trabalho, educaÇÃo e reproduÇÃo: a constituiÇÃo de um ethos do trabalho e a sua influÊncia...

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TRABALHO, EDUCAÇÃO E REPRODUÇÃO: A CONSTITUIÇÃO DE UM ETHOS DO TRABALHO E A SUA INFLUÊNCIA NAS RELAÇÕES SOCIAIS DE PRODUÇÃO NOS CORREIOS Tadeu Gomes Teixeira Sociólogo e doutorando em ciências sociais pela UNICAMP. Contato: [email protected] Introdução As transformações sociais orientadas pela racionalidade instrumental inerente ao capitalismo não se restringiram somente às técnicas, configurações políticas e econômicas. As disposições e características dos comportamentos pessoais e sociais, aspectos simbólicos e culturais também acompanharam essas modificações. A constituição de uma formação subjetiva, uma identidade social e individual, de predisposições psicossociais, enfim, de um ethos com o qual a navegação social é possível, seja no ambiente de trabalho ou na esfera mais ampla da vida social, também integra a dinâmica processual de transformações no sistema capitalista, sobretudo no sentido de uma “adaptação” do trabalhador às condições de trabalho e ao ritmo e disciplina necessários à produção. Um dos locais privilegiados de reprodução de tal ethos societal é a escola, tanto as destinadas à formação dos sujeitos sociais quanto às ditas “corporativas”, que objetivam formar quadros para as organizações empresariais. Neste artigo, buscou-se analisar a relação entre trabalho, a constituição de um ethos profissional e a reprodução do mesmo por meio de práticas educacionais na Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT). Objetiva-se discutir, dessa maneira, a relação entre o processo sócio- histórico de constituição e reprodução de um ethos do trabalho e sua influência nas relações sociais de produção nessa empresa pública. Com isso, as questões norteadoras da pesquisa foram: Como foi o processo, ao longo do século XX, de formação de um ethos profissional nos Correios? Como se reproduziram os valores socializados na empresa por meio das Escolas de Correio? Como o ethos compartilhado foi utilizado para organizar e estruturar as práticas de gestão do processo de trabalho nas unidades operacionais dessa estatal? A perspectiva sócio-histórica foi utilizada como instrumento metodológico para analisar a relação entre a constituição de um ethos do trabalho na sociedade capitalista industrial e sua correlação com os Correios. Além disso, realizou-se uma investigação em uma unidade operacional dos Correios, um centro de distribuição domiciliar (CDD) – local onde os carteiros realizam suas atividades de trabalho. As práticas de gestão e as relações sociais de produção estabelecidas nesta 1

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TRABALHO, EDUCAÇÃO E REPRODUÇÃO: A CONSTITUIÇÃO DE UMETHOS DO TRABALHO E A SUA INFLUÊNCIA NAS RELAÇÕES SOCIAISDE PRODUÇÃO NOS CORREIOS

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  • TRABALHO, EDUCAO E REPRODUO: A CONSTITUIO DE UM

    ETHOS DO TRABALHO E A SUA INFLUNCIA NAS RELAES SOCIAIS

    DE PRODUO NOS CORREIOS

    Tadeu Gomes TeixeiraSocilogo e doutorando em cincias

    sociais pela UNICAMP.Contato: [email protected]

    Introduo

    As transformaes sociais orientadas pela racionalidade instrumental inerente ao capitalismo

    no se restringiram somente s tcnicas, configuraes polticas e econmicas. As disposies e

    caractersticas dos comportamentos pessoais e sociais, aspectos simblicos e culturais tambm

    acompanharam essas modificaes. A constituio de uma formao subjetiva, uma identidade

    social e individual, de predisposies psicossociais, enfim, de um ethos com o qual a navegao

    social possvel, seja no ambiente de trabalho ou na esfera mais ampla da vida social, tambm

    integra a dinmica processual de transformaes no sistema capitalista, sobretudo no sentido de

    uma adaptao do trabalhador s condies de trabalho e ao ritmo e disciplina necessrios

    produo. Um dos locais privilegiados de reproduo de tal ethos societal a escola, tanto as

    destinadas formao dos sujeitos sociais quanto s ditas corporativas, que objetivam formar

    quadros para as organizaes empresariais.

    Neste artigo, buscou-se analisar a relao entre trabalho, a constituio de um ethos

    profissional e a reproduo do mesmo por meio de prticas educacionais na Empresa Brasileira de

    Correios e Telgrafos (ECT). Objetiva-se discutir, dessa maneira, a relao entre o processo scio-

    histrico de constituio e reproduo de um ethos do trabalho e sua influncia nas relaes sociais

    de produo nessa empresa pblica. Com isso, as questes norteadoras da pesquisa foram: Como foi

    o processo, ao longo do sculo XX, de formao de um ethos profissional nos Correios? Como se

    reproduziram os valores socializados na empresa por meio das Escolas de Correio? Como o ethos

    compartilhado foi utilizado para organizar e estruturar as prticas de gesto do processo de trabalho

    nas unidades operacionais dessa estatal?

    A perspectiva scio-histrica foi utilizada como instrumento metodolgico para analisar a

    relao entre a constituio de um ethos do trabalho na sociedade capitalista industrial e sua

    correlao com os Correios. Alm disso, realizou-se uma investigao em uma unidade operacional

    dos Correios, um centro de distribuio domiciliar (CDD) local onde os carteiros realizam suas

    atividades de trabalho. As prticas de gesto e as relaes sociais de produo estabelecidas nesta

    1

  • unidade operacional, embora no seja o centro da anlise do trabalho, serviram-se do ethos

    constitudo na organizao para sua estruturao e organizao.

    Para discutir os propsitos deste artigo, discute-se a seguir o processo de formao de uma

    disciplina do trabalho industrial, com destaque para o processo de formao do fordismo e o ethos

    do trabalho no sculo XX. Na seqncia, discute-se o processo de racionalizao no Brasil e sua

    influncia no servio pblico. Analisa-se tambm como a Ditadura Militar (1964-1985) propiciou a

    constituio e reproduo de uma disciplina do trabalho na ECT, sobretudo por meio das Escolas de

    Correio espao criado para formao da liderana e da mo-de-obra da empresa. A ordem, a

    disciplina, a hierarquia e o autoritarismo constituram, com isso, nos principais traos do ethos

    compartilhado. A partir dessa base social, organizou-se e estruturou-se o processo de trabalho na

    empresa a partir do taylorismo, sendo que a reestruturao produtiva da empresa a partir de 1994 -

    que objetivou implantar tcnicas toyotistas para gesto da produo serve-se do mesmo ethos do

    trabalho para disciplinar a produo, o que tem impacto direto nas relaes de trabalho vivenciadas

    nas unidades operacionais dessa estatal.

    O Nascimento da Disciplina Industrial: alguns elementos constitutivos

    No contexto socioeconmico dos sculos XVIII e XIX assistiu-se ao surgimento de uma

    nova ordem social, que implicava na adequao dos trabalhadores aos novos tempos de produo,

    agora industriais. Essa reorientao implicava, sobretudo, na adequao dos indivduos sociais aos

    novos processos de produo, aos novos instrumentos empregados e, principalmente, a uma nova

    disciplina e racionalidade, consoantes ao momento scio-histrico de reproduo capitalista

    (PERROT, 1988).

    O processo de construo de uma sociedade disciplinar no ocidente implicou na

    racionalizao e disciplina no s nas fbricas e indstrias, mas tambm nas escolas, exrcitos,

    prises, etc., isto , as instituies, de forma geral, passaram pelo processo de regulamentao e

    controle, que visavam instituir um sistema disciplinar. A partir do Panopticon de Jeremy Benthan,

    Foucault (1987) analisa como a vigilncia e o controle poderia servir disciplina no s nas prises

    como tambm nos locais em que a fiscalizao fosse necessria. O princpio bsico era a construo

    de uma torre no centro de um crculo em que as celas estivessem dispostas de onde o vigilante

    poderia ver e no ser visto, controlando todo o tempo as aes dos detentos sem que os mesmos

    soubessem que estavam sendo observados, embora tivessem a conscincia da vigilncia

    (FOUCAULT, 1987).

    De acordo com Perrot (1988), esse mesmo princpio ser empregado na constituio da

    disciplina fabril. A autora analisa como, em fases distintas, a disciplina industrial se constituiu e se

    consolidou. Buscando estabelecer uma periodizao na constituio da disciplina industrial, Perrot

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  • (1988) destaca trs momentos principais na formao dessa disciplina e racionalidade industrial: a

    primeira caracterizada pela vigilncia e visibilidade; a segunda pelo paternalismo e a terceira pela

    racionalizao, j ao final do sculo XIX, que se arrogava uma cientificidade.

    Sendo assim, de acordo com a autora, os mtodos pioneiros na construo de uma disciplina

    e de uma racionalidade na fbrica foram exatamente os princpios do Panopticon: a visibilidade e a

    vigilncia, sendo as fbricas construdas com uma arquitetura simples, com amplos espaos onde os

    trabalhadores eram reunidos. Nesse momento, o trabalho manual predominava, com intensa diviso

    do trabalho, que tambm ajudava a organizar os espaos destinados s atividades de trabalho. Nesse

    espao fabril, os trabalhadores recebiam a matria-prima em que trabalhariam e eram vigiados

    constantemente, tanto para evitar o desperdcio de tempo e controlar a qualidade das mercadorias

    como tambm para evitar os furtos.

    Em um segundo momento, a lgica do paternalismo se imps. Segundo Perrot (1988), a

    organizao das relaes familiares no contexto da produo passou a inspirar o modelo de gerncia

    do trabalho, sobretudo nas prticas disciplinares e no modelo de autoridade vigente. Isso significa

    que as relaes sociais de trabalho so concebidas conforme o modelo familiar (PERROT, 1988,

    p.61), fato que serve para a constituio do paternalismo como tipo administrativo nas relaes

    produtivas. Com isso, o modelo de organizao do trabalho de tipo familiar no se restringia

    somente a esse mbito, mas tambm se estendeu para as relaes entre operrios e patres,

    constituindo o paternalismo.

    Cumpre importante papel na constituio de uma disciplina fabril, nesse contexto, os

    regulamentos que previam uma srie de sanes, como as multas em casos de faltas, atrasos e falhas

    na fabricao, em casos de brigas e bagunas, conversas obscenas, maneiras indecentes e

    grosserias e insolncia em relao aos chefes (PERROT, 1988, p. 68). Assim, alm da

    finalidade econmica do regulamento, a finalidade poltica se manifesta claramente, com o objetivo

    explcito de controlar o corpo do operrio, seus gestos e seu comportamento.

    Com o desenvolvimento das prticas gerenciais que objetivavam obter o controle e impor a

    racionalidade industrial sobre o processo produtivo, configura-se em certos segmentos sociais o

    intento de constituir uma cincia do trabalho (PERROT, 1988, p. 77). O corpo do trabalhador

    torna-se objeto de estudos e cuidados, tanto por parte de mdicos como de higienistas, que

    pensavam numa melhor utilizao da mquina humana. Essa tendncia racionalizao nas

    fbricas e indstrias, segundo Zilbovicius (1999), no era uma especificidade desse campo social,

    mas parte de um processo amplo por que passava a sociedade ocidental e, especificamente, o espao

    de produo, que tiveram nas atividades dos engenheiros industriais o seu pice.

    Os estudos realizados nos espaos fabris e industriais objetivavam desenvolver a capacidade

    de realizao de grande quantidade de trabalho mecnico com o mnimo de esforo possvel, ou

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  • seja, o corpo se tornaria, nesse momento, o centro das discusses sobre o processo produtivo, no

    por sua fora, que no era mais to necessria em razo dos aprimoramentos tecnolgicos, mas pela

    vontade de faz-lo resistir aos esforos e desgastes fisiolgicos (PERROT, 1988). De forma anloga

    ao corpo, todo o processo de trabalho e o espao da fbrica tornam-se objeto de anlise por

    engenheiros e administradores, cujo pice dessa busca pela eficincia e produtividade culmina no

    desenvolvimento do taylorismo (PERROT, 1988). O taylorismo, portanto, herdeiro direto dessa

    tendncia social racionalizadora (ZILBOVICIUS, 1999).

    Desses estudos e anlises sobre os processos administrativos e produtivos por parte de

    engenheiros e tcnicos, que objetivavam uma reformulao desses processos, surgiu, portanto, o

    taylorismo, que ter desde a sua formulao enorme impacto sobre a organizao das atividades

    laborais, como Braverman analisou (BRAVERMAN, 1987).

    Dentro do processo de racionalizao industrial, as transformaes ocorridas a partir da

    constituio de uma sociedade de consumo de massa no sculo XX tiveram importante papel. A

    origem simblica dessa nova configurao social que marcaria o modo de reproduo capitalista

    1914, quando a jornada de trabalho de oito horas dirias por cinco dlares foi introduzida na fbrica

    de Michigan de Ford (HARVEY, 1992). No entanto, o que veio a ser caracterizado e conceituado

    como Fordismo resulta de um processo sociopoltico mais complexo, do qual nos interesse aqui

    apenas a sua importncia na formao de um ethos do trabalho. Quando Ford iniciou suas

    atividades produtivas, o processo de racionalizao das atividades industriais j estava delineado no

    processo histrico que forjou e instituiu a disciplina fabril (PERROT, 1988). Nesse processo que

    tem o taylorismo como pice dessa tendncia racionalizao, essa prtica administrativa j estava

    em vigor em muitas indstrias americanas quando Ford iniciou suas atividades empresariais.

    Ao analisar o sentido dos altos salrios pagos aos trabalhadores no inicio do Fordismo nos

    Estados Unidos, Gramsci (2001) aponta esse fenmeno como parte de um processo de coao e

    persuaso dos trabalhadores, pois as caractersticas das tcnicas produtivas empregadas nas fbricas

    requeriam consenso entre os trabalhadores, conseguido [...] por meio de uma maior retribuio,

    que permita um determinado padro, capaz de manter e reintegrar as foras desgastadas pelo novo

    tipo de esforo (GRAMSCI, 2001, p. 273). Na anlise de Gramsci (2001), a indstria fordista tem

    algo de novo que explica esses fenmenos, que a exigncia pela especializao e qualificao de

    seus operrios que as demais indstrias ainda no demandavam, isto , um tipo de consumo da fora

    de trabalho muito mais extenuante, pois exigia o dispndio de fora e energia pelos trabalhadores

    muito acima da mdia das indstrias da poca, fato que nem o salrio alto conseguia compensar nas

    condies dadas pela sociedade.

    Dentro desse panorama, h ainda a regulamentao da vida social e pessoal do trabalhador

    ideal do Fordismo. Para que esse operrio pudesse gastar o seu salrio de acordo o novo padro de

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  • racionalidade, ele era orientado a uma conduo moral que se coadunasse com o novo homem

    requerido pela indstria. Para isso, Ford chegou a enviar equipes de assistentes sociais aos lares dos

    operrios para averiguarem se no estavam gastando de forma irracional, principalmente com

    bebidas, conforme as expectativas das corporaes (HARVEY, 1992).

    Alm disso, a prpria vida sexual dos trabalhadores passou a ser parte dos interesses das

    corporaes e a ser pensada em termos de regulamentao e racionalizao. Para Gramsci (2001),

    os novos mtodos de trabalho tayloristas/fordistas exigiam uma rgida disciplina at mesmo dos

    instintos sexuais, o que se refletia na tentativa de fortalecimento da famlia, na regulamentao e

    estabilidade dos laos afetivos e relaes sexuais. Dessa maneira, pode-se compreender o que

    Gramsci (2001) concebia como americanismo, isto , uma configurao, nos Estados Unidos e

    depois na Europa, de uma forma de organizao da produo que se constitui tambm em um

    modelo de construo do controle e da autoridade sobre os trabalhadores industriais por parte dos

    empresrios, que investiam no s na regulamentao dos processos de trabalho como tambm na

    vida social dos operrios. Alm disso, o prprio controle do bom comportamento durante a

    jornada de trabalho do operrio mediante diferenas salariais estendia a regulamentao para a vida

    privada dos trabalhadores. Dessa forma, as prticas da indstria Fordista repercutiam sobre o

    conjunto de toda a organizao social e engendrava, juntamente com aspectos socioeconmicos e

    polticos, o que ele denominou de americanismo.

    Diante desse quadro, tem-se a concluso de Gramsci (2001) de que a racionalizao do

    trabalho e o movimento proibicionista na sociedade americana, que objetivava impedir o

    consumo de qualquer substncia psicotrpica - at mesmo o lcool - esto intrinsecamente ligados e

    que as investigaes dos industriais sobre a vida ntima dos funcionrios para controle de sua

    moralidade no era mera hipocrisia puritana, mas parte [...] do maior esforo coletivo at agora

    realizado para criar, com rapidez inaudita e com uma conscincia de objetivo jamais vista na

    histria, um tipo novo de trabalhador e de homem (GRAMSCI, 2001, p. 266).

    Essas prticas de racionalizao do comportamento dos trabalhadores estiveram

    relacionadas, dessa maneira, com as prticas de gesto tipicamente tayloristas e fordistas. o

    processo e a organizao do trabalho de mos dadas com um comportamento social considerado

    adequado. Trata-se, portanto, da formao e compartilhamento de valores sociais que adequassem

    os trabalhadores disciplina fabril, ao taylorismo e fordismo como prticas de gesto do processo

    de trabalho prticas que se tornaram hegemnicas ao longo do sculo XX. A seguir, analisa-se

    como um ethos racional do trabalho foi construdo e compartilhado entre trabalhadores brasileiros

    no incio do sculo XX e impactou a constituio da fora de trabalho nos Correios.

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  • Racionalizao e Modernizao da Produo no Brasil

    A racionalizao da produo e do trabalho no Brasil e sua influncia nas organizaes

    pblicas e privadas devem ser compreendidas dentro do contexto de modernizao das atividades

    produtivas. O processo de racionalizao contido no taylorismo e fordismo, nesse sentido, mais uma

    vez tomado como parte de um processo mais amplo de modernizao que extrapola os limites do

    processo de produo e organizao do trabalho nas fbricas e indstrias, porque o mesmo

    entendido como parte de um processo social amplo que possui interfaces com o contexto

    socioeconmico e, tambm, poltico em que est inserido.

    Em sua introduo no Brasil, a racionalizao do trabalho - expressa por meio do taylorismo

    e fordismo vinculou-se aos projetos de industriais paulistas e a concepo que os mesmos tinham

    sobre a organizao social. No entanto, a racionalizao no Brasil no trilhou os mesmos passos que

    o processo nos Estados Unidos, possuindo algumas especificidades na elite brasileira. Assim, no

    houve uma simples transposio do iderio taylorista para o pas, mas uma adaptao aos interesses

    e especificidades produtivas nacionais (VARGAS, 1985).

    Em sua fase inicial de difuso no Brasil, que comea nos anos 1920 e se consolida na dcada

    de 1930, o foco estava mais na propagao dos princpios do taylorismo visando interferir na

    socializao da fora de trabalho assalariada e na concepo de trabalho dos tcnicos industriais

    engenheiros, psiclogos do trabalho, assistentes sociais, administradores, etc., alm dos esforos

    para influenciar a burocracia do servio pblico. Com isso, as tcnicas racionalizadoras foram

    empregadas no processo produtivo de forma bastante limitada nesse momento, restringindo-se a

    algumas indstrias. Portanto, a racionalizao do trabalho no Brasil, em seus primrdios, buscou

    criar as condies para estabelecer um processo de acumulao do capital que precisava de fora de

    trabalho disciplinada disposta a se submeter disciplina fabril, bem como formar essa mo-de-obra

    nas tcnicas industriais (ANTONACCI, 1993; VARGAS, 1985).

    Dessa forma, o recurso aos mtodos cientficos insere-se na dimenso poltica acionada

    pelos industriais paulistas, j que as preocupaes que os motivaram no foram apenas tcnicas,

    focadas na eficincia e eficcia das prticas produtivas de suas empresas, o que por si mesmo j

    comportaria essa dimenso poltica, mas os esforos desses empresrios estavam vinculados as

    contestaes coletivas, as mudanas sociais, as mudanas nas normas sociais e nas condies de

    vida que influenciavam, decisivamente, nas prticas e organizaes coletivas dos trabalhadores na

    dcada de 1920 e 1930 no Estado de So Paulo. Assim, recorrer instrumentalidade da tcnica,

    diante das transformaes sociais, tornou-se uma forma legitimada e neutra de administrar e

    circunscrever as resistncias operrias ao universo fabril e industrial, onde seriam trabalhadas e

    geridas tecnicamente (ANTONACCI, 1993).

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  • Ainda na dcada de 1920, os princpios racionalizadores do taylorismo e fordismo se

    manifestaram entre os industriais paulistas por meio da busca desses, segundo Vargas (1985), em

    controlarem a vida social dos trabalhadores, de forma a construrem uma tica consoante ao novo

    tipo de homem adaptado aos novos padres produtivos, fato que se aproxima da experincia

    americana, como bem analisado por Gramsci (2001). No Brasil, entretanto, os esforos pela criao

    de um consenso entre os trabalhadores no se manifestou no pagamento de salrios maiores que a

    mdia nacional, mas principalmente pelo reforo de crenas, valores, um ethos, e o controle do

    lazer, numa tentativa primeira de controlar e racionalizar o trabalhador, e s posteriormente o

    trabalho.

    Depois da revoluo de 1930 e incio da Era Vargas, os empresrios paulistas

    estruturaram suas atividades a partir da institucionalidade, isto , decidiram criar uma entidade para

    articular os esforos difusores da racionalizao. O Instituto de Organizao Racional do Trabalho

    (IDORT), criado em 1931, assim, a institucionalizao de uma tendncia racionalizante presente

    entre os industriais paulistas. A fundao do IDORT vincula-se a uma agregao de interesses

    dispersos de grupos empresarias, mas que visavam ao mesmo objetivo: aumentar o controle sobre a

    classe trabalhadora, tanto do processo de formao dessa classe quanto da organizao do trabalho.

    Assim, esse instituto assume um papel de catalisar a agregao de interesses constitudos de

    empresrios e industriais (ANTONACCI, 1993; VARGAS, 1995).

    Para a realizao das atividades a que se destinava, o IDORT foi organizado em duas

    divises: Diviso Administrativa e Diviso Tcnica do Trabalho, que passaram a divulgar por meio

    da mdia e do ensino acadmico os seus princpios, concepes, objetivos e trabalhos. A existncia

    dessas duas organizaes dentro do IDORT evidencia, ainda, a diversidade dos grupos empresariais

    existentes no instituto e os distintos propsitos destes grupos que visavam, conjuntamente, ampliar

    o domnio da classe patronal sobre o trabalho e os trabalhadores. De forma sucinta, pode-se dizer

    que a primeira diviso preocupou-se com os aspectos da organizao do trabalho e das estruturas

    administrativas das empresas, de forma a controlar o processo de trabalho, enquanto a segunda

    diviso tratou dos aspectos relativos execuo das atividades de trabalho segundo os princpios

    tayloristas/fordistas (ANTONACCI, 1993; VARGAS, 1985).

    A Diviso Administrativa, responsvel pelos aspectos estruturais das organizaes, em seus

    anos iniciais, implantou processos de trabalho racionalizados em algumas empresas dos associados,

    embora tenha redirecionado o trabalho, posteriormente, para a organizao administrativa da

    burocracia estatal. J a segunda diviso, a Diviso Tcnica do Trabalho, cujo principal diretor do

    perodo foi Roberto Mange, que desde 1924 j realizava trabalhos a partir da psicotcnica em

    cursos de preparao de pessoal para atuar em companhias ferrovirias de So Paulo, aplicou em

    suas atividades uma concepo revisada do taylorismo, que abarcava a dimenso mais humana

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  • nos processos de trabalho, numa crtica mecanizao que as tcnicas tayloristas impunham aos

    trabalhadores envolvidos no processo produtivo.

    A partir dessa experincia de Roberto Mange em cursos de preparao nas companhias

    ferrovirias, o IDORT estruturou o Centro Ferrovirio de Ensino e Seleo Profissional (CFESP),

    uma congregao de diversas empresas que passaram a liderar a aplicao do taylorismo no Brasil,

    j que possuam porte suficiente para disseminar os princpios racionalizadores a partir de sua

    influncia. Essa orientao para o ensino profissional vinculava-se preocupao dos industriais

    com a fora de trabalho nacional, que precisava de qualificao para no ser substituda por

    imigrantes, que poca organizavam-se politicamente e empreendiam aes coletivas mais

    aguerridas. Dessa maneira, interessa aos empresrios industriais formar uma mo-de-obra de acordo

    com os princpios tayloristas e fordistas (ANTONACCI, 1993; VARGAS, 1985).

    Dessas experincias do IDORT com o processo de racionalizao nos setores empresariais e

    produtivos, a influncia dos grupos patronais sobre o Estado e as esferas pblicas expandiu-se,

    principalmente quando o IDORT foi encarregado de analisar e indicar os caminhos para uma

    reforma administrativa no governo paulista, no inicio da dcada de 1930. A partir desse momento,

    portanto, os grupos empresariais e sociais que estavam envolvidos com os princpios e imaginrios

    da racionalizao social trataram de expandir suas atividades ao Estado como forma de consolidar o

    processo de racionalizao. A partir disso, portanto, o IDORT e o modelo de organizao social

    preconizado passou a fazer parte no s do governo paulista e dos demais governos estaduais, mas

    tambm do prprio Estado Novo (ANTONACCI, 1993).

    Dessa maneira, a partir da inspirao da Diviso Administrativa do IDORT, o Estado Novo

    criou, em 1939, o Departamento Administrativo do Servio Pblico (DASP), que ficou responsvel

    pela administrao das reparties pblicas federais e pela formao tcnica dos funcionrios

    pblicos, tornando-se, juntamente com o IDORT, o principal propagador, na esfera pblica, das

    idias racionalizadoras.

    A experincia da Diviso Tcnica do Trabalho, um dos braos do IDORT, com o ensino

    profissional nas ferrovias levou o governo a direcionar suas aes para o ensino industrial,

    resultando na criao em 1942 do Servio Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) de acordo

    com os moldes do CFESP, e com Roberto Mange como principal lder. Em seguida, a partir da

    experincia de um industrial que por meio de projetos de assistncia social fornecida aos

    trabalhadores conseguiu neutralizar a ao de movimentos grevistas, fundou o Servio Social da

    Indstria (SESI). Nessa estratgia, o SESI e o SENAI foram vinculados aos sindicatos patronais de

    cada Estado, com o presidente dessas entidades respondendo tambm por aquelas (ANTONACCI,

    1993; VARGAS, 1995).

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  • Diante disso, depreende-se que a difuso da racionalizao por meio do taylorismo e

    fordismo no Brasil nas dcadas de 1930 e 1940 foi conduzida tanto pelo setor pblico como pelo

    privado. Nessa fase, os esforos foram no sentido de socializar a fora de trabalho conforme as

    necessidades da nova disciplina industrial. A este fato aliou-se a busca pelo desenvolvimento

    tcnico precedido pela conformao e adequao da mo-de-obra, fato que teve intenso

    desdobramento por meio das campanhas de divulgao dos ideais da racionalizao e pela formao

    de mo-de-obra tcnica para atuar nas fbricas e indstrias, objetivo que evitava amenizar os

    descontentamentos entre os operrios. Alm disso, o prprio papel das instituies acadmicas e a

    formao do aparelho burocrtico estatal convergiam com esse processo e eram empregados nesse

    propsito (VARGAS, 1985).

    Esse primeiro momento em que a racionalizao e o taylorismo so empregados no Brasil

    est relacionado, portanto, com a implantao de princpios e prticas controladoras, sobretudo os

    concernentes organizao social e ao controle da fora de trabalho, para que a mesma se

    coadunasse com a disciplina fabril e com o projeto de nao moderna preconizado pelos

    industriais paulistas, sendo desse perodo o esforo para a socializao do trabalho assalariado, o

    domnio das tcnicas industriais e a integrao de engenheiros e administradores s indstrias.

    Em um segundo momento, que se inicia a partir do governo de Juscelino Kubitschek na

    dcada de 1950, o processo de difuso da racionalizao incorporou tambm as tcnicas tayloristas

    no processo produtivo. Buscava-se, nesse momento, mudar os padres de produo das indstrias

    nacionais. A modernizao do processo produtivo nesse momento o cerne dos fatores que

    permeiam as discusses que visam ao incremento da produo e do desenvolvimento da indstria

    nacional, que precisava, ento, se modernizar para acompanhar o processo de internacionalizao

    da economia, que tem na instalao da indstria automobilstica o seu pice (VARGAS, 1985).

    Esse processo converge com os interesses dos empresrios nacionais e com as propostas dos

    governos nas dcadas de 1950 e 1960 de implantar reformas e aumentar a competitividade da

    indstria nacional por meio da modernizao da estrutura produtiva a partir dos modelos aceitos e

    utilizados internacionalmente que ainda era o taylorismo/fordismo e com o capital produtivo

    industrial, fato que teve no Plano de Metas de JK, que pretendia fazer cinqenta anos em cinco, a

    maior representatividade dessa concepo de desenvolvimento. Assim, o taylorismo difundiu-se

    nesse segundo momento nas indstrias e sociedade no apenas como princpio, mas tambm como

    forma de administrar o processo produtivo das indstrias e fbricas.

    Dessa forma, no pice da Ditadura Militar na dcada de 1970, algumas tcnicas e princpios

    do taylorismo foram adaptados s condies nacionais, propiciando sua implantao em

    atividades empresariais, embora tal implantao tenha se adaptado s condies sociais locais, o

    que propiciou a adoo de tcnicas e instrumentos tayloristas e racionais de maneira parcial,

    9

  • segundo as convenincias da gesto nas condies socioeconmicas do perodo. Na prxima seo,

    analisa-se como se configurou, nos Correios, um ethos do trabalho que cimentou o processo de

    organizao das atividades produtivas e suas prticas de gesto e relaes de trabalho.

    Os Correios no Brasil no Sculo XX: modernizao, racionalizao e disciplina

    A atividade postal no Brasil iniciou-se ainda no sculo XVII. Desde ento, essa atividade

    est submetida responsabilidade do Estado e sob as influncias das mudanas institucionais e

    socioeconmicas por que o pas tem passado. Dessa maneira, ao analisar as transformaes

    ocorridas no servio postal brasileiro ao longo do sculo XX, convm compreender como os

    aspectos sociais influenciaram a conformao dessa atividade e na forma como a sua gesto

    realizada de maneira consoante aos contextos sociais.

    Nesse sentido, ao final do sculo XIX, quando finda o Perodo do Imprio e a Repblica

    proclamada no Brasil, mudanas administrativas e tambm simblicas ocorreram na estrutura dos

    Correios. As mudanas simblicas esto relacionadas passagem do Regime Imperial ao

    Republicano, que implicou numa mudana dos smbolos da administrao pblica e,

    conseqentemente, da empresa, pois at mesmo as caixas de coleta de correspondncia tiveram o

    braso alterado como parte dos novos tempos nos servios pblicos.

    Nesse perodo, a Repartio Postal, que at 1890 esteve sob responsabilidade do Ministrio

    da Instruo Pblica, Correios e Telgrafos foi submetida, como parte das mudanas, ao Ministrio

    da Indstria, Viao e Obras Pblicas em 1894, permanecendo sob esse Ministrio at 1967,

    quando o Ministrio das Comunicaes foi criado e o ento DCT foi subordinado ao mesmo. Pelo

    perodo que se estendeu por toda a Repblica Velha, ou seja, at 1930, um dos principais

    instrumentos utilizados pela Repartio de Correios para a gesto de suas atividades postais era o

    Boletim Postal, um jornal interno que apresentava em seu contedo orientaes de servios,

    nomeaes e exoneraes, assinatura de acordos, informaes de interesse geral e tambm sobre a

    criao e extino de agncias.

    Segundo Barros Neto (2004), no se tem informaes consideradas estratgicas nesses

    boletins que indiquem uma preocupao futura com a prestao dos servios postais, mas apenas

    assuntos pertinentes s rotinas cotidianas de prestao dos servios. Para esse autor, h a percepo

    de que h foras paralisantes nos Correios nesse perodo que no possibilitavam nenhuma viso

    estratgica para o futuro, o que impedia a realizao de investimentos, fato que gradativamente

    levou a decadncia dos servios prestados, ainda no incio da dcada de 1930.

    Com a chamada Revoluo de 1930 e o fim da Repblica Velha, inicia-se a Era Vargas, que

    influenciou de forma decisiva no s a configurao dos servios postais no Brasil, como tambm

    nas demais esferas da administrao pblica. A percepo que se tinha no incio da dcada de 1930

    10

  • era que os servios postais apresentavam dificuldades em sua realizao, com constantes atrasos e

    com a concorrncia de empresas particulares, alm de ter o seu principal meio de comunicao

    interna o Boletim Postal nas mos de funcionrios despreparados para o exerccio dessa funo,

    o que se somava a falta de normatizao e sistematizao da prestao dos servios postais.

    Nessa poca, ainda durante o Governo Provisrio de Vargas, Jos Amrico de Almeida foi

    nomeado como Ministro da Viao e Obras Pblicas. Sobre esse momento, ele faz a seguinte

    anlise sobre os funcionrios dos Correios:Nos Correios, no fora organizado, nem disciplinado o funcionalismo. [...] No foi selecionado, convenientemente, o pessoal para o trfego. Entrechocam-se os horrios regulamentares com interesses privados. [...] Os Correios constituram, tradicionalmente, o encosto de filhos-famlia e de pessoas que precisavam de uma achega ou de dividir o tempo entre as funes pblicas e deveres de outra natureza, exercidos fora da repartio. [...] estafetas (carteiros) protegidos, como mensageiros dos telgrafos, eram retirados da distribuio domiciliria para os servios internos. [...] Paralelo aos titulados, proliferava o extravagante conglomerado de diaristas de admisso sumria (ALMEIDA, 1933, p. 150-152).

    De acordo com Almeida (1933), esses problemas enfrentados em relao ao funcionalismo

    eram generalizados em diversos rgos da administrao pblica, mas ainda mais marcante nos

    Correios, o que exigia antes de tudo, a independncia moral do funcionalismo (ALMEIDA, 1933,

    p. 05). Para incutir esse novo esprito, o Ministro expediu circular determinando que, enquanto

    estivessem no trabalho nas reparties, os funcionrios deveriam continuar os procedimentos,

    sentados ou nas posies respectivas e necessrias ao trabalho, caso chegasse qualquer autoridade

    superior, o que garantiria uma liberdade poltica ao funcionalismo (ALMEIDA, 1933, p. 05). Alm

    disso, as ingerncias externas sobre as reparties pblicas, como era o caso dos Correios, era

    tamanha que no impactava somente nos procedimentos de contratao, mas eram tambm

    desastrosos os desestmulos, as quebras do princpio de autoridade, as subservincias criminosas e

    a perturbao geral dos servios (ALMEIDA, 1933, p. 06).

    Para resolver os problemas enfrentados, Jos Amrico de Almeida chegou a afirmar que

    transformaria os Correios numa praa de guerra, caso isso fosse necessrio para transformar a

    empresa (BARROS NETO, 2004). Inicialmente, suas aes foram no sentido daquilo que se pode

    denominar de burocratizao da mquina pblica, exonerando funcionrios designados para a

    empresa pelos vnculos polticos, estabelecendo critrios para a promoo dos funcionrios, que

    mediante rigoroso exame nos assentamentos de todo o pessoal, para o fim da organizao, em cada

    categoria, de uma lista de promoes por merecimento, obedecendo aos requisitos de zelo,

    assiduidade e competncia (ALMEIDA, 1933, p. 06). Nessa poca, instituiu-se o concurso para

    acesso aos cargos dos Correios.

    Como parte das medidas tomadas para resolver esses problemas, o Ministrio da Viao e

    Obras Pblicas determinou o congelamento do quadro de pessoal, a abertura de concursos para a

    11

  • regularizao dos diaristas, a preparao de cursos de capacitao para os concursados, a extino

    de agncias e linhas de conduo das malas postais, pois essas medidas melhorariam, no

    entendimento dos administradores da empresa, a qualidade dos servios prestados pelos

    funcionrios e a mentalidade do pessoal (ALMEIDA, 1933).

    Assim, para atingir o objetivo de melhoria e modernizao dos servios, o Ministrio da

    Viao e Obras Pblicas trabalhou na formao de prticas rgidas, disciplinadas e ordenadas para

    os funcionrios e para a execuo das atividades na empresa, principalmente no sentido de

    burocratizar e racionalizar o funcionalismo. De acordo com Barros Neto (2004), a disciplina, o

    mrito e a hierarquia passaram a fazer parte da rotina dos Correios e dos demais Departamentos

    subordinados ao Ministrio da Viao e Obras Pblicas, embora nos Correios isso tenha sido levado

    adiante, enquanto nos demais tal tentativa tenha malogrado.

    Alm disso, como parte dos planos de reformulao da administrao pblica na Era Vargas,

    toda a estrutura administrativa dos Correios passou por mudanas, j que esta instituio integrava a

    estrutura poltico-administrativa do pas que passava, ento, pelas transformaes no s

    institucionais, mas que visavam tambm interferir no desempenho e na capacidade tcnica dos

    rgos administrativos. Nesse sentido, dentre as transformao por que os Correios passaram, est a

    unificao, em 1931, da Administrao Geral dos Correios com a Repartio Geral dos Telgrafos,

    originando o Departamento de Correios e Telgrafos (DCT), que ficou subordinado ao Ministrio

    da Viao e Obras Pblicas. Somada a essa estrutura central, as administraes regionais dos

    Correios transformaram-se em Diretorias Regionais, responsveis pela administrao dos servios

    em Estados da federao, estrutura administrativa que ainda se mantm na empresa.

    Com essas medidas, a qualidade dos servios postais melhorou na dcada de 1930, at

    mesmo porque era parte do panorama institucional da Era Vargas a criao de estatais, e o

    soerguimento e reformulao dos Correios estava inserido nesse contexto. As medidas adotadas

    pelo Governo Vargas, portanto, estavam dentro de um contexto institucional mais amplo, que

    visava criar diversas estatais e melhorar a qualidade dos servios prestados pelas existentes, o que

    explica os esforos em melhorar os servios postais e a criao do DCT, j que a Repartio dos

    Correios apresentava uma srie de problemas que implicavam na ineficincia dos servios como,

    por exemplo, constantes atrasos, funcionrios despreparados e a falta de sistematizao e de normas

    que regulassem a prestao dos servios postais (ALMEIDA, 1933; BARROS NETO, 2004).

    Esse processo precisa ser analisado dentro do quadro social e institucional do pas,

    principalmente em relao s idias e concepes de sociedade ento em voga nos meios

    empresariais. nesse quadro que se encontra o processo de racionalizao que se manifestava no

    contexto brasileiro das dcadas de 1920 a 1940, que inicialmente pretendia a formao de quadros

    disciplinados e adaptados ao trabalho disciplinado, como propunham os adeptos da racionalizao.

    12

  • Dessa maneira, depreende-se que as transformaes da dcada de 1930 nos Correios, como a

    criao do DCT e as transformaes institucionais so parte do mesmo processo que visava criar

    uma fora de trabalho para que estivesse fundado na disciplina, ordem e adequao ao trabalho

    industrial.

    nesse sentido que se identifica a influncia que a racionalizao no Brasil exerceu sobre os

    Correios na dcada de 1930 e 1940, principalmente a partir da influncia das idias propagadas pelo

    IDORT sobre os servios pblicos, que se manifestou na criao do DASP e a influncia que estas

    duas instituies exerceram sobre a formao da disciplina industrial e reformas racionalizadoras

    nos servios pblicos.

    Sendo assim, os processos de transformao e formao da fora de trabalho nos Correios

    que estivessem mais alinhados aos princpios da burocratizao dos servios e de uma nova

    mentalidade e de um novo esprito, como afirmou Almeida (1933), esto imersos no contexto

    poltico e social brasileiro, que objetivava, por meio de novas crenas, valores e disciplina, formar

    trabalhadores adequados e socializados ao trabalho nas atividades industriais. esse mesmo

    processo de racionalizao do trabalho que propulsiona as reformas da Repartio dos Telgrafos e

    da Administrao dos Correios, transformando-os no DCT, de forma mais sistematizada,

    normatizada e com novos princpios de gesto, mais direcionados e alinhados ao contexto

    institucional brasileiro.

    Esse processo de racionalizao da fora de trabalho nos Correios se estendeu para alm da

    dcada de 1930. Nesse sentido, quando o DCT impe reformas que tinham como foco os

    funcionrios, como a necessria disciplina de seus funcionrios, preciso relacion-las a esse

    contexto histrico e social. A seguir, apresenta-se um excerto de um relatrio do DCT de 1941 que

    abordava a formao de um novo ethos para o trabalhador da empresa: Estabelecido em regulamentos e ordenaes administrativas, o uso do uniforme no era, todavia, adotado em carter obrigatrio, o que revelava a incompreenso das convenincias e dos termos expressos das prescries a observar. O Estatuto, consagrando os dispositivos anteriores, incluiu entre os deveres do funcionrio, o de apresentar-se em servio, decentemente trajado ou com uniforme respectivo, tornando-o passvel de punio disciplinar, quando procede de modo contrrio. [...] observando-se as maiores e mais bem organizadas instituies, evidencia-se que no foi o castigo, mas a compreenso, que as fez modelares. H uma fora muito maior, que o sentimento do dever, a de determinar o comportamento de cada um. A exigncia de o funcionrio comparecer ao trabalho vestido com decncia no importa, apenas reclamo do corpo, mas louvvel sentimento de ordem e asseio, de interesse e zelo consigo mesmo, significativos de um estado de esprito que no pode deixar de refletir-se beneficamente nas tarefas que executa. Nas inspees levadas a efeito, quer na sede, quer nas reparties do Departamento, fcil era verificar que o pessoal sujeito a uniforme ora era admitido em servio sem fardamento, ora indevidamente uniformizado, mal asseado, causando muitas vezes desagradvel impresso. As organizaes se impem, adquirem confiana e infundem respeito, pela ordem, pela disciplina, pela harmonia entre a aparncia e a realidade.

    13

  • Onde quer que se penetre, onde quer que se receba a correspondncia, teremos na apresentao correta dos que usam uniforme um ndice de disciplina e de perfeita execuo dos servios. Um exrcito no nos infundir confiana, ou no nos despertar entusiasmo, se os seus soldados no se apresentarem corretamente uniformizados. [...] o carteiro ou mensageiro, que entrega uma carta ou um telegrama, no deixar no esprito de quem os recebe, embora o servio se realize com regularidade, a certeza de que efetivamente assim ocorre, se se apresentar mal fardado, desalinhado, ou em atitude negligente (Relatrio de 1941, apud BARROS NETO, 2004, p. 63-64).

    A partir das anlises de Gramsci (2001) sobre a formao do ethos adequado ao trabalho no

    fordismo, ou seja, de uma racionalizao necessria do prprio corpo, dos hbitos e

    comportamentos que possibilitassem uma adequao s atividades produtivas industriais,

    compreende-se como - por meio de tentativas de impor aos funcionrios no somente o uso do

    uniforme mas tambm a maneira de us-lo, o que exigiu muito mais que uma vestimenta, mas uma

    disciplina para utiliz-lo os princpios da racionalizao estavam presentes e difundidos nos

    Correios que tentavam impor aos seus funcionrios esses padres comportamentais.

    A formao dessa fora de trabalho disciplinada, com comportamentos adequados e

    disciplinados ao trabalho tornou-se uma busca constante por parte da empresa, tanto que o uso da

    farda pelos carteiros (como o uniforme, numa clara aluso aos jarges militares, denominado

    por alguns funcionrios da empresa) ainda hoje motivo de preocupao e admoestaes. Tanto

    que, ao receber os uniformes novos, os carteiros recebem dentro da embalagem um panfleto

    intitulado Manuteno dos Uniformes, no qual se encontram as seguintes recomendaes:

    Prezado Colaborador, Voc est recebendo um uniforme que mais do que simplesmente um artigo de vesturio, pois trata-se da imagem da ECT circulando por todas as ruas do Brasil. Voc o nosso representante junto aos clientes e sua aparncia muito importante, por isso, devemos zelar por sua manuteno. Para tanto, descrevemos algumas medidas a serem tomadas na sua conservao [...].

    em articulao com essa recomendao que se deve buscar a compreenso para os

    dilogos presenciados pelo pesquisador em uma unidade operacional da empresa. Em uma reunio

    com os carteiros que pude presenciar durante pesquisa sobre as prticas de gesto na ECT, antes do

    incio das atividades de trabalho, e em um dia em que trs novos carteiros estavam de transferncia

    para a unidade, o gestor comentou sobre os novos uniformes que seriam distribudos e exortou: Vocs trabalham numa rea nobre da capital. Trabalham com um pblico diferenciado. Fao questo que todos andem com o uniforme por dentro da cala, com o sapato engraxado e de cinto! Tem camarada que fica sem cinto e a barriga fica cada, numa coisa medonha! Graas a Deus, a gente no tem esse problema aqui. A gente anda por outras unidades, como o CDD... [cita o nome do CDD] e encontra verdadeiros carteiros-mulambos!

    14

  • No contexto, a fala do gestor da unidade provocou gargalhadas e comentrios jocosos entre

    os carteiros e funcionrios do Centro de Distribuio Domiciliria. Uma carteiro comentou com um

    colega:

    Meu marido me perguntou outro dia por que alguns carteiros andam to maltrapilhos. A eu falei pra ele que por desleixo pessoal, j que a empresa d uniforme com freqncia, mas que tambm depende das chefias cobrarem.

    Diante disso, observa-se que o intuito da empresa de impor o uso e a forma como o

    uniforme devia ser usado ainda na dcada de 1940, que estava num contexto social em que as

    tentativas de criar uma socializao da disciplina fabril e industrial, de orientao taylorista/fordista,

    estava dentro de um contexto em que no era somente o uso do uniforme que estava em questo,

    mas a socializao de valores, de uma disciplina para o trabalho e comportamental dentro de uma

    lgica da racionalizao. Assim, a construo de um novo ethos para o trabalho entre os

    funcionrios da empresa, ao regulamentar a maneira como deviam vestir-se, exemplifica esse

    momento, que se atualiza, como evidenciado pela apresentao das instrues do panfleto

    relacionado manuteno dos uniformes dos carteiros, que trata da responsabilidade do carteiro

    representar a empresa por meio de seu uniforme. Pela fala da funcionria, esses valores foram

    incorporados rotina disciplinada e ao ethos racionalizante, sendo atualizados pelos prprios

    carteiros.

    Esse processo de racionalizao, que acompanha o primeiro momento de introduo dos

    princpios do taylorismo/fordismo no Brasil, cimenta o processo posterior de modernizao da

    empresa. Como pode ser observado pelas mudanas na ordem institucional e no foco das

    transformaes por que a empresa passou. Essa lgica disciplinar e da racionalizao foram

    reforadas e se reproduziram na empresa por meio das aes de gestores militares, como veremos a

    seguir.

    A Influncia Militar na Constituio de um Ethos Autoritrio nos Correios

    Analisar a influncia dos militares na constituio dos Correios importante para se

    compreender como influenciaram a formao do ethos que predominaria na empresa como tambm

    na implantao de reformas dos processos produtivos cimentadas sobre essa base dos valores

    sociais.

    A presena dos militares na instituio antiga, remonta ainda ao perodo Imperial, com a

    implantao das redes telegrficas no pas, sendo que foi na Repblica Velha que essa presena se

    tornou mais constante, sendo, inclusive, as foras militares que se integraram para a criao dos

    servios dos Correios Areos Militar e Naval, ocorrida em 1919. No entanto, a presena e a

    influncia dos militares na organizao se manifestaram mais intensamente a partir da dita

    15

  • Revoluo de 1930, fato decorrente do aumento das nomeaes de militares para ocuparem cargos

    de chefia na empresa, sobretudo na Administrao Geral do Departamento de Correios.

    Desde ento, a disciplina, o mrito e a hierarquia passaram a fazer parte da rotina dos

    Correios e dos demais Departamentos subordinados ao Ministrio da Viao e Obras Pblicas,

    embora nos Correios isso tenha sido levado adiante, enquanto nos demais tal tentativa tenha

    malogrado. ainda significativo o fato de que mesmo durante governos democrticos os militares

    continuaram nos cargos administrativos dos Correios, permanecendo nessa organizao at meados

    da dcada de 1980. Nesse perodo em que estiveram na organizao, os valores e prticas militares

    ordem, disciplina e hierarquia foram incorporados ao cotidiano dos Correios, impregnando as

    aes dos gestores e funcionrios (BARROS NETO, 2004).

    Mesmo no perodo democrtico entre 1946 e 1964, os militares no foram afastados da

    administrao dos correios, embora a capacidade de gerir essa instituio conforme se administra

    uma organizao militar tenha se debilitado. Sendo que nesse perodo a qualidade dos servios

    prestados pelo DCT se mostram cada vez mais precria, como mostrado anteriormente. Com o

    golpe militar de 1964 e a criao da ECT em 1969, os militares voltaram a administrar a empresa

    conforme seu modelo de gesto e aplicaram na instituio seus valores e prticas.

    Os casos a seguir, relatados por funcionrios da empresa, exemplificam essa aplicao de

    prticas autoritrias nos correios: Assim que os militares assumiram os correios a coisa ficou preta. Todo mundo tinha que trabalhar mesmo, no se tolerava mais atrasos, era muita presso. Eu era um funcionrio que tomava conta dos colegas l na Vila Mariana, um cargo informal. De repente, um dia, o coronel me chama e mais todos aqueles que por algum motivo foram indicados como de confiana. Ele nos reuniu e disse que agora ramos monitores, que amos tomar conta mesmo dos colegas de verdade, que tudo de errado tinha que ser informado. Eu pedi licena e falei que no queria, que preferia continuar a entregar cartas. O coronel disse, na frente de todo mundo, gritando, que quem manda agora sou eu, voc s obedece e vai fazer o que eu estou mandando seu FDP! Fiquei com vergonha e medo de ser preso ou alguma coisa parecida, mas a tudo comeou a melhorar, recebi aumento j no ms seguinte, depois fui fazer curso de supervisor, tudo ficou muito melhor do que era. Depois daquele dia nunca mais tive coragem de falar nada! (BARROS NETO, 2004, p. 71)

    H ainda o seguinte caso que exemplifica a forma de gesto dos militares nos correios: Um dia o coronel (Diretor Regional de So Paulo na dcada de 70) chegou no meu CDD (Centro de Distribuio Domiciliria) para uma visita. Para meu azar, os carteiros j tinham sado para a rua, mas tinha ficado em cima de uma bancada um montinho de cartas. O coronel me perguntou o que era aquilo e eu disse que eram cartas que provavelmente algum carteiro tinha esquecido. Pra qu! O homem disse nego segura na broxa porque vou puxar a escada e no dia seguinte recebi o comunicado que estava dispensado da chefia e transferido para Sorocaba. Rodei o interior todo, sem chefiar mais nada, (...). Com os coronis era assim, a gente tinha que saber de tudo e fazer tudo certinho, se no, danava feio. E Teve uma vez, acho que era final de 79, que prometeram para ns um aumento que no veio, ai o pessoal resolveu fazer um abaixo assinado questionando a empresa sobre o tal aumento e mandamos para a GAP [na poca era a Gerncia de Administrao de Pessoal]. Trs dias depois todo mundo do setor foi mandado embora (BARROS NETO, 2004, p. 71).

    16

  • Segundo Barros Neto, virou lugar comum na empresa o mote Manda quem pode, obedece

    quem tem juzo (BARROS NETO, 2004, p. 72). Assim, possvel vislumbrar como a organizao

    militar, que valoriza e enfatiza a disciplina, a ordem e a hierarquia, tornaram-se valores e prticas

    cotidianas na ECT, presentes em todo o processo organizacional da empresa. A seguir, analisa-se

    como essas prticas autoritrias reproduziram-se nos Correios.

    As Escolas de Correio e a Reproduo de um Ethos Autoritrio

    Os valores e as prticas de gesto dos militares que ocuparam os cargos de gesto na direo

    dos Correios passaram a ser socializados e cultivados tambm pelos gestores civis dessa

    organizao. As Escolas de Correio foram os espaos institucionais onde esses valores e prticas

    foram reproduzidas, j que essas escolas tinham como objetivo formar os novos gestores da

    organizao.

    A criao de espaos de treinamento e formao de pessoal qualificado para o exerccio das

    atividades postais se manifesta como uma reao qualidade dos servios da empresa. Isso porque

    na dcada de 30, ainda no antigo Departamento de Correios e Telgrafos (DCT), diante da

    prestao de servios de forma ineficiente e precria, os gestores militares que assumiram a

    empresa tomaram diversas medidas visando melhorar a qualidade dos servios. Dentre essas

    medidas, uma em especial tinha o objetivo de proporcionar a melhoria da mo-de-obra que servia

    ao DCT pela profissionalizao da mesma, objetivo que passou a ser buscado ainda no comeo da

    dcada de 1930 com a criao da Escola de Aperfeioamento dos Correios e Telgrafos

    (ALMEIDA, 1933).

    Essa escola foi criada tendo como objetivo, portanto, o preparo dos funcionrios tanto no

    plano terico como tcnico. Essa escola foi criada a partir da concepo dos militares sobre a

    formao dos funcionrios dos Correios, j que na lgica desses agentes era necessrio criar uma

    escola para a preparao desses funcionrios da mesma maneira que havia as escolas militares para

    a preparao do pessoal das foras armadas (BARROS NETO, 2004).

    Essa experincia inicial teria sido bem sucedida naquele momento, segundo os parmetros

    dos militares, de forma que essa mesma experincia foi novamente realizada na dcada de 1970, j

    que a premissa que orientava as diretrizes da empresa supunha o sucesso da empresa como sendo

    de responsabilidade dos seus funcionrios, o que se manifestava na necessidade de aumentar a

    qualificao dos seus quadros. A partir disso, criou-se na empresa o Departamento de Recursos

    Humanos, que ficou responsvel em desenvolver atividades e planos para o treinamento tcnico e

    gerencial.

    Como parte desses planos, foi criado o Curso de Administrao Postal em convnio com a

    PUC/RJ no ano de 1971 que formou cinco turmas e, logo em seguida, foi criada a Escola Superior

    17

  • de Administrao Postal (ESAP), que funcionou at 1998 com o objetivo de formar uma elite de

    funcionrios altamente capacitados para os postos de maior responsabilidade da Empresa, que

    ocuparo depois do curso funes de Chefia, de Gerncia, de Assessoria e atividades de

    Planejamento nos diversos rgos da Administrao Central e das Diretorias Regionais (BARROS

    NETO, 2004, p. 77).

    Na ESAP, at mesmo os exames de sade realizados para ingresso na instituio, que abria

    concurso externo para escolher os alunos, eram rigorosos, mesmo que no se tivesse a necessidade

    aparente de tal aptido fsica, o que associa essa atitude a prtica militar de escolher seus quadros

    conforme certas aptides fsicas. Alm disso, o curso funcionava em horrio integral, o que por si j

    era uma forma de isolamento dos estudantes do convvio social costumeiro, alm de servir como um

    instrumento de disciplina e de dominao. Tratava-se de uma escola com o intuito de formar as

    lideranas da empresa conforme os que j administravam, isto , conforme as prticas militares.

    Nessas escolas, o que mais importava no eram as disciplinas cursadas, mas a socializao

    por que passavam os alunos ali, que diferenciava claramente o ns do eles, ou seja, essa

    socializao recriava a diferenciao entre os nveis hierrquicos diferentes da empresa, refazendo a

    distncia entre os lderes da organizao e os demais trabalhadores que no pertenciam a essa

    elite de funcionrios.

    importante ressaltar que essas prticas similares a militar que foram implantas nos

    Correios com uma clara noo de hierarquia e de disciplina foram to rgidas, segundo Barros Neto

    (2004), que durante muito tempo as punies eram utilizadas para intimidar e pressionar

    coletivamente a todos os funcionrios. Isso fica claro ao se notar que ao punir um funcionrio a

    penalidade que lhe era aplicada era divulgada nos meios de comunicao interna da empresa, alm

    de ser lida em voz alta para todos os empregados do setor de trabalho do funcionrio punido e

    afixada nos quadros de aviso das unidades de trabalho.

    Conforme Barros Neto (2004), era prtica comum na empresa durante o regime militar o

    discurso relacionado ao dever do funcionrio de sempre obedecer e somente depois questionar.

    Assim, a socializao dos novos funcionrios com base nesses mesmos padres era apenas questo

    de enquadramento pela convivncia, j que todos se submetiam a essas prticas na empresa. Todos

    os novatos precisavam aceitar tais valores e prticas, o que permitiu a reproduo desses

    comportamentos e prticas de gesto autoritria na organizao.

    Nesse contexto, durante a dcada de 1970, com o objetivo de estruturar a organizao do

    trabalho nas unidades operacionais da empresa, a ECT, sob direo dos militares, iniciou um

    processo de implantao do taylorismo como tcnica de organizao do trabalho, de maneira que os

    objetivos e princpios traados para essa tcnica de organizao da produo - aumentar o controle

    sobre a organizao do trabalho fossem atingidos. Essa relao entre a estruturao do processo

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  • de produo e o contexto scio-histrico da Ditadura Militar que possibilitou a presena de gestores

    militares nos principais cargos gerenciais dos Correios propiciou a combinao das prticas

    militares que enfatizam o respeito hierarquia, ordem e disciplina com os princpios tayloristas

    e fordistas que enfatizam a necessidade de controle da organizao do trabalho a fim de aumentar a

    eficincia e produtividade do trabalho. Sendo assim, at o incio da dcada de 1990 o taylorismo foi

    utilizado como tcnica de gesto utilizada para a conduo das atividades de trabalho, fato que

    influenciou diretamente as relaes sociais de produo nas unidades operacionais da empresa.

    A partir de 1995, quando se inicia o processo de reestruturao produtiva na ECT, tcnicas

    de organizao da produo de orientao toyotista foram introduzidas na organizao das

    atividades de trabalho nas unidades operacionais, como os centros de distribuio domiciliria.

    Assim, diversos programas de controle de qualidade, tcnicas de organizao da produo e

    aspectos ideolgicos desse modelo de produo passaram a fazer parte do cotidiano do cho de

    fbrica da empresa, sem romper, no entanto, com a lgica de controle, disciplina e racionalidade do

    trabalho.

    Consideraes Finais

    As orientaes societais permeadas por um ethos do trabalho direcionado e

    instrumentalizado pelas organizaes capitalistas constituem-se numa das profundas transformaes

    por que passou a sociedade ocidental, principalmente ao longo do sculo XX, seja nas econmicas

    centrais ou perifricas como o Brasil.

    Nesse sentido, a investigao apresentada neste trabalho, que buscou compreender como um

    ethos do trabalho foi constitudo e reproduzido nos Correios por meio de prticas educativas que

    permearam as relaes sociais de produo, insere-se nesse contexto que permeou a sociedade

    brasileira, principalmente a fora de trabalho submetida aos esforos de industriais e de idelogos e

    agentes do Estado orientados no sentido de formarem uma mo-de-obra adequada, racionalizada e

    disciplina para o trabalho.

    Sendo assim, os princpios do fordismo e taylorismo no Brasil, sobretudo quando j

    exerciam sua influencia sobre o Estado brasileiro por meio da formao do DASP, constituram-se

    em elementos formadores da fora de trabalho no s nas indstrias, mas tambm no servio

    pblico. Com isso, o objetivo de soerguimento de empresas e atividades pblicas durante o Estado

    Novo apresentou-se como importante momento de difuso e de formao de um ethos do trabalho,

    inclusive, como discutido, nos Correios, ocasio em que a fora de trabalho nessa estatal ainda no

    estava racionalizada e adaptada aos novos rumos da organizao do trabalho.

    Dessa maneira, a partir das orientaes para se constituir tal ethos do trabalho na

    organizao ainda em meados das dcadas de 1930 e 1940, apresentou-se como uma confluncia de

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  • diretrizes sociais da elite industrial brasileira, que estendia sua influncia sobre a formao dos

    servios pblicos e a tambm corroborava suas intenes racionalizadoras e disciplinadores.

    Quando h, durante a Ditadura Militar, uma interveno direta de agentes das foras armadas sobre

    os Correios, a lgica de disciplina fabril racionalizada, de origem fordista e taylorista, associou-se

    ao ethos dessa instituio, o que reforou a lgica de uma racionalizao e controle sobre os

    trabalhadores.

    A partir disso, no somente os comportamentos dos funcionrios tornaram-se o alvo da

    racionalizao, mas a prpria organizao do trabalho, que foi estrutura e organizada a partir da

    dcada de 1970 com base no modelo taylorista de organizao do trabalho. Com isso, o controle

    sobre o processo produtivo e sobre o trabalho foi reforado. Agora, no mais apenas o ethos era

    racionalizado, mas tambm a organizao do trabalho. Em busca de aumentar sua produtividade e

    consoante aos processos de reestruturao produtiva, na dcada de 1990 a ECT reformulou o

    processo de trabalho de suas unidades operacionais a partir do modelo de gesto toyotista, fato teve

    um reforo sobre o controle dos trabalhadores, j que institui um hibridismo entre prticas de gesto

    taylorista/fordista com o modelo de gesto toyotista. Essa prtica hbrida de gesto, associada ao

    ethos racionalizado e militarizado, contribui enormemente para o reforo do autoritarismo dos

    gestores, para o dissenso entre os trabalhadores e para o acentuado nmero de punies,

    absentesmo, doenas ocupacionais, etc., presentes nas unidades operacionais da Empresa Brasileira

    de Correios e Telgrafos.

    Analisar e reformular as prticas de gesto nessa estatal exige compreender como o ethos do

    trabalho reproduzido nessa empresa precisa ser rompido, o que requer a constituio de um novo

    ethos do trabalho, talvez consoante a prticas menos despticas de gesto da produo e da vida.

    Referncias

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    O Nascimento da Disciplina Industrial: alguns elementos constitutivosDesses estudos e anlises sobre os processos administrativos e produtivos por parte de engenheiros e tcnicos, que objetivavam uma reformulao desses processos, surgiu, portanto, o taylorismo, que ter desde a sua formulao enorme impacto sobre a organizao das atividades laborais, como Braverman analisou (BRAVERMAN, 1987). Os Correios no Brasil no Sculo XX: modernizao, racionalizao e disciplina A Influncia Militar na Constituio de um Ethos Autoritrio nos CorreiosAs Escolas de Correio e a Reproduo de um Ethos Autoritrio