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REFLEXIONANDO SOBRE PRÁTICAS E POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO

DE JOVENS E ADULTOS A PARTIR DAS NARRATIVAS DE UM

SUJEITO

William Rodrigues Barbosa

 Mestrando no Programa de Pós Graduação em Educação, da Universidade do Estado do Rio de

 [email protected]

RESUMO:

O texto ora apresentado faz parte dos preâmbulos de uma pesquisa de mestrado que envolve umsujeito idoso que se constituiu a margem do processo formal de escolarização. Por meio do relato oralde vida do colaborador, construído em situação de entrevista, busco conhecer o processo de formaçãodesse sujeito octogenário, que tem revelado parte dessas interdições sofridas, dentro de um Estadorepublicano. Apresento reflexões sobre a temática da Educação de Jovens e Adultos (EJA), comoconquista de direito social, que orientaram, a princípio, o trabalho de pesquisa. O texto discute, a partirdas referências bibliográficas apontadas, a importância da oferta dessa modalidade de ensino e do papel de políticas públicas no fortalecimento de ações que venham promover a reversão de quadrosmarcados pelo não-direito  herdados de governos passados. Discute ainda o conceito de educaçãocontinuada como uma extensão da modalidade da EJA e, também, à importância da ação permanente

dos profissionais da educação na conquista de políticas justas e sólidas e na construção de práticaseducacionais que garantam a qualidade de ensino ao público jovem e adulto, conforme preceitua otexto constitucional.

PALAVRAS CHAVE: Educação de Jovens e Adultos, Educação Continuada, direito à educação, políticas públicas, práticas educacionais emancipatórias.

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INTRODUÇÃO

Esse artigo é um recorte de em uma pesquisa que busca conhecer o processo de

formação de um sujeito adulto, na voz e experiência de quem constituiu saberes longe dos

 bancos escolares. Revisita episódios da história da educação, reflexionando sobre interdições

e conquista do direito à educação e identificando marcas da escolarização. Visa ainda

compreender as dificuldades enfrentadas por alguém privado do direito à educação escolar,

alfabetizado em espaços não formais. Seus processos de aprendizagem contribuem para

refletir sobre a elaboração de currículos flexíveis e práticas pedagógicas dialógicas maisidentificadas a outros tantos processos de aprendizagem do público da Educação de Jovens e

Adultos (EJA).

O trabalho baseia-se nas narrativas de vida do Sr. José Luiz, sujeito nascido na cidade

de Araruna (PB), em 1929, que migra para o Rio de Janeiro, em 1953, a procura de melhores

condições de vida para si e sua família, composta na época por mãe e irmãos abandonados

 pelo progenitor desde seus doze anos de idade.

 Nos discursos de José Luiz, é possível encontrar certa erudição que não condiz com a

falta de escolarização da qual foi vítima desde a infância, embora tenha frequentado, aos dez

anos de idade, uma classe promovida por instrutores particulares sem formação acadêmica,

durante alguns meses, onde adquiriu a habilidade da leitura e rudimentos da escrita e da

matemática. Os folhetos de cordel foram os textos escritos que dispôs, durante sua juventude,

 para manter e desenvolver a leitura. Sua formação educacional formal só veio a acontecer aos

39 anos de idade quando frequentou um curso supletivo, tirando a certificação de ensino emcumprimento da lei federal1.

 Na empresa em que trabalhara, teve contato com literaturas que colaboraram com o

desenvolvimento de sua formação  autodidata. Embora, sistemático leitor da Bíblia, o

1  LDB 4.024/61 –  “Art. 27. O ensino primário é obrigatório a partir dos sete anos e só será ministrado na línguanacional. Para os que o iniciarem depois dessa idade poderão ser formadas classes especiais ou cursos supletivoscorrespondentes ao seu nível de desenvolvimento.  Art. 31. As empresas industriais, comerciais e agrícolas, em

que trabalhem mais de 100 pessoas , são obrigadas a manter ensino primário gratuito para os seus servidores e osfilhos dess es. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4024.htm  . Acesso em 2 set. 2014.

