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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU INSTITUTO A VEZ DO MESTRE “CASA” COMO ESTRUTURA EPIDÉRMICA E OBJETO SIMBÓLICO NA ARTETERAPIA EDUCACIONAL Por: Giovana Weber Periolo Orientador Profª Fabiane Muniz da Silva Rio de Janeiro 2009

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

“CASA”

COMO ESTRUTURA EPIDÉRMICA E OBJETO SIMBÓLICO NA

ARTETERAPIA EDUCACIONAL

Por: Giovana Weber Periolo

Orientador

Profª Fabiane Muniz da Silva

Rio de Janeiro

2009

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

“CASA”

COMO ESTRUTURA EPIDÉRMICA E OBJETO SIMBÓLICO NA ARTETERAPIA

EDUCACIONAL

Apresentação de monografia ao Instituto A Vez

do Mestre – Universidade Candido Mendes

como requisito parcial para obtenção do grau

de especialista em Arteterapia.

Por: Giovana Weber Periolo

Rio de Janeiro

2009

Para minha Mãe

Morada rica e secreta com ar fresco e

aparência translúcida,

que só vive em mim e onde eu entro às vezes,

buscando conforto, proteção, lucidez e

contínua transformação.

AGRADECIMENTOS

À minha mãe Zelândia Weber pelo apoio, carinho e presença constante.

À grande amiga Elisa Iop pelo apoio e incentivo em todos os momentos.

Ao professor Eduardo Dutra pelo apoio e incentivo em todos os momentos.

À grande amiga Daniela Karine Ramos pelas infindáveis trocas de idéias,

incentivo e exemplo.

À professora Fabiane Muniz da Silva pela orientação e acompanhamento.

RESUMO

O trabalho, em questão, intitulado “Casa – como estrutura epidérmica e objeto

simbólico na arteterapia educacional” foi aplicado na Escola de Educação Básica

Bom Pastor, Chapecó/SC, na 5ª série do ensino fundamental e 2ª série do ensino

médio. Traz como proposta uma auto-investigação onde serão buscados aspectos

significativos da vida do educando, bem como verificar se o objeto de estudo será

relevante enquanto significação para o processo criativo, proporcionando subsídios

para uma produção em artes. O processo foi constante, iniciado a partir do

conhecimento do aluno enquanto vivência de mundo, ampliando seu conhecimento

através de textos, imagens, técnica de relaxamento e produções plásticas. A “casa”

como símbolo e objeto desencadeador desse processo foi de fundamental

importância, pois é neste ambiente que se estabelecem as relações mais profundas,

um meio onde o aluno recebe suas primeiras noções e constrói simbologias do

mundo. As significações encontradas no processo foram relevantes tanto para o

auto-conhecimento como para uma investigação constante, uma vez que, até

mesmo após o projeto aplicado, os alunos ainda passam a perceber não só a si

mesmos, como também a compreensão em artes, bem como em outras áreas do

conhecimento.

Palavras-chave: Casa, Identidade, Visualidade Interior.

LISTA DE FIGURAS

Figura 1. “Banheiro com cadeirinha”, 1994. Acrílica sobre tela ................................. 14

Figura 2. Pai, 1996. Acrílica s/madeira, sabonetes, vidro, lâmina e tule ................... 15

Figura 3. Sem título, 1997. Tinta automotiva sobre madeira, vidros, absorventes,

linhas de bordado ....................................................................................... 16

Figura 4. P. N. – 11 anos. Ensino Fundamental (5ª série) ........................................ 25

Figura 5. R. S. R – 14 anos. Ensino médio (4ª fase) ................................................. 27

Figura 6. J. L. – 15 anos. Ensino médio (4ª fase) ...................................................... 27

Figura 7. A. S. – 15 anos (Ensino Médio) .................................................................. 29

Figura 8. “Eu quis representar o conforto da casa” (J. H. P., 10 anos) ..................... 35

Figura 9. S. J. – 11 anos ........................................................................................... 35

Figura 10. G. B. – 11 anos ........................................................................................ 35

Figura 11. M. S. – 15 anos ........................................................................................ 37

Figura 12: S. X. K. – 15 anos .................................................................................... 38

Figura 13. T., K., S., J. e M. (Ensino Fundamental) .................................................. 40

Figura 14: M., P., C., G., B. e P. (Ensino Fundamental) ............................................ 41

Figura 15. L.,C., D. e M. (Ensino Médio) ................................................................... 43

Figura 16. L.,C., D. e M. (Ensino Médio) ................................................................... 43

Figura 17. M., A., R. e A. (Ensino Médio) .................................................................. 43

Figura 18. M., A., R. e A. (Ensino Médio) .................................................................. 43

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 7

CAPÍTULO I - DA “CASA” FÍSICA À ONÍRICA E SUAS REPRESENTAÇÕES ....... 9

1.1 - A “casa” ............................................................................................................... 9

1.2 - Identidade ......................................................................................................... 11

1.3 - A expressão da identidade na arte contemporânea .......................................... 12

1.4 - Adriane Hernandez ........................................................................................... 13

CAPÍTULO II - O PROCESSO CRIATIVO NO ENSINO-APRENDIZAGEM............. 18

2.1 - Percursos do processo criativo ......................................................................... 18

2.1.1 - A semiótica ..................................................................................................... 19

2.1.2 - Da simbologia à representação ...................................................................... 20

2.1.3 – A representação partindo da associação ...................................................... 20

2.1.4 – A imaginação como veículo ........................................................................... 20

2.1.5 - Da casa à visualidade .................................................................................... 21

CAPÍTULO III - A “CASA” COMO REFERÊNCIA PARA O DESENVOLVIMENTO

DO PROCESSO CRIATIVO ...................................................................................... 23

3.1 - Situando os atores do processo criativo............................................................ 23

3.2 - O caminho da “casa” ......................................................................................... 23

3.3 - Percebendo a “casa” ......................................................................................... 24

3.4 - Apresentando a “casa” ...................................................................................... 39

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 45

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 49

ANEXOS ................................................................................................................... 51

INTRODUÇÃO

O trabalho, em questão, intitulado “Casa – como estrutura epidérmica e

objeto simbólico na arteterapia educacional” tem como referência a produção

artística desenvolvida na minha graduação em Educação Artística – Habilitação em

Artes Plásticas.

Através de um processo de auto-investigação, percebi que todas as

lembranças, os sentimentos, as saudades e principalmente a referência para a

produção, partiram da nossa própria história de vida. Essa que surgiu primeiro

dentro de nós, segundo dentro de nossa casa, no seio da família. Todo este

universo estava situado em um determinado espaço, a casa, fornecendo todo o

suporte necessário para a evolução de uma auto-investigação.

Nosso crescimento tanto físico quanto intelectual tem grande

desenvolvimento no ambiente familiar, na casa ou em um ambiente qualquer que

definimos por casa. Este é o espaço das relações servindo de subsídios para uma

auto-investigação trazendo aspectos significativos da identidade.

A obra do filósofo Gaston Bachelard “A poética do espaço” traz grandes

significações quanto ao objeto de estudo aqui proposto. Nesta obra está

referenciada a casa, não só enquanto um espaço físico, mas também onírico amplo

em simbologias, sendo de fundamental importância para a reflexão dos alunos no

processo.

A artista Adriane Hernandez também nos auxiliou enquanto reflexão – no

que diz respeito à linguagem plástica – a partir de sua tese de mestrado intitulada

“Espaços íntimos: uma poética referenciada no cotidiano feminino”. Seu trabalho

parte do espaço casa, chegando no íntimo do indivíduo.

O presente projeto foi aplicado na Escola de Educação Básica Bom Pastor,

na cidade de Chapecó-SC, 5ª série do ensino fundamental e 2ª série do ensino

médio.

O processo criativo é o elemento norteador do projeto. Para o mesmo parte-

se do conhecimento do próprio aluno onde ele busca subsídios para sua produção

em artes na auto-investigação, ou seja, na sua própria identidade ampliando o

conhecimento no decorrer do processo e concretizando com uma produção plástica.

Para chegar nesta auto-investigação e necessário trabalhar com o sensível.

8

Sendo assim, a partir do conhecimento que o aluno já possui de mundo, pode-se,

através de uma metodologia, ampliar o conhecimento, bem como as significações

associadas ao objeto de estudo “casa”. Serão utilizados neste processo textos que

fala a respeito da casa, seus espaços e suas significações; imagens de um trabalho

plástico já executado a partir do espaço “casa”, técnica de relaxamento como

ferramenta para auto-percepção, relatos escritos e produção plástica propriamente

dita feita pelos alunos.

Para a coleta de dados utiliza-se relatos escritos, produções plásticas, bem

como fotografia.

A análise do processo será feita com base nas associações e suas

significações demonstradas no processo e através dos relatos.

O presente projeto se apresenta em três capítulos. O primeiro trazendo os

conceitos e as significações da casa; as relações da casa a identidade de cada um,

como isso tem sido visto pela arte contemporânea e a artista que nos auxiliou

enquanto reflexão. O segundo a fundamentação teórica referente às análises, um

apanhado das leituras e seus significados através de signos, simbologia e

associações, e o terceiro a aplicação e as análises do processo.

O projeto proposto é de fundamental importância, pois, propõe uma inversão

no que diz respeito a metodologia de ensino normalmente utilizada nas aulas de

artes, que se utiliza de referenciais de artistas e suas produções, seja ele no

contexto histórico, cultural ou biográfico.

Também possibilita o aluno a perceber a si mesmo, refletindo sobre sua

identidade num contexto histórico, social, familiar e ainda individual, bem como

mostrar isso ao mundo de alguma forma, podendo concretizar através da arte.

CAPÍTULO I

DA “CASA” FÍSICA À ONÍRICA E SUAS REPRESENTAÇÕES

1.1 - A “casa”

Quando nascemos, somos levados a um determinado espaço onde

chamamos de casa, passamos toda nossa vida ligada a ela, seja pelos nossos pais

ou por nós mesmos.

Segundo Bueno (1996, p. 126), Casa significa moradia; vivenda; mansão;

lar; habitação.

Porém esta casa vai do concreto ao simbólico, onde partimos da estrutura

física e chegamos a uma estrutura simbólica onírica.

Referente ao simbólico diz Jung (1996, p. 20):

O que chamamos símbolo é um termo, um nome ou mesmo uma imagem que nos pode ser familiar na vida diária, embora possua conotações especiais além do seu significado evidente e convencional. Implica alguma coisa vaga, desconhecida ou oculta para nós.

Inicialmente o convencional é o concreto, ou “Casa” é a sua estrutura como

paredes, portas, janelas, telhado, cômodos e objetos.

Mas a “Casa” como morada vai além do concreto, ela possui um espaço

ilimitado que abriga nossas alegrias, medos, problemas e soluções. Em um

determinado momento da vida, nós a escolhemos, mesmo não estando em uma

casa da qual não gostamos, escolhemos parte dela para chamar de casa podendo

ser um espaço, uma vontade, um devaneio, e ainda assim será uma casa.

Neste espaço habitará tudo o que quisermos e nossa imaginação e vontade

permitir. Nela existirá refletido os mais profundos segredos, as mais secretas

vontades, os nobres valores e as mais fortes indignações.

