer esteja em causa direito, ou pretensão, ou dever, ou obrigação, quer ação ou exceção. Não pode declarar relação puramente fática (cf. 3º Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 9 de outubro de 1947), salvas a posse e a situação publicística de posseiro de terras do Estado. A declaração de falsidade ou autenticidade de documentos

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é exceção só-aparente ao princípio de que se não declara mero fato. Baseado no texto acima, o Juízo de Direito da lª Vara Cível do Estado da Guanabara, a 8 de junho de 1961 (DJ de 20 de junho), decidiu, em duas ações: ‘O que a autora intenta não é a declaração de inexistência de relação jurídica, mas da inexistência de necessidade para a retomada, o que implica a consideração de matéria nitidamente de fato, envolvendo, inclusive, a possibilidade de utilização do imóvel pelo modo alegado na notificação e a situação da retomante quanto à premência, ou não, da mudança da instalação de sua seção de penhores.” 2. Relaçâo Jurídica declaráveis No conceito de relação jurídica declarável não está apenas a estrutura abstrata da relação jurídica (e. g, locação, compra e venda), está tudo que com ela existe e só existe devida a ela. Declara-se a relação jurídica de domínio, mas pode-se pedir também que se declare que o domínio não sofre a limitação a, ou a restrição b. Por outro lado, a pretensão derivada de relação jurídica divisível pode ser objeto de ação declarativa parcial (Adolf Schõnke, Lehrbuch des Ziuilprozessrechts, 7º ed., 172). O que se não admite são pedidos de declaração de deveres, direitos, pretensões, obrigações, ações ou exceções em geral, como o direito dos trabalhadores a aumento de salário; ter-se-ia de referir alguma relação jurídica (em que estivesse o trabalhador A), ou algumas relações jurídicas (em que estivessem os trabalhadores A, B e C), ou todos os trabalhadores da subclasse A. Pode-se pedir a declaração de ser de locação ou de comodato a relação jurídica cuja existência não se discute, ou, em geral, qual a espécie da relação jurídica concreta que se sabe que existe. Há ação declarativa para declarar-se, positiva ou negativa-mente, a existência de relação jurídica, quer de direito privado, quer de direito público, quer de direito de personalidade, quer de direito de família, das coisas, das obrigações ou das sucessões, civis ou comerciais. Exemplos: relação de direito ao nome, de direito de alimentos, de direito matrimonial (como se certa pessoa é casada ou não, V Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 5 de agosto de 1946, RT 164/303). As relações jurídicas de direito de vizinhança e quaisquer relações jurídicas resultantes de limitações ou restrições ao direito de propriedade podem ser objeto de ação declarativa (para as limitações, 3 º Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 2 de maio de 1947, RT 169/127). A eficácia ou ineficácia da dívida ou do encobrimento de eficácia por alguma exceção é apurável em ação declaratória (e. g., quanto à prescrição, 5º Cãmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 8 de agosto de 1947, RT 170/202). A decisão do juízo da 6º Vara Cível do Distrito Federal, que se inseriu em RF 108/114, e o voto publicado em 65, 405, no sentido de não se admitir ação declarativa de relação jurídica dominial são de repelir-se radicalmente. Nem se discute, em doutrina, o cabimento (e. g., Leo Rosenberg, Lehrbuch des deutschen Ziuilprozessrechts, 5” ed., 369; Adolf Schõnke, Lehrbuch des Zivilprozessrechts, 7º ed., 171; Adhur Nikisch, 21-vilprozessrecht, 2ª ed., 151 s.; Wolfgang Bemhardt, Grundriss des Zivilprozessrechts, 2ª ed., 95). Prazos de prescrição e prazos de preclusão podem ser objeto de ação declaratória (Adolf Schõnke, Lehrbuch, 7º ed., 173), desde que se refiram a relação jurídica concreta: o que se vai declarar é essa relação jurídica, tal como é (ou não mais é), e tal como está. São relações jurídicas declaráveis quaisquer relações jurídicas: relações jurídicas matrimoniais, parentais, de tutoria e curadora, de pátrio poder, qualidade de herdeiro de pessoa morta, relação jurídica de trabalho, ou de sociedade, ou de participação em lucros, quaisquer relações jurídicas de obrigação, relação jurídica correspondente a direito ou dever de nome, à firma ou nome comercial, ao domínio e outros direitos reais, posse, propriedade intelectual, direitos em bens imateriais, propriedade industrial, direito à denúncia (cf. Adhur Nikisch, Zivilprozessrecht, t ed., 152), à resolução, à resilição, à rescisão e, em geral, quaisquer direitos formativos, ou geradores, ou modificativos ou extintivos, e quaisquer direitos expectativos, relações jurídicas oriundas de direito de personalidade, ou correspondentes a esse direito. Somente há relações jurídicas entre pessoas; e o falar-se de relações jurídicas com o coisa foi velhíssimo erro de juristas, que denunciamos (Tratado de Direito Privado, 1, §§ 39 e 43; 11, §§ 113, 2, e 114, 1; VII, §§ 727, 734, 1, 736, 1, 737, 1, e 743; X, § 1.059, 2; Xl, § 1.162, 6; etc.). A ação declarativa somente produz coisa julgada; a coisa julgada é de eficácia só entre partes, na tradicional sistemática consagrada no Código de 1973, art. 472. Daí se há de concluir que só o procedimento edital pode estender a força sentencial às demais pessoas. Cabe ação declarativa quanto à existência ou à eficácia, ou à existência e à eficácia, positiva ou negativamente,

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de cláusula de juízo arbitral (Leo Rosenberg, Lehrbuch des deu tschen Zivi)prozessrechts, 5º ed., 370), sobre o direito expectativo do fideicomissário, sobre a relação jurídica tal como foi declarada em sentença de decla-ração (em vez de embargos de declaração), sobre executividade ou não-executiviclade de titulo ou qualquer eficácia de dívida.

A respeito convém advertir-se em que a preclusão do prazo para os embargos de declaração, quer no primeiro grau de jurisdição quer no segundo grau de jurisdição, de modo nenhum atinge a ação de declaração da relação jurídica que foi objeto de força ou eficácia declarativa de sentença. Porque, então, o que se quer declarado é a relação jurídica, e não a sentença.

Relações jurídicas de direito processual são suscetíveis de declaração, se não é necessário que somente no correr do procedimento (= dentro da relação jurídica processual) tal declaração se possa dar. São exemplos de ação declarativa de relações juridicas processuais a ação do credor que pede declaração de haver proposto ação contra o devedor insolvente (Adolf Schõnke, Lehrbuch des Ziuilprozessrechts, 7ª ed., 172) e as ações declarativas de que foi assinado o auto de arrematação e de que pende ação de nulidade da arrematação, nos casos em que não possa ser produzida, tempestivamente, a certidão do escrivão.

A existência de execução forçada entre devedor comum e credor pode ser objeto de ação declarativa, e já o autor ingressa no concurso de credores com tal prova; bem assim a de estar insolvente o devedor, porque a insolvência cria a relação jurídica de admissão a concurso.

Alguns autores e julgados dizem que a ação declarativa é preventiva (e. g., 1ª Vara Cível do Distrito Federal, 3 de setembro de 1948, DJ de 16 de outubro de 1948, 2.764); mas tal afirmação é totalmente falsa: não há qualquer preventividade, ou cautelaridade, na ação declarativa. Nem merecem atenção os que o escrevem sem pensar.

São ações declarativas, de rito especial, a justificação a que se refere o direito falencial, a propósito de conta extraída dos livros comerciais, que se há de verificar judicialmente, a declaração de falsidade de documento, se o devedor, cuja abertura de falência foi objeto de pedido de decretação, a alega, ou, se se trata de sociedade de pessoas, qualquer sócio, e em geral as justificações que tenham por objeto relação jurídica, ou a falsidade ou a autenticidade do documento ou outra prova.

Nada obsta à ação declarativa positiva já poder o autor propor ação condenatória ou executiva, nem à ação declarativa negativa ter o autor a ação constitutiva negativa por invalidade, ou resolução, ou resilição, ou rescisão. O domínio e qualquer outro direito real podem ser objeto de ação declarativa — há relação jurídica que se quer afirmar ou negar. A decisão da 2ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 30 de março de 1948 (RT 173/9 17), que negou a ação declarativa a quem tinha o “caminho mais largo da ação de condenação”, ofendeu a letra da lei e os mais elementares princípios de julgar. Acertadamente, a 4ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 9 de setembro de 1948 (177, 299), admitiu-a ainda se já pendente ação executiva de títulos (cf. Decisão do Juiz da 2º Vara do Distrito Federal, DJ de 29 de setembro de 1948, 7472: é indiferente que o autor possa desde logo promover a ação condenatória, porque é direito seu optar por uma delas”).

Se o autor propõe a ação declarativa e já poderia propor a condenatôria, nada obsta a que depois proponha essa. Se propõe a condenatória e, depois, a declarativa, pode ser-lhe oposta a exceção de litispendência. Passa-se o mesmo a respeito da ação executiva Porém a litispendência gera apenas exceção, não pré-elimina ou elimina a outra ação. Nem obsta à ação declarativa o ter sido apreciada, noutra ação, a relação jurídica, salvo se a decisão na ação anterior produz coisa julgada material. Nas ações condenatôrias, o elemento declarativo é, de regra, suficiente para produzir coisa julgada material. A ação declarativa é proponível para se apurar se o locatário tem a relação jurídica de locação a despeito de haver morrido o sublocatário (6º Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federa), 5 de novembro de 1946).

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A ação declarativa não cabe para se interpretar a lei. Seria absurdo que se confundisse o seu objeto, que é afirmar ou negar a existência da relação jurídica, com o dicere íris, que — no sistema jurídico brasileiro — só se tem incidenter, ou como premissa dos julgamentos, ainda na espécie do recurso especial, por ser a interpretação invocada, diversa da que lhe haja dado qualquer dos outros tribunais. Não pode servir para fixar interpretação de lei (3ª Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Distrito Federal, 12 de outubro de 1945, RF105/ 516; O D., 42, 406), posto que, no declarar a relação jurídica, tenha de interpretar a lei, ou, até, adotar uma dentre duas ou mais interpretações, ou outra, que ao juiz pareça a acertada. Aliás, ao interpretar negócios jurídicos ou atos jurídicos stricto sensu, passa-se o mesmo, e não se pode dizer, como fez a 5ª Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Distrito Federal, a 8 de janeiro de 1946 (Ad 77/301), que, se a interpretação do contrato dá margens a incertezas, cabe, sempre, a ação declarativa. Seria preciso que a interpretação o levasse à afirmação de existência ou de inexistência de relação jurídica, ao passo que à negação a interpretação b. Mais absurda ainda foi a decisão da 8º Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Distrito Federai, a 7 de agosto de 1946 (RF 109/126), que a admitiu, simplesmente, para interpretação de contrato, e permitiu a reconvenção condenatória. E levar-se muito longe a desatenção à natureza da ação (certa, a 3ª Câmara Civil do Tribunal de Apelação de Sâo Paulo, a 24 de abril de 1946, RT 164/ 225).

Tampouco é de admitir-se ação declarativa para dizer-se se é válido, ou não, um contrato, se é nulo ou anulável, ou se é válido ou não, nulo ou anulável negócio jurídico ou ato juridico stricto sensu. A 3ª Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, a 17 de julho de 1946 (RT 263/757), conheceu de ação para dizer se era válida, ou não, determinada cláusula contratual, mas tal atitude aberra dos principios: a ação concernente à invalidade é ação constitutiva negativa, em que se postula ser nulo ou anulável o ato jurídico, e não se confunde de modo nenhum com a ação declarativa. Quem desconstitui não declara, desfaz. Declara-se a existência da relação jurídica ou de sua eficácia. As ações declarativas são ações no plano da existência ou da eficácia. As ações constitutivas negativas por invalidade supõem questão no plano da validade.

A ação declarativa não cabe para se enunciar que se deu algum fato que não entrou, ou não entra no mundo jurídico, desde já, nem é inevitável que entre. Essa é a razão para se não poder por ela dizer, em vicia de alguém, que o réu será indigno de suceder, ou será justa a causa de deserdação (1ª Câmara Cível do Tribunal dc Apelação do Rio Grande do Sul, 2 de janeiro de 1946, RF 113/455). Se repartição pública certificou um fato e depois o negou, cumpre indagar-se se esse fato, entrando no mundo jurídico, produziu relação jurídica. Se a produziu, é de propor-se a ação declarativa positiva. Se não se produziu, pode propor ação declarativa negativa quem tenha interesse em tal declaração (não se pode, a priori, dizer como disse a 3º Câmara Civil cio Tribunal de Apelação de São Paulo, a 24 de outubro de 1945, RT 160/99: “A ação declaratôria não é meio apropriado para se desfazer contradição entre afirmativa constante de certidão fornecida pelo poder publico e posterior negativa do fato, por edital, sob alegação de que resultou de erro da repartição”, pois é possível, aí, afirmativa ou negativa de relação jurídica).

Na ação declarativa, a postulação há de consistir em afirmação da existência ou da inexistência da relação jurídica, ou da autenticidade ou falsidade do documento. Não pode consistir em consulta, em exposição da própria dúvida, sem afirmação (1º Câmara Cível cIo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, 18 de março de 1948, O Diário, de Belo Horizonte, de 5 de maio de 1948: ‘Deve indicar qual a solução que deseja”). 3. Eficácia preponderante. A eficácia preponderante da sentença declarativa é a de coisa julgada material. A eficácia imediata, de regra, é a eficácia mandamental. Na ação declarativa, a sentença que passa em julgado tem eficácia para preceito e a execução do que houver sido declarado somente pode promover-se em virtude de sentença condenatória. 4. Interesse jurídico na declaraçâo e pressupostos. O interesse jurídico na declaração não precisa ser de direito privado, pode ser de direito público, ou moral, no campo privado ou no campo público (e. g., político).

A declaração pré-exclui qualquer incerteza sobre o que se declara e qualquer ato, positivo ou negativo, que se choque com a declaração, contradiz o que o autor tinha interesse em que se dissesse Todavia, convém frisar-se que o interesse pode existir sem que se preveja ou possa ocorrer qualquer ato, positivo ou negativo, de quem é pólo da relação jurídica, ou do réu, que o não é, porém contra o qual se propôs a ação declarativa da relação jurídica.

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O interesse jurídico precisa consistir em que se declare. E basta que haja esse interesse. Tem-se dito que, se foi intentada a ação de condenação, não há mais interesse na declaração; mas os que assim pensam trasladam para o terreno do interesse de agir o que se há de por no terreno da litispendência. O réu que oponha a exceção de litispendência, se o prefere. Os que fizeram concessões na trasladação da matéria tiveram de atender a que, por exemplo, pode o autor ter interesse em que se declarem, por ser mais presto o procedimento, praticamente (e. g, Adolf Schõnke, Lehrbuch des Zivilprozessrechts, W ed., 173). O interesse na declaração pode existir ainda se a ação de condenação foi proposta e há outra pretensão ou outras pretensões que se irradiem da relação juridica.

Se, na ação declarativa positiva, o réu afirma a inexistência da relação jurídica, ou, na ação declarativa negativa, a existência, mas falta algum pressuposto processual de admissibilidade ou de eficácia para autor e réu, a sentença que o julga inexistente, não nega a existência, ou não a afirma, porque não julgou o fundo (cf. Leo Rosenberg, Lehrbuch des deutschen Ziuilprozessrechts, 5ª ed., 373; Konrad Hellwig, Klagrecht und Klagmôglichkeit, 64; Georg Schúler, Der Urteilsanspruch, 45 s). Se o réu, a despeito da falta de pressuposto processual, reconhece a relação jurídica ou a inexistência de relação jurídica, não tem o juiz de julgar o fundo, de modo que tal reconhecimento não tem qualquer efeito

Não precisa a ação de ter havido alguma violação de direito, nem, sequer, ameaça (Franz Klein, t/orlesungen, 195), ou rumor de negação, ou mesmo qualquer negação. Mas o autor tem de mostrar o interesse, não só em se declarar (se bem que possa ser em segredo), porém na existência da relação ou na inexistência, ou na autenticidade, ou não, do documento. Tudo isso tem aplicação quanto à ação declarativa, porém não quanto à declaração mesma. Evitar ação futura é um dos interesses. Provar o que disse a amigos, quanto ao objeto da ação, é outro. A situação do autor em ceda religião basta (Rudolf Pollak, Systemdes ôsterreichischen Zívi(prozessrechts, 12). Ser posto fora de sociedade, ou clube, ou defender-se de acusação pública. Interesse científico, doutrinário, ou jurídico, na declaração (não na relação a ser declarada!) não basta (Rudolf Pollak, Svstern des ôsterreichischen Zivilprozessrechts, 12), ainda que de ciência econômica e de informação (Hans Sperl, Lehrbuch der búrgerlichen Rechtspflege, 1, 311) tampouco, o de dificuldade de prova. O interesse na interpretação da lei, de que resultaria a existência de relação jurídica ou não, é interesse suficiente à declaração. Não o interesse abstrato ou somente em tese.

A cumulação de ações declarativas é sempre possível. A 3ª Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Distrito Federal, a 2 de abril de 1940 (AJ 55/273), teve ensejo de aplicar o princípio. Observamos que tal cumulação é possível ainda que as outras ações não sejam declarativas.

A legislação fiscal possui regra segundo a qual a defesa só se permite, contra a Fazenda, estando seguro o juízo, pela penhora, ou depósito prévio da importância. O Supremo Tribunal Federal, por sua 1º Turma (24 de setembro de 1941, RF 92/95), julgou que, sendo ré a Fazenda e tratando-se (entenda-se) de dividas fiscais, o autor da ação declarativa está obrigado a segurar o juízo. É Bem difícil sustentar-se isso, tanto mais quanto o exercicio da pretensão à declarativa por parte do autor da ação declarativa típica não obsta ao exercício da ação executiva da Fazenda Nacional. O direito brasileiro somente conhece limitações ao exercício das ações quando criadas por lei expressa (e. g., a caução às custas).

Tampouco, o fato de existir o rito especial para a ação de cobrança ou outra ligada à mesma pretensão de direito material, a que se prende a ação declarativa, constitui óbice à ação declarativa. Exemplo assaz expressivo tem-se na ação declarativa para relações de direito (1º Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 4 de abril de 1942, RF 91/451) ou documentos que tenham de ser apreciados em processo de falência.

No acórdão da 4ª Câmara Cível da Corte de Apelação do Distrito Federal, de 25 de abril de 1941 (D., X, 349), disserta-se sobre ação declarativa de modo um tanto perigoso, quer pela insistente referência a “petitório”, como se petitório fosse o que não é declarativo, quer por se dizer que a ação declarativa tem por fim principal ‘prevenir” violação de direito (?). A ação declarativa nada colima prevenir; busca a sentença de declaração, tão-só. Nada mais nocivo à cultura jurídica que essas tiradas sem terminologia escorreita, baralhando conceitos (AJ 24/374; RT 139/302). Depois, tais frases sem pertinência se repetem noutras sentenças, com dano para a justiça. (Aliás, a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, a 3 de outubro de 1940, RF 86/342, ainda não havia descoberto o ad 2º, parágrafo único, e por isso afirmou que no Código de Processo Civil (!) não mais se possuia a ação declarativa).

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5.Interesse específico na declaraçâo. » interesse específico na declaração” é dispensado? Afirmativamente responde o direito austríaco (Rudolf Pollak, System des ôsterreichischen Zivilprozessrechts, 16), ao contrário do direito alemão, que fala de “interesse em obter-se rápida declaração” (Ordenação processual alemã, § 256). Em virtude do § 256 tirou-se que o interesse desaparece se o demandando declarou que não tenciona pleitear contra o autor, ou renunciou a isso, se tinha, antes, o intento —confusão evidente com o interesse “na relação”. O direito brasileiro dispensa esse interesse chamado especifico na declaração. O interesse que ele exige é o interesse na existência ou não-existência da relação jurídica; na falsidade ou autenticidade do documento. Não é preciso que o autor não possa lançar mão de outros meios. O uso das vias processuais, que correspondem a pretensões diferentes (declarativa, constitutiva, condenatária, mandamental, executiva), pode ser alternativo (ou um ou algum dos outros), porém, de regra, nenhuma ordem de sucessâo se estabelece para eles.

O interesse tem de ser quanto à relação jurídica afirmada ou negada, e não segundo o “sentir” do autor (Franz Klein, Varlesungen, 194). E extremamente interessante saber-se se a pretensão do autor ou do réu é pretensão acionável ou nâo-acionavel (pretensão com ou sem ação); isto é, a relação, jurídica negada ou afirn’iada poder ser uma de que só resulte pretensão sem ação (Georg Kuttner, Die privatrecbt(ichen Ne-benwirkungen der Ziuilvrteile, 59; Stein-Jonas, Kornmentar zur Zivilprozessordnunq, 1, 700; restrições em Hans Sperl, Lehrbuch der bbrqerlicben Rechtspflege, 1, 313). A ação declarativa émeio de explicitação. Também se declara a inacionabilidade.

Assim, a ação declarativa pode ser proposta para que se declare o direito, ou o direito e a pretensão, ou o direito, a pretensão e a ação, ou a exceção. Também se pode pedir a declaração de que o direito do réu é mutilado, isto é, que não tem pretensão e ação, ou somente não tem ação. Outrossim, há ação declarativa para se dizer se a pretensão ou a ação está prescrita ou não, ou se precluiu.

A ação declarativa típica entrara no Brasil, em alguns Códigos de Processo locais anteriores, entre os quais o do Distrito Federal (Decreto n° 16.572, de 31 de dezembro de 1924), arts. 576-580, a Lei do Estado de Minas Gerais nº 1.111, de 19 de outubro de 1929, e o Código de Processo Civil de Mato Grosso, arts. 583-587. A extensão dela a todo o território só se operou, explicitamente, com o Código de Processo Civil, em 1939, sem que se possa dizer que não existia.

Desde o século XVI, teve-a a Escócia; a partir de 1852, as ilhas británicas tiveram-na; a reforma judiciária de 1873, extinguindo a distinção entre tribunais de equidade e tribunais de direito comum, reforçou-a; depois, a Alta Corte fez-se competente, por delegação do Parlamento, para declarações vinculatórias de direitos, ainda que não fosse pedida, ou o fosse, ou se pudesse pedir condenação. Em 1893, foi ainda mais longe: admitiu a ação declarativa, ainda para interpretação de documentos. Em 1916, 65º dos processos perante os tribunais da Chancelaria foram ações declarativas. Bem expressivo.

Alguns Estados membros adotaram, nos Estados Unidos da América, formas incompletas, tais como, em 1850, a Califórnia (ação declarativa negativa) e Illinois (interpretação dos testamentos). Desde 1918, a American Judicature Society e a American Bar Association propugnavam a acolhida da ação declarativa. Essa, com o propósito de uniformizar as leis estaduais, pediu a completa adoção, o que alguns Estados aceitaram. Outros só o fizeram em leis especiais.

A Alemanha teve-a desde 1877, com a Ordenação Processual Civil, revista em 1898, § 256 A Áustria, em 1895 (§ 228 da Ordenação Processual Civil).

Mas a ação declarativa de que ora falamos é apenas a ação declarativa geral, isto é, para quaisquer espécies em que se haja de declarar a existência ou inexistência de relação jurídica, ou a falsidade ou autenticidade de documento. A novidade está mais no enunciado geral do que no objeto: ações declarativas sempre houve, inclusive acidentais; e a declaratividade imediata aparecia frequentes vezes.

A ação declarativa, a que se faz referência especial, a propósito de interesse jurídico, dito interesse

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legítimo no ad 76 do Código Civil, declara (= faz claro) que existe, ou que não existe direito, pretensão, dever, obrigação, ação ou exceção. Somente não pode ter por objeto algum fato, inclusive ato, positivo ou negativo, que não entrou, nem vai entrar no mundo jurídico; isto é, que permaneceu, exclusivamente, no mundo fático. A relação jurídica, que se há de declarar, pode ter provindo, ou ter de provir, de negócio jurídico, de ato jurídico stricto sensu, de ato-fato jurídico, de fato jurídico, de ato ilícito relativo ou absoluto, ou de fato ilícito. A posição de relação jurídica, no mundo juridico, é indiferente para o cabimento da ação declarativa. Pode-se pedir a declaração da relação jurídica matrimonial, ou a de alguma relação jurídica oriunda do contrato de casamento, ou da putatividade, como se pode pedir a declaração de relação judiciária cambiária, ou de relação jurídica cambiariforme, ou a declaração de relação jurídica subjacente ou sobrejacente ao negócio jurídico cambiário ou cambiariforme. Quanto à falsidade ou autenticidade de documentos, há exceção — só aparente ao princípio, mas também aí se há de exigir o interesse jurídico, que pode consistir em eventual relevância do documento para a existência ou a prova de relação jurídica.

A ação declarativa pode ser proposta para se obter sentença sobre a existência ou sobre a inexistência de qualquer negócio jurídico sobrejacente, subjacente, ou justajacente, relação jurídica que daquele ou desse resu]te, ou possa resultar. Um dos casos típicos é o da ação declarativa para se ter decisão, com força de coisa julgada, sobre ser o titulo canibiário, ou cambiariforme, ou qualquer título, mero titulo de favor.

Na sentença o enunciado que diga ter existido o favor, a accommodatio, o cômodo, a Oefólligkeit, faz coisa julgada material, para ser oposta na ação executiva, ou noutra ação que pretenso credor proponha

Enquanto não se tem sentença trânsita em julgado, rege a espécie o princípio da reunião de ações conexas. § 5º Documento e ação declarativa 1. Documento. A expressão documento” tem como conteúdo qualquer escritura, pública ou particular, contas, recibo, cópia, manifestação gravada de conhecimento, de vontade ou de sentimento (e. q., B perdoou, e a declaração foi gravada), cédulas, síngrafos, quirógrafos e qualquer elemento material que tenha relevância ou concorra para a prova de alguma relação jurídica, e nela esteja interessado o demandante. ‘Documento” vem de documentam, de docere; e o sentido que aqui importa entrou cedo no latini (B. Philip Vicat, Vocabularium luris utriusque,11, 2ª ed., 71: “Documenta, quibus aliquid docetur, vel probatur”; cf. L. 25, C., de probationibus, 4, 19, em que, no ano 382, se exigiu que os acusadores levassem ao conhecimento público noção que estivesse provada por testemunhas idôneas, “quae munita sit testibus idoneis”, ou instruída de evidentíssimos docu-menlos, “vel instmcta apertissimis documentis”, ou de fácil prova por indícios indubitáveis e tão claros como a luz, “vel indiciis ad probationem indubitatis et luce clarioribus expedita”). Se há incerteza jurídica, por poder ser autêntico, ou não, o documento — no senso largo que é o da ação declarativa — basta à propositura, porque se há de ligar, como instrumento, ou como prova, a alguma relação jurídica. A cada em que há indícios de adultério do cônjuge é documento, de cuja autenticidade ou falsidade se pode pedir a declaração. Bem assim o bilhete em que se marca hora de encontro e tal momento coincide com o do assassínio, ou tentativa de assassínio, ou roubo ou ludo, ou outro crime de quem o escreveu. 2.Autenticidade e falsidade do documento. Uma vez que a alguém se atribui a feitura, ou apenas a assinatura, ou a manifestação de vontade, de conhecimento, ou de sentimento, gravada, a vontade da atribuição é a autenticidade. O que importa é a afirmação, ou a negação da proveniência do documento. Se não foi a pessoa, a que se atribui a feitura, ou a assinatura, ou a carimbagem, ou a manifestação oral gravada, que fez o docu-mento, ou que o assinou, ou que o carimbou, ou que falou para a gravação, o documento é falso. O texto pode ter provindo da pessoa, que vai ser ou é o demandado, e não a assinatura. O texto pode ser de pessoa desconhecida, ou de alguém que se saiba quem foi, e não o ser na assinatura. Texto e assinatura podem ser de outrem. Nos três casos, há falsidade. isso não afasta a autenticidade das assinaturas a rogo, nos casos em que a lei o permite.

Surge o problema da assinatura em papel em branco. Se o signatário costuma fazê-lo e houve abuso de

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confiança, por exemplo, de algum empregado, ou parente, ou amigo, ou pessoa estranha o utilizou, pode o demandado arguir que houve abuso do papel em branco, com o preenchimento ou aumentos que o signatário não quis. O demandado sustenta que o texto não foi escrito por ele, mas reconhece a assinatura. Ora, o documento não é falso; é autêntico. O que houve foi abuso do papel assinado em branco. A decisão do juiz, na ação declarativa, favorável ao demandado, seria de graves consequências, porque teria de apreciar o crime do demandante, ou de outrem. Não se pode dizer que se trata, aí, de exercício de exceção pelo demandado; nem seria, no caso, ação de desconstituição, por invalidade, exercida dentro da ação declarativa. Não se trata de exceção, mas sim de objeção. E problemas sutis aparecem se trata de titulo cambiário ou de titulo carnbiariforme. A decisão do juiz, na ação declarativa, não pode atingir quem estava de boa-fé na aquisição do título, nem, sequer, os que avalizaram ou endossaram.

As assinaturas cambíarias, isto e, as vinculações cambíanas, porque cada fim é vinculante, permanecem na situação jurídica que assumiram, pela declaração unilateral de vontade recolhida no título cambiário, a despeito da falsidade ou da falsificação das outras firmas. Só se exige que o título cambiário, como ato unitário, tenha aparência suficiente. Donde dois princípios, que convem pormos em relevo: a) se ha no titulo assinaturas autenticas e, em si, cambiarizadas e eficazes, mas uma assinatura, a do figurante direito, existe, que, por ser visivelmente falsa ou falsificada, não pode prevalecer e invalida o titulo, ou se existe falsificação do contexto do título cambiário, de modo que se exclua, abertamente, a aparência de legitimidade do título, nenhum valor têm aquelas assinaturas autênticas e, em si, existentes, válidas e eficazes; b) se todas menos uma das assinaturas lançadas no titulo cambiário são falsas ou falsificadas, mas a aparência éde titulo cambiário legítimo, o que lançou a única firma verdadeira vinculou-se cambiariamente. São as hipóteses extremas.

A respeito de a), observemos que não dissemos que a visibilidade do falso ou da falsificação pré-exclui que alguma pessoa se vincule, mas sim que ninguém se vincula se o falso ou a falsificação é de tal natureza que afaste pensar-se na legitimidade do título. E difícil compor-se tal espécie, mas a teoria tem de supor que alguém falsifique, por exemplo, no Brasil, a firma de alguma personalidade estrangeira, ou nacional, de jeito a ser aparente a não-seriedade da criação do título cambiário.

Chama-se assinatura falsa àquela que não é autêntica, ou não autorizada pelo aparente figurante, quer seja o seu nome, como firmante, que figure no título cambiário, quer outrem se diga com poderes para assinar. Chama-se assinatura falsificada àquela que se obteve por meio de acréscimos, de cancelamentos ou de modificações de assinatura autêntica ou autorizada. Por exemplo: Pela Companhia X, F., modificada para E. J. Comes modificada para J. Comes & Cia., com o que se pretende vincular a firma, em vez do sócio; Antonio Macedo Silva, modificada para Antonio Macedo. O primeiro caso foi objeto de julgamento da 2ª Cámara Cível da Corte de Apelação do Distrito Federal, a 5 de abril de 1929 (RD 93/550). A firma autêntica que foi alterada continua obrigada, no que se diferençam, essencialmente, no domínio do direito cambiário, a falsidade e a falsificação. A firma que se conseguiu mediante a falsificação não fica obrigada, porque o signatário aparente não exprimiu qualquer vontade cambiária muito embora, conforme dissemos a propósito da vontade cam-biarianiente suficiente, possa ele proceder de modo que se tome vinculado cambiário. Aliás, o mesmo ocorre, e já o vimos, a respeito daquele cuja firma falsa figura no titulo e da assinatura de outrem, como no caso do analfabeto.

Se a falsificação é aparente, isto é, se nota, sem espírito prevenido, ao exame do título cambiário, o ônus da prova de não a haver cabe ao possuidor; se não é aparente, àquele que figura aparentemente como obrigado. Mas, ainda que o aparente obrigado prove a falsificação não-evidente, pode o possuidor provar que esse, por ato de ratificação, a que acima nos referimos cambiariamente se vinculou. O Tribunal da Relação de Minas Gerais, a 4 de maio de 1927 (AJ II, 511), considerou com ônus a prova o réu, mas ao que parece, tratou-sede falsidade invisível. Semelhantemente, o Tribunal de Justiça de São Paulo, a 8 de agosto de 1931 (RT 80/47). A Jurisprudência é no sentido do que dissemos.

Tudo isso é de grande relevância.

A inexistência da pessoa que figura como endossante pode prejudicar o seguimento da série dos endossos, porque se há de ter como legitimado, formalmente, o último endossatário, quer dizer, o anterior a ele, sem que se afaste a hipótese de prova suficiente para restaurar a ordem dos endossos. A inexistência do avalista

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só prejudica a sua vinculação (7ª Câmara Cível da Corte de Apelação do Distrito Federal, 19 de junho de 1933 (RD 110/378). Em todo o caso, ã possível ao avalista desse avalista aproveitar o fato da inexistência, porque, normalmente, houve erro fundamental na vontade cambiária? Não. 3. Subscrição ou indicação de pessoa imaginária; falsidade ou falsificação das requisitas da letra de câmbio. Se a subscrição ou a indicação de pessoa imaginária não constitui razão bastante para a não admissão do titulo cambiário como ato unitário o principio da autonomia mantém as vinculações que foram assumidas pelas declarações unilaterais de vontade. Tudo ocorre como a respeito das assinaturas falsas ou falsificadas.

Outrossim, a falsidade ou a falsificação de requisitos do título cambiário, que não prejudique o todo unitário do título cambiário é suscetível de tratar-se segundo o princípio da autonomia. A respeito da falsificação do contexto, ou de alguma declaração cambiária, a doutrina divide-se entre os que querem a inexistência do ato ou de qualquer efeito da obrigação, por incompatibilidade resultante da superposição de um texto nãoquerido a texto querido, sendo aparente, exatamente, o não-querido, e aqueles que afirmam a necessidade de existir o ato, segundo certos princípios. O caso mais grave é o da falsificação invisível, que deixa ao título a sua aparência de legitimidade cambiária. Os que declararam a sua vontade cambiária antes da falsificação respondem nos limites da obrigação originária (Tribunal de Justiça de São Paulo, 9 de setembro de 1924, RT 51/518), isto é, da obrigação verdadeira; os que se obrigaram posteriormente, conhecendo já, portanto a nova aparência do titulo cambiário, obrigam-se nos termos dos novos dizeres do título. O principio, que é princípio geral de direito cambiário, aparece, escrito, na Lei uniforme, art. 69: “En cas daltération du texte d’une lettre de change, les signataires postérieurs à cette altération sont tenus dans les termes du texte alterê; les signataires antérieurs le sont dans les termes du texte originaire”. Assim, de espaço, resolveram os acórdãos da Relação de Minas Gerais, a 25 de setembro de 1918 e a 15 de fevereiro de 1919 (RF 31, 48 e 430). E sempre a aparência que decide. Cada um se obriga conforme a aparência de que se fiou. Interessante é observar-se que um vinculado ao tempo do título ileso pode vir pela aquisição do título já falsificado ou pela aposição de aval, a vincular-se segundo o novo texto, isto é, segundo o texto falsificado. O postulado da autonomia das obrigações cambiárias vai até aí: o tomador de titulo cambiário, que depois o adquire, já falsificado, e o endossa, como obrigado do primeiro endosso responde pelo título originário e, como obrigado do endosso posterior, responde segundo o texto falsificado.

Nada importa se o lugar do texto cambiário, em que ocorreu a falsificação, é essencial, ou não é essencial. O momento em que se deu a falsificação é de grande importância. Daí a necessidade de prova segura, sem que isso afaste certas presunções. O ônus da prova obedece ao critério da visibilidade ou invisibilidade da modificação falsificante, de que já falamos. Em juízo, estabelecida a existência da falsificação, o ônus da prova de que o signatário se obrigou após ela vai ao possuidor, se não se vê do título.

Se a falsificação é visível e toca à soma prometida, discute-se se os que se obrigaram por menor quantia respondem por ela, isto é, se é preciso que, na resposta à arguição, de dê prova (ônus do possuidor) de que aquela obrigação existia, ou se a falsificação visível posterior elide a ação cambiária executiva, ou de elide qualquer ação cambiária. A segunda solução foi a que adotou, a 10 de novembro de 1934, a Corte de Apelação de Minas Gerais (RDC, V. 327-329); a primeira é de brilhante voto vencido de Gustavo Pena. A terceira é inaceitável. O juiz é que devia, ao deferir o pedido do executivo, ter examinado o título. Não o fez. A Corte de Apelação de Minas Gerais, diante da confissão do obrigado quanto à menor quantia, podia ter decidido melhor, com o voto vencido.

Ainda que a assinatura não seja do próprio punho da pessoa, se nisso consentiu (Tribunal de Justiça de São Paulo, 20 de setembro de 1926, RT 60/38), vinculada é. Outrossim, se o ratificou, ou, interpelada, ou ciente, ou devendo conhecer o falso, não fez declaração contrária à generalidade, ao alter. 4. Atos e silêncio confirmativos. Além da ratificação expressa, por ato explícito de vontade, ou do reconhecimento, ou da execução voluntária ou consentida, ou de qualquer inserção ratificadora da vítima do falso ou da falsificação no nexo cambiário, é preciso atender-se aos efeitos volitivos do silêncio. Também o silêncio confirma. Ou porque o signatário aparente foi interne-lado pelo possuidor, como se, em cada, ou pessoalmente, lhe pergunta esse se a firma é verdadeira, sem que obtenha resposta ou porque venha ele a saber

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da falsidade ou da falsificação da sua firma, sem providenciar, ou porque devesse saber, é sempre de reconhecer-se o valor expressivo do silêncio.

Porém não só a falsidade e a falsificação da firma. Também a falsidade e a falsificação do texto permitem interpelações, em que o silêncio do interpelado importe ratificação, bem assim assunção da obrigação cambiária por parte do subscritor aparente, que sabe, ou que deve saber, da circulação de um título cambiário em que a sua firma aparece, com elementos tais que não seja denunciável, pela visibilidade, o falso ou a falsificação. Todo silêncio diante do alter obriga, porque a aparência é que importa e os três postulados do direito cambiário exigem tais soluções. Daí a necessidade de comunicações ao público, suficientemente divulgadas, para que se evitem os efeitos da possível boa-fé dos possuidores do título. Por outro lado, tal comunicação tem consequências que não somente em relação ao signatário aparente: a falsidade e a falsificação, denunciadas à generalidade, desde esse momento se patenteiam a casa adquirente.

As noções de falsidade e de falsificação servem de base à aplicação da lei penal: todavia, é estranho o assunto ao direito privado. A eficácia da sentença declarativa vai até aí.

A alteração ou falsificação da data do vencimento, sendo visível, dá ao possuidor o ônus de provar a data verdadeira; sendo visível, incumbe ao vinculado. Em qualquer dos dois casos, o falso não toma inadmitido, a priori, o título cambiário (Tribunal de Justiça de São Paulo, 2 de agosto de 1920). O possuidor pode replicar que a emenda foi feita com anuência do obrigado (Tribunal de Justiça de São Paulo, 12 de maio e 17 de outubro de 1906, CJ 42/219). Outrossim, que a ratificou, ou, interpelado, se calou. O ônus da prova é seu. 5.Incontagiabilidade da falsidade ou da falsificação. A falsidade ou a falsificação da firma do sacador não se contagia à vinculação do aceitante, nem, tampouco, ao pagamento do sacado. É ponto, esse, em que se põe à mostra a diferença entre o saque comum e o saque cambiário. O aceitante, no direito cambiário, não tem a objeção de ineficácia do saque, nem a ação de repetição por pagamento injustificado. No entanto, se tratasse de simples negócio de direito comum, teria o aceitante a objeção e a ação, de que falamos, ainda em relação aos terceiros de boa-fé. Foi o propósito de tutelar os interesses dos possuidores de boa-fé que sugeriu o postulado da autonomia. Todos os possuidores de boa-fé, inclusive o tomador, não podem ser prejudicados pela falsidade da subscrição do sacador (Tribunal de Justiça de São Paulo, 21 de agosto de 1931, RT 80/335). Mas o direito cambiário desinteressa-se da sorte de quem quer que esteja de má-fé: em todos os casos de aquisição de má-fé, quer conhecesse o possuidor, quer devesse conhecer a falsidade, cabe a objeção do aceitante, que não é objeção pessoal, razão porque a existência de aquisição intercalar de boa-fé não a exclui. Se o aceitante conheceu, ou devia conhecer, no momento de aceitar, a falsidade ou falsificação da firma do sacador, a assunção da dívida cambiária é perfeita; então, não lhe cabe distinguir entre possuidores de boa ou de má-fé. Não tem exceção. Cumpre, ainda, advertir-se em que o adquirente, se de má-fé, de um título, pode, pela apresentação ao aceitante, que também conhece, ou deve conhecer o falso, ficar em posição de imunidade, que lhe advém da assunção perfeita da divida cambiária por parte do aceitante.

O avalista obriga-se por sua firma, ainda quando seja falsa ou falsificada a firma que avalizou. Se o falso é invisivel, nenhuma defesa tem o avalista. Se o falso é visível, então se lhe abre a porta para defender-se? Não houve a aparência, de modo que teria o possuidor de provar a genuinidade da firma principal (nas pegadas de C. 5. Grúnhut e 1(. Lehmann, bem como de O. Supino, Deito Carnbiole e deIl’Assegno bancado, 5ª ed., 215; Lorenzo Mossa, Lo Cambiaie secorido ia nuova legge, Parte prima, 376)? Os princípios não são os que regem o falso da finvta do próprio avalista? Falsa ou falsificada a firma de um ou mais de um dos avalistas conjuntos ou sucessivos, persiste a obrigação daqueles que apuseram firmas verdadeiras.

Mas o que acima dissemos necessita de maior precisão. O falso ou a falsificação pode ter sido anterior à aposição da firma do avalista, ou posterior. Pela falsidade ou pela falsificação postenor, nenhuma vinculação tem o avalista, posto que possa ter de alegar e provar a posterioridade. A distinção entre a visibilidade e a invisibilidade, no tocante á falsidade ou falsificação da firma avalizada, é sem pertinéncia, a despeito do escreveram C. 5. Grúnhut, K. Lehmann, O. Supino e muitos outros. Se era visível, viram-no o avalista e o portador posterior. Se era invisível, o avalista como que afirmou a sua autenticidade.

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A falsidade ou a falsificação no aceite da letra de câmbio não se contagia às outras firmas. O princípio da autonomia das vinculações cambiárias exige que cada obrigação tenha a sua sorte. Os que se vincularam antes da falsificação, vinculados ficam pela autenticidade do aceite — portanto, ao pagamento, porque prometeram aceite autêntico. Os que se vincularam depois, respondem como se fora autêntica a firma falsa. Surge a questão da responsabilidade de quem apresentou o título ao aceite, no caso de falsidade. Os sucessivos possuidores do título cambiário têm ação de dano; e os obrigados anteriores de regresso, objeção de negligência, pois que o possuidor, ex hypothesi, faltou à sua obrigação de diligência cambiária.

A falsidade da firma de um endossante não atinge os outros endossos. Os princípios são os mesmos, cumprindo advertir-se em que o obrigado que paga não é adstrito a verificar a autenticidade dos endossos. Não quer dizer isso que o último endossatário possa legitimar-se sem a autenticidade da subscrição do endosso que lhe foi feito. O passado imediato é de importância capital na legitimação dos endossatários. § 6º Exame do interesse jurídico 1. Precisões. Quanto ao interesse jurídico, temo juiz de examinar, de ofício, se o demandante da declaração tem interesse jurídico em que se declare. As vezes, não o tem, mas o tem como demandante em ação embutida, ou em ação incidental.

O interesse jurídico pode consistir em haver incerteza ou insegurança, devido à conduta do demandado, ou dos demandados. Porém pode haver outro motivo que crie perigo, ou possa criar perigo, para a esfera jurídica do demandante, ou apenas haver necessidade ou conveniência em que se apresente a alguma autoridade, ou a terceiro, ou a terceiros, ou ao público, a declaração. Mais: o motivo pode ser apenas de servir a decisão para que o demandante planeje ou oriente a sua conduta (cf. Leo Rosenberg, Lehrbuc/ des dentsclien Zivilprozessrechts, 5ª ed., 372). Outras podem ser as causas do interesse jurídico.

Se o interessado já propós ação de condenação, ou ação executiva, ou outra ação, em vez de propor a ação declarativa, falta o interesse juridico na declaração, pois na ação já proposta se tem de examinar e declarar a existência, ou a inexistência da relação juridica em litígio, ou a autenticidade ou falsidade do documento. Se o interessado podia propor alguma das ações referidas, e não o fez, nada obsta à propositura da ação declarativa. A possibilidade da ação de prestação vencida, ou por vencer-se (prestação futura), não impede que se proponha a ação declarativa.

A conveniência de se propor a ação declarativa, em vez de se propor outra ação pode resultar de serem duas ou mais as pretensões que resultam, ou vão resultar, da relação jurídica, ou do documento, cuja autenticidade ou falsidade está em dúvida.

O interesse pode consistir em que se declare a sucessividade da prestação do demandante, ou do demandado, ou a pretensão à prestação por empresa de seguros, ou a que o demandado preste a parte do que lhe cabe prestar junto com o demandante.

Cumpre frisar-se que, se há pendente alguma demanda em que o interessado na declaração poderia reconvir, ou exercer ação incidental, não se lhe retira a pretensão à tutela jurídica em ação declarativa típica, ou outra ação declarativa, a que seja legitimado ativo.

Todavia, se pende ação declarativa negativa, não pode o demandado propor a ação declarativa positiva; nem, se pende a ação declarativa positiva, pode propor a ação declarativa negativa. Em qualquer das duas, não pode haver desistência sem consentimento do demandado. Aliter, se a ação declarativa que toca ao demandado é de objeto maior do que o da ação declarativa proposta contra ele. Algumas vezes, a ação de cumprir prestação, que o demandado poderia propor, fica sem a tutela jurídica, porque basta a ação declarativa negativa. Não se pode deferir ou indeferir o pedido se não se mostrou o interesse jurídico (cf. Erich Bley, Klagrec/it und rechtliches Interesse, 109; Georg Schuler, Der Urteilsanspruch, 73).

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O interesse jurídico pode consistir em que se declare imediatamente, mas é de se exigir que a necessidade já exista, ou para futuro muito próximo.

O interesse jurídico há de existir no momento em que se profere a sentença, ou ainda existir. Se o interesse jurídico deixou de existir, não se pode proferir a sentença de declaração, seja positiva seja negativa. Por exemplo: se o demandado na ação declarativa positiva pagou, sem ressalva, ou se o demandante, na ação declarativa negativa, firmou acordo com o demandado em que esse diz que a relação jurídica não existe ou deixou de existir. 2. Fatos e provas. Na ação declarativa podem ser provados fatos, se esses fatos são elementos do suporte fático da regra jurídica de que resulta direito, ou pretensão, ou ação, ou exceção. Daí ser erroneo dizer-se que só se prova, na ação declarativa, a existência ou a inexistência da relação jurídica, ou a autenticidade ou a falsidade do documento. Para que exista alguma relação jurídica, é preciso que fatos tenham havido que compuseram ou compõem o suporte fático de alguma regra jurídica de cuja incidência provém a relação jurídica. Relação jurídica é efeito, como efeitos são direito, pretensão, ação e exceção. Para que algum documento seja autêntico, é necessário que os fatos, que o perfizeram, sejam componentes de suporte fático de alguma regra jurídica que o tenha como documento feito por alguém (autêntico). Não se pode declarar a autenticidade de um documento se o sistema juridico não o considera documento (instrumento público ou particular) e não lhe atribua procedência subjetiva declarável. A declaração de falsidade de um documento diz ser documento o que aponta como tal, mas os fatos afastam que se considere feito por alguém que seria o signatário.

Quanto à falsidade de documento ou quanto à autenticidade, advirta-se que a autenticidade ou a falsidade pode ser restrita a um dos signatários, ou a dois ou mais dentre eles, como se e verdadeira a assinatura do avalista e não o é a do emitente, ou o é a do emitente e não o é a do endossante, ou se na própria escritura púb]ica, é autêntica a assinatura do marido e não o éa da mulher, ou o é a do outorgante, relativamente incapaz, e não o é a do titular do pátrio poder ou a do tutor.

A declaração da relação jurídica paternofilial é de interesse privado e de interesse público. As partes e os parentes das partes e até terceiros, a que se refira o caso, ficam sujeitos a provas de sangue e outras investigações corporais, exigíveis para prova ou para afastamento da prova da descendência. O que se exige é que a prova seja necessária ou útil, e não pode o examinado opor-se à investigação (Leo Rosenberg, Lehrbuch des deutschen Zivilprozessrechts, 5ª ed., 530). Prova desnecessária e inútil éprova que se não Há de exigir.

§ 7º Efeitos da propositura das ações declarativas 1. Eficácia em direito material. Os efeitos de direito material somente podem derivar da relação jurídica a que se refere a declaração pedida. Só se interrompe a prescrição se o que se pede que seja declarado imputa interpelação, protesto, apresentação de titulo de crédito para cobrança, ou ato inequívoco do devedor que contenha reconhecimento da pretensão ou da ação já existente. Se o devedor, que ainda não teria de pagar, reconhece a divida, de jeito nenhum se há de entender que se interrompeu a prescrição. Só se interrompe o que já se iniciou: não se pode interromper prazo prescricional de pretensão, ou de ação que ainda não nasceu. Dá-se o mesmo quanto à mora: se, ao ser proposta a ação declarativa, ainda não havia exigibilidade, a citação não põe em mora o devedor, porque a mora supõe falta de adimplemento.

Quanto à litigiosidade, na ação declarativa da existência ou da inexistência da relação jurídica, ou da autenticidade ou falsidade de documento, há litigiosidade, quanto ao objeto da demanda.

A citação há de existir e ser válida, mas admite-se quanto à mora e à interrupção da prescrição, a citação em juízo incompetente, bem como em caso de nulidade parcial. 2. Eficácia em direito processual. O efeito processual principal é o de prevenir a jurisdição.

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A prevenção da jurisdição é efeito da citação válida. Juizes eram competentes. Uma vez que a mesma causa (ou as causas ligadas) não pode (ou não podem) correr em dois ou mais juízos, um atrai a causa (ou as causas), prevenindo a jurisdição. (Não se fale de prorrogação da competência porque essa é efeito de se não ter argúido a nulidade por incompetência de juízo, e não— de se ter feito a citação). Citação em juízo incompetente não previne jurisdição; tampouco, qualquer outra citação nula, salvo suprimento dos defeitos ou qualquer ato continuativo do processo, que importe em sanação.

A prevenção atua negativamente: propostas duas causas conexas, cada uma num juízo competente, o juiz da segunda causa perde a que foi aforada perante ele. Se ambas foram propostas no mesmo dia e hora? Ou há certa principalidade de urna, e resolve-se à semelhança do que ocorre com as ações acessíveis ou oriundas de outras ações; ou não há, e a única solução é o número da distribuição.

Se foi alegada inexistência, nulidade ou ineficácia da citação e o juiz acolheu a alegação, a data da citação deslocou-se para o dia da ciência da decisão; de modo que prevenida foi a jurisdição pelo outro juízo se a citação, nele, foi anterior a essa data. 3. Litispendência. A litispendência começa com a citação. A exceção de litispendência é apenas efeito da existência da litispendência. A lide pende; a lide corre, em seu pleno desenvolvimento. O pedido não pode ser mudado sem consentimento do réu, de modo que cabe ao citado a exceptio mutatii libelli, e o juiz pode e deve deixar de levar em conta a mudança, salvo caso de conveniência das partes e nenhum sacrifício do interesse pú-blico (aliter, se há revel). De regra, vale a emendatio libeili que não altera a demanda. A exceção de litispendência é apenas um dos efeitos da litispendência: a sua finalidade é evitar a fritura exceção de coisa julgada — no presente, a inútil multiplicação da atividade do Estado. Outro efeito é o de tomar litigiosa a coisa. Hoje, a litispendência nada tem de ficta ou condicional da acusação em audiência. A citação não induz, hoje, litispendência —produz a litispendência.

Se a sentença, na ação declarativa da falsidade do documento, não chega a afirmação, porque foram insuficientes os meios de prova, não há julgado sobre a autenticidade. Se, na ação declarativa de autenticidade, não há o julgamento do mérito, falta a força declarativa da autenticidade ou da falsidade. 4. Eficácia de preceito. Quando, no direito brasileiro, se estatuiu que a sentença declarativa tem efeito de preceito, o legislador escapou a deficiências de outros sistemas jurídicos. A preceitação foi reconhecida à sentença declarativa (cf. Pedro Batista Madins Comentários ao Código de Processo Civil, 1, 33). Contra, em interpretação inaceitável, Alfredo Buzaid (A ação declaratória do Direito brasileiro, 182), por influência italiana, cuja legislação não se refere à preceitação. Não se pode dizer que se não criou nenhuma ação de preceito, e apenas se estabelece que, com a sentença favorável, pode o autor propor “a ação adequada, que tanto poderá ser a condenatória, como a constitutiva, ou a executiva”. Ora, de modo nenhum é esse o problema: aí, fala-se da ação adequada à relação jurídica que se declarou, ou mesmo ao documento autêntico; e não da eficácia imediata da sentença, que declarou, e não da relação jurídica, ou documento autêntico, a que se refere a decisão. O que se teve por fito foi a atribuição de eficácia imediata de mandamentalidade, seja positiva seja ne-gativa a ação declarativa em que se proferiu a sentença.

A parte, diziam as Ordenações Afonsinas, Livro III, Titulo 80, § 6, que se teme ou recea ser agravada, se pode socorrer aos Juizes da terra, improrando seu officio, per que mandem prover como lhe norn seja feito tal agravo’. Passou às Ordenações Manuelinas, Livro III, Titulo 62, § 5, e às Ordenações Filipinas, Livro III, Titulo 78, § 5. A preceitação que nasce da sentença declarativa é de non offendendo. A declaração foi quaestio praevia, noutro processo. O juiz, em virtude de ser imediata a eficácia mandamental da sentença declarativa, expede o mandado, o “preceito”. 5. Ônus da prova na ação declarativa. O õnus da prova, na ação declarativa positiva, qualquer que seja, incumbe ao autor. Se o demandado ou os demandados reconhecem a relação jurídica, ou a autenticidade do documento, mas há alegação de extinção, ou exceção, ou prescrição, ou cancelamento, ou substituição do

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documento por outro, ou qualquer fato concernente a eficácia, então o ônus da prova é do demandado ou dos demandados.

Se a ação declarativa é negativa, ou a) o demandado ou os demandados afirmam a existência da relação jurídica, ou a autenticidade do documento, ou b) ou ocorre o reconhecimento da inexistência, ou da falsidade. Se b), não se há de perguntar se o demandado, ou os demandados têm de fazer alguma prova. Se a), o autor, que baseou a sua petição na invocação de fatos que impediram ou extinguiram a relação jurídica, tem de prová los; se apenas afirma que não existe a relação jurídica, por ser inverídico o enunciado existencial por parte do demandado, ou dos demandados, antes da propositura da ação declarativa negativa, o ônus da prova é do demandado ou dos demandados. Dá-se o mesmo a propósito da afirmação, pelo demandado, ou pelos demandados, de ser autêntico o documento. Cumpre, porém, advertir-se que há títulos que por si mesmos estabelecem a presunção de autenticidade. § 8º Sentença em ação declarativa 1.Eficácia preponderante da sentença. A sentença declarativa ou acolhe, totalmente, o pedido de declaração, ou só o acolhe em parte, ou o rejeita. Se a sentença desfavorável diz que não existe a relação jurídica, que, na ação declarativa positiva, se pretendia que existisse, há coisa julgada material: a desfavorabilidade produziu a declaração contrária. Se a sentença desfavorável, na ação declarativa negativa, contém conclusão de que a relação jurídica existe, a despeito do que se sustentou no pedido, há coisa julgada material. Passa-se o mesmo no tocante à sentença desfavorável na ação declarativa da autenticidade de documento e na ação declarativa de falsidade de documento. O “não tem razão”, nas ações declarativas, importa em “tem razão”, para a outra parte, ou para as outras partes. Tem-se de atender a que a ação declarativa tem como finalidade precipua, preponderante, o enunciado existencial: se perde quem disse que e , ganha quem disse que não é”; se perde quem disse que “não é”, ganha quem disse que “é”. 2.Coisa julgada material e execução. A sentença, nas ações declarativas, é, de regra, desprovida do efeito executivo imediato ou mediato. Tem a força de coisa julgada formal e material, talvez o efeito anexo e o efeito reflexo. Sem o efeito executivo, a sentença proferida na ação declarativa vale como “preceito”, na expressão da lei. E absurdo dizer-se que somente declara, e maneira pouco feliz a de se referir à força material, de coisa julgada e dizer-se que autoriza a ação cominatória, usada como acho iudicati, ao lado de todos os meios positivos e negativos de respeito à coisa julgada material. Preceitação é mandamento; não é execução. (Paul Krúckrnann, Die materielle Urteilswirkung, Zeitschri.ft for deu tschen Zivilprozess, 47, 12 s., com a sua teoria engenhosa do efeito material e a redução da coisa julgada a algo voejando no ar”, pretendeu que a sentença na ação declarativa já tenha, pelo menos, efeito executivo alicerçal. Efeito executivo básico! Sem razão; e o direito brasileiro, com o “preceito”, longe está de vir dar-lhe argumento tirado desse exemplo legislativo. Nem mesmo Iho atribuiria regra juridica como a da antiga lei processual do Estado de Minas Gerais, que conferia efeito executivo como documento, porque próprio do efeito executivo das sentenças é vir após a cognição completa e não em cognição incompleta. O efeito seria efeito executivo da sentença-documento, e nunca da sentença; se Ibo atribuisse, iria o legislador contra a realidade, uma vez que seria a priori impossível ter a ação executiva fundada na sentença da ação declarativa como ‘execução de sentença”, isto é, executivo de sentença de cognição completa anterior).

O que é próprio da natureza da força declarativa ou do efeito declarativo, imediato ou mediato, é a força ou efeito de coisa julgada material. Daí a sentença na ação declarativa, com infimos elementos de outra natureza, a fazer coisa julgada material, em toda a extensão do “decidido”. Ao passo que outras sentenças, em que o elemento declarativo não prepondera, só a produzem na medida em que há, nelas, declaração. A explicação desse nexo entre o elemento declarativo e a coisa julgada material só se pode colher à satisfação quando, depois dos estudos das relações entre a sentença e o direito (o que nós chamamos relações entre a aplicação e a incidência da lei), se chegou à teoria processualística da coisa julgada: a sentença injusta (aplicação não igual à incidência) faz coisa julgada material com as outras. Naturalmente, isso enche de melancolia o jurista e o povo; mas é melhor conhecer a verdade do que se passa e aprofundar esse problema humano, da mais alta relevância — a discrepância entre o incidir e a lei aplicada. A

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autoridade da sentença ganhou demasiado com o propósito político de resolver dissidios, até que se pode ver que mais importa que atue a lei; que a sua aplicação se aproxime da incidência. ‘Mais importa”, entenda-se; não, “só importa. O elemento declarativo tinha de circunscrever-se às partes, porque o erro eventual da aplicação não deveria alcançar os demais, conturbando e prejudicando, por causa da demanda entre A e 13, a incidência da lei noutros casos, ou no mesmo caso, porém quanto a outrem.

Resta saber-se se a sentença na ação declarativa que afirma a existência da dívida, com qualquer dos requisitos dos títulos executivos extrajudiciais, pode bastar à ação executiva. Preliminarmente, é preciso que se não confunda eficácia sentencial com eficácia documental: a sentença, como decisão declarativa, tem o efeito de preceitação; porém a dívida, que se declarou, pode ter, de si mesma, a executividade excepcional. Se, por exemplo, a sentença declarativa põe claro (é a sua função) que a divida é certa e liquida, por existir conforme a escritura pública, ou o instrumenito particular, subscrito pelo devedor e por testeniunhas que a lei exija, a eficácia executiva é do documento, e não da sentença.

A declaratividade é separável da coisa julgada material, ou a coisa julgada é a eficácia própria, necessária, da declaratividade? O que se há de entender por eficácia de coisa julgada material é a eficácia que o elemento declarativo da sentença produz, chamada força (se prepodera), ou efeito (se se junta à força especifica da sentença), iinediato ou mediato. Consiste em vincular as partes à declaraçúo. Tal o conceito científico, da-ríssimo em Konraci J-lellwig (14/asca und snbjektiue Eegrenzung der Rechtskraft, 1 s.; Systemn des deutschen Zivilprozessrechts, 1, 764). A distinção, com os nomes adequados (força, efeito), tem de ser feita sempre que se quer classificar ações ou sentenças e já se aprendeu que não as há puras, isto é, de um só elemento.

4 concebível a eficácia da declaração sem a eficácia da coisa julgada material? Tentou inová-lo Enrico Tuílio Liebman (Efficacia cd Autorità de/la Sentenza, 13 s.; Ancora suila sentenza e suíla cosa giudicata, Riuista, 13, 2ª parte, 398; Eficácia e Autoridade da Sentença, 1/li sã. A prova teria de consistir em se apontar força ou efeito declarativo que não fosse a força ou o efeito de coisa julgada. I)isse Enrico Tuílio Liebrnan (Eficácia e Autoridade da Sentença, 148): a sentença pode ser eficaz antes de ter passado em julgado. tQue provaria isso? Provaria que o legislador pode deslocar, no tempo, a eficácia, adiantá-la, como se faz, nos casos de recursos de efeito somente devolutivo, com o efeito executivo e, em se tratando de títulos executivos extrajudiciais, com a força executiva. Não valem argumentos de lege ferenda. A verdade está em que a coisa julgada formal é essencial à coisa julgada material; apenas é possível que o legislador desloque, no tempo, o começo dessa, com a resolução ex tunc, se a sentença for reformulada. O mesmo acontece se lhe apraz antecipar a força ou o efeito executivo, ou o mandamental, ou o constitutivo, ou qualquer outro. Esse problema prático nada tem com o problema teórico da formação da coisa julgada material.

Enrico Tuílio l.Âebmen não atendeu a que em toda resolução judicial, e não só na sentença (mais ainda: em todo ato do Estado), há elemento declarativo, constitutivo, condenatório, executivo, maridamental, sem que seja, sempre, suficiente para a eficácia específica (força) ou de segunda plana. Pelo caminho que ele tomou separar-se-iam a eficácia condenatória e a condenação, a eficácia constitutiva e o elemento de constituição, a eficácia executiva e o elemento executivo, a eficácia mandamental e o mandado. A suficiência do elemento, provinda de ser pretensão à tutela jurídica exercida, é que produz a eficácia: a eficácia é, pois, posterius, em relação à pretensâo a declarar, à pretensâo a constituir, á pretensão a condenar, à pretensâo a executar,

à pretensão a que se mande, todas prê-processuais. Pode-se falar da eficácia da declaração, sem coisa julgada material, porém no mesmo sentido em que se falaria da eficácia do mandamento (ad instar de certas resoluções administrativas) que têm todas as sentenças. Aí, a eficácia declarativa seria apenas de 2 ou 1. Demais, o “comando” que Enrico Tullio Liebman aponta como eficácia geral da declaração é apenas o elemento mandamental de todas as sentenças, não suscetível de fazê-las “classe de sentenças” (sentenças mandamentais; ou mandamentais, em segunda plana). Precisamos não deslocar para o campo vago das discussões possível) o problema concreto da classificação segundo a eficácia sobre a essência do ato estatal (em que toda metafísica seria das ações. Se algum sistema juridico desconhece as sentenças com força de coisa julgada, essa deficiência deles é da mesma natureza que a dos sistemas jurídicos que desconhecem as ações mandamentais, ou constitutivas. O cientista tem de estudar os fatos e com eles trabalhar. A ciência do direito processual civil ou penal não se formou sem esse método. Quem

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diz “eficácia” declarativa (digamos, 5, 4, ou 3) diz “coisa julgada material”, pois o ato administrativo revogável declara sem ter eficácia declarativa ou de coisa julgada material. O prestígio do ato estatal em si, isso é outra questão, que nos tiraria do terreno dos fatos que concernem à sentença. A eficácia do ato que pode ser revogado ou anulado não é diferente da eficácia do ato que não pode ser revogado ou anulado, de modo que aquela correspondesse à declaração e essa à coisa julgada material. O ser até e o ser sempre são a mesma coisa, tempo à porte.

A eficácia de coisa julgada material é a vedação relativa de rediscutir-se a “matéria”, o decisum. Nada tem com o que o comum chama “obrigatoriedade” da sentença: essa obrigatoriedade é a de todos os atos estatais, com diferença apenas de sanção. Trazer tal conceito à discussão é turbar a exposição mesma do problema, pela extraneidade dele. A coisa julgada material produz-se como criação de indiscutibilidade entre as partes.

Mas que é indiscutibilidade entre as partes? É o não mais poder ser, entre as partes, posta em dúvida a questão, ou postas em dúvida as questões, que foram julgadas no processo. Entre as partes e em quaisquer que sejam as circunstâncias, excetuado apenas o caso de lei nova que viesse alcançar, no passado, a coisa julgada, portanto a sentença; a sentença, portanto a lei processual vigente ao tempo em que a sentença foi proferida. Em quaisquer circunstâncias, portanto, também noutro processo. Quando os juristas definiam a coisa julgada como o vinculo entre as partes para o juiz de futuro processo sobre o mesmo caso, não erravam: apenas a sua definição era, como se diz em Lógica, fraca, isto é, insuficiente; a coisa julgada também vincula as partes, para que a respeitem” mesmo outras pessoas que o juiz. Vincula as partes, eis tudo. Se A é credor de B e C de A, a sentença de prescrição que foi proferida entre A e B tem de ser respeitada por C, que pretendia penhorar o crédito de A. Esse respeito nada tem com a eficácia, tanto que, se houve fraude contra credores, pode C ter a sua ação, sem valer qualquer coisa para C a res iudicata entre A e B. Esse respeito é devido a resoluções judiciais que não têm eficácia de coisa julgada material, o que de si só basta para por fora do campo científico os argumentos em torno da autoridade (da sentença!) e a eficácia de coisa julgada material, uma das possíveis eficácias da sentença.

Essa autoridade da sentença é a do ato estatal, tanto que, antes de transitar formalmente em julgado, a sentença já a tem. O simples fato, por exemplo, de não poder o juiz retratar-se de algumas resoluções, já lhes confere certa rigidez, dosando-lhes o seu prestígio. A autoridade da sentença é a dose desse prestígio desde que está sendo ditada na audiência, desde que acabou de ser proferida, desde que passou em julgado, desde que foi repelida a ação rescisória (a sentença foi atacada e nada sofreu).

O problema da natureza da autoridade dos atos estatais, particularmente da sentença, nada tem com o problema da eficácia da sentença.

A eficácia antes do trânsito formal em julgado é excepcional, porque é excepcional o efeito não suspensivo do recurso. A regra é a de terem o mesmo ponto de partida a coisa julgada formal e a eficácia, pela razão muito simples de ser a coisa julgada formal a preclusão, que assegura certa estabilidade necessária à atuação da eficácia. A executabilidade, se o recurso e de efeito só devolutivo, nada tem com a eficácia constitutiva, mandamental, condenatória e até com certos casos de eficácia executiva (e. g., ação de emissão de declaração de vontade).

Esses pontos são de relevância.

Tem-se pretendido (e. g., Enrico Tuílio Liebman, Eficácia e Autoridade da Sentença, 51) que a eficácia da coisa julgada material derive do direito constitucional, onde se proibe a lei que se estenda ao passado, apagando o princípio Pie bis in idem, ou regendo, de novo, os mesmos fatos que foram apreciados pelo juiz na sentença trânsita em julgado. Tal opinião é anacrônica e ilógica. Despreza toda a história da coisa julgada material e supõe que a regra de direito constitucional sempre existiu. Essa regra jurídica é recentíssima. Foi, a princípio, regra de direito intertemporal somente público (não constitucional) e muito mais tarde se fez de direito constitucional. Com esse novissimo caráter, ou sem ele, apareceu quando de milênios datava o conceito de res iudicata. Ilógica é a suposição, pois que a eficácia da sentença depende do direito processual, e o conceito de coisa julgada formal e material que aparece, ou pode aparecer nas Constituições, foi tomado ao direito processual. Apenas se lhe dá seguridade ou garantia constitucional, mediante a constitucionalização da regra de direito intertemporal.

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3. Propositura da ação condenatório após sentença de decoração. Sentença condenatória é sentença que se profere nas ações de condenação ou ações de prestação. Mediante ela, o juiz condena o réu a determinada prestação, ou, às vezes, a sofrer a execução forçada. Nela, há a declaração da existência da pretensão que o autor quis fazer valer, ou da ação executiva, mais — a base de uma execução, a criação de titulo executivo sem a ameaça de se não completar a cognição. Daí J. W. Planck (Lehrbucb des deutschen Ziuilprozessrechts, II, 10) e Konrad Hellwig (Lehrbuch des deutschen Zivilprozessrechts, 1, 46) chamarem às ações de condenação ‘ações executivas”, uma vez que as chamadas “ações executivas” seriam meros procedimentos executivos. Mas verdade é que nem elas mesmas seriam “ações executivas”, por lhes faltar o mandato imperativo contra o réu. O efeito executivo é emanação da sentença de condenação e faz nascer a ação de execução, que se vai exercer na execução da sentença, outra relação jurídica processual a instaurar-se.