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colaborador lê o que lhe vem às mãos, e algumas de suas primeiras leituras não se apagam da

memória, como as obras de Heródoto e O Papa e o Concílio, de Rui Barbosa.

 No tratamento do tema, além dos relatos orais de vida (LANG, 1996) e de suas

escritas ordinárias (FABRE, 1993), outras fontes produzidas pelo colaborador foram

estudadas: cadernos, agenda, folhas avulsas, livros lidos e marginálias2  (ESTIBEIRA, 2008).

Ressalto que esses materiais não constituíram uso comum em sala de aula, quando esteve na

escola, mas comum para ele em práticas de escrita e leituras pessoais.

A análise dos suportes de escrita do colaborador revelou que a prática da escrita

apenas em folhas avulsas, durante o processo de alfabetização, e o fato de ter a formação

interrompida prematuramente, podem ter contribuído para os embaraços no uso desses

suportes ao longo da vida. Apesar dessas dificuldades, o estudo desses escritos sinalizou um

leitor atento, que busca entender o que lê e ousa fazer interações com o autor, ultrapassando

os limites da alfabetização apresentados em resultados de pesquisas sobre qualidade da

educação, realizadas com sujeitos escolarizados. As experiências do colaborador confirmaram

a ideia de que o letramento constitui-se por meio de interações sócio-históricas, o que envolve

 práticas sociais, sobretudo nas sociedades contemporâneas, dando-se em espaços que

extrapolam o escolar, embora seja impossível desprezar a escolarização como forma de

democratizar o processo de aquisição da leitura e da escrita.

O texto pretende discutir a temática da Educação de Jovens e Adultos (EJA) como

 prática de educação  inclusiva3  e as diferentes concepções de educação continuada,

entendendo-a como extensão da modalidade de EJA, por isso mesmo sem data e limite detérmino em instituição de ensino. Compreendo que a EJA faz parte de demanda no contexto

histórico da sociedade, e não se trata, portanto, de política apenas de caráter compensatório

2 Marginálias são “os comentários ou notas escritas nas margens ou noutros espaços em branco junto do texto de

uma página impressa, nas folhas em branco ou nas folhas de guarda de um livro.” (ESTIBEIRA, 2008, p. 8).

3 Educação inclusiva para mim é tomada como uma proposta que abrange a todos os grupos vitimados pelasdesigualdades sociais e qualquer tipo de d iscriminação. Uma educação democrática, na contramão dos processosde exclusão ou de integração social injusta e diferenciada; que considera a diversidade dos sujeitos que

constituem a sociedade, respeitando suas especificidades e singularidades, sem que isso represente focalizar políticas, abandonando a perspectiva da universalização. 

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e/ou corretivo. Entre constatações apontadas, destaca-se a necessidade de transformações

mais profundas nas políticas públicas e nas práticas cotidianas dos profissionais da educação,

a fim de construir-se uma educação democrática e voltada para os valores humanos, na

tentativa de dar conta de complexidades da contemporaneidade e de subjetividades do público

da EJA. Caso contrário, políticas e práticas no chão da escola, mesmo atravessadas pelo

discurso da educação inclusiva, continuarão promovendo mais exclusões e/ou inclusões

 precárias (MARTINS, 1997, p. 26).

DESAFIOS DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

4

 

Práticas de governo como as adotadas no governo FHC, influenciadas pelo

 pensamento neoliberal, assumiam a concepção de que a eliminação  do analfabetismo se

limitava apenas em proporcionar educação de qualidade às crianças. Jovens e adultos não

alfabetizados permaneciam, assim, sem condições de operar na sociedade tecnológica, da

informação e grafocêntrica, deserdados da possibilidade de ingresso mais qualificado no

mercado de trabalho formal e, portanto, sem meios dignos para a conquista de recursos

 básicos de sobrevivência. Muitos desses acabaram constituindo os potencialmente excluídos,

na condição de sobrantes e indesejados5.