Gaston Bachelard (1998), filósofo e pesquisador da imaginação poética,

escreveu “A poética do espaço”, uma obra na qual se fez nascer este projeto, pois

ele faz referência direta à casa física com a onírica1 fornecendo subsídios para uma

grande e infinita pesquisa do sujeito, partindo da simbologia “Casa”.

1 Tem-se onírico relacionado ao não palpável. Ex. sentimentos como amor, saudades, medo, etc.

10

Segundo Bachelard (1998, p. 25):

Todo espaço habitado traz a essência da noção de casa... Ela mantém o homem através das tempestades do céu e das tempestades da vida. É corpo e é alma. É o primeiro mundo do ser humano. Antes de ser jogado no mundo, ... o homem é colocado no berço da casa. E sempre nos nossos devaneios ela é um grande berço.

Através de uma pesquisa fenomenológica2, são feitas, profundas relações

de espaço físico e onírico da casa, para ele existem relações diretas e inseparáveis

no que diz respeito ao sujeito e seus conflitos, crescimento, e descobrimento

enquanto pessoa. Traz a casa como o próprio sujeito, pois segundo Bachelard

(1998, p. 36) “a casa nos fornecerá simultaneamente imagens dispersas e um corpo

de imagens”.

Este grande fenomenólogo traz uma visão de casa de um modo poético e

verdadeiro, “casas dentro de casas”. Faz uma simbologia da casa enquanto

indivíduo e traz a dialética da inspiração através da imagem do devaneio, a imagem

poética.

Para Bachelard (1998, p. 6):

As dialéticas da inspiração e do talento tornam-se claras quando consideramos os seus dois pólos: a alma e o espírito. Em nossa opinião, alma e espírito são indispensáveis para estudarmos os fenômenos da imagem poética em suas diversas nuanças, para que possamos seguir, sobretudo a evolução das imagens poéticas desde o devaneio até a sua execução... o devaneio é uma instância psíquica que muitas vezes se confunde com o sonho. Mas quando se trata de um devaneio poético, de um devaneio que frui não somente de si próprio, mas que prepara gozos poéticos para outras almas, sabemos que não estamos mais no caminho fácil das sonolências. O espírito pode relaxar-se; mas no devaneio poético a alma está de vigília sem tensão. Repousada e ativa. Para fazer um poema completo, bem estruturado, será preciso que o espírito o prefigure em projetos, não lhe é necessário mais que um movimento da alma. Numa imagem poética a alma afirma a sua presença.

É muito relevante a maneira como o autor faz significações dos espaços às

sensações buscando relacionar cada espaço da casa com uma determinada

sensação, sentimentos, e devaneio poetizando o todo. No porão ele encontra os

temores inconscientes, no sótão a coragem.

Diz ainda: “No sótão, os medos ‘racionalizam-se’ facilmente. No porão..., a

2 Fenomenologia segundo Loubet (1993, p. 19) “... trata-se em fenomenologia, de descrever e não explicar, isto é, deixar que o sentido se aproxime e não reduzi-lo a causas ou funções, sejam elas psicológicas ou outras”.

11

racionalização é menos rápida e menos clara, nunca é definitiva. No sótão, a

experiência diurna pode sempre dissipar os medos da noite. No porão, há trevas dia

e noite” (BACHELARD, 1998, p. 37).

O teto da casa revela a razão de ser, protegendo, abrigando o homem como

uma auto-defesa.

O autor além de referenciar a casa, traz objetos que pertence a esta, e faz

relações significantes como a gaveta enquanto conceitos, os armários como

espaços íntimos, os cofres como aquilo que não se quer deixar tocar e descobrir,

lugares onde realmente guardamos uma simbologia de intimidade.

A este respeito Bachelard (1998, p. 89): “Os conceitos são gavetas que

servem para classificar os conhecimentos vividos”. Continua Bachelard (1998, p. 91):

“O espaço interior do armário é um espaço de intimidade, um espaço que não se

abre para qualquer um”.

Os móveis complexos construídos pelo operário são o testemunho sensível de uma necessidade de segredos, de uma inteligência do esconderijo. Não se trata de guardar a sete chaves um bem. Não há fechadura que resista à violência total. Toda fechadura é um convite para o arrombador (BACHELARD, 1998, p. 95).

O autor se utiliza da associação como uma forma de concretizar o invisível

com um olhar significativo através da simbologia.

1.2 - Identidade

Ao nascermos somos diretamente inseridos num contexto social cultural3 em

constante transformação. Crescemos com determinados valores que nos é passado

de pai para filho dando sustentação a uma formação social determinante formando

nossa personalidade e caráter. Um meio multicultural, uma vez que o indivíduo está

inserido em um grupo social onde passa a relacionar-se com várias pessoas de

diferentes identidades culturais. Estas, estão em constante mudança através da

interferência do próprio meio.

A esse respeito Hall (2001, p. 12-13):

3 Entende-se por cultural: relativo à cultura, ou seja, costumes e valores de uma sociedade.

12

A identidade torna-se uma “celebração móvel”: formada e transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam. É definida historicamente, e não biologicamente. O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que não são unificadas ao redor de um “eu” coerente. Dentro de nós há identidades contraditórias, empurrando em diferentes direções, de tal modo que nossas identificações estão sendo continuamente deslocadas... A identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é uma fantasia. Ao invés disso, à medida em que os sistemas de significação e representação cultural se multiplicam, somos confrontados por uma multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possíveis, com cada uma das quais poderíamos nos identificar – ao menos temporariamente.

A mobilidade da identidade nos torna muitas vezes contraditórios e

confusos, bem como, diferentes em cada situação. Para melhor análise é necessária

uma auto-observação investigativa, onde poderemos perceber os elementos

constituintes da identidade através das relações em cada situação.

1.3 - A expressão da identidade na arte contemporânea

A arte em todo o seu trajeto apresentou características específicas tais

como, representação da natureza, retratos, aspectos políticos e religiosos, uso de

objetos, ocupação de espaço, instalação.

A partir dos anos 60, intensifica-se uma busca do referencial nas produções

em artes a partir do próprio artista e não mais partindo do externo. Até então,

buscava-se a representação daquilo que se via ou imaginava, mas somente no

modernismo os artistas deixaram transparecer as suas identidades em seus

trabalhos, passaram a inserir a sua própria imagem como também produzir a partir

dele mesmo enquanto parte integrante de toda uma história de um século. Podemos

aqui citar como exemplo a produção de Leonilson, onde através de um trabalho

plástico fantástico, faz alusão a sua própria pessoa e sua indignação frente a todo

um sistema. Outra grande artista e que fez referência à aplicação do projeto em

questão foi a gaúcha Adriane Hernandez em seu trabalho espaços íntimos onde faz

uma representação a partir de sua própria vida íntima.

Neste momento da história da arte a busca por objetos para significação do

invisível se torna muito forte. Após os “ready-mades” (já feitos) por Marcel Duchamp

a apropriação de objetos industriais deu um novo contexto à arte, uma vez que

desfuncionalizou a arte até então existente desviando o olhar do leitor para o artista

13

em questão mais que sua própria produção, bem como para um novo cotidiano.

Nesse sentido

Farias (2009) “demonstrou que a produção de novos sentidos, o interesse

estético, não são coisas que se esgotem no objeto instituído como artístico, e

também que a arte é uma prerrogativa de quem olha, não necessariamente de quem

fez”.

Esta nova fase vem aproximar o leitor do artista através da identificação ao

objeto, como uma forma de ver a si mesmo ou buscar o significado através do

indivíduo pela sua representação.

A arte contemporânea vem dar um novo aspecto às artes visuais e traz o

indivíduo como fator dominante de seus trabalhos. Hoje no que se refere às artes

visuais fica bem evidente a identidade do artista em muitas produções, o que exige

do leitor uma leitura mais complexa. Aqui não mais fica desapercebido o artista, mas

sim evidente a sua pessoa no trabalho plástico.

1.4 - Adriane Hernandez

“Espaços íntimos: uma poética referenciada no cotidiano feminino”.

Artista Plástica, brasileira do estado do Rio Grande do Sul, atualmente

reside na cidade de Curitiba/PR.

Possui seu trabalho baseado em sua memória afetiva, diretamente ligado a

14

identidade feminina.

A artista parte da observação, privilegiando desde cedo os espaços da

intimidade, focalizando num primeiro momento a casa num processo constante

metonímico4.

O início do seu trabalho foi através do banheiro, um espaço com referência

na sua infância representado pela pintura.

Segundo Hernandez (1998, p. 6):

Esta pintura gestual aos poucos vai dando lugar a outra, que se preocupa com a organização do espaço bidimensional, com a “pureza” das cores, com a identidade das figuras, com a pesquisa plástica e teórica... estava na representação de um único objeto, mas que, num processo metonímico, permite-nos conceber o todo de um banheiro.

Figura 1. “Banheiro com cadeirinha”, 1994. Acrílica sobre tela.

4 Metonímico designa-se neste caso a forma como a artista representa sua produção plástica, bem como teórica metaforizando os significados ou seja, segundo Bueno (1996, p. 429) “uma figura (de linguagem ou plástica) que consiste em designar uma coisa com o nome de outra, que com ela tem relação imediata”.

15

A relação que a artista faz com o espaço banheiro é uma representação de

si mesma onde, de uma forma metafórica, utilizou-se do silêncio como uma

simbologia do seu eu.

Neste momento da investigação, a artista percorre algumas necessidades

básicas do ser humano como, privacidade, medo (no que se refere ao fator sexual),

chegando aos limites do silêncio, fechando o ciclo novamente na privacidade.

Segundo Hernandez (1998, p. 8): “Busco estes referenciais na vivência

pessoal, em fatos que foram de tal forma marcantes que influenciaram na formação

da personalidade. Algo que se localiza não apenas na memória, mas é parte

integrante de uma identidade”.

A artista em uma nova fase passa a utilizar objetos industrializados enquanto

signos significativos. É uma nova etapa no processo, onde o trabalho ganha um

maior enfoque no que diz respeito à intimidade feminina e a problemática

investigada pela artista, ou seja, a mulher nos espaços íntimos do cotidiano.

Figura 2. Pai, 1996. Acrílica s/madeira, sabonetes, vidro, lâmina e tule.

O uso de objetos que fazem alusão ao contato direto com o corpo como

sabonetes, lâminas, são utilizados na produção plástica. A pintura ainda se faz

presente em parte do trabalho pela cor azul, numa simbologia significante de parte

16

do íntimo.

Quando criei este trabalho, tomei como referência a lembrança que tinha de meu pai se barbeando. Mas o pincel de barba, que rapidamente poderia remeter ao masculino, não está presente. Assim, ficou registrada uma certa ambigüidade, que faz com que se possa enxergar, no triângulo formado pelo tule com os sabonetes, um púbis feminino (HERNANDEZ, 1998, p. 11).

Um fator importante de representação5 e referência é a apropriação de

objetos para o trabalho plástico, fazendo associações dos mesmos ao sensível,

relacionando o concreto ao onírico, como acima, onde relaciona os sabonetes aos

órgãos sexuais e a limpeza e logo abaixo, relacionando algo que se quer guardar.

A investigação segue uma interiorização cada vez mais profunda, revelando

de instante a instante os sentimentos, fazendo associações com objetos do

cotidiano.

Temos o exemplo na próxima imagem, onde são colocados absorventes

dentro de vidros de temperos, objetos de uso cotidiano (em maior parte feminino).

