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  • CMARA DOS DEPUTADOS CENTRO DE FORMAO, TREINAMENTO E APERFEIOAMENTO

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO

    JOS HELVCIO TEIXEIRA JNIOR

    Traos de Democracia Contempornea na Amrica de Tocqueville

    Braslia 2013

  • Jos Helvcio Teixeira Jnior

    Traos de Democracia Contempornea na Amrica de Tocqueville

    Monografia apresentada ao Programa de Ps-Graduao do Centro de Formao, Treinamento e Aperfeioamento da Cmara

    dos Deputados/Cefor como parte da avaliao do Curso de

    Especializao em Processo Legislativo.

    Orientador: Prof. Dr. Joo Carlos Medeiros de Arago

    Braslia

    2013

  • Autorizao

    Autorizo a divulgao do texto completo no stio da Cmara dos Deputados e a

    reproduo total ou parcial, exclusivamente, para fins acadmicos e cientficos.

    Assinatura: __________________________________

    Data: ___/___/___

    Teixeira Jnior, Jos Helvcio. Traos de Democracia Contempornea na Amrica de Tocqueville [manuscrito] / Jos Helvcio Teixeira Jnior. -- 2013. 113 f.

    Orientador: Joo Carlos Medeiros de Arago. Impresso por computador. Monografia (especializao) Curso de Processo Legislativo, Cmara dos Deputados, Centro de Formao, Treinamento e Aperfeioamento (Cefor), 2013.

    1. Tocqueville, Alexis de, 1805-1859. Democracia na Amrica, crtica e interpretao. 2. Democracia, anlise. I. Ttulo.

    CDU 321.7

  • Traos de Democracia Contempornea na Amrica de Tocqueville

    Monografia Curso de Especializao em Processo Legislativo

    2. Semestre de 2013

    Aluno: Jos Helvcio Teixeira Jnior

    Banca Examinadora:

    __________________________________________

    Prof. Dr. Joo Carlos Medeiros de Arago

    ___________________________________________

    Profa. MSc. Tasa Maria Viana Anchieta

    Braslia, 24 de outubro de 2013

  • Dedico este trabalho minha famlia:

    Suzana, Jos Lus e Antnio Renan.

  • Agradecimentos

    Agradeo aos colegas e professores do Curso de Especializao em Processo Legislativo pelas horas

    to prazerosas que pudemos desfrutar nessa jornada de aprendizado.

  • Para ser grande, s inteiro. Nada teu exagera ou exclui.

    S todo em cada coisa. Pe quanto s no mnimo que fazes. (Fernando Pessoa)

  • Resumo

    Neste trabalho, pretende-se fazer uma anlise direcionada e particular da obra de Alexis de Tocqueville, A Democracia na Amrica [Tocqueville, 2010], com o intuito de se extrarem desta traos de democracia contempornea. Na leitura da obra de Tocqueville, pode-se perceber em diversas ocasies que ele estaria pressentindo as dificuldades com que iriam se deparar as democracias modernas, os perigos da era do individualismo, da igualdade e o risco do

    totalitarismo. Da, os traos de democracia contempornea que se pretendem extrair, analiticamente, dessa obra, tendo por base os princpios e pressupostos elaborados por pensadores destacados ligados a esse tema. No se pretende fazer uma anlise detalhada da obra de Alexis de Tocqueville, mas sim uma anlise direcionada e particular de sua obra maior. Tendo por base os principais pensadores da democracia contempornea, e seus pressupostos para a democracia, nosso intuito de podermos identificar no texto de Tocqueville indicaes de prticas democrticas modernas j naquela poca. O objeto escolhido para o nosso estudo, a obra A Democracia na Amrica, considerado nico por ter sido escrito tendo por base a afluente

    democracia americana. Essa obra rica em caractersticas que se refletem no nosso presente. Ela no se limita sua poca, mas nos faz pensar o presente e at mesmo o futuro da democracia.

    Pretende-se realizar o estudo dentro da perspectiva da anlise histrica, porque o nosso enfoque ser dado aos pressupostos democrticos contemporneos aplicados (ou no) em relao iniciante democracia dos EUA na primeira metade do sculo XIX.

    Palavras-Chave: Teoria da Democracia, Anlise Histrica, Pressupostos Democrticos

  • LISTA DE TABELAS

    TABELA 1 - TABELA DE PRESSUPOSTOS DEMOCRTICOS ......................................... 60

  • SUMRIO

    INTRODUO ................................................................................................... 11 I.1 BREVE INTRODUO AO PENSAMENTO DE ALEXIS DE TOCQUEVILLE ............. 16 CAPTULO 1 - RISCANDO O VERNIZ DA TEORIA DA DEMOCRACIA 18 1.1. PRINCPIOS BSICOS DA TEORIA DA DEMOCRACIA CONTEMPORNEA .. 19 1.2. PRESSUPOSTOS DA TEORIA DA DEMOCRACIA CONTEMPORNEA ........... 22 1.3. JOSEPH SCHUMPETER ............................................................................. 24

    1.3.1. O Pensamento de Schumpeter em Capitalismo, Socialismo e Democracia .................................................................................................... 26 1.3.2. Os Pressupostos Democrticos segundo Schumpeter ........................... 30

    1.4. NORBERTO BOBBIO ................................................................................. 31 1.4.1. O Pensamento de Bobbio em O Futuro da Democracia ....................... 33 1.4.2. Os Pressupostos Democrticos segundo Bobbio .................................. 39

    1.5. CAROLE PATEMAN .................................................................................. 40 1.5.1. O Pensamento de Pateman em Participao e Teoria Democrtica ..... 41 1.5.2. Os Pressupostos Democrticos segundo Pateman ................................ 44

    1.6. ROBERT ALAN DAHL ............................................................................... 45 1.6.1. O Pensamento de Dahl em Poliarquia: Participao e Oposio ......... 46 1.6.2. O Pensamento de Dahl em Sobre a Democracia .................................. 49 1.6.3. Os Pressupostos Democrticos segundo Dahl ...................................... 52

    1.7. IRIS MARION YOUNG ............................................................................... 53 1.7.1. O Pensamento de Young em Incluso e Democracia ............................ 54 1.7.2. Os Pressupostos Democrticos segundo Young .................................... 59

    1.8. TABELA DE PRESSUPOSTOS DEMOCRTICOS .......................................... 60 CAPTULO 2 - ALEXIS DE TOCQUEVILLE ................................................ 62 2.1. INTRODUO ........................................................................................... 63 2.2. BREVE BIOGRAFIA UM PENSADOR PRECOCE ....................................... 64 2.3. O PENSAMENTO VIVO DE TOCQUEVILLE ................................................ 66 2.4. OS SUPORTES DA DEMOCRACIA .............................................................. 67 2.5. RISCOS E DEFEITOS DA DEMOCRACIA ..................................................... 70 2.6. DEMOCRACIA E POBREZA NO SCULO XIX ............................................ 72 CAPTULO 3 - RESUMO DE A DEMOCRACIA NA AMRICA .................... 74

  • 3.1. VOLUME I A DEMOCRACIA NA AMRICA: LEIS E COSTUMES: DE CERTAS LEIS E CERTOS COSTUMES POLTICOS QUE FORAM NATURALMENTE SUGERIDOS AOS AMERICANOS POR SEU ESTADO SOCIAL DEMOCRTICO ............................... 76

    3.1.1. Comparao entre Europa e Estados Unidos ....................................... 78 3.1.2. Povos Revolucionrios e Povos Democrticos ..................................... 80 3.1.3. O Estado de Esprito Democrtico ....................................................... 81 3.1.4. O Estado Social Democrtico ............................................................... 83 3.1.5. O Sistema Poltico Americano .............................................................. 85 3.1.6. Negros e ndios ..................................................................................... 87

    3.2. VOLUME II - A DEMOCRACIA NA AMRICA: SENTIMENTOS E OPINIES: DE UMA PROFUSO DE SENTIMENTOS E OPINIES QUE O ESTADO SOCIAL DEMOCRTICO FEZ NASCER ENTRE OS AMERICANOS ......................................... 90

    3.2.1. Duas Circunstncias que Precisam ser Compreendidas para Definir a Amrica .......................................................................................................... 92 3.2.2. Os Dogmas do Povo Americano ........................................................... 94 3.2.3. Igualdade, Liberdade e Democracia ..................................................... 96 3.2.4. Como Inserir a Igualdade nas Sociedades Desiguais de Ento?........... 98 3.2.5. A Nova Concepo da Relao entre Servos e Senhores em Sociedades Democrticas ............................................................................................... 100 3.2.6. A Teoria da Produo das Desigualdades Simblicas Geradas pela Igualdade ..................................................................................................... 102 3.2.7. O Problema da Viabilidade da Democracia ....................................... 104 3.2.8. A Produo das Ideias e os Nveis da Existncia Social ..................... 106

    CONCLUSO ................................................................................................... 108 REFERNCIAS ................................................................................................ 112

  • 11

    INTRODUO

    Neste trabalho, pretende-se fazer uma anlise da obra de Alexis de Tocqueville, A Democracia na Amrica [Tocqueville, 2010], com o intuito de se extrarem desta traos de democracia contempornea. Na leitura de Tocqueville, pode-se perceber em diversas ocasies que ele estaria pressentindo as dificuldades com que iriam se deparar as democracias modernas, os perigos da era do individualismo, da igualdade e o risco do totalitarismo. Da, os traos de

    democracia contempornea que se pretendem extrair, analiticamente, dessa obra, tendo por base os princpios e pressupostos elaborados por pensadores destacados ligados a esse tema.

    No se pretende fazer uma anlise detalhada da obra de Alexis de Tocqueville, mas sim

    uma anlise direcionada e particular de sua obra maior, A Democracia na Amrica. Podemos considerar que este trabalho tem por base uma reviso deste livro, com a pretenso de identificar

    traos de democracia contempornea nos Estados Unidos da Amrica poca em que esse livro foi escrito, ou seja, em meados do sculo XIX.

