trabalho_ev047_md1_sa7_id805_23042015162134.pdf
TRANSCRIPT
7/26/2019 TRABALHO_EV047_MD1_SA7_ID805_23042015162134.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/trabalhoev047md1sa7id80523042015162134pdf 1/13
REFLEXIONANDO SOBRE PRÁTICAS E POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO
DE JOVENS E ADULTOS A PARTIR DAS NARRATIVAS DE UM
SUJEITO
William Rodrigues Barbosa
Mestrando no Programa de Pós Graduação em Educação, da Universidade do Estado do Rio de
RESUMO:
O texto ora apresentado faz parte dos preâmbulos de uma pesquisa de mestrado que envolve umsujeito idoso que se constituiu a margem do processo formal de escolarização. Por meio do relato oralde vida do colaborador, construído em situação de entrevista, busco conhecer o processo de formaçãodesse sujeito octogenário, que tem revelado parte dessas interdições sofridas, dentro de um Estadorepublicano. Apresento reflexões sobre a temática da Educação de Jovens e Adultos (EJA), comoconquista de direito social, que orientaram, a princípio, o trabalho de pesquisa. O texto discute, a partirdas referências bibliográficas apontadas, a importância da oferta dessa modalidade de ensino e do papel de políticas públicas no fortalecimento de ações que venham promover a reversão de quadrosmarcados pelo não-direito herdados de governos passados. Discute ainda o conceito de educaçãocontinuada como uma extensão da modalidade da EJA e, também, à importância da ação permanente
dos profissionais da educação na conquista de políticas justas e sólidas e na construção de práticaseducacionais que garantam a qualidade de ensino ao público jovem e adulto, conforme preceitua otexto constitucional.
PALAVRAS CHAVE: Educação de Jovens e Adultos, Educação Continuada, direito à educação, políticas públicas, práticas educacionais emancipatórias.
7/26/2019 TRABALHO_EV047_MD1_SA7_ID805_23042015162134.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/trabalhoev047md1sa7id80523042015162134pdf 2/13
INTRODUÇÃO
Esse artigo é um recorte de em uma pesquisa que busca conhecer o processo de
formação de um sujeito adulto, na voz e experiência de quem constituiu saberes longe dos
bancos escolares. Revisita episódios da história da educação, reflexionando sobre interdições
e conquista do direito à educação e identificando marcas da escolarização. Visa ainda
compreender as dificuldades enfrentadas por alguém privado do direito à educação escolar,
alfabetizado em espaços não formais. Seus processos de aprendizagem contribuem para
refletir sobre a elaboração de currículos flexíveis e práticas pedagógicas dialógicas maisidentificadas a outros tantos processos de aprendizagem do público da Educação de Jovens e
Adultos (EJA).
O trabalho baseia-se nas narrativas de vida do Sr. José Luiz, sujeito nascido na cidade
de Araruna (PB), em 1929, que migra para o Rio de Janeiro, em 1953, a procura de melhores
condições de vida para si e sua família, composta na época por mãe e irmãos abandonados
pelo progenitor desde seus doze anos de idade.
Nos discursos de José Luiz, é possível encontrar certa erudição que não condiz com a
falta de escolarização da qual foi vítima desde a infância, embora tenha frequentado, aos dez
anos de idade, uma classe promovida por instrutores particulares sem formação acadêmica,
durante alguns meses, onde adquiriu a habilidade da leitura e rudimentos da escrita e da
matemática. Os folhetos de cordel foram os textos escritos que dispôs, durante sua juventude,
para manter e desenvolver a leitura. Sua formação educacional formal só veio a acontecer aos
39 anos de idade quando frequentou um curso supletivo, tirando a certificação de ensino emcumprimento da lei federal1.
Na empresa em que trabalhara, teve contato com literaturas que colaboraram com o
desenvolvimento de sua formação autodidata. Embora, sistemático leitor da Bíblia, o
1 LDB 4.024/61 – “Art. 27. O ensino primário é obrigatório a partir dos sete anos e só será ministrado na línguanacional. Para os que o iniciarem depois dessa idade poderão ser formadas classes especiais ou cursos supletivoscorrespondentes ao seu nível de desenvolvimento. Art. 31. As empresas industriais, comerciais e agrícolas, em
que trabalhem mais de 100 pessoas , são obrigadas a manter ensino primário gratuito para os seus servidores e osfilhos dess es. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4024.htm . Acesso em 2 set. 2014.
