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Tratado da lei

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Tratado da lei Santo Toms de Aquino

Devemos, conseqentemente, tratar dos princpios exteriores dos atos. Ora, o princpio externo, que inclina para o mal, o diabo, de cuja tentao j tratamos na Primeira Parte. E o princpio externo, que move para o bem, Deus, que nos instrui pela lei e nos ajuda pela graa.Por onde, devemos tratar, primeiro, da lei e, segundo, da graa.Ora, quanto lei, devemos consider-la, primeiro, em geral. Segundo, nas suas partes.E, sobre a lei, em geral, h trplice considerao a fazer. A primeira sobre a essncia dela. A segunda, sobre a diferena entre as leis. A terceira, sobre os efeitos da lei.

ndice Questo 90: Da essncia da lei. Questo 91: Da diversidade das leis. Questo 92: Dos efeitos da lei. Questo 93: Da lei eterna. Questo 94: Da lei natural. Questo 95: Da Lei humana Questo 96: Do poder da lei humana. Questo 97: Da mudana das leis. Questo 98: Da lei antiga. Questo 99: Dos preceitos da lei antiga. Questo 100: Dos preceitos morais da lei antiga. Questo 101: Dos preceitos cerimoniais em si mesmos. Questo 102: Das causas dos preceitos cerimoniais. Questo 103: Da durao dos preceitos cerimoniais. Questo 104: Dos preceitos judiciais. Questo 105: Da razo de ser dos preceitos judiciais. Questo 106: Da lei do Evangelho, chamada nova, em si mesma considerada. Questo 107: Da comparao entre a lei nova e a antiga. Questo 108: Do contedo da lei nova.

Questo 90: Da essncia da lei.Na primeira questo discutem-se quatro artigos: Art. 1 Se a lei algo de racional. Art. 2 Se a lei se ordena sempre para o bem comum, como para o fim. Art. 3 Se a razo particular pode legislar. Art. 4 Se a promulgao da essncia da lei.

Art. 1 Se a lei algo de racional.O primeiro discute-se assim. Parece que a lei nada tem de racional.1. Pois, diz o Apstolo (Rm 7, 23):Sinto nos meus membros outra lei,etc. Ora, o racional no est nos membros, porque a razo no se serve de rgos corpreos. Logo, a lei nada tem de racional.2. Demais. A razo s inclui a potncia, o hbito e o ato. Ora, a lei no nenhuma potncia da razo. E nem um hbito qualquer dela, porque os seus hbitos so as virtudes intelectuais, de que j se tratou (a. 57). Nem um ato, pois, se o fosse, cessando ele, como se d com os adormecidos, cessaria a lei. Logo, a lei nada tem de racional.3. Demais. A lei move os que se lhe submetem, a agir retamente. Ora, mover ao pertence propriamente vontade, como resulta claro do que j foi dito (q. 9, a. 1). Logo, a lei no depende da razo, mas, antes, da vontade, conforme ao que tambm diz o Jurisperito: O que apraz ao prncipe tem fora de lei.Mas,em contrrio,lei pertence ordenar e proibir. Ora, ordenar ato da razo, comojse demonstrou (q. 17, a. 1). Logo, a lei algo de racional.SOLUO. A lei uma regra e medida dos atos, pela qual somos levados ao ou dela impedidos. Pois, lei vem de ligar, porque obriga a agir. Ora, a regra e a medida dos atos humanos a razo, pois deles o princpio primeiro, como do sobredito resulta (q. 1, a. 1 ad 3). Porque prprio da razo ordenar para o fim, princpio primeiro do agir, segundo o Filsofo. Ora, o que, em cada gnero, constitui o princpio a medida e a regra desse gnero. Tal a unidade, no gnero dos nmeros, e o primeiro movimento, no dos movimentos. Donde se conclui que a lei algo de pertencente razo.DONDE A RESPOSTA PRIMEIRA OBJEO. Sendo a lei regra e medida, pode, de dois modos, ser aplicada. De um, como o que mede e regula. Ora, como isto prprio da razo, deste modo, a lei s na razo existe. De outro, como o que regulado e medido. E, ento existe em tudo o que em virtude dela tem alguma inclinao. De sorte que qualquer inclinao proveniente de uma lei pode ser considerada lei, no essencial, mas, participativamente.Edeste modo, tambm a inclinao dos membros para a concupiscncia se chama lei dos membros.RESPOSTA SEGUNDA. Podemos considerar, nos atos exteriores, a obra e o obrado, como, p. ex., a edificao e o edifcio. Assim tambm podemos distinguir, nas obras da razo, o ato mesmo dela, que inteligir e raciocinar; e algo de constitudo por esse ato. E isto, no concernente razo especulativa, , primeiramente, a definio; depois, o enunciado; e, em terceiro lugar, o silogismo ou argumentao. Ora, mesmo a razo prtica emprega no agir um certo silogismo, conforme j demonstramos (q. 13, a. 3; q. 76, a. 1), de acordo com o que ensina o Filsofo. Por onde, deve haver, na razo prtica, o que esteja para as obras, como, na razo especulativa, est a proposio para as concluses. Ora, tais proposies universais da razo prtica, ordenadas para o ato, tm natureza de lei.Eelas so, umas vezes, consideradas atualmente, e, outras possudas habitualmente pela razo.RESPOSTA TERCEIRA. A razo tira o seu poder motor da vontade, como j se disse (q. 17, a. 1). Pois, por querermos o fim que a razo ordena os meios. Mas para a vontade do que ordenado vir a constituir lei preciso seja regulada pela razo.Edeste modo compreende-se que a vontade do prncipe tenha fora de lei; do contrrio seria antes iniqidade que lei.

