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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE EDUCAO E HUMANIDADES

    INSTITUTO DE ARTES

    TRAMOSFRMULA DAS IMAGENS INSISTENTES

    Ivo Azeredo Rizzoli Godoy

    Rio de Janeiro 2013

  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE EDUCAO E HUMANIDADES

    INSTITUTO DE ARTES

    TRAMOSFRMULA DAS IMAGENS INSISTENTES

    __________________________________ Ivo Azeredo Rizzoli Godoy

    Monografia apresentada para professor Dr. Marcelo Campos, como requisito parcial obteno da aprovao na disciplina Arte e cultura contempornea, do curso de Ps-Graduao em Artes, Mestrado.

    Rio de Janeiro 2013

  • 3

    AGRADECIMENTOS

    Agradeo aos professores Sheila Cabo e Marcelo Campos por apresentarem em suas respectivas disciplinas do mestrado, contedos convergentes ao interesse do ensaio aqui apresentado.

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    RESUMO Este ensaio crtico pretende compartilhar impresses, reflexes e inquietaes advindas do primeiro contato, ou primeiras leituras e outras conversas e apreciaes sobre os estudos do historiador Aby Warburg em meados de maio de 2013 na cidade do Rio de Janeiro, Brasil. Tem como proposito tecer apontamentos que questionam as teorias de Warburg diante de uma fora hostil frente a questes politicas, territoriais e culturais relacionadas aos estudos culturais advindos do continente americano. Uma possvel trama de intenes polticas e econmicas que agiu em tempos do Renascimento Europeu, to eximiamente estudado por Warburg, e que tem suas reverberaes nas culturas coloniais at os tempos atuais, ser apontada neste estudo como uma pardia dos conceitos Imagem Sobrevivente (Narchleben) e a Frmula de pathos (Pathosformel) a serem subvertidos em Tramosfrmula das Imagens Insistentes.

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    NDICE Introduo .............................................................................................................................................................. 6 Pardia: Tramosfrmula das Imagens Insistentes ............................................................................................. 8 Reflexes sobre A genealogia das famlias, os artistas e as caractersticas expressivas ................................. 12 Concluso - Dinamograma da inverso Colonial / Descolonial ....................................................................... 17 Referencias Bibliogrficas .................................................................................................................................. 24

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    1. Introduo

    Algum suporia que o crtico, se pretende justificar sua existncia, deveria empenhar-se em disciplinar seus preconceitos e caprichos pessoais pragas s quais todos estamos sujeitos e conciliar suas divergncias com tantos colegas possvel, e da melhor maneira, com o propsito comum de formular-se um julgamento verdadeiro. (T.S.Elliot A Funo da crtica)1

    Diante da afirmao de Elliot temos aqui a praga da inquietao. Este ensaio crtico pretende

    compartilha-las diante de impresses advindas do primeiro contato, ou primeiras leituras e outras

    conversas e apreciaes sobre os estudos do historiador Aby Warburg em meados de maio de 2013

    na cidade do Rio de Janeiro, Brasil. Faz-se importante esta localizao no espao e o tempo referido,

    pois contextualiza um perodo de calorosos debates sobre os estudos de Warburg os quais

    alimentam grande parte das inquietaes que sero desenvolvidas aqui. Uma srie de seminrios e

    exposies convocou a comunidade artstica e acadmica, no s da cidade do Rio de Janeiro, como

    de diversas outras localidades do Brasil e do mundo a participarem da srie de eventos, que dentre

    eles talvez o mais provocador fora o Simpsio: Imagens, sintomas, anacronismos promovido pelo

    Museu de Arte do Rio MAR que contou com a ilustre presena do filsofo Georges Didi-Huberman.

    Durante a conferencia Filme, ensaio, poema - A proposito de Pier Paolo Pasolini2 que abriu o

    Simpsio, Huberman descreve uma metfora que a principio comoveu grande parte do pblico

    presente. Ao falar sobre o artista enraivecido, termo apontado por Pasolini no filme La Rabbia,

    Huberman comparou um pssaro usado nas minas de carvo a um artista e sua funo na sociedade.

    Segundo o filsofo, citando o cineasta Pasolini, os pssaros ficavam agitados ao sentir a presena de

    gs nas escavaes o que alertava os mineradores para se retirarem das minas que poderia explodir

    a qualquer momento. O pssaro alertava o perigo da normalidade, o que Pasolini encarava como a

    pior das catstrofes humana. Huberman compara o papel do artista enraivecido que, ao expressar-

    se, denuncia perigos iminentes a sociedade.

    A princpio uma bela metfora, no fosse a imagem do pssaro levado numa gaiola para o interior da

    mina. Diante da metfora de Huberman nasce a inquietao gentica deste ensaio crtico. Como

    associar a figura engaiolada do pssaro levado pelo minerador ao interior da mina com a figura do

    artista? Se o artista representado nesta metfora na figura do pssaro quem seria o minerador? O

    historiador? E o que seria a mina escavada? A histria?

    1 ELIOT, T.S., 1888-1965, Ensaios / T.S. Eliot; traduo, introduo e notas de Ivan Junqueira So Paulo: Art Editora, 1989. 2 conferncia de Georges Didi-Huberman realizada no dia 24 de maio de 2013, como parte do projeto Histrias de Fantasmas para Gente Grande. http://www.youtube.com/watch?v=2639EPIBCO8 . Acessado em 08/09/2013

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    Nesta conferencia Hubermann age como um embaixador warbuguiano, enaltecendo os estudos de

    Aby Warburg e sua importncia para a leitura das imagens na Histria da Arte seguido de abordagens

    especiais em torno da obra Atlas Mnemosine, dos conceitos tericos como Nachleben e

    Pathosformel ou mesmo de relatos do historiador em visita aos ndios do continente americano. Em

    sua publicao A imagem sobrevivente3 ele aponta a reflexo em torno da palavra Nachleben

    adotando a traduo para a palavra sobrevivente para o termo. Para Warburg e consequentemente

    Huberman a palavra sobrevivncia implica a ideia da continuidade da herana antiga pag, de

    entender o estudo da imagem, da circulao e sobrevivncia delas como transmissora da memria

    da cultura, a ser pensada como um tempo psquico.

    Este ensaio tem como proposito tecer apontamentos que questionam as teorias de Warburg diante

    de uma fora hostil frente a questes politicas, territoriais e culturais relacionadas aos estudos

    culturais advindos do continente americano. Warburg prope uma leitura da Histria da Arte das

    culturas ocidentais e uma vez que essa demarcao de territrio inclui o continente americano h

    uma tendncia, a partir de seus estudos e teorias, de entender as heranas culturais americanas a

    partir da antiguidade pag europeia. De fato uma questo a ser trabalhada por uma crtica

    descolonial.

    A princpio este ensaio assume a posio de apontar Warburg e seus estudos como um potente

    agente colonial sobre uma condio de anlise das heranas culturais ocidentais a partir da

    perspectiva europeia. Toda a desconfiana que alimenta a crtica aqui apontada se apoia em parte

    nos argumentos advindos de seus prprios escritos em outra de fatos ligados biografia e genealogia

    da famlia Warburg. Uma famlia de banqueiros que por sculos apoiou crescimento de grandes

    corporaes e que agiram como financiadores de avanos coloniais pelo mundo, em especial na

    Amrica. Diante disso como pensar as intenses e interesses como pano de fundo nos estudos de

    Warburg?