7/26/2019 TRABALHO_EV047_MD1_SA7_ID805_23042015162134.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/trabalhoev047md1sa7id80523042015162134pdf 3/13
colaborador lê o que lhe vem às mãos, e algumas de suas primeiras leituras não se apagam da
memória, como as obras de Heródoto e O Papa e o Concílio, de Rui Barbosa.
No tratamento do tema, além dos relatos orais de vida (LANG, 1996) e de suas
escritas ordinárias (FABRE, 1993), outras fontes produzidas pelo colaborador foram
estudadas: cadernos, agenda, folhas avulsas, livros lidos e marginálias2 (ESTIBEIRA, 2008).
Ressalto que esses materiais não constituíram uso comum em sala de aula, quando esteve na
escola, mas comum para ele em práticas de escrita e leituras pessoais.
A análise dos suportes de escrita do colaborador revelou que a prática da escrita
apenas em folhas avulsas, durante o processo de alfabetização, e o fato de ter a formação
interrompida prematuramente, podem ter contribuído para os embaraços no uso desses
suportes ao longo da vida. Apesar dessas dificuldades, o estudo desses escritos sinalizou um
leitor atento, que busca entender o que lê e ousa fazer interações com o autor, ultrapassando
os limites da alfabetização apresentados em resultados de pesquisas sobre qualidade da
educação, realizadas com sujeitos escolarizados. As experiências do colaborador confirmaram
a ideia de que o letramento constitui-se por meio de interações sócio-históricas, o que envolve
práticas sociais, sobretudo nas sociedades contemporâneas, dando-se em espaços que
extrapolam o escolar, embora seja impossível desprezar a escolarização como forma de
democratizar o processo de aquisição da leitura e da escrita.
O texto pretende discutir a temática da Educação de Jovens e Adultos (EJA) como
prática de educação inclusiva3 e as diferentes concepções de educação continuada,
entendendo-a como extensão da modalidade de EJA, por isso mesmo sem data e limite detérmino em instituição de ensino. Compreendo que a EJA faz parte de demanda no contexto
histórico da sociedade, e não se trata, portanto, de política apenas de caráter compensatório
2 Marginálias são “os comentários ou notas escritas nas margens ou noutros espaços em branco junto do texto de
uma página impressa, nas folhas em branco ou nas folhas de guarda de um livro.” (ESTIBEIRA, 2008, p. 8).
3 Educação inclusiva para mim é tomada como uma proposta que abrange a todos os grupos vitimados pelasdesigualdades sociais e qualquer tipo de d iscriminação. Uma educação democrática, na contramão dos processosde exclusão ou de integração social injusta e diferenciada; que considera a diversidade dos sujeitos que
constituem a sociedade, respeitando suas especificidades e singularidades, sem que isso represente focalizar políticas, abandonando a perspectiva da universalização.
7/26/2019 TRABALHO_EV047_MD1_SA7_ID805_23042015162134.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/trabalhoev047md1sa7id80523042015162134pdf 4/13
e/ou corretivo. Entre constatações apontadas, destaca-se a necessidade de transformações
mais profundas nas políticas públicas e nas práticas cotidianas dos profissionais da educação,
a fim de construir-se uma educação democrática e voltada para os valores humanos, na
tentativa de dar conta de complexidades da contemporaneidade e de subjetividades do público
da EJA. Caso contrário, políticas e práticas no chão da escola, mesmo atravessadas pelo
discurso da educação inclusiva, continuarão promovendo mais exclusões e/ou inclusões
precárias (MARTINS, 1997, p. 26).
