trabalho filosofia tempo (1)
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F
“O tempo pergunta ao tempo
Quanto tempo o tempo tem.
O tempo responde ao tempo
Que o tempo tem tanto tempo
Quanto tempo o tempo tem.”
“O tempo leva tudo para o passado, não há segundas
oportunidades, há apenas este momento e o próximo. Onde tudo o
que tu desejas colidirá com tudo o que está no teu caminho.
A coincidência e o propósito da matéria não se encontram nas
leis da natureza e é o nosso trabalho criá-los, entrando assim no
vasto vazio do universo onde procuramos amizades para além das
estrelas.
Nós somos os arquitectos do futuro, este é o nosso império.”
-in Delta Heavy, Empire
(https://www.youtube.com/watch?v=LZLkdRH5YoY)
Marguerite Yourcenar: Gherardo Perini “Não irei mais longe…” (Pág.1/2)
Carlos Drummond de Andrade: “Qualquer tempo” (Pág.3)
Álvaro de Campos (Heterónimo de Fernando Pessoa): “Aproveitar o tempo” (Pág.4/5)
Jorge Luís Borges, in' Ensaio: O Tempo' (Pág 6)
Clarice Lispector, in 'Um Sopro de Vida' (Pág. 7)
Alberto Caeiro (Heterónimo de Fernando Pessoa), in "Poemas Inconjuntos" (Pág.8/9)
Mario Quintana: “Ah! Os relógios” (Pág.10)
Canção do Amor-Perfeito (Pág.11/12)
“Não irei mais longe, Gherardo.
Não te acompanho mais porque o trabalho urge e eu sou um homem velho. Sou um homem
velho, Gherardo. Às vezes, quando te
entregas mais à ternura, chegas a
chamar-me teu pai. Mas eu não tenho
filhos. Nunca encontrei mulher tão bela
como as minhas figuras de pedra,
mulher que ficasse horas imóvel sem
falar, como coisa necessária que não
precisa de agir para ser,
e nos faz esquecer que o tempo passa
porque está sempre presente.
Mulher que se deixe olhar sem sorrir
nem corar porque compreendeu que a
beleza é qualquer coisa de grave.
As mulheres de pedra são mais castas
que as outras, e mais fiéis, porém, são
estéreis. Não há fenda por onde se possa introduzir nelas o prazer, a morte, ou a semente de uma
criança, e por isso elas são menos frágeis.
Por vezes quebram-se e em cada pedaço de mármore fica contida a sua beleza inteira, como
Deus que está em todas as coisas, mas nada de estranho entra nelas que dilate o seu coração.
Os seres imperfeitos agitam-se e acasalam-se para se completarem, mas as coisas só belas são
solitárias como a dor humana.
Gherardo, não tenho filhos. Eu bem sei que a maioria dos homens não tem propriamente um filho:
têm Tito, ou Caio, ou Pedro, e não é a mesma alegria. Se eu tivesse um filho, ele não se havia de
parecer com a imagem que eu dele formara antes de existir. Assim também as estátuas que faço
são diferentes daquelas que comecei por sonhar. Mas Deus permite-se ser conscientemente
criador. Se fosses meu filho, Gherardo, eu não te amaria mais, mas não teria que perguntar-me
porquê. Toda a minha vida procurei respostas a perguntas que talvez não tenham resposta e
perscrutei o mármore como se a
verdade se encontrasse no coração
das pedras, e espalhei as cores
para pintar muralhas como se se
tratasse de fixar acordes sobre um
enorme silêncio. Tudo se cala,
sabes, até a nossa alma —ou
então somos nós que não ouvimos.
Assim, tu partes. Na minha idade já
não se dá importância a uma
separação, mesmo que definitiva.
Eu bem sei que os seres que
amamos e que nos amam mais se
vão separando insensivelmente de
nós a cada momento que passa.
É também deste modo que se vão
separando de si próprios.
Estás sentado sobre essa pedra e
julgas-te ainda aí, mas o teu ser,
voltado para o futuro, não adere mais ao que foi a tua vida, e a tua ausência já começou. É certo
que compreendo que tudo isto é ilusão, como o resto, e que o futuro não existe.
Os homens que inventaram o tempo, inventaram por contraste a eternidade, mas a negação do
tempo é tão vã como ele próprio. Não há nem passado nem futuro mas apenas uma série de
presentes sucessivos, um caminho perpetuamente destruído e continuado onde todos vamos
avançando.
Gherardo, não te enganes sobre as minhas lágrimas: vale mais que os que amamos partam
quando ainda conseguimos chorá-los. Se ficasses, talvez a tua presença, ao sobrepor-se-lhe,
enfraquecesse a imagem que me importa conservar dela.
Tal como as tuas vestes não são mais que o invólucro do teu corpo, assim tu também não és mais
para mim do que o invólucro de um outro que extraí de ti e que te vai sobreviver.
Gherardo, tu és agora mais belo que tu mesmo.