    Por muito tempo, Tocqueville foi visto como um autor de interesse para a cincia poltica de forma muito restrita, tendo sido, inclusive, considerado ultrapassado, interessando apenas a estudiosos da histria das ideias no sculo XIX. Sua obra A Democracia na Amrica, nica em seu gnero, teve uma posteridade com altos e baixos. Ao longo do tempo, foi extremamente lido,

    influente, reconhecido, admirado ainda em vida, tendo sido em seguida esquecido e deixado de lado, de certa maneira at mesmo desprezado, sendo enfim redescoberto e talvez at

    superestimado s vezes. Por ter sido um liberal, talvez no se tenha dado tanta ateno s suas anlises, que so maneira delas, bastante revolucionrias.

    A forma de se enxergar a sua obra foi muito alterada depois da publicao de uma srie de

    estudos, principalmente por parte de Raymond Aron [Aron, 2004], de Franois Furet [Furet, 1989] e de Pierre Manent [Manent, 2006], que realaram a profundidade, a modernidade, a pertinncia e a riqueza das anlises de Tocqueville. Por isso, a questo de saber quais so os pontos de interesse, com relao a este trabalho de concluso de curso, na obra de Tocqueville, precisa ser colocada logo de incio.

  • 12

    A obra objeto de estudo deste trabalho, A Democracia na Amrica, foi o resultado da viagem de Tocqueville Amrica entre os anos de 1830 e 1831, sendo o primeiro volume do livro publicado em 1835, e o segundo volume em 1840. Uma questo que se apresenta de incio se podemos considerar Tocqueville como um simples observador das realidades americanas da primeira metade do sculo XIX, ou, pelo contrrio, como uma espcie de visionrio e profeta, que no se referia somente Amrica daquela poca e democracia que tinha ao alcance dos olhos, mas falava tambm do nosso presente e do nosso futuro. Assim, vislumbram-se os traos de democracia contempornea que se pretendem extrair, analiticamente, dessa obra.

    Tocqueville um homem de seu tempo, um aristocrata de poca da ps-Revoluo francesa, um perodo marcado pela Restaurao, pressionado pelos movimentos republicanos e operrios. Pertence, sob esse ponto de vista, a uma sociedade que se v destituda e vencida, ultrapassada pelo movimento da histria. Ao mesmo tempo, e em grande parte pelos mesmos motivos, um surpreendente observador das grandes evolues histricas. Ele no se contenta em apenas descrever o que v, como se se tratasse de algo imediatamente dado. Para entender como evolui a sociedade ocidental, ele articula um conjunto de conceitos, de quadros de leitura e de elementos de anlise que facilitam um estudo da contemporaneidade de sua obra. Da, o que se

    pretende destacar o fato de que se tem a sensao de que ele fala de ns, de nossas preocupaes atuais, ou at do nosso futuro. essa ambiguidade que ajuda a construir o objeto de estudo deste trabalho.

    Desse modo, tendo por base os principais pensadores da democracia contempornea, e seus pressupostos para a democracia, nosso intuito de podermos identificar no texto de

    Tocqueville [Tocqueville, 2010] indicaes de prticas democrticas modernas j naquela poca. Os pensadores de relevncia neste trabalho so: Joseph Schumpeter [Schumpeter, 1961], Norberto Bobbio [Bobbio, 1986], Carole Pateman [Pateman, 1992], Robert Dahl [Dahl, 2001] e Iris Marion Young [Young, 2000].

  • 13

    Neste trabalho pretende-se destacar pontos de relevncia na Amrica de Tocqueville, incluindo questes ligadas democracia participativa, ao respeito aos direitos fundamentais, ao respeito s liberdades individuais, proteo dos interesses fundamentais das pessoas, promoo do desenvolvimento humano, promoo de alto grau de igualdade poltica, promoo da paz, democracia inclusiva. Estes so exemplos de alguns dos pressupostos democrticos que sero ampliados por meio do estudo dos grandes pensadores da democracia contempornea apresentados no Captulo I adiante.

    Assim, considera-se que o objetivo geral deste trabalho o de detectar traos de democracia contempornea na obra A Democracia na Amrica de Alexis de Tocqueville. Aproveita-se a oportunidade para listar os seus objetivos especficos, quais sejam: identificar os principais pensadores ligados ao estudo da democracia contempornea; elaborar uma resenha para cada um dos autores identificados no item anterior; elaborar uma tabela que sintetize os princpios e pressupostos democrticos destacados pelos autores sugeridos; destacar em A Democracia na Amrica pontos que evidenciem alguns dos princpios democrticos da tabela elaborada no item anterior; elaborar uma anlise das informaes obtidas nas etapas anteriores; e, concluir o trabalho ratificando (ou contestando) o objetivo geral.

    Considera-se o tema da maior importncia, porque destaca a relevncia da obra de Tocqueville para o estudo da democracia, mesmo a democracia contempornea. Muitos pensadores consideram os Estados Unidos da Amrica como o primeiro lugar no mundo onde os

    princpios democrticos foram aplicados na prtica para toda uma populao [Dallari, 2010]. O objeto escolhido para o nosso estudo, a obra A Democracia na Amrica, considerado nico por ter sido escrito tendo por base a afluente democracia americana. Essa obra rica em caractersticas que se refletem no nosso presente. Ela no se limita sua poca, mas nos faz

    pensar o presente e at mesmo o futuro da democracia.

    Pretende-se realizar o estudo dentro da perspectiva da anlise histrica, porque o nosso enfoque ser dado aos pressupostos democrticos contemporneos aplicados (ou no) em relao iniciante democracia dos EUA na primeira metade do sculo XIX.

  • 14

    Escolheu-se por direcionar o estudo para a Amrica (EUA) em meados do sculo XIX para destacarem-se os pontos importantes dos pressupostos democrticos que foram espalhados pelo mundo a partir da.

    Como falado anteriormente, os principais pensadores da democracia contempornea, e seus pressupostos para a democracia, constituem parte importante de nossa reviso de literatura. Com relao bibliografia dedicada a Tocqueville, esta muito vasta, constituda sobretudo de livros em francs e ingls. Dentre os textos disponveis em portugus, so de especial relevncia para o nosso estudo: Raymond Aron com Alexis de Tocqueville [Aron, 1982] e Jos Osvaldo de Meira Penna com O Pensamento de Tocqueville [Meira Penna, 1987]. Outros autores importantes incluem Franois Furet [Furet, 1989] e Pierre Manent [Manent, 2006], que realaram a profundidade, a modernidade, a pertinncia e a riqueza das anlises de Tocqueville.

    Em sua obra maior, A Democracia na Amrica, a leitura atenta demonstra que Tocqueville se utilizou do mtodo histrico comparativo para analisar a gnese histrica e a tipologia sociolgica e poltica do regime democrtico na nova repblica norte-americana. Ademais, pode-se inferir, a partir da leitura da obra em epgrafe, que a principal preocupao de Tocqueville estabelecer a gnese imediata e os traos estruturais caractersticos da sociedade democrtica que estava se formando na Amrica de meados do sculo XIX a partir de uma criteriosa anlise histrica comparativa da realidade poltica existente naquela poca (de acordo com Tocqueville) com a realidade poltica presente (de acordo com os pensadores da democracia contempornea).

    Um aspecto importante do pensamento poltico de Tocqueville a respeito das sociedades democrticas reside no fato de o aludido pensador considerar que as referidas sociedades, na medida em que alcanam um regime genuinamente democrtico, tendem a se tornar, social e politicamente conservadoras, ainda que contenham em seu arcabouo social e poltico fatores ou elementos potencialmente geradores de conflitos sociais e polticos. Raymond Aron faz uma citao bastante sugestiva dessa anlise: "Tocqueville escreve que as sociedades democrticas nunca podem estar satisfeitas, porque, igualitrias, fomentam a inveja; contudo, a despeito dessa turbulncia superficial, so fundamentalmente conservadoras [Aron, 1982].

  • 15

    Do pargrafo anterior cabe, ainda, destacar uma expresso cunhada por Tocqueville que bastante paradigmtica, qual seja A Ditadura da Maioria. Ditadura da maioria, em Cincia Poltica, a rotulao dada aos sistemas polticos nos quais a maioria dita as regras, sem apelo por justia ou equidade. Seu principal problema o desrespeito s minorias e opinies discordantes, requisitos considerados essenciais para a Democracia. Na Teoria da Democracia, esse conceito est estreitamente ligado linha do Pluralismo democrtico. Esses dois conceitos, igualdade e ditadura da maioria, so bsicos para a compreenso da interpretao de democracia feita por Tocqueville.

    Da, pretende-se empregar o mtodo histrico compreensivo como ferramenta de interpretao do passado. H trs apreciaes substanciais nesse mtodo, que so as interpretaes analtica, hermenutica e dialtica. Nossa inteno utilizar a interpretao analtica, tomando o tempo histrico onde se possa enxergar que algumas coisas so possveis de serem reconstrudas, de serem retroativamente explicveis e compreensveis, mediante a coordenao de condies objetivas a respeito de um dado tema.

    Na interpretao analtica, importante que se elabore uma organizao das leituras, que primeira vista parece algo banal, o que , porm, da maior relevncia. o chamado fichamento, o que exige uma leitura detalhada dos textos envolvidos na pesquisa, conhecendo cada passo, item, argumento e outros textos relacionados com o tema escolhido. Nessa fase entram as leituras comentadas sobre o tema e quais autores so fundamentais para a sua

    compreenso. Assim, a organizao da leitura permite, alm de traar com mais racionalidade o programa de trabalho (sempre em relao ao tempo), viabilizar a organizao do debate sobre o assunto e tambm viabilizar a identificao dos nveis de argumentao. Aqui fica clara a necessidade de o pesquisador ter que escolher, interpretar e selecionar pontos de destaque no material da pesquisa, posto que nenhum outro autor dir qual passagem mais ou menos importante em um dado texto com relao ao seu objetivo.