DESAFIOS DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS
4
Práticas de governo como as adotadas no governo FHC, influenciadas pelo
pensamento neoliberal, assumiam a concepção de que a eliminação do analfabetismo se
limitava apenas em proporcionar educação de qualidade às crianças. Jovens e adultos não
alfabetizados permaneciam, assim, sem condições de operar na sociedade tecnológica, da
informação e grafocêntrica, deserdados da possibilidade de ingresso mais qualificado no
mercado de trabalho formal e, portanto, sem meios dignos para a conquista de recursos
básicos de sobrevivência. Muitos desses acabaram constituindo os potencialmente excluídos,
na condição de sobrantes e indesejados5.
Atuando como coordenador no turno da noite em uma rede municipal, ouço
professores dizerem que “a EJA está acabando”, firmam-se no fato de verem turmas de anos
iniciais com um número reduzido ou, em alguns casos, a não formação de turmas para alguns
níveis de escolaridade. O discurso pode ainda ser balizado em estatísticas mais atuais, que
apresentam altos índices de pessoas na chamada “idade certa6”, matriculadas em instituições
de ensino. Seria, até certo ponto, bom se a população jovem e adulta não exigisse mais esses
níveis de escolaridade por ter concluído pelo menos a educação básica, como prenunciam
4 Entendo a concepção de adulto como adotada no Parecer n. 11/2000, que inclui idosos, baseando-se nos Art.203, I e 229 da CF 1988.5 Segundo Pereira (apud PATTO, 2008, p. 28-29), “o sistema econômico capitalista ‘periférico’ tende a expelir,
a expulsar, a extinguir (pela fome inclusive), a parte excedente desse contingente, porque de la prescinde para oseu funcionamento, em determinado estágio de seu desenvolvimento”. O autor se reporta neste caso, aoexcedente do excedente, isto é, o excedente sobrante do exército de reserva necessário à manutenção do s istemacapitalista. Em outras palavras, são aqueles que não estão nem mesmo no banco de espera de uma vaga de
emprego.6 Termo usado no próprio texto da Constituição Federal de 1988 e na LDBEN de 1996.
7/26/2019 TRABALHO_EV047_MD1_SA7_ID805_23042015162134.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/trabalhoev047md1sa7id80523042015162134pdf 5/13
alguns “inocentemente” ou por ignorarem os dados ainda alarmantes no Brasil e no mundo,
sobretudo nos chamados países do Sul subdesenvolvido, demonstrando a urgência de oferta
de escolarização e com qualidade. Segundo informações apresentadas na reportagem
publicada na Folha de São Paulo, em 19.02.2014, a UNESCO declara que o Brasil é o oitavo
país do mundo com mais jovens e adultos analfabetos. De acordo com a Pesquisa Nacional
por Amostra de Domicílios (PNAD, 2012), o Brasil tem 13,2 milhões de analfabetos com 15
anos ou mais. No mundo há 774 milhões de adultos analfabetos, conforme alardeia a
UNESCO em convocação aos governos, para que construam medidas públicas de mudanças
nesse quadro.
Como os dados numéricos demonstram, a possibilidade de término da oferta de
escolarização ao público jovem e adulto, em nível de educação básica e mesmo para a
formação inicial alfabetizadora, está longe de ser alcançada, mesmo quando se parecia estar
mais próximo de ações que pudessem reverter um quadro histórico de exclusão de parte
expressiva da população do direito à educação formal. Acordos internacionais firmados pelo
Brasil, como a Declaração Mundial sobre Educação para Todos (1990) e a Declaração de
Salamanca (1994) não foram suficientes para mudanças: nem no país, nem na maioria dos
Estados-membros da Unesco.
A esperança talvez tenha sido reaquecida com a VI Conferência Internacional de
Educação de Jovens e Adultos (VI CONFINTEA), que o Brasil foi sede, em 2009, quando o
documento produzido - o Marco de Ação de Belém - ratificou as metas estabelecidas, em
1997, na anterior, em Hamburgo. Também os programas e campanhas, como o Brasil
Alfabetizado, ainda em vigência, embora não represente, este último, o desejo dos pesquisadores e militantes da EJA, vieram demonstrar a prioridade que o país voltava a
creditar à EJA.