    Uma possvel trama de intenes polticas e econmicas que agiu em tempos do Renascimento

    Europeu, to eximiamente estudado por Warburg, e que tem suas reverberaes nas culturas

    coloniais at os tempos atuais ser apontada neste estudo como uma pardia dos conceitos Imagem

    Sobrevivente (Narchleben) e a Frmula de pathos (Pathosformel) a serem subvertidos em

    Tramosfrmula das Imagens Insistentes. Apesar do tom enraivecido e ao mesmo tempo irnico que

    talvez este ensaio crtico possa apresentar, ele no pretende desvalorizar a qualidade do

    3 DIDI-Huberman, Georges, 1953 A imagem sobrevivente: histria da arte e tempo dos fantasmas segundo Aby Warburg / Georges Didi-HUberman; traduo Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Contraponto, 2013.

  • 8

    pensamento, da sofisticao e astcia nos estudos e anlises de Warburg. Antes pensar como as

    contribuies desse historiador agem num contexto extremamente contraditrio se visto pela tica

    do colonizado. Contribuies to valiosas como as metodologias, experimentaes e conceitos

    levantados por ele no podem ser descartadas por simples vaidades, recalques ou deslizes morais.

    Este ensaio assinala de forma experimental e desafiadora, aspectos positivos e negativos diante da

    contradio colonizador e colonizado, de teorias de Aby Warburg e uma possvel histria antiga,

    moderna e contempornea nas Amricas.

    Para trabalhar as polaridades contidas nesta contradio, ser de tamanha importncia convocar o

    dinamograma4 , talvez o mais enigmtico dos conceitos trabalhados por Warburg. Este conceito abre

    uma gama de possibilidades para inverses, retomadas e conexes a partir de uma frico entre o

    encontro de Warburg e crtica descolonial. Um atrito que passa quase que despercebido aos

    numerosos elogios e enaltecimentos desse grande historiador. Por fim vale ressaltar o carter

    experimental, enquanto pardia, e desafiador enquanto crtico, que este ensaio se prope a

    problematizar diante de divergncias inquietantes no exerccio de formular reflexes a partir da

    contradio encontrada.

    2. Pardia: Tramosfrmula das Imagens Insistentes

    pardia

    (grego paroida)

    s. f.

    1. [Literatura] Imitao burlesca de uma obra sria.

    Um exemplo do que seria a pardia trabalhada nesse captulo pode ser analisada a partir do contexto

    poltico, econmico e cultural que cerca a produo e influencias a partir do filme Orfeu Negro (1959)

    de Marcel Camus. Um estudo de caso que faz referncia direta e indiretamente na adaptao do

    mito grego de Orfeu ao contexto cultural brasileiro na dcada de 50. Fruto de um curioso

    reconhecimento nacional e internacional que, apesar de ser uma obra muito bem produzida para

    poca, tambm parece estar associada a uma vontade insistente e uma trama econmica de se

    instaurar uma nova cultura nas linguagens expressivas do teatro, cinema, musica, artes plsticas

    entre outras.

    4um acontecimento traumtico que se inscrevem indelevelmente sob a forma de uma carga energtica que funciona como um engrama ou dinamograma da memria colectiva. (SEMINRIO_ Aby Warbug-Imagem, Memria e Cultura_Antonio Guerreiro)

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    O processo de interpretao dessa obra desdobrada, da verso grega para a pea de Vincius de

    Morais que finalmente fora adaptada no filme de M. Camus, nos deixam rastros, mensagens, links

    histricos, ou mesmo gestos que apontam para uma possvel crtica cultural a partir da obra

    adaptada, para isso este ensaio far uma breve leitura focada na caracterizao da figura da morte

    presente no filme.

    As trs verses de Orfeu so analisadas a partir do conceito de Pathosformel (frmula de pathos) e

    Imagens Sobreviventes apresentada nos estudos do historiador Aby Warburg assim como de seu

    mtodo de entender o estudo da imagem, da circulao e sobrevivncia delas como transmissora da

    memria da cultural. A partir desses conceitos aplicados a anlise do filme erige-se algumas

    perguntas: Seria o Orfeu carioca resultado de uma sobrevivncia pattica (pathos) advinda do bero

    da antiguidade ocidental (grega)? Como interpretar os sucessos e ascenses de movimentos

    estticos que coincidem temporal e espacialmente com o reconhecimento do filme da dcada de 50

    e 60 no Brasil e no mundo? Seria possvel desenhar uma trama que associa a ascenso de

    movimentos como a Bossa Nova, a Abstrao Geomtrica e os ambientes competitivos das primeiras

    Bienais Internacionais de So Paulo?

    O filme uma adaptao do cinema a partir do texto Orfeu da Conceio5, desenvolvido pelo

    compositor Vincius de Morais para o teatro. O compositor identifica no mito grego de Orfeu uma

    estrutura interessante para uma tragdia negra carioca e assim transporta as personagens para um

    contexto do carnaval no Rio de Janeiro.

    Como primeiro apontamento sobre a caracterizao da morte nas trs verses, cabe a ateno para

    os diferentes tratamentos do tema morte na mitologia grega, no texto de Vinicius de Morais e

    posteriormente adaptada por Jacques Viot e Marcel Camus para o filme, destacando como esse

    movimento de adaptao traz novas perspectivas na interpretao da obra. O texto de Vincius

    contempla e preserva as principais personagens da tragdia, como Orfeu, Eurdice e Aristeu, em

    outros momentos ele altera a trama incluindo e retirando alguns nomes, como a incluso da Dama

    Negra (representando a Morte ou Ades) e Mira (mnade rejeitada por Orfeu) ele tambm exclui a

    serpente, que no mito grego a causadora da morte de Eurdice que morre com o veneno da picada,

    sendo a serpente uma espcie de mediadora da praga jogada por Aristeu. No texto de Vincius ela

    morre apunhalada por Aristeu, onde o crime passional direto no tem mediao entre vilo e

    mocinha. No filme, Eurdice morre eletrocutada pelos fios de alta-tenso que alimentam a energia

    eltrica dos bondes cariocas. Durante todo o filme Eurdice foge de uma personagem fantasiada de

    Anjo da Morte. Numa tentativa de escapar da perseguio ela pula e se agarra ao fio de alta tenso

    5 MORAIS, Vinicius : 'Orfeu da Conceio', Livraria S. Jos, Rio, 1960

  • 10

    que est desligado, porm Orfeu sem saber da situao ativa a chave de eletricidade, ou seja, no

    filme a morte ou a causa final da morte se d diretamente entre Eurdice e Orfeu que protagonizam a

    tragdia.