Nem todas as sentenças declarativas, mesmo nas ações declarativas típicas, podem ser levadas à execução (senso largo) pela ação de condenação. Em muitos casos, a declaração refere-se a relação jurídica de outra espécie, de modo que se tem, depois, de propor a ação constitutiva, mandamental, já até executiva! E. g., sentença na ação declarativa da executividade do documento, que é declaração da pretensão a executar e da existência da relação jurídica hábil à execução de titulo extrajudicial. 4. Ação condenatória e ação executiva. A ação de condenação, sendo, como é, outra ação, não sofre qualquer alteração na sua classificação segundo os procedimentos adequados. E possível que seja o ordinário, ou o executivo, ou outro que se haja estabelecido. Se, por exemplo, foi proposta a ação declarativa para se declarar que a letra de câmbio é autêntica (e não falsa), a ação executiva (que poderia ser intentada ainda se sentença declarativa não tivesse sido proferida, nem sequer proposta a ação declarativa) é adequada ao título cambiário. Apenas, quando o réu se defender com a alegação de falsidade e juntar provas cabais, a sua alegação e as suas provas esbarrarão ante a coisa julgada da sentença declarativa. Se foi negativa a ação declarativa e favorável ao autor a sentença, então falta ao título a executabilidade, porque a sua executividade se baseava na cognição parcial e essa desapareceu com a coisa julgada material da sentença proferida na ação declarativa.

Somente quanto às custas pode haver, desde logo, execução. O réu, na ação declarativa, está preceitado. A ação de condenação, que se propõe, já começa disso, e conta com isso porque a parte declarativa que de ordinário está por ser julgada já vem com a res íudicata. Em toda ação de condenação há 5 de condenatoriedade e 3 ou 4 de declaratividade e há sentenças sem tal carga. Na ação de condenação que se propõe com a sentença declarativa, parte da força da sentença declarativa (5 de declaratividade) já se atribui à ação e à sentença condenalória (3 de declaratividade). É o preceito. 5.Condenação nas custos. A condenação nas custas não supõe efeito executivo da sentença proferida. Até a sentença homologatória da transação e a que homologa a desistência são seguidas da execução pelas custas. As custas nada têm com o efeito executivo, ou com a eficácia de coisa julgada material da sentença, nem, tampouco, os seus pressupostos são os pressupostos desse ou daquele (com razão, James Goldschmidt, Der Prozess ais Rechtsiage, 504; sem razão, Adhur Nussbaum, Die Prozesshandlungern, 19). É precisamente do fato da sentença, e não do seu conteúdo, que deriva o mandato das custas. Trata-se de efeito do processo, anexo a ele (Wilhelm Sauer, Grundlagen des Prozessrec/its, 48), regulador do custo e pagamento do trabalho com o processo. Tanto que, ainda nulo o processo, há condenação nas custas Aliter, se inexistente. Deixam-se à ciência algumas questões graves, que por seu teor (ou, mais ainda, por sua idade), supõe conhecidas e resolvidas. § 9º Espécies de ação declarativa em geral 1. Ação declarativa positiva. Os princípios que regem a ação declarativa positiva de relação jurídica são os

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seguintes: (a) Tem de ser precisa e concretizada a relação jurídica de que se quer afirmada a existência. (b) Se a demanda só se refere a parte, ou efeito, de alguma relação jurídica, deve existir ou ter existido essa relação ou ser certo que vai existir; a existência da parte ou efeito há de ser de interesse do litigente. (c) A relação jurídica tem de ser tal que, existindo, alguma conduta do réu possa causar prejuízo ao autor quanto a algum bem da vida, ou lho cause a própria inexistência dela. (d) O interesse já deve existir, ou ainda existir, sobre a demanda negativa. Admite-se que se peça a declaração da existência da relação jurídica que derive de alguma relação jurídica já extinta. Mais: que se declare ter existido a relação jurídica, se ainda há interesse em que se declare.

Uma das aplicações mais recomendáveis da ação declarativa é no caso de dúvida sobre questão prejudicial que possa ser levada a juízo ou já esteja em juízo (e. g., sobre o crédito principal, se se reclamam juros; sobre o titulo, se se estão a cobrar os cupões de juros do título). A relação juridica pode não existir atualmente entre as partes litigantes. Exemplo: ação declarativa do credor que pretende executar contra o terceiro em cujo nome está o prédio, para que seja declarado que o devedor é o verus dominus; do cessionário contra o cedente, para que seja declarado que o crédito lhe pertence. A relação pode ser a que deriva de ter o advogado causado danos ob malam defensionem (Rudolf PoIlak, System des ôsterreiclhischen Zivilprozessrechts, 14), ou a de ter procedido com abuso do direito (processual ou material); porém, não a de ter incorrido nas condenações de custas pela perda da causa pela parte, ou de ter de pagar honorários de advogado da parte contrária, ou de ter recebido custas indevidas; não de ter de reembolsar despesas do processo.

Em geral não é preciso que a relação jurídica que se quer declarada seja entre o autor e o réu (Leo Rosenberg, Lehrbuch das deutsclien Zivilprozessrechts, 5ª ed., 370; Adolf Schõnke Lehrbuch das Zivilprozessrechts, 7ª ed., 172; Adhur Níkisch, Zivilprozessreclit, 2ª ed., 152; Wollgang Bernhardt, Grundriss das Zivilprozessrechts, 2ª ed., 95), uma vez que há interesse do autor em que se lhe declare a existência ou inexistência. A relação jurídica pode ser entre o autor e terceiro, ou o réu e terceiro, ou entre terceiros. Assim, se A contratou com E, supondo, no contrato, que E poderia executar bens imóveis de C, tanto pode A propor ação declarativa da existência da relação de dívida entre B e C, ou de ainda existir tal divida, como para ser declarado que C não tem bens imóveis, ou que os tem impenhoráveis. O credor que sabe insolvente o devedor pode propor ação contra outras pessoas, que se dizem credores, para se declarar que não são credores, ou que não têm privilégios (Adolf Schãnke, Lehrbucli das Zivilprozessrachts, 7ª ed., 172). O sócio de sociedade que foi registrada e contra cujo registro se vai pedir cancelamento pode propor ação declarativa da regularidade do registro. 2. Ação declarativa negativa. Os princípios que regem a ação declarativa negativa de relação jurídica são os seguintes: (a) Tem de ser precisa e concretizável a relação jurídica de que se quer negada a existência, de modo que a negação seja suscetível de prova. (b) Se a demanda negativa apenas se refere a parte, ou efeito, de alguma relação jurídica, tem-se de provar a existência dessa relação, bem como é de exigir-se que a parte negada interessa ao litigante. (c) A relação jurídica tem de ser tal que, existindo, alguma conduta do réu cause prejuízo à esfera do autor quanto a qualquer bem da vida (F. Sobemheim, Das ungúnstige Padaivorbringen ais Urtailsgrundlaga, 152). (d) O interesse já deve existir (Rudoli Pollal≤, System des ósterreichischen Zivilpro-zessrechts, 14) e ainda existir no momento em que o juiz do primeiro grau de jurisdição profere a sentença (H. von Bayer, Entscheidungsqrundlagan, 58; F. Menestrina, La Pregiudiciale nel processo civile, 163). Se existiu e deixou de existir, mas aindla pode ser ou vir a ser relevante para o fundamento de pretensão atual, cabe a ação declarativa. (a) Em caso de dúvida, entende-se que a existência da relação jurídica, que se nega, seria lesiva ao autor, ou basta, como pressuposto, para a propositura da demanda. 3. Existência de relação jurídica, ou não-existência, e existência ou não-existência do que se aponta como documento. A declaração de existir ou de não existir a relação jurídica já diz respeito ao efeito, que se pretende ou a que se nega ser de relação juridica. Quando se trata dia declaração de vontade ou de falsidade de documento, o que se declara é que o objeto, que se considera documento, existe, ou não existe, como tal; isto é, como produtor de efeito. Aí, a relação jurídica não precisa ser declarada, porque se está em plano inferior, mas reboante, em que apenas se assenta que aquilo que se considera mostrante (documentu, de docere) não mostra, não revela, ou que mostra, revela. O objeto pode existir sem mostrar, sem revelar. De qualquer modo, o que

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importa é a sua inserção ou a sua insensibilidade no mundo jurídico. § 10º. Eficácia da ação declarativa 1. Eficácia preponderante. A única eficácia comum das ações declarativas é, por definição, a força de declaração, 5. As outras eficácias variam e mostram a especialidade das ações declarativas e das sentenças declarativas. 2. Eficácia imediata a eficácia mediata. Não se há de dizer que as ações declarativas nunca têm efeito de executabilidade. A ação declarativa típica, sim. (Se a declaração é de relação jurídica oriunda de titulo executivo extrajudicial, o efeito executivo não é proveniente da sentença que declara, mas sim da relação jurídica declarada. Evite-se a confusão). Há, porém, ações declarativas especiais em que há eficácia imediata, 4, de executividade, como se passa com as ações de habilitação incidente, a ação de habilitação em inventário e partilha, e há eficácia mediata, 3, de executividade, como na ação de abertura da sucessão definitiva do ausente, na de defesa do ausente cujos bens foram arrecadados e acode à vocatio in ius, na ação de abertura da sucessão definitiva. Os juristas que não chegaram a ver nas classes de ações a preponderancia do elemento que lhes dá o adjetivo caem no grave erro de não reconhecer que há o peso imediato e o peso mediato dias ações declarativas. A mandiamentalidade é a eficácia imediata mais freqúente nas ações declarativas; mas há eficácia imediata constitutiva (e. g., na ação de verificação de crédito, na exceptio inter alios iudicatae, na ação de habilitação incidente, na ação incidental de falsidade, na ação de cumprimento de concordata), e eficácia imediata condenatôria (e. g., na ação de demarcação de terras, na ação para reaver os bens vacantes entregues ao Estado). § 11. Prescrição e ações declarativas 1. Distinções relevantes. A ação declarativa típica é imprescritível. idem, a ação declarativa de usucapião, a de consignação em pagamento, a de demarcação de terras, a de filiação, a declarativa da extinção da fundação, a incidental de falsidade e outras tantas. As ações declarativas embutidas, essas, pela situação em que se exercem, dependem da ação em cujo processo se teriam de embutir. Sempre que pode ser exercida sem o embutimento, não prescrevem. Não se diga, como fazem alguns juristas, que, se prescreveu a ação, a ação declarativa é infundada, porque o que se tinha de proteger se extinguiu com o decurso do tempo. Ora, a prescrição não extingue direito; a prescrição encobre a eficácia da pretensão ou da ação. A prescrição tem de ser alegada pela outra parte, ou pelas outras partes, e à declaração, se houve a alegação, apenas tem de ser acrescido que houve a prescrição. 2. Casos de prescrição. Algumas ações declarativas especiais prescrevem. Por exemplo: o) A ação do marido que estava presente, para negar a filiação da sua mulher, prescreve em breve prazo, que a lei fixa (assim, o direito francês, o argentino, o espanhol, o alemão, o brasileiro); se ausente, a prazo é maior, para o caso de volta, ou de ter conhecimento da ocorrência. b) A ação dos herdeiros do filho para provar a filiação, se a morte foi quando ainda menor, ou incapaz, tem prazo prescricional curto. A ação de que se trata é alienas a ação declarativa, pela qual se tem por fito determinar-se que o falecido era filho. Não se entenda que é prescritível qualquer outra ação para declaração da filiação; a que prescreve é a ação cumulada com a de interesses hereditários au proposta pelos herdeiros como tais. Os parentes e outras pessoas interessadas podem intentar a ação declarativa a qualquer tempo, se abstrai da qualidade de herdeiros e não se cogita de direitos de herdeiros. O prazo prescricional somente concerne à ação de filiação quando o falecido era menor, ou incapaz, e não a propôs para se imitir na posse de estado. A ação dos herdeiros, no caso de turbação da posse de estado, não prescreve, porque importaria em admitir-se a prescrição do estado civil: Exemplo: se A sempre foi considerado filho de B e tinha, realmente, a posse de estado, e morreu sem que o pai ou mãe lhe turbasse a posse, a ação de filiação para desfazer quaisquer negações póstumas é imprescritivel. Compete aos herdeiros e a quaisquer interessados. Mas, se A não tinha titulo ou posse de estado, nem propôs, em vida, a ação de imissão, não a podem propor os herdeiros senão dentro de um ano após o falecimento do que se presume filho, se morreu

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menor ou incapaz (Tal posse é distinta da posse regida pelo Direito das Coisas. Assim, se, sem prova, constou como filho o herdeiro, julgando-se a partilha, sem que se lhe tivesse retirado do rol dos herdeiros filhos o nome, não se pode pensar em correr o prazo precripcional. Somente se inicia tal prazo desde o momento em que, morrendo o filho, que assim se pretende, não era tido como tal, ou, no inventário por sua morte, foi negada a filiação, para efeitos hereditários. e) A ação do filho para impugnar o reconbecimento é ação que preclui (o prazo é preclusivo, e não prescripcional, cf. Tratado de Direito Privado, Tomos VI, §669, 4, e IX, § 972, 3).

Parte II

Ação declarativa típica

Capítulo 1

Conceito e extensão da ação declarativa típica § 12. Tentativas de conceituação 1. Precisões. Primeiro, havemos de entender que o problema legislativo das regras jurídicas sobre a ação declarativa se tenha apresentado como se estivesse em causa apenas uma ação, de cuja tipicidade se não havia de cogitar. Embora, nos diferentes sistemas jurídicas, se houvesse pretendido limitar demasiado, ou estender demasiado a conceito de ação declarativa, pensava-se que bastaria regular-se uma das ações conhecidas, por se crer que só existisse uma ação declarativa. Muito tempo escorreu para que se pusessem de lado as confusões que traziam as velhas e repelidas classificações das ações em duas, três ou quatro espécies. Quando as legislações redigiram regras jurídicas sobre a ação declarativa, ainda se admitia que fosse uma só, a despeito de diferenças de conteúdo. As mais ferrenhas questões que exsurgiram, a propósito da ação declarativa, inclusive quanto à natureza da pretensão de que procede, circunscreveram-se à espécie de ação declarativa, que se tinha como única. Foi a respeito da ação declarativa típica, embora, então, não se cogitasse da tipicidade, que se levantou a questão de ter o direito brasileiro a ação declarativa. Se considerarmos a espécie como problema científico, o que se pode dizer é que os sistemas jurídicos apenas revelaram a existência da ação declarativa típica. As regras jurídicas que se redigiram, algumas, sinais de insuficiência de exame e de meditação, marcaram o caminho para se chegar à precisão conceptual dos nossos dias. Um dos erros que ainda se encontram em muitos livros é o de se afirmar que é pressuposto para a ação declarativa típica (e alguns até mesmo, ainda hoje, que o é para as ações declarativas em geral) haver causa cível. De modo nenhum: a causa pode ser de direito público, inclusive interestatal e supra-estatal.

Ao tempo em que, no Brasil, os Estados membros legislavam sobre processo, não devia haver obstáculo a que se regulasse o remédio jurídico processual das ações declarativas, porque se havia de supor pretensão à tutela jurídica para a declaração (pretensão pré -processual) e a ação declarativa, no plano do direito material, e não seria de admitir-se que ao titular do direito, da pretensão, ou da ação ou da exceção não tocassem a

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pretensão e as ações declarativas. Direito, que existe, tem de ser declarado. Pretensão que existe tem de ser declarada. Ação que existe tem de ser declarada. Exceção que existe tem de ser declarada. Àquele que afirma que o direito de outrem, ou a pretensão de outrem, ou a ação de outrem, ou a exceção de outrem não existe, e tem interesse em que se declare a inexistência, não se pode negar a ação declarativa, que protege a sua esfera jurídica. Não se há de confundir com a ‘ação”, remédio jurídico processual, a ação que pertence ao direito material. A lei processual diz qual o juízo competente, qual o ritmo da “ação” e qual a eficácia da sentença. Há a ação declarativa e a “ação” declarativa, que é o remédio jurídico processual. 2. Interesse jurídico em que se declare. Quanto ao interesse jurídico relativo a relação jurídica, que se afirma existir ou não existir, e quanto ao interesse jurídico na autenticidade ou falsidade de documento, não se deve tentar diferenciação básica. O documento há de referir-se a alguma relação, jurídica, mesmo que apenas seja um dos meios de prova. Basta a incerteza jurídica, a dúvida, Não se trata de pressuposto da ‘ação” (remédio jurídico processual), ou da pretensão ou da ação (efeito de direito material), mas sim de pressuposto pré-processual, de pressuposto da pretensão à tutela juridica.

O pressuposto do interesse jurídico de modo nenhum se pode confundir com o pressuposto da certeza do pedido (existe ou não existe a relação jurídica, ou é autêntico ou falso o documento). Aquele é pré-processual; esse concerne à favorabilidade da decisão. E erro dizer-se que um dos requisitos da ação declarativa típica é o de haver incerteza quanto à existência, ou à inexistência da relação jurídica, ou da autenticidade ou falsidade do documento. A sentença favorável é que declara existência ou a inexistência da relação jurídica, ou a autenticidade ou falsidade do documento: se declara a existência da relação jurídica, ou de declara a autenticidade do documento, certeza havia, objetivamente.

O autor podia ter dúvida, ou não ter qualquer dúvida; nem mesmo o réu. O que importa é a atitude do demandado, tal qual o demandante apontou, para fundamentar a alegação de interesse jurídico na declaração. O direito podia ser cedo, ou ceda a pretensão, ou certa a ação, ou ceda a exceção, e demandante e demandado terem a convicção íntima de ser certa, ou de serem cedas, e apenas a atitude do demandado, ou a de alguém, a respeito da relação jurídica entre eles, ter suscitado o interesse — e, pois, a conveniência — de ser declarada a existência da relação jurídica, ou a não-existência, ou a autenticidade ou a falsidade do documento. Por onde se vê que é absurdo considerar-se pressuposto para a proposítura da ação declarativa típica a incerteza do direito, da pretensão, ou da ação, ou da exceção, ou da autenticidade ou falsidade do documento. Assim, pode ser sem qualquer dúvida aquilo que o autor afirma, e tê-la ele, ou terem-na ele e o demandado, ou mesmo não a terem ele e o demandado, se há fatos de que resulta o interesse jurídico da declaração. Se, sem a decisão declarativa, sofreria dano o demandante, é evidente que tinha ele interesse jurídico na declaração. Se há procedimento de alguém de que resulta dúvida de existir o direito, a pretensão, a ação, ou a exceção, ou a autenticidade do documento, o interessado está legitimado à ação declarativa positiva, ou negativa. Afaste-se a afirmação daqueles juristas que fazem pressuposto da propositura a incerteza, por parte do autor ou por parte do réu. O réu pode estar certo do que se quer declarado, mas ter tido conduta que ofende ou pode ofender o interesse do autor e a declaração judicial protegeria esse interesse. Ofensa ao interesse do autor pode existir mesmo se não houve a infração ou a jactancia.

Frise-se que o interesse jurídico pode consistir em que apenas se evitem danos prováveis. Quanto à fonte subjetiva do fato que gerou o interesse jurídico do autor, muito importa saber-se que a atitude perigosa pode ser de alguém que não é o figurante da relação jurídica, ou que não se diz tal, ou que inquinara de falso ou dizia ser verdadeiro o documento. O terceiro pode fazer surgir o interesse do autor na declaração. Por exemplo: a) C escreveu, ou telegrafou, ou telefonou, a B, para avisá-lo de que A assinara pré-contrato de compra e venda, com o que C garantiria o pagamento da dívida a B. Há interesse juridico de B em que se declare a existência da relação jurídica entre A e C. b) Disse B a A que é credor de C e vai propor a ação para o recebimento da quantia, o que se divulgou e prejudica a C, que tem negócios e operações de crédito. Pode C pedir em juízo, em ação, a declaração da inexistência de tal crédito, podendo fazer citar o divulgador ou os divulgadores.

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Se cedente ou cessionário discutem quanto à existência da cessão, ou quando entre o pré-contraente comprador e o précontraente vendedor há controvérsias sobre ter havido outorga de poderes pelo pré-contraente vendedor a alguém que assinou o pré-contrato, tanto o cedente ou cessionário, ou o pré-contraente vendedor, ou o pré-contraente comprador, ou terceiro interessado é legitimado à ação declarativa tipica.

Nada obsta a que o legitimado à ação constitutiva, condenatória, mandamental ou executiva, se tem interesse jurídico na declaração, prefira propor a ação declarativa típica, em vez da outra, que poderia intentar. Cumpre ainda advertir-se que a petição e a decisão podem ser declarativas da existência, ou da não-existência, de pretensão ou ação constitutiva, ou de pretensão ou ação condenatória, ou de pretensão ou ação mandamental, ou de pretensão ou ação executiva (quer de sentença, quer de titulo extrajudicial).

Quanto à eficácia da sentença declarativa típica, a coisa julgada, para se produzir no tocante a outras pessoas, ou erga omnes, é preciso que tenha havido o interesse juridico na extensão e se tenham citado as pessoas atingíveis, ou publicado edital de citação.

O interesse jurídico há de existir até o momento ou no momento de se proferir a sentença.

Quem é legitimado à ação declarativa e a outra ação, com o mesmo rito, pode propor as duas, cumuladamente, embora seja provável que a sentença na outra ação tenha de conter eficácia declarativa imediata ou mediata. A afirmativa da escolha necessária, que se estendeu a alguns juristas, é cientificamente errada. Não é preciso que não se haja chegado à eficácia de outra pretensão (constitutiva, condenatória, mandamental, ou executiva), para que se possa propor ação declarativa típica. Ao podador do titulo cambiário, ou cambiariforme, que já estada legitimado à propositura da ação executiva, é dado preferir, se tem interesse jurídico nisso, a ação declarativa típica. Quem é credor e o título já se venceu, mas tem interesse jurídico em que se declare a existência da relação jurídica de crédito, é legitimado a propor a ação declarativa típica.

O interesse jurídico à declaração é frequente, em se tratando de direito de preferência, ou de opção, ou de qualquer direito formativo gerador, modificativo ou extintivo. Pode ocorrer que a declaração, que interessa, seja de direito que já se extinguiu, modificou, ou se criou. § 13. Declaração positiva e declaração negativa de ação 1. Ações e existência. Tem a ação declarativa típica qualquer titular de ação constitutiva, condenatória, mandamental, ou executiva, uma vez que a eficácia de declaratividade seja imediata, ou mediata. Pode propor ação declarativa típica o titular de ação constitutiva: se, e. g., o demandado é obrigado à preferência; ou se tem de emitir novo titulo ao portador em caso de desapossamento, ou nova cártula em caso de destruição; se a ação é de denúncia vazia ou cheia; se o caso é de venda de quinhão da coisa comum; se o caso é de eleição o de nomeação de cabecel, ou de dispensa; se a ação é de parede-meia ou de tapume-meio; se se trata de nomeação de inventariante; se a ação é de devolução do achádigo á Fazenda Pública; se a ação é de reconciliação dos cônjuges; se a ação é de nulidade da instituição de fundação; se a ação é de caução.

Pode ser pedida a declaração da relação jurídica de compra e vendia com reserva de domínio, para depois se exercer a ação condenatória de cobrança do saldo. Bem assim, a declaração da dissolução de sociedade, para depois se exercer a de liquidação, que é ação executiva. Ou a declaração de ser herdeiro o autor, para depois disso requerer a habilitação, que é ação mandamental. Ou a ação declarativa de idade, para depois se pedir o suplemento pelo juiz (ação constitutiva). Ou a declaração de não ter pago o demandado os aluguéis, ou o aluguel, para mais tarde pedir o despejo (ação executiva), ou a de cobrança dos aluguéis (ação condenatória ou ação executiva). Ou a declaração dos créditos e das dívidas, para depois se exercer a ação de prestação de contas joelo autor, ou peío demandado (ação condenatória). É de afastar-se que só se possa pedir declaração se, já sendo proponível a ação de condienação, há razão para se não poder intentar a ação de condenação (e. g., Richard Schmidt, Lehrbuch des deutschen Zívilprozessrechts, 2ª ed., 708 s.; J Trutter, Das ósterreichische Zivilprozessrecht, 261 5.; Max Guldener, Das schweizerische Ziuilprozessrecht, 1, 213; Adolf Schónke, Das Rechtsschutzbedurfniss, 51). A ação declarativa típica pode

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existir, com o interesse jurídico, se já se produziu a lesão que gerou a ação condenatória, ou antes de tal ocorrência. Simples desacordlo (cf. Michele Giorgianni, II Neqozio di accertamento, 8 s.; Carlos Fumo, Accertamento convenzionale e Confessione stragiudizziale, 49 s.), ou discrepância a respeito do conteúdo da relação jurídica, inclusive no tempo e no espaço. Pode mesmo não haver, ou não mais haver, interesse no exercicio de outra ação que a dledlarativa típica, como pode suceder que nenhum interesse haja no exercício da ação declarativa típica, por ser certa e reconhecida por todIos os figurantes a existência ou a inexistência da relação jurídica, ou a autenticidade ou falsidade do documento. 2. Perigo de lide. O perigo de lide justifica a propositura da ação declarativa típica por parte de quem seria o demandado. As vezes, há duas ou mais ações proponíveis, o que alterna (e. g., ação quanti minoris e ação redibitária) ou junta as ações (resolução e indenização). Basta que haja o perigo de uma lide e interesse jurídico na declaração. Nas obrigações negativas, a condenação é a não continuar a inadimplir (= a deixar de abster-se), se a omissão havia de ser duradoura, ou a indenizar, ou a corrigir o que fez. A indenização é a única solução se impossível o afastamento do que se deixou de omitir. Se há o temor do inadimplemento e interesse jurídico na declaração, cabe a ação declarativa típica, ou a ação de preceito cominatório. Não se pré-exclua a proponibilidade de ação condenatória se houve a infração, parcial ou não, razão por que se tem de Pôr de lado velha argumentação de alguns juristas sobre somente caber a ação declarativa típica (e. g., Otto Fischer, Recht und Rechtsschutz, 79 s.; Eduard Flôlder, Anspruch und Klagrecht, Zeitschrift fúr Zivilprozess, 29, 64, Uber Ansprúche und Einreden, Archiv fúr die civuilistische Praxis, 93, 34 s. Zur Lehre von Klagrecht, Jherings jahrbiicher, 51, 362 s.). A ação condenatória supõe inadimplemento; a ação declarativa típica, somente o interesse na declaração. 3. Pesos e declaração. O interesse jurídico, no tocante às ações, tem elementos distintivos. Quando se diz que se tem interesse jurídico em declaração da existência ou da inexistência de relação jurídica, ou da autenticidade ou da falsidade de documento, tal interesse é predominante. A fonte pode ser somente jurídica, ou económica, ou moral, ou adística, ou científica, ou religiosa. Com a propositura da ação, à eficácia preponderante, que é a declarativa, juntam-se a eficácia imediata, a eficácia mediata e as outras; tal como ocorre com as ações constitutivas, condenatórias, mandamentais ou executivas. Quem tem interesse preponderante na constituição, ou na condenação, tem-no, em plano abaixo, na declaração. Dá-se o mesmo em se tratando de ação manda-mental, ou de ação executiva. Se o peso de declaratividade é 4, ou 3, e não 5, a sentença favorável não é declarativa, posto que tenha eficácia declarativa (não-preponderante), que gera a coisa julgada. O interesse jurídico é pressuposto pré-processual. Não é processual, nem de direito substancial. Quem nega a existência de relação jurídica, ou afirma a falsidade de documento, de modo nenhum precisa ser titular de direito subjetivo: pode não no ser. Se B diz que é credor de A e A não no é, tem A interesse jurídico em que se declare a inexistência da relação juridica, que E diz que existe. O direito processual regula a propositura e o procedimento (e. g., faz de rito ordinário, em geral, a “ação” declarativa típica, e de rito especial a “ação” declarativa incidental). Nos suportes fáticos das regras jurídicas de que resultam direitos, pretensões, ações e exceções não há o elemento necessário do interesse. Daí ser erro grave confundir-se o interesse jurídico com a ação. O que se exige, quando se fala de interesse jurídico, é que ele exista para que se exerça pretensão à tutela jurídica. Tem-se de negar, portanto, que o interesse jurídico seja elemento material da ação (cf. Luigi Monacciani, Azione e Legittimazione, 76 5.; Aldo Attardi, L’Interesse ad agire, 11). Quem quer a tutela jurídica há de dizer que dela precisa; portanto, que há o interesse jurídico, dito interesse de agir, interesse processual. 4. Tipicidade e incidentalidade. A ação declarativa pode ser incidental. Se a declaração da existência, ou da inexistência de relação jurídica, ou da autenticidade ou falsidade de documento, é necessária ao julgamento de ação que está pendente, ou a alguma parte do julgamento, o demandante ou o demandado pode pedir a decisão declarativa incidental. Não é preciso que esteja encerrada a instrução da causa. Se estiver, a petição é autuada em apenso. Se é o demandado que a faz, há de ser formulada com a contestação, ou no prazo de dez dias

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contados da intimação de sua juntada aos autos.

Se alguma questão é premissa necessária de conclusão da ação que foi proposta, não há incidentalidade se fora inclusa na petição e não o podia deixar de ser. Aí, a decisão declarativa estará implícita na sentença, e enche a sua eficácia, como elemento eficacial imediado (4), ou mediato (3), ou mesmo menor. Então, não há o que na terminologia alemã se chama Teilurteil, sentença parcial, nem sentença Zwischenfeststellungsklage; mas sim irradiação necessária da sentença. Não há pluralidade sentencial, nem há incidentalidade.

Quando se propõe ação de alimentos, sem haver documento suficiente da filiação, ou sem que tivesse havido sentença em ação de filiação, há necessidade da prova da filiação e o interesse jurídico — aliás, para ambas as partes em que se declare o laço de parentesco. Não se pode negar à ação declarativa incidental a natureza de ação declarativa típica, a despeito do plus de incidentalidade.

Pode ser que a causa da ação declarativa incidental haja provindo de produção de alguma prova, ou de alegação na contestação (e. g., o demandado exibiu ou juntou recibo, cuja falsidade ao demandante interessa que se declare), e não da petição inicial ou da reconvenção. Então, houve o accidens, o acidente, e não só a incidência. Nem tudo que incide accide; nem tudo que accide incide. O acidente cai sobre algo, sobrevém (cidere, de cadere). O incidente interrompe a linha dos fatos, cai em meio dos acontecimentos, portanto —. está dentro, sem que se possa confundir com a acessoridade, nem com a coincidência.

Se uma das partes juntou documento que a outra parte tem por falso, há a ação declaraliva incidental, cujo processo suspende o sentenciamento da causa. Se houve atentado, a ação não é declarativa típica incidental; ocorreu acidente. Atentado cria situação nova ou mudança do status quo, pendente a lide lesiva à parte e sem razão de direito (cf. Alvaro Valasco, Decisionum Consutationum ac rerum iudicotarum, II, 374: “Attentatum est quoddam factum, seu innovaturn lite pendente, contra statum litis, reprobatum a iure”). A eficácia da ação e da sentença favorável na acão incidental de atentado é mandamental (5), executiva (4), condenatória (3), declarativa (2) e constitutiva (1). A da ação e da sentença favorável na ação incidental de falsidade de documento é muito diferente, porque é declarativa (5), constitutiva (4), condenatória (3), mandamental (2) e executiva (1). E interessante comparar-se a eficácia da ação e da sentença favorável na ação incidental de falsidade de documento e a eficácia da ação e da sentença favorável na ação incidental de falsidade em processo penal (declaratividade, 3; constitutividade, 5; condenatoriedade, 4; mandamentalidade, 2; executividade, 1).

§ 14. Documento autêntico ou falso 1. Documento, autenticidade e falsidade. Documento é todo objeto suscetível de servir de prova a alguma proposição. Tal sentido é o mesmo que aparece no domínio das ciências. Fala-se de documentos antropológicos, de documentos históricos, de documentos políticos, die documentos juridicos. De regra, não se procura estender o sentido para além do que concerne ao homem. Na legislação processual, documento é tudo que serve para provar alguma proposição adiculada no processo, ou implícita na sua própria expressão, como acontece quando o juiz manda juntar aos autos a certidão policial de que o autor está usando, no feito, de falso nome. Algumas vezes, nas leis processuais, documento só abrange os instrumentos, os papéis; outras vezes, os documentos e as peças probatórias juntáveis aos autos; outras vezes, os documentos e as peças probatórias que têm de ser arquivadas.

É no último sentido que a palavra documento se acha nos textos legais? Posso ter interesse em pedir a declaração da autenticidade ou falsidade da mesa que se diz ter pertencido a Pedro 1, ou da autenticidade ou falsidade dos exemplares de certo livro editado; mas documento, quando se trata de ação declarativa, é só o instrumento ou o documento peça probatória, em que alguém pode ser apontado como autor (autenticidade) aparente e real, ou somente real ou somente aparente (falsidade).

Alude-se, pois, a valor probatório. Não importa se têm grande força probatória, como a sentença, a escritura pública, ou menor, como os documentos públicos informativos e os privados.

A ação declarativa, no caso de declaração de autenticidade ou falsidade de documento, oferece o caso

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único que se conhece (Rudolf PolíaL, System des õsterreichischen Zivilprozessrechts, 3) de pretensão à tutela jurídica sem ser preciso haver por trás da ação processual pretensão de direito material, ou, sequer, direito subjetivo material. A ação de falsidade de documento apresentado em juízo é declarativa acessória, incidente. 2. Conceito de autenticidade. O conceito de autenticidade, quando se fala de documento, está aí em toda a largueza. Abrange a ausência de falsidade e a ausência de falsificação. Pode referir-se à participação ativa do autor na feitura do documento ou à sua co-participação ativa, ou à participação ou co-participação de outrem. Esse outro pode ser o réu ou terceiro. De modo que, falando de autenticidade, a lei die modo nenhum aludiu à autoria do documento em relação a quem quer que fosse: o que se vai declarar é que o docuínento foi dia autoria ou não foi da autoria daquele a quem se atribui tê-lo feito. Tal atribuição é que dá conteúdo ao conceito die autenticidade. 3. Conceito de falsidade. Também o conceito de falsidade está ai em sentido abrangente da falsificação e da falsidade propriamente dita. Todo documento foi feito por alguém, ou, pelo menos, procede de alguém. Se é falso, ou se o não é, depende da correspondência entre o que se alega e a verdade dos fatos. O mesmo ocorre no caso de ser acoimado de falsificado qualquer documento. A lei não distingue entre o interesse do autor quanto à declaração da falsidade em que ele seria o autor do documento e o interesse do autor quanto à declaração da falsidade em que ele seria vitima dia falsidade. Tampouco, entre o interesse do autor quanto à declaração da falsidade em que o réu ou outrem seria o autor do documento e o interesse do autor quanto à declaração dia falsidade em que o réu ou outrem seria o autor da falsidade. 4. Falsidade e vícios do conteudo. A falsidade ou falsificação do documento nada tem com a anulabilidade por erro, dolo, fraude, coação ou simulação. Ali, a ação é declarativa; aqui, constitutiva negativa. Se alguém forçou o signatário a lançar o nome, a assinatura não é falsa; portanto, não se há de cogitar de falsidade do documento. O documento existe, e há autenticidade. A sentença proferidia na ação declarativa não impede que o demandante ou o demandado que foi vencido, com a coisa julgada, proponha a ação die anulabilidade. Se o documento é de quitação e o devedor pagara integralmente o que devia, mas foi ele que forjou o documento, assinandoo como se fosse o credor, ou enchendo papel em branco em que pôs a quitação, a sentença, na ação declarativa, favorável ao credor, não afasta que o devedor possa alegar, noutra ação contra ele, que pagou. O que pode ocorrer é que a lei não permita, no caso, ou na espécie, outra prova que a de documento autêntico.

Se os fatos que se mencionam no documento, mesmo se instrumento publico, não correspondem ao que nele se diz, não se pode pensar em falsidade do documento, mas sim em invalidade, se alguma das figuras de nulidade ou de anulabilidade se compõe. Ainda assim, tem-se de acentuar que se trata de conteúdo do documento, de ato jurídico, e não do documento, que é envoltório. O instrumento público pode ser falso, como se a assinatura não é do tabelião, ou não existem, ou não estavam presentes as pessoas que foram apontadas como testemunhas, nem delas são as assinaturas, ou se a assinatura não é do outorgante ou do outorgado, ou não houve os pressupostos para a assinatura a rogo, inclusive não ser do rogadio a assinatura. A data falsa é causa de falsidade, de que é responsável o tabelião ou outro oficial público. 5. Cheque e subscrição. No cheque, o subscritor é chamado “passador do cheque”. O Passador indica o banco ou negociante, contra o dual se cria o cheque. Por aproximação, chama-se sacado do cheque. Cumpre não confundirem-se saque e cheque, porque o saque pode existir, sem existir cheque, ou, até, sem existir provisão. Na letra de câmbio, o saque cambiário não é mais do que implicação formal, que serve a promessa indireta do sacador. No cheque, quem saca afirma, implicitamente, que tem provisão. As vinculações chéquicas correspondem, sempre, a institutos chéquicos distintos, que são de três grupos: o concernente à criação do cheque, que é o ato jurídico do passador do cheque; os concernentes à vida exterior do cheque, e não dizemos à circulação, porque o aval, dado ao passador do cheque, ainda não está necessariamente, no período da circulação, nem se supõe ter sido dado com esse intuito: e os concernentes à satisfação do direito do portador à provisão.

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No cheque, como na nota promissória, não há aceitante. À nota promissória é estranha qualquer alusão a saque. Se B enche a nota promissória, com que pagou a C, e a avaliza ou endossa a C, levando-a C a A, que a subscreve, houve saque, mas incluído no negócio jurídico subjacente, simultâneo ou sobrejacente entre B e A, não no negócio jurídico cambiário da nota promissória. No cheque e, há o saque, sem o aceite. Retira-se o que se tem com o banco, ou com outro estabelecimento autorizado; não se faz promessa da promessa de outrem. No cheque, supõe-se outro negócio juridico entre o passador e o banco ou outro estabelecimento autorizado, pois que se supõe a provisão, mas o cheque é abstrato. (a) No momento em que se cria o cheque, ao elemento real alia-se o elemento obrigacional. Todo cheque supõe declaração originária, sujeita a príncípios de capacidade e de vontade suficiente, bem como outros requisitos de validade intrínseca. A vontade só se exprime dentro de moldes extrínsecos, moldes que prefiguram vontade suficiente para o cheque incompleto, porém não ineficaz, e vontade suficiente para o cheque completo. A diferença dias outras declarações, a declaração do passador cria o cheque além de criar, como as outras, a vinculação cambiária do declarante. Todas criam vinculações, mas só a declaração do passador cria o cheque. Materialmente, o ato criativo do cheque pode não ser de uma vez, bem que, intelectualmente, se suponha querido todo o conteudo da declaração, ainda que os requisitos tenham sido satisfeitos em momentos diferentes. O contexto completo, a regularidade extrínseca, não precisa surgir de um jato. O direito sobre cheque satisfaz-se com uma assinatura, que é a do passador do cheque, e o que pode significar o mínimo admissível de vontade. O que se exige é, por conseguinte, a satisfação potencial dos requisitos chamados essenciais.

Criado o cheque, aínda que a assinatura do sacador seja falsa, ou, por outra razão não aparente, ineficaz, está apta a receber as declarações sucessivas. Tal sucessividade é sucessividade lógica e jurídica, e não, rigorosamente, sucessividade temporal ou material: nada obsta a que os avales e os endossos sejam apostos antes da criação do cheque. Os dois sujeitos, cujos nomes hão de achar-se no cheque, o passador e o banco, ou negociante, contra quem se cria o cheque, podem achar-se na mesma pessoa, porém, na sistemática do direito sobre cheque, os dois são juridicamente distintos conto figuras definidoras do titulo. Porém do cheque há de constar a cláusula alusiva à lei de circulação: ou o cheque é ao portador, ou é à ordem. Se nada se diz, o cheque circula ao portador, faticamente.

(b) Nasce a pretensão do portador dia cheque, inclusive do tomador, no momento em que se estabelece a posse de boa-fé. Antes do comitato com o alter o cheque e ainda não vincula. Porém basta o contato com o alter para que o direito desse possa surgir.

Quem assina o cheque vincula-se. Se o cheque — peça com os dizeres comuns impressos — foi assinado, sem se dizer a quantia e sem se apor a data, vinculado está o passador do cheque. Se alguém o furta ou o acha e vai ele parar às mãos de possuidor de boa-fé, o direito e a pretensão do possuidor nascem. Se após a data e ainda não escreveu por extenso a quantia, há vinculação, como haveria se não tivesse aposto a data e houvesse lançado por extenso a quantia, ou nem data nem quantia estivessem na cártula. E o cheque em branco. Tem de ser completado, para que se apresente.

(c) As figuras subjetivas do endossante, do avalista, do interveniente, e, em consequência, do endossatário e do avalizado, são acidentais. Todos esses atos são sujeitos a regras jurídicas rígidas, bem assim o protesto e todos os outros atos que podem ocorrer na vida do cheque. O endosso é ato jurídico abstrato, com todas as consequências quanto à vinculação assumida e ao próprio ato propulsor dia circulação do título. O endossante como que faz sua a declaração de disposição, que fizera o passador do cheque. Aqui, como ali, tal declaração é ao público, embora, instrumentalmente, ao endossatário. Também ele afirma que há provisão. Somente por aproximação se pode chamar garante ao endossante do cheque. O endossante dispõe para o público, com a partícularidade de indicar, dentre o público, a pessoa (endossatário), que é o primeiro elo de cadeia eventual. A diferença maior entre o passador do cheque e o endossante está em ser aquele o criador do cheque: no momento em que entrega o cheque ao tomador, cujo nome figura no titulo, o seu ato é como o do endossante em preto; no momento em que entrega o cheque a alguém, cujo nome não está no título, por ser ao portador, ou em branco quanto ao nome do tomador, o seu ato é como o do endossante ao portador, ou do endossante em branco.

O aval é declaração sucessiva, e pode ser dado ao passador, ou ao endossante, ou a qualquer dos avalistas do passador ou do endossante. Avalista não é garante, nem fiador do avalizado: é pessoa que veio ao título para

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ato igual àquele da pessoa a que se refere o aval. Dá-se, precisamente, a comunhão de sorte.

O fato de não poder o sacado opor ao portador defesas que teria contra o tomador ou possuidores intercalares de todo assimila o cheque aos outros títulos cambiários e cambiariformes: por outro lado, deriva de ter circulação cambiariforme. A suposição de que há sempre pagamento condicional quando se paga com cheque tem o mesmo defeito que a de se reduzir todo o pagamento com cheque a pagamento a termo. Não há nenhuma condição no cheque. Quem aceitou cheque em pagamento aceitou cheque, e não pagamento sob condição. Se assim não se entendesse, far-se-ia dependente de ato futuro, que é o pagamento pelo sacado, a conclusão dos negócios jurídicos de prestação e contraprestação (em cheque) simultâneas, e dependente do bom êxito de questões futuras a quitação dos credores. Por outro lado, se A pagou a letra de câmbio ou a nota promissória a B, com cheque, e o cheque não é pago, como volver-se ao momento anterior ao pagamento? A letra de câmbio ou a nota promissória perderiam a ação executiva, porque não mais se poderia tirar protesto.

O cheque pode ser endossado ou ter assinatura de avalista antes mesmo de ser assinado pelo passador. E cheque em branco. Tem de ser completado. O passador somente se vincula no momento em que o assina.

Se, em vez disso, o assina sem o emitir, vinculado está pela assinatura. Enquanto com ele permanece o cheque, nenhuma pretensão há contra ele, mas pode exsurgir quando for às mãos de algum possuidor de boa-fé.

(d) Se falta ao cheque algum elemento do contexto, mas tem o nome de quem o passou, e é nominativo, ou dele consta algum endosso, a aquisição de boa-fé exige a legitimação formal pela cadeia dos endossos. Se falta o nome da pessoa a quem se passou, enquanto não se lança o nome de alguém, o cheque circula como os títulos ao portador. Inserto o nome de alguém, a circulação é á ordem. O passador do cheque em branco não pode obstar, em principio, a que o sacado o pague, qualquer que tenha sido o enchimento por outrem.

O direito do possuidor do cheque em branco a enchê-lo é elemento do direito ao cheque, como título cambiariforme. Autônomo, portanto, como esse direito. Quem tem posse de boa-fé tem direito a encher. Tal direito não depende de qualquer negócio jurídico subjacente, justa ou sobrejacente; é poder de instrumentação. A vontade, que bastou à criação do cheque, deixou tal direito ao possuidor de boa-fé. O pacto sobre o enchimento só tem efeitos entre figurantes em contato, ou contra o possuidor de má-fé. Se o possuidor de má-fé encheu o título em branco e o passou a outrem, que o adquiriu de boa-fé, a aparência é protegida, e o possuidor de boa-fé nada tem com o pacto existente entre os antecessores ou entre o antecessor e o passador do cheque. A aparência só protege o que aparece, e não o que não aparece.

Todavia, o possuidor de boa-fé não pode encher o cheque com a soma que bem entenda: não estaria de boa-fé! Seria mais que exercício irregular de direito. Por outro lado, o passador não pode pretender que se encha com menos do que aquilo que foi prometido.

Sempre que o possuidor estava de má-fé à aquisição do cheque, é-lhe oponível a objeção de enchimento abusivo. Não pode ele invocar a aparência do cheque. A aparência só é protegida aos possuidores de boa-fé.

(e) E preciso encher-se o cheque para que se exercite o direito oriundo do cheque, ou alguma das ações a ele pertinentes. Nada obsta a que se proceda ao enchimento, já pendente a lide do processo executivo, ou não, quando a parte já reclamou, ou o juiz o apontou. Tudo mais que se disse sobre o enchimento da cambial em branco é de invocar-se a propósito do cheque.

Capítulo II

Ações declarativas típicas e exemplificações frequentes § 15. Acões concernentes ao direito autoral de personalidade 1. Direito de personalidade. Se há ofensa ao direito de personalidade, quer firmado no direito brasileiro quer no

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ad 4 ter da Convenção Internacional de Paris, tem o titular as pretensões e ações adequadas. E preciso, porém, que se não confundam o direito de personalidade e o direito de nominação, que o direito brasileiro distingue daquele, com as conseqúências que por nós foram estudadas. 2. Ações proponíveis. As ações proponíveis são a ação declarativa, a ação de condenação (e. g., se foi usurpado o nome), a ação de indenização por ato ilícito absoluto, a ação de abstenção ou a de preceito cominatório. A ação específica de condenação não cabe para a proteção de sinais distintivos, porque não são nome (Tratado de Direito Privado, Tomo VII, § 748, 7, in fine); mas, a respeito de sinal distintivo, pode existir direito autoral de personalidade, o que é outra coisa, e esse tem a ação específica de condenação. § 16. Ações concernentes ao direito autoral de nominação 1. Espécies em que há direito autoral de nominação. Se, in casu, há direito autoral de nominação, as pretensões e ações são as mesmas de que se trata no tocante ao direito da propriedade intelectual. 2. Espécies em que não há direito autoral de nominação. Para que exista tal direito é preciso que haja criação intelectual; não há, em absoluto, na recompensa industrial, que procede, necessariamente, de outrem, e na indicação de proveniência. A ação declarativa típica é proponível. § 17. Ação declarativa de nome 1. Tutela do nome e ação declarativa. Existe ação declarativa, a respeito do nome, porque o direito ao nome resulta de relação jurídica entre aquele a que foi imposto (o conceito de imposição, impositio nominis, é o que nos veio do direito romano, com a transformação canônica) e os demais membros da comunidade. O sujeito passivo é total. Se alguém o nega, ou, ainda, se há interesse na declaração, sem que alguém explícita ou implicitamente o tenha negado, cabe a ação declarativa típica, com a satisfação dos pressupostos processuais. O nome é bem da vida, juridicamente protegido (cf. A. Stuckelberg, Der Privatname im modernen búrgerlichen Recht, 31 s., 106.). E preciso que o autor afirme, e prove, que lhe toca o nome (= foi registrado com esse nome), e houve negação ou ameaça ao seu uso, ou simples situação que crie o interesse por parte die outrem (o réu recusa-se a adimitir a djuitação com o nome do autor). Não é razão, para a ação declarativa, ter o oficial do registro se recusado a inserir algum vocábulo; por exemplo, “de”, “filho”, “Júnior”, “Sênior” (Georg Cohn, Negue Rechtsgiliter, 32): aqui, cabe a subida do requerimento ao juiz, ainda que se trate de caso de mudança de nome, dentro do prazo legal. Para a ação declarativa não é preciso ter havido dano. Se dano houve, também pode ser proposta ação de condenação específica ou a ex delicto.

A legitimação ativa vai a toda pessoa que tenha nome. O que ainda não tem nome não poderia propor ação declarativa de nome; em circunstâncias especialíssimas, teria ação declarativa do direito de se registrar, dando-se o nome que entendesse, por lhe não terem imposto nome. A legitimação passiva vai a quem quer que, explicitamente, ou implicitamente, negue o direito ao nome (= a certo nome). Não importa se o demandado tem outro interesse, ou não (Emest Hafter, no Kom mentor de Max GmUr, 1, 2ª ed., 155), no negar o nome, ou se o tem o autor. Tampouco é de se exigir que os demandantes se tenham como titulares do mesmo nome. O funcionário público pode ser autor, bem como reu.

Negar o direito ao nome é tomar qualquer atitude que tenha, ou possa ter, a conseqüência de dificultar, ou impedir, que o titular do direito ao nome use dele. Pode ser a pessoa de igual nome (Alfredl Wiesner, Der Schutz des Namens nach BGB., 28); pois a homonímia não permite que se negue o nome da outra pessoa. Não importa se a negação foi escrita, oral, ou por sinais, em público, ou em pequeno circulo.

Para a ação declarativa, não é preciso que exista relação jurídica entre autor e réu, ou que, pelo menos, se discuta essa existência. A jurisprudência alemã, a princípio, exigia-o (cf. Alfred Wiesner, Der Schutz des

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Namens nach BGB., 28). Havia confusão da ação declarativa da relação de direito absoluto (o direito ao nome) com a ação declarativa da relação de direito absoluto, ou não, entre o titular do nome e a pessoa junto a quem tem aquele o interesse da declaração. 2. Pessoas jurídicas e tutela do nome. As regras jurídicas concernentes à tutela do nome apanham as pessoas jurídicas de direito civil ou comercial e as de direito público. O fim das regras jurídicas é o mesmo. Assim, se o nome de família é elemento do nome comercial, ou (quase) o nome mesmo da pessoa jurídica, os portadores do nome de família têm de abster-se de atos que neguem, ou usurpem, essa escolha, para a qual deram o seu consentimento. Se não no deram, têm a ação mandamental constitutiva negativa, com as alterações de competência, percluível no prazo legal. O consentimento não foi dado, mas há a objeção de quem obteve, além do prazo marcado, o registro do nome. 3. Ação declarativa oriunda do direito ao pseudônimo. O direito ao pseudônimo é direito absoluto, por ser direito de personalidade. A sua tutela é a dos direitos de personalidade: a ação declarativa é comum a todas as relações jurídicas; a ação condenatória específica e a cominatória têm inteiro cabimento, se há ou se teme ofensa (inclusive negação) ou usurpação; a de indenização por ato ilícito absoluto pode ser proposta.

A ação declarativa positiva tem por fito enunciar que existe a relação jurídica dia qual procede o direito ao nome (eficácia); só eliticamente se diz que o direito ao nome é a relação jurídica, como faz Madin Isaac (Der Schutz des Namens nach den Reichsgesetzem, 71 s.) De tal ação pode lançar mão o titular do pseudônimo. O Código Civil italiano, art 9 inseriu regra juridica explicita: Lo pseudonimo, usato dia una persona in modo che abbia acquistato l’importanza del nome, puó essere tutelato ai sensi dell´adicolo 7”. No art 7, a ação toca à pessoa a quem se nega o direito ao uso do próprio nome e a quem sofreu prejuízo pelo uso indevido por outrem. O art 9 não se referiu ao art 8, que diz: “Nel caso previsto dall’adicolo precedente, l’azione puó essere promossa anche da chi, pur non portando il nome contestato o indebitarnente usato, abbia alIa tutela dei nome un interesse fondato su ragioni familiari degne d´essere protette. A doutrina decide que a referência se subentende (F. 5. Azzariti— G. Madinez, l)iritto Civile italiano, 1, 222; Adriano de Cupis, II Diritto alI’identità personale, 168). § 18. Ação declarativa de curador especial 1. Instituição de curador especial. Quem institui um menor herdeiro, ou legatário seu, pode nomear-lhe curador especial para os bens deixados, ainda que o menor se ache sob o pátrio poder, ou sob tutela. Tal curador especial não precisa de nomeação judicial. Tem ele apenas de apresentar em juízo a prova da nomeação, pedidndo, se quer, que o juiz o declare como tal (decisão declarativa). Antes de se apresentar, qualquer ato do titular do patrio poder, ou do tutor, ou do curador, a respeito dos bens deixados, é ato da gestão de negócios alheios. 2. Incapacidade superveniente. Pode ocorrer que o curador especial se haja tornado incapaz, e então a ação, que o interessado há de propor, se rege pelos princípios concernentes à incapacidade. Se, por exemplo, foi interditado o curador especial, pode ser proposta a ação declarativa. § 19. Ação declarativa de vínculo conjugal e de sociedade conjugal 1. Celebração de casamento. Pode dar-se que haja o registro do casamento, mas a) não tenha estado presente o juiz que se dá por celebrante, ou b) não tenha estado presente uma das pessoas que se apontam como nubentes. Nas duas espécies, não houve celebração: a celebração é em relação processual em ângulo (noivo-juiz; juiz, noiva), com os contatos interpessoais de contrato a ser integrado pelo juiz. O casamento, nas duas espécies, não existe, porque celebração não houve: (a) se alguém o celebrou não era autoridade para lhe poder dar existência, ou alguém lhe fez as vezes, criminosamente (usurpação do poder público); (b) se A que se diz ter sido o nubente, ou B, que se diz ter sido a nubente, não esteve presente, o casamento não se realizou com eles: A e B

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não se casaram. Todavia, como tais casamentos se dizem celebrados e não se pode ir contra ato do Estado sem se lhe alegar a nulidade (e ai o ato do Estado existiu, embora com falsidade), tem-se de propor a ação ordinária. A prova é a de que não celebrou o casamento quem se diz, no ato público, ter celebrado, ou a de que a pessoa que se disse, no ato público, presente, não estava presente, não assinou. Exige o rito ordinário a ação em que se haja de provar que estava morto, no momento da celebração, o nubente representado. A alegação de estar revogada a procuração ao tempo da celebração é argüição de anulabilidade. 2. Ação declarativa de dissolução do casamento. Se há interesse jurídico se declare que foi dissolvido o casamento, a ação é declarativa negativa. E uma das ações declarativas típicas da inexistência do casamento. 3. Sociedade conjugal. Se há, ou se não há, sociedade conjugal, é assunto para ação declarativa típica. Não importa se existe o vínculo, ou se não existe, posto que se possa pedir a declaração de que não há sociedade conjugal, por estar dissolvido ou não ter existido matrimônio, mas, então, a ação é declarativa negativa de casamento. Posto que se trate de sistema jurídico em que não há o divórcio, nada obsta à declaração de ter ocorrido; a fortiori, se há. § 20. Ação declarativa de direito pessoal e de dívida pessoal 1. Ação declarativa de crédito ou outro direito pessoal. A ação de declaração dia existência de crédito ou outro direito pessoal éação declarativa típica positiva. 2. Ação declarativa de dívida. Se há interesse em que se declare existir, ou não existir, a dívida, cabe a ação declarativa típica. Não importa qual a classe da divida (a prazo ou não, a prazo determinado ou indeterminado, prorrogável ou improrrogável; abstrata ou não; sendo munida, ou não, de pretensão, ou de pretensão e de ação). A ação declarativa típica pode só se referir à pretensão, ou à ação, ou a ambas. 3. Ações no tocante à prestação futura. Em princípio, a ação, que se tem e se pode propor quanto à futura prestação, é a ação declarativa (plano da existência), para se emitirem enunciados existenciais (é ou não é) sobre a relação jurídica, com as suas caracterizações e eficácia. Basta o interesse na declaração. 4. Ação declarativa de resolução e ação constitutiva negativa. Se um dos contraentes interpreta que houve resolução ipso iure e o outro discorda, indo essoutro a juízo (e. g., contrato com a União, se o governo, por ato oficial o considera desfeito, Supremo Tribunal Fedieral, 5 de junho de 1912, São Paulo J., 34, 476), a ação dele é declarativa negativa. Sempre assim foi no direito brasileiro, se bem que os juristas não a soubessem classificar. Aliter, a resolução por inadimplemento (cf. Corte de Apelação do Distrito Federal, 5 de janeiro de 1922, RD 65/335), que é dependente de declaração de vontade resolvente. Nesse caso, e não naquele, o comprador, que se recusa a restituir a coisa comprada, antes de ser exercido o direito de resolução, não pode ser havido como esbulhador (Tribunal de Justiça de São Paulo, 6 de setembro de 1933, RT 90/509).

As restituições de regra se fazem sem compensação. Se há perdas e danos a ressarcirem-se, nada tem isso com a simples restituição; nem se contam como aluguéis da coisa restituida as prestações pagas. Se são devidos, entram como perdas e danos. Compensação somente pode haver se pela lei cabe no caso.

§ 21. Ação declarativa do comprador e do vendedor

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1. Preliminares. O comprador é titular de direitos, de pretensões, de ações e de exceções, como o é o vendedor. Algumas ações são comuns; outras apresentam algumas diferenças, razão por que devemos cogitar de umas e de outras, em geral e, depois, separadamente. 2. Ação declarativa. Em qualquer tempo, após a conclusão do contrato de compra e venda, pode o vendedor ou o comprador propor ação declarativa de qualquer direito, ou dívida ou dever, ou pretensão, ou obrigação, ou ação, ou exceção, que resulte do contrato.

A divida pode existir antes da obrigação, o que, por exempío, ocorre nas compras-e-vendas com dia para a entrega. Se o vendedor não presta, no devido tempo, o bem, incorre em mora, devendo, para isso, se mercanti? a compra e venda, ser judicialmente interpelado pelo comprador. No dia em que o vendedor ou o comprador deve prestar nasce a obrigação. Se não presta, há a mora solvendi

Em vez de propor a ação de diminuição do preço (quanti minoris), pode o comprador propor apenas a ação declarativa, para que o vendedor seja considerado como tendo concordado com as despesas do comprador no conserto ou extinção do vicio oculto (dakob Leistner, Die Haftung des Verkàufers wegen Màngel der Kaufsache, 57). Se houve acordo provado, o vendedor está vinculado.

§ 22. Ação declarativa do mutuante e do mutuário 1. Ação declarativa do mutuante, O mutuante pode propor ação declarativa no que respeita ao quanto do crédito ou a qualquer outro ponto que lhe interesse e seja suscetível de resposta positiva ou negativa de existencia. 2. Ação declarativa do mutuário. O mutuário tem ação declarativa para que o juiz afirme ou negue a existência da divida, ou de algum ponto que seja concernente à existência da dívida, ou de algum ou alguns efeitos. § 23. Direitos reais e ações declarativas 1. Direitos reais e ação declarativa. As ações declarativas são uma das classes das ações. As ações ou são declarativas, ou constitutivas, ou condenatórias, ou mandamentais, ou executivas. A ação declarativa típica é apenas uma das espécies de ações declarativas. A sentença apenas decide se há ou se não há a relação jurídica real, de que se irradia o direito de propriedade; na espécie, o direito dominial ou real limitado. A eficácia é só entre partes, o que, dada a natureza do domínio, que é erga omnes, estabelece a situação de decisão que somente concerne a certo raio do direito, de modo que outrem, para quem não tem eficácia a sentença, pode vir contra o autor vitorioso em luta com o réu ou os réus. Essa incoincidência da eficácia da sentença na ação declarativa com a eficácia dos direitos muito perturbou, por muito tempo, os juristas, razão para que não vissem ou menosprezassem o papel da ação declarativa, no tocante ao dominio e aos outros direitos reais. A relação jurídica real é relação jurídica como as outras; e seria absurdo que a respeito dela não se pudesse pôr e exigir solução à questão sobre existência: j.existe, in caso, ou não existe relação jurídica dominical? Hoje, a declaração judicial da propriedade é objeto de ação, o que se não pode discutir sem se tentar cortar o conceito mesmo da ação declarativa. Pede-se a declaração positiva ou negativa cio direito de propriedade (Konrad Hellwig, Anspruch und Klagrecht, 32; Leo Rosenberg, Lelirbuch des deutschen Zivilprozessrechts, 5ª ed., 370) como se pede a declaração da relação de pátrio poder, da cidadania, de paternidade, ou de maternidade e de relação jurídica processual. O edital é que pode estender a todos a eficácia de coisa julgada, sendo réus, então, os citados ou o citado e “os demais interessados”. O édito estabelece a coincidência entre a extensão da eficácia da sentença declarativa e a eficácia da relação jurídica declarada.

2. Interesse na ação. Quem se diz dono de algum bem tem sempre interesse em que se lhe declare a existência da relação jurídica dominical. Só excepcionalmente poderia o juiz exigir que provasse o interesse econômico

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ou moral, a que se referem as leis com limitação injustificável (há interesse político, estético, científico, religioso). O interesse do autor pode limitar-se à declaração da existência ou inexistência de relação jurídica ou àdeclaração de autenticidade ou falsidade de documento. São inconfundíveis a ação de declaração de autenticidade da escritura pública ou do escrito particular, em que se insere acordo de transmissão, e a ação de declaração da existência da relação jurídica de propriedade. O acordo de transmissão pode existir e ser-lhe declarada a existência, sem que se haja transmitido a propriedade (e. g., outrem, com outro acordo de transmissão, chegando ao cartório antes do autor de ação declaratória de autenticidade, obteve a transcrição). Também a ação declaratória de falsidade de documento não se confunde com a ação declaratória negativa da relação jurídica de propriedade, porque há casos em que a transmissão se opera a despeito de ser falso o acordo de transmissão, cabendo a responsabilidade segundo os princípios. 3. Cumulabilidade. Algumas ações têm, necessariamente, carga de eficácia declarativa tal que a sentença faz coisa julgada material. Outras, porém, não na têm, ou só na têm em alguns casos, ou quando explicito o pedido de declaração. Ali, se se quer a declaração da relação jurídica de propriedade, é preciso que se cumulem as ações; aqui, respectivamente, é prudente inseri-lo, ou torná-lo explícito. 4. Condomínio e comunhão “Pro diviso”. A ação declarativa pode ser exercida para a declaração da existência ou inexistência da comunhão “pro indiviso” ou “pro diviso”, bem como para se declarar qual a quota ou a parte domínica divisa no bem comum. Também, pelo cônjuge, para se declarar se é comum ou se e particular o bem trazido ou adquirido após o casamento. A regra jurídica sobre o poder de alienar ou de gravar a parte indivisa é invocável, por analogia (cf. G. Planck, Kommentar zum Burgerlichen Gesetzbuch, III, 543; sem razão, Johannes Biermann, Das Sachenrecht, 187); mas a sentença desfavorável não faz coisa julgada contra os que não foram partes. 5. Declaração negativa de direitos reais ou de limitações ao conteúdo do direito de propriedade. O titular do domínio pode ter interesse em que se declare, negativamente, o direito real de alguém, ou a existência de limitação ao conteúdo do direito de propriedade, sem que tal ação se confunda com a ação negatória, de que adiante se tratará. Tal o que ocorre quando alguém se pretende titular de servidão (G. Planck, Kommentar zum Búrgerliche Gesetzbuch, III, 592; Heinrich Dernburg, Das Búrgerliche Recht, III, 586). A ação é cumulável com a de abstenção, ou com a negatória, com que também não se confunde. Ou quando alguém se pretende com direito real de hipoteca, ou outro direito real. Nada obsta a que se peça a declaração do direito de vizinhança, que nele se contém. 6. Ação declarativa e pretensões dominiais mobiliárias. A ação declarativa também se pode propor para que se afirme, ou se negue, judicialmente, a existência da relação jurídica de propriedade mobiliária (Tratado de Direito Privado, Tomo XIV, §1.569). Não prescreve.

Frequentemente, a declaração da relação jurídica é questão prévia, com carga de eficácia 3, ou, até, 4. Então, a sentença, ainda que não seja preponderantemente declarativa, o é em quantidade suficiente, de modo que tem eficácia de coisa julgada. Portanto, chega-se, embora por outro caminho, ao mesmo resultado da sentença na ação declarativa. 7. Tempo e declaração. A relação jurídica, que se quer declarada, a respeito de algum bem móvel, ou existe, ou já existira, ou ainda vai existir. A propósito da ação declarativa, se a relação jurídica é futura, tem-se de atender ao que alhures escrevemos (Tratado de Direito Privado, Tomo XIV, § 1.570, 2): no dizer-se que se pode declarar relação futura, há falar eliptico, porém não errado; declara-se o que é presente, tal como, no futuro, produzirá, inevitavelmente, a relação jurídica de que se trata. Assim ficou superada a discussão em tomo da matéria. 8. Ação declarativa e direitos incorporados a títulos e direitos documentados. A declarativa da relação jurídica tem de referir-se, necessariamente, à propriedade da cártula, porque o direito, que se incorporou no título, pertence à pessoa a quem pertence a cártula, de qualquer espécie que seja. O direito é parte integrante do título.

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Se o título é representativo, a ação declarativa concerne a existência da relação possessória ou da relação

jurídica da propriedade do título. Isso não exclui que se possa propor a ação declarativa para se afirmar ou negar qualquer relação jurídica pessoal que seja entre o que depositou a coisa e o que criou o título representativo da coisa depositada.

A propósito dos direitos documentados, o título é pertença do direito. Tanto pode haver declaração da relação jurídica de propriedade do título quanto da relação jurídica a que o direito documentado corresponde. 9. Direito dominial, direitos reais e constrições. Uma vez que não depende de registro a indicação de proveniência, a propriedade nasce ao se compor o suporte fático da usabilidade. Desde esse momento o direito é real. Titular dele é quem esteja na situação de poder usar a indicação de proveniência. Do direito real irradiam-se as pretensões e ações reais. Se ocorre que dois lugares são homônimos, tem qualquer dos titulares, ou aquele a que corresponde o lugar já existente ao se dar o mesmo nome a outro, a pretensão e a ação a que o outro titular empregue outra designação completante da indicação de proveniência. Por exemplo: em se tratando de dois Municípios de igual nome, a pretensão ou a ação para que se mencione o Estado ou o Território.

Também há ação possessória por parte do titular da indicação de proveniência. A posse é do bem incorpóreo, como a propriedade.

Não há direitos reais limitados quanto a indicações de proveniência, nem é suscetível de qualquer constrição (arresto, sequestro, penhora) o direito dominial sobre indicação de proveniência.

Tudo isso concorre para que ressaltem, no sistema jurídico, as particularidades do direito dominial sobre indicações de proveniência.

A indicação de proveniência situa o produto; ainda que, no caso concreto, nenhuma qualidade aponte que se ligue ao lugar, nela está, de regra elipticamente, enunciado de fato (= o produto, que aqui se expõe ou vende, provém do lugar tal). Todo enunciado de fato ou é verdadeiro ou é falso. Daí a importância da verdade nas indicações de proveniência, quase sempre comunicações de conhecimento ao público. § 24. Ações declarativas oriundas do direito de propriedade industrial 1. Ação declarativa e patente. A relação jurídica de propriedade, que existe, ou não existe, a respeito de algum bem industrial patenteado, é suscetível de ação declarativa, em que se afimie (ação declarativa positiva) ou se negue (ação declarativa negativa) aquela relação (sobre aquela, Mario Ghiron, Corso di Diritto Industria le, II, 370). O inventor tem a ação declarativa da relação jurídica que lhe nasceu do atofato jurídico de inventar, ainda que não tenha obtido patente e ainda que a patente haja sido conferida a outrem. Na última espécie, tem ele de propor a ação constitutiva negativa, passando a ação declarativa a ser questão previa. Tem ele, se obteve a patente, a ação declarativa da relação jurídica de direito real, com a qual consegue sentença sem força para impedir a ação constitutiva negativa, que terceiro proponha, nem a ação de imissão na propriedade, mas pode afastar dúvidas quanto à existência do registro e à titularidade do direito, no tocante à patente.

O mesmo havemos de entender quanto aos modelos de utilidade e aos desenhos e modelos industriais. 2. Ação declarativa e registro. A ação declarativa, no que concerne aos sinais distintivos registáveis, pode ser

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quanto à relação jurídica a que corresponde o direito formativo gerador (ação declarativa positiva e ação declarativa negativa); ou, se já foi registrado o sinal distintivo, no que se refere à relação jurídica de propriedade industrial, positiva ou negativamente.

É preciso que se preste toda atenção ao que acima se disse: se existe direito forrriativo gerador, ainda que só se possa alegar e provar uso, tem o titular a ação declarativa; se esse direito formativo gerador se irradiou de algum direito, por exemplo o de propriedade intelectual, é óbvio que o titular tem as ações que correspondem a tal direito. Não se pode abstrair do que está, juridicamente, no tempo, antes do direito formativo gerador e, a fortiori, antes do direito de propriedade industrial, que depende da patente ou do registro, salvo em se tratando de indicação de proveniência.

