transformações do espaço urbano da cidade do recife-pe como produto e condição de reprodução...

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA HUMANA ANA REGINA MARINHO DANTAS BARBOZA DA ROCHA SERAFIM TRANSFORMAÇÕES DO ESPAÇO URBANO DA CIDADE DO RECIFE-PE COMO PRODUTO E CONDIÇÃO DE REPRODUÇÃO DAS INTERVENÇÕES URBANAS: ANÁLISE DOS PROJETOS DE REQUALIFICAÇÃO (VERSÃO CORRIGIDA – EXEMPLAR ORIGINAL ENCONTRA-SE DISPONÍVEL NO CAPH DA FFLCH) SÃO PAULO/SP 2012

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Nesta tese, tive como objetivo analisar como as transformações urbanas têm sido produto e condição de reprodução das intervenções, sejam elas públicas e privadas, que foram ou estão sendo implantadas na cidade do Recife, no Estado de Pernambuco, do início do século XX até os dias atuais. Para a realização do estudo proposto, analisei a transformação do espaço em mercadoria pelas intervenções públicas e privadas, os processos mais gerais e particulares da urbanização, os movimentos sociais de resistência que se materializam na cidade do Recife desde a sua colonização, focando nos últimos 50 anos e a identificação dos projetos urbanísticos como condição à reprodução do capital. Essa escolha deve-se, fundamentalmente, as grandes intervenções que vem ocorrendo na metrópole atualmente e às alternativas desenvolvidas pelas classes dirigentes para viabilizar novas possibilidades de atuação para o capital. Com isso, ao longo desta tese, percebe-se que a cidade do Recife se materializa como sendo mais um espaço de realização de reprodução do capital, através da implantação de grandes projetos urbanos pela apropriação do espaço e a transformação dele de acordo com os interesses e necessidades do capital. As intervenções mais importantes e significativas na região metropolitana do Recife estão relacionadas ao sistema viário e a mobilidade, visando acumulação do capital e são apropriadas pelos agentes hegemônicos de mercado na reprodução do capital. O desencadeamento das intervenções urbanas gerou conflitos e contradições cujos efeitos são identificados no cotidiano do lugar, através da análise das estratégias de apropriação do espaço, bem como dos movimentos de resistência na reconquista do espaço público.

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  • UNIVERSIDADE DE SO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CINCIAS HUMANAS

    DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM GEOGRAFIA HUMANA

    ANA REGINA MARINHO DANTAS BARBOZA DA ROCHA SERAFIM

    TRANSFORMAES DO ESPAO URBANO DA CIDADE DO RECIFE-PE COMO PRODUTO E CONDIO DE REPRODUO DAS

    INTERVENES URBANAS: ANLISE DOS PROJETOS DE REQUALIFICAO

    (VERSO CORRIGIDA EXEMPLAR ORIGINAL ENCONTRA-SE DISPONVEL NO CAPH DA FFLCH)

    SO PAULO/SP 2012

  • UNIVERSIDADE DE SO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CINCIAS HUMANAS

    DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA PROGRAMA DE DOUTORADO EM GEOGRAFIA HUMANA

    ANA REGINA MARINHO DANTAS BARBOZA DA ROCHA SERAFIM

    TRANSFORMAES DO ESPAO URBANO DA CIDADE DO RECIFE-PE COMO PRODUTO E CONDIO DE REPRODUO DAS INTERVENES URBANAS:

    ANLISE DOS PROJETOS DE REQUALIFICAO

    (VERSO CORRIGIDA EXEMPLAR ORIGINAL ENCONTRA-SE DISPONVEL NO CAPH DA FFLCH)

    Tese apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Geografia Humana da Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas da Universidade de So Paulo, para obteno do ttulo de Doutor em Cincias (Geografia Humana).

    Orientador: Prof. Dr. Jlio Csar Suzuki

    SO PAULO/SP 2012

  • SERAFIM, Ana Regina Marinho Dantas Barboza da. Transformaes do espao urbano da cidade do Recife-PE com produto e condio de reproduo das intervenes urbanas: anlise dos projetos de requalificao. Tese apresentada Faculdade de Filosofia, Letras e Cincia Humanas da Universidade de So Paulo para a obteno do ttulo de doutora em Cincias. rea de concentrao: Geografia Humana.

    Aprovada em: 26/11/2012

    BANCA EXAMINADORA

    Prof. Dr. _________________________Instituio___________________________ Julgamento_______________________Assinatura___________________________

    Prof. Dr. _________________________Instituio___________________________ Julgamento_______________________Assinatura___________________________

    Prof. Dr. _________________________Instituio___________________________ Julgamento_______________________Assinatura___________________________

    Prof. Dr. _________________________Instituio___________________________ Julgamento_______________________Assinatura___________________________

    Prof. Dr. _________________________Instituio___________________________ Julgamento_______________________Assinatura___________________________

  • Para Aldemir Dantas Barboza e Felipe Bezerra Serafim, por serem meus bens mais preciosos

  • AGRADECIMENTOS

    Essa tese fruto de muitas pessoas, que me ajudaram, confiaram na minha capacidade e me deram fora de diferentes formas para conseguir vencer nesses anos difceis.

    Primeiro, quero agradecer ao meu orientador, Professor Dr. Jlio Csar Suzuki, por ter me dado a oportunidade de entrar no doutorado, ter confiado em mim e pelas broncas e puxes de orelha, que me fizeram conseguir finalizar esse trabalho. Mas, principalmente, pelo grande profissional e conhecedor terico, que me ajudou a buscar as respostas necessrias.

    Agradeo aos professores, Dr Claudete de Castro Silva Vitte (UNICAMP) e Dr Carlos Franco da Silva (UFF) por terem participado da minha banca de qualificao e me ajudado a observar pontos importantes para a concluso da pesquisa. Atravs desses agradeo a todos os professores que tive em minha vida acadmica.

    Agradeo a Professora Dr Edvnia Torres de Aguiar Gomes, pelo carinho no meu ano difcil e por me ajudar a reacender a paixo pela cidade do Recife.

    Aos meus familiares, nas pessoas das minhas tias, Adilza e Adeilda, meu afilhado, Paulo Victor, meu sogro e minha sogra, Jos Olegrio e Edilce Serafim, minha cunhada, Simone, meus sobrinhos, Ruan e Maria Clara, meus primos e tios, Manuelle, Bruno, Melissa, Julianne, Jlia, Mira, Pedro, Giselle, Marlia, Alicia, Jaelson, Nemuel, e tantos outros. E a Edna que cuida de mim a mais de 20 anos. Nesses quatro anos aprendi a valorizar bastante o amor familiar.

    Ao Dr Paulo Vicente e a sua secretria Tanani, por terem me acolhido com amor, carinho e pacincia, no momento em que meu mundo desmoronou. E Dr. Paulo, obrigada por ter me deixado inteira.

    A Dr Jurema Teles, por ser a oncologista mais legal e competente do mundo. Obrigada por ter me tratado com tanto carinho, ter tido tanta pacincia, me colocado sempre para cima e me manter viva, feliz e principalmente saudvel.

    As enfermeiras, Juliana, Adriana e Emanuella, que durante seis meses, semanalmente e diariamente fizeram parte da minha vida e me ajudaram a passar pela quimioterapia e consequente radioterapia. No nome delas homenageio a todas e todos profissionais da sade que passaram pela minha vida, nesses quase dois anos.

  • As minhas lindas crianas, Ceclia, Ericka, nio, Lusa, Bruno, Pedro, Mariana, Lucas, Roberta, Cleto, Arthur, Charles, Alessandra e Priscila, por estarem comigo sempre, em quase todos os momentos felizes e tristes.

    Aos meus amigos de corao e alma, Lucineide, Rodrigo, Carol, Breno, Patrcia, Danusa, Beatriz, Bruno, Allan, Tiago, Giselle, Marta, Isabella, Romero, Emlio, Silvana, Larissa, Suzy, Pedro, Marcelo, Gabriel, Dani, Marcelo, Patrcia, Ariadne, Zane, Pedro, Maria, Paulo, Cleiton, Alice, Derickson, Nathlia, Itamar. Por simplesmente me aguentarem e quando gritava eles estavam juntos.

    A Maria Rita Machado, por ser minha amiga e abrir as portas dos seus apartamentos em So Paulo (vrias vezes) para me receber.

    A Vanessa Lira, por me ajudar com o material cartogrfico. Aos que me concederam um tempo precioso para responder as minhas

    indagaes e trocar idias como; Prof Dr Ruskin Freitas, No Srgio, Prof Dr Cludio Castilho, Bruno Cavalcanti, Ceclia Rocha e aos moradores e trabalhadores da cidade do Recife.

    Aos dois esquizofrnicos da minha vida, Josu Rinaldo Marinho da Rocha (pai) e Rodrigo Marinho (irmo). Senti muita falta de vocs, de um pai e um irmo nesse tempo, apesar de no ter notcias e nem saber o que fazer.

    As duas pessoas mais importantes da minha vida: Professora Dr. Aldemir Dantas Barboza e Felipe Bezerra Serafim.

    Mame, voc sempre foi o que quero ser, inteligente, confiante e amiga. Uma pessoa to do bem que s tenho a admirar. Obrigada por ser companheira, me ajudar e amar tanto. Tenho muito orgulho de ser sua filha e quero muito que voc se orgulhe de ser minha me.

    Lipe, s vezes, acho que tu no s real. Sempre que olho para voc, vejo a sorte que tive. Tu s simplesmente o melhor, j sabia disso, e nesses ltimos anos todos tiveram certeza. Um companheiro, meu melhor amigo. S ns sabemos o que passamos e eu s consegui passar por tudo to bem, por ter voc do meu lado. Tenho certeza que vamos ficar velhinhos juntos, ns e nossos quatro.

    A Deus, por ter me movido de tanta fora para enfrentar uma doena to chata e me dado condies de terminar essa tese. Sem Ele nada disso seria possvel.

  • RESUMO

    Nesta tese, tive como objetivo analisar como as transformaes urbanas tm sido produto e condio de reproduo das intervenes, sejam elas pblicas e privadas, que foram ou esto sendo implantadas na cidade do Recife, no Estado de Pernambuco, do incio do sculo XX at os dias atuais. Para a realizao do estudo proposto, analisei a transformao do espao em mercadoria pelas intervenes pblicas e privadas, os processos mais gerais e particulares da urbanizao, os movimentos sociais de resistncia que se materializam na cidade do Recife desde a sua colonizao, focando nos ltimos 50 anos e a identificao dos projetos urbansticos como condio reproduo do capital. Essa escolha deve-se, fundamentalmente, as grandes intervenes que vem ocorrendo na metrpole atualmente e s alternativas desenvolvidas pelas classes dirigentes para viabilizar novas possibilidades de atuao para o capital. Com isso, ao longo desta tese, percebe-se que a cidade do Recife se materializa como sendo mais um espao de realizao de reproduo do capital, atravs da implantao de grandes projetos urbanos pela apropriao do espao e a transformao dele de acordo com os interesses e necessidades do capital. As intervenes mais importantes e significativas na regio metropolitana do Recife esto relacionadas ao sistema virio e a mobilidade, visando acumulao do capital e so apropriadas pelos agentes hegemnicos de mercado na reproduo do capital. O desencadeamento das intervenes urbanas gerou conflitos e contradies cujos efeitos so identificados no cotidiano do lugar, atravs da anlise das estratgias de apropriao do espao, bem como dos movimentos de resistncia na reconquista do espao pblico.