    Figura 1 Anjo da Morte

    Fonte: Still do Filme Orfeu Negro,2013

    Cabe aqui um segundo apontamento. A figura apresentada como Anjo da Morte foi desde seu

    primeiro aparecimento no filme, uma personagem intrigante a ponto de ser o motivo do foco dessa

    anlise. Um personagem que substitui ou funde a dois outros: Aristeu (mito grego) e da Dama Negra

    (pea de Vincius de Morais). Sua figura se torna emblemtica neste momento. Seria o Aristeu um

    sujeito brasileiro na trama vestindo uma fantasia ou uma alegoria da morte? Como uma entidade,

    como a Dama Negra representando a prpria morte por exemplo. Toda uma unidade de figurino do

    filme est de certa forma justificada, nota-se no filme as roupas tpicas de 1950 na cidade do Rio de

    Janeiro que vo de funcionrios pblicos, vendedores, feirantes, policiais, transeuntes, personagens

    da favela, figuras tpicas do ritual candombl e folies com fantasias e adereos todos dentro de uma

    certa justificativa de caracterizao do contexto de poca e enredo. Porm o Anjo da Morte trs

    estampado em seu traje e mscara, formas grficas, abstratas (Fig. 1) e porque no modernas se

    pensarmos no perodo em que o filme produzido6. A forma grfica da linha construtiva um

    6 O filme Orfeu Negro necessitou de cerca de quatro anos para ser realizado. O primeiro projeto de roteiro foi apresentado por Vinicius de Moraes ao produtor Sacha Gordine em setembro de 1955... Segundo seus prprios termos, ele era predestinado a dirigir Orfeu Negro. No entanto, as dificuldades materiais se acumularam. Depois de uma viagem ao Rio em 1957, a equipe teve que esperar pelo carnaval de 1958 para realizar as primeiras tomadas (3 000 metros de pelcula, dos quais somente alguns planos e ecos sonoros sero guardados por Camus na montagem). O essencial das cenas de carnaval ser reconstitudo posteriormente e somente em setembro ter incio o trabalho com os atores. A longa durao da realizao ajudou Marcel Camus a entrar em contato com vrios atores do cenrio cultural carioca, o que explica a riqueza da matria sonora apresentada. Explica tambm a gnese do olhar de Marcel Camus sobre o Brasil: apesar de ser lanado em 1959, Orfeu Negro um filme dos anos 1950, que nos diz muito mais sobre a Frana dos anos do ps-guerra do que sobre as lutas culturais da dcada de 1960. A imagem do Brasil nele apresentada uma criao dos anos do ps-guerra, que foram marcados por uma intensificao indita das relaes culturais franco-brasileiras.

  • 11

    elemento marcante para as artes plsticas neste perodo e contexto. A dcada de 50 foi o perodo

    onde a arte abstrata ganha fora a partir da I Bienal de So Paulo (1951). Em 1953 a 2 Bienal de So

    Paulo trs a pintura Guernica de Pablo Picasso o que firmava um interesse de discutir a abstrao da

    figurao nas representaes plsticas. Curiosamente o filme comea a ser produzido em 1955 e a

    pessoa que assinava os projetos de desenhos de cenrio e figurinos era Isabel Pons, artista,

    moderna7, gravadora, desenhista, ilustradora, pintora, professora e figurinista formada pela Escola

    Nacional de Belas Artes, em Barcelona. Ela se muda-se para o Brasil em 1945 e naturaliza-se

    brasileira em 1957. Isabel ganha reconhecimento no Brasil pela sua produo como gravurista,

    destaque para o premio de Melhor Gravador na VI Bienal Internacional de So Paulo de 1961 8, a

    mesma bienal que apresentou a exposio Quatro Sculos da Gravura Francesa, com 128 trabalhos

    de importantes e variados artistas dessa modalidade. Essa Bienal acontece dois anos depois do

    sucesso do filme, premiado no Festival de Cannes 1959 (Frana) recebeu a Palma de Ouro; no Oscar

    1960 (EUA) Vencedor na categoria de melhor filme em lngua estrangeira (portugus/diretor); Globo

    de Ouro 1960 (EUA) venceu na categoria de melhor filme estrangeiro (Brasil); British Academy of Film

    and Television Arts 1961 (Reino Unido); Indicado na categoria de melhor filme em lngua estrangeira

    (Brasil, Frana e Itlia/produo).

    Diante desses grandes acontecimentos em torno do filme surgem algumas perguntas: O que torna o

    filme to interessante ao reconhecimento estrangeiro? O que leva a artista a estampar essas formas

    da abstrao geomtrica justamente no figurino de uma personagem to emblemtica como o Anjo

    da Morte? Haveria uma mensagem, crtica ou provocativa, nesse gesto? Outro dado instigador sobre

    a personagem da morte que o ator que a representa era o atleta, Ademar da Silva, que ganhou

    medalhas de ouro nos Jogos Olmpicos de 1952 e 1956 no salto triplo e sete recordes mundiais entre

    1951-1956. Talvez a escolha do atleta para o filme se desse pela sua fama, reconhecida

    internacionalmente devido s conquistas olmpicas, por interesse de associar sua imagem ao filme,

    no fosse o fato de que no filme o seu rosto no aparece em nenhum momento. O tratamento que

    dado aos cenrios do filme, as paisagens do Rio e as representaes das culturas populares mostram

    um olhar estereotipado e reforam um prisma de alteridade que os estudos e relatos antropolgicos

    dos sculos passados haviam tratado de forma extica e distorcida. Os legados culturais que o filme

    FLCHET, Anas - Um mito extico? A recepo crtica de Orfeu Negro de Marcel Camus (1959-2008) , Artigo Publicado na internet, 2008 http://www.academia.edu/3611665/Um_mito_exotico_A_recepcao_critica_de_Orfeu_Negro_de_Marcel_Camus Acessado em 10/09/2013 7 Quando ela se entregou gravura, descobriu-se artista. . . moderna. Sem querer, ou sem pensar. que nela o modernismo vem, como em tantos artistas contemporneos da Espanha, de um prodigioso fundo cultural arcaico. Esse mundo o forro clido, protetor de sua personalidade, e foi ele que lhe deu a temtica potica de sua imaginao. Esse arcasmo natural, supernatural, da imaginria salvou-a do maneirismo abstratizante da gravura em metal, exangue, tima, fria, de que tanto se abusa no Brasil. Mas Isabel mordida tambm pela inquietao plstica ou esttica da atualidade. VII Bienal Internacional de So Paulo: catlogo. Apresentao Francisco Matarazzo Sobrinho; texto Geraldo Ferraz, Paulo Mendes de Almeida, Lus Martins, Srgio Milliet, Jos Geraldo Vieira; texto crtico Bernard Gheerbrant; texto Jayme Maurcio, Mrio Pedrosa. So Paulo: Fundao Bienal de So Paulo,1963. 672 p. 115-116. 8 LOURENO, Maria Ceclia Frana - Museus Acolhem o Moderno - So Paulo: Editora da Universidade de So Paulo. 1999. pg.120

  • 12

    deixa contraditrio realidade que ele narra, restando uma cultura internacionalizada por um

    estilo musical elitista que retrata o belo brasileiro, a Bossa Nova representada por Vinicius de

    Morais, Tom Jobim e Luiz Bonf compositores e intrpretes que assinam a trilha sonora do filme. A

    relao entre a realidade apresentada no filme e o esteretipo ali tambm reforado foi palco de

    discusses como lamenta Moniz Viana ento diretor da cinemateca do Museu de Arte Moderna do

    Rio de Janeiro: a cmera de Marcel Camus sempre desvia do seu objeto para mostrar uma

    curiosidade turstica ao pblico francs( FLCHET,2008,p.49).

