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TRANSFORMAÇÕES NA ARQUITETURA CORRENTE BRASILEIRA DO SÉCULO XIX: Uma revisão bibliográfica GUIMARÃES, MARCOS V. T. (1) 1. Universidade Federal de São João del-Rei. Departamento de Arquitetura, Urbanismo e Artes Aplicadas / Universidade de São Paulo. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Avenida Visconde do Rio Preto, S/Nº (Km 02) Colônia do Bengo Prédio REUNI, Sala 3.01RE CEP 36.301-360 - São João del-Rei - MG [email protected] RESUMO A historiografia da arquitetura brasileira mostra uma lacuna no século XIX, que se apresenta em pelo menos dois aspectos. Por um lado, tem-se dado maior atenção aos monumentos institucionais, destacadamente os de caráter religioso, em detrimento da numerosa arquitetura civil ordinária. Embora haja uma significativa dedicação ao contexto rural, pouca pesquisa tem sido feita sobre o casario urbano. Por outro lado, a simplificação estilística refletida nas usuais denominações de “colonial” e “eclético” tem menosprezado as superposições, transições e peculiaridades de um suposto período de interstício entre estas duas referências. Neste sentido, tem-se acreditado no geral em um prolongamento do “colonial” até meados do Oitocentos e uma crescente consolidação do ecletismo a partir da difusão da estrada de ferro. Este trabalho tem como objetivo contribuir para a caracterização da arquitetura civil, urbana e corrente do século XIX no Brasil. As transformações arquitetônicas são exploradas em seus aspectos de programa, partido e pormenores, tendo-se como base uma revisão bibliográfica. Identifica-se, pois, um estilo nem “colonial”, nem “eclético”, em que as edificações se apresentam de forma mais bem híbrida e transitiva. Palavras-chave: arquitetura corrente, século XIX, Brasil.

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TRANSFORMAÇÕES NA ARQUITETURA CORRENTE BRASILEIRA DO SÉCULO XIX: Uma revisão bibliográfica

GUIMARÃES, MARCOS V. T. (1)

1. Universidade Federal de São João del-Rei. Departamento de Arquitetura, Urbanismo e Artes

Aplicadas / Universidade de São Paulo. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Avenida Visconde do Rio Preto, S/Nº (Km 02) Colônia do Bengo

Prédio REUNI, Sala 3.01RE CEP 36.301-360 - São João del-Rei - MG

[email protected]

RESUMO

A historiografia da arquitetura brasileira mostra uma lacuna no século XIX, que se apresenta em pelo menos dois aspectos. Por um lado, tem-se dado maior atenção aos monumentos institucionais, destacadamente os de caráter religioso, em detrimento da numerosa arquitetura civil ordinária. Embora haja uma significativa dedicação ao contexto rural, pouca pesquisa tem sido feita sobre o casario urbano. Por outro lado, a simplificação estilística refletida nas usuais denominações de “colonial” e “eclético” tem menosprezado as superposições, transições e peculiaridades de um suposto período de interstício entre estas duas referências. Neste sentido, tem-se acreditado no geral em um prolongamento do “colonial” até meados do Oitocentos e uma crescente consolidação do ecletismo a partir da difusão da estrada de ferro. Este trabalho tem como objetivo contribuir para a caracterização da arquitetura civil, urbana e corrente do século XIX no Brasil. As transformações arquitetônicas são exploradas em seus aspectos de programa, partido e pormenores, tendo-se como base uma revisão bibliográfica. Identifica-se, pois, um estilo nem “colonial”, nem “eclético”, em que as edificações se apresentam de forma mais bem híbrida e transitiva.

Palavras-chave: arquitetura corrente, século XIX, Brasil.

4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro

Introdução

Os movimentos da historiografia arquitetônica que trata do século XIX se comportam em

duas direções, ora simplificando ou passando por alto, ora dando continuidade e

superpondo períodos temporais. De um lado, há um prolongamento do colonial até meados

do Oitocentos, o que pode ser entendido nas sutis diferenças em relação à arquitetura

setecentista (Reis Filho, 1970). Nesse caso, as modificações são vistas comumente como

atípicas ou a nível de detalhes superficiais. De outro lado, lê-se o gérmen do eclético nas

transformações culturais e tecnológicas introduzidas no âmbito do estilo neoclássico ou do

período imperial (Lemos, 1987, p.70; Brenna, 1987, p.30-32). Em todo caso, identifica-se

uma lacuna situada em torno do segundo quartel do século XIX, que corresponde ao

momento de transição de tendências estilísticas entre as arquiteturas ditas ‘colonial’ e

‘eclética’.

Tal lacuna Oitocentista incide, de forma ainda mais abrangente, na arquitetura civil corrente.

