trabalho e saÚde na sociedade capitalista

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE - UFRN CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS CCSA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL - PPGSS/UFRN VIVIANE ALLINE GREGORIO AZEVEDO TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA: UMA RELAÇÃO INVERSAMENTE PROPORCIONAL NATAL/RN 2011

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Page 1: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE - UFRN

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS – CCSA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL -

PPGSS/UFRN

VIVIANE ALLINE GREGORIO AZEVEDO

TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA: UMA

RELAÇÃO INVERSAMENTE PROPORCIONAL

NATAL/RN

2011

Page 2: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

VIVIANE ALLINE GREGORIO AZEVEDO

TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA: UMA RELAÇÃO

INVERSAMENTE PROPORCIONAL

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Serviço Social. Área de Concentração: Serviço Social, Formação Profissional, Trabalho e Proteção Social. Linha de Pesquisa: Serviço Social, Trabalho, Proteção Social e Cidadania.

Orientadora: Dra. Denise Câmara de

Carvalho

NATAL/RN 2011

Page 3: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

A994t AZEVEDO, Viviane Alline Gregorio

Trabalho e saúde na sociedade capitalista: uma relação inversamente proporcional/Viviane Alline Gregorio. – Natal, 2011.

143 p.

Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Rio

Grande do Norte, 2011. Orientador: Dra. Denise Câmara de Carvalho.

1. Saúde do trabalhador. 2. Serviço Social. 3. Processo de

Trabalho. I. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. II.

Título.

CDU 36

Page 4: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA
Page 5: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

AGRADECIMENTOS

Existem pessoas em nossas vidas que nos deixam felizes pelo simples fato

de terem cruzado o nosso caminho. Algumas percorrem ao nosso lado, vendo

muitas luas passarem, mas outras apenas vemos entre um passo e outro. A todas

elas chamamos de amigo. Há muitos tipos de amigos. Talvez cada folha de uma

árvore caracterize um deles. Os primeiros que nascem do broto são o amigo pai e a

amiga mãe, aos meus Mércia e Ivanildo e respectivos cônjuges (Jonas e Rosineide),

meus irmãos, minha eterna gratidão por me fazerem tão feliz e orgulhosa, pelo amor

e por me mostrarem o que é ter vida.

Depois vem o amigo irmão, com quem dividimos o nosso espaço para que

ele floresça como nós, por isso agradeço aos amigos especiais, pois tê-los sempre

ao meu lado foi um grande presente. O destino ainda nos apresenta outros amigos,

os quais não sabiam que iam cruzar o nosso caminho. Muitos desses são

designados amigos do peito, do coração. São verdadeiros e sabem quando não

estamos bem, sabem o que nos faz feliz..., aos colegas de escola, de graduação, de

mestrado, e de trabalho, a estes meu muito obrigada.

Mas também há aqueles amigos por um tempo, talvez umas férias ou

mesmo um dia ou uma hora. Esses costumam colocar muitos sorrisos na face,

durante o tempo que estamos por perto, a todos aqueles, folhas de outono, que

cruzaram meu caminho, meu obrigado por me fazerem entender o valor da vida.

Falando em perto, não posso me esquecer dos amigos distantes, que ficam

nas pontas dos galhos, mas que quando o vento sopra, aparecem novamente entre

uma folha e outra, mesmo quando caídas – mais distantes – continuam alimentando

nossas raízes com alegria, a esses meus agradecimentos pela eterna disposição de

me acolherem com amor e carinho.

O tempo passa, o verão se vai, o outono se aproxima, e perdemos algumas

de nossas folhas. Algumas nascem num outro verão e outras permanecem por

muitas estações, por isso agradeço ao meu amor Marcelo, minha nova primavera,

uma criatura linda que Deus colocou em meu caminho, que faz parte da minha vida,

simplesmente porque divide comigo todos os momentos, alegrias, tristezas, ganhos

e perdas.

Page 6: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

Aos mestres, que oportunizaram sonhos e semearam o solo para grandes

realizações, meu muito obrigada, e eterno carinho e afeição para a amiga e

professora Denise.

Meu eterno obrigada à Deus, por sua presença grandiosa e constante na

minha vida, pela guia nas minhas escolhas e pelo conforto nas horas difíceis.

Todas as bênçãos àqueles que sempre deixaram um pouco de si e levam

um pouco de mim durante esse caminho. Um muito obrigada a todas as folhas de

minha árvore... Hoje e sempre!

Viviane Alline Gregorio Azevedo

Page 7: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

Daquilo que eu sei Nem tudo me deu clareza

Nem tudo foi permitido Nem tudo me deu certeza

Daquilo que eu sei Nem tudo foi proibido

Nem tudo me foi possível Nem tudo foi concebido

Não fechei os olhos Não tapei os ouvidos

Cheirei, toquei, provei Ah eu! Usei todos os sentidos

Só não lavei as mãos E é por isso que eu me sinto

Cada vez mais limpo! (Ivan Lins)

Page 8: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

RESUMO

Trata-se de uma dissertação de mestrado que tem como Área de

Concentração: Serviço Social, Formação Profissional, Trabalho e Proteção Social.

Linha de Pesquisa: Serviço Social, Trabalho, Proteção Social e Cidadania. Traz uma

abordagem da saúde e a segurança do trabalhador, enfocadas a partir da

organização do trabalho em seus processos de exploração do trabalhador,

analisadas a partir da perspectiva crítica e de totalidade. Tem como objetivo central

desvelar de que modo a organização do trabalho repercute na saúde de seus

trabalhadores, considerando o processo de trabalho, no modo de produção

capitalista, na relação saúde-doença. Apresenta a saúde do trabalhador como

determinada pelo processo de trabalho, enfatizando, nos moldes do capitalismo, as

suas consequências para o bem-estar físico, mental e social dos trabalhadores. Para

tanto, realiza-se uma pesquisa documental e bibliográfica, cujo eixo de análise se

fundamenta na perspectiva da centralidade do trabalho, recuperando o seu sentido

ontológico em Marx, através do qual se discutem as metamorfoses no mundo do

trabalho, elencadas com base no contexto da reestruturação produtiva do capital,

que se verifica ao longo do estágio imperialista do modo de produção capitalista.

Problematiza-se, ainda, a saúde do trabalhador, analisada a partir do conceito

ampliado de saúde, como campo da saúde pública, considerando o processo de

trabalho na relação saúde-doença. Por fim, são levantadas pesquisas

desenvolvidas, entre 2006 e 2010, pelos Programas de Pós-Graduação da UFRN,

que tratam do elenco de questões estudadas nesta dissertação. As produções

científicas são problematizadas como forma de revelar as tendências teóricas

(críticas ou conservadoras) que ensejam a área temática.

Palavras-chave: Trabalho. Modo de produção capitalista. Saúde do trabalhador.

Produção científica. Universidade Federal do Rio Grande do

Norte.

Page 9: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

ABSTRACT

It is a dissertation which has the Area of Concentration: Social Services,

Vocational Training, Labour and Social Protection. Research Line: Social Services,

Labor, Social Protection and Citizenship. Brings an approach to health and worker

safety, approached on the organization of work in their processes of worker

exploitation, analyzed from the critical perspective and all. Its central objective of

uncovering how the organization of work affects the health of their workers,

considering the working process in the capitalist mode of production, the health-

disease relationship. Displays the worker, as determined by the work process,

emphasizing, along the lines of capitalism, the consequences for the physical well-

being, mental and social workers. To this end, we make a documentary and

bibliographic research, whose point of analysis is based on the perspective of the

centrality of work, recovering their sense of ontological Marx, through which the

transformations are discussed in the working world, listed based on context

productive restructuring of capital, which occurs along the imperialist stage of

capitalist mode of production. It is problematized, though, worker health, analyzed

from the wider definition of health as a field of public health, considering the work

process in health-disease relationship. Finally, the research developed raised

between 2006 and 2010, the Graduate Programs UFRN that address the range of

issues studied in this dissertation. The scientific outputs are problematized as a way

to reveal the theoretical trends (critical or conservative) which facilitate the thematic

area.

Keywords: Labor. Capitalist mode of production. Occupational health. Scientific

production. Federal University of Rio Grande do Norte.

Page 10: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 01 - Acidentes e Doenças do Trabalho em 2006 ................................ ........85

Gráfico 02 – Total de Teses/Dissertações Consultadas (2006-2010).....................105

Gráfico 03 – Trabalhos Analisados.........................................................................106

Page 11: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

LISTA DE QUADROS

Quadro 01 – Óbitos por Acidente do Trabalho ................................................ ........88

Quadro 02 – Número de Acidentes e Doenças do Trabalho no Brasil: Média por

Décadas, de 1970 a 2008..........................................................................................88

Quadro 03 - Demonstrativo resumido das estatísticas acidentárias do ano de

2009............................................................................................................................90

Quadro 04 - Classificação das Produções científicas na UFRN...............................99

Page 12: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

C.A - Certificação de Aprovação

CAT – Comunicação de Acidente de Trabalho

CEREST – Centro de Referência em Saúde do Trabalhador

CIPA - Comissão Interna de Prevenção de Acidentes

CF - Constituição Federal

CLT - Consolidação das Leis Trabalhistas

CNAE - Classificação Nacional de Atividades Econômicas

DRT - Delegacia Regional do Trabalho

D.U.O – Diário Oficial da União

EPI – Equipamento de Proteção Individual

ETE – Estação de Tratamento de Efluentes

FGTS – Fundo de Garantia por Tempo de Serviço

FUNDACENTRO - Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do

Trabalho

GM - Grupo Ministerial

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IBUTG - Índice de Bulbo Úmido Termômetro de Globo

INSS - Instituto Nacional do Seguro Social

INPS - Instituto Nacional de Previdência Social

LER/DORT-Lesão por Esforço Repetitivo/Distúrbios Osteomusculares Relacionados

ao Trabalho

LOS - Lei Orgânica da Saúde

LTCAT - Laudo Técnico de Condições do Ambiente de Trabalho

MS - Ministério da Saúde

MTE – Ministério do Trabalho e Emprego

NR – Norma Regulamentadora

OIT – Organização Internacional do Trabalho

OMS - Organização Mundial de Saúde

PAIR - Perda Auditiva Induzida por Ruído

PIB – Produto Interno Bruto

PNSST – Política Nacional de Saúde e Segurança do Trabalhador

Page 13: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

PNST - Política Nacional de Saúde do Trabalhador

PPRA - Programa de Prevenção de Riscos Ambientais

PQT – Programa de Qualidade Total

RENAST - Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador

RN – Rio Grande do Norte

S/A - Sociedade Anônima

SEESMT - Serviços Especializados em Engenharia de Segurança e Medicina do

Trabalho

SESMT - Serviços Especializados de Segurança e Medicina do Trabalho

SGQ – Sistema de Gestão de Qualidade

SGSST - Sistema de Gestão da Segurança e Saúde no Trabalho

SINAN - Sistema de Informação de Agravos de Notificação

SST - Segurança e Saúde no Trabalho

SUS – Sistema Único de Saúde

Page 14: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO.....................................................................................................14

2 TRABALHO E SUAS FORMAS CONCRETAS NO MODO DE PRODUÇÃO

CAPITALISTA............................................................................................................22

2.1 TRABALHO E SER SOCIAL................................................................................23

2.2 O TRABALHO E O TRABALHADOR NO MODO DE PRODUÇÃO

CAPITALISTA.............................................................................................................29

2.2.1 O trabalho assalariado: forma particular da exploração do trabalho no

capitalismo................................................................................................................31

2.2.2 A Grande Indústria capitalista: a combinação do taylorismo com o

fordismo....................................................................................................................35

2.2.3 O trabalho “flexível” no toyotismo................................................................43

3 O TRABALHADOR ENTRE A SAÚDE E A (IN)SEGURANÇA DO

TRABALHO...............................................................................................................52

3.1 A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO CAPITALISTA E SUAS IMPLICAÇÕES

PARA A ÁREA DA SAÚDE DO TRABALHADOR......................................................56

3.1.1 Taylorismo e a saúde do trabalhador................................................................57

3.1.2 Fordismo e a saúde do trabalhador...................................................................59

3.1.3 Toyotismo e a saúde do trabalhador.................................................................62

3.2 AS MUDANÇAS TEÓRICO-CONCEITUAIS NO CAMPO DA SAÚDE DO

TRABALHADOR.........................................................................................................67

3.3 A (IN) SEGURANÇA DO TRABALHO..................................................................75

3.4. UMA JORNADA DE ACIDENTES.......................................................................84

4 O DEBATE ACERCA DA SAÚDE DO TRABALHADOR: TENDÊNCIAS

TEÓRICAS DO CAMPO TEMÁTICO........................................................................93

4.1 A PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO NO CAMPO DA SAÚDE E SEGURANÇA

DO TRABALHO..........................................................................................................96

4.1.1 Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde..............................100

Page 15: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

4.1.2 Programa de Pós-Graduação em Enfermagem........................................100

4.1.3 Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção....................101

4.1.4 Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais..................................102

4.1.5 Programa de Pós-Graduação em Psicologia / Psicologia

Social............102

4.1.6 Programa de Pós-Graduação em Serviço Social.....................................102

4.2 ANÁLISES DOS DADOS: ONDE ESTÁ A “CRÍTICA” DO DEBATE? ...............103

4.2.1 Área Biomédica.............................................................................................106

4.2.2 Área das Ciências Exatas.............................................................................111

4.2.3 Área das Ciências Humanas e Sociais........................................................114

4.3 O DEBATE ACERCA DA SAÚDE DO TRABALHADOR: TENDÊNCIAS

TEÓRICAS NO CAMPO TEMÁTICO.......................................................................118

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................123

REFERÊNCIAS........................................................................................................128

APÊNDICE...............................................................................................................133

ANEXO.................................................................................................................... 141

Page 16: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

14

1. INTRODUÇÃO

Somos o que fazemos, mas somos, principalmente, o que fazemos para mudar o que

somos. (Eduardo Galeano)

Um dos aspectos característicos da sociedade contemporânea, que vem

sendo expresso a partir da década de 1970, é o processo de reestruturação

produtiva do capital1 que possibilitou uma redefinição dos processos de produção e

das relações de trabalho, bem como das formas de inserção dos indivíduos no

mercado ocupacional, resultante das mudanças estruturais em andamento na

economia mundial.

Essas mutações ocorridas no mundo do trabalho nas últimas quatro décadas

trouxeram consigo o aprofundamento da exploração do trabalhador através dos

processos de flexibilização e terceirização, dentre outras formas de precarização da

força de trabalho. Junto a isso, agrava-se a precariedade das condições de saúde e

segurança nos ambientes de trabalho e o consequente comprometimento na

qualidade da vida dos sujeitos trabalhadores.

As informações divulgadas sobre a realidade acidentária refletem a

seriedade e complexidade da temática. Mesmo assim, os dados expostos refletem

em grande parte a simplória exposição de causas imediatas de referência técnico-

biológica, como uma relação de causa-efeito incipiente e linear, sem considerar as

contradições presentes no mundo do trabalho. Desse modo, não são especificados

o conjunto das expressões que desvelam as contradições da sociedade de classes,

deixando de destacar os agravos à saúde e integridade física e mental dos

trabalhadores enquanto sequelas mais visíveis da relação capital-trabalho.

No contexto da sociedade capitalista, os processos de trabalho mantêm

estreita relação com as formas de adoecimento da classe trabalhadora. Tais formas

de adoecer devem ser analisadas a partir da relação saúde/doença na totalidade do

ser social, o que nos permite tratar a questão como uma “arma silenciosa” de morte

em massa, vitimando, segundo a Organização Internacional do Trabalho - OIT,

1 O processo de Reestruturação Produtiva não é uma novidade deste período histórico, mas um processo reiterado que se apresenta como componente do ciclo econômico do capital, que será melhor exposto nos capítulos seguintes.

Page 17: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

15

cerca de 2 milhões de trabalhadores a cada ano, devido a acidentes e doenças

associados ao trabalho, dos quais 6.000 são vítimas fatais2.

No Brasil, segundo dados do Anuário Estatístico de Acidentes de Trabalho

publicado em janeiro de 2008, estima-se que foram registrados em 2007, 503.890

acidentes de trabalho3, podendo esse número ser triplicado em razão das

subnotificações – situação em que os dados referentes às características do

acidente e da vítima não são repassados às entidades responsáveis – já que os

números registrados pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS dizem respeito

apenas aos trabalhadores regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho – CLT.

Assim não contabilizados segmentos importantes do mercado de trabalho, como os

servidores públicos e o setor informal4, onde a maior parte dos acidentes e doenças

não é registrada, o que compromete a qualidade das ações prestadas, uma vez que

estas informações constituem base indispensável para a indicação, aplicação e

controle de medidas prevencionistas no âmbito das políticas públicas e das ações do

setor privado. Dessa forma, identifica-se que a realidade é ainda mais grave, graças

à escassez e à inconsistência dos dados já contabilizados pelos órgãos

responsáveis. Essa situação, apesar de dramática, ainda não contabiliza o custo

humano da perda ou da desestruturação dos laços sociais e familiares construídos a

partir do trabalho, cujas repercussões são negativas sobre a identidade, a auto-

estima, a dor e o sofrimento, já que esses valores são incalculáveis (BARRETO,

2003).