“A utilização de materiais prontos, além de resultar num melhor acabamento,

enfatizam com maior força a idéia de doméstico e de cotidiano” (HERNANDEZ,

1998, p. 33).

Figura 3. Sem título, 1997. Tinta automotiva sobre madeira, vidros, absorventes, linhas de bordado.

5 Tem-se representação como sinônimo de signo, abordado no próximo capítulo.

17

Adriane Hernandez de uma forma poética exterioriza através de uma

simbologia representativa parte de sua identidade, através de um processo

constante de auto-investigação. Faz reflexões críticas não só a si mesma, mas de

todo um sistema no qual cresceu. Buscou subsídios para o seu trabalho em artistas

que para ela são de forte identificação enquanto auto-investigação e formas de

linguagem, como por exemplo, Louise Bourgeois, José Leonilson, Jeanete Musatti.

Sua produção vai do bidimensional ao uso do objeto e instalação e ainda

hoje Adriane segue no trabalho plástico investigativo/costrutivo onde a principal

referência para produção é a sua memória, o que vem de encontro ao projeto

proposto.

CAPÍTULO II

O PROCESSO CRIATIVO NO ENSINO-APRENDIZAGEM

O principal elemento para uma produção artística é o processo criativo, uma

busca de si mesmo para um entendimento do todo, através de representações

simbólicas. O ensino da arte é muito importante no desenvolvimento do processo

criativo do educando, tanto na disciplina de artes quanto nas demais, pois propicia o

desenvolvimento não só artístico, mas também perceptivo, cultural, imaginativo,

sendo de fundamental importância para o indivíduo pertencente a uma sociedade

complexa.

A natureza criativa do homem se elabora no contexto cultural. Todo indivíduo se desenvolve em uma realidade social, em cujas necessidades e valorações culturais se moldam os próprios valores de vida. No indivíduo confrontam-se, por assim dizer, dois pólos de uma mesma relação: a sua criatividade que representa as potencialidades de um ser único, e sua criação que será a realização dessas potencialidades já dentro de uma determinada cultura (OSTROWER, 1987, p. 5).

Segundo Bueno (1996, p. 172), processo significa seguimento, e criar tem

como significado produzir, transformar. Então neste caso, processo criativo, diz

respeito ao seguimento de uma produção partindo do potencial humano, seja em

artes ou qualquer outra área, tendo como finalização no projeto proposto, a

produção artístico-plástica.

Produzir neste contexto é apresentar algo por meios de signos, partindo de

uma leitura de mundo através da percepção, utilizando-se de meios como forma

(através de objetos), cor, cheiros, sensações, e o sensível, para assim através da

simbologia e associações chegar à representação.

2.1 - Percursos do processo criativo

O principal enfoque deste trabalho será dado sob o aspecto do processo

criativo iniciando na percepção, fazendo associações numa forma simbólica, para

então executar uma apresentação numa forma representativa plástica, uma vez que

perceber tudo, todos e principalmente a si mesmo é fundamental para o processo

proposto no presente projeto.

19

Para Ostrower (1987, p. 5):

As formas de percepção não são gratuitas nem os relacionamentos se estabelecem ao acaso... nós os orientamos de acordo com expectativas, desejos, medos, e sobretudo de acordo com uma atitude do nosso ser mais íntimo, uma ordenação interior. Nessa busca de ordenações e de significados reside a profunda motivação humana de criar.

O processo criativo é contínuo e infinito, pois o homem possui seu potencial

e este está em constante modificação. Os valores, os conceitos e pré-conceitos, o

cotidiano, as relações, nos serve de subsídios para a inquietude de conhecer, de

descobrir. Mas necessitamos muitas vezes de algumas ferramentas que nos

direcionem nesta descoberta como, por exemplo, signos, simbologia, representação,

associação, imaginação, visualidade.

Veremos cada uma a seguir.

2.1.1 - A semiótica

Cada indivíduo possui um mundo simbólico com base nos signos da sua

identidade cultural e social.

Temos como signo aquilo que delegamos como representação de algo, seja

ele concreto ou onírico. Segundo o filósofo norte americano Charles Sanders Pierce

(apud MARTINS, 1998, p. 39):

... um signo é alguma coisa que representa uma outra coisa: seu objeto (idéia ou coisa) para alguém sob algum aspecto ou qualidade. Tanto a palavra quanto o desenho ou o esquema, a fotografia ou a escultura de um carro não são o próprio carro. São signos dele, um representante. Cada um deles, de um certo modo, representa a realidade carro. Para que o signo seja utilizado/manejado por nós como signo de algo, ele tem de ter esse poder de representar, ou seja, estar no lugar do objeto, para torná-lo presente a nós através de uma presença.

Nosso pensamento, nossas linguagens são construídos de representações

formando o que chamamos de mundo simbólico, uma vez que, o que registramos,

são representações e não o objeto em si.

20

2.1.2 - Da simbologia à representação

Ao nos apropriarmos de signos, os apresentamos em uma forma

representativa. Um bom exemplo é a obra literária de Bachelard “A poética do

espaço”, onde ele apresenta os sentimentos numa forma representativa de cômodos

e objetos de uma casa.

Segundo Kaczmarek (1986, p. 88 apud SANTAELLA, 2001, p. 18):

Enquanto o referir-se é um ato de remetimento ao mundo, representar significa apresentar algo por meio de algo material distinto de acordo com regras exatas, nas quais certas características ou estruturas daquilo apresentado devem ser expressas, acentuadas e tornadas compreensíveis pelo tipo de apresentação, enquanto outras devem ser conscientemente suprimidas.

A representação aqui tem o foco diretamente ligado à apresentação do

onírico e/ou do físico de uma forma concreta/física que neste caso é uma produção

em artes.

2.1.3 – A representação partindo da associação

Segundo Ostrower (1987, p. 20): “... as associações compõem a essência de

nosso mundo imaginativo. São correspondências, conjeturas evocadas à base de

semelhanças, ressonâncias íntimas em cada um de nós com experiências anteriores

e com todo um sentimento de vida”.

Quando trabalhamos com o sensível chegamos a um mundo imaginário,

único e com as associações podemos dar vida a este mundo através da

representação.

Aqui a simbologia é de fundamental importância uma vez que é necessária a

presença dos signos para a construção da associação.

2.1.4 – A imaginação como veículo

Quando imaginamos partimos daquilo que conhecemos (signos), nossa

simbologia de mundo.

Segundo Loubet (1993, p. 126) “O sentido tradicional de imaginação adotado

21

pelos filósofos e psicólogos do século XIX é de origem aristotélica: imaginação como

faculdade intermediária entre a percepção e a abstração das idéias universais”.

Este espaço imaginativo, não possui limites, possibilitando a formação de

novas imagens, ficando “o limitado”, somente para a representação.

Nesta imaginação aparecerá através da simbologia características da

identidade do aluno tendo este momento como libertação total dos desejos,

sentimentos, vontades, um momento onde criará seus próprios signos.

Neste caso Loubet (1993, p. 126):

Falamos de imagem-representação mental ou da consciência. Ela pode ser reprodutiva, apresentada pela memória ou no sonho, derivada de uma sensação ou de uma percepção e pode ser dita visual, auditiva, tátil, gustativa, dependendo do sentido da qual deriva.

O filósofo Bachelard em sua obra “A poética do espaço” parte do devaneio

imaginativo como veículo para a percepção associativa, onde através de uma

simbologia o indivíduo perceba a si mesmo.

Então tem-se como um processo criativo em artes, o ato de sensibilizar

através da imaginação para uma percepção associativa, fazendo com que através

da simbologia o educando tenha ferramentas para uma representação plástica.

2.1.5 - Da casa à visualidade

Fazemos leitura de imagem o tempo todo, seja pela TV, outdoors, revistas,

placas, enfim estamos mergulhados num mundo visual. O educador em artes deve

orientar os seus alunos quanto à leitura, uma vez que não devemos aceitar imagens

de qualquer jeito e sim sermos críticos quanto à informação que nos é passada,

buscando significação.

A casa é de fundamental importância, uma vez que ela por si só, já possui

seus significados. Quando a utilizamos como objeto desencadeador estamos

falando em ter a oportunidade de através da visibilidade chegar à visualidade. Ou

seja, fazer uma leitura significativa e poder ver não só exteriormente, mas,

interiormente se inserindo no contexto.

A respeito da visibilidade Buoro (2002, p. 46) cita:

22

À medida que a visibilidade ativa um repertório constituído e captado por um olhar sensível, configurado pela obra de arte, ela abandona a mera condição de atributo do mundo externo e passa a existir na interação entre realidade interior versus realidade exterior, participando como competência incorporada pelo sujeito em seu contato com o mundo.

Mas a casa vai além da visibilidade, pois, oportuniza a leitura interior não só

no contexto físico mas, onírico, trazendo significações afetivas, bem como a

percepção de si dentro de um contexto, ou seja, a visualidade.

A esse respeito Buoro (2002, p. 53) fala:

O que se manifesta nesse momento é o que entendemos por “visualidade”, ou seja, a capacidade de ativação e elaboração de imagens mentais oriundas de estímulos visuais do mundo externo. Nesse sentido a visibilidade é estimuladora da construção de uma competência para a visualidade. A fantasia do artista é predominantemente elaborada no contato significativo com as imagens do mundo externo, as do mundo interno e as produções pela cultura, incluindo-se a arte, no cruzamento de ambas as realidades, Imagens em que se investe tempo de observação, reflexão e que possibilitam o afloramento de uma pluralidade de percursos, na busca da multiplicidade de sentidos.

A visualidade proporciona ao educando subsídios simbólicos significativos

para uma reflexão dos elementos constituintes da sua identidade. É um momento

onde a realidade do mundo interior é percebida e analisada num paralelo com a

inserção no mundo exterior.

CAPÍTULO III

A “CASA” COMO REFERÊNCIA PARA O DESENVOLVIMENTO DO PROCESSO

CRIATIVO

3.1 - Situando os atores do processo criativo

O Estágio foi feito na Escola de Educação Básica Bom Pastor, localizada na

rua Fernando Machado, na cidade de Chapecó, pertencente ao sistema estadual de

educação do Estado de Santa Catarina, na 5ª série do ensino fundamental e na 4ª

fase do ensino médio.

As aulas do Ensino Fundamental e Médio foram planejadas levando-se em

consideração o nível dos alunos (5ª série, 4ª fase), sendo a carga horária para a

realização do estágio que eram de oito (8) horas/aula no ensino fundamental e

quatro (4) horas/aula no ensino médio.

3.2 - O caminho da “casa”

A primeira parte do projeto proposto foi o diagnóstico, colhido através de

uma investigação prévia feita na escola em todos os sentidos, espaços físicos,

instrumentação para trabalho, alunos, normas da escola, Plano Político-Pedagógico.

Os dados foram fornecidos pelos funcionários e diretores da escola com

muito préstimo, bem como, através do contato com as professoras da disciplina que

abriram suas portas permitindo a minha participação em algumas aulas para um

maior contato com os alunos.

Esta etapa foi muito importante para o projeto, pois possibilitou um melhor

planejamento das aulas.

As aulas foram planejadas seguindo as etapas:

Investigação – A busca de subsídios para um processo criativo, a partir do

conhecimento prévio do objeto de estudo “casa”.

Processo criativo – Investigação constante do objeto de estudo “casa”,

através do auxílio de questionários, textos e técnica de relaxamento.