3. Indicação de proveniência e ação declarativa. A ação declarativa não vai além da eficácia de declarar: não cria direito; mas há, nela, elemento constitutivo secundário, que serve de título declarativo. Quem teve declarado o seu direito não tem, por isso, mais direito do que tinha; porém tem-no declarado, o que é mais. Nos sistemas jurídicos estrangeiros, alguns há, como o francês (cf. Lei francesa de 6 de maio de 1919, ad 7), que atribuem ao julgado eficácia declarativa erga omnes, meio-termo, que se encontrou entre a atribuição de eficácia constitutiva à decisão judicial e a simples atribuição de declaratividade, de ordinário só entre as partes. No sistema jurídico brasileiro, temos Iex specialis: Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, arts. 81, parágrafo único, e 103, 1, II e III, c.c. ad 83, v.g. nas relações de consumo. Fora dai, se se quer a eficácia jurídica declarativa erga omnes, tem-se de lançar mão do procedimento edital. Aliás, a própria lei francesa intercalou medidas de publicidade (cf. Lei francesa de 6 de maio de 1919, ad 3), sem as quais a sentença somente teria a eficácia entre as partes, que é a eficácia das decisões declarativas (Cassação Civil, 6 de junho de 1931).

No direito brasileiro, o procedimento edital é desde a citação, com base na lei processual (incerteza do citando). Se o espaço territorial excede o espaço da jurisdição do juiz, tem-se de providenciar para que também se proceda à citação edital fora. Se tal não se fez, a força de coisa julgada material é restrita àquelas pessoas da jurisdição do juiz. Tal eficácia se impõe ao juízo criminal. Se, no juízo criminal, foi que primeiro se discutiu o direito à indicação de proveniência, a decisão tem eficácia de coisa julgada material, porém somente entre partes.

Faz coisa julgada no cível a sentença penal que reconhece ter sido o ato praticado em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito. Proferida, no juízo criminal, a sentença condenatória, há mais do que a simples eficácia declarativa: há a executabilidade no próprio juízo cível, para efeito da indenização do dano.

Tecnicamente, a solução brasileira é bastante e simples; e não se justificaria, além do que temos, a feitura de lei especial, que tivesse de adotar algum procedimento citatório, ou de publicidade sentencial, que estendesse a eficácia de coisa julgada material.

Qualquer interessado pode contestar a ação declarativa em matéria de indicação de proveniência. 4. Ação declarativa negativa e ação negatória. Se a ofensa não é a posse, cabe a ação declarativa negativa, que é ação de condenação, com forte carga de mandamentalidade ou de executividade (sem razão, Giuseppe Giacomo Auletta, no Commentario del Codice Civile de Antonio Scialoja e Giuseppe Branca, Livro V, 257).

No direito brasileiro, a indicação de proveniência é bem incorpóreo, sobre o qual há direito de propriedade mobiliária e os princípios concernentes à propriedade mobiliária são, portanto, invocáveis.

(Seria grave erro, a que não se forram alguns juristas, chamar-se ação negatória à ação de abstenção, ou à outra, que proteja a propriedade industrial, dita, em alguns sistemas jurídicos, equivocamente, ação de contrafação. Em assunto jurídico, troca de nomes ou de conceitos leva a injustiças por força mesma das ilações errôneas).

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5. Ação declarativa e determinação da abrangência da indicação de procedência. A indicação de procedência é enunciado de fato, quase sempre elíptico. Existe a localidade ou espaço territorial e existem os produtores, ou o produtor, dentro da localidade ou espaço territorial. Se o produtor indica localidade ou espaço territorial dentro do qual não se acha a empresa, mente. A indicação, que faz, é falsa. Há mesmo crime. Nenhum direito tem a tal indicação. A ação para se dizer até onde estão localizados os produtores e fabricantes que podem empregar a indicação de procedência é ação declarativa da relação jurídica em que são sujeitos ativos os que produzem ou fabricam dentro da localidade ou espaço territorial de que se trata. Tal ação pode anteceder ou suceder ao emprego da indicação, porque a relação jurídica é preexistente ao emprego.

Juristas de diferentes países demasiado atentos a interesses locais pretenderam armar conceitos absurdos de indicação de procedência pelo título de qualidade, tais como: só se poderiam indicar com a procedência os produtos que somente pudessem ser obtidos em tal lugar ou região (!); teriam de ser pré-excluídos os produtos que não satisfizessem o tipo ou título de qualidade, embora obtidos no lugar ou região. Com isso (diz-se) só se atenderia à terra, sem se ver que a fama que há (ou que se quer conseguir) pode ser resultante de processos técnicos originais, inclusive de certa atuação fiscalizadora de grupos de empresas ou de sindicato.

A lei brasileira não desceu a esses exageros dos interesses agrícolas, se bem que se possa adjetivar a indicação de proveniência (Sul de Minas, Norte do Paraná, Sertão do Ceará), ou aludir-se ao titulo de qualidade.

É preciso considerar-se que, com a técnica contemporânea, se pode conseguir em diferentes lugares o que antes dependia de fatores naturais locais, ou de fatores históricos locais. Não tentemos construir direito novo, que não foi suscitado quando certas circunstâncias se produziram, mas sim nos nossos dias, a respeito de outros fatos econômicos, deformando-o para o adaptar a interesses histórico-econômicos, de países europeus.

Impressiona quando se cita o caso das águas minerais e das águas adificiais provenientes de certa zona. Exatamente aí é que se há de recorrer a sinais distintivos; e não está em causa, de maneira nenhuma, a distinção entre indicação de origem e indicação de proveniência. Quem lança na circulação água mineral tem de dizer se é natural ou se é adificial, tanto mais quanto não se obtém, com as mesmas propriedades terapêuticas das águas minerais naturais, águas minerais adificiais, e a adjetivação “natural” dada à água mineral adificial é contra direito, pela falsidade que envolve (ambiguidade com as águas minerais naturais), bem como a ausência de adjetivação. Só a água mineral natural se pode chamar água mineral, ou água mineral de A, porque a água mineral adificial não é de tal localidade, é de qualquer lugar (cf. M. Plaisant e Ferdinandi Jacq, Traité des Noms et Appellations d’origine, 57 s.), e a indicação de proveniência tem de ser feita após se caracterizar o que se diz produzido ou fabricado. Não se pode negar a empresa de águas minerais adificiais que consiga instalar-se em Lambari ou Cambuquira a indicação de proveniência, porém tal empresa, em si mesma, seria ato de concorrência desleal se não distinguisse das águas minerais naturais a água, adificial, de seu fabrico.

Qualquer decisão da autoridade administrativa ou de autoridade judiciária sobre indicação de proveniência é apenas declarativa. Entenda-se que tal decisão pode ser em questão prévia, contida no mérito, de decisão condenatória. Se algum produtor ou fabricante quer que, antes de pôr em mercado o que produz ou fabrica, se lhe declare que há a relação jurídica de propriedade industrial, a respeito da indicação da localidade ou espaço territorial em que se estabeleceu, pode fazê-lo; mas essa decisão, seja administrativa seja judicial, de modo nenhum é pressuposto para o nascimento do seu direito. Não tem eficácia constitutiva preponderante, nem, sequer, imediata; apenas declara, vindolhe em seguida as eficácias inferiores, inclusive, por vezes, a mandamental se se teve por fito obstar a algum ato administrativo ou judiciário, como seria a multa fiscal.

O direito à indicação de proveniência nasce a qualquer pessoa fixada no lugar, desde que o produto ou adigo, com que trabalha, provenha do lugar. A tutela jurídica existe desde o momento em que esse suporte fático se compõe. Por isso mesmo, ainda que o titular ainda não exerça o direito, isto é, ainda não haja inserido, no que produz ou extrai, a indicação de proveniência, já tem legitimação à ação de abstenção e à de preceito cominatório contra qualquer outra pessoa que, contra direito, use a indicação de proveniência. Tem, outrossim, a ação de reivindicação, se há posse por parte do legitimado passivo; ou a ação negatória, se há ofensa sem ser à posse do titular. Muitas vezes, o produto do lugar não tem sempre a mesma qualidade. A diferenciação há de ser feita por outros

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sinais distintivos. Não raro, o que importa é a colheita, em sentido geral, e não a embalagem ou o tratamento. Então, lagostas do Recife são lagostas pescadas nas costas de Pernambuco, até onde elas apresentam traços comuns, embora se ponham em latas ao chegarem no Rio de Janeiro. Há, aí, duas indicações como acontece aos vinhos e às aguardentes: lagostas do Recife, enlatadas no Rio de Janeiro; vinho português, engarrafado por B, em São Paulo; aguardente de alambique de barro, proveniente de Caxangá, engarrafada no Rio de Janeiro.

Supõe ligação ao terreno e aos métodos do lugar, mas tais elementos apenas entram como variáveis na determinação do espaço indicável.

Noutros sistemas jurídicos, permite-se que o uso local contrarie a designação geográfica (e. g., Lei francesa de 6 de maio de 1919, ad 1). Não temos essa regra jurídica de exceção. 6. Patente de modelo de utilidade. Com a patente do modelo de utilidade, quem a obtém é titular do direito, como se de invenção se tratasse. Há prazo para o direito, com prorrogabilidade, se a tempo o requer o titular. Há a ação declarativa positiva.

As patentes de modelo de utilidade extinguem-se: a) pelo transcurso do prazo, sem que se haja obtido a prorrogação, ou do prazo prorrogado; b) pela renúncia; c) pela caducidade, por falta de pagamento das anuidades; d) pelo cancelamento por falta de novidade.

Extinta a patente, há a ação declarativa negativa, proponível por qualquer interessado, pois que se tornou res communis omnium. Basta que a afirmação da existência da patente possa causar dano para que se caracterize o interesse. 7. Ação declarativa após expiração do prazo da patente de invenção. Extinta a patente por expiração do prazo, há a ação declarativa negativa, proponível por qualquer interessado. Basta que a afirmação da existência da patente, no momento, possa causar dano, para que se caracterize o interesse jurídico (cf. Eduard Reimer, Patentgesetz und Gesetz betreffend den Schutz von Gebrauchsmustern, II, 1213). 8. Concorrência desleal e ação declarativa típica. É possível propor-se ação declarativa da relação jurídica criada pelo ato de concorrência desleal. Prescinde-se, então, da carga preponderante de condenatoriedade que teria a ação, e só se pede prestação jurisdicional de força declarativa. Se se compôs o ato de concorrência desleal, sem se ter, ainda, causado dano, a ação declarativa é a que se tem de propor, ou a de abstenção, ou a de preceito cominatório. E difícil, porém não impossível, que se possa intentar ação de condenação pelo dano futuro, com a configuração dos seus pressupostos.

Para se eliminar o perigo de dano pode ser necessário destruir-se o que resultou do ato de concorrência desleal. Tal cominação é permitida, como o é a condenação a isso.

Se a espécie é espécie em que o dano não é elemento necessário do suporte fático do crime e, a fortiori, do suporte fático do ilícito privatístico, a ação declarativa é a indicada, porque, a despeito da condenação criminal, não há perdas e danos a serem indenizados. § 25. Ações de tutela a direitos reais limitados 1. “Actio confessoria” e ações possessórias no direito anterior. No direito romano justinianeu e no direito comum, os titulares de direitos de servidão tinham a ação confessória, que tendia a declarar o direito de servidão, remover a ofensa e assegurar que outras ofensas não sobreviriam. Note-se a mistura de ações: a declarativa, a condenatória e a cominação, em actio confessoria, cuja eficácia preponderante era condenatória: condenava-se a perdas e danos, a demolir, a construir, a consertar (Gregório Madins Caminha, Tratado da Forma dos Libelos, 12, nota 8). O elemento declarativo funcionava como prejudicial (“ad declarationem servitutis”, disse Gregório Madins Caminha, invocando textos; L. 2, pr., D., si servitus vindicetur vel ad alium

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pertinere negetur, 8, 5, verbis “ei qui servitutes sibi competere contendit”). O elemento da cominação era, como é hoje, pedido incluso (Manuel Mendes de Castro, Practica Lusitana, II, 204; Manuel Borges Carneiro, Direito Civil de Portugal, IV, 272). O autor tinha, e tem, o ônus de provar o direito à servidão, e não só a posse. A eficácia executiva é mediata, vindo, pois, em terceiro lugar, e dando acesso à actio iudica ti.

Admitia-se a confessória com caráter de Publiciana (Álvaro Valasco, Decisionum Consultationum ac Rerum iudicatarum, II, 469: “... possessor fundi, cui debentur, potest pro illis agere, et sufficit probare se possessorem, et pro domino habitum ac reputatum, licet verum dominium non probet, quamvis actio con-fessoris realis sit, quae de se non competit, nisi vero domino ...“. O verdadeiro titular do direito de servidão pode usá-la, se não quer alegar o domínio (Lafaiete Rodrigues Pereira, Direito das Coisas, 1, 366), como se foi destruído o cadório do registro de imóveis e não se encontram a escritura e a certidão.

Quanto à proteção possessória, a influência do direito romano impedia que se raciocinasse como sendo tutelável, por si só, a posse do titular da servidão. Considerava-se a ofensa àposse da servidão (quase-posse, dizia-se), somente relativa à posse do prédio dominante. Não haveria perda da posse, ainda que se tomasse todo o conteúdo da servidão. Donde: excluir-se a ação de esbulho ou espoliativa, o interdito recuperatório (L. 4, § 27, D., de usurpationibus et usucapionibus, 41, 3); e só se admitir o interdito de manutenção, uti possidetis (Manuel de Almeida e Sousa, Tratado dos Interditos, 61; J. H. Correia Teles, Doutrina das Ações, 213 s.; Lafaiete Rodrigues Pereira, Direito das Coisas, 1, 367 s.).

Antecipemos que muito longe disso está o sistema jurídico brasileiro. O titular da posse de servidão é sujeito ativo de relação jurídica possessória, como o usufrutuário, o usuário, o habitador, o locatário; pode ser tutelada a sua posse contra turbações e esbulho, como se tutela a posse daqueles possuidores imediatos e como se tutela a posse daqueles se acaso se mediatizaram, e. g., se o possuidor do prédio dominante, locando o prédio, deu posse da servidão ao locatário. 2. Direito vigente. O direito contemporâneo soube debulhar as ações, que protegiam as servidões e outros direitos reais limitados e antes se misturavam na actio confessoria. A ação compacta manteve-se, mas as ações-elementos puderam exercer-se de persi. Assim, temos:

a) A ação em que se afirma a existência da relação jurídica de servidão, ou de outros direitos reais limitados, que não é mais do que espécie contida na ação declarativa típica. O interesse, que se exige, é só o interesse da declaração. (Aquele, contra cujo prédio alguém diz ter servidão, tem a ação declarativa negativa).

b) A ação de condenação pela ofensa ao direito de servidão, ou a outro direito real limitado, em que a matéria de a) é questão prejudicial.

c) A ação de indenização por perdas e danos, em que a) e b) são questões prejudiciais.

d) A ação de segurança, preparatória ou incidental, ou independente, para que preste caução o ofensor ou o que ameaça ofender — o que o juiz pode decretar, ainda que não tenha sido pedido (J. J. C. Pereira e Souza, Primeiras Linhas sobre o Processo Civil, 1, 266: “... coisas que, virtual, ou tacitamente, se compreendem no petitório, ainda que não sejam expressas, como a caução de non turbando na ação confessória, ou negatória”), por ser implícito nos pedidos de b), c) e .f). O autor tem de provar o esbulho ou a turbação, e não a posse da servidão.

e) A ação de preceito cominatório.

Se o titular do direito de servidão ou de outro direito real limitado obtém sentença favorável na ação declarativa, de que se falou em a), não precisa propor, depois, a ação cominatória, sobrevindo os pressupostos para essa — basta que requeira a expedição de mandado cominatório, pois nos próprios autos se processa.

1) A ação de vindicação da servidão (servitutis vindicatio) ou de outro direito real limitado.

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g) A ação confessória, que é cumulação de pedidos, com preponderância do elemento condenatório, de modo que a), b), c), d) e e) se cumulam — a) funciona como questão prejudicial e b), c), d) e e) como pedidos posteriores. A ação é, pois, condenatória-declarativa, com eficácia mediata executiva, sendo d) e c) seguranças pendente a lide. O autor tem de provar o esbulho ou a turbação, e não a posse da servidão (L. 6, § 1, e L. 8, §3, D., si servitus vindicetur vel ad alium pertinere negetur, 8, 5) ou de outro direito real limitado, a) O réu pode opor ter sido constituída a servidão por quem não era dono do prédio serviente, nem veio a ser; nem o autor a adquiriu após o registro, adquirindo, pela transcrição, o prédio dominante. A regra “Quem não ésenhor de alhear não o é de dar servidão” (J. H. Correia Teles, Doutrina das Ações, 143) não é excetuada pela aquisição devido à transcrição ou à inscrição; aqui, a aquisição rege-se por outros princípios. b) Também o réu pode opor falta de utilidade da servidão (L. 5, D., si servitus vindicetur vel ad alium pertinere negetur, 8, 5) ou de outro direito real limitado: e. g., se A tem servidão altius non tollendi contra o prédio de C, entre os quais está o de B, e B levanta mais andares, C pode levantar até àmesma altura, porque já o altear o seu prédio não privaria de vistas a A. c) Mais: que se trata de servidão não-aparente, que só se constitui pelo registro; ou que, aparente, nem foi registrada, nem correu, sequer, o prazo legal. d) Pode opor qualquer causa de extinção, como: o ter sido constituída pelo enfiteuta e ter sido devolvido ao senhorio o prédio (Manuel Alvares Pêgas, Resolutiones Forenses, III, 426), salvo se nela expressamente consentira o senhorio (Francisco Pinheiro, De Censu et Emphyteusi Tractatus, 317); a renúncia à servidão; o resgate ou remição; o nãouso durante o prazo legal. Em todo o caso, é de advertir-se em que se não conta no tempo de preclusão aquele em que a servidão não podia ser utilizada; e. g., secara, temporariamente, a fonte (L. 34, § 1, e L. 35, D., de servitutibus praediorum rusticorum, 8, 3), solução imperial, que se deve a informação de Atilicino, ou que o prédio serviente esteve em via de construir-se (Gabriel Pereira de Castro, Decisiones Supremi Eminentissimique Senatus Portugalliae, 389: “Verum Senatus censuit instaurata, seu refecta domo antiquam servitutem manere, quia si sublatum sit aedificium, ex quo stilicidium cadit, et in eadem specie, et qualitate reponatur, utilitas exigit”) A alegação da confusão, não aproveita, se não foi cancelado o registro.

h) A ação de ofensa à servidão ou outro direito real limitado. A concepção moderna da servidão e a dos direitos reais limitados como direitos no mesmo plano que o domínio levou a adotar-se para a proteção contra as ofensas, em petitório, a ação negatória, à semelhança da actio negatoria, que o dono do prédio serviente tem contra o dono do prédio dominante. No direito anterior, a ação negatória nunca pertencia ao dono do prédio dominante. Em verdade, o direito de servidão pode ser ofendido por outrem que o dono do prédio serviente: precisa-se da tutela da servidão, como direito real, contra quem quer que seja, inclusive o dono do prédio serviente. Esse nem sempre nega, de modo que nem sempre seria preciso confessar. O titular da servidão tem a ação de ofensa, ainda se não tem posse do prédio dominante, ou da servidão, nem se lhe tirou a posse. Não importa se houve turbação, ou esbulho da servidão, inclusive da posse parcial do prédio serviente, se a servidão a implica. Discute-se se basta a afirmação, oral ou escrita, de que o autor não tem servidão. Se a afirmação é inquietante, no sentido de que importaria, normalmente, exclusão do uso, há ofensa, que permite a ação de ofensa à servidão; aliter, se não importaria nisso. Então, seria de propor-se a declarativa. A ofensa pode ser pelo dono do prédio serviente, ou por terceiro, e não precisa ser culposa, tal como também ocorre com a ação possessória. Se a servidão é afirmativa, impedir o ato positivo do titular é ofender o direito de servidão; não, o praticar o demandado atos positivos semelhantes (e. g., se A tinha servidão de caminho pelo terreno de B e C começa a passar por ele, não há ofensa à servidão de A; havê-la-ia se a servidão, fosse afirmativa ou negativa, consistisse em direito de A a passar, com exclusão de qualquer outra pessoa). Não épreciso que o autor seja o dono do prédio dominante — pode ser quem tenha direito ao uso dela. A ação remove a ofensa e proibe futuras ofensas. Não se trata de ação de vindicação, nem de outra ação executiva, e sim de ação de condenação. A ação também pode ser exercida contra o que possui, injustamente, o que seria conteúdo da servidão, por possuir o prédio dominante. Mas, aí, a servidão é incluída na propriedade, e poder-se-ia tratar a espécie como de reivindicação.

i) Ações possessórias. A tutela possessória supõe: o exercício da servidão contínua aparente (aliter, no Código Civil alemão, §§ 1.029, 1.090 e 900, alínea 2ª, que só admite usucapião segundo o registro, e daí se procurava tirar que a posse só se protegeria se feita a inscrição, o que é de repelir-se, porque a tutela da posse nada tem com a prova para usucapião) ou de outro direito real limitado; o exercício da posse, se contínuas não-aparentes ou discontínuas as servidões, com título oponível ao réu (a alegação de não haver título é defesa no plano possessório).

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j) A ação de retificação do registro.

Há, para as servidões que se turbem, ou esbulhem, com as obras de outrem, a ação de nunciação de obra nova.

Nada obsta a que o titular do direito de servidão, ou o possuidor da servidão, exerça a operis novi nunciatio, ainda que também pudesse exercer a ação confessória ou a negatória de titular do direito de servidão. Nenhuma relevância, aqui, têm as distinções entre as servidões (cf. F. Kãmmerer, Disserta tio mauguralis juridica de Operis novi nunciatione, 122 s.): o que importa é que a obra nova seja impeditiva do exercício da servidão. Se bem que a operis novi nunciatio fosse exercível, entre os Romanos, extrajudicialmente (L. 1, § 2, , de operis novi nunciatione, 39, 1), hoje o titular do direito de servidão pode apenas protestar, ou, sendo possuidor, exercer a legítima defesa ou a justiça de mão própria, veja Tratado de Direito Privado(Tomos II, §§ 182, 191-196, 200, 201; VI, §§ 628, 10, 650, 2; X, §§ 1.069, 1.100, 1.114, 1, 1.117, 2, 1.118, 5,1.135, 2, 1.121-1.125).

Se a servidão é descontínua ou contínua nãoaparente, o nunciado tem a defesa que consiste em alegar não provir dele o título, nem de alguém de quem houve o prédio serviente. O ônus da prova cabe ao demandante, que há de apresentar o título. Mas o ônus da prova só se estabelece com a alegação negativa do demandado. § 26. Ação declarativa típica e direitos reais limitados 1. Servidões ou outros direitos reais e declaração. A ação declarativa típica, com a generalidade que é a sua, cabe desde que haja relação juridica, quer pessoal quer erga omnes, quer real, a respeito de serventia ou servidão. Além dessa declaração de natureza geral, há a ação de usucapião da servidão ou de aquisição pelo uso, limitada, por lei, a algumas espécies, salvo se houve registro da servidão nãoaparente (usucapião tabular), ação que é declaratória, tal como se passa com a ação de usucapião do domínio, e não constitutiva. 2. Eficácia. A eficácia é só entre partes, salvo concepção da petição com a vocatio in ius contra todos os interessados, o que exige editais de citação. Se o prédio serviente pertence a duas ou mais pessoas, que tenham de ser citadas por edital, a eficácia é son)ente entre essas, salvo se foram citados todos os interessados. 3. Ônus da prova. Tem o ônus de prova quem alega existir servidão, ou outro direito real limitado, e a interpretação de qualquer proposição sobre conteúdo da servidão é estrita (Tribunal de Apelação da Bahia, 18 de novembro de 1941, RD 14 1/358). Na ação declarativa negativa de servidão, o proprietário do prédio que se diz serviente não tem o ônus da prova de ser livre (Câmaras Cíveis da Corte de Apelação de Minas Gerais, 31 de outubro de 1936, RF 68/831; 5ª Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 13 de outubro de 1936, RT 117/165). Os atos de serventia presumem-se tolerados pelo dono do prédio que a sofre (Câmaras Reunidas do Tribunal de Apelação do Rio de Janeiro, 13 de junho de 1945, BJ 30, 192). Na dúvida, decide-se contra a existência da servidão (2a Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 4 de março de 1940, RF 82, 363). 4. Pretensão à declaração da enfiteuse. Pretensão e ação para a declaração da existência da relação jurídica real de enfiteuse somente compete a quem tem interesse em que seja declarada. Quem consta do registro como titular, ou, se tal registro existe, a pessoa interessada na declaração, está em situação de ser-lhe reconhecida legitimação ad causam. E preciso, para as consequências nas decisões processuais, que se distingam a pretensão à tutela jurídica, a pretensão processual, que nasce do exercício daquela, e a pretensão objeto do litígio.

Havia ação, engastada nos costumes da Igreja, pela qual ela, senhorio, fazia citar-se o foreiro para que dissesse qual o prédio foreiro, ou qual a extensão do prédio foreiro. O autor como que se desonerava de alegar e

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provar e dava ao réu o ônus. Não há tal ação. O foreiro, que entende não haver foro, ainda que haja pago pensões, pode propor a ação declarativa negativa; o senhorio, que se crê tal, ainda que não lhe hajam recusado foros, tem a ação declarativa positiva (Manuel Gonçalves da Silva, Commentaria ad Ordinationes Regni Portugalliae, II, 202: ..... quando emphyteuta negat, rem aliquam ex multis a se possessis esse emphyteuticam; quia tunc dominus ipse tenetur ostendere et probare, rem ilíam esse talem”).

Se o enfiteuta é titular de algum direito real limitado, que lhe toque como enfiteuta, pode propor ação declarativa positiva. Idem, se alguém se diz com direito real limitado que recaia no direito enfitêutico. 5. Pretensão à declaração da existência e extensão do uso, do usufruto ou do direito de habitação. O usufrutuário, como o usuário e o titular do direito de habitação, tem a pretensão à declaração do seu direito, conforme os princípios da ação declarativa típica.

O titular do direito de usufruto, de uso ou de habitação tem a ação declarativa típica, quer a respeito das relações jurídicas reais, quer das relações jurídicas propter rem, quer das relações jurídicas pessoais. Não há — no sistema jurídico brasileiro — ação de usucapião do usufruto, do uso ou da habitação.

A ação declarativa, que tem o usufrutuário, o usuário, ou o habitador, é a ação declarativa mencionada, com toda a generalidade. Julga-se procedente desde que haja a relação jurídica, quer ainda pessoal (antes do registro), quer real, de usufruto, uso ou habitação. Pode ter por objeto apenas pormenor da relação jurídica, porque o enunciado existencial sobre ab não basta à declaração de abc.

A litispendência é só entre partes, salvo se, por meio de editais, foram citados todos os interessados. Se proprietários do prédio são duas ou mais pessoas, pro indiviso ou pro diviso, que tenham de ser citadas por edital, a eficácia sentencial é só entre autor e essas pessoas citadas, salvo se foram citados todos os interessados.

O usufrutuário pode, à sua custa, fazer verificar-se, por perícia judicial (ou de comum acordo, extrajudicialmente), o estado em que se acha o bem usufruido. Não vale a cláusula que pré-exclua tal pretensão (Johannes Biermann, Das Sachenrecht,345).

A eficácia é só entre partes, salvo se houve edital de citação a todos os interessados. Se o bem é em condomínio, ou enfitêutico, e foram citados, por edital, somente os condôminos ou o dono e o enfiteuta, a eficácia só se opera entre o autor e eles.

Quem alega ter usufruto, uso ou habitação tem de prová-lo. Na dúvida, decide-se contra quem se diz usufrutuário, usuário ou habitador. 6. Ação declarativa e direito real sobre renda de imóvel. O titular do direito real de renda sobre imóvel tem ação declarativa para que se afirme a existência da relação jurídica real de renda sobre imóvel. Tem-na, negativa, quem quer que tenha interesse em que se lhe negue a existência de tal direito. Trata-se de espécie da ação declarativa típica, prevista na lei.

A eficácia é só entre partes. Podem ser citados, por editais, todos os interessados.

O titular do direito de renda sobre imóvel pode fazer verificar-se, extrajudicialmente ( de comum acordo), ou judicialmente, o estado em que se acha o bem gravado. Não vale a cláusula que pré-exclua tal pretensão.

O ônus da prova cabe a quem alega o direito real limitado. Na dúvida, decide-se contra o autor da declarativa positiva.

Para exercer o direito de desfruto tem o usufrutuário ou usuário a faculdade de utilizar, de fato, o corpo da coisa, ou de alterá-lo. O limite, que se lhe impõe, é o de respeitar o anterior destino econômico do bem

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usufruído ou usado e o destino estético ou histórico. Não pode demolir parque florestal para construir casa, ou casas. Mas pode tirar areia, pedra, barro, árvores, se, com isso, não atinge o destino econômico da coisa, nem lhe fere o destino estético ou histórico. Sempre que haja dúvida sobre o que pode fazer, tem o usufrutuário a ação declaratória da relação jurídica e a ação para se estabelecer plano de exploração, que é ação de regulação do exercício do direito, aí de usufruto, de uso. Se as circunstâncias mudam, qualquer dos figurantes pode pedir a modificação do plano de exploração. 7. Existência do direito de hipoteca ou do penhor. O titular do direito real de hipoteca ou de penhor tem ação declarativa para que o juiz declare a existência da relação juridica de hipoteca, ou de penhor, com as pretensões ou ações que lhe correspondem, Ou só a existência da relação jurídica de hipoteca, ou de penhor, ou só dessa e da ação executiva hipotecária, ou pignoraticia, ou da eficácia da ação executiva hipotecária ou pignoratícia. 8. Declaração concernente a enfiteuse. Têm ação declarativa típica o dono do bem gravado de anticrese e o titular do direito de anticrese. 9. Ação declarativa e direito de retenção. Se o que entende ter direito de retenção, ou quem o nega a outrem, tem interesse na declaração, nada obsta a que proponha a ação declarativa típica, tal como a lei lhe confere em geral. A relação jurídica a que corresponde o ius retentionis é relação jurídica como qualquer outra (daí não ter razão a opinião contrária de Otto Warneyer, Kommentar zum BGB., 1, 463). Apenas é preciso que se declare, antes, na mesma sentença, ou em sentença anterior, trânsita em julgado, a existência ou inexistência da relação jurídica a que corresponde a pretensão de que nasce o direito de retenção. § 27. Figurantes e objetos da relação jurídica processual 1. Partes na ação declarativa. A relação jurídica, cuja declaração se pede, por ser existente, ou por ser inexistente, conforme o interesse do autor, pode não ser entre o demandante e o demandado. O que é preciso é que a existência ou a inexistência da relação jurídica entre o demandado e terceiro possa atingir ou haja atingido a esfera jurídica do autor; ou que seja do interesse do demandante que o demandado saiba da existência ou da inexistência da relação jurídica entre o demandante e terceiro. Uma vez que não existe relação jurídica entre as partes, o que importa é que haja o interesse do demandante na declaração perante o demandado. Se têm de ser citados os terceiros, ou se tem de ser citado o terceiro, é assunto estranho à ação, porque só se prende a regras jurídicas sobre litisconsórcio e intervenção. 2. Pluralidade subjetiva. Se pedimos de que cada processo é uma unidade, que se caracteriza por sua forma física, pela direção a um fim, que é a prestação jurisdicional a ser entregue pelo juiz, e pela unidade mesma do juízo, observamos, aqui e ali, que alguns processos apresentam no seu bojo cumulação inicial de pedidos, ou cumulação inicial de “ações”, o que implica pluralidade objetiva, e outros ou esses mesmos pluralidade de autores, ou pluralidade de réus, ou pluralidade de autores e de réus (pluralidade ou cumulação subjetiva). O caso simples é o do processo em que só existe um autor e um réu, tendo começado por petição inicial de um só pedido, correspondente a um só direito subjetivo, a uma pretensão só, provida de ação, e uma só essa ação. Nem todas as pessoas que estão de um lado da relação jurídica processual são autores. Se há dois testamenteiros que têm de figurar conjuntamente, só há uma parte, autor ou réu. Se, em vez de pessoas que têm de figurar como uma só parte há pluralidade que implica pluralidade de partes, então há litisconsórcio (ativo ou passivo). Mediante a estruturação litisconsorcial da relação jurídica processual, economiza-se procedimento: ao invés de se proporem tantas “ações” quantos são os litisconsortes, há, então, uma só “ação” para todos eles.

Se há duas ou mais pessoas que têm a função de parte, há litisconsórcio. Litisconsórcio ocorre ainda entre entidades que figuram provisoriamente, até que se estabeleça a personalidade, ou naqueles casos em que se admite como parte a entidade não-personificada. Ou há demanda comum (“comunhão de interesses”), ou há

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conexão de causas, ou comum é apenas o ponto de direito ou de fato.

A demanda comum pode ser originária, se desde o início dela se nomearam os demandantes ou os demandados, ou alguns daqueles, ou desses, ou posterior, se algum ou alguns demandantes, ou algum ou alguns demandados se apresentam, ou são trazidos ao processo já começado. Não há, a despeito de pluralização posterior de autores, ou de réus, ou de aumento do número daqueles, ou desses, modificação da demanda, ou, sequer, alteração do pedido.

Há tantas relações jurídicas processuais quantos os litisconsortes de cada lado; mas há relação jurídica envolvente, que estabelece a categoria do litisconsórcio (procedimento comum, debate oral e provas em comum, resolução comum; resolução unitária, se é o caso; representação dos litisconsortes necessários contumazes pelos comparecentes). As relações jurídicas processuais, se o Estado promete sentença uniforme, necessariamente se engatam em relação jurídica processual envolvente. 3. Ação declarativa típica e sua extensão. Pode ser pedida a declaração, quer positiva, quer negativa, quanto a todas as relações jurídicas atribuidas a algum fato jurídico, ou atofato jurídico, ou a algum ato jurídico stricto sensu, ou a algum negócio jurídico, ou somente a algumas das relações jurídicas atribuidas, ou somente a alguma. A pretensão prescrita, ou a ação prescrita, é suscetível de declaração. Bem assim, o direito mutilado. Quando se declara a pretensão prescrita, ou a ação prescrita, declara-se o direito e o encobrimento da eficácia da pretensão ou da ação.

Tanto são declaráveis, positiva ou negativamente, as relações de direito privado quanto as de direito público.

Pode-se propor ação declarativa para se saber se o bem contra o qual se vai pedir execução, ou se pediu, é do devedor. Outrossim, pode ser proposta ação contra o cedente, ou contra o cessionário do crédito, ou fiador. Nada obsta a que o direito dependa de termo ou de condição. Aliter, para que se declare que o autor ou outrem consta de algum testamento de pessoa ainda não falecida.

Pode ser objeto da ação declarativa o direito, a pretensão, ou a ação, que já se extinguiu, se o fato de ter existido é elemento de direito, pretensão ou ação agora existente, ou se o foi. Tal ação declarativa pode ser positiva ou negativa.

As ações de nulidade de atos jurídicos não são ações declarativas. As ações em que se afirma ou se nega a existência de relação jurídica, que se irradia de ato jurídico, sim. O documento falso é objeto de ação declarativa; o documento nulo, não: porque o ato jurídico nulo existe, posto que seja nulo. O nullum era nada; nos sistemas jurídicos, pode ter havido a recepção do nullum romano; no sistema jurídico brasileiro, não.

O que importa — quando não se trate de questão sobre autenticidade ou falsidade de documento — é que se demande sobre a existência ou a inexistência de relação jurídica. Se o objeto é a existência de um direito, ou de uma pretensão, ou de uma ação, ou de uma exceção, mesmo que o direito seja (ou esteja) desmunido de pretensão, ou de ação, ou de pretensão e de ação, ou que a pretensão seja (ou esteja) sem ação, ou que prescrita esteja a pretensão ou a ação cabe a ação declarativa típica.

A ação declarativa típica pode ser sobre direitos, pretensões ou ações derivadas de alguma relação jurídica, ou sobre a natureza de alguma relação jurídica (.existe ou não existe a relação jurídica com a natureza tal?). Não, porém, sobre questão que se imagina que possa surgir, ou sobre o patrimônio, ou a insolvência ou a solvência de alguma pessoa física ou jurídica, ou sobre qualidade ou quantidade ou tamanho de objeto.

Pode ser proposta a ação declarativa típica para que se diga qual a duração, a classificação ou a interpretação de um negócio juridico (e. g., de promessa de recompensa, de contrato social, ou de aluguel). Idem, sobre posse, propriedade e direitos reais limitados, sobre o direito de emprego de nome, marca, ou patente de invenção, sobre relação de paternidade ou de maternidade, ou de filiação, ou de pátrio poder, sobre eficácia e interpretação de testamento de pessoa falecida ou de codicilo, sobre legítima necessária ou simples,

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sobre suspensão de direitos de sócio, sobre direitos formativos geradores, modificativos ou extintivos. Também pode ser pedida a declaração da resolubilidade, ou da resilibilidade, ou da rescindibilidade de algum negócio jurídico, ou de já ter ocorrido a resolução, a resilição, ou a rescisão, ou de quem é a pessoa contra quem se há de exigir algum crédito.

Se há questão de direito ou de fato, como a de se saber se alguém é capaz ou incapaz, ou se a coisa é pertença, acessório ou parte especial, não há ai, a ação declarativa. Tampouco se é inconstitucional, ou não, uma regra jurídica, ou se é ilegal, ou se houve, ou não, violação dos deveres conjugais.

Não se pode propor ação de declaração de relação jurídica de herança de pessoa viva, inclusive no tocante a testamento; não, porém, porque tal relação jurídica seja futura, e sim porque a relação jurídica pode não vir a ser (e. g., falece o autor antes da pessoa de que adviria a herança, sobrevem deserdação ou indignidade do herdeiro). Não se há de admitir ação sobre a sucessão causa de morte de alguém, nem a posição de membro ou de diretor de sociedade, pois pode esse vender as ações ou serem alterados os estatutos.

Pode-se pedir a declaração do dever de indenizar no caso de alguém dar ensejo a danos, mesmo se sem culpa, ou de alguma omissão ou atitude que ofenda a esfera jurídica do autor, ou sobre a inafastabilidade de sócio em caso que seja previsto.

Quanto à matéria de sucessão a causa de morte, se alguém fez adiantamento de legítima, ou partilha em vida, com a comunicação aos sucessíveis a que se adiantou legítima, ou a que alude a partilha, pode haver ação declarativa típica se apenas se cogita de relação jurídica que não depende de morte do sucedendo. Não se pode declarar, por exemplo, o que resultaria de disposição revogável, ou de efeito que somente por morte se irradiaria e cuja fonte ainda se subordina à retirabilidade da voz.

Tanto se pode pedir a declaração da existência, ou da inexistência de direito, como a de existência, ou da inexistência de ação, ou de exceção. Daí haver a ação declarativa de prescrição, como a de coisa julgada material, que é objeto de exceção (sobre a ação declarativa de prescrição, que é ação declarativa de exceção, (Eduardo Couture, La Acción declarativa de Prescripción, 25 s., 33 s.); e, onde não há a ação declarativa de usucapião, a ação declarativa de prescrição tem grande relevância.

Se alguém propõe ação declarativa de prescrição, que se concluiu, exerceu a exceptio. Já opôs a exceção, de modo que a sentença, com a coisa julgada, prova que se encobriu a eficácia da pretensão ou da ação.

Se a pretensão ou a ação é real, ou se a sentença há de ter eficácia erga omnes, a citação de todos é elemento essencial, desde que à base da res in iudicium deducta não se deduza direito difuso, ou coletivo, ou individual homogêneo.

Cumpre atender a que o autor da ação de declaração, como o autor de qualquer outra espécie de ação, há de ter a pretensão à tutela jurídica, o interesse na declaração.

A declaração de autenticidade ou de falsidade de documento foi admitida, mesmo que se parta do princípio de que fato, que não é jurídico, não pode ser objeto de ação declarativa (e só relação juridica o pode ser), porque o documento há de ser documento que vincule, documento — portanto — de que resultou, de que resulte ou possa resultar relação jurídica. E o caso da autenticidade ou falsidade do recibo, do testamento, da cada de crédito, da nota promissória, da letra de câmbio, do aval, do endosso. Quanto a dizer-se que não se pode pedir declaração de que se é maior, está certo; porém isso não obsta a que se peça a declaração de que houve falsidade no registro de nascimento, ou que é verdadeira a certidão. 4. Declaratividade e eficácia. Não se pode dizer, como fazem muitos juristas, que o conteúdo da sentença, na ação declarativa, nada mais exprime que a declaração, e que os seus efeitos se limitam à coisa julgada (e. g., Leo Rosenberg, Lehrbuch des deu tschen Zivilprozessrechts, 5ª ed., 368). O conteúdo eficacial é de cinco elementos, como acontece a todas as ações. A sentença favorável ao autor que afirma a existência da relação jurídica, ou a verdade do documento, ou a desfavorável ao que o nega, revela, além de 5 de declaratividade, que tem a ação declarativa típica, 4 de mandamentalidade (pense-se na preceitação a que dá ensejo) e 3 de

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constitutividade, que permite a propositura da ação condenatória, com o elemento novo que exsurgiu com a sentença trânsita em julgado. No Tomo 1 pusemos a Tabela 1; é conveniente que em cada Tomo a repro-duzamos, para que se leia cada um com o informe sobre a classificação das ações típicas e da sua eficácia. Adiante, p.161.

À sentença de declaração falta executabilidade, porque o peso é apenas 1. Se declarou a autenticidade de documento (título judicial ou extrajudicial executivo), a executabilidade é do que foi objeto da declaração, e não da sentença declarativa. Nem se há de confundir a declaração por sentença com o reconhecimento pelo devedor ou signatário do documento. Mesmo se o demandado afirma ter razão o demandante, o que se passa é depoimento ou confissão do demandado, e não reconhecimento, nem, tampouco, adimplemento de dever de reconhecer. Quem vai declarar é o juiz. Está-se no plano do direito processual civil, tal como resultou do monopólio da Justiça pelo Estado. § 28. Reconvenção e ação declarativa 1. Contestação e reconvenção. O demandado ou qualquer dos demandados pode contestar, ou deixar de contestar, com as consequências processuais peculiares. Pode opor exceção, quer de direito processual, quer de direito material. Feita a contestação, só se admite alteração do pedido, ou da causa, não após o saneamento do processo, ou desistência da ação, se o demandado consente, ou se os demandados consentem. 2. Pressupostos da reconvenção. A reconvenção é apresentável com os pressupostos legais. Há de ter por fim modificação ou exclusão do pedido. E preciso que o rito que se exige à reconvenção seja o mesmo da “ação”, porque o processamento há de ser o mesmo e na mesma sentença se julgam as duas ações.

Surge o problema de se saber se, no processo da ação declarativa, a reconvenção pode ser quanto a ação constitutiva, condenatória, mandamental, ou executiva. O que é preciso é que o elemento declarativo da decisão na reconvenção seja imediato ou mediato (prévio).

Passemos agora a falar da ação declarativa proposta como reconvenção. Já se não trata de reconvir diante

de ação declarativa, mas sim de reconvir com o conteúdo declarativo. 3. Ação declarativa em reconvenção. A ação declarativa pode ser proposta em reconvenção; e nada obsta a que, havendo alguma prejudicial, o autor a faça, no pedido, objeto de declaração, a despeito de ter de ser de condenação, constitutiva, mandamental, ou executiva, a sentença. Chama-se, então, num e noutro caso, ação declarativa incidente. A ação de falsidade de documento quando já instruída a causa, é incidente, em processo separado. E possível, ainda, a reconvenção oposta à reconvenção.

O elemento declarativo das sentenças, como dos atos administrativos, ou se refere a questões de direito, ou a questões de fato, ou a pontos prejudiciais. Notou-o, quanto aos atos administrativos, Karl Kormann (System der rechtsgeschàftlichen Staatsak te, 67 e 70). Por seu lado, Walter Jellinek (Der fehlerhafte Staatsakt und seine Wirkung. 14 e 26 s.) distinguiu o que concerne a fatos, à finalidade e a questões de direito. Todavia, não se preocuparam com a estrutura que resulta da carga de eficácia, se esses elementos se juntam, ou, o que mais importa, se se juntam a outros elementos (constitutivos, condenatório, mandamental, executivo).

Razão teve Franz F. Heim (Die Feststellungswirkung des Zivilurteils, 17 e 31) para chamar atenção para o fato de ser constante a eficácia declarativa das decisões. Apenas não viu que esse elemento constante cresce de ponto de 1 a 5. Também Karl Kormann (System der rechtsgeschàftlichen Staatsakte, 72) percebeu o elemento constitutivo que há na decisão condenatória; porém não atendeu a que o mesmo ocorre, com maior ou menor dose, nas outras decisões.

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§ 29. Duração e ação declarativa 1. Imprescritibilidade. A ação típica de declaração, positiva ou negativa, não prescreve. Se alguma pretensão, ou algumas pretensões, ou todas as pretensões irradiadas da relação jurídica, cuja existência se quer declarada, prescreveram, não é isso óbice a que se declare a relação jurídica. Na defesa, pode o reú alegar que há a exceção, e pedir que, na declaração, evite o juiz que se pense ter sido declarado não estar encoberta, pela prescrição, a eficácia da relação jurídica. Tem, aliás, o reú a ação declarativa da prescrição. Quanto à pretensão à declaração negativa da existência da relação jurídica, nenhum acidente pode ocorrer ao que se pede seja declarado, porque o que se pede é declaração de não-ser. 2. Tempo e declaração. A sentença declarativa refere-se, necessariamente, a alguma relação jurídica, que existe, ou que existiu, ou está com todos os elementos para existir.

Quanto à relação jurídica futura, a declaração dela é declaração da relação jurídica que a toma inafastável. No dizer-se que se pode declarar relação futura, há falar elíptico, porem não errado; declara-se o que ê presente, tal como, no futuro, produzirá, inevitavelmente, a relação jurídica de que se trata.

Quando se fala de ação declarativa, em matéria de direito de propriedade, é preciso não se pensar que só se declara a relação jurídica que a ele corresponde; todas as relações que dele derivam, imediata ou mediatamente, são declaráveis, quer em ação negativa, quer em ação positiva. Pode alguém propor, como proprietário, ação declarativa, para que judicialmente se afirme que o autor é titular da pretensão a que seja demolida a construção vizinha, que ameaça ruína, ou, até, a que o vizinho, se tal acontece, preste caução. A sentença favorável já vai ao juízo da ação demolitória ou da caução pelo dano infecto, com a res iudicata sobre a existência da relação jurídica. Também lhe é dado acionar o vizinho para se declarar, judicialmente, que a árvore limítrofe e atravessante da linha divisória é comum. Ou para que se declare, judicialmente, que incumbe ao vizinho cortar as raízes da árvore que do prédio do réu as lança no prédio do autor, porém por espaço que não é escavável do lado do prédio do réu. Mais: para que se declare, judicialmente, que o autor pode caçar nas terras do vizinho, por ter havido permissão recíproca entre vizinhos; ou que o autor pode, in casu, remover servidão, ou que determinado ato não entra no conteúdo de servidão contra seu prédio, ou que já fora determinada a extensão de usufruto da floresta ou da mina; ou qual a ordem de graduação das hipotecas que gravam o prédio. São apenas alguns exemplos. A relação jurídica, que se pode declarar, positiva ou negativamente, não é só a que corresponde a direito — é, também, a que corresponde a dever, a pretensão, a obrigação, a ação, ou a exceção.

Também aqui pode ocorrer ter-se interesse em que se declare poder contido no direito de propriedade. Não há inconveniente em que se dê forma elíptica: em vez de se pedir a declaração do direito de propriedade, que é, na espécie, do domínio, em sua extensão, pede-se a declaração do poder, que supõe a relação jurídica dominial; e o juiz há de entender que houve elipse e o que se pediu foi aquilo. O interesse em que se declare relação jurídica provinda do domínio é interesse em que se declare jurídica dominial. Todo poder supõe espaço em que o poder caiba; portanto, supóe relação jurídica, uma vez que esse poder resulta de relação jurídica e todo poder, no trato inter-humano, é poder em relação a alguém, ou algumas pessoas, ou erga omnes. Os poderes decorrentes de direitos reais são erga omnes, se bem que, no momento, o raio do círculo de eficácia pouse em determinada pessoa.

A declaração que se exige somente contra o citado é restrita a esse raio a que aludimos. Se foram citadas duas ou mais pessoas, a eficácia apanha as duas ou mais pessoas. Por isso mesmo, a verdadeira postulação declarativa, em se tratando de domínio, é a que se faz frente a todas as pessoas, por meio de editais, salvo o regime inerente aos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos.

A eficácia da sentença declarativa que se teve de circunscrever foi eficácia que sofreu mais do que eclipse — não ficou encoberta a força da sentença no tocante aos nãocitados, essa força não se produziu. Essa a razão por que a averbação da sentença declarativa não lhe estende a eficácia, apenas insere no registro a eficácia entre partes, tal como ocorreu.

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No pedir a declaração da relação jurídica de domínio está incluso o pedido de declaração do ius

possidendi; todavia não está incluso o pedido de declaração do ius possession is. Daí ser declarável a relação jurídica de domínio ainda quando o titular do direito dominial não seja possuidor, ou tenha sofrido prescrição, oposta ou não, da ação de reivindicação ou da ação de indenização. A alegação do réu quanto a ser possuidor ou quanto a estar prescrita a ação de indenização é suficiente para que o juiz tenha de precisar os limites da declaração.

O autor pode pedir a declaração da relação jurídica de domínio e a declaração da relação fática de posse, quer mediata própria, quer plena. Pode, ainda, pedir a declaração da relação jurídica de domínio, da relação fática de posse mediata própria e de outra posse inferior não-própria (e. g., é dono, possuidor mediato próprio, sublocatário).

O elemento declarativo aparece em todas as ações. Apenas tal elemento não chega a ser força, e pode não chegar a ser eficácia imediata (4), nem eficácia mediata, ou não chegar a isso frente a todos. Força sentencial diz-se eficácia a que tem a decisão em maior peso (5), dito peso preponderante. Não o tem a ação negatória, nem a reivindicatória, nem a de indenização. Adiante estudar-lhes-emos as cargas imediatas e mediatas, a fim de mostrarmos se algumas delas é declarativa. 3. Sentença em ação declarativa. A sentença proferida na ação (declarativa não dá ensejo a processo da execução: apenas estabelece a claridade judicial do direito ou da relação jurídica, ou da autenticidade ou falsidade do documento. Tem efeito de preceito, se a lei o atribui. Passa em julgado. Violada a declaração, aliás infringida pelo réu ou por aquele contra quem é eficaz, pode ser mantida em seu prestigio pela ação de preceito cominatório, ou pela ação que corresponda à violação do direito (ação condenatória). No mesmo processo pode preceitar-se.

Assim, a expedição do mandado de citação em preceito (preceitação) pode ser nos próprios autos, por ser imediata a carga de mandamentalidade.

A propositura da ação declarativa não impede a da ação para condenação. Quer-se que a dessa impeça a daquela, salvo se o pedido de condenação abrange menos exame pelo juiz do que o pedido de declaração. Se esse é mais do que aquele, continua o interesse na declaração. Para que o pedido de condenação obste, totalmente, ao de declaração, faz-se mister que se dê, em toda a extensão, o bis in idem. Se acontecer discre-pância entre parte da sentença declarativa e a sentença condenatória, resolver-se-á pelos meios legais.

Em todo o caso, o que se deveria fazer, verificado o plus do pedido de declaração, seria ordenar o juiz, ou pedir-lhe alguma das partes, a cumulação, conforme o principio da reunião das ações conexas. O que não se compartece com a ação declarativa típica é a vedação absoluta, a priori, de qualquer declarativa depois ajuizado o pedido de condenação. Tantos litígios pode prevenir, tantas causas se têm para se pedir declaração. Um dos litígios, ocorrendo, não obstrui a entrada para a declaração em geral. Essa não tem sido a jurisprudência; mas a jurisprudência não poderia cogitar dessas hipóteses, uma vez que se não haviam apresentado a seu exame.

Pode ser proposta ação declarativa quando a parte contrária já pleiteia pela condenação. A ação declarativa é cumulável com outras , inclusive com a de condenação. A ação declarativa pode ser proposta para se obter sentença sobre existencia ou sobre a inesxistencia de qualquer negócio jurídico justajacente ou subjacente, ou de qualquer relação jurídica que daquele ou desse resulte, ou possa resultar. Um dos casos típicos é o da ação declarativa para se ter decisão, com força de coisa julgada, sobre ser título cambiário, ou cambiariforme, ou qualquer título, mero título de favor. Na sentença o enunciado que diga ter existido o favor, a accommodation, o cômodo, a Gefalligkeit, faz coisa julgada material, para ser oposta na ação executiva, ou outra ação que pretenso credor proponha.

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Parte III

Ações declarativas especiais

Capítulo 11

Conceito e natureza das ações declarativas especiais § 30. Declaratividade preponderante 1. Conceito. As ações declarativas, estrito senso, são as ações declarativas com eficácia declarativa preponderante, isto é, com forço declarativa, e compreendem a ação declarativa típica e as especiais. As ações em que há eficácia declarativa imediata (4) ou mediata (3) são ações declarativas lato senso; mas, se as puséssemos na classe das ações declarativas, uma das cinco classes das ações, levaríamos a graves confusões, de que foi vitima, até há pouco, o direito. Tem-se de tratar do direito como ciência, e não como continuidade de opiniões sem exame e sem pesquisa científica. Quando tratarmos das outras classes das ações, teremos ensejo de apontar as ações com pesos eficaciais imediatos (4) e mediatos (3). Assim, estarão versadas as ações declarativas lato senso, isto é, todas as ações cuja eficácia declarativa é relevante (e. g., todas as ações que têm por finalidade a irradiação de coisa julgada e todas as sentenças que fazem coisa julgada, mesmo sem terem a preponderância declarativa). 2.Natureza das ações declarativas especiais. As ações declarativas especiais não no são porque o direito processual lhes dê especialidade. Basta pensar-se em que a ação declarativa típica poderia ter rito sumário, ou sumaríssimo, ou característico, e não o rito ordinário, que é o que seguem, de regra, os sistemas jurídicos. A especialidade advêm da colocação quantitativa dos pesos de eficácia. Se a ação tem 5 de constitutividade e 4 ou 3 de declarativide, não se trata de ação declarativa, mas sim de ação constitutiva com eficácia imediata ou mediata de constitutividade. Se a ação tem 5 de condenatoriedade e 4 ou 3 de declaratividade, a ação é condenatória, com eficácia declarativa imediata ou mediata. Se a ação tem 5 de mandamentalidade e 4 ou 3 de declaratividade, há, na espécie, ação mandamental, com eficácia imediata e mediata de declaratividade. Finalmente, se há 5 de executividade e 4 ou 3 de declaratividade e, a ação é executiva, com eficácia declarativa imediata ou mediata. 3.Comparação com a ação declarativa típica. Quando se fala de ações declarativas especiais apenas se afasta a espécie em que se tipicizou a declaratividade. A ação declarativa típica diferencia-se das outras, menos por sua eficácia, em composição, do que em sua finalidade e na generalidade do que se tem de declarar. Na ação de consignação em pagamento, cuja força eficacial é declarativa, a constitutividade é igual à da ação declarativa típica (3), o que acontece a muitas outras ações declarativas especiais (e. g., na ação de demarcação de terras, na de usucapião, na de arrecadação de bens vagos e entrega ao ausente, na declarativa de filiação, na de extinção ipso iure de fundação, na de dissolução ipso fure de sociedade). Não assim na ação de verificação de crédito de herança, na de habilitação posterior ao casamento em iminente risco de vida, na de habilitação incidente à herança se não há saisina, na ação incidental de falsidade, na ação de cumprimento de concordata, pois em todas essas a constitutividade cresce, passando a ser eficácia imediata (4). Noutras ações declarativas especiais, a constitutividade decresce em relação à ação declarativa típica, como ocorre na ação de verificação de crédito contra pessoa falecida, na ação de ausente cujos bens foram arrecadados acudida a vocatio in lus, na ação de habilitação em inventário e partilha, na ação de habilitação incidente à herança sem necessidade de sentença e na de habilitação incidente se houve saisina. Em todas essas, a eficácia é apenas 2. Outras há em que baixa a 1; e. g., na ação de pagamento de imposto, “embutida” na ação de inventário e partilha e na de declaração de crédito no processo de concordata. Quanto à condenatoriedade, sobe, em comparação com a ação declarativa típica, na ação incidental de falsidade

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e na de pagamento de imposto, “embutida” na ação de inventário e partilha (3); e baixa, na ação de consignação em pagamento, na de usucapião, na de abertura da sucessão definitiva do ausente, na ação do ausente cujos bens foram arrecadados, acudindo-se à vocatio in ius na de arrecadação de bens vagos e entrega ao ausente, na de declaração de ocorrência da capacidade por atividade ou casamento, na exceptio inter alios acta, na ação de habilitação posterior ao casamento, nas ações de habilitação incidente à herança sem necessidade de sentença e de habilitação incidente se há ou se não houve saisina.

Quanto à mandamentalidade, são em menor número as ações declarativas especiais em que há diferença para menos em comparação com a ação declarativa típica. A eficácia mandamental só passa a ser mediata (3) na ação declarativa para reaver os bens vacantes entregues ao Estado, na de verificação de crédito da herança, na exceptio inter alios iudicata, nas ações de habilitação à herança, na ação de declaração de crédito no processo de concordata e na de cumprimento de concordata. Na ação incidental de falsidade, a eficácia mandamental é apenas 2.

Quanto à eficácia executiva, que é mínima (1) na ação declarativa, há ações declarativas especiais com eficácia executiva imediata (a ação de habilitação em inventário e partilha, na ação de habilitação incidente à herança sem necessidade de sentença, ou se tem saisina o sucessor); ou mediata (3), o que se dá na ação de abertura da sucessão definitiva do ausente e na ação do ausente cujos bens foram arrecadados, acudida a vocatio in ius. § 31. Eficácia declarativa 1. Distribuição eficacial. A distribuição eficacial, conforme mostramos no Tomo 1, é em 5, 4, 3, 2, 1. Nunca aparece ação ou sentença com zero de eficácia, qualquer que seja ela. Apenas os efeitos 2 ou 1 ou são ao lado da eficácia predominante, ou da eficácia imediata ou da mediata. Por exemplo, a condenação nas custas, em ação que não é condenatória, nem tem eficácia imediata ou mediata condenatoria. 2. Análise das ações declarativos especiais. Temos de analisar as ações declarativas especiais mais frequentes, posto que outras existam ou possam aparecer. Com a exposição e a comparação, pode-se colher o que as distingue e o que nelas há de comum.

Capítulo II

Ação de consignação em pagamento § 32. Natureza da ação de consignação em pagamento 1. Dados os preliminares. Uma das ações declarativas especiais é a ação de consignação em pagamento. Trata-se de judicialização do ato de cumprimento da obrigação, se não incidem as regras jurídicas dos §§ 1º e 2º do ad 890 do Código de Processo Civil, — com a eficácia da interpelação, se não foi antes feita, e a formação da relação jurídica processual, em “ação” cuja sentença é declarativa, positiva ou negativa. A solução técnica poderia ser diferente. Ou a) se constrói a ação de consignação em pagamento como declarativo, e então é produtora de coisa julgada a sentença; ou b) se constrói como executiva (em vez de ser ação de execução forçada, ação de execução voluntária).

A concepção da ação de consignação em pagamento como executiva atribuiria à sentença força executiva. E, pois, da maior importância conhecer-se qual a espécie de que se trata.

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A admissão de “embargos” revela a concepção b); a admissão de “contestação”, a concepção a). A força

de coisa julgada material acompanha a sentença segundo a concepção a).

A alternatividade em que importa o “virem ou mandarem receber, ... sob pena de ser feito o respectivo depósito” é semelhante à que se observa nas ações provocativas de exercício de direitos formativos e no preceito cominatório, ou nas ações executivas de títulos extrajudiciais.

E contestação o que se opõe à consignação em pagamento (em vez de embargos, como antes era): o ataque é, pois, as afirmações que precedem o depósito. Se comparece o réu e contesta, o depósito que se efetuara foi em virtude do pedido, e não para execução. Quem executa é o devedor, depositando; não o juiz. São pontos dignos de toda a atenção — pelo separar diferença conceptual de toda a relevância.

O petitum do consignante é declaração de vontade, no plano do direito processua!; a entrega ou depósito satisfativo, não: porque pagamento, solutio, não é declaração de vontade. Quem paga pratica ato, não declara; pode ser que comunique vontade de pagar. Havendo concurso de credores, que se instale, a ação declarativa ficou para trás. 2. Execução pelo devedor. Vista do lado do devedor, a execução é liberação. Do lado do credor, entrega pelo devedor do objeto da sua pretensão. Se a prestação não é, ao mesmo tempo, in obligatione e in solutione, o que o credor pode exigir não libera o devedor. Ao devedor, às vezes, é dado liberar-se sem que o credor pudesse exigir (e. g., faculdade alternativa a favor do devedor); às vezes, é terceiro, e não o devedor, quem entrega a prestação. Se a prestação exige o concurso do credor, tal como se o devedor tem de vender imóvel ao credor, não pode ser dispensada essa co-participação. Casos há (como se a obrigação é de “expedir” mercadorias), em que a cooperação do credor não é de mister. Se a execução depende de ato material, ou omissão a cedo momento, nem sequer é necessário o animus solvendi. Não assim, se consiste em negócio jurídico. Na hipótese de ser entregue coisa, que era devida, por outra causa, ao credor, esse tem exceção para ficar com ela. O princípio é o de que a prestação se há de fazer nas mãos do credor; mas há exceções (e. g., representante legal, assinatário). Se o credor está em mora e a prestação consiste em entrega de coisa, pode o devedor consigná-la. Assim, há o processo especial da consignação judicial, para extinguir a obrigação, para solvê-la. Essa judicialidade é um dos resíduos romanísticos do processo e do direito material,que ainda não se desvencilhou por completo dessa exigência formalística. A própria oblação, fora da hipótese do § 1º do art 890 do Código de Processo Civil, antes da consignação, tem de ser judicial.

No sistema do direito processual, a citação é para “levantar o depósito”, conservando o autor o seu direito de revogar (por meio, portanto, de declaração de vontade) a consignação feita, levantando o depósito, se o faz antes da contestação. E isso ponto essencial na construção do instituto (processual) da ação de consignação, no estado atual do direito brasileiro. Depois da contestação, cessa essa liberdade, e a processualidade de qualquer emissão de vontade ou de conhecimento exige o consentimento das outras partes.

Segundo ponto essencial é o de existir uma das duas espécies de pressupostos, os de mora, e os de incognição, do sujeito ativo da relação de direito material e passivo da futura relação jurídica processual, podendo acontecer que confluam. § 33. Análise da ação de consignação em pagamento 1. Oblação e depósito. Na ação de consignação em pagamento, o autor pretende com a oblação real, liberar-se. A oblação real supõe efetiva (a) apresentação da coisa e (b) depósito. Desde (b), cessam os interesses que o devedor acaso pudesse ter e a coisa fica a risco do credor. Sem que os dois elementos, apresentação e depósito, se juntem, não se produz mora accipiendi, havendo apenas a exceção aparente do pedido de consignação em pagamento instruído com ato de outro juízo, ou do mesmo, transferindo o depósito. Aí, a apresentação do ato bastante é apresentação da coisa.

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É possível que, antes da consignação, tenha havido oblação formal, suficiente (e, às vezes, por lei ou por negócio jurídico,necessária), e já se ache em mora o credor. Não toma inútil isso, menos ainda supérfluo, o processo de consignação em pagamento. Mostra mesmo, mais ao vivo, a sua função própria, à parte daquela função interpelativa, que se lhe atribui, e ele tem, quer histórica quer sistematicamente. A mora creditoris, causada pela oblação extrajudicial, inclusive real, de modo nenhum obsta a que se discuta o fato da oblação- Demais, normalmente, a ação de consignação em pagamento supõe, às vezes, mora anterior.

Cumpre, porém, ter-se em vista, sempre, que os efeitos da oblação extrajudicial, anterior à oblação real do processo de consignação, ou da oblação real a que se reporta o § 1º do ad 890 do Código de Processo Civil, hão de ser atendidos, inclusive para consequências processuais. As despesas e custas da oblação e do depósito, quando procedente o pedido de consignação, correm por conta do que recusou a oblação simples; portanto, do que incorreu em mora, antes do pedido de consignação; a fortiori, se a oblação extrajudicial foi real. Se não houve mora anterior a esse pedido, por conta do que incorreu em mora devido à oblação real, perante o juízo. 2. Regras jurídicas que incidem. O direito processual não rege a mora: é heterotópica a regra jurídica do § 1º do art 890 do Código de Processo Civil. A lei que regula a relação jurídica (res in iudicium deducta) é que dita as normas sobre a oblação (formal, real; extrajudicial, judicial) e sobre a mora. Também esse ramo do direito é que decide do lugar em que a coisa deve ser prestada. O foro é o do lugar do pagamento, não o chamado “foro do contrato”. Naturalmente, se a oblação formal ou real tem de ser feita no lugar a, que não coincide ser o do domicílio do credor, nem o do domicílio do devedor, a situação é embaraçosa para o devedor. Mas isso resulta de fato seu — ter admitido diferença entre o lugar da oblação e o do foro do lugar do pagamento (provavelmente, domicílio do credor) — e não podem mudar os princípios. A regra jurídica sobre o foro do pagamento é a que se há de observar, mesmo porque a ação de consignação em pagamento tende, não a preparar a ação do credor contra o devedor, cujo foro seria o do domicílio desse, mas a liberar o devedor.

(a) É competente para a ação de consignação em pagamento, proposta em via principal, o juízo do lugar em que se tem de efetuar o pagamento.

(b) Se incidenter, o foro da ação que se propôs ou se vai propor (o do réu, devedor; ou o do réu, credor; ou outro, que seja derrogação às regras de competência). Nada se pode opor a (b), pois o art. 108 do Código de Processo Civil é claro. Quanto a (a), o Código possui o ad 896, inc. III. O Regulamento nº 737, ad 397, § 2º, já dizia poderem os “embargos” do credor consistir “em ter sido feito o depósito fora de tempo e lugar do pagamento”, citando o Código Comercial, ad 431. No Código de 1939, havia o art. 316, inc. III.

A questão da competência para a ação de consignação de pagamento proposta como ação autônoma foi descurada e ‘perturbada” pelos velhos juristas portugueses, cujas convicções econômicas lhes toldaram o senso, fossem praxistas ou fossem juristas teóricos. Poucas investigações tivemos tão infrutíferas como ao procurarmos solução ao problema da competência, assim de lege ferenda como de lege lata, nos infólios da pe-nínsula. Agostinho Barbosa, no voto 80, nº 18, 21 e 25, dos Vota Decisiva Canonina, cogitou da nulidade do depósito feito perante juiz incompetente, o que agravava, em vez de resolver a questão, e frisou a necessidade (quanto à eficácia) da angularidade da relação jurídica processual (citação do réu). Quando, porém, se descia ao terreno da vida real, os doutores logo se dividiam, querendo uns que, sendo réu, como é, o credor, o depósito fosse feito no domicílio dele, e não no domicílio do devedor, autor da ação. Outros, que se fizesse no domicílio do devedor, embora autor. O espécime que mais impressionava àqueles era a ação de resgate do foro, que eles submetiam ao foro do senhorio ou do censualista (Manuel de Almeida e Sousa, Tratado Prático Compendiário dos Censos, 120 s). No entanto, a doutrina não deveria preocupar-se com isso, sendo a ação a de resgate ação dupla ou duas ações cumuladas simultâneas, a de resgate, que é principal (constitutiva negativa), e a de depósito em consignação, que é acessória. O foro tinha de ser o do senhorio ou o do censualista, sem se precisar ferir toda a doutrina das ações de consignação em pagamento, propostas principaliter.

Se o devedor propõe a ação de depósito em pagamento como incidente (prévio ou não) de ação dele, claro que o foro tem de ser o do réu, credor. Se o credor propôs ação, ou o devedor sabe que o credor vai propô-la, o depósito incidente, por esse, tem de ligar-se ao foro da ação do credor, devendo ser feita ao juizo essa comunicação de conhecimento, determinadora da aplicação do princípio de o acessório seguir o principal

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(Código de Processo Civil, art. 108).

O problema fica restrito à ação principal de consignação em pagamento que, por definição, não depende de outra, e é possível que outras venham a depender dela. Tal ação, a priori, é contra o credor, cuja mora accipiendi se vai produzir, ou já se produziu. Na falta de regra jurídica como a do art. 896, inc. III, o foro competente seria o do domicilio do credor, que é o réu (art. 94). Mas há a regra jurídica, do art. 896, inc. III, de modo que a principalidade da ação de consignação em pagamento estabelece o foro competente, que é o do “lugar do pagamento’.

“Lugar do pagamento” e “lugar de oblação” de ordinário coincidem; se não há lugar convencionado.o para o pagamento, a lei de direito material provê (Código Civil de 1916, arts. 950 951, aquele regra jurídica dispositiva, e esse, cogente).

Tratando-se de liberação de obrigações de consignar bem imóvel, basta que o devedor consigne a chave, se assim decide o direito material; porque é a esse, e não ao direito processual, que cabe regular a mora accipiendi e os seus pressupostos necessários e suficientes. 3. Legitimação ativa. Legitimado à ação de consignação em pagamento é o devedor (ou seu representante, é claro), ou quem possa pagar por outrem (e. g., o síndico da falência pode requerer o depósito em consignação, cf. 6ª Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Distrito Federal, 28 de junho de 1946, RF 108/311). 4. Fundamento da ação. Lê-se no ad 890 do Código de Processo Civil que a ação se irradia nos casos previstos em lei. O Código Civil mesmo (ad 973) limita o uso da consignação como meio liberatório e assim também já procedia o Código Comercial, art. 437 (Código de Processo Civil de 1973, art. 672, §§ lª e 2ª). O depósito para evitar a falência não é consignação em pagamento, conforme a jurisprudência assente.

