tráfico internacional de pessoas e tráfico de migrantes entre deportados e não admitidos que...

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  • 7/31/2019 Trfico internacional de pessoas e trfico de migrantes entre deportados e no admitidos que regressam ao Brasil

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    Trfico internacional de pessoas e trfico demigrantes entre deportados(as) e no

    admitidos(as)que regressam ao Brasil via

    o aeroporto internacional de So Paulo

    BrasliaFevereiro de 2007

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    Realizao

    Secretaria Nacional de Justia do Ministrio da JustiaOrganizao Internacional do Trabalho (OIT)

    Coordenao

    Programa de Enfrentamento do Trco de Pessoas

    Parcerias

    Associao Brasileira de Defesa da Mulher, da Infncia e da Juventude (ASBRAD)

    Departamento de Polcia Federal (DPF)

    Departamento de Polcia Rodoviria Federal (DPRF)

    Receita Federal

    Empresa Brasileira de Infra-Estrutura Aeroporturia (Infraero)

    Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria (Anvisa)

    Instituto Brasileiro de Cincias Criminais (IBCCrim)

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    Trfico internacional de pessoas e trfico demigrantes entre deportados(as) e no

    admitidos(as)que regressam ao Brasil via

    o aeroporto internacional de So Paulo

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    Coordenao institucional da pesquisa

    Marina Pereira Pires OliveiraBrbara Pincowsca Cardoso Campos

    Coordenao tcnica da pesquisaAdriana Piscitelli

    Apoio realizao da pesquisa

    Renato Srgio de Lima

    Pesquisadores que realizaram o trabalho de campo

    Diego Romano

    Erndira SimesTali AlmeidaEron AlmeidaNatlia Bouas

    Apoio ao Trabalho de campo

    Dalila Figueiredo

    RevisoCidlia SantAna

    Diagramao

    Thiago G. Silva

    Capa

    Andr Ramos

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    Sumrio1. Apresentao........................................................................................................ 11

    2. Introduo ............................................................................................................ 13

    3. Trfico de pessoas, gnero e tipos de explorao.............................................. 17

    4. Metodologia e realizao da pesquisa................................................................ 21

    5. Perfis ..................................................................................................................... 29

    5.1 Idade ............................................................................................................... 29

    5.2 Estados de naturalidade e residncia ............................................................... 325.3 Escolaridade, renda e cor ................................................................................. 36

    5.4 Situao conjugal e filhos ................................................................................ 45

    5.5 Religio ............................................................................................................ 48

    6. Pases de deportao e no admisso ................................................................ 49

    7. Inadmisses .......................................................................................................... 53

    8. Deportaes ......................................................................................................... 639. Indcios de trfico de pessoas ............................................................................ 69

    9.1. Deslocamentos ............................................................................................... 69

    9.2. Trabalho .......................................................................................................... 81

    9.3. Cotidiano ........................................................................................................ 95

    10. Percepes sobre detenes e prises............................................................ 101

    10.1 No admisses ............................................................................................. 101

    10.2 Deportaes ................................................................................................ 107

    11. Necessidades das pessoas retiradas compulsoriamente do exterior............ 113

    12. Concluses........................................................................................................ 115

    Referncias Bibliogrficas ...................................................................................... 119

    ANEXOS .................................................................................................................. 123

    ANEXO 1

    Naturalidade ............................................................................................................ 125

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    ANEXO 2

    Escolaridade ............................................................................................................ 127

    ANEXO 3

    Trabalho ou atividade no Brasil ............................................................................... 129ANEXO 4

    Situao conjugal e filhos ........................................................................................ 131

    ANEXO 5

    Religio ................................................................................................................... 133

    ANEXO 6

    Instrumento utilizado na pesquisa (fase ps-piloto) ................................................ 135

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    ndice de figurasFigura 1Entrevistas realizadas segundo categorias de pessoas entrevistadas .......................... 22

    Figura 2Local de recepo de deportadas(os) e no admitidas(os)no Terminal 1 do aeroporto de Guarulhos ................................................................. 24

    Figura 3Deportadas(os) e no admitidas(os) por faixa etria

    (valores absolutos) ..................................................................................................... 29Figura 4Homens no admitidos por faixa etria(valores absolutos) ..................................................................................................... 30

    Figura 5Mulheres no admitidas por faixa etria(valores absolutos) ..................................................................................................... 30

    Figura 6

    Homens deportados por faixa etria(valores absolutos) ..................................................................................................... 31

    Figura 7Mulheres deportadas por faixa etria(valores absolutos) ..................................................................................................... 31

    Figura 8Deportados(as) e no admitidos(as) por estado de naturalidade ............................... 32

    Figura 9

    Deportados(as) e no admitidos(as) por estado de residncia no Brasil ..................... 33Figura 10Homens no admitidos por residncia e domiclio(valores absolutos) ..................................................................................................... 34

    Figura 11Homens deportados por estado de residncia e domiclio(valores absolutos) ..................................................................................................... 34

    Figura 12Mulheres no admitidas por estado de residncia e domiclio(valores absolutos) ..................................................................................................... 35

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    Figura 13Mulheres deportadas por estado de residncia e domiclio(valores absolutos) ..................................................................................................... 35

    Figura 14

    Deportados (as) e no admitidos(as) por escolaridade(valores absolutos) ..................................................................................................... 37

    Figura 15Deportados(as) e no admitidos(as) por renda(valores absolutos) ..................................................................................................... 37

    Figura 16Homens deportados por renda no Brasil(valores absolutos) ..................................................................................................... 38

    Figura 17Homens no admitidos por renda no Brasil(valores absolutos) ..................................................................................................... 38

    Figura 18Mulheres deportadas por renda no Brasil(valores absolutos) ..................................................................................................... 39

    Figura 19Mulheres no admitidas por renda no Brasil

    (valores absolutos) ..................................................................................................... 39Figura 20Deportados(as) e no admitidos(as) por cor declarada(valores absolutos) ..................................................................................................... 43

    Figura 21Mulheres no admitidas por cor declarada(valores absolutos) ..................................................................................................... 43

    Figura 22

    Mulheres deportadas por cor declarada(valores absolutos) ..................................................................................................... 44

    Figura 23Homens no admitidos por cor declarada(valores absolutos) ..................................................................................................... 44

    Figura 24Homens deportados por cor declarada(valores absolutos) ..................................................................................................... 45

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    Figura 25Homens no admitidos por filhos(valores absolutos) ..................................................................................................... 46

    Figura 26

    Mulheres no admitidas por filhos(valores absolutos) ..................................................................................................... 46

    Figura 27Mulheres deportadas por filhos(valores absolutos) ..................................................................................................... 47

    Figura 28Homens deportados por filhos(valores absolutos) ..................................................................................................... 47

    Figura 29Deportados(as) e no admitidos(as) por pas de devoluo(valores absolutos) ..................................................................................................... 51

    Figura 30Homens por pas de no admisso(valores absolutos) ..................................................................................................... 53

    Figura 31Mulheres por pas de no admisso

    (valores absolutos) ..................................................................................................... 53Figura 32Homens no admitidos por situao anterior de deportao ou no admisso(valores absolutos) ..................................................................................................... 57

    Figura 33Mulheres no admitidas por situao anterior de deportao ou no admisso(valores absolutos) ..................................................................................................... 58

    Figura 34

    Homens por pas de deportao(valores absolutos) ..................................................................................................... 63

    Figura 35Mulheres por pas de deportao(valores absolutos) ..................................................................................................... 63

    Figura 36Homens deportados por tempo no exterior(valores absolutos) ..................................................................................................... 64

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    Figura 37Mulheres deportadas por tempo no exterior(valores absolutos) ..................................................................................................... 64

    Figura 38

    Homens deportados e trabalho no exterior ................................................................ 82Figura 39Mulheres deportadas e trabalho no exterior .............................................................. 83

    Figura 40Transgneros deportadas e trabalho no exterior ........................................................ 83

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    1. Apresentao

    Esta pesquisa, realizada entre o final de outubro e novembro de 2006, tevecomo objetivo apreender dinmicas vinculadas ao trfico internacional de pessoas entrebrasileiros(as) deportados(as) ou no admitidos(as) em outros pases que retornaram

    ao Brasil atravs do aeroporto internacional de So Paulo, em Cumbica, Guarulhos.Os termos deportados (as) e no admitidos (as) ou rechaados(as) referem-se a duassituaes diferentes nos deslocamentos internacionais.

    Pessoas deportadas so aquelas que se encontravam residindo no pas de destinoe so enviadas pelas autoridades de volta para o pas de origem. Os motivos para dedeportao so diversificados, podem envolver apenas a permanncia irregular em umpas ou o envolvimento em algum delito. J as pessoas no admitidas ou rechaadasso aquelas as quais se nega o ingresso no pas de destino ou no qual desembarcam.Freqentemente elas s saem do aeroporto ao qual chegaram para embarcar em umvo que as devolva ao pas de origem. A no admisso em um pas estrangeiro no estnecessariamente vinculada a irregularidades. A simples suspeita de que um supostoturista um potencial migrante motivo para a no admisso.

    Ao final do estudo foi produzir conhecimento sobre essa problemtica,oferecendo subsdios para a sua recepo e atendimento, com especial ateno para aorganizao no-governamental associao Brasileira de Defesa da Mulher, da Infnciae da Juventude (ASBRAD), sediada em Guarulhos, que atende pessoas traficadas quevoltam ao Brasil pelo aeroporto de Cumbica. A pesquisa, realizada em uma abordagem

    qualitativa, baseada na observao das dinmicas de recepo dessas pessoas noaeroporto e em entrevistas em profundidade com os passageiros que chegaram emvos do exterior, amplia e aprofunda os resultados do estudo realizado em 2005,intitulado Indcios de Trfico de Pessoas no universo de deportadas e no-admitidas queregressam ao Brasil via aeroporto de Guarulhos1 (Secretaria Nacional de Justia, 2006).Os resultados aqui apresentados, porm, referem-se a um estudo centrado no universodiversificado, em termos de gnero, que devolvido ao Brasil, pois inclui informaesrelativas a homens, mulheres e transgneros e, alm disso, analisa indcios de trficointernacional de pessoas para quaisquer fins (no apenas explorao sexual). Ao usar a

    definio do Protocolo Adicional Conveno as Naes Unidas contra a CriminalidadeOrganizada Transnacional, mais conhecido como Protoloco de Palermo, o estudo sealinha com a conceituao adotada pelo Poder Executivo Federal no decreto presidencialde nmero 5.948 de 26/10/2006 que aprova a Poltica Nacional de Enfrentamento aoTrfico de Pessoas.