Produção plástica – Realização, socialização e discussão de produções

plásticas.

24

Em todos os momentos foram feitos relatos orais, escritos e registros

fotográficos.

3.3 - Percebendo a “casa”

Através do contato com a palavra “casa”, investiguei o que os alunos

compreendem quando pensam sobre este signo, bem como, se reconheciam

elementos significativos que pudessem associar a sua identidade cultural na imagem

que projetam ao refletir sobre o signo “casa”. O processo foi realizado oralmente,

sendo posteriormente construído um relato escrito, onde foi solicitado o que os

alunos conheciam referente à palavra “casa”, o que compunha e que relação fazem

de si mesmo com a mesma (Anexo A).

Como os alunos já me conheciam, uma vez que ministrei aulas no ano

anterior nesta escola, iniciei as aulas com a apresentação do signo do objeto de

estudo: a palavra “Casa” que foi escrito no quadro.

Muitas foram as respostas, como por exemplo: “É o lugar onde a gente

mora”, “É um lugar onde podemos comer, dormir, nos proteger”, “É o lugar aonde eu

durmo, jogo no computador, tomo banho, “É o lugar que tem minha família, meu

quarto, meu cachorro”.

Os alunos do ensino fundamental nesta fase do processo demonstraram

verbalmente o que eles conheciam a respeito da casa. A relação que os alunos

fizeram de “Casa” foi 80% físico, externo, pois somente três alunos expressaram os

sentimentos com relação ao objeto de estudo.

Casa significa que é um lugar para viver, para dormir, para assistir, etc., minha casa é bonita, é legal tem espaço para brincar, jogar bola, tem televisão, som, telefone, cama, sofá, etc. Tem cômodos, sala, quarto, banheiro, cozinha, garagem, dispensa. Eu gosto mais do meu quarto porque é a onde eu descanso. Eu não gosto do meu guarda-roupa porque eu divido com a minha irmã. Eu mudaria a garagem porque ela ocupa muito espaço. A minha casa é agitada, e um pouco bagunçada, porque eu sou assim (B. H. M., 10 anos).

A reflexão em torno da mesma, como uma forma de ampliar o conhecimento

ou a investigação daquilo que se conhece, aconteceu posteriormente, com auxílio

dos textos e das aulas dialogadas.

Já no ensino médio metade da turma fez relação do objeto de estudo com

25

aspectos oníricos revelando a importância dos sentimentos, das sensações e a

inquietude quanto a sua própria identidade. O que abrangeu o campo da

significação, pois eles não só perceberam a casa enquanto paredes, portas, teto,

mas perceberam a si mesmo e as pessoas que ali vivem, através dos sentimentos.

Casa é o lugar onde moro, meu retiro, pois é ali que me sinto bem, segura, significa união, pois é onde me reúno com minha família, envolvendo todo tipo de sentimento. E é também onde me encontro com meus amigos, portanto, é um lugar com muita energia positiva pra mim, pois minha casa está sempre cheia e eu gosto disso (J. L., 15 anos).

Após este primeiro contato, tanto no ensino médio, como no fundamental, os

alunos deveriam fazer uma produção bidimensional representando aspectos

referentes ao conhecimento prévio do objeto de estudo “casa”, podendo se basear

nas respostas elaboradas a partir do questionário realizado na aula anterior.

Tendo em vista o tempo (que justamente neste dia foi mais curto) os alunos

levaram suas produções para terminar em casa, para trazerem na aula seguinte.

Na produção os alunos usaram materiais diversos, lápis de cor, canetinha de

hidrocor, giz de cera, tinta guache, recorte e colagem, conforme a linguagem

escolhida por cada um.

Figura 4. P. N. – 11 anos. Ensino Fundamental (5ª série).

Fonte: Arquivo pessoal.

26

Na figura 4 a aluna desenhou um guarda-roupa à esquerda da folha onde

percebe-se roupas de diversos tipos, biquínis, e dois pares de calçados, cada duas

peças estão conseqüentemente em uma prateleira do móvel, bem como no lado

direito do mesmo podemos ver um mural decorado com luas, estrela e coração. Ao

centro podemos perceber uma mesinha onde encontra-se sobre a mesma um

caderno um lápis e um objeto parecendo ser um estojo ou talvez uma borracha. E

por fim ao lado direito uma cama com dois travesseiros. A colcha e os travesseiros

estão decorados com estrelinhas. O que nos remete ao espaço quarto.

As representações do ensino fundamental foram basicamente dois tipos:

uma representando objetos (móveis, objetos individuais como mural de fotografias,

ursinho de pelúcia, travesseiro, etc.) e outra os espaços (cômodos da casa), não

aparecendo aqui neste momento a representação onírica.

O aluno neste momento fez sua produção, refletindo imageticamente sobre

aquilo que ele conhece a partir das suas vivências de mundo.

Sobre esse respeito Dorfles (1987, p. 25 apud MARTINS, 1998, p. 128),

“toda nossa capacidade significativa, comunicativa e fruitiva é baseada em

experiências vividas – por nós ou por outros antes de nós –, mas, de qualquer modo,

feitas nossas”.

Ainda nesse sentido Bachelard (1998, p. 63) “Com efeito a casa é, a primeira

vista, um objeto rigidamente geométrico. Somos tentados a analisá-la racionalmente.

Sua realidade inicial é visível e tangível”.

Já no ensino médio a insegurança quanto ao desenho foi explícita, muitos

alunos disseram “não sei desenhar”, ou, antes disso, “o que vou fazer?”.

Temos a fala:

“Professora eu não sei desenhar uma sala direitinha, bonita...” (L. N., 14

anos).

Na produção os alunos buscaram representações figurativas como

desenhos da parte externa da casa, plantas-baixa do espaço físico, cômodos e

objetos. Preferindo não abstrair por receio de ficar “feio”. O medo de como

representar estava nítido, pois se vê uma questão muito forte ligado à estética, ao

belo.

27

Figura 5. R. S. R – 14 anos. Ensino médio (4ª fase).

Fonte: Arquivo pessoal.

Figura 6. J. L. – 15 anos. Ensino médio (4ª fase).

Fonte: Arquivo pessoal.

Na figura 5 o aluno produziu um espaço da casa onde podemos perceber

um grande tapete central com um sofá ao lado esquerdo, um grande no lado

superior e dois menores ao lado direito, ainda ao lado direito temos um móvel, onde,

suas linhas vão do canto inferior direto até a altura onde termina o sofá no lado

superior. Possui um objeto sobre o móvel. Abaixo podemos perceber um objeto

quadrado com um traço diagonal nos remetendo a alusão de uma TV e seu fio. No

espaço superior da folha temos três grandes janelas indo de um lado a outro da

folha expandindo o espaço. No interior das janelas está a cor azul nos dando a

28

impressão de vidros e conseqüentemente a imagem do céu.

Na figura 6 temos a imagem de um móvel na cor verde, seu lado esquerdo é

diagonal a linha horizontal de todo o resto do móvel. Percebe-se que no espaço

superior do móvel tem uma faixa da cor marrom detalhando o final do espaço vertical

do mesmo. No canto inferior direito do móvel temos um frigobar e sobre o móvel

uma TV e um aparelho de som. Os três objetos estão na mesma cor (cinza). O

móvel está centralizado na folha e a aluna reduziu o espaço da mesma com linhas

tendo um quadrado dentro da folha e dentro deste o móvel.

Percebemos neste momento o nível de compreensão estética do aluno, ou

seja, de que forma este aluno faz suas leituras de imagem. Nos deparamos com

alunos que buscam a realidade, o figurativo, baseado naquilo que julgam ser

verdade.

Pillar (2001, p. 27), abordando a classificação dos estágios da compreensão

estética proposta por Abigail Housen diz a respeito:

Segundo estágio: Constructive (construtivo)... Seu objetivo é edificar algum tipo de estrutura para ler. Como esta estrutura é formada por reflexões acerca de sua própria vida, ele tenta descobrir como o trabalho de arte se encaixa naquilo que ele já conhece sobre o mundo.

Diferente do ensino fundamental o ensino médio buscou não só aspectos

físicos a partir da palavra casa, mas também aspectos oníricos como sentimentos,

sensações.

Na figura 7 podemos perceber no espaço superior do desenho um sofá de

três lugares, uma pessoa no lado inferior esquerdo e uma logo abaixo do sofá no

lado direto. Abaixo, bem ao centro temos um objeto quadrado com uma antena nos

remetendo à TV. E ao centro, bem como em cima do sofá há palavras não

identificadas, pois o que podemos ver são vogais e consoantes, mas, sem nenhum

sentido aparente à língua portuguesa. O fundo da produção tem várias cores num

degradê do marrom e o uso do preto ao centro e no desenho acima deste.

29

Figura 7. A. S. – 15 anos (Ensino Médio).

Fonte: Arquivo pessoal.

A sala para mim é muito legal, pois nela fala-se tudo, bom no desenho mostra a sala, quer dizer, os objetos que deixam ela interessante pra mim. Sofá, confortável, aconchegante, ótimo para mm. As figuras de pessoas representam o movimento, que é seguido por letras que representa muita fala, conversa (relações). A televisão que representa a comunicação que é tida na sala, coisa que eu adoro. Perceptível foram as cores, desalinhadas, mas são elas que estão presentes nos móveis, uns com umas cores outros com outras (A. S., 15 anos).

O aluno nesta produção parte da representação de um objeto para

simbolizar o cômodo sala fazendo uma associação às relações. Traz através das

letras, a representação da fala. O uso da cor remete à própria leitura do espaço,

buscando aproximar o visível da representação.

Neste caso o aluno mostra tanto o espaço físico quanto o onírico. Sala de

relações.

Ainda que encontrando aspectos oníricos, os alunos sentem a necessidade

de mostrar a forma. A esse respeito situa Pillar (2001, p. 28):

São padrões buscados no cotidiano, com os quais o leitor está familiarizado. O julgamento é baseado naquilo que ele acredita ser a verdade, a justiça, o correto, o bom, ou o apropriado. A base para a leitura é formada pelas experiências, recordações e pela percepção do mundo circundante; um tipo de informação prontamente acessível a este leitor. É comum a pessoa dizer: mas isto está fora de proporção! Ela compara a pintura com o mundo que vê e conhece, com a sua própria experiência, e por isso quer que a obra seja realista.

30

Na aula seguinte, ainda na investigação, foram distribuídos aos alunos um

texto motivando para a reflexão do espaço onírico de uma casa, ou seja, um espaço

que abriga sentimentos, sensações, partes de um eu constituinte de uma identidade.

A proposta era ampliar o conhecimento do aluno quanto às significações do objeto

de estudo, referente ao espaço físico e onírico.

No ensino fundamental o texto foi produzido a partir da obra “A poética do

espaço” do filósofo Gaston Bachelard (Anexo A), onde traz uma visão de casa de um

modo poético. Faz uma simbologia da casa enquanto indivíduo. Busca relacionar

cada espaço da casa com uma determinada sensação e sentimento através da

imagem do devaneio. A imagem poética.

Fizemos leitura e dialogamos sobre a interpretação e opinião de cada um.

Os alunos do ensino fundamental compreenderam, interpretaram o texto

nomeando o espaço físico como sendo “casa-casa” e o onírico como “casa-pessoa”.

A primeira como um espaço que guarda cômodos e objetos e a segunda,

sentimentos e sensações.