    Considera-se, portanto, que por meio do emprego de procedimentos de matriz analtica se consiga fazer uso de ferramentas de grande utilidade. O fundamental buscar critrios e

    instrumentos que permitam um embasamento terico e uma elaborao metodolgica coerente para a interpretao que se pretende fazer.

  • 16

    i.1 Breve Introduo ao Pensamento de Alexis de Tocqueville

    Clebre por sua anlise da democracia americana, que conheceu em viagem aos Estados Unidos entre 1831 e 1832, Alexis de Tocqueville ajudou a construir a teoria poltica moderna ao alertar para os riscos de um despotismo assentado sobre a vontade da maioria.

    Alguns estudiosos modernos o consideram como o profeta da democracia. Tal aluso soa estranha, quando se sabe que Tocqueville manteve uma atitude reacionria diante da democracia moderna, baseada no voto popular (ainda que restrito) e na igualdade de direitos, pressupostos ento presentes na Amrica por ele visitada.

    De fato, o autor foi profeta no sentido de anunciar os males e os riscos da democracia, de suas propenses a se degenerar em novas formas de despotismo. Essa ideia norteou tanto sua obra de historiador e terico poltico, como sua discreta atuao como parlamentar liberal nos anos que antecederam e se seguiram s revoltas de 1848 na Frana.

    Tocqueville foi um magistrado oriundo de famlia nobre no Antigo Regime, anterior

    Revoluo Francesa de 1789. Quem defendeu Lus XVI na Conveno que o enviaria guilhotina foi o seu bisav, que tambm foi guilhotinado em seguida. O pai do filsofo tambm foi preso, tendo escapado do mesmo destino quando, na penltima hora, a queda de Robespierre (1794) encerrou o perodo de terror revolucionrio.

    Depois do refluxo libertrio representado pelo Imprio de Napoleo (1804-14) e pela Restaurao da monarquia, com a volta da dinastia Bourbon (1815-30), novas revoltas, em 1830 e 1848, se apresentavam com uma nova feio: operria e socialista. No bastava a igualdade jurdica, reivindicava-se igualdade material.

    Essa poca caracterizava o incio da Revoluo Industrial, com o advento da mquina a

    vapor, das estradas de ferro, do telgrafo e dos navios. Era o tumulto urbano do qual eclodiria a modernidade.

  • 17

    Tocqueville foi um historiador erudito e um terico imaginativo, mas considera-se que a sua qualidade mais notvel a sua aptido para traar generalizaes a partir da observao concreta, sempre interessado na moldura geral e nos fatores de longo alcance. Considerado como tendo tido uma vida um tanto maante, um dos episdios mais movimentados de sua vida foi a sua aventurosa viagem aos Estados Unidos, de que resultou sua obra mais conhecida, A Democracia na Amrica. Entre abril de 1831 e fevereiro de 1832, o jovem autor passou nove meses nos Estados Unidos; frequentou os sales de Nova York e Boston, navegou no rio Ohio, desceu o Mississippi, avistou-se com o ento presidente, Andrew Jackson.

    Sob o pretexto de estudar o sistema penitencirio local tendo o governo constitucional e corrupto do "rei burgus", Lus Filipe (1830-48), financiado a viagem -- ele concebeu uma interpretao indita e at hoje fecunda sobre a sociedade e a democracia americanas. Uma terra virgem onde todos so imigrantes propcia ao nivelamento de direitos, mas a democracia americana no existiria sem as razes da participao comunitria e das limitaes ao poder do rei, legados essenciais do colonizador ingls que remontavam Idade Mdia.

    Nesse contexto, o autor passa a teorizar que o grande risco do sistema americano estaria no advento de uma ditadura da maioria. Questiona o fato de o mecanismo de freios e contrapesos ("checks and balances"), pelo qual os trs poderes se controlam (e as instncias locais controlam a nacional), talvez no fosse suficiente para prevenir essa ditadura da maioria.

    Para Tocqueville, igualdade e democracia eram o futuro da poltica, consequncia do

    prprio progresso moderno, mas o governo da maioria descambava para novo despotismo, legitimado por sua prpria natureza majoritria, sendo exercido primeiro por uma faco, logo depois por um tirano. Por qu? O buslis estava numa ideia do filsofo Montesquieu qual Tocqueville se apegou, sobretudo em sua obra O Antigo Regime e a Revoluo, publicada em 1856. Montesquieu utilizou o argumento que, na monarquia (distinta, para ele, do despotismo), o poder do rei, embora imenso, era contrastado por regulamentos e costumes, pelas autonomias concedidas a certas cidades, corporaes e tribunais, para no mencionar a estrutura paralela da Igreja. Esses elementos de conteno seriam os "corpos intermedirios", fonte de inspirao de sua doutrina da separao de poderes. Com a eliminao desses elementos de conteno, estava aberto o caminho para o despotismo.

  • 18

    Captulo 1

    Riscando o Verniz da Teoria da Democracia

    Com este primeiro captulo, pretende-se riscar o verniz da Teoria da Democracia. Esta, a base do argumento inicial, quando pretende-se localizar na Democracia na Amrica de

    Tocqueville, escrito na primeira metade do sculo XIX, traos de democracia contempornea.

    Foram selecionados cinco autores importantes dentro do contexto da Teoria da Democracia contempornea, e a partir de suas ideias, elaborou-se uma lista de pressupostos que identificam, de forma inequvoca, as principais caractersticas da democracia de nossos dias.

    Para este trabalho, os autores de interesse que se destacam so: Joseph Schumpeter [Schumpeter, 1984], Norberto Bobbio [Bobbio, 1986], Carole Pateman [Pateman, 1992], Robert Dahl [Dahl, 2001] e Iris Marion Young [Young, 2000].

  • 19

    1.1. Princpios Bsicos da Teoria da Democracia Contempornea

    Durante muito tempo testemunhou-se um uso indisciplinado e impreciso da palavra democracia. A definio etimolgica de democracia governo do povo, e sua definio clssica complementa esse conceito com o governo do povo por meio do mximo de participao de

    todo o povo. Esta definio um ideal, posto em dvida devido a evidncias empricas levantadas pela cincia social. Tais dvidas recaem sobre a possibilidade de se poder

    implementar esse ideal na prtica.

    A teoria da democracia passou a ser vista de forma mais ortodoxa a partir da Segunda Grande Guerra, principalmente com destaque para o fato do conceito de participao assumir um papel menor, onde a nfase foi colocada nos perigos inerentes ampla participao popular em poltica. O fantasma do totalitarismo ajudou a explicar essa preocupao - a introduo de regimes totalitrios no ps-guerra, baseados na participao das massas, foradas pela coero e

    pela intimidao. Assim, o que se buscava era garantir as condies necessrias para a estabilidade em um Estado democrtico. Assumiu-se que a viso clssica do homem democrtico

    constitui uma iluso sem fundamento e que um aumento da participao poltica dos atuais no-participantes poderia abalar a estabilidade do sistema democrtico, considerando-se a perspectiva das atitudes polticas.

    Com a expanso da sociologia poltica no ps-guerra, a rejeio s antigas teorias democrticas passaram a basear-se no argumento de que essas teorias eram normativas e carregadas de valor, levando a uma teoria poltica moderna baseada em princpios cientficos e empricos, firmemente assentados em fatos da vida poltica.

    No final da dcada de 1960, a palavra participao tornou-se parte do vocabulrio poltico popular. Originou-se de parte de vrios grupos que queriam, na prtica, a implementao

    de direitos que eram seus na teoria. Pateman [Pateman, 1992] discute a democracia participativa de forma profunda e faz ressuscitar o seu interesse para a democracia contempornea.

  • 20

    Outra rea do estudo da democracia contempornea a democracia representativa. Nela, o princpio da maioria aparece como mtodo que melhor satisfaz os requisitos da democracia no quesito eleies. Dada a complexidade da tomada de decises inerente ao processo poltico, o procedimento da maioria reservado apenas ao contexto eleitoral, onde a maioria decide apenas quem vai decidir e no possui poder deliberativo para questes polticas concretas. Entretanto, nenhum direito de maiorias pode ser ilimitado, mas sim restringido pelos direitos das minorias.

    De maneira geral, as democracias modernas dependem de trs fatores: poder limitado da

    maioria; procedimentos eleitorais; e, transmisso do poder dos representantes. As eleies foram concebidas inicialmente como um instrumento de seleo no sentido qualitativo do termo. Com o decorrer do tempo a nfase quantitativa usurpou o lugar da qualitativa, tornando a democracia um regime cuja m seleo parece inevitvel. A democracia representa um sistema vinculado ao princpio de que ningum pode se autoproclamar governante, ningum pode assumir em seu prprio nome um poder irrevogvel e ningum detm propriedade sobre o poder.

    Robert Dahl [Dahl, 1997] criou o conceito de poliarquia, onde se enquadram os regimes polticos de pases relativamente democratizados, ou seja, dotados de carter inclusivo e abertos contestao pblica. O objetivo dessa separao entre poliarquia e democracia buscar saber quais circunstncias aumentam significativamente as possibilidades de contestao pblica. O termo democracia encarado como um sistema poltico que tem, em suas caractersticas, a

    qualidade de ser quase inteiramente voltado para atender aos anseios de todos os seus cidados. Nesses termos, democracia representa o tipo ideal de regime poltico que se busca e, o termo

    poliarquia se refere aos regimes polticos democrticos efetivamente existentes, incluindo todos os seus problemas.