Conforme dados ministeriais, divulgados recentemente5 (2007), o país gasta

por ano R$ 88 bilhões com acidentes, doenças e mortes oriundas do trabalho. Esse

montante de recursos, que inclui o gasto no tratamento dos acidentados nos

hospitais, equivale a 4% do Produto Interno Bruto (PIB), a soma de todas as

riquezas produzidas no país. As estatísticas mostram que ocorre praticamente um

acidente de trabalho por minuto. A cada hora, uma pessoa fica permanentemente

incapacitada e a cada três horas e 15 minutos um brasileiro morre enquanto

trabalha. Mas a situação certamente é pior, pois os números oficiais não retratam

plenamente o que acontece em razão das subnotificações.

2 Disponível em http://www.fundacentro.gov.br/, acesso em 06 de nov de 2008.

3 Idem.

4 Para esse grupo, assim como as demais atividades de trabalho que não são regidas pela CLT, têm seus registros através dos Sistemas de Notificação no âmbito da política de saúde, que seguem as mesmas prerrogativas de subnotificações.

5 Correio brasiliense, http://www.correioweb.com.br// acesso em 01 mai 2007. Reportagem de capa.

Page 18: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

16

Na ótica capitalista, o investimento na saúde e segurança de seus

“colaboradores” contribuiria diretamente para o aumento da produtividade, pois as

ações de segurança e saúde dos trabalhadores são imprescindíveis, também, para a

criação de um “clima organizacional” nos moldes da racionalidade capitalista. Do

contrário, o descaso com a prevenção pode significar desmotivação dos

trabalhadores, custos diretos e indiretos com os acidentes e doenças do trabalho,

multas e processos trabalhistas, além de elevação do absenteísmo e consequente

queda de produtividade. Fatores estes que, de acordo com a lógica perversa do

capital, comprometeriam a formação de um comportamento produtivo compatível

com as atuais exigências produtivas.

Diante disso e por reconhecer o ambiente de trabalho capitalista enquanto

um espaço de exploração e alienação da classe trabalhadora constata-se que a

relação capital-trabalho assentada na extração de mais-valia, apresenta-se como

uma “máquina” destruidora da saúde e, portanto, dilaceradora da sociabilidade

humana.

Do mesmo modo, esse trabalho, intitulado “Trabalho e Saúde na sociedade

capitalista: uma relação inversamente proporcional”, propõe-se a pensar as formas

que predominam no estudo da saúde do trabalhador, buscando identificá-las nas

produções científicas voltados à temática. Para isso, parte da apreensão da

categoria trabalho em sua concepção ontológica e seu desvelamento sob o modo de

produção capitalista, desenvolvendo as formas históricas de organização do trabalho

mais especificamente em seu estágio de acumulação imperialista. Para tanto,

analisaremos, ainda, a evolução conceitual e histórica da concepção de saúde do

trabalhador, pensando o bem-estar social dos homens como estreitamente

relacionado a outras esferas da vida em sociedade, como educação, moradia, lazer,

alimentação e, principalmente, o trabalho, por meio de um conceito ampliado de

saúde.

Parte-se do pressuposto de que os processos de trabalho, quando

organizados e geridos nos moldes da sociedade capitalista geram um processo

metabólico de destruição da saúde física e mental dos trabalhadores, engendrando

uma relação antagônica entre a atividade do trabalho e as condições de saúde da

classe trabalhadora. Em que à medida que os processos de trabalho se realizam,

sob os determinantes do modo de produção capitalista, menos saúde passa a ter a

classe trabalhadora.

Page 19: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

17

Concomitantemente, afirmar que o trabalho está na base da história é

afirmar que este é historicamente determinado, tendo, então, uma dimensão

ontológica, ou seja, ele está enraizado na existência dos homens, de tal maneira que

sem ele, nem os homens nem a história existiriam. Ele é determinante das variadas

formas dos homens existirem e se organizarem socialmente. Por isso, o trabalho

ocupa centralidade na história dos homens, determinando a vida e a organização

humana.

Desse modo, três aspectos centrais orientarão a análise do objeto da

pesquisa: a centralidade do trabalho, recuperando o seu sentido ontológico de

trabalho em Marx, através da qual serão discutidas as metamorfoses no mundo do

trabalho, engendradas no contexto da reestruturação produtiva do capital; a saúde

do trabalhador, abordada através do conceito ampliado de saúde, considerando o

processo de trabalho na relação saúde-doença; e ainda, a apreensão das formas de

pensamento que concorrem para conservar a ordem estabelecida, bem como

aquelas que se voltam contra a hegemonia do capital, a fim de desvelar as

implicações e contradições da relação trabalho-saúde na vida da classe

trabalhadora.

Será particularmente focalizada a produção científica do conhecimento,

como expressão das formas de pensamento hegemônicas, apreendidas das

concepções teóricas existentes nas produções de mestrado e doutorado

desenvolvidas nos programas selecionados para a análise: Programas de Pós-

Graduação stricto sensu da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN,

defendidos entre 2006 e 2010.

A pesquisa propôs-se a pensar as formas que predominam no estudo da

saúde do trabalhador, buscando identificá-las nas produções científicas voltadas à

temática. Para isso, partiu da apreensão da categoria trabalho em sua concepção

ontológica e seu desvelamento sob o modo de produção capitalista, desenvolvendo

as formas históricas de organização do trabalho mais especificamente em seu

estágio de acumulação imperialista, analisando, ainda, a evolução conceitual e

histórica da concepção de “saúde do trabalhador”.

A escolha do universo pesquisado, que se situa no campo das produções

científicas que envolvem a “saúde do trabalhador” procura situar, também, o papel

do intelectual nos processos de pesquisa, que não elimina a tomada de decisão

Page 20: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

18

política, uma vez que os pesquisadores criam soluções/respostas gerais para os

problemas da humanidade.

Este panorama de conhecimento procurará, ainda, analisar as apreensões

conservadoras e superficiais da realidade de fatalidade dos acidentes e incidentes

do trabalho, entendida comumente pelo conceito prevencionista, a partir da

existência de causas básicas que possibilitam a ocorrência de acontecimentos

imediatos, classificadas como práticas e condições sub-padronizadas. As causas

imediatas frequentemente são denominadas como atos e condições inseguras. O

que nos leva a refletir que a produção do conhecimento, assim como o conjunto da

produção humana, alcança elevados níveis de aprimoramento e tecnologias, que

não superam a convivência com as formas mais degradantes de trabalho humano.

Desse modo, é nossa intenção nesse estudo apreender a maneira como o

trabalho está organizado e de que forma o seu dimensionamento poderá acarretar

agravos à saúde dos trabalhadores, considerando as características dos diferentes

estágios do capitalismo, as estruturas da organização do trabalho, e ainda, os danos

à integridade física e psicológica dos trabalhadores.

Assim, analisar esta realidade torna-se relevante para contribuir

efetivamente para estruturar as transformações necessárias na sociedade tarefa

histórica da classe trabalhadora, a partir de uma nova visão de mundo, de novas

formas sociais, econômicas e organizacionais de mobilização, a fim de superar o

paradigma mecanicista, biologizante e as práticas conservadoras.

Não será aceita como fundamentação teórica para esse estudo, qualquer

concepção que apresente os trabalhadores tratados como simples peças de uma

grande engrenagem, a máquina que move o capital, que substitui o homem tão

facilmente como as outras peças, entendidos como seus “recursos humanos”, ou

ainda “capital humano”, na expressão mais mercantilizada da força de trabalho.

A pesquisa apresenta importância acadêmica no que diz respeito à área de

saúde do trabalhador, tendo em vista contribuir para a produção científica que

destaque os aspectos sociais da temática trabalhada. No entanto, pretende-se que o

produto final resultante deste trabalho ultrapasse a esfera acadêmica e contribua,

também, para a reavaliação das atuais práticas organizacionais desenvolvidas no

“chão da fábrica”, não enquanto mais uma estratégia de manter o consentimento de

classe e subordinação, mas atuando em mais uma possibilidade de proporcionar

uma leitura crítica.

Page 21: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

19

Vale ressaltar que, com este trabalho, não há a pretensão de esgotar todas

as determinações e aspectos que envolvem o tema aqui discutido, tendo em vista a

riqueza e complexidade da realidade social, mas potencializamos a viabilidade da

pesquisa, que se aplicará no espaço acadêmico da UFRN. Do mesmo modo, não se

coloca com a pretensão de deflagrar os estudos e pesquisas analisadas pelo

endurecimento da crítica, mas sim enriquecer o campo das discussões teóricas

sobre a saúde do trabalhador, apreciando como vem sendo discutida esta temática,

a partir das categorias de análise elencadas nesse trabalho.

Além disso, destacam-se inquietações sobre a temática aqui sugerida,

construídas e subjugadas desde o processo formativo do curso de graduação e que

geram aqui a expectativa de serem maturadas. Não há uma separação, ou um corte

entre o pesquisador e seu objeto, esta necessária tomada de posição significa

afirmar que essa análise, em sintonia com o referencial teórico assumido, possa

levar ao desvelamento do objeto de estudo, suas determinações e contradições.

Assim, esta pesquisa assume a perspectiva teórico-metodológica crítica,

com a intenção de dar direção à investigação no processo de apreensão do objeto

estudado. Em se tratando da temática da saúde do trabalhador, muitas são as

interpretações reducionistas, mecanicistas e biologizantes, portanto, não dialéticas,

sobre o trabalho e a saúde, que resultaram em sérios equívocos teóricos e políticos.

Desse modo, buscamos, com base no método marxiano de aproximações

sucessivas, analisar a organização do trabalho e a saúde dos trabalhadores, a fim

de desvelar as contradições presentes no mundo do trabalho com a intenção de

melhor apreender a dinâmica do objeto pesquisado.

A pesquisa aqui empreendida, como já mencionamos neste trabalho, tem

contemplado em seu objeto de estudo a produção cientifica no âmbito dos

Programas de Pós-Graduação da UFRN, tendo como foco de análise as abordagens

dadas à saúde e segurança dos trabalhadores. Esse traço empírico da realidade

concreta nos dá a imediaticidade que na perspectiva do método em Marx, é em si a

aparência como ponto de partida para o conhecimento da essência. O concreto é

tanto o ponto de partida quanto o ponto de chegada e vai aparecer como síntese

intelectual da análise, como síntese do processo de enriquecimento das

determinações do objeto.

A estratégia para alcançar os objetivos e apreender o objeto de estudo

passa pela pesquisa documental, com a análise das teses e dissertações

Page 22: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

20

selecionadas; leitura e discussão de textos centrais à questão e legislações

pertinentes, e a revisão crítica de outros documentos e publicações da área, a fim de

fundamentar o tom do debate e as questões levantadas.

A pesquisa bibliográfica continuada tem a finalidade de possibilitar uma

maior aproximação com a temática, aprofundando as categorias centrais em

questão: trabalho, saúde do trabalhador, reestruturação produtiva, definindo os

objetivos do trabalho e as particularidades que caracterizam o objeto da pesquisa.

Assim, fundamentaremos nosso estudo, principalmente, nos aportes teóricos de

Marx (2006), Meszáros (2007), Harvey (2007), Netto e Braz (2010), Lessa (2007),

Antunes (2006, 2007), Mota (1998, 2008), na discussão sobre a categoria trabalho e

o modo de produção capitalista; e em autores como Minayo-Gomes (1997), Oliveira

e Vasconcelos (1992) Domingos e Pianta (2007), que trazem uma abordagem sobre

a saúde do trabalhador, além de outras referências, documentos técnicos e

legislação referente.

A aproximação com o objeto exige conjugar pesquisa documental, histórica

e analítica, voltada para apreender a dinâmica e complexidade do fenômeno aqui

trabalhado, considerando os possíveis limites da pesquisa. Desse modo, a escolha

desse objeto partiu, também, dos limites impostos, uma vez que sua proposta

originária era desenvolver uma pesquisa de campo junto ao segmento da Indústria

Têxtil de Natal/RN, mas esta realidade se apresentou inviável, em virtude das

limitações de tempo e condições objetivas da pesquisadora para uma dedicação

exclusiva às atividades do mestrado, que precisavam acontecer em simultaneidade

com as atividades profissionais, realizadas na mesma instituição, mas na área da

assistência estudantil. Esses fatos não impossibilitariam a realização da idéia inicial,

mas limitaria muito o alcance dos resultados da pesquisa, com uma proposta aquém

do tempo do mestrado e dos recursos disponíveis.

Além dessas limitações, considere-se o difícil acesso às informações no

interior das empresas, o que levou a exigir outras estratégias e técnicas de

pesquisa, que se revelaram à medida que o estudo caminhou. Mesmo assim, dada a

inviabilidade para realização das ações, pensamos ser mais prudente, e não menos

prazeroso e relevante, redirecionar a pesquisa, que se manteve no mesmo campo

de estudo.

Superados os desafios, o trabalho resultante desta pesquisa estruturou-se

da seguinte forma: na sua primeira seção, inicia-se a reflexão teórico-crítica sobre a

Page 23: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

21

centralidade do trabalho, trazendo uma pequena incursão no mundo do trabalho a

partir de sua dimensão ontológica, com o objetivo de discutir a relação capital-

trabalho.

A segunda seção do estudo procura analisar as mudanças na organização,

no processo, nas relações de trabalho e no interior da classe trabalhadora e suas

repercussões nas condições sociais de vida, especialmente, os aspectos

relacionados saúde, tendo como referência o processo de desenvolvimento

capitalista e o percurso teórico da conceituação de saúde do trabalhador.

A terceira seção apresenta o levantamento dos trabalhos científicos na

UFRN (2006-2010), em programas de pós-graduação específicos, com o objetivo de

identificar as abordagens relacionadas à temática da saúde do trabalhador e analisar

os dados em sua totalidade, “colocando em xeque” nos trabalhos estudados –

enquanto representantes de áreas amplas do conhecimento – como se expressam

as categorias “trabalho” e “saúde do trabalhador”, a fim de desvelar os principais

referenciais teóricos adotados e a articulação dessas produções científicas com as

categorias de análise elencadas nesse estudo.

Com essa pesquisa, pretendemos contribuir com a teoria para o

desvelamento da realidade, com o intuito de trazer à tona as contradições e lutas

que se fazem presentes no silêncio ruidoso do “chão-de-fábrica”.

Assim sendo, propomos que este trabalho desperte o interesse daqueles

que se dedicam a estudar as questões ligadas aos antagonismos do mundo do

trabalho, com base em uma perspectiva crítica, e para os que lutam no sentido de

reduzir práticas que degradam o ser humano, favorecendo a garantia de ambientes

de trabalho menos desumanos, na direção do maior acesso e garantia de direitos e

afirmação da cidadania, nos limites postos pelo modo de produção capitalista. Não

há, aqui, qualquer pretensão utópica. Busca-se, tão somente, dar uma pequena

contribuição teórica para a construção de um mundo voltado para o desenvolvimento

pleno do gênero humano.

Page 24: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

22

Um homem se humilha Se castram seu sonho Seu sonho é sua vida

E vida é trabalho... E sem o seu trabalho

O homem não tem honra E sem a sua honra

Se morre, se mata... (Gonzaguinha)

Qualquer estudo que pretenda analisar as formas mais aviltantes de

degradação do gênero humano e suas mais diversas expressões no modo de

produção capitalista, não pode deixar de considerar os elementos que lhe são

fundantes. Assim, para este trabalho, que anseia desvelar as formas de

adoecimento da classe trabalhadora, destacando a centralidade da categoria

trabalho na relação saúde-doença, iniciamos com uma aproximação à discussão

sobre o trabalho e suas formas concretas no modo de produção capitalista.

Para que se supere qualquer forma de empirismo, como nos reportamos na

Introdução, o texto está baseado em grandes estudiosos, que trazem na perspectiva

marxista – incluindo aqui o próprio Marx (2008) – os elementos necessários para

uma análise da categoria trabalho, com destaque para Gramsci (2008), Harvey

(2007), para a apreensão do trabalho e do ser social; além das ricas contribuições

de Mota (1998, 2008), Netto e Braz (2010), Lessa (2002), Antunes (2007; 2007),

dentre outros, que contribuem para o debate do trabalho sob a sociabilidade

capitalista e as marcantes transformações no mundo do trabalho.

É preciso ter claro que os conceitos em Marx – que dão base à formulação

desse estudo, assim como todos os estudos teóricos marxistas – são ontológicos, ou

seja, são encontrados na realidade, partindo de categorias que tentam explicar o

2 TRABALHO E SUAS FORMAS CONCRETAS NO MODO DE

PRODUÇÃO CAPITALISTA

Page 25: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

23

fenômeno que existe de fato na sua concretude. Como são ontológicas, são também

dialéticas uma vez que a realidade é dialética. Neste sentido, não se pode

compreendê-las com base em pensamentos dicotômicos, precisamos visualizá-los

como unidades de contrários, que se transmutam dependendo das relações sociais

que lhe dão concretude.

2.1 TRABALHO E SER SOCIAL

Pensar o trabalho hoje não pode estar destoante de suas formas originárias,

de seu entendimento na base das relações sociais de produção e de distribuição dos

bens que satisfazem as necessidades do homem. Essa satisfação das necessidades

se obtém da transformação dos meios naturais em produtos, numa interação

metabólica homem-natureza realizada pelo trabalho, o que explica a própria

categoria trabalho. Assim temos o trabalho como a ação humana que torna possível

a criação de bens e dá valor a esses, categoria central e indispensável para a

compreensão do modo de ser dos homens e da sociedade. O trabalho é, antes de

tudo, “um processo de que participam o homem e a natureza, processo em que o

ser humano, com sua própria ação, impulsiona, regula e controla seu intercâmbio

material com a natureza” (MARX, 2008, p. 211).