    1 Esse estudo, concludo em agosto de 2005, foi divulgado em 6 de maro de 2006 e publicado emnovembro de 2006.

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    2. Introduo

    O estudo exploratrio realizado em 2005 foi parte do projeto piloto deenfrentamento ao trfico de pessoas (ETP) no Brasil, desenvolvido no marco de umaparceria entre a Secretaria Nacional de Justia do Ministrio da Justia (SNJ/MJ) e o

    Escritrio das Naes Unidas contra Drogas e Crime (UNODC). Essa pesquisa restringiuseu foco a mulheres e transgneros brasileiras, deportadas e no admitidas, queretornavam ao Brasil em vos provenientes da Europa. O objetivo desse estudo foitraar o perfil socioeconmico dessas pessoas, bem como apreender as motivaes queas incentivaram a migrar, procurando identificar indcios de envolvimento no trficointernacional de pessoas com fins de explorao sexual. Para tanto, foram utilizadasmetodologias quantitativa e qualitativa, com aplicao de questionrios realizao deentrevistas com perguntas abertas e registro de observaes em dirios de campo.

    A realizao desse estudo contou com o apoio de uma ampla rede de parceiros,especialmente os rgos federais que tm atuao no aeroporto internacional de SoPaulo, alm da organizao no-governamental ASBRAD, que tem vasta experincianessa rea. O apoio institucional da Secretaria de Justia e Defesa da Cidadania doEstado de So Paulo tambm foi fundamental.

    Os resultados dessa pesquisa2 mostraram tendncias relativas ao perfilsocioeconmico, os estados de origem e residncia e percursos migratrios dasentrevistadas. O estudo foi relevante para perceber que, nesse universo, o percentualde pessoas deportadas era reduzido em relao s que tiveram o ingresso recusado

    no pas de destino. O elevado ndice de no admisso adquire sentido no marco daforte preocupao pela migrao irregular na Europa. Nesse contexto, as brasileiras sofreqentemente rechaadas em virtude de sua estigmatizao como prostitutas.

    O grupo que afirmou ter trabalhado na indstria do sexo em diferentes pases daEuropa (entre as transgneros, sobretudo na Itlia) se concentrou entre as deportadas.Nesses casos, os resultados apontaram para o tipo de rede envolvida nos processosmigratrios, freqentemente informais, de vizinhana, amizade e parentesco e dotipo de intermediaes no Brasil e/ou no exterior, favorecendo viagens de mulheres etransgneros para trabalhar na prostituio. A relevncia adquirida pelos esquemas

    informais referenda resultados de outras pesquisas, tais como Agustin, 2005; Ribeiro,Silva, Patuleira, Ribeiro e Sacramento, 2005; Sanghera, 2005. Apenas uma pequenaparte do reduzido grupo de pessoas que declarou estar inserido na indstria do sexoaludiu a situaes de coao, engano, violncia, controle e ou restrio da liberdade nasada do Brasil, insero no destino ou no marco no qual trabalharam na prostituio.Os casos de violncia, coao e, inclusive, grave explorao, apareceram vinculados aotrabalho no exterior, em processos migratrios intermediados por cafetinas, atingindoparticularmente as transgneros. Essa categoria de pessoas era pouco considerada nosdebates sobre trfico no momento em que esse estudo foi concludo. Contudo, de

    2 Os resultados da pesquisa esto disponveis em: http://www.mj.gov.br.

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    acordo com informaes publicadas nos jornais brasileiros, nos ltimos meses de 20063,as transgneros tornaram-se alvo de aes de represso ao trfico de pessoas. Entre asmulheres, coero, maus-tratos e grave explorao apareceram em relao a um tipo deatividade no prevista como objeto da pesquisa: o servio domstico.

    Finalmente, esse estudo mostrou que os objetivos dessas pessoas, para alm decontribuir para o sustento de familiares, particularmente filhos, eram o acesso a bens eatividades de gerao de renda caractersticos da classe-mdia brasileira (casa prpria,carro, loja, salo ou supermercado). Foram identificados trs perfis distintos. No primeiro,estavam aquelas que no pretendiam retornar a Europa, pois consideravam terematingido seus objetivos. No segundo, encontravam-se as que pensavam em voltar omais rpido possvel. Havia ainda um terceiro grupo que no desejava retornar a Europa,ao menos no para continuar trabalhando na prostituio, mas que precisava de apoiono Brasil pois se sentiam em situao de vulnerabilidade, sem recursos econmicos nem

    possibilidades de futuro, o que as tornava potenciais alvos de novos recrutamentos.Aspectos presentes nos resultados desse estudo, articulados necessidade deconsiderar o trfico internacional de pessoas em uma leitura que extrapole o trficocom fins de explorao sexual e de levar em conta as formulaes da Poltica Nacionalde Enfrentamento ao Trfico de Pessoas, aprovada em 20064, voltada no apenas paraa represso, mas tambm para a preveno e o atendimento s vtimas, conduziram realizao desta pesquisa.

    Aps um levantamento realizado por integrantes da equipe de pesquisadores nosregistros da Polcia Federal sobre pessoas deportadas e no admitidas que retornaram

    ao Brasil por meio do aeroporto de Cumbica em 2005, estimou-se que nesse ano houveregistro de 15.265 pessoas. Nesses documentos, os homens, 11.143, representamaproximadamente 73% desse total, e as mulheres, 4.122, aproximadamente 27%. Nosregistros, os pases que devolveram ou recusaram o ingresso de homens e mulheresno so coincidentes. Em 2005, os homens foram devolvidos em primeiro lugar doMxico, provavelmente tentando chegar aos Estados Unidos, em segundo lugar pelosEstados Unidos e em terceiro lugar pela Inglaterra. Um nmero significativamentemenor foi devolvido de Portugal, Espanha, Canad e Itlia. As mulheres tambm foramdevolvidas predominantemente do Mxico, em segundo lugar da Espanha e em terceiro

    dos Estados Unidos, seguidos por Inglaterra, Portugal e, finalmente, Itlia. A equipefez o levantamento baseado em registros que, como ser explicado em seguida, nocobrem a totalidade das pessoas deportadas ou no admitidas que regressam ao pasatravs desse aeroporto. Alm disso, nos registros existentes, nem sempre o destino declarado. Contudo, apesar das limitaes, o levantamento foi significativo para seperceber a necessidade da realizao de um estudo que contemplasse as pessoas queretornam a partir de diversos pases do exterior.

    3 Correio de Uberlndia OnLine, OPERAO CARAXU, nove so presos por trfico de pessoas, Cinco acusados

    foram presos em Uberlndia, trs em Franca e um em SC, 1/10/2006. In: http://www.correiodeuberlandia.com.br/v2.4 Aprovada pelo Decreto n 5948, de 26/10/2006.

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    A preocupao por explorar os aspectos que contribuam para oferecer umarecepo e um atendimento adequados aos (s) migrantes brasileiros(as) em situaode trfico est vinculada Poltica Nacional de Enfrentamento ao Trfico de Pessoas,elaborada por representantes do Poder Executivo Federal, do Ministrio Pblico Federale do Ministrio Pblico do Trabalho e submetida a consulta pblica e discusso comamplos setores da sociedade civil5. Essa Poltica, afinada com as formulaes do Protocolode Palermo, tem como objetivo estabelecer princpios, diretrizes e aes nas reas depreveno e represso ao trfico de pessoas, bem como ateno s vtimas. Entre osrequisitos necessrios para o cumprimento dessas diretrizes contam-se: a articulaocom organizaes no governamentais (nacionais e internacionais); o fortalecimento daatuao nas regies de fronteira, em portos, aeroportos, rodovias, estaes rodoviriase ferrovirias e demais reas de incidncia; a proteo, o atendimento e a re-inserosocial das vtimas; fortalecer os servios consulares na defesa e proteo de vtimas detrfico de pessoas.

    Desde 1997, a ASBRAD, organizao no-governamental (ONG) sediada emGuarulhos, atende pessoas vtimas de trfico que voltam ao Brasil pelo aeroportode Cumbica. Como reconhecimento pelo trabalho, realizado durante anos de formavoluntria no aeroporto, o governo holands aprovou um projeto da referida ONG parao financiamento da criao e instalao de um posto de acolhimento a deportados noaeroporto em Guarulhos, com o objetivo de identificar possveis vtimas do trfico depessoas e proporcionar-lhes um atendimento inicial. A maior parte das pessoas quechegam por Guarulhos est em trnsito para outras cidades, da a importncia de acolh-las no aeroporto e encaminhar as possveis vtimas a outros servios de atendimentodisponveis nos Estados de origem. A estruturao desse servio, sob a coordenaoda ASBRAD, conta com o apoio da Secretaria Nacional de Justia. A experincia daASBRAD aponta para uma srie de necessidades das pessoas recepcionadas, sobretudoimediatas. Entretanto, para a melhor estruturao do posto, ainda se fazia necessrioum conhecimento sistemtico e aprofundado desse universo.