Isto é devido, em parte, às dificuldades apresentadas pela escassez de edificações

remanescentes e pela limitação das fontes disponíveis. Por um lado, houve pouca

preservação da arquitetura civil devido a demolições e a numerosas reformas ao longo do

tempo. Por outro lado, as edificações civis carecem de um maior registro justamente por seu

caráter privado, ao contrário do que acontece com as institucionais, que são auspiciadas por

órgãos governamentais e ordens religiosas (Vasconcellos, 1977, p.359).

Aliada à dificuldade concernente às fontes de pesquisa empírica e documental, a lacuna na

arquitetura civil se apresenta também em termos de carência de trabalhos acadêmicos

publicados. No período que nos tange, Nestor Reis Filho assume, além da dificuldade em se

estabelecer datas precisas de edificações, a ausência de bibliografia ampla sobre a

arquitetura urbana (1970, p.17, 34, 114). Em outro de seus trabalhos, afirma que as obras

menos monumentais nem sempre foram considerados como dignas de estudos e

preservação (1997, p.217). Também Lemos encontra uma dificuldade geral em se estudar a

morada brasileira do século XIX, dada a falta de informação sobre como os edifícios de

então foram fruídos e usufruídos (1989b, p.47). Já Paulo Santos afirma ser a casa urbana

brasileira ainda desconhecida sob muitos aspectos. A situação estaria agravada, ainda, pelo

privilégio dado à arquitetura rural nos estudos clássicos sobre a arquitetura doméstica

(Santos, 2005, p.2). Finalmente, José Rodrigues aponta a ênfase dada à arquitetura

religiosa, em detrimento do estudo da construção civil e da casa residencial (1979, p.2).

Com razão, encontramos uma concentração, por um lado, em estudos sobre a arquitetura

monumental e institucional e, por outro lado, em estudos circunscritos ao período colonial ou

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moderno. Pouca ênfase tem sido dada à arquitetura civil urbana do século XIX, com

exceção de alguns destacados trabalhos como os de L. L. Vauthier no Recife (1975),

Augusto Telles em Vassouras (1975), Carlos Lemos em São Paulo (1989a) e, finalmente,

Roberto Lima (2001) no interior paulista.

Diante das lacunas que se apresentam no estudo da arquitetura corrente brasileira do

século XIX, cabe examinar com maior detalhe as transformações espaciais e formais

ocorridas nas edificações. Comecemos pelas mudanças no programa e no partido espacial,

para depois centrarmos nos pormenores construtivos.

Transformações de partido e de programa arquitetônico

O partido das casas brasileiras teria permanecido sem modificações de grande vulto nas

primeiras décadas do Oitocentos. No geral, as plantas continuariam por longo tempo com a

distribuição tradicional composta por sala na frente, corredor lateral, alcovas no meio e,

finalmente, sala íntima conectada com cozinha ao fundo. Na década de 1840, Vauthier

observa uma marcada simetria em sobrados pernambucanos, além de numerosas aberturas

nas fachadas possibilitadas pelo uso precoce do tijolo. Ainda há a ausência de instalações

sanitárias, fato confirmado pela prática da limpeza por tigres. Para Freyre, as casas

suburbanas de Vauthier no Recife contrastam com os antigos sobradões brasileiros ao

apresentarem linhas exteriores mais graciosas e um interior mais aerado, ventilado e

assoleado. Contudo, as casas térreas comuns, onde morava a maioria da população do

Recife, manteriam o partido tradicional assimétrico e de distribuição interna regular

(Vauthier, 1975, p.44-49, 60; Freyre, 1975, p.19).

É, entretanto, nas chácaras dos arredores da área urbana, que se sentiriam mais

rapidamente as transformações. Ainda na época de Vauthier, as alcovas estariam se

transformando em quartinhos bem arejados e o pavimento térreo começaria a ser construído

em posição elevada do solo. As plantas das casas se tornariam mais complexas com o

agenciamento de novos cômodos como sala de jantar e salão. As funções de serviço, por

sua vez, passariam a ocupar construções afastadas da casa principal ou apêndices

claramente diferenciados, como no caso das cozinhas (Vauthier, 1975, p.73).

Carlos Lemos também identifica, na arquitetura residencial de classe média do segundo

quartel do século XIX, uma sutil modernização do partido colonial. O zoneamento e a

distribuição interna se mantêm praticamente inalterados, mas consolida-se o corredor

central como eixo de simetria entre as salas de receber situadas na frente da casa. O

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corredor teria evoluído de uma configuração contínua no período colonial, para um espaço

interceptado por uma grande porta durante o início do Império e por cancelas de vidros

coloridos mais adiante. A planta geral e o uso dos espaços permanecem, no entanto,

atrelados às limitações do sistema construtivo, que define os esquemas gerais de

volumetria, telhado e geminação lateral (Lemos, 1989a, p.34-35; 78).