Atuando como coordenador no turno da noite em uma rede municipal, ouço

 professores dizerem que “a EJA está acabando”, firmam-se no fato de verem turmas de anos

iniciais com um número reduzido ou, em alguns casos, a não formação de turmas para alguns

níveis de escolaridade. O discurso pode ainda ser balizado em estatísticas mais atuais, que

apresentam altos índices de pessoas na chamada “idade certa6”, matriculadas em instituições

de ensino.  Seria, até certo ponto, bom se a população jovem e adulta não exigisse mais esses

níveis de escolaridade por ter concluído pelo menos a educação básica, como prenunciam

4 Entendo a concepção de adulto como adotada no Parecer n. 11/2000, que inclui idosos, baseando-se nos Art.203, I e 229 da CF 1988.5 Segundo Pereira (apud  PATTO, 2008, p. 28-29), “o sistema econômico capitalista ‘periférico’ tende a expelir,

a expulsar, a extinguir (pela fome inclusive), a parte excedente desse contingente, porque de la prescinde para oseu funcionamento, em determinado estágio de seu desenvolvimento”. O autor se reporta neste caso, aoexcedente do excedente, isto é, o excedente sobrante do exército de reserva necessário à manutenção do s istemacapitalista. Em outras palavras, são aqueles que não estão nem mesmo no banco de espera de uma vaga de

emprego.6 Termo usado no próprio texto da Constituição Federal de 1988 e na LDBEN de 1996.

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alguns “inocentemente” ou por   ignorarem os dados ainda alarmantes no Brasil e no mundo,

sobretudo nos chamados países do Sul subdesenvolvido, demonstrando a urgência de oferta

de escolarização e com qualidade. Segundo informações apresentadas na reportagem

 publicada na Folha de São Paulo, em 19.02.2014, a UNESCO declara que o Brasil é o oitavo

 país do mundo com mais jovens e adultos analfabetos. De acordo com a Pesquisa Nacional

 por Amostra de Domicílios (PNAD, 2012), o Brasil tem 13,2 milhões de analfabetos com 15

anos ou mais. No mundo há 774 milhões de adultos analfabetos, conforme alardeia a

UNESCO em convocação aos governos, para que construam medidas públicas de mudanças

nesse quadro.

Como os dados numéricos demonstram, a possibilidade de término da oferta de

escolarização ao público jovem e adulto, em nível de educação básica e mesmo para a

formação inicial alfabetizadora, está longe de ser alcançada, mesmo quando se parecia estar

mais próximo de ações que pudessem reverter um quadro histórico de exclusão de parte

expressiva da população do direito à educação formal. Acordos internacionais firmados pelo

Brasil, como a Declaração Mundial sobre Educação para Todos (1990) e a Declaração de

Salamanca (1994) não foram suficientes para mudanças: nem no país, nem na maioria dos

Estados-membros da Unesco.

A esperança talvez tenha sido reaquecida com a VI Conferência Internacional de

Educação de Jovens e Adultos (VI CONFINTEA), que o Brasil foi sede, em 2009, quando o

documento produzido - o Marco de Ação de Belém - ratificou as metas estabelecidas, em

1997, na anterior, em Hamburgo. Também os programas e campanhas, como o Brasil

Alfabetizado, ainda em vigência, embora não represente, este último, o desejo dos pesquisadores e militantes da EJA, vieram demonstrar a prioridade que o país voltava a

creditar à EJA. 

Todas essas ações alimentam, em princípio, o sonho de que se estaria caminhando

 para a correção da grande dívida histórico-social, com o direito de todos à educação.

Tomando, entretanto, a concepção de Educação de Jovens e Adultos como educação

continuada, no marco da aprendizagem por toda a vida, torna-se patente a urgência de que a

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EJA se fortaleça a cada dia como política de governo e com práticas educativas condizentes a

esse marco; que mais investimentos sejam destinados para dar conta dos objetivos, sobretudo,

de formação e fortalecimento da cidadania, tratando sujeitos jovens e adultos como cidadãos

de direitos reais e não apenas como cidadãos de papel .