    Considerando esses aspectos, o estudo, realizado em uma abordagem qualitativa,centrado em brasileiros (as) que retornam ao Brasil pelo aeroporto internacional de SoPaulo, em Guarulhos, na qualidade de deportados(as) e no admitidos(as), foi voltado

    para a apreenso das dinmicas desses processos migratrios e as vinculaes com otrfico internacional de pessoas. A proposta foi traar o perfil socioeconmico dos(as)brasileiros(as) que sofreram deportao e no admisso; apreender as motivaes paraque realizassem a viagem; as dinmicas envolvidas nos processos de recrutamento,deslocamento, recepo e insero no mercado de trabalho no exterior; esquadrinharos eventos em torno da deportao e as necessidades dessas pessoas, particularmentequando se trata de vtimas de trfico internacional de pessoas. A inteno foi produzirconhecimento sobre a temtica para subsidiar a implementao do servio de atendimentoaos (s) deportados (as) no aeroporto internacional de So Paulo e a capacitao dos

    5 A proposta foi submetida a consulta pblica nos meses de maio e junho de 2006 e discutida no seminrionacional A Poltica Nacional de Enfrentamento ao Trfico de Pessoas, realizado no dia 28 de junho de 2006no auditrio JK da Procuradoria-Geral da Repblica em Braslia.

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    funcionrios federais que atuam na rea restrita. Alm disso, espera-se contribuir com oMinistrio da Justia, responsvel pela coordenao da Poltica Nacional de Enfrentamentoao Trfico de Pessoas, disponibilizando informaes que ofeream subsdios para quealgumas instituies federais consideradas chave para a implementao da Polticapossam aperfeioar seu trabalho, notadamente do Departamento de Polcia Federal e oMinistrio das Relaes Exteriores, oferecendo dados confiveis sobre a deportao debrasileiros (as) como forma de auxiliar o trabalho diplomtico.

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    3. Trfico de pessoas, gnero e tipos de explorao

    O Protocolo Adicional Conveno das Naes Unidas contra o Crime OrganizadoTransnacional relativo Preveno, Represso e Punio do Trfico de Pessoas, emespecial Mulheres e Crianas6, ratificado pelo governo brasileiro em maro de 2004,

    define o Trfico de Pessoas (artigo 3, a), comoo recrutamento, o transporte, a transferncia, o alojamento ou o

    acolhimento de pessoas, recorrendo ameaa ou ao uso da fora ou a outrasformas de coao, ao rapto, fraude, ao engano, ao abuso de autoridade oude situao de vulnerabilidade ou entrega ou aceitao de pagamentos oubenefcios para obter o consentimento de uma pessoa que tem autoridade

    sobre outra, para fins de explorao.

    De acordo com esse Protocolo, a explorao inclui no apenas a explorao daprostituio de outrem ou outras formas de explorao sexual, mas tambm o trabalhoou servios forados, a escravatura ou prticas similares escravatura, servido ou extrao de rgos. E, embora o Protocolo se refira preveno, represso e puniodo trfico, em especial envolvendo mulheres e crianas, est aberto incluso de outrascategorias de pessoas.

    No que se refere a esse ltimo aspecto, relevante observar que em maro de2005 houve mudanas importantes na legislao penal brasileira no tocante ao trfico

    de pessoas. O artigo 231 do Cdigo Penal Brasileiro (CPB) tratava to somente do crimede trfico internacional de mulheres, mas sua redao foi alterada com a edio daLei n 11.106 de 28 de maro de 2005 para abarcar o trfico internacional de pessoas,no apenas de mulheres7 .

    Os dois pontos levantados, o fato de o Protocolo no restringir a noo deexplorao explorao sexual e o de no limitar a idia de trfico de pessoas s mulheres,contam-se entre os aspectos que distanciam esse instrumento normativo internacionalde outros anteriormente elaborados. Entretanto, esses dois pontos tendem a ser poucoconsiderado no debate e na produo de conhecimento sobre trfico de pessoas. Uma

    leitura histrica da discusso sobre o tema possibilita compreender os motivos queincidem na dificuldade para incluir esses dois aspectos nas discusses sobre o tema.

    O termo trfico est freqentemente associado linguagem e s preocupaespresentes nas convenes internacionais formuladas a partir do incio do sculo XX. Nesseperodo, os movimentos para proteger as migrantes, predominantemente as europias6 Protocolo Adicional Conveno das Naes Unidas contra a Criminalidade Organizada Transnacionalrelativo Preveno, Represso e Punio do Trfico de Pessoas, em especial de Mulheres e Crianas,Palermo, dezembro de 2000. In: GOVERNO DO BRASIL, MINISTRIO DA JUSTIA: Trfico de Seres Humanosno Brasil, Braslia, 2004.

    7 Dentre outras mudanas introduzidas com a edio dessa lei, destaca-se ainda a incluso de um tipopenal especfico para o trfico de pessoas, quando este desenvolvido em mbito nacional apenas, semramificaes internacionais. Tipificou-se, assim, o trfico interno de pessoas (artigo 231-A do CPB).

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    e as estadunidenses, do perigo de serem foradas prostituio no exterior, lutaramcontra o que denominaram Trfico de Escravas Brancas (Guy, 1992; Pereira, 2002). Essanoo de trfico, vinculada prostituio, dominou a ateno internacional em tornodo tema da migrao internacional das mulheres, no contexto da internacionalizaode mo-de-obra, no perodo de globalizao do capitalismo at as primeiras dcadasdo sculo XX. O debate deu lugar a uma srie de discusses e convenes, encabeadaspela Liga das Naes, sobre o trfico de mulheres e crianas. Essas primeiras definiesde trfico, exclusivamente vinculadas a atividades no comrcio global do sexo, estopresentes tambm na Conveno das Naes Unidas de 1949 sobre a Supresso doTrfico de Pessoas e a Explorao da Prostituio dos Outros8 (Doezema, 1998).

    O interesse no tema ressurgiu na dcada de 1970, sobretudo a partir da presso defeministas preocupadas com os impactos sociais da reconstruo e do desenvolvimentodo Sudeste da sia aps a Guerra do Vietn e com a permanncia continua das tropas

    militares estadunidenses na regio (Enloe, 1990). Nessas campanhas se atacou comfora a prostituio voltada para os militares, o turismo sexual, as noivas arranjadas porcorrespondncia, os casamentos forados e as coeres e violncia no deslocamentoe no emprego de mulheres de reas pobres em lugares ricos, no mbito nacional einternacional, utilizadas para trabalhar no lazer e nas indstrias do sexo (Kempadoo,2005). Na dcada de 80, a problemtica do trfico tinha sido integralmente incorporadapelo movimento feminista internacional.

    A partir desse perodo, porm, certos grupos, muitos deles tambm feministas,observando a experincia de trabalho de organizaes no governamentais de diversas

    partes do mundo passaram a perceber que embora muitas mulheres fossem violentadase foradas no comrcio global do sexo, suas situaes eram anlogas s de migrantesque desempenhavam outras atividades em uma ordem mundial marcada por questesde gnero e racializada. De acordo com essas abordagens, o comrcio global do sexo um espao, mas no o nico, no qual h vtimas do trfico de pessoas. Essa linha depensamento foi reforada pelas recomendaes do Informe Especial sobre ViolnciaContra as Mulheres para as Naes Unidas, que em 1996, aconselhava separar oprocesso de recrutamento e transporte sob coero do comrcio do sexo (Chew, 2005).Isso significava considerar que o deslocamento por meio de fronteiras para trabalhar na

    prostituio no era sempre e necessariamente forado e significava tambm pensarque o trfico de pessoas podia envolver qualquer tipo de trabalho forado.

    A ateno comeou a voltar-se para os setores que requerem mo-de-obra noespecializada ou semi-especializada, como o servio domstico, o trabalho como bab, ocuidador de idosos e os servios na produo de manufaturas (Cheever, 2002; Rivas, 2002;Zarembka, 2002). As preocupaes centraram-se tambm nos fatores que conduzem feminizao e racializao dos processos migratrios para fornecer essa mo-de-obra

    8 importante destacar que se nessa conveno das Naes Unidas o interesse era suprimir o trfico e

    tambm a prostituio, ela se mostrava parcialmente livre dos aspectos racistas presentes na expressotrfico de escravas brancas, associados noo de outros brbaros, pouco civilizados, que prendiam eviolentavam mulheres brancas (Doezema, 2000).

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    (Sassen, 1998; Hirata, 2006). No contexto dos processos de globalizao contempornea,as marcas de gnero incidem na diviso sexual do trabalho migrante, mas nesse marco,a racializao e inferiorizao dos migrantes de pases e regies pobres do mundoafeta mulheres e homens, expondo-os tambm a situaes de trfico. Essas percepesampliaram o conceito de trfico, considerando que embora as mulheres so muitas vezesalvo de recrutamento e deslocamento sob coero e engano, essas possibilidades no serestringem a elas e levando tambm em conta que os fins desses deslocamentos envolvem odesempenho de trabalho forado em diversas atividades, no apenas na indstria do sexo.

    Os efeitos da presso exercida por grupos que sustentam essas perspectivasse expressam, pelo menos em parte, na formulao do Protocolo de Palermo,particularmente na parte do artigo 3 que considera trfico o processo de recrutamento,transporte e recepo sob coero que conduz explorao, incluindo a explorao daprostituio de outrem ou outras formas de explorao sexual, aos servios forados,

    a servido e as prticas similares escravatura. Essas abordagens tambm apontampara a proximidade e, s vezes, articulao entre o trfico internacional de pessoas e otrfico de migrantes (smuggling) nesses processos migratrios.

    O trfico de migrantes9 envolve a promoo, com o objetivo de obter direta ouindiretamente um beneficio financeiro ou outro benefcio material, da entrada ilegalde uma pessoa num estado parte do qual essa pessoa no seja nacional ou residentepermanente. O Protocolo adicional Conveno das Naes Unidas contra o CrimeOrganizado Transnacional, relativo ao combate ao trfico de migrantes, tambmcaracteriza como infrao penal a elaborao, obteno, fornecimento ou posse de

    documentos de viagem ou de identidade fraudulentos com o objetivo de possibilitar otrfico de migrantes. De acordo com o Protocolo de Palermo, no trfico de pessoas, aprincipal fonte de ingressos para os traficantes produto da explorao das vtimas (naprostituio, trabalhos forados, servido). No trfico de migrantes, a principal fontede ingressos so os valores pagos pelos migrantes. Alm disso, o trfico de migrantes sempre transnacional e o trfico de pessoas pode ou no ser. Nos documentos sobretrfico de pessoas produzidos pelas Naes Unidas observa-se que, embora o trfico depessoas e o trfico de migrantes constituam delitos diferentes, nos casos reais pode haverelementos de ambos ou a mutao de um delito para outro (Naciones Unidas, 2007).