    Palavras-chave: Espao Urbano; Resistncia; Produo e Reproduo do Espao.

  • LISTA DE FOTOS

    Foto 2 - Reabertura do Cinema So Lus ..............................................................59 Fotos 3 e 4 - Carnaval no Bairro do Recife ...........................................................62 Foto 5 - Linha de Bonde no Fundo, Beberibe .....................................................87 Foto 6 - Construo de Bonde Eltrico na Avenida Boa Viagem em 1923.........90 Foto 7 - Cais do Apolo, rea de aterro com a presena de prdios pblicos..113 Foto 8 - Praa do Marco Zero...............................................................................115 Foto 9 - Parque das Esculturas............................................................................115 Foto 10 - Praa do Marco Zero, com o Parque das Esculturas ao fundo.........116 Foto 11 - Terminal Martimo de Passageiros, localizado na Praa do Marco Zero................................................................................................................................116 Foto 12 - Shopping Boa Vista...............................................................................124 Foto 13 - Avenida Conde da Boa Vista direo centro ......................................126 Foto 14 - Avenida Conde da Boa Vista direo oeste........................................126 Foto 15 - Hospital Esperana e Unimed localizados na Ilha do Leite...............131 Foto 16 - Estacionamento na Rua do Bairro do Recife......................................138 Foto 17 - Agamenon Magalhes em 1972............................................................141 Foto 18 - Agamenon Magalhes em 2012............................................................141 Foto 19 - Implantao do corredor mudou cenrio ocupado por famlias de baixa renda. ...........................................................................................................144 Foto 20 - Construo da Via Mangue e do Shopping Rio Mar...........................147 Foto 21 Revitalizao da Rua da Aurora.......................................................155 Foto 22 - Centro Cultural Santander a esquerda e Centro Cultural Caixa Econmica a direta ...............................................................................................157 Foto 23 - Passo do Frevo sendo requalificado ...................................................158 Foto 24 - Avenida Cais da Alfndega, com shopping Pao Alfndega a direita em amarelo ............................................................................................................160 Foto 25 - Igreja da Madre de Deus .......................................................................162 Foto 26 - Edifcio Chanteclair sendo requalificado, ao lado Igreja da Madre de Deus .......................................................................................................................162 Foto 27 - Apresentao na Praa do Arsenal no Bairro do Recife ...................166 Foto 28 - rea das crianas na Praa do Arsenal no Bairro do Recife, no projeto Viva o Recife Antigo.................................................................................167 Foto 29 - Obras de implantao do Porto Novo .................................................168 Foto 30 Avenida Dantas Barreto antes de ser modificada .............................194 Foto 31 Avenida Dantas Barreto depois de 1973, com a destruio do patrimnio..............................................................................................................194 Foto 32 Cameldromo na Avenida Dantas Barreto.........................................196 Foto 33 - Manifestao contra a construo do shopping na Tamarineira......200 Foto 34 Equipamentos de lazer localizados no Parque Dona Lindu .............202 Foto 35 Muro do Parque Dona Lindu pichado antes da inaugurao ...........203 Foto 36 Protesto contra a construo do Parque Dona Lindu.......................203 Foto 37 - Movimento Ocupe Estelita no Cais Jos Estelita ...........................204 Foto 38 - Movimento Ocupe Estelita no Cais Jos Estelita ...........................204 Foto 39 Manifestaes culturais com crianas ...............................................205 Foto 40 Ciclistas aderindo ao movimento........................................................205 Foto 41 - Pintura nos muros degradados............................................................205 Foto 42 - Cais Jos Estelita visto do bairro de Braslia Teimosa......................207 Foto 43 Shopping Rio Mar e igrejas do bairro de So Jos ...........................209

  • Foto 44 Manifestao na Avenida Conde da Boa Vista ..................................211 Foto 45 Policiais controlam a manifestao na Avenida Conde da Boa Vista................................................................................................................................211 Foto 46 - Ponte Poeta Joaquim Cardoso ao fundo hospital Pedro II, bairro dos Coelhos ..................................................................................................................220 Foto 47 - Complexo do bairro de Joana Bezerra visto da Ponte Poeta Joaquim Cardoso..................................................................................................................220 Foto 48 - Empresariais e polo mdico do bairro Ilha do Leite direita e Hospital Pedro II esquerda no bairro dos Coelhos, vistos da Ponte Poeta Joaquim Cardoso..................................................................................................................221 Foto 49 - Antiga fbrica Matarazzo e a presena das palafitas no bairro dos Coelhos, vistos da Ponte Poeta Joaquim Cardoso............................................222 Foto 50 Comunidade do Coque na Ilha de Joana Bezerra com Bairro de So Jos ao fundo........................................................................................................224 Foto 51 - Imveis do Bairro de Braslia Teimosa................................................227 Foto 52 - Bairro de Braslia Teimosa, com os bairros do Pina e Boa Viagem ao fundo ......................................................................................................................227 Foto 53 - Bairro de Braslia Teimosa, com os Bairros da Cabanga, So Jos e do Recife ao fundo ................................................................................................227 Foto 54 - Obras de requalificao urbana na Comunidade do Pilar .................228 Foto 55 - Trabalhadores do projeto de requalificao da comunidade do Pilar................................................................................................................................229 Foto 56 Igreja do Pilar sendo requalificada .....................................................231 Foto 57 - Torres Gmeas no Bairro de So Jos ............................................238 Foto 58 - Construo de prdio na Rua da Aurora, Bairro de Santo Amaro....239

  • LISTA DE MAPAS

    Mapa 1 - Regionalizao dos Municpios do Estado de Pernambuco................48 Mapa 2 - Regio Metropolitana do Recife..............................................................49 Mapa 3 - Mapa da diviso poltico-administrativa da cidade do Recife, em destaque a RPA1. ....................................................................................................50 Mapa 4 - Meio de transporte no Recife em 1906...................................................88 Mapa 5 - Bairro do Recife .....................................................................................104 Mapa 6 - Bairro da Boa Vista ................................................................................120 Mapa 7 - Bairros da Regio Poltico-Administrativa 1 (RPA-1), destacando os bairros do Paissandu e Ilha do Leite. ..................................................................130 Mapa 8 - Bairro da Ilha do Leite com a presena dos principais hospitais......133 Mapa 10 - Mapa do Sistema Virio da Cidade do Recife....................................143 Mapa 11 - Bairro dos Coelhos ..............................................................................218 Mapa 12 Bairro da Ilha de Joana Bezerra.........................................................223

    LISTA DE FIGURAS

    Figura 1 - O Povo dos arrecifes .............................................................................81 Figura 2 - Mapa do Brasil Holands.......................................................................83 Figura 3 - Planta da Cidade do Recife em 1645 ....................................................84 Figura 4 - Planta do aglomerado urbano do Recife em 1844...............................86 Figura 5 - Vista do Bairro de So Jos..................................................................95 Figura 6 - Arco de Santo Antnio demolido em 1917.........................................105 Figura 7 - Ptio de Corpo Santo...........................................................................106 Figura 8 - Ptio de Corpo Santo...........................................................................111 Figura 9 - Palcio da Boa Vista ............................................................................121 Figura 10 - Rua da Imperatriz e Praa Maciel Pinheiro ......................................122 Figura 11 - Comparao entre os viadutos previstos em 1970 e em 2012.......145 Figura 12 - Projeo Viadutos Agamenon Magalhes .......................................146 Figura 13 - Metr do Recife ..................................................................................151 Figura 14 Aes Reestruturadoras do Plano Recife Nosso Centro ...........164 Figura 15 Aes de Suporte ao Plano Recife Nosso Centro ......................165 Figura 16 Projeto Capibaribe Melhor................................................................180 Figura 17 - Projeto Novo Recife Cais Jos Estelita.........................................183

    LISTA DE TABELAS

    Tabela 1 - Evoluo da populao da cidade do Recife ......................................93 Tabela 2 - Populao do bairro do Recife .............................................................94 Tabela 3 Populao do bairro de So Jos........................................................95 Tabela 4 - rea e habitantes dos bairros do Paissandu e Ilha do Leite ...........131 Tabela 5 - rea e habitantes dos bairros de Braslia Teimosa, Coelhos, Ilha de Joana Bezerra, Bairro do Recife e So Jos.......................................................217

  • LISTA DE SIGLAS

    AD Diper Agncia de Desenvolvimento Econmico de Pernambuco BC Banco Central BID Banco Internacional de Desenvolvimento BIRD Banco Internacional para a Reconstruo e o Desenvolvimento BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social CBTU Companhia Brasileira de Trens Urbanos CEF Caixa Econmica Federal CEHAB Companhia Estadual de Habitao e Obras CELPE Companhia Eltrica de Pernambuco CENDHEC Centro Dom Helder Cmara de Estudos e Ao Social CESAR Centro de Estudos e Sistemas Avanados do Recife CIODS Centro Integrado de Operaes de Defesa Social COMUL Comisso de Urbanizao e Legalizao CONAB Companhia Nacional de Abastecimento CONDEPE-FIDEM Agencia Estadual de Planejamento e Pesquisa de

    Pernambuco CPRH Agncia Estadual de Meio Ambiente de Pernambuco CPTRA Centro de Preveno e Tratamento do Alcoolismo CTTU Companhia de Transito e Transporte Urbano DEM Democratas DETRAN Departamento Estadual de Trnsito DOE Dirio Oficial do Estado DOU Dirio Oficial da Unio DPSH Departamento de Planejamento dos Stios Histricos EMLURB Secretaria de Servios Pblicos EVTE Estudo de Viabilidade Tcnica e Econmica FIDEM Fundao de Desenvolvimento Municipal FNHIS Programa de Produo Social de Moradia FUNDAJ Fundao Joaquim Nabuco FUNDARPE Fundao do Patrimnio Histrico e Artstico de Pernambuco GPUS Grandes Projetos Urbanos IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica ICMS Imposto Sobre Circulao de Mercadorias e Servios IPHAN Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional IPTU Imposto Predial e Territorial Urbano ISS Imposto Sobre Servios ITBI Imposto Sobre Transmisso de Bens Imveis JCPM Joo Carlos Paes Mendona LOMR Lei Orgnica do Municpio do Recife LUOS Lei de Uso e Ocupao do Solo MDU Programa de Ps-Graduao em Desenvolvimento Urbano ONGs Organizaes No-Governamentais OP Oramento Participativo PAC Programa de Acelerao do Crescimento PBR Plano de Revitalizao do Bairro do Recife PCR Prefeitura da Cidade do Recife PDCR Plano Diretor de Desenvolvimento da Cidade do Recife