Todas essas ações alimentam, em princípio, o sonho de que se estaria caminhando
para a correção da grande dívida histórico-social, com o direito de todos à educação.
Tomando, entretanto, a concepção de Educação de Jovens e Adultos como educação
continuada, no marco da aprendizagem por toda a vida, torna-se patente a urgência de que a
7/26/2019 TRABALHO_EV047_MD1_SA7_ID805_23042015162134.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/trabalhoev047md1sa7id80523042015162134pdf 6/13
EJA se fortaleça a cada dia como política de governo e com práticas educativas condizentes a
esse marco; que mais investimentos sejam destinados para dar conta dos objetivos, sobretudo,
de formação e fortalecimento da cidadania, tratando sujeitos jovens e adultos como cidadãos
de direitos reais e não apenas como cidadãos de papel .
A criação no governo Lula do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação
Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) 7, fruto de uma expressiva
mobilização da sociedade para a construção de um Fundo que ampliasse o anterior - o Fundef
- quanto ao atendimento de toda a educação básica, de modo gradual aumentou em 20% osrecursos a ele destinados, no terceiro ano de implantação; ampliou também o quantitativo de
impostos; expandiu o atendimento, incluindo a educação infantil, a educação de jovens e
adultos, o ensino médio e seus profissionais; ou seja, toda a educação básica. A
implementação do Fundeb ampliou as expectativas de crescimento de oferta e de qualidade na
modalidade da EJA, que não podem ser desprezadas.
Ainda com problemas em relação ao fator de ponderação na EJA - de 0,8%, ou seja,
vinte por cento inferior à referência padrão -, o Fundeb, para o qual também tem estabelecido
um teto de gastos de 15% de comprometimento de recursos do Fundo, em cada estado, não
tem respondido às possibilidades reais de atendimento, mesmo dentro dos limites previstos,
por questões que extrapolam a existência do Fundo: são, em verdade, opções políticas de
estados e municípios.
A mudança de governo, assumindo a partir de 2011 a regência do país, acalentou
novas expectativas quanto à melhoria na qualidade de ensino na EJA. O então diretor doDepartamento de Educação de Jovens e Adultos da SECADI/MEC no período 2004-2007,
Timothy Ireland (2012, s. p.), declarara que, “apesar de uma conjuntura favorável em que as
condições legais e financeiras básicas foram conquistadas para o desenvolvimento da
educação, os índices educacionais (analfabetismo, matrícula em EJA, e outros) e sociais não
responderam da forma esperada aos esforços empreendidos”, demonstrando a necessid ade de
repensar as estratégias para jovens e adultos fora da escola.
7
Emenda Constitucional n. 53 de 2006 (BRASIL, 2006), convertida em Lei Federal n. 11.494, de 2007(BRASIL, 2007).
7/26/2019 TRABALHO_EV047_MD1_SA7_ID805_23042015162134.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/trabalhoev047md1sa7id80523042015162134pdf 7/13
No discurso de posse da Presidente Dilma Rousseff em seu primeiro mandato - o que
não mudou no segundo mandato – não houve comprometimento governamental com a
modalidade de educação de jovens e adultos, passando a priorizar a formação profissional
voltada, sobretudo, à população jovem oriunda de camadas mais desfavorecidas:
[...] reafirmo que a luta mais obstinada do meu governo será o combate à miséria.Isso significa fortalecer a economia, ampliar o emprego e aperfeiçoar as políticassociais. [...] em especial, melhorar a qualidade do ensino, pois ninguém sai da
pobreza se não tiver acesso a uma educação gratuita, contínua e de qualidade. Nenhum país, igualmente, poderá se desenvolver sem educar bem os seus jovens ecapacitá-los plenamente para o emprego e para as novas necessidades criadas pela
sociedade do conhecimento. (DILMA ROUSSEFF, 10 fev. 2011)8
Em minha pesquisa tratei com um sujeito colaborador que teve acesso a um
“certificado” de ensino primário aos 40 anos de idade, após ter frequentado uma classe
multisseriada para adultos, oferecida no Governo Costa e Silva, de duração de cerca de seis
meses. Analisando a história de vida desse sujeito, percebo que a ausência de formação na
chamada época própria – infância e adolescência – ocorreu entre as décadas de 1930-1940,
durante o Estado Novo de Getúlio Vargas.