A 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, a 23 de novembro de 1948 (RF 125/477), admitiu o depósito em consignação para pagamento de notas promissórias, que não tenham vencimento determinado (o portador podia inserir a indicação da data do vencimento), mas, in casu, se sabia quem era o portador. Ora, a citação é ao interessado, ou aos interessados; tratando-se de titulo endossável, como é a nota promissória, teria de ser conforme o art. 895 do Código de Processo Civil, ou por edital.

A mesma 2ª Turma, a 8 de maio de 1951 (RF 138/135), repeliu que se empregasse a ação de consignação em pagamento para se haver recibo provisório, até que o poder público decidisse se a empresa de serviços ao público pode, ou não, cobrar determinada quantia por prestação de serviço. Sem razão. Uma das causas para se depositar em consignação é haver litígio sobre o objeto do pagamento. Se a empresa não queria dar recibo com ressalva de decisão posterior judicial ou da administração, o caminho que tinha o interessado era o da ação de consignação em pagamento.

Na ação de consignação em pagamento, não se pode discutir o que seria objeto de ação constitutiva negativa, exceto nulidade e do negócio jurídico. Por isso mesmo, seria impertinente invocar-se regra jurídica que regula a resolução por inadimplemento (7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, 28 de setembro e 26 de outubro de 1948, RF 126/473 e 124/143), ou legalidade e ou inconstitucionalidade e de imposto ou taxa (7ª Câmara Cível, 2 de abril de 1950, DJ de 17 de março de 1952, cf. 4ª Câmara Cível, 4 de abril de 1950, RF, 145/240).

Se o citado alega que recusou a prestação por não ser aquela a que tinha direito, não se pode dizer que tal discussão não cabe no processo da ação de consignação em pagamento. Daí ser vago e poder ser errado, in casu, dizer-se que a ação de consignação em pagamento não comporta discussão sobre a ‘origem e qualidade e da dívida” (1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, 3 de agosto de 1948, RF 124/525), ‘dúvidas e controvérsias surgidas entre as partes” (2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, 11 de setembro de 1950, 150, 317), ou “divergências entre as partes” (Tribunal de Justiça de São Paulo, 6 de março de 1951, RT 192/697; 6ª Câmara Civil, 15 de agosto de 1952, 204, 280; aliter, Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região, 27 de junho de 1951, DJ de 12 de outubro)

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Se o negócio jurídico prevê prestação para denúncia do contrato e o credor se recusa a recebê-la, pode ser

feito o depósito em consignação (2ª’ Câmara do Tribunal de Alçada de São Paulo, 30 de abril de 1952, RT 203/439, que aliás confundiu denúncia mediante pagamento de certa prestação e resolução, o que dependeria de ação própria).

As alegações de anulabilidade não podem ser insertas na contestação, e. g., a anulabilidade por dolo, erro, violência ou os depósitos em pagamento, a favor e por conta do credor. E preciso que seja da prestação devida no momento da consignação. O art. 892 do Código de Processo Civil contém regra jurídica especial de prazo, com eficácia apenas de direito processual civil.

Manuel de Almeida e Sousa tinha bem vivo na mente que a relação jurídica processual se constitui, ainda que somente entre autor e Estado. Exatamente a respeito dos depósitos judiciais falou como se fora processualista do século XX, discutidor e fixador das diferenças entre existência, validade e eficácia. Em Tratado Prático Compendiário dos Censos (121), foi claro: “o depósito para ser eficaz e ter força de solução deve ser feito com citação da parte interessada”. Se não foi citado o interessado, a relação jurídica processual existe e pode ser que seja válida; no entanto, não tem, quanto a esse, eficácia. Permite isso que o interessado, não citado, entre, espontaneamente, na relação jurídica processual, que existe. 7. Contraprestação e depósito com cláusula. Se ocorre que o devedor tem direito a contraprestação, nada obsta a que se faça o depósito com a cláusula de só ser levantado se o credor a satisfizer. 8. Escolha que cabe ao credor. A escolha de que se trata abrange mais que a dívida alternativa, ou com a facultas alternativa. Nem se deve pensar em coisa indeterminável. Não existe obrigação cujo objeto seja coisa indeterminável. Sempre que a escolha toque ao credor, ao devedor assiste a faculdade de se liberar com a citação do credor para que exerça o seu direito de escolher; e. g., se a determinação da prestação é genérica, ou genérica mista (certa quantidade e de coisas determinadas individualmente). 9.Princípio de economia. Por economia processual, se a solução da divida tem de ser em prestações periódicas, ou o contrato exige que as prestações sejam ao fim de prazos convencionados, depositam-se em continuação, evitando-se a pluralidade de processos. Tal a jurisprudência assente. O Código de 1973, no art. 892, atendeu a isso.

As prestações reiteradas são prestações de uma vez, mas regularmente (periódicas) ou irregularmente repetidas (circunstanciais). A dívida de conservação pode ser com obrigações de exame e atividade cada mês, ou quando seja preciso, informado o devedor.

Prestações parciais são partes de prestação, que, feitas, apenas diminuem o que é devido. Não há reiteração, porque não há pluralidade; há unidade, que se parte. A prestação parcial é prestação fracionária do devido. As prestações parciais, que na espécie se admitam, são prestações que objetivamente dividem a prestação que se deve, mas sem que ocorra a liberação do devedor. A unidade jurídica permanece. O devedor pode fazer prestações parciais se o negócio jurídico Iho permitiu, se, pela natureza da prestação, não pode ser feita de um jato (sem se tratar de prestação contínua), ou se o crédito só foi reconhecido, judicialmente, em parte, ou em parte foi reconhecido pelo devedor, e nada obsta a que se preste a parte reconhecida. Se o credor aceita a parte do pagamento, o crédito subsiste pelo resto, com as garantias que tinha.

Nas obrigações a prestações sucessivas, não tem o credor, salvo disposição em contrário, de fazer os pedidos ou de reclamar, em cedo prazo, os adimplementos parciais (fornecimentos sucessivos, inclusive periódicos). Se houve pacto de dever de pedir, ou de ir buscar, ou de cooperar no ato de adimplemento, podem-se dar a mora accipiendi e a mora debendi. Circunstâncias especiais não podem estabelecer qualquer desses deveres, mas a manifestação de vontade pode ser tácita.

Se a prestação é divisível, tem o devedor de prestá-la como um todo e de uma vez, ou, se consta de cláusula negocial, em parcelas, a datas marcadas, ou periodicamente. E a essas que se refere o art. 892 do Código de Processo Civil de 1973.

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§ 34. Processo da ação de consignação em pagamento 1. Citação. Dizer-se que a citação se faz de acordo com a lei, quase sempre é redundância. Os legisladores, de ordinário, lançam a regra juridica, somente para tê-la de excetuar no tocante à pluralidade de credores. 2. Disputa da prestação. Quando é que a prestação é “disputada” por mais de um pretendente? Havemos de entender quando haja duas ou mais pessoas que se digam com pretensão à prestação, o que supõe, não simples dúvida, ou suspeita, mas situação caracterizada de disputa; e. g., lide, prova de discussão sobre a legitimação de direito material extrajudicial. O devedor tem de examinar com cuidado o caso concreto, para evitar que se lhe exijam perdas e danos pela suposição temerária de haver disputa, ou de não a haver.

Pode ocorrer que o devedor não saiba quem é o credor, tal como se passa a respeito de títulos ao portadorr. Se o nome do credor não consta do negócio jurídico, o que pode acontecer mesmo em contrato (e.g., A e B contrataram e no contrato há a cláusula de prestação direta a x), há ignorância pelo devedor de quem há de receber. Se há disputa, há dúvida e disputa, posto que possa haver convicção do devedor e apenas luta entre os que se dizem credores, talvez mesmo lide. A dúvida é atitude do devedor. Ele é quem há de duvidar. Se paga a B, em vez de A, que estão a disputar, assume a responsabilidade se o seu erro é revelado na sentença que se proferiu a favor de A. Se não há disputa, só existe dúvida do devedor.

Acerca da ignorância e dúvida sobre quem seja o credor ou sobre quais sejam os credores, o Código de 1973, arts. 895 e 898, somente emprega a expressão “dúvida”. Dubius, no latim, é referente a duo, a dois, à vacilação entre a e b, tal como no grego, no gótico, no antigo e no novo alemão; dubito, dubitare, é ter em si vacilação entre a e b. Abstratizou-se o dois: ou a ou b. Diferente é o ignorar, ignorare, que é desconhecer; portanto, nada se saber, para que se possa pensar em a ou em b, o que vem de in e fosco. Para se evitar interpretação nociva (= ignorante; pense-se em, gnarus), temos de distinguir a ignorância e a dúvida, de modo que possamos dar à dúvida dos arts. 895 e 898 o significado abrangente (ou ignorância ou dúvida).

Posto que, no art. 895, só se fale de “ocorrer dúvida” no final refere-se a “citação dos que disputam”. O Código de 1939, art. 315, parágrafo único, dizia: “Quando mais de um pretendente disputar o pagamento, a citação far-se-á pessoalmente, ou por edital, a critério do autor”. Preliminarmente, observemos que não há mais a espécie de citação a critério do autor. Tem ele de obedecer ao que se estatui nos arts. 231-233. A disputa pode ocorrer antes de ser feita a petição, caso em que o devedor, que fica em dúvida sobre o credor, tem de obedecer ao art. 895, que lhe permite, por essa circunstância, o depósito anterior às citações. Se os que se dizem com direito ao recebimento são dois, ou mais, e disso o devedor somente soube após o despacho da petição inicial, tem esse de requerer a citação das outras pessoas e o depósito, para que só se levante quando for provado perante o juízo o direito de uma ou de algumas pessoas. Pode bem ser que a que fora citada seja a única legitimada ao recebimento, que aí é levantamento do depósito; ou que ela não tenha direito. Tem de haver contestações, com os requisitos do adigo 896, mas após a afirmação da legitimidade. Uma vez que dois ou mais disputam, o autor da ação de consignação em pagamento livre está da relação jurídica processual, pois, no próprio plano do direito material, a sua obrigação se extinguiu com a sentença declarativa negativa.

No art. 898 diz-se que continua o processo só entre os credores, com o procedimento ordinário. Cada um dos que se dizem credor tem de proceder como autor e como réu. As alegações e provas foram apresentadas. Têm de oferecer, no prazo de quinze dias, a contestação, a exceção e a reconvenção (art. 297). Tal prazo é comum (art 298).

A solução da questão de se saber se, no caso de não ter havido a citação edital, nem a de algum interessado, pode esse inserir-se na relação jurídica processual, já foi apontada. A relação jurídica processual existe; apenas não tem eficácia quanto os que não foram citados. Esses não citados, provando a sua legi-timação, ingressam na relação, angulaudo-a. Se essa legitimação está envolvida na disputa, então ao interessado cabe tomar a atitude que melhor atenda aos seus interesses (oposição principal, arts. 56-61; litisconsórcio, arts. 46-49; intervenção do art. 54 etc.). Não há solução a priori. Se pede para entrar na relação e na disputa, e não lho permitem, a sua atividade não pode prejudicá-lo, nem favorecê-lo. A sentença na ação de consignação em pagamento somente produz coisa julgada material entre os citados, ainda que por edital, se não se trata de direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos. Os citados, desde a citação, ainda que não

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tenham comparecido, estão na relação jurídica processual.

O credor citado, que tem direito à escolha, pode outorgar poderes a alguém, que possa escolher, ou escolher e receber. A pessoa que comparece dizendo-se que obteve a outorga para representar, não é terceiro. Se o credor alienou o seu direito à escolha, como se vendeu ou doou a coisa indeterminada, ou mesmo se só transferiu o direito à escolha, tal pessoa tem de ser tratada como o seria o credor, mesmo se o negócio jurídico entre eles mais se há de interpretar como de representante do que como adquirente. Se tal pessoa comparece para escolher, ou para escolher e receber, e há dúvida sobre quem há de escolher ou de receber o pagamento, tem o autor de requerer o depósito e a citação dos que o disputam para provarem o seu direito (cf. art. 895). Pode acontecer que o próprio autor se inclua no número deles (e.g., a outorga fora revogada). 3. Lugar do depósito e lugar da execução. Dissemos que o lugar da execução (“pagamento”) e o do depósito podem não coincidir. O devedor incorre em mora se não executa a obrigação no lugar próprio. O credor fica em mora se recusa a prestação que se lhe oferece no lugar estipulado para o pagamento. Nos casos de prestação a ser remetida a risca do credor, dependente de contraprestação, o lugar do pagamento é o lugar da expedição; se, porém, é a risco do devedor, é o lugar para o qual se há de expedir. O devedor não poderia depositar no lugar da expedição, porque tem de expedir; nem no do pagamento, pela mesma razão. Outro caso, que preocupa a ciência, é o da venda a distância (expedição para lugar que não é o lugar da execução, Versendungsschuld). A regra é reputar-se, na dúvida, “lugar do pagamento” o “lugar da expedição”; portanto, correndo ao credor (ou terceiro) o dever de ir buscar o objeto no “lugar do destino”. Expedida a coisa, seria supérfluo ordenar ao transportador que depositasse.

Nas compras e vendas, ou nas trocas, em que há dois contratos de entrega a distância, tudo se resolve como acima foi dito.

4. Suficiência satisfatória do depósito. O depósito, que se requereu fosse feito, pode não ser integral; e depósito, em solução, há de satisfazer as exigências de bastar. Negócio a favor de terceiro, para que esse receba o depósito, — a consignação faz nascer no credor o direito à prestação desde que sabe do depósito, ou à realização da condição, ou desde ter sido atingido o termo. A suficiência da solução é dependente da natureza e espécie da obrigação do depositante. Em principio, há de ser tal o depósito que o credor possa reclamar do consignatário exatamente o que o devedor lhe devia no momento da consignação. (a)Se se deve coisa individualmente determinada, é essa coisa que se tem de depositar. (b) Se a dívida é do gênero (e. g., de alguma quantia de dinheiro), o depósito pode ser irregular. (c) No caso de direito a contraprestação ou de reembolso de despesas, pode, no contrato com o consignatário, fazer-se dependente da execução da contraprestação em mãos do próprio consignatário o direito do credor à coisa consignada (e. g., as despesas do próprio depósito, se é o caso, o que se tem, de regra, como tacitamente querido). (d) Os riscos e perigos são a cargo do credor, desde a consignação, mas a propriedade só se transfere quando o consignatário entrega o depósito. (e) Em princípio, o credor pode exigir que a prestação devida seja feita em sua totalidade, ainda quando, pela natureza da prestação, esse tolere fracionamento. Se o devedor deposita parte e o credor recusa o depósito, não se dá mora do credor, e o devedor fica em mora pelo todo, inclusive quanto à parte depositada (f) Em todo caso, se são oblatos dois objetos, por serem dois os contratos, ou separadas as duas obrigações, o depósito de um não é prestação parcial, mas total. (g) Se há diversas prestações emanadas de um mesmo contrato com termos diferentes (prestações sucessivas, aluguéis etc.), cada um corresponde a um crédito, a despeito da unicidade do contrato. Aí, se há diversas prestações contemporâneas, o depositante deve declarar a qual dos créditos se tem de imputar. (h) O devedor tem direito a fazer depósito parcial: se o contrato lho permite; se, conforme a sua natureza, a prestação não pode ser satisfeita de uma só vez; se, contestada apenas parte do crédito, o credor não pode recusar a parte reconhecida, de modo que, condenado o devedor a solver a obrigação quanto ao restante, não fica em mora quanto àquela parte; se a lei expressamente obriga a receber pagamentos parciais, o que se dá em certos contratos comerciais; no caso de execução forçada; se o credor só reclamou parte da prestação, porque então o devedor fica com a faculdade.e de depositar essa parte ou o todo. (i) Quando o credor aceita o depósito parcial, o crédito subsiste para o resto.

Na ação de consignação em pagamento, o devedor ou quer solver a divida ou quer considerar vencida a divida, o que só tem de ser entendido se não há termo, ou se não há termos de vencimento.

Se vencida foi a dívida, ou se vencidas foram as dívidas, o devedor que requer o depósito da quantia ou

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da coisa devida vincula-se e confessa, implicitamente, que já tinha de ser adimplidas a prestação, ou já tinham de ser adimplidas as prestações.

Se o devedor requer o depósito em consignação e não o efetiva segundo o inc I do ad- 893 do Código de Processo Civil, não só ele se interpelou, e tal auto-interpelação é de consequências jurídicas, como também revelou o mau propósito com que pediu a consignação em pagamento. 5. Contestação do réu. Em vez de opor ‘embargos”, o réu, na ação de consignação em pagamento “contesta”. A diferença, em relação ao direito brasileiro anterior a 1939, alterou a estrutura processual. Do depósito resultam duas posições contrárias a do devedor que espera seja tido por eficaz o depósito, e a do credor, se não o quer, para que se haja por ineficaz. Mas essa prioridade da afirmação de eficácia ou de ineficácia é ilusória: o depósito é que é consequente à procedência da alegação da oblação e, pois, da alegação da mora do credor, ou de alguma das razões legais. Se, passado o dia para o recebimento (coisa indeterminada, escolha, falta de liquidação), o depósito não foi feito e o credor contesta, a contestação precedeu o depósito.

Há, pois, (a) o ataque às comunicações de conhecimento relativas à existência da obrigação (elemento declarativo), ao importe da dívida, ao vencimento, modalidades e acessórios (elementos declarativos), e à mora do credor (elemento declarativo); (b) o ataque às comunicações de conhecimento e de vontade relativas ao depósito, como ato extrajudicial ou processual praticado no futuro. Não há o elemento constitutivo, necessário, que seria o de se por em mora o credor, pois já se supõe que o credor tenha incorrido nela. A mora, resultante da citação na ação de consignação em pagamento, seria efeito anexo de direito material.

Na ação de consignação em pagamento, ao tempo do Reg. nº 737, de 25 de novembro de 1850, arts. 393-402, o depósito era prévio, judicializando-se a execução voluntária (ad 394); depois, citados os legitimados passivos, e assim a execução era feita no plano do direito material e no do direito processual, é que podiam vir embargos. 6. Litispendência. A ação de consignação em pagamento produz litispendência. O credor, após ela, não pode lançar mão de outra ação para haver do devedor o adimplemento. A exceção que se abre, para a litispendência, somente concerne à ação de despejo, inclusive por meio de reconvenção; fora dai, a citação na ação principal de consignação em pagamento produz, sempre, litispendência, inclusive quanto a ação condenatória, ou executiva, por aluguéis.

O credor, réu, na ação de consignação em pagamento, pode reconvir com qualquer ação que esteja em relação à res in indicium deducta. Há exclusão da reconvenção a propósito de depósito propriamente ditas, actio depositi (directa), para que o depositário não venha, por exemplo, com a actio depositi (contraria), para haver despesas, ressarcimento de danos etc. Tal exclusão nada tem com as ações de consignação em pagamento, que não são actiones depositi. Cf. Juízo da 14ª Vara Cível do Estado da Guanabara, 27 de janeiro de 1960 (DJ de 29 de novembro), que se apoiou em nossa opinião, seguida pelo Supremo Tribunal Federal (DJ de 9 de maio de 1960). § 35. Eficácia sentencial 1. Eficácia da sentença favorável. A sentença que se profere dizendo ser “subsistente o depósito”, ou ser “válido o depósito”, ou, melhor, “ser procedente a ação de consignação em pagamento”, é sentença declarativa, sem qualquer elemento relevante de condenação- Se o depósito ainda não foi feito e o juiz o autorizou, a sentença é declarativa in futurum e tem eficácia liberatória, a favor do devedor, desde o momento em que o depósito se faça. Em verdade, declara que o depósito futuro vai liberar. A construção da ação declarativa, com a oblação real, extrajudicial ou processual, que é o seu elemento distintivo, de segurança, justifica que se impugne pela contestação, e não por embargos. Porque mais se impugna a ação declarativa que o elemento secundário, dependente, mandamental, do depósito.

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Qualquer “condenação”, que ocorra na sentença favorável na ação de consignação em pagamento, é estranha à ação de consignação em pagamento: (a) ou se refere à reconvenção do credor, ou (b) o autor, devedor, cumulou ações, ou (c) a ação de consignação em pagamento não foi proposta como principal. Não há sair-se daí; e essas distinções são de grande importância prática. A executividade, que prepondera, é posterior. 2. Comparecimento do credor para receber. O comparecimento do credor, para receber a prestação depositada, firma que nada opõe à proposição implícita de que o crédito se extinguiu pela consignação (aliás da mora do credor!) é a de obrigar o credor a pagar as despesas feitas para consignar (taxa judiciária relativa ao serviço de distribuição, intimação e publicação na imprensa oficial; despesas de diligência do oficial de justiça etc.). A entrega é, aí, ato jurídica (não-declaração da vontade), e a sentença teria simples efeito de ato judicial.

Se é “cedo” (conhecido e único) o credor, recebe, acudindo à citação; se há dúvida sobre quem deva receber, ou ignorância, depende de julgamento judiciário.

Decidiu a 1ª Câmara do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, a 10 de julho de 1952, que, comparecendo o credor, pronto para receber, não há de ser condenado nas custas. Sem razão. Se houve recusa, ou mora, o recebimento do que teria de se depositar, não exime o citado de pagar as custas- Daí ter de ser suscitada a condenação, se foi pedida. O demandado é que, recebendo-o, há de declarar que não se recusava a receber, nem incorra à condenação às custas (1ª Câmara do Tribunal de Alçada de São Paulo, 12 de novembro de 1952, RT, 207, 468: “As custas devidas até o momento do recebimento devem ser imputadas ao credor que, sem qualquer objeção, levantou a soma oferecida; as demais devem ser atribuidas ao devedor que, indevidamente, reclamou o prosseguimento da lide, pois, com o recebimento da oferta, a ação estava finda, não havendo razão que justificasse a sua continuação”).

Acima falamos do credor que é conhecido (“cedo”) e único, o que evidencia a sua legitimação a receber o que iria ser depositado, ou já foi. Temos, porém, de cogitar das hipóteses de pluralidade de credores, legitimados a receber. Se os citados foram B e C, sem nada se dizer sobre a ordem da legitimação (e.g., no contrato foi dito que o pagamento será a B, ou, se B está ausente, ou se não compareceu para receber, o pagamento será a C), o recebimento por B, ou por C, extingue a divida. Se no contrato se diz que B ou C irá receber na data do vencimento, legitimado a receber é quem comparece; se nenhum compareceu e há a ação de consignação em pagamento, qualquer deles pode comparecer para receber ou contestar. Têm de receber juntos ou em parte, se os legitimados são dois ou mais.

Na sentença o elemento de condenação às custas e honorários do advogado não altera a classe da sentença declarativa de extinção que o juiz profere. A condenação às custas e aos honorários de advogado não supõe efeito executivo da sentença proferida. As custas e os honorários de advogado nada têm com o efeito executivo, ou com a eficácia de coisa julgada material da sentença, nem, tampouco, os seus pressupostos são os pressupostos desse ou daquele (com razão, James Goldschmidt, Der Prozess ais Rechtslage, 504; sem razão, Arthur Nussbaum, Die Prozesshandlungen, 19). E precisamente do feito da sentença e não do seu conteúdo, que deriva o mandado de custas. Trata-se de efeito do processo, anexo a ele (Wilhelm Sauer, Crundlagen des Prozessrechts, 48), regulador do custo e pagamento do trabalho com o processo. 3. Contrato de depósito. Deferido o requerimento a que se refere o inc. I do art 893 do Código de Processo Civil, efetua-se o depósito judicial, inclusive em continuação, em nome do interessado e à disposição do juízo, mediante utilização de impresso específico, de regra fornecido pelo próprio estabelecimento de crédito. O contrato de depósito em consignação é de direito privado, ainda quando se faça com depósitos públicos, ou pelo correio. Aliter, se por intermédio do juiz. 4. Cogniçâo completante Contestada a ação, a cognição completante decide se houve, ou não, razão para o depósito, que em tanto importa qualquer dos fundamentos da contestação. O curso é ordinário, como se dá a respeito do próprio processo executivo (cognição incompleta mais execução antecipada). A ação de consignação constitui relação jurídica processual (entre autor e Estado), como qualquer outra; porém com

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promessa de prestação de serviço (não de execução) próprio ou de outrem (se o consignatário não é o Estado) para substituir a execução. A relação de direito material (público) entre o Estado e o consignatário e a relação entre o devedor e o consignatário são inconfundíveis com a relação jurídica processual, posto que essa as tenha suscitado. O direito público pode publicizar a relação jurídica entre o devedor e o consignatário — não seria anomalia em técnica legislativa; e, na dúvida, entende-se que o fez. 5. Comparência sem contestação. Se o credor comparece e não contesta a ação de consignação (corrido o prazo, pois que esse prazo já estava a correr de acordo com as regras jurídicas do art. 241 do Código de 1973), o juiz julga subsistente o depósito, se for o caso. O juiz não está adstrito a julgá-lo, sempre, subsistente, pois casos há em que a sua cognição superficial inicial se desfaz. Daí o “como de direito”, de que se usava em algumas leis estaduais. O próprio efeito simplesmente liberatório do depósito e a ciência não justificariam a mecanicidade de tal julgamento. Amorim Lima (Código de Processo Civil brasileiro, I, 136) e Luís Machado Guimarães (Comentários do Código de Processo Civil, IV, 324) sustentaram que a sentença apenas diz que o pagamento vale o que vale em relação ao pagamento do débito conforme o contrato e a lei (“julgo efetuado o pagamento para os fins de direito”). A questão não é tão simples assim, tanto mais quanto se impõe ao juiz decidir questões prejudiciais, que o autor tenha posto, e dá eficácia de coisa julgada material a premissas necessárias. Pode ocorrer também que seja a termo e sob condição o depósito, o que exige exame da questões de fundo. Ainda mesmo que os pretendentes à prestação não apareçam, a ação tem, até aí, caráter declarativo.

Tal como se redigiu o ad 898 do Código de Processo Civil, a questão entre Adolf Wach (Gutachten, 23 e 39; Der Feststellungsanspruch, Leipziger Festgabe fúr E. Windscheid, 56, nota 99) e Konrad Hellwig (Anspruch íind Klagrecht, 421) é de importância; o devedor do ad 898 é parte na demanda entre os dois ou mais pretendentes. Alguns entendiam que o seria ainda no caso do § 75 da Ordenação Processual alemã (devedor demandado que litisdenuncia terceiro pretenso credor). A sentença, no caso de credor não contestante, faz coisa julgada material, pois o juiz já não lhe pode mudar interpartes a eficácia, e estão vinculados à sua sentença ele e os outros juizes. Não se excetua a ação de consignação em pagamento de aluguéis, porque, tendo sido proferida a sentença na ação de consignação em pagamento de aluguéis, produz ela coisa julgada material. Fato esse, que tomava idiotismo do direito processual brasileiro a quebra da simetria entre a litispendência e a coisa julgada material, no caso do Código de 1939, art. 166, § 3º O Código de 1973, como o de 1939, tomou a consignação em pagamento processo de jurisdição contenciosa. Citado o legitimado passivo, ou citados os legitimados passivos, está correndo o prazo para a resposta. Alegado algum fato, na petição inicial, tem o juiz de admiti-lo como verídico, se o contrário não resultar do conjunto das provas. A sentença de subsistência do depósito e de estar efetuado o pagamento só se refere ao credor que não contesta. Porque o caso do credor revel é outro, e o do contumaz pedence a outra regra jurídica (o credor contestara e não levanta o depósito). Por onde se vê que o credor que levanta o depósito está sujeito a ter-se como verídico o que alegou o depositante salvo prova contrária. A sentença que julga feito o pagamento não pode ser automática, liberando sem dizer de quê. Por isso, não se emprega a expressão “embargos”, nem, sequer, “impugnação”; e sim “contestação”. § 36. Atos processuais e prazos 1. Curador especial. Se o réu está preso, ou se não levanta o depósito nem responde, tendo sido citado por edital, ou com hora certa (art. 9), inc. II), tem de ser-lhe dado curador especial. Não se confunda a resolução do juiz, deferindo que se faça o depósito, com a sentença em processo ordinário, quer a que se profere, não contestada a inicial, quer a que se profere tendo havido contestação. Há o depósito prévio, diversamente da sis-temática anterior, em que de regra apenas havia o depósito se o réu não comparecesse, ou se comparecendo, não quisesse receber (o que faltou à lei dizer, mas subentendia-se, também porque só se podia julgar subsistente o que já existia).

Tem o juiz, também, de nomear curador especial, se o réu é incapaz e não tem representante legal, ou se os interesses deste colidem com os daquele (art. 9º, inc. I). Essa curadoria especial é função institucional dos Defensores Públicos (Lei Complementar nº 80, de 12 de janeiro de 1994, arts. 49, VI, e 98, III, a).

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Assim, tem-se de nomear curador especial, se o credor é incapaz e não tem representante legal, mesmo que a citação tenha sido por edital, sem se saber que o citado ou um dos citados é incapaz, ou se é sucessor, em vida ou a causa de morte, de um dos citados. 2. Contagem do prazo para a contestação. O prazo para a contestação era contado, não da efetuação do depósito, nem da citação, mas da do dia em que havia de comparecer o citado para receber, quer se comparecesse e se recusasse a receber, quer se não comparecesse. A 4ª Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, a lide setembro de 1941 (RT 134/77), falou de contar-se do depósito da casa. Sem razão: leu o art. 317, 5 1”, do Código de 1939, contra o explícito ad 316, do Código de 1939, correspondente ao art. 896 do Código de 1973, antes da Lei nº 8.951. O depósito podia demorar. Nada tinha que ver com a contestação. Trata-se de disputa declarativa.

Revogado o ad 896 com a edição da Lei nº 8.951, de 13 de dezembro de 1994, esse prazo de resposta passou a ser o do ad 297, se não se configura suporte fático de incidência das regras jurídicas dos arts. 188 e 191, contado na forma do art. 241, do Código de Processo Civil.

Já dissemos que a contestação ataca comunicações de conhecimento e de vontade relativas, ao depósito, não o depósito em si. Esse, se feito diferente de como se diz nessas comunicações, pode satisfazer, ou não, o contestante.

O credor que deixa de comparecer e pede, depois, o levantamento, tem de pagar as custas, inclusive os honorários de advogado (3ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 9 de fevereiro de 1950, RT 185/322). 3. Curso ordinário. Seguir o curso ordinário significa que o juiz tem de: a) decorrido o prazo para a resposta e conclusos os autos, determinar, conforme o caso, as providências preliminares a que se reportam os arts. 324 a 327 do Código de 1973; b) proferir julgamento conforme o estado do processo, ou til) extinguindo-o com ou sem apreciação do mérito, ou b2) compondo antecipadamente a lide, ou b3) saneando-o na audiência prelimi-nar em que não se obteve conciliação das partes, com as resoluções a respeito das questões processuais pendentes de decisão e das provas necessárias ao esclarecimento dos pontos controvertidos que fixar.

b1) Extinto o processo sem julgamento do mérito (arts. 267, incs. 1 a XI, e 269, incs. li a V, c.c. o art. 329), o depósito é como se não tivesse sido feito e os riscos e perigos correram por conta do devedor. Mas a situação de direito material (mora, por exemplo) é a anterior ao depósito, isto é, a do tempo subseqUente ao do despacho na petição inicial. b2) Não assim se o juiz julga a espécie, inclusive b3) sem antecipação da fase de-cisória. Haverá, ou não haverá, absolutio ab actione; e produz-se coisa julgada material. Se é o credor contestante que não comparece, então o juiz procede de acordo com o art. 453, § 2º, ou com a primeira regra jurídica do art. 130.

O autor tem o ônus de alegar que houve recusa, por parte do credor citado. A alegação e a prova de não ter havido recusa ou mora incumbem ao citado; idem, a de ter sido justa a recusa. Por isso mesmo, não acertou a 2ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 7 de março de 1950 (RT 181/206), ao julgar improcedente a ação de consignação dei pagamento, por faltar prova de que o credor se recusara a receber a prestação devida.

A sentença que julga improcedente a ação de consignação em pagamento não pode condenar o autor ao que se reputou devido: a decisão é simplesmente declarativa. Condenação só há nas custas (Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, 21 de agosto de 1950, ide 1951, 78) e nos honorários advocatícios. Salvo se houve reconvenção, e então a sentença é sobre a matéria da reconvenção e as regras jurídicas sobre custas e honorários advocatícios são atendidas.

Advirta-se que temos hoje a regra jurídica do art. 899, §2º, do Código de Processo Civil, que concebe sentença condenatória do quantum debeatur, preenchidos os pressupostos, se acolhida a resposta de insuficiência do depósito (art. 896, inc IV).

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4. Termo de entrega. Na sistemática processual anterior, do termo de entrega haviam de constar os nomes do devedor (ou quem por esse pagou) e do credor, o valor e mais caracterizações de dívida quitada, assinando-o o credor. Com a edição da Lei nº 8.951, de 13 de dezembro de 1994, passa-se diversamente: o réu requer o levantamento do valor depositado e, preenchidos os pressupostos, sobrevém sentença que defere a expedição do respectivo mandado, com detração das custas processuais e honorários advocatícios, e extingue o processo com julgamento do mérito (arts. 269, incs. II, e 897, parágrafo único). Essa sentença tem eficácia de quitação (art. 941 do Código de 1916). 5. Levantamento pelo devedor, até quando pode ser feito. Até a contestação, ou a expiração do prazo para ela, pode o devedor retirar o que foi depositado, por ter o credor comparecido e recusado, ou por não ter comparecido. Depois da contestação, ou expiração do prazo, é preciso o consentimento do credor. Passa-se o mesmo com a desistência; a figuramos os dois casos para supor a hipótese de mudança do depósito (alteração do pedido) até a contestação. O ato de concordância do credor quanto ao levantamento tem efeitos anexos de direito material quanto a terceiros (por exemplo Código Civil, art. 979). Se apenas concordou com a alteração, esses efeitos dependem do caso em concreto. Aliás, a situação de direito material (e. g., Código Civil, art. 978), ou de direito Processual (e.g., penhora do depósito pelos credores do credor) entre o credor e outras pessoas pode exigir que o consintam ou assintam. Levantando o depósito, ou tendo o autor desistido do processo, o crédito fica incólume. 6. Despesas com o depósito. As despesas com o depósito correm por conta do credor, se comparece e recebe ou se é julgado procedente o pedido de depósito; por conta do devedor, se julgado improcedente, ou se houve extinção do processo sem julgamento do mérito. Cp. Código Civil de 1916, art. 982. 7. Credor desconhecido ou dúvida quanto ao credor. Quando o credor é desconhecido, porém existe, ou é possível que exista, ou é determinável, porém ainda não se determinou (e. g., unus ex publico, como se observa em promessas de recompensa e concursos públicos), a falta de exata ou completa cognição do credor permite a consignação “a quem de direito”. Naturalmente, o consignante não pode liberar-se sem que o credor justifique os seus direitos. Se o crédito é litigioso, faz-se mister o consentimento da outra parte, ou sentença, passada em julgado, que a condene. As expressões “ignorância ou dúvida” devem ser interpretadas no mais largo sentido. Abrangem, por exemplo, os casos de ignorância de quem sejam os herdeiros do credor, ou se foi achado o documento de divida sem se saber quem o linha, ou quando alguém se pretende cessionário de crédito sem se legitimar cabalmente, ou quando alguém (unus ex publico) foi premiado, ou se o credor, incapaz, não tem representante a que o devedor possa fazer a oblação (art. 9º, incs. I e II). “Dúvida” nos arts. 895 e 898, é dúvida (A ou B; ou A ou B ou C) ou ignorância (não se sabe quem é X).

Nos casos em que o credor teria de apresentar o título, ou a obrigação nasceria dessa apresentação, só a dúvida quanto à autenticidade pode justificar o pedido de consignação.

O litígio e, a fortiori, a disputa extrajudicial, de modo nenhum permitem o depósito antes da mora? (E preciso que o devedor constitua, antes, em mora, o credor, ou pretensos credores? Não; os casos de ação de consignação em pagamento, por haver ignorância ou dúvida sobre quem há de receber, não dependem da mora. Salvo (a) em se tratando de obrigações em que o credor teria de vir receber à data marcada, ou advento de alguma condição. Nos casos (b) de obrigação de ir levar o devedor as prestações, a legitimação ativa para a consignação liga-se à dificuldade de se saber a quem se há de pagar. De modo que a contestação, nos casos (b), pode versar sobre não ter havido razão para o pedido, porém não sobre o não ler havido mora de receber.

Na ação de consignação em pagamento de que aqui falamos tem-se de decidir quanto a quem é titular do direito de crédito, para que possa levantar o depósito (6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, 3 de novembro de 1950, DJ de 12 de março de 1951). A ação perde razão de ser ou objeto, como disse a 3ª Turma de Câmaras Cíveis, a 28 de março de 1951 (RF 138/154): o levantamento, após a decisão, é efeito mandamental; e a “dissipação da dúvida”, antes da sentença, e matéria de fato a ser por essa apreciada; a 2ª Turma não podia referir-se a dissipação de dúvidas antes da sentença; dúvidas só a decisão judicial dissipa.

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8. Dia para o recebimento, dependendo de legitimação. Anteriormente à Lei nº 8.951, de 13 de dezembro de 1994, fixava-se dia para recebimento, porque o devedor continuava com a sua liberdade de, a seu risco, pagar a quem quisesse. Vendo o que alegava o pretendente, o devedor podia preferir pagar ao comparecente. Se alguém recebia, devido a anuência do devedor, claro é que não se fazia depósito. Se o devedor não se convencesse, então era de se proceder ao depósito. O autor tinha de ser ouvido, porque o ato de que falamos (entregar, ou não, a coisa) é ato jurídico, ato de direito material, e não, como seria a discordância do autor e do pretendente único, comunicação de conhecimento, em direito processual (a diferença é importantíssima assim em teoria como em prática). Por isso mesmo, à tal comunicação aplicava-se a regra jurídica de ser tido como verídico o alegado, salvo se o contrário resultasse das provas.

Atualmente, entretanto, não há fixação de dia para recebimento ou depósito. Já na petição inicial o autor requer o depósito da quantia ou coisa devida, a ser efetivado em cinco dias subsequentes à intimação da decisão de deferimento. Os legitimados passivos são citados para os fins do ad 898 do Código de Processo Civil. Não comparecendo e suposto inexistir causa de extinção do processo sem julgamento do mérito, o depósito converte-se em arrecadação de bens de ausentes. Se comparece um, há sentença de plano se ocorre suporte fático de incidência das regras juridicas do art 330, inc 1, do Código de 1973. Se a comparência é por mais de um, opera-se se a tanto não há óbice fático-jurídico — a extinção da obrigação, com a liberação do obrigado, assim extromitido da relação jurídica processual. Detraem-se do valor em depósito o das despesas processuais e o dos honorários advocatícios. O processo seguirá entre os pretendentes, definindo-se a final a responsabilidade por esse dispêndio. 9. Citação e interesse do não-citado. Não sendo manifestação de vontade o que disser ou deixar de dizer o devedor, no caso de se ignorar quem é o credor, ou de quem são os credores (aliter, no caso de simples dúvida), o devedor não é responsável pelo que afirmar, salvo se houve má-fé (ad 16 e 17), uma vez que todos os pretendentes foram citados. Ao que não foi citado nada se pode opor com a sentença: não foi parte, nem se inseriu, voluntariamente, na relação jurídica processual.

Do que acima dissemos é de tirar-se que o emprego da expressão “dúvida”, nos arts. 895 e 898 do Código de 1973, em vez de “ignorância” e “dúvida”, no Código de 1939, art. 318, tinha de levar-nos à explicitação feita, porque, se há dúvida quanto a ser A ou B ou C o credor, a citação é, de regra, pessoal, e, se há ignorância de quem seja o devedor, há mais do que dúvida senso estrito, e a citação há de ser por edital. No caso de tal citação de todos os que podem ser o credor ou os credores, a responsabilidade do devedor pode consistir em ter, nos dados da petição, faltado ponto que serviria a que o credor ou os credores se identificassem. 10. Falta de acordo. Se o devedor não anuía na entrega ao único pretendente, a sua posição (que é a de autor conhecedor da ‘contestação” do credor, a despeito da inversão aparente) suscitava algumas questões delicadas, no regime do Código de 1939. O processo seguia com o rito ordinário, sendo os autos conclusos, aliás só depois de esgotar-se o prazo para a contestação, a fim de ser proferido o despacho saneador. Na audiência, ou o autor comparecia ou não. Se não comparecia, o réu, credor, podia pedir a absolvição da instância, ou não pedir. Ele é que resolvia como havia de proceder. (De passagem digamos que a assimilação da consignação a ação “invertida”, que anda por aí, nasce de confusão entre perspectiva de direito processual e perspectiva de direito material. O autor é autor e continua de ser autor). Se era o réu, credor, que não comparecia, então o juiz ou dispensava a produção de provas, ou determinava as diligências que julgasse necessárias.

Comparecendo o autor e o réu, desenvolvia-se a audiência conforme os princípios.

Não é o que se passa, de momento. Efetivado o depósito segundo o art. 893, inc. I, do Código de Processo Civil, cessam os juros e o riscos — se não sobrevém sentença desfavorável —ao devedor, que assim não mais tem interesse jurídico e, pois, sob esse aspecto, que anuir na entrega do bem depositado ao único pretendente. 11. Entrega da prestação. Comunicação de vontade, como é, aí, o ato do devedor entregando a prestação, tem-

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se de, com ela, encerrar a relação jurídica processual, estabelecida com a citação. De modo que ao juiz cabe proferir sentença de efeito só de instrumentação de quitação (efeito da sentença como ato). Os efeitos, quanto aos não— citados comparecentes, não são completos e têm de resultar da sentença, se o devedor a seu risco se abstém da entrega. Não se aguardam as contestações dos não-comparecentes, para se entregar a coisa. O devedor pagou a seu risco. Só se aguardam as contestações, se não há entrega, e sim depósito. 12. Não-depósito. Se o autor não procede ao depósito do valor ou da coisa devida nos cinco dias contados da intimação da decisão do deferimento, cabe a extinção do processo sem julgamento do mérito (art. 267, inc. IV), de oficio (art. 267, § 3º). 13.Comparência. Comparecendo mais de um pretendente, ainda persiste a oportunidade, para o autor, de sair da demanda sem o assentimento dos réus, até que as contestações sejam apresentadas. Por isso mesmo, pode entregar a coisa a um deles, salvo se algum já traz a contestação, pois esse teria de consentir. A “revogação”, melhor termo para designar o pedido de levantamento, ainda se pode dar, e com ele a entrega a qualquer dos comparecentes, por ato de declaração de vontade, que e há de tratar, processualmente, como desistência, por ser ato de exercício de direito formativo resolutivo (aufhebendes Gestaltungsrecbt). A sentença do juiz é julgamento com valor de ato judicial e constitutivo negativo quanto ao processo, como a própria desistência antes da contestação.

Se, no prazo, vêm as contestações, o processo tem de seguir, sem a presença de quem foi citado e não compareceu, porque, quanto a comparecentes é que há de correr o processo. Se somente contestou um dos citados, o juiz decide. Não significa isso que a simples comparência de um sem a contestação leve o juiz a julgá-lo legitimado, tanto mais que a citação pode ter sido a um ex publico, portanto sem nome. O art. 898 do Código de Processo Civil supóe a comparência ou a não-comparência. Não se fala de haver contestação, ou de não haver. (A comparência com contestação é outro assunto. Regem os arts. 896, 897 e 899. A dúvida senso lato pertence aos arts. 895 e 898 do Código de Processo Civil.). Há a comparência com contestação. Há a comparência de todos, matéria para ser apreciada, porque só assim se sabe qual a pessoa ou quais as pessoas legitimadas a receber. O art. 898 supõe: ou a) que ninguém compareça, a despeito das citações ou da citação edital (“não comparecendo nenhum pretendente”), caso em que o depósito se converte em arrecadação de bens de ausentes (arts 1.159-1.169); ou b) apenas um dos citados comparece (ou dois ou mais que sejam os legitimados a receber), o que leva o juiz ao exame da legitimação, cabendo, no caso de decisão favorável, a um ou a alguns; ou c) comparecem dois ou mais, cuja legitimação somente caberia a um, e tem o juiz de decidir, só se entregando o que foi depositado após a decisão trânsita em julgado; ou d) quem comparece contesta. Na espécie c), o processo continua só entre os comparecentes e o Estado (Juiz), por se ter transformado em simples relação jurídica linear, a que se esperava persistisse a angularidade. Na espécie d), a angularidade continua, para que se julgue a ação de consignação em pagamento. Na espécie a), a divida extinguiu-se e ao credor ausente ou aos credores ausentes é que incumbe apresentarem-se em juízo. O devedor, que deixara de ser, não mais é parte. Na espécie b), há a entrega ao legitimado ou aos legitimados.

Se o devedor não desiste, nem entrega a prestação a um dos pretendentes, então o feito aguarda a expiração do prazo para as contestações e prossegue somente entre os credores (“unicamente entre os credores”). O devedor pode pedir o levantamento, pois não houve contestação; se não o faz, é que renunciou à devolução do depósito. Em todo caso, pode eventualmente, ter de responder pela resistência em solver a divida, sem razão para isso (abuso do direito material, não processual, pela falta da manifestação de vontade; ou se fez alegações falsas a respeito das suas pretensões, ou outros atos processuais de abuso do direito processual, ad 16). Qual a eficácia de coisa julgada material entre esse devedor e os credores senados? A questão foi ventilada por

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Adolf Wach (Gutachten, 23, 24, 39, 40, 95 s.), Otto Fiseber (Von den subjektiven Grenzen der Rechtskraft, Jherings JahrbLicher, 40, 197), e Konrad Hellwig (Anspruch iind Klagrecht, 421), além de muitos outros. Adolf Wach e Olto Fischer, seguidos de alguns, negavam a eficácia da coisa julgada material quanto ao devedor; ao passo que Konrad Hellwig via o devedor liberado perante todos os pretendentes, ainda os não-comparecentes. Para ele, a decisão que acaso exista sobre a legitimação ativa dos pretendentes somente pode ser declarativa, a despeito da divergência entre eles (por essa razão mesma, em sentido contrário, L. Seuffert). A solução não pode ser a priori. Depende de se saber se o devedor se demitiu da relação jurídica processual, o que não é sempre possível, pois algum dos pretendentes, ou alguns, ou todos eles podem ter sido chamados com fundamento em ignorância ou dúvida sobre quem deva receber e terem contestação fundada no ad 896. A assimilação de tal processo ao concurso de credores que, se fazia no Código de 1939, art. 318, foi retirada no texto de 1973. A coisa julgada material somente pode operar entre partes e tem-se de verificar se o devedor ainda é parte. Ora, no concurso de credores, o devedor é apenas titular de pretensão de direito material, a “massa” é que é titular da pretensão à tutela jurídica e o administrador da massa, segundo alguns, a parte. Mas essa construção não se ajusta ao caso do ad 898, terceira parte, porque o devedor nem sempre está diante de credores munidos das provas que cada credor tem de apresentar em concurso de credores. Naturalmente, concurso só se dá depois de admitidos dois ou mais de dois credores, e então a cognição completa ficou para traz, com a sua eficácia de coisa julgada material quanto a cada um deles e o devedor.

O art. 898, 3ª parte, estatui que se continue o processo entre os credores, com a ordinariedade do procedimento, e o que a sentença final tem de assentar é a declaração de titularidade para que se levante o depósito. 14. Arrecadação. Não comparecendo pretendentes, ou o devedor pede o levantamento do depósito e arrecada com as consequtiências, pdo efeito negativo ex tunc da ‘revogação” (direito formativo resolutivo), o que também a sua massa falida pode fazer (Hugo Oser, Andreas von Tuhr), porque esse direito formativo resolutivo é elemento do patrimônio; ou renuncia à devolução, e se dá a arrecadação como de bens de ausentes.

O art 898, 1ª parte, que supõe a não-comparência de todos os citados, estabelece que se arrecade o depósito como bem de ausentes. Pergunta-se: é (a)imperativa a regra jurídica, ou (b) não sendo ius cogens, pode o devedor preferir o levantamento, pagando as custas e o honorário do seu advogado? Temos de preferir a solução (b), pois alguém pode surgir, não citado, ou mesmo citado, que proponha a ação contra o devedor. É verdade que, tendo sido citado, quem não compareceu, o devedor pode alegar que ele não foi omisso na ação de consignação em pagamento, e que o credor tem de ir ao procedimento ordinário em que se há de habilitar como ausente. Mas, mesmo aí, não há inconveniente em que o devedor volva e assuma a responsabilidade, tanto mais quanto alguma pessoa — a legitimada ativa (e.g., cessionária do credor) — pode não ter sido citada.

Capítulo III

Ação de demarcação de terras § 37. Limites entre prédios 1. Limitações ao conteúdo do direito de propriedade e abuso do direito. Toda a matéria de limites atende às dimensões do terreno e dos edifícios ou outras obras e às relações jurídicas entre vizinhos. Nessas relações entre vizinhos há entrechoques que se resolvem pela teoria do abuso do direito, mas as leis, desde logo, estabelecem limitações ao conteúdo do direito de propriedade e, pois, direitos de vizinhança a favor do confinante. O proprietário pode obrigar o seu confinante a proceder com ele à demarcação entre os dois prédios, a aviventar rumos apagados e a renovar marcos destruidos ou arruinados, repartindo-se proporcionalmente entre os interessados as respectivas despesas. Assim, a ação de demarcação compete ao proprietário ou condômino de um prédio contra os possuidores do prédio confinante, para a fixação de muros novos ou aviventação dos existentes. A ação, de que se trata, é a demarcação, a actio finium regundorum. No caso de confusão, os limites, em falta de outro meio, se determinam de conformidade com a posse; e, não

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provada, reparte-se o terreno contestado proporcionalmente entre os prédios, ou, não sendo possível a divisão cômoda, se ajudica a um deles, mediante indenização ao proprietário prejudicado. Também aqui não há discussão, disputa; as partes estão diante de situação que lhes cria — e ao juiz — perplexidade. Tem de ser vencida. Apresentou-se, assim, ao legislador o problema de técnica legislativa. Antes, propendia-se para certo arbítrio judicial, não somente em caso de confusão, como em caso de ser necessário regularizar o terreno (1 H. Correia Teles, Doutrina das Ações, ed. de 1918, 281).

Na L. 2, § 1, D., finium regundorum, 10, 1, permitia-se ao juiz da demanda, quando não pudesse determinar as lindas dirimir a controvérsia por meio de adjudicação; mais ainda: se acaso, para fazer desaparecer a obscuridade das antigas linhas, quisesse o juiz dirigir os limites por outra parte (per aliam reqionem fines dirigere), podia fazê-lo por meio de adjudicação e condenação. Depois, não se foi até aí. Só se admite a função do juiz em caso de confusão de limites. No § 6, 1., de officio iudicis, 4, 17, no caso do rio que muda constantemente o curso para estabelecer, duravelmente, a paz entre os vizinhos, podia ele adotar limites mais oportunos. Também até aí não se foi. A mudança de curso, no caso de limites artificiais, pode ser causa de confusão de limites; porém, então, é a confusão de limites que se faz pressuposto suficiente. Do intervalo, muro, vala, cerca, ou qualquer outra obra divisória entre prédios, têm direito a usar em comum os proprietários confinantes, presumindo-se, até prova em contrário, pertencer a ambos. A regra nada tem com o direito de propriedade, ou com o uso do muro, do intervalo deixado, da vala, da cerca, ou de qualquer outra obra, se no solo do vizinho, porque então superficies solo cedit; nem com o direito de propriedade, ou com o uso do intervalo deixado, do muro, da vala, da cerca, ou qualquer outra obra, se sobre a linha divisória, isto é, parte de um lado e parte de outro, porque então, pelo mesmo princípio, o que está num terreno é dele e só dele. 2. Direito romano. Paulo, na L. 1, D., .finium regundorum, 10, 1, dizia que a ação finiurn regundorum é pessoal, posto que sirva à vindicação da coisa: “Finium regundorum actio in personam est, licet pro vindicatione rei est”. O objeto da ação era fines regere, acidentalmente restituia? A opinião de L. H. Wiederhold (Bemerkungen (ter die actio Jinium regundorum, Zeitschrift fúr Zivilrecht und Prozess, 13, 40 s.) era essa; mas a dos outros juristas, não, devido a caberem as coritroversiae de fine e as controversiae de loco (e. g., Emil Hoffmann, Uber das Wesen der actio finium regundorum, Archiu fúr di e civilistische Praxis, 31, 502 s.’ In welchen Fâllen und unter welchen Voraussetzungen tritt eine adiudicatio bel der actio finium regun-dorum em?, 35, 350 5.; Chr. A. Hesse, Die Rechtsverhãltnisse zwischen Grundstúcksnachbarn, II, 158 s; A. F. Rudorff, .Schriften der rdmischen Feldmesser, II, 433 s.; Otto Karlowa, Beitrâge zur Geschichte des rõmischen Zivilprozesses, 141 s.). Verdade é, porém, que a actio finium regundorum se precisou depois, deixando o campo que pertencia à reivindicação e à ação pessoal de restituição: ficou apenas a ação concernente ao con-finium, já distanciada da ação que remontava, pelo menos, à Lei das XII Tábuas (Paul Jõrs-Wolfgang Kunkel, Rõmisches Privatrecht, 3ª ed., 252). No trato contemporâneo da ação finium regundorum tem-se de evitar mistura de épocas.

A ação de demarcação é dúplice. Os limites a serem declarados são os limites entre os dois prédios (= dos dois prédios). Na L. 10, 1, D., finium regundorum, 10, 1, Juliano diz: “ludicium communi dividundo, familiae erciscundae, finium regundorum tale est, ut in eo singulae personae duplex ius habeant agentis et eius quocum agitur”. A duplicidade da ação não ocorre porque a ação finium regundorum seja divisória — só acidentalmente o é; nem porque seja complexo de vindicações reais modificadas, de um proprietário contra outro, como parecia a E. 1. Bekker (Die Aktionen des rõmischen Privatrechts, 1, 244), — de modo nenhum o é, nem nunca o foi. Há obrigação de demarcação e de deslindação, dos dois lados, como há as pretensões reciprocamente dirigidas. Quando a inundação confunde os limites de um terreno, o Estado promete a tutela jurídica, primeiramente com os meios da agrimensura (Ulpiano, L. 8); depois, pela posse, ou pela proporção, ou pela adjudicação a uma e indenização àoutra parte. A duplicidade faz ser igual o ônus da prova, o que o direito canônico pôs em relevo (C. X, De probationibus, II, 19), se bem que ressalvasse a importância da posse justa. 3. Objeto da demarcação e da deslindação. - (a) A demarcação tem por fito evitar a confusão de limites, ou por fim à confusão já ocorrida. Quando se avivam limites, demarca-se, mas também é demarcar encontrar solução que estabeleça, em vez da confusão de limites, limites novos que talvez sejam os mesmos que antes havia e talvez outros. Não há, na demarcação, outro propósito que o de precisão de limites, ou porque já faltem os marcos, ou porque nunca os tenha havido, ou porque foram mudados, ou destruidos. A ação é de chamada à

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colaboração no restabelecimento ou estabelecimento de marcos, cercas vivas ou outros sinais que apontem os limites. O direito e a pretensão à demarcação, como o dever e a obrigação de atender a ela, são elementos — ali positivo e aqui negativo do conteúdo do direito de propriedade imobiliária. Também aqui direito e dever são conceitos que revelam a elipse (poder de demarcar, dever de demarcar, elementos do direito de propriedade): A pode e B também pode, a solução é a reciprocidade de poderes. A pretensão a demarcar é imprescritível. Nem se compreenderia renúncia, com eficácia real, ao “direito à demarcação”: seria renúncia à propriedade sem se renunciar a ela; o que faz gritar a contradição. A pretensão pode ser exercida em negócio jurídico declarativo, ou em ação judicial de demarcação.

(b) É preciso que não se confundam a ação de demarcação, ainda quando haja limites confusos, e a ação de reivindicação de parte de terreno ou de restituição. Essa, à diferença daquela, é cheia de elemento condenatório, pois que se alega contra o demandado que tem posse do que não lhe pertence.

Na ação de demarcação, se sabe, de inicio, que há confusão de limites, ou se sobrevém tal fático, o conteúdo da ação distingue-se daquele que ela teria se só se tratasse de avisar ou por os marcos, cercas vivas ou outros sinais. No caso de confusão, os limites, em falta de outro meio, se determinam de conformidade com a posse; e, não estando provada, o terreno contestado se reparte proporcionalmente entre os prédios, ou, não sendo possível a divisão cômoda, se adjudica a um deles, mediante indenização ao proprietário prejudicado. A pretensão a que cesse a confusão, a pretensão à deslindação, o Grenzscheidungsanspruch do direito alemão, insinua-se na pretensão àdemarcação: em vez de só se querer demarcar, quer-se demarcar deslindando-se o terreno. O des de deslindar não é des de “desfazer”; é o des de “descrever”: não é o dis; é o des de “desen-volver”, de “demarcar”. A Grenzscheidung junta-se àGrenzabmarkung, que é a demarcação. Quem demarca marca, põe marcos; quem deslinda põe lindes, aviventa-os, porque deslindar é determinar, esclarecer.

(c) Se posse e titulo coincidem, tudo se toma fácil ao juízo demarcatório. Se do titulo a posse discrepa, ou algum dos confinantes entende que possui a parte reputada alheia como própria e afirma a prescrição da ação reivindicatória do confinante cujo terreno foi invadido, o que faz imprópria a simples ação de demarcação, ou nada alega e põe claro que possuia o que era seu e sobre o alheio tinha, apenas, a despeito de qualquer animus a tença. O juízo, traçando os limites, declara o que é de um e o que é de outro, sendo, no plano fático, de atender-se ao que juridicamente se declarou. Se, pelos títulos, não se pode dizer por onde passaria a linha, a posse é tida — e somente nessa espécie — como expressiva do que antes teria sido (cf. Supremo Tribunal Federal, 14 de janeiro de 1943, RF 95/577; e 2ª Turma, 24 de janeiro de 1947, 112, 388). Supõe-se não haver discordância quanto aos títulos e à posse; e querem os confinantes que o juiz demarque.

Há outro meio em relação à posse. Outro meio, e principalíssimo, é o título. Há’ “outro” meio além desse? Respondeu afimiativamente a Câmara Cível do Tribunal da Relação de Minas Gerais, a 21 de março de 1925 (RF 44/583); negativamente, o Tribunal de Justiça, a 17 de abril de 1947 (RT 169/818, e RF 115/532). Para sustentar a afirmativa, o julgado de 1925 citou a Joaquim Inácio Ramalho (Praxe Brasileira, § 288, 458), que disse: “Podem as partes usar por prova assim de instrumentos como de depoimentos de testemunhas, sendo bastante a fama para mostrar-se que os limites são antes por uma do que por outra parte”, a Teixeira de Freitas e J. H. Correia Teles e A. J. de Macedo Soares. Todos o beberam em Álvaro Velasco, Manuel Mendes de Castro e Antônio Lopes Leitão, através de J. H. Correia Teles. O processualista maior, Manuel Mendes de Castro (Practica Lusitana, II, 210), elucida que, regularmente (= de ordinário), limites antigos são de respeitar-se e, na dúvida, se não presume terem mudado; e, para os provar, basta prova semiplena. Acrescenta: “Et praxis est, ut quilibel eam reus, quam actor tenetur edere, et exhibere alteri instrumentum, quod habet suae possessionis. ln confinibus autem probandis adiculari debet. De fama, et communi opinione, et exercitio per refectione aggerum, et per custodiam locorum, et per instrumenta directiva, vel enuntiativa”. O que se tem de provar é o limite jurídico, e esse há de constar do titulo, e a prova do titulo depende do direito intertemporal. Se pelo título não se sabe por onde passa a linha, é à posse que se há de atender; e a posse é fato, que se prova como todo fato, inclusive por testemunhas, indícios e documentos (e. g., recibos de aluguéis se o possuidor deu em locação a parte em dúvida). Se a questão do direito de propriedade se põe hoje em dia, há de ser atendida a legislação de hoje. Ou o bem consta do registro, ou não consta. Se não consta, não há prova do direito real, ou se tem de promover em ação competente, a que se siga o registro. A ação de demarcação não é meio jurídico para se usucapir, nem para se declarar domínio.

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(d) Outra questão, que se suscita, é motivada pela expressão “proporcionalmente”. Tira-se ao juiz o determinar segundo a eqúidade. Ou se havia de atender a que se estabelecera situação de perplexidade, para a qual melhor seria a) dividir-se igualmente a parte em que ocorre a confusão invencível, ou b) seria melhor ter-se como proporcional à área dos prédios a parte de cada um dos confinantes no trato de terra em confusão inafastável de limites. A solução alemã, § 920, foi a). O Código Civil brasileiro (1916), ad 570, preferiu b). O Código Civil austríaco, ad 851, foi alterado pela Novela II, de 22 de julho de 1915, arts. 1 e 2, no sentido de se tomar graciosa a jurisdição e de se decidir quanto aos limites, se não podem ser reconhecidos, segundo a posse, ou, se a posse não pode ser reconhecida, segundo a maneira mais equidosa, a juízo do tribunal. Acrescentou-se, na alínea 2º ao art. 2, que se há de determinar em qual medida cada parte quer reservar-se a faculdade de pleitear por via contenciosa. O propósito foi atender-se a que a maioria das questões exsurgia a respeito dos pequenos tratos de terra sobre os quais não se tinham linhas precisas e os vizinhos usavam sem os definirem (M. Hantsch, Die Grenzstreitigkeiten, Gerichtszeitung, 1916, N. 48). Em relação às grandes porções em que havia confusão sem ter posse de um ou dos dois confinantes, a contenciosidade surge e a luta tem outro desfecho que o da ação de demarcação, ou, pelo menos, da ação graciosa de demarcação.

a) Devido a comentários do autor do Projeto primitivo do Código Civil, que fora emendado (Projeto primitivo, art. 657, verbis “será atribuído, em porções iguais, a cada um dos prédios”; Projeto revisto, art. 666, verbis “dividir-se-á o terreno contestado em porções iguais entre os prédios”; Emenda do Senado, em 1902: “...repadir-se-á entre os prédios, proporcionalmente”), formou-se corrente que tentou torcer a regra legal. Escreveu Clovis Bevilacqua (Código Civil Comentado, III, 99 s): “A redação do adigo é obscura. Diz (que), na falta de outra prova e de posse, a parte contestada do terreno será dividida, proporcionalmente, entre os prédios. Proporcionalmente a que? Deve-se entender — por partes iguais, como estava no Projeto primitivo, no revisto e no da Câmara. O Senado substituiu essa locução pelo advérbio proporcionalmente, que nos deixará perplexos, se não o entendemos como equivalente à expressão substituida”. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais, a 17 de abril de 1947 (RF 115/532, e RT 169/818), invocou a regra de interpretação das leis, que, em caso de omissão da lei, manda decidir o juiz pela analogia, pelos costumes e pelos princípios gerais de direito, e a que manda atender aos fins sociais da lei e às exigências do bem comum (Decreto-lei n0 4.657, de 4 de setembro de 1942, arts. 4º e s.), para ler “por partes iguais” onde se diz, no art. 570, “proporcionalmente”. Excusez du peu! A 2ª Câmara do Tribunal de Apelação do Estado do Rio de Janeiro, a 7 de março de 1944 (BJ 31/37), aduziu: ... e princípio de direito (Código Civil, art. 570), aceito pela doutrina ... e consagrado pela jurisprudência que, não sendo possível, no caso de confusão de limites, determinar a linha divisória entre dois imóveis, deve ser seguido, rigorosamente, o critério equitativo adotado pelo legislador (?), isto é, dividir o terreno contestado em partes iguais, entre os dois proprietários divergentes. E espécie de justiça de Salomão, a que o legislador (?), aqui, acolheu em boa hora, fundando-se na equidade; na dúvida, ou sem saber com quem está a razão, é justo que o terreno em litígio seja padido ao meio e que se entregue a cada um a metade daquilo que é disputado por dois”. Já assim, adstrita ao comentário de Clovis Bevilacqua, a 1V Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 10 de novembro de 1933 (RT 92/407): “... a divisão da parte questionada far-se-ia igualmente entre os prédios confinantes, pois o advérbio proporcionalmente do art. 570 equivale às palavras “por partes iguais” dos Projetos primitivo, revisto e da Câmara”. Idem, a 3ª Câmara Civil da Corte de Apelação de São Paulo, a 7 de dezembro de 1934 (RT 96/479).

b) Outra corrente ligou o advérbio “proporcionalmente” à área e para aplicar a lei conforme a letra, ou para a zurzir de críticas, leu o texto legal como se lá estivesse escrito: “. . .não se achando provada a posse, o terreno repartir-se-á entre os prédios, proporcionalmente às áreas deles”. Primeiro, é de observar-se que tal corrente pensava em termos de áreas, como se estivesse em juízo divisório, e não em termos de linhas, como fora de esperar-se em se tratando de ação sobre confinio. Rumaram por aí Tito Fulgêncio, Virgílio de Sá Pereira e outros.

c) O texto legal, depois de falar de limites, ainda a respeito de posse, manda que, se não se conhece a linha lindeira, nem há posse, a que se atenda, o trato de terra se repada proporcionalmente. Clovis Bevilacqua perguntava: “Proporcionalmente a que?”; e jogava fora a lei, para volver ao seu projeto, como fez, repetidamente, em seus comentários. A resposta é intuitiva: “Proporcionalmente às testadas”, pois que é de reqere finium que se cogita. Se só são dois os terrenos, toma-se o todo da parte não-possuída (evite-se dizer “não-contestada”) e divide-se em partes iguais se iguais são as testadas, materialmente e não conceptualmente. Se, porém, a parte não-possuída é entre três ou mais terrenos

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(e. g., um, e um lado, e dois, do outro), a porção não-possuída é dividida entre o três ou mais terrenos, proporcionalmente às suas testadas. Para isso, toma-se o ponto em que cessou a posse no terreno a e no terreno b e vem-se contornando a porção não-possuída até onde haja cessado a posse do terreno c ou c e d.

A solução c), foi defendida por Afonso Fraga (Teoria e Prática na Divisão e Demarcaçâo das Terras Particulares, 4ª ed., 150 s.) e adotada pela 4ª Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, a 8 de junho de 1938 (AJ 47/381, e RT 116/178: “Na verdade, o interesse do confrontante na zona litigiosa deve aferir-se pela maior ou menor extensão de sua testada para essa zona. E indiferente o que está para trás: a sua maior ou menor superfície não deve influir no cálculo da proporcionalidade”). O Código Civil brasileiro, ad 570, atendeu à solução que já se assentara na praxe do direito anterior a ele, em vez de se juntar ao Código Civil alemão, § 920, alínea 1ª, in fine. José Homem Correia Teles (Digesto português, II, §1.192, 169), inspirando-se no Preussisches Alígemeines Landrecht, 1, 17, §§ 379 e 381), dividia a porção não-possuida em partes iguais. Antônio Joaquim de Macedo Soares (Tratado Jurídico-prático de Medição e Demarcação, 98), cremos que atendendo a que as testadas podiam não ser iguais, lançou solução nova, que poderia ter ficado sem repercussão, se não a tivesse colhido o Senado Federal, ao se elaborar o Código Civil: “Quando os limites antigos não podem ser conhecidos”, escreveu o juiz jurista, “e é obscura a posse pacífica de cada um dos confrontantes, o juiz reparta a contenda, dividindo em quinhões proporcionais o terreno do litigio”. O ad 570 contém regra jurídica de grande finura técnica, que não perceberam Clovis Bevilacqua e os outros comentadores.

Se o prédio confrontante pertence a duas ou mais pessoas, não importa; porque a declaração é entre o prédio, que propôs a ação, e o prédio confrontante, ou os prédios confrontantes, com atenção à comunhão pro indiviso.

(e) Somente se procede à divisão em proporção das testadas para a porção não-possuida depois de se assentar que não há possibilidade de se traçarem os limites, com os elementos que se têm, conforme os documentos, e, se for o caso, outros meios de prova, e que não há posse. Portanto, a matéria, de que aí tratamos, após (d), é no encadeamento do raciocínio e na elaboração da sentença — anterior ao problema (d). Para que haja posse e se haja de decidir conforme ela, declarando-se limites da propriedade os limites da posse, é preciso que tal posse divida a porção sobre a qual não há o traçado de limites, no plano jurídico: no fundo, tem-se como jurídico o fático.

Porém o assunto apresenta dificuldades quando se pensa em existirem na porção a que faltam limites claros de propriedade, limites interiores de posse; isto é, quando há posse, sim, mas em comum (composse). Então, a porção é p compossuida por A e B, ou A, B, e C, sem haver qualquer titulo que faça certo ter-se atribuído a cada um quota de porção, como ius possidendi. Assim, se A e B, ou A, B e C acordaram em que explorariam p, em quotas de dois terços e um terço, ou de metade, um quado e um quado, tal composse é resultado de negócio jurídico divisório se p, que serve de elemento à divisão de p, na ação de demarcação. Se, porém, A e B ou A, B e C compossuem sem haver o dado divisório no plano do ius possidendi, o problema há de ser resolvido em função das testadas para a parte compossuída. Cumpre, porém, afastar-se a alusão à presunção de ser proprietário o possuidor, a que se lançou a 6ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 3 de dezembro de 1948 (RT 178/783).