    A conjuntura poltica desse incio do sculo XXI marcada por antipatias quanto ao funcionamento da democracia representativa. Muito se fala ultimamente dos limites deste modelo, porm nenhum outro mtodo de tomada de decises conseguiu resistir prtica poltica. Diversos autores modernos contriburam para o debate com teorias no sentido de tratar a

    democracia em sua verso emprica; aquela que sobreviveu ao mundo real. Dentre estes autores, foram escolhidos os seguintes como base do moderno pensamento democrtico: Schumpeter,

    Bobbio, Pateman, Dahl e Young. A democracia representativa, guardadas as devidas diferenas

  • 21

    nesses autores, aparece como a frmula mais eficaz de resoluo dos conflitos nas naes modernas.

  • 22

    1.2. Pressupostos da Teoria da Democracia Contempornea

    Pode-se estabelecer agora, em linhas gerais, uma teoria da democracia que seria comum aos cinco autores citados anteriormente, e tambm a muitos outros tericos da democracia atuais. Chama-se a essa de Teoria da Democracia Contempornea [Pateman, 1992]. Essa teoria, de carter emprico ou descritivo, trata de compreender a operao do sistema poltico democrtico em sua totalidade, e baseia-se em fatos, atitudes e comportamentos polticos atuais, que foram clarificados pela investigao sociolgica recente.

    A teoria da democracia contempornea baseia-se em um mtodo poltico, constitudo por uma srie de arranjos institucionais (os partidos polticos) em nvel nacional. O pressuposto democrtico caracterstico desse tipo de regime poltico a competio entre os lderes (a elite) pelos votos do povo, em eleies peridicas e livres. Assim, o pressuposto das eleies crucial para o mtodo democrtico: por meio das eleies que a maioria pode exercer o controle sobre os lderes.

    Trs caractersticas se destacam nesse mtodo: em primeiro lugar, a sano de perda de mandato, que assegura a atitude dos lderes com relao s reivindicaes dos que no pertencem elite; em segundo lugar, a questo da igualdade poltica, que se refere ao sufrgio universal e existncia de igualdade de acesso aos canais de influncia sobre os lderes; e, em terceiro lugar, o conceito de participao, relativa maioria, o que constitui a participao na escolha daqueles que tomam as decises. Ainda com relao participao, sua funo meramente de proteo; a proteo do indivduo contra decises arbitrrias dos lderes eleitos e a proteo de seus

    interesses privados.

    Esse modelo de democracia pode ser visto como aquele em que a maioria (no elites) obtm o mximo de rendimento (decises polticas) dos lderes, com o mnimo de investimento (participao) de sua parte.

    As principais crticas teoria da democracia contempornea dirigem-se a dois pontos principais. Em primeiro lugar, argumenta-se que os defensores da teoria da democracia

  • 23

    contempornea no compreenderam a teoria clssica; esta no seria, em essncia, uma teoria descritiva, mas sim uma teoria normativa, ou um ensaio de preceitos. Em segundo lugar, afirma-se criticamente que na reviso da teoria clssica, os ideais que ela contm foram substitudos por outros.

    A teoria da democracia contempornea no uma mera descrio do modo como operam certos sistemas polticos. Ela explicita que esse o tipo de sistema que deve ser valorizado e inclui uma srie de padres ou critrios (os chamados pressupostos democrticos) pelos quais um sistema poltico pode ser considerado democrtico. O que se busca um sistema relativamente

    eficiente para reforar o acordo, encorajar a moderao e manter a paz social. Busca-se assegurar o mximo de participao por parte de todo o povo, o que o seu ponto central.

    Seria o ideal do homem democrtico racional, ativo e informado. Evidentemente, atitudes

    no-democrticas existem exatamente onde h mais inativos e desinformados polticos, o que enfraquece o consenso quanto s normas do mtodo democrtico. Assim, h a necessidade de um treinamento social (para criar cidados polticos) para que se consiga preservar a estabilidade do sistema.

    Alm disso, ao excluir algumas dimenses, a teoria da democracia contempornea nos apresenta duas alternativas: um sistema no qual os lderes so controlveis pelo eleitorado e devem prestar contas a ele, e o eleitorado pode escolher entre os lderes ou a elite em competio; ou um sistema no qual isso no ocorre (o totalitarismo).

    A teoria da democracia contempornea encara a participao exclusivamente como um

    dispositivo de proteo. Considera-se que a natureza democrtica do sistema resida em grande parte na competio entre os lderes (representantes potenciais) pelos votos, de modo que se destaca nesse modelo a forma de governo representativo. Contudo, deve-se notar que a teoria do governo representativo no representa toda a teoria da democracia contempornea, como sugerem muitos autores.

  • 24

    1.3. Joseph Schumpeter

    Joseph Alois Schumpeter [McCraw, 2007], foi um grande economista e cientista poltico austro-americano. considerado um dos economistas mais importantes do sculo XX. Popularizou o termo destruio criativa, usado em Economia. Comeou sua carreira estudando Direito na Universidade de Viena, e concluiu seu doutorado em Economia em 1906. Em 1909, foi professor de Economia e Governo na Universidade de Czernowitz. De 1925 a 1932 foi professor na Universidade de Bonn, na Alemanha. Em 1932, mudou-se para os Estados Unidos, tendo adquirido a nacionalidade americana em 1939.

    Schumpeter foi o presidente da Econometric Society, apesar de no ser matemtico, tendo

    tentado introduzir uma apreciao mais sociolgica nas teorias econmicas.

    A ideia de que o capitalismo s poderia ser entendido como um processo evolutivo de inovao contnua e de destruio criativa explicada em seu livro Capitalismo, Socialismo e

    Democracia [Schumpeter, 1984]. Nele, ele demonstra a sua simpatia pela teoria marxista de que o capitalismo entraria em colapso e seria substitudo pelo socialismo, concluindo, porm, que isso no aconteceria segundo as previses de Marx. Para descrever a sua teoria, ele criou a frase destruio criativa, e a tornou famosa ao descrever um processo no qual as velhas maneiras de fazer as coisas so endogenamente destrudas e substitudas por novas maneiras. Isso prosperou para uma ideia de economia dinmica, orientada a mudanas, e baseada na inovao e no empreendedorismo.

    Sua teoria econmica baseia-se no fato de que o sucesso do capitalismo levar a uma

    forma de corporativismo e a uma gama de valores hostis ao capitalismo, principalmente entre os intelectuais. Schumpeter enfatiza que no est analisando tendncias, nem se engajando em ideologias polticas. Uma de suas previses diz que uma das grandes vantagens do capitalismo, a educao, que em perodos pr-capitalistas constitua um privilgio de poucos, se tornaria mais e mais acessvel s pessoas, principalmente a educao superior.

  • 25

    Foi Schumpeter que identificou a inovao como sendo a dimenso crtica para as mudanas econmicas. Ele argumentou que as mudanas econmicas se davam ao redor da inovao, das atividades empreendedoras e do poder do mercado. Ele buscou provar que o poder de mercado originado na inovao poderia gerar resultados melhores do que a mo invisvel, de Adam Smith, e do que a prpria competio de preos. Ele argumentou, tambm, que a inovao tecnolgica criaria monoplios temporrios, o que geraria lucros anormais. Ele afirmou que esses

    monoplios temporrios eram necessrios para gerar o incentivo necessrio para que as empresas

    pudessem desenvolver novos produtos e processos. Acertou mais uma vez.

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    1.3.1. O Pensamento de Schumpeter em Capitalismo, Socialismo e Democracia

    Em seu livro Capitalismo, Socialismo e Democracia [Schumpeter, 1984], escrito em 1943, Schumpeter aborda a teoria democrtica a partir de crticas democracia clssica. Ele trabalha a ideia de democracia como um processo pelo qual o eleitorado poderia identificar o bem comum, e que os polticos poderiam fornecer isso a eles. Obviamente, ele conclui que isso irrealista, e que a ignorncia e superficialidade das pessoas implica que elas so, de fato, largamente manipuladas pelos polticos, que teriam o poder em mos ou seja, que estabeleceriam a agenda. Esse argumento faz com que o conceito de pelo povo, da definio de democracia, seja indesejado e irrealista. Ele argumenta que , ao invs disso, poder-se-ia empregar um modelo minimalista, influenciado por Max Weber, onde a democracia seria o mecanismo para regular a competio entre lderes, de forma similar estrutura de um mercado (do termo empregado em economia). Apesar de votos peridicos dados por um pblico genrico legitimem governos e os mantenham sob superviso (accountables), o programa poltico visto com sendo propriedade dos polticos, e no do povo, sendo a regra de participao de indivduos severamente limitada.

    Schumpeter voltou-se a desenvolver uma teoria revisada, caracterizando a teoria poltica moderna, que seria baseada no empirismo e na cincia, firmemente assentada nos fatos da vida

    poltica. A sua teoria foi em grande parte ratificada pela enorme quantidade de informao emprica disponvel sobre poltica nos dias de hoje. Desse modo, ficou evidenciada uma definio nova e realista de democracia, o que se revelou muito importante para as teorias que viriam a seguir com outros pensadores. Assim, pode-se considerar a obra de Schumpeter como a base para a elaborao das obras mais atuais sobre teoria democrtica.

    Na anlise de Schumpeter, critica-se a noo de teoria democrtica enquanto uma teoria de meios e fins: ele afirma que democracia uma teoria dissociada de quaisquer ideais ou fins. Na sua definio, essencial para a continuidade dos estudos modernos de democracia, democracia

    um mtodo poltico, ou seja, um tipo de arranjo institucional para se chegar a decises polticas legislativas e administrativas.

  • 27

    Na formulao de sua teoria democrtica, Schumpeter estabeleceu um modelo para a doutrina clssica da democracia e examinou suas deficincias, para, a seguir, propor alternativas. A principal crtica doutrina clssica dizia respeito ao papel central de participao e tomada de decises por parte do povo, que se baseava em fundamentos empiricamente irrealistas. Na sua teoria revisada, o ponto vital a competio dos que potencialmente tomam as decises pelo voto do povo.