  • PFL Partido da Frente Liberal PMPE Polcia Militar de Pernambuco PMR Polo Mdico do Recife PREZEIS Plano de Regularizao das Zonas Especiais de Interesse

    Social PRODETUR Programa de Desenvolvimento do Turismo PROMORAR Programa de Erradicao de Sub-Habitao PRUISCP Programa de Requalificao Urbanstica e Incluso Social da

    Comunidade do Pilar PT Partido dos Trabalhadores REVAP Requalificao de reas Porturias RFFSA Rede Ferroviria Federal RMR Regio Metropolitana do Recife RPA 1 Regio Poltico Administrativa 1 RPAs Regies Poltico Administrativas SEASR Secretaria Estadual de Articulao Social e Regional SDS Secretaria de Defesa Social SFH Sistema Financeiro de Habitao SGM Sistema Gestor Metropolitano SNHIS Sistema Nacional de Habitao de Interesse Social SPHAN Servio de Patrimnio Histrico e Artstico Nacional SPU/PE Superintendncia do Patrimnio da Unio em Pernambuco SUS Sistema nico de Sade TIC Tecnologia da Informao e Comunicao TIP Terminal Integrado de Passageiros UFPE Universidade Federal de Pernambuco UNESCO Programa das Naes Unidas para Educao, Cincia e

    Cultura URB Empresa de Urbanizao do Recife ZEIS Zona Especial de Interesse Social ZEPH Zona Especial de Preservao do Patrimnio Histrico-Cultural ZET Zona Especial de Interesse Turstico

  • SUMRIO

    INTRODUO ..........................................................................................................17 1 OUTRA ABORDAGEM PARA A ANLISE DO ESPAO URBANO ...................28 1.1 O Mtodo Progressivo-Regressivo na Anlise do Espao............................28 1.2 Concepes Relativas Produo e Reproduo do Espao Urbano ........40 1.3 A Construo do Conceito de Cidade e Metrpole ........................................42 1.4 Territrio: Luta pela Apropriao e Uso do Espao.......................................51 1.5 Centro, Centralidade e Requalificao do Urbano .........................................54 1.5.1 Decadncia / estagnao das reas centrais x surgimento de novas centralidades.............................................................................................................57 1.5.2 O Recife e a sua dimenso cultural: passagem do local de produo para objeto de consumo e as polticas de city marketing ..................................................60 1.5.3 Consumo do espao - novos habitantes para o antigo centro: surgimento da gentrificao..............................................................................................................63 1.5.4 Apropriao do centro antigo por populao de baixa renda ...........................68 1.6 Transformaes Urbanas Decorrentes das Intervenes .............................71 2 CONFIGURAO E TRANSFORMAO: AS INTERVENES URBANAS NA CIDADE DO RECIFE ................................................................................................77 2.1 Consideraes sobre a Historicidade do Processo de Intervenes Urbanas na cidade do Recife.................................................................................................77 2.2 Recife: Bases Histricas da Evoluo da Populao Urbana.......................92 2.3 Projetos de Interveno Urbana na Cidade do Recife ...................................99 2.3.1 Bairro do Recife..............................................................................................102 2.3.2 Bairro da Boa Vista.........................................................................................119 2.3.3 Polo Mdico do Recife....................................................................................127 2.3.4 Porto Digital....................................................................................................135 2.3.5 Intervenes no sistema virio como forma de descentralizao e mobilidade................................................................................................................................140 2.3.6 Pequenas intervenes: cultura como produto ..............................................154 2.3.6.1 Programa Monumenta.................................................................................158 2.3.6.2 Plano Recife Nosso Centro e Recife Viva o Centro / Viva o Recife Antigo................................................................................................................................163 2.3.7 O Porto Novo..................................................................................................168 2.3.8 Projetos antigos e atuais ainda no executados ............................................171 2.3.8.1 Projeto Turstico-Cultural Recife-Olinda ......................................................172 2.3.8.2 Projeto de navegabilidade do Rio Capibaribe e Beberibe ...........................178 2.3.8.3 Projeto Capibaribe Melhor...........................................................................180 2.3.8.4 Projeto Novo Recife - Cais Jos Estelita...................................................182 3 CONFLITOS NO ESPAO URBANO: RESISTNCIA SOCIAL VERSUS INTERESSE ECONMICO.....................................................................................187 3.1 Movimentos Sociais de Resistncia..............................................................187 3.1.1 O caso da Avenida Dantas Barreto ................................................................193 3.1.2 Movimento Amigos da Tamarineira .............................................................197 3.1.3 Dona Lindu .....................................................................................................201 3.1.4 Ocupa Estelita - #Ocupeestelita .....................................................................204 3.1.5 Via Mangue / Rio-Mar.....................................................................................208 3.1.6 Manifestaes em grandes vias: o caso das Avenidas Conde da Boa Vista e Agamenon Magalhes ............................................................................................210 3.2 Intervenes Urbanas em Comunidades de Baixa Renda...........................213

  • 3.3 Planejamento e gesto dos espaos urbanos por grupos de interesse ....231 3.4 Segmento Imobilirio x Virio ........................................................................236 CONSIDERAES FINAIS ....................................................................................245 REFERNCIAS.......................................................................................................249 ANEXO ...................................................................................................................258 APNDICE..............................................................................................................262 ROTEIRO DE ENTREVISTA ..................................................................................263 Modelo 1. Para os Tcnicos que trabalham ou conhecem as intervenes urbanas ..................................................................................................................263 ROTEIRO DE ENTREVISTA ..................................................................................264 Modelo 2. Para os Trabalhadores e Frequentadores do Bairro do Recife .......264

  • INTRODUO

    A configurao atual do Recife vem se tornando um desafio para os estudiosos do espao, principalmente com relao produo e reproduo do espao urbano. Os diversos projetos de interveno realizados e em via de realizao, a ausncia de integrao e a pouca participao popular so fatores que dificultam e interferem no resultado final das aes de significado espacial e tornam sua anlise bastante complexa.

    As intervenes urbanas so estratgias pblicas ou privadas e objeto de anlise de vrios estudos e pesquisas, no Brasil e no mundo, nas ltimas trs dcadas (BIDOU-ZACHARIASEN, 2006; CAMPOS, 2002; 1999; GOMES, 2007; HARVEY, 1994, 2004; LEITE, 2007; SMITH, 1996, 2006, 2007; VILLAA, 1998; ZANCHETI, 1998). Os projetos de requalificao na rea central da cidade, a abertura de grandes vias, os empreendimentos imobilirios (condomnios fechados e a verticalizao), a reabilitao das reas porturias, as intervenes pontuais, os megaeventos e tantos outros com grande expresso territorial e econmica, viabilizados por investimentos pblicos e privados, criam novas formas de produo do espao e contribuem para a valorizao imobiliria e reproduo das desigualdades sociais nas grandes cidades brasileiras.

    As grandes intervenes contribuem para a promoo de alteraes significativas nas formas de produo e apropriao social do espao urbano. O processo de produo no apenas histrico e social, sendo responsvel por conflitos, pois nem todos se apropriam desse espao de maneira democrtica, nem vo ter as mesmas oportunidades, o que gera segregao espacial e privao da cidadania.

    Numa sociedade estruturada no sistema capitalista em que os produtores do espao (Estado, grandes empresas, agentes do mercado, empreendedores imobilirios, populao local, como os comerciantes, moradores e populao civil organizada) transformam os recursos naturais e os patrimnios de sua histria e de sua cultura em mercadoria, torna-se preocupante a produo do espao,

  • 18

    evidenciando a importncia de se repensar e se almejar novos padres de planejamento e de gesto do territrio.

    As observaes e reflexes sobre as intervenes pblicas e privadas que foram ou esto sendo implantadas na cidade do Recife, e de como estas transformam o espao em mercadoria, foi fundamental para elaborao desta tese que aborda o processo de transformao espacial como condio reproduo do capital e como os movimentos sociais contribuem com esse processo.

    Esse tema importante para entender como as transformaes espaciais tem sido produto e condio das intervenes urbanas sejam elas pblicas ou privadas. Elas ocorrem antes, durante e depois do processo de implantao das intervenes, condicionando a reproduo do capital.

    Assim, o processo de transformao das cidades repercute na forma de reproduo da propriedade privada da terra, com o espao revelando cada vez mais a contradio entre valor de troca e valor de uso, gerando conflitos entre os diversos segmentos sociais e econmicos envolvidos nessa dinmica.

    A propriedade da terra, ou do solo urbano fundamental para se entender a dinmica de sua valorizao. De acordo com Suzuki (2002), que analisou a gnese da moderna cidade de So Paulo, os imveis se transformam em mercadoria fundamental na reproduo das relaes sociais. A propriedade moderna permitiu a produo capitalista da cidade de So Paulo, inclusa na lgica da terra como mercadoria e na criao de um mercado imobilirio. (SUZUKI, 2002, p.8).

    A produo do espao est relacionada com o processo de acumulao do capital, por isso, o espao um importante elemento na sua reproduo. E para este se reproduzir necessrio que haja uma explorao efetiva, seja por parte do Estado ou da iniciativa privada. E essa explorao est ocorrendo por meio dos projetos de interveno realizados no Recife.

    A cidade do Recife a capital do Estado de Pernambuco, localizada na regio Nordeste do Brasil. Est dividida em 6 RPAs (Regies Poltico Administrativas),

  • 19

    conforme a Lei Municipal n 16.293, de 22/01/97, em que o ordenamento da Prefeitura da Cidade do Recife reflete os aspectos espaciais dos diferentes territrios existentes na cidade do ponto de vista das relaes sociais que neles se desenvolvem ou da realidade econmica da populao que neles vive.

    A Regio Metropolitana do Recife (instituda pela Lei Federal n 14, de 08/06/73) formada por municpios cujas ligaes com o centro da capital so intensas de acordo com a distncia e as facilidades de comunicao com esses municpios. O Recife se destaca como importante rea industrial, comercial e de servios o que favorece os grandes fluxos econmicos e populacionais entre o seu centro urbano e as cidades do seu entorno, num processo efetivo de conurbao.

    A metrpole o locus das disputas territoriais dos habitantes que a compem. As intervenes urbanas que ocorrem na cidade do Recife so um fragmento da metrpole, no entendimento da reproduo do espao urbano, pois apia a reproduo do capital.

    Dessa forma, o tema interveno urbana no pde ser abordado apenas no espao territorial da cidade do Recife, pois ele se reproduz por toda a sua regio metropolitana. Assim, foram escolhidos fragmentos do espao do Recife, pensado no processo de metropolizao, pela capital manter uma forte relao de interdependncia econmica e um notrio movimento pendular de sua populao, principalmente com as cidades de Olinda e Jaboato dos Guararapes.

    O Recife passou e vem passando por constantes transformaes no seu espao, causados por diversos sujeitos e interesses. Dessa forma, a anlise desse espao compreende um rduo exerccio de investigao e compreenso de sua identidade, particularidade e complexidade, sobretudo pela totalidade e fragmentao do seu territrio e sua dimenso como uma metrpole.