Art. 2 Se a lei se ordena sempre para o bem comum, como para o fim.(Inira, q. 95, a. 4; q. 96, a. 1; III Sent., dist. XXXVII, a. 2, q 2, ad 5 V Ethic., lect.II).O segundo discute-se assim. Parece que a lei no se ordena sempre para o bem comum, como para o fim.1. Pois, prprio da lei ordenar e proibir. Ora, a ordem visa um certo bem particular. Logo, o fim da lei nem sempre o bem comum.2. Demais. A lei dirige o homem para agir. Ora, os atos humanos versam sobre o particular. Logo, tambm a lei se ordena a um bem particular.3. Demais. Isidoro diz: Se a lei participa da razo, ser lei tudo o que desta participar. Ora, da razo participa o que ordenado no s para o bem comum, mas tambm para o privado. Logo, a lei no se ordena s para o bem comum, mas tambm para o particular de cada um.Mas,em contrrio, Isidoro diz, que a lei prescrita no para utilidade particular, mas para a utilidade comum dos cidados.SOLUO. Como j dissemos (a. 1), sendo a lei regra e medida, ela depende do que o princpio dos atos humanos. Ora, como a razo o princpio desses atos, tambm nela h algum primeiro princpio, que o de tudo o mais. Por onde e necessriamente a este h de a lei pertencer, principal e maximamente. Ora, o primeiro princpio, na ordem das operaes, qual pertence a razo prtica, o fim ltimo.Esendo o fim ltimo da vida humana a felicidade ou beatitude, como j dissemos (q. 2, a. 7; q. 3, a. 1), h de por fora a lei dizer respeito, em mximo grau, ordem da beatitude. Demais, a parte ordenando-se para o todo, como o imperfeito para o perfeito; e sendo cada homem parte da comunidade perfeita, necessria e propriamente, h de a lei dizer respeito ordem para a felicidade comum. E, por isso, o Filsofo, depois de dar a definio do legal, faz meno da felicidade e da comunho poltica. Assim, diz: consideramos como justo legal o que faz e conserva a felicidade, com tudo o que ela compreende, em dependncia da comunidade civil. Ora, a comunidade perfeita a cidade, como diz Aristteles.Porm, em qualquer gnero, o que principal princpio de tudo o mais que a esse gnero pertence, e que considerado em dependncia dele. Assim, o fogo, quente por excelncia, a causa do calor dos corpos mistos, considerados quentes na medida em que participam do fogo. Por onde e necessariamente a lei sendo por excelncia relativa ao bem comum, nenhuma outra ordem, relativa a uma obra particular, ter natureza de lei, seno enquanto se ordena ao bem comum. Logo, a este bem se ordena toda lei.DONDE A RESPOSTA PRIMEIRA OBJEO. Uma ordem supe a aplicao da lei ao que por ela regulado. Ora, o ordenar-se para o bem comum, que prprio da lei, aplicvel a fins particulares.Ea esta luz, tambm se podem dar ordens relativas a certos fins particulares.RESPOSTA SEGUNDA. Certamente, as obras dizem respeito ao particular. Mas este pode ser referido ao bem comum, no pela comunidade genrica ou especfica, mas pela da causa final, enquanto que o bem comum considerado como fim comum.RESPOSTA TERCEIRA. Assim como na ordem da razo especulativa nada tem firmeza seno pela resoluo aos primeiros princpios indemonstrveis, assim tambm nada a tem, na ordem da razo prtica, seno pela ordenao ao fim ltimo, que o bem comum. Ora, o que deste modo participa da razo tem a natureza da lei.