    Schumpeter apresentou a seguinte definio do mtodo democrtico como moderna e realista: Aquele arranjo institucional para se chegar a decises polticas, no qual os indivduos adquirem o poder de decidir utilizando para isso uma luta competitiva pelo voto do povo. Sob esse ponto de vista, a caracterstica distintiva da democracia a competio pela liderana, e isso que distingue o mtodo democrtico de outros mtodos polticos. Por esse mtodo, qualquer pessoa, em princpio, livre para competir pela liderana em eleies livre, de modo que as liberdades civis costumeiras so necessrias. Alm disso, mesmo admitindo a liberdade como princpio, Schumpeter pensava que, de fato, devia existir uma classe poltica ou dominante para fornecer candidatos liderana.

    No deve, portanto, a democracia ser compreendida como um fim em si mesmo. O autor aprimora a definio de mtodo poltico ou democrtico acrescentando o seguinte ponto: neste mtodo os indivduos adquirem o poder de deciso por meio de uma luta competitiva pelos votos livres da populao. Isto consiste na chamada competio pela liderana, que o critrio usado

    para distinguir os governos democrticos. O mtodo eleitoral tomado enquanto critrio porque se mostra o nico disponvel a comunidades de qualquer tamanho na conduo da competio

    dentro dos regimes democrticos. De acordo com Schumpeter, o papel do eleitorado nestes regimes produzir um governo ou desaposs-lo. Produzir um governo significa a aceitao de um lder ou grupo de lderes, enquanto a funo de desapossar a retirada da aceitao nas urnas. As rdeas do governo, por sua vez, devem ser dadas queles que tm mais apoio na competio pelos votos.

    Com sua formao de economista, Schumpeter comparava a competio poltica por

    votos operao do mercado econmico: da mesma forma que os consumidores, os eleitores colhem entre as polticas (produtos) oferecidas por empresrios polticos rivais, e os partidos regulam a competio do mesmo modo que as associaes de comrcio na esfera econmica.

  • 28

    Os pressupostos para a operao do mtodo democrtico exigiam: liberdades civis, tolerncia com as opinies alheias, e um certo tipo carter e de hbitos nacionais. Outra exigncia era que todos os interesses envolvidos fossem virtualmente unnimes em sua lealdade aos princpios estruturais da sociedade existente.

    Assim, presumem-se algumas condies para favorecer o xito do mtodo democrtico nas grandes naes industriais. A primeira condio, consiste em um material humano da poltica de alta qualidade. Isto implica a disponibilidade de um bom e qualificado nmero de dirigentes partidrios, pessoas eleitas para o parlamento e chefes do executivo. O autor afirma

    que a nica garantia efetiva de obter polticos de qualidade est na existncia de um estrato social j ligado poltica como atividade por vocao. A segunda condio, para o sucesso da democracia, seria limitar o alcance efetivo da deciso poltica, pois caso o governo tenha o direito de tratar de todas as questes concernentes sociedade corre-se o srio risco de produzir aberraes legislativas. A terceira condio, seria dispor dos servios de uma burocracia bem-treinada, de boa posio, de tradio e dotada de forte senso de dever. A quarta condio, o Autocontrole Democrtico: o mtodo democrtico s pode funcionar adequadamente se todos os grupos importantes da sociedade estiverem dispostos a aceitar as medidas governamentais

    pautadas nas leis. Eleitores e parlamentares no devem tomar uma postura intransigente de oposio a toda e qualquer medida vinda do governo. Por fim, apontada a necessidade de uma

    dose de tolerncia por parte dos protagonistas polticos.

    O que causa espanto, hoje em dia, que Schumpeter no achava necessrio o sufrgio universal. Ele considerava que as diferenciaes quanto propriedade, raa ou religio, eram

    todas perfeitamente compatveis com o mtodo democrtico. Em sua teoria democrtica, os nicos meios de participao abertos ao cidado so o voto para o lder e a discusso, sendo que a participao no tem um papel especial ou central. Tudo que se pode dizer que um nmero suficiente de cidados participa para manter a mquina eleitoral (os chamados arranjos institucionais) funcionando de modo satisfatrio. A teoria tem por base um nmero reduzido de lderes. Em suas palavras: A massa eleitoral incapaz de outra coisa que no seja um estouro da boiada, por isso, seus lderes precisam ser ativos, possuir iniciativa e deciso, e a competio entre lderes pelos votos constitui o elemento democrtico caracterstico desse mtodo poltico.

  • 29

    Assim, considera-se indubitvel a importncia da teoria de Schumpeter para a teoria da democracia contempornea. Sua noo de teoria clssica, e a definio de mtodo democrtico, juntamente com o papel da participao nesse mtodo, tornaram-se universalmente aceitos para a democracia contempornea.

  • 30

    1.3.2. Os Pressupostos Democrticos segundo Schumpeter

    Em sntese, Schumpeter compreende a democracia como um regime no qual o povo tem a

    oportunidade de aceitar ou recusar as pessoas designadas para governar estas so escolhidas mediante o maior apoio junto ao eleitorado. Em sua viso no existe qualquer incompatibilidade entre democracia e socialismo ou capitalismo. Apesar de a democracia ter nascido inserida no perodo de consolidao do capitalismo, foras capitalistas vm provocando srios infortnios ao mtodo democrtico. Alguns desvios do princpio da democracia esto atrelados presena de interesses capitalistas organizados, onde meios privados so frequentemente usados para interferir no funcionamento do mecanismo da liderana competitiva. Com isso, os padres do capitalismo impelem vrios grupos da sociedade a recusar as regras do jogo democrtico, colocando em risco este mtodo poltico.

  • 31

    1.4. Norberto Bobbio

    Norberto Bobbio [INB, 2013] (1909-2004), nasceu em Turim, Itlia. Foi um filsofo poltico, historiador do pensamento poltico e senador vitalcio italiano. Reconhece ter adquirido tardiamente conscincia poltica, no liceu Massimo dAzeglio, que concluiu em 1927. Completou seus estudos na Universidade de Turim, na Faculdade de Jurisprudncia. Em 1931, licenciou-se em Jurisprudncia com uma tese de Filosofia do Direito.

    Frequentou o crculo de oposio ao regime fascista italiano, na dcada de 1930, tendo sido preso em maio de 1934. Foi condenado pena mais leve, a de advertncia. Lutou contra o fascismo por via do movimento liberal-socialista, um movimento cultural antifascista de inspirao no marxista, de vocao tico-religiosa.

    Em 1935 obteve um lugar de docente de Filosofia do Direito na Universidade de Camerino, mas so-lhe levantadas dificuldades dada a priso e a pena de advertncia a que foi condenado no ano anterior. Conquistada a ctedra em Camerino chamado para a Universidade

    de Siena em fins de 1938, onde permaneceu por dois anos. Em dezembro de 1940 obteve a ctedra de Filosofia de Direito na Faculdade de Jurisprudncia da Universidade de Pdua.

    Em 1942, sob o regime fascista de Benito Mussolini, e durante a Segunda Guerra Mundial, Bobbio uniu-se ao ento partido liberal, radical e ilegal, chamado Partito dAzione, e foi preso entre 1943 e 1944. Mais que um verdadeiro e organizado partido de massas, o Partito dAzione unia os conspiradores contra o fascismo, alimentando o sonho da derrocada do mussolinismo e da transio para a democracia, ao mesmo tempo que concebia a ideia de uma combinao harmoniosa entre a tradio europia e britnica de um liberalismo tico

    materializado nas instituies da democracia representativa, incluindo um programa de ampla justia social que libertasse a Itlia e os italianos da pecha do subdesenvolvimento. Bobbio concorreu, sem sucesso, a uma cadeira na Assemblia Constituinte da Itlia em 1946.

    Com a derrocada do seu partido em uma Itlia dominada no ps-guerra pelo partido Democrata Cristo, Bobbio desistiu da vida poltica e voltou-se para a academia. Em 1948, Bobbio transferiu-se para a Universidade de Turim cabendo-lhe primeiro a regncia da cadeira de

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    Filosofia do Direito e depois, a partir de 1972, a de Filosofia Poltica. O seu interesse pela histria das ideias leva-o a partir de 1962 a leccionar Cincia Poltica, juntamente com Filosofia de Direito.

    Em 1979, jubilou-se da atividade docente, com setenta anos, mas manteve-se ativo na reflexo e na escrita, tendo dedicado os vinte anos seguintes de sua vida escrita, ao comentrio poltico e ensastico, polmica, ao sabor dos acontecimentos que marcam a vida poltica italiana. Em 18 de Julho de 1984 foi nomeado senador vitalcio pelo presidente Sandro Pertini. Nesse mesmo ano, Bobbio deixa definitivamente a vida universitria, com setenta e cinco anos, e

    a Faculdade de Cincia Polticas concede-lhe por unanimidade o ttulo de professor emrito. Norberto Bobbio faleceu em 9 de janeiro de 2004, em Turim, aos 94 anos de idade.

  • 33

    1.4.1. O Pensamento de Bobbio em O Futuro da Democracia

    Em O Futuro da Democracia [Bobbio, 1986], Bobbio apresenta uma coletnea de ensaios sobre poltica, escritos a partir de 1978. O livro dividido em sete captulos: (1) O futuro da democracia; (2) Democracia representativa e democracia direta; (3) Os vnculos da democracia; (4) A democracia e o poder invisvel; (5) Liberalismo velho e novo; (6) Contrato e contratualismo no debate atual; e (7) Governo dos homens ou governo das leis.

    A tese poltico-teortica fundamental apresentada que a democracia pluralista e

    representativa constitui uma forma correta de Estado, e somente em tal base podem ser construdas relaes mais socialistas, ou, nas palavras de Bobbio, "relaes mais participativas

    e harmoniosas".