Só se possuem eternamente os amigos de quem nos separamos.»
http://pensador.uol.com.br/frase/MTA1NTU0Ng/
Marguerite Yourcenar
“O tempo esse grande escultor”
trad. helena vaz da silva
Qualquer Tempo
Qualquer tempo é tempo.
A hora mesma da morte
é hora de nascer.
Nenhum tempo é tempo
bastante para a ciência
de ver, rever.
Tempo, contratempo
anulam-se, mas o sonho
resta, de viver.
Carlos Drummond de Andrade, in 'A Falta que
Ama'
http://www.citador.pt/poemas/qualquer-tempo-
carlos-drummond-de-andrade
Aproveitar o Tempo
Mas o que é o tempo, que eu o aproveite?
Aproveitar o tempo!
Nenhum dia sem linha...
O trabalho honesto e superior...
O trabalho à Virgílio, à Mílton...
Mas é tão difícil ser honesto ou superior!
É tão pouco provável ser Milton ou ser Virgílio!
Aproveitar o tempo!
Tirar da alma os bocados precisos - nem mais nem
menos -
Para com eles juntar os cubos ajustados
Que fazem gravuras certas na história
(E estão certas também do lado de baixo que se não vê)...
Pôr as sensações em castelo de cartas, pobre China dos serões,
E os pensamentos em dominó, igual contra igual,
E a vontade em carambola difícil.
Imagens de jogos ou de paciências ou de passatempos -
Imagens da vida, imagens das vidas. Imagens da Vida.
Verbalismo...
Sim, verbalismo...
Aproveitar o tempo!
Não ter um minuto que o exame de consciência
desconheça...
Não ter um acto indefinido nem factício...
Não ter um movimento desconforme com
propósitos...
Boas maneiras da alma...
Elegância de persistir...
Aproveitar o tempo!
Meu coração está cansado como mendigo
verdadeiro.
Meu cérebro está pronto como um fardo posto ao canto.
Meu canto (verbalismo!) está tal como está e é triste.
Aproveitar o tempo!
Desde que comecei a escrever passaram cinco minutos.
Aproveitei-os ou não?
Se não sei se os aproveitei, que saberei de outros minutos?!
(Passageira que viajaras tantas vezes no mesmo compartimento comigo
No comboio suburbano,
Chegaste a interessar-te por mim?
Aproveitei o tempo olhando para ti?
Qual foi o ritmo do nosso sossego no comboio andante?
Qual foi o entendimento que não chegámos a ter?
Qual foi a vida que houve nisto? Que foi isto a vida?)
Aproveitar o tempo!
Ah, deixem-me não aproveitar nada!
Nem tempo, nem ser, nem memórias de tempo ou de ser!...
Deixem-me ser uma folha de árvore, titilada por brisa,
A poeira de uma estrada involuntária e sozinha,
O vinco deixado na estrada pelas rodas enquanto não vêm outras,
O pião do garoto, que vai a parar,
E oscila, no mesmo movimento que o da alma,
E cai, como caem os deuses, no chão do Destino.
Álvaro de Campos, in "Poemas"
Heterónimo de Fernando Pessoa
O Presente não Existe. Não é extraordinário
pensar que dos três tempos em que dividimos
o tempo - o passado, o presente e o futuro -, o
mais difícil, o mais inapreensível, seja o
presente? O presente é tão incompreensível
como o ponto, pois, se o imaginarmos em
extensão, não existe; temos que imaginar que
o presente aparente viria a ser um pouco o
passado e um pouco o futuro. Ou seja,
sentimos a passagem do tempo. Quando me
refiro à passagem do tempo, falo de uma coisa
que todos nós sentimos. Se falo do presente,
pelo contrário, estarei falando de uma entidade
abstracta. O presente não é um dado imediato da consciência.
Sentimo-nos deslizar pelo tempo, isto é, podemos pensar que passamos do futuro para o
passado, ou do passado para o futuro, mas não há um momento em que possamos dizer ao
tempo: «Detém-te! És tão belo...!», como dizia Goethe. O presente não se detém. Não
poderíamos imaginar um presente puro; seria nulo. O presente contém sempre uma partícula de
passado e uma partícula de futuro, e parece que isso é necessário ao tempo.
Jorge Luís Borges, in 'Ensaio: O Tempo'
http://www.citador.pt/textos/o-presente-nao-existe-jorge-luis-borges
Viver o Hoje. Nunca a vida foi tão actual como hoje: por um triz é o futuro. Tempo para mim
significa a desagregação da matéria. O apodrecimento do que é orgânico como se o tempo
tivesse como um verme dentro de um fruto e fosse
roubando a este fruto toda a sua polpa. O tempo não
existe. O que chamamos de tempo é o movimento de
evolução das coisas, mas o tempo em si não existe.