Esse contexto histórico leva-nos ao compromisso de pensar as políticas públicas de
governos atuais, questionando o quanto elas caminham para a realização de projetos de direito
à educação, ou se são políticas promotoras/mantenedoras de dívidas sociais e educacionais
que permanecerão se arrastando para outros governos e gerações futuras, como ocorreu até
então. Para Carmo (2010, p. 251), em estudo sobre o fenômeno da evasão na EJA, entre as
diversas causas estão entraves criados pela própria escola que apresenta currículos desconexos
com a realidade do público jovem e adulto: “[...] o que os amedronta é a distância que os
conteúdos ministrados têm de sua realidade, fazendo alguns bater na cabeça e dizer: ‘não
entra, tenho a cabeça fraca’”. Práticas pedagógicas equivocadas e práticas de currículos
distanciados da realidade do público jovem e adulto também afetam a permanência e o
sucesso escolar desses sujeitos.
A EJA NA PERSPECTIVA DO APRENDER POR TODA VIDA
8
Disponível em: http://www2.planalto.gov.br/imprensa/discursos /pronunciamento-a-nacao-da-presidenta-da-republica-dilma-rousseff-em-cadeia-nacional-de-radio-e-tv. Acess o em 15 abr. 2015.
7/26/2019 TRABALHO_EV047_MD1_SA7_ID805_23042015162134.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/trabalhoev047md1sa7id80523042015162134pdf 8/13
Pensar em EJA como política pública sólida, remete-nos a discutir a modalidade
também na perspectiva de educação continuada. A concepção de educação continuada, sob a
influência da UNESCO, voltava-se, principalmente, à ideia de formação e aprimoramento
profissional visando à adaptação das pessoas às mudanças na sociedade. Alarmada por
estatísticas negativas quanto à educação, após a Segunda Guerra Mundial, período marcado
por uma ordem mundial polarizada, com o planeta dividido em países desenvolvidos (de
capitalismo forte e indicadores socioeconômicos mais favoráveis aos cidadãos) e, no oposto,
países subdesenvolvidos, dominados por esse mesmo conjunto, onde o capital explorava a
mão de obra barata dos demais e os recursos naturais. Nesse quadro, a UNESCO pôs ênfasena educação de adultos focada na alfabetização, por meio de campanhas nacionais voltadas
para esta formação inicial.
Mais tarde, a UNESCO adota a concepção de educação permanente, com grande
influência a partir da década de 1970, estimulando maior adaptação dos cidadãos às
transformações ocorridas no mundo, sobretudo, no mundo do trabalho por imposições da
lógica de mercado. As práticas educativas voltam-se a processos de transformação de
conhecimentos e técnicas para melhor adaptação às novas realidades sociais. A concepção de
educação continuada por toda a vida9 aparece na V CONFINTEA, e procurou-se ampliá-lo
na VI CONFINTEA, usando-se a expressão aprendizagem ao longo da vida, do berço ao
túmulo10. Analisando os termos, Di Pierro (2008, p. 296) entende que educação e
aprendizagem ao longo da vida compreendem as “aprendizagens realizadas de forma
sistemática ou incidental nas mais diversas práticas sociais familiares, comunitárias,
religiosas, políticas, de trabalho, de informação, comunicação, lazer ou fruição cultural”, e
não apenas à escolarização.
A educação continuada, em tempos atuais, exige apreender uma concepção que
9 “Os representantes de governos e organizações participantes da V Conferência Internacional sobre a Educação
de Adultos decidiram, unanimemente, explorar o potencial e o futuro da educação de adultos, dinamicamenteconcebida dentro do contexto da educação continuada por toda a vida” (Declaração de Hamburgo , jul. 1997).10 “7. [...] Aprendizagem ao longo da vida, ‘do berço ao túmulo’, é uma filosofia, um marco conceitual e um
princípio organizador de todas as formas de educação, baseada em valores inclusivos , emancipatórios,humanistas e democráticos, sendo abrangente e parte integrante da visão de uma sociedade do con hecimento.