A criação no governo Lula do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação

Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) 7, fruto de uma expressiva

mobilização da sociedade para a construção de um Fundo que ampliasse o anterior - o Fundef

- quanto ao atendimento de toda a educação básica, de modo gradual aumentou em 20% osrecursos a ele destinados, no terceiro ano de implantação; ampliou também o quantitativo de

impostos; expandiu o atendimento, incluindo a educação infantil, a educação de jovens e

adultos, o ensino médio e seus profissionais; ou seja, toda a educação básica. A

implementação do Fundeb ampliou as expectativas de crescimento de oferta e de qualidade na

modalidade da EJA, que não podem ser desprezadas.

Ainda com problemas em relação ao fator de ponderação na EJA - de 0,8%, ou seja,

vinte por cento inferior à referência padrão -, o Fundeb, para o qual também tem estabelecido

um teto de gastos de 15% de comprometimento de recursos do Fundo, em cada estado, não

tem respondido às possibilidades reais de atendimento, mesmo dentro dos limites previstos,

 por questões que extrapolam a existência do Fundo: são, em verdade, opções políticas de

estados e municípios.

A mudança de governo, assumindo a partir de 2011 a regência do país, acalentou

novas expectativas quanto à melhoria na qualidade de ensino na EJA. O então diretor doDepartamento de Educação de Jovens e Adultos da SECADI/MEC no período 2004-2007,

Timothy Ireland (2012, s. p.), declarara que, “apesar de uma conjuntura favorável em que as

condições legais e financeiras básicas foram conquistadas para o desenvolvimento da

educação, os índices educacionais (analfabetismo, matrícula em EJA, e outros) e sociais não

responderam da forma esperada aos esforços empreendidos”, demonstrando a necessid ade de

repensar as estratégias para jovens e adultos fora da escola.

7

  Emenda Constitucional n. 53 de 2006 (BRASIL, 2006), convertida em Lei Federal n. 11.494, de 2007(BRASIL, 2007).

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 No discurso de posse da Presidente Dilma Rousseff em seu primeiro mandato - o que

não mudou no segundo mandato  –   não houve comprometimento governamental com a

modalidade de educação de jovens e adultos, passando a priorizar a formação profissional

voltada, sobretudo, à população jovem oriunda de camadas mais desfavorecidas:

[...] reafirmo que a luta mais obstinada do meu governo será o combate à miséria.Isso significa fortalecer a economia, ampliar o emprego e aperfeiçoar as políticassociais. [...] em especial, melhorar a qualidade do ensino, pois ninguém sai da

 pobreza se não tiver acesso a uma educação gratuita, contínua e de qualidade. Nenhum país, igualmente, poderá se desenvolver sem educar bem os seus jovens ecapacitá-los plenamente para o emprego e para as novas necessidades criadas pela

sociedade do conhecimento. (DILMA ROUSSEFF, 10 fev. 2011)8 

Em minha pesquisa tratei com um sujeito colaborador que teve acesso a um

“certificado” de ensino primário aos 40 anos de idade, após ter frequentado uma classe

multisseriada para adultos, oferecida no Governo Costa e Silva, de duração de cerca de seis

meses. Analisando a história de vida desse sujeito, percebo que a ausência de formação na

chamada época própria  –   infância e adolescência  –   ocorreu entre as décadas de 1930-1940,

durante o Estado Novo de Getúlio Vargas.

Esse contexto histórico leva-nos ao compromisso de pensar as políticas públicas de

governos atuais, questionando o quanto elas caminham para a realização de projetos de direito

à educação, ou se são políticas promotoras/mantenedoras de dívidas sociais e educacionais

que permanecerão se arrastando para outros governos e gerações futuras, como ocorreu até

então. Para Carmo (2010, p. 251), em estudo sobre o fenômeno da evasão na EJA, entre as

diversas causas estão entraves criados pela própria escola que apresenta currículos desconexos

com a realidade do público jovem e adulto: “[...] o que os amedronta é a distância que os

conteúdos ministrados têm de sua realidade, fazendo alguns bater na cabeça e dizer: ‘não

entra, tenho a cabeça fraca’”. Práticas pedagógicas equivocadas e práticas de currículos

distanciados da realidade do público jovem e adulto também afetam a permanência e o

sucesso escolar desses sujeitos.