No caso das edificações não residenciais, as modificações se fizeram mais patentes devido

ao surgimento de novos programas no século XIX. Se na urgente transferência da família

real para o Rio de Janeiro optou-se principalmente pela adaptação das edificações

existentes e reformas para abrigar a Corte e os serviços e instituições com ela trazidos, na

consolidação do Império foi necessária uma melhor acomodação (Santos, 1981, p.43). Isto

traduziu-se na construção de uma nova ordem de edificações – como estabelecimentos de

ensino, hospitais, palácios e mercados públicos – que eram raros ou inexistentes nos

tempos coloniais (Souza, 1994, p.72). No caso da arquitetura oficial ou de alto padrão, não

há como negar a considerável apropriação da linguagem neoclássica baseada na École de

Beaux-Arts de Paris, em que figuram tanto estilemas – arco pleno, frontão, colunas – quanto

elementos de composição como corpos centrais ressaltados, fachadas tripartidas, simetria

estrita, interior modulado e ritmo regular na fenestração. Tal arquitetura estaria sendo

praticada até meados do século XIX, inspirada em Grandjean de Montigny e na Academia

Imperial de Belas Artes (Rocha-Peixoto, 2000, p.31-38).

Em São Paulo, as transformações econômicas advindas do café, reforçadas pelo

desenvolvimento da indústria e do comércio, também causariam novas necessidades

espaciais e programas de uso. As mudanças se acentuariam a partir do terceiro quartel do

Oitocentos, época marcada pela chegada da ferrovia no ano de 1867. Figuram entre as

novas tipologias: repartições públicas, estações ferroviárias, escolas, bancos, mercados e

teatros. Com a cidade em franco crescimento e a onda de imigrações um pouco mais tarde,

surgem ainda outros programas residenciais com os novos bairros formados e a ascensão

de uma classe operária (Ramalho, 1989, p.175; Lemos, 1989a, p.55). No interior tanto

paulista como fluminense, no entanto, o regime volumétrico dos conjuntos arquitetônicos,

definido por grandes sólidos geométricos justapostos, bem como a valorização e

uniformidade das fachadas principais, estariam ainda fortemente condicionados pelas

Posturas da época (Lima, 2001, p.41-44, 57).

Continuando em São Paulo, observa-se uma maior transformação do partido espacial das

casas. Um antecedente pioneiro é o palacete do segundo Barão de Piracicaba, construído

no final da década de 1860, ainda em taipa de pilão, com volume solto no terreno da

chácara e telhado em quatro águas. A simetria em planta e a complexa subdivisão dos

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cômodos internos indicam a apropriação tanto compositiva como programática do estilo

reinante na Corte. Contudo, seu partido prismático ainda se encontra filiado àquele esquema

antigo (Lemos, 1989a, p.122-123).

A partir do último quartel do século XIX, intensifica-se o uso do tijolo nas alvenarias. Os

telhados, agora recortados graças à presença de calhas internas e de rincões, passam a

participar da composição arquitetônica, enquanto as construções tendem a se isolar nos

quatro lados. Nestas casas ricas situadas na periferia do centro antigo da cidade, valorizam-

se os jardins, as edículas de serviço e as garagens, enquanto novos cômodos se agregam

ao zoneamento moderno da planta. As Posturas editadas em 1886 exigem, para o caso das

casas operárias, além de afastamento frontal, pés-direitos generosos, pisos elevados,

janelas nos cômodos e latrinas. Os critérios do uso do solo são alterados e se preza pelas

condições higiênicas de luz e ventilação naturais (Lemos, 1989a, p.50, 56, 66-68, 93).

Tais transformações seriam mais difíceis na região central da cidade com situação mais

adensada, ou no caso das casas médias. Estas adotariam um partido típico com corredor

lateral descoberto, o qual representaria um verdadeiro rompimento com a tradição de casas

geminadas. Os cômodos internos enfileirados passariam assim a receber luz e ar, sendo a

circulação feita por um outro corredor interno. A desvinculação do vizinho teria sido

proporcionada pelo desenho de telhados movimentados graças à presença de telhas

planas, rufos, calhas, condutores etc. Emprega-se ainda o porão elevado, habitável ou não,

guarnecido de grades de ventilação, a proteger contra a umidade do solo e a resguardar os

cômodos frontais. Em construções mais elaboradas, começariam a figurar alpendres laterais

providos de peças de ferro (Lemos, 1989a, p.78, 96-99).