    De pequeno a grande centro, atrasado ou desenvolvido, antigo ou recente, toda cidade apresenta uma produo espacial e cultural que expressa as atividades econmicas e os costumes e tradies dos seus habitantes. E isso depende do

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    processo histrico da formao, ocupao e evoluo do espao e da condio do quadro natural, ou seja, do local de sua insero.

    Nos ltimos anos, a interpretao das prticas de apropriao social do espao urbano tem despertado novas linhas de abordagens ao planejamento urbano. Os lugares possuem componentes fsicos, como, por exemplo, da estruturao de seus tecidos urbanos e das suas tipologias, alm de contedos culturais expressos nas diferentes formas de apropriao social do espao. Quando definimos lugar, reportamo-nos, primeiramente, geografia, especificamente aos estudos desenvolvidos por Tuan (1983, p.3 e 6) que o conceitua, distinguindo-o do significado de espao.

    O lugar segurana e o espao liberdade: estamos ligados ao primeiro e desejamos o outro. [...]. Na experincia, o significado de espao frequentemente se funde com o de lugar. Espao mais abstrato do que lugar. O que comea como espao indiferenciado transforma-se em lugar medida que o conhecemos melhor e o dotamos de valor. [...]. As idias de espao e lugar no podem ser definidas uma sem a outra. A partir da segurana e estabilidade do lugar estamos cientes da amplido, da liberdade e da ameaa do espao, e vice-versa. Alm disso, se pensamos no espao como algo que permite movimento, ento lugar pausa; cada pausa no movimento torna possvel que a localizao se transforme em lugar.

    Dessa forma, a categoria lugar vai aparecer, nessa discusso, como uma forma de a populao, por se sentir pertencente cidade, buscar melhores condies e qualidade de vida. Nessa anlise entendido que os diversos segmentos sociais e econmicos se apropriam, vivem e usam o espao, assim, o lugar passa a ser entendido como territrio, como um objeto de conquista. Segundo Castilho (2009, p.7): no mais o territrio per si que se torna alvo de disputas de poderes; mas tambm o uso do territrio, como meio de conquista do acesso a servios e oportunidades concretas de incluso social.

    A concentrao de populao nas grandes cidades traz tona a questo da cidadania em que se insere a problemtica espacial, pois a ocupao do espao legalmente irregular traz em si mesma a degradao ambiental e a deteriorao da

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    qualidade de vida da populao. Com isso, nem sempre o acmulo de riquezas na cidade traz melhorias para a populao, pois essas nem sempre podem ter acesso seletivo aos diversos usos e funes da cidade, o que contribui para a desigualdade social.

    As pessoas passam a lutar por melhores servios e uma qualidade de vida decente, para alm do pensamento fragmentrio. Isso implica em:

    um outro modo de organizar e produzir o espao levando em conta novas formas de organizao, lutas e usos do territrio pelos diversos atores sociais, na busca da construo de um espao coletividade humana e no apenas a determinados grupos de privilegiados. (CASTILHO, 2009, p.7).

    Nos ltimos anos, os movimentos sociais esto cada vez mais complexos e ativos. No Recife, isso no diferente, h lutas e movimentos organizados para debater e discutir as intervenes urbanas. A resistncia apesar de existir desde as primeiras intervenes, apenas nos ltimos trs anos vem sendo mais difundida. A populao vem exigindo a participao nas decises sobre a cidade e isso est trazendo ao debate a necessidade de um espao urbano melhor e mais humano.

    Todo lugar tem suas formas de resistncias, as pessoas, os governos, so os contramovimentos, as contrarracionalidades no cotidiano, segundo Lefebvre (1979, 2006), e as resistncias s foras hegemnicas de acordo com Milton Santos (1985, 1999).

    necessrio demonstrar que essa populao est sim participando, discutindo, enquanto sociedade civil organizada mesmo que em muitas vezes o discurso no abrangeu a questo tcnica de um projeto e sim apenas seu carter ideolgico, em que prevalecem as discusses superficiais, sem aprofundamento. Os vrios segmentos sociais e econmicos, com interesses diferenciados, interagem no Recife. Apesar da existncia de conflitos, h uma relao que contribui para a reproduo desse espao.

    Vrios casos de movimentos de resistncia foram analisados nessa tese, destacando-se cada qual com a sua peculiaridade e realidade tmporo-espacial

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    como o movimento contra a Dantas Barreto, contra o Recife-Novo no Cais Jos Estelita, o Parque Dona Lindu e a Tamarineira.

    Estudar o Recife torna-se algo importante no s no sentido de avanar nas discusses sobre a urbanizao da cidade como tambm, devido ao potencial histrico/cultural existente no seu patrimnio histrico e nas manifestaes culturais, bem como trazer tona algumas contribuies e reflexes sobre as transformaes que esto acontecendo e que vo ocorrer principalmente por causa de grandes projetos que prevem intervenes de grande porte em infraestrutura, comrcio, lazer, servios e habitaes.

    A preocupao com as intervenes na cidade vlida porque as polticas econmicas que ocorrem e que vm ocorrendo no diminuram as desigualdades sociais, pelo contrrio, aumentaram, gerando condies de deteriorao urbana mais intensa. O poder pblico se incomoda tanto com a imagem, em deixar aparente as aes de impacto poltico, que, s vezes, so esquecidas coisas bsicas, como infraestrutura, sade, educao, trabalho e moradia, visto que geralmente ignora o bem-estar da populao, sobretudo, as mais carentes.

    Diante desse quadro complexo do uso e ocupao e das transformaes da rea de estudo, mais objetivamente algumas indagaes decorrem como: Quais as mudanas no Recife decorrentes da acumulao e expanso do capital? Por que o patrimnio transformado em mercadoria cultural? Como ocorre o processo de transformao espacial do Recife decorrentes da reproduo do capital? Quais os projetos de requalificao urbana que foram ou que esto sendo implantados? Est realmente ocorrendo o processo de gentrificao? H realmente um esvaziamento do centro ou h apenas uma transformao nos usos e nas funes? Houve uma mudana no preo dos imveis urbanos? Como atuam os movimentos de resistncia contra os projetos de interveno urbana?

    Diante de todas essas questes, surge uma central que abarca todos os outros questionamentos que a proposta desta tese: De que maneira a expanso e

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    transformao do Recife tem sido produto e condio de reproduo das intervenes urbanas pblicas e privadas?

    Dessa forma, entende-se que o espao no apenas receptculo ou produto dos objetos e fluxos produzidos pela sociedade, ele um produto, mas tambm condio de reproduo das relaes de produo. Assim, o espao expe seu contedo poltico, como lugar de contradies e conflitos entre classes e grupos com suas diversas estratgias na luta por sua apropriao.

    O fundamento do problema estudado est na busca dos significados das intervenes que o Recife determina, aps as rupturas ocorridas em suas histricas formas, decorrentes das reformas existentes desde o incio do sculo XX at os dias atuais. H evidncias no comportamento quotidiano dos seus habitantes a indicar que as transformaes talvez no tenham sido percebidas e interpretadas dentro da mesma lgica aplicada na leitura das mudanas manifestadas em outras capitais brasileiras.

    A sociedade, durante o processo de ocupao do territrio, estruturou o espao urbano, de acordo com as suas necessidades de moradia, trabalho e lazer, o que caracteriza um padro espacial que se apresenta de modo diferente em cada cidade, revelando caractersticas prprias originadas daquilo que podemos chamar de cultura urbana ou cultura das cidades.

    Hoje em dia, alm da expanso econmica continuar ampliando o espao, ocorre tambm a sua diferenciao interna. Isso significa que ilusrio pensar que apenas a sociedade e suas necessidades bsicas, sem o vetor econmico, contribuem para a atual produo desigual do espao. O sistema capitalista acelera o processo urbano, h diversos interesses em jogo, sejam pblicos, privados ou da populao de acordo com suas classes sociais. E o difcil chegar a um consenso, sobre o que melhor para a cidade e a populao. Os moradores nem sempre so ouvidos, pois o Estado tende a proteger os interesses daqueles que detm capital. Segundo Harvey (2004), o pblico tende a assumir os riscos na parceria pblico-privada enquanto o privado fica com os lucros.

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    As mudanas espaciais e culturais, resultantes do processo de apropriao do espao, geram transformaes na forma de produzir o espao urbano. Essas esto associadas acumulao e expanso do capital. Nos ltimos anos, temos assistido ao surgimento de uma nova forma de estruturao espacial e uma acelerada transformao das cidades mundiais, orientada pela imposio de uma racionalidade tcnica de acordo com as necessidades de acumulao que produzem o espao como condio da produo. Com isso, as cidades revelam as contradies impostas pelo capitalismo, no seu desenvolvimento.

    Face s discusses apresentadas, tem-se como objetivo desta tese analisar como as transformaes urbanas tm sido produto e condio de reproduo das intervenes, sejam elas pblicas e privadas, que foram ou esto sendo implantadas na cidade do Recife, do incio do sculo XX at os dias atuais.

    Neste sentido pretende-se: 1. Analisar como as intervenes pblicas e privadas transformam o espao

    em mercadoria; 2. Identificar como os projetos urbansticos contribuem para transformao

    espacial da Regio Metropolitana do Recife como condio reproduo do capital; 3. Compreender a dinmica de valorizao da terra a partir da identificao

    dos planos de interveno urbana; 4. Discutir como atuam os movimentos de resistncia existentes na cidade do

    Recife.

    Tendo em vista os objetivos apresentados, algumas hipteses acerca do tema foram definidas afim de nortear esta pesquisa. Entende-se que o Recife vem sendo espao de vrias experincias inovadoras com relao s intervenes urbanas. E vai ser mais uma vez com a implantao de grandes projetos urbanos, os quais, independentemente de sua dimenso, possuem uma perspectiva de seletividade espacial que privilegia uma classe social em detrimento de outra. Nesse caso, h uma concepo hegemnica de desenvolvimento, em que tudo que incompatvel ou indesejvel deixado de lado. Portanto, h a transformao do espao em mercadoria (lazer; entretenimento; aumento do consumo).

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    Os agentes produtores desse espao, sejam o Estado, os proprietrios, a iniciativa privada e os grupos sociais excludos, se apropriam do solo urbano e transformam o espao de acordo com os interesses e necessidades do capital. Todos os empreendimentos que foram ou que vo ser implantados contribuem para a produo do espao urbano. Por causa das intervenes tambm vem ocorrendo no centro antigo do Recife o processo de gentrificao, financiado principalmente pelo Estado e pelos promotores imobilirios, principalmente por causa de programas como Morar no Centro, da Caixa Econmica Federal, e da construo de empreendimentos de alto padro, como no caso das Torres Gmeas.

    Os conflitos sociais resultantes do processo relativos s intervenes urbanas se manifestam por meio do processo de resistncia, que s vezes ocorre de forma direta, como nas lutas contra as desapropriaes, quanto na exigncia de uma parcela crescente da populao por direito cidade, uma urgncia de utilizao do espao pblico como um territrio para vivncia da vida cotidiana. Os projetos de interveno urbana indicam o movimento de reproduo do capital apoiado na renda da terra, em que a especulao imobiliria adquire uma funo importante na reproduo do capital na cidade.