A EJA NA PERSPECTIVA DO APRENDER POR TODA VIDA

8

  Disponível em: http://www2.planalto.gov.br/imprensa/discursos /pronunciamento-a-nacao-da-presidenta-da-republica-dilma-rousseff-em-cadeia-nacional-de-radio-e-tv. Acess o em 15 abr. 2015.

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Pensar em EJA como política pública sólida, remete-nos a discutir a modalidade

também na perspectiva de educação continuada. A concepção de educação continuada, sob a

influência da UNESCO, voltava-se, principalmente, à ideia de formação e aprimoramento

 profissional visando à adaptação das pessoas às mudanças na sociedade. Alarmada por

estatísticas negativas quanto à educação, após a Segunda Guerra Mundial, período marcado

 por uma ordem mundial polarizada, com o planeta dividido em países desenvolvidos (de

capitalismo forte e indicadores socioeconômicos mais favoráveis aos cidadãos) e, no oposto,

 países subdesenvolvidos, dominados por esse mesmo conjunto, onde o capital explorava a

mão de obra barata dos demais e os recursos naturais. Nesse quadro, a UNESCO pôs ênfasena educação de adultos focada na alfabetização, por meio de campanhas nacionais voltadas

 para esta formação inicial.

Mais tarde, a UNESCO adota a concepção de educação permanente, com grande

influência a partir da década de 1970, estimulando maior adaptação dos cidadãos às

transformações ocorridas no mundo, sobretudo, no mundo do trabalho por imposições da

lógica de mercado. As práticas educativas voltam-se a processos de transformação de

conhecimentos e técnicas para melhor adaptação às novas realidades sociais. A concepção de

educação continuada por toda a vida9  aparece na V CONFINTEA, e procurou-se ampliá-lo

na VI CONFINTEA, usando-se a expressão aprendizagem ao longo da vida,  do berço ao

túmulo10. Analisando os termos, Di Pierro (2008, p. 296) entende que educação e

aprendizagem ao longo da vida compreendem as “aprendizagens realizadas de forma

sistemática ou incidental nas mais diversas práticas sociais familiares, comunitárias,

religiosas, políticas, de trabalho, de informação, comunicação, lazer ou fruição cultural”, e

não apenas à escolarização.

A educação continuada, em tempos atuais, exige apreender uma concepção que

9 “Os representantes de governos e organizações participantes da V Conferência Internacional sobre a Educação

de Adultos decidiram, unanimemente, explorar o potencial e o futuro da educação de adultos, dinamicamenteconcebida dentro do contexto da educação continuada por toda a vida” (Declaração de Hamburgo , jul. 1997).10  “7. [...] Aprendizagem ao longo da vida, ‘do berço ao túmulo’, é uma filosofia, um marco conceitual e um

 princípio organizador de todas as formas de educação, baseada em valores inclusivos , emancipatórios,humanistas e democráticos, sendo abrangente e parte integrante da visão de uma sociedade do con hecimento.

[...] 8. Reconhecemos que aprendizagem e educação de adultos representam um componente significativo do proces so de aprendizagem ao longo da vida, envolvendo um continuum [...]” (UNESCO, 2010, p. 6). 

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abarque a formação cidadã para a participação democrática e a formação humana, sendo

“aquela que se desenvolve ao longo da vida, continuamente, é inerente ao desenvolvimento da

 pessoa humana e relaciona-se com a ideia de construção do ser”. (HADDAD, 2007, p. 27).