    As discusses contemporneas sobre migrao e trfico chamam a ateno paraa proximidade de ambas problemticas observando que, nos processos migratriosirregulares, intimamente vinculados s desigualdades estruturais globais, os migrantesso vulnerveis tanto ao trfico de migrantes, como ao engano e coero no movimentode deslocamento, e, posteriormente, servido por dvidas, violncia dos empregadorese clientes. E, quando as condies socioeconmicas nos locais de partida no se alteram,os migrantes que retornam voluntariamente ou deportados tentam partir novamente,sendo mais uma vez vulnerveis a ambos os tipos de trfico (Kempadoo, 2005).

    9 De acordo com o Protocolo adicional Conveno das Naes Unidas contra o Crime OrganizadoTransnacional, relativo ao combate ao trfico de migrantes por via terrestre, martima e area, assinado pelogoverno do Brasil em 2000 e ratificado em 29 de janeiro de 2004 (Ministrio da Justia/UNDOC, 2004).

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    Esse breve histrico possibilita compreender alguns dos motivos que levam produo de conhecimento sobre trfico de pessoas voltado, sobretudo, para o trficocom fins de explorao sexual. Ainda existe uma linha de discusso sobre trfico quefaz uma leitura parcial do Protocolo Adicional Conveno das Naes Unidas contrao Crime Organizado Transnacional relativo Preveno, Represso e Punio do Trficode Pessoas, em especial Mulheres e Crianas. Nessa abordagem, na qual se inseremperspectivas a favor da eliminao da prostituio, o trfico de pessoas vinculadoexclusivamente explorao sexual e s mulheres. Algumas tendncias afirmam,inclusive, a superioridade da Conveno das Naes Unidas de 1949, na medida emque define o trfico unicamente em termos de prostituio e, alm disso, se posicionasimultaneamente contra o trfico e a prostituio (Markovich, s/d; Naciones Unidas,1949).

    O histrico realizado conduz percepo da relevncia de considerar o trfico

    de pessoas no sentido mais amplo, conforme o Protocolo de Palermo, prestandotambm ateno como esse tipo de trfico se intersecta com o trfico de migrantes.Considerando esses aspectos, o estudo aqui apresentado considerou as disposiesdo Protocolo de Palermo e o debate contemporneo sobre trfico internacional depessoas, particularmente as formulaes que concedem ateno aos mecanismos quepossibilitam apoiar os direitos dos(as) migrantes (Kempadoo, 2005). Nesse marco,tendo como principais objetivos a apreenso das dinmicas vinculadas ao trfico comquaisquer fins (e no apenas explorao sexual) e dos aspectos que contribuam parauma recepo digna e atendimento adequado s vtimas, a pesquisa tomou como foco

    o universo de homens, mulheres e transgneros brasileiros deportados (as) de diversospases do exterior que retornam ao pas pelo aeroporto de Guarulhos.

    Incluir homens no universo de investigao no significa ignorar desigualdadesde gnero, isto , as distines entre caractersticas consideradas masculinas e femininasque, implementadas em distribuies diferenciadas de poder, situam as pessoas emposies desiguais. Entretanto, essas desigualdades so produzidas na articulaoentre noes de feminilidade e masculinidade com outras diferenas, de nacionalidade,regio, raciais, culturais, de classe, orientao sexual, idade e inclusive religio (Brah,1996; MacClintock, 1995; Crenshaw, 2002). No marco dos processos migratrios

    contemporneos, as distribuies desiguais de poder ancoradas na articulao entreessas noes afetam mulheres, trasngneros e homens, situando tambm esses ltimos,embora de maneira diferenciada, em situaes de desigualdade. Este o motivo quetorna relevante a incluso de homens no universo de pesquisa.

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    4. Metodologia e realizao da pesquisa

    O estudo foi realizado durante o perodo de um ms, entre 24 de outubro e24 de novembro de 2006, nas reas restritas dos dois terminais (1 e 2) do aeroportode Cumbica. Os objetivos da pesquisa requeriam material a ser trabalhado em

    profundidade, portanto, o estudo foi realizado em uma abordagem qualitativa. Osestudos qualitativos no redundam em grandes representaes da realidade. Elescostumam ser desenvolvidos sob a forma de estudos de casos, envolvendo trabalhode campo, verificao in loco do que est se passando, valorizao de entrevistase mtodos de observao como formas de coleta de evidncia emprica, com afinalidade de produzir insights. Os estudos de caso no produzem necessariamentegeneralizaes, mas subsidiam a identificao de problemas.

    A pesquisa foi realizada combinando o registro de observaes nos dirios decampo dos pesquisadores e entrevistas realizadas com um instrumento especialmentepreparado para o projeto. O nmero de entrevistas seguiu o critrio de reunir um nmerosuficiente para perceber recorrncias em cada uma das categorias contempladas. Aamostra prevista no projeto inclua 30 entrevistas com deportados(as), 10 com cadacategoria considerada, homens, mulheres e transgneros, e 12 entrevistas com pessoasno admitidas, igualmente repartidas entre homens, mulheres e transgneros, queintegrariam um grupo de controle, com o fim de explorar possveis especificidades entreos deportados. Previu-se, ainda, a possibilidade de entrevistar de forma complementarbrasileiros(as) retirados(as) de situao de trfico internacional de pessoas por meiode operaes Polciais realizadas durante o perodo da pesquisa e pessoas queprocurassem, espontaneamente, informaes sobre questes relacionadas suasada do pas e que possam estar envolvidas em situaes de trfico internacional depessoas ou desejassem denunciar alguma situao de possvel trfico internacional depessoas. Contudo, essas situaes no se apresentaram durante o desenvolvimentodo estudo.

    O nmero de entrevistas realizadas superou a expectativa no que se refereao total geral e aos totais alcanados em vrias das categorias. Foram realizadas73 entrevistas, 31 com deportados(as), divididas nas seguintes categorias: 17 com

    homens, das quais 2 no foram registradas com gravador; 11 com mulheres, das quaisapenas uma no foi registrada em gravador e 3 com transgneros, uma das quaisno foi gravada. Com pessoas no admitidas foram realizadas 42 entrevistas, 21 comhomens, das quais s 3 no foram gravadas; 19 com mulheres, das quais 6 no foramgravadas e 2 com transgneros, gravadas. As nicas categorias em relao s quaiso nmero de entrevistas foi inferior ao previsto foram as transgneros, em razo doescasso nmero detectado pelos pesquisadores no fluxo de pessoas nessas condiesque chegaram no perodo em que foi realizado o trabalho de campo.

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    Figura 1Entrevistas realizadas segundo categorias de pessoas entrevistadasHOMENS

    DEPORTADOSMULHERES

    DEPORTADASTRANSGNEROS

    DEPORTADASHOMENS

    INADMITIDOSMULHER

    INADMITIDASTRANSGNEROS

    INADMITIDASPESQUISADOR(A)

    6 1 8 5 2 Cdigo 051

    4 3 1 3 6 Cdigo 04

    3 1 2 4 3 Cdigo 02

    3 2 1 3 Cdigo 01

    1 4 5 2 Cdigo 03

    TOTAIS PARCIAIS

    17 11 3 21 19 2

    TOTAL GERAL= 73

    FONTE: Elaborada pela equipede pesquisadores.

    A equipe de pesquisadores foi integrada por cinco estudantes do curso decincias sociais da Universidade de So Paulo, homens e mulheres. Essa equipe,que j tinha trabalhado na pesquisa realizada no aeroporto em 2005, contava comtreinamento e experincia na problemtica abordada. Trabalhando em duplas, aequipe abordou os(as) deportados(as) e no admitidos(as) imediatamente aps achegada nos balces da Polcia Federal, nos dois terminais do aeroporto, nos horriosde concentrao de chegada de vos internacionais: em dois perodos, manh(entre 5h30 e 10h30) e tarde (entre 16h30 e 21h30)10. Os pesquisadores realizaram

    entrevistas com as pessoas que expressaram o desejo de participar e as gravaramcontando com a autorizao dos entrevistados. Respeitando o acordo estabelecidona realizao das entrevistas, no relatrio no h referncias que possibilitem aidentificao dos sujeitos da pesquisa.

    O instrumento elaborado para a realizao de entrevistas era compostopor questes fechadas e abertas. As perguntas fechadas estavam voltadaspara a apreenso do perfil socioeconmico das(os) entrevistadas(os), incluindosexo, idade, cidade/estado de nascimento e de residncia antes de viajar, cor,escolaridade, religio, estado civil, filhos, atividade e renda mensal no Brasil e

    dados relevantes como o pas de destino, o pas no qual desembarcou no exterior,motivos aduzidos para a deportao ou no admisso e tempo que passou noexterior.

    As questes abertas seguiram um roteiro voltado para a apreenso das motivaese condies de realizao da viagem, das atividades desenvolvidas no exterior, indciosde trfico internacional de pessoas, motivos e condies da deportao e no admisso.O roteiro esteve organizado em seis blocos principais: 1) situao de vulnerabilidadee experincias anteriores de viagens internacionais; 2) recrutamento; 3) transporte,

    10 O estudo levou em considerao os princpios consagrados na normativa internacional de proteo dosdireitos humanos e adotou os 4 (quatro) referenciais bsicos da biotica, expressos na resoluo n 196/96do Conselho Nacional de Sade: a autonomia, a no maleficncia, a beneficncia e a justia.

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    transferncia, alojamento, acolhimento; 4) explorao em quaisquer tipo de atividades,incluindo um conjunto de perguntas especficas para eventual explorao sexual; 5)condies de deportao e de recepo em Cumbica; 6) necessidades (imediatas e amdio prazo) das(os) entrevistadas(os)11.

    importante observar que durante o desenvolvimento da pesquisa, nos esse instrumento, mas os registros em dirio de campo foram da mximarelevncia. Os registros cotidianos da observao realizada no aeroportoofereceram um quadro de informaes que extrapola as colhidas por meio dasentrevistas, permitindo criar um contexto para situar a informao provenientedelas, fornecendo impresses sobre o marco de realizao da pesquisa, dasdificuldades encontradas, das interaes das(os) entrevistados(as) entre eles(as) ecom as autoridades brasileiras.

    O desenvolvimento do projeto incluiu reunies prvias com a equipe de

    pesquisadores, para discutir o projeto, aspectos operacionais e tcnicos e oinstrumento preparado. O instrumento foi experimentado durante quatro dias.Discusses sobre os resultados iniciais, sobre a adequao da dinmica prevista paraa realizao das entrevistas e do instrumento, conduziram ao aprimoramento doinstrumento. Discusses posteriores possibilitaram monitorar e avaliar o trabalhodurante a realizao da pesquisa e aps sua finalizao, analisando coletivamenteaspectos relevantes para a interpretao dos dados.

    Assim como o estudo realizado em 2005, esta pesquisa foi de difcil realizao.O estado de nimo das pessoas deportadas e, sobretudo, das no admitidas, noas predispe a colaborar com uma pesquisa ao desembarcar no Brasil. Em termosgerais sentem-se frustrados, com raiva, vergonha ou depresso pelas humilhaese privaes sofridas durante o processo de deportao ou no admisso, incluindofome, falta de banho, ter passado longas horas sem a possibilidade de comunicar-se com pessoas que por elas esperavam nos locais de destino. Somam-se a essesaspectos o cansao, a inquietao ante a idia de passar pela delegacia de polciano Brasil, a preocupao pelos documentos, a bagagem e como seguir viagem atas cidades de origem. Esses desconfortos foram reiteradamente registrados nosdirios de campo dos pesquisadores.

    Mais um casal de jovens chegava inadmitido da Inglaterra. Pareciammuito perdidos e assustados. O rapaz estava muito abatido. Estava

    passando mal, no comia fazia 24 horas e tinha vomitado a viageminteira.

    Mais trs mulheres chegaram de Londres... Consegui que uma delasfalasse. Ela chorou durante a entrevista. Disse que foi muito humilhada

    pela polcia inglesa. Eles reviraram toda sua mala e ficaram com a fotode sua filha.

    Dirio de campo de Tli, 31/10/2006

    11 Ver cpia do instrumento elaborado no Anexo 6.

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    Paralelamente, o carter pblico do ingresso no aeroporto, redundando emuma inevitvel falta de privacidade, tornou difcil o trabalho dos pesquisadores.Os(as) entrevistado(as)s eram abordados ao sentarem em um banco, ao lado dosguichs da Polcia Federal (PF), no qual aguardavam as instrues da polcia. Essebanco ficava junto fila formada pelos brasileiros que estavam entrando no pas.A abordagem dos pesquisadores resultava em um visvel constrangimento, umavez que deportados(as) e no admitidos que, muitas vezes, preferem ocultar ascondies nas quais esto retornando ao Brasil, expunham-se ao serem ouvidospelos demais passageiros dos vos internacionais. Essa dificuldade, vinculada aoespao fsico no qual foram realizadas as abordagens, foi registrada nos dirios decampo:

    Figura 2Local de recepo de deportadas(os) e no admitidas(os) no Terminal 1 do aeroporto

    de Guarulhos

    FONTE: Elaborada pela equipede pesquisadores.

    A disposio do terminal, com os guichs da PF, e da ANVISA... estdificultando a aproximao e abordagem.... A fila dos brasileiros se forma

    praticamente batendo as canelas nos bancos [nos quais sentam, paraesperar, os deportados].

    Dirio de campo de Diego, 25/10/2006

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    O banco forma com os guichs dos Polciais um ngulo reto. A fila depassageiros brasileiros fica paralela ao banco de forma que,enquanto estona fila, os passageiros reparam e ouvem tudo o que ns e os deportados,

    sentados, fazem e falam...Dirio de campo de Erndira, 15/10/2006

    Durante o perodo de realizao da pesquisa, deportados e no admitidos saiamdos avies sem contar com informaes sobre os procedimentos que os esperavam.Permaneciam sentados no banco at o momento em que algum Polcial os chamava parair at a delegacia, local onde eram ouvidos e preenchiam um formulrio com seus dados12.Durante a espera, o clima, muitas vezes, tornou-se tenso, em meio confuso de pessoas,ordens, gritos. Em algumas ocasies, essas pessoas sentiram que, ao serem chamadospara ir at a delegacia, a polcia os submetia a uma nova situao de humilhao aoidentific-los publicamente como deportados, o que aumentava o constrangimento.

    Eles comentaram que ao chegar ao desembarque do Brasil, um PF gritou l os deportados. Eu particularmente no ouvi... humilhados at no nossopas, a mulher disse.

    Dirio de campo de Natlia, 08/11/06

    O aeroporto de Guarulhos, para surpresa de alguns pesquisadores, se reveloutambm local de passagem ou escala para estrangeiros deportados para seus pasesde origem. Os registros dos dirios de campo descrevem contingentes de bolivianosdeportados da Espanha:

    Enquanto atravessvamos pelos terminais, passamos pela sala da PolciaFederal. Havia dezenas de pessoas dormindo pelo corredor. Perguntamos

    para os seguranas o que aquelas pessoas estavam fazendo ali e eles nosdisseram que eram bolivianos que foram deportados ou no admitidosna Espanha, fizeram uma escala no Brasil e tiveram que dormir pelo chomesmo. Era muito estranho, naquela ambiente, limpo, cheio de regrase placas, um monte de gente dormindo uns aos lados dos outros. Haviaroupas penduradas pelas cadeiras e sapatos espalhados pelo cho... O

    segurana nos informou que eram cerca de 50 bolivianos.Dirio de campo de Tli, 14/11/2006

    Diante desse contexto, vrias pessoas se recusaram a conceder entrevista.Algumas aceitaram, cheias de desconfiana, respondendo apenas algumas perguntas.Outras responderam a maior parte das questes, mas de maneira excessivamentesinttica, causando a impresso nos pesquisadores de estarem ocultando informao,chegando inclusive a alterar, no final da entrevista, o nome dado no incio.

    12 Os dados que constam nesse formulrio (Declarao prestada por brasileiro impedido de entrar oupermanecer em pas estrangeiro) so os seguintes: nome; filiao; data e local de nascimento; endereoresidencial; data de sada do Brasil, vo e Cia area utilizados; pas de destino, objetivo da viagem; data deretorno ao Brasil, vo e Cia area utilizada; breve relato das circunstncias do impedimento ou deportao,

    motivos, reclamaes de abusos praticados por autoridades estrangeiras. O formulrio s permite diferenciarentre deportados e no-admitidos se quem o preencheu colocar essa informao em algum dos camposabertos para resposta.

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    Chegou um grupo de homens, de Gois. ... Apenas um aceitou dar entrevista...Tinha a barba mal feita e estava muito desanimado, quase sem foras, falavabaixo e no demonstrava interesse pelas perguntas. Dizia que ia a passeio e queconhecera os outros na viagem. Sua aparncia e a descrio de sua situao noBrasil destoam da fala de estar indo a passeio, na minha percepo. Ao final

    perguntei novamente seu nome e ele deu outro sobrenome. Isso indica receio...Dirio de campo de Erndira, 27/10/2006

    Um dos aspectos que s vezes foi ocultado inicialmente por pessoas no admitidasera a inteno de viajar para permanecer fora, trabalhando. Outro aspecto que causoudvidas foi a inteno de participao ou o envolvimento concreto na indstria dosexo no exterior, particularmente em histrias nas quais os relatos, confusos, envolviamnamorados estrangeiros e a utilizao de documentos de outras nacionalidades. Osregistros nos dirios de campo do uma idia dessas dvidas:

    Ela disse j estar morando na Espanha h mais de 12 anos (sem voltar aoBrasil, estava h 6 anos). Vivera e trabalhara em [trs cidades na Espanha]Disse nunca ter feito programa e trabalhava como camareira (garonete)...Tive a impresso de que ... fazia programas.

    Dirio de campo de Eron, 7/11/2006

    Uma mulher no admitida de Portugal. Loira, mineira... 1,70m, blusa comestampa de flores, saia marrom clara, salto baixo (bem vestida), culos de

    sol nos cabelos, perfumada (aroma agradvel), com bolsinhas e sacolinhas...Disse ter conhecido o namorado em Portugal e que ele j viera visit-la...Disse que as autoridades questionaram sobre as outras estadias em Portugal

    e se trabalhara ou se prostitura no pas. Disse que ficaria l s custas donamorado que empresrio...

    A agente da PF trouxe o passaporte dela e perguntou se ela viajara com opassaporte portugus. Ela respondeu que no possua passaporte de outranacionalidade. A agente perguntou o que acontecera com seu passaporteanterior que ainda era vlido, o que tinha em mos fora confeccionado em

    setembro deste ano. [A entrevistada] respondeu que fora roubado em suaprpria casa e que fizera boletim de ocorrncia.Aps as perguntas a agente disse que a rota que [a moa] fizera at Portugal(BH-RJ-Lisboa) era nova e que estava sendo usada por um aliciador brasileiro

    de mulheres para a prostituio. Disse que o aliciador roubava passaportesportugueses e que falsificava para as mulheres (dupla nacionalidade)...

    Dirio de campo de Eron, 08/11/2006

    Obter a confiana das pessoas retornando ao Brasil nessa situao exigeum tempo prolongado que as condies de realizao da pesquisa dificilmentepossibilitaram. Ocasionalmente, ao passar algumas horas tentando auxiliar pessoas jentrevistadas, a equipe da ASBRAD detectou incorrees nas informaes oferecidas aospesquisadores.

    Vindo de Paris chegou um casal jovem... Fui falar com a menina enquantoo namorado era entrevistado tambm, ambos no guich da ANVISA. O fato

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    que menos soube explicar foi o convite do amigo para ir para o exterior e natarde do mesmo dia. [Mais tarde, a agente da ASBRAD] me ligou no celulardizendo que ficou com eles muito tempo depois da entrevista terminar,

    pois o namorado se sentia mal por ter passado muito tempo sem comer.Eles assumiram para ela, somente depois de toda a ajuda que prestou, que

    no conheciam a pessoa que estava espera deles no exterior, que eraum contato que nunca tinham visto. Isto d uma certa frustrao para opesquisador, todavia faz parte da pesquisa.

    Dirio de campo de Diego, 31/10/2006

    Em outras oportunidades, os entrevistados, alm de escamotear informaes,expressaram abertamente irritao e at hostilidade em relao aos pesquisadores. Orelato da realizao de uma entrevista com uma mulher rechaada, que chegou daSua, ilustra esse ponto.

    Apresentei-me, ela aceitou conversar comigo, mas foi colocando empecilhosdurante toda a entrevista... Tive de ficar justificando questo por questo.Os piores momentos foram quando perguntei a nacionalidade do seunamorado, j tinha me dito que era estrangeiro. No houve meio deladeclarar e ainda retrucou: mas por que voc quer saber? No vou falar!!!Nem sei se ele meu namorado mais, agora que vim para c. Ou entona pergunta sobre atividade e renda no Brasil, complicadssima tambm...Depois tentei reafirmar que eu no era da polcia, mas no adiantou, aentrevista parou quando perguntei sobre sua motivao para viajar, noteve resposta depois disto.

    Dirio de campo de Diego, 10/11/2006

    A Polcia Federal contribui de diversas maneiras com os pesquisadores:segurando no admitidos e deportados no banco e redondezas at os pesquisadorestentarem aplicar as entrevistas, deixando usar o computador na cabine para olhar oshorrios de chegada dos vos do exterior e tambm colaborou estimulando os potenciaisentrevistados a participarem da pesquisa. Essa contribuio registrada nos dirios decampo:

    Estavam muito indignadas, era sua primeira viagem ao exterior. Uma...morava no interior de So Paulo, cabelo tingido de loiro, 1,70m, jaqueta de

    couro, jeans preto, camiseta preta, bota de salto (bem vestida). Mostrou-se desconfiada com minha abordagem e relutante em dar a entrevista. Oagente da PF disse-lhe que uma das formas de fazer alguma coisa contraa inadmisso era responder a pesquisa. Aceitou. Sua amiga, tambm comcabelos tingidos de mesmo tom e roupa similar, recusou.

    Dirio de campo de Eron, 10/11/2006

    Esse conjunto de dificuldades incidiu em que muitas das entrevistas fosseminterrompidas, s vezes, de curta durao (os registros gravados variam entre 10 e 60 minutos),detendo-se em apenas alguns dos aspectos tratados nos roteiros. Nem sempre, porm, as

    respostas das pessoas entrevistadas inspiraram dvidas nos pesquisadores. Algumas pessoasno admitidas explicitaram a inteno de permanecer no exterior, trabalhando.

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    Um grande grupo chega ao mesmo tempo. A metade vem de Paris e a outrade Milo, inadmitidos, sem passagem anterior no estrangeiro. Conversamosum pouco. Apenas duas mulheres ficam mais caladas. Os homens, na maioria

    jovens, entre 20 e 30 anos, brincam e ironizam a prpria situao. Durantea conversa informal fica explcito que todos estavam indo trabalhar, tentar

    a vida, fugir das condies do Brasil. Um deles fala: Da prxima vez, euvou mais chique... A explicitao do que iam fazer (de que no pretendiamvoltar) era compartilhada...

    Dirio de campo de Erndira, 9/11/2007

    Algumas mulheres e transgneros afirmaram ter trabalhado na indstria do sexo.Vrias pessoas detalharam procedimentos vinculados ao trfico de migrantes, afirmaramter passado por diversas deportaes e algumas, inclusive, ter estado envolvidas emalguma atividade criminosa, como facilitao de obteno de documentos para quepessoas em situao irregular irregulares permanecessem em um pas estrangeiro. A

    empatia, persistncia e pacincia de alguns dos pesquisadores que acompanharamos entrevistados no aeroporto durante horas, resolvendo todo tipo de problemas,colaborando no preenchimento dos formulrios na delegacia, tarefa difcil para algumaspessoas com poucos anos de escolaridade, auxiliando na troca de dinheiro quandoos(as) entrevistados(as) no tinham CPF, na compra de cartes telefnicos, na obtenode passagens para seus locais de origem, redundou na obteno de um materialque, articulando os fragmentos, ilumina aspectos relevantes, permeados por gnero,vinculados aos processos de deportao e inadmisso, aos trajetos seguidos, os meiosutilizados para viajar, tipo de insero laboral no exterior e apontam para indcios de

    trfico, sobretudo, de migrantes.

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    5. Perfis

    5.1 Idade

    Nesse universo de pesquisa que, como j observamos, no tem representatividadeestatstica, predominam pessoas jovens, na faixa dos 20 aos 29 anos. Esse grupo, somadoaos menores de 20 anos, integra mais da metade do total de pessoas entrevistadas. Emsegundo lugar, esto as pessoas entre 30 e 39 anos. Em terceiro, as com mais de 40 anos,seguidas por pessoas entre 40 e 49 anos. Uma pequena parcela integrada por menoresde 18 anos, estudantes financiados por suas famlias, e por maiores de 50. Vale esclarecerque, embora se trate de um estudo qualitativo, optou-se por elaborar quadros e tabelaspara auxiliar na compreenso dos dados comentados, parte dos quais foram includos nosanexos. Os valores referem-se a nmeros absolutos e no a percentuais com o fim de noinduzir a generalizaes, inadequadas em um estudo desta natureza.

    Figura 3Deportadas(os) e no admitidas(os) por faixa etria (valores absolutos)

    FONTE: Elaborada pela equipede pesquisadores.

    Entre as pessoas no admitidas, a concentrao na faixa de 20 a 29 anos significativa entre homens, mulheres e transgneros.

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    Figura 4Homens no admitidos por faixa etria (valores absolutos)

    FONTE: Elaborada pela equipede pesquisadores.

    Figura 5Mulheres no admitidas por faixa etria (valores absolutos)

    FONTE: Elaborada pela equipede pesquisadores.

    No que se refere s pessoas deportadas, essa faixa particularmente relevanteentre os homens.

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    Figura 6Homens deportados por faixa etria (valores absolutos)

    FONTE: Elaborada pela equipede pesquisadores.

    Nas mulheres deportadas h uma ligeira predominncia do grupo entre 30e 39 anos, e entre as transgneros deportadas, apenas trs pessoas, as faixas sodiferenciadas, entre 20 e 29, entre 30 e 39 e entre 40 e 49 anos.

    Figura 7Mulheres deportadas por faixa etria (valores absolutos)

    FONTE: Elaborada pela equipede pesquisadores.

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    5.2 Estados de naturalidade e residncia

    Os estados de naturalidade dos(as) entrevistados(as) adquirem relevncia emtermos de possibilitar observar relaes tal como a vinculao entre no admisso noexterior e o estado de naturalidade registrado no passaporte. J os estados de residncia

    so importantes para perceber conexes com redes (criminosas ou no) migratrias.Considerando que nesse universo h pessoas potencialmente vulnerveis ao trficointernacional de pessoas e de migrantes, identificar os principais estados emissores fundamental em termos de formulao de polticas especficas.

    Os principais estados de naturalidade do conjunto de pessoas entrevistadas soGois, Minas Gerais, So Paulo, Paran, Rondnia, Mato Grosso e seguidos por diversosestados do Norte, Nordeste, Sudeste e Sul do Brasil.

    Figura 8

    Deportados(as) e no admitidos(as) por estado de naturalidadeGois 24

    Minas Gerais 13

    So Paulo 7

    Paran 7

    Rondnia 4

    Mato Grosso 3Pernambuco 2

    Santa Catarina 2

    Esprito Santo 2

    Mato Grosso do Sul 2

    Roraima 2

    Tocantins 1Bahia 1

    Distrito Federal 1

    Rio Grande do Sul 1

    Par 1FONTE: Elaborada pela equipede pesquisadores.

    No universo da pesquisa, o principal estado de residncia emissor dessas pessoas Gois e, em segundo lugar, Minas Gerais. A metade das(os) entrevistadas(os) residiam

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    nesse dois estados. Em terceiro lugar, aparecem os estados de Roraima e So Paulo e emquarto lugar, Mato Grosso e Paran. No conjunto de entrevistados(as) chama a atenoo relativo destaque adquirido por um estado do Norte do pas, Roraima e a poucarelevncia dos estados do Nordeste. Pernambuco e Bahia concentram uma pequenaparcela das pessoas entrevistadas, semelhante a outro estado do Norte, Tocantins. Oestado de Cear nem sequer aparece.

    Figura 9Deportados(as) no admitidos(as) por estado de residncia no Brasil

    Gois 25

    Minas Gerais 11

    So Paulo 7

    Roraima 6Rondnia 4

    Paran 4

    Mato Grosso 4

    Tocantins 2

    Pernambuco 2

    Mato Grosso do Sul 2Bahia 2

    Rio Grande do Sul 1

    Rio de Janeiro 1

    Paran 1

    Esprito Santo 1FONTE: Elaborada pela equipede pesquisadores.

    Esses registros no se modificam significativamente considerando os estadosde naturalidade, mas mostram algumas alteraes entre as diferentes categorias deentrevistados. No que se refere aos homens, entre os no admitidos a maior concentraoem termos de estado de residncia registra-se em Gois. Minas Gerais, um estado queadquiriu extrema relevncia nos processos migratrios irregulares de brasileiros nadcada de 90, ocupa um lugar anlogo a Paran, So Paulo e Rondnia. Mato Grossodo Sul, Roraima, So Paulo e Tocantins apareceram como estados de residncia de umnico entrevistado. Entre os homens deportados, contudo, Minas Gerais aparece como

    o principal estado de residncia, seguido por Gois.

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    Figura 10Homens no admitidos por residncia e domiclio (valores absolutos)

    FONTE: Elaborada pela equipede pesquisadores.

    Figura 11Homens deportados por estado de residncia e domiclio (valores absolutos)

    FONTE: Elaborada pela equipede pesquisadores.

    Entre as mulheres, Gois tambm adquire destaque como estado de residncia,o principal entre as no admitidas, seguido por Paran, So Paulo e por Roraima. Goistambm concentra significativamente as deportaes femininas, seguido por Minas eSo Paulo.

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    Figura 12Mulheres no admitidas por estado de residncia e domiclio (valores absolutos)

    FONTE: Elaborada pela equipede pesquisadores.

    Figura 13Mulheres deportadas por estado de residncia e domiclio (valores absolutos)

    FONTE: Elaborada pela equipede pesquisadores.

    As transgneros residiam em diversos estados: Gois, Rio de Janeiro, MatoGrosso, So Paulo e Minas Gerais. A leitura das diversas categorias contempladas sugere

    alguns pontos para serem consideradas em ulteriores pesquisas quantitativas. O estadode Gois tem sido apresentado nos meios de comunicao como um espao relevanteno que se refere operao de quadrilhas de trfico internacional de pessoas13. Napesquisa realizada em Guarulhos em 2005, Gois apareceu como o principal estadoemissor de mulheres14. No estudo aqui apresentado, Gois mantm a primazia em termosdas mulheres, deportadas e no admitidas, mas tambm aparece como principal estadoemissor no que se refere aos homens no admitidos no exterior. Somando a este aspectoo fato de que Minas Gerais concentra os homens deportados, isto , que j passaram um13 OPERAO BABILNIA, Trfico de mulheres sofre baixa. Polcia Federal prendeu em Gois seis acusados

    de aliciar pelo menos 20 mulheres para a prostituio no exterior. O Popular, Gois, 05/08/2005. In: www.opopular.com.br.14 Ver Secretaria Nacional de Justia, 2006: 40.

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    tempo no exterior, os resultados podem sugerir uma eventual alterao nas dinmicasde migrao irregular masculina, com uma predominncia de Gois tambm entre eles,apontando, ao mesmo tempo, para redes que, nesse estado, envolvem igualmentehomens e mulheres.

    5.3 Escolaridade, renda e cor

    Anos de estudo, renda e cor so indicadores importantes no traado doperfil socioeconmico dos(as) entrevistados(as). Esses indicadores esto diretamenterelacionados ao o posicionamento social dos agentes nas estruturas de desigualdadeque tendem a ser vinculadas migrao irregular, protagonizada por pessoas vulnerveisao trfico de pessoas. Os dados desta pesquisa relativos a estes indicadores devem serlidos em uma perspectiva comparativa, situando a informao relativa ao universo depesquisa em relao aos indicadores gerais relativos populao brasileira.

    De acordo com pesquisas baseadas em dados do IBGE, em 2003, a mdia deanos de estudo da populao em idade ativa era 6,2415. De acordo com anlises desseInstituto, a renda mdia mensal das pessoas ocupadas no Brasil, em novembro de 2006,perodo em que foi realizada a pesquisa, foi de R$ 1.056,60, levando em conta as regiesmetropolitanas de Recife, Salvador, Belo Horizonte, So Paulo e Porto Alegre16.

    Considerar a cor conduz a uma rea mais complexa. Raa uma categoriaproblemtica, na medida em que est ancorada em classificaes variveis que sealteram conforme contextos e situaes (Fry, 1996). Contudo, pesquisas aceitas no Brasil,

    baseadas em autoclassificao, indicam que, em 2004, 19,6% da populao branca seencontrava nas faixas de pobreza, percentual que alcanava 41,7% da populao negra.E a diferena tende a ser maior nas populaes com menos pobres, nos estados do Sul,Sudeste e Centro-Oeste. Nos estados com maiores taxas de pobreza, no Nordeste e noNorte, a diferena entre brancos e negros tende a ser menor (IPEA, 2006).

    Levando em conta o conjunto desses indicadores, o universo de pessoasentrevistadas neste estudo, assim como o da pesquisa realizada em 2005, no se integrano grupo de brasileiros marcados por graus mais extremos de desigualdade. Nesteuniverso de pesquisa, pouco menos da metade das pessoas entrevistadas concluram o

    ensino mdio e 12 tiveram acesso universidade (ensino superior incompleto, superiorcompleto e ps-graduao). Isto significa que mais da metade das pessoas possui 11ou mais anos de estudo. Os demais entrevistados tm escolaridade mais baixa, ensinomdio incompleto, fundamental completo e fundamental incompleto.

    15 Fonte, Micro-dados da PNAD. Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios do IBGE.16 IBGE, Pesquisa Mensal de Emprego PME, 2006. In: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/indicadores/trabalhoerendimento/pme_nova/pme122006ttm03.shtm. Essa mdia est distante dos indicadores depobreza em termos de renda no pas que, de acordo com estudos do IPEA, inclui a indigncia, ou extrema

    pobreza, definida como a condio da populao que sobrevive com menos de de salrio mnimodomiciliar mensal per capita e a pobreza propriamente dita, da populao que vive com rendimentos entre e salrio mnimo (IPEA, 2006).

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    Figura 14Deportados (as) e no admitidos(as) por escolaridade (valores absolutos)

    FONTE: Elaborada pela equipede pesquisadores.

    As pessoas com 11 ou mais anos de estudos (ensino mdio completo ouuniversitrio) so particularmente significativas entre as mulheres, tanto no admitidascomo deportadas. As transgneros compem um grupo reduzido (5 pessoas) no qualapenas duas contam com ensino mdio completo, as restantes tm menos anos deestudo (ensino mdio incompleto e fundamental incompleto).

    Neste universo, o grau de escolaridade, em termos gerais superior mdia deanos de estudo no Brasil, no incide em renda necessariamente superiores mdiamensal no Brasil para o perodo no qual foi realizada a pesquisa. Responder sobre a

    renda foi, alis, um dos aspectos problemticos para os(as) entrevistados(as). Todavia, asrespostas permitem perceber que mais da metade das pessoas entrevistadas declararamter renda entre 1 e 3 salrios mnimos.

    Figura 15Deportados(as) e no admitidos(as) por renda (valores absolutos)

    FONTE: Elaborada pela equipede pesquisadores.

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    Uma pequena parte das pessoas entrevistadas afirmou no ter renda, quasetodas mulheres; entre elas, vrias jovens estudantes, sustentadas pelos pais. Contudo,pouco menos de 1/3 dos entrevistados declararam ter rendimentos mensais superioresa quatro salrios mnimos.

    A predominncia de pessoas que tm rendimentos mensais entre 1 e 3 salriosmnimos perceptvel entre os homens entrevistados, deportados e no admitidos, etambm entre as transgneros.

    Figura 16Homens deportados por renda no Brasil (valores absolutos)

    FONTE: Elaborada pela equipede pesquisadores.Figura 17Homens no admitidos por renda no Brasil (valores absolutos)

    FONTE: Elaborada pela equipede pesquisadores.As mulheres apresentam um quadro diferente. Entre as deportadas, reitera-se a

    concentrao na faixa de 1 a 3 salrios mnimos, como demonstra a Figura 18.

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    Figura 18Mulheres deportadas por renda no Brasil (valores absolutos)

    FONTE: Elaborada pela equipede pesquisadores.Entre as no admitidas, porm, um nmero equivalente afirmou ter rendimentos

    mensais entre 1 e 3 e entre 4 e 6 salrios mnimos. Este um ponto que, articuladoaos resultados da pesquisa realizada em Guarulhos, em 2005, significativo, sugerindoque o fato de contar com salrios mais elevados, que em alguns casos possibilitariam

    viajar como turistas, no impede a no admisso, particularmente quando se trata demulheres.

    Figura 19Mulheres no admitidas por renda no Brasil (valores absolutos)

    FONTE: Elaborada pela equipede pesquisadores.

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    O conjunto de pessoas entrevistadas desempenhou no Brasil, predominantemente,atividades no comrcio, como vendedores(as), entregadores, supervisores de vendas epromotores(as) sim, pode substituir por O conjunto de pessoas entrevistadas desempenha,no Brasil, atividades no... auxiliares administrativos e tambm proprietrios de comrcio;pessoas que prestam servios tcnicos especializados (tcnicos de laboratrio, informtica,em montagem de som, protticos, fotografia); trabalham na rea de turismo (agnciade viagens, guia de turismo); de servios (costureiras, salo de beleza) e tambm soestudantes. Em parte desse universo as atividades so indistintamente desempenhadaspor homens e mulheres. Mas h tambm traos de gnero nas ocupaes desempenhadasno Brasil. Alguns homens trabalham na construo (pedreiros, encanadores, pintores);no de transporte de passageiros (taxistas, motoristas de caminho); como mecnicos demanuteno de automveis e esportistas profissionais. Uma parte das mulheres desempenhaatividades tidas como femininas: secretria, auxiliar de enfermagem, cozinheira, servios delimpeza em bares ou como empregada domstica. Nenhuma dessas mulheres afirmou tertrabalhado na indstria do sexo no Brasil. J entre a maioria das transgneros, o trabalhoem salo de beleza, padaria e bailarina combina com a prostituio.

    Apesar da diversificao das atividades, salvo algumas excees, as ocupaesdesempenhadas no remetem a elevada qualificao nem a rendimentos muitoelevados (as pessoas que declararam maiores rendimentos afirmaram receber em tornode R$3.500,00 mensais um cabeleireiro e mais de 21 salrios mnimos uma

    transgnero no admitida, submetida a um processo de cirurgia de transformao desexo na Inglaterra, artista performtica no Brasil).

    Parte das pessoas no admitidas afirmou estar viajando para conhecer outropas. Entre as pessoas que declararam viajar para trabalhar no exterior e entre asdeportadas, os baixos salrios, e no necessariamente o desemprego, aparecem como oprincipal motor para a tentativa de migrao. Um jovem de 28 anos, negro segundo apesquisadora que o entrevistou, no admitido na Frana expressou de maneira sintticaessa motivao que aparece de maneira recorrente em dirios de campo e entrevistas.