Desse modo, o trabalho se especifica pela relação sujeito-objeto, mediada

pelos meios de trabalho, que são os instrumentos necessários para proporcionar ao

homem a melhor apropriação da natureza – em suas mais variadas formas – para a

satisfação dos homens em suas necessidades individuais e coletivas. O que nos

leva a aludir que o ponto de diferenciação da relação homem-natureza é assinalado

pelo trabalho e desenvolve-se e reconfigura-se no curso da história.

Mas vale reiterar que o trabalho não é uma ação imediata ou dada na

natureza. De acordo com Marx (2008), o processo de trabalho possui elementos

próprios, que são necessários para que este assim aconteça: a atividade adequada

a um fim, a ação de trabalhar; os objetos de trabalho, enquanto matérias da

natureza em que o trabalho será aplicado; e ainda os meios de trabalho, os

instrumentos que irão mediar a relação homem-natureza, de uma forma geral, são

Page 26: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

24

as condições materiais necessárias para se realizar os processos de trabalho. Neste

sentido, objetos e meios de trabalho formam os meios de produção.

Ainda segundo Marx (2008):

O que distingui as diferentes épocas econômicas não é o que se faz, mas como, com que meios de trabalho se faz. Os meios de trabalho servem para medir o desenvolvimento da força humana de trabalho e, além disso, indicam as condições sociais em que se realiza o trabalho (MARX, 2008, p. 214).

Esses instrumentos são também produtos do sujeito que trabalha, resultado

da objetivação do trabalho, são criados ao mesmo tempo em que criam e dão forma

a novos produtos, novos instrumentos, novas possibilidades. O conhecimento parte

da necessidade concreta, imediata e constante; da ação repetitiva de suprir àquela

necessidade específica; é o saber fazer, que gera conhecimentos, amplia

possibilidades de ação do homem e desenvolvendo novas necessidades, o que

torna o trabalho exclusivo ao homem. No fim desse processo tem-se como produto

algo que já havia sido idealmente projetado na imaginação do trabalhador, dessa

forma, o sujeito que trabalha não apenas transforma o objeto do trabalho, mas

também reproduz na sua consciência o próprio projeto do trabalho, planejando-o.

Assim, o trabalho só se realiza quando a ação idealizada, construída no

campo das ideias, se objetiva. Momento em que o homem, sujeito da ação,

transforma a matéria natural, modificando a natureza à medida que também se

modifica, implicando em alterações na sociedade, em seus sujeitos e na sua

organização. Põe os sujeitos a avaliarem as condições dadas e fazerem escolhas

entre as alternativas concretas, o que coloca para esses a necessidade de conhecer

as propriedades da natureza e reconhecer as condições objetivas em que atuará. A

prévia ideação que realiza o trabalhador é sempre uma resposta a uma dada

realidade que surge em uma situação determinada pela história humana, que

também se constrói diferencialmente ao surgimento de cada nova necessidade da

humanidade.

Por conseguinte o trabalho se qualifica, também, como uma atividade

coletiva, já que o sujeito que age está, sempre, inserido num conjunto de outros

sujeitos, pois sozinho não seria capaz de expressar o conjunto de possibilidades do

Page 27: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

25

ser social. Isso exige a coletivização dos saberes, que se realiza através da

comunicação, do uso da linguagem como mecanismo para realização de suas

atividades sociais, emergindo aí o ser social. Desse modo, conforme Netto e Braz

(2010), é através do trabalho que a humanidade se constitui como tal, pois são

colocados aos sujeitos, a partir das suas experiências vivenciadas pelo trabalho,

possibilidades reais de generalização e universalização dos saberes que detêm. Isso

propicia a constituição de um tipo de linguagem articulada, forma através da qual o

sujeito expressa sua representação de mundo e condição para a comunicação e

aprendizado.

Nunca será demais repetir que o chamado fenômeno humano é produto de um processo histórico de larguíssimo curso e que a visibilidade do ser social, como inteiramente diverso do ser natural, é relativamente recente; cumpre mesmo afirmar que tal visibilidade só se tornou possível há pouco mais de dois séculos e meio, quando o modo de produção capitalista se consolidou como dominante no Ocidente e operou a constituição do mercado mundial, que permitiu o contato entre praticamente todos os grupos humanos (NETTO; BRAZ, 2008, p.42, grifos dos autores).

Podemos assim eludir que, enquanto elemento fundante do ser social, ou

seja, da humanidade, o trabalho é ontologicamente determinante para a

transformação substantiva da espécie humana – enquanto salto qualitativo dos

processos evolutivos na natureza – em um novo tipo de ser, inédito e mais complexo

que os outros já existentes na natureza, agora um ser social. A partir do trabalho

uma espécie natural, o homem, foi transformada em algo diferente da natureza e

mediante o trabalho os homens produziram-se a si mesmos, como resultado de sua

própria ação, produziram a própria humanidade, construíram a história (NETTO;

BRAZ, 2010).

Ainda segundo esses autores, é importante destacar que a satisfação das

necessidades não é uma prerrogativa exclusiva do gênero humano, pois é condição

de sobrevivência dos seres vivos, da natureza orgânica. No entanto, o trabalho

rompe com esse padrão de determinação natural, distinguindo-se da natureza. Isso

porque não se opera de forma imediata, mas exige instrumentos, habilidades e

conhecimentos, historicamente construídos e desenvolvidos.

Desse modo, afirmar que o trabalho está na base da história é afirmar que

este é historicamente determinado, tendo, então, uma dimensão ontológica, ou seja,

Page 28: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

26

ele está enraizado na existência dos homens, de tal maneira que sem ele nem

homens nem história existiriam. Ele é determinante das variadas formas dos homens

existirem e se organizarem socialmente. Por isso, o trabalho ocupa centralidade na

história dos homens, determinando a vida e a organização humana. Considerado

como pressuposto da existência do gênero humano, podemos, ainda, definir o

trabalho como o meio pelo qual os homens satisfazem suas necessidades materiais

e também espaço no qual, na condição de sujeitos, se relacionam entre si e onde

são produzidas e reproduzidas as relações sociais. Nesse sentido, é a partir do

trabalho que os indivíduos se realizam enquanto seres sociais, passando a se

relacionar com os outros indivíduos num processo de sociabilidade e construção das

relações sociais.

O processo de trabalho – o próprio ato de trabalhar – caracteriza qualquer

estrutura social determinada, pois sua característica primária é a produção de

valores de uso que satisfaçam as mais diversas necessidades dos homens. Mesmo

assim, em determinados momentos históricos o trabalho passa a ser usado e

controlado em benefício de um determinado sistema de economia-social, como é o

caso do modo de produção capitalista (MARX, 2008).

Ainda assim, não podemos esquecer que toda sociedade tem sua existência

atrelada à natureza, numa dialética de transformação que é historicamente

determinante, alterando ao longo do desenvolvimento das sociedades, as formas de

interação homem-natureza, bem como os meios empregados na transformação das

matérias naturais pelo trabalho. Ao longo da história transformam-se as formas de

produção material e de reprodução da vida social, da mesma forma e ao mesmo

tempo em que se alteram as condições materiais de existência do homem.

Numa palavra, este é o processo da história: o processo pelo qual, sem perder sua base orgânico-natural, uma espécie da natureza constitui-se como espécie humana – assim, a história aparece como a história do desenvolvimento do ser social, como processo de humanização, como processo da produção da humanidade através da sua auto-atividade; o desenvolvimento histórico é o desenvolvimento do ser social (NETTO; BRAZ, 2010, p. 37, grifos dos autores).

Mesmo sendo o trabalho categoria social fundante do mundo dos homens, a

existência social está além do trabalho. À medida que esse se desenvolve suas

relações o transcendem, passando a ser uma das objetivações do ser social, mas

Page 29: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

27

sempre fundante e necessária. Isso porque as demais objetivações supõem as

características constitutivas do trabalho, já que os produtos e valores resultantes

dessa práxis são também objetivações que se realizam de acordo com as condições

histórico-sociais vivenciadas. Além disso, podem se apresentar como produtos

“estranhados”, que escapam ao seu controle e reconhecimento, ou ainda,

expressões de opressão, numa inversa relação objeto-sujeito.

Vale destacar que o homem não perde a sua condição originária de ser da

natureza, pois foi a partir dela que se desenvolveu como ser social. O homem é

natureza historicamente transformada, mas sua humanidade está para além da

natureza e o caracteriza como ser social, pois o atendimento de suas necessidades,

mesmo as mais elementares para a manutenção da vida, é humanizado,

historicamente determinado e ganha vazão social. As determinações naturais não

deixam de existir, mas são cada vez menos relevantes na vida humana.

Em cada estágio do seu desenvolvimento, o ser social é o conjunto de atributos e das possibilidades da sociedade, e esta é a totalidade das relações nas quais os homens estão em interação. Assim, em cada estágio do seu desenvolvimento, o ser social condensa o máximo de humanização construído pela ação e pela interação dos homens, concretizando-se em produtos e obras, valores e normas, padrões e projetos sociais. Compreende-se, pois, que o ser social seja patrimônio comum de toda a humanidade, de todos os homens, não residindo em nenhum deles e, simultaneamente, existindo na totalidade de objetivações de que todos podem participar (NETTO; BRAZ, 2010, p.45).

Podemos então refletir que as principais características do trabalho,

enquanto categoria ontológica – atividade teleologicamente orientada, tendência à

universalização, e linguagem articulada – se complexificam na medida em que

também ganham maior complexidade as relações sociais, relações entre sujeitos

trabalhadores, realizadas no e pelo trabalho. Ou seja, quanto mais se desenvolve o

ser social, mais diversificadas se apresentam suas objetivações. Esse é o avanço

do processo de humanização do ser social, que tem no trabalho sua objetivação

primária e ineliminável, pois a história humana é o desenvolvimento das sociedades

mais simples às formações sociais cada vez mais complexas e desenvolvidas a

partir da qual surgem as necessidades e as possibilidades de novas objetivações.

Mesmo assim, no âmbito da sociabilidade capitalista contemporânea são marcantes

as expressões de regressão da sociabilidade, que coexistem com altos níveis de

Page 30: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

28

desenvolvimento do ser social (NETTO; BRAZ, 2010). Nesse contexto de alienação

as possibilidades de incorporar as objetivações do ser social sempre foram postas

desigualmente para os homens singulares, o desenvolvimento não se expressa

igualmente para todos os homens.

Para que todos os homens e mulheres possam construir-se enquanto

indivíduos sociais, diferentes entre si, são necessárias condições sociais iguais para

todos, ou seja, é imperativo que todos tenham iguais possibilidades humanas de se

sociabilizar diferencialmente.

A subjetividade de cada homem não se elabora nem a partir do nada, nem num quadro de isolamento: elabora-se a partir das objetivações existentes e no conjunto de interações em que o ser singular se insere. A riqueza subjetiva de cada homem resulta da riqueza das objetivações de que ele pode se apropriar. E é a modalidade peculiar pela qual cada homem se apropria das objetivações sociais que responde pela configuração da sua personalidade (NETTO; BRAZ, 2010, p. 47).

No modo de produção capitalista, vemos constituir-se o trabalho abstrato –

produtor de mais-valia e medido pelo tempo de trabalho socialmente necessário –

que é trabalho reificado, subsumido ao capital e alicerçado pelo fetiche da

mercadoria. Este se difere substancialmente do trabalho, ontologicamente

concebido, que em sua concretude é categoria fundamental da autoconstrução

humana e do desenvolvimento da sociabilidade. Essa associação do trabalho como

elemento de exploração se intensifica na sociabilidade capitalista contemporânea,

no âmbito da “reestruturação produtiva” em curso.

[...] hoje, com a extensão das relações capitalistas até praticamente todas as formas de práxis social, com a incorporação, ao processo de valorização do capital, de atividades que anteriormente ou estavam dele excluídas ou apenas participavam de modo muito indireto, vivemos uma situação em que praticamente a totalidade dos atos de trabalho assume a forma abstrata advinda de sua subordinação ao capital (LESSA, 2002, p.28).

Isso porque no capitalismo as diversas formas do conjunto social passaram

a apresentar-se aos indivíduos como simples meios para realização de fins privados.

Page 31: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

29

A divisão do trabalho gera uma contradição entre o interesse do indivíduo singular e

o interesse do coletivo, escondendo os interesses de classe.

Todas as formas presentes de degradação da força humana que trabalha,

de agravos e adoecimentos relacionados ao trabalho têm neste estudo a apreensão

da categoria trabalho abstrato, que tem vigência nessa sociedade e é produzida na

exploração do trabalho pelo capital.

Desenvolve-se então, a partir da atual organização econômico-social, um

fenômeno histórico da alienação, que marca as relações de trabalho e o conjunto

das relações sociais, num processo crescente de exploração que leva a formas de

regressão do ser social, mas que pode ser, e deve ser, superado no curso do

desenvolvimento histórico.

Feitas essas análises, e já observadas as características essenciais do

trabalho, no item a seguir buscaremos aprofundar as formas constitutivas do

trabalho e da classe trabalhadora sob o modo de produção capitalista.

2.2 O TRABALHO E O TRABALHADOR NO MODO DE PRODUÇÃO

CAPITALISTA

O trabalho sob a produção capitalista, dada a sua centralidade para a

sociabilidade humana, passa a ser claramente identificado como gerador de valor,

expropriando, explorando e controlando o trabalhador, dilacerando toda a estrutura

física, psicológica e social dos trabalhadores e incorporando um sentido dual em

suas vidas dotado de dor e sofrimento. Isso se dá porque no processo de produção

capitalista o trabalho passa a ser estranhado ao indivíduo.

A natureza contraditória dessa relação produção-trabalho tem suas matizes

na valorização do capital através do processo de extração da mais-valia, da

imposição de normas de controle e de cooptação capitalista. A acumulação do

capital se dá através da exploração da força de trabalho e de sua dominação pelas

relações de classe, relações que valorizam o capital e oprimem a classe

trabalhadora. Assim ganha concretude o modo de produção capitalista, que se

funda na exploração do trabalho e que é hoje dominante em escala mundial e não

Page 32: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

30

se confronta com outras experiências que desafiem a sua dinâmica (NETTO; BRAZ,

2010).

Nesse contexto, Marx analisou o capitalismo não como o fim da história,

única forma correspondente à natureza humana, mas como um modo de produção

historicamente determinado e transitório, cujas próprias contradições internas o

levariam à superação. Em suas análises, fica claramente entendido que a base de

cada sociedade humana é o processo de trabalho, seres humanos cooperando entre

si para fazer uso das forças da natureza e, portanto, para satisfazerem suas

necessidades.

Para isso, o produto do trabalho deve, antes de tudo, atender às

necessidades do homem, deve ser útil, em seu objeto e finalidade. O que Marx

chama de valor-de-uso, pois seu valor se assenta primeiro e principalmente em ser

útil para alguém. Sob o capitalismo, todavia, os produtos do trabalho tomam a forma

de mercadorias, feitas não para serem consumidas diretamente, mas para serem

comercializadas, postas no mercado para serem trocadas. E, cada produto passa a

ter um valor-de-troca, numa relação quantitativa, mas com falsa proporção de

valores. Assim, no modo de produção capitalista o processo de trabalho deve estar

além da produção de valores de uso, ele subsume a satisfação das necessidades

humanas à sua melhor satisfação, sua demanda para produzir uma mercadoria e ter

um valor excedente sobre o produto fruto do trabalho.

[...] O dinheiro, em si mesmo, não é capital; ele se converte em capital apenas quando compra força de trabalho e outras mercadorias para produzir novas mercadorias (novos valores de uso e de troca) que serão vendidas por mais dinheiro. Vê-se, pois, que o capital não é uma coisa ou um conjunto de objetos – ele só existe na medida em que subordina a força de trabalho; de fato, o capital, mesmo que se expresse através de coisas (dinheiro, objetos, mercadorias etc.), é sempre uma relação social. (NETTO e BRAZ, 2010, p. 98 - grifos dos autores).

Na direção que nos apresenta esses autores, essa é a lógica move o

capitalismo, um ciclo de produção de mercadorias para obtenção cada vez maior e

constante de dinheiro. Não podemos, assim, revestir a ação das empresas

capitalistas de moralismos, referente à personalidade de quem as administra, pois

isso apenas oculta o objetivo central de busca incessante por lucros – como razão

de ser – inerente a todo e qualquer empreendimento capitalista que se pretenda

sobreviver no mercado. Suas ações são coerentes com o campo de atividades e

Page 33: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

31

relações econômicas a que se pretende, ou seja, da função social que

desempenham.

Todo esse conjunto de imperativos do capital encontra nas relações de

trabalho as condições necessárias para a objetivação de seu projeto societário.

Antunes (2006), fazendo uma leitura das transformações vivenciadas no mundo do

trabalho na atualidade e demonstrando a centralidade do trabalho na estruturação

das sociedades contemporâneas, destaca que, embora submetidos à mais aviltante

insegurança, os trabalhadores permanecem como protagonistas das transformações

sociais necessárias.