Buscaram dentro de si aspectos que até então não haviam percebido, como

também muitos aspectos que não queriam revelar ou ainda que não admitiam

possuir. Começaram a descobrir sua própria identidade naquele momento.

No ensino médio os alunos foram um pouco resistentes para falar de

sentimentos, sensações e ainda, saber que de certa forma eles estariam falando

deles mesmos. Mas ainda assim foram citados vários aspectos como: relações,

angústias, o mundo interior.

Outra situação relevante apresentado nesta socialização foi a relação do

exterior com o interior, ou seja, do próprio espaço casa, com o interior de cada um,

conseqüentemente com as reações de determinadas ações. Um exemplo disso:

“Quando estou atrapalhado, com raiva, com preguiça, revoltado, o meu

quarto fica todo bagunçado, não faço os temas da escola, brigo com meu irmão, com

minha mãe e os trabalhos de artes saem uma porcaria!” (A. S., 15 anos).

Este momento foi de fundamental importância para o processo uma vez que

eles fizeram uma associação direta de suas produções com seu sentir, como

também passaram a pensar numa nova forma de leitura. Tem como exemplo a fala:

“Agora quando eu olhar para um quadro de Picasso não vou pensar o que

será que ele pintou ou que material que ele usou, mas o que ele deveriam estar

pensando para fazer isto desta forma” (J. L., 15 anos).

31

Rossi (2003) fala sobre a relação imagem-artista, onde o aluno busca saber

o que o artista está pensando. A esse respeito diz o seguinte:

Ao estabelecer esta relação, o aluno abandona as referências à concretude do mundo real e ao mundo interior do artista. O desafio, agora, é pensar na intencionalidade do autor, cabendo ao leitor “descobrir” o significado da obra. Quando estabelece esta relação, o aluno pensa que a responsabilidade pela definição do significado da obra está, apenas, a cargo do artista. Ele sente-se como um decifrador dos significados que o artista teria colocado na obra. É como diz Parsons (1992, p. 89) sobre uma das características do terceiro estágio: “Compreender o quadro é perceber quais foram as intenções do artista (ROSSI, 2003, p. 48).

Voltamos novamente aos níveis de compreensão estética. Neste momento o

aluno faz um avanço pois, além da forma, busca entender o contexto ampliando

suas informações relacionando a quem e por quê.

A esse respeito Pillar (2001, p. 30):

As perguntas quem e por quê estão intimamente conectadas, propiciando ao leitor classificativo as condições para a análise da obra. Para o conhecimento de quem é o artista, pergunta-se porque ele deixou certas marcas na tela. Da mesma forma, o entendimento das regras e padrões que governam tais marcas, ajudam o leitor a classificar a obra, quanto à origem cultural, período, estilo e artista.

Antecipei que na aula seguinte eles iriam “tentar” encontrar aquilo que eles

mesmos disseram sobre a “casa pessoa”, ou seja, seus sentimentos e suas

sensações através de uma técnica de relaxamento.

Nesta aula foi o momento de “abrir a porta da casa”, ou seja, através de uma

técnica de relaxamento o aluno foi guiado a perceber a si mesmo, como a tudo que

constituí a sua identidade.

No primeiro momento solicitei que guardassem todo o material e se

posicionassem da forma mais confortável para cada um. Nessa hora a maioria,

talvez por “vergonha do colega”, preferiu ficar com a cabeça sobre a carteira entre os

braços. Solicitei que fechassem os olhos, respirassem profundamente e devagar.

Com o auxílio da música “May it be” (Enya), conduzi os alunos oralmente para que

imaginassem uma luz azul e uma fadinha (no caso do ensino fundamental), o qual

pegaria esta luz e traria para dentro de cada um. Começando pelos dedos dos pés,

relaxando cada músculo e seguindo por todo o corpo até chegar no topo da cabeça.

Para finalizar eles deveriam se imaginar somente luz. Nesse momento, comecei a

32

guiá-los para uma casa imaginária com características estabelecidas por cada um,

com objetos, formas, cheiros, sensações que cada um escolheu para o momento.

Lembrava-os a cada instante que nesse local (da imaginação) as coisas e as

situações poderiam ser da forma que cada um quisesse, bastando imaginar. Aos

poucos eles deveriam observar tudo muito detalhadamente e finalizando, deveriam

sair desta casa, bem como desse espaço, retornando a sala, mexendo-se devagar e

sem falar um com o colega. Deveria então, escrever tudo o que viram.

Foi solicitado que os alunos relatassem por escrito tudo o que tinham visto,

bem como a relação que criaram entre as imagens “vistas” durante o relaxamento e

eles.

Um sonho de uma casa. Quando eu deitei a cabeça e fechei os olhos, imaginei que eu estava voando pelas nuvens e de repente apareceu uma fada de vento. Ela olhou pra mim e tocou na minha mão, senti um frio passando em todo o meu corpo. De repente eu olhei para baixo e vejo um lugar magnífico. Cheio de árvores verdes e um monte de fadas, eu acho que era até o planeta das fadas. Depois ela me levou até a frente da árvore maior, que ficava bem no meio desse lugar. Eu entrei dentro dessa árvore e olhei pra tudo, tinha vários andares, por dentro a cor parecia um amarelo meio bege. Tinha vários móveis e o que me chamou a atenção foi uma lareira que era feita de tijolo. Fui até o ultimo andar que era o mais alto, o teto era feito de vários pedaços de vidros coloridos.Olhei pro lado e vi uma sacada, ela era feita de madeira e tinha duas cadeiras. Tinha uma bela duma rede e o que era melhor é que tinha uma bela duma vista, maravilhosa. Fiquei lá por algum tempo, depois quando eu desci a escada, eu vi um quadro. Era estranho, era um homem com cabelos cacheados, não sei o que representava mais eu acho que ele tinha sido um homem bem importante e que aquela casa recordava muitas coisas dele (R. L. C., 11 anos).

No ensino fundamental fica clara a relação do aluno com a fantasia, um

momento em que mistura a realidade daquilo que conhece com a fantasia daquilo

que deseja.

A casa que eu vi acho que era eu mesmo e o retrato era eu num outro planeta, Eu me senti calmo e tranqüilo, os sentimentos descobertos foram de felicidade e de conforto, o que mais me identifica é o sofá porque me lembra conforto e o sono que são uma das coisas que eu gosto (R. L. C., 11 anos).

A partir de um questionário usado como estímulo para a construção de

relato, os alunos fizeram relações simbólicas da imaginação com sua própria

identidade.

Percebi através do processo que os alunos do ensino fundamental não se

33

limitavam quando o assunto era imaginação, os relatos apresentaram fadas,

espaços físicos, sentimentos, sensações, objetos, cores, cheiros. Ao relatar foram

poéticos deixando o coração guiar sua mão. Ainda que sutilmente, muitos fizeram

associações do que “perceberam” consigo mesmo. Tinham a nítida certeza de que

tudo o que formaram com sua imaginação partira deles e era constituinte de sua

pessoa.

Nesse sentido Bachelard (1998, p. 20) “lembrando-nos das ‘casas’, dos

‘aposentos’, aprendemos a ‘morar’ em nós mesmos. Já podemos ver que as imagens

da casa caminham nos dois sentidos: estão em nós tanto quanto estamos nela”.

Eu estava andando por uma estrada de terra, mas não havia poeira, ao meu lado direito tinham alguns animais correndo livremente, de uma árvore à beira da estrada saíram voando um bando de pássaros. Ao lado esquerdo havia um campo e um lago com várias plantas ao seu redor. Quando me aproximei vi uma casa feita de “toras”, talvez cortadas de pátio mesmo, havia uma varanda com plantas e cadeiras, a casa era baixa mas tinha uma chaminé por onde saia fumaça, ao entrar na varanda meu sentimento de liberdade que adquiri no caminho se juntou ao de tranqüilidade, ao entrar na casa tinha uma pequena sala com uma lareira e sofás à direita e um corredor à esquerda, para a frente tinha outro cômodo, o perfume dessa sala era muito agradável, ela estava quente mas não muito, apenas o ideal e o único som que ouvia era o do fogo na lareira, a sala estava escura nos cantos, mas o fogo iluminava o restante. Ao entrar no cômodo a frente senti um frio mas também estava iluminado, era a cozinha. No corredor estavam os quartos todos agradáveis e lá conseguia ouvir o som dos pássaros. Voltei para a sala, quando saí senti apenas uma imensa sensação de tranqüilidade (M. W., 15 anos).

Já no ensino médio vimos que a imaginação está diretamente ligada aos

desejos, as perspectivas de futuro. A imaginação está ligada fortemente com a

realidade, com aquilo que eles pensam ser verdade, mostram-se mais investigativos

com relação a casa onírica, através dos seus relatos (redações) e produções

plásticas.

Meu sonho é morar no campo. Eu não sou uma pessoa preocupada, apenas o necessário e no caminho eu senti liberdade à medida que me aproximava da casa me sentia mais tranqüilo, nesse momento tinha esquecido todos os problemas e pensamentos. Quando entrei na casa me senti melhor ainda e percebi que havia lugares muito bons como a sala e os quartos, mas o frio e a escuridão também estavam presentes, felizmente não senti-los como senti a luz, tranqüilidade, liberdade, amor, felicidade, esses foram mais intensos. Eu me senti muito bem, isso desperta nossa mente e corpo por resto do dia, seria muito bom se esse processo fosse feito varias vezes, talvez todo o dia... eu quero morar no campo e sentir esses sentimentos, eu quero que minha vida seja exatamente como pensei e vi a “casa”. Nesse mesmo lugar, desse mesmo jeito, com as mesmas coisas e sentir os mesmos sentimentos (M. W., 15 anos).

34

Os relatos do ensino médio apresentaram uma maior consistência no que

diz respeito à percepção, reflexão e associação do que imaginaram com suas

identidades sendo elas baseadas em características oníricas, conceitos de mundo,

vontades e memória do passado. As associações feitas trazem a possibilidade de

refletir sobre a sua própria identidade se descobrindo de instante a instante.

Na aula seguinte os alunos deveriam escolher uma linguagem e produzir

algo que tivesse ligação com o processo da aula anterior. Deveriam representar a

casa onírica ou como eles diziam: “a casa pessoa”. Para o ensino médio esta

atividade foi opcional.

Orientei quanto às diversas possibilidades de linguagem que poderiam

utilizar, uma vez que eles já sabiam o que gostariam de fazer.

Os materiais foram diversos bem como os meios, exemplo: desenhos,

colagens e produções tridimensionais: maquetes.

Neste processo me preocupei um pouco, pois os alunos foram influenciados

por trabalhos desenvolvidos por outra professora de artes da escola, a qual estava

trabalhando com as sextas séries: linhas, formas e especificou seu trabalho em

maquetes de casa.

A coincidência foi engraçada e preocupante por minha parte no início pois

temia pela cópia, porém independente dos alunos terem escolhido fazer maquetes,

eles deram uma conotação totalmente diferente à suas produções para minha

surpresa e da professora da outra turma, que elogiou o processo. Os alunos não

buscaram a forma, mas sim fizeram associações da forma com o intimo.

A esse respeito Bachelard (1998, p. 55): “há sentido em dizer que se ‘lê uma

casa’, que se ‘lê um quarto’, já que quarto e casa são diagramas de psicologia que

guiam os escritores e os poetas na análise da intimidade”.