[...] 8. Reconhecemos que aprendizagem e educação de adultos representam um componente significativo do proces so de aprendizagem ao longo da vida, envolvendo um continuum [...]” (UNESCO, 2010, p. 6).
7/26/2019 TRABALHO_EV047_MD1_SA7_ID805_23042015162134.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/trabalhoev047md1sa7id80523042015162134pdf 9/13
abarque a formação cidadã para a participação democrática e a formação humana, sendo
“aquela que se desenvolve ao longo da vida, continuamente, é inerente ao desenvolvimento da
pessoa humana e relaciona-se com a ideia de construção do ser”. (HADDAD, 2007, p. 27).
Abrangendo a aquisição de conhecimentos, aptidões, atitudes e valores, envolve todos os
universos de experiência humana e, portanto, integra os sistemas escolares e os programas de
educação não formais. Incorpora, também, os processos construídos pelas tessituras de
conhecimento em rede (OLIVEIRA, 2009, p. 98), que se formam a partir dos cotidianos, em
processos de educação informal fundamental à construção de novas aprendizagens.
As condições impostas pelo mundo pós-moderno expõem limitações do sistema
escolar formal, ao pretender dar conta de todas as necessidades de informação e formação do
cidadão em um mundo tecnológico e globalizado, na chamada sociedade da informação.
Essas necessidades, para além da escola, exigem a construção de uma sociedade educativa em
que a educação continuada é parte integrante do todo social, abrangendo processos não
formais, informais e formais de educação.
Educação de Jovens e Adultos. Assim, a EJA envolve tanto a formação básica (pela
escolarização), ainda urgente em realidades sociais próximas à brasileira, quanto a formação
continuada, invertendo a concepção de Haddad (2007) que considera a EJA como
desdobramento da proposta de educação continuada.
Em meio a um modelo político-econômico induzido por agentes internacionais e a ele
aderindo os governos locais, modelo esse produtor em potencial de exclusão e inclusão
precária, faz-se necessário um movimento educacional que leve a sério a construção de um projeto democrático de país, em que a educação seja um dos pilares. Reconhece-se que a
escola tem ainda um grande papel social a cumprir, sobretudo na EJA, em que a
responsabilidade na construção de sociedades mais solidárias, sustentáveis e inclusivas, passa,
efetivamente pela redução das desigualdades educacionais. O documento produzido na V
CONFINTEA (UNESCO, 1997) afirma:
A educação de adultos, dentro desse contexto, torna-se mais que um direito: é a
chave para o século XXI; é tanto consequência do exercício da cidadania comocondição para uma plena participação da sociedade. Além do mais, é um poderoso
7/26/2019 TRABALHO_EV047_MD1_SA7_ID805_23042015162134.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/trabalhoev047md1sa7id80523042015162134pdf 10/13
argumento em favor do desenvolvimento ecológico sustentável, da democracia, da
justiça, da igualdade entre os sexos , do desenvolvimento socioeconômico ecientífico, além de ser um requisito fundamental para a construção de um mundoonde a violência cede lugar ao diálogo e à cultura de paz baseada na justiça.
Haddad (2007, p. 33), ao discutir o papel da educação como fomentadora de potenciais
naturais do ser humano – capacidade de aprender e ensinar e a condição de agente – , diz que a
educação, seja formal ou não formal, pode ser financiadora de agentes sociais imbuídos do
papel de transformadores de realidades, principalmente, as mais próximas aos sujeitos.
Pensar em educação democrática remete-nos a (re)pensar as práticas pedagógicas e oscurrículos escolares, na vertente de escolarização. Não há um caminho único e obrigatório
para todos os sujeitos em processos de aprendizagem. Os sentidos ou significados são
construídos em conexão com interesses, crenças, valores e saberes dos sujeitos envolvidos no
processo. Assim, a ideia de tessitura do conhecimento em rede, como proposta de construção
curricular, dá legitimidade ao “conjunto de redes de saberes, poderes e fazeres presentes no
cotidiano dos sujeitos, mas normalmente expulsos do ambiente escolar” (OLIVEIRA, 2008,
p. 238).