Desse modo, em oposição à sociabilidade do capital é relevante apreender a

categoria trabalho enquanto fundamental no processo de humanização do ser social,

entendendo que o trabalho possibilita ao homem transformar a natureza e a si, pois

a finalidade básica do ser social seria sua realização no e pelo trabalho, porém, o

trabalho se torna estranho ao homem em razão das diferentes formas pelas quais o

processo de trabalho se subsume ao processo de valorização do capital, a partir de

bases concretas de extração do sobretrabalho que se acentuam no modo de

produção capitalista.

2.2.1 O trabalho assalariado: forma particular de exploração do trabalho no

capitalismo

A partir das idéias anteriores que concebem o trabalho para além da

produção de valor, elucidaremos ao longo do texto como, sob o modo de produção

capitalista, o trabalho adquire a forma particular de trabalho assalariado, produtor de

valor de troca, gerador de mais-valia.

Esse processo, assim como as categorias que o cercam, não se apresenta

imediatamente dado. Durante o processo de trabalho, o trabalho se transmuta de

ação em ser, de movimento em produto concreto numa relação dialética. Assim, a

ação que está representada em um determinado produto, tem em si incorporado o

tempo de trabalho necessário a sua feitura, síntese de dispêndio da força vital

humana. O processo de trabalho consiste no trabalho útil que produz valores-de-uso

Page 34: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

32

qualitativamente, diferentemente do que acontece na produção de valor, em que se

pesa sua importância quantitativa, originária da mais-valia.

O processo de produção, quando unidade do processo de trabalho e do processo de produzir valor, é processo de produção de mercadorias; quando unidade do processo de trabalho e do processo de produzir mais-valia, é processo capitalista de produção, forma capitalista da produção de mercadorias (MARX, 2008, p. 230).

Assim, o valor da força de trabalho e o valor que ela cria no processo de

trabalho são duas magnitudes distintas e bem visualizadas no capitalismo. Os

diversos elementos do processo de trabalho desempenham papéis diferentes na

formação do valor dos produtos. Esses são também os diferentes componentes do

capital no processo de produzir mais-valia. Nesse caso, o trabalhador acrescenta ao

objeto de seu trabalho tempo de trabalho, ou seja, acrescenta valor à medida que

vemos consumir valor-de-uso para produzir novo valor-de-uso.

[...] o tempo de trabalho necessário para produzir o valor-de-uso consumido constitui parte do tempo de trabalho necessário para a produção de novo valor-de-uso, sendo, portanto, tempo de trabalho que se transfere dos meios de produção consumidos ao novo produto. O trabalhador preserva os valores dos meios de produção consumidos, transfere-os ao produto como partes componentes do seu valor (MARX, 2008, p.236).

Sobretudo, o valor das mercadorias é determinado pelo tempo de trabalho

socialmente necessário, isto é, o tempo de trabalho que ela contém, e que é

requerido para produzir um valor-de-uso qualquer, nas condições dadas de

produção socialmente normais, em grau social médio de habilidade e de intensidade

de trabalho (MARX, 2008).

Marx recorre, aqui, ao duplo caráter do trabalho produtivo, em sua forma

mais simples: onde o trabalhador produz alguma coisa humanamente necessária,

um valor de uso; e em sua forma alienada, na qual produz para outrem em troca de

um salário.

Isso mostra que do ponto de vista do sistema capitalista, não importa o

trabalho concreto – o trabalho simples, força vital humana gasta, o próprio trabalho –

mas unicamente o trabalho sem qualidade específica, abstrato, aquele que a

Page 35: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

33

sociedade capitalista como um todo precisa para produzir o valor como valor de

troca. A força de trabalha aparece no modo de produção capitalista como uma

mercadoria muito especial, que tem seu próprio valor de troca e que produz mais

valor.

Assim, sob o modo de produção capitalista o trabalho passa a ter um

“caráter dual”:

Todo trabalho é, por um lado, dispêndio de força de trabalho do homem no sentido fisiológico, e nessa qualidade de trabalho humano igual ou trabalho humano abstrato gera o valor da mercadoria. Todo trabalho é, por outro lado, dispêndio de força de trabalho do homem sob forma especificamente adequada a um fim, e nessa qualidade de trabalho humano concreto útil produz valores de uso (MARX, 2008, 215).

A força de trabalho é deste modo também um produto, que é posto nas

mãos de quem o compra para pô-lo em exercício. Vendendo o que é produzido este

proprietário da força de trabalho recebe, de um lado, uma quantidade igual á que

investiu anteriormente; de outro, obtém um excedente que provém do trabalho

concreto gerido por esse, o que vem a ser conhecida como mais-valia, que gera ao

capitalista possibilidades formais, capital suficiente, para adquirir no mercado os

meios de produção e comprar força de trabalho.

Com o capital, sob a forma de dinheiro, o capitalista adquire os meios de

produção – esses não criam novos valores, apenas transferem seu valor a

mercadoria que está sendo produzida, seu capital constante. Adquire, ainda, a força

de trabalho dos operários, mas esta se constitui em uma mercadoria especial, sem a

qual os meios de produção são inúteis, e que tem seu valor determinado pelo tempo

de trabalho socialmente necessário para garantir sua manutenção e reprodução,

sendo esse valor pago em salário, que não é a reversão proporcional do quantitativo

de valor que o trabalho gera.

Ambas as mercadorias adquiridas pelo capitalista têm seu valor determinado

pelo tempo de trabalho socialmente necessário para produzi-las. A diferença se

verifica na utilização dessas mercadorias. Comprando a força de trabalho, seu dono

pode dispor da sua capacidade de trabalho, mas essa dispõe de uma capacidade

única: a de criar valor superior ao que lhe é pago. Como bem explicam Netto e Braz

(2010) “o capitalista compra a força de trabalho pelo seu valor de troca e se apropria

Page 36: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

34

de todo o seu valor de uso” (p.100). É nessa relação de exploração que se funda o

modo de produção capitalista.

[...] Na mercadoria encontramos, pois, simultaneamente trabalho concreto e trabalho abstrato – mas não se trata, obviamente, de dois trabalhos: trata-se da apreciação do mesmo trabalho sob ângulos diferentes: do ângulo do valor de uso, trabalho concreto; do ângulo do valor de troca, trabalho abstrato (NETTO; BRAZ, 2010, p. 105).

Também de acordo com os estudos de Antunes (2007), o sistema de

metabolismo social do capital nasce como resultado da divisão social que operou

subordinação estrutural do trabalho ao capital, o que torna os seres sociais

mediados entre si6.

Nenhum imperativo de mediação primária, ou seja, aqueles que garantem a

reprodução dos indivíduos, necessita do estabelecimento de hierarquias estruturais

de dominação e subordinação, esses são bens característicos do sistema de

metabolismo social do capital e das mediações que lhe são próprias.

De acordo com Antunes (2007), as mediações de segunda ordem

correspondem a um período específico da história humana, correspondente à

introdução de elementos fetichizadores e alienantes de controle social metabólico,

que se realiza pela subordinação das necessidades humanas à reprodução do valor

de troca.

[...] com o capital erige-se uma estrutura de mando vertical, que instaurou uma divisão hierárquica do trabalho capaz de viabilizar o novo sistema de metabolismo social voltado para a necessidade da contínua, sistemática e crescente ampliação de valores de troca [...] (ANTUNES, 2007, p. 21).

Isto implica na separação e alienação entre trabalhador e meios de

produção, como imposição dessas condições aos trabalhadores e personificação do

6 Segundo o autor temos as mediações de primeira ordem, a fim de preservar as funções vitais da reprodução individual e social. Essas se baseiam na realização das necessidades elementares para a natureza, aquelas sem as quais não sobreviveríamos e que são reguladas pelo comportamento instintivo. São as funções primarias de mediação que garantem a reprodução dos indivíduos através da produção de bens para satisfação das suas necessidades; pela organização de suas atividades, combinadas no processo de reprodução social; pela alocação racional de recursos materiais e humanos em um sistema de troca; e ainda pela regulamentação societária (ANTUNES, 2007).

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capital. Os sujeitos são reduzidos às funções produtivas de forma fragmentada,

separando os que produzem dos que controlam a produção.

O que nos leva a elucidar, ainda, que o trabalho assalariado é uma forma

específica do regime de trabalho sob o modo de produção capitalista, ele é parte

constitutiva do sistema de exploração, qualquer melhoria nessa condição – sejam

melhores salários, sejam condições matérias de trabalho mais dignas e seguras –

não afeta o núcleo da exploração capital-trabalho.

Daí a definição de capital como a propriedade que garante ao capitalista

explorar trabalho alheio, se resumindo numa relação social de exploração. Desse

modo, o sistema capitalista se orienta fundamentalmente para a obtenção de mais-

valia, através do prolongamento da jornada de trabalho, travada apenas pelos limites

físicos (o próprio desgaste natural do trabalhador) e pelas lutas de classes. Além

disso, outro meio eficaz de lucratividade, de obter mais-valia, é o aumento da

produtividade do trabalho, através da sua intensificação, fazendo com que, no

mesmo tempo de trabalho, mais mercadorias sejam produzidas.

Em razão dessa lógica, o modo de produção capitalista depende

essencialmente do trabalho – mas o inverso é falso – que aliado ao desenvolvimento

das forças produtivas, através de novas tecnologias e ciências da produção,

aprimorando-as aos seus interesses, cria em seu seio as condições de mudança das

próprias relações sociais de produção que o definem.

2.2.2 A Grande Indústria Capitalista: a combinação do taylorismo com

fordismo

Ao longo do século XX foram engendradas um série de transformações no

âmbito do modo de produção capitalista, que configuraram um novo estágio do

capitalismo. Nesse momento vemos reiterada sua estrutura essencial, revivida em

algumas formas peculiares de regulação produtiva e social, mas sempre mantendo

viva sua chama com novas determinações.

Assim, o capitalismo instaurou mecanismos de desenvolvimento que são

próprios da sua lógica, construindo um percurso de largas mudanças que

acompanharam o rápido e intenso desenvolvimento das forças produtivas.

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36

A história do capitalismo – a sua evolução –, portanto, é produto da interação, da imbricação, da intercorrência do desenvolvimento das forças produtivas, de alterações nas atividades estritamente econômicas, de inovações tecnológicas e organizacionais e de processos sóciopolíticos e culturais que envolvem as classes sociais em presença numa dada quadra histórica. E todos esses vetores não só se transformam eles mesmos: as suas interações também se alteram no curso do desenvolvimento do MPC. (NETTO; BRAZ, 2010, p. 169).

Netto e Braz (2010) nos fazem refletir sobre a história do capitalismo como

produto do desenvolvimento das forças produtivas, colocando em destaque os

percursos históricos que configuram os diferentes estágios do capitalismo. Esse

trafega desde a acumulação primitiva, como forma originária de produção através

das manufaturas, que segue do século XVI ao XVIII, caracterizada pelo capitalismo

comercial (mercantil). Período em que a burguesia afirma-se como classe

controlando as principais atividades econômicas e pondo em cheque os privilégios

da nobreza fundiária. Tem-se aí, de acordo com esses autores, a expressão

revolucionária dessa classe.

É então uma classe revolucionária, cujos interesses se conjugam com os da massa da população; sobretudo, é a classe que tem por tarefa liberar as forças produtivas dos limites que lhe eram colocados pelas relações feudais de produção e seu específico regime de propriedade. Temos, à época, uma burguesia de caráter audacioso, uma burguesia empreendedora, heroica mesmo, como se verifica dos seus inícios à sua marcha triunfal rumo à construção da nova sociedade. (p. 170. Grifos dos autores).

Avançado o desenvolvimento das forças produtivas, já sobre a base da

grande indústria, o capitalismo atinge sua fase Concorrencial (liberal/clássico),

estágio que se desenvolveu do século XVIII ao século XIX, com ampla possibilidade

de negócios a partir da composição da indústria moderna e da busca imperialista por

mercado mundial. Nesse período também ganham iminência as lutas de classes na

sua modalidade moderna, fundadas na contradição capital-trabalho, ou mais

exatamente na contradição burguesia-proletariado, pólo contraditório que tem forte

influência para o desenvolvimento das forças produtivas. Mesmo assim, o

desenvolvimento operado era estimulado pelas demandas da industrialização e

fortemente marcados pelo positivismo como forma de pensamento expresso pelo

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37

domínio das ciências naturais (química, física e biologia) e pelo desenvolvimento da

eletricidade.

O Estado atendia consideravelmente aos interesses do capital, como seu

agente externo, garantindo a segurança da propriedade privada e a manutenção da

“ordem” pública. Tinham os trabalhadores como sujeitos passivos da repressão,

violenta em muitos casos, como forma de enquadramento à essa ordem. Mesmo

assim, foi a ação dos trabalhadores ao longo dos tempos que forçou um certo

avanço nos processos de democratização identificados na sociedade burguesa,

mesmo que de forma restritiva. As conquistas do movimento operário contribuíram

para a consciência dos antagonismos de classes, “situando-se como sujeito

revolucionário potencialmente capaz para promover a transformação da ordem

burguesa numa sociedade sem exploração” (NETTO; BRAZ, 2010, p. 175).

Agora a burguesia é convertida em classe conservadora, com a intenção

pura e única de verem mantidas as relações sociais que fundam o regime de

acumulação no modo de produção capitalista, o domínio privativo dos meios de

produção. Assim, foram instauradas reformas sociais a fim de amenizar os efeitos da

exploração sobre os trabalhadores, sem que o reformismo burguês alterasse o

“direito natural” à propriedade privada dos meios fundamentais de produção.

No final do século XIX temos o surgimento dos monopólios, concentração de

grandes capitais ancorados na produção industrial, e a modificação do papel dos

bancos, agora como grupos capitalistas no controle de ramos industriais inteiros. Os

bancos avançam com os sistemas de crédito, controle monetário e concessão de

empréstimos que configuram “o processo de centralização do capital”, com o

mercado de ações. Temos, ainda, grandes alterações nas economias nacionais e na

dinâmica econômica como um todo, ou seja, o próprio modo de produção capitalista,

tem seu domínio estendido globalmente, fazendo com que os monopólios atinjam o

mais elevado grau de concentração de capital (NETTO; BRAZ, 2010). Esse mercado

mundial foi criado com o estreitamento das relações econômicas no estágio

mercantil do desenvolvimento capitalista, mas é verídica a tendência do capital para

a mundialização, como um traço que lhe é constitutivo.

Ainda segundo os mesmos autores, com o forte entrelaçamento de ramos

industriais e bancários, ainda no final do século XIX, temos em cena uma fusão

entre os monopólios do capital industrial e os monopólios do capital bancário, que

leva a constituição do capital financeiro que ganhará destaque no estágio

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imperialista, com transformações que se prolongam até os dias atuais e

desempenham papel decisivo. Essa é a fase do desenvolvimento do capitalismo que

se inicia no final do século XIX e que continua a se operar. Aqui, as empresas

monopolistas multinacionais, já bem consolidadas, tratam de ganhar mercados

externos através de grandes acordos comerciais que estabelecem os limites do

avanço e as regiões do mundo que cada monopólio dominará, uma nova reedição

da partilha econômica do mundo pelo grande capital, se inicia agora em sua fase

imperialista. Leva os Estados capitalistas a partilharem o mundo territorialmente e

economicamente, em um verdadeiro processo de recolonização, que teve nas

grandes guerras do século XX a expressão dos conflitos interimperialistas, como

“forma extrema de partilha do mundo pelas potências imperialistas” (NETTO; BRAZ,

2010, p. 183). E, ainda, segundo esses autores:

O imperialismo é um estágio de desenvolvimento do capitalismo; por isso mesmo, as leis (tendências) que comandam a dinâmica desse modo de produção continuam operando nesse estágio. No entanto, fazem-no sob condições novas e dessas novas condições, que modificam a operação daquelas leis, decorrem processos e fenômenos antes inexistentes (ou que antes não tinham a relevância que, com o imperialismo, passam a ter). (p. 188).

Com novos incrementos na forma de exploração do trabalhador, numa

perspectiva de manter sua lei geral de acumulação e escapar das tendências à

queda das taxas de lucro, desenvolve-se uma trajetória de alta expansão da

produção e de acúmulo de importantes inovações tecnológicas.

Como expressão da própria dinamicidade do capitalismo este estágio

também se desenvolveu processualmente. Em sua fase mais clássica, que vai de

1890 a 1940; passando pelos denominados “Anos dourados”, do fim da segunda

guerra mundial até os anos 1970; e seguindo deste período até o capitalismo

contemporâneo, que penetra em plena vigência no século XXI (NETTO; BRAZ,

2010).

Esse processo implicou em mudanças nas relações econômicas, com alta

exportação de capitais e ampliação dos monopólios subsidiados pelos países de

economia periférica, além das mudanças na organização do trabalho que

corroboraram com o binômio taylorista-fordista tornando-se o padrão de produção

industrial com fortes marcas nos “anos dourados” do imperialismo.

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Ainda durante a vigência da era concorrencial do modo de produção

capitalista no século XIX, centrado na expansão do trabalho assalariado, na plena

vigência do Estado Liberal, centrado na defesa da liberdade e da igualdade jurídica

– sem interferência nas relações de trabalho e validando o contrato privado – Taylor7

desenvolveu um modelo de divisão do trabalho baseado no controle do tempo e

rendimentos, aumentando a produtividade à medida que racionalizava a produção

de mercadorias e neutralizava a resistência operária. Separou as atividades de

planejamento das de execução, de forma que cada trabalhador era treinado e

contratado para um posto de trabalho específico, sendo desconsideradas a aptidão

e criatividade do trabalhador num processo maior de expropriação do saber

operário.