    Um desenho da Tramosfrmula das Imagens Insistentes comea a surgir aqui apontando as

    convergncias e atritos, dada a uma anlise comparativa dos contextos culturais do Renascimento

    Italiano e das ascenses culturais no eixo Rio So Paulo em meados da dcada de 1950. Neste

    perodo o Brasil palco de fortes mudanas no cenrio cultural, Rio de Janeiro e So Paulo

    associados respectivamente ao movimento da Bossa Nova e s Bienais Internacionais buscam

    apresentar novas perspectivas para a msica e artes plsticas . O mito de Orfeu retomado por

    Vinicius de Morais num momento que a Bossa Nova busca se firmar enquanto estilo, ou novo estilo

    do samba, uma nova forma de tocar/cantar um samba carregado de influencias do jazz nova-

    iorquino. Em sincronia, no campo das artes plsticas em So Paulo surge um forte movimento de

    afirmao da Abstrao Geomtrica:

    A apologia abstrao, incentivada por Paris e Nova York, verifica-se j nas premiaes da 1 Bienal, em 1951, interessada em conquistar mercados e, tambm, em controle cultural, poltico e econmico. Nota-se que, entre os componentes do jri est o diretor do MoMA, Ren DHarnoncourt, denotando o interesse da entidade na afirmao de suas premissas. 9

    Para entender melhor o que seria o controle cultural mencionado na citao acima, faz-se preciso

    tomar antes esta terceira linha de raciocnio que aponta para a construo da trama e retoma de

    forma comparativa o Renascimento Italiano com a ascenso dos movimentos expressivos da dcada

    de 50 no Brasil. As comparaes envolvidas nos dois casos sero focadas em trs abordagens

    reflexivas sobre: A genealogia das famlias, os artistas e as caractersticas expressivas das obras.

    Talvez isso no se d de forma linear pois sero feitas idas e vindas, desvios e retomadas nas

    questes que envolvem especificamente a Obra A morte de Orfeu de Albrecht Drer (1494) e o filme

    Orfeu Negro junto as questes levantadas at agora.

    2.1 Reflexes sobre A genealogia das famlias, os artistas e as caractersticas expressivas

    9 LOURENO, Maria Ceclia Frana - Museus Acolhem o Moderno - So Paulo: Editora da Universidade de So Paulo. 1999. (pag 116)

  • 13

    Warburg em seu artigo Drer e a Antiguidade italiana10, faz uma leitura das representaes trgicas

    e patticas da antiguidade grega que influenciaram de forma clara e determinante o artista. Ele

    discorre sobre as viagens de Drer a terras italianas. Na analise o historiador traa as influencias das

    representaes que o poeta Poliziano exerceu na cultura do Renascimento Italiano. Confidente

    politico de Lorenzo de Mdici - o homem mais influente de Florena poca -, Poliziano contribuiu

    para a construo do que Warburg denominou de pathosformel ou frmula de pathos na

    representao de temas antigos, logo tambm no mito de Orfeu pela expressividade na figura das

    das personagens. Warburg aponta Drer sob forte influncia da arte Florentina, a partir dos poemas

    Poliziano e das propores de Vitrvio. Ele tambm destaca o artista como um diferencial dentro do

    movimento que ele chama de migrantes da linguagem gestual que:

    ...partiram de Atenas e, passando por Roma, Mntua e Florena, chegaram a Nurenberg, onde foram acolhidos pela alma de Albrecht Drer. Ao longo do tempo, Drer conferiu tratamentos diferentes a esses retricos imigrantes da Antiguidade. De forma nenhuma, porm, essa questo psicolgico-estilstica deve ser abordada sob o aspecto de vencedores ou vencidos, segundo a acepo histrica mais antiga de uma poltica de guerra. Essa frmula negligentemente simplificadora talvez satisfaa o diletantismo dos caadores de heris, que se esquivam das fatigantes analises individuais das fontes dos grandes artistas, mas o fazem custa de no perceberem um importante problema histrico-estilstico que at hoje mal veio a ser formulado: o problema do intercmbio de cultura artstica entre o passado e o presente, entre Norte e Sul no sculo XV; esse processo no s nos permite compreender de forma mais clara o inicio do Renascimento como o contexto da histria cultural da Europa, mas tambm revela manifestaes at hoje desconsideradas que ajudam a explicar em termos mais gerais os processos cclicos nas mudanas das formas de expresso artsticas.

    O que seria o intercmbio entre passado e presente? Norte e Sul no sculo XV? Talvez o fato de

    Drer apresentar em sua expresso artstica uma eximia habilidade com a tcnica da hachura que

    caracterizava um diferencial dos artistas alemes (Norte). Drer, aprendiz de um dos pioneiros da

    tcnica da hachura Michael Wolgemut (1434 - 1519), encarado at hoje como uma referncia na

    tcnica. A hachura fora a caracterstica expressiva que marcou as maiores obras de Drer como a A

    morte de Orfeu (1494), Nmesis(1502) e Melancholia(1514) alm de beneficiar uma considervel

    circulao de suas obras pelo mundo, uma vez que tratava-se de uma tcnica usada pela gravura que

    permitiu que as obras fossem reproduzidas em srie. Seria a reprodutibilidade da arte uma das

    caracterstica determinantes do Narchleben, da Imagem sobrevivente? Talvez essa fosse uma

    pergunta que Benjamin tivesse tentado fazer a Warburg. Ou seria a reprodutibilidade, na pardia

    aqui proposta, uma caracterstica determinante para uma insistncia da imagem?

    Warburg ao elaborar seu conceito da imagem sobrevivente cria um atrito na relao entre criador e

    objeto criado11. Ele desloca a imagem do gnio artista, conceito vassariano, para se debruar diante

    10 WARBURG, Aby, 1866 -1929. A renovao da Antiguidade pag : cientifico-culturais para a histria do Renascimento europeu / Aby Warburg; traduo Markus Hediger. Rio de Janeiro : Contraponto, 2013. Pag 435 11 WARBURG (2013), pag 123

  • 14

    de outros documentos e arquivos como livros de contabilidade ou testamentos em cartrio, de

    resgatar o timbre das vozes inaudveis, um dirio intimo do Quatrocento12. Narchleben seria uma

    fora externa ao artista, ele propem pensar as imagens para alm de seu criador, pelas foras que

    movem as imagens em diferentes tempos. O deslocamento proposto por Warburg faz ressurgir

    fantasmas que agiram na sobrevivncia das imagem. Fantasmas por muitas vezes faziam parte do

    circulo da alta nobreza, do clero, da burguesia florentina, homens de bom gosto que financiaram o

    Renascimento Italiano, por isso livros de contabilidade ou testamentos em cartrio. Huberman como

    seu mais atual interlocutor refora essa tenso ao tratar do conceito de Dynamogramm13:

    No nvel descritivo, o Dynamogramm poderia exprimir a relao de sobrevivncia mantida, por exemplo, entre os extraordinrios drapeados passionais de Niccol dellArca, na Lamentao de Bolonha, e um tipo de drapeado helnico que o artista do Renascimento dificilmente poderia conhecer e , portanto, imitar como tal.