Cabe lembrar o cuidado para não se generalizar demais as transformações ocorridas em

São Paulo. Até a virada para o século XX, ainda seria muito comum a construção de casas

junto às calçadas, sem jardins na frente. É somente nos tempos da Primeira Guerra Mundial

que as plantas têm seus corredores substituídos por vestíbulo de distribuição (hall) e se

definem com clareza as zonas de estar, repouso e serviço. Os afastamentos tanto laterais

como frontais só se tornariam obrigatórios na década de 1920 (Lemos, 1989a, p.78, 94,

123). Nessa época, porém, o ecletismo já estaria em seu auge ou, quiçá, em vias de

extinção.

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Transformações nos elementos e pormenores arquitetônicos

Paralelamente às transformações de partido e de programa arquitetônico, ocorreram

mudanças nos elementos construtivos e pormenores das edificações. Apesar do debate

sobre a manifestação precoce de um protoneoclássico no século XVIII, defendida por

autores diversos e contestada por Carlos Lemos – quem vê a continuação de um

maneirismo praticado entre os engenheiros militares portugueses –, teriam surgido

modificações perceptíveis inspiradas na arquitetura pombalina (1997). Tem-se como

exemplo o arco abatido em substituição às vergas retas, introduzido primeiramente, em

Minas, nos vãos do Palácio dos Governadores de Ouro Preto a meados do Setecentos e

difundido nas seguintes décadas na arquitetura civil e residencial da colônia (Vaconcellos,

1977, p.180; Lemos, 2012). No caso de São Paulo, a modernização da paisagem urbana,

promovida pelo Conde de Sarzedas nas décadas finais do século XVIII, se expressaria no

casario através de beirais forrados a esconder a cachorrada, além de ornatos tipificados em

madeira, destacadamente as cimalhas (Lemos, 1989a, p.28-29).

Ainda em Ouro Preto, na transição entre o século XVIII e o XIX, as fachadas dos solares

comportariam grandes portas a marcar o eixo de simetria, além de pilastras nos cunhais e

cimalhas de alvenaria e massa. As vergas das portas, ainda retas ou já em arco abatido,

estariam encimadas por cornijas de madeira ou cantaria. Por essa época, os pés-direitos se

tornariam mais altos e as cimalhas já começariam a substituir os largos beirais de

cachorrada aparente (Vasconcellos, 1977, p.184, 187-188, 193).

A fisionomia pombalina classicizante, no entanto, só se difundiria mais amplamente a partir

do início do século XIX. Como mencionado anteriormente, consideram-se os eventos em

torno da vinda da Corte portuguesa – acompanhada das posturas promulgadas por D. João

VI – e da Missão Francesa como importantes marcos de transformação da cultura

arquitetônica da época. Por ordens superiores, arcaísmos arquitetônicos como rótulas,

treliças, balcões de madeira e muxarabis seriam proibidos e paulatinamente extintos do

cenário urbano (Lemos, 1989a, p. 22). Em torno da época da Independência, passaria a se

tornar mais comum, em substituição às janelas com peitoril dos sobrados, as portas

inteiriças rasgadas até o piso, guarnecidas primeiramente por peças de madeira e logo por

estrutura de ferro forjado (Santos, 1981, p.48; Vasconcellos, 1977, p.190). Em torno de

1840, no Recife, as gelosias persistiriam apenas na parte antiga da cidade, havendo já sido

substituídas por varandas de ferro nos bairros novos (Freyre, 1975, p.9; Vauthier, 1975,

p.66).

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O vidro teve seu uso cada vez mais difundido ao longo da primeira metade do século XIX.

Em residência no Brasil no início dos anos 1820, Maria Graham afirma serem as janelas

envidraçadas bastante comuns na cidade do Rio de Janeiro (Santos, 1981, p.48). Porém,

ainda tardariam bons anos para a sua generalização na arquitetura civil brasileira. Em São

Paulo, o vidro estaria em falta no ano de 1811 e só apareceria nas janelas domiciliares com

o café (Lemos, 1989a, p.12, 28), ao que parece a partir do segundo quartel do século XIX.

No interior das Minas em 1821, a falta de vidro nas janelas é devida à dificuldade de

transporte, que também explica as reduzidas dimensões das peças em torno de 20 x 30

centímetros (Vasconcellos, 2011, p.120). Em Vassouras, moderna cidade fluminense do

início da era cafeeira, um viajante inglês chama a atenção, em 1835, para “algumas boas

casas, com vidraças, o que é digno de nota por sua raridade no país” (Bunbury, 1981,

p.102). No Recife dos anos 1840, o uso do vidro estaria generalizado nos sobrados mais

nobres, mas seria ainda raro nas casas térreas (Vauthier, 1975, p.62).