Ou existe imutável e nele nos transladamos. O tempo
passa depressa demais e a vida é tão curta. Então —
para que eu não seja engolido pela voracidade das
horas e pelas novidades que fazem o tempo passar
depressa — eu cultivo um certo tédio. Degusto assim
cada detestável minuto. E cultivo também o vazio
silêncio da eternidade da espécie. Quero viver muitos minutos num só minuto. Quero me
multiplicar para poder abranger até áreas desérticas que dão a idéia de imobilidade eterna. Na
eternidade não existe o tempo. Noite e dia são contrários porque são o tempo e o tempo não se
divide. De agora em diante o tempo vai ser sempre atual. Hoje é hoje. Espanto-me ao mesmo
tempo desconfiado por tanto me ser dado. E amanhã eu vou ter de novo um hoje. Há algo de dor
e pungência em viver o hoje. O paroxismo da mais fina e extrema nota de violino insistente. Mas
há o hábito e o hábito anestesia.
Clarice Lispector, in 'Um Sopro de Vida'
http://www.citador.pt/textos/viver-o-hoje-clarice-lispector
Eu não Quero o Presente, Quero a Realidade Vive, dizes, no presente,
Vive só no presente.
Mas eu não quero o presente, quero a realidade;
Quero as cousas que existem, não o
tempo que as mede.
O que é o presente?
É uma cousa relativa ao passado e ao
futuro.
É uma cousa que existe em virtude de
outras cousas existirem.
Eu quero só a realidade, as cousas sem
presente.
Não quero incluir o tempo no meu esquema.
Não quero pensar nas cousas como presentes; quero pensar nelas
como cousas.
Não quero separá-las de si-próprias, tratando-as por presentes.
Eu nem por reais as devia tratar.
Eu não as devia tratar por nada.
Eu devia vê-las, apenas vê-las;
Vê-las até não poder pensar nelas,
Vê-las sem tempo, nem espaço,
Ver podendo dispensar tudo menos o que se vê.
É esta a ciência de ver, que não é nenhuma.
Alberto Caeiro, in "Poemas Inconjuntos"
Heterónimo de Fernando Pessoa
http://www.citador.pt/poemas/eu-nao-quero-o-presente-quero-a-realidade-alberto-caeirobrheteronimo-
de-fernando-pessoa
«O que é a realidade? Eu quero só a realidade, as coisas sem presente.»
Vive, dizes, no presente;
Vive só no presente.
Mas eu não quero o presente, quero a
realidade;
Quero as coisas que existem, não o
tempo que as mede.
O que é o presente?
É uma coisa relativa ao passado e ao
futuro.
É uma coisa que existe em virtude de
outras coisas existirem.
Eu quero só a realidade, as coisas sem
presente.
Não quero incluir o tempo no meu esquema.
Não quero pensar nas coisas como presentes; quero pensar nelas como coisas.
Não quero separá-las de si-próprias, tratando-as por presentes.
Eu nem por reais as devia tratar.
Eu não as devia tratar por nada.
Eu devia vê-las, apenas vê-las;
Vê-las até não poder pensar nelas,
Vê-las sem tempo, nem espaço,
Ver podendo dispensar tudo menos o que se vê.
É esta a ciência de ver, que não é nenhuma.
http://multipessoa.net/labirinto/alberto-caeiro/26
AH! OS RELÓGIOS!
Amigos, não consultem os relógios
quando um dia eu me for de vossas vidas
em seus fúteis problemas tão perdidas
que até parecem mais uns necrológios...
Porque o tempo é uma invenção da morte:
não o conhece a vida - a verdadeira -
em que basta um momento de poesia
para nos dar a eternidade inteira.
Inteira, sim, porque essa vida eterna
somente por si mesma é dividida:
não cabe, a cada qual, uma porção.
E os Anjos entreolham-se espantados
quando alguém - ao voltar a si da vida -
acaso lhes indaga que horas são...
Mario Quintana - A Cor do Invisível
http://poetamarioquintana.blogspot.pt/2009/01/mario-quintana-ah-os-relogios.html
Canção do Amor-Perfeito
O tempo seca a beleza,
seca o amor, seca as palavras.
Deixa tudo solto, leve,
desunido para sempre
como as areias nas águas.
O tempo seca a saudade,
seca as lembranças e as lágrimas.
Deixa algum retrato, apenas,
vagando seco e vazio
como estas conchas das praias.
O tempo seca o desejo
e suas velhas batalhas.
Seca o frágil arabesco,
vestígio do musgo humano,
na densa turfa mortuária.
Esperarei pelo tempo
com suas conquistas áridas.
Esperarei que te seque,
não na terra, Amor-Perfeito,
num tempo depois das almas.
http://viciodapoesia.com/2014/02/20/o-tempo-seca-a-beleza-
dois-poemas-de-cecilia-meireles/l
Retrato pertence ao livro Viagem de 1939, e livro da sua
consagração como poeta. Canção do Amor-Perfeito íntegra o
livro Retrato Natural publicado em 1949.
Transcrevi a partir da edição portuguesa da Antologia Poética,
escolha de Cecília Meireles em 1963 e publicada pela primeira
vez a seguir à morte da poetisa.
Trabalho realizado por Ana Maria Sarmento & Rui Rachão (11ºD)