    Mas adiante Huberman explicita a burguesia florentina14:

    Warburg recorreu a uma compreenso dialtica das exigncias contraditrias que a burguesia florentina formulava, no sculo XV, em sua vontade orgulhosa de autorrepresentao: ela precisava da individualidade moda da Van Eyck com a idealizao maneira romana, da pia simplicidade flamenga com a ostentao do mercador etrusco pago, do detalhe gtico com o pathos clssico, do ditatismo medieval com a estilizao renascentista, do alegorismo cristo com o lirismo pago, do deus crucificado com as mnades danantes, do traje ala francese (isto , nrdico) com os drapeados allantica etc.

    Essas duas citaes deixam um forte indcio de que as imagens antigas presentes nas representaes

    renascentistas eram encomendadas segundo a vontade, interesse e por que no insistncia ou

    mesmo imposio do sujeito burgus na construo de sua auto representao. Por que ser que o

    artista dificilmente poderia conhecer e, portanto imitar o drapeado helnico? Ele no teria

    acesso a esse repertrio de imagens? Quem as teria? Teria a burguesia acesso a elas, uma vez que as

    encomendavam, segundo os padres antigos?

    Embora Drer no tivesse uma ligao to direta com a famlia Mdici fica claro que eles tiveram um

    papel determinante na cultura de Florena que por sua vez exerceu grande influencia ao artista

    alemo. Eis aqui mais uma das abordagens reflexivas no desenho da Tramosfmula do Renascimento

    Italiano, um encontro entre genealogia da famlia, artista e caracterstica expressiva. Talvez a

    expressividade da hachura da obra de Drer possa ser entendida como uma insistncia da imagem.

    No desenho dessa trama a prima tcnica das hachuras surge como uma insistncia que perdura at

    os tempos atuais, vide as imagens presentes nas cdulas de dinheiro distribudas por todo o mundo.

    12 DIDI-Huberman, 2013. pag.35 13 Ibid. pag.154 14 Ibid. pag.160

  • 15

    E por que no lembrar tambm a figura dos Mdici como influentes e poderosos banqueiros na era

    do Renascimento Italiano. Por que no pensar tambm a famlia Warburg como influentes e

    poderosos banqueiros a muitas e muitas geraes at os tempos atuais. Seria uma coincidncia

    incrvel15 ?

    Em sua clebre obra Melancholia, Drer apresenta no canto superior direito o famoso e enigmtico

    quadrado mgico. Um quadrado com uma grade de dezesseis casas, divididas em quatro linhas e

    quatro colunas e com nmeros distribudos de forma muito especfica, a principio nada muito

    sequencial. Entre diversas leituras e interpretaes das lgicas presentes no quadrado mgico

    existem as mais conhecidas como : a soma dos nmeros seja por linha, coluna ou diagonal sempre

    resulta em 34. H uma curiosidade especifica nesta pardia que nasce do exerccio de refletir as

    interpretaes das lgicas presentes no quadrado mgico a partir de formas grficas resultantes da

    sequncia que se desenha ao ligar os campos numricos do quadrado mgico em sequencias lgicas

    como: sequencia numrica de 1 a 16 , nmeros pares, impares, primos ou no primos, etc. (Fig. 2)

    Figura 2 - Trama extrada das sequencias numricas do quadrado mgico

    Fonte: Godoy, 2013

    No exerccio de conectar os campos numricos do quadrado mgico surgem encontros ou mesmo

    certas semelhanas visuais como as tramas grficas resultantes das hachuras de Drer, da abstrao

    geomtrica e toda a gama de expresses advindas dela como as concretas, neoconcretas entre

    outras (Fig.3). De fato um anacronismo absurdo. Ou porque no uma coincidncia incrvel. Pois quem

    vivenciou o ensino da arte nas escolas brasileiras e nunca foi induzido ou provocado pelo professor a

    desenhar com a rgua, tramas de linhas retas que se cruzam e depois preencher as reas com cor?

    15 Comeamos a perceber que a "realidade" com a qual o pensamento supostamente coincide, no mais a nossa realidade. Trata-se de um novo tipo de dvida que surge. Uma dvida equivalente cartesiana, talvez, mas com inteno inversa. a tentativa de superar a oposio que a dvida cartesiana estabelece. A tentativa de reintegrao portanto. cedo ainda querer articul-la rigorosamente. A arte moderna e a filosofia da lngua (por serem anlises do pensamento e da realidade) so as primeiras articulaes tentativas FLUSSER, Vilm. Coincidncia incrvel. SUPLEMENTO LITERRIO, OESP, (414): 3, 23.01.65. Incluso em: Da religiosidade. So Paulo: Conselho Estadual de Cultura, 1965, p.28

  • 16

    De fato essa trama grfica parece sobreviver no tempo, mas quando se pensa a produo dessas

    obras vinculada de forma to forte a vontades burguesas essa sobrevivncia deixa de estar ligada a

    frmula de pathos e passa a se apresentar enquanto insistncia de uma herana cultural familiar

    dada por uma fora econmica e politica. Temos aqui um encontro entre as caractersticas

    expressivas, artista e genealogia das famlias.

    Figura 3 Tramas e linhas geomtricas

    Fonte: Godoy, 2013

    Como abordado no captulo anterior, a abstrao geomtrica no Brasil aponta para uma forte

    influencia norte americana e francesa. Uma manobra de intenes empresariais promovida por

    Francisco Matarazzo Sobrinho juntamente a sua esposa Yolanda Penteado que foram os principais

    protagonistas da histria da Bienal Internacional de So Paulo, e entende-se aqui um n da

    Tramosfrmula das Imagens Insistentes. Imigrantes de famlia italiana os Matarazzos conquistaram

    um imprio industrial em So Paulo e logo formam alianas com famlias quatrocentonas, de origem

    portuguesa. A cultura da Bienal de So Paulo est atrelada a um financiamento muito especfico

    dessas famlias quatrocentonas16 e os novos ricos descendentes italianos, alemes entre outros

    que tiveram sua ascenso durante o perodo da Repblica Velha (1889-1930).

    Faz-se importante identificar na genealogia as famlias ligadas a uma tica poltica e econmica

    assim como suas intenses industriais e bancrias sobre a produo cultural de localidades

    especficas em tempos especficos. A tramosfrmula desenha uma rede, imaginariamente prxima

    das tramas apontadas no cruzamento de linhas das hachuras de Drer ou das experincias com o

    quadrado mgico. O encontro dessas linhas so os ns, que podem representar a convergncia de

    interesses anacrnicos como os Mdici e os Matarazzo. Ou mesmo Orfeu de Poliziano e Drer ao

    Orfeu de Vinicius, Camus e Isabel Pons. Ou porque no associar anacronicamente a insistncia 16 um termo usado para designar os paulistas de quatrocentos anos. Designa a elite paulista tradicional, ou seja, a aristocracia e oligarquia paulista, e, portanto, majoritariamente de origem portuguesa, entre algumas famlias de origem portuguesa e castelhana tambm. Tendo a maioria dessas famlias origem na baixa e mdia nobreza portuguesa (incluindo, pois, a fidalguia portuguesa). SILVA LEME, Lus Gonzaga da, Genealogia paulistana, 9 volumes, Editora Duprat e Cia., 1901 e seguintes.