Abrangendo a aquisição de conhecimentos, aptidões, atitudes e valores, envolve todos os

universos de experiência humana e, portanto, integra os sistemas escolares e os programas de

educação não formais. Incorpora, também, os processos construídos pelas tessituras de

conhecimento em rede  (OLIVEIRA, 2009, p. 98), que se formam a partir dos cotidianos, em

 processos de educação informal fundamental à construção de novas aprendizagens.

As condições impostas pelo mundo pós-moderno expõem limitações do sistema

escolar formal, ao pretender dar conta de todas as necessidades de informação e formação do

cidadão em um mundo tecnológico e globalizado, na chamada  sociedade da informação.

Essas necessidades, para além da escola, exigem a construção de uma sociedade educativa em

que a educação continuada  é parte integrante do todo social, abrangendo processos não

formais, informais e formais de educação.

Educação de Jovens e Adultos. Assim, a EJA envolve tanto a formação básica (pela

escolarização), ainda urgente em realidades sociais próximas à brasileira, quanto a formação

continuada, invertendo a concepção de Haddad (2007) que considera a EJA como

desdobramento da proposta de educação continuada.

Em meio a um modelo político-econômico induzido por agentes internacionais e a ele

aderindo os governos locais, modelo esse produtor em potencial de exclusão  e inclusão

 precária, faz-se necessário um movimento educacional que leve a sério a construção de um projeto democrático de país, em que a educação seja um dos pilares. Reconhece-se que a

escola tem ainda um grande papel social a cumprir, sobretudo na EJA, em que a

responsabilidade na construção de sociedades mais solidárias, sustentáveis e inclusivas, passa,

efetivamente pela redução das desigualdades educacionais. O documento produzido na V

CONFINTEA (UNESCO, 1997) afirma:

A educação de adultos, dentro desse contexto, torna-se mais que um direito: é a

chave para o século XXI; é tanto consequência do exercício da cidadania comocondição para uma plena participação da sociedade. Além do mais, é um poderoso

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argumento em favor do desenvolvimento ecológico sustentável, da democracia, da

 justiça, da igualdade entre os sexos , do desenvolvimento socioeconômico ecientífico, além de ser um requisito fundamental para a construção de um mundoonde a violência cede lugar ao diálogo e à cultura de paz baseada na justiça.

Haddad (2007, p. 33), ao discutir o papel da educação como fomentadora de potenciais

naturais do ser humano  –  capacidade de aprender e ensinar e a condição de agente  – , diz que a

educação, seja formal ou não formal, pode ser financiadora de agentes sociais imbuídos do

 papel de transformadores de realidades, principalmente, as mais próximas aos sujeitos.

Pensar em educação democrática remete-nos a (re)pensar as práticas pedagógicas e oscurrículos escolares, na vertente de escolarização. Não há um caminho único e obrigatório

 para todos os sujeitos em processos de aprendizagem. Os sentidos ou significados são

construídos em conexão com interesses, crenças, valores e saberes dos sujeitos envolvidos no

 processo. Assim, a ideia de tessitura do conhecimento em rede, como proposta de construção

curricular, dá legitimidade ao “conjunto de redes de saberes, poderes e fazeres presentes no

cotidiano dos sujeitos, mas normalmente expulsos do ambiente escolar” (OLIVEIRA, 2008,

 p. 238).

 Não faltam reflexões e apontamentos de direção para a possibilidade de uma nova

 proposta educacional para o país, capaz de passar a limpo esse setor fundamental na

constituição do ser e da nação. O que parece faltar, ainda, é vontade política, não só dos

 poderes executivos para viabilizar projetos emancipatórios, como também equilíbrio entre

discursos e ações práticas acontecendo na outra ponta do sistema  –   o chão da escola  –  

 pautados em ideais de justiça e democracia. Portanto, não basta analisar e desvendar as

chamadas instâncias globais e superiores de poder, sem que se considerem os micropoderes

exercidos no interior da instituição escolar, captando “o poder em suas extremidades, em suas

últimas ramificações, lá onde ele se torna capilar” (FOUCAULT apud  PARO, 2010, p. 73).