O antigo sistema de fechamento dos vãos se caracterizaria por escuros ou panos cegos de

madeira, duplos e estreitos no caso dos sobrados (Vasconcellos, 1977, p.156, 184). Mais

adiante, como na São Paulo do início do século XIX, já seriam correntes as aberturas em

sistema de guilhotina, popularizadas com a maior disponibilidade de vidro (Lemos, 1989,

p.28). Os pinázios desenhados nas bandeiras de portas e janelas, no entanto, só se fariam

sentir em um bem entrado século XIX, permanecendo em uso até o terceiro quartel deste

mesmo século (Lemos, 1989a, p.28; Santos, 1981, p.67-68).

Por volta do segundo quartel do Oitocentos, observam-se, no caso da cidade de São Paulo,

outros pormenores característicos da época. Nas fachadas, a técnica construtiva de taipa de

pilão, associada à limitação de materiais disponíveis, permitia apenas molduras tímidas e

pilastras pouco salientes esculpidas nas espessuras dos emboços. Tais pilastras eram por

vezes executadas em madeira, a disfarçar ou arrematar os cunhais e cimalhas. O ferro

forjado se apresentava tanto nas armações de luminárias como nos gradis encimados por

pinhas reluzentes. No interior das casas, as possibilidades decorativas das altas portas

embandeiradas com vidros coloridos, dos forros trabalhados e das cimalhas e tabeiras

recortadas já teriam se esgotado (Lemos, 1989a, p.35; Lima, 2001, p.119).

Outra importante referência de transformação dos pormenores arquitetônicos é descrita na

época do engenheiro Vauthier em Recife. Antes de sua chegada, já se chamou a atenção

para as inovações introduzidas por uma companhia de trabalhadores alemães arribada no

Brasil no ano de 1839. Estes teriam sido responsáveis pela construção de cornijas e vergas

de alvenaria – não mais de pedra como de costume – com o emprego de moldes. Tal

ocorrência é respaldada pela exigência expressa nas Posturas Municipais de Recife de

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1839-1840, que obrigava a Câmara a fornecer um molde de perfil das cornijas com vistas à

uma maior regularidade nos frontispícios (Corona e Lemos, 1972, p.148). As maiores

dimensões das portas e janelas, bem como a introdução do estuque, também seriam desta

mesma época (Pereira da Costa apud Freyre, 1975, p.10-11). As próprias descrições de

Vauthier mostram com detalhe a situação da arquitetura na década de 1840. Destaca-se a

presença de: sacadas de pedra pouco largas e sem consolos; escadas com patamares,

iluminadas por claraboias de telha de vidro; e esquadrias de guilhotina com formas variadas

nos caixilhos das bandeiras. As casas mais simples apresentariam venezianas de madeira

nas janelas, além de beiral em eira-seveira. Já nas casas de chácaras ou em bairros

residenciais afastados do centro comercial, Vauthier enfatiza: fachadas brancas com várias

aberturas ritmadas e sacadas de cores vivas, enquadradas com pilastras, o que seria raro

na cidade; telhados com rincões, beirais arrebitados e vasos sobre a cumeeira; além de

passeios com balaustradas a sustentar vasos de flores e pórticos em arcada (Vauthier,

1975, p.54-72). Nestas residências suburbanas, tornam-se bastante mais perceptíveis as

ressonâncias do classicismo.

Vauthier mostra em suas cartas uma figura com fachadas antigas e modernas lado a lado

(Fig. 1).

1. Elevação de um conjunto de casas no Recife: sobrado entre duas casas térreas. Fonte: Vauthier, 1975, p.80.

A casa térrea à esquerda, de composição mostrando uma construção mais antiga,

apresenta vãos menores e linhas retas. Curiosamente, os peitoris das janelas estão

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sustentados por consolos, que são praticamente os únicos elementos decorativos da

fachada, se é que não jogam um papel estrutural de sustentação. Ainda nas janelas,

encontram-se treliças que parecem se abrir em folha única pivotante, deixando-se uma parte

vazia para cima do vão. O beiral parece ser de cachorros à vista. Já no sobrado do centro

do desenho, predominam também elementos mais antigos, incluindo o muxarabi decorado.

No entanto, as vergas dos vãos estão arqueadas, o que indica a referência pombalina.

Finalmente, a casa da direita corresponde a uma versão mais moderna, devido a

características como vãos de grandes dimensões emoldurados por segmentos em alto

relevo, verga em arco abatido, aberturas da janela em sistema de guilhotina e beiral em

cimalha. Curiosamente, persistem as rótulas na porta e o pé direito permanece na altura de

seu vizinho térreo. Possivelmente, trata-se de uma remodelação modernizadora que

manteve o envoltório estrutural da edificação. Em todo caso, observa-se nos detalhes uma

sutil mas perceptível transformação.

No desenho do sobrado modernizado, também se identificam com clareza os elementos

arquitetônicos (Fig. 2).