  • 17

    cultural alimentada pelos florins do banco Mdici aos cruzeiros, cruzados e reais alimentados pelos

    bancos Ita, Unibanco, Banco do Brasil, Caixa, Santander, Bradesco, por meio de suas fundaes e

    institutos culturais que funcionam como principais fomentadores da arte no Brasil contemporneo.

    At mesmo no prprio Warburg esse n aparece quando funda o Instituto Warburg, considerado um

    dos mais respeitados quando o assunto Renascimento Europeu, financiado pelo banco da famlia.

    H uma vontade insistente em apresentar a ideia do primitivo europeu aos outros primitivos

    ocidentalizados, ou colonizados. nessa perspectiva que o ensaio se direciona agora a uma leitura da

    representao do homem primitivo em terras colonizadas, mais especificamente na Amrica do Sul,

    dentro da contradio warbuguiana de sobrevivncia das imagens.

    3. Concluso - Dinamograma da inverso Colonial / Descolonial

    A reabilitao do primitivo uma tarefa que compete aos americanos. (...) Devido ao meu estado de sade, no posso tornar mais longa esta comunicao que julgo essencial a uma reviso de conceitos sobre o homem da Amrica. Fao pois um apelo a todos os estudiosos desse grande assunto para que tomem em considerao a grandeza do primitivo, o seu slido conceito de vida como devorao e levem avante toda uma filosofia que est para ser feita. 17 Oswald de Andrade 1954

    Oswald parece apontar para o perigo, ou fora hostil, que este ensaio procura argumentar em

    relao aos estudos de Warburg e sua possvel aderncia aos estudos do homem primitivo

    americano. A reabilitao do primitivo marca uma perda cultural, por isso a importncia de uma

    reviso de conceitos. Oswald convoca a emancipao do primitivo americano. A tarefa que compete

    aos americanos de ir ao encontro com a grandeza do primitivo, pois h uma tendncia dada a

    antropologia moderna de que essa debilidade avance em direo cada vez mais prxima da noo do

    colonizado18 reforando o primitivo americano como inferior e submisso. De fato h um estigma do

    colonizado que define o homem americano, do perodo colonial a atualidade, impregnado pelo

    modelo de civilizao ocidental, imperialista e europeu, de alguma forma os estudos de Warburg

    tornam-se compatveis neste recorte de tempo e espao.

    17 Comunicao escrita para o Encontro dos Intelectuais, realizado no Rio de Janeiro, em 1954, e enviada ao pintor modernista Di Cavalcanti para ser lida. (IEL Unicamp) In: ANDRADE, Oswald. (1991). p.231/232. 18 A noo do colonizado para falar agora do segundo termo apresenta seu prprio tipo de volatilidade. Antes de Segunda Guerra Mundial, os colonizados eram os habitantes do mundo no-ocidental e no-europeu que haviam sido controlados e amide assentados fora pelos europeus. (...) Pobreza, dependncia, subdesenvolvimento, variadas patologias de poder e corrupo e, por outro lado, realizaes notveis na guerra, na alfabetizao, no desenvolvimento econmico: essa mistura de caractersticas assinalava os povos colonizados que se haviam libertado em um nvel, mas permaneciam vtimas de seu passado em outro. SAID, Edward W. O choque das definies. In: SAID, Edward W. Reflexes sobre o exlio e outros ensaios. So Paulo: Companhia das Letras, 2003, pg 115.

  • 18

    Warburg aponta para um pathos primitivo a partir de premissas sintomticas que tendem a

    generalizar e, porque no, globalizar a construo dessa representao. Ele se baseia na ideia da

    indestrutibilidade do homem primitivo, sendo ele o mesmo em qualquer localidade ou tempo. Ao

    visitar os ndios hopi no Novo Mxico, mais precisamente ao analisar o ritual das serpentes, Warburg

    convoca a representao de Laocoonte para comparar, de forma pattica e equivalente, a relao

    do honrado sacerdote de Apolo e do o ndio hopi mexicano, pelo fato de ambos enfrentarem o

    animal venenoso. Apesar dele analisar e descrever em detalhes o processo ritualstico dos hopi, ele

    retoma uma antropologia anglo-saxnica ao formar conexes e estabelecer relaes a partir das

    culturas gregas antigas. Assim, o que para Oswald poderia existir enquanto grandeza primitiva nos

    ndios do Novo Mxico, americanos, passa a ser analisado por uma tica europeia e ocidental, ou

    seja, um processo de ocidentalizao do homem primitivo. Huberman refora a astcia do

    historiador ao narrar, e mais uma vez, enaltecer, os esforos de Warburg ao comparar rabiscos

    infantis, feito por crianas alems, com um desenho feito por um sacerdote-pintor de uma kiva

    sagrada que fora seu informante na viagem ao Mxico19. De fato a experincia comprova um

    Narchleben do antigo grego, e isso s possvel quando se denota que o ndio sacerdote que

    desenha a cobra relmpago riscando um lpis sobre a superfcie de papel. Indiscutivelmente a

    tcnica no pode ser encarada como compatvel na cultura hopi, o lpis e o papel industrializado no

    so objetos de uma tradio daquele povo. Parece ficar claro nessa comparao que, o desenho do

    ndio feito em 1895, apresenta o que Edward Said definiu como o colonizado. Ou seja, h uma

    violncia presente nessa busca de Warburg pela frmula primitiva. Embora nem ele, nem Huberman

    no concluam de forma clara o que significou aquela experincia, parece insinuar que tanto a criana

    quanto o sacerdote podem manifestar a expresso ou o gesto primitivo pelo fato dos dois terem

    pouca teoria e prtica de representao. Nessa comparao, Laocoonte e o risco do lpis sobre papel

    agridem a busca da grandeza primitiva que Oswald convoca em sua fala.

    Fundador e terico do movimento antropofgico, Oswald no fim de sua vida parece querer alertar

    para a iminncia de se fazer uma filosofia que est para ser feita. De certo que ele se refere ali as

    ideias originadas pelo movimento. Lder intelectual de um grupo de artistas que tinham como

    proposta deglutir a cultura europeia, numa aluso aos primitivos brasileiros que comiam gente -

    ndios tupis - Oswald apresentava para o Brasil e o mundo do sculo XX um modernismo agressivo,

    potico e provocador baseado na apropriao da cultura do outro. Em uma de suas clebres falas

    chegou a dizer: S me interessa o que no meu. Oswald escreve essa comunicao no mesmo

    ano de seu falecimento, 1954, quando o movimento antropofgico parecia ter chegado a um

    momento de aceitao institucional. Prova disso so as exposies de Anita Malfatti em sua primeira

    retrospectiva que acontece em 1949, no Museu de Arte de So Paulo Assis Chateaubriand Masp e

    19 DIDI-Huberman, 2013. (pag.190-191)

  • 19

    em 1951, participa do 1 Salo Paulista de Arte Moderna e da 1 Bienal Internacional de So Paulo.