Pensar a inclusão (e exclusão11, uma vez que as fronteiras entre as condições de

11 O José de S. Martins (apud  PATTO, 2008, p. 32) ao tratar da marginalidade social, a partir da década de 1990

- numa fase em que o uso crescente da tecnologia dispensa em larga escala o trabalho humano -, conclui quesociologicamente a exclusão não existe. Ela é um traço congênito do capitalismo, mas a sociedade capitalista

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Excluídos e incluídos estão cada vez mais borradas e de difícil discernimento na

contemporaneidade) como imperativo do Estado, segundo a ordem discursiva do presente,

demanda inventar contracondutas, isto é, “lutar por outras formas de se ser conduzido não

necessariamente à inclusão, mas para a universalização e o gozo dos direitos”, conforme

Lopes e Fabris (2013, p. 14-15) - apropriando-se do termo de Foucault - propõem.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Ao aproximar do sujeito de minha pesquisa, passando a conhecer parte do processo de

sua formação como sujeito e como leitor e escritor de seu próprio texto, apesar da pouca

experiência escolar, pude perceber uma rede de formação complexa com fios que passaram

 por múltiplos lugares e tempos. As experiências adquiridas, a partir deste trabalho, têm

mostrando-me o quanto a formação do indivíduo é complexa e se complexifica mais no

contexto da sociedade tecnológica e globalizada. Apesar da autodidaxia do sujeito revelada

em muitos aspectos, pude concluir que a escola, como agência educadora, pode contribuir

com fios importantes para a tessitura dessa trama.

Para a realização do sonho de uma EJA ainda atrelada à necessidade de oferecimento

de cursos alfabetizadores e de concretização da qualidade, e mais comprometida com a

educação continuada, promotora e valorizadora de múltiplos saberes, aptidões e valores

humanos, envolvendo todos os universos da experiência humana, é preciso transformações

sociais, políticas, econômicas e culturais mais profundas na sociedade. Fundamental também

que as bases materiais e imateriais da sociedade sejam transformadas, que concepções,

 princípios éticos e valores humanos sejam revistos e redirecionados, até que os cidadãos

sejam considerados como o maior bem da nação e não os bens materiais acumulados à custa

da expropriação do outro e da degradação da natureza.

 Nesse sentido, vencer essa primeira etapa - o ensino fundamental, incluindo a

alfabetização - ainda se constitui como dívida pública, para se avançar a outras conquistas e

exclui para incluir de um outro modo, s egundo s uas próprias regras, segundo sua própria lógica. Patto (2008, p.33) ao analisar as contribuições de Martins declara que : “O que Martins traz com contribuição maior é a

advertência de que o discurso da exclusão vale-se de um rótulo que parece explicar, mas que de fato acoberta etraz duas consequências nefastas : práticas pobres de inclusão e fatalismo”. 

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desenvolver uma Educação de Jovens e Adultos engajada com o princípio de aprendizagens

ao longo da vida.

Olhar para sujeitos, como José Luiz, que se formaram como leitores e escritores apesar

de não terem sido alcançados por políticas educacionais capazes de lhe assegurarem o direito

a uma formação mais completa no sentido acadêmico - mesmo que isso fortaleça o sentido de

serem sujeitos de si, confere-lhes em parte certa dignidade, mas não basta. Se foram capazes

de construir a habilidade de aprender na vida, no mundo e, por meio dessa habilidade,

ousaram caminhar por conta própria a aventura de conhecer os saberes de uma culturahistoricamente produzida, isso não exime o Estado e a sociedade da responsabilidade a eles

devida como cidadãos.

Portanto, penso que enquanto as desigualdades e o que as produzem se mantiverem de

forma hegemônica na sociedade, a EJA em seu caráter reparador, equalizador e qualificador-

emancipatório será de grande utilidade para realidades como a brasileira, onde as

desigualdades permanecem alarmantes, apesar de conquistas sociais constatadas nas últimas

décadas.

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