2. Fachada de sobrado no Recife. Fonte: Vauthier, 1975, p.40.

Como já observado na casa térrea, aparecem os vãos grandes, emoldurados e com arco

abatido, além do beiral em cimalha. No andar superior, destacam-se ainda o balcão

contínuo resguardado por grade de ferro trabalhado e a presença de vidro nas portas, tanto

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nas folhas pivotantes como na bandeira fixa desenhada. A porta de entrada no térreo, de

menor altura que as janelas e com detalhe na verga, faz um contraponto no centro da

fachada, ao mesmo tempo em que define um eixo de simetria. Novamente são encontrados

alguns dos estilemas que caracterizam a arquitetura da época.

Aproveitemos ainda a Vauthier para abordar o interior das casas. As paredes são

comumente caiadas ou pintadas à têmpera com ocre amarelo ou outra cor clara, sendo

pouco difundida a forração de papel introduzida a partir da abertura dos portos. Os

revestimentos em madeira são raros, mas encontram-se rodapés em torno dos soalhos ou

cordões à altura do peitoril, geralmente pintados em cinzento claro. Os pisos dos sobrados

se compõem do sistema tradicional de tábuas largas unidas à meia-madeira e sustentadas

por barrotes. Já os tetos ostentam forros de tábuas delgadas com molduras e, às vezes,

cornija de cores mais ou menos vivas. Sua decoração é realçada, em alguns casos, por

ornamentos em madeira ou por aqueles estuques introduzidos pelos operários alemães.

Nas casas mais simples, o forro pode se restringir somente à sala da frente e às alcovas,

cujas portas, em alguns casos, exibem folhas envidraçadas guarnecidas por cortinas de

musselina. O mobiliário é, no geral, bastante simples, composto de alguma mesa com pés

trabalhados, canapés e cadeiras de palhinha, leitos de repouso, redes e fogão de tijolos na

cozinha. Em casas mais ricas, o salão de jantar alberga ricos aparadores com prataria, além

de cadeiras de balanço dos Estados Unidos (Vauthier, 1975, p.39-45, 55-56, 64).

O mobiliário do interior das casas de São Paulo, em torno da mesma época, apresenta as

mesmas cadeiras de palhinha em salas formalmente decoradas, além de cortinas, espelhos,

escarradeiras, vasos sem flores e outros objetos importados, incluindo pianos que subiam a

serra em carros de boi. Na enorme sala íntima, na parte de trás da casa, exibia-se, além da

grande mesa de comer, redes, gaiolas de passarinho e relógios de pêndulo. No geral, as

casas estariam guarnecidas de coisas supérfluas, em contraste com o período colonial, em

que só se possuía o equipamento estritamente indispensável (Lemos, 1989, p.35).

As sutis transformações da arquitetura civil observadas no segundo quartel do Oitocentos se

prolongam até meados do século, em torno da década de 1850. No interior paulista, haveria

uma acentuação do gosto clássico, com uma ornamentação mais complexa, muitas vezes

de orientação maneirista. Na cidade de São Paulo, sobrados começam a apresentar

novidades de modenatura, como pilastras caneladas com capitel a marcar cunhais salientes.

Há notícias e fotografias de casas de chácaras claramente inspiradas pelo vocabulário

neoclássico, em que sobressaem-se frontões, platibandas encimadas por pináculos e gradis

ornamentados. É provavelmente com base nas fotografias de Militão de Azevedo, feitas por

volta do ano de 1862, que se identificam, a partir de então, a execução de alguns sobrados

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neoclássicos na cidade, bem compostos de platibandas decoradas com peças cerâmicas e,

em alguns deles, de fachadas revestidas de azulejo (Lima, 2001, p.119; Lemos, 1987,

p.76,78; Lemos, 1989a, p.104).

Por volta desta época, dois acontecimentos importantes impactam decisivamente o cenário

urbano e arquitetônico. Por um lado, o tijolo passa a ser usado na construção da alvenaria

das casas, o que favorece não só uma maior liberdade no agenciamento dos vãos, como

também a fixação de elementos decorativos nas fachadas. Por outro lado, os sistemas de

transporte e de comunicação passam por uma verdadeira revolução, começando pela

cidade do Rio de Janeiro e difundindo-se pelo Império. A ferrovia chega na cidade de São

Paulo no ano de 1867, o que proporciona uma maior comunicação com o litoral e o exterior

e a chegada mais facilitada de produtos e de tecnologia. A urbe se conectava com o mundo,

enquanto o café trazia riquezas inéditas com reflexos expressivos na indústria, no comércio

e nos padrões culturais da população (Lemos, 1989a, p.35, 53; Ramalho, 1989, p.174;

Santos, 1981, p.49).

Na arquitetura, os vãos passam a ser abertos em grandes dimensões e as janelas se

aproximam, favorecendo assim a maior iluminação e ventilação dos cômodos interiores.