    Visando os objetivos propostos nesse trabalho, inicialmente, foram consolidados os fundamentos terico-metodolgicos com o cumprimento das disciplinas do programa de ps-graduao em Geografia Humana e pela realizao de um levantamento minucioso de informaes em bibliotecas, internet, revistas e jornais, sobre o espao em foco, com a devida leitura e sistematizao. Tambm foram analisados casos similares em outras situaes espaciais. Foram coletadas informaes histricas, dados gerais sobre a Regio Metropolitana do Recife e informaes estatsticas, alm da realizao de levantamento cartogrfico.

    Foram utilizados dados cartogrficos por meio da anlise de mapas (Fundao de Desenvolvimento Municipal - FIDEM/PCR), pois, para uma compreenso mais ampla das aes das intervenes realizadas, foi necessrio produzir uma espacializao dos dados adquiridos, verificando, por meio da juno das informaes e anlise do material cartogrfico, as dinmicas dos projetos.

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    Os rgos que foram visitados como fontes de informaes importantes para essa pesquisa foram: Museu da Cidade do Recife (informaes histricas e fotos antigas), Fundao Joaquim Nabuco - FUNDAJ (informaes histricas), Prefeitura da Cidade do Recife (projetos de requalificao e de outras transformaes que esto ocorrendo nos bairros), Arquivo Pblico (informaes histricas), CONDEPE-FIDEM (projetos e mapas), Gabinete Portugus de Leitura (informaes histricas), URB - Empresa de Urbanizao do Recife (projetos de urbanizao, legislao vigente), EMLURB (projetos de urbanizao, legislao vigente), Instituto Histrico, Arqueolgico e Geogrfico do Estado de Pernambuco (informaes histricas), entre outros.

    Para entendimento do problema desta pesquisa, foi necessria a combinao de trabalhos empricos e tericos, compreendendo anlises subjetivas e objetivas dos fenmenos urbanos. Uma melhor visualizao do espao em estudo precisa da realizao da pesquisa de campo (observaes in loco) visando-se uma melhor compreenso do mesmo. Nela, foi feito o registro fotogrfico, com o intuito de identificar as transformaes que esto ocorrendo no Recife, decorrentes das mudanas causadas principalmente pelos projetos de requalificao.

    Tomou-se o cuidado de realizar o registro fotogrfico durante o dia e a noite, alm dos fins de semanas e em diferentes pocas do ano, porque os sujeitos que se apropriam desse espao so diferentes de acordo com a hora e o dia da semana.

    Nessa etapa, foram ouvidos alguns moradores, comerciantes, trabalhadores de espaos culturais, empreendedores imobilirios e responsveis pelos projetos de requalificao, sejam eles do poder pblico ou da iniciativa privada. Isso foi interessante para compreender um pouco da ocupao do espao urbano do Recife e verificar a percepo das pessoas com relao s intervenes que ocorreram e ocorrem. Assim, o sujeito pode transmitir qual o grau de satisfao com os empreendimentos implantados, alm de sugestes.

    Por fim, foram abordadas as metodologias para o desenvolvimento dos tpicos necessrios para a concluso da tese e a discusso dos resultados.

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    Procurou-se analisar e interpretar as informaes levantadas com o objetivo de identificar as relaes existentes entre os indicadores pesquisados e o espao em foco, dando sequncia elaborao da redao da tese.

    A tese se estruturou em trs captulos. No primeiro, discutem-se as linhas de interpretao acerca da requalificao, as questes polticas, econmicas e espaciais, bem como as suas dimenses de impacto. Tambm foi analisada a produo e reproduo do capital, salientando a dimenso cultural e o surgimento da gentrificao. Verificou-se que, por meio das intervenes implantadas pelo poder pblico e privado, o espao torna-se mercadoria com maior preo.

    No segundo captulo, trata-se dos projetos de interveno urbana no Recife. Discutem-se os grandes projetos e as aes pontuais, desde a colonizao at os dias atuais.

    No terceiro captulo, analisa-se a luta contra as intervenes urbanas orientada pelo mercado, mas viabilizada pelo Estado. Com base em entrevistas, fotografias, recortes de jornais foi aprofundada a discusso acerca dos movimentos sociais de resistncia que tem ocorrido no Recife.

  • 1 OUTRA ABORDAGEM PARA A ANLISE DO ESPAO URBANO

    1.1 O Mtodo Progressivo-Regressivo na Anlise do Espao

    Escolheu-se trabalhar nessa tese com o mtodo progressivo-regressivo de Lefebvre (2006), que visa estudar o mundo virtual, partindo do presente em direo ao passado, esclarecendo os processos do presente que apontam para o futuro. Entendendo primeiramente o que est ocorrendo, em seguida volta ao passado (o que ocorreu) e depois se analisa o que poderia ter ocorrido, o que deveria ter acontecido. Esse mtodo trata o espao-tempo como um par dialtico, indissocivel. Indicando um movimento de duplo sentido, um regressivo (do virtual-possibilidade ao atual, do atual ao passado) e um progressivo.

    Newton no sculo XVII d um salto qualitativo com relao ao espao, pensando este de forma tridimensional. Depois Einstein, no sculo XX, com a sua teoria da relatividade, vai dizer que no existe espao sem tempo, nem tempo sem espao. Um no existe sem o outro, so um par dialtico. Para Lefebvre (2006), o tempo a quarta dimenso do espao, as primeiras dimenses so: forma, meio e produto. A quinta dimenso do espao vai ser o cotidiano e a partir dele se constroem as formas de resistncia.

    Lefebvre (2006) apresenta, com marcas identitrias da forma de pensar e ver o mundo o pensamento tridico (MARTINS, 2008): a constituio da humanidade; na relao entre a sociedade e a natureza; e no desenvolvimento das foras produtivas para alm do real e do imediato, nesse desencontro entre o real e o possvel.

    A natureza como mediadora da constituio do humano hoje est posto por meio do problema da natureza segunda (LEFEBVRE, 1999), uma natureza criada pelo prprio homem, voltada contra ele, pois uma natureza que no se humaniza, nem liberta o homem de limitaes e redues.

    O espao social inicialmente inspirado/baseado na natureza e na evoluo do homem, - pois a prpria palavra antropolgico nos remete a esse entendimento-,

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    o espao social tende a extrapolar essa imediatidade, porque o anterior no espao no pode ser desconsiderado/descartado.

    Lefebvre (2006) fala que o espao social extrapola a imediatidade existente, por isso nada pode desaparecer completamente. O anterior, no espao, permanece o suporte do que segue (cap. IV. Item IV.1). Com base nessa considerao inicial feita pelo autor, entende-se que o espao absoluto no desapareceu, ele continua presente no espao abstrato.

    Martins (2008) insere mais uma faceta do pensamento de Lefebvre que interessante no entendimento do mtodo lefebvriano, originalmente presente em Marx e logo depois em Lnin, que a noo de formao econmica social:

    Uma idia que aparece ocasionalmente na obra marxiana, apenas indicada para dar conta da sedimentao dos momentos da histria humana, da histria da constituio da humanidade do homem, da histria da prxis. Essa noo j carrega consigo, na descoberta de Lefebvre, o intuito da datao das relaes sociais, a indicao de que as relaes sociais no so uniformes, nem tm a mesma idade. Na realidade, coexistem relaes sociais que tm datas diferentes e que esto, portanto, numa relao de descompasso e desencontro. Nem todas as relaes sociais tm a mesma origem. Todas sobrevivem de diferentes momentos e circunstncias histricas. (MARTINS, 2008)

    Essa uma concepo de totalidade, que se desdobra na totalidade do espao e do tempo, concepo que parece se coadunar com o objetivo que Lefebvre enuncia (cap. IV. Item IV.1, 2006). Este estudo compreende, pois, e tenta reagrupar o que se dispersa nas cincias parcelares e especializadas: etnografia, geografia humana, antropologia, pr-histria e histria, sociologia, etc.. E para isso, a ferramenta principal de leitura do real o mtodo progressivo-regressivo.

    A apreenso da totalidade do espao e do tempo conformaria o que ele chama de espao orgnico (cap. IV. Item IV.1, 2006). Contrariamente a essa apreenso da totalidade que permitiria vislumbrar o espao orgnico ele expe que todas as interpretaes que se bastam na imediatidade antropolgica e biomrfica esto limitadas, e portanto no do conta da abstrao, possibilitando apenas o vislumbre de parte dessa abstrao, ou seja, um vislumbre parcial.

    O espao assim concebido poder-se-ia nomear orgnico. Na imediatidade da relao entre os grupos, entre os membros de cada grupo, da sociedade com a natureza, o espao ocupado declara no terreno a

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    organizao da sociedade, as relaes constitutivas. Essas relaes do apenas um pouco de lugar abstrao. (cap. IV. Item IV.1, 2006).

    Para Lefebvre (2006), o objeto do conhecimento deve ser a conexo entre as representaes elaboradas do espao e os espaos de representao (cap. IV. Item IV.1, 2006). Essa conexo que fragmentada e incerta implica/explica um sujeito, no qual o vivido, o percebido, o concebido (o sabido) se reencontram numa prtica espacial. Assim, apreende-se o que realmente se passa e permite-se propor superaes. Tudo que se nega a isso cai no parcial e, portanto, no d conta do real.

    Com relao construo do social, ela pode ser datada contrariamente leitura nica e exclusiva do espacial, que em ltima instncia o espao absoluto. nessa contraposio espao absoluto (natureza) e espao relativo (social) que deve-se buscar a aplicao do mtodo progressivo-regressivo.

    Essa aplicao do mtodo progressivo-regressivo parte do reconhecimento de uma dupla complexidade da realidade social, que horizontal e vertical. Reconhecendo essa dupla complexidade estabelecem-se trs procedimentos (que seriam trs momentos do pensamento) para a aplicao do mtodo.

    O primeiro momento reconhecer a complexidade horizontal da vida social, isso pode e deve ser feito a partir da descrio do visvel. Deve-se ento enquanto pesquisador, reconstruir a diversidade das relaes sociais, identificando e descrevendo o que visto. Esse o momento descritivo do mtodo. Nesse momento, o tempo de cada relao social no est ainda identificado, reconstri uma paisagem descrevendo-a, entretanto isso no se observa na leitura do texto, mas aparece, por exemplo, em Lefebvre (cap. IV. Item IV.1, 2006), quando faz uma descrio narrativa dos Romanos:

    De Roma e dos romanos, a tradio crist carrega at a modernidade um espao repleto de entidades mgico-religiosas, divindades malficas ou benficas, machos ou fmeas, atados terra e ao mundo subterrneo (os mortos), mas submetidos a ritos e formalismos (...) A arte, pintura ou escultura ou arquitetura, a encontrou e a ainda encontra recursos.