    Em uma primeira anlise, Bobbio considerava haver uma continuidade lgica entre democracia e socialismo, mas no inversamente. Assim, a democracia seria considerada uma

    forma constitucional de Estado (dentre outras alternativas), porm, socialismo no seria. Socialismo e comunismo seriam apenas adjetivos a serem acrescentados noo de democracia. Desse modo, no existia, nem pode existir, uma teoria jurdica do socialismo; somente a democracia poderia ser juridicamente definida. Somente a democracia poderia ser conceitualmente definida enquanto paradigma ideal, ao passo que socialismo (e comunismo) somente poderiam ser descritos como uma prtica rudimentar de governo, e portanto, uma prtica no-democrtica.

    O prprio Bobbio rev essas suas posies a partir dos anos 80, quando a luta de classes

    torna-se menos acirrada. Socialismo agora admitido para servir de adjetivo qualificativo de democracia, como um prmio pela incorporao pelo Estado de trabalhadores, enquanto cidados, e como realizao do conto incuo sobre mais participao e mais solidariedade. Entretanto, o status ideolgico de socialismo e de democracia considerado como radicalmente diferente, sendo que a democracia possui mais dignidade ontolgica que o socialismo.

  • 34

    No captulo sobre o Futuro da Democracia, Bobbio comea por admitir a impossibilidade de se enxergar o futuro. Para ele cada homem projeta no futuro suas prprias pretenses e excitaes, enquanto a Histria avana o seu trajeto alheia s nossas preocupaes. Conclui, assim, que as previses feitas pelos grandes mestres do pensamento sobre o curso do mundo acabaram por se revelar, ao final, quase sempre falhas.

    Bobbio apresenta uma definio inicial de democracia como uma atribuio dada a um grande nmero de cidados de participarem, direta ou indiretamente, da tomada de decises coletivas e, onde existem regras de procedimento, como por exemplo, a da maioria. Destaca a

    importncia de que aqueles que so chamados a decidir, ou a eleger os que devero decidir, sejam colocados diante de alternativas reais e postos em condio de tomar decises.

    Para o processo deliberante, Bobbio sublinha que, aos chamados a decidir, sejam garantidos os direitos de liberdade, de opinio, de reunio, de associao, etc. Ele prope que o estado liberal o pressuposto no s histrico, mas jurdico, do estado democrtico. Considera pouco plausvel que um estado no liberal possa atestar um correto exerccio da democracia, e que seja improvvel que um estado no democrtico esteja apto a defender as liberdades mais elementares.

    Ele relembra que a democracia nasceu de uma concepo individualista da sociedade, particularmente a sociedade poltica, considerada como um resultado artificial da deliberao de pessoas.

    A seguir, apresenta seis promessas que no foram cumpridas pela democracia: (a) o nascimento da sociedade pluralista; (b) o revanche dos interesses; (c) o espao limitado; (d) a derrota do poder oligrquico nada ameaa mais matar a democracia que o excesso de

    democracia; (e) a eliminao do poder invisvel; e (f) a educao para a cidadania.

    O autor considera que tais promessas no foram cumpridas por conta de obstculos que no estavam previstos, ou que emergiram em consequncia das transformaes da sociedade

    civil. Tais obstculos so: o aumento dos problemas polticos que requerem competncias tcnicas; o ininterrupto engrandecimento do aparato burocrtico, adverso ao processo de poder democrtico; e, o desempenho do sistema democrtico como um todo.

  • 35

    Com relao ao futuro da democracia, Bobbio assevera que este futuro no catico.

    No captulo sobre Democracia Representativa e Democracia Direta, Bobbio parte da premissa de Jean Jacques Rousseau, que afirmou que a soberania no poderia ser representada. O

    autor chama a ateno para a diferena entre democracia representativa e estado parlamentar.

    Na democracia representativa, as decises coletivas as decises que dizem respeito a toda a sociedade so tomadas no diretamente por aqueles que dela fazem parte, mas por representantes eleitos para este intuito. O estado parlamentar, por sua vez, uma aplicao particular, embora relevante do ponto de vista histrico, do princpio da representao. aquele estado no qual representativo o rgo central ao qual chegam as reclamaes e do qual partem

    as resolues coletivas indispensveis, sendo este rgo central o Parlamento. Da, pode-se deduzir que nem todo estado representativo um estado parlamentar. O estado parlamentar pode

    muito bem no ser uma democracia representativa.

    No captulo que trata dos vnculos da Democracia, Bobbio estuda os provveis novos sujeitos e novos instrumentos de interveno democrtica. Analisa a importncia das regras do jogo com as quais se desenrola a luta poltica num determinado contexto histrico.

    Conclui que, ao se cumprirem as regras do jogo, os passos indispensveis para concretiz-las so calculveis. Por sua vez, ao quebrar as regras do jogo, desde que seja acessvel (o que no ), mostra-se como algo que no realizvel, pois uma vez quebrada a principal destas regras, a das eleies peridicas, no se sabe aonde as coisas vo dar.

    Em A Democracia e o Poder Invisvel, Bobbio apresenta as dificuldades objetivas que favorecem uma correta aplicao do mtodo democrtico. Tais dificuldades existem exatamente nas sociedades em que continua a crescer a exigncia de democracia. Seu objetivo no o de fazer uma anlise histrica das vrias formas de poder invisvel, mas o de confrontar com a

    realidade o ideal da democracia como governo do poder visvel.

    Ele afirma que o princpio de que todas as deliberaes (principalmente os atos dos dirigentes) devam ser conhecidas pelo povo sempre foi considerado um dos eixos do regime democrtico, definido como o governo direto do povo ou controlado pelo povo. Destaca o tema da descentralizao, uma revalorizao do relevo poltico da periferia com relao ao centro.

  • 36

    Interpreta a utopia do governo local como um ideal inspirado no princpio, segundo o qual, o poder tanto mais visvel quanto mais prximo est do povo.

    Bobbio argumenta que onde o supremo poder est oculto, tende a ficar oculto tambm o

    contra-poder. Onde existe o poder secreto, existe tambm, quase como seu produto natural, o contra-poder igualmente secreto ou sob a forma de conluio, compls, conspiraes, golpes de estado, tramados nos corredores do palcio imperial, ou sob a forma de rebelies, tumultos ou insurreies arranjadas em lugares intransitveis e inacessveis, com o prncipe agindo o mais distante possvel dos olhares do povo. Ento, o poder desptico no apenas se esconde para no

    fazer saber quem e onde est, mas tende tambm a esconder os seus reais intentos no momento em que suas decises devem tornar-se pblicas.

    Ao tratar do Liberalismo, Bobbio recupera a discusso sobre liberalismo, analisando a

    obra considerada clssica sobre o tema: On Liberty, de John Stuart Mill. Destaca a importncia do pensamento de diversos autores para o liberalismo, incluindo Locke, Montesquieu, Kant, Adam Smith, Humboldt, Constant, John Stuart Mill, e Tocqueville. Define o liberalismo, ao nvel de teoria econmica, como fator da economia de mercado; e, ao nvel de teoria poltica, como fator do estado que governa o mnimo possvel. Obviamente, as noes de liberalismo econmico e de liberalismo poltico so independentes, pois a teoria dos limites do poder do estado no se refere apenas interveno na esfera econmica, mas se estende esfera espiritual ou tico-religiosa.

    Assim, Bobbio considera que o estado liberal deva ser tambm um estado laico. Ou seja, um estado que no se afina com uma determinada confisso religiosa (nem com uma determinada concepo filosfico-poltica, como, por exemplo, o marxismo-leninismo). Entretanto, apesar de se considerar que um estado seja laico, em matria religiosa e filosfica, este mesmo estado precisa ser intervencionista em matria econmica.

    Historicamente, descreve o processo de formao do estado liberal, de um lado, como emancipao do poder poltico do poder religioso (estado laico) e, de outro, como emancipao do poder econmico do poder poltico (livre mercado). Desse modo, o estado deixa de ser o brao secular da igreja, tornando-se o brao secular da burguesia mercantil e empresarial.

  • 37

    A discusso segue sobre a compatibilidade entre liberalismo e democracia. Explica que os indicadores e as observaes mostram que esta compatibilidade no existe, uma vez que a democracia foi levada aos extremos da democracia de massa, cujo resultado o estado assistencial.

    Finalmente, o contratualismo moderno subordina-se ao fato de que as sociedades polirquicas, como aquelas em que vivemos, so simultaneamente capitalistas e democrticas. Nestas sociedades, grande parte das deliberaes coletivas tomada por meio de transaes que terminam em pactos. Nessas sociedades, o contrato social no mais apenas uma hiptese

    racional, mas sim uma ferramenta de governo continuamente exercida.

    Ao enfocar os conceitos de Contrato e Contratualismo, Bobbio faz uma apreciao do neocontratualismo. Considera que a Teoria do Estado recente est toda concentrada na lei como

    essencial fonte de padronizao das relaes de coexistncia, em contraposio figura do Contrato, cuja fora regular est subordinada da lei. O contrato se faz valer apenas nos limites de validade estabelecidos pela lei.

    Ele considera que em uma sociedade democrtica, as foras polticas so os partidos polticos: preparados acima de tudo para conseguir votos. So os partidos que disputam e obtm o consenso. Deles depende a legitimao do sistema poltico como um todo. Tal consenso pelo voto uma prestao positiva e, uma prestao positiva solicita geralmente uma contraprestao. Prestao e contraprestao so elementos dos contratos bilaterais. Nestes acordos, a prestao da

    parte dos eleitores o voto, a contraprestao da parte do eleito uma vantagem (sob a forma de um bem ou de um servio) ou a iseno de uma desvantagem.

    No ltimo captulo, Governo dos Homens ou Governo das Leis, Bobbio procura

    responder questo sobre qual o melhor governo, o das leis ou o dos homens? Ou de outra forma, Bom governo aquele em que os governantes so bons porque governam respeitando as leis, ou aquele em que existem boas leis porque os governantes so sbios?