Art. 3 Se a razo particular pode legislar.(Infra, q. 97, a. 3, ad 2; II-II, q. 50, a. 1, ad 3).O terceiro discute-se assim. Parece que qualquer razo particular pode legislar.1. Pois, diz o Apstolo (Rm 2, 14):Quandoos gentios, que no tem lei, fazem naturalmente as coisas que so da lei, esses tais a si mesmos servem de lei. Ora, isto dito em geral de todos. Logo, quem quer que seja pode impor a si mesmo a sua lei.2. Demais. Como diz o Filsofo, a inteno do legislador levar os homens virtude. Ora, qualquer um pode faz-lo. Logo, a razo de qualquer homem pode legislar.3. Demais. Assim como o chefe da cidade o seu governador, assim qualquer pai de famlia o governador da casa. Ora, o chefe da cidade pode legislar para ela. Logo, tambm qualquer pai de famlia pode legislar para a sua casa.Mas,em contrrio, diz Isidoro, e est nas Decretais:Aleia constituio do povo pela qual os patrcios, simultaneamente com a plebe, estabeleceram alguma disposio. Logo, qualquer um no pode legislar.SOLUO. A lei, prpria, primria e principalmente, diz respeito ordem para o bem comum. Ora, ordenar para o bem comum prprio de todo o povo ou de quem governa em lugar dele. E portanto, legislar pertence a todo o povo ou a uma pessoa pblica, que o rege. Pois, sempre, ordenar para um fim pertence a quem esse fim prprio.DONDE A RESPOSTA PRIMEIRA OBJEO. Como j dissemos (a. 1 ad 1), a lei est num sujeito, no s como em quem regula, mas tambm, participativamente, como em quem regulado. E deste modo cada qual para si mesmo a sua lei, enquanto participa da ordem de quem regula. Por isso o Apstolo acrescenta:Os que mostram a obra da lei escrita nos seus coraes.RESPOSTA SEGUNDA. Um particular no pode levar eficazmente virtude. Pode apenas advertir; mas, se a sua advertncia no for aceita, no dispe da fora coativa, que a lei deve ter para levar eficazmente virtude, como diz o Filsofo. Ao passo que o povo, ou a pessoa pblica, a quem compete infligir as penas, tem essa fora coativa, como a seguir se dir (q. 92, a. 2 ad 3; IIa IIae q. 64, a. 3).Eportanto, s ele pode legislar.RESPOSTA TERCEIRA. Como o homem faz parte da casa, assim, esta, da cidade, que uma comunidade perfeita, segundo Aristteles. Por onde, assim como o bem de um homem no o fim ltimo, mas se ordena ao bem comum; assim, o bem de uma casa se ordena ao de toda a cidade, que uma comunidade perfeita. Portanto, quem governa uma famlia pode sem dvida estabelecer certas ordens ou estatutos, mas que propriamente no constituem leis.Art. 4 Se a promulgao da essncia da lei.(De Verit., q. 17, a. 3: Quodl. I, q. 9, a. 2).O quarto discute-se assim. Parece que a promulgao no da essncia da lei.1. Pois, a lei natural a lei por excelncia. Ora, ela no precisa de promulgao. Logo, o ser promulgada no da essncia da lei.2. Demais. Pertence propriamente lei obrigar a fazer ou no fazer alguma coisa. Ora, so obrigados a cumprir a lei no s aqueles que lhe sabem da promulgao, mas tambm os outros. Logo, no a promulgao da essncia da lei.3. Demais. A obrigao da lei tambm liga para o futuro, pois, as leis impem necessidades aos negcios futuros, como diz o direito. Ora, a promulgao feita para os negcios presentes. Logo, no da essncia da lei.Mas,em contrrio, dizem as Decretais: As leis so institudas quando promulgadas.SOLUO. Como j dissemos (a. 1), a lei imposta aos que lhe esto sujeitos, como regra e medida. Ora, a regra e a medida impe-se aplicando-se aos regulados e medidos. Por onde, para a lei ter fora de obrigar o que lhe prprio necessrio seja aplicada aos homens, que por ela devem ser regulados. Ora, essa aplicao se faz por chegar a lei ao conhecimento deles, pela promulgao. Logo, a promulgao necessria para a lei vir a ter fora.E assim, desses quatro elementos referidos podemos deduzir a definio da lei, que no mais do que uma ordenao da razo para o bem comum, promulgada pelo chefe da comunidade.DONDE A RESPOSTA PRIMEIRA OBJEO. A promulgao da lei da natureza se d por t-la Deus infundido na mente humana, de modo a ser naturalmente conhecida.RESPOSTA SEGUNDA. Aqueles que no tm conhecimento da promulgao da lei so obrigados a observ-la, enquanto sabem ou podem saber, por meio de outrem, da promulgao dela.RESPOSTA TERCEIRA. A promulgao presente se aplica ao futuro pela persistncia da escritura, que, de certo modo, est sempre promulgando a lei. E por isso Isidoro diz: A lei assim chamada do verbo ler, est escrita.

Questo 91: Da diversidade das leis.Em seguida devemos tratar da diversidade das leis.E nesta questo discutem-se seis artigos: Art. 1 Se h uma lei eterna. Art. 2 Se h em ns uma lei natural. Art. 3 Se h uma lei humana. Art. 4 Se necessrio haver uma lei divina. Art. 5 Se h s uma lei divina. Art. 6 Se h uma lei constituda pelo estmulo da sensualidade.