    Surge ento uma pergunta, porque o tom de apelo de Oswald num momento to significativo para o

    movimento antropofgico? claro que como poeta e intelectual apaixonado por suas ideias, no fim

    de sua vida seria normal alertar para uma continuidade das ideias de resistncia levantadas pelo

    grupo. Mas o tom de apelo parece anunciar uma preocupao especfica. A arte de resistncia

    anticolonial20 que fora praticada por aquele grupo parecia sofrer de uma contradio crtica interna

    ao movimento. De alguma forma eles funcionavam como condutores da Narchleben de Warburg,

    carregando as frmulas de pathos que os europeus tinham de suas culturas primitivas. Por mais

    engajados que fossem eles estavam representando o homem americano segundo a prtica da

    pintura moderna europeia. Reforando assim uma representao do Outro. Said reflete sobre:

    As narrativas perderam sua legitimao, em larga medida, em consequncia da crise do modernismo, que soobrou ou ficou congelado em ironia contemplativa por vrias razes, uma das quais foi o aparecimento perturbador na Europa de vrios Outros que vinham da esfera imperial.(...) A esse desafio, o modernismo respondeu com a ironia formal de uma cultura incapaz de dizer sim, devemos desistir do controle, ou dizer no, devemos persistir apesar de tudo: uma passividade contemplativa constrangida se transforma observou com perspiccia George Lukcs em gestos paralisados de impotncia estetizada...21

    Um exemplo disso seria um dos mais famosos quadros do movimento, o Abaporu (1928) (Fig. 4) de

    Tarsila do Amaral. Durante a leitura pblica da pesquisadora Alison Coudert no Instituto Warburg

    intitulada Cannibalism in the minds and imaginations of Early Modern Europeans and Americans22,

    surge uma imagem (Fig.5)23 (sexta figura de cima para baixo do lado esquerdo da iluminura) que

    representava as estranhas bestas e raas monstruosas a margem do mundo. Dentre elas um ser

    deitado de costa para o cho e com um p de propores no mnimo intrigante se comparadas ao

    Abaporu de Tarsila. O que intriga na justaposio anacrnica dessas imagens, para alm das

    semelhanas, se Tarsila em suas incurses ao continente europeu teve acesso a estas imagens?

    Conhecendo ela ou no, parece que sua obra da voz aos fantasmas que representaram por sculos o

    homem primitivo no-europeu como bestas a margem do mundo. E retomando a pardia, haveria

    uma tramosfrmula lgica que desenhe a semelhana anacrnica entre as duas representaes?

    20 MOSQUERA, Gerardo. Caminar con el Diablo. Textos sobre arte, internacionalismo y culturas, Madrid, Exit Publicaciones, 2010 21 SAID, 2003, p. 115. 22 COUDERT, Alison - Cannibalism in the minds and imaginations of Early Modern Europeans and Americans. A lecture delivered on 24 April 2013 at the Warburg Institute, University of London, School of Advanced Study. http://www.youtube.com/watch?v=cIpq6zCSrUU Acessado em 12/09/2013 23 SCHEDEL, Hartmann (1440-1514). Liber Chronicarum, in german: Das Buch der Chroniken und geschichten mit figuren und pildnussen. Translated from latin by Georg Alt (C. 1450-1510). Nuremberg: Anton Koberger, 23 December 1493.

  • 20

    Figura 3 - Abaporu (1928)

    Fonte: Internet, 2013

    Figura 4 Estranhas bestas e monstros a margem do mundo

    Fonte: SCHEDEL, Hartmann (1440-1514)

    Mesmo que a tramosfrmula das imagens insistentes pudesse lanar mo da lgica de buscar as

    relaes na genealogia das famlias, no artista e nas caractersticas expressivas tais como Tarsila e

    movimento antropofgico ligado aos grandes burgueses industriais de So Paulo, ou a semelhana da

    caracterstica expressiva entre Tarsila e Fernand Legr, no faz sentido pois de alguma forma a

  • 21

    resistncia anticolonial dos antropofgicos no ficou imune a certos sintomas da cultura antiga

    europeia. Ao deglutir a cultura europeia os antropofgicos adquiriam um sintoma europeu, foram

    condutores da pathosformel de Warburg. O sintoma do pathos antigo que Warburg identifica em

    seus estudos se parece antes de um fantasma, um vrus que sofre mutaes ao entrar em contato

    com novas culturas, porm mantendo sua gentica intacta, ou em suas prprias palavras

    indestrutvel:

    Eu ainda no desconfiava de que, depois de minha viagem Amrica, a relao orgnica entre a arte e a religio dos povos primitivos me apareceria com tamanha clareza, que eu veria com muita nitidez a identidade, ou melhor, a indestrutibilidade do homem primitivo, que permanece eternamente o mesmo em todas as pocas [die Unzerstorbarkeit des primitiven Menschen zu allen Zeiten], de modo que eu poderia demonstrar que ele era um rgo da cultura do Resnascimento florentino quanto, mais tarde, da Reforma alem.24

    H um dilema estabelecido na experincia vivida pelos modernistas antropofgicos brasileiros. Um

    dilema que Walter Mignolo chamou de opo descolonial, que exige que o artista, crtico e

    historiador decida dar continuidade a razo imperial/ colonial ou aprender a desaprender esses

    saberes:

    A opo descolonial epistmica, ou seja, ela se desvincula dos fundamentos genunos dos conceitos ocidentais e da acumulao de conhecimento. Por desvinculamento epistmico no quero dizer abandono ou ignorncia do que j foi institucionalizado por todo o planeta (por exemplo, veja o que acontece agora nas universidades chinesas e na institucionalizao do conhecimento). Pretendo substituir a geo- e a poltica de Estado de conhecimento de seu fundamento na histria imperial do Ocidente dos ltimos cinco sculos, pela geo-poltica e a poltica de Estado de pessoas, lnguas, religies, conceitos polticos e econmicos, subjetividades, etc., que foram racializadas (ou seja, sua bvia humanidade foi negada).25

    A tramosfrmula das imagens insistentes faz da pardia uma forma de desaprender os conceitos de

    Warburg. Conceitos que apresentam de forma clara uma maneira imperialista de contar histria. De

    fato a importncia de entender este historiador faz-se necessria para essa operao de desaprender

    os ltimos cinco sculos. Desaprender Warburg seria para ele prprio um Dinamograma, ou seja,

    uma inverso de posies extremas.26 Buscar um pathos americano a iminncia da tramosfrmula,

    entender a trama do quadrado mgico nas representaes da abstrao geomtricas no Brasil

    reconhecer que esse pathos o do outro. Entender a abstrao geomtrica no o figurino da morte

    no filme Orfeu Negro, representa deflagrar um avano imperialista de uma vontade, uma insistncia

    de um controle cultural. Ponderar a metfora de um ilustre filsofo como Huberman horizontalizar 24 DIDI-Huberman, 2013. p.250 25 Mignolo, Walter D.; Traduzido por: Norte, ngela Lopes. Desobedincia epistmica: a opo descolonial e o significado de identidade em poltica. Cadernos de Letras da UFF Dossi: Literatura, lngua e identidade, no 34, p. 287-324, 2008 26 DIDI-Huberman, 2013. p.159