A posse a que se refere o texto legal é a posse atual. Se uma das partes é — em relação à outra — em ‘posse injusta”, expressão pura, e ainda poderia ser restituida à outra posse tomada, considera-se possuidor o que foi desapossado (Christian Meisner, Das in Bayern qeltende Nachbczrrecht, 2ª ed., 34 s.;H. Reiss, enzrecht und Grenzprozess, 127 e 145; G. Planck, Kommentar zum BGB, III, 314; Johannes Biermann, Das Sa-chenrecht, 174; Heinrich Demburg, Das Biirqerliche Recht des deutschen Reichs und Preussens, III, 299, nota 6). § 38. Eficácia da pretensão e da sentença 1. Eficácia da pretensão e da sentença. Enquanto há opinião assente quanto à força da sentença no que demarca

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e, pois, quanto à pretensão de demarcação, que se têm por declarativas, há quem discorde de ser declarativa a parte da sentença que põe termo à confusão e, pois, à pretensão de deslindação. Enquanto Otto von Gierke (Deutsches Privatrecht, II, § 126) via na pretensão à deslindação pretensão que tem por fito aclaração estatal dos limites por sentença, Madin Wolf (Lehrbuch des Biirgerlichen Rechts, III, 174) viu no desmandante titular de direito formativo e no demandado sujeito passivo na relação jurídica. Daí ter tido de chegar à conseqUência de afirmar ser constitutiva a sentença de deslindação. Para bem precisarmos os termos da questão, temos de distinguir a) a sentença que declara os limites, em caso de confusão invencivel, pela posse, e b) a sentença que adjudica o terreno em que se dá a confusão ou parte dele a um só dos litigantes. A eficácia sentencial em b) é a que tem toda sentença em ação de demarcação, ainda que tenha ocorrido confusão de limites, mais o que acidentalmente se lhe introduz, que é o tirar de A a portio pro indiviso e lhe entingar pecúnia. Não seria cientifico tomar-se esse elemento acidental para se classificar a sentença de deslindação, que somente contém esse elemento a mais, se, a respeito de algum trato de terreno, não se estabelece o deslindamento pela posse ou pela proporção, meras operações para declaração, sem qualquer constitutividade. Não se trata, de maneira nenhuma, de transformação de propriedade possível em propriedade efetiva — cada proprietário continua proprietário da terra que lhe pertence, nada adquire, nem perde. Se o juiz atendeu à posse, ou à proporção com os terrenos, foi porque de tal expediente teve de lançar mão, indicado pela lei, por haver dificuldade em declarar. O legislador tinha, diante de si, o problema da perplexidade, que às vezes o surpreende, e venceu-o com a operação declarativa da propriedade do trato em que se deu confusão em proporção dos terrenos. Não se está a discutir invasão de limites, não se está a pedir restituição, ou a reivindicar-se, exatamente porque só se exigiu declaração dos limites por aviventação, lançamento de marcos ou por um dos outros expedientes. A doutrina cedo assentou a declaratividade da pretensão demarcatória, ainda se houve confusão de limites (G. Planck, Rom mentor zum BGB., III, 315; W. Tumau-K. Fóster, Das Liegenschaftsrecht, 1, 397; Christian Meisner, Das in Boyern geltende Nachbarrecht, 2ª ed., 38 s.; HarI Maenner, Das Sachenrecht ncich dern Búrgerlichn Gesetzbuch, 176; F. Kretzschmar, Das Sachenrecht, 178; H. Reiss, Grenzrecht und Grenzprozess, 130 s; Friedrich Endemann, Lehrbuch des Búrgerlichen Rechts, II, 1, 8ª,9ª eds., 457; Otto von Gierke, Deutsches Privatrecht, II, § 126, nota 112). A afirmação da constitutividade provém de se ter atribuido essencialidade ao acidental, isto é, àquele elemento, que pode ocorrer ou não, de indenização por perda do pedaço em confusão (e. g., W. Rõnnberg, Die Grenzscheidungsk!age nach rõmischem und gemeinem Recht, Archiufúr Búrgerliches Recht, 11, 283; Franz Hoeniger, Die Grenzstreitigkeiten nach deu tschen húrgerlichen Rech te, 90 s., Johannes Biermann, Das Sochenrecht, 173; k. Kober, Sachenrecht, 1. vou Staudingers Kommentar zum Búrgerlicheu Gesetzbuchen, III, 301; Madin Wolff, Lehrbuch des Búrgerlicheu Rechts, III, 174). Ainda se nos restringimos a classificar a parte sentencial em que se adjudica a um e se indeniza a outro, a força, que se precisa, é a força executiva, e não a constitutiva. Quanto ao registro da propriedade do trato de terra adjudicado, é prescindivel, porque, ex hypothesi, do registro não consta o que teria evitado a divisão, ou a adjudicação. A declaração e a execução só têm eficácia entre as partes e os terceiros mantêm os seus direitos (sem razão, Chrintian Meisner-Heinrich Stem, Das in Preussen qeltende Nachbarrecht, 85). A sentença é nula ou rescindível nos mesmos casos em que o seriam outras sentenças declarativas. Todavia, se houve acordo declarativo ou transacional homologado, incide o principio da rescindibilidade, àsemelhança do que se passa com atos jurídicos em geral. 2. Pretensão á demarcação. (a) A pretensão à demarcação é pretensão privatística real. Nada tem com qualquer dever de demarcação ou de deslindação que nasça de leis de direito público, inclusive leis de direito público referentes a tapumes e muros; ainda se permitem que a autoridade pública convide ou convoque os interessados para a demarcação ou a deslindação.

Quando se pede demarcação ou deslindação, supõe-se que os limites estejam disputados, a despeito da incerteza que exista. É de eficácia só entre as partes e seus sucessores a sentença que se profira. A demarcação ou deslindação não serve de prova contra terceiros. O imóvel permanece o que era, salvo se houve a indenização eventual a que alude a lei, razão por que, nesse caso, se há de registrar (algo se adquiriu, tirado de outrem).

É digno de nota que alguns juristas entendem advertir que a sentença que procede à deslindação não pode ser executada (= não há, para ela, ação judicati); e. g., K. Kober (Sachenrecht, 1. von .Staudingers Komrnentar zum Búrgerlichen Gesetzbuch,III 301) e Heinrich Dernburg (Das Búrgerliche Recht des deutschen F?eichs

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und Preussens, III, 300, nota 12). Mas isso só se dá porque a sentença, de que se trata, já é, nesse ponto, executiva: a parte adjudicada transfere-se ao patrimônio de B e A recebe a indenização, que há de ser, em tempo, depositada.

(b) O negócio juridico declarativo dos limites tem a mesma eficácia que a sentença e não precisa de forma especial. Aliter, se algo se alienou, em relação ao que consta do registro; então, o negócio jurídico não é declarativo, é constitutivo, e tem de ser de acordo com as regras jurídicas sobre alienação de imóveis, e só tem eficácia real após a transcrição.

Quanto à renúncia, com eficácia real, da pretensão a demarcar, ou a deslindar, é inadmissível. Quanto às renúncias com eficácia somente pessoal (obrigacional), como a declaração de vontade em que se prometa não exercer a pretensão à demarcação, ou ao deslindamento, até certa data, têm-nas alguns por admissíveis (H. Walsmann, Der Verzicht, 83; Christian Meisner, Das in Bayern geltende Nachbarecht, 21; G. Planck, Kommentar zum BGB, III, 312; K. Kober, Sachenrecht, J. von .Staudingers Kommentar zum Búrgerlichen Gesetzbuch, III, 297; Johannes Biermann, Das .Sachenrecht, 173). Contra isso, insurgiram-se Friedrich Endemann (Lehrbuch des Búrgerlichen Rechts, II, 1, 456, nota 15), e Franz Hoeniger (Die Crenzst rei-tigtigkeiten nach deu tschen búrgerlichen Rech te, 67 s.). A eficácia de qualquer renúncia é somente no plano obrigacional, mas pode acontecer que seja ilícita, ou ineficaz, como se implica indivisão por mais do tempo que a lei permite.

Discute-se quanto à legitimação ativa, nas ações de demarcação, e de deslindação, padindo-se de que se trata de ação de vizinhos. Diz-se que são legitimados o proprietário e o condômino, contra outro proprietário ou condômino de outro imóvel. Não se pode negar tal ação a quem tenha direito real, como usufrutuário, o usuário e o habitador. Trata-se de ação declarativa, sem a qual se deixariam tais titulares de direito real em invencível incerteza. E nenhum inconveniente há em que se lhes permita a ação de demarcação, ou a de deslindação, porque a força da sentença é só entre as partes.

(A ação de demarcação da propriedade ou de deslindação da propriedade é uma das ações declarativas de quem tem dominio ou direito real de substância sobre imóvel. Todavia, o possuidor e o posseiro, conceitos que se fixaram no Tratado de Direito Privado, Tomos X e XII, têm a ação declaratória daquilo de que têm posse, privatística ou publicística, e a demarcatória ou deslindatória da posse privatística ou publicística. São ações à semelhança da demarcatória e da deslindatória do proprietário. A legislação sobre posseiros de terras devolutas de regra alude à demarcação e a aviventação de rumos.). 3. Limites ainda não fixados. Se os limites ainda não forma fixados — e. g., se a escritura do terreno de A diz” tantos metros de frente e tantos de fundo” e o vizinho não entende que a linha seja a que A pretende ou de que tomou posse — tanto .A quanto B têm ação para a fixação dos limites, ou a de reivindicação, ou de posse. Essa questão pode ser prejudicial, na ação de demarcação, se não envolve condenação, mas simplesmente declaração, ou na de execução. Fora dai, não: pela ação de demarcação não se pede propriedade, nem posse. Se com ela o que pretende o autor é retificar o registro do imóvel, também não é ela a ação adequada: falta-lhe o elemento mandamental preponderante.

A ação para se determinar até onde vai, depois do abandono do leito pelo rio, a propriedade ribeirinha, é ação de demarcação, e não de divisão, como queria Biagio Brugi (Ii Diritto civile italiano, II, 301): houve mudança de limites e a ação de demarcação nasceu neste momento quanto ao que ocorreu de mudança.

A existência de divisas naturais não pré-exclui a pretensão à demarcação (Supremo Tribunal Federal, 7 de outubro de 1940, RF 85/344 e RJB 50/50), pois pode haver conveniência em se esclarecer algum ponto das escrituras, ou em se porem marcos onde tais divisas se estão tomando duvidosas, ou alguma linha natural se esteja a alterar, por obra do homem, ou não. A existência de muro divisório ou qualquer outro sinal de limite não é empecilho à demarcatória (4ª Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 4 de abril de 1946, RT 164/299); mesmo porque a alegação de serem tais sinais resultantes de demarcação anteriormente julgada apenas daria exceção de coisa julgada (não objeção, como, sem técnica jurídica, se poderia ler no acórdão da 3” Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 2 de setembro de 1948, RT 177/604: “Se existe entre dois prédios linha demarcatória resultante de divisão definitivamente homologada, não é licito ao proprietário de um deles promover nova demarcação”). Alguns julgados (e. g., o da 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de

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Minas Gerais, a 9 de dezembro de 1946, RF 114/166) afirmam que só se admite a ação de demarcação se não existem limites, ou se estão apagados os rumos ou têm de ser renovados os marcos destruidos ou arruinados: quando exislem limites certos, a ação a propor-se é a possessória, ou a reivindicatória..Que são limites existentes? Quando é que se pode dizer que existem limites certos? Se, fáticamente, existem limites, o réu pode alegar estar de acordo com os limites certos existentes, ou não estar. A ação é declaratória. Só se não pode prosseguir na ação de demarcação se existem limites judicialmente fixados ou fixados em negócio jurídico, com eficácia real, com os respectivos sinais. Mas, aí, a exceção de coisa julgada, ou a apresentação do negócio jurídico, com eficácia real, mais a alegação de não terem sido mudados os marcos, nem destruidos, nem arruinados. Alguns acórdãos dizem ou dão a entender que, se existem sinais limitativos, ainda que não correspondam aos títulos dominicais, já é de afastar-se a ação de demarcação (e.g., 3ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 22 de abril de 1948, RT 174/591; 4ª Câmara, 27 de maio de 1948, 175, 204). Tal não acontece se nenhum dos confinantes sustenta que a sua posse é a que se marca no terreno e ela corresponde à propriedade, e de tal posse não está disposto a abrir mão na ação demarcatória.conclua a ação de demarcação, porque, por exemplo, podem não coincidir com os títulos (sem-razão, a 4ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 8 de maio e 6 de novembro de 1947, RT 168/275 e 171/541).

Pode dar-se que os limites de algum terreno tenham sido indicados com referência aos de outro não-limítrofe. Por exemplo: a) “os lotes são de dez metros de frente a partir das estacas ao lado direito do lote II”; b) “o lote III é de dez metros, o lote II, de outros dez metros, e o lote I do que restar, que é, aproximadamente, o mesmo”. A ação que aí se tem de propor é a de divisão, e não a de demarcação, uma vez que, ex hppothesi, não se registrou o tamanho exato dos lotes e se cogitou de quotas divisas, em vez de terrenos (cf. 2ª e 3ª Câmaras Conjuntas da Corte de Apelação de São Paulo, 14 de dezembro de 1934, RT 96/482; 4ª Câmara Civil, 12 de fevereiro de 1936, 106, 230). Se houve divisão material e jurídica, a ação de demarcação é entre confinantes; A contra B; ou B contra C. Não pode A ir contra C, com cujo prédio não confina o seu: a ação de demarcação não pode ir contra o vizinho mediato (e. g., separados por algum rio público, 1ª Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Rio Grande do Sul, 16 de novembro de 1937, Decisões do T. de A., 1937, 11,1.006). § 39. Ações proponíveis 1. Propriedade e posse. - Se foi proposta a ação de demarcação de propriedade, em vez de se propor a ação de demarcação da posse, deve-se entender proposta essa, que de certo modo se contém naquela. Razão, portanto, para se repelir a jurisprudência que julga imprópria a ação em seu todo (e. g., 20 Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 4 de março de 1938, RT 114/708, RF 74/ 485). 2. Reinvindicaçâo e demarcação. Discute-se se podem ser cumuladas a ação de reivindicação e a de demarcação. Em direito material, não há óbice, desde que se peça a reivindicação de a e a demarcação de a que confina com b, propriedade do réu; ou se o terreno é composto de dois pedaços a e b e se pede a reivindicação de a e a demarcação de b. Isso não permite que se diga ser dispensável a cumulação porque a ação de demarcação leva insita em seu conteúdo, a reivindicatória, podendo acontecer a restituição após as operações demarcatórias (1º Grupo de Câmaras Civis de Tribunal de Justiça de São Paulo, 16 de maio de 1950, RT 187/657). A fase executiva da ação demarcatória existe como atividade permitida pelos figurantes ou incluída na aposição de marcos, ou rumos, ou na aviventação deles. O demarcador declara com atos escritos na planta e com atos de caracterização material Quem demarca, declara marcando. Se há aplicação da regra jurídica sobre adjudicação, a executividade é relativa a parte da sentença, por sua vez somente concernente a parte do terreno. Não há pensar-se em restituição, na ação demarcatória, porque, se ainda existem limites fáticamente tidos por certos, o que se pediu foi declaração e o que se declarou diferente do que se pensava fosse expressão material dos limites não constitui, nem executa. Quem pede demarcação não afirma serem exatos os marcos existentes, nem procura reaver faixa que o confinante ocupa (aí, caberia a ação de reivindicação, 7 Câmara Civil do Tribunal de São Paulo, 28 de maio de 1948, RT 175/283) — porque tal afirmação é apenas o que o autor pensa que se poderia declarar, e teria a sorte que a declaração lhe desse. Processualmente, a cumulação da reivindicatória e da demarcatória exigiria rito ordinário na sistemática processual anterior. Não agora, porque no Código de 1973, ad 951, se previu a possibilidade de o autor formular, também com o pedido de demarcação, o de restituição do terreno invadido com os rendimentos que deu, ou a indenização dos danos pela usurpação verificada.

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3. Demarcação e usucapião. O réu, na ação de demarcação, pode alegar que “usucapiu” a parte em que tem posse. E alegação de que prescreveu a ação de reivindicação, necessariamente posterior à alegação de impropriedade da ação. Não se processa na ação de demarcação a de usucapião. Examina-se, em verdade, sob o nome de ação de demarcação, se propôs, no todo ou em parte, reivindicatória. Alega-se, a mais, que tal pretensão prescreveu. O que o juiz tem de julgar é a impropriedade da ação. A jurisprudência raro é feliz em dizê-lo (e. g., 5ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 6 de maio de 1949, RT 18 1/253).

Se foi proposta a ação de demarcação e se pediu, cumulativamente, que se restituisse parte do imóvel, o rito tinha de ser ordinário. A cumulação, em si, era possível (2ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 5 de setembro de 1933, RT 89/124; Câmaras Conjuntas Civis da Corte de Apelação de São Paulo, 27 de julho de 1934, 94, 219 e 89, 125). E é-o, sem a ordinariedade necessária do rito (Código de 1973, art 951). § 40. Natureza da ação de demarcação 1. Ação real. A ação de demarcação é ação real (Johannes Biemiann, Das Sachenrecht, 172). Supõe não estar demarcado o terreno. A sentença é declarativa, segundo a nossa tese (Comeritórios ao Código de Processo Civil, III, 1ª ed., 399 s.), tem força, e não só eficácia imediata ou mediata de coisa julgada. Na parte executiva, é de força executiva que se há de falar. 2. Legitimação ativa. A ação demarcatória compete ao proprietário, no sentido de dono, enfiteuta, usufrutuário, usuário, habitador, ou credor anticrético, porque todos têm o usus ou o fructus e o direito real. Não a tem o credor hipotecário. A ação demarcatória dos possuidores não se baseia nas regras jurídicas que regem a demarcação entre donos vizinhos, mas existe, porque o possuidor tem interesse legitimo em que lhe demarque a posse ou se aviventem os marcos que possui. Quanto à ação demarcatôria entre vizinhos, a jurisprudência fala de dono e de usufrutuário (e. g., 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, 9 de novembro de 1943, AJ 70/325); porém não se compreenderia que a ação de demarcação somente tocasse ao usufrutuário, e não ao enfiteuta, ao usuário, ao habitador, ou credor anticrético, ou ao titular da servidão. Não se há de incluir o possuidor, porque a ação desse não é demarcatória da propriedade, mas sim da posse.

Se o autor é titular de direito real demarcável, não importa se o não é o réu. Pode ser simples possuidor 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, 23 de fevereiro de 1948, RF 121/186: “O ad 569 do Código Civil autoriza que se proponha ação demarcatória contra o vizinho confinante... O Código de Processo Civil, em consonância com o preceito de direito material, dispõe, no ad 946, que a ação demarcatória cabe “ao proprietário para obrigar o seu confinante a estremar os respectivos prédios, fixando-se novos limites entre eles ou aviventando-se os já apagados”).

O condômino pode ter parte divisa e posse de tal parte; tem ele, então, a ação de demarcação da posse, se há titulo entre os condôminos que lhe dá ius possidendi. Tem-na contra os confinantes. O que o condômino, que tem parte divisa, não pode é pretender a demarcação da propriedade (assim se não hão de entender os acórdãos da 2a Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Rio Grande do Sul, 15 de setembro de 1943, RT 169/791, e da 3ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 4 de junho de 1948, 175, 601). A atividade é de todos os condôminos.

O co-herdeiro não precisa, para legitimar-se à ação de demarcação, invocar o princípio de legitimação ativa de qualquer herdeiro contra terceiro. A presença dele em juízo suscita o litisconsórcio necessário ativo. 3. Prescrição da ação. Quando à prescrição da pretensão à demarcação, é fácil dito enunciar-se que não prescreve. Mas tal pretensão se irradia do direito de propriedade e o supõe continuando para que ela continue. Se alguém, que é dono, enfiteuta, usufrutuário, usuário, habitador, titular de servidão, ou credor anticrético, deixar de o ser, a pretensão demarcatória desaparece. Não há pensar-se em se querer demarcar o que não se

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tem. (O mesmo raciocínio há de ser feito quanto à ação demarcatória da posse). Se a ação de reivindicação é que havia de ser proposta, o que se tem de alegar, na ação de demarcação, é a impropriedade da ação. Se o réu afirma que os limites, a que se refere o autor, seriam contra a sua posse, ou domínio, ou a extensão do seu direito real demarcável, há alegação de impropriedade da ação e qualquer postulação de se ter precluido ou prescrito a pretensão possessória, ou prescrito a pretensão reivindicatória, é interior, quiçá implícita a essa alegação. Enquanto existe o direito real demarcável, ação demarcatória há. Extingue-se ela se aquele se extingue, porque dele é que emana, continuadamente. Frise-se: continuadamente. Trata-se de pretensão duradoura. Não é incorreto dizer-se que a pretensão à demarcação perdura enquanto há confusão de lindes entre imóveis (5ª Câmara Civil da Corte de Apelação de São Paulo, 27 de novembro de 1935, RT 109/198): a ação pode ser proposta, com citação edital, contra ‘quem for o dono do prédio confinante”; e até por A, dono do terreno a, contra B, condômino do terreno b, se bem que, se o terreno b é somente de A, seja mais expedito o negócio jurídico consigo mesmo, que se faça averbar nas transcrições dos dois prédios, observadas as regras jurídicas sobre o registro. Enquanto pode ser exercida a pretensão real, sendo preciso fazer-se demarcação, há a pretensão à demarcação do terreno, ou da extensão da servidão (1ª Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 7 de junho de 1943, RF99/451: “O que prescreve é o direito de fazer traçar a linha divisória por determinado lugar”). O princípio também apanha as demarcatórias entre prédio de propriedade particular e prédio que é bem público, dominial, ou não, ou entre bens públicos.

Se a ação de reivindicação estaria prescrita e o autor não tem, em conseqúência, meio para reaver, judicialmente, o terreno, ou a parte do terreno, uma vez que, ex hypothesi, posse não tem, a ação demarcatória é imprópria; ela existe enquanto existe direito real demarcável, mas é imprópria se a ação seria a de reivindicação, prescrita ou não. Se não se atém o juiz ou o intérprete aos princípios, comete erros graves. Não tem qualquer escusa o acórdão da 5ª Câmara Civil da Corte de Apelação de São Paulo, a 18 de dezembro de 1935 (RT 99/407), que não atendeu à possibilidade de se alegar a impropriedade da ação, acrescentando-se, ou não, a alegação de prescrição da ação de reivindicação, para afirmar que só a usucapião pode ser alegada contra a demarcação. Ora, se se adicula em defesa, que se usucapiu, o que se postula é a impropriedade da demarcatória, não por estar prescrita a ação de reivindicação, mas sim porque a reivindicatória (e argumento a mais) está prescrita. Também no acórdão da 4ª Câmara Civil da Corte de Apelação de São Paulo, a 28 de agosto de 1935 (RT 100/523), se aventurou que somente prescreve a ação de reivindicação quando se usucape — o que não é verdade, se bem que, se a lei faz iguais os prazos, possam coincidir prescrição e usucapião. Hoje, os prazos passaram a ser, em parte, iguais; assim a discordância pode dar-se. 4.Prova a ser feita. O autor precisa provar a sua propriedade até a linha a que se refere. No caso de confusão de limites, sem que se possa saber por onde passava, o juiz toma por base a posse — posse atual; se não está provada, reparte-se a parte confusa entre os prédios, proporcionalmente, ou, se não houver divisão cômoda, se adjudicará a um só. ressarcindo-se ao outro o prejuízo. Otto Wameyer (Kornmentar zum BGB., 11, 134) vê na regra jurídica a respeito pretensão de natureza de direito público à determinação dos limites pelo juiz. Mas é ir muito longe: a pretensão é de direito privado, se bem que inspirada em interesse superior de ordem extrínseca (resolver!); não é de direito público, nem sequer de ordem pública. Os interessados podem dispor em sentido contrário. Aliás, o próprio Otto Warneyer admite o contrato de fixação de limites, a que ele chama “Grenzfestellungsvertrag”, com a mesma eficácia (assim também E.Brodmann e O. Strecker, em G. Planck, Kommentar zum BGB, III, 316). A pretensão à decisão do juiz fundada na confusão de limites é irrenunciável (H. Walsmann, Der Verzicht, 78). § 41. Sentença na ação de demarcação 1. Força da sentença. A sentença proferida na ação demarcatória é declarativa, com elementos secundários de constitutividade e de condenatoriedade. Faz coisa julgada quanto aos limites que declarou; de modo que há a exceção de coisa julgada quanto a isso, noutra ação, que se proponha de demarcação, ou de reivindicação, ou outra em que se pretenda outra declaração. A identidade entre a demarcatôria e a reivindicatôria está em que ambas declaram limites, aquela com força sentencial, e essa, com eficácia secundária.

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2. Reivindicação e demarcação. A ação de reivindicação proposta antes, levaria a sentença em que o elemento declaratório, embora secundário, seria bastante para a eficácia de coisa julgada, em relação à ação de demarcação que depois se proponha. Viu-o bem a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, a 11 de julho de 1947 (AJ 84/276): “A causa de pedir, o título que se invoca como valor do pedido, o direito que serve de fundamento ao exercício da ação é em ambos idêntico: o ius in re. As pessoas entre as quais as duas ações se movimentam, nelas figurando como partes diretas são as mesmas, de um lado o proprietário de um dos prédios, do outro o confrontante ou os confrontantes. Assim sendo, a sentença proferida em uma das ações faz coisa julgada em relação à outra, impedindo o seu exercício, porque não se pode novamente lítigar sobre aquilo que ficou definitivamente julgado: Res iudicata pra veritate habetur”. A improcedência da ação de reivindicação faz coisa julgada (é sentença declarativa negativa), quanto à ação de demarcação em que o réu prove ser dono do terreno ou da parte do terreno a que se referia o pedido de reivindicação. Certa, a 1ª Câmara Cível do Tribunal de Apelação de Goiás, a 19 de março de 1942 (RF 92/198). Esses pontos de direito contemporâneo fazem vir àmemória os ínicios reivindicativos da primitiva ação de limites, da actio finium regundorum, antes de ser reduzida à questão do confinium. Cumpre advertir em que a ação de demarcação não é do mesmo conteúdo que a reivindicatória. Se houve sentença em ação de reivindicação, e, depois, foram destruidos ou mudados os sinais, pode ser proposta a demarcatória; como pode ser proposta a reivindicatória se a usurpação foi posterior à sentença de demarcação.

Todos esses pontos são de grande relevância prática. O que mais importa é apurar-se qual a extensão do conteúdo da primeira sentença proferida e trãnsita em julgado.

Capítulo IV

Ação de usucapião § 42. Aquisição da propriedade imóvel ou móvel por usucapião 1. Não se adquire “de alguém” pela usucapião. Na usucapião, o fato principal é a posse, suficiente para originariamente se adquirir; não, para se adquirir de alguém. E bem possível que o novo direito se tenha começado a formar, antes que o velho se extinguisse. Chega momento em que esse não mais pode subsistir, suplantado por aquele. Dá-se, então, impossibilidade de coexistência, e não sucessão, ou nascer de um outro. Nenhum ponto entre os dois marca a continuidade. Nenhuma relação, tampouco, entre o perdente do direito de propriedade e o usucapiente. Sem razão, A. Brinz (Lehrbuch der Pandekten, 2ª ed., 1, 244 e 563), Ferdinand Regelsberger (Pandekten, 1, 244), Edouard Cuq (Les Institutions Juridiques des Romains, 1, 248 s.), Eduard 1-lólder (Pandekten, 186); certos, B. Windscheid (Lehrbuch des Pandektenrechts, 1, 9ª ed., 913), Otto von Gierke (Deustsches Privati-echt,I, 279, nota 2), e K. R. von Czyhlarz, Die Eigentumserwerbsaden, 1, 24 s.). Não há cômputo de tempo para a usucapião se em algum momento faltou a posse própria. In usucapionibus nou a momento ad momentum, sed totum postremum diem computamus (L. 6, D., de usurpationibus et usucapionibus, 41, 3). A litis contestatio contra o usucapiente não bastava, e não basta, para interromper o tempo. Se o juiz condena a entregar ou manda entregar, não importa ter-se completado, entre a litis contestatio e a sentença, o tempo para a usucapião. Compreende-se que o julgado tenha eficácia ex tunc (cf L. 18 e L. 20, D., de rei vindicatione, 6, 1). O reconhecimento da accessio tem poris, no tocante a sucessores entre vivos, somente houve antes de Severo e Caracala. Sobre fundamento doutrinário da L. 6, Eduard Hólder (Zur Lehre von der Civilcomputation, 20 s.).

A posse para se usucapir há de ser posse própria, mas por posse própria não se tenha a posse do proprietário, porque o proprietário não precisa usucapir. A posse do imóvel como seu, ou da coisa móvel como sua, é acontecimento do mundo fático. A crença no título, na causa de adquirir, nada tem com a posse mesma. Podem existir o justo título e a crença, sem existir a posse própria, ou qualquer posse. Podem existir a posse e o

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título, sem existir a crença. Podem existir a crença e a posse, sem existir o título. Pode existir o título, sem existirem a crença e a posse; ou a posse sem existirem o título e crença; ou crença, sem existirem posse e titulo.

Não se podem usucapir partes integrantes dos prédios (e.o edifício sem o terreno, 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, 11 de novembro de 1947, RT 183/ 941).

A ação de usucapião, que se não confunde com a Publiciana actio, é ação declarativa, com elemento eventual (necessário, em se tratando de imóvel) do registro da sentença, efeito mandamental que erradamente se tem querido exagerar. O seu procedimento é pessoal e edital (Código de Processo Civil, ad 942), qualquer que ela seja.

O registro da sentença é efeito mandamental, que não basta para a classificação da sentença.

Os que pensam ser constitutiva a ação de usucapião, esses cometem, de uma vez, dois erros: a) julgam que só se usucape no momento da sentença e, preocupados com os dois conceitos de declaratividade e de constitutividade segundo o direito material, têm o pretenso efeito ex nunc por sinal necessário e suficiente de constitutividade da ação (cónceito de direito processual, na classificação das ações; b) têm a eficácia sentencial de registro, segundo o ad 945, como eficácia constitutiva, quando, em verdade, é mandamental. Por onde se vê que, se esse elemento fosse preponderante, a ação e a sentença seriam mandamentais, e não constitutivas. Não é mandamental, ademais, porque se sentencia que existe a relação juridica da propriedade usucapida.

A sentença diz, na ação de usucapião, que a certo momento se usucapiu. E isso o que se declara. O registro só tem efeitos que concernem ao próprio registro ou à publicidade. Não é a partir dele que começa a nova propriedade. A nova propriedade — entenda-se a titularidade, ou no tempo, a única titularidade, porque se pode dar que se haja usucapido res nullius imobiliária —é anterior à sentença, e a sentença declara-a.

Compete ao possuidor que satisfaça os pressupostos de direito material para a aquisição do domínio. A sentença que julga procedente o pedido registra-se no registro de imóveis mediante mandado. Há a usucapião, de longo prazo, posta, acertadamente, em primeiro lugar, porque a verdadeira história do instituto mostra que, a despeito de parecer excepcional a usucapião de longo prazo, longi temporis possessio, a usucapio se fundava, desde as origens, na posse (J. Th. Schimxer, Die Grundidee der Usucapion im rómiscben Recht, 30; R. Stintzing, Das Wesen bona fides und titulus, 6; Rudolph Sohm, Institutionen, 16ª ed., 397), sem se cogitar de justo titulo e boa-fé. Depois foi que se aboliu a usucapião e a vida reinstalou, através da longi tem poris possess ia, a instituição mais acorde com ela. No ano 531, Justiniano fundiu as duas. A rigor, tal usucapião éque é “ordinária”.

A importância maior da usucapião é nos países de terras adéspotas. Porém, ainda nos centros populosos e de território cadastrado, é de relevância, no tocante a aquisições a não-dono, ou a dono incapaz, ou sem poder de dispor e demais casos de nulidade ou de anulabilidade do título, quanto à aquisição de coisas perdidas ou extraviadas. Já não há a limitação absoluta da usucapião à res habilis (excluidas as coisas furtadas, res furtivae; res vi possessae; coisas pertencentes a incapazes). As próprias coisas negocialmente inalienáveis podem ser adquiridas por usucapião. O conceito de res non habilis minguou.

Os bens públicos, que são inalienáveis, são inusucapíveis (2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, 18 de abril de 1939, RCJB, 44, 160, quanto a terrenos de marinha; 1ª Turma, 15 de dezembro de 1941, (JSTF, VIII, 78, 17 de junho de 1943, 7 de julho de 1943, 19, 31, que se referiu a “principios equívocos do Código Civil”, pois a respeito era divergente a jurisprudência, cf. 2ª Turma, 21 de setembro de 1943, 18, 28 e 17 de maio de 1946, e Supremo Tribunal Federal, 10 de maio de 1945, AJ 93/19).

Para que haja usucapião, é preciso que tenha havido posse própria, posse como de dono. A teoria da posse influi no conceito de posse para usucapir, porém apenas no sentido de se poder abstrair do animus, como do corpus, quando as circunstâncias permitem que, sem aquele, ou sem esse, exista posse própria. Daí serem impertinentes algumas caracterizações do animus dommi, que se encontram na jurisprudência (e. g., 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, 12 de junho de 1942, AJ 65/300, RD 142/221). E inconfundível com a boa-fé o fato de ser própria a posse, isto é, a posse de dono (2ª Turma, 25 de abril de 1944, AJ 71/310). O ladrão tem

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posse própria (Juízo de Direito de Sete Lagoas, Minas Gerais, 9 de março de 1938, RF 74/329). Se a posse é a titulo precário, não basta para a usucapião do domínio, não porque seja viciosa (erro da 2a Câmara do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 24 de maio de 1932, RT 82/544), mas porque seria insuficiente o suporte fático; não se fez “própria”.

A lei nova apanha a prescrição e a usucapião em curso. Os elementos do suporte fático da regra jurídica sobre prescrição, ou sobre usucapião, são os do dia em que vai terminar o prazo para prescrever a pretensão ou para se usucapir. Dai terem sido injustos os acórdãos da Corte Suprema, a 6 de setembro de 1935 (AJ 40/528) e a 6 de setembro de 1936 (J 10/512), onde se disse só se começar de contar o prazo para a usucapião a despeito de má-fé a 1ª de janeiro de 1917, quando se iniciou a incidência do Código Civil, por ser estranha ao direito anterior tal causa de usucapir. Certos, a Corte de Apelação do Distrito Federal, a 24 de julho de 1924, e o Tribunal de Apelação do Rio Grande do Norte, a 13 de janeiro de 1943 (RT 147/7 13, RF 94/530). Sem razão, a 1ª Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Rio Grande do Sul, a 25 de abril de 1944 (99/470); com razão, a 1ª Câmara do Tribunal de Apelação do Rio de Janeiro, a 16 de outubro de 1941 (89/224).

No direito brasileiro, há a ação de usucapião, e não só a exceção oponível pelo possuidor a tempo suficiente. Nas províncias romanas e na época imperial, a posse de terra por largo tempo dava ensejo à praescriptio Iongae possessionis ou longi temporis praescriptio, à exceptio. A fonte mais antiga está em escrito de Severo e Antonino, no ano de 199 após Cristo. A principio, só se concemia aos fundos provinciais e era invocável quanto a cidadãos romanos e a peregrinos. Estendeu-se depois aos bens móveis, porém como direito só dos peregrinos. Quanto aos cidadãos romanos, havia a usucapião de bens móveis.

A ação declarativa da usucapião estava no Projeto Primitivo do Código Civil (Clovis Bevilacqua), ad 632. Foi criação acertada do autor do Projeto de Código Civil. Não se pode dizer que, com a ação declarativa, que é a de usucapião, evita-se que o possuidor permaneça em simples estado de fato. O possuidor já adquiriu. O juiz declara esse estado jurídico, o direito de propriedade do usucapiente. “Terceiro” que foi citado por edital não foi terceiro; foi parte. A ação é contra todos. Se houve citação edital, não se pode pensar em recurso de terceiro. Já assim decidira, acertadamente, o Tribunal de Apelação de São Paulo, a 20 de setembro de 1920 (RT 36/21) e a 3 de agosto de 1934 (95/505).

A respeito das servidões, temos de admitir que o ocupante, que se apossou do imóvel e chega ao ponto temporal de o usucapir, pode ter sabido que, o vizinho exercia, por exemplo, a servidão da passagem. Ai, o titular da servidão, que do terreno ocupado se servia, tem dois caminhos para resguardar o seu direito: provar que foi registrada, antes da ocupação, a servidão, ou que o ocupante sempre lhe conheceu tal direito. O título de servidão que proveio de quem fora proprietário somente serve à prova da sua servidão; esgotado o prazo para a usucapião, o usucapiente, que sempre respeitou a servidão, apenas usucapiu o terreno, deducta a servidão. Tais circunstâncias raramente acontecem, porque, de ordinário, as terras usucapíveis são ocupadas sem se respeitarem direitos reais limitados.

Uma vez que aludimos a direito reais limitados, com a usucapião pode ter ocorrido a extinção, mas a própria extinção pode ter sido anterior. Por exemplo: não foi usada a servidão durante dez anos contínuos e a usucapião adveio, pois seu prazo é maior; faltavam meses, semanas ou dias para se extinguir a servidão e iniciara-se a ocupação que levou à usucapião. Se o ocupante já encontrara com desuso de mais de dez anos a servidão, o que ele usucapiu nenhuma servidão atingiria a sua posse. Se o usufruto chegar ao final do seu prazo de duração, antes ou durante a posse do usucapiente, não mais há o direito real limitado. Dá-se o mesmo com o uso e a habitação. Se ocorreu antes da ocupação, ou durante ela, a extinção do direito real da hipoteca, pela prescrição, não se pode pensar em estar gravado o imóvel usucapido.

Se o usucapiente adquire o imóvel ainda gravado de direito real limitado ou de direito real de garantia, os prazos que se haviam iniciado para a extinção do gravame correm sob a nova titularidade do domínio e pode acontecer que o direito real limitado acabe. 2. Espécies de usucapião. Na sistemática do Código Civil de 1916 (a) quem, no tempo longo, sem interrupção,

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nem oposição, possui como seu um imóvel, adquire-lhe o domínio independentemente de título de boa-fé, que, em tal caso, se presumem; e pode requerer ao juiz que assim o declare por sentença, que lhe serve de título para o registro no registro de imóveis. (b) Adquire também o domínio do imóvel aquele que, por prazo menor, fixado em lei, entre presentes, ou entre ausentes, o possui como seu, contínua e incontestadamente, com justo título de boa-fé. A regra jurídica da Novela 119, Capítulo 8, que mandou contarem-se a mais os anos — aliás o tempo — que aquele contra em se tratando de usucapião: se B esteve ausente três anos e A propõe ação de usucapião, com invocação de prazo breve, tem de alegar posse de x mais três anos.

No direito anterior ao Código Civil invocava-se a Novela 119, Capítulo 8 (de Augusto Pedro), para outros cálculos, mas nenhuma razão há, hoje, para se invocar tal texto, como faziam por exemplo, J. H. Correia Teles (Digesto português, 1, § 1.366) e Lafaiete Rodrigues Pereira (Direito das Coisas, 1, 182). Não há, no Código Civil Brasileiro, qualquer regra jurídica que corresponda ao ad 2.266 do Código Civil francês, ou do ad 2.508 alínea 2ª, do Código Civil chileno. Quem perfaz o tempo breve, com os pressupostos legais, entre presentes, adquire, por usucapião, a propriedade, sem que se possa levar em conta o que houve de ausência para se contar o tempo, mesmo com o aumento correspondente do prazo. Se A possui durante x anos e ao tempo que foi do terceiro até x + 2 anos houve um, dois ou alguns dias, ou meses, de ausência, a usucapião não ocorre porque a interrupção da presença exige que se comece a contar de novo, a padir da presença posterior, para a usucapião entre presentes. O que foi interrompido não é levado em consideração. Se a presença alcança x anos,o possuidor com justo título e boa fé usucapiu. Se não se completam os x anos, a usucapião somente pode ser com x + y anos, mesmo que tenha havido x - 1 anos e mais um ano, menos um dia. Se houve, por exemplo, presença no primeiro ano, ausência de dias no segundo, de dias no oitavo e no nono, só se pode pensar em usucapião com posse para usucapião por ausente. Se houve posse de nova anos entre presentes e depois interrupção de um mês, só o tempo entre ausentes é que tem de determinar a usucapião. (c) O possuidor pode, para o fim de contar o tempo exigido, acrescentar à sua posse a do seu antecessor, contanto que ambas sejam contínuas e pacificas. (d) As causas que obstam, suspendem, ou interrompem a prescrição, também se aplicam à usucapião assim como ao possuidor se estende o que incide quanto ao devedor.

Devem-se interpretar as regras jurídicas sobre o tempo como sendo a de prazo breve abreviativo do tempo para usucapir; e não a do prazo maior como dilatante. Uma das consequências é que vale a regra de que a boa-fé, pode suceder à má-fé (se cria ter adquirido o que possuía, de má-fé, ao usucapiente, que passou a ter o elemento da boa-fé, é dado invocar a regra jurídica abreviativa. Quanto à boa-fé, antes do direito filipino, prevalecia a regra Mala fides superveniens non nocet. Depois veio a Lei portuguesa de 4 de fevereiro de 1534, que influiu na feitura da Ordenação do Livro IV, Título 3, § 1, e fora ditada pelas causas econômicas que haviam produzido a deturpação do velho instituto das XII Tábuas. (Aliás, restrita aos Romanos, a usucapto passara a ameaçar direitos dos proprietários negligentes, dentro do mesmo grupo populacional, “Romanos”; e a parte mais poderosa exigiu a boa-fé.). Em Portugal, a lei de 1534 coincidiu com os estremecimentos econômicos do século XVI. No sistema jurídico brasileiro, levantou-se a questão de ser aplicável a regra jurídica romana sobre Mala fides ou a regra jurídica, também romana, depois canônica. Mala fides superventens nocet (exige-se a boa-fé durante o tempo). Clovis Bevilacqua (Código Civil Comentado, 3, 84) entendeu que a boa-fé há de existir em todo o curso da usucapião. Com razão; advirta-se, porém, que não é pressuposto ter começado de boa-fé: a boa-fé pode sobrevir. Além disso, presume-se, o que inverte o ónus da prova. Tem-se de ter todo cuidado na leitura dos livros estrangeiros. Não se tem, por exemplo, no direito brasileiro, a presunção geral de boa-fé, nem, tampouco, a regra jurídica MaIa fides superveniens non nocet.

Á aquisição da propriedade imobiliária por usucapião não importa se as terras tinham dono, ou se eram nullius, ou se os títulos registrados mostravam perfeita continuidade, ou se podiam ser registrados até chegar-se à posse do usucapiente, com inteiro encadeamento, ou se não podiam ser registrados, ou se algum título ou todos os titulos, ainda após a posse pelo usucapiente, podiam ser registrados. Nenhum obstáculo exsurge à usucapião pelo fato de ser exato o registro, em perfeito seguimento e juridicidade de títulos. O registro do título de propriedade de imóvel que tem data anterior de muitos anos, havendo, depois, morte dos titulares referidos no título, não é óbice à aquisição da propriedade por usucapião, nem o é o próprio registro de titulo recente, durante ou posterior à posse ad usucapionem. O registro nunca é objeto à ação de usucapião, porque se usucape por se ter posse, e não por se ter direito, nem, sequer, direito à posse.

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Se o bem estava em condomínio, ou em composse, é preciso que à composse haja sucedido posse própria de uma só pessoa, ou composse de menos ou mais pessoas do que eram os condôminos, ou compossuidores, para que se possa pensar, na usucapião de toda a propriedade, ou na usucapião da parte indivisa, ou divisa, por se ter completado o tempo necessário de posse para a aquisição do todo, ou da parte. A jurisprudência que preexclui a possibilidade de usucapião da parte indivisa (e. g., 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, 3 de julho de 1947, J 29/410), ou da parte divisa, é de repelir-se.

Se os usucapientes foram x pessoas e o terreno era de uma pessoa, ou de duas ou mais, ou era sem dono, a usucapião pode ser de uma parte por uma pessoa, ou por duas ou mais (aquisição pro indiviso), ou se duas ou mais partes, separada-mente (aquisição pra divisa), por uma só pessoa (cada parte é objeto de usucapião) ou por duas ou mais pessoas quanto a uma parte, ou duas ou mais, o que leva à co-propriedade ou às co-propriedades, ou quanto a algumas ou todas as partes. O que se há de levar em consideração é a posse ou a composse, porque, qualquer que tenha sido a extensão do terreno tido como de propriedade de alguém ou mesmo res nullus, o que importa é a posse pelo usucapiente ou pelos usucapientes até esgotar-se o prazo para a captação do direito de propriedade.

Uma vez operada a usucapião, só se pode alegar direito de domínio invocando-se outro título de aquisição, e não o título ou os títulos que a usucapião superou.

Enquanto não se registra a sentença declarativa de usucapião pode ser registrado algum título referente às terras. Mas, é preciso que haja legitimados ao registro. Se alguém era adquirente de imóvel, sem se ter registrado o título, não é qualquer pessoa que pode ir registrá-lo. Se os figurantes do título estão modos, legitimados são os herdeiros; porém isso não obsta à eficácia da usucapião já operada.

A usucapião opera-se ipso iure. A sentença, que se profere, é declarativa. O registro apenas dá à sentença a publicidade registrária que se passa no plano da eficácia (2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, 6 de junho de 1947, RF 116/12 1: “... para o exercício do direito de dispor, com o objetivo de sanear o registro e assegurar o histórico do direito de propriedade, através das sucessões”, devendo-se entender, aliás, “poder de dispor com registro”, porque se pode dispor do que se adquiriu por usucapião antes do registro; 2ª Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Rio Grande do Sul, 29 de outubro de 1941, J 19/644; ia Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, 25 de maio de 1948, RF 119/497). Por isso mesmo que a sentença é declaratória, a usucapião preexiste e pode ser alegada como objeção (2ªª Turma do Supremo Tribunal Federal, 6 de julho de 1948, 122, 116: “A usucapião pode ser oposta como defesa (é o caso), independentemente de sentença anterior que o declare e que, registrada, sirva de título ao dominus. A usucapião é, como a transcrição, modo de adquirir domínio. E modo originário de adquirir domínio, com a perda do antigo dono, cujo direito sucumbe em face da aquisição”).

Se, ao se requerer o registro da sentença de usucapião, o nome de outrem dele consta, nem por isso se não registra a sentença. Enquanto não se registra essa sentença de usucapião, o Oficial do Registro pode registrar títulos que se liguem aos antenores; porém isso não atinge os direitos dos que usucapiram, nem, sequer dos que estão em via de usucapir. O registro de jeito nenhum interrompe o tempo da usucapião, porque registro não interrompe posse.

Se o que usucapiu ainda não propôs a ação de usucapião e alguém vem de contra o seu direito, pode ele repelir esse demandante com a alegação de ter usucapido. A sentença, que então se proferir, é declaratória, isto é, sentença prevista no ad 4ª do Código de Processo Civil, ou decisão de questão prévia? Numa e noutra espécie, falta à decisão eficácia erga omnes, com que se possa pedir o registro. Não se registram no registro de imóveis decisões que, em se tratando de usucapião, não se processaram segundo os arts. 941-945 do Código de Processo Civil, especialmente o art. 942.

Acima falamos de questão prévia, pois há previedade, em relação à sentença de usucapião, se ocorreu a ação incidental declarativa. No art. 5ª, permite-se que, se, no curso do processo, se torna litigiosa a relação juridica de cuja existência ou inexistência depende o julgamento da lide, qualquer das partes pode requerer que o juiz o declare por sentença. No art. 325 apenas se referiu à contestação pelo réu do direito que constitui fundamento do pedido, caso em que o autor pode requerer, no prazo de dez dias, que o juiz profira sentença

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incidente, se da declaração da existência ou da inexistência do direito depende, no todo ou em parte, o julgamento da lide. Nem a regra jurídica do ad 59 nem a do art. 325, tiveram texto igual no Código de 1939. A argúição de falsidade é assunto dos arts. 390-395 (cf. Código de 1939, arts. 717-719).

Se quem tem a posse que levou à usucapião, sem que ainda se havia proferido sentença em ação de usucapião, ou sem que tal sentença haja transitado em julgado, como há de proceder o réu, em ação de reivindicação, ou ação de vindicação da posse, ou em ação possessória, se ele entende que já usucapiu? O emprego da ação incidental teria a inconveniência de ser a sentença favorável ao réu com o julgamento do incidente (arts. 59 e 325), porque não teria a sentença eficácia erga omnes que serviu ao que colima a sentença favorável na ação de usucapião, principalmente para o mandado de registro no registro de imóveis. Nas espécies que acima apontamos, não seria de dispensar-se a sentença em ação de usucapião, em que se teriam de observar as regras juridicas dos arts. 941-945, para que se obtivesse a eficácia necessária. Surge apenas um problema: apoderia, então, o réu, em vez de se satisfazer com a contestação na ação de vindicação de propriedade e de posse, ou só de propriedade ou só de posse, ou na ação possessória, reconvir ao autor (arts. 315-318)? A resposta há de ser afirmativa, salvo se, ín casu, a ação pendente é de procedimento sumário. Mas, além da intimação do autor reconvindo, de que trata o ad 316, teriam de ser feitas as citações (art. 942) e as comunicações por meio de cadas aos representantes da Fazenda Pública da União, do Estado, do Distrito Federal, do Território e do Município, e o prazo para a contestação conta-se segundo o art. 241 do Código de Processo Civil. O que é de toda a relevância é que na reconvenção não se deixe de observar o que está nos arts. 941-945, uma vez que se cumulou a contra-ação (reivindicação) com a ação de declaração da usucapião. Que há de fazer o oficial do registro de imóveis se lhe apresentam sentença em ação de usucapião a que faltou o requisito da voca tio in luis edital? A sentença não é nula; posto que possa ser rescindida por infração do art. 942 do Código de Processo Civil (ad 485, V). Á sentença falta a eficácia erga omnes, que é pressuposto para o registro. Trata-se, portanto, de ineficácia relativa da sentença. Também se falta alguma citação que a lei reputou indispensável, produzindo nulidade ou ineficácia do processo, o oficial não pode recusar o registro. Houve o Trânsito em julgado.

A Constituição de 1988, arts. 183 e 191, acrescentou às espécies do direito comum, a aquisição originária de direito dominical, se há posse própria breve, quinquenal, ininterrupta e sem objeção por quem não é dono de bem imóvel rural ou urbano, pela usucapião de área (c) urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, se dela se utiliza como sua moradia ou de sua família, e (d) rural não-superior a cinquenta hectares se, nela tendo moradia, a tomou produtiva por seu trabalho ou de sua familia

Os pressupostos à usucapião (d) são mais benéficos que, os traçados na Lei nº 6.969, de 10 de dezembro de 1981, acerca da usucapião de bem imóvel rural (e) não-excedente de vinte e cinco hectares, porquanto nesta tem de haver, quanto ao possuidor, a pessoalidade do trabalho, e sobre área de extensão terrena inferior àquela.

O suporte fático não se compõe se o bem imóvel possuído é público (Constituição de 1988,arts 183, § 32, e 191, parágrafo único), mas pode haver a incidência das regras juridicas da usucapião se ele é terra devoluta dispensável à defesa das fronteiras, fortificações e construções militares, das vias federais de comunicação e à preservação ambiental (arg. Constituição de 1988, art. 20, II).

A explicitação dos essentialia a essa incidência, pela suficiência na composição do suporte fático, é objeto das observações que se seguem. 3. Requisitos da usucapião (direito material). (a) Requisitos da usucapião, nas espécies em que não é de alegar-se a existência de justo titulo e boa-fé: a) posse de vinte anos; b) prédio suscetível de ser usucapido. Só há usucapião, independente de título e boa-fé, findos os vinte anos. No art. 177, o Código Civil estabeleceu que a ação real prescreve em dez anos entre presentes e quinze entre ausentes (Lei nº 2.437, de 7 de março de 1955, art.10). Os comentadores espantaram-se como fato de prescrever a ação de reivindicação antes de alguém usucapir. ‘Seria uma pura impossibilidade lógica” escreveu um deles (Virgilio de Sã Pereira, Manual, VIII, 213), “conceber o domínio sem a faculdade implícita de reivindicar a coisa sobre a qual ele se exerce”. De modo nenhum. Cessou a ação real que se liga à pretensão àrestituição, tanto que as outras ações e exceções não cessam, inclusive esse proprietário, com pretensão à restituição e sem ação real (um dos casos de pretensão sem

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ação, klagloser Anspruch —, raros, mas, encontráveis, cf. Andreas von Tuhr, Der Allgemeine TeU, 1, 258-261), pode impedir que se profira a sentença declarativa da usucapião. No direito anterior ao Código Civil, Pascoal José de Meio Freire viu o problema e sofismou com evidente postergação do texto expresso das Ordenações Filipinas sobre a ação pessoal do vendedor, que ficava (Livro IV, Título 3, § 1, verbis “até trinta anos cumpridos”).

A construção, em bom método de interpretação, teria sido: usucapião, vinte anos; pretensão à restituição, vinte anos; a ação de reivindicação ou outra ação real, entre ausentes, quinze, ou, entre presentes, dez anos. Não viram os juristas a diferença entre pretensão e ação, só ficaram atentos ao problema da usucapião de cuda e longa posse e à ação real (Pascoal José de MeIo Freire, Institutianes, III, 30:

“Legem scriptam, quam sciam, nuílam habemus, quae tem-pus in mobilium rerum prescriptone definiat... In rerum quoque immobilium usucapione tempus definitum expresse non est, definitum autem exstat ab Alphonso V, in praescriptione actionum in rem, Ord., Lib. 4, Tít. 49... Et ex hac Ordinatione... actiones, cum ex iure in re nascantur, iura rerum sequuntur ad invicem et, eo durante, durant, et, exstincto, extinguuntur”). O jurista português estava cedo em afirmar que, nascendo o direito do usucapiente, se extinguia o do proprietário (Duorum in solidum dom inium esse non posse); mas errava em exigir que, extinguindo-se a ação real, ou o próprio direito, tivesse alguém de usucapir. Lafaiete Ródrigues Pereira (Direito das Coisas, 1, 175) tratou, separadamente, dos dois institutos, sem descobrir a diferença causada na situação jurídica do proprietário entre a prescrição da ação real e a aquisição originária por outrem (usucapião). Apenas à pág. 209, nota 1, sentiu-se “intrigado” com o assunto.

(b) Quanto à usucapião com justo titulo e boa-fé, os pressupostos sao: a) posse continua incontestada (tranquila e não “incontestável”, pois o termo no ad 551 do Código Civil de 1916, significa “mansa e pacífica”); b) justo título quer dizer, —título de direito, como o contrato de compra e venda, o testamento, a sentença, a compra e venda dos direitos possessórios como possuidor-dono, a ocupação putativa (Lafaite Rodrigues Pereira, Direito das Coisas, 1, 185).

O art. 941 do Código de Processo Civil remete, implicitamente, ao direito material, a que cabe dizer quais os pressupostos da pretensão de usucapir o imóvel (Código Civil de 1916, arts.550-553).

A usucapião de imóveis, ainda vigente no Brasil pela condição econômica das suas terras, rege-se pelos arts. 550-553 do Código Civil.

Quanto aos móveis, há no Código Civil os arts. 618 e 619, onde se vê que os prazos para a usucapião são com justo título e boa-fé e para a usucapião sem justo título e sem boa-fé; três anos, cinco anos.

O Código de Processo Civil de 1939, não falou da ação de usucapião de móveis, por lhe parecer pouco usada. Igualmente, o Código de 1973, ad 941, verbis “o domínio do imóvel ou a servidão predial”.

Não importa que as leis processuais não falem de usucapião de bens móveis. Entendamos: móveis, stricto sensa, e semoventes. O art. 618 do Código Civil de 1916 foi explícito: “Adquirirá o dominio da coisa móvel o que possuir como sua, sem interrupçâo, nem oposição, durante três anos”. E o parágrafo único: “Não gera usucapião a posse, que se não firme em justo titulo, bem como a inquinada, original ou supervenientemente, de má-fé”. Ainda o art. 619, que tem a redação que lhe deu a Lei nº 2.437, de 7 de março de 1955: “Se a posse da coisa móvel se prolongar por cinco anos, produzirá usucapião independentemente de título ou boa-fé”. E o parágrafo único: “As disposições dos arts. 552 e 553 são aplicáveis à usucapião das coisas moveis

A questão do erro de direito como fundamento para a anulabilidade, questão a que se há de responder negativamente, é a questão do erro de direito como fundamento da boa-fé na usucapião. O erro de direito, que consiste em se crer existir o título e não existir (titulo putativo), ou em se crer que se adquiriu a coisa sem se ter adquirido, a despeito de existir o titulo e ser eficaz, exceto quanto à transmissão, mostra que se há de ter o máximo cuidado em se adiantar qualquer frase em tal assunto. Se o título putativo basta ao suporte fático da usucapião, pode-se pensar em enunciado sobre a suficiência do erro de direito; se não basta, claro está que o

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erro entra, apenas, para se dizer que o possuidor, com justo titulo de proprietário, sem o ser, se cria proprietário. No direito romano, pode-se remontar a Próculo, para a admissão do elemento de boa-fé; naturalmente, exceto se a coisa é inusucapível (Ubi lex inhibet usucapionem, bona fides possidenti nihil prodest; cf. L. 24, D., de usurpationibus et usucapionibus, 41, 3).

A tradição do direito brasileiro é a de não se admitir o erro de direito como elemento da boa-fé para usucapir. Na L. 4, D., de iuris et facti ignorantia, 22, 6, Pompônio enunciou: “luris ignorantiam in usucapione negatur prodesse: facti vero ignorantiam prodesse constat” (Nega-se que a ignorância de direito aproveite na usucapião: em verdade, está-se de acordo em que a ignorância do fato aproveita). 4. Se a regra jurídica de presunção de boa-fé, se há justo título, incide em matéria de usucapião. A questão, de jure condendo, é mais larga: a) Há, no sistema jurídico brasileiro o princípio Quisquis proesumitur bonus, com a conseqUência geral de tocar a quem alega a má-fé o ônus da prova? b) Se o sistema jurídico, em matéria de posse ad interdicta, estabelece a presunção da boa-fé, a regra jurídica se estende à usucapião? e) Se não há a), nem b),regra jurídica da presunção de boa-fé se há justo título, pode ser estendida à usucapião? Não há, no sistema jurídico brasileiro, o principio de que se trata em a). Nem há o de b), porque, se houvesse a regra jurídica, a que aí se alude, não se precisaria da regra jurídica de presunção, menos extensa. Só se estabelece a presunção de boa-fé se há o justo titulo e se a lei ou as circunstâncias não pré-afastaram a presunção. O possuidor com justo título tem por si a presunção de boa-fé, salvo prova em contrário, ou quando a lei expressamente não admite esta presunção. Para o direito romano, diz-se que as relações inter-humanas eram tidas como de boa-fé e, consequência, não se precisaria provar a boa-fé do usucapiente (C. G. von Wãchter, Die bona fides, insbesandere bei der Ersitzung des Eigentums, 45; Rudolf von Jhering, Der Besitzwille, 160; Heinrich Demburg, Pandekten, 1, 8ª ed., 375). Mas cedo estava B. Windscheid (Lehrbuch des Pandektenrechts, 1, 9ª ed., 920). Afirmava Lafaiete Rodrigues Pereira (Direito das Coisas, 1,189) que, havendo justo título, a boa-fé se presume, ainda em matéria de usucapião; e citou Manuel de Almeida e Souza (Fascículo de Disserta çóes jurídico-práticas, 1, 137). A presunção iuris tantum é de invocar-se, mas somente em se tratando de justo título. § 43. Suspensão e interrupção do prazo de usucapião 1. Remissão às regras jurídicas saber prescrição. As causas que obstam, suspendem, ou interrompem a prescrição, também se aplicam a usucapião, assim como ao possuidor se estende o que se estatui quanto ao devedor. 2. Suspensão. A regra jurídica sobre não correr o tempo para prescrição, estendida a respeito de posse para usucapião, dá-nos: a) O cônjuge, durante a sociedade conjugal não conta tempo para usucapir: o tempo que então correu, ou o que correu entre a retomada da sociedade conjugal e a sentença do juiz que homologue a reconciliação, não se conta; cessando a sociedade conjugal, reinicia-se ou inicia-se a contagem para usucapião. b) Durante o pátrio poder ocorre o mesmo: o pai ou mãe, titular do pátrio poder, não tem posse ad usucapionem; se a tinha antes de assumir o pátrio poder suspende-se o curso do prazo; se não a tinha, não se inicia. c) Há-se de raciocinar do mesmo modo em que se tratando de tutelados e curatelados, durante a tutela, ou curatela. Também o filho sob pátrio poder, o tutelado ou curatelado não tem posse ad usucapionem contra o titular do pátrio poder, o tutor ou o curador, porque seria admitir-se que alguém exercesse posse contra si mesmo; salvo se está em causa bem não administrado pelo titular do pátrio poder, tutor ou curador. d) O credor pignoraticio, o mandatário, o depositante e as outras pessoas que têm dever de restituição não têm posse ad usucapionem, salvo se o dever de guarda cessou, como se o credor pignoratício passou a possuir como adquirente (não basta estar prescrita a divida, porque prescrição não extingue divida, nem dever de guarda; sem razão, Antônio de Almeida Oliveira, A Prescrição em direito comercial e civil, 250, nota 5).

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Se a posse começou durante a incapacidade absoluta, não se inicia o prazo para usucapião. Se já existia antes da incapacidade absoluta, suspende-se o curso do prazo para se usucapir contra o absolutamente incapaz. Porém, se o absolutamente incapaz tinha posse, ou veio a tê-la, continua a correr, ou se inicia a seu favor o prazo para usucapir. Dá-se o mesmo quanto aos ausentes do Brasil em serviço público da União, dos Estados, ou dos Municípios, e quanto aos que se acharem em serviço na armada, na aeronáutica ou no exército nacionais, em tempo de guerra. 3. Condição suspensiva, prazo não expirado e pendência de ação de evicção. A respeito de cláusulas mexas e de pendência de ação de evicção não há regras jurídicas de suspensão. Apenas se há se explicitar, tautologicamente, que, pendendo condição suspensiva, ou não estando vencido o prazo, ou pendendo ação de que possa resultar evicção, não começa de correr o prazo de prescrição. Em nenhuma dessas espécies há pretensão que possa prescrever; não há de pensar-se em suspensão, pois que ainda não se iniciou, nem em curso de prazo de prescrição nondum nata. Aliás, também não se inicia o prazo de usucapião se há condição resolutiva, ou termo resolutivo, pois que, enquanto não ocorre o fato, que faz cessar o titulo à posse, não se pode pensar em posse de coisa alheia, que se possa usucapir. E preciso que o possuidor, que possuía sob condição resolutiva, ou a termo resolutivo, se tome sem direito à posse da coisa, como proprietário, e continue de possuir, ou passe a possuir a coisa a outro título, para que se inicie o prazo para a usucapião. Se pende ação contra o possuidor, de que resultaria evicção, ou a execução da sentença lhe tira a posse, e não há pensar-se em contagem do tempo passado, ou não lha tira, porque não foi favorável ao autor, e não há cogitar-se de prazo prescricional, ou a sentença foi favorável porém não se executou. Nessa última espécie, a data, em que poderia ser executada a sentença e não o foi, é a do inicio da prescrição da pretensão à execução e da posse ad usucapionem do adquirente ameaçado de evicção. 4. Interrupção. As regras jurídicas sobre interrupção da prescrição incidem em matéria de usucapião. A espécie mais vulgar de interrupção é a perda da posse, porque as regras jurídicas sobre usucapião de bens imóveis e de bens móveis somente admitem como elemento do suporte fático a posse contínua (= ininterrupta). Fora daí, interrompe o curso do prazo usucapitivo a citação. Mas a citação somente interrompe a ação possessória ou petitória vem a ser julgada procedente e se retira a posse. E de supor-se a não-oposição de alguém à posse. De modo que a oposição tira à posse a qualidade de elemento do suporte fático para a incidência daquelas regras jurídicas. É o requisito da pacificidade. Mas é preciso que exclua a posse.

Quanto ao reconhecimento, se foi no plano puramente consensual, não interrompe; o reconhecimento que interrompe é o que seria bastante, se fosse constitutivo, a transferir a posse.

Enquanto há composse (comunhão na posse), não pode haver curso de tempo para usucapir o todo, posto que cada possuidor possa alegar usucapião da parte indivisa. (Foi isso o que teria de dizer a Câmara Cível do Tribunal da Relação de Minas Gerais, a 25 de setembro de 1929, RF 54/314, que usou de expressões inadequadas e suscetíveis de interpretação errônea: “A prescrição não corre entre sócios ou condôminos enquanto eles se consideram em comunhão. Pouco importa que só um dos condôminos tenha a coisa ou parte dela em seu poder e a desfrute sozinho, desde que ele não conteste, ou desconheça o direito dos demais sócios. Só depois que um dos sócios exclua os outros, e, contestando ou desconhecendo a comunhão, se torne o único e exclusivo possuidor da coisa, ou de qualquer de suas partes fisicamente determinada, é que começa a correr em seu favor a prescrição”). A 3ª Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Rio Grande do Sul, a 22 de dezembro de 1942 (RF 94/107), viu-o com certa exatidão: “Se a posse exclusiva do condômino se perpetua por lapso superior a trinta anos, seja ou não acompanhada de boa-fé, pode servir de base para a ação de usucapião. A posse exclusiva do condômino pode recair sobre a totalidade da coisa ou sobre uma parte material dela. A prescrição pode, pois, ser total ou parcial”. Mas acrescentou: “Em tais casos, porém, a aquisição da propriedade só poderá provir de usucapião extraordinária, não da ordinária, por faltar ao condômino os requisitos do justo titulo e da boa-fé” — o que não se pode admitir a priori: o condômino com posse do todo pode ignorar que é condômino que é condômino, e o condômino, com posse de parte em comum com C, pode ignorar que é condômino com A. A 1ª Câmara do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, a 3 de julho de 1947 (RF114/445), decidiu: “Só quando a ação seja movida

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contra os outros condôminos, com alegação de haver cessado, de fato, a composse, estabelecendo-se, assim, a posse exclusiva do autor por mais de trinta anos, com os demais requisitos legais, é que é possível o usucapião. Em tal caso já não se trata de composse, mas da posse do todo por um so condômino, que passou a ter a coisa como sua, com a exclusão dos outros. A razão disso é clara — compreende-se que a comunhão, nesses casos, embora existindo de direito, deixou de existir de fato, e desde esse momento começa a correr a prescrição. Mas, ainda é de notar-se, o só fato da posse passar a ser exercida por um só dos condôminos não denota da parte dele o ânimo de ter a coisa exclusivamente sua. Faz-se mister também que a sua posição de possuidor pro suo se caracterize por uma série de atos indicativos daquele ânimo, pois, na sua dúvida, sempre se presume que tais atos são praticados em nome de todos, o que implica a precariedade de sua posse, insuscetível, destade, de ser usucapida.” Também a 1ª Câmara, a 25 de maio de 1948: “É indubitável que o condômino pode adquirir, por meio de usucapião extraordinária, a parte do imóvel comum que tenha possuido, mansa e pacificamente, por mais de trinta anos, sem poderem os demais consortes alegar, contra ele, o estado de indivisão da coisa.

Quanto à extensão da eficácia da interrupção, cumpre advertir-se em que a posse, acontecimento do mundo fático, é erga omnes (L. 5, D., de usurpationibus et usucapionibus, 41, 3). A citação na ação de reivindicação interrompe, salvo se foi nula por vicio de forma (exceto por incompetência de juízo), se extinto o processo sem julgamento do mérito, cabendo aqui o que expusemos no Tratado de Direito Privado, Tomo VI, a propósito de interrupção da prescrição, ou se o autor desiste da ação, ou se a ação é afinal julgada improcedente. A petição inepta não dá ensejo a citação que interrompa (Manuel de Almeida e Souza, Notas de Uso Prático, III, 198), mas no sistema processual civil brasileiro, se não houve o indeferimento da petição, a espécie éde extinção do processo sem julgamento do mérito. Se o que está em curso de usucapir reconhece o direito de outrem e nega a própria posse, em verdade se depôs da posse (= deixou de possuir, Amaro Luís Lima, Commentaria ad Ordinationem Regni Portugaline, Livro IV, Título 79, § 1, nº 14). Se o reconhecimento foi posterior, é inoperante, salvo como negócio jurídico com efeitos obrigacionais ex tunc. A interrupção chamada civil (= toda interrupção que não seja a da retirada da posse, ou da perda da posse) só opera, de regra, a favor do que provocou a interrupção.

O protesto, não intimado, não basta para interromper, ainda que ausente o possuidor. Notificado, pessoalmente ou por edital, interrompe o curso da usucapião, se sobrevem a ação petitória, ou possessória; portanto, se feito como medida cautelar preparatória. A L. 2, C., de annali exceptione, 7, 40, atendia à ausência de alguém e à necessidade de se propor ação sem que possível fosse pelo ausente, permitindo que o interessado se dirigisse ao presidente da província para deduzir o que tem a pleitear e interromper o tempo (interruptionem temporis facere), bastando para isso ad plenissiman interruptionem. Tal protesto já é obsoleto. A lei processual prevê a citação dos ausentes e a propositura de ações contra eles. O protesto, notificado por edital, sem ser como medida cautelar preparatória (aliás melhor substituída pela citação, desde logo), pode interromper; o outro só diz respeito às ações do protestante, e. g., a ação de reivindicação — e a usucapião pode dar-se sem que haja prescrito a ação de reivindicação.