Não faltam reflexões e apontamentos de direção para a possibilidade de uma nova
proposta educacional para o país, capaz de passar a limpo esse setor fundamental na
constituição do ser e da nação. O que parece faltar, ainda, é vontade política, não só dos
poderes executivos para viabilizar projetos emancipatórios, como também equilíbrio entre
discursos e ações práticas acontecendo na outra ponta do sistema – o chão da escola –
pautados em ideais de justiça e democracia. Portanto, não basta analisar e desvendar as
chamadas instâncias globais e superiores de poder, sem que se considerem os micropoderes
exercidos no interior da instituição escolar, captando “o poder em suas extremidades, em suas
últimas ramificações, lá onde ele se torna capilar” (FOUCAULT apud PARO, 2010, p. 73).
Pensar a inclusão (e exclusão11, uma vez que as fronteiras entre as condições de
11 O José de S. Martins (apud PATTO, 2008, p. 32) ao tratar da marginalidade social, a partir da década de 1990
- numa fase em que o uso crescente da tecnologia dispensa em larga escala o trabalho humano -, conclui quesociologicamente a exclusão não existe. Ela é um traço congênito do capitalismo, mas a sociedade capitalista
7/26/2019 TRABALHO_EV047_MD1_SA7_ID805_23042015162134.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/trabalhoev047md1sa7id80523042015162134pdf 11/13
Excluídos e incluídos estão cada vez mais borradas e de difícil discernimento na
contemporaneidade) como imperativo do Estado, segundo a ordem discursiva do presente,
demanda inventar contracondutas, isto é, “lutar por outras formas de se ser conduzido não
necessariamente à inclusão, mas para a universalização e o gozo dos direitos”, conforme
Lopes e Fabris (2013, p. 14-15) - apropriando-se do termo de Foucault - propõem.
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Ao aproximar do sujeito de minha pesquisa, passando a conhecer parte do processo de
sua formação como sujeito e como leitor e escritor de seu próprio texto, apesar da pouca
experiência escolar, pude perceber uma rede de formação complexa com fios que passaram
por múltiplos lugares e tempos. As experiências adquiridas, a partir deste trabalho, têm
mostrando-me o quanto a formação do indivíduo é complexa e se complexifica mais no
contexto da sociedade tecnológica e globalizada. Apesar da autodidaxia do sujeito revelada
em muitos aspectos, pude concluir que a escola, como agência educadora, pode contribuir
com fios importantes para a tessitura dessa trama.
Para a realização do sonho de uma EJA ainda atrelada à necessidade de oferecimento
de cursos alfabetizadores e de concretização da qualidade, e mais comprometida com a
educação continuada, promotora e valorizadora de múltiplos saberes, aptidões e valores
humanos, envolvendo todos os universos da experiência humana, é preciso transformações
sociais, políticas, econômicas e culturais mais profundas na sociedade. Fundamental também
que as bases materiais e imateriais da sociedade sejam transformadas, que concepções,
princípios éticos e valores humanos sejam revistos e redirecionados, até que os cidadãos
sejam considerados como o maior bem da nação e não os bens materiais acumulados à custa
da expropriação do outro e da degradação da natureza.
Nesse sentido, vencer essa primeira etapa - o ensino fundamental, incluindo a
alfabetização - ainda se constitui como dívida pública, para se avançar a outras conquistas e
exclui para incluir de um outro modo, s egundo s uas próprias regras, segundo sua própria lógica. Patto (2008, p.33) ao analisar as contribuições de Martins declara que : “O que Martins traz com contribuição maior é a
advertência de que o discurso da exclusão vale-se de um rótulo que parece explicar, mas que de fato acoberta etraz duas consequências nefastas : práticas pobres de inclusão e fatalismo”.
7/26/2019 TRABALHO_EV047_MD1_SA7_ID805_23042015162134.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/trabalhoev047md1sa7id80523042015162134pdf 12/13
desenvolver uma Educação de Jovens e Adultos engajada com o princípio de aprendizagens
ao longo da vida.