Passam também a ser praticados os porões e as varandas elevadas, com os respectivos

benefícios de isolamento do solo úmido e de elevação das partes privativas das casas.

Observa-se ainda, com o advento da ferrovia, a adaptação das construções para um

comércio agora mais sofisticado. Outra característica marcante desta época de intensa

remodelação das edificações é o começo da substituição dos beirais pelas platibandas

decoradas e guarnecidas de vasos, estátuas e pinhas de porcelana (Lemos, 1989a, p.50-

53). As fotos de Militão de 1862, mostram, no entanto, o predomínio dos beirais, os quais

ainda constam nas medidas regularizadoras das posturas municipais de municípios do

interior paulista na década de 1860. As normas preveem uma uniformidade e uma simetria

precisas no alinhamento das casas, no dimensionamento das fachadas e na abertura e

espaçamento dos vãos (Lima, 2001, p.42-45).

Na década de 1870, na transição entre o terceiro e o último quartéis do século XIX, a

linguagem classicizante tende a se disseminar pela arquitetura. Com o fim das limitações

técnicas da taipa de pilão paulista, passa a haver uma maior decoração das fachadas com

platibandas, pilastras, cimalhas, frisos, régulas, consolos e azulejos. Quando, no ano de

1875, a Prefeitura de São Paulo passa a exigir calhas para águas pluviais nas fachadas,

instituem-se definitivamente as platibandas a marcar continuamente as linhas horizontais do

casario. Embora as reformas ainda não interfiram na divisão interna das casas, imprime-se

uma nova ordem compositiva e estética no cenário urbano. Lembrando, ainda, que esta

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também é a época em que a imigração de estrangeiros, destacadamente a de italianos,

começa a repercutir significativamente na população e na cultura paulista (Lima, 2001,

p.62,124,155; Lemos, 1989a, p.95). Talvez seja por estes tempos que as vergas dos vãos,

antes predominantemente de arco abatido, passam a exibir desenhos em arco pleno ou em

segmento reto (SOUSA, 1994, p.6), pese a presença dos semicírculos desde o início do

século na obra de Grandjean de Montigny.

Com o desenvolvimento dos transportes e o maior enriquecimento da capital paulista, novos

materiais e ornamentos importados como cornijas, frisos e frontões passam a ser anexados

às fachadas antigas, as quais teriam passado por uma verdadeira ‘cosmetização’. A

comparação entre as fotografias de Militão realizadas em 1862 e em 1887 mostram a

difusão de calhas, condutores, elementos de ferro fundido e vidro, além das clássicas

platibandas a sustentar, às vezes, pesadas compoteiras. As edificações estão mais

coloridas e se vê em toda parte vergas em arco pleno e vãos encimados por tímpanos

triangulares e cimalhas (Ramalho, 1989, p.174-176). Em um lapso relativamente curto de

tempo, a linguagem predominantemente pombalina, com estilemas neoclássicos salpicados

e apenas visíveis em meio à uniformidade estilística, vai sendo substituída por uma estética

mais marcadamente classicizante e heterogênea.

Neste sentido, um desenho de remodelação de fachada do engenheiro e arquiteto Ramos

de Azevedo (1851-1928) ilustra um episódio típico do final do século XIX (Fig.3).

3. Desenho do arquivo de Ramos de Azevedo mostrando proposta de remodelação da fachada primitiva do sobrado do Barão de Limeira, em São Paulo. Sem data. Fonte: Lemos, 1989, p.103.

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O sobrado primitivo apresenta beirais com cimalha saliente e decoração superficial restrita a

frisos horizontais a modo de entablamento, cunhais segmentados e sobrevergas

triangulares. Na nova proposta, acentua-se a ornamentação da fachada tanto no arremate

superior – com o agenciamento de platibanda sustentada por mísulas pareadas – como no

nos cunhais laterais. Os vãos, por sua vez, ostentam agora frontões, cimalhas e outros

motivos rebuscados e em alto relevo. Pese a manutenção das guilhotinas no térreo, as

janelas superiores exibem grandes peças de vidro e grades mais robustas aparentemente

em ferro fundido. Se antes predominavam estilemas de linguagem clássica ou pombalina

como o arco pleno e pilastras sugeridas sobre o fundo liso da fachada, agora a composição

encontra-se mais carregada com diferentes tipos de motivos decorativos.