As citações, de medidas cautelares, que atinjam a posse, interrompem nas mesmas circunstãncias o curso do tempo para usucapião em que interromperiam a prescrição sem que o interessado embargue de terceiro. Lafaiete Rodrigues Pereira (Direito das Coisas, 1, 198) não via eficácia interruptiva no arresto e na penhora (medida executiva). Quanto ao arresto, nada tem com a posse, porque se arrestam bens do devedor, salvo se teria de embargar o possuidor como terceiro. Mas há medidas cautelares que dizem com a posse, como sequestro. A penhora, início de execução, não pode interromper, salvo se se faz a penhora como se o bem fosse de outro e aquele a favor de quem está a correr o prazo para usucapir não embarga de terceiro. § 44. “Successio in usucapionem”

1. Morte e usucapiâo. Morto o que está usucapindo, a situação, que ele tem, passa aos herdeiros. Tal instituto é o da successio in usucapionem, que, a despeito de textos que falam de acessio em sentido amplo, que abrangeria a sucessão na usucapião, é instituto à parte. Inicialmente, a accessio temporis só se referia à longi temporis praescriptio

Na L. 43, pr., D., de usurpationibus et usucapionibus, 41, 3, é de Papiniano que o herdeiro de quem de

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boa-fé comprou coisa não a usucapirá sabendo que era alheia, se ele mesmo se entregara a posse, mas a continuação não será impedida pela ciência do herdeiro (‘continuatio vero non impedietur heredis scientia”). Antes de adida a herança podia-se completar a usucapião começada para o defunto (L. 41, § 4, e L. 44, § 3).

Evitemos introduzir pensamento novo no direito romano. Se o herdeiro não assumia posse, havia vacuurn tempus, quer ante aditam hereditatem, quer post aditam hereditatern. Quem não possuía, por si só, não podia suceder na posse (cf. Venuleio na L. 15, § 1, D., de diversis temporalibus proescriptionibus et de accesssionibus possessionum, 44, 3: “... nec ei, qui non possidet, auctoris possessio accedere potest”; Paulo, na L. 16: “Accessio sine nostro tempore nobis prodesse non potest”; e Ulpiano, na L. 13, § 12, D., de adquirenda vel amittenda possessione, 42, 2: “Accesionis in eorum persona locum habent, qui habent propriam posssessionem: ceterum accessio nemini proficit, nisi ei qui ipse possedit”).

Com a morte do possuidor ad usucapionem, a situação do de cujo pertencia ao herdeiro, se bem que não se transmitisse a posse mesma (cf. E. C. von Savigny, Das Recht des Besitzes, T) ed., 44 e 324; Heinrich Demburg, Pandekten, 1, 7ª ed., 35; C. F. A. Koeppen, Lehrbuch des heutigen rômischen Erbrechts, 1, 53, Hermann Ealk, Des Einfluss der Usurpation eines Na-chiasses aul die Rechtsverhàltnisse der Ersitzung, 9). Daí ter-se pensado em sucessão já no mundo jurídico (e. g., na ação de usucapião, Wilhelm Hameaux, Die Usucapio und longi temporis Praescriptio, 154; 1(. A. D. Unterholzner, Ausfíirliche EntwickIung der gesammten \/erjàhrungsiehre, 1, 2ª ed., 471): ‘possessio defuncti quasi iniunta descendit ad heredem” (L. 30, D., ex quibus causis maiores viginti quincjue anflis in integrurn restituuntur, 4, 6). Continua, disse-nos nas Institutas (§ 12, 1., de usucapionibus et longi temporis possessionibus, 2, 6).

Em direito romano, a boa-fé era pressuposto necessário da accessio. O mesmo princípio incidia, quanto ao decujus, na successio in usucapionem: o herdeiro havia de estar de boa-fé (L. 11, D., de diversis temporalibus praescriptionibus et de accessionibus possessionum, 44, 3; L. 11, C., de adquirenda et retinenda possessione, 7, 32; Heinrich Demburg, Pandekten 1, 74 ed., 124 e 126; E. L. von Keller, Pandekten, 1, 2ª ed., 301; Paul Meyer, Das Erbrecht des Eúrgerlichen Gesetzbuchs 41); porém ao herdeiro não se exigia continuar de boa-fé, o que bem mostra a diferença entre os dois institutos: o Mala fides superueniens nocet foi, aí, obra do direito canônico (Inocêncio II, em 1216): Quoniam omne, quod non est ex fide, peccatum est; synodali iudicio diffinimus, ut nulia valeat absque bona fide praescriptio, tam canonica quam civiuis. Cum generaliter ut omni constitutioni derogandum, quae mortali peccato non potest observari. Unde oportet, ut qui praescribit, in nuila temporis parte rei habeat conscientiam aiienae”. As consequências quanto à successio in usucapionem foram evidentes (cf. Wilhem Hameaux, Die Usucapio und longi temporis Praescriptio, 166; E. Bôcking, Pandekten, 1, 5ª ed., 112): se o decujo estava de boa-fé, e o herdeiro de má-fé, não mais se podia dar usucapião; se de má-fé o decujo de boa-fé o herdeiro, também não podia esse usucapir, porque recebia do decujo a viciosidade.

O iustus titulus também era pressuposto para a successio in usucapionem. Aqui, surge diante de nós texto de Paulo (L. 2, § 16, D., pro emptore, 41, 4), que merece interpretar-se: “Se comprei a casa ao louco, que acreditava estar em mente sã, sabe-se que, pela razão da utilidade (utilitatis causa), posso usucapir, posto que nenhuma a compra. E por isso não me nasce de evicção, nem compete a ação publiciana, nem a acessão da posse”. Com isso exprimiu Paulo que novo tempo para usucapião começa. Cria-se no justus titulus: conta-se novo tempo; não há acessão da posse (cf. 1(. A. D. Unterholzner, Ausfúhrliche En-twicklung der gesammten Verjàhrungslehre, 2ª’ ed., 478; idem, Eph. Chr. von Dabelow, Uber die Verjàhrung, 1, 384). Quanto à sucessão a causa de morte, o bonorum possessor e o fideicomissário universal eram tratados como os herdeiros. O legatário estava para com o herdeiro na situação de sucessor singular (L. 14, § 1, D., de usurpatianibus et usucapianibus, 41, 3); bem assim o comprador da herança (Hermann Voss, Die Accessio possessionis bei der Ersitzunq, 46 s.).

No caso de restituição por mandado do juiz, se havia resolução, ou redibição, dava-se acessão, o de que adiante se há de falar, a propósito da L. 13, § 9, D., de adquirenda vel amittenda possessione, 41, 2. O problema também surge a respeito da ação do herdeiro (hereditatis petitio). Trata-se com os mesmos princípios da accessio possessionis, sem qualquer atenuação (Heinricb Demburg, Pandekten, 1, 7~ cd., 126; Hermann FaIk, Der Einflvss der Ujsurpation cines Nachlosses auJ die Rechtsverhàltnisse der Ersitzung, 34 s.; Gari Wilcke, Die V/irkungen der Usurpatiori eines Nachiasses ovf die Rechtsverhtfltnisse der Ersitzung, 16 e 24»

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Javoleno, na L. 20, D., de usurpationibus et usucapionibus, 41, 3, disse que a posse do testador favorece ao herdeiro se a coisa não foi possuida por alguém no intervalo (Possessio testatoris ita beredi procedit, si rnedio tempore a nulio possessa est). 2. Sucessão universal entre vivos. Quanto ao sucessor Universal entre vivos, inscria-se ele na relaçào dc usucapião de antecessor, na candido usuccpiendi, mas foi demasiado viva a expressao de A. voa Scbeurl (Beitrâge ZLJY Bearbeitung des rômischen Rechts, 1, 22 e 90) quando justificou com a própria natureza da I)rnprie(1a(1e a vir” (werdendes Eigenturn). O requisito da boa-fé, se, sem ele, não se usucapiria, linha de ser satisfeito pelo antecessar e pelo sucessor (L. 11, D., de diversis ternporalíbus prnescriptionibus et de accessionibus possessionum, 44, 3; L. 3, C., comrnunia de usucopionibus, 7, 30; L. 11, C., de adquirenda et retinenda possessione, 7, 32). Era preciso, e éhoje, que não tivesse havido entre as duas posses a de outrem (L. 20, D., de usurpaticnibus et usucapionibus, 41, 3); mas computavam-se o tempo em que ninguém houvesse possuido (L. 31, § 5, D., 41, 3): “Vacuurn tempus, quod ante aditam bemdilatem vel post aditam intercessit, ad usucapioncm beredi procedit”. 3. “Successio in usucapionern”, no direito brasileiro. No sistema jurídico brasileiro, há outra inspiração que a

romana; e outras são as conseqüências. Princípios que eram comuns, em direito romano, à successio in usucapionem e à occessio posiciones não podem ser invocados, como o “Hei, que non possidet, auctoris possessio accedere non potest”, ou “Accessio sine nostro tempore nobis prodesse non potesi”. A posse mesma vai ao herdeiro sem ele precisar de assumi-la: a transmissão é ex lega De modo que, se o morto a tinha no momento da morte, o herdeiro a tem. Somente não a tem, se Iha tomaram após a morte do decujo. O herdeiro não precisa, sequer, conhecer a sucessão; nem saber se possui em nome próprio, ou se possui. Pode mesmo vir a usucapir sem nunca ter sabido da sucessão, ou da posse. Óbvio que o tempo do antecessor só se conta se era apto à usucapião. Se a posse era de má-fé, somente pode servir à aquisição por usucapião de longo tempo. Mas o herdeiro de boa-fé pode iniciar novo cômputo de tempo. Assim, se o decujo possuia havia mais de x anos, de má-fé, o herdeiro, se de má-fé, precisa completar o tempo longo; se de boa-fé, há de iniciar e pedazer o tempo, entre presentes, ou maior, entre ausente, ma só se entende assim se possuía por outro titulo.

§ 45. “Accessio possessionis” 1. Posse e acessão pretória. O Pretor concedia o interdito utrubi, só referente a móveis, a quem por mais tempo houvesse possuído, dentro do ano, a coisa. Interdito dúplice, como o interdito uti possidetis. Proibitório, que se dirigia ao que não possuiu, ou possuiu iniuste ab adversario, ou inste, ab adversario, mas por menos tempo. Essa apreciação do tempo, rudimentar, superficial e defeituosa, podia levar a soluções injustas, como se muito recente a posse ex iustissima causa do interessado, a que só se deixava, depois, a ação oriunda do negócio jurídico (L. 11, §13, D., de actionibus empti venditi, 19, 1). A accessio possessionis, permitia que ele juntasse a sua posse à’ da pessoa de quem houve a coisa, para se determinar a maior pars anni, o que obviava a alguns dos inconvenientes da proteção pretória do interdito utrubi. A accessio possessionis dependia da cláusula de accessione, que o Pretor introduzisse. 2. “Accessio possession is”, fora da proteção da posse. Para a usucapião tanto pode se dar sucessão quanto acessão da posse. O sucessor singular iniciava nova usucapião; de modo que na sua pessoa haviam de concorrer os pressupostos para a usucapião, especialmente a boa-fé (L. 2, § 17, D., pro emptore, 41, 4; quanto à longi tem poris praescriptio, L. única, C., de usucapione transformando, 7, 31). A principio limitada a casos de compra e venda, Justiniano generalizou a acessão para a usucapião (§ 13,1., de usucapionibus, 2, 6; cf. L. 2, § 20, D., pro emptore, 41, 4). Não importava quanto aos predecessores. Se algum desses fora de má-fé, a usucapião iniciava-se, com boa-fé, para o sucessor.

Deve-se, portanto, ao direito romano a concepção de suporte [ático da usucapião em que as posses se juntam, no tempo (accessio temporis), acedendo a mais recentes às mais antigas, de modo que se unifique no sucessor a pluralidade das posses para se compor o elemento-posse, que é necessário ao suporte [ático de

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qualquer usucapião. Justiniano pusera em termos explícitos a teoria da acessio possessionis na usucapião (A. Denziger, Die Accessio possessionis nach dem rômischem und Nanonischen Recht, 43), ultimando a construção do instituto. Na accessio possessionis viu Karl Art. von Vangerow (Lehrbuch der Pandekten, 1, P ed., 600) a teoria do direito do possuidor a contar, a seu proveito, a posse do antecessor, ou dos antecessores: K. E. von Reinhardt (Die Usucapio und Praescriptio des rômichen Rechts, 165), incremento e cômputo do tempo de posse do predecessor na posse que se tem. Não se confundia com a successio in possessionem, a que os Romanos chegavam através da concepção, que era a sua, da continuação da pessoa do defunto (L. 43. pr., D., de usurpationibus et usucapionibus, 41, 3; L. 30, pr., D., ex quibus causis maiores viqinti quin que anuis in integrum restituuntur, 4, 6; L. 2, § 19, D., proemptore, 41, 4). A successio não é accessio. E mais. As posses, na sucessão, ficam como se só uma fossem e uma só as pessoas dos sucessores e sucedidos (RarI Seil, Rómiche Lebre des Eigentums, 221). Frisaram tratar-se de dois institutos (accessio possession is, successio in usucapionem), ao invés de duas espécies de accessio possession is, C. E. A. Koeppen (Lehrhuch des beutigen rómischen Erhrechts, 1, 53: “não incidem em se tratando de successio in usucapionern as regras da accessio possessionis”), Rari Seil (Rômische Lebre des Eigentums, 226 s.) e E. Bõcking (Pandekten, 1, 5ª ed., 118 s.); contra, B. Windscheid (Lehrhuch des Pandektenrechts, 1. 8ª ed., 824, 8ª ed., 930),F.C. von Savigny (Das ReGas des Besitzes, 7ªed., 574), Schmidt (De Accessionne possession is, 33 e 49), e Hermann Voss (Lhe Accessio possessionis hei der Ersitzung, 20 s.).

Na sucessão singular, era preciso que o autor fosse de boa-fé, para que se pudesse dar a usucapião, e que o sucessor mesmo o fosse. Se isso não ocorria, a posse do sucessor singular era outra posse, começava outro tem pus para usucapir. Ocorrendo estarem de boa-fé predecessor e sucessor singular, dava-se a accessio possessionis (A. Dezinger, Die Accessio possessionis nach dem rõmischen und kanonischen Recta, 138; Karl Art. von Vangerow, Lehrbuch der Pandekten, 1, P ed., 610; Hermann Voss, Die Accessio possessionis hei der Erzitzung, 42 s.). A má-fé em que se achava o auctor de modo nenhum manchava a posse bana fide do sucessor (Paulo, na L. 2, § 17, D., pro emptore, 41, 4). Oinstus titulus era outro pressuposto necessário da accessio possessionis na usucapião. Já o vimos antes. Também se dava a acessão da posse se o juiz restituia a coisa, em ação pessoal, como a redibitória, ou a resolutória (L. 13, §§ 2 e 9, D., de adquirenda vel amittenda possessione, 41, 2; A. Denziger, Die Accessio possessionis nacb dem rómischen und Kanonischen Recta, 114, que também incluia as ações reais; Hermann Ealk, Der Einfluss der Usurpation eines Nachlasses auf die Rechtsverbàltnisse der Ersitzung, 35; CarI Wilcke, Die Wirkungen der Usurpation eines Nachíasses, 23). Nas ações reais em que se pede a posse que se não tinha, esse lapso não pode ser contado, mesmo porque se pediu por não se ter. A usucapião não se funda em direito à posse, mas em posse. Assim, na L. 13, § 9, D., de adquirenda vel amittenda possessione, 41, 2, Ulpiano diz: se a coisa me foi restituida por mandado do juiz, assentou-se que se me dá acessão (... si iussu iudicis res mihi restituta sit, accessionem esse mihi dandam placuit). Na L. 13, § 2, já Ulpiano se referia à disputa entre se permitir a acessão de resolução ou de redibição. 3. “Accessio possession is” na usucapião, segundo o direito brasileiro. Tratando-se de direitos, uns são transmissíveis, outros não. Tratando-se de posse, que é fato, e não direito, em verdade quem possuir depois de outrem possui porque tem poder fático, e não porque o antecessor possuía. A posse pode aceder à posse de outrem, juntar-se a ela, por sucessão. O sucessor universal continua de direito a posse do seu antecessor: a transmissão éexcepcional e já significa que a vida se amoldou fundamentalmente ao direito. A posse transmite-se com os mesmos caracteres aos herdeiros e legatários do possuidor, as regras juridicas a respeito são assaz relevantes em matéria de usucapião. Para a acessão da posse, é preciso que o que a alega tenha posse: “Ei, qui non possidet, auctoris possessio accedere non potest”; “Acessio sine nostro tempore nobis prociesse non potest; “Acessio nemini proficit ei, qui non possedit”. O que não possui não pode aceder à posse de outrem. Se não temos tempo nosso para aceder ao de outrem não podemos pensar em acessão. Acessão não aproveita a quem a possui. Acede à posse de outrem a posse que se tem, se se sucedeu ao predecessor. Se falta posse, no intervalo, não há cogitar-se de acessao: ‘si medius aliquis ex auctoribus non possederit, praecedentium auctorum possessio non proderit, quia coniuncta non est” (Venuleio, L. 15, § 1, D., de diversis temporalibus praescriptiorúbus et de accessionibus possessionum, 44, 3). A acessão ocorre não só pelo tempo em que a coisa esteve em poder daquele de que

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alguém a comprou como também pelo tempo em que esteve em poder de quem vendeu à pessoa a quem comprou. Mas, se alguém dentre os predecessores (medius aliquis ex auctoribus) não houver possuído, não aproveitará a posse dos autores anteriores, pois que não está conjunta, como também não pode aceder à posse do predecessor quem não possui.

O sucessor universal entre vivos não tem, hoje, a saisina, nem escapava, em direito romano, às regras sobre a accessio possession is.

O herdeiro que recebeu a posse de má-fé, não pode alegar a sua boa-fé, com eficácia ex tunc (2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, 2 de janeiro de 1948, RF 119/117: “A prescrição ordinária requer a posse titulada e a boa-fé, não só ao se iniciar a prescrição, mas em todo o decurso do tempo. Embora para o herdeiro se dê, não a acessão de posse, mas a successio in usucapionem, não pode ser proveitosa àquele, para a prescrição ordinária, a posse que, sem boa-fé, exercia seu autor”). Porém isso não quer dizer que não se possa iniciar novo período, com a boa-fé, que não se presume. Se não estava de boa-fé, o prazo é de tempo longo, com a accessio passessianis (4ª Câmara do Tribunal de Apelação do Distrito Federal, 20 de fevereiro de 1945, RF 105/313; 5ª Câmara, 21 de novembro de 1941, 90, 429). Enquanto não se procede à partilha ou à divisão, a herança os herdeiros) usucape o todo (Câmaras Civis do Tribunal de Justiça de São Paulo, 8 de maio de 1931, RT 79/114: “O espólio, pelos co-herdeiros, embora cada um possuindo para si, pode adquirir por usucapião”).

O erro de direito não pode ser invocado para a bona fides (Pompônio, L. 4, D., de iuris et facit ignoran tia, 22, 6: “luris ignorantiam in usucapione negatur prodesse: facti vero ignorantiam prodesse constat”; L. 32, § 1, D., de usurpationibus et usucapionihus, 41, 3: “quia in iure erranti non procedat usucapio”; L. 2, § 15, D., pra emptore, 41, 4: “non capies usu, quia luris error nuíli prodest”; Paulo, L. 31, pr., D., 41, 3: “Numquam in usucapionibus iuris error possessori prodest”. Se alguns juristas, no direito comum, trataram do título putativo e admitiram o erro de direito, foram vitimas de desconhecimento reinante sobre a natureza do erro de direito. As fontes são expressivas (cp. F. C. von Savigny, .System des heutigen Rãmischen Rechts, III, 334 S.; Bemhard Mager, Der Begriff der bona fides hei der Ersitzung, 85 s.

Se o possuidor posterior não é sucessor universal, nem singular, não há pensar-se em qualquer successio in usucapionem, nem em accessio possession is. A usucapião tem de iniciar-se. O possuidor da herança, que não é herdeiro, ou foi, afinal, excluído da herança, somente conta para usucapião o tempo da sua posse. E de discutir-se se, estando de boa-fé, usucape antes de prescrever a pretensão do herdeiro à herança. A verdadeira opinião, de lege ferenda, está contra a solução alemã (Código Civil alemão, § 2.026): o possuidor da herança só não usucape perante o herdeiro. Note-se a adificialidade da solução técnica com essa esporádica propriedade relativa. Paul Oertmann (Das Problem der relativen Rechtszustándigkeit, Jherings Jahrbàcher, 66, 289 sã procurou interpretar o § 2.026 (recorrendo ao princípio de sub-rogação). Alguns, como Franz Leonharci (Erhrecht, 160) e Eriedrich Endemann (Lehrbuch des Búrgerlichen Rechts, III, 2, 8ª-9ª eds., 1159 e 1184) excluem a aquisição pelo possuidor. Outros (E. g., Theódor Kipp, Lehrhuch des Búrgerlichen Rectas, V, § 70, II) frisam que tudo se havia de passar no plano do direito das obrigações, porém o § 2.026 foi mais longe.

Em vez disso, Mosse (Die Bildung von Legalgriffen, 19) pensou na propriedade dupla, que existe, lá fora, quanto aos dois; e H. Schachian (Die relative Unwirksamkeit der Rechtsgeschãfte, 196), em propriedade relativamente ineficaz, o que mais se ajusta aos princípios (o possuidor adquire a propriedade ante todos, porém não pode essa ter eficácia quanto ao herdeiro). No direito romano, a usucapião pro herede não beneficia o possuidor da herança perante os herdeiros (Gaio, 11, 57): et ideo potest heres ab eo qui rem usucepit hereditatem petendo proinde eam rem consequi, atque si usucapta non esset”). Cf. L. 1, pr., D., quorum honorum, 43, 2.

No direito brasileiro, não há regra semelhante à do Código Civil alemão, § 2.026, nem recebemos a solução romana, que era quase a mesma; a usucapião pode dar-se sem ter corrido todo o prazo para prescrever a pretensão à herança.

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§ 46. Pressupostos da usucapião por tempo longo 1. Conteúdo da regra jurídica sobre usucapião por tempo longo. Quando se diz que, com a posse por tempo longo se adquire o domínio, independentemente de título e de boa-fé, estabelece-se ser suporte fático suficiente o suporte em que haja pessoa que possa usucapir, coisa usucapível e posse de dono durante o tempo estabelecido pela lei. De modo nenhum se alude a presunção de boa-fé, ou quejandos elementos subjetivos. Dispensou-se, não se presumiu. Por isso, foi incorreto o acórdão da Câmara Cível da Corte de Apelação de Minas Gerais, a 18 de maio de 1937 (RF 7 1/135), que aventurou: “As ordenações exigiam, no caso, a boa-fé. E certo que, em se tratando de prescrição de trinta anos, a boa-fé era presumida. Mas aqui se tratava de presunção simples legis tantum, que admite prova em contrário. De resto, a presunção de que se trata sempre existe em matéria de posse. A boa-fé sempre se presume. A quem a contesta, incumbe o ônus da prova”. Primeiro, não é verdade que a boa-fé, ai, se presuma. Segundo, nenhuma presunção há nas regras juridicas sobre usucaplão por tempo longo. Terceiro, admitir-se, na ação de usucapião por posse por longo tempo, prova de má-fé é heresia jurídica, O erro de apontar-se regra jurídica de presunção tem-se repetido (Câmara Cível do Tribunal de Apelação de Minas Gerais 2 de março de 1939, RF 78/529; 3ª Câmara Civil da Corte de Apelação de São Paulo, 4 de dezembro de 1936, que falou, até, de presunção iuris tantum). 2.Usucapião e prescrição. O prazo prescricional, para as ações reais, é de quinze anos durante a ausência do titular. Pergunta-se: se está ausente algum interessado em que se não declare a usucapião por parte de alguém, como se é o que do registro do imóvel consta como dono, jontam-se por mais cada ano de ausência? Sim; porém não em virtude de remissão à prescrição, pois a remissão, que há, é só à suspensão e à interrupção, e sim em virtude da regra jurídica sobre prazos em caso de justo titulo de boa-fé que trata da usucapião com boa-fé. A usucapião após longo prazo nada tem com essa diferença de extensão do prazo para se usucapir. Somente quanto à usucapião em cujo suporte fático se exige o elemento de boa-fé é que se atende àpresença ou ausência do interessado. O tempo de ausência écontado conforme a lei. Se o interessado alega que possuiu em algum momento do trato de tempo findo o qual se poderia dar a usucapião, esse trato de tempo é relativo subjetivamente ao interessado (subjetividade passiva). Assim, se B diz que usucapiu e A, dono do prédio, esteve ausente dois anos e um mês, épreciso que B haja possuído, com os mais pressupostos diferenciadores (cf. Supremo Tribunal Federal, 2 de dezembro de 1927, AJ VIII, 112). § 47. Pressupostos da usucapião por tempo breve 1.“Tempus”, “bona fides”, “titulus iustus”. A usucapião breve supõe posse, justo titulo, boa-fé e tempo. De modo que a posse do usucapiente deve ter procedido de alguém, não-dono, ou dono, que lhe deu o título. Não importa que, ao dar o título, o autor tenha a posse, ou, sequer, a detenção; basta que, desde o momento em que se conta o tempo, tenha podido transferi-la ao usucapiente. O titulo há de ser, pelo menos, contemporâneo de início da posse. Se é posterior, somente se conta o tempo da posse e do título e da boa-fé a padir do início do último elemento. O título é o negocial, incluída a datio in sol utum, de que provém a título pro soluto, ou do direito hereditário. 2. “Res habilis”. Objeto da usucapião é o objeto da posse. Tratando-se de usucapião breve, o título circunscreve-o: o objeto da posse, com que se pode usucapir, é o do título, enquanto nele cabe, e somente, em relação ao titulo, até onde ela vá. Portanto, o objeto da usucapião é o da posse até onde corresponda ao título; o objeto do título, até onde seja possuído (Paulo, L. 2, § 6, D., pro emptore, 41, 4: “Cum Stichum emissem, Dama per ignorantiam mihi pro eo traditus est”). Donde ser de riscar-se, por inexato, o ‘Tantum praescriptum quantum possessum, que só se pode referir à usucapião por longo tempo.

Se há posse da pertença, durante o tempo do prazo, há usucapião da pertença. Se a sentença foi acrescentada durante o curso do prazo, tem-se de raciocinar como se o possuidor usucapiente fosse o dono ao tempo do acrescento.

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3. Boa-fé. O usucapiente tem de alegar em juízo a boa-fé. Não precisa prová-la, se invoca a posse com justo título. Se não foi alegada a boa-fé, a petição é inepta; se o juiz não a repeliu, pode o interessado provar a má-fé, ex abundantia, porém não tem o ônus da prova. Se o usucapiente alegou o seu direito na ação de reivindicação, sem se dizer de boa-fé, a despeito de invocar as regras jurídicas sobre usucapião a breve prazo, é de acolher-se o pedido de reivindicação.

A regra jurídica Ohm possessor et bodie possessor, interea possessor nada tem com a boa-fé. E regra de presunção homin is:se fui possuidor outrora e hoje o sou, presume-se que o fui no intervalo. Não será de confundir-se com a regra Quisquis praesumitur honus, que o direito brasileiro não tem, e essa, sim, concerne à boa-fé. Se posse em nome próprio existiu e hoje existe, presume-se ter existido no tempo intercalar. Não é, porém, no direito brasileiro, presunção iuris tantum (tem-na o Código Civil alemão, § 938). É apenas presunção hominis (com razão, a Câmara Cível do Tribunal de Apelação de Minas Gerais, 20 de julho de 1938, RF 76/333). 4. Justo título. O justo título deve ter existido ao longo de todo o prazo para a usucapião. Causa, sendo efeito a posse, somente influi enquanto existe — razão por que toda desconstituição, que o atinge, toma, insuficiente o suporte fático para a usucapião (anulação, rescisão, resolução, cf. L. 2, D., de in diem addictione, 18, 2). Adquirida a propriedade pelo usucapiente, não mais importa a anulação, ou a rescisão, ou a resolução.

a) Se o titulo é nulo, não se pode pensar em usucapião breve. Se é nulo o título, não é justo. Quanto à propriedade mobiliária, não transfere o domínio a tradição quando tiver por titulo ato nulo: se é anulável, dá-se a transferência. Se nulo, com ele, a tradição não transfere o domínio, nem basta ele à usucapião breve. Quanto à propriedade imobiliária, ao título nulo nega-se registro e, sem o registro, não pode produzir o efeito que se lhe espera segundo a regra jurídica sobre usucapião por tempo longo. Se, a despeito da nulidade, foi registrado, a questão se desloca: se com o registro se adquiriu o domínio, não há pensar-se em usucapião pelo que é dono; se não teve tal eficácia, não há a considerar-se mais que o título em si, que é nulo. Aqui, não cabe discutir se as nulidades cuja decretação depende de sentença (e. g., nulidade da escritura pública) hão de ser tratadas como as outras.

b) Não se há de distinguir do título oneroso o título gratuito. O tratamento jurídico é o mesmo. A diferença somente exsurge em se tratando de enriquecimento injustificado. Nem se diga que, se a coisa é de outrem, a doação é nula, por ser a suidade condicio juris. Se a tradição se deu, ou se deu a transcrição, não só pode incidir o princípio de haver a transmissão de posse por outrem, como se ter de tutelar a fé pública. A doação de coisa de outrem e o legado de coisa de outrem podem ser justo título. (A respeito é de observar-se que a doutrina em tomo do Código Civil italiano é de todo contrária à história, inclusive em relação ao ad 1.599 do Código Civil francês, cf. C. Bufnoir, Proprieté et Contrat, 2ª ed., 298).

c) O titulo anulável não obsta à usucapião breve. E título eficaz, posto que desconstituível. Enquanto não se lhe decreta a anulação, produz efeitos; não se explicaria que não bastasse como justa causa usucapion is. Ao fim do prazo, o possuidor de boa-fé adquire a propriedade, porque tem o título. Se, antes de se completar o prazo, advém a anulação do título, o possuidor sofre as conseqúências de tal desconstituição ex tunc. Quase sempre, a pretensão à anulação prescreve antes de se completar o prazo da usucapião.

d) Se o negócio jurídico de que provém o direito do autor é rescindível ou resolúvel, a rescisão ou resolução atinge o adquirente idôneo a usucapir, se operada antes.

e) Quanto à propriedade imobiliária, não há aquisição sob condição suspensiva. De modo que se não poderia cogitar de aquisição. Aliás, quanto à propriedade imobiliária, durante o estado de pendência, não pode haver posse de boa-fé, pois o possuidor reconhece a titularidade do alienante e a sua posse direta. Nem se poderia pensar em eficácia ex tunc, conceito do mundo jurídico, a propósito de situações possessórias que iure civili mutari non possunt, por serem, apenas, conceitos do mundo fático.

O justo título é o elemento fático, relativo, da usucapião; a posse e a boa-fé são elementos fáticos absolutos, porque hão de existir erga omnes (Karl Adler, Die Wirkungen des Rechtsirrthums, Jherings

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Jahrhiicher, 33, 181 s. e 187 s.). Se se considera o justo título apenas como elemento constitutivo da boa-fé, tem-se de considerar a ambos como relativos. Não é essa a solução. A posse existe quando, fora da desconstituição do título, estaria excluída qualquer pretensão do transmitente ou seus sucessores à restituição da coisa; e, em relação ao dominus, se o transmitente não o era, sempre que o dom inus tivesse de o tratar como possuidor de boa-fé.

No estudo das relações entre titulo e a boa-fé, tem-se interpretado o suporte fático da usucapião breve como contendo a) justo título + posse de boa-fé + tempo, ou h) justo título + posse + boa-fé i- tempo, ou c) justo título com boa-fé + posse + tempo. A última é a mais velha, com E. C. von Savigny (System des Reutegen Rômischen Rechts, III, 369 s.) e B. Windscheid (Lehrbuch des Pandektenrecht, 1, 9ª ed., 921 s.). A primeira entronca-se em R. Stintzing (Das Vi/esen uon bona fides und titulus, 59 s.) e em C. G. Bruns (Das VQesen von bona fides hei der Ersitzung; 96): o justo título não produz a boa-fé; a boa-fé pode existir sem o justo titulo. A posse é que teria de ser de boa-fé. Por isso, a regra sobre se presumir de boa-fé quem possui com justo título incide em matéria de usucapião.

O título putativo, isto é, o crer-se que se adquiriu sem existir o título não basta (aliter, no direito romano, L. 11, D., pro emptore, 41, 4); e enganamo-nos Lafaiete Rodrigues Pereira (Direito das Coisas, 1, 185) e eu (Tratado de Direito Predial, 1, 107). O direito brasileiro exige o título existente, mesmo que não haja transferido; não basta o título in existimatione. O título há de ser existente, posto que, para a constituição do direito real, ineficaz. Se não existe, não pode ser justo, não pode ser idôneo.

Justo título é a iusta causa, a causa hábil à aquisição do domínio, em se tratando de usucapião do domínio. Ocupação étítulo, tratando-se de bens móveis; não o é, tratando-se de bens imóveis. A acessão, sim. Quanto à exigência do registro da escritura de aquisição, isto é, da escritura em que há o acordo de transferência, e há de ser pública se o valor foi acima de que a lei fixou, fe-la a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, a 11 de novembro de 1947 (Ad 86, 213), citando, a respeito, a Lafaiete Ródrigues Pereira (Direito das Coisas, § 68). O que o autor disse foi que o ser transcrito no registro geral da comarca é “requisito tão-somente exigido para que possa prevalecer contra as hipotecas inscritas, constituídas no mesmo imóvel”. Hipotecas ou outro direito real limitado, ou até alguma eficácia erga omnes obtida em virtude de registro (e. g., registro do negócio jurídico de locação). Mais ainda: o autor, à nota 8, explicitou que “a prescrição fundada em título não registrado pode ser oposta e prevalece contra terceiros, exceto se forem credores por hipoteca inscrita, ou antes só não vale contra hipoteca inscrita”. A 2ª Turma fugiu aos princípios e procurou apoiar-se em quem sustentou o contrário. O mesmo ocorreu na 2ª Turma, a 6 de julho de 1948 (RE 122/116) e no Tribunal de Justiça de Alagoas, a 22 de novembro de 1949 (RJB 77/206). Por outro lado, a insistência em só se referir a usucapião do adquirido a non domino peca pela base: o título justo pode não ter transferido o domínio, embora o outorgante fosse dômino (e. g., não havia morrido, como se supunha, a mulher do outorgante). Se a posse é de boa-fé e houve transcrição do título, operou-se a transferência e, assim, patente é a superfetação da ação de usucapião: seria usucapir de si mesmo. Viu-o bem a Câmara Cível da Corte de Apelação de Minas Gerais, a 11 de novembro de 1936 (RF 69/122): “A pretensão de ser dono pela usucapião descombina com título transcrito, pois a transcrição é também modo de adquirir a propriedade. E não se pode adquirir o já adquirido”. E pena que o resto do acórdão transcreva, contraditoriamente, o trecho de Clovis Bevilacqua (ainda como solução errada, a Câmara Cível do Tribunal da Relação de Minas Gerais, a 17 de setembro de 1930, RF 55/352, a Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 10 de março de 1931, RT 78/112, e a 2ª Turma do Tribunal de Apelação de Pernambuco, a 22 de agosto de 1941, RF 10/247).

Em todas essas decisões contra direito desatende-se a que: a)se o título foi transcrito e houve boa-fé, se transferiu a propriedade — portanto, é absurdo exigir-se para a usucapião título justo transcrito e boa-fé; h) se tem confundido, na maioria dos acórdãos, plano da existência e plano da eficácia — o que se exige é o títulus hahilis ad dominium tranferendum, e não o título que haja transferido (se transferiu, tailitur quaestio); c) uma coisa é idoneidade a transferir e outra transferência, de modo que o possuidor que tem título hábil a transferir, isto é, que pode ser registrado, tem título hábil, justo título, título de acordo com a lei, legitimo; d) quando o Código Civil alemão, § 900, teve de adotar a usucapião tabular, procurou ser claro, porque se trata, em verdade, de outra instituição, que não temos (§ 900, 1ª parte: “O que é inscrito no livro fundiário como proprietário de um imóvel, sem ter adquirido a propriedade, adquire a propriedade se a inscrição durou trinta anos e, durante esse tempo, teve posse própria sobre o imóvel”) — não se exige, na usucapião tabular, boa-fé, e a instituição,

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estranha ao nosso direito, desenvolveu-se na Austria e em Héssia. Orça pelo desvario querer-se introduzir tal instituição no direito brasileiro, remontando-se, apenas, a trecho de Lafaiete Rodrigues Pereira, que os repetidores não leram bem.

A 1ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 15 de fevereiro de 1949 (RT 179/291), feriu ponto delicado, ao aceitar, para servir de base à usucapião: “A procuração em causa própria outorgada ao detentor do imóvel, mediante a qual adquiriu (?) ele, para si próprio, o domínio. A sua boa-fé decorreu dessa procuração”. Note-se bem: quem tem título de aquisição e ainda não foi registrado, pode usucapir, porque o título é hábil ad dominium transferendum; o que é outorgado de procuração em causa própria tem título para lançar título de aquisição, não ainda título de aquisição, a que só faltasse eficácia. Não lhe falta só o registro; falta-lhe o exercício da procura. Seria título hábil de segundo grau (procuração em causa própria + negócio consigo mesmo = título hábil de primeiro grau): se se exigisse o registro ao título hábil de primeiro grau, como erradamente, se tem decidido — a fortiari, quanto ao título hábil de segundo grau. Por aí se vê que quão longe foi — na definição de titulo justo — a 1ª Câmara. A situação é parecida com a que ocorre a respeito dos &Ss tempos na aquisição em hasta pública: ato de arrematação (cp. 4ª Câmara do Tribunal de Justiça de São Paulo, 20 de abril de 1950, RT 187/128: “A sentença entende que a justa causa possessionis decorre do ato da arrematação, pela qual se operou a transferência da posse, e não da cada respectiva, ou de seu registro, verificado quase dois anos depois, acrescentando que, como aquele ato se tenha verificado em 15 de setembro de 1933, ao ser iniciada a ação já havia decorrido mais de onze anos”). Ora, a arrematação considera-se perfeita e acabada com a assinatura do auto de arrematação. O domínio não se transfere por ele; é preciso que se registre a cada de arrematação. A arrematação perfaz-se com a aceitação do lanço; acaba-se, formalmente, com o auto. Nem mesmo a cada de arrematação transfere o domínio, mas é o título do negócio jurídico, o títulus factae auctianis. Após o auto, lançadores, executado e juiz não podem voltar atrás, contra proprium factum. O que há de particular, nesse modo de alienação, é a resolução, por falta do pagamento da arrematação ou incapacidade de contratar, ou oferecimento de outro lançador, ou abertura de falência, ou estarem os bens, contra o edital, gravados. Há a embargabilidade pelo executado e por terceiros, mas isso tem por consequência, ao vencer o embargante, desfazer-se o remate. Se nada sobreveio ao auto de arrematação, é transferente da posse, e hábil à extração da cada para ser registrada. O titulus lustus é o auto de arrematação; a cada é a decisão — traslado do auto de arrematação mais os elementos históricos, fiscais e contabilísticos, que a lei entende serem necessários à comodidade do adquirente e segurança da circulação dos bens. A teoria do título hábil de segundo grau que se percebe nos julgados da 1ª Câmara do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 15 de fevereiro de. 1949, e da 4ª Câmara, a 20 de abril de 1950, merece toda simpatia. Mas obriga a que se considere justo título a promessa de venda, se foi registrada, seguida de entrega da coisa, ou, se houve tal entrega, ainda que não tenha havido registro, em relação ao promitente da venda.

Cumpre notar que se está a raciocinar com título que tem eficácia em relação ao interessado que se paresenta contra a usucapião. Não se pode apresentar como título para se adquirir, por usucapião contra outrem, escrito particular que não tem efeito erga omnes. Não se confunda efeito erga omnes com efeito real: se o titulo tivesse eficácia real, seria bis in idem pensar-se em usucapião. A procuração em causa própria por escritura pública, o contrato de compra e venda por escritura pública, com acordo de transmissão, são de eficácia erga omnes, como titulo; não têm ainda eficácia real.

Não é justo título: escritura pública sem as formalidades legais, e. g., sem a assinatura do outorgante ou do outorgado (1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, 15 de abril de 1943, RT 153/722), ainda se foi obedecida a lei estrangeira (1ª Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 12 de novembro de 1945, RT 165/235), incompetente na espécie; a escritura particular de alienação acima do que a lei fixa. § 48. Ação de usucapião 1. Ação de usucapião. Na ação de usucapião, o autor pede citação dos interessados, que são o público, aliás os ex publico interessados, incertos, ou alguém que era dono do imóvel, ou que se diz dono, ou que pretende ter posse, e a citação dos confinantes do imóvel. Esses e aqueles têm de contestar o pedido no prazo da lei, contado da citação. A citação dos réus em lugar incerto e de eventuais interessados faz-se por edital, com o prazo que a lei fixa (Código de 1973, ad 232, IV), publicando-se pelo menos duas vezes em jornal local, onde houver, e

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uma vez no órgão oficial do Estado. Tem de ser citado aquele em nome de quem esteja registrado o imóvel, ainda que haja sentença contra o registro, se não transitou em julgado. No processo intervém o Ministério Público, com a função que lhe incumbe.

A usucapião está interrompida se o possuidor foi esbulhado, não retomou, por justiça de mão própria, a coisa, nem obtém sentença judicial que o reintegre, reconhecendo-lhe a posse até o momento do esbulho e retirando ao esbulho qualquer eficácia. A reintegração tem eficácia ex tunc: e execução que restitui a posse, integralmente. Posse havia; posse foi tomada, injustamente, restitui-se a posse. Tal situação de modo nenhum se confunde com a de quem tem direito à posse e não a tinha, como reivindicante: ter direito à posse não é o mesmo que ter posse. 2. Processo. A ação de usucapião, sabendo-se quem figura como proprietário no registro de imóveis, pode ser exercida contra esse. Ação declarativa, tem força material de coisa julgada, como a ação declarativa típica. Exige-se que o procedimento seja edital quanto aos réus em lugar incerto e eventuais interessados (Código de 1973, Ad 942). Se forem dois ou mais os réus, a regra jurídica de se iniciar o prazo com a última citação é aplicável. Se foram citados, alguns individualmente, outros por edital, o prazo tem de ser contado segundo a mesma regra quanto aos citados por mandado, pois o edital tem o seu prazo.

a) Se nenhum interessado contesta, cumpre atender-se a que a falta de comparecimento para contestar tem efeitos de contumácia, e não de declaração de vontade pelo silêncio. Se a posse, que é o elemento precípuo, ainda quando se tenha de exigir o pressuposto da boa-fé e do justo título, está provada, de modo convincente, o juiz lança a sentença, que é declarativa, em julgamento antecipado da lide. Não há necessidade de qualquer outra diligência. Não impede isso que, entre a expiração do prazo e a sentença, o juiz ordene as diligências necessárias à instrução do processo e indef ira as inúteis ou meramente protelatórias, aplicando o ad 130 do Código de Processo Civil. Se nenhum interessado contesta o pedido dentro do prazo e a posse está devidamente justificada, o juiz, de plano, julga procedente a ação. Não provada a posse, ou contestada a ação o juiz, no saneamento do processo, marca audiência para instrução e julgamento, seguindo o processo o curso ordinário. O juiz, se não há contestação e a posse está comprovada (= nada ocorreu que bastasse para se ter por inveraz a comprovação), julga a ação de usucapião, sem outras indagações, inclusive quanto a existência de interessados (4ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 22 de junho de 1950, RT 188/685). Essa comprovação pode sofrer objeção pelos citados, ou pelo órgão do Ministério Público, ou, por livre convencimento do juiz (ad 131). Tem de ser ordinário o curso do processo. Pode o juiz verificar que não houve, verdadeiramente, comprovação. Também aqui a ordinariedade do processo se impõe. A contestação exige-o sempre.

Portanto, pode haver além da contestação a exceção, ou a reconvenção, no prazo de quinze dias (art. 297). Os arts. 297-302 são invocáveis. Bem assim, quanto às exceções, os arts. 304-306, quantoa incompetência, os arts. 307-311, quanto ao impedimento e a suspeição, os arts. 312-314, e quanto à reconvenção, os arts. 315-318. Se os citados não contestam a ação, tem-se por verdadeiros os fatos afirmados pelo autor (art. 319), observados os arts. 320-322. Se não há contestação, porém o juiz verifica que não houve efeito de revelia, tem de mandar que o autor especifique as provas que pretende produzir na audiência (art. 324). Se houve contestação que atinge o direito que foi o fundamento do pedido (e. g., o autor teria proposto a quem seria o proprietário anterior a compra do imóvel usucapiendo), pode o autor da ação de usucapião requerer que o juiz profira sentença incidental, se da declaração do direito de usucapião depende, no todo ou em parte, o julgamento da lide (arts. 325 e 5ª). Se o réu reconhece a posse contínua do autor da ação de usucapião, mas pode opor fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, este é ouvido no prazo de dez dias, facultando-lhe o juiz a produção da prova documental (ad 326). Os arts. 327-461 incidem, conforme os pressupostos que se componham. Trânsita em julgado a sentença de usucapião, expede-se o mandado de registro. Se alguém não foi citado e não compareceu, a sentença não transita em julgado quanto a essa pessoa. Tendo havido citação edital dos ‘interessados” (pessoas ignoradas ou incertas), ou a alguém que se achava em lugar ignorado, incerto ou inacessível, e as circunstâncias não mudaram, não têm de ser intimados da sentença também por edital, porquanto essa intimação se considera feita pela só publicação do decisum no orgão oficial (art. 236), se na audiência de instrução e julgamento a sentença não fora publicada (art. 242, § 1ª). A sentença passa em julgado,

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quanto a eles. Se, o que é outra questão, a despeito de não ter transitado em julgado, quanto a alguém, a sentença, o juiz mandou registrá-la, ao que deveria, mas não foi citado cabe apelar: na apelação pode-se reformar a sentença e mandar cancelar o registro. Tal cancelamento somente não se pode operar se terceiro, imune à res iudicata, depois do registro, adquiriu o imóvel ao usucapiente, ou já era sucessor desse. Também os direitos reais limitados, constituídos depois, estariam incólumes. Por isso mesmo, é aconselhável que a apelante requeira a averbação da intimação do apelado (Código de Processo Civil, art. 518) no registro de imóveis (Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, art. 167, II, 12), para evitar aquisições pelo registro (Código Civil, art. 530, 1). O julgado da 3ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 7 de dezembro de 1950 (RT 190/753), confundiu espécies diferentes. Não só o citado pessoalmente tem de ser intimado da sentença; todos os citados por edital, ou não, têm de ser intimados. Quem foi citado não é terceiro.

b) Se a posse não foi provada, ou não consta de sentença, ou de documentos que o juiz entenda provem, “devidamente” a posse, ou se, a despeito da prova oferecida, houve contestação, a ação prossegue com o rito ordinário, um de cujos atos judiciais típicos é o saneamento do processo. Tanto da sentença, no caso de não contestação, quanto no de contestação, cabe recurso de apelação, em ambos os efeitos. 3. Eficácia da sentença. Quanto à eficácia da sentença trânsita, formalmente, em julgado, trata-se de sentença declarativa, segundo dissemos, portanto de eficácia só interpartes (daí a necessidade de se citarem os interessados, para que haja contra eles força de coisa julgada material). Tem ainda o efeito — não força — mandamental, que lhe provém do mandado para registro. A diferença está em que não depende de requerimento da parte, nem de ato dela, o proceder o oficial ao registro. Já dissemos que a ação é declarativa. A ação de usucapião estendida à servidão não é de natureza diferente. A pretensão mesma, que está àbase de tal ação, é a de quem usucapiu a servidão. A ação de usucapião da servidão não se confunde com as ações correspondentes à pretensão dos confinantes, no tocante a parede divisória, ou a passagem forçada, ou a recebimento de águas. Tampouco se refere a regra jurídica sobre usucapião às servidões que se constituem em ações divisórias (communi dividundo, familiae erciscundae) ou na demarcação, se, por exemplo, a área con-fundida tem uso que, padida a área, tenha de ser construído como servidão (“si iudex alii proprietatem adiudicavit”, como dizia Gaio, no Livro 7, ad edictum provinciale). A força da sentença proferida a esse respeito é constitutiva.

A sentença, na ação de usucapião, tem eficácia interpartes, atingindo todos os legitimados passivos citados por edital. A eficácia real, tem-na com o registro.

A carga de eficácia da sentença favorável, na ação de usucapião, é de 5 de declaração, 4 de madamentalidade e 3 de constitutividade. Por isso, não há registro imobiliário de aquisição por usucapião sem a sentença (elemento sentencial constitutivo); nem se precisa de requerer o mandado — a sentença já deve mandar que se registre. Reclama-se o mandado, não se pede. Sendo a eficácia da sentença só entre partes, ainda que se haja registrado, a ação de reivindicação que teriam terceiros não-citados não preclui: podem eles pleitear a reivindicação (cf. 3ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 16 de junho de 1952, RT 203/218).

4. Efeito mandamental. No final da decisão favorável, deve o juiz acrescentar ao “declaro o ‘registre-se”, de modo que, extraído o mandado, o próprio executor dele pode provocar o oficial do registro. De lege ferenda, a construção teria sido mais pura dispensando-se o “mandado”, porém mantendo-se o efeito de mandamento. As relações com o oficial do registro, a respeito desse registro, são entre ele o e juiz; e não entre ele e a parte, como seriam quanto a outros títulos, ou mesmo outras sentenças registráveis sem que a lei lhes confira o efeito de mandamento.

A usucapião opera-se ipso iure. A sentença, que profere, é sentença declarativa. O registro apenas dá à sentença a publicidade registária, que se passa no plano da eficácia (2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, 6 de junho de 1947, RF 116/121: para o exercício do direito de dispor, com o objetivo de sanear o registro e assegurar o histórico do direito de propriedade, através das sucessões”, devendo-se entender, aliás, “poder de dispor com registro”, porque se pode dispor do que se adquiriu por usucapião antes do registro; V Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Rio Grande do Sul, 29 de outubro de 1941, J 19/644; i~ Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, 25 de maio de 1948, RF 119/497). Por isso mesmo que a sentença é

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declarativa, a usucapião preexiste e pode ser alegada como objeção (2ª Turma, 6 de julho de 1948, 122, 116: “A usucapião pode ser oposta como defesa (é o caso), independentemente da sentença anterior que a declare e que, registrada, sirva de título ao dominus. A usucapião é, como a transcrição, modo de adquirir domínio. E modo ordinário de adquirir domínio, com a perda do antigo dono, cujo direito sucurnbe em face da aquisição”; 20 de julho de 1948, 121, 74: “Quanto à alegabilidade da usucapião como defesa independenternente de sentença anterior, devidamente transcrita, ela é certa e pode também o recorrente invocar, como invocou, em seu prol, a autoridade de J. M. de Carvalho Santos e de Lacerda de Almeida. A usucapião é modo originário de aquisição do domínio. A transcrição de sentença, que a declare, visa, apenas, a publicidade, a resguardar a boa-fé de terceiros e assegurar a continuidade do registro”, 22 de setembro de 1950, AJ 96/292; 6a Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Distrito Federal, 6 de setembro de 1946, RF 112/443, em ação de reivindicação). E erro grave atribuir-se ao registro a aquisição, porque as leis são, de regra, explícitas. (1ª Câmara Cível do Tribunal de Apelação da Paraíba, 22 de março de 1946, RJB 82/58: “... a usucapião, como causa aquisitiva de propriedade imóvel, opera a aquisição do domínio por si mesma, independente da sentença que a reconhecer e do registro desta: a sentença é necessária tão-só para fornecer um título para a transcrição do registro de imóveis; e a transcrição, por sua vez, apenas tem por fim possibilitar ao adquirente a livre disposição da coisa usucapida. Se, como se alega com apoio em J. M. de Carvalho Santos (Cádigo Civil brasileiro interpretado, 2ª ed., VII, 430), a usucapião só operasse a aquisição do domínio após a transcrição da sentença que a reconhecer, então não seria causa de aquisição, como estatui o art 530, III, do Código Civil; a causa seria em tal hipótese a transcrição. Mas, como tem sido explicado à sociedade por Clovis Bevilacqua e Virgílio de Sá Pereira entre outros, a propriedade se adquire pela força mesma da usucapião, de sorte que, verificados os requisitos desta, o possuidor se toma de pleno direito proprietário da coisa; entretanto, não se achando esta registrada em seu nome, não poderá o adquirente aliená-la, ou dela dispor por qualquer meio; e é para isso, para tomar possível a disponibilidade da coisa, que se toma necessária a transcrição, que por sua vez só pode ser feita à vista da sentença que reconhecer a usucapião”; antes, o Tribunal de Justiça da Paraíba, a 5 de abril de 1934, Ai 30/364). O acórdão da 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, a 25 de maio de 1949 (i 31/221), que exigiu à oponibilidade da usucapião ter havido, antes, registro que se pudesse — no processo contra o usucapiente — declarar a usucapião: “A usucapião invocada, também, não é de ser atendida em benefício do réu, porque, como acentua o apelante, a defesa assente exclusivamente na posse, por mais prolongada que seja, para operar a transmissão da propriedade, precisaria ser reconhecida por sentença transcrita no registro geral, nos termos do art. 550 do Código Civil. Segundo os ensinamentos da doutrina, só se admite, no sistema de nossa lei, como prescribente positivo, aquele que se apresentar em juizo munido de sentença de usucapião proferida em processo regular, devidamente transcrita”. A força de tal decisão é apenas entre partes, e não erga omnes, mas seria contra o princípio de economia processual vedar-se a declaração de direito já nascido. Ceda, a 2ª Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, a 18 de novembro de 1941 (RT 136/245): “Não é a sentença, na ação de usucapião, que confere o dominio ao possuidor. O domínio resulta de se haverem congregado todas as condições prescritas em lei: posse mansa e pacífica, com boa-fé presumida e lapso de tempo superior a 30 ou 40 anos (P). Realizadas que sejam essas condições, adquire o possuidor o domínio e tem o direito de opô-lo erga omnes ... Se não tem sentença, cumprir-lhe-á, quando o alega, prová-lo pelos meios permitidos em direito. Se a tem, basta exibi-la. A sentença é simplesmente a declaração solene de um direito. Não é o direito”; e a 3a Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 4 de maio de 1950 (187, 191), confirmando sentença do Juiz de Direito Edmond Acar: “Pontes de Miranda confirma os argumentos expendidos. Eis o ensinamento do festejado tratadista: “A sentença a que se refere o art. 156, § 39, é declarativa e os seus efeitos, ex tunc. Uma vez que a sentença é declarativa, e não constitutiva de direito, o direito existe antes da sentença, e como a reconvenção é ação do réu, o ad 156, § 39, permite a exceção fundada no texto constitucional, de modo que, ao sentenciar, o Juiz há de examinar primeiro o que disse, na reconvenção, o réu. Resta saber se o direito do indivíduo, que se firma no art. 156, § 39, pode ser alegado como matéria de defesa. O problema é mais delicado, porque, como existe a exceção de prescrição, regulada pelo Código Civil, e essa pode ser alegada em qualquer tempo, quase sempre bastará tal alegação de prescrição, aí decenal”.

Qualquer ato de outrem, que ofenda a posse de quem completou o prazo para usucapir, é turbação ou esbulho. Não interrompe a posse que foi elemento do suporte fático da regra juridica sobre usucapião a tempo longo ou a usucapião a tempo breve. Viu-o, e bem, a 3ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 19

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de fevereiro de 1948 (RT 173/627): “A oposição de que se cogita em matéria de usucapião é aquela que se produz ou manifesta no seu decurso. Somente esta lhe quebra a continuidade, porque opõe à vontade do possuidor uma outra vontade que lhe contesta o exercício daqueles poderes inerentes ao domínio qualificador da posse. Ora, a usucapião reclama duas condições, a saber — a atividade singular do possuidor e a passividade geral de terceiros, diante dessa atividade contínua e pacifica, durante trinta anos ininterruptos afirmados. Decorrido esse lapso de tempo “toda oposição será inoperante”, porque esbarrará no fato consumado. Ela poderá atacar a sua constituição mesma, a sua existência material, não intervir para interromper a usucapião, porque já não se interrompe o que se consumou

Se, ao se requerer o registro da sentença de usucapião, o nome de outrem consta do registro, nem por isso se não registra a sentença. A usucapião é modo originário de adquirir. O acórdão da 4ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 20 de agosto de 1931 (RT 80/427), que disse não se poder registrar a sentença de usucapião, porque outro registro dele consta, é de imperdoável ingenuidade. A sentença é o título, título novo, originário.

Outrossim, a regra jurídica do Código de 1939, art. 454 2ª parte (verbís “título hábil para a transcrição no registro será a sentença”), foi reminiscência do direito anterior. Não era a sentença o titulo hábil, a rigor; a sentença havia de ser título para o registro, mas o que prevalecia era a concepção do art. 454, § 2t (“A sentença que julgar procedente a ação será transcrita no registro de imóveis, mediante mandado”). O Código podia ter feito (a) insertos, explicitamente, na sentença o mandamento e o seu instrumento, de modo que o simples “registre-se” levaria consigo aos dois, intimando-se o oficial do registro ou oficiando-se a ele; ou (b) inserto na sentença o mandamento, implícita ou explicitamente, e posterior, necessário, o instrumento mandamental (mandado); ou, ainda (c), inserto o mandamento, implícita ou explicitamente, na sentença, e posterior, a líbito da parte o mandado. A solução (b) foi adotada pelo Código de 1939 O Código de 1973, acertadamente, na esteira do que criticamos ao Código de 1939 (Comentários, Tomo VI, 2ª ed., 363 s), riscou o que, obsoleto, estava no art. 454,2ª parte. O que se tem hoje é o art. 945, com a sua indiscutível cogência: “A sentença, que julgar procedente a ação, será transcrita, mediante mandado, no registro de imóveis, satisfeitas as obrigações fiscais”.

O Código estende o processo da ação de usucapião às servidões. Aliás, a pretensão mesma, que está à base de tal ação, é a de usucapir a servidão. Tanto dela se abusou que uma lex Scribonia a teve de abolir. E de crer-se que existisse a favor das servidões prediais. E a lei citada pecou pelo excesso oposto e introduziu-se a longa possessio, também extensiva a todas as servidões (sem razão, os que excetuavam as descontíntias, desde a Glosa até B. W Pfeiffer Praktische Ausfiihrvngen, II, 116, —certo, F. C. von Savign, System, IV, 480; ou as pessoais, certo B. Windscheid, Lehrbuch, 1, 1091, ou as negativas, como Ludwig Besseli, Uber die Lehre von der Erwerbung, Archiu fúr die civilistische Praxis, 13, 410, tais como a altius non toilendi, a luminibus, a prospectia non officiendi, a stillicidium non averten di). A ação de usucapião não se confunde com as ações correspondentes à pretensão dos arts. 580, 579, in fine, 559-562, 563-568 — estes, com a substittíição operada pelo Código de Águas, Decreto nº 24.643, de 10 de julho de 1934, ad 69— do Código Civil de 1916, que são ações diferentes. Nem mesmo se refere o art. 941, às servidões que se constituem em ações divisórias (communi dividundo, familiae erciseundae), ou na demarcação, se, por exemplo, a área confundida tem uso que,partida a área, tenha de ser construído como servidão (‘si iudex alii proprietatern adiudicavit”, como dizia Gaio, Livro 7, ad EdictLIm prouinciale). O efeito da sentença, a esse respeito, é comtitutivo. 5. Posse própria imediata. A concepção da posse, qual hoje se tem no direito brasileiro, põ~ ao vivo o problema da usucapião por intermédio de terceiro. Tratando-se de servidor da posse, claro é que não se pode pensar em qualquer papel desse no suporte fático da usucapião. Quem possui é o senhor da posse; o servidor da posse serve, não possui. O serviço de posse pode ser, quando muito, elemento para a prova da posse do senhor da posse a que alguém serve. Pois que, se a alguma posse se serve, tal posse, que se determine, existe; se bem que o simples depoimento do servidor da posse não baste. Pode ser que se creia servir a posse que não existe; e o servidor da posse a cada momento se confunde com o servidor da posse própria com o servidor da pose não-própria (e. g., serve ao locatário, supondo qtic o titular da posse é o dono, isto é, tem posse plena).

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No direito romano, o problema só se prendia, por bem dizer-se, ao serviço da posse (escravos, filhos, pecúlio, cf. C. A. MólIenihieI, Uber die Natur des guten Cio ubens bei der Verjohrung, 50 s.; Richard Scheu, Uber die Ersitzung durch Dritte, 6 s.).

Quanto à posse imediata (usufrutuário, usuário, habitador, depositário, locatário, comodatário), também se pode dar que B possua imediatamente, e falsamente suponha que seja possuidor mediato A. Se B. possui e A não possui, o pressuposto para usucapião não se compõe para A, porquanto, se posse existe, é só a imediata, de que não resulta posse ad vsucapionem. Somente a posse própria, plena ou mediata, gera a usucapião. A posse própria é o elemento para a propriedade. Muito diferente é o que se passa com orgão da pessoa jurídica. Quem possui é a pessoa jurídica. Tratando-se de representante, a representação pode ser para adquirir ou para exercício da posse imediata; mas o requisito da posse própria é no usucapiente que se há de exigir. Veja Tratado de direito privado, Tomo X, §§ 1.071, 1, 4 e 1.079.

Usucape quem tem posse plena ou propria mediata. O órgão da pessoa jurídica presenta-a.

O possuidor pode, para o fim de contar o tempo exigido para usucapir, acrescentar à sua posse a do seu antecessor, contanto que ambas sejam continuas e pacificas. Já é principio hásico que ao sucessor singular é facultado unir sua posse à do antecessor, para os efeitos legais. Assim, o legislador entende repeti-lo a propósito da posse ad usucapionem. O autor do projeto zurziu a regra jurídica sobre o acrescento, a respeito de usucapião, por lhe parecer que só se tinha de redigir regra jurídica para usucapião a tempo longo, pois que não se aludia à boa-fé. O pressuposto da boa-fé é outro pressuposto que o da posse. A regra jurídica, que se refira à usucapião, só trata da posse e só da posse tinha de tratar. O problema da accessio possessionis era o que se lhe apresentava; e afastou que se pudesse levar em conta a posse que não se liga, temporalmente, a outra (— com descontinuidade), ou posse que fora reconhecida como violenta, clandestina ou precária (não-’pacífica”). Foram assuntos, esses, de que cogitamos, frisando o que se põe e o que não se põe, na accessio possession is, ao se proceder ao cômputo do tempo para se usucapir.

Não importa se uma posse própria era plena e a posterior é própria mediata, ou vice-versa; ou se ambas plenas, ou ambas posses próprias mediatas. § 49. Remédio jurídico processual da usucapião 1. Legitimação ativa. Legitimados ativos, na “ação” de usucapião, são as pessoas físicas ou jurídicas, que têm a posse e satisfizeram os pressupostos para aquisição. 2.Legitimação passiva. Na ação de usucapião, são partes o autor (legitimado ativo) e todos. Na expressão “todos” estão incluídos os que têm ou teriam direitos reais sobre os bens, sejam conhecidos ou não. A citação de todos é, portanto, essencial àangularização da relação jurídica processual. Se o edital não foi se acordo com a lei, ou não se fez, citação não houve. Se foram citados todos os confinantes e não se fez o edital, citação não houve: porque o interesse de quem á dono do prédio que confina com o prédio objeto da ação de usucapião não é o mesmo interesse de quem pode contestar a ação de usucapião. Se o edital concernente a todos não se fez, somente contra quem foi citado pessoalmente, e contra quem compareceu, poderia ter eficácia a sentença. Pode dar-se que o edital tenha existido, mas tenha sido edital nulo. Edital nulo, citação não feita, porque não se fez, ou foi nulamente feita.

A citação dos confinantes tem razão de ser que não é dos outros interessados. O confinante é interessado na demarcação, na fixação dos limites. Pode ser interessado, também, na res in indiciurn deducta, que é a posse ad usucapionem, com a consequência, que o autor afirma, de ter usucapido. O confinante é demandado,

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necessariamente, como confinante, que é, e pode comparecer, também, como interessado na contestação do pe-dido de declaração de direito de propriedade, que fez o autor.

O que mais importa, por conseguinte, para a ação de usucapião, é a citação edital. Sem ela a força declarativa só seria entre as partes. Trata-se de ação declarativa, com eficácia mandamental. Mas o que se declara é o direito real da propriedade, que é direito com sujeito passivo total, direito contra todos, por ser real (Tratado de Direito Privado, Tomos V, §§ 609, 610 e 613, e XII, § 1.292).

O procedimento edital é pressuposto necessário da relação jurídica processual da ação de usucapião: somente por ele se pode completar a angularidade da relação jurídica processual: autor, Estado; Estado, todos interessados. A propriedade é direito com sujeito passivo total; as ações declarativas somente podem ter eficácia sentencial entre as partes. As partes são, pela natureza do direito, todos. Sem isso, não se pode obter sentença que possa ser registrada no registro de imóveis. Daí as concisas e precisas regras jurídicas; o autor requereu a citação dos interessados certos e incertos; a citação dos réus em lugar incerto e de eventuais interessados faz-se por edital com o prazo legal publicado pelo menos duas vezes em jornal loca! e uma no árgão oficial do Estado.

Há muito de provocatório no procedimento edital: com a declaração da aquisição da propriedade pelo autor, os terceiros, que foram chamados a juízo, compareçam, ou não, ficam sem os direitos que acaso tinham sobre o bem. Por isso, são partes necessárias, litisconsortes imprescindíveis todos, mais os confinantes e mais os que tenham direitos reais sobre o bem, conforme registro.

Se algum interessado comparece e alega domínio, ou outro direito real, a ação de quem afirma ter usucapido, ou usucapido bem livre e desembaraçado, sofre contestação.

Por ser dirigida ao alter, a todos, a ação de usucapião, se foram citados todos os que se sabe serem interessados e não foram citados os outros, não houve citação. O juiz, no procedimento edital, não tem poder para discemir quem é interessado e quem não o é. A citação é de todos os interessados, “certos ou incertos”. Os certos, citam-se pessoalmente e estão citados no edital; os incertos, por edital. Incertos são os interessados que se não conhecem, os interessados “desconhecidos”. Os conhecidos são certos, num sentido, porém não no outro sentido, pois se distingue do citando “desconhecido” o ‘incerto”. Por isso mesmo, interessado certo (num sentido), como é a pessoa em cujo nome está registrado o imóvel, por ser incedo, no outro sentido (conhece-se o nome, não se sabe quem é).

Todos os bens imóveis que se diz foram usucapidos têm limites, que são os limites da posse ad usucapionem. Quem alude a limites alude a terrenos para lá dos limites, que podem pertencer e é provável que pertençam a outras pessoas. Essas pessoas, ditas confinantes, tÉm de ser citada porque são tão interessadas na limitação da posse quanto quaisquer outros possuidores. 3. Justificação prévia. No direito processual civil fez-se pressuposto da “ação” de usucapião a justificação prévia da posse. Com ela instruía-se a petição inicial. Não havia citação para ela (Turma Julgadora do Tribunal de Justiça de Alagoas, 7 de novembro de 1952, D. O. de 3 de janeiro de 1953; V Câmara do Tribunal de Alçada de São Paulo, 19 de novembro de 1952, RT 207/430). Discutia-se se o fato de ter o juiz tomado a justificação o vinculava à causa, isto é, se a justificação prévia era instrução que o ligava ao fato. A resposta era negativa, porque não se tratava de instrução tomada em audiência. A justificação prévia tinha a eficácia necessária para se determinar a citação dos interessados, dos confinantes e da pessoa em cujo nome estava registrado o imóvel. A contestação impugnava-a, de modo que o juiz não ficava vinculado à justificação feita (cf. 4ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 23 de fevereiro de 1948, RT 172/173).

Com a ediçáo da Lei nº 8.951, de 13 de dezembro de 1994, a justificação prévia foi suprimida da “ação” de usucapião, assim submetida sem nota de peculiaridade ao procedimento comum ordinário. 4. Ineficácia e nulidade. Se quem tinha de ser citado não o foi, ou o foi nulamente, e não compareceu — não há relação juridica processual até ele: a sentença é nula (nulidade da sentença), e não só rescindível.

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Por exemplo: a) A ação declarativa típica tem a eficácia mandamental, que é de preceitação. Se não foi citado quem havia de ser parte, sozinha, ou com outra pessoa, pode ao preceito objetar o preceitado que a sentença á nula, por ter sido incompletada a relação jurídica processual que teria de ser em ângulo (autor, Estado; Estado, réu). Não se precisaria de rescisão de tal sentença: ou que o interessado passivo não foi citado, ou só o foi nulamente, e não compareceu, para que pudesse pensar em suprimento ou sanação.

b) A ação de interdição é constitutiva-declarativa, em que o próprio interditando pode recorrer a despeito de, sendo absolutamente incapaz, se ter de nomear curador à lide. Tem de ser feito o registro, que é de requerer-se. Feito o registro, a falta de nomeação de curador à lide, que se insira, como representante do demandado, ou de citação, nas interdições que não sejam de absolutamente incapaz, ou a nomeação nula ou a investidura nula, ou a citação nula teve a consequência de fazer nula a sentença. A não-comparência de quem devera funcionar, ou ser citado, impede suprimento de sanação.