As experiências destinadas a aumentar a produtividade mediante eficiência

no nível operacional baseavam-se em métodos e sistemas de racionalização do

trabalho, através das estratégias de subsunção do conhecimento operário ao

comando da gerência; desenvolvimento dos mecanismos de seleção e treinamento;

e planejamento e controle do trabalho.

Desenvolvem-se espaços e relações de trabalhos desarticulados e sem

planejamento, consolidando um modelo de ordem e obediência, baseado em regras

não claras e com ênfase na disciplina, onde se padronizam as relações sociais de

subordinação, em que os sujeitos sociais passam a adquirir padrões de

generalidade, com nítido desprezo pelas suas diferenças e características

individuais.

No sistema Taylor desenvolveram-se várias tentativas por parte das

gerências de refrear a combatividade de classe por meio de estratégias de altos

salários e da difusão de ideologias proibicionistas entre as famílias operárias, com a

regulação puritana e moralista dos hábitos, compondo traços culturais associados à

difusão e uma nova visão social do mundo.

Já no século XX, Ford8 incorpora e faz avançar a proposta taylorista, de

racionalização da estrutura administrativa, e consequentemente dos processos de

trabalho, utilizando os princípios da linha de montagem na fabricação de

7 Frederick Winslow Taylor (1856 - 1915), foi um engenheiro mecânico norte-americano, que

formoulou vários preceitos da “Administração Científica”. 8 Henry Ford (1863-1947) foi um grande empresário americano, fundador da Ford Motor Company , que desenvolveu um modelo de organização produtiva, denominado “Fordismo”, baseado na montagem em série, a fim de garantir a produção de automóveis em menos tempo e a um menor custo.

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automóveis, baseadas em: unidades de comando, divisão do trabalho,

especialização das atividades e ampliação do controle. Isso levou a uma redução do

tempo de montagem dos produtos, a exemplo do carro, parcelando e simplificando

as operações.

Segundo Harvey (2010), os princípios da administração científica de Taylor

estavam baseados no aumento da produtividade do trabalho através da organização

dos movimentos e tempos e da fragmentação das tarefas do trabalho. O que Ford

apresenta de novo é seu reconhecimento de que “produção de massa significava

consumo de massa, um novo sistema de reprodução da força de trabalho, uma nova

política de controle e gerência do trabalho “[...] um novo tipo de sociedade

democrática, racionalizada, modernista e populista” (p.121), com a idéia de formar

um novo tipo de trabalhador, um tipo particular de homem.

De acordo com Gramsci (2001), a superação do taylorismo pelo fordismo se

dá significativamente pela passagem de um modelo de organização do trabalho para

um regime de acumulação que supõe a regulação salarial como eixo da dinâmica

macroeconômica. Uma forma produtiva por onde se estabelecem formas

institucionais de estabilização da relação capital-trabalho.

O fordismo baseava-se, assim, num sistema de produção de grandes

quantidades de produtos padronizados, destinados a mercados de massa. A

concorrência capitalista era baseada nas economias de escala e no aumento da

velocidade do processo de produção, controlado pelo ritmo da linha de montagem e

pelos movimentos das máquinas. Ford verticalizou e hierarquizou a linha de

produção, no combate ao desperdício reduziu o tempo e aumentou o ritmo de

trabalho, intensificando as formas de exploração do trabalho, incrementando a

geração de mais-valia. Com os trabalhadores alinhados ao longo das grandes

esteiras rolantes, atrelados a uma parte específica do processo produtivo

desenvolviam suas atividades de forma mecânica e repetitiva, com ritmo cada vez

mais acelerado, numa composição mais que literal e estética do homem-máquina.

Assim, o fordismo soube combinar processos de trabalho taylorizados, altos

salários e benefícios, mas como ações limitadas a um tipo de elite operária com a

intervenção por parte das gerências nas vidas dos trabalhadores, a fim de criar

certas práticas individuais e coletivas consistentes com a produção em série, numa

peculiar combinação de força e persuasão.

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Forte processo de avaliação dos trabalhadores quanto à sua probidade

moral, suas relações familiares, e sua capacidade de consumo, a fim de verificar se

estavam correspondentes às expectativas da empresa. O trabalhador precisava ter

um comportamento tido como aceito. Esse trabalho era realizado, comumente, por

profissionais assistentes sociais, com forte invasão na esfera da vida privada do

trabalhador (HARVEY, 2010).

Ford acreditava que o novo tipo de sociedade poderia ser construído simplesmente com a aplicação adequada ao poder corporativo. O propósito do dia de oito horas e cinco dólares só em parte era obrigar o trabalhador a adquirir a disciplina necessária à operação do sistema de linha de montagem de alta produtividade. Era também dar aos trabalhadores renda e tempo de lazer suficientes para que consumissem os produtos produzidos em massa que as corporações estavam por fabricar em quantidades cada vez maiores. (HARVEY, 2010, p. 122).

A conjunção desse binômio taylorista-fordista resultou, mais imediatamente,

na desqualificação operária e na fragmentação e intensificação do trabalho, o que

gerou também, graves impactos sobre o bem-estar fisiológico e psicológico dos

trabalhadores.

Esses processos extrapolaram o espaço fabril e favoreceram também um

amplo desenvolvimento da produção científica na busca para superação das

dificuldades apresentadas nesse momento, vinculados a defesa dos interesses do

projeto hegemônico do capital, que antes se concentravam, apenas, nos marcos

meramente técnico e racional. Na sequência, um amplo movimento de estudos

sobre as relações humanas9 no espaço do trabalho ganha destaque, com propostas

de aumento do desempenho baseada em ações de motivação para o trabalho

aliadas à ampliação do trabalho por meio da ideologia de enriquecimento de cargos.

Ambas as correntes apresentaram-se como requisitos do ajustamento do

trabalhador aos postos de trabalho, com práticas voltadas para a criação de boas

9 Baseados na psicologia industrial de Elton Mayo (1880-1947), forte representante da Teoria das

Relações Humanas, ou Escola das Relações Humanas, que ganha destaque com a Experiência de Hawthorne, realizada numa fábrica no bairro que dá nome à pesquisa, em Chicago, EUA, com o própósito de realizar e testes nas linhas de produção para encontrar a relação entre a intensidade da luz e a produtividade, pensando, ainda como os fatores psicológicos interferem na produtividade.

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relações dentro da empresa, em síntese visavam dificultar a luta operária e

neutralizar as lideranças.

Esse movimento apresenta uma concepção do homem no trabalho, aqui

tratado como o trabalho assalariado, relacionada à motivação, à sociabilidade

harmoniosa do trabalho como fator de realização pessoal. Essa corrente de

pensamento colocava sua análise nos aspectos aparentes da realidade

apresentada, não lhe desvendando o essencial.

Concomitantemente à essa lógica capitalista, o Estado se organizava a partir

do chamado Welfare State, que teve como característica marcante sua intervenção

no comando da economia e as ações assistencialistas e paternais, medindo o

comando do capital sobre a classe trabalhadora. Esse foi o período em que o

capitalismo atingiu suas mais elevadas taxas de lucro – “anos de ouro”

correspondentes às décadas de 1950 a 1960 –, com alta produtividade, rendimentos

e acumulação de capitais, com relativos custos sociais.

Durante este período a intervenção estatal se deu de forma mais extrema

com suspensão dos direitos e garantias trabalhistas e a instauração, em alguns

países, de regimes políticos ditatoriais. Constatou-se, também, uma ativa

intervenção do Estado, no nível dos investimentos e na reprodução da força de

trabalho, desonerando o capital de parte de suas despesas, ou mesmo na regulação

dos ciclos econômicos, com destaque para o modelo keynesiano. Tornou-se, assim,

uma fase importante na história do desenvolvimento do capitalismo, com forte

intervenção do Estado minimizando os efeitos das suas crises cíclicas e contribuindo

para a elevação das taxas de crescimento, que teve maior visibilidade nos países

capitalistas mais desenvolvidos. Mas o avanço do imperialismo não se deu sem

processos de resistência. Do mesmo modo, os movimentos operários, sindicais e

partidários foram conquistando legitimidade e a mobilização dos trabalhadores foi

ganhando dimensão mundial.

A precariedade das condições de trabalho e a situação de miserabilidade em

que se encontrava a classe trabalhadora foram determinantes para a construção de

grandes movimentos reivindicatórios dos operários – embora isso não se configure

um determinismo da organização política dos trabalhadores - que exigiam de

imediato a intervenção do Estado na garantia e defesa dos direitos sociais e

trabalhistas. Mas a intervenção estatal se dirigia significativamente à preservação e

controle da força de trabalho, na forma de prestação de serviços públicos,

Page 45: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

43

desonerando o capital, incorporando outros interesses sociais, agora não só com

elementos coercitivos, mas pautado na coesão social.

De acordo com Antunes (2007) a crise do fordismo/taylorismo é uma

expressão fenomênica da crise estrutural do capital que se expressa com: a queda

da taxa de lucros; o esgotamento desse padrão de produção; a hipertrofia da esfera

financeira; a grande concentração dos capitais, em seus monopólios e oligopólios; a

crise do Welfare State, enquanto padrão de regulamentação estatal; além das

privatizações e flexibilização do processo produtivo. Tudo isso resultou num ofensiva

generalizada do capital e do Estado contra a classe trabalhadora.

Como resposta à sua própria crise, iniciou-se um processo de reorganização do capital e de seu sistema ideológico e político de dominação, cujos contornos mais evidentes foram o advento do neoliberalismo, com a privatização do Estado, a desregulamentação dos direitos do trabalho e a desmontagem do setor produtivo estatal, da qual a era Thatcher-Reagan foi expressão mais forte; a isso se seguiu também um intenso processo de reestruturação da produção e do trabalho, com vistas a adotar o capital do instrumental necessário para tentar repor os patamares de expansão anteriores (ANTUNES, 2007, p.31).

A precarização das relações de trabalho propicia a intensificação do

trabalho e a individualização dos comportamentos, neutralizando a mobilização

coletiva e generalizando “o silêncio” e o “cada um por si”. O medo da perda do

emprego induz à aceitação das condutas de dominação ou de submissão e gera no

ambiente de trabalho um clima de permanente competição, tanto individual quanto

coletivamente, suportável apenas pela perspectiva da manutenção do emprego.

2.2.3 O trabalho “flexível” no toyotismo

A presença de modelos distintos de organização do trabalho se configura

como uma expressão das diferentes formas nas quais se organiza, também, o

processo de produção capitalista e consequentemente as relações sociais, políticas,

econômicas e culturais características de cada momento histórico.

Desde os últimos anos do século XX têm sido operadas mudanças

estruturais no modo de produção, sem alteração da sua base capitalista, o que

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implica em mudanças nos processos produtivos e na organização do trabalho.

Antunes (2006) nos faz refletir que diante das quais não temos conseguido dar

respostas coletivas aos desafios enfrentados pelo conjunto dos trabalhadores.

Por todo esse período, a produção humana vem se apresentando de forma

excepcional, com alta capacidade de produção e atendimento às necessidades

humanas, em novas formas de sociabilidade, mas as relações sociais que

coadunam esse processo não permitem um pleno, universal e igualitário

desenvolvimento humano nessa dinâmica da vida social.

Para aumentar os índices de lucratividade, na atualidade, os empregadores

fazem uso cada vez maior da exploração do trabalho, utilizando estratégias de

redução dos custos, salários e direitos sociais e trabalhistas. Exigem que o

trabalhador seja polivalente, exercendo várias funções e se submetendo a mesma

remuneração. Há uma intensiva racionalização da força de trabalho, enxugando ao

máximo o quadro formal de trabalhadores e estendendo a carga de trabalho

daqueles que restaram no processo produtivo. Portanto, aumenta-se o desemprego,

a mais temida insegurança no mundo do trabalho.

Importante destacar que o processo de crise capitalista não é um fenômeno

novo, ao longo dos tempos houve uma sucessão de crises econômicas em toda a

história do capitalismo, algumas mais localizadas, outras ganharam uma dimensão

mundial, como a de 1929 (pós-guerra), que trouxe um redimensionamento do papel

do Estado em face da dinâmica econômica e do desenvolvimento capitalista.

Dentre os principais determinantes para a ocorrência das crises, não como

repercussões únicas, pois concorrem entre si, temos a queda da taxa de lucros e as

limitações na capacidade de consumo em desacordo com a produção de

mercadorias, além disso, o conjunto da produção capitalista escapa a qualquer

controle racional que se desenvolve no interior das unidades produtivas. Esses

processos de crise têm em sua natureza a interrupção da reprodução ampliada do

capital, decorrentes do ciclo econômico e inerentes as contradições do próprio

capitalismo. Já que não têm o poder de conduzir o sistema ao colapso, apenas

ratificam sua lógica de funcionamento.

No início dos anos 1970 configurou-se um novo momento de crise,

propagada como crise do petróleo, uma longa recessão após a onda de expansão

dos “anos dourados”, com o esgotamento do modelo taylorista-fordista e da

regulação estatal de base keynesiana.

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De acordo com Mota e Amaral (2008), no contexto da crise capitalista

contemporânea, o atual processo de reestruturação produtiva é na verdade um

processo de restauração econômica capitalista para recomposição do ciclo de

reprodução do capital, apresentando novas modalidades de produção e reprodução

social da força de trabalho. Esses elementos expressam mais uma das estratégias

do capital no enfrentamento de mais um momento de crise, identificado em meados

das décadas de 1960-70, a fim de reorganizar as fases do ciclo global, necessários

à manutenção do processo de reprodução da sociabilidade capitalista.

O processo de reestruturação produtiva – enquanto reestruturação da

produção e reorganização dos mercados – determina, também, um conjunto de

mudanças nas formas de organização da produção material e nas modalidades de

gestão e consumo da força de trabalho. Novas modalidades de controle do capital

sobre o trabalho, com a intenção de promover a adesão e o consentimento dos

trabalhadores às mudanças requeridas (MOTA; AMARAL, 2008).

Constitui-se então a terceira fase dos estágios capitalistas, denominada

“mundialização do capital” – com a forte marcha do capital imperialista financeiro –

trouxe a estratégia político-global de reestruturação conjuntural, afetando os

processos produtivos e a gestão do trabalho. Instaura a acumulação flexível, de

base toyotista, e a desterritorialização da produção, com intensa incorporação de

tecnologias resultantes dos avanços técnico-científicos da informática, da robótica e

da microeletrônica. Além desses elementos, outros incidem diretamente sobre a

classe trabalhadora, com a intencionalidade de quebra da consciência de classe, e a

concretude da precarização das relações e espaços de trabalho.

A necessidade real do processo de reestruturação produtiva são as novas

formas de produção, gestão e consumo da força de trabalho, na redefinição das

formas de subordinação do trabalho ao capital através do consentimento ativo dos

trabalhadores ao atual processo de recomposição do capital, que se apresentam,

em verdade, como formas reatualizadas de exploração do trabalho revestidas pela

cultura pacífica e pelas soluções negociadas. Afeta diretamente os processos de

trabalho, operando mudanças de ordem técnica, amparadas em práticas

essencialmente políticas (MOTA; AMARAL, 2008).

Os trabalhadores tendem a se reordenarem, em razão do risco e ameaça do

desemprego estrutural, como expressão de uma modernização conservadora. A

principal estratégia foi externalizar custos e partes da produção, a fim de

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proporcionar maior flexibilidade na utilização do capital e do trabalho. Assim, a

classe trabalhadora adere, principalmente, aos mecanismos de externalização da

produção pela via da terceirização, quebrando os vínculos de ligação do trabalhador

com a grande empresa e proliferando outras tantas formas de desproteção do

trabalho como o trabalho autônomo e o trabalho em domicílio, e o trabalhador tem a

falsa sensação de ser livre por estar diretamente desvinculado da empresa,

consolidando formas reiteradas de exploração capitalista.

O capitalismo contemporâneo apresenta, ainda, significativos elementos em

seu desvelamento, como a reiteração de formas de exploração do passado, como o

trabalho infantil, doméstico, escravo; a naturalização e criminalização das

expressões da “questão social” e o desemprego enquanto um fenômeno

permanente.

Para legitimar-se, o capital permanece patrocinando a divulgação ideológica

do neoliberalismo, que se materializa nos processos de privatização da máquina

pública e financeirização do capital entoadas pelos movimentos de contra-reformado

Estado, reduzindo direitos e garantias sociais.

Assim, o processo de reestruturação das fábricas implica na modernização

da tecnologia empregada no processo produtivo, e ainda, na modernização da

gestão da produção, porém, o que podemos observar é a aproximação de uma

realidade própria do taylorismo-fordismo, mesclada com características da

“acumulação flexível” – trazida aqui a partir do entendimento apresentado por

Harvey (2010) –, para o qual há uma intensificação do trabalho aliada à exigência de

polivalência.

No atual processo de reestruturação produtiva predominam, ainda, a

circulação de capitais, agora em um sistema globalizado pelo amplo arsenal

tecnológico-informacional e os investimentos especulativos conectados ao fenômeno

de mundialização do capital e de comprometimento das soberanias nacionais.

O Brasil apresenta uma peculiaridade: não chegamos a ver consolidado o

modelo de produção e, já passamos a experimentar a acumulação flexível. Antes

mesmo que o primeiro modelo se estabelecesse de fato, já foi atropelado pelo outro.