    O segundo momento o analtico-regressivo, nesse momento, segundo Martins (2008, p.105), o pesquisador mergulha na complexidade vertical da vida

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    social, e da coexistncia de relaes sociais que tem datas desiguais. Nesse momento, a realidade analisada, decomposta. justamente quando o pesquisador tenta datar a realidade, cada relao social aparece com sua idade e sua data, cada elemento da cultura material e espiritual tambm tem sua data, o que primeiramente parecia simultneo e contemporneo descoberto agora como remanescente de poca especfica, (MARTINS, 2008, p.105), tem o que pode-se chamar de uma identidade prpria.

    Importante compreender a passagem do espao absoluto para o espao abstrato. Ento o que seria o espao absoluto? (LEFEBVRE, cap. IV. Item IV.1, 2006): Inicial e fundamental, o espao absoluto tem alguma coisa de relativo. Quanto aos espaos relativos, eles encobrem o absoluto. Salientando que nada pode desaparecer completamente. Esse espao absoluto quando produzido de alguma forma relativo.

    O espao absoluto se inicia no espao agropastoril. Lugares trabalhados por camponeses, pastores nmades ou semi-nmades. Ele marcado por uma falta de naturalidade pela ao dos senhores ou conquistadores, nessa hora ele aparece como superior, sagrado, porm no deixa de ser percebido como natureza. (LEFEBVRE, cap. IV. Item IV.1, 2006).

    No espao absoluto, o pblico e o privado se misturam. Essa afirmao lembra o livro do velho e j desaparecido historiador Fustel de Colanges e sua obra A cidade antiga, em que se trata logo de incio desse mnage (mistura) entre esses dois mbitos, de como a casa ao mesmo tempo uma extenso do templo, com o culto aos deuses em altares internos, os deuses familiares.

    Por exemplo, Lefebvre (cap. IV. Item IV.3, 2006) demonstra pela anlise-regressiva vertical que, em Roma, a paternidade (caracterstica do que domina, chefe, soldado, poltico, a Lei e o Direito) se impe sobre a maternidade do Mundus (o solo, os bens, os servidores, os escravos, as mulheres). Essa passagem implica a constituio de um espao mental e social, ao mesmo tempo que a propriedade privada dos solos, sua partilha, se impe segundo princpios abstratos que determinam ao mesmo tempo os limites das propriedades e o estatuto e proprietrio.

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    O grande problema que essa passagem acarreta e marca toda a histria vindoura do Ocidente para Lefebvre, a romanidade representa a passagem do domnio do signo dominante do Logos grego para a Lei romana. Ou seja, mais um momento de datao, mais um momento de anlise-regressiva. (LEFEBVRE, cap. IV. Item IV.3, 2006)

    tambm nesse momento que fica latente a importncia de uma construo do conhecimento para alm das cincias parcelares. Assim, a geografia, a histria, a economia, a estatstica, a sociologia e a filosofia serviriam para romper o pressuposto da homogeneidade do tempo de data nica, reconhecendo e datando os diferentes componentes da realidade social.

    O espao absoluto , sobretudo, o espao da morte. O poder absoluto sobre os vivos. O espao das tumbas, dos monumentos fnebres, possuindo uma beleza formal e um contedo terrificante. Espao dos santurios, onde o cemitrio cristo foi capaz de democratizar a imortalidade.

    Ele religioso ao mesmo tempo poltico. Compe-se de lugares sagrados-malditos, como templos, palcios, monumentos comemorativos e funerrios, lugares privilegiados e marcados.

    Geralmente, ele circundado, definido por um contorno, e recebe uma forma assinalada e significativa (o quadrado, a curva, a esfera, o tringulo etc). Nas sociedades consideradas, tudo se situa, se percebe, se interpreta pelas relaes com esses lugares. Esse espao no se compreende, portanto, como uma coleo de lugares e de signos; uma tal anlise o desconhece radicalmente; trata-se de um espao mental e social indiscernivelmente que compreende a existncia inteira dos grupos considerados (primeiramente a Cidade-Estado) e deve ser compreendido como tal. (LEFEBVRE, cap. IV. Item IV.2, 2006).

    Nesse sentido, h uma ampliao desse espao absoluto, tratando-o no apenas como lugares e imagens, mas tambm como discurso, linguagem, lgica, abstrao formal e espao social. Alm de religioso e poltico, ele tambm necessita ser social. Como diz Damiani (1999, p.162), o social no deve permanecer submerso ao econmico e ao poltico. A presso desses sobre o social, empobrece assim a vida social, no sentido de ela se dobrar vida privada, num mundo tecnolgico e economicamente desenvolvido.

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    O modo de existncia do espao absoluto real e fictcio. Fictcio por ter somente uma existncia mental, mas tambm tem uma existncia social, possuindo uma realidade especfica e potente. Um templo, com o que o envolve, fictcio ou real? O realista s v pedras; o metafsico apenas um lugar consagrado ao divino. No existe outra coisa?. (LEFEBVRE, cap. IV. Item IV.2, 2006)

    O espao absoluto vivido e no concebido, espao de representao mais que representao do espao; desde que ele se concebe, seu prestgio se atenua e desaparece. (LEFEBVRE, cap. IV. Item IV.2, 2006). Esse vivido pelas prticas do cotidiano, percepo do espao pelo corpo. a partir do corpo que o homem se percebe e vive o espao, seja na rua, numa festa. Explorao da prtica espacial como uma extenso do corpo. Ainda existe um corpo ou apenas trabalho?

    Esse espao absoluto no tolera a diferena entre o pblico e o privado, eles se misturam. S com o surgimento do lar que ele vai perceber alguma diferena. (LEFEBVRE, cap. IV. Item IV.2, 2006). Ser que esse espao vai ser anterior ao capital? Ser que apenas os habitantes tinham uma percepo desse espao? Ou o capital j a aparecia?

    As direes desse espao tomam valores simblicos: esquerda, direita, sobretudo o alto e o baixo. Possui trs nveis: superfcie, altura e profundidade. Esses nveis se afetam no espao absoluto de maneira diversa. A altura, a verticalidade recebem um sentido privilegiado, s vezes total (saber, poder, dever), mas esse sentido varia com as sociedades e as culturas. Contudo, no conjunto o espao horizontal simboliza a submisso o espao vertical, a potncia o espao subterrneo, a morte. (LEFEBVRE, cap. IV. Item IV.2, 2006).

    Assim, fica a dvida Onde esse espao horizontal (ordem prxima - vizinhana), submisso; o espao vertical, (ordem distante - Estado, Igreja, grandes estruturas), potncia e espao subterrneo, morte, se reencontram e se interpenetram?

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    O espao absoluto conserva seus traos essenciais, por isso chamado de espao verdadeiro, por Lefebvre. Ele vai ser o espao da verdade, de bruscas aparies, destruindo as aparncias, os outros tempos e outros espaos.

    Vazio ou cheio, portanto um espao superativo, receptculo e estimulante de energias sociais como de foras naturais. Mtico e prximo ele gera os tempos, os ciclos. Tomado em si, absolutamente, esse espao absoluto no se situa em nenhuma parte. Ele no tem lugar, pois ele rene todos os lugares e no possui seno uma existncia simblica. o que o aproxima do espao fictcio-real da linguagem e desse espao mental magicamente subtrado (ficticiamente) ao espacial, no qual toma forma a conscincia do sujeito ou conscincia de si. (LEFEBVRE, cap. IV. Item IV.1, 2006).

    Dessa forma, esse espao pode realmente ser considerado uma verdade absoluta?

    O espao absoluto tem necessidade de uma marca. Na verso grega, o espao absoluto pode nada conter. Um espao vazio. Faces sem fachada. J o frum romano vai ser povoado por vrios objetos e coisas, contradizendo o espao grego. (LEFEBVRE, cap. IV. Item IV.2, 2006). Nesse caso, teramos o Intuitus opondo-se ao Habitus pela prtica espacial?

    Para Viollet-Ie-Duc apud Lefebvre (2006), nos gregos a construo e a arte so apenas uma s, a forma e a estrutura so intimamente ligadas, j no espao romano existe ciso, separao, h uma fragmentao. Para ele as ordens eram a prpria estrutura, impossvel despojar o templo grego da ordem sem destruir o monumento.

    Citando Hegel, Lefebvre diz que para este autor os gregos souberam tomar materiais da natureza, como madeira e pedra para dar significaes que tornavam concretas e prticas as abstraes sociais, como, por exemplo, se reunir, se proteger. Ento o sentido da arte grega seria modelar a natureza e, portanto, o espao de forma a representar e simbolizar os deuses, os heris, os reis e os chefes.

    Lefebvre (cap. IV. Item IV.2, 2006) vai dizer que a cidade no mundo ocidental: Deve-se reconhecer aqui o princpio fundador do Ocidente? Sim, mas incompletamente. A unidade da forma com a funo e a estrutura, nega-lhe o direito de se separar. Ora, os Romanos separaram o que os Gregos uniram. Eles reintroduziram a diferena, o relativo, as finalidades diversas,

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    portanto civis, neste espao grego que a cumplicidade do poltico e do religioso com a racionalidade matemtica podia obstruir metafisicamente (eternamente). A Cit, ao mesmo tempo bela, verdadeira, boa, identificava o mental e o social, o simbolismo superior e a realidade imediata, o espao do pensamento e o da ao, de uma maneira que deveria em seguida degenerar. O apogeu da Grcia mostrava a rota de declnio, como a observou Nietzsche.

    E o mundo subterrneo que aparece na discusso do espao absoluto? Ele desapareceu na cidade grega? No. Ela ultrapassa as foras subterrneas. O grego simplesmente o afasta em vez de domin-lo e de apropri-lo como em Roma. (LEFEBVRE, cap. IV. Item IV.4, 2006).

    No Ocidente, esse espao absoluto tomou uma forma rigorosa, ele vazio, fechado, constitutivo da unidade racional, Logos e Cosmos. Ele contm caractersticas da Cit, como o princpio simples, regulado, metdico, lei mental e social, e sua estabilidade coerente. (LEFEBVRE, cap. IV. Item IV.2, 2006).

    A imagem do espao grego ao mesmo tempo meio e fim, conhecimento e ao, natural e poltico, povoado de homens e monumentos. Um espao plenamente formado, pertinentemente povoado. Espao bem definido: a Polis.

    Lefebvre diz que estamos mais prximos do mundo grego do que do romano (Cap. IV. Item IV.4, 2006).

    ns, ocidentais, herdeiros de uma tradio no seu limite, quase no fim de uma sociedade, de uma cultura, de uma civilizao que ns sabemos apenas caracterizar (capitalismo? Judeo-cristianismo? Um e outro? Cultura do no-corpo? Sociedade contraditoriamente permissiva e repressiva? Consumo dirigido burocraticamente? etc.), ns nos acreditamos mais prximos do Logos e do Cosmos gregos que do Mundo romano, que contudo nos atormenta profundamente.

    O Ocidente realmente est mais prximo do mundo grego do que do mundo romano? H certo saudosismo na leitura lefebvriana sobre a Cit? No, no h. Lefebvre luta contra a fragmentao. preciso mostrar que os fragmentos no se dispersam e no se isolam, mas convergem num projeto de transformao do mundo1. Mais nem por isso Lefebvre deixa de constatar a importncia da diversidade trazida pela organizao romana, porm ele faz uma pergunta

    1 Carta de Henri Lefebvre a Jos de Souza Martins (28/11/1977). In: MARTINS, Jos de Souza. A

    sociabilidade do homem simples: cotidiano e histria na modernidade anmala. 2ed. So Paulo: Contexto, 2008, p.97.