Se alguém, na ação de usucapião, há de ser citado, por ser confiante, ou é conhecido e cedo, no sentido comum da citação edital, e está em lugar conhecido, certo e acessível; ou não é conhecido, ou é incerto, ou está em lugar ignorado, incerto, ou inacessível; a citação há de ser feita, ali, pessoalmente; aqui, por edital.

Tratando-se de pessoa casada, sob regime que não é o da comunhão de bens, o outro cônjuge tem se ser citado, porque há de prestar assentimento. Tratando-se de pessoa casada sob regime da comunhão universal de bens, ou de comunhão limitada, ou em que o bem comum seja atingido, a citação do outro cônjuge não é só para assentimento do outro — é para se inserir na relação juridica processual como demandado. O cônjuge que somente presta assentimento não é réu; réu é o que é meeiro no bem.

No sentido da nulidade do processo da ação de usucapião por falta de citação dos confinantes, a 5ª Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Distrito Federal, 11 de julho de 1944 (DJ de 15 de janeiro de 1945), e a 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, a 25 de setembro de 1947 e 5 de julho de 1948 (BJ 37/2 24).

A citação da Municipalidade, se o bem públido é municipal, ou da União, se federal, ou do Estado, se estadual, é sempre necessária, nas ações de usucapião, se o bem cuja propriedade se diz usucapida é confinan te, fora de qualquer legitimação passiva que decorra de outras circunstâncias. A falta ou nulidade da citação é falta ou nulidade de citação de confinante.

As vezes acontece que à sentença falta elemento que lhe de validade (portanto, é nula); se isso ocorre em ação de usucapião, a validade é precípua, em confronto com a própria publicação no orgão oficial, que há de ser feita legalmente, e a relação jurídica processual não se estendeu, em angulo, até os interessados. Em conseqúencia disso, quando se fez o registro da sentença no registro de imóveis, tentou-se atribuir efeitos contra todos à sentença que somente poderia te-los contra quem foi regulannente regularmente citado, ou espontâneamente compareceu

Se havia menores e a Municipalidade, o fato apenas agrava a repelibilidade da sentença, contra a qual há duas ações: a de nulidade, por pretender estender-se a quem não foi citado, e a ação rescisória, que nasceu da infração de regra jurídica especial. 5. Citação de todos. Se, na ação de usucapião, não houve a citação edital de “todos” os interessados, ou se nulamente foi feita, pois não pode o juiz saber quais são, pode não haver contestação, e não se há de ter o sifêncio como justificativa para o juiz julgar procedente, de plano, a ação. Tal sentença é nula.

A citação de outro cônjuge só se dispensa, como meeiro,se já foi dissolvida a sociedade conjugal e nenhum direito tem sobre o bem cuja propriedade adicula o outro que adquiriu.

Não há citação do cônjuge que teria de assentir se já houve separação judicial, ou divórcio.

Se o cônjuge está separado, somente de fato, e é meeiro, tem de ser citado para que se insira, como parte,

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na relação jurídica processual. Se o cônjuge está separado, somente de fato, e não é meeiro, tem de ser citado para que assinta, isto é, preste assentimento à lide do outro cônjuge a propósito de propriedade imobiliária.

Os sujeitos passivos, na relação jurídica processual, em que se pede declaração de aquisição por usucapião, são quaisquer interessados: os que se consideram donos, os possuidores, os titulares de direitos reais ou de constrições cautelares sobre o bem, os que são feridos pela declaração nos termos em que se quer quanto à extensão do bem, os compossuídores, e qualquer pessoa que tenha interesse em se declarar a propriedade. O direito real tem sujeito passivo total. A diferença entre a concepção do direito material e a do direito pré-processual está em que todos são sujeitos passivos, na relação de direito material; ao passo que o Estado somente admite que litigue (aí, conteste) quem tinha interesse jurídico. Dai a citação ser a todos os inte-ressados, Há necessidade da citação edital porque, sem ela, a sentença declarativa só teria eficácia entre as partes, e não bastaria para se permitir a registro, que é, exatamente, para a eficácia perante todos, aí interessados ou não.

Na ação de usucapião, se a publicação não se fez uma vez no órgão oficial e pelo menos duas vezes em jornal local, e o réu citando não compareceu, a citação foi nula. A sentença também o é, porque a falta da citação, ou a nulidade da citação, não comparecendo o citando, importa nulidade ipso iure da sentença.

Há razões para se pedir a decreta çâo da nulidade da sentença, por ter sido nula a citação, no juízo em que se proferiu a sentença, com recurso para o tribunal superior, e para se pedir a rescisão, no tribunal superior.

A citação edital, na ação de usucapião, não é acidental, por fato subjetivo ou objetivo ligado à pessoa do citando. E pressuposto pré-processual da ação de usucapião, devido à natureza do direito de que se pede a declaração: direito de propriedade, direito real ou direito erga omnes; portanto, com sujeito passivo total.

Se forem dois ou mais os réus, o art. 241, III, é aplicável. Se foram citados alguns individualmente, outros por edital, o prazo tem de ser contado segundo a mesma regra jurídica quanto aos citados por mandado, pois o edital tem o seu prazo (art.232, V).

Posto que, no Código de Processo Civil, ad 942 se fale de citação pessoal da que em cujo nome está registrado o imóvel, ou dos confinantes, pode acontecer que não haja o registro, ou se desconheça ou seja incerto quem é a pessoa cujo nome figura no registro, ou quem é ou quem são os confinantes. Sempre que se sabe o nome, tem ele de constar do edital; se não se sabe, o que é necessário é que se dêem os elementos para que o citado por edital se possa identificar. A expressão “pessoal”, inserta na anterior redação do art 942, II, aludia ao quod plerumque fit. Se não se pode dizer o nome da pessoa citanda, o edital é a solução. Aliás, pode saber-se qual o nome da pessoa, ou quais os nomes das pessoas, e ser ignorado, incerto ou inacessível o lugar em que se encontra (art. 231, II).

Se em nome de alguém está registrado o imóvel, ainda que se discuta o registro e tenha havido sentença desconstituido-a, porém não passada em julgado, é formalidade essencial a citação pessoal.

A citação pessoal daquele em cujo nome está registrado o imóvel é exigida pela lei. Mas, advirta-se em que, se, ex hypothesi, se sabe o nome do adquirente, pelo registro, pode ocorrer que não se saiba quem é, ou se ignore, seja incerto, ou inacessível o lugar em que se encontra. Que se poderia fazer, em tal conjuntura? A citação edital tem de ser feita, sem que se trate de citação edital dos interessados incertos. No fundo, o art. 942 apenas explicita que a pessoa que consta do registro de imóveis como dono, ou titular de algum direito, que a petição de usucapião quer que seja atingido pela sentença, é interessado cedo.

A falta de citação tem como consequência a ineficácia da sentença contra a pessoa que do registro constava.

O art 942 somente se refere àquele em cujo nome esteja registrado o imóvel; mas havemos de entender que se devem citar todos os titulares de direitos, segundo o registro imobiliário, que teriam de ser atingidos pela sentença. Se o autor afirma que usucapiu sem que existisse direito real limitado, tem de ser citado quem quer que seja enfiteuta, usufrutuário, usuário, habitador, titular de direito de hipoteca ou de anticrese, inclusive,

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pessoalmente ou por edital, conforme a espécie, os portadores de letras hipotecárias ou de cédulas rurais hipotecárias.

A 5ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 16 de junho de 1950 (RT 188/245), e 2ª Câmara do Tribunal de Alçada de São Paulo, a 16 de abril de 1952 (202/446), disseram ser imprescindível a juntada de certidão positiva ou negativa do registro de imóveis, sob pena de nulidade do processo. Não está na lei. Na lei está a exigência da citação da pessoa que consta do registro (aliás, como titular de direito que a sentença tenha de atingir).

No sentido da nulidade do processo da ação de usucapião por falta de citação da pessoa que consta, como dono, do registro, a 2ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 27 de fevereiro de 1945 (RT 159/609); com lamentável confusão entre ação de usucapião e ação Publiciana, a Câmara Cível do Tribunal de Apelação de Sergipe, a 18 de junho de 1946.

Se a sentença é apresentada ao registro de imóveis e dele consta o nome de outrem como dono do imóvel, sem que tenha sido citado na ação de usucapião, o oficial tem de opor dúvida, pois que se trata de sentença nula.

A ação de usucapião, sabendo-se quem figura como proprietário, no registro de imóveis, pode ser exercida contra esse. Ação declarativa, tem força material de coisa julgada como a ação declaratôria do art 49º O Código exige que o procedimento seja, além de pessoal, edital, porque têm de ser citados por edital os réus em lugar incerto e os eventuais interessados.

Note-se, pelo que aí foi dito, não se tratar de ação constitutiva, de eficácia erga omnes. O edital cita, os citados são partes, de modo que a eficácia é a de coisa julgada material, só inter partes. Ação declarativa, a de usucapião apenas oferece, a mais, o efeito mandamental, que não lhe é essencial, pois, além das possíveis três soluções legislativas seria imaginável a ação de cumprimento da sentença declarativa, de natureza então mandamental.

São pontos, esses, que exigem toda a atenção.

Passemos ao exame do direito anterior.

O Decreto-lei nº 710, de 17 de setembro de 1938, art. 12, estatuíra: “É obrigatória a citação da Diretoria do Domínio da União em todas as ações de usucapião, bem como dos representantes do Estado, ou do Distrito Federal, sob pena de nulidade do processo . Discutiu-se o Código de 1939, art. 455, derrogara o Decreto-lei nºr

710, isto é, se bastaria a citação edital dos interessados. A princípio, a jurisprudência foi afirmativa: estaria derrogado o art. 12 do Decreto-lei nº 710 (RF 89/541; 94/530; 95/138); e. g., 2ª Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Rio de Janeiro, 29 de fevereiro de 1944 (RF 98/132), Turma Julgadora do Tribunal de Apelação do Rio Grande do Norte, 17 de fevereiro de 1943 (RT 146/758; OD 23/43), Câmaras Civeis Reunidas do Tribunal de Apelação do Rio de Janeiro, 28 de novembro de 1945. A decisão da ia Turma do Supremo Tribunal Federal, a 13 de agosto de 1945 (AJ 77/442, e 78/99), exigiu a citação do Estado, em caso de interesse manifesto. Idem, a 2ª Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Rio Grande do Sul, a 2 de janeiro de 1946 (i 28/46). No Recurso extraordinário nºr 8.410, a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, a 20 de setembro de 1945 (AJ 80/46; RDA VI/89), decidiu não estar derrogado o ad 12 do Decreto-lei nºr 710, e assim reformou o acórdão da 2ª Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Rio de Janeiro. De novo, a 22 de abril de 1946 (RF 107/275). No mesmo sentido, as Câmaras Cíveis Reunidas do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, a 30 de outubro de 1946 (J de 1946/207), e a 3ª Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, a 29 de agosto de 1945 (RT 158/203). De lege ferenda, dissemos então, em tudo isso, havia lamentável erro de ciência jurídica. A citação da Diretoria do Dorninio da União, bem como dos órgãos dos Estados e do Distrito Federal, é necessária, mas a falta não induziria só nulidade, e sim ineficácia. A União, o Estado e o Distrito Federal a qualquer tempo poderiam alegar a ineficácia relativa, porque não foram citados nas pessoas dos seus orgãos. Não haveria, porém, nulidade do processo da ação de usucapião. Falta de citação, ai, não era causa de nulidade: era causa de ineficácia. A respeito de quem não foi citado não teria efeitos a sentença, pois a pessoa não entrara na relação jurídica processual. De regra, citados, por edital, os interessados desconhecidos ou incertos, entram

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todos na relação jurídica processual. O que estabeleceu o Decreto-lei n0 710, art. 12, foi a necessidade de ser a citação, pessoal, a determinado órgão da União, ou aos órgãos competentes dos Estados ou do Distrito Federal, a citação, nas ações de usucapião. A União, o Estado e o Distrito Federal são possivelmente, interessados: não se tem certeza sobre isso. Poderiam ser citados por edital. O Decreto-lei nº 710, art 12, exigiu que, ainda quando nada se saiba do interesse da União, ou do Estado, ou do Distrito Federal, nas ações de usucapião, se faça a citação pessoal. Se é sabido ser interessada algumas daquelas entidades estatais, a citação é em virtude dos princípios gerais, e não em virtude de exceção ao principio da citação edital. O art. 12 do Decreto-lei nºr

710 fala de “nulidade do processo”, e houve impropriedade de técnica: a sentença, em cujo processo teria de ser parte a União, ou o Estado, ou o Distrito Federal, o Território ou o Município e não o foi, ou em que teria de ser assistente equiparado a litisconsorte, e não o foi, não seria nula; mas relativamente ineficaz. À entidade estatal ficaria com todas as ações que tinha e está incólume a qualquer efeito sentencial. A sanção da nulidade seria mais grave. As leis estaduais e a do Distrito Federal, provavelmente a lei orgânica, dizem quais os órgãos da pessoa jurídica de direito constitucional para o recebimento da citação, nas ações de usucapião. A citação de que cogitou o art. 12 do Decreto-lei nºr 710 nada tinha com a audiência do órgão do Ministério Público, de acordo com o art. 455, § 3º, do Código de 1939. Essa pode faltar, sem que haja faltado aquela; ou ter havido aquela, sem se proceder a essa.

De lege lata, o Decreto-lei nºr 710, de 17 de setembro de 1938, ad 12, tomou obrigatória a citação da Diretoria do Dominio da União em todas as ações de usucapião, sob pena de nulidade. Outrossim, a citação dos representantes dos Estados e do Distrito Federal. No § 3º estatui que das sentença proferidas nas ações de usucapião processadas até à data da entrada em vigor do decreto poderia o representante da entidade estatal ‘apelar em qualquer época, ou dentro de dez dias, a contar da sua intimação por iniciativa da parte interessada”.

Assim; a) A sentença proferida em ação de usucapião em que não foi citada a União, por um orgão especial, que passou a ser chamado, em vidude do Decreto-lei nºr 6.871, de 15 de setembro de 1944, ad 1ª, Serviço do Patrimônio da União, ou o órgão dos Estados ou do Distrito Federal, é nula, por ser nulo todo o processo, b) Se não houve as citações a que alude o ad 12 do Decreto n” 710, é preciso que transite em julgado, quanto às entidades estatais, para que não possam recorrer e alegar a nulidade. c) Se houve, pode o órgão da entidade estatal recorrer enquanto corre o prazo, contra ela, para o trânsito em julgado.

Em país de vasto território, com terras ainda não ocupadas, ou devolutas, ou de domínio do Estado, o quod plerum que fit é o interesse do Estado nas ações de usucapião.

No sentido de nulidade do processo da ação de usucapião por falta de citação do órgão da União, ou do Estado, ou do Distrito Federal, foram a 1ª Câmara Civel do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, 5 de julho de 1943 (DJ 37/224), a 3ª Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, a 29 de agosto de 1945, e a 2ª Câmara, a 10 de agosto de 1948 (RT 176/602). Sem razão, a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, a 24 de abril de 1945 (DJ de 22 de setembro de 1945), que apenas argumentou com o fato de não ter reproduzido o Código de Processo Civil o ad 12 do Decreto-lei nºr 710, e a 2ª Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, a 16 de maio de 1944 (RT 155/591). A atitude da 1ª Turma foi perigosa e já anteriormente tivera de apontar, in concreto, interesse de Estado na ação de usucapião (cf. 1ª Turma, 13 de agosto de 1945, AJ 77/441).

A alegação da União de que o prédio lhe pertencia ou não era usucapivel, por lei federal, ou em que de algum modo ela assuma a posição jurídica de assistente ou opoente, opera o deslocamento da competência para a justiça federal (Constituição de 1988, ad 109, 1).

Quanto ao Ministério Público, o ad 944 do Código de 1973 pôs claro que intervém,obrigatoriamente, em todos os atos do processo.

O que o código chama intervir, obrigatoriamente, nos atos do processo de ação de usucapião é aquela função, de órgão estatal, a que se reportam os arts. 82,III, 83-85 do Código de Processo Civil.

A regra jurídica da intervenção do orgão do Ministério Público no processo das ações de usucapião (ad 944) é independente da intervenção, que haja de ser em caso de haver incapazes (art. 82, II, cf. Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Ceará, 18 de novembro de 1946, RF 114/47 1; 2ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 27 de abril de 1948, RT 174/122). É exigência ligada ao procedimento edital. Aí, é que pesa

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como ratio legis, é a necessidade da tutela jurídica de todos, pois que se trata de declarar a titularidade de direito real; e pode ter havido o atingimento pelo edital do art. 942.

Em todos os casos em que o orgão do Ministério Público não pode propor a ação,, a figura processual que assume, intervindo, é semelhante à do ad 49, pela influência que o julgado tem na relação jurídica entre o Estado e a parte ré? Aqui, não é possível dizer-se a priori se assiste ao autor, ou se assiste ao réu, porque é demasiado privado o interesse do que obteve o registro para se supor interesse público do Estado. A expressão “fiscal da lei” apenas evita o trabalho mental de se precisar qual a figura, e devemos riscá-la de toda exposição científica. Nem resolve a questão falar-se de “parte pública” (!), como Otto Mayer (Deutsches Verwaltunqsrecht, 1, 3ª ed., 152 s.); ou de “padie jointe , a maneira dos juristas franceses; ou de “representante de público interesse”, como James Goldschmidt (Das Verwaltungsstrafrecht, 537), pois o juiz às vezes o é e, não raro, a parte; ou de pessoa que dá parecer no processo sem ser parte (unparteiischer Gutachter); ou de ônus, ao lado ou diferente do interesse (cp. Konrad Hellwig, System, § 139, IV). O Ministério Público presenta, aí, o Estado fora da demanda, acima do interesse das partes, fora, portanto, de qualquer posição definida, ora do lado do réu, ora do lado do autor, ora contra ambos, e o seu interesse é apenas ligado ao fato de ter o Estado prometido “julgar” (entregar prestação jurisdicional) e a gravidade da espécie tê-lo posto do lado do juiz e quase à semelhança do juiz, auxiliando-o a dar decisão “justa”. Essa função, de ajuda ao juiz mais do que às partes, se vê bem diferenciada entre o orgão do Ministério Público nas ações de nulidade de casamento e o de-fensar matrimonii, que é parte. Em tais casos, o árgão do Ministério Público nem faz afirmações (não postula), nem produz prova, — tem o dever de imparcialidade desde o início até a coisa julgada, relembrando ainda os temores de defeitos do processo de inquisição (Alexander Lõffler), Organisation der iustiz, 35). Não raro, escorrega para o passado de onde veio, e dá-nos a miniatura contemporânea do “promotor inquisitionis”, depravação da missão do Estado.

Não se pode deixar de ouvir o Ministério Público em todos os atos do processo, seja na primeira fase, seja em fase posterior à justificação.

Se ocorre ter a função de parte, por ser entidade estatal o dono, ou um dos citados, o Ministério Público não acumula essas duas funções.

A função do órgão do Ministério Público, quando lhe toca a matéria de interesse de incapaz, é a de fiscal do processo; se o incapaz não tem representante legal, ou se colidirem os interesses de um contra o outro, a função institucional de curador especial é, hoje, exercitável pela Defensoria Pública do Estado (Lei Complementar nºr 80, de 12 de janeiro de 1994, arts. 2ª, III, 49, VI, 97 e 98, II, a). Se os menores têm pais, nenhuma representação pode caber ao orgão de execução da Defensoria Pública do Estado. Quanto ao Ministério Público, sua função é apenas protectiva e fiscal.

Capítulo V

Ação “embutida” de pagamento de impostos e taxas § 50. Impostos, taxas e processos 1. Princípio geral. Sempre que a eficácia sentencial se liga a fato de que resulta divida de imposto ou taxa, tem-se de pagar, antes da sentença, o tributo devido. Entenda-se, porém, que tal vinculação só existe se a tributação incidiu e a sentença não mais pode afastar a cobrança. Assim, na arrematação, o imposto só se toma devido com o fato que toma definitivo o ato. Na partilha, já se supõe a atribuição anterior, a causa de morte, da propriedade. Por isso, pagam-se os impostos e as taxas e fazem-se os registros antes do julgamento.

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2. Partilha. Feito o esboço da partilha, o juiz ouve os interessados, dentro do prazo que a lei fixa. A audiência dos interessados quanto ao esboço de partilha vem de antiga prática, que a princípio distinguia se o juiz era leigo ou letrado (Álvaro Valasco Praxis Pad itianum et Collationum inter haered es, 661) e acabou por apagar qualquer distinção. Com razão, porque o fundamento não estava na falta de ilustração do juiz. Já Diogo Guerreiro, Antônio de Paiva e Pona (Orfanologia Prática, 1, 177) e Pascoal José de Meio Freire (Institutianes luris Civilis Lusitani, III, 164) não cogitavam das letras do juiz: “... partes audiri debent, pruisquam iudex factas paditiones iudicet, easque sententia sua confirmet”. Manuel de Almeida e Souza (Notas de Uso Prático, III, 524) veio tarde para reimplantar a distinção de Álvaro Valasco, que Pascoal José de Meio Freire, a respeito, não mais citou. Reduziu-se a regra legal à prática, provavelmente quatrocentista, emendada no século XVII.

Os interessados podem alegar não ter havido deliberação da partilha (Corte de Apelação do Distrito Federal, 27 de agosto de 1931), ou não terem tido conhecimento dela, ou quando algum requerimento, de que caiba recurso, foi indeferido.

A impugnação, depois do prazo, é intempestiva (2ª Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 10 de março de 1942, RT 136/720). Resta ao juiz, ao ter de julgar, apreciar a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda quando não alegados pelos interessados, e de acordo com o seu livre convencimento.

A falta de audiência dos interessados, ou de alguns, ou de algum, é cerceamento de defesa e dá ensejo a recurso. Também o é a não-juntada da impugnação, ou outro ato ou omissão que fira o direito de defesa.

A cessão dos direitos hereditários, ainda em relaçãoo a certo bem (4ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 30 de janeiro de 1947, RT 166/642, e 171/133), não impõe novo esboço ou correção ao esboço de partilha, se foi junta aos autos depois de constar dos autos o esboço.

Se o interessado concordou com o esboço, não fica privado de recorrer (pretensão à tutela jurídica recursal). Pode ter havido erro, omissão, injustiça, ou dano (6ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 6 de agosto de 1948, RT 176/226, RF 122/481). Quanto ao mérito, quem concordou não pode revogar a concordância (precluíra o prazo), e as alegações em apelação são alegações pós-preclusão, que somente podem vingar se pretende impedir nulidade ou a anulabilidade de partilha.

Se, no prazo legal, algum interessado requer que lhe atribua algum bem que a outrem estava atribuído e lhe for deferido, as custas da reforma são por conta do requerente (ivel do Tribunal de Minas Gerais, 1º de fevereiro de 1951, RF 148/267). O momento próprio para tal requerimento é antes de se deliberar a partilha. 3. Pagamento de impostos e taxas. Pagos os tributos, juntam-se logo aos autos os recibos. Sem a prova do pagamento, não se pode julgar a partilha. Não se trata apenas de imposto de transmissão a causa da morte. Entenda-se qualquer tributo que já tenha de ser pago, ou já devesse estar pago (e. q., o imposto de renda). Quanto aos registros, são todos os que por lei tenham de ser feitos, como os de especialização de hipoteca legal. O julgamento sem o registro é nulo, conforme o principio de que todas as regras jurídicas processuais são relevantes. Se houve o julgamento, com res iudicata, só há o caminho da ação rescisória de sentença.

Os impostos têm de ser pago antes. Se não o foram, a sentença de partilha não é nula (sem razão, a 1ª Câmara do Tribunal de Alçada de São Paulo, a 21 de novembro de 1951, RT 197/384). É apenas rescindível. Se a Fazenda Pública não foi ouvida, nem intimada, a sentença é ineficaz contra ela. Portanto, pode a Fazenda Pública executar os herdeiros. Se transitou em julgado, em relação à Fazenda Pública, a sentença em que os impostos não foram devidamente pagos, tem de ser proposta a ação rescisória: salvo se se alega invalidade. § 51. Natureza da ação “embutida” de pagamento de impostos e taxas 1. Embutimento de ações. Há ações que se embutem nos processos de outras ações, como acontece com a ação de venda ou de adjudicação se os bens padilháveis não são suscetíveis de divisão aconselhável, ou não cabem na meação do cônjuge sobrevivente, ou no quinhão de um herdeiro, ou com a ação de pagamento de tributos,

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que se embute na ação de partilha. A ação de venda ou adjudicação, de que acima se fala, é ação constitutiva, embutida, com efeito mediato executivo, com peso de executividade (3). Algo de semelhante se passa com a ação de arrematação, embutida na ação de execução da sentença, com peso maior (4) de executividade do que se passa na ação de divisão e na de partilha. 2. Ação de impostos e taxas. As entidades estatais já se manifestaram como credores, desde o início do inventário, com o exame das avaliações, com ou sem impugnação, o procedimento da liquidação, e o esboço da partilha, com o prazo para o pagamento dos impostos e taxas e a feitura dos registros. Só após isso o juiz pode julgar a partilha. A ação embutida tem a seguinte eficácia: de declaratividade, 5; de constitutividade, 1; de condenatoriedade, 3; de mandamentalidade, 4; de executividade, 2.

Capítulo VI

Ação declarativa de herança vacante e ação declarativa de bens vagos § 52. Ações declarativas concernentes a bens da herança vacante e bens vagos de ausente 1. Preliminares. A ação de arrecadação da herança vacante, ou é constitutiva da curadoria, ou de devolução à Fazenda Pública, aquela, constitutiva, e essa, mandamental. A ação de petição de herança, que destrói a força mandamental dessa e a força constitutiva daquela, é ação declarativa, com eficácia mediata mandamental. 2. Força declarativa. A ação de abertura da sucessão definitiva do ausente e a defesa do ausente cujos bens foram arrecadados são ações declarativas. Ali, há 5 de declaratividade, 4 de mandamentalidade, 3 de executividade. Aqui, os pesos são os mesmos.

Quanto à verificação de crédito da pessoa falecida, há 5 de declaratividade, 4 de mandamentalidade e 3 de condenatoriedade.

§ 53. Ação dos credores da herança após o trânsito em julgado da decisão sobre a vacância 1. Julgamento da vacância. A ação de arrecadação e julgamento da vacância dos bens do falecido tende a cognição suficiente mas incompleta, de modo que a sentença é com reserva (não se confunda com sentença de cognição completa quando cabe ação de modificação). Uma vez que herdeiros não houve, ou não se habilitaram, o juiz, após o prazo, declara vacante a herança. 2. Ação dos credores. Trânsita em julgado a sentença que devolveu à Fazenda Pública, como vacantes, os bens da herança, os credores podem pedir a declaração dos seus créditos e o pagamento. A competência para a ação, depois de transitar em julgado a sentença de devolução, é do juízo dos feitos da Fazenda Pública, e não do juízo

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da arrecadação, nem tampouco, do juízo do inventário. Vem de longe tal princípio de jurisdição, que foi incluido no Decreto nº 2.433, de 15 de junho de 1859, verbis ‘depois de julgados vacantes e devolutos para o Estado, as habilitações de herdeiros e as reclamações de dividas ativas e passivas, relativas às mesmas heranças, bem como quaisquer outros processos que com elas entendam, terão lugar pelo juízo dos feitos”. 3. Natureza da ação dos credores. A ação de que se trata, proposta após a devolução com a declaração da

vacância, pelos credores, é ação declarativa, com eficácia imediata de condenatoriedade e mediata de mandamentalidade.

Capítulo VII

Ação declarativa em caso de simulação

§ 54. Simulação absoluta inocente 1. Inocência e nocência da simulação. O ato jurídico puramente aparente, ou em que houve simulação absoluta e inocente, não é. Seria equívoco dize-lo nulo, e dar-lhe o mesmo trato que no ato jurídico em que há simulação inocente. Aquele, pois, que não é, não tem qualquer eficácia (seria haver efeito sem causa): todos os figurantes não quiseram que o ato entrasse no mundo jurídico; e a lei não precisou proteger a ninguém contra essa pura aparência. No direito brasileiro, se há fato de ofensa à lei, ou o fato de prejudicar a outrem, já o ato entra no mundo jurídico. Mesmo porque a intenção importa em querer alguma eficácia do ato jurídico aparente. Quem quis simular, para deixar de pagar custas, ou impostos, quis, até cedo ponto, o ato jurídico simulado.

Quem simula aparenta, faz ver-se, ou sentir-se, o que não se vê, não se ouve, não se sente. Quer-se que se tenha por existente o que não existe. Sim til veio de simil, como facul de facile. Põe-se, em vez do que é verdadeiro, o que se parece com o verdadeiro e não o é. Quem dissimula encobre o que é verdadeiro. Se A, na festa, dá de presente a B a jóia que trouxe, e ao findar a reunião, ou antes, ou mesmo depois, recebe de volta o que doara, simulou a doação. Os enganados foram as pessoas presentes à festa, ou quem teria de admiti-lo, por ser esse o interessa dos simulantes. Se a simulação entrou no mundo jurídico, há invalidade, porque houve o ato jurídico.

No dizerem que a simulação supõe a cognição pelo outro figurante, de modo que somente pode existir em manifestações de vontade receptícias, sendo, assim, excluidos o testamento, o ato de constituição de fundação e a promessa de recompensa, postula-se sem apoio em lei: a) que só se simula a dois, de modo que pode A simular pagar a C, a quem doa, ou simular prometer recompensa, sendo C a única pessoa que pode apresentar o objeto a tido por perdido (A sabe que está com C); b) que as duas pessoas, que ás vezes aparecem na simulação, hão de ser figurantes. De começo, note-se quão superficialmente se viu o problema. A simulação é vício do ato jurídico que se apresentou e entrou no mundo jurídico; o que foi dissimulado é que há de ter duas pessoas, entre as quais se deram os efeitos, porém ainda aí não é preciso que sejam os figurantes (se A deve a C, por jogo proibido o que seria relação juridica com objeto ilícito, e A simula doar à mulher de C, a doação é anulável por simulação, se bem que a mulher de C em nada haja acordado quanto ao pagamento). Não se pode afirmar, a priori, que não caiba simulação se não receptícia a manifestação de vontade (cedo, Alfred Manigk, Willenserklãrung und Willensgeschdft, 308). A exigência de haver consentido o destinatário é sem assento em lei.

Se a manifestação de vontade é perante autoridade, nem por isso se faz incólume à alegação de simulação relativa, sem se dever distinguir, aqui, entre padicipação da autoridade como pressuposto de forma e direção à autoridade. As próprias manifestações de vontade das autoridades, que tenham de entrar no mundo jurídico como negócios jurídicos ou atos jurídicos stricto sensu, podem ser, tendo havido simulação, anuladas. São exempíos de atos jurídicos anuláveis por simulação: o acordo de transferência de propriedade feito perante o tabelião, ou o juiz, ou a repadição pública; a renúncia à propriedade do imóvel (sem razão, Andreas von Tuhr,

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Der Aligemeine Teil des Deustschen Búrgerlichen Rechts, II, 562). Se a lei se refere a “contraentes”, não pode ser invocada para se pré-excluir a anulabilidade dos atos jurídicos em que as manifestações não são receptícias, porque há contratos em que se exige a recepticiedade da aceitação, e não só contratos são anuláveis por simulação. A simulação absoluta, essa, sim, não pode ocorrer perante autoridade pública, que tome parte no ato, ou que tenha de celebrá-lo (e. g., casamento), se tal autoridade pública é competente. Por isso mesmo a simulação dos figurantes não pode atingir a validade da sentença; pode surgir a alegabilidade para não a cumprir.

Quanto à simulação anulante, não se dá em matéria de casamento. Resta o problema da anulabilidade, por simulação, da adoção. A resposta é afirmativa. Por exemplo, é anulável a adoção que somente tenha por fito atribuir a alguém o direito ao nome (L. Enneccerus, Lehrbuch des Búrgerlichen Rechts, 1, 3Oª-34ª ed., 225, nota 10). 2. Função integrativo do juiz. Não se pode alegar que foi simulado o ato jurídico em que a função do juiz é integrativa do conteúdo, como se dá na celebração do casamento e nas transações judiciais. Nem se pode argUir a simulação da sentença do juiz.

Do ato aparente, que não é, nenhuma pretensão surge, nem ação; a ação de anulação por simulação ou por fraude contra credores supõe que exista o crédito, de modo que, se foi proposta, é de pedido maior do que o da ação declarativa, e o juiz, nessa espécie, pode declarar a inexistência do crédito, se bem que pedida somente tenha sido a anulação.

A simulação inocente é permitida, em vidude, não do princípio de autonomia, mas sim do principio de liberdade de fazer ou não fazer, de dar ou não dar, só limitável pela lei. Lá está em Silvestre Gomes de Morais (Tractatus de Executionibus instrumentorum sententiarum, II, 400): “... fictio et simulatio sine praeiudicio, vel fraude alicuius tertii, vel legis fiat, quo casu licitum est simulare 3. Inexistência do ato jurídico simulado, figurantes e terceiros legitimados à ação declarativa. O terceiro, que alega a pura aparência do ato jurídico, tem de provar o interesse em ser declarada a inexistência (G. Planck, Rommentar BGB., zum 1, 4ª ed., 272).

Os terceiros podem lançar mão de qualquer meio de prova para provar a simulação. Nem sempre podem lhe seria frutífera a ação de exibição, ou a exibição pedida na ação declarativa negativa. Não se diga, como faz Cámara (.Simulación en los Actos jurídicos, 235), que, em caso de simulação ad pompam,o terceiro carece de ação: seria reduzir o interesse para a ação declarativa negativa ao interesse de lesado, que se exige às ações de condenação.

Questão delicada é a de se saber se, contra o ato aparente, com simulação absoluta, instrumentada em tabelião, pode ser aformal a contra-vontade (Gegenwille) dos figurantes. Responderam afirmativamente Heinrich Demburg (Das Bíirgenliche Recht des deutschen Reichs und Preussens, 1, 3ª ed., 478) e Otto Warneyer (Kommentar zum BGÀB., 1, 170); negativamente, Josef Kôhler (Lehrbuch des btirgerlichen Rechts, 1, 490). No direito brasileiro, a inexistência, por simulação inocente absoluta do ato juridico, pode ser provada pelos figurantes, ainda quando a escritura pública é de se exigir ao ato simulado. Pode-se também alegar, como ato jurídico dissimulado, contra o ato jurídico aformal, o ato jurídico que exigiria escritura pública: provar-se-ia a simulação, não o ato dissimulado. Por inspiração própria disse o Código Civil argentino, art. 960: “Si hubiere sobre la simulación un contradocumento firmado por alguna de las partes, para dejar sin efecto ei acto simulado, cuando éste hubiera sido ilícito, o cuando fuere licito, explicando o restringiendo ei acto precedente, los jueces pueden conocer sobre él y sobre la simulación, si ei contradocumento no contuviese algo contra la prohibición de las leyes, o contra los derechos de un tercero.” No art 1.194, adverte-se: “El instrumento privado que alterase lo que se hubiere convenido en un instrumento público, no producirá efecto contra tercero”; porém a regra jurídica do art 960 é regra jurídica especial a que o art 1194 não atinge. Mais: o art. 960 do Código Civil argentino de modo nenhum exige, como tantos pensaram, o contradocumento para se provar a simulação. Cum-pre notar-se que o art. 960 do Código Civil argentino veio permitir discussão sobre a alegabilidade, ou não, da simulação ilícita pelos figurantes, o que não se dá no direito brasileiro, pois, se houve intuito de prejudicar a terceiro, ou infringir regra legal, nada pode alegar, ou requerer, quem tomou parte, em litígio de um dos figurantes contra o outro, ou contra terceiro. Nem se pode ver na regra jurídica sobre contradocumento exceção

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a ela. A regra jurídica, se a revelamos no direito brasileiro, não pode ser mais do que a seguinte: “Se há contradocumento, ainda que firmado por um só dos figurantes para provar a só aparência licita, ou a aparência lícita mais o ato dissimulado, entende-se preestabelecida a prova”. 4. Ato aparente na simulação absoluta. Discute-se se, em caso de simulação absoluta, há exceptio doli genera lis se alguém sofre dano com o ato aparente, e só um ou alguns dos figurantes foram causadores do dano. A resposta de Paul Oedmann (Aligemeiner Teil, 350), O. Planck (Kommentar gum Bíirgerlichen Gesetzbuch, 1, 4ª ed., 272) e Theodor Kipp (em B. Windscheid, Lehrbuch des Pandektenrechts, 1, 9 ed., 382 s.) é negativa; a de Heinrich Dernburg (Das Búrgerliche Recht des deutschen Reichs und Preussens, 1, 3ª ed., 480), afirmativa. A primeira opinião é que é a certa; qualquer indenização se funda na regra jurídica geral sobre atos ilícitos; e a defesa do terceiro, como a do figurante, é alegação de não-existência, como pedido inicial ou incidental de declaração negativa, cujo deferimento tem tal eficácia (aliás, a esse resultado chegaria, aí, a exceptio doli ge-neralis, cl. Ulpiano, L. 2, § 5, D., de doli mali et metus exceptione, 44, 4). Exceção de dolo, sem dolo, seria contra-senso. § 55. Simulação relativa inocente 1. Simulação relativa e inocencia. Na simulação relativa inocente, não se quis, realmente, o ato simulado, mas quis-se, sem ofensa, o ato dissimulado. O ato simulado não entra no mundo juridico; pode ter entrado o ato dissimulado. Se a simulação relativa é nocente, o ato entra no mundo jurídico, onde os terceiros podem pedir-lhe a decretação da anulação. Se não o é, não entra: a ação é a declarativa negativa. Têm-na os figurantes e os mais interessados na declaração. Mas, se o ato dissimulado satisfaz os requisitos de existência e validade, pode extraverter-se. Assim, ou os figurantes tratam o ato dissimulado como eficaz, ou um, dois ou mais figurantes lhe negam a existência, que, aí, é ligada à sua validade: se vale, existe; se não vale, não existe. A ação é declarativa, negativa, quanto ao ato jurídico simulado, e positiva, quanto ao ato jurídico dissimulado. Esse ponto é digno de toda atenção.

São exemplos de simulação relativa inocente: se pessoa solteira, ou separada judicialmente, ou viúva, sem infração de lei (se houvesse, haveria fraude à lei), simula vender a alguém, quando em verdade doa (la Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 22 de janeiro de 1945, RT 155/181, 5ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 3 de fevereiro de 1950, 185, 295); a dissimulação da prestação de capital, por meio de venda do bem à sociedade, sem prejuízo a alguém e sem violação de lei (1ª Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 17 de julho de 1944, 152, 516). 2. Legitimação de terceiros. Ao terceiros, que tenham interesse na declaração, podem propor a ação declarativa negativa e a positiva, ou somente aquela. 3. Falta de pressuposto. Se o ato dissimulado não tem os pressupostos necessários à sua existência e validade, a relatividade da simulação cai no vácuo: está-se diante de simulação, nos resultados absoluta. § 56. Ação declarativa de aparência por simulação absoluta inocente 1. Simulação absoluta inocente. A aparência pura, por ser inocente e não haver cogitado de qualquer ato jurídico, não entra no mundo jurídico. Toda questão, a respeito, é no plano do existência: existe, ou não existe ato jurídico. A ação declarativa negativa são legitimados os figurantes e os terceiro, porque, embora não haja efeitos, pode haver interesse em se declarar que o ato jurídico não existe. A ação declarativa, positiva, tem a finalidade contrária: alega-se e prova-se que não houve aparência (— houve ato jurídico sem simulação inocente ou nocente), ou que houve aparência mas o prejuízo ou a possibilidade de prejuizo a terceiros, ou violação da lei, fez entrar no mundo jurídico o suporte fático. Ambas são intentáveis pelos terceiros e contra

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terceiros (cp. Paul Oertmann, Allgemeiner Teil, 349 s.). O terceiro que adquire de um dos figurantes, ou já de terceiro, o bem móvel, ainda que de boa-fé, não lhe adquire, no direito brasileiro, a propriedade, salvo se o alienante adquiriu, depois, a propriedade (ai, há eficacização). Aliter, noutros sistemas jurídicos (e. g., alemão, §§ 932 e 892, G. Planck, Kommentar zuni BGB., 1, 4ª ed., 272). O primeiro adquirente de boa-fé ou o terceiro que adquiriu o bem móvel àquele que figura no registro de imóveis como proprietário, ainda que se tenha registrado negócio jurídico puramente aparente, está protegido pela lei (aquisição da propriedade pelo registro do titulo no registro do imóvel). Aliter, no direito argentino (cf. Héctór Cámara, Simulación en los Actos jurídicos, 281 s.). A cessão feita pelo figurante do ato jurídico aparente por simulação absoluta inocente é cessão de crédito inexistente, que, por lei, faz responsável o cedente a título oneroso; como, ex hypothesi, estava de má-fé (tomou parte na aparência e cedeu crédito inexistente), se a título gratuito. A cessão aparente por simulação absoluta inocente não existe: a notificação dela ao devedor é eficaz, porque a notificação é ato jurídico à parte, com seus efeitos; mas da cessão mesma não se pode pretender qualquer efeito (cf. G. Planck, Kommentar zum BCB., J, 4ª ed., 272). Se os figurantes (não se só um ou algum deles) lhe queriam efeitos, claro é que a simulação não foi inocente e entrou no mundo jurídico. (A doutrina alemã corrigiu a solução que se deu no direito alemão, ao problema técnico da simulação absoluta, lançando mão da ação de indenização, se há danos intencionalmente causados. Só se justifica isso se só um ou alguns tiveram a malícia; se a malícia foi de todos, o ato entrou no mundo jurídico.). 2. A ação de anulação por simulação e a ação declarativa negativa. A ação de anulação por simulação é inconfundível com a ação declarativa negativa, que concerne aos atos simulados em que a simulação é inocente e absoluta. 3. Prova e irrenunciabilidade da ação. A prova da simulação, seja inocente seja nocente, incumbe a quem alega (sem razão, Franz Leonhard, Die Beweislast, 309 s.).

A ação do figurante para a declaração da simulação é irrenunciável. Não cabe a distinção, que Álvaro Valasco (Decisionum Consultationum ac Reruim iudicotarum in Regno Lusitaniae, II, 371) já atacara, entre renúncia inserta no próprio documento e renúncia posterior ou ex intervallo. § 57. Ação declarativa em caso de simulação inocente relativa 1. Validade do ato jurídico dissimuiado. Se a simulação foi relativa e inocente, qualquer dos figurantes pode pleitear, não a decretação da anulação, porque não houve defeito, mas a declaração de que se quis outra coisa que aquilo que se simulou. Sem razão, Clovis Bevilacqua (Código Civil Comentado, 1, 344 s.), que entendia não haver outra solução que a de se considerar válido e eficaz o negócio jurídico. Somente se pré-exclui a legi-timação dos figurantes se a simulação foi ou pode ser danosa a terceiros ou infringiu ou infringe regra jurídica; a simulação (relativa) inocente não é defeito. Donde ser de concluir-se que, sendo inocente a simulação relativa, qualquer dos simulantes pode pedir que se declare a relação jurídica dissimulada, prevalecendo, então, o que foi querido, em vez do que se aparentou querer. Nesse ponto, Eduardo Espínola (Manual do Código Civil Brasileiro, III, parte primeira, 503 s.) achou que se anula o que foi simulado para que fique o dissimulado. Conforme bem frisou a Corte de Apelação do Rio Grande do Norte, a 29 de abril de 1936 (Ai 94/188, RF 128/176), “a consideração de que quem simula deve arcar com as consequências da simulação, se aplicada, sem temperamento, aos casos de simulação inocente, resultaria em se favorecer, dentre os simuladores, aquele que, tão responsável quanto o outro, faltasse à fé do pacto, pretendendo a subsistência do negócio simulado em prejuízo do encoberto”; mas o Tribunal de Justiça logo após misturou “ação declarativa” e “iniciativa de anulamento” sem atinar com a contradição entre os termos. Assim, se A doou a B, inocentemente, mas fez pas-sar-se escritura pública de compra e venda, pode A pedir a declaração da simulação inocente, de modo que a dação a B se trate como doação, e não como compra e venda, o que pode ter consequências práticas importantes, como a revogabilidade por ingratidão, ação cumulável à ação declarativa. 2. Invalidade do ato dissimulado. Pode ocorrer que o ato simulado tenha os requisitos de validade, e não os tenha, ou não tenha alguns deles o ato jurídico dissimulado. Então, a ação de declaração é julgada

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improcedente, sendo declarativa negativa a sentença que se profira. Não se trata de desconstituição do ato jurídico dissimulado; a eficácia da sentença é declarativa, porque os requisitos de validade do ato dissimulado funcionam, aí, como óbices à sua entrada no mudo jurídico.

Capítulo VIII

Ação declarativa e incapacidade civil § 58. Ações de declaração da cessação da incapacidade civil 1. Causas de cessação da incapacidade civil. A incapacidade civil cessa pelo suplemento de idade, ou pelo casamento, ou pelo exercício de emprego público, ou pela colação de grau científico em curso de ensino superior, ou pelo estabelecimento civil ou comercial de economia própria. Somente, na primeira espécie, a decisão judicial é constitutiva, com eficácia imediata de mandamentalidade e eficácia mediata de declaratividade. As outras são declarativas, com os pesos 5 de declaratividade, 4 de mandamentalidade e 3 de constitutividade.

Se a pessoa é maior, também cabe a ação declaratória de cessação da incapacidade civil. Os casos acima referidos são de cessação antes de a pessoa atingir a maioridade.

No suporte fático para a regra jurídica, que se invoque, de cessação da incapacidade civil antes de ser maior, há de estar a idade que a lei tem como mínima para a cessação. Pode acontecer que para o elemento de idade se exija mais em lei especial. 2. Casamento e cessação da incapacidade civil. O casamento, negócio jurídico, se válido, opera como fato jurídico um de cujos efeitos é a cessação da incapacidade civil. Não se pode dizer que se trate de fato jurídico stricto sensu: a sentença de nulidade, ou de anulação, que desconstitua o casamento, desconstitui, no plano da personalidade, o suplemento de idade, que resultou do casamento, ipso iure; com ela tem-se de cancelar a anotação que foi feita, mediante requerimento ao juiz, que a proferiu, para que se oficie, após o cancelamento do registro do casamento, ou ao próprio juiz do registro, com as certidões da sentença desconstitutiva do casamento e do cancelamento do registro do casamento. 3.Natureza da sentença. A sentença que aprecie, incidente-mente, ou em ação autônoma, de modo favorável, o suplemento de idade, com fundamento no casamento, é sentença declarativa-mandamental. O seu elemento constitutivo é mediato e se aplica, por exemplo, em pedidos de reconsideração, reexame, ou rescisão de decisões que exigiram assistência de pai, mãe, ou tutor, ou decretaram, como fundamento em incapacidade, a anulação de atos jurídicos do suplementado ipso iure. 4.Putatividade do casamento. A declaração de putatividade, ao se conhecer da anulação ou da nulidade do casamento, tem o efeito de deixar cessada a incapacidade. 5.Casamento precipitado. Os menores que não têm o mínimo legal para o casamento, porém casaram para evitar pena criminal, ou não, entendem-se capazes ao atingirem a idade mínima, independente de qualquer outro fato (3ª Câmara do Tribunal de Apelação de São Paulo, 10 de dezembro de 1937, RT 112/554): há apenas, na espécie, inversão, no tempo, da ordem dos elementos do suporte fático da regra jurídica (em vez de idade mínima e casamento, casamento e idade mínima). Se ao casamento foi decretada nulidade, ou anulação, é como se o não tivesse havido.

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6. Emprego público efetivo e cessação da incapacidade civil.O emprego do menor há de ser efetivo. A interinidade no emprego público não basta. Nem o exercício efetivo de emprego público, se a nomeação foi anulada, ou é nula.

O serviço militar não tem efeito de suplementar idade, nem o tinha no velho direito (Ordenações Filipinas, Livro III, título 9, § 3, e Livro IV, titulo 83, § 1; Antônio Mendes Arouca, Adnotationes Practicae, 1, 387; Tomé Vaz, Aliegationes super varias materias, 138 s; Alvaro Valasco, Decisionum Consultationum ac Rerum iudicatarum in Regno Lusitaniae, II, 261: “... quia militia non liberat a patria potestate”).

Os pressupostos, se satisfeitos, operam ipso iure. Qualquer ação para aplicar a regra jurídica, que ai se contém, seria apenas declarativa: houve ou não houve a investidura em cargo público efetivo, com a conseqUente cessação da incapacidade. Se houve investidura, tem-se de propor, antes, a ação constitutiva negativa, de modo que, eliminado o elemento do suporte fático, se declare que a regra jurídica invocada, não incidiu e, pois, não se produziu a relação jurídica de cessação de incapacidade. 7. Grau científico em curso de ensino superior e cessação de incapacidade. Aqui, como a propósito do casamento e do emprego público efetivo, trata-se de eficácia anexa. A colação de grau entra no suporte fático da regra jurídica, como elemento, ao lado da idade mínima. Se a lei permitisse colação de grau científico, em curso de ensino superior, a quem não satisfaça a idade mínima, cessaria a incapacidade; à semelhança do que ocorre com o casamento antes da idade mínima.

Os cursos de escola normal não se têm como cursos de ensino superior (2a Câmara do Tribunal de Apelação de São Paulo, 18 de dezembro de 1945, RT 161/713). Os cursos de farmácia, em escola de ensino superior, são cursos de ensino superior (sem razão, a 1a Câmara da Corte de Apelação de São Paulo, 26 de agosto de 1935, 101, 360). Salvo se não dá o grau científico.

A Constituição do Império do Brasil, art. 92, permitia o voto aos “bacharéis formados”; daí tiraram Teixeira de Freitas e Lafaiete Rodrigues Pereira que a “colação de graus acadêmicos” tinha o efeito de fazer cessar a incapacidade. Era um tanto forçado, mas tal foi o direito anterior, a despeito das críticas. 8. Eficácia “ipso iure”. O pressuposto da colação de grau opera ipso iure. A ação, a respeito, seria apenas declarativa: houve ou não houve a colação de grau cientifico em curso de ensino superior, com a conseqUente cessação da incapacidade. A ação declarativa negativa, se colação houve, tem de ser precedida da ação constitutiva negativa para decretação da nulidade ou anulação da colação. § 59. Estabelecimento civil ou comercial, com economia própria, e cessação da incapacidade 1. Origens da regra jurídica. Pascoal José de Meio Freire (Institutiones luris Civilis Lusitani, II, 104, s.) considerava o estabelecimento com economia própria causa de cessação do pátrio poder, por uso moderno, e recorria à figura de emancipatio tacita, de modo que se permitia a vontade contrária do pai (satisenim est quod non contradicat, ut statim emancipatus videatur). Com ele, Teixeira de Freitas (Consolidação das Leis Civis, art. 202, § 4º) e Lafaiete Rodrigues Pereira (Direitos de Família, 223). Contra, Pascoal José de Meio Freire, Manuel de Almeida e Souza (Notas de Uso prático, II, 224 s). O problema não estava a) em se saber se os doutores haviam deduzido, acertadamente, dos textos romanos a emancipação tácita com economia separada; e sim b) em se saber se o reino de Portugal a havia recebido como uso moderno (emancipação consuetudinária). A resposta não tinha de ser c) para a emancipação tácita, a presumida (prescripcional) e a emancipação por economia própria, consuetudinária, e sim separadamente. Manuel de Almeida e Souza tomou as atitudes a) e c), erradas, para quem discutia de iure condito. Num ponto, tinha ele razão (II, 229) contra Pascoal José de Meio Freire: não ser caso de emancipação, e sim de perda do pátrio poder a economia separada. Como se vê, não estava em causa a suplementação da idade.

A menoridade cessa, automaticamente, pelo estabelecimento civil, ou comercial, com economia própria

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(Supremo Tribunal Federal, 26 de abril de 1924, RSTF, 73/102). Daí presumir-se maior (presunção homin is) quem está em tal situação (Tribunal de Apelação de São Paulo, 31 de outubro de 1938 RT 117/565); se é menor sem a idade que se exige como pressuposto, a cessação da menoridade não se operou, e pode ser dada a prova, incidenter, ou em ação declarativa, ou, como questão prévia, ou ação de nulidade, contra a presunção. 2.“Usos modernos”. A vontade contrária do pai é inoperante. A omissão hodierna de alusão a ela, é de toda a relevância. Havia divergência entre os diferentes usos modernos das nações da Europa. Umas exigiam o consentimento do pai; outras prescindiam dele; outras permitiam a oposição pré-excludente. Ora não se trata de suplementação tácita de idade, nem, sequer, de emancipação tácita. Não é preciso que o filho saia da casa do pai, com ou sem o consentimento: abstrai-se de qualquer vontade; a fortiori, seria contra a letra da lei, que se exigisse a separação total de “casa, família e mesa”, de que falavam os escritores dos usos modernos de algumas nações.

Não há dúvida que a técnica legislativa chegou, a respeito do suplemento de idade, a acedadas soluções, mas, com o tempo e a mudança de mentalidade e de convicção, é possível que se chegue a novas alterações.

Capítulo IX

Ação declarativa da extinção “ipso iure”de fundação ou de sociedade § 60. Extinção “ipso iure” de fundação 1. Distinções. A ação de dissolução “ipso iure” de fundação édeclarativa. A ação de extinção da fundação por ilicitude ou impossibilidade do fim é ação constitutiva negativa, e não declarativa; dirige-se à desconstituição da fundação, um de cujos efeitos é o efeito mandamental do cancelamento do registro (constitutividade, 5; mandamentalidade, 4; declaratividade, 3). A ação declarativa da extinção existe mesmo se não há regra jurídica especial, porque bastaria a ação declarativa típica. A pretensão que está à base dela é apenas a pretensão a que o juiz declare a existência ou a inexistência da relação jurídica. 2. Pressupostos para a ação declarativa da extinção da fundação. Os pressupostos subjetivos e objetivos são os mesmos da ação declarativa típica. Por ela não se pede extinção; pede-se, pois que é negativa, que se declare estar extinta, não mais existir, a fundação.

Se o sistema jurídico fez dependente de julgamento a extinção, a força eficacial há de ser constitutiva ou mandamental.

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§ 61. Ações declarativas de extinção de sociedades 1. Precisões. Nas chamadas ações de dissolução, ou é a sentença que dissolve, ou não é ela, porém outro fato. Se é a sentença que dissolve a sociedade, não há qualquer dúvida possível: a sentença favorável é constitutiva. Se a sentença não dissolve, e apenas proclama que a sociedade estava dissolvida, ou, ocorrendo algum fato, se dissolverá, a sentença é declarativo.

O direito material, onde essas ações nascem, é que as caracteriza. Se a dissolução é ipso lure, a declaração não é, a priori, necessária, mas pode ser útil; faz-se necessária, devido àlei, para a liquidação judicial. Nada obsta a que os sócios, em negócio jurídico declarativo, dêem por dissolvida, ou, sem negócio jurídico declarativo, abram a liquidação amigável (extrajudicial). Para liquidação judicial, o sistema jurídico tem três caminhos a seguir: a) estatuir que, no despacho da petição inicial, sendo caso de dissolução ipso iure, o juiz nomeada o liquidante (posto que despacho de petição inicial, essa resolução judicial seria declarativa, quaestio praeiudicia lis, distanciada da sentença, em vez de contemporânea dela, como é vulgar nas sentenças com questões prejudiciais); b) considerar as dissoluções ipso iure como objeto de ação constitutiva ex time, o que seria pôr em divergência o direito material e o processual; e) conceber o processo de dissolução e liquidação como duas fases, correspondentes a duas ações cumuladas (cumulação sucessiva), dependendo da sentença favorável na primeira a ação segunda. 2. Dissolução e liquidação. Na ação de liquidação e de dissolução, há audiência rápida dos interessados (principio de contraditoriedade, Audiatur et altera pars), decisão (ação declarativa de dissolução) e ação de liquidação (cumulação sucessiva). Essa é ação de execução pelo elemento executivo proveniente da parte da sentença, declarativa de dissolução, em que se nomeou liquidante. O entrosamento das duas ações no mesmo processo tem esse elemento de ligação que é o de, ao ser decidida a dissolução, a lei ordenar que o juiz nomeie o liquidante. Esse elemento copulativo é que faz a unidade do processo. Sem ele, a primeira ação, que não passaria da ação declarativa típica, ou da ação constitutiva negativa (dissolução), não teria o efeito executivo (liquidação).

O que mais interessa ao jurista e ao juiz é saber se a dissolução se operou ou se ainda vai operar, por eficácia sentencial.

Capítulo X

Ações declarativas de filiação § 62. Filiação 1. Impugnação indireta da filiação. Antes do advento das regras jurídicas da Constituição de 1988, art. 227, § 6º podia ser impugnada, indiretamente, a “legitimidade” da filiação: 1. Em relação a ambos os pais: a) por não ter havido matrimônio entre eles; b) por ser nulo o casamento. II. Em relação à mãe: a) pela prova de pado suposto; b) pela negação da identidade da pessoa que se diz filho. III. Em relação ao pai: por estar modo no prazo para a concepção. Inexistente, ou nulo, o casamento, não havia “legitimidade”, posto que existente a filiação natural. No caso de casamento nulo por incompetência do juiz, tinha de atender-se ao prazo preclusivo. No caso de suppositio partus, a mãe finge dar à luz, iludindo o marido, ou, com a cumplicidade desse, para iludir terceiros. Uma vez, que a impugnação da “legitimidade” de filiação, em certos casos, como os anteriores, não concernia à presunção Pater is est quem nuptiae demonstrant, e sim apenas a filhos não nascidos ex nuptiis, seria descabido atender-se a regra jurídica, que dava ao marido, privativamente, o direito de contestar a “legitimidade” dos filhos nascidos de sua mulher. Os casos acima enumerados não foram previstos expres-samente, porque tal regra legal somente tratava o filho concebido na constância do casamento, ou presumido

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tal. A Lafajete Rodrigues Pereira não escaparam eles e, desde a 1ª edição do liwo Direito de Família, os ajustamos aos textos novos. 2.Ação declarativa negativo. Se o filho não se achava numa das duas espécies apontadas, qualquer pessoa, que interesse tivesse, inclusive o próprio filho (Theodor kipp, Lehrbuch des burgerlichen Rechts, II, 2, 289, nota 19; Otto Wameyer, Kornmentar zurn BGB., 11, 745), podia propor a ação de “ilegitimidade”, declarativa negativa. Não se dizia, na sentença favorável, “havia, mas era sem base, nos fatos e na lei, a eficácia de legitimidade”; dizia-se “não houve eficácia na legitimidade”. O interesse podia ser só moral; o filho “ilegitimo” que a mãe fazia passar por “legitimo” podia ter interesse em que se declarasse a “ilegitimidade”, se, por exemplo, com isso se tomasse legitimado pelo casamento posterior da mãe e terceiro (03. Planck, Kommentor zum BGB., IV, 430; Th. Engelmann, J. von Staudingers Kommentor, IV, 2, 782; Otto Wax-neyer, Kommentar zum BGB, II, 745; sem razão; Heinrich Demburg, Das Burgerliche Recht des destschen Reicbs und Preussens, IV, 244, nota 9).

O discrime legal da “legitimidade”, odioso em virtude do fato da “filiação”, perdeu a ratio essendi que, em verdade, nunca tivera. Os filhos, havidos ou não dos negócios juridicos de casamento ou adoção, têm — assente a identidade de qualificações —os mesmos direitos, pretensões, ações e exceções, pré-excluidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação (Constituição de 1988, art. 227, § 6º). 3. Família, parentesco e ação declarativa. A semelhança de outras leis civis estrangeiras, a lei brasileira define parentesco, linhas, espécies de parentesco e graus. São parentes, em linha reta, as pessoas que estão umas para as outras na relação de ascendentes e descendentes. São parentes, em linha colateral ou transversal, até o sexto grau, as pessoas que provêm de um só tronco, sem descenderem uma da outra. Por onde se vê que família e parentesco são categorias distintas. O cônjuge pertence à família, e não é parente do outro cônjuge, posto que seja parente afim dos parentes consangúíneos do outro cônjuge. É possível ação declarativa do parentesco, ainda que se não alegue ligação a qualquer outro interesse. Basta o interesse mesmo do parentesco. O parentesco era, antes da sistemática operada com a Constituição de 1988, “legítimo”, ou “ilegítimo”, segundo procedesse, ou não, de casamento; natural, ou civil, conforme resultasse de consanguinidade, ou adoção. Aqui, convém lembrar particularidade do Código Civil alemão: nele (§ 1.589, alínea 2ª. “Em unebeliches Kind und dessen Vater gelten nicht ais verwandt”), o filho ilegítimo não tem relação (jurídica) de parentesco com o pai. O verbo “gelten” é impróprio: não se consideravam em direito civil, como parentes, o filho ilegítimo e o pai. Mas o fato (a relação natural, fática) era importante para a “legitimação” (§§ 1.719 e 1.723) e para a impediência matrimonial (§ 1.310, alínea 3a). Escusado é frisar-se quão inconveniente é a regra jurídica do § 1.589, alínea 2a: existe, no direito alemão, parentesco de sangue sem que a lei importe tal fato material, como se não visse as relações parentais, necessariamente, aí, em ângulo (filho, pai; filho, mãe). Com isso favoreceu-se a mulher, a fim de que, só seu, juridicamente, fosse o filho, porém não se favoreceu, de ordinário, o filho, e se tratou arbitrariamente o genitor. Não se protegem os que são fracos, ou se supõem fracos, fazendo-se mais fortes do que os outros. Toda proteção há de ser para igualar. § 63. Filiação e declaração 1. Ação de declaração negativa da filiação. A ação em que se alega ser nulo o ato do reconhecimento, ou o registro da filiação, é constitutiva negativa. Não assim aquela em que o autor tem por fito que se declare a inexistência do casamento e, anteriormente à Constituição de 1988, que também se declarasse a “ilegitimidade” da filiação natural. Se essa “ilegitimidade” resultasse de ter passado em julgado a sentença que decretara a invalidade do casamento, ela fora atingida e a ação de declaração podia ser proposta porque elemento existencial deixara de existir, sem se precisar de ação constitutiva negativa. Diante do elemento constitutivo que existia e, o tocante à “legitimidade” da filiação, deixou de existir, por efeito da desconstitutividade da sentença de decretação da invalidade do casamento, houve dúvida quanto à ação que se proporia a respeito da “ilegitimidade”; e Wilhelm Kisch (Beitrâge zur Urteilslehre, 83 sj, que não as tinha como constitutivas negativas, chegou a propor que se chamassem dissolutivas, o que não podia ser acolhido: ou seriam constitutivas negativas ou dissolutivas.

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2.Ação de declaração positiva da filiação. No direito positivo anterior, nas questões de “legitimidade” da filiação tinha-se de atender a que havia a ação para que se declarasse a filiação “legitima” de quem nascera no prazo que a lei fixa para o caso de morte do marido ou de dissolução do casamento, e a ação para que se declarasse a filiação (que podia, a despeito de “ilegítima”, se ter tomado “legitima”, com o casamento subsequente). De qualquer modo, a eficácia era inter omnes (cf. Hanz Walter Eashing, Das X/erfahren zur Feststellung der ehelichen und der unehelichen Abstammung, 71). A sentença que apenas declarava a filiação servia para a prova da “legitimidade” se sobreviesse o matrimônio. Se já ocorrido, a “ação” havia de conter o pedido de declaração da filiação e da “legitimação”.

Tais caracterizações discriminatórias da filiação — “legítima”, “ilegítima” —‘ juridicamente insustentáveis, não têm também legalmente mais nenhuma sustentação, porquanto os filhos têm sempre a mesma qualificação jurídica, sem qualquer possibilidade de alusão a’” legitimidade” ou não da filiação, conforme havidos na ou fora da relação de casamento. Havidos fora do casamento, o reconhecimento da filiação é segundo as regras jurídicas da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (ad 26), e da Lei nº 8.560, de 29 de dezembro de 1992 (arts. 1º, I,II, III e IV, e 2º, § 3º), sem qualquer referência possível à natureza da filiação, à sua ordem em relação a outros irmãos do mesmo prenome, exceto gêmeos, ao lugar e cadório do casamento dos pais, bem como ao estado civil deles (Lei nºr 8.560, art.5º)

Capítulo XI

Ação declarativa, construção e passagem forçada § 64. Direito de construir e ação declarativa 1. Construção e demolição. Depois de concluída a obra, o remédio jurídico processual não é a nunciação de obra nova, e sim a ação demolitória, a de indenização, ou outra. Escusado é dizer-se que todas essas espécies também se pode propor a ação declarativa. 2.Direito de entrada para obras e ações declarativas. Há ação declarativa positiva, para se enunciar a existência da relação juridica, quanto a indispensável entrada para obras, ou negativa, para se enunciar a não-existência de tal relação jurídica. Além disso, há a ação cominatória e a ação de condenação a deixar entrar, bem como a executiva lato sensu, ou as duas, simultâneas, para que a sentença condene a deixar entrar e “execute” a obrigação de deixar entrar, civil ou policialmente (eficácia anexa de direito público). § 65. Passagem em terras e edifícios 1. Passagem forçada e fixação judicial do rumo. O juiz pode fixar o rumo, no interesse do prédio encravado e no interesse do prédio vizinho. Nem dono daquele tem direito a que seja sempre o mais curto, nem o vizinho; nem qualquer fixação pelo juiz pode ser contrária às leis de direito público, salvo se inconstitucionais.

Ainda no que concerne à direção, largura e extensão do caminho, a ação é declarativa, e não constitutiva. Tem eficácia contra o proprietário atual e seus sucessores, inclusive quanto aos sucessores dos lotes em que se dividiu a propriedade vizinha. Para que a sua eficácia fosse erga omnes seria preciso que se registrasse. Mas, se permanecem os pressupostos, é provável que a sentença seja a mesma se nova ação for proposta contra o usucapiente do prédio vizinho. Em todo caso, se esse é que propõe ação declarativa negativa contra o dono do prédio encravado, esse não pode excepcionar pela coisa julgada material. Nem a fixação do rumo pela sentença anterior é óbice a novo exame, se o dono do prédio vizinho não houve do réu na ação declarativa positiva. 2.Ações proponíveis. A ação declarativa pode ser exercida ope exceptionis, porém mais freqúentemente como

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reconvenção (Otto Wameyer, Kommentar zuni SOB, II, 130). Quase sempre é objeção (defesa).

O proprietário que perde, por culpa sua, o direito de trânsito pelo prédio contíguo, ou pelos prédios contíguos, pode exigir nova comunicação com a via pública, pagando o dobro da anterior indenização, com a correção monetária. Fala-se em perda de direito, mas com o nascimento de outro. Há declaratividade pre-ponderante, mas ainda não se sabe por onde vai passar, o que o vizinho tem de determinar, ou o têm de determinar os vizinhos. Se há discussão, ou simples interesse na afirmativa, é cabível a ação declarativa, ou, para que fixem o trânsito os vizinhos, ou o fixe o vizinho, a ação cominatória. Se se prefere a ação executiva, ao juiz incumbe deferir a citação para que se cumpra o dever; se não a cumpre, ao juiz toca a função de traçar o caminho. § 66. “Exceptio rei inter alios iudicatae” 1. Coisa julgada e negação de eficácia. A coisa julgada atinge todas as partes, e não a terceiro. Na L. 2, C., quibus res iudicata non nocet, 7, 56, foi dito que as coisas julgadas entre outros, res inter alios judicata, não podem produzir benefício, nem irrogar prejuízo, aos que não intervieram no juízo. Advirta-se, porém, que pode o terceiro ter anuído em tal eficácia, antes ou depois da sentença (cf. L. 63, D., de re judicata et de effectu sententiarum et de interlocutionibus, 42, 1; E. L. von RelIer, (Uber Litis-Contestation und Urteil, 368 s.). Não são terceiros os sucessores em direitos do autor ou do réu, após a sentença. Dá-se o mesmo se a sucessão é no débito, ou na situação passiva. O tempo em que foi proferida a sentença é que importa, e não, como pensava Heinrich Demburg (Pandekten, I, 7ª ed., 379), o da propositura da ação. A chamada exceptio rei in alios iudicatae é ação, como o são os embargos de terceiro. 2. Terceiro e defesa contra eficácia de julgado. A exceptio rei inter alios iudicatae é “ação” pela qual o terceiro que pleiteia é estranho à eficácia da sentença ou outro ato judicial. Tal exceptio abrange a de exclusão da eficácia de coisa julgada material, que lhe deu o nome, e os outros casos de eficácia, que os juristas romanos, os medievais e os modernos ainda não haviam classificado devidamente. Em boa técnica e terminologia própria, devemos falar, em geral, de exceção de ineficácia quanto ao terceiro; em particular, de exceção de coisa julgada material, de exceção de não-eficácia constitutiva quanto ao terceiro, de exceção de não-eficácia condenatório quanto ao terceiro, de exceção de não-eficácia mandamen tal quanto ao terceiro, de excessão de não-eficácia executiva quanto ao terceiro. Existe essa última, separada da primeira e da terceira, porque há executabilidade contra pessoas que não foram partes na ação de condenação. A figura passiva do réu, na ação executiva, não coincide sempre com a figura passiva do réu, na ação de cognição.