O mais interessante, e não menos preocupante de analisar, é que esses modelos

convivem, ainda hoje, a luz do mesmo cenário, o que possibilita a manutenção de

relações obsoletas de trabalho juntamente aos antagonismos provenientes das

rápidas transformações no mundo do trabalho.

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[...] a marca da reestruturação produtiva no Brasil é a redução de postos de trabalho, o desemprego dos trabalhadores do núcleo organizado da economia e a sua transformação em trabalhadores por conta própria, trabalhadores sem carteira assinada, desempregados abertos, desempregados ocultos por trabalho precário, desalento etc (MOTA; AMARAL, 2008, p.35).

Mota e Amaral (2008) ainda nos reportam que dentre as expressões

particulares do movimento de reestruturação produtiva no Brasil ganha destaque: a

cultura modernizadora de valorização da eficiência privada; a desresponsabilização

do Estado; empregabilidade; a lógica de parceria capital-trabalho; e a passivização

da classe trabalhadora. Trata-se não só de destruir os processos de organização

dos trabalhadores, mas de inflexionar os objetos de suas reinvindicações em outros

significados que sejam favoráveis ao capital. A intencionalidade é formar uma

“cultura do trabalho” que atenda às necessidades da acumulação capitalista,

difundindo conservadorismos e aproximação dos diversos projetos políticos

existentes, numa falsa e ilusória igualdade de classes.

No processo de industrialização brasileiro podemos identificar nitidamente a

convivência de diferentes modelos de inserção do trabalhador, expressando uma

realidade onde a organização do trabalho se apresenta de forma ainda mais

complexa. O que nos deixa diante do regresso da precarização das relações e

condições objetivas de trabalho, ou seja, formas distintas de vinculação ao trabalho

com características de fases específicas do capitalismo que passam a conviver

simultaneamente em uma mesma lógica produtiva.

Nos anos 1970 vemos o retorno ou, pelo menos, o crescimento de formas de

assalariamento pretéritas, que aparecem como produto da flexibilização das

relações de trabalho na perspectiva do capitalismo global. Apresentam-se como um

conjunto de transformações radicais na sociedade em termos econômicos, políticos

e sociais, que recuperam, reformulam e reapropriam formas de utilização da força de

trabalho presentes desde os momentos iniciais do capitalismo industrial (LIMA,

2007).

Sendo assim, mesclam-se relações de trabalho pré-capitalistas com o que

há de mais moderno em termos de produção e gestão do trabalho. É a recuperação

de antigas formas de vinculação da força de trabalho num contexto de precarização.

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48

Lima (2007, p. 50) destaca, ainda, que se trata da “[...] permanência de formas de

assalariamento, típicas do capitalismo industrial em seus momentos iniciais, que se

tornaram resquícios num momento de desenvolvimento desse mesmo capitalismo

[...]”.

Essa convivência de modelos diferenciados adentra a realidade das fábricas

brasileiras absorvendo elementos próprios das mudanças estruturais do sistema

capitalista, engendrando em seus processos internos características gerais da forma

como a sociedade está organizada sob a lógica do capital. As transformações

societárias, ao reconfigurarem as necessidades sociais existentes, possibilitam a

criação de outras necessidades, já que metamorfoseiam a produção e a reprodução

da sociedade (NETO, 1996).

Vê-se, agora, não só a permanência das características da produção

industrial do passado taylorista-fordista, mas também a existência de formas de

cooptação dos trabalhadores, através do engajamento destes aos objetivos da

empresa exigida na palavra da fidelidade dos trabalhadores aos valores

empresariais. Conforme Heloani (1996, p. 97):

O objetivo desses enunciados consiste na imposição de um quadro de referências que obrigatoriamente seja utilizado pelos indivíduos no interior da empresa e, ao fazê-lo, os trabalhadores reforçam o corpo de representações inerentes ao conjunto de valores e à codificação que impõem à realidade. Em síntese, o sistema de regras se estrutura como uma gramática dirigida à identificação com os valores da empresa, em particular à subordinação necessária do trabalho ao capital e, nesse processo, a linguagem desempenha papel essencial.

As empresas têm aderido a esses novos fenômenos de reestruturação

organizacional e não os fizeram por mera vaidade, pelo contrário, isto se torna

imperativo frente às novas demandas do capital, que exigem rapidez, agilidade e

inovação. Nessa perspectiva a força de trabalho passa a ser utilizada, mais

intensamente, como forte potencial de lucratividade, deixando de ser um simples

recurso de produção para se tornar, de modo incomparável, um elemento de pró-

atividade e de competitividade, sendo de extrema relevância para o cumprimento de

metas e para a produção de positivas taxas de rendimento. Características estas

que tentam subscrever os elementos essenciais do trabalho, omitindo o trabalho

Page 51: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

49

como produtor de valor em sua natureza constituinte, e conduzindo isso como

prerrogativa do modo de produção capitalista.

Nesse ínterim, os trabalhadores passam a ser exigidos em criatividade,

poder de inovação e de decisão, sendo abertos ilusórios espaços de participação e

comunicação direta que dizem privilegiar as pessoas, mas que não interferem, de

fato, nas ações estratégicas e espaços decisórios das empresas.

Sob o capitalismo contemporâneo se acentua a fragmentação e as

desigualdades que delineiam as relações de trabalho e faz com que se desenvolva o

espaço produtivo em bases toyotista. Mesmo assim, a organização do trabalho

fundamentada na precarização, concomitantemente ao envolvimento do trabalhador,

expressa uma subsunção real do trabalho, que se revela como uma tendência do

atual processo de reestruturação produtiva do capital.

Em contrapartida, os trabalhadores não possuem margem de autonomia

para o desenvolvimento de suas atividades, além de realizarem essas tarefas em

condições de trabalho precarizadas e com um sistema de remuneração deficitário,

tal como no período industrial monopolista. Desse modo, esses trabalhadores

também alargaram formas de resistência que adulteram as demandas gerenciais,

mantendo um ciclo intermitente de práticas consideradas desonestas, violação e

depreciação de normas administrativas para responder ao descompromisso social e

humano das empresas para com estes, bem como, a posição agressiva e

conservadora dos postos hierárquicos superiores, o descumprimento de direitos

sociais e trabalhistas elementares, as frequentes ações disciplinares e a ausência de

benefícios sociais privados. Mesmo assim, é importante ratificar que a concepção de

trabalho voltada para o desenvolvimento do gênero humano, não é possível na

sociedade capitalista, já que a exploração do trabalho não é defeito dessa

sociedade, está inerente a ela.

Vimos que, sob o capital, os interesses são contraditórios entre aqueles que

vedem a força de trabalho e os que a exploram. E que, na atualidade, apresenta

propostas de adesão ativa dos trabalhadores ao seu ideário. São ações que visam

minimizar as tensões de classe, mas que de fato não eliminam a condição

explorador-explorado, inerente ao sistema social do capital.

O que difere na forma de controle (via cooptação) do trabalhador pelo

capital no toyotismo é a introdução de elementos que tentam mascar a exploração

com um sistema de benefícios sociais, salários indiretos e premiações. A atual

Page 52: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

50

“gestão de pessoas” entende que além da remuneração fixa, é necessário incentivar

continuamente as pessoas para que sejam capazes de alcançar resultados

satisfatórios, apresentando a percepção dos trabalhadores enquanto “parceiros” das

organizações, como colaboradores no fornecimento de conhecimento, habilidades e

competências, no entanto esses não deixam de ser meros recursos da empresa,

partícipes da grande engrenagem.

Sob a condição da separação absoluta do trabalho, a alienação assume a forma de perda de sua própria unidade: trabalho e lazer, meios e fins, vida pública e vida privada, entre outras formas de disjunção dos elementos de unidade presentes na sociedade do trabalho. Expandem-se, desse modo, as formas de alienação dos que se encontram à margem do processo de trabalho. (ANTUNES e ALVES, 2004, 348).

O fato de estar desempregado ou afastado, mesmo que temporariamente,

causa angústia e sofrimento aos trabalhadores. Todos têm consciência que mesmo

trabalhando muito e ganhando pouco, ainda assim é um “ganho certo”. Muitos deles

preferem ocultar as suas queixas, no que se refere a sua saúde, em razão do medo

de serem demitidos e de não encontrarem um novo emprego e ainda para não se

sentirem inúteis. Dessa forma, o trabalhador se entrega à produção, silenciando sua

dor e se rendendo a pressão das chefias por maior produtividade.

O medo imobiliza, deixa-os inseguros. É um medo objetivo, causado por situações vivenciadas no espaço fabril de isolamento, por desqualificações e desmoralizações. Por medo, suportam a dor e se entregam mais intensamente à produção. Alienados de si próprios, desestruturados emocionalmente e sentindo-se culpados, ficam mutilados e submetidos ao poder de um outro homem. (BARRETO, 2003, p.130).

A exigência de um ritmo de trabalho acelerado para acompanhar a

velocidade da máquina, vinculada às condições impróprias de trabalho, torna as

atividades cansativas, onde não são respeitadas as particularidades dos indivíduos,

o que apenas importa é a satisfação das necessidades de produção, onde “tempo é

dinheiro”.

As mudanças que vêm ocorrendo no mercado capitalista, nos processos de

trabalho, com utilização de altas tecnologia e formas inovadoras de racionalização

Page 53: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

51

da produção, proporcionam uma redução no valor das mercadorias, que atinge

diretamente a classe trabalhadora, acarretando uma diminuição do valor da força de

trabalho.

A lógica do capital procura, no seu desenvolvimento, colocar sob sua

dependência um contingente humano antes marginalizado, alargando sua reserva

de mão-de-obra e determinando, consequentemente, o preço da força de trabalho.

Assim as empresas absorvem, estrategicamente, a força de trabalho sobrante no

mercado de trabalho, gerando maior absorção de mais-valia por menor custo social

com trabalhadores.

Diante disso e por reconhecer o ambiente de trabalho, nos moldes da

sociedade capitalista, enquanto uma relação de exploração e alienação da classe

trabalhadora fica definida a relação capital-trabalho não só como extração de mais-

valia, mas também, como “máquina” destruidora da saúde, ferramenta fundamental

para o convívio social e, portanto inseparável do trabalho e inestimável para o

trabalhador.

Page 54: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

52

A exploração capitalista é assombrosamente clara, colocando o trabalhador num nível inferior ao da máquina. De fato, esta, na permanente passividade da matéria, é conservada pelo dono; [...] e quando morre - digamos assim – [...], origina a mágoa real de um desfalque, a tristeza de um decréscimo da fortuna, o luto inconsolável de um dano. Ao passo que o operário, adstrito a salários escassos demais à sua subsistência, é a máquina que se conserva por si, e mal; as suas dores recalca-as forçadamente estóico; as suas moléstias, [...] - cura-as como pode, quando pode; e quando morre, afinal, [...] ninguém lhe dá pela falta na grande massa anônima e taciturna, que enxurra todas as manhãs à porta das oficinas.

(Euclides da Cunha, Contrastes e confrontos, ensaio, 1907).

As mudanças na estrutura econômica no seio da sociedade capitalista têm

apresentado rebatimentos significativos, também, no campo da saúde, agravando as

condições de vida da população, exigindo das políticas sociais públicas, aqui se

tratando a saúde, uma atenção que contemple a totalidade das relações sociais que

atravessam o cotidiano dessas instituições e seus diferentes níveis de atenção.

A partir do conceito ampliado de saúde, proposto na 8ª Conferência de

Saúde, em 1986, a concepção de saúde passa a se apresentar como não restrita ao

enfrentamento da doença, mas sim como um conjunto de condições básicas que

possibilitem o bem-estar social dos indivíduos, estando relacionada aos diversos

espaços da vida social em sociedade, como educação, moradia, lazer, alimentação,

trabalho.

Para que esse conceito amplo se materialize é preciso, também, garantir

“trabalho em condições dignas, com amplo conhecimento e controle dos

trabalhadores sobre o processo e o ambiente de trabalho” (3ª Conferência Nacional

3 O TRABALHADOR ENTRE A SAÚDE E A (IN) SEGURANÇA NO

TRABALHO

Page 55: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

53

de Saúde do Trabalhador, 2005, p.05). Dessa forma vislumbramos que a saúde está

intimamente ligada a outras esferas da vida em sociedade, onde as condições e

organização do trabalho tornam-se determinantes para ter ou não uma vida

saudável. Quando organizado e gerido de forma precária, o que ocorre nos moldes

da sociedade capitalista, tem-se um processo metabólico de destruição da saúde

física e mental dos trabalhadores.

Características claramente expressas no atual padrão de acumulação do

capital, que tem como base a superexploração da força de trabalho, seja pela

inserção de novas tecnologias, seja pelas novas estratégias de organização do

trabalho e da produção, ou ainda, pelas transformações nas formas de reprodução

das relações sociais, constituídas a partir do trabalho, que repercutem de forma

negativa e deletéria na saúde dos trabalhadores. Essas novas estratégias de gestão

da força de trabalho implicam no aumento dos agravos à saúde relacionados ao

trabalho, em que segundo Navarro (2003):

A intensificação do trabalho, que cada vez mais se faz presente na contemporaneidade, tem ocasionado o aumento das doenças relacionadas ao trabalho e criado condições que conduzem ao incremento da probabilidade de acidentes causadores de incapacidade temporária permanente ou mesmo de mortes de trabalhadores, o que evidencia o vínculo causal entre saúde e trabalho.

Exemplo desta realidade, a aceleração, intensificação e precarização dos

modos de trabalhar resultam na ampliação e surgimento de novos casos de doenças

e de riscos de acidentes nos espaços sócio-ocupacionais, que podem ser

percebidos, mais imediatamente, como as LER/DORT10, estafas, cansaço constante,

dores lombares e generalizadas, insegurança intensa evoluindo até a distúrbios

emocionais, além dos danos mais claramente resultantes dos acidentes de trabalho

e fisicamente traumáticos. Vale ressaltar que a socialização desses sintomas é muito

tardia, pois muitos trabalhadores temem a perda do posto de trabalho, como

afirmam Minayo-Gomes e Thedim-Costa (1997):

Por outro lado, a essa forma inconsequente de lidar com a saúde e a vida, une-se a resistência dos indivíduos em aceitar a condição de doentes. O

10

A LER e DORT são as siglas para Lesões por Esforços Repetitivos e Distúrbios Ósteo-musculares Relacionados ao Trabalho, respectivamente, que são doenças caracterizadas pelo desgaste de estruturas do sistema músculo-esquelético que atingem várias categorias profissionais.

Page 56: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

54

medo de perder o emprego - garantia imediata de sobrevivência - aliado aos mais variados constrangimentos que marcam a trajetória do trabalhador doente, "afastado" do trabalho, mascara, em muitos casos, a percepção dos indícios de comprometimento da saúde ou desloca-os para outras esferas da vida, inibindo ou protelando, freqüentemente, ações mais incisivas de reivindicação às instâncias responsáveis pela garantia da saúde no trabalho.

Alguns estudos científicos já expressam que os trabalhadores na maioria

das vezes preferem omitir o sofrimento causado pelas doenças profissionais ou

acidentes de trabalho para não serem taxados de inválidos, incompetentes ou

inúteis11, ou ainda a sofrer a sanção mais temida, a perda dos vínculos

empregatícios. Optam por silenciar a dor e só procuram ajuda médica quando já não

mais suportam. Os trabalhadores vivem num verdadeiro clima de incertezas e

desesperanças, vinculando imediatamente o ato de trabalhar a uma dimensão

negativa, um aspecto ruim da vida societária. Neste sentido, vêem apenas os

elementos mais aparentes da realidade que os cercam, enquanto um fenômeno

distorcido do sentido ontológico do trabalho.

A questão central da temática Saúde do Trabalhador é, sobretudo, observar

a relação saúde/trabalho/doença, ou seja, o entendimento que os processos de

trabalho têm papel determinante nas formas de adoecer e morrer da classe que vive

do trabalho, entendida, nos termos de Antunes (2006), como a totalidade dos

assalariados, homens e mulheres que vivem da venda da sua força de trabalho e

que são despossuídos dos meios de produção. Uma relação que tem como

característica o fato de enxergar as questões de saúde e de trabalho em sua

dimensão global e de totalidade.

Para Minayo-Gomes e Thedim-Costa (1997, s/p):

Nesse contexto de reflexão crítica quanto à limitação dos modelos vigentes, criam-se os alicerces para o surgimento dessa nova forma de apreender a relação trabalho-saúde, de intervir nos ambientes de trabalho e consequentemente de introduzir, na Saúde Pública, práticas de atenção à saúde dos trabalhadores, no bojo das propostas da Reforma Sanitária Brasileira. Configura-se um novo paradigma que, com a incorporação de alguns referenciais das Ciências Sociais - particularmente do pensamento

11

Sobre esse assunto consultar a dissertação de Mestrado de Margarida Maria Silveira Barreto, intitulada de Violência, saúde e trabalho: uma jornada de humilhações. Publicada pela editora EDUC de São Paulo, em 2003. O trabalho apresenta uma rica análise sobre o assédio moral e suas repercussões na saúde dos trabalhadores.

Page 57: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

55

marxista -, amplia a visão da Medicina do Trabalho e da Saúde Ocupacional.