35

Figura 8. “Eu quis representar o conforto da casa” (J. H. P., 10 anos).

Fonte: Arquivo pessoal.

Na figura 8 o aluno fez recortes de imagens de toalhas nas cores verde,

laranja e branco, bem como de travesseiros e um edredom nas mesmas cores. Os

recortes foram distribuídos pela folha onde ao fundo percebem-se riscos azuis. No

recorte do canto inferior esquerdo podemos ver bem de perto a espessura e o

desenho da fronha (uma flor branca).

Este aluno buscou na imagem objetos que lhe remetessem conforto. Para

ele o tecido lhe traz uma sensação de calor, de agradabilidade. Fez uma associação

direta do espaço “casa” as suas sensações, porem não fez relação com suas

características pessoais e sim numa forma global do seu espaço de relações.

Figura 9. S. J. – 11 anos. Fonte: Arquivo pessoal.

Figura 10. G. B. – 11 anos. Fonte: Arquivo pessoal.

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Na figura 9 temos a maquete de uma casa em cima de um espaço

retangular verde cercado por pedacinhos de madeira delimitando o espaço da

produção. A casa é branca com telhado, duas janelas uma a cada lado de uma

única porta frontal na cor vermelha. No telhado está escrito a palavra amor em preto,

como também as divisórias das janelas são feitas da mesma cor. Existe um caminho

feito na cor creme que passa por todo o espaço determinado pela aluna até a porta.

Na figura 10 temos também uma produção tridimensional na forma de casa.

Esta aluna delimitou o espaço com um pedaço de papelão forrado em tons de

amarelo e marrom. A casa foi forrada com papel amarelo onde vemos uma única

janela à esquerda e uma única porta frontal, ambas abertas. O telhado é marrom

fazendo o equilíbrio tonal com o chão. Ao lado direito percebe-se uma flor com

folhas altas e uma flor na cor lilás.

Nessas produções as alunas associaram o sentimento a cor. No primeiro

exemplo a relação foi quanto ao espaço e o amor e no segundo quanto ao

sentimento de felicidade através da cor amarela. No primeiro exemplo a aluna usou

a palavra como uma forma de se fazer mais clara, o que não aconteceu no segundo.

Temos neste caso novamente o nível de compreensão da leitura de imagem, pois a

aluna (no primeiro caso) pensa que seus leitores possuem a mesma compreensão

estética que a sua, então como alguns estão em um estágio ainda descritivo

acreditam ser a palavra necessária para explicar o que está querendo representar.

Outros já caminham para uma evolução nesse sentido, procurando maiores

significações as leituras.

O ensino médio optou por fazer representações bidimensionais e as

produções foram feitas em casa. As representações foram associativas e simbólicas

na maior parte das produções. O figurativo foi uma constante, ainda sob enfoque da

questão estética já citada anteriormente. A escrita foi muito utilizada, muitas de uma

forma poética.

Estes relatos escritos contêm muitos significados, são uma forma do aluno

concretizar sua simbologia e se fazer claro. Aqui o aluno tece sua percepção,

associações e simbologias.

A esse respeito Buoro (2002, p. 131-132) comenta:

37

José Luiz Fiorin (s.d.) escreve: Dar ênfase ao conceito de que o texto é um objeto de significação implica considerá-lo um todo de sentido, dotado de uma organização específica, diferente da frase. Isso significa, portanto, dar relevo especial ao exame dos procedimentos e mecanismos que o estruturam, que o tecem como uma totalidade de sentido. Cabe lembrar que a palavra texto provém do verbo latino texto, is, texui, textum, texere, que quer dizer tecer. Da mesma forma que um tecido não é um amontoado desorganizado de fios, o texto não é um amontoado de frases, nem uma grande frase. Tem ele uma estrutura, que garante que o sentido seja apreendido em sua globalidade, que o significado de cada uma das partes dependa do todo.

Figura 11. M. S. – 15 anos. Fonte: Arquivo pessoal.

Da extrema profundidade de nossos seres, nem nós mesmos sabemos. Pouca coisa sei de mim, acho que não sei quem sou, só sei do que não gosto. A luz toma conta de mim,externamente a beleza permanece intacta, mas por dentro meu espírito escurece, minha alma padece, dilacera. Em uma falsa tranqüilidade, em uma aparente paz, sou cega, não sei o que se passa dentro de mim. Tenho a sensação de estar completamente estranha dentro de mim, mas minha vida resplandece em flor, em cor, em amor (M. S., 15 anos).

Neste caso a aluna usou a linguagem do desenho fazendo uma casa

branca, como uma única porta frontal, bem como uma única janela com seis

aberturas parecendo espaços para vidros à esquerda. O interior está pintado de

preto. Este mesmo preto, visto através das formas quadriculares da janela, está

38

também presente na porta o que nos dá impressão de abertura. Encostadas a casa,

pelos dois lados, tem-se árvores, onde seu tamanho parece ultrapassar os limites

dimensionais da casa, numa simbologia de proteção. O céu também é representado

através da cor azul, bem como o gramado com a cor verde.

Esta representação, na linguagem descritiva, está diretamente ligada à

busca e ao entendimento a compreensão de si, bem como a investigação dos

elementos que a formam, ou seja, o entendimento da sua identidade.

As associações foram feitas através da forma e da cor, onde a casa

representa o interior e o desconhecido temos na fala – “da profundidade de nossos

seres, nem nós sabemos...” diz ainda “... mas por dentro meu espírito escurece,

minha alma padece, dilacera... em uma falsa tranqüilidade, em uma aparente paz,

sou cega, não sei o que se passa dentro de mim”.

Aqui fica visível o dualismo daquilo que conhece com o que se busca

conhecer de si mesmo.

Figura 12: S. X. K. – 15 anos. Fonte: Arquivo pessoal.

Na figura 12 a aluna fez o desenho de uma casa com o próprio relato do

39

processo. A Casa tem uma janela e uma porta, ambas com espaços em branco no

seu meio. No canto superior direito fez um sol e uma nuvem.

Neste trabalho do ensino médio a forma se originou com a própria

representação descritiva, fundindo as duas linguagens.

A aluna utiliza a linguagem escrita para estabelecer relações com seus

significados, fazendo alusão a ela mesma. Faz associações de espaços e

sentimentos, como por exemplo, quarto enquanto um espaço íntimo, de proteção,

traz na fala “no quarto era arejado tinha cheirinho de limpeza, lá não havia espaço

para o ódio, ciúmes, inveja, rancor”. A cozinha enquanto um espaço de relações “na

cozinha estava a família. Todos felizes me esperavam para almoçar”. Ainda a aluna

traz, como na outra produção, o desconhecido, porém existe uma ambigüidade no

que diz respeito a leitura, pois ao mesmo tempo que a aluna fala de coisas que não

conhece, pode estar se referindo a sentimentos contraditórios como amor e raiva,

alegria e tristeza comuns nas pessoas.

Sobre o texto Bachelard (1998, p. 11): “Ao viver poemas temos, portanto, a

experiência salutar da emergência. Esses impulsos lingüísticos que saem da linha

comum da linguagem pragmática são miniaturas do impulso vital”.

O uso da palavra enquanto linguagem é uma forma de concretizar suas

significações onde a imagem real mantém-se intacta, numa visibilidade reveladora e

numa ânsia de compreender e comunicar.

Sobre a palavra como representação o escritor italiano Ítalo Calvino (apud

BUORO, 2002, p. 50) diz o seguinte: “Cada qual a seu modo e com base em sua

vivência, em seu manejo da linguagem eleita, expressa um modo de estar no mundo

que nega a cegueira tanto quanto a invisibilidade”.

3.4 - Apresentando a “casa”

Nesse momento foi feita uma aula expositiva referente ao trabalho da artista

Adriane Hernandez, que por sua vez tem sua produção também ligada ao objeto de

estudo “casa” proposto pelo projeto. Foram entregues textos referentes ao seu

trabalho (Anexo A) onde a artista fala do seu tema. Feito leitura, e apresentado aos

alunos imagens de alguns trabalhos, através do retroprojetor, como uma forma de

contribuir para o conhecimento do aluno no que diz respeito a subsídios para uma

linguagem em arte.

40

A leitura das imagens foi de fundamental importância, pois os alunos tiveram

exemplos de novos suportes para uma produção plástica. Os alunos fizeram

relações de espaços físicos e oníricos, como por exemplo: a cor vermelha usada

pela artista com seu próprio sangue, o banheiro com privacidade, os objetos usados

pela artista (vidros de temperos) com a memória, pois lembraram da comida da mãe,

dos costumes da avó, bem como do próprio dia-a-dia da mulher.

Foi um momento de ampliação visual a esse respeito Buoro (2002, p. 46): “A

ampliação da consciência visual possibilita a construção de um repertório de

imagens significativas para o sujeito, capacitando-o a imaginar, criar, compreender,

ressignificar, criticar, escolher entre uma infinidade de ações possíveis”.

Após a aula expositiva dialogada os alunos partiram para a produção que

desta vez deveria ser em grupo para que percebessem não somente a si mesmos,

mas também, se perceber inserido num sistema.

Os alunos foram orientados a buscarem aspectos em comum a todos sendo

eles físicos ou oníricos.

Percebi que em alguns grupos, determinados alunos prevaleciam com suas

idéias, porém os demais integrantes procuravam buscar relações com a idéia

prevalecente.

Figura 13. T., K., S., J. e M. (Ensino Fundamental).

Fonte: Arquivo pessoal.

“Escolhemos fazer a sala, porque é nela que a família senta para conversar,

ou seja é na sala que as pessoas se comunicam. Para nós, é na sala que está o

41

conforto!” (T., K., S., J. e M.).

Na figura 13 as alunas construíram com massa de modelar o espaço sala.

Utilizaram como base uma caixa encapada com papel laminado dourado onde de

um lado colocaram um sofá na cor verde e uma mesinha ao lado esquerdo do

mesmo com uma luminária nas cores amarelo e laranja. Ao centro utilizaram um

tecido branco e fizeram de canetinha de hidrocor pontinhos pretos simbolizando um

tapete. Ao lado oposto ao sofá podemos ver três objetos uma mesinha branca com

dois vasos vermelhos com flores amarelas. Ao centro uma televisão na cor preta

com as antenas vermelhas e o vídeo na cor laranja com bordas vermelhas e um

boneco ao centro representando a imagem. Como também uma mesinha azul com

um telefone amarelo em cima.

As alunas simbolizaram a relação entre os integrantes da família. Utilizaram-

se da cor e do brilho como uma forma representativa da vivacidade. O tecido

remetendo ao conforto. Percebe-se que a organização dos objetos foi feita de uma

forma muito organizada e estratégica, deixando um espaço para fluir o onírico, bem

como buscaram uma questão estética no que diz respeito ao belo, ao limpo. O

espaço fala por si só. Em nenhum momento elas pensaram em colocar algo que

representasse as pessoas, pois para elas o significativo é o onírico e este está

representado pelo espaço e pelos objetos.

Figura 14: M., P., C., G., B. e P. (Ensino Fundamental).

Fonte: Arquivo pessoal.

42

“Nós representamos o quarto porque nos trás conforto, é muito macio e

quentinho como um abraço da mãe, porque o abraço da mãe é quentinho,

confortável e macio” (M., P., C., G., B. e P).