  • 22

    o dilogo. De alguma forma a pardia aqui desenvolvida se compara ao que Huberman descreve

    como restituio de um valor de uso atual ao conceito warbuguiano, no que ele como uma operao

    feita por Carlo Ginzburg:

    Alguns historiadores prximos da antropologia Carlo Ginzburg , em primeiro lugar at tentaram restituir um valor de uso atual ao conceito warbuguiano, mesmo que fosse para modific-lo num ou outro sentido. Mas a instaurao desse valor de uso esbarra em duas grandes dificuldades: a primeira prende-se considervel ambio filosfica cristalizada no conceito warbuguiano, com a qual os historiadores da arte nunca souberam muito bem o que fazer; a segunda prende-se ao fato de que Warburg, como era seu costume, lanou hipteses mltiplas seus foguetes tericos -, sem jamais fornecer o sistema da unificao deles, nem sequer um aplacamento transitrio de suas contradies. 27

    Mais do que deflagrar as formas veladas de avano imperial pela cultura essencial que a

    tramosfrmula das imagens insistentes busque entender as sobrevivncias das antiguidades pags

    americanas. Como fez Tereza Guisbert ao apontar virgens santssimas como vulco sagrado (fig.5)28

    em Potos, ou um ndio tupi, caracterizado, representado como um dos trs rei mago numa pintura

    ao estilo clssico renascentista, datada no sculo XVI. (fig.6)29. Por mais que isso possa parecer uma

    alienao com intenses de catequese dos ndios, o que de fato realmente era, ela aponta para uma

    sobrevivncia/insistente das formas culturais primitivas. Ela aponta para uma iconografia indgena

    sobrevivendo um avano massacrante das formas de representao ocidentais. Um desafio de

    caminhar sobre terrenos perigosos e cheios de contradies. Uma vez que ela usa do mtodo da

    iconografia extremamente estruturada numa racionalidade europeia. Ou como esta prpria pardia

    que se hibridiza e se funde a um formato de pensamento acadmico aos modelos da acumulao de

    conhecimento europeus.

    Figura 5 La Virgem como La Pachamama

    Fonte: GISBERT, Teresa. 1994. p.34-35 27 DIDI-Huberman, 2013. p.172 28 GISBERT, Teresa. Iconografia y Mitos Indgenas en el arte. La Paz, Bolivia: Editorial Gisbert y Cia, 1994. p.34-35 29 GISBERT, 1994, p. 81

  • 23

    Figura 6 dorao dos reis magos com um ndio

    Fonte: GISBERT, Teresa. 1994. p.81

    O conceito tramosfrmula das imagens insistentes no deve ser institudo enquanto teoria do

    conhecimento, deve antes ser entendido como um provocador que se utiliza da linguagem critico-

    ensastica para refletir inquietaes advindas dos estudos warbuguianos e assim apresentar um

    ponto de vista na contramo das reflexes, elogios e encantamentos simpticos a obras to bem

    estruturada e complexa como a de Warburg e Huberman possa representar.

  • 24

    4. Referencias Bibliogrficas

    DIDI-HUBERMAN, GEORGES, 1953 A imagem sobrevivente: histria da arte e tempo dos fantasmas segundo Aby Warburg / Georges Didi-HUberman; traduo Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Contraponto, 2013. FLUSSER, VILM. Coincidncia incrvel. SUPLEMENTO LITERRIO, OESP, (414): 3, 23.01.65. Incluso em: Da religiosidade. So Paulo: Conselho Estadual de Cultura, 1965. GISBERT, TERESA. Iconografia y Mitos Indgenas en el arte. La Paz, Bolivia: Editorial Gisbert y Cia, 1994. LOURENO, MARIA C. F. - Museus Acolhem o Moderno - So Paulo: Editora da Universidade de So Paulo. 1999. MORAIS, VINICIUS : 'Orfeu da Conceio', Livraria S. Jos, Rio, 1960. MOSQUERA, GERARDO. Caminar con el Diablo. Textos sobre arte, internacionalismo y culturas, Madrid, Exit Publicaciones, 2010. SAID, EDWARD W. O choque das definies. In: SAID, Edward W. Reflexes sobre o exlio e outros ensaios. So Paulo: Companhia das Letras, 2003. SILVA LEME, LUIZ GONZAGA DA, Genealogia paulistana, 9 volumes, Editora Duprat e Cia., 1901 e seguintes. SCHEDEL, HARTMANN (1440-1514). Liber Chronicarum, in german: Das Buch der Chroniken und geschichten mit figuren und pildnussen. Translated from latin by Georg Alt (C. 1450-1510). Nuremberg: Anton Koberger, 23 December 1493 WARBURG, Aby, 1866 -1929. A renovao da Antiguidade pag : cientifico-culturais para a histria do Renascimento europeu / Aby Warburg; traduo Markus Hediger. Rio de Janeiro : Contraponto, 2013.

    Documentos Eletrnicos on-line

    ALMEIDA, MARIA C. F., S me interessa o que no meu: a antropofagia de Oswald de Andrade. http://www.fabricadofuturo.org.br/fabricav4/ear_arquivos/someinteressaoquenaoemeu.pdf Acessado em 18/09/2013 MIGNOLO, WALTER D., Traduzido por: Norte, ngela Lopes. Desobedincia epistmica: a opo descolonial e o significado de identidade em poltica. Cadernos de Letras da UFF Dossi: Literatura, lngua e identidade, no 34, 2008. http://www.uff.br/cadernosdeletrasuff/34/traducao.pdf Acessado em 18/09/2013

    COUDERT, Alison - Cannibalism in the minds and imaginations of Early Modern Europeans and Americans. A lecture delivered on 24 April 2013 at the Warburg Institute, University of London, School of Advanced Study. http://www.youtube.com/watch?v=cIpq6zCSrUU Acessado em 12/09/2013

  • 25

    FLCHET, Anas - Um mito extico? A recepo crtica de Orfeu Negro de Marcel Camus (1959-2008) http://www.academia.edu/3611665/Um_mito_exotico_A_recepcao_critica_de_Orfeu_Negro_de_Marcel_Camus Acessado em 10/09/2013

    VII Bienal Internacional de So Paulo: catlogo. Apresentao Francisco Matarazzo Sobrinho; texto Geraldo Ferraz, Paulo Mendes de Almeida, Lus Martins, Srgio Milliet, Jos Geraldo Vieira; texto crtico Bernard Gheerbrant; texto Jayme Maurcio, Mrio Pedrosa. So Paulo: Fundao Bienal de So Paulo,1963. http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_ic/index.cfm?fuseaction=artistas_biografia&cd_verbete=2115&cd_item=18&cd_idioma=28555 Acessado em 18/09/2013

    TRAMOSFRMULA DAS IMAGENS INSISTENTESIvo Azeredo Rizzoli GodoyTRAMOSFRMULA DAS IMAGENS INSISTENTES

    Ivo Azeredo Rizzoli Godoy