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    (LEFEBVRE, cap. IV. Item IV.2, 2006): Mas a que preo?. Claro que Lefebvre afirma que esses espaos coexistem na sociedade (cap. IV. Item IV.1, 2006).

    E que mundo esse? Lefebvre (2006) vai citar Heidegger como um dos principais filsofos para entender a concepo de mundo. O Mundus de Heidegger, em Ser e Tempo, vai ser um lugar sagrado-maldito. O mundo (Welt) para Heidegger essencialmente humano, ao contrrio da metafsica que diz que h um mundo e dentro dele h seres humanos. Para ele, mundo no algo que seja externo ao ser humano; ou mesmo que o ser humano esteja dentro de um mundo. No h separao entre espao, matria e alma. Em Ser e Tempo, Heidegger nos fala do homem como o Ser-no-Mundo. Isso diz que o modo de ser do homem : Em-um-Mundo. No h como falar de um mundo no humano e no h como falar de um homem que no esteja no mundo.

    Aqui surgem algumas questes, se eu digo que sou mundo, ento como eu me diferencio dele? Sou o mundo inteiro? Ou me resumo ao mundo? Bem, como podemos perceber, claro que no somos o mundo inteiro, cada um de ns mundo, mas no o mundo inteiro. Somos mundo, mas mundo no o nosso ser, no nos resumimos ao mundo. Mundo algo que determina nosso modo de existir. E enquanto mundo meu ou seu (enquanto existimos) podemos operar nele, podemos transform-lo, ou pelo menos tentar, mas isso no me identifica com ele. O mundo algo que compartilhamos essencialmente, muito embora seja meu, ou seu, ou dele, Ser-com-os-Outros. Esse mundo de Heidegger e o Mundus de Lefebvre so a mesma coisa? Quais so as suas contradies?

    Ao longo do declnio do Estado-Cit-Imprio, a cidade desaparece. A Villa no tem mais nada de lugar sagrado. Realiza num espao agropastoril uma prtica espacial codificada, legalizada, a da propriedade privada do solo. Com isso, h uma perda da ordem grega, uma ruptura na unidade forma-estrutura-funo. Assim, a villa romana aparece como produtora de um espao novo, prometido ao maior futuro da Europa Ocidental, devido ao ordenamento segundo princpios jurdicos, com um gosto esttico refinado. Por isso, a cidade arcaica romana permanece no declnio da cidade grega. Na fundao de Roma, tudo simblico e tudo prtico. O real e o sentido se reencontram, o imediato e o abstrato.

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    O espao romano vai se decaindo e comea a prevalecer um espao religioso de essncia crptica, identificando o espao absoluto ao espao subterrneo, acompanhando o fim de Roma, da Cidade e do Estado. A agricultura comea a se degradar, menos a que fica em torno dos monastrios. As fomes assolam e toda a fecundidade se atribui s potncias ocultas. (LEFEBVRE, cap. IV. Item IV.8, 2006).

    Com essa decadncia da sociedade agrcola, o espao absoluto se reduz a p, se fragmenta. Surgindo um espao de uma vida liberada do espao poltico-religioso, do espao de signos da morte e do no-corpo (LEFEBVRE, cap. IV. Item IV.8, 2006). Nessa hora, fica uma preocupao: ser que h uma sada do mundo subterrneo? necessrio sair das trevas, vir luz. Comea a aparecer a importncia da fachada, do visual. Apesar dos esforos dos arquitetos medievais para que o de fora apresente o de dentro, o torne visvel, a fachada, somente por sua existncia, rompe essa concordncia, (LEFEBVRE, cap. IV. Item IV.8, 2006). A visualizao passa a primeiro plano, a espetacularizao (DEBORD, 2008).

    Comeam a surgir as cidades medievais. Essas foram principalmente cidades comerciais, artesanais e bancrias, porm nunca perdeu seu carter poltico, caracterstica maior nas cidades arcaicas: grega e romana (LEFEBVRE, 2004):

    O espao medieval se eleva acima da terra; de longe, ele ainda no abstrato. Uma grande parte (que ir diminuindo, mas persiste) da cultura, das impresses e representaes, permanece crptica. Ela se vincula ainda aos lugares sagrados-malditos, lugares fantasmas, profundos, grotas, vales sombrios, tumbas e santurios, subterrneos. O movimento eleva o que se mostra claridade. (LEFEBVRE, cap. IV. Item IV.9, 2006)

    Antes da revoluo no sculo XV, h um modo de produo capitalista. Modo de viver, de produzir a natureza. Pela primeira vez na histria a acumulao se torna prioridade. Esse sistema no se contenta em restringir-se a alguns rinces do planeta, ele tem que se impor sobre todos. A revoluo agrcola muda completamente a forma de o homem observar a natureza. Antes ele vivia como um nmade, modificando de forma sutil a natureza e sendo totalmente dependente dela. Aps essa revoluo houve uma sedentarizao do homem, nisso ele passou a produzir excedente (troca base do comrcio) e nessa mesma poca comearam a surgir as cidades.

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    No sculo XVI, na Europa Ocidental algo acontece. A cidade prevalece sobre o campo, em peso econmico e prtico e em importncia social. O dinheiro domina a terra. O dinheiro e a mercadoria que vai se tornar propriedade privada. A sociedade muda globalmente, mas desigualmente se considerarmos os setores, os elementos, as instituies. Segundo Lefebvre (cap. IV. Item IV.10, 2006):

    O que mudou durante este perodo crucial? Quem diz transio diz mediao. A mediao histrica entre o espao medieval (feudal) e o espao do capitalismo que, resultar da acumulao, essa mediao se situa no espao urbano, aquele dos sistemas de cidades que se instauram durante a transio. A cidade se separa do campo que ela domina e administra, explora e protege. Nada de corte absoluto: a unidade, fortemente conflitual, persiste. [...] A cidade substitui os feudais arrancando-lhes seu monoplio: proteger os camponeses, extorqui-lhes seu sobretrabalho. O espao urbano oferece, pois, o lugar bendito de um compromisso entre a feudalidade declinante, a burguesia comerciante, as oligarquias, as comunidades artesanais. a abstrao em ato (ativa) em relao ao espao-natureza, a generalidade face s singularidades, o universal in statu nascendi englobando as particularidades e revelando-as. Terrvel meio, o espao urbano no destri ainda a natureza; ele a envolve e a confisca. Mais tarde somente, no segundo grau da abstrao espacial, ser a vez do Estado. As cidades e seus burgueses perdero o controle do espao ao mesmo tempo que a dominao sobre as foras produtivas que se libertam desses limites passando do capital comercial e bancrio ao capitalismo industrial. Agora a mais-valia no ser despendida mais no lugar, realizar-se- e repartir-se- ao longe, cada vez mais, transpondo os limites arredores. O econmico ultrapassar este quadro urbano e mesmo o far explodir, mas conservando a cidade como centro, como lugar de compromissos diversos.

    Devido a isso um novo Ocidente surge, pois o peso do campo diminui e o peso da cidade aumenta. Esse espao abstrato produto da violncia e da guerra, poltico e institucional. Esse espao abstrato pode ser homogneo? Podemos perceber a terceira fase do mtodo regressivo-progressivo, denominado histrico-gentico, no qual Lefebvre vai se reencontrar com o presente. Nesse momento preciso tentar entender as virtualidades e possibilidades que ainda no se cumpriram.

    O carter da alienao dos sujeitos no espao abstrato uma questo importante. E alienao aqui entendida no sentido marxista, como o processo em que o ser humano se afasta de sua real natureza, torna-se estranho a si mesmo na medida em que j no controla sua atividade essencial (o trabalho), pois os objetos que produz, as mercadorias, passam a adquirir existncia independente do seu poder e antagnica aos seus interesses. A no conscincia do espao permite o seu

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    maior aprisionamento. Logo o controle social do espao pesa mais sobre aqueles que por no terem conscincia do espao, por viverem mais imersos na imediatidade, no recusam a familiaridade do cotidiano, somente uma elite discerne as armadilhas do controle social e nelas no caem (LEFEBVRE, cap. IV. Item IV.1, 2006).

    A anlise crtica discerne trs aspectos ou elementos desse espao abstrato: a) O Geomtrico o espao euclidiano, considerado como absoluto.

    Espao de referncia (representao do espao). Definido pela sua homogeneidade, esta um fim, um objetivo. Espao bidimensional, fsico, purificado, esvaziado.

    b) O tico (visual) lgica da visualizao. O visual passa a dominar sobre os outros sentidos. V-se mal o que apenas visto (e visvel) mas se discursa cada vez melhor e se escreve cada vez mais a respeito (LEFEBVRE, cap. IV. Item IV.14, 2006).

    c) O Flico objeto verdadeiramente cheio. Privilegia a verticalidade. Espao de representao.

    Como se viu, o espao abstrato bastante dual e cheio de contrastes. Por um lado, ele ainda campo de ao prtica, por outro, um conjunto de imagens, signos, smbolos. Por um lado, ilimitado por ser vazio, por outro, povoado de vizinhanas, proximidades, de distncias afetivas e de limites. ao mesmo tempo vivido e representado, estimulante e restritivo, um pelo outro.

    Lefebvre levanta uma importante questo sobre o espao abstrato, (cap. IV. Item IV.14, 2006). Como pode a abstrao esconder tantas capacidades, tanta eficcia, tanta realidade? A esta urgente questo, eis a resposta em fase de formulao e de demonstrao: h uma violncia inerente abstrao, a seu uso prtico (social). A abstrao atua por meio da demolio, da destruio. Esse espao abstrato seria um espao como maquinaria? Ele controlado pelo Estado? Seria a propriedade privada? Homogenizado pelas leis, economias e interesses dos que esto no poder? O espao absoluto seria um espao simblico e o espao abstrato um espao racional? A diferena entre o espao abstrato e o espao absoluto no pode se remeter apenas a idia de contradio. O espao absoluto no vai mais ser como ele era.

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    O conceito de espao vivido central na obra de Lefebvre. Esse vivido nas prticas do cotidiano. O espao se torna percebido pelo corpo, rua, festa. Para diminuir as contradies do modo de produo capitalista, Lefebvre diz que se deve passar pela produo social, as prticas do cotidiano.

    A acumulao torna-se prioridade no modo de produo capitalista, da lgica hegemnica do capital. A sociedade precisa reproduzir-se (LEFEBVRE, 2006) para continuar produzindo (MARX, 2008). Para Lefebvre muito pouco se produz e sim as relaes sociais so reproduzidas, assim como espao. A produo do espao o cerne de tudo, se produz o espao vivendo.

    Pelo trabalho, a sociedade transforma a natureza. A produo do espao coloca natureza e sociedade numa dualidade, elas se interagem por serem coisas separadas. A produo da natureza antecedeu a produo do espao.