Na figura 14 as alunas representaram o espaço quarto. Delimitaram o

espaço com uma caixa de sapato se utilizando do fundo como parede. Pintaram as

paredes com duas cores, azul e roxo. Se utilizaram de objetos industrializados para

fazer o corpo do ambiente, onde do lado esquerdo tem uma cama branca com a

parte interna vermelha, ao lado da cama tem um bidê roxo com as gavetas vermelha

superior e preta inferior. Logo ao lado tem uma boneca de cabelo amarelo calça

vermelha, blusa verde e branco e sapatos pretos. Podemos perceber um guarda-

roupa branco com roupeiro vermelho e parte inferior verde. Ao lado um espelho com

suporte azul ao chão, bem como consecutivamente uma penteadeira branca com

suporte verde e um sofá roxo com amarelo. Em frente a este um tapete feito com um

pedaço de papel preto. Os objetos contornam o espaço como uma vitrine. As alunas

ainda fizeram um lustre com luzes de natal e colocaram um plástico sobre a abertura

da caixa. O chão é amarelo.

Este grupo representou a relação com a mãe através da simbologia conforto,

macio, quentinho. Ainda tiveram uma preocupação estética quanto à combinação,

equilíbrio das cores, pois podemos ver que as paredes laterais possuem a mesma

cor do sofá, como o amarelo do chão.

O ensino fundamental buscou o objeto (industrializados ou feitos com massa

de modelar por eles mesmos) enquanto representação de aspectos físicos e oníricos

fazendo uma associação do visual ao significado de cada um, dando visibilidade ao

trabalho.

Segundo Buoro (2002, p. 44), visibilidade é o olhar significante, a esse

respeito:

À medida que a visibilidade ativa um repertório construído e captado por um olhar sensível, configurado pela obra de arte, ela abandona a mera condição de atributo do mundo externo e passa a existir na interação entre realidade interior versus realidade exterior.

43

Figura 15. L.,C., D. e M. (Ensino Médio).

Fonte: Arquivo pessoal.

Figura 16. L.,C., D. e M. (Ensino Médio).

Fonte: Arquivo pessoal.

No nosso trabalho colocamos alguns objetos dentro de um baú, esses objetos eram de extrema importância, havia as chaves dos quartos de cada um de nós que simbolizava privacidade, um coração simbolizando amor, um perfume que seria a vaidade, um ursinho representando a infância e a tecnologia atual representada pelo celular (L., C., D. e M).

As figuras 15 e 16 mostram que o grupo do ensino médio buscou a

representação através de objetos individuais significativos. Podemos ver que se

utilizaram de uma caixa com duas divisórias onde ficam quatro espaços. No primeiro

vemos um vidro de perfume no segundo um cd com um chaveiro em forma de

coração na cor vermelha no outro espaço um celular e um ursinho de pelúcia

marrom com branco e uma fitinha vermelha amarrada ao e pescoço e por fim no

quarto espaço um carrinho de metal na cor vermelha, um molho de chaves e um

aparelho de barbear.

Figura 17. M., A., R. e A. (Ensino Médio).

Fonte: Arquivo pessoal.

Figura 18. M., A., R. e A. (Ensino Médio).

Fonte: Arquivo pessoal.

44

Iniciamos o nosso trabalho pela casa por ser o tema que foi passado, usamos objetos pessoais de cada um por ser íntimo, de dentro, onde cada um simboliza coisas como lembranças (foto, sapatinho de bebê), intimidade (calcinha e cueca), coisas agradáveis (CD), limpeza (escova de dente), vaidade (batom) etc. (M., A., R. e A.).

Este grupo optou por unir os objetos num único espaço, partiram do

figurativo fazendo, da estrutura física para chegar, através dos objetos ao onírico, ou

seja à simbologia de cada um representado por cada objeto íntimo.

Esta caixa contém, fotografia da infância, CD, urso de pelúcia, roupas

íntimas, escova de cabelo, meia, escova de dente, gargantilha.

A maior parte dos alunos conseguiram encontrar pontos em comum em suas

propostas, e alguns apenas se adequaram a propostas dos colegas.

Tanto no ensino fundamental quanto no médio, os alunos buscaram nos

objetos, uma simbologia através de signos físicos e oníricos.

Segundo Pierce (apud MARTINS, 1998, p. 39):

Um signo é alguma coisa que representa uma outra coisa: seu objeto (idéia ou coisa) para alguém sob algum aspecto ou qualidade. Tanto a palavra quanto o desenho ou o esquema, a fotografia ou a escultura de um carro não são o próprio carro. São signos dele, um representante. Cada um deles, de um certo modo, representa a realidade carro. Para que o signo seja utilizado/manejado por nós como signo de algo, ele tem de ter esse poder de representar, ou seja, estar no lugar do objeto, para torná-lo presente a nós através de uma presença.

Através da auto-percepção, os alunos refletiram sobre si mesmos, fizeram

associações e apresentaram de uma forma representativa simbólica parte de si

mesmo num contexto global através da representação dos cômodos e objetos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É comum nas aulas de artes utilizar-se referenciais de artistas e suas

produções, seja ele no contexto histórico, cultural ou biográfico, numa forma de

leitura de imagem para que auxilie tanto no conhecimento, compreensão como em

uma produção em artes.

O projeto “A casa – como estrutura epidérmica e objeto simbólico na

arteterapia educacional”, propôs uma inversão nessa metodologia, onde o

referencial é o próprio aluno, uma fonte de subsídios para um processo criativo

partindo do próprio meio no qual está inserido, propiciando a transformação de

idéias, sentimentos e opiniões através de uma produção artística.

A obra do filósofo Gaston Bachelard intitulada “A poética do espaço” (1998),

foi muito importante para este projeto uma vez que faz reflexões da casa num

contexto simbólico significativo, ampliando a compreensão e leitura dos alunos sobre

o objeto norteador do projeto. A Casa.

A artista Adriane Hernandez também foi muito significativa uma vez que

ampliou o conhecimento dos alunos no que diz respeito à poética e aos diferentes

suportes possíveis em artes.

A “casa” é um ambiente que se estabelecem às relações mais profundas,

um meio onde o aluno recebe suas primeiras noções e constrói simbologias do

mundo, sendo um tema muito significativo como símbolo e objeto desencadeador.

O objeto de estudo “casa” é de fundamental importância não só para a

produção em artes, mas também enquanto um autoconhecimento em um

determinado sistema, seja ele social, cultural ou familiar.

A casa traz significados profundos, não apenas de cômodos e objetos, mas

de um espaço que abriga pessoas, e estas, abrigam dentro de si um mundo

simbólico rico em sentimentos, sensações, conhecimentos, conceitos e pré-

conceitos formando o que chamamos de identidade.

Os alunos do ensino fundamental e médio partiram do que conheciam a

respeito da palavra “casa” ficando evidente o olhar ao externo, estrutura física.

Apenas alguns, nesta primeira fase do processo trouxeram aspectos oníricos, como

abrigo, proteção, carinho.

O mesmo aconteceu nas produções feitas em sala. Grande foi o número de

46

desenhos feitos de plantas-baixa, cômodos e objetos, mas em nenhum momento

apareceu a representação de pessoas ou algo que simbolizasse as mesmas.

Num segundo momento após ampliarmos os significados da palavra “casa”

através de textos, os alunos passaram a perceber não só aspectos físicos, mas

também oníricos relacionados a sua própria significação de mundo.

Fizeram seu próprio conceito onde, ao espaço físico chamaram de “casa-

casa” e o onírico “casa-pessoa”, o primeiro simbolizando portas, paredes, cômodos e

objetos e o segundo sentimentos, sensações, conceitos, pré-conceitos, ou seja,

elementos constituintes da identidade.

Uma vez feito à relação do espaço físico à pessoa de uma forma simbólica,

obtivemos o início de um processo investigativo para que se perceba através da

simbologia de cada um, elementos significativos da identidade.

Era necessário para a pesquisa, utilizar uma metodologia que trouxesse o

olhar para si mesmo onde o aluno buscaria de subsídios para uma auto-

investigação.

Com uma técnica de relaxamento foi possível fazer com que o aluno

fechasse os olhos para o externo e percebesse o que havia dentro de si. Esta etapa

do processo foi surpreendente, pois praticamente todos os alunos conseguiram fazer

todas as etapas do relaxamento possibilitando a percepção e o descobrimento de

detalhes até então desapercebidos. Descobriram aspectos significativos

principalmente no que se refere a desejos e expectativas de futuro, como também

com a memória, lembranças de bons e maus momentos, de entes queridos que já

não estavam mais entre eles bem como com valores de vida como a união, carinho,

respeito, amor. Conseguiram perceber que toda aquela projeção de imagens fazia

parte de um eu constituinte de sua própria identidade em constante mudança.

Os relatos feitos foram verdadeiras obras-primas, não pouparam a escrita,

descreveram a imaginação, os devaneios, as vontades, as indignações, foram

verdadeiros poetas. Gostaram de escrever, alguns até se cansaram, porém tinham

vontade de escrever mais e mais.

As produções plásticas foram feitas na maior parte partindo do figurativo,

porém diretamente relacionado ao onírico. Fizeram associações segundo sua

própria simbologia para apresentar de uma forma representativa as descobertas

feitas até então.

No ensino fundamental, as linguagens foram em maior número em forma de

47

maquetes. Não posso deixar de relatar aqui, a minha preocupação neste momento,

pois uma das professoras de artes da escola, estava trabalhando com linhas e

formas e como exercício final os alunos deveriam fazer maquetes o que fez com que

os alunos da turma na qual estava sendo feito o estágio fizessem a relação direta ao

tema proposto por mim.

Para minha surpresa os alunos fizeram relações não com o físico, mas sim

se utilizaram da forma e da cor relacionando aspectos oníricos, ou seja partiram do

físico mas representaram o onírico como o uso da cor amarela representando a

felicidade, amor pela cor vermelha, ou ainda uma casa retangular representando

uma árvore e seus possíveis habitantes.

No ensino médio houve uma particularidade, os alunos se utilizaram

somente do desenho, porém fizeram uma mescla da linguagem escrita com o

desenho propriamente dito. Utilizaram a poesia como linguagem plástica. Nesta

etapa ficou mais evidente a representação em desenhos de aspectos associativos

como o calor representado através de uma lareira ou ainda a luz representando

esperança através da cor amarela.

Já as produções em grupo como finalização do processo trouxe uma maior

diversidade de representações. Através de simbologias os alunos construíram

espaços, fizeram objetos, bem como se utilizaram de objetos industrializados como

forma associativa representativa do físico e onírico.

As significações encontradas no processo foram relevantes tanto para o

autoconhecimento como para uma investigação constante, uma vez que, até mesmo

depois do final do estágio, os alunos ainda passam a perceber a si mesmos, como a

aspectos significativos no mundo que os cerca, onde através da reflexão amplie sua

compreensão não só em artes, mas em outras áreas do conhecimento.

É muito interessante estimular o processo criativo através da própria

identidade das pessoas, é como se fosse entregar um espelho dizendo: “olhe para

você e mostre algo para o mundo”.

O que mais me impulsionou a fazer este projeto foi a crença no indivíduo e

as possibilidades que ele possui de contribuir com sua produção plástica, instigando

o outro ao mesmo, numa forma surpreendente do conhecimento de si e de saber

que pode mostrar isso de alguma forma.