Assim, a Saúde do Trabalhador constrói seu campo de atuação na Saúde

Pública, e abre espaço para novas discussões em outras áreas do conhecimento,

tendo nessa nova prática um diferencial importantíssimo: a participação dos

trabalhadores, que se materializam mais imediatamente através das Comissões de

fábrica12, organizações sindicais, conselhos de saúde, fóruns de debate e grupos

tripartites13, espaços potencializadores para o questionamento das condições

precárias de trabalho e reivindicação do direito à informação e recusam o

desenvolvimento de trabalho em atividades insalubres que ponham em maiores

riscos a sua saúde sem a proteção adequada.

O trabalho e a saúde estão, portanto, intimamente articulados e em mútua

relação, na medida em que as condições de trabalho contribuem diretamente para

manter e reproduzir a situação de explorado e o comprometimento da saúde,

integridade física e mental e bem-estar social do trabalhador, o que, por seu lado,

está também articulado, no capitalismo, à divisão social do trabalho. Para o aumento

e/ou manutenção dos índices de lucratividade, na atualidade, os “empregadores”

fazem uso cada vez mais da exploração do trabalho, utilizando estratégias de

redução dos custos, salários e direitos sociais e trabalhistas. Há uma intensiva

racionalização da força de trabalho, “enxugando” ao máximo o quadro de

trabalhadores e estendendo a carga de trabalho dos que se encontram no processo

produtivo.

12

A exemplo da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes – CIPA, regida pela Lei nº. 6.514 de 22/12/77 e regulamentada pela NR-5 do Ministério do Trabalho, aprovada pela portaria nº. 3.214 de 08/06/76, publicada no D.O.U. de 29/12/94 e modificada em 15/02/95.

13 O Decreto nº 4.085, de 15/01/2002 promulga a Convenção n.º174 da OIT e a Recomendação n.º

181 sobre a Prevenção de Acidentes Industriais Maiores, prevendo a participação do tripé governo, empregadores e empregados nas decisões acerca de regulamentações de segurança e medicina do trabalho. Em seu Artigo 2° destaca “Quando se apresentarem problemas particulares de certa magnitude que impossibilitem pôr em prática o conjunto de medidas preventivas e de proteção previstas pela Convenção, todo Estado Membro deverá formular, sob consulta às organizações de empregadores e de trabalhadores e com outras partes interessadas que possam ser afetadas, planos com vistas à aplicação por etapas de referidas medidas”. Disponível em: < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/D4085.htm >. Acesso em 23 set. 2007.

Page 58: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

56

3.1 A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO CAPITALISTA E SUAS IMPLICAÇÕES

PARA A ÁREA DA SAÚDE DO TRABALHADOR

Independente de que fase do capitalismo venhamos a falar, sabemos que

em todas elas ocorrem formas diretas e ativas de degeneração da saúde dos

trabalhadores e da população em geral. Por isso mesmo, junto à luta por melhorias

de salários, sempre se constituiu ponto de pauta e objeto da luta dos trabalhadores a

exigência por condições salubres e seguras de trabalho. Os diferentes modelos de

gestão da força de trabalho e de organização dos processos de produção –

taylorismo, fordismo e o toyotismo – constituem formas diferenciadas de exploração

do trabalho e da classe trabalhadora, bem como de tratar a questão da saúde do

trabalhador, mas que essencialmente reiteram a vitalidade do capital em seu

processo de exploração da força de trabalho.

Essas mudanças na estrutura econômica no seio da sociedade capitalista

têm apresentado rebatimentos significativos, também, no campo da saúde,

agravando as condições de vida da população, exigindo das políticas sociais

públicas, aqui se tratando a saúde, uma atenção que contemple a totalidade das

relações sociais que atravessam o cotidiano dessas instituições e seus diferentes

níveis de atenção.

Nesse sentido, veremos a seguir, mais especificamente, como o campo da

Saúde do Trabalhador foi concebido e praticado em cada uma dessas fases, e como

a organização do trabalho repercute na saúde e na segurança da classe

trabalhadora. Para tanto, buscaremos desvendar a relação entre os regimes de

acumulação do capital e as consequências na saúde do trabalhador, compreendidos

a partir de uma processualidade histórica que os articula como unidade diferenciada.

Nenhum desses modelos apresenta clara e expressamente tipos específicos

de agravos à saúde dos trabalhadores. No entanto os elementos essenciais que os

caracterizam são determinantes para entender o quadro geral de saúde da classe

trabalhadora nos respectivos períodos, assim como permitem analisar de modo mais

abrangente os aspectos tratados até aqui, especificamente, aqueles relacionados

aos avanços e retrocessos da saúde do trabalhador no capitalismo.

Page 59: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

57

3.1.1 O Taylorismo e a Saúde o Trabalhador

Ainda durante a vigência da era concorrencial do modo de produção

capitalista no século XIX, centrado na expansão do trabalho assalariado, na plena

vigência do Estado Liberal, e na defesa da liberdade e da igualdade jurídica – com

reduzida interferência nas relações de trabalho e validando o contrato privado –

Taylor14 desenvolveu um modelo de divisão do trabalho baseado no controle do

tempo e rendimentos, aumentando a produtividade à medida que racionalizava a

produção de mercadorias e neutralizava a resistência operária. Separou as

atividades de planejamento das de execução, de forma que cada trabalhador era

treinado e contratado para um posto de trabalho específico, sendo desconsideradas

a aptidão e criatividade do trabalhador num processo maior de expropriação do

saber operário.

Nessa fase há uma maior intensificação das tarefas de caráter repetitivo

onde os indivíduos são valorizados, prioritariamente, em sua capacidade física,

configurando-se enquanto verdadeiros apêndices das máquinas. Segundo Lenhart e

Turmina (2007) “nesta perspectiva não se levava em conta a fadiga, o stress dos

trabalhadores submetidos a extensas jornadas de trabalho”, o que é valorizado é o

quanto o funcionário pode produzir, e não sob que circunstâncias ele produz. Não

são levadas em consideração a saúde e a segurança do trabalho.

O modelo de gestão desenvolvido por Taylor era basicamente fundamentado

na observação e na quantificação. Percebeu que seria possível reduzir o tempo

destinado à execução de determinadas tarefas, observando que os operários as

desenvolviam de formas diferentes, utilizando-se de instrumentos e em espaços de

tempo também diferenciados. Sendo assim, ele propôs a racionalização do trabalho

conforme o estudo dos tempos e dos movimentos, definindo o tempo considerado

necessário para a execução de cada atividade.

Essa padronização do trabalho acarretou um maior controle das operações

pelas chefias, onde o resultado final do processo de trabalho aprofunda a separação

entre produto e produtor, em razão desse mesmo trabalho ser tão partido e

fragmentado. O operário não se identifica com aquilo que cria, reproduzindo de

14

Frederick Winslow Taylor (1856 - 1915), foi um engenheiro mecânico norte-americano, que formoulou vários preceitos da “Administração Científica”, que se desenvolve no século XX com sua obra Principíos da Administração Científica, publicada em 1911.

Page 60: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

58

maneira cíclica a “fórmula produtiva” escolhida através da uniformidade dos

movimentos. Essa rígida fragmentação do trabalho acarreta na especialização do

trabalhador em determinadas tarefas, executando-as de forma mecânica, automática

e repetitiva, é na verdade um trabalho “robotizado”, em que o trabalhador é uma

mera engrenagem da máquina, pago apenas para acompanhar o ritmo desenvolvido

por ela, restando-lhe apenas a execução, pura e simplesmente.

Todo esse movimento tinha um objetivo maior: o alcance da eficiência,

refletida na expansão da produtividade e da lucratividade. Caso o trabalhador

apresentasse alguma enfermidade logo seria substituído por outro, assim como as

peças desgastadas também são.

Em razão das atividades monótonas, repetitivas e excessivamente

controladas, aumenta-se a probabilidade de doenças e acidentes de trabalho, ao

passo que se diminui a produtividade e a qualidade do trabalho, tornando-se assim,

um elemento redutor da tão almejada eficiência.

No que se refere às condições de trabalho nessa fase do capitalismo pode-

se inferir que o uso de instrumentos ou equipamentos que viessem a reduzir o

esforço do trabalhador e o tempo gasto para a execução das atividades, implicava

diretamente no aumento do tempo sobrante, que mais uma vez, seria utilizado para

elevação da produtividade e não para reduzir o impacto da carga de trabalho sobre

os trabalhadores.

Dessa forma, a ideia era reduzir o desperdício de tempo e aumentar a

eficiência, fazendo uso do sobretrabalho. Nesta fase a preocupação era única e

exclusivamente com a eficiência, com a produção. Ao trabalhador só cabia mesmo o

incentivo salarial e os prêmios por peça produzida, numa tentativa de ofuscar os

interesses econômicos do empregador.

O ritmo de produção era intensificado, no sistema taylorista, através dos

instrumentos de coerção como a pressão pela extensão da jornada de trabalho; e de

consenso, com o incentivo por peça fabricada, e prêmios por produtividade. Desse

modo, os horários destinados ao descanso eram reduzidos, pois os trabalhadores

passam a ser exigidos cada vez mais, tendo como estímulo o aumento do quantum

salarial. Pelo desgaste físico e mental, a vida em família e em sociedade era

comprometida e o lazer não era um elemento presente no cotidiano dos

trabalhadores.

Page 61: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

59

As jornadas extenuantes, em ambientes extremamente desfavoráveis à saúde, às quais se submetiam também mulheres e crianças, eram frequentemente incompatíveis com a vida. A aglomeração humana em espaços inadequados propiciava a acelerada proliferação de doenças infecto-contagiosas, ao mesmo tempo em que a periculosidade das máquinas era responsável por mutilações e mortes. (MINAYO-GOMES e THEDIM-COSTA, 1997).

Neste modelo, a vigilância em saúde no ambiente fabril era voltada para a

reparação de acidentes e doenças do trabalho, não se detendo a prevenção dos

fatores de risco, sendo o médico do trabalhado conhecido depreciativamente como o

“doutor compensação” 15 em razão das práticas puramente curativas. Na França, os

médicos das grandes indústrias passam a ser chamados de “médicos de mãos

sujas” por estarem sempre a serviço do patronato.

Data-se do século XIX a obrigatoriedade das ações em saúde e segurança

nas fábricas restritas aos exames de seleção ou de aptidão dos trabalhadores e na

investigação dos desastres no trabalho, tendo como uma grande conquista do

período, em especial na Europa, o princípio da notificação obrigatória das doenças

profissionais, consolidado a partir do Factory and Workshop Act of 1895, “que

comprometia os médicos a intervir sempre que havia um caso de patologia suspeita

de ter sido provocada pela exposição profissional” (GRAÇA, 1999).

Nesse período, bem como na atualidade, os médicos e outros profissionais

da saúde e da segurança passam a entrar nas fábricas a partir dos imperativos

legais e morais, desenvolvendo ações pontuais e de caráter compensatório,

reforçando a cultura imediatista de reparação dos danos.

3.1.2 O Fordismo e a Saúde do Trabalhador

As propostas fordistas, inicialmente aplicadas na indústria automobilística,

disseminaram-se nas primeiras décadas do século XX. Caracterizavam-se pela

intensificação da racionalização produtiva de origem taylorista. Essa racionalização

15

Tradução do termo compensation doctor utilizado na Inglaterra no início do século XX. (GRAÇA, 1999).

Page 62: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

60

baseia-se na linha de montagem, onde são fragmentadas as atividades, resultando

na desqualificação do trabalhador. Esse modelo de gestão estendeu ainda mais a

jornada de trabalho, e consequentemente a exploração do trabalhador, que através

da esteira automatizada foi submetido à intensificação dos ritmos e dos movimentos.

O fordismo se constituiu como um modo de organização da produção e

acumulação capitalista baseado na produtividade e no consumo em massa; um

sistema rígido de produção em série, com padrões de fabricação e cuidado especial

com a otimização da produção sem desperdícios. Este modo organização da

produção que nasceu na própria indústria Ford, nos Estados Unidos, introduziu

esteiras rolantes que levavam o chassi do carro e as demais peças a percorrerem a

fábrica enquanto os operários distribuídos lateralmente iam montando os veículos

(FRAGA, 2007). Porém, um diferencial importante foi o chamado “pacto fordista” que

assegurava o aumento da massa salarial e concedia alguns benefícios sociais e

trabalhistas em troca de alta produtividade e garantindo o consumo relativamente

massivo, principalmente nos países centrais.

Ford fez um acordo geral que aumentou o salário nominal de 2,5 para 5 dólares ao dia. Mas o que Ford pretendia ao dobrar o salário de seus trabalhadores? É claro que a explicação não vem de uma das suas famosas frases "quero que meus trabalhadores sejam pagos suficientemente bem para comprar meus carros", já que eles eram responsáveis por uma fatia muito pequena das suas vendas. O five dollars day acabava com a alta rotatividade dos trabalhadores. Para que continuassem recebendo o salário duplicado, os operários faziam de tudo para permanecerem na Ford Motor Company. Com isso, as funções na linha de produção tinham fixas a elas trabalhadores que ficavam por mais tempo na empresa, aumentando a prática em determinada função e diminuindo o tempo de cada movimento. Além disso, ao impedir a alta rotatividade dos trabalhadores, economizava-se dinheiro gasto em sua preparação e treinamento. (FRAGA, 2007, p. 2).

Temos uma representação clássica deste processo na obra de Charles

Chaplin “Tempos Modernos” (1936), que retrata de forma brilhante o processo de

desumanização promovido pela inserção intensiva de máquinas no sistema

produtivo somado a exaustão do trabalho braçal, fatores esses, amplamente

destrutivos da saúde do trabalhador.

A acentuação da intensificação produtiva, com as esteiras móveis e a

mecanização do trabalho, manifesta a alienação dos trabalhadores e a divisão entre

Page 63: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

61

os que pensam e os que executam, entre trabalho intelectual e braçal. Baseando-se

nos estudos de tempo e de movimento e na remuneração produtiva, ambos

desenvolvidos por Taylor, compondo-se, assim, o binômio taylorismo-fordismo.

Assim, o modelo fordista pode ser entendido por uma série de

características: a separação entre projeto e execução, iniciativa e atendimento a

comandos, liberdade e obediência (BAUMAN, 2001); baixa mobilidade dos

trabalhadores; homogeneização da força de trabalho; mão-de-obra numerosa e

predominantemente masculina (BEYNON, 1995); rotinas de trabalho; controle do

tempo; adaptação ao ritmo da máquina; e homogeneidade dos produtos (ANTUNES,

2006)16.

[...] ao operário já não cabia pensar o seu trabalho, mas apenas reagir interpretativamente aos movimentos que o ritmo do processo de trabalho impunha ao seu corpo. O processo de trabalho não dependia da mediação de sua interpretação para que tivesse seqüência. Seu corpo fora transformado num instrumento dos movimentos automáticos da linha de produção. (MARTINS, 1994, p.18).

É justamente nesse período que surgem as primeiras ações de segurança

do trabalho, a partir da segunda Revolução Industrial e com o advento do padrão

taylorista-fordista, com incursão na medicina do trabalho17, como expressão das

lutas de classes e da pressão dos trabalhadores por melhores condições de

trabalho.

Este processo de industrialização trouxe graves consequências sociais,

percebidas, sobretudo, no nível da saúde ambiental, comunitária e familiar, não

percebidos seus efeitos, particularmente, na saúde individual dos trabalhadores,

exceto no caso das crianças e mulheres, brutalmente exploradas nas minas de

carvão e nas indústrias têxteis. Graça (1999), ainda nos revela que na Europa do

século XIX, o problema das indústrias insalubres e perigosas não se põe tanto na

perspectiva da saúde da população trabalhadora (indivíduo), mas já se pauta como

16 ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho: ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. 11. ed. São Paulo: Cortez, 2006. BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001. BEYNON, Huw. A destruição da classe operária inglesa. Revista Brasileira de Ciências Sociais, n. 27, p. 5-17, Fev. 1995. 17

Marx em O Capital já citava, em especial no capítulo da Grande Indústria, os relatórios governamentais ingleses que atestavam a presença dos médicos no ambiente fabril.

Page 64: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

62

campo da “saúde pública” 18. Isso denota a necessidade atual de repercussão das

condições de trabalho enquanto uma questão de saúde coletiva que deva estar em

pauta nas políticas públicas de saúde e trabalho, no entanto, o destaque de “saúde

pública” revela, na verdade, no período, a relação paralela entre as condições de

saúde das populações e a forma como o trabalho está organizado nos ambientes

fabris, em que era entendida a relação saúde-trabalho, mas não se procurava sanar

a origem dos grandes problemas de saúde urbana, ou seja, intervir efetivamente nas

fábricas.

Neste momento, a medicina atua no serviço da seleção de pessoal e na

vigilância periódica da saúde do operário-massa, atuando com o intuito de prover o

máximo de rendimento do trabalhador com o menor desgaste biológico. O

trabalhador era visto como uma máquina que deve ter total eficiência e o mínimo de

manutenção, em contra partida, sem “garantia de fabricação”.

Nessa fase do capitalismo são desenvolvidas as teorias da Saúde

Ocupacional, com caráter meramente curativo, com solução rápida para os

acontecimentos, de forma a não interromper o processo de produção, sendo

requerida a reposição do trabalhador de forma breve. Assim como uma peça que se

troca na engrenagem quando já está desgastada.

3.1.3 O Toyotismo e a Saúde do Trabalhador

O modo de gestão do trabalho toyotista ou acumulação flexível implica em

sérios agravos à saúde dos trabalhadores, e em sua extensão, a toda a população,

uma vez que está interligado a uma crise estrutural do capital, onde há uma busca

incessante pelo retorno aos anteriores níveis de acumulação, usando para isso

enquanto estratégia, a exploração da mão-de-obra, por meio de inovações

tecnológicas ou ainda, através de uma extrema intensificação do ritmo de trabalho,

obtendo-se assim um maior controle, objetivo e subjetivo, sobre a força de trabalho.