    Bobbio apresenta o primado da lei, que est fundado sobre o pressuposto de que os governantes sejam maus, no sentido de que tendem a usar o poder em benefcio prprio. Vice-versa, o primado do homem est fundado sobre o pressuposto do bom governante, cujo tipo ideal, entre os antigos, era o grande legislador.

  • 38

    No entanto, ao responder a essa questo, Bobbio afirma que por muito tempo ao longo dos sculos, a ideia predominante foi em favor da superioridade do governo das leis, o que acabou por ser geralmente negativo e bastante discutido.

    Os critrios com os quais o bom governo foi diferenciado do mau governo so dois: o governo para o bem comum diferenciado do governo para o prprio bem; o governo segundo leis estabelecidas, sejam elas as leis naturais ou divinas, ou as normas de costume ou as leis positivas postas pelos predecessores e tornadas hbitos do pas, diferenciado do governo arbitrrio, cujas decises so tomadas de vez em quando, fora de qualquer regra pr-constituda. Disto derivam

    duas figuras distintas, mas no dissemelhantes, de governante odioso: o tirano que usa o poder para satisfazer os prprios desejos ilcitos, de que fala Plato no livro IX da Repblica; e o senhor que estabelece leis para si mesmo, ou seja, o autocrata no sentido etimolgico da palavra.

    Bobbio estabelece sua preferncia pelo governo das leis, e no pelo governo dos homens. Segundo Bobbio, o governo das leis celebra atualmente o sucesso na democracia.

  • 39

    1.4.2. Os Pressupostos Democrticos segundo Bobbio

    Para Bobbio, o que a democracia, seno um conjunto de regras (as chamadas regras do jogo) para a soluo dos conflitos sem derramamento de sangue? E em que consiste o bom governo democrtico seno, acima de tudo, no rigoroso respeito a estas regras? Bobbio estabelece que a democracia , por excelncia, o governo das leis.

    Seus pressupostos incluem a democracia representativa, baseada no sufrgio universal, em um governo da maioria e em um Estado laico. Destaca a importncia da educao para a cidadania. Ao observar que todas as deliberaes dos representantes devam ser conhecidas pelo

    povo, o que considera um dos eixos do regime democrtico, est corroborando a importncia dos princpios de democracia comunicativa que so apresentados adiante por Iris Young.

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    1.5. Carole Pateman

    Carole Pateman [UCLA, 2012] uma feminista e cientista poltica britnica. Nasceu em 1940 na pequena vila de Maresfield, em Sussex, na Inglaterra, filha de pais operrios de classe baixa.

    Ela cursou a escola da vila e foi beneficiria das grandes reformas britnicas de 1940, quando passou na prova 11+ e foi habilitada para ir para uma educao acadmica na Lewes County Grammar School for Girls. Porm, abandonou a escola com 16 anos, e teve que trabalhar em vrios empregos, at ser aceita, em 1963, para o Ruskin College, uma escola independente de educao para adultos em Oxford, voltada para estudantes da classe trabalhadora e que no possuiam requisitos de educao formal.

    Estudou Economia, Poltica, Histria e Sociologia. Durante esse perodo, muitos dos

    alunos no Ruskin College se inscreveram para um diploma de ps-graduao em Cincia Poltica e Econmica na universidade de Oxford. Ela foi a primeira mulher inscrita para esse curso em

    1965, e formou-se com distino.

    A seguir, passou a dar aulas na universidade de Oxford, lecionando Poltica, Filosofia e Economia nos cursos de bacharelado, tendo ficado em Oxford at concluir o seu D.Phil.

    Desde ento a sua carreira passou a ser internacional, tendo lecionado em trs continentes: de 1991 at 1994, foi a primeira mulher presidente da International Political Science Association; de 1988 at 1989 foi professora bolsista do Conselho Sueco de Pesquisa em Humanidades e Cincias Sociais; e, de 1993 at 2000, foi professora adjunta na Research School of Social Sciences da Universidade Nacional da Austrlia.

    Ela juntou-se ao Departamento de Cincias Polticas da Universidade da California em Los Angeles (UCLA) em janeiro de 1990, onde est presentemente.

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    1.5.1. O Pensamento de Pateman em Participao e Teoria Democrtica

    Pateman, em seu livro, que j se tornou um clssico da cincia poltica, Participao e Teoria Democrtica [Pateman, 1992], inicia o seu discurso tendo por base o conceito de participao, e em tom irnico questiona a popularidade dessa palavra, particularmente entre estudantes.

    Destaca que entre os tericos da poltica e socilogos polticos, a teoria da democracia mais aceita aquela que limita a participao popular no processo poltico. Uma questo

    predominante a nfase colocada nos perigos inerentes ampla participao popular em poltica.

    Considera democracia e totalitarismo as duas nicas alternativas polticas viveis no mundo moderno. Destaca pontos que se provam facilmente hoje em dia por meio de pesquisas de opinio, como por exemplo, o fato de a caracterstica mais notvel da maior parte dos cidados, principalmente os de grupos de condies socioeconmicas baixas, uma total falta de interesse

    em poltica e em atividades polticas. E mais, constatou que existem atitudes no democrticas ou autoritrias amplamente difundidas, tambm, entre grupos de condio socioeconmica baixa.

    Conclui que a viso clssica do homem democrtico constitui uma iluso sem fundamento e, que um aumento da participao poltica poderia abalar a estabilidade do sistema democrtico.

    A seguir, Pateman faz uma resenha crtica e lcida sobre a obra de Joseph Schumpeter, Capitalismo, Socialismo e Democracia [Schumpeter, 1943], concordando com a definio atribuda por este democracia: Democracia um mtodo poltico, ou seja, trata-se de um determinado tipo de arranjo institucional para se chegar a decises polticas legislativas e administrativas., e destacando a importncia da teoria de Schumpeter para as teorias

    democrticas posteriores.

    Analisa, a seguir, quatro exemplos bem conhecidos da teoria da democracia nos trabalhos de Berelson, Dahl, Sartori e Eckstein, resenhando-os com maestria e erudio. Conclui que os formuladores da teoria democrtica contempornea encaram a participao exclusivamente como um instrumento de proteo aos princpios democrticos.

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    Pateman analisa a obra de trs tericos da democracia: Rousseau, John Stuart Mill e G.D.H. Cole. E conclui destacando a importncia dos conceitos apresentados por esses pensadores sobre a teoria da democracia participativa, apesar da crtica sobre o uso carregado de valor dessa teoria, tendo portanto, pouco interesse direto para o moderno cientista poltico.

    A partir da, Pateman faz uma avaliao do realismo emprico e da viabilidade da democracia participativa, e questiona se a concepo de uma sociedade participativa uma fantasia utpica perigosa. Conclui afirmando que a democracia participativa apresenta muitos aspectos que refletem alguns dos principais temas e reflexes da teoria poltica e da sociologia

    poltica recentes, incluindo o fato de ela ser um modelo de um sistema autosustentado, e que as semelhanas entre a teoria da democracia participativa e teorias de pluralismo social recentes so bastante bvias.

    Assim, a teoria da democracia participativa se sustenta, ou cai por terra, de acordo com duas hipteses: a funo educativa da participao e o papel crucial da indstria.

    A partir da, Pateman questiona se as estruturas de autoridade industrial podem ser

    democratizadas ou no, e passa a verificar se existe alguma evidncia que sustente a ligao sugerida entre a participao no local de trabalho e em outras esferas no governamentais, inclusive no mbito nacional mais abrangente.

    Um captulo muito interessante da obra de Pateman o Captulo V, sobre a autogesto dos trabalhadores na Iugoslvia. Neste captulo, tenta-se mostrar que h uma demanda generalizada por participao nos nveis mais baixos da administrao, e tenta-se derrubar o

    argumento de que impossvel a democratizao das estruturas de autoridade da indstria, o que defendido pela teoria da democracia contempornea.

    Para pr prova a tese da impossibilidade de se democratizarem as estruturas de

    autoridade industrial nos padres do que existe na Iugoslvia, foi preciso examinar o funcionamento interno do sistema, com o exame de uma evidncia emprica relevante para os

    argumentos da teoria da democracia participativa. Em seu estudo, ela praticamente disseca o modelo de controle no sistema industrial da Iugoslvia comunista, onde existe um sistema de autogesto de seus trabalhadores, o nico exemplo disponvel de se tentar introduzir em larga

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    escala a democracia na indstria, abrangendo empresas de vrios tipos e tamanhos, por toda a economia.

    Pateman destaca a semelhana em muitos aspectos desse modelo de gesto com um

    esquema de sociedade participativa. Conclui, aps discusses e constataes ao longo da narrativa, que em um certo sentido, fica demonstrada a possibilidade de uma estrutura de autoridade democrtica na indstria. Evidentemente, no se pode afirmar que o sistema de autogesto dos trabalhadores na Iugoslvia constitua um bom exemplo de democratizao das estruturas de autoridade ou que as concluses sejam inexorveis.

    Portanto, a preocupao com o problema da participao e seu papel na teoria

    democrtica fica exposto nessa obra em um contexto muito mais amplo, refutando argumentos de que a teoria participativa se baseia em iluses perigosas ou em fundamentos tericos

    ultrapassados e fantasiosos. Pateman conclui assegurando que ainda se pode dispor de uma teoria da democracia moderna, vivel, que observe como ponto central a noo de participao.

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    1.5.2. Os Pressupostos Democrticos segundo Pateman

    Pateman afirma que a democracia participativa inclui muitos aspectos que refletem alguns dos principais temas e reflexes da teoria poltica e da sociologia poltica recentes. Destaca a importncia da funo educativa da educao para sua sustentao, e assegura que se pode dispor de uma teoria da democracia moderna, vivel, que observe como ponto central a noo de participao.