Quando se fala em interior, muitos educandos se assustam, pois temem

encontrar aquilo que já sabem, ou, o que não gostariam de ter de enfrentar. A arte

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nos traz essa possibilidade e a melhor parte desta história é ver parte de si

materializada em uma produção.

As oscilações entre vitórias e frustrações durante o estágio foram muitas,

pois eu mesma a todo instante procurava me observar e me perguntar: é isso aí que

você esperava de você e dos seus alunos?

Cada vez que um aluno me dizia: “que bom esse relaxamento, me fez ver

muitas coisas”, “Ui, não quero mais fazer isso, descobri coisas sobre mim que pensei

não ter”, “Essa sou eu!”, me trazia imensa realização.

As frustrações? Essas vinham quando eu mesma ficava insegura quanto ao

orientar, ou quando não conseguia fazer com que meu aluno visse a si mesmo, ou

ainda, que fosse indiferente a tudo fazendo por fazer.

A identificação com a sala de aula foi imensa, sinto prazer em estar em

contato com os alunos, vendo seu processo, sua evolução e principalmente as

relações que se criam, isso tudo é muito bom, agora consigo entender porque

apesar das dificuldades ainda temos grandes mestres!

REFERÊNCIAS

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BARBOSA, Ana Mae. Tópicos utópicos. Belo Horizonte: C/Arte, 1998.

BRASIL, Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: arte. 2. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2000.

BUENO, Francisco da Silveira. Minidicionário da Língua Portuguesa. São Paulo: FTD/LISA, 1996.

BUORO, Anamelia Bueno. Olhos que pintam: a leitura da imagem e o ensino da arte. São Paulo: Educ/Fapesp/Cortez, 2002.

DMITRUK, Hilda B. Cadernos metodológicos 1: metodologia científica. Chapecó: Argos, 2001.

FUSCO, Renato de. História da arte contemporânea. Lisboa: Editorial Presença LTDA, 1988.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 6. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.

HERNANDEZ, Adriane. Espaços íntimos: uma poética referenciada no cotidiano feminino. Texto dissertativo de Mestrado em Artes Visuais no Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais do Instituto de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 1998.

IOP, Elisa. Ensino das artes visuais e contexto cultural. Chapecó (SC): Argos, 2002.

JUNG, Carl G. O homem e seus símbolos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996.

LOUBET, Maria Seabra. Estudos de estética. Campinas (SP): Ed. da Unicamp, 1993.

MARTINS, Miriam Celeste; PICOSQUE, Gisa; GUERRA, M. Terezinha Telles. Didática do ensino de arte: a língua do mundo: poetizar, fruir e conhecer arte. São Paulo: FTD, 1998.

50

OSTROWER, Fayga. Criatividade e processo de criação. Petrópolis (RJ): Vozes, 1987.

PPPP. Projeto Político-Pedagógico Participativo. Escola de Ensino Básico Bom Pastor. Chapecó, 2001.

PILLAR, Analice Dutra. A educação do olhar no ensino das artes. Porto Alegre: Mediação, 2001.

SANTA CATARINA. Proposta Curricular de Santa Catarina: Educação Infantil, Ensino Fundamento e Médio: Disciplinas Curriculares. Florianópolis: COGEN, 1998.

SANTAELLA, Lucia. Imagem, cognição, semiótica, mídia. São Paulo: Iluminuras, 2001.

<http://www.abcgallery.com/M/matisse/matisse.html>.

<http://www.itaucultural.com.br/index.cfm?cd_pagina=1997&busca=agnaldo%20farias&procura=Procurar&cd_tipo_materia=0>.

ANEXOS

ANEXO A

TEXTOS

Texto distribuído aos educandos – referência da artista – 5ª aula ensino fundamental

e 3ª aula ensino médio.

O espaço doméstico e a intimidade feminina

O cotidiano e a repetição ou da casa ao corpo

Pensar o cotidiano significa trabalhar com a memória. Memória que me lança

para a infância e que passeia por entre a adolescência, flagrando momentos que já

haviam sido perdidos. Traz algumas sensações, alguns cheiros, sabores, gestos,

cores, inserindo uma ilusão de pureza no relembrar. Momentos em que a minha

imagem, a partir do outro (família), vai, pouco a pouco, sendo definida.

A relação entre casa e corpo aparece nos trabalhos, pois, cada objeto, cada

espaço deste lugar, reservado à vida em família, guarda o contato e a memória do

corpo. Cada prego, cada lasca na madeira, cada marca no sofá, cada furo na

cadeira, cada remendo na toalha guarda uma história, um acontecimento, uma briga,

uma revolta, um carinho... É desses objetos e do que eles podem revelar da minha

história que parto. Parto da curiosidade de criança ao abrir caixas, vasculhar

armários, entrar no sótão, no porão. O cotidiano, neste sentido, não é jamais

enfadonho.

Este prazer foi fixado desde cedo, o prazer pelas descobertas, mesmo com as

punições que elas pudessem gerar. A memória guarda o olhar de criança,

encantando com os afazeres da mãe: bordar, costurar, cozinhar, e a participação

nestes afazeres gerava um prazer intenso.

HERNANDEZ, Adriane. Espaços íntimos: uma poética referenciada no cotidiano feminino. Texto dissertativo de Mestrado em Artes Visuais no Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais do Instituto de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 1998.

53

Texto distribuído aos educandos para uma reflexão sob o objeto de estudo “Casa”

no seu aspecto onírico – 3ª aula ensino fundamental e 2ª aula ensino médio

A Casa

Tudo começa no escuro, em seguida as imagens começam a aparecer

acompanhada de vozes, muitas vozes. Nem sempre as imagens acompanham as

vozes, as vezes é a voz por si só em busca de uma imagem. Então por uma fração

de segundos está tudo lá, ou diria nada, ilusão, vida esperando pela morte. Morte

que espera pela vida.

Giovana Weber Periolo

Quando nascemos, somos levados a um determinado espaço onde

chamamos de casa, passamos toda nossa vida ligados a ela, seja pelos nossos

pais ou por nós mesmos.

... todo espaço habitado traz a essência da noção de casa... Ela mantém o homem através das tempestades do céu e das tempestades da vida. É corpo e é alma. É o primeiro mundo do ser humano, Antes de ser jogado no mundo,... o homem é colocado no berço da casa. E sempre nos nossos devaneios, ela é um grande berço (BACHELARD, 1998, p. 25).

Em nossa casa vivemos infinitos momentos, várias experiências, inúmeras

sensações e intermináveis lembranças.

Segundo Gaston Bachelard em “A poética do espaço” (1998, p. 26), “... a

casa é o nosso canto do mundo... o nosso primeiro universo. É um verdadeiro

cosmos”.

A casa vai além da estrutura física ela é nosso porto seguro, nossas alegrias,

nossos medos, nossos problemas e nossas soluções.

Em um determinado momento da vida, nós a escolhemos, ainda que estando

em uma casa que não gostamos, escolhemos parte dela para chamar de casa,

podendo ser um espaço, uma vontade, um devaneio, e ainda assim será uma casa.

Neste espaço habitará tudo o que quiser e o que sua imaginação e vontade permitir.

Nela existirá refletido os mais profundos segredos, as mais secretas vontades, os

mais nobres valores e as mais fortes indignações.

Inumeráveis são as portas a abrir, e infinito é o universo dentro de cada um a

54

ser descoberto, entendido, eliminado, para só assim nascer novamente.

Respire fundo, feche os olhos e descubra você mesmo!

Texto produzido pela acadêmica Giovana Weber Periolo como parte integrante do

projeto de conclusão do Curso de Educação Artística – Habilitação em Artes

Plásticas da Universidade Comunitária de Chapecó – Unochapecó, página 3, com

referência na obra BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. São Paulo: Martins

Fontes, 1998.

55

Texto distribuído aos educandos para uma reflexão sob o objeto de estudo “Casa”

no seu aspecto onírico – 3ª aula ensino fundamental.

Uma Casa Chamada Gaston

Olá, meu nome é Gaston. Sou uma casa muito bonita principalmente porque

posso ser do jeito que eu quiser. Neste momento sou transparente, minhas janelas

são grandes, a porta é feita com muitos detalhes e a maçaneta é de cristal.

A parte de dentro é bem colorida. Às vezes estou só, às vezes tem tanta

gente que fico até cansado com tantas vozes, pois todos querem falar ao mesmo

tempo. Tem umas imagens que eu não consigo entender, parecem até com um

quadro abstrato, como se estivesse sonhando, pois nestes momentos uma voz fala

com a outra.

Cada parte da casa mora um sentimento, uma sensação, por exemplo, no

porão está o medo, lá é bem escuro por isso independente de ser dia ou noite ele

ainda está lá.

No sótão está a coragem, mas também o medo, durante o dia ele dorme

então a coragem acorda fazendo com que o ambiente fique mais claro e mais

quentinho. Isso mesmo há lugares frios e quentes conforme as cores e as

sensações, por isso posso escolher varias cores, cada cor para um lugar ou ainda,

pode ter um lugar sem cor ou um todo colorido.

Os objetos que tem nesta casa também são importantes, eles nos ajudam a

fazer coisas, a nos comunicar. O cofre, por exemplo, nele guardo coisas que não

quero que ninguém pegue, que ninguém saiba, mas ainda quem achar a chave pode

descobrir. Nas gavetas guardo as lembranças, tanto as boas quanto as ruins. Estas

lembranças podem ser cores, cheiros, objetos, relações.

Às vezes encontro pessoas que gosto muito mas que não estão mais aqui e é

muito bom abrir esta gaveta, como também a gaveta da memória, lá estão coisas

que aprendi e que ainda estou aprendendo.

Quando quero ficar sozinho, dar asas à imaginação escolho um canto. No

canto me sinto só, consigo ir mais longe, cada vez mais dentro.

Para me sentir protegido, acolhido, escolho o ninho, este pode ser um colo,

uma cama, um cobertor, ou ainda um espaço que me faça sentir mais e mais

confortado.

56

Esta casa tem muitos momentos diferentes, felizes, tristes, com saudade, com

raiva, com amor, está sempre mudando. Procuro sempre mudar para melhor, às

vezes não é fácil, principalmente quando a casa está bagunçada, então o esforço

pra ver as coisas é maior mas não é impossível.

É muito legal descobrir esta casa, cuidar dela. Tente, respire fundo, feche os

olhos e descubra você mesmo!

Texto produzido pela acadêmica Giovana Weber Periolo como parte integrante do

projeto de conclusão do Curso de Educação Artística – Habilitação em Artes

Plásticas, baseada na obra BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. São

Paulo: Martins Fontes, 1998.

ANEXO B

QUESTIONÁRIOS

Questionário fornecido aos educandos para investigação referente ao objeto

de estudo “Casa”

1. O que significa “Casa” para você?

2. Descreva sua Casa.

3. O que mais gosta nesta Casa? Por quê?

4. O que não gosta? Por quê?

5. Você mudaria algo? Justifique.

6. Qual a relação que você faz da Casa com você mesmo?

Questionário fornecido aos educandos para relato após a técnica de

relaxamento para investigação da Casa onírica

1. Descreva tudo o que viu detalhadamente.(Espaços, cheiros, tempo, sensações,

cores, objetos, etc...)

2. Faça uma relação de tudo o que viu com você mesmo (a).

3. Com relação à Casa, o que mais identifica você? (espaço, objeto, etc...) Justifique.