Olhar para sujeitos, como José Luiz, que se formaram como leitores e escritores apesar
de não terem sido alcançados por políticas educacionais capazes de lhe assegurarem o direito
a uma formação mais completa no sentido acadêmico - mesmo que isso fortaleça o sentido de
serem sujeitos de si, confere-lhes em parte certa dignidade, mas não basta. Se foram capazes
de construir a habilidade de aprender na vida, no mundo e, por meio dessa habilidade,
ousaram caminhar por conta própria a aventura de conhecer os saberes de uma culturahistoricamente produzida, isso não exime o Estado e a sociedade da responsabilidade a eles
devida como cidadãos.
Portanto, penso que enquanto as desigualdades e o que as produzem se mantiverem de
forma hegemônica na sociedade, a EJA em seu caráter reparador, equalizador e qualificador-
emancipatório será de grande utilidade para realidades como a brasileira, onde as
desigualdades permanecem alarmantes, apesar de conquistas sociais constatadas nas últimas
décadas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CARMO, Gerson. O enigma da educação de Jovens e Adultos: um estudo das evasões e
retornos à escola sob a perspectiva da teoria do reconhecimento social . Tese de doutorado.Or. Yolanda L. Lobo, UENF, 2010.
DI PIERRO, Maria C. Luta social e reconhecimento jurídico do Direito Humano dos jovens e
adultos à educação. Santa Maria, v. 33, n. 3, p. 395-410, set./dez. 2008 Revista Educação.
ESTIBEIRA, M. A marginalia de Fernando Pessoa. Tese de doutorado. Orientador: FEIJÓ,Antônio. Universidade de Lisboa/ Faculdade de Letras. Lisboa: 2008.
FABRE, Daniel (org.). Ecritures ordinaires. Paris: Centre Georges Pompidou: BibliothèquePublique d’Information, 1993.
HADDAD, Sérgio. A Educação Continuada e as Políticas Públicas no Brasil. In: Reveja. Revista de Educação de Jovens e Adultos. V. 1, n. 0, p. 27-38.
7/26/2019 TRABALHO_EV047_MD1_SA7_ID805_23042015162134.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/trabalhoev047md1sa7id80523042015162134pdf 13/13
IRELAND, Timothy. Educação de Jovens e Adultos como política pública no Brasil (2004-
2010): os desafios da desigualdade e da diversidade. Rizoma Freireano. Vol. 113, 2012.
LANG, A. História Oral: muitas dúvidas, poucas certezas e uma proposta. In: MEIHY, J.C.(org.). (Re) Introduzindo a História Oral no Brasil . SP: Xamã, 1996.
LOPES, Maura, FABRIS, Eli. Inclusão & Educação. BH: Autêntica Editora, 2013. (ColeçãoTemas & Educação).
MARTINS, José. Exclusão social e a nova desigualdade. São Paulo: Paulus, 1997.
OLIVEIRA, Inês. Tendências Recentes dos Estudos e das Práticas Curriculares. In:Construção coletiva: contribuições à educação de jovens e adultos. 2ª Ed. Brasília:UNESCO. MEC, RAAAB, 2008, pp. 231- 241.
_______________. Organização curricular e práticas pedagógicas na EJA: algumas reflexões.In: PAIVA, Jane, OLIVEIRA, Inês B. (orgs.). Educação de Jovens e Adultos. Petrópolis, RJ:DP et Alli, 2009.
PARO, Vitor. Educação como exercício do poder: crítica ao senso comum em educação. 2ªEd. São Paulo: Cortez, 2010.
PATTO, M. H. S. Políticas atuais de inclusão escolar: reflexão a partir de um recorteconceitual. Em J. G. Bueno, G. M. Mendes, R. A. Santos (Orgs) Deficiência e escolarização:
novas perspectivas de análise. Araraquara: Junqueira & Marin, 2008, pp. 25-42.
UNESCO. Declaração de Hamburgo e agenda para o futuro. V CONFINTEA, Hamburgo,Alemanha, 1997.
UNESCO. Marco de Ação de Belém. VI CONFINTEA, Brasília, Brasil, 2010.