A São Paulo da década de 1880 tem como marco arquitetônico o Palácio do Ipiranga

construído até 1882. O requinte de acabamentos e a composição controlada por cânones de

tratadistas – simetria, frontão, colunatas, ordens clássicas, arcos, bossagens – anunciam a

arquitetura dos anos vindouros. O efeito na arquitetura mais ordinária e residencial parece

se concretizar no código de posturas de 1886, que uniformiza os frontispícios, proíbe a

cumeeira perpendicular à calçada e regulamenta a profundidade das saliências nas

fachadas. Os gabaritos se associam ao receituário local de colagens de elementos de

composição arquitetônica, motivados tanto pelo saber popular dos mestres de obra italianos

como por álbuns e manuais importados. Passam a ser comuns as casas de porão alto com

bossagens de argamassa até a altura do soalho, construídas no alinhamento e ladeadas por

entradas laterais descobertas e providas de portões de ferro (Lemos, 1987, p.79-81; Lemos,

1989a, p.95).

No final do século XIX, os componentes das fachadas urbanas do interior paulista se

consolidam com a presença de elementos de tradição clássica tais como pilastras, capiteis,

cimalhas, platibandas, régulas, vasos, pinhas e bossagens. Acentua-se, ainda, o caráter

mural das fachadas através da prevalência de linhas retas, do equilíbrio entre cheios e

vazios e do ritmo compassado das aberturas. Também da época é a introdução das telhas

planas ditas de Marselha – há notícia da existência de olaria destas telhas, na capital

paulista, em 1886 – e o uso sistemático das venezianas nas esquadrias das janelas,

anteriormente usadas só em casas muito ricas com peças importadas da Europa (Lima,

2001, p.57-59; Lemos, 1987, p.81; Lemos, 1989a, p.54,186).

Tal seria o esboço das características da arquitetura do século XIX, centrado nas

tipologias civis. A maior disponibilidade de fontes faz-nos concentrar este estudo dos

pormenores arquitetônicos na região de São Paulo, com destaque para a capital. No caso

do Rio de Janeiro, há importantes informações sobre a caracterização da arquitetura civil do

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século XIX, mas falta uma maior determinação de referências cronológicas que pautem as

transformações. Entre as características do classicismo ou romantismo carioca do período

entre aproximadamente os anos de 1810 e 1870, destacam-se, como complemento ou

reafirmação dos elementos já referidos: no entablamento das platibandas, o aparecimento

de modilhões, mísulas, dentículos e óvulos; o arco pleno ou a verga reta em substituição ao

arco abatido; nas sobrevergas, festões de ornamentação fitomórfica, cuja execução,

anteriormente de massa de cal, passou a ser executada em pedra a partir da década de

1880, difundindo-se aos outros elementos decorativos e inclusive ao revestimento de fundo

da fachada; nas bandeiras de portas e janelas, a presença de pinázios retos ou sinuosos, de

variados desenhos; nos guarda-corpos das sacadas, a substituição dos pesados vergalhões

de seção circular por delgadas chapas ou vergalhões de seção quadrada; nas portas, as

folhas externas envidraçadas e as internas de almofadas, ambas abrindo à francesa; e,

finalmente, o crescimento paulatino dos pés-direitos (Santos, 1981, p.53-54,67-68). Sem

maiores pontuações com datas aproximativas, no entanto, fica difícil verificar com uma

maior precisão o momento das transformações e da introdução dos elementos.

Considerações finais

O período histórico em questão, no âmbito do século XIX, abrange um momento de

transição entre a arquitetura correntemente denominada ‘colonial’ e uma maior presença do

ecletismo. Identifica-se um momento de transformações graduais em que pouco a pouco

vão sendo introduzidas mudanças culturais acompanhadas de motivos arquitetônicos.

Estudos sobre o período em consideração têm apontado significativas alterações nas

formas de habitar e construir. Em outro de seus trabalhos, Lemos (1989b, p.44-47) associa

a presença da Corte portuguesa com a introdução de hábitos modernos e de novidades

decorrentes da Revolução Industrial, que se expressam na arquitetura através de novos

programas de necessidades, técnicas, elementos e materiais de construção. Também Reis

Filho (1970, p.117-119, 136-144.) assume a presença de “transformações de importância no

plano formal” e até mesmo de “um novo modo de organização dos espaços interiores”.

Finalmente, Luís Saia (2005, p.196-199) aponta uma série de inovações na arquitetura,

tanto no âmbito dos materiais e técnicas construtivas como no do agenciamento dos

programas.

Denominar o período que nos tange de ‘neoclássico’ se mostra inadequado para a

arquitetura civil corrente ou ordinária. O passado colonial ainda é perceptível e os motivos

classicizantes vão pouco a pouco sendo introduzidos. O recorte temporal politicamente

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motivado pela regência imperial tampouco é conveniente, uma vez que abrange as

primeiras décadas de um estilo eclético já bastante definido na medida em que se avança

na segunda metade do século XIX. Nesse sentido, parece-nos aceitável tomar este peculiar

período histórico como um momento de transição entre o colonial e o eclético.

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