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    1.6. Robert Alan Dahl

    Robert Alan Dahl [Yale, 2013] um profesor de Ciencia Poltica na Universidade de Yale. Americano nascido em 1915 no estado de Iowa, um dos maiores especialistas no estudo terico e emprico da democracia. um destacado cientista poltico, ainda em atividade, e referncia indispensvel da poltica democrtica contempornea.

    Suas principais ideias tiveram como base o conceito de poliarquia, onde afirma que os governos dos Estados Unidos eram controlados por muitas elites diferentes, contrariando as afirmaes de C. Wright Mills, que afirmava haver somente uma elite de poder unitria e

    demogrficamente restrita, isso em 1960.

    Para Dahl, a existncia de muitas e diferentes elites, que precisam cooperar tanto em situaes de conflito quanto de compromisso entre si, constitui a essncia da democracia, ou

    como ele conceituou posteriormente, da poliarqua, que como se passaram a chamar as formas de governo de pases polticamente avanados.

    Mais recentemente, o tom dos textos de Dahl tm assumido um tom mais pesimista. Na sua obra, Quo Democrtica a Constituio Americana? [Dahl, 2001b], ele considera que a constituio americana menos democrtica do que deveria ser, pois os seus autores estavam em uma situao de profunda ignorncia sobre o futuro quando a escreveram. Ele, no entanto, reitera que pouco se pode fazer a esse respeito.

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    1.6.1. O Pensamento de Dahl em Poliarquia: Participao e Oposio

    Em um primeiro estudo sobre a evoluo da democracia em regimes polticos modernos, o livro Poliarquia: Participao e Oposio [Dahl, 1997] define a democratizao em duas dimenses: contestao pblica e inclusividade. Ao processo de progressiva ampliao desses dois elementos o autor d o nome de democratizao. O direito de voto em eleies livres participa das duas dimenses, pois tal direito estimula a contestao pblica e ao mesmo tempo torna o regime inclusivo com a proporo significativa de pessoas votantes. Assim, contestao pblica e inclusividade transformam-se em dois critrios para a classificao dos regimes polticos. Quando regimes hegemnicos de precria contestao e inclusividade caminham em direo a uma poliarquia, fica clara a indicao de que aumentaram as possibilidades de efetiva contestao e incluso.

    Na poliarquia, maior o numero de indivduos, grupos e interesses cujas preferncias devem ser levadas em considerao nas decises polticas, devido maior participao das pessoas. Esta situao acaba por criar novas possibilidades de conflito em decorrncia de os governantes estarem suscetveis de substituio por grupos incorporados ao processo poltico.

    A oposio entra em conflito com os grupos do governo para ver seus interesses atendidos nas polticas de Estado, enquanto os governantes tentam barrar qualquer substituio dos seus objetivos. Quanto maior o conflito entre governo e oposio, mais provvel o esforo de cada parte para negar uma efetiva oportunidade de participao outra nas decises polticas; dessa forma, mais difcil se faz a tolerncia de um grupo com outro. O que ruim em termos de

    amadurecimento do nvel de poliarquia.

    Diante desse quadro Dahl acrescenta dois elementos para compreenso dos conflitos polticos: custos de tolerncia e custos de represso. A probabilidade de um governo tolerar uma oposio aumenta com a diminuio dos custos de tolerncia e com o crescimento dos custos de represso. A segurana mtua desses dois atores polticos governo e oposio aumenta as possibilidades de contestao pblica e poliarquia.

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    Em regimes polticos diferentes, provocam-se conseqncias diferentes. Da a importncia dos efeitos da poliarquia. Dentre os fundamentos desse regime, pode-se falar na prtica das liberdades liberais clssicas: manifestao sem o temor de represlias; voto secreto; formao de organizaes polticas; exerccio de oposio ao governo dentre outras. Outro efeito consiste no desenvolvimento das organizaes partidrias oriundas da competio pelo poder, o que, por sua vez, estimula a participao dos cidados.

    considerada salutar a transformao dos regimes nos modelos de poliarquia. Dahl no acredita em qualquer espcie de lei histrica que impe a sociedade uma transio inevitvel

    poliarquia. Na verdade, a poliarquia deve sua existncia a sete conjuntos de condies expressas nos seguintes termos: seqncias histricas, grau de concentrao na ordem socioeconmica, nvel de desenvolvimento socioeconmico, desigualdade, clivagens subculturais, controle estrangeiro e crenas de ativistas polticos.

    Condies favorveis poliarquia devem ter seqncias histricas nas quais a competio precede a inclusividade, pois assim fica mais fcil de produzir o grau de segurana mtua. A ordem socioeconmica precisa dispor de um quadro disperso, ou at neutralizado, dos recursos violentos e socioeconmicos, tornando mais complicado para o governo eliminar a oposio; ainda nesse ponto, a poliarquia tende a se desenvolver melhor numa economia de agricultura livre e setor comercial-industrial de perfil descentralizado. As poliarquias tm um elo com o nvel socioeconmico, mas no significa que desenvolvimento gera obrigatoriamente regimes de

    poliarquia.

    Para uma implantao exitosa de um regime de poliarquia, a sociedade precisa ter baixo ndice de desigualdade; a situao de desigualdade extrema torna vulnervel a poliarquia porque provoca um descomprometimento dos grupos com o regime. Um pluralismo subcultural baixo deve prevalecer, mas no caso de ser acentuado ou alto possvel garantir a poliarquia em trs condies: nenhuma subcultura deve ficar indefinidamente privada de participao no governo, engajamentos capazes de proporcionar um alto grau de segurana s diversas subculturas e, por fim, um regime que atende s reivindicaes relativas aos principais problemas do pas.

    Os ativistas polticos contribuem com a poliarquia quando compartilham de crenas nos pontos concernentes a acordos, confiana, ideia de regime eficaz na soluo dos problemas e

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    legitimidade das instituies. Por ltimo, a dominao poltica estrangeira precisa ser fraca ou temporria para tornar um regime em uma poliarquia.

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    1.6.2. O Pensamento de Dahl em Sobre a Democracia

    Em Sobre a Democracia [Dahl, 2001a], um livro contundente escrito em 1998 e traduzido para o portugus em 2001, essencial para o estudo da democracia, Dahl comea com uma anlise da perspectiva histrica da democracia, sem deixar, claro, de tecer inmeras crticas s origens histricas desta.

    Atento a fatos antropolgicos e histricos, Dahl parte do princpio de que havendo condies adequadas, a democracia seria sempre inventada e reinventada, considerando-se o

    preceito de lgica da igualdade para que se pudesse impulsionar a participao democrtica, dando origem a um sistema de maior participao na tomada de decises relevantes para grupos

    organizados de seres humanos.

    Dahl, a seguir, avalia os traos de democracia encontrados em civilizaes antigas do Mediterrneo, incluindo a Grcia Atenas, em particular - Roma e a Itlia. Os gregos criaram o

    termo democracia, os romanos tiraram do latim o nome Repblica, e mais tarde (por volta do ano 1.100 d.c) os italianos deram este nome aos governos populares de suas cidades Estado. Entretanto, quer se chamassem democracias ou repblicas, os sistemas de governo popular na Grcia, em Roma e na Itlia no possuam inmeras das caractersticas decisivas do moderno governo representativo.

    Trs instituies polticas bsicas estavam ausentes dos governos grego, romano e

    italiano: um parlamento nacional, governos locais eleitos pelo povo e um sistema combinando a democracia em nveis locais com um parlamento eleito pelo povo.

    Assim, continuando sua anlise histrica, ele segue para a Europa do Norte, onde essas

    instituies, em diferentes nveis, originaram-se na Inglaterra, na Escandinvia, nos Pases Baixos e na Suia. Sua principal caracterstica: homens livres e nobres comeariam a participar

    diretamente das assembleias locais. A essas, foram acrescentadas assembleias regionais e nacionais, consistindo de representantes a serem eleitos.

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    Foi na Sucia, dada a tradio de participao popular nas assembleias do perodo Viking, que se criou uma espcie de precursor do parlamento representativo moderno (riksdag). Entretanto, um modelo em particular de parlamento representativo seria a maior influncia sobre a ideia e a prtica de um governo representativo: o Parlamento da Inglaterra medieval (durante o reinado de Eduardo I, de 1272 a 1307).

    Sobre esse tema, conclui que, as ideias e as prticas europeias proporcionaram uma base para o surgimento da democracia, porm, ficou faltando o seguinte: eliminar as imensas desigualdades entre todas as pessoas, mesmo entre homens livres, com uma imensa desigualdade

    em termos de status, fortuna, trabalho, liberdade e poder; mesmo onde existiam tais elementos, as assembleias parlamentares estavam muito longe de corresponder a padres mnimos de democracia; os representantes do povo no representavam, na realidade, todo o povo; faltava convico e compreenso sobre as ideias democrticas.

    Dahl se pergunta, depois da anlise histrica, sobre o que h pela frente, e conclui que em todos os pases democrticos, h uma grande lacuna entre a democracia real e democracia ideal, o que oferece uma dificuldade: quais maneiras poderiam ser encontradas para tornar os pases ditos democrticos, em mais democrticos. Pois at mesmo os pases democrticos no so totalmente democrticos. Assim, as respostas para essa questo so incertas, porm, servem de ponto de partida para procurar novas solues.

    Dahl trata adiante da democracia ideal, definindo formalmente o que democracia e o seu

    por qu. Para Dahl a democracia proporciona oportunidades para: participao efetiva; igualdade de voto; aquisio de entendimento esclarecido; exerccio do controle definitivo do planejamento; incluso de adultos, em total consonncia com os critrios apresentados previamente.

    Da, surgem outras questes fundamentais. A primeira: podem-se aplicar esses critrios ao governo de um estado? E a resposta : claro que sim.. A segunda questo: seria realista pensar que uma associao poderia satisfazer plenamente a esses critrios? E a resposta : no, no provvel. A terceira questo: considerando que nos sirvam de orientao, bastariam esses critrios para o planejamento de i