    Sentei e comecei a conversar com um jovem alto, negro, de aparelho nosdentes, bon, jeans e camiseta. Ele disse que havia muito rabes e africanos

    sendo tambm inadmitidos na Frana e que agora tentaria outro pas, masno desistiria de tentar entrar na Europa para trabalhar. Ele falou a seguintefrase: Os rabes fugindo da guerra, os africanos da fome e os brasileiros da

    pobreza. Aqui eu como, mas o que eu ganho no d para fechar o msDirio de campo de Erndira, 4/11/2006

    Nos termos de um homem que se autoclassificou como pardo, de 32 anos, noadmitido na Inglaterra:

    L voc trabalha e vive bem. Por isso eu estou querendo ir pra l. Trabalhare viver bem voc tem que ganhar 3.000, 4.000, 5.000 por ms. E aqui vocnofaz isso. S deputado, n?17

    17 Entrevista 2/9, realizada em 09/10/2006. Os cdigos utilizados referem-se ao nmero da entrevistarealizada por cada pesquisador.

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    De acordo com um homem no admitido de 28 anos, que se autoclassificoucomo preto, cujo destino era a Blgica:

    Hoje a gente fala que mora no Brasil pra falar s que mora mesmo. Porqueoportunidade a gente no tem. Igual eu que estou no segundo ano de

    faculdade, mandei currculo pra mais de 20 empresas. Nenhuma me liga,voc est entendendo. A que liga quer pagar R$ 350 pra voc. Agora, vejabem, se uma pessoa casada ela tem condio de receber R$ 350? 18

    Uma mulher de 29 anos, que se autoclassificou como parda, no admitida naSua explicou:

    A vida no Brasil era bem pobre... Trabalhava muito e o dinheiro no entrava...Trabalhava no salo, mas no era meu. Era empregada... estava muitodifcil.19

    Observe a fala de uma transgnero de 40 anos que se autoclassificou comoparda, e, no Brasil trabalhava em um salo, recebendo em torno de R$ 500,00 por ms,deportada de Itlia, onde trabalhou como prostituta:

    [Decidi sair] pela questo financeira. Porque no salo no tinha uma rendafixa. Ganhava por comisso..20

    Entre os no admitidos que viajam pela primeira vez ao exterior, o desejo demigrar e trabalhar fora est vinculado idia do quanto poderiam ganhar fora, baseadaem relatos de sucesso de parentes e de conhecidos. De acordo com um no admitidode 32 anos, de Gois:

    Tem amigos meus morando l. Eles trabalham em restaurante... Todos emLondres. No interior, no.O que acontece, uns trabalham em restaurante, outros fazem faxina. Essascoisas de brasileiro, entendeu? isso que acontece. Mas l eles ganhamem torno de R$ 5.000... Eles mandam dinheiro pra c... Um amigo meu jcomprou duas casas em Goinia. Outro tem outros imveis. Faz tudo do bome do melhor..21

    Alguns entrevistados fazem, inclusive, uma avaliao dos destinos possveis, em

    razo dos ganhos que imaginam poder obter. De acordo com um homem de 21 anos, deRondnia, cujos primos e amigos da mesma cidade moram h trs anos na Europa:

    Desde quando eu sai a primeira vez, eles falaram que iam para Europa.Me chamaram para ir... Eu queria ir para os Estados Unidos, pois na poca

    ganhava-se muito bem l e na Europa razoavelmente. Eu fui mais ambiciosoe fui pros Estados Unidos. 22

    18 Entrevista 3/2, realizada em 03/11/ 2006.19 Entrevista 1/6, realizada em 01/11/2006.

    20 Entrevista 2/1, realizada em 12/11/2006.21 Entrevista 2/9, realizada em 09/10/2006.22 Entrevista 2/4, realizada em 27/10/2007.

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    Embora as pessoas sejam estimuladas pela idia de obterem ingressos superioresaos que poderiam receber no Brasil, muitas so conscientes da discriminao da qualso objeto os migrantes brasileiros no exterior, particularmente as mulheres. Nos termosde uma mulher de 22 anos, originria do Distrito Federal, mas residindo em Tocantins,no admitida na Frana, cujo destino final era Espanha, onde tem parentes:

    Pesquisador: Que histrias que seus parentes contam de l?Entrevistada: Que l legal. O custo de vida muito caro. Que mulherbrasileira [sofre] muito preconceito, tem preconceito porque eles pensamque todas mulheres so pra fazer programa. Que tem que aceitar arealidade... Que l tem muito preconceito [em relao] mulher e ao povobrasileiro em si, no geral. Mas que muito bom voc trabalhar e mandar odinheiro pro Brasil. 23

    Apesar de que os relatos de parentes, amigos e conhecidos residindo no exterioraludem a uma srie de dificuldades cotidianas, o desejo de migrar est freqentementeassociado a uma certa idealizao do local de destino que aparece, s vezes, na formade uma estetizao de locais e pessoas estrangeiras e de uma desvalorizao de tudo oque vinculado ao Brasil. Esse mecanismo aparece registrado de diversas maneiras nosdirios de campo:

    No vo de Milo... veio um rapaz... Estava com roupas masculinas, mas medisse que no Brasil s usava salto e cada dia um brinco diferente... Estavaimensamente decepcionado por no ter entrado... Ele era do interior de Mato

    Grosso do Sul, vestia roupas coloridas, porm simples, um tnis velho, jbem usado que no era de marca conhecida, carregava uma mochila e malavelhos, nada sofisticados. No parava de falar em como todos eram muitomais bonitos na Itlia, muito mais elegantes, perfumados, apontava para a filade brasileiros e dizia: Nada dessa pobreza que a gente sente aqui. Apontou

    para uma mulher loira, chique, e disse: Voc est pensando que ela bonita? nada, no chega aos ps dos italianos. Disse que aqui no Brasil as pessoasno sabem se vestir, que l na Itlia realmente seria feliz. Senti em sua fala um

    grande desejo de ascender socialmente, de poder vestir as roupas da Itlia,pois s assim seria outra e valorizada no Brasil, ela no teria mais o ar de

    pobreza... Deveria ser muito pobre pois viajou com apenas R$ 700 e quempagou sua passagem foi a famlia que j estava na Itlia.

    Dirio de campo de Tli, 03/11/2006

    No que se refere cor, importante observar que vrias pessoas entrevistadasse sentiram incomodadas com a pergunta e responderam que sua cor tima, sosem cor, da cor que eu sou ou latina ou registrados como outras, nas Figuras 20e 21. As pessoas que se declararam amarelas, no necessariamente so asiticas, mas,por exemplo, de um moreno dourado. Apenas uma parte das pessoas entrevistadasse declarou branca. Esse dado adquire sentido situando as diversas categorias de

    entrevistados(as) em uma perspectiva comparativa.23 Entrevista 1/9, realizada em 07/11/2006.

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    Figura 20Deportados(as) e no admitidos(as) por cor declarada (valores absolutos)

    FONTE: Elaborada pela equipede pesquisadores.

    Entre as mulheres no admitidas um nmero reduzido se considerou branca. Amaioria absoluta das rechaadas em algum pas do exterior se considera no branca,mas parda e morena.

    Figura 21Mulheres no admitidas por cor declarada (valores absolutos)

    FONTE: Elaborada pela equipede pesquisadores.

    J entre as deportadas, quase a metade se considerou branca, superandoamplamente o conjunto de pardas e morenas (nenhuma deportada se considerapreta). A percepo do conjunto das mulheres pode sugerir que, as que se considerambrancas, tiveram mais oportunidades de ingressar em algum pas do exterior (e foramposteriormente deportadas).

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    Figura 22Mulheres deportadas por cor declarada (valores absolutos)

    FONTE: Elaborada pela equipede pesquisadores.

    Um processo um pouco diferente tem lugar entre os homens. Semelhante ao queacontece entre as mulheres, apenas uma pequena parcela de homens no admitidos seconsidera branco.

    Figura 23Homens no admitidos por cor declarada (valores absolutos)

    FONTE: Elaborada pela equipede pesquisadores.

    Entre os deportados, porm, o conjunto daqueles que se percebe como pretos,pardos e morenos supera queles que se consideram brancos.

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    Figura 24Homens deportados por cor declarada (valores absolutos)

    FONTE: Elaborada pela equipede pesquisadores.

    As amostras com as quais se trabalhou no tm representatividade estatsticae as diferenas so relativamente tnues. Contudo, esses dados, sugerindo que nesteuniverso de pesquisa a cor parece incidir na inadmisso de mulheres que se percebemcomo no brancas e no dos homens que se consideram no brancos, aponta paraum aspecto relevante a ser explorado em pesquisas quantitativas: a articulao entregnero e cor nas no admisses de brasileiros(as) no exterior. Apenas uma das cincotransgneros se classificou como branca, as restantes se consideram morenas, parda e

    amarela.

    5.4 Situao conjugal e filhos

    Neste universo de pesquisa marcado pela juventude, mais da metade doshomens, deportados e no admitidos, afirmou no ter companheiro(a) ou cnjuge.Entre as mulheres, esse quadro se reitera entre as no admitidas, alterando-se apenasentre as deportadas, nas quais h uma concentrao de pessoas que tm companheiro(brasileiro ou estrangeiro)24.

    Parte significativa das pessoas entrevistadas, homens e mulheres, tem filhos. ocaso de pouco menos da metade de homens e mulheres no admitidos.

    24 Ver quadros relativos no Anexo Conjugalidade e Filhos.

  • 7/31/2019 Trfico internacional de pessoas e trfico de migrantes entre deportados e no admitidos que regressam ao Brasil

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    Figura 25Homens no admitidos por filhos (valores absolutos)

    FONTE: Elaborada pela equipede pesquisadores.

    Figura 26Mulheres no admitidas por filhos (valores absolutos)

    FONTE: Elaborada pela equipede pesquisadores.

    A presena de filhos, contudo, particularmente relevante entre as mulheresdeportadas.

  • 7/31/2019 Trfico internacional de pessoas e trfico de migrantes entre deport