    1.2 Concepes Relativas Produo e Reproduo do Espao Urbano

    Para uma melhor compreenso e leitura da complexidade do espao urbano do Recife, toma-se como base a noo de espao enquanto categoria de anlise, ressaltando-se que a sua abordagem permite inmeras discusses e que no h pretenso de esgot-las.

    A sociedade inteira interfere na produo do espao, porm os objetivos e as necessidades so de modo geral da classe dominante. A produo deste socializada sendo que a sua apropriao privada. O espao vai se reproduzir com o objetivo de desenvolver o capitalismo (CARLOS, 1988).

    Cada parcela do espao tem suas particularidades histricas, suas especificidades, aquilo que o faz ser nico. Porm vago realizar um trabalho observando apenas o espao fragmentado. importante analisar a totalidade do espao. na total articulao que o fenmeno ser mais bem compreendido. Relao dialtica entre o particular, o singular e o universal. (CARLOS, 1988, p.12).

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    O espao no deve ser considerado apenas produto, ou o resultado das aes, ele tambm forma e condio. condio de reproduo das relaes de produo. Ele tambm no pode ser considerado apenas o palco onde os fenmenos esto localizados, pois nele tambm esto contidas as caractersticas da sociedade que o produz. O espao no humano porque o homem o habita, mas porque o constri e reproduz (CARLOS, 1988, p.15). A sociedade se apropria individualmente do espao.

    O espao um lugar de contradies e conflitos entre classes e grupos com suas diversas estratgias na luta por sua apropriao. Ele possui um valor econmico, transformado em mercadoria. Por isso o espao passa a ser ocupado pela mediao do capital. A questo da propriedade privada do solo fundamental para a reproduo do espao. O solo passa a ter um valor para obteno de lucro por parte dos detentores do capital e ocorrer a reproduo do capital.

    A produo do espao no pode ser comparada produo deste ou daquele objeto particular, desta ou daquela mercadoria. E, no entanto, existem relaes entre a produo das coisas e a produo do espao. Essa se vincula a grupos particulares para geri-lo, para explor-lo. (LEFEBVRE, 2008, p.62).

    A produo do espao est relacionada com o processo de acumulao do capital e para ocorrer necessrio que este capital seja reproduzido. Por isso, o espao um fundamento na reproduo do capital. E para este se reproduzir necessrio haver uma explorao, seja por parte do Estado ou da iniciativa privada.

    A teoria de Marx do crescimento sob o capitalismo situa a acumulao de capital no centro das coisas. A acumulao o motor cuja potncia aumenta no modo de produo capitalista. O sistema capitalista , portanto, muito dinmico e inevitavelmente expansvel; esse sistema cria uma fora permanentemente revolucionria, que, incessante e constantemente, reforma o mundo em que vivemos. O estado estacionrio da reproduo simples , para Marx, logicamente incompatvel com a perpetuao do modo capitalista de produo. Expressa-se a misso histrica da burguesia na frmula acumulao pela acumulao, produo pela produo. No entanto essa misso histrica no se origina da cobia inerente do capitalista, mas surge nas foras inteiramente independentes da vontade individual do capitalista. (HARVEY, 2006, p.43-44).

    Outras vises relativas de espao podem ser observadas, desde sua concepo como o prprio meio fsico sobre o qual a sociedade vive at sua dimenso enquanto totalidade social composto tanto pelo substrato fsico como pelas relaes sociais (econmicas, ideolgicas, culturais, religiosas, polticas).

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    O espao ao mesmo tempo produto e produtor da vida social. Ao viver, trabalhar, atuar, a sociedade produz o espao e este produzido por ela.

    O Estado tem um papel fundamental na reproduo do capital. A localizao gera renda. A proximidade com o mercado consumidor contribui para aumentar o interesse dos detentores do capital. Harvey (2006, p.49), entende que a circulao de capital resulta em valor.

    A circulao possui dois aspectos: o movimento fsico real de mercadorias do lugar de produo ao lugar de consumo, e o custo real ou implcito ligado ao tempo consumido e s mediaes sociais (a cadeia de atacadistas, varejistas, operaes bancrias etc.) necessrias para que a mercadoria produzida encontre seu usurio final. Marx considera o primeiro aspecto como integrante do processo produtivo e, portanto, gerador de valor. O segundo aspecto considerado como custo necessrio de circulao, no sendo gerador de valor; portanto deve ser considerado deduo necessria do excedente, pois o capitalista precisa pagar por isso (HARVEY, 2006, p.49).

    De acordo com isso, as intervenes urbanas no Recife ocorrem em sua maioria na rea de sua regio metropolitana, pela proximidade com o mercado consumidor e facilidade de deslocamento, por causa disso houve a necessidade de entender a diferena entre cidade e metrpole, j que os dois conceitos aparecem nessa tese.

    1.3 A Construo do Conceito de Cidade e Metrpole

    Segundo Harvey (1980, p.167), o urbanismo e sua expresso tangvel, a cidade, tem sido alvo de pesquisas, a partir de muitos pontos de vista e em uma variedade de contextos histricos e culturais, em busca de uma teoria geral que sistematize um conhecimento til sobre a cidade, como uma entidade social. Porm este autor informa que:

    [...] uma teoria geral do urbanismo provavelmente impossvel de ser construda [...] h parece demasiadas posies ideolgicas a serem defendidas e demasiados contextos nos quais o fenmeno urbano pode ser encontrado, para que uma teoria geral do urbanismo possa emergir facilmente (HARVEY, 1980, p.167).

    Ainda, conforme salienta Harvey (1980, p.168): O urbanismo pode ser encarado como uma forma particular ou padronizada do processo social. Esse processo desenvolve-se num meio

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    espacial estruturado, criado pelo homem. A cidade pode, por isso, ser olhada como um ambiente tangvel construdo um ambiente que um produto social.

    O processo de urbanizao teve incio com a emergncia da sociedade humana de se fixar nos espaos, com a disseminao dos contingentes populacionais do campo para as cidades.

    Nessa tese, a cidade entendida no apenas como um espao onde os fenmenos so localizados ou como aglomerao urbana, mas tambm como diz Carlos (2004), condio de sentido da vida humana.

    A cidade, considerada uma construo humana, um produto histrico-social; nesta dimenso aparece como trabalho materializado, acumulado ao longo do processo histrico e desenvolvido por uma srie de geraes. Expresso e significado da vida humana, obra e produto, processo histrico cumulativo, a cidade contm e revela aes passadas ao mesmo tempo, j que o futuro se constri a partir das tramas do presente o que nos coloca diante da impossibilidade de pensar a cidade separada da sociedade e do momento histrico em que vivemos. (CARLOS, 2004, p.7-8).

    Para quem produz a cidade ela vai surgir como uma infraestrutura e um bem produtivo, j o consumidor vai perceb-la como um bem de consumo coletivo, com caractersticas de uso pblico, como transporte, espaos pblicos, habitaes e outros equipamentos que deveriam ser coletivos.

    Enquanto forma que assume o espao urbano, a cidade trabalho social materializado, portanto, produto do homem e das necessidades de seus habitantes. Os prdios, as ruas, os parques, a iluminao, os carros e meios de transporte, os pontos de nibus, etc., que para ns caracterizam a cidade, so elementos produzidos pelo homem no processo de trabalho. (CARLOS, 1988, p.60).

    A dinmica de um sistema econmico que transforma a cidade, definindo o urbano, possibilita que este se torne objeto de grande demanda, por ser o local da acumulao de capital e de reproduo da fora de trabalho, como expressa Carlos (1994, p.163):

    No que se refere cidade, ela analisada tambm em sua dimenso histrica, produto da diviso do trabalho. Isso significa que a cada momento, a cidade vai assumir dimenses e contedos diferentes. Hoje, sob o capitalismo, a cidade analisada, pelo processo de acumulao, como condio para a reproduo do capital em escala cada vez mais ampliada do capital. Ela est, assim, submetida s leis da acumulao capitalista. Da a estreita relao entre o capital e o processo de urbanizao.

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    As cidades crescem sem um adequado desenvolvimento social, a partir de uma urbanizao capitalista que s aumenta a diferena entre ricos e pobres (segregao espacial, pobreza urbana), causando assim os conflitos entre os apropriadores do espao com diferentes poderes aquisitivos e em permanente contradio.

    Essa diferena no pode existir, pois todos tm direito cidade, em morar, reproduzir a vida na cidade. O direto cidade no pode ser concebido como um simples direito de visita ou de retorno s cidades tradicionais. S pode ser formulado como direito vida urbana, transformada, renovada (LEFEBVRE, 2004, p.116-117).

    Face a esse direito, ou pseudodireito, o direito cidade se afirma como um apelo, como uma exigncia. Atravs de surpreendentes desvios a nostalgia, o turismo, o retorno para o corao da cidade tradicional, o apelo das centralidades existentes ou recentemente elaboradas esse direito caminha lentamente. (LEFEBVRE, 2004, p.116).

    O surgimento dessas novas centralidades vai ser o resultado do processo complexo de urbanizao. Essas que vo ter caractersticas peculiares de acordo com o processo histrico de evoluo e das relaes econmico-sociais existentes. Alguns aspectos como segregao e heterogeneidade vo aparecer no Recife.

    O processo de metropolizao surge onde h uma polarizao em torno de uma grande cidade, de dimenses fsicas e populacionais, com alta taxa de urbanizao. Essa metrpole mantm relao de influncia direta com interdependncia econmica e espacial, contribuindo para o processo de conurbao, que a juno de vrios municpios limtrofes, constituindo uma mancha urbana com grandes dimenses, ultrapassando os limites poltico-administrativos. De acordo com Carlos (2004, p.67) a metrpole que assume a funo de comando e de irradiao dos processos transformadores, bem como o lugar de onde se l, de forma privilegiada, o mundo urbano.

    A urbanizao brasileira tem em suas metrpoles os principais focos de sua concretizao (SOUZA, 2000, p.13), tal fato, as transforma no maior centro aglutinador/receptor/difusor dos mais variados fluxos (em suas mais variadas intensidades), os espaos se hierarquizam e as relaes entre os cidados tendem a esvaziar-se em meio a exploso de espaos de referncia (CARLOS, 2004, p.70).

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    Conforme Melo (1978, p.28), o processo de metropolizao a um tempo de natureza demogrfica, econmica e social. A expresso espacial da metropolizao revela-se antes de tudo, no crescimento ou agigantamento das reas sob ocupao urbana.

    A essa mudana dimensional do espao urbano corresponde uma transformao estrutural ou organizacional do mesmo, seu prprio crescimento impondo feio nova sua estrutura. Em consequncia dessas modificaes, muda tambm a fisionomia urbana, tornando-se mais ampla, mais compacta e tambm mais opressiva.

    Na foto 1, possvel visualizar a cidade de Olinda, com Recife ao fundo, o que revela a proximidade fsica das duas cidades (notar a diviso atravs da linha vermelha). H tambm uma integrao funcional, formando uma mancha urbana praticamente contnua. Entre esses dois municpios verificada uma relao de interde