A ação de embargos de terceiro não tem a função declarativa da exceptio, que vê, em primeiro lugar, o que se produziu no processo onde ela se opõe. E ação mandamental. Os embargos de terceiro vêem o que se há de produzir, no seu processo, de acordo com a pretensão do embargante. O embargante está preocupado com a eficácia, e. g., a res judicata, da “sua” decisão; não com a res iudicata ou outra eficácia do ato judicial embar-gado. A exceptio, sim, tem o fito de mostrar imunidade do terceiro à irradiação declarativa, constitutiva, condenatória, mandamental ou executiva da resolução judicial a que excepciona a eficácia. Note-se bem; a irradiação eficacial da sentença nem sempre é a de coisa julgada material.

Se, por exemplo, ação de execução de sentença é intentada contra o terceiro, como executado (e. g., troca de nome), a defesa desse é a exceptio rei inter alios iudicatae, e não os embargos de terceiro (A. Mendelssohn-Badholdy, Grenzen der Rechtskraft, 100 s.); e melhor falaríamos de exceção de ilegitimidade da parte na execução. Foi o velho erro de se não considerar pretensão autônoma a pretensão á execução qe obscureceu até hoje o assunto e impediu que se visse a legitimação passiva nas ações executivas, em todas as suas linhas extremas. E devia ser litisconsorte (litisconsórcio necessário), na ação entre A e C; e o processo desenvolveu-se até o transito em julgado da sentença entre A e C, sem que B fosse citado. Executada a sentença contra A e B (e. g., servidão em bem indivisível), não é com embargos de terceiro que deve vir B, e sim com a exceptio rei inter alios iudicatae, ou, melhor, aí, exceção de não-integração subjetivo passiva da relação jurídica processual, com a consequência final da eficácia só inter partes. Não há consorte, porque se não promoveu o

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litisconsórcio. Na prática, devem os advogados e os juizes ter em vista a diferença, pois não é certo que o terceiro tenha

sempre a escolha entre a exceptio e os embargos de terceiro (sem razão, Galluppi, Teoria deila Opposizione dei terso, 53). Na dúvida, devem os juizes entender que foi proposto o meio adequado. 3. Eficácia sentencial. A eficácia sentencial, quando favorável a decisão, é 5 de declaratividade, 4 de constitutividade, e 3 de mandamentalidade. O terceiro alegara não o atingir a res inter alios judicata.

Capítulo XII

Ação de abertura da sucessão definitiva § 67. Relação jurídica existente 1. Sucessão provisória. Há o requerimento de herdeiros ou de interessados para que se lhe defira a sucessão provisória dos bens do ausente que lhe foram arrecadados. 2. Cessação da sucessão provisória. A sucessão provisória, isto é, a relação jurídica subordinada a condição resolutiva, em que se acham aquelas a quem foram devolvidos os bens da herança, ou cessa (1) pela transformação em sucessão definitivo, apagando-se todos os efeitos da presunção, a) pela certeza objetiva (verdade) da morte do decujo, ou b) pela certeza subjetiva, legal, da morte, após o prazo fixado pela lei, ou c) por ter-se esgotado o prazo especial, se o ausente chegou à idade prevista pela lei; ou (2) cessa a resolução da sucessão provisória, em virtude de aparição do decujo ou de ascendente ou descendente seu. § 68. Sucessão definitiva 1.Conceito. A sucessão definitiva é efeito de decisão nos próprios autos da sucessão provisória. A definitividade é declarável pela decisão. Não se lhe atribua constitutividade. Preenchidos os pressupostos, houve a transformação, e a decisão é declarativa, com eficácia imediata mandamental e mediata executiva. 2. Conseqíiências da decisão favorável. A decisão favorável édeclarativa e tem efeitos ex tunc, porque os pressupostos se compuseram; de modo que a executividade já se operou, em virtude da declaração posterior. § 69. Ação vocatória e convite ao ausente para entrar na posse dos bens arrecacados 1. “Vocatio in ius”. Feita a arrecadação dos bens de ausente, publicados os editais, conforme o exige o sistema jurídico, durante o tempo que se determina na lei — durante um ano, reproduzidos de dois em dois meses, segundo o Código de Processo Civil, art 1.161 —, há o anúncio do ato judicial e a vocatio in ius (não provocatio ad agendum) para que o ausente entre na posse dos bens. Há a chamada a comparecer, que se dirige ao ausente, ao seu procurador, ou quem o represente, ou a comunicar ao juízo o fato da morte da pessoa que se tem por ausente. Não, a deduzir em juízo a pretensão à sucessão provisória, a que corresponde outra ação. O procedimento edital, na arrecadação de bens do ausente, não se confunde com o procedimento edital para pro-vocação à habilitação. 2.Eficácia da ação e da decisão. A ação vocada é, quanto ao conteúdo, defesa do ausente, cujos bens foram arrecadados. Ele, ou alguem por ele, atende à vocatio in ius. A força eficacial da ação e da decisão favorável à pessoa vocada é declarativa. A eficácia imediata, 4, é mandamental; a eficácia mediata, 3, executiva. Declara-se

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e manda-se que se atenda à entrada na posse. Posse, entenda-se, imediata própria; porque o ausente não deixou de ter a posse própria, mediata. Se é pedida a sucessão provisória, ou há a comunicação de que o ausente falecera, ou já estava morto, no momento da arrecadação, tudo muda. As ações são outras.

Capítulo XIII

Ações declarativas incidentais § 70. Habilitação para casamento posterior ao ato 1. Celebração em caso de risco de vida. Se há risco de vida, o casamento pode ser sem a presença da autoridade competente, e os depoimentos das seis testemunhas são reduzidos a termo, dentro de prazo lega!, e cabe ao juiz verificar se os contraentes podiam ter-se habilitado de acordo com as regras jurídicas comuns e, ouvidos os interessados, que o requereram, e o órgão do Ministério Público, há de decidir. O casamento fora feito. O elemento constitutivo produzira-se. A posterioridade da habilitação toma declarativo o ato do juiz, que julga a habilitação.

Permitiu-se o casamento em forma excepcional se in adiculo mortis, dispensada a habilitação (Lei nºr

6.015, de 31 de dezembro de 1973, art. 76, §§ 1ª a 5ª). 2.Habilitação posterior ou protraída. A habilitação posterior, ou protraída, é em verdade, justificação, e não habilitação: não se diz que são hábeis ou estão habilitados, mas que estavam habilitados e, por isso, executaram o ato de se casarem. Porém, em vez de ser habilitação constitutiva, é habilitação declarativa.

Nenhuma atribuição tem o juiz quanto ao conteúdo do que declararam as testemunhas. A fortiori, não lhes pode apreciar idoneidade, veracidade ou qualquer argúição contra elas. Não tem poderes desconstitutivos, que possam ser invocados para se decretar anulação do casamento. Apenas se lhe dá, posteriormente ao casamento, o exame da habilitação.

Não pode o juiz dizer que as testemunhas mentem, porque isso seria converter-se a ação de justificação posterior, de rito especial, em ação declarativa negativa, ou em ação de nulidade ou anulação do casamento, todas de rito ordinário.

Há o exame do que se passou, em virtude da emergência. O que a diz é que a habilitação podia ter sido feita e tudo passou como se tivesse sido feita. § 71. Incidentalidade da ação de falsidade e eficácia preponderante 1. Declaração incidental de falsidade. O incidente de falsidade de documento é caso de ação declarativa incidental. É a mesma ação declarativa típica, incidentalmente proposta, tanto que ela se pode intentar quando seria possível propor-se autônomamente, aquela ação de rito processual ordinário. O direito brasileiro, na esteira do direito lusitano, sempre teve o incidente de falsidade. Porém nem sempre a ação, que se poderia intentar de modo autônomo, se pode exercer de modo incidente. Donde dizer-se que a ação incidental de falsidade é subordinada a certos limites. Primeiro, é de exigir-se que se trate de questão prejudicial, quer dizer — que a decisão dela seja necessária à decisão da ação principal. Sem essa ligação, o rito do processo incidental é desautorizado. E preciso que uma das partes argúa de falso o documento, e desse documento dependa o julgamento da causa.

A ação incidental de falsidade é como a declaração autônoma, ação oriunda da irradiação singularidade,

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portanto, no mundo das ações. Processada incidenter tantum, nem por isso se enche com pretensão de direito material, ainda a que é objeto de discussão na causa principal. Apenas supõe a lide sobre determinada controvérsia; e de modo nenhum, quando proposta pelo réu, se confunde com a ação de reconvenção, nos casos de arguição reconvencional de falsidade do documento inicialmente oferecido. Porque, então, a questão prejudicial é tratada no seio da reconvenção, principaliter, e não iciden ter tantum,e a ação, em vez de declarativa, é de condenação, constitutiva, ou mandamental. (Deixamos de aludir à eficácia executiva, porque proibida a reconvenção nas ações executivas, se pré-exclui a reconvenção executiva nas outras ações). O incidente de falsidade suscite-o o autor, ou o réu, pode ocorrer, qualquer que seja a demanda principal — ação declarativa, constitutiva, condenatória executiva, ou mandamental, principais ou acessórias, de rito ordinário ou não; e não é de excluir-se incidente de falsidade na própria ação incidental de falsidade, se nessa foi produzido, contra a outra parte, outro documento arguido de falso.

Nas ações de imissão na posse, não seria útil suscitar-se incidente de falsidade (Manuel Álvares Pêgas, Resolutiones Forenses, II, 1149), porque então se alegaria o falso como matéria da contestação, tal como em todas as ações em que todo pedido se baseia em documento necessariamente produzido com a inicial. Nas ações da nulidade de testamento, por exemplo. Mas, em qualquer delas, se o documento foi produzido depois do prazo de contestação, não há por onde se vedar a ação incidental. Sempre que o documento se produziu como base e se argúi contra a sua força probatória formal, a questão do falso pode ser prejudicial, mas está intimamente ligada ao pedido, podendo ser julgada simultaneamente com a ação principal. Não quer dizer isso que, fora das ações de falsidade de documento (ação declarativa típica, com a ação de falsidade de testamento, de testarnento por falso), se tire à parte a pretensão à declaração incidental, principalmente se ela somente soube do falso já na fase da instrução.

O documento pode ter sido falsificado depois de junto aos autos e então a ação de falsidade é necessariamente incidental 2. Repercussão jurídica do falso. É preciso atender-se à atuação do falso e à sua potencialidade, no mundo das relações sociais, para se compreender a importância da sua existência ou inexistência, dando base as ações declarativas, assim principais como incidentais. Tanto é grave existir contra alguém relação juridica, ou não existir ou deixar de existir a favor de alguém, quanto existir o falso, ou não existir autenticidade de documento. Porque, em verdade, o existir a autenticidade ou o existir o falso põe em certa relação jurídica com alguém o interessado. Assim, fácil éentender-se que o ser falso ou o ser autentico seja res in indicium deducta, na ação declarativa típica e nas ações declarativas incidentais. A ordem jurídica reage contra o falso; ou declarando-o, ou prevenindo-lhe ou evitando-lhe as consequências (e- g., em ações preventivas de protesto ou notificação, ou em ação cominatória), ou condenando o que dela usou (ação penal ou condenatória civil). As ações declarativas incidentais põem à frente a declaração. Também é o elemento declarativo o que o processo civil recebe do processo penal, nos casos de rescisão de sentença fundada em prova cuja falsidade se tenha apurado no juízo criminal. 3.Instrumentos públicos. Quando os instrumentos particulares são antedatados, ou pós-datados, pode haver anulabilidade por simulação. Daí se pretendeu tirar que a antedata e a pós-data não invalidam os instrumentos públicos (e. g., 2ª Câmara Civil da Corte de Apelação de São Paulo, 11 de dezembro de 1936, RT 114/279). Não há anulabilidade desses por simulação, mas há a ação ordinária para a prova da falsidade, se a antedata ou a pós-data frauda a lei, ou frauda credores, ou ofende direitos de terceiros (Tribunal de Apelação de São Paulo, 4 de março de 1938, RT 114/276), ou tem qualquer efeito que a data verdadeira não teria. 4. Ação independente de falsidade. A ação de falsidade de documento ou de outra prova pode ser proposta sem a relação de acessoriedade. A sentença, em tal ação, pode ser base, por exemplo, para a rescisão da sentença.

Se o juiz da ação incidental de falsidade julga a ação principal, sem julgar, antes, a ação incidental, tem de haver julgamento antes do recurso; se houve recurso, e foi julgada procedente a ação principal, sem se julgar o incidente de falsidade, pode ser pedido o julgamento posterior e trata-se a sentença no incidente como se fosse sentença em ação independente.

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Se transitou em julgado a decisão sobre a ação principal, não mais se podem apresentar adigos de

falsidade (2ª Câmara do Tribunal de Alçada de São Paulo, 15 de maio de 1952, RT 203/407). Se foram apresentados antes de passar em julgado a sentença, devido a recurso, têm de ser julgados no grau de jurisdição superior antes de se julgar o recurso. Se foi proferida a sentença na ação principal sem se julgar a ação incidental de falsidade, feriu-se a regra jurídica que exige o julgamento de ação incidental de falsidade antes do julgamento da ação principal. Se a parte não recorre e apresenta adigos de falsidade, o trãnsito em julgado retira toda a eficácia da petição na ação acidental de falsidade.

A ação de falsidade, não incidental, é ação à parte, e não a atingem regras juridicas especiais às ações declarativas incidentais. 5. Legitimação processual ativa e procedimento da ação incidental de falsidade. Desde que uma das partes entende ser falso o documento, que foi oferecido contra ela, nasce-lhe a pretensão a que se lhe declare a falsidade. Não importa se essa parte é o réu, ou se é o autor; ou alguém a que a força ou efeito da coisa julgada material possa atingir. Não há ação incidental de falsidade antes de haver lide (3ª Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 12 de novembro de 1941, RT 135/133), ou, em geral, processo.

O incidente de falsidade, como ação declarativa típica de falsidade, ou de autenticidade de documento, não versa somente sobre o fato material da falsidade, porque falsidade e autenticidade

Se o juiz da ação incidental de falsidade julga a ação principal, sem julgar, antes, a ação incidental, tem de haver julgamento antes do recurso; se houve recurso, e foi julgada procedente a ação principal, sem se julgar o incidente de falsidade, pode ser pedido o julgamento posterior e trata-se a sentença no incidente como se fosse sentença em ação independente.

Se transitou em julgado a decisão sobre a ação principal, não mais se podem apresentar adigos de falsidade (2ª Câmara do Tribunal de Alçada de São Paulo, 15 de maio de 1952, RT 203/407). Se foram apresentados antes de passar em julgado a sentença, devido a recurso, têm de ser julgados no grau de jurisdição superior antes de se julgar o recurso. Se foi proferida a sentença na ação principal sem se julgar a ação incidental de falsidade, feriu-se a regra jurídica que exige o julgamento de ação incidental de falsidade antes do julgamento da ação principal. Se a parte não recorre e apresenta adigos de falsidade, o trânsito em julgado retira toda a eficácia da petição na ação acidental de falsidade.

A ação de falsidade, não incidental, é ação à parte, e não a atingem regras jurídicas especiais às ações declarativas incidentais. 5. Legitimação processual ativa e procedimento da ação incidental de falsidade. Desde que uma das partes entende ser falso o documento, que foi oferecido contra ela, nasce-lhe a pretensão a que se lhe declare a falsidade. Não importa se essa parte é o réu, ou se é o autor; ou alguém a que a força ou efeito da coisa julgada material possa atingir. Não há ação incidental de falsidade antes de haver lide (3ª Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 12 de novembro de 1941, RT 135/133), ou, em geral, processo.

O incidente de falsidade, como ação declarativa típica de falsidade, ou de autenticidade de documento, não versa somente sobre o fato material da falsidade, porque falsidade e autenticidade são conceitos jurídicos. No caso do incidente de falsidade, é ele imediatamente ligado à prova que se pretende (cf. Emst BeIing, Informativprozesse, 8 s.)..

O incidente de falsidade compreende a falsidade em sentido estrito e a falsificação (mutatio veritatis): Não é preciso que o prejuízo resultante já se haja produzido; basta que se possa produzir no futuro, desde que a decisáo dependa do documento (Manuel Álvares Pêgas, Resolutiones Forenses, II, 1.150). A mutatio pode consistir, por exemplo, em alteração, rasura, abrasão (“ex abrasione in parte substantiali”).

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§ 72. Pressupostos da ação 1. Eficácia suspensivo da prapositura. O incidente de falsidade suspende a decisão principal. A instrução pode estar encerrada e se trata de prejudicial: o juiz tem de esperar que a decisão do incidente se profira e passe, formalmente, em julgado. A lei admite a ação declarativa incidental em qualquer tempo e grau de jurisdição, portanto até o trânsito em julgado. Cedo o discrime cntre encerramento da instrução e encerramento do debate, a referência àquela é somente como momento a quo ao apensarnento, ou ad quem ao desenvolvimento intraprocessual da ação declarativa. Tanto que, proferida a sentença e recorrida, se reabre a acionabilidade incidental pelo falso.

O incidente de falsidade de documento suspende o processo, porém somente quanto à decisão: “Exceptio falsitatis esi praeiudicialis ad ludicium principale”; “Oblata excepitione falsitatis debet suspendi causae principalis decisio” (Manuel Álvares Pêgas, Resalutiones Forenses, II, 1131). A doutrina pretendia abrir exceção para o incidente de falsidade da testemunha, porém os juristas portugueses reagiram, de que é exemplo o texto de Manuel Mendes de Castro (Practica Lusitana, II, 119).

O incidente de falsidade de documento pode ser suscitado se já encerrada a instrução da causa, hipótese em que correrá em apenso aos autos principais. Antes, a alegação — quer se trate de falsidade de documento quer de outra prova é dentro da causa (— durante a instrução).

Se, inserta nas alegações sobre mérito alegação de falsidade, sobrevem termo da relação processual, sem se apreciar o ponto que a declaração de falsidade atingira, não mais se prossegue no processo do incidente, podendo, todavia, ser proposta a ação ordinária de falsidade, ou intentada a ação criminal.

O julgamento do incidente de falsidade, oposto na execução de acórdão do Supremo Tribunal Federal, é da competência da instância (Supremo Tribunal Federal, 3 de julho de 1946, RT 171/781), se o falso ocorreu na ação ludicati; não, se ocorreu durade a ação condenatória, porque já não seria proponível incidente de falsidade: o incidente de falsidade supõe a pendência de lide. 2. De que documento se pode tratar. O documento, de que se trata, pode ser o documento público, o do particular, ou a simples cada missiva, ou qualquer elemento a que se tenha de atribuir “autenticidade”. É à força probatória, que deriva de se pretender autentico o documento, que se opõe à parte. O seu interesse éligado a isso. A prejudicialidade, por si só, não basta para a admissão do incidente: se a parte, contra quem se ofereceu, não contesta a autenticidade, ou deixou de fazer afirmação contrária, não lhe é dado propor o incidente; salvo se a omitiu por falta de informe suficiente, o que se tem de provar (ônus de afirmar e de provar). 3. Petiçâo inicial. Se do documento não depende a decisão, como se a instrução se tem de limitar a ponto controverso que só se prova por testemunhas ou perícia (Manuel Álvares Pêgas, Resolutiones Forenses, II, 1149), pode o juiz indeferir, in limine, por inepta, a petição (Código de Processo Civil, ad 295, III). Silvestre Comes de Morais (Tractatus de Executionibus instruinentorum sententiarum, IV, 19) e Manuel Alvares Pêgas (e. g., Resolutiones Forenses, II, 1154; V. 455), em vez de aludirem à substancialidade do documento, fazem o incidente depender da nocividade; e com toda a razão. E aí que se firma a verificação do interesse jurídico e da própria legitimação do autor da ação incidental.

Certo, toda falsidade, ou falsificação, ignorada, pode ser alegada quando se conheça; porém seria difícil conceber-se ignorância escusável por parte do que foi citado e viu copiar-se o documento. Manuel de Almeida e Souza (Tratado prático compendiário de todas as Ações Sumárias, 1, 41) foi mais longe: excluiu-o; porém tal solução radical não cabe em matéria de prova que deve estar, sempre, rente às realidades da vida.

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§ 73. Processo da ação incidental de falsidade 1. Forma e rito do processo. O processo da ação incidental de falsidade começa pela petição dirigida ao juiz da causa expondo os motivos em que se funda a pretensão declaratória e os meios de prova da alegação, despacho e citação; a contestação é no prazo legal de dez dias; e a ela sucede, de regra, a instrução pericial, facultando-se às partes a produção de provas, O Código de Processo Civil de 1939, art. 718, exigia que o juiz ouvisse o serventuário, no caso de instrumento feito por ele ou por ele autenticado, bem como, se possível, as testemunhas instrumentárias, se fosse repelir o pedido. A sentença, que o repelisse, sem se ter observado esse princípio era nula. No Código de Processo Civil de 1973 não se repetiu essa regra jurídica; posto que seja aconselhável, não é exigível a providência, de modo que não se concebe nulidade do decisum que rejeite o pedido sem observá-la. 2. Provas admissíveis. As provas admissíveis são as ordinárias; e não as do direito penal, material ou formal. Agostinho Barbosa (Vota Decisiva Canonina, v. 68, nº 7) e Manuel Álvares Pêgas, Resolutiones Forenses; II, 1133) já o haviam firmado, aludindo à prova judicial e por presunções. É regra jurídica assente que, no processo civil, a falsidade se presume feita por aquele a quem aproveita (Manuel Alvares Pêgas, Resolutiones Forenses, II, 1139, que citou as Remissiones de Manuel Barbosa; Manuel de Almeida e Souza, Segundas Linhas sobre o Processo Civil, 1, 504). Presunção hominis. 3. Exame de livros e originais arquivados. A parte pode requerer o exame de livros de notas e de originais arquivados, qualquer que seja o caso. Só se limita a regra juridica se o documento interessa principalmente ao Estado e cabe alguma exceção de segredo, segundo os princípios assentes. 4. Natureza da ação incidental de falsidade. A sentença, na ação incidental de falsidade, é declarativa,. A U Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, a 17 de novembro de 1941 (RF 89/503), entendeu que dela nenhum recurso cabia, o que é absurdo. Trata-se de sentença definitiva sobre a questão prejudicial, de sentença em ação declarativa, com possível eficácia de coisa julgada material, posto que incidenter tantum. Sempre foi assim, ainda quando as leis deixaram de se referir, explicitamente, ao recurso, permitindo as ilações. Nem era preciso, porque a decisão é, por sua natureza, sentença recorrível. Antônio Vanguerve Cabral (Prática Judicial, 441) viu bem isso, e deu-nos notícia de que finura da praxe já ia percebendo que o próprio recurso de agravo não bastava. “Feito o exame”, dizia ele, “e com a prova feita aos adigos, se fazem os autos conclusos ao juiz para deliberar sobre os embargos de falsidade, e os julga por provados, ou não provados, e a parte que se sentiu agravada interpõe o seu agravo por petição, e eu já vi praticado ser caso de apelação: porém nesta matéria se guardará o estilo mais praticado de cada auditório”

Também sem razão quanto a não caber recurso, o Tribunal de Apelação de Pernambuco, a 3 de março de 1944 (AF 14/189), a 4ª Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Distrito Federal, a 2 de março de 1945 (DJ de 21 de maio), a Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Ceará, a 26 de março e a 10 de outubro de 1951 (JD 1, 33, IV, 88, RF 137/167), e a 1ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 29 de setembro de 1950 (RT 189/795). Certa, a 3ª Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, a 25 de abril de 1945 (RT 156/574), e a 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, a 24 de junho de 1952 (DJ de 21 de maio de 1953).

Diz-se que da decisão que indefere, liminarmente, o incidente de falsidade não há recurso (e. g., 44 Câmara Civil do Tribunal de São Paulo, 6 de novembro de 1947, RT 17 1/674). Cercear-se-ia, pelo menos, a defesa do interessado, e não se poderia negar o agravo. Mas, em verdade, ter-se-ia de indagar qual o fundamento com que se indeferiu, liminarmente, o pedido de julgamento, para se saber se se pôs fim ao processo por não satisfazer a lei processual, ou por ser evidente a sem-razão (mérito!), ou cerceando-se, apenas, a defesa.

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5. Falta do documento original. Se, feitas as diligências nas notas do serventuário, lá não está o original, tem-se por falso instrumento (Antônio Vanguerve Cabral, Prática Judicial, 441), salvo se se prova que foi retirado, porque a falta apenas estabelece presunção de falsidade. 6. Competência judicial. Competente para julgar o incidente de falsidade é o juiz da causa principal, pois, ex hypothesi, a questão é prejudicial. Mas essa regra jurídica cede diante de casos em que a questão (prejudicial) tem de ser tratada, por sua natureza (a g., falsidade de testamento), principaliter, ou a lei o exige. A necessidade da cognição principal exclui qualquer pretensão a se tratar, incidenter tantum, a declaração de falsidade. Ou o juiz da causa pendente aguarda que se julgue a ação prejudicial necessariamente principal; ou se dá por incompetente se essa cognição principal está fora da sua competência e inseparável dela a ação proposta (por exemplo, não pode conhecer da ação de petição de herança quem não poderia decretar a nulidade do testamento em que ela se funda, ou que é objeto de defesa).

(a) O principio que preside a esse assunto é o de que o juiz da causa principal conhece da causa acessória (Código de Processo Civil, ad 108). Na espécie da ação incidental de falsidade, existe argumento a mais que reafirma o princípio. O juiz, na ação declarativa de falsidade incidenter tantum, tem de acolher ou repelir o pedido dentro dos limites da cognição principal: o limite da nocividade do documento, por exemplo; uma vez que, se o documento é falso, mas, oferecido como prova, não ofende a alguma figura do processo a que a sentença possa prejudicar, a petição é inepta. A finalidade da ação incidental de falsidade é obter-se a sentença declarativa no processo acessório, e daí se padir para a sentença na ação principal, firmando-se o juiz na força material de coisa julgada que possui toda sentença em ação de declaração. Mas essa coisa julgada se confina por certo entre as partes do incidente (não entre todas as partes da ação principal), e foi isso o que inspirou à prática forense o tratamento incidenter tantum da falsidade do documento — separar a extensão da força material da coisa julgada entre producente de documento e ofendido por esse documento e a extensão da força material da coisa julgada entre as partes da ação principal. Tais extensões podem coincidir, mas é ocasional. Se existisse decisão sobre a falsidade do documento em sentença da ação declarativa típica, bastaria alegar-se a falsidade, inter partes, pela força da coisa julgada material. Não havendo, busca-se tal força dentro dos limites do pedido incidental. Não se trata de questão principal cuja decisão se aproveita para se firmar o direito na questão prejudicial de outra ação; mas de questão prejudicial que se vai processar, incidenter tantum, somente como prejudicial, com força de coisa julgada material, restrita, portanto, não à cognição incidente (opinião de muitos), mas aos limites da cognição incidente, o que é outra coisa (sem razão, Giuseppe Chiovenda, Instituzione di Diritto Processuale Civile, 1, 359, que seguia a primeira opinião).

(b) A primeira exceção ao principio é a que atende à competência exclusiva de outros juizes, tal como nos casos em que se argúe a falsidade de “sentença” ou outro titulo que foi instrumentado por juiz, ou tribunal superior, ou se atribui a esse juiz, ou tribunal, a instrumentação.

(c) A segunda exceção concerne às espécies em que os atos do serventuário, que tomou parte na instrumentação, ou na autenticação, escapem ao exame do juiz da causa principal.

(d) Se se trata de juiz árbitro e a questão prejudicial não pode ser submetida à arbitragem.

(e) Se a questão prejudicial exorbita da jurisdição civil.

Aqui, intervém a questão da competência criminal, que não foge aos princípios expostos sobre eficácia das sentenças.

O 1º Grupo das Câmaras Civis do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 7 de outubro de 1947, disse que, iniciado no segundo grau de jurisdição o julgamento do recurso, não se admite a suspensão para a apreciação de incidente de falsidade. Sim; se o incidente de falsidade não está nos termos de ser julgado, ou se, pela importância das alegações, algum juiz requer o adiamento, convertendo-se o julgamento em diligência.

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7. Incidente ocorrido no segundo grau de jurisdição. No grau de jurisdição superior, o incidente é processado perante o relator do feito e julgado pelos juizes competentes para conhecer da causa principal (não necessariamente do recurso). Se o incidente foi suscitado durante o processamento de recurso interposto de decisão interlocutória, cumpre distinguir: a) se os autos, com o documento, ficaram, como se passa com todos os recursos de agravo de instrumento, o juiz do grau de jurisdição recorrido ainda processa e julga o incidente (certo, a 5ª Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Distrito Federal, 31 de outubro de 1941, RF 90/147); b) se os autos do recurso contém o documento, o relator do feito processa o incidente, que há de ser julgado pelos juizes do recurso, se têm de julgar o mérito na parte de que é prejudicial a questão do incidente, ou pelos juizes do grau de jurisdição superior, porém não o do recurso cujo relator processou o incidente, se há outro recurso, ou se vai haver outro recurso (e. g., o relator foi o do agravo de despacho que denegou recurso, ou julgou a deserção, ou a relevação da deserção). Portanto, o processamento do recurso é da competência daquele juiz (ou relator) que tem os autos com o documento, ainda que não tenha de conhecer dele; mas o julgamento pertence a quem vai conhecer principaliter, precisando de ser resolvida a questão prejudicial.

A 2ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 28 de março de 1950 (RT 185/834), não admitiu adigos de falsidade, no grau de jurisdição superior, se nele não foi exibido (ou se não constava dos autos) o documento. Mas sem razão. Se a sentença ou o recurso contra ela se apoia em documento que fora antes exibido e não consta dos autos, é irrecusável o cabimento do incidente de falsidade, podendo-se ordenar nova exibição.

Alguns julgados lançam a proposição “pode processar o incidente o relator do recurso, mas só o julga o juiz do primeiro grau de jurisdição”, mas tal generalização se chocaria com os princípios da lei processual. 8. Eficácia suspensiva, a qualquer tempo. O incidente de falsidade suspende a decisão principal. Aqui, o problema de técnica legislativa comportaria duas soluções: a) suspender-se o curso do processo; b) suspender-se só o julgamento da causa, permitindo-se do-se a prática de outros atos. Há a suspensão do julgamento da causa, o que se dá sempre, pois que se supóe a existência da questão prejudicial. A propositura do incidente de falsidade, tendo havido, por exemplo, recurso de agravo de instrumento, não exclui o continuar o processamento e julgamento desse recurso, que nada tem com o mérito. Aliás, o “entretanto se não trata da ação principal até se não deliberar por final acerca de tal falsidade, o que é praxe vulgar”, e o “suspende a causa”, que vem em Antônio Vanguerve Cabral (Prática Judicial, 440 e 441), tinham o sentido de não se proferir sentença na causa írincipal. A suspensão é relativa a qualquer grau. 9 Falsidade de provas nõo-documentais. Não só o documento é suscetível do incidente de falsidade, mas é esse o caso mais frequente. A falsidade das provas produzidas na ação principal, e aí constituídas (testemunhas, perícias), pode ser alegada ou na defesa, ou em incidente. Seja como for, há ação, ali inserta na outra, ou aqui, incidenter tantum, mas em processo apensado, se depois de encerrada a instrução.

A falsidade do testemunho ou de qualquer outra prova pode ser incidentalmente tratada, com o rito das ações declarativas incidentais, pois que também é declarativa incidental (sem razão, a 1ª Cãmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 15 de maio de 1951, RT 193/323). § 74. Ação de verificação de créditos contra pessoa falecida 1. Pessoa falecida e dívidas. As dívidas da pessoa falecida transmitem-se aos seus sucessores. As verificações de créditos processam-se em apadado. São incidentais. Não atacam a ação de arrecadação, nem os pressupostos dessa. Podem coexistir, pois os conteúdos são diferentes, e não opostos. 2. Natureza da ação. As verificações de crédito, em caso de arrecadação dos bens do falecido, devedor, são ações declarativas incidentais. Portanto, sem o efeito executivo, mediato, das ações condenatórias. Podem

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compor ações de separações de bens, se foi pedido ao juiz que separasse bens suficientes para o pagamento dos débitos; ou ação (mandamental) de reserva. Mas a declaratividade preponderante a faz ação declarativa acidental: declaratividade, 5; constitutividade, 2; condenatóriedade, 3; mandamentalidade, 4; executividade, 1. § 75. Outras ações declarativas incidentais 1. Exemplificação. É frequente a ação declarativa incidental de falsidade, porém não é a ação declarativa de falsidade de documento a única ação declarativa incidental que se admite como causa prejudicial, tratada acessoriamente. Sempre que surge causa prejudicial, que não se deva incluir no pedido do autor, ou na defesa, como parte de todo, ressalta a conveniência da incidentalidade. Algumas vezes o trato incidental é necessário, e não só útil, como acontece se a lei atribui a juiz diferente a competência — improrrogável no juízo da ação principal — para o julgamento da causa prejudicial. As causas constitutivas de estado, que costumavam, no velho direito, ser incidentais, não o são hoje. Em todo o caso, o recurso administrativo a respeito de naturalização (Decreto federal nºr 86.715, de 10 de dezembro de 1981, ad 126) pode dar exemplo. 2. Pré-exclusões. Se a causa prejudicial já foi proposta, qualquer que ela seja, a causa prejudicável deve ser suspensa até que haja a coisa julgada material, observado o limite temporal ãnuo. Não há, então, incidentalidade, embora, ocorrendo atuação pela causa prejudicável (o que mais acontece é a atração pela causa prejudicial, pela regra jurídica de que a primeira causa proposta é a que determina a conexão), se tenha de aplicar o principio da reunião das causas conexas, que importa em cumulação objetiva a duplo processo, ou incidentalízação superveniente. 3. Pressupostos das ações declarativas incidentais. Há a ação declarativa incidental sobre falsidade de documento. Há, contudo, outras ações declarativas incidentais, perfeitamente admissíveis nas ações em que o seria o incidente de falsidade. Trata-se de propositura de ação declarativa em que se pede prestação jurisdicional sobre prejudicial. Com ela evita-se que, tendo o réu, ou as circunstâncias supervenientes suscitado a quaestio praeiudicia lis, se deixe de atribuir eficácia de coisa julgada à sentença, quanto a esse ponto, que não foi incluído no pedido. Se a sentença pode apreciar o que alegou o réu, ou o que se alegou devido a circunstâncias supervenientes, inclusive encontro de provas não mencionadas que se referem à nova quaestio praeiudicialis, não há de pensar-se em ação declarativa incidental. Se A pediu a decretação de falsidade de letras de câmbio ou de outros títulos, tendo enumerado dez, mas outras aparecem, pode ser pedida a decretação de falsidade das demais. O que é preciso é a) que tenha por objeto relação jurídica, cuja existência ou ine-xistência se haja de declarar, ou falsidade ou autenticidade de documento, b) que seja controvertida a existência ou inexistência da relação jurídica, ou a falsidade ou autenticidade do documento. Não há ação declarativa acidental de relação jurídica cuja existência, validade ou eficácia somente possa ser apreciada em processo de rito ordinário, tal como ocorre com a relação jurídica matrimonial ou a de filiação. Todos esses pressupostos são pressupostos processuais.

Quanto à competência, o juiz ou tribunal da demanda principal é competente, ratione loci, para a demanda declarativa incidental (= abstrai-se da distribuição territorial das competências). No grau de jurisdição superior, o tribunal é competente materialmente, sem terem de baixar os autos para o julgamento no grau de jurisdição inferior.

Capitulo XIV

Ação de habilitação incidental § 76. Habilitações e suas espécies

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1.Conceito e processo de habilitação incidental. A sucessão subjetiva, que interessa ao direito processual é sucessão no processo, tal como ocorre ao cessionário do titulo de crédito a respeito do qual há lide, ou ao adquirente da coisa litigiosa (sucede no processo, adquirindo a qualidade formal da parte, isto é, inserindo-se na relação jurídica processual); é sucessão na posição formal de parte (sucessão subjetiva na relação jurídica processual). Ela ou (a) se opera de pleno direito como se uma das partes faleceu e deixa herdeiros necessários ou cônjuge herdeiro, ou nos casos de substituição hereditária, de concurso de credores e nomeação de administrador, ou, inversamente, se os bens do concurso de credores são entregues ao sucessor; ou (b) depende de assunção processual, como em casos de laudatio auctoris ou nominatio auctoris, ou de sucessor da propriedade da marca de industria e de comércio para os processos de caducidade em que é réu e em todos os demais casos de sucessão só no processo.

Para que o cessionário se instale, formalmente como parte, é preciso que a parte adversa consinta, ou haja consentido no titulo mesmo, e tenha sido habilitado. O cessionário, que se não habilitou, pode prosseguir na causa (sucessão no processo), porém não se substitui formalmente à parte cedente. O processo da habilitação incidente só se refere às habilitações que se têm de fazer depois de estabelecida a relação jurídica processual e, pois, a partir da litispendência; e até a extinção do processo, porque, faltando o autor ou o réu, ou alguém que se fez tal — necessariamente, se a casa não é das poucas que extinguem com a morte da parte (e. g., separação judicial) — se dá a inserção do sucessor no processo e na relação jurídica processual e a habilitação incidente provê a isso.

No sistema jurídico brasileiro, a inserção do sucessor causa mortis na relação jurídica processual (não se confunda com a inserção nas relações de direito material, que, de regra, é ipso iure) só é ipso iure nas hipóteses previstas no Código de Processo Civil, art. 1.060,1. Em quaisquer outras, depende de sentença, ainda que se tenha dado a inserção na relação de direito material, ou da inclusão do herdeiro no inventário, sem qualquer oposição. Tal particularidade do direito brasileiro não deixa de ser reminiscência do direito material anterior ao Alvará de 9 de novembro de 1754; mas há a lex lata. Com a morte de qualquer dos litigantes suspende-se o processo.

A substituição do herdeiro renunciante não é objeto de habilitação incidente (sem razão, a 4ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 7 de junho de 1951, RT 193/899). A habilitação é como se prevê no ad 1.060, 1, posto que se haja feito a prova da renúncia. 2. Ações de herança e habilitação incidental. É de toda conveniência distinguir-se da habilitação nas causas hereditárias, que às vezes é em processo para se declarar a inserção da pessoa na relação de direito material e, em consequência, na relação de direito processual (pretensão de direito material hereditária e pretensão de direito processual à sucessão), a habilitação à relação jurídica processual, somente, como a habilitação dita incidente. Consequências da diferença surgem a cada passo. 3.Habilitação autora! e habilitação defensiva. A habilitação pode ser autoral, quando é dos sucessores do autor, ou dos seus litisconsortes ou equiparados a litisconsoxies, ou defensiva, quando dos sucessores do réu, ou dos seus litisconsortes ou equiparados a litisconsortes. 4. Habilitação ativa e habilitação passiva. A habilitação diz-se ativa quando a promovem os herdeiros da parte falecida, citada a parte contrária; passiva, quando a promove a parte contrária à que faleceu, citados os herdeiros da parte falecida. Uma vez que, na habilitação ativa, a parte citanda pode estar representada na causa, basta a citação do procurador. O interesse do promovedor estranho classifica-o.

Afaste-se qualquer alusão à representação entre parte e sucessores após iniciar-se a litispendência, porque ou a) eles ingressam na relação jurídica processual e, então, a idéia de representação é de menos; ou b) não ingressam, e a idéia de representação é, aí, de mais. Não há mandato presumido, nem mandato tácito, nem representação sem mandato. O mandato presumido, a que recorrem alguns juristas, para alargar o conceito de

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parte, suporia nada menos que a presunção de renúncia à exceptio rei inter alios iudicatae; e em verdade o problema está em se saber porque não tem a exceptio o sucessor. Quanto àrepresentação sem mandato, se essa fosse o quid para a explicação, o sucessor não poderia ser interveniente adesivo, porque ao representado não seria permitido e, no entanto, não se nega ao sucessor. Os juristas franceses lançaram mão de metáforas (mandato restrito, representação imperfeita), repercutindo alhures (Itália, Espanha, Brasil); mas a evasiva, com que, aqui e ali se ladeava o problema, foi vigorosamente repelida (e. g., A. Mendelssohn-Badholdy, Grezen der Rechtskraft, 32 s.).

Nem, ainda, seria de aceitar-se a assimilação da posição da parte em caso de sucessão à utilis gestio, porque se subordinaria, se verdadeira fosse a teoria, à ratificação do dorninus negotii. Nada mais estranho ao direito processual, que mantém nítidas as suas linhas distintivas, do que essa idéia de gestão de negócios processuais. Há apenas a caução de rato.

Ainda houve os que recorressem à construção adificial da posição do alienante, ou cedente, usando a falsa teoria da eficácia da sentença secundum eventum luis: o vencido reconhecera como legitimo contraditor o não-autorizado (alienante, cedente), e usara de todos os meios de ataque ou de defesa que a lei lhe oferecia; portanto, uma vez que perdeu, sofre as consequências. Ora, essa explicação deixaria de fora o caso mais relevante, o do sucessor da parte que perdeu. Admira que nisso ainda houvesse incorrido A. Gatti (L’Autoritâ della Cosa giudicata in materia civile, 2ª ed., 239 s.). 5. Legitimação processual ativa. Qualquer interessado na causa principal, quer do lado do autor quer do réu, quer do lado do falecido quer da parte contrária, pode promover a habilitação. Não há qualquer limitação das habilitações às causas principais em que há contentio inter partes. A alusão dos muitos processualistas à“habilitação incidente nas causas contenciosas” era errada, por excluir a habilitação noutras causas. Desde que a ação não se extingue com a morte do autor ou do réu, ainda que não haja a angularidade da relação jurídica processual, cabe a habilitação, ativa ou passiva, ou somente ativa, nas ações declarativas, constitutivas, de condenação, mandamentais, ou executivas. A relação jurídica processual lá está, e há a falha do sujeito.

A 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, a 8 de outubro de 1946 (RF 110/135), disse que não pode promover habilitação incidente o terceiro a quem foi negada a qualidade de litisconsorte por acórdão trânsito em julgado. Está certa a decisão se o acórdão não fundou a afirmação de não ser litisconsorte em falta de prova ou de habilitação incidente. 6, Dispensa da sentença em habilitação incidental do cônjuge. A habilitação incidente do cônjuge supóe que não haja herdeiros antes do habilitando, necessários ou testamentários; a do herdeiro necessário somente precisa da prova do parentesco. O óbito tem de ser provado na habilitação ativa; prova-o o promovente, na habilitação passiva.

(Note-se bem: não é necessária a sentença de habilitação; seria plus que non nocet. Apenas se encurtou o processo, metendo-se na ação principal o rápido incidente, mas habilitação incidente há. De modo que é impróprio falar-se de ser dispensada a habilitação.). 7.Dispensa da sentença, se há coisa julgada material de alguma sentença. Se há coisa julgada material de outra sentença, que se referiu a qualquer heideiro, legitimo ou testamentário, compreende-se que não precise de sentença. 8. Dispensa da sentença em caso de confissão. A jurisprudência tem firmado que o simples “nada tenho a opor”, isto é, a simples afirmação, basta para se compor a confissão. Tanto no direito anterior quanto no direito atual, seria perigoso, por falso, generalizar-se tal confusão entre a comunicação de conhecimento, desprovida de manifestação de vontade, e a confissão, que contém esse elemento a mais e tem efeitos que transcendem os da não-refutação dos simples enunciados de fato, com as consequências da mais limitada retratabilidade. A questão está ligada à outra: se o “não se opor” ou o “não querer discutir” envolve realmente confissão, e

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quando envolve. Assim, a proposição “quem diz não se opor confessa expressamente” (Supremo Tribunal Federal, 8 de agosto de 1915, DO de 14 de novembro de 1917), não pode ser tida como a priori. O juiz tem de verificar se houve, realmente, “confissão”. Em todo o caso, não pode a confissão incidental ter o efeito da dispensa da sentença, porque, contestada a habilitação ou não contestada, se tem de julgar. Portanto, para efeito dispensativo, é preciso, hoje, que a parte contrária tenha sido chaniada a depor e confesse em petição, ou tenha confessado em petição, espontaneamente. Se é chamada a depor, e depõe, julga-se a habilitação, conforme a lei. Quem depõe fora de petição, na instrução, quer que se julgue a habilitação. Obsoleto o acórdão do Supremo Tribunal Federal, a 12 de novembro de 1913 (RR 32/85). 9. Réu revel e herdeiro que ainda não aceitou a herança. Se o réu ou um dos réus é revel e foi citado na qualidade de herdeiro de alguém, mas se desinteressou do pleito, por não ter aceito a herança, surge a questão de se saber qual seja a eficácia da sentença, e. g., de condenação, quanto a ele. A conduta de tal herdeiro foi, pelo menos, equivoca. Tem de ser examinada no plano processual, e não no plano do direito material. Ainda não renunciara, por escritura pública, ou termo judicial, de modo que ainda poderia, durante o processo, e ainda pode, depois da sentença, renunciar à herança. A Corte de Apelação de Messina (Itália), a 15 de março de 1934 (Rivista, 12, Parte II, 54-59), decidiu que a sentença passou em julgado portanto não se pode mais discutir a renúncia superveniente (F. Degni, Effetti di sentenza contumaciale, Rivista, 10, parte II, 285-295; “Ancora degli effetti”, Rivista, 12, parte II, 54-59).

No direito brasileiro, o interessado em que o herdeiro aceite, ou não, a herança pode requerer ao juiz que marque o “prazo razoável” para dentro dele pronunciar-se o herdeiro, sob pena de se haver a herança por aceita. Se o não fez concomitantemente com a propositura da ação ou a tempo, expõe-se a que o herdeiro renuncie. Quanto a ele, se o prazo razoável não correu, a sentença condenatória — ou a outra — não tem eficácia. 10. Dissolução e liquidação das sociedades. Foi dito que a habilitação de herdeiros nos processos de dissolução e liquidação das sociedades tem a mesma natureza que a habilitação em caso de dúvida sobre quem é herdeiro, ou de pedido de abertura da sucessão provisória, e não a de habilitação incidente; de modo que seria de aplicar-se ao seu processo a regra jurídica sobre julgamento em caso de dúvida, em inventário. Como em inventário e na arrecadação de bens de ausentes ou de falecido, a morte é causa da ação; mas, em se tratando de dissolução e liquidação das sociedades, a mor te (necessariamente posterior) da parte não é causa, e sim acidente do curso do processo, puro incidente. A habilitação é, então, incidente.

Há algo de inventário e partilha nas dissoluções de sociedade por morte do sócio; mas a morte do sucessor do morto ou a morte do sócio que vivia ao tempo da dissolução da sociedade é caso de habilitação incidente. 11. Petição e citação. A petição tem de satisfazer os requisitos exigidos por lei. As citações, se não se sabe quem são os herdeiros do falecido, fazem-se por edital; bem assim nos demais casos que a lei aponta.

Se a habilitação é ativa, a parte contrária não precisa de ser citada pessoalmente, pois já está em juízo, nele continua e o seu procurador lhe faz as vezes, se o tem na ocasião (2ª Câmara Cível da Corte de Apelação do Distrito Federal, 30 de junho de 1905, 0D 97/643). 12. Coisa julgada material edecisão em matéria de habilitação. Tem-se dito que (a) não há coisa julgada material da decisão em matéria de habilitação; e que, pagas as custas, o habilitante ativo pode suscitá-la de novo, com indicação e produção de novas provas. Outra opinião discorda (b): a habilitação opera entre as partes e só entre elas, sobre o ponto que foi discutido; contra a sentença, que se profere, cabe ação rescisória; se o habilitante ativo perdeu a habilitação, tem de acionar de petição de herança, como se lhe permite, em geral, contra quem se diz com a saisina. Temos de analisar a ação, em sua natureza. A habilitação é processo que substitui a prova imediata de se tratar de cônjuge ou dc herdeiro necessário (documentos de parentesco, com hereditariedade necessária; casamento e inexistência de herdeiros antes do cônjuge). Substitui, portanto, prova —antes de pronunciar-se, havendo contentio inter partes, o juiz. Ora, tal prova é para se evitar, na ação principal, que o autor litigue contra pessoa que não é herdeiro do falecido, ou que contra tal pessoa litigue o réu, ou que se fique, suspenso o processo, à espera de ação de petição de herança, ou outra, que tenha o efeito

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de coisa julgada. Á habilitação incidente corresponde processo para inserção do sucessor habilitando na relação jurídica processual; não na relação de direito material. Diferente é o que se passa com as habilitações de herdeiros nos casos de dúvida, ou de habilitação ordinária ou de abertura da sucessão provisória. Se ocorre alguma sentença com força material de coisa julgada relativa à qualidade de herdeiro (em direito material), a habilitação incidente está prejudicada dai em diante, porque a causa deve reconhecer como legitimados sucessores os que são legitimados segundo o direito material que rege a pretensão discutida. A força de coisa julgada material impõe-se. 13. Habilitação incidental e coisa julgada em outra causa. a) Notável consequência do raciocínio acima feito é a que tiraram os processualistas. Discutiam se cabia o trato excepcional da coisa julgada, quando a sentença em outra causa foi inter alios. Note-se: em outra causa principal. Manuel Mendes de Castro (Practica Lusitana, 1, 98) começou por excluir toda eficácia, quanto a terceiro, de qualquer sentença em processo de ação de herança, ou de simples habilitação. Já Silvestre Comes de Morais (Tractatus de Executionibus instrumentorum sententiarum, VI, 120) só se referiu à habilitação (legitimatio) “cum alio habita”, tanto que disse “requiritur de novo habilitatio per adiculos in isto iudicio, et cum ista parte, quia res inter alios acta aliis non nocet”. Feliciano da Cunha França (Additiones aureaeque lílustrationes, 195) foi explícito, repetindo a Silvestre Comes de Morais. Jerônimo da Silva de Araújo, no Perfectus Advocatus, d. 7, nº 6, obra publicada no ano seguinte ao Livro VI de Silvestre Comes de Morais, já dizia o mesmo. Teixeira de Freitas (Primeiras linhas sobre o Processo Civil, 1, 117) estava certo. Francisco de Paula Batista (Compêndio, Teoria e Prática do Processo Civil, 3ª ed.) caiu na indistinção, de modo que submetia a sentença em outra ação principal à sentença em “outra” habilitação incidente. Atitude de confusão.

b) Alguns juristas confundem a habilitação incidente com a habilitação de herdeiros nas ações de herança (inventário e partilha; arrecadação de bens de defuntos). Alguns acrescentam que as sentenças de habilitação de herdeiros e as de habilitação incidente são sentenças interlocutórias que não passam em julgado. De modo nenhum. Nem nunca o foram. As sentenças favoráveis nas ações de habilitação de herdeiros e nas ações de habilitação incidente transitam em julgado, como outras quaisquer, formal e materialmente. A sentença proferida no processo acessório pode ter e pode não ter força de coisa julgada formal e material. A separação entre processos não as faz, todas, sentenças de força de coisa julgada formal e material; nem o fato de acessoriedade lhes tira, sempre, a natureza de sentenças declarativas ou constitutivas quando, processadas em ligação a outro processo, declarativas ou constitutivas seriam. Devemos precatar-nos contra a equivocidade, ou, pelo menos, ambiguidade das expressões “interlocutórias” e “incidentes”. A própria sumariedade da ação de habilitação incidente foi obra de Feliciano da Cunha França. Porém a sumariedade não lhe riscou a força própria, no sentido de coisa julgada formal e material. Já Silvestre Gomes de Morais (Troctatus de Executionibus instrumentorum sententiarurn, VI, 120) escrevera: plena legitimationis personarum probatio requiritur, quod qui ad ilíam adstringitur, huiusmodi oneri non satisfacit, praesentando in actis certitudinem sententiae legitimationis ciusdem personae cum alio habitae, sed nova requiritur de novo habilitatio per adiculos in isto iudicio, et cum ista parte, quia res inter alios acta aliis non nocet”. Está certo. A habilitação incidente é ação, que se processa acessoriamente (ao lado, em incidência não separada. Ação declarativa. Por isso mesmo, tem a sentença força de coisa julgada material. Ora, a força ou o efeito material de coisa julgada só se opera inter partes. A conclusão foi impecável: para eficácia em relação a outras pessoas que aquelas que foram partes, é preciso nova habilitação por adigos. Ainda quando se trate de habilitação pleno iure, como as que supõem a coisa julgada noutra ação ou a confissão da outra parte, a inserção dos documentos somente tem eficácia quanto aos que foram citados.

c) Qual, pois, a diferença de eficácia entre a sentença na habilitação incidente e a sentença na ação da herança? A diferença existe, pois a eficácia da coisa julgada só se refere às sentenças em ações não incidentes de outras. A diferença não está em que essas transitem, formal e materialmente, em julgado, e aquela, a proferida no processo acessório, não. Está, sim, no conteúdo da coisa julgada material: ali, declara-se que B é herdeiro de A; aqui que B é herdeiro de A, na ação de que se trata. Épreciso ter-se sempre em vista que a eficácia de coisa julgada material depende, em sua extensão precipuamente, do conteúdo da declaração.

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14. Cessionário. Na esteira da doutrina luso-brasileira que rompera com o romanismo de acordo entre cedente e devedor —equipara-se, processualmente, o sucessor a título particular ao sucessor a título universal, cônjuge ou herdeiro necessário. O sucessor universal inter vivos também se inclui na expressão “cessionário” (Supremo Tribunal Federal, 2 de outubro de 1915, caso Braz-Camurano versus Borlido Munis).

Na doutrina anterior, errados, quanto à cessão, J. J. C. Pereira e Souza (Primeiras Linhas sobre o Processo Civil, 1, 73), Francisco de Paula Batista (Compêndio, Teoria e Prática do Processo Civil, 3ª ed., 120) e Teixeira de Freitas (Primeiras Linhas sobre o Processo Civil, 1, 117).

A solução, a respeito de cessionário e do sub-rogado, évelha, no direito luso-brasileiro, de mais de três séculos — no que os processualistas portugueses, já, pelo menos, desde o começo do século XVII (Manuel Mendes de Castro, Practica Lusitana, 1, 96, cita decisão do Senado, sem dizer a data, que tem de ser anterior a 1619), tiraram a palma aos civilistas. A regra jurídica já se entendia para os processos executivos. 15. Sub-rogado. Se o cessionário está dispensado da habilitação com julgamento, a fortiori o sub-rogado, legal ou convencional, pois que a inserção é mais funda. O cessionário, ou o sub-rogado, pode prosseguir na causa, ainda sem o ‘processo” de habilitação incidente. Para isto, basta que junte o título de cessão, ou da sub-rogação e promova a citação da parte adversa. Não há outros pressupostos necessários. Naturalmente, prossegue na causa, como autor, o cessionário ou o sub-rogado do autor, ou, como réu, o cessionário ou o sub-rogado doréu, e assim por diante. O que paga pelo réu não se sub-roga na figura do devedor, mas do credor. O despacho do juiz da Vara da Fazenda Pública do Paraná, a 26 de junho de 1943 (Paraná Judiciário, 38, 56), entendeu que sub-rogado por pagamento de divida fiscal (credor hipotecário) não se substitui à Fazenda Pública processualmente. Tudo se passaria no plano do direito material: “... essa nova situação jurídica terá o seu plano de apreciação e a sua forma de efetividade no processo ou ação, em que for veiculada especialmente”, disse o despacho, “para satisfação dos direitos oriundos do reembolso, ou da sub-rogação, interveniente, seja esta legal ou convencional”. Grande mérito, esse, de por o juiz em termos tão precisos a questão; mas a solução, que deu, não éde aceitar-se. Dá-se, quanto ao sub-rogado e mesmo quanto ao cessionário (fosse ele cessionário da Fazenda Pública), a sucessão, não na posição formal de parte, mas sim no processo. Daí poder, exatamente, prosseguir na causa, sem que isso tenha influência no processo e sem que possa alterar o julgado que, sem a cessão, ou a sub-rogação, seria proferido. O processo prosseguiria, sendo condenado, ou não, o devedor da Fazenda Pública. 16. Interesse no prosseguimento e interesse no inserção na relação jurídica processual. Os cessionários dos herdeiros têm, entre si e o decujo, os herdeiros necessários ou o cônjuge herdeiro, que precisam ter-se apresentado (se não recorreram, superiluamente, à habilitação); ou os herdeiros não-necessários, legítimos ou testamentários que precisam estar habilitados, salvo se há sentença trânsita em julgado noutro processo, atribuindo a qualidade de herdeiro ao habilitando, ou se ocorre confissão, em que apenas se teriam de apresentar. Dai prever-se o interesse só no prosseguimento e o interesse na inserção na relação jurídica processual.

Mas o cessionário dos herdeiros e’ “interessado” para promover a habilitação dos herdeiros cujo cessionário é. 17. Alusão pelo juiz. O juiz somente deve referir-se ao cessionário, ou ao adquirente, se esse entrou na relação juridica processual. Se alude a ele, é porque algum conhecimento teve, pelos autos, de que, no plano do direito material, se deu a sucessão; porém nem a falta de tal alusão nem a sua aparição na sentença têm qualquer relevância processual ou qualquer eficácia de coisa julgada entre a parte sucedida e o se sucessor. Tudo muda se esse sucessor entra na relação jurídica processual, porque então se corta o tempo em dois pedaços, um dos quais é aquele em que é parte o sucessor. Ou o sucessor segundo o direito material se habilita como sucessor de direito processual, e é a isso que se refere toda habilitação incidente; ou o sucessor acede como litisconsorte, ao lado do alienante ou cedente. Se o sucessor entra na relação jurídica processual, o alienante está posto fora como parte, embora ele possa continuar pela acessão invocando texto legal. Não é de excluir-se a deliberação do sucessor processual de litisdenunciar o alienante a que sucedera, dentro do prazo para resposta. Fora desse prazo, tem ele, ao apresentar-se, de deixar bem claro que não quer processualmente suceder, mas apenas litisconsorciar-se. A transformação do litisconsórcio em sucessão é possível; a da sucessão em litisconsórcio

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depende da chamada do alienante dentro do prazo.

Não se tendo dado sucessão processual, nem litisconsórcio do sucessor, a outra parte não pode invocar o direito processual para quaisquer situações suas. Só o direito material pode resolver; e esse direito dirá se a outra parte e. g., o cedido, se libera, satisfazendo o cessionário. Não há, aí, problemas de direito processual. A exceção de liberação, como é, entre outras, a de pagamento, faz parte do direito material, e é, sempre, exceção de direito material, com todas as suas consequências. 18. Habilitação no segundo grau de jurisdição. A habilitação ou juntada dos documentos é provocada perante o juiz relator do feito, de que o requerimento de juntada ou a petição de habilitação é incidente. Perante ele processa-se a habilitação quer a ativa, quer a passiva. Alguns acórdãos do Supremo Tribunal Federal (e. g., 23 de julho de 1917) quiseram estabelecer a necessidade da habilitação sempre que a causa estivesse no grau de jurisdição superior, contra a boa interpretação das leis então vigentes (certo, a 2 de agosto de 1916, RD 43/316/317). Pedro Lessa DO de 14 de novembro de 1917) rebateu a doutrina errada, mas, como premissa, sustentava, sem razão, que o art 404 do Reg. nºr 737, de 25 de novembro de 1850 era de direito material, e não processual (!), e, portanto, o Regimento do Supremo Tribunal Federal não podia desconhecê-lo. Não precisava lançar mão de tão inaceitável argumento, porque o Regimento Interno também não podia alterar o direito processual. Hoje, como ontem, as regras jurídicas invocadas, como qualquer das regras jurídicas sobre habilitações, não podem ser menosprezadas pelos regimes internos. Se o relator estiver processando a habilitação e for apresentado o documento ou a petição em que se dispensa a sentença, não prossegue na habilitação e deve mandar que se junte — por linha, se o ordenar o Regimento Interno. Processada, porém, a habilitação, tem se ser julgada. 19. Falecimento da parte antes da remessa do recurso. Pode dar-se que a parte faleça antes da remessa do recurso para o segundo grau de jurisdição. Há três soluções: ou (a) só se tem por pendente o feito remetido e então, morta a parte, tudo se passa no juízo inferior enquanto não se remete; ou (b) se tem por pendente o feito em que as partes já postularam o recurso, e tem de ser remetido; ou (c) se há de considerar pendente desde a interposição do recurso. A solução (a) tem o inconveniente de permitir que o juiz do grau de jurisdição inferior funcione em processo a tempo de ser remetido. A solução (c) teria o de obngar o tribunal a baixar os autos para os atos restantes da interposição do recurso, inclusive para restabelecimento do prazo nos casos previstos em lei. A solução (b) é a verdadeira. As Ordenações Filipinas, Livro III, Titulo 27, e § 2, Livro III, Título 82, pr., e § 2, não resolviam a questão, nem o fizeram os comentadores. A praxe firmou-se no sentido de (b) e deve ser seguida. 20. Preparo e julgamento. O processo que se prepara é o da habilitação, não os papéis ainda juntos por linha. Feito o relatório, julga-se a habilitação. Se algum cessionário ou sub-rogado apresentou ao relator os documentos, deve o relator junta-los após a habilitação e antes de relatar a causa principal. A mesma conduta há de caber-lhe se foram apresentados após o julgamento da habilitação ou pendente dela. E errado relatar a causa principal em nome dos habilitados se já inseriu na relação jurídica processual o cessionário ou sub-rogado, uma vez que, segundo os princípios tão bem aplicados pelos nossos processualistas, com poucas exceções, “in cessionario transit instantia, cessione facta” 21. Natureza da ação de habilitação. A ação de habilitação incidente é ação declarativa, como a de habilitação de herdeiros em ação de inventário e partilha. Também a ação em que se afirma ou nega a existência de relação jurídica de dívida é declarativa. Não impede isso que ações constitutivas negativas tenham sentenças favoráveis que decretem a nulidade desse negócio jurídico ou desse ato jurídico, de que resultou a relação jurídica declarada, ou sentenças favoráveis que decretem a nulidade do testamento de que proveio a qualidade declarada de herdeiro, ou a nulidade do casamento de quem o invocou para a assunção do processo, ou a falsidade do registro de nascimento ou de óbito. A eficácia de coisa julgada material não é obstáculo à eficácia de sentença constitutiva que desconstitua a relação de direito que se declarou.

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Em todo caso quem, por exemplo, se deixa ficar em relação jurídica processual, de que não é mais um dos termos, ou que, sem ter sucedido ou substituído a alguém, parte no processo, se faz passar como parte, em sucessão ou substituição, acarreta com a eficácia da sentença que contra si for proferida. Se ganhou, a parte contrária não pode exonerar-se, cumprindo a sentença, perante outrem, que deveria ter sido a parte.

Quando as sentenças declarativas, ou de efeito declarativo, declaram a existência ou inexistência de alguma e relação juridica, não a declaram imune à eficácia constitutiva negativa de outra sentença. Até ai não chega a força sentencial ou o efeito de coisa julgada material.

A sentença de habilitação é sentença declarativa, de cognição limitada e com reserva de aparição de herdeiros intercalares. Á apresentação de prejudicial que exija rito ordinário, como a de ser nulo o casamento, ainda que absoluta a invalidade, no processo da habilitação incidente, não se faz ordinário o processo da habilitação incidente. A exclusão do processo de rito ordinário que era o das habilitações incidentes (e. g., Melchior Febo, Manuel Mendes de Castro e Silvestre Gomes de Morais), criou essa questão delicada, que Feliciano da Cunha França (Additiones aureaeque illustrationes, 1. 195), o sustentador do tratamento sumário, não levantou. A solução é deixar-se a causa prejudicial, de processo ordinário, para outro processo, porque o da habilitação incidente não é próprio. O processo está suspenso, e procede-se à habilitação incidente.

O juiz marca o prazo para a habilitação. A decisão é apenas sobre estarem satisfeitas as exigências para a inserção na relação jurídica processual, sem se vedar, portanto, que se “desconstitua” a relação de direito material, ou se “desconstitua” o negócio jurídico ou ato jurídico (e. g., sentença em ação de nulidade de registro civil). 22. Suspensão do procedimento e não-suspensão. Iniciada a audiência de instrução e julgamento, a morte de qualquer das partes não suspende o processo. O advogado da parte falecida nele continuará até o encerramento da audiência, operandose a suspensão a padir da publicação da sentença ou, se é a hipótese, do acórdão.

As Ordenações Filipinas, Livro III, Título 27, § 2, e Título 82, pr., combinados, o que não era fácil, ordenavam a suspensao cio processo. Mas a questão da oportunidade da habilitação era outra questão, ligada à regra jurídica do art 265, § 1ª, do Código de Processo Civil. No Repertório (III, 295) estava previsto que a sentença não seria nula “si pars moriatur post conclusum in causa”; sem se tirar a conseqflência de ser desnecessária, pelo menos, durante esse lapso, a habilitação. Os sistemas processuals francês e alemão extrairam-na. Entrou, mais tarde, nos Códigos de Processo Civil do Rio de Janeiro, art 1.775, e da Bahia, ad 1.044.

No Código de 1973, art 265, § 1ª, estatui-se que, no caso de morte ou de perda da capacidade processual de qualquer das partes, ou de seu representante legal, provado o falecimento ou a incapacidade, se suspende o processo, salvo se já se tiver “iniciado” a audiência de instrução e julgamento.

No Código de 1939, art. 199, só tinha eficácia qualquer ato processual que fosse após a suspensão da instância, mas o juiz proferia a sentença quando a causa da suspensão fosse denunciada depois da audiência de instrução e julgamento. § 77. Ação de declaração de crédito no processo de concordata 1. Créditos e processo de concordata. A respeito dos créditos atingidos pela concordata preventiva, as decisões ou são de admissão no todo ou em parte, ou são de não-admissão. Tudo se passa como a respeito da verificação dos créditos na falência; mas há diferença fundamental, devida à própria diferença entre a relação a jurídica processual falencial, que é em ação executiva (processo de execução forçada), e a relação jurídica processual da ação de decretação de concordata, que é ação constitutiva, de algum modo diminutiva do crédito, no quanto ou

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no tempo, ou em ambos.

A eficácia de evitar a falência é eficácia que se adianta com o despacho de processamento, e que definitivamente se irradia, com a esperança de ser cumprido o que se prometeu e se integrar na prestação jurisdicional. Cumprir a concordata significa desincumbir-se da satisfação concordatícia dos credores, tal como se assentou na sentença que atendeu ao pedido, devidamente instruído com a promessa.

O devedor pediu que se lhe desse o ensejo, a que disse ter direito, de executar voluntariamente para se forrar à execução forçada coletiva, que temia.

Enquanto há tempo para ser cumprida a concordata, não há execução forçada. Nada se força. O devedor está livre, como estaria livre quem quer que houvesse assumido a obrigação: se falha, incorre em inadimplemento. A execução forçada pode, então, sobrevir. 2. Eficácia sentencia?. O que acima se expôs mostra que os pesos de eficácia e na sentença favorável ao declarante do crédito, na falência e na concordata preventiva, são inconfundíveis. A eficácia da sentença favorável ao declarante do crédito no processo da concordata preventiva é de 5 de declaratividade, de 4 (eficácia imediata) de condenatoriedade e de 3 (eficácia mediata) de mandamentalidade. A eficácia da sentença favorável do declarante do crédito no processo da falência é de 5 de executividade, 4 de condenatoriedade e 3 de declaratividade.

Na concordata preventiva, a sentença não estabelece a condenação à execução voluntária, porque se declarou o crédito e manda que voluntariamente se execute. Se o devedor concordatício não cumpre a concordata — aliás qualquer ponto da concordata — pode sofrer a resolução da concordata, ou a decretação da abertura da falência, porque isso se contém na mandamentalidade, eficácia mediata (3). § 78. Ação de cumprimento da concordata 1. Natureza da ação. A ação de cumprimento da concordata éação declarativa. De modo nenhum se concebeu como ação cominatória, tal como ocorre com a ação de prestação de contas. 2. Eficácia da sentença. A eficácia da sentença favorável na ação de cumprimento da concordata é declarativa, com 4 de constitutividade e 3 de mandamentalidade (porque pode ser extraído mandado para se desfazer qualquer efeito contra o devedor, que haja resultado do despacho do processamento ou da decretação da concordata).

Capítulo XV

Declaratividade imediata e declaratividade mediata § 79. Relevância da eficácia declarativa imediata 1. Coisa julgada material. A declaratividade imediata (4), como a mediata (3), produz, sempre coisa julgada material. Se o peso, na sentença, é 2 ou 1, não há res judicata. Não se chamam as sentenças, com os pesos 4 e 3 de declaratividade, sentenças declarativas, salvo se a expressão foi empregada em sentido lato, mas, aí, não se classificaram as ações por sua eficácia preponderante, por sua força (5). 2. Ações constitutivas, condenatórias, mandarnentais e executivas e pesas de declaração. Nas Tabelas que

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adiante inseriremos revela-se o que há de eficácia imediata e de eficácia mediata declarativa noutras ações. § 80. Relevância da eficácia declarativa mediata 1. Coisa julgada material. Conforme acima foi dito, a eficácia declarativa mediata (3), e não só a imediata (4), produz coisa julgada material. O que se decidiu em qualquer ação (constitutiva, condenatória, mandamental ou executiva) e contém 3 de declaratividade, trânsita em julgado a sentença, pode ser objeto de exceção de coisa julgada. Não importa se o elemento declarativo foi em questão prévia, ou se apenas resultou da sentença final. Daí ser de grande conveniência examinar-se a natureza da decisão para se lhe conhecer o peso de declaratividade. Se é apenas 2, não há coisa julgada material; a fortiori, se o peso é 1. 2. Peso de declaratividade mediata. Nas ações constitutivas, émediata, de regra, a eficácia declarativa. Por vezes, aparece nas ações mandamentais. Também surge em ações executivas, como na ação executiva de sentença e na ação de reivindicação. Nas ações executivas de inventário e partilha, de dissolução ipso iure de sociedade, de distribuição em caso de salvados, o peso de declaratividade é 4, e não 3.