18

A preocupação com os ambientes fabris era evitar que estes contribuíssem com risco de epidemias e com a propagação de doenças infectocontagiosas como a cólera, o tifo ou a tuberculose nas novas aglomerações populacionais, nascidas com a revolução industrial.

Page 65: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

63

No toyotismo a empresa adere uma imagem de “empresa-família”, elevando-

se o compromisso e a exigência por parte da mesma são oferecidos benefícios

como recompensa pelo saber operário, pelo atendimento de metas e pelos ganhos

por produtividade.

Nessa fase, de acordo com entendimento de Chiavenato (1999b), na

perspectiva da administração científica, o trabalhador passa a ser multifuncional,

com ênfase no trabalho em equipe e não mais no campo do individual. Há intensa

utilização dos recursos informáticos e mudanças nas relações trabalhistas, com

novas formas de vinculação ao trabalho, como por exemplo, os contratos

temporários, parciais, prestação de serviço, terceirização, entre outros. Aumenta-se

o controle dos processos de trabalho, eliminando ao máximo as falhas, reduzindo os

custos e elevando os lucros. A empresa oferece maior satisfação pessoal e

participação nas decisões. No entanto, mascara formas tão degradantes como as

dos modelos anteriores de exploração do trabalhador, extraindo o que nele há de

mais valioso: sua capacidade produtiva, sua saúde, sua auto-estima, sua identidade

enquanto classe, e até mesmo sua vida.

Pode-se observar que houve mudanças nas formas de controle, passando a

ser de cunho mais subjetivo e quase imperceptível, com vistas a um

comprometimento silencioso que envolvesse a alma dos trabalhadores, o que

acabava refletido nas suas formas de adoecimento. Esse é o caso do assédio

moral19, fenômeno que se faz presente na realidade organizacional, mas que

frequentemente é banalizado, e até ignorado; algumas vezes por indiferença, outras

por covardia e, na maioria das vezes a razão é o próprio desconhecimento.

Os agravos silenciosos incorporam o hall das formas mais diversificadas de

como a moralidade do capital afeta à saúde e adoece o trabalhador como

circunstância mais direta e visível. De acordo com Barreto (2003), outras formas de

agravos como a violência e o assédio moral, qualificam-se como formas subjetivas e

sutis de violência, que adoecem os sujeitos e lhes retira o sentido do ser social,

tornando-se então necessário desvendar essas formas de violência no trabalho que

19

O assédio moral é um fenômeno antigo, mas só a partir da década de 1990 vem despertando o interesse dos estudiosos. Caracteriza-se por situações humilhantes e constrangedoras, que degradam a dignidade da pessoa humana, principalmente durante o exercício de suas funções laborais. Esta prática afeta fisicamente e psiquicamente os trabalhadores, motivo pelo qual está sendo enquadrado no campo das doenças relacionadas ao trabalho. O termo “assédio moral” teve grande repercussão a partir da obra, da psicóloga francesa Marie-France Hirigoyen, “Assédio Moral – A Violência Perversa no Cotidiano”, de 1998.

Page 66: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

64

se apresenta de forma crescente e grave no cotidiano da organização do trabalho.

Isto nos levanta a necessidade, no cotidiano das ações profissionais, de um olhar

direcionado ao sujeito e não só à doença/agravo, como meio para analisar o

“subtexto” das queixas apresentadas.

É no toyotismo que surgem os Círculos de Controle de Qualidade – CCQ

valorizando o trabalho em equipes autogeridas, com ênfase na melhoria da

qualidade, com a proposta de oferecer um espaço para que os trabalhadores

participem da solução de problemas ligados à empresa, melhorando a comunicação

e o relacionamento interpessoal na hierarquia funcional. Tais estratégias ocultam

seus limites uma vez que, efetivamente, não alcançam os espaços decisórios, seja

no interior da fábrica, seja no campo mais amplo das decisões político-

governamentais.

As características básicas desse modo específico de gerir o trabalho estão

vinculadas às inovações tecnológicas inseridas no atual processo de reestruturação

produtiva. Seus resultados nos mostram a precarização das relações e das

condições de trabalho e a flexibilização do trabalho, via terceirização, trabalho

temporário e parcial, onde também são flexibilizados direitos sociais e trabalhistas.

Já os processos de desgaste-reprodução dos trabalhadores não têm sido revertidos

ou amenizados, simplesmente vêm adquirindo novos padrões, tendo acentuado a

presença de elementos que configuram as cargas fisiológicas e psíquicas.

Desse modo, os processos de trabalho se apresentam de forma mesclada,

onde os diferentes modelos de gestão do trabalho se confundem e se completam

num misto de produção e de superexploração do trabalho.

É importante lembrar que no cenário brasileiro, no que se refere aos

processos produtivos, pode-se desvelar que em uma mesma organização convivem

tecnologias de primeira dimensão, provenientes do processo de acumulação flexível

e processos de trabalho característicos das fases anteriores, fordismo e taylorismo,

onde predominam processos de trabalho e consequentemente, acidentes de

trabalho típicos, com mutilações, amputações e mortes, além das doenças

profissionais ligadas a determinados ramos da produção.

Ao passo em que o capital investe fortemente na ampliação dos níveis de

acumulação, o trabalhador é cada vez mais explorado até chegar o seu

esgotamento físico e mental, sujeitando-se a atividades precárias, em razão da

insegurança que permeia os ambientes de trabalho. Se sujeita também a fortes

Page 67: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

65

pressões pela responsabilidade da qualificação, pela manutenção do emprego e

pela forte concorrência, no interior dos ambientes de trabalho, aliadas ao

desemprego, “traduzido atualmente na angústia mais aterradora do indivíduo”, que

eleva sobremaneira as doenças ocupacionais derivadas dessas condições de

trabalho (LENHART e TURMINA, 2007).

A sociedade incentiva o trabalhador na troca de sua saúde pelo pagamento de percentuais de insalubridade e periculosidade, como alternativa mais barata, o que desresponsabiliza os patrões de investimentos na melhoria das condições ambientais de trabalho. É uma premiação perniciosa do risco, lesiva aos interesses do próprio trabalhador que perde a sua saúde e lesiva ao interesse de todos porque o SUS e a Previdência Social arcam com as consequências dos danos à saúde dos trabalhadores – quando ele tem direito. (Vasconcelos, 2007, p. 263)

Na atualidade multiplicam-se novas propostas capitalistas, tais como o

conceito de Responsabilidade Social Empresarial, que se apresenta enquanto uma

ferramenta de gestão utilizada para garantir transparência e compromisso ético com

as demandas sociais dos trabalhadores (CHIAVENATO, 2004). Na verdade

sabemos que tal proposta não significou nem a efetivação de ambientes de trabalho

menos nocivos, nem o desenvolvimento de processos produtivos sem danos

ambientais. Ao contrário, apenas incluem as responsabilidades em segurança e

saúde no trabalho no âmbito do marketing social e empresarial, com planos de auto-

gestão que transformam saúde em negócio, bem como os programas de redução de

acidentes, compromisso com questão ambiental e responsabilidade social enquanto

prerrogativas de mercado.

Essa tendência de responsabilidade sócio-ambiental, enquanto uma das

muitas visões que se ancoram no atual ambiente pós-moderno, reproduzindo-se

amplamente no senso comum, em especial no trato das expressões da “questão

social”, coloca como o grande desafio para a atualidade a proposta de

responsabilizar os indivíduos, as empresas, a “sociedade civil” para melhorar seu

relacionamento com o meio ambiente. Configura-se aqui uma reatualização das

perspectivas de humanização do capitalismo.

No entanto, o capitalismo, em si, produz contraditoriamente processos de

humanização/desumanização. A relação do homem com a natureza, numa

Page 68: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

66

perspectiva marxiana, mostra-nos que há uma diferença ontológica, que não há

identidade entre natureza-sociedade. Na medida em que as sociedades se

complexificam, que se desenvolvem as forças produtivas capitalistas, há uma

superação crescente das barreiras naturais, numa busca de atendimento às

necessidades sociais dos homens, através de um intercâmbio com a natureza, que,

no modo de produção capitalista, é cada vez mais destrutivo.

A forma como o desenvolvimento histórico do capital acontece,

contemporaneamente, faz com que se mantenha uma relação de destruição com a

natureza, uma apropriação em que as relações sociais sob o capital, não pensam o

futuro da humanidade em seu sentido histórico de desenvolvimento do gênero

humano, já que se volta, fundamentalmente, para a produção de valor de troca.

Mesmo que o discurso hegemônico queira nos fazer acreditar, segundo

Dejours (2006, p. 27) “que o sofrimento no trabalho foi bastante atenuado ou mesmo

completamente eliminado pela mecanização e a robotização”, as formas de

organização do trabalho na sociedade capitalista, sobretudo as contemporâneas,

revelam que por trás do progresso técnico e inovações dos processos gerenciais

temos inúmeros trabalhadores inseridos em condições de trabalho precárias,

inclusive desenvolvendo atividades sob condições penosas que não acompanham

os avanços da produção humana e que se configuram em novas formas de explorar

o trabalhador e de reforçar a insegurança no trabalho. O que nos leva a afirmar que

do taylorismo ao toyotismo, a “forma” de organizar o trabalho e os respectivos

processos de trabalho e gestão da força de trabalho mantêm estreita relação com as

formas de adoecimento dos indivíduos, configurando-se como determinantes para a

saúde.

Page 69: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

67

3.2 AS MUDANÇAS TEÓRICO-CONCEITUAIS NO CAMPO DA SAÚDE DO TRABALHADOR

A partir das considerações anteriores acerca da relação entre as mudanças

na organização da produção capitalista e suas implicações para o debate da saúde

do trabalhador, veremos com essa discussão sofre modificações teórico-conceituais

que se deram a partir dos determinantes históricos da processualidade capitalista.

Ou seja, embora a exposição a seguir apresente o debate em sua “evolução”

teórico-conceitual, não há aqui qualquer concessão a um tratamento formal-abstrato

da questão.

Essas repercussões na saúde dos trabalhadores não são meras

consequências das atuais mudanças e configurações no mundo do trabalho, mas

uma marca registrada de todo o processo de desenvolvimento do modo de produção

capitalista, desde sua origem até os dias atuais.

Sabe-se que desde a Antiguidade, as formas de adoecimento dos indivíduos

já eram identificadas em sua estreita relação com o trabalho, sendo essa relação

ainda mais reforçada durante a Revolução Industrial. No entanto, isso não se

constituía foco de atenção, afinal o trabalho era tido inicialmente como castigo,

punição, fardo, enfim, adjetivos bem próprios de sua definição original: tripalium20,

que se refere a um instrumento de tortura utilizado para punir os escravos. Apesar

das inúmeras tentativas de enaltecer e supervalorizar o trabalho enquanto atividade,

reconhecimento profissional, o termo jamais perdeu sua primitiva ligação com a dor

e o sofrimento. O que se distingui da perspectiva aqui adotada, que pensa o trabalho

em sua dimensão estruturadora do ser social como gênero humano.

Conforme estudos de Oliveira (2001) e Souza (1998) as ações voltadas para

a saúde dos trabalhadores tiveram início com a Medicina do Trabalho, surgida na

Inglaterra após o advento da Revolução Industrial, na primeira metade do século

XIX. O surgimento da medicina do trabalho tornou-se uma exigência diante da

intensificação do trabalho e da submissão dos trabalhadores a processos produtivos

precários, desumanos e em ritmo cada vez mais acelerados, tornando necessária a

20

Disponível em: <http://www.sualingua.com.br/02/02_trabalho.htm> . Acesso em: 16 set. 2007.

Page 70: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

68

intervenção médica no interior das fábricas, como forma de manter os ritmos da

produção.

Nessa ótica, o grande objetivo dos médicos do trabalho desse período era

preservar o potencial físico e psicológico dos trabalhadores em seu nível máximo,

constituindo num forte aliado na busca por maior produtividade. Nesse período era

perceptível uma visão eminentemente biologizante e individual: focada na figura do

médico; restrita aos espaços das unidades fabris; reprodutora de uma relação

unicausal, onde se buscava apenas a causa para cada doença ou acidente na

tentativa de saná-la; ou, ainda, estritamente vinculada às necessidades de

reprodução da força de trabalho.

Dessa forma, cabia ao médico, a responsabilidade de manter nas linhas de

produção os trabalhadores mais saudáveis, afastando aqueles que sofriam de algum

mal. A presença da figura do médico no ambiente laboral era uma garantia para o

empresário de recuperação da saúde dos seus operários para que eles retornassem

o mais rápido possível para a produção e para que eles pudessem produzir cada vez

mais, tendo, portanto, como objetivo a eliminação dos obstáculos postos ao

desenvolvimento econômico da época.

Essa maneira de lidar com a saúde do trabalhador com ênfase no

tratamento e recuperação não permite que questões ligadas às condições sociais de

vida, à subjetividade e as percepções do trabalhador sejam consideradas,

revelando, portanto, a impotência da Medicina do Trabalho para intervir sobre os

problemas de saúde causados pelo processo de produção.

Superado esse modelo, surge a Saúde Ocupacional por volta de da década

de 1950, seguindo determinações das convenções da OIT e apresentando, em certa

medida, uma superação da Medicina do Trabalho, expressando outras proposições

relacionadas à área, acompanhando as contradições da dinâmica capitalista. Ela

emergiu como uma resposta às demandas contraditórias do capital – buscando um

modelo que desse conta da vida do trabalhador como forma de mantê-lo produtivo –

e do trabalho, decorrentes das reivindicações operárias, históricas, por melhores

condições de trabalho.

Esse modelo se caracteriza, ainda, por uma ação de caráter interdisciplinar,

relacionando o ambiente de trabalho às formas de adoecer dos trabalhadores. Essa

nova teoria atribui a um conjunto de riscos à produção da doença, tendo assim, um

Page 71: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

69

enfoque multicausal, observando além dos exames médicos os indicadores

ambientais.

Nesta fase, conforme Mendes e Dias (1991), diferentemente da primeira,

que era predominantemente curativa, são desenvolvidas ações de promoção da

saúde com atividades educativas que tinham como objetivo mudar o comportamento

das pessoas no espaço ocupacional. É importante perceber que mais uma vez o

indivíduo é culpabilizado, sendo, portanto, o único responsável pelas mudanças em

prol de sua saúde física e psicológica, como afirmam Machado e Minayo-Gomes

(1995 apud MINAYO-GOMES e THEDIM-COSTA, 1997):

Entretanto, as medidas que deveriam assegurar a saúde do trabalhador, em

seu sentido mais amplo, acabam por restringir-se a intervenções pontuais sobre os

riscos mais evidentes. Enfatiza-se a utilização de equipamentos de proteção

individual, em detrimento dos que poderiam significar a proteção coletiva;

normatizam-se formas de trabalhar consideradas seguras, o que, em determinadas

circunstâncias, conforma apenas um quadro de prevenção simbólica. Assumida

essa perspectiva, são imputados aos trabalhadores os ônus por acidentes e

doenças, concebidos como decorrentes da ignorância e da negligência,

caracterizando uma dupla penalização.

É importante ressaltar que entendemos a “evolução conceitual” do campo

temático por meio das razões sócio-históricas que as determinaram. Nesse sentido,

o campo temático da saúde do trabalhador é, também, expressão das necessidades

sociais concretas das classes, que se manifestam em sua aparência como

demandas21, contraditórias por natureza.

Em razão das limitações dos modelos até então vigentes surge na década

de 1980 à área da Saúde do Trabalhador, que no Brasil aparece num contexto

conjuntural marcado por reivindicações sociais e sindicais que lutavam por melhores

condições de vida e de trabalho. Tal concepção permite tratar a saúde do

trabalhador como “questão social” na medida em que passa a ser vista como

resultante das condições de vida, de trabalho, das relações Estado-sociedade, etc.

21

Mota e Amaral (2008) nos explicam que as novas modalidades de produção e reprodução social da força de trabalho, sob a sociabilidade capitalista, colocam em disputa esses dois conceitos, considerando as “demandas” como requisições técnico-operativas ligadas ao mercado de trabalho, que não expressam as reais necessidades sociais; já as “necessidades sociais”, representam a problematização das demandas apresentadas, pensadas a partir da realidade concreta.

Page 72: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

70

Enfim, quando a politização da saúde como questão política e social é colocada para

a sociedade brasileira, se materializando na luta em prol da construção de uma

sociedade democrática.

O entendimento de que a saúde dos trabalhadores extrapola os limites da saúde ocupacional possibilita conceituá-la como resultante de um conjunto de fatores de ordem política, social e econômica. Em síntese, saúde dos trabalhadores significa: condições dignas de vida; pleno emprego; trabalho estável e bem remunerado; oportunidade de lazer; organização e participação livre, autônoma e representativa de classe; informação sobre todos os dados que digam respeito à relação vida, saúde, trabalho; acesso a serviços de saúde, com capacidade resolutiva, em todos os níveis; recusa ao trabalho sob condições que desconsiderem estes e outros tantos direitos. (BRASIL, 2005, p. 09)

22.

Desse modo, as ações em saúde do trabalhador devem zelar pela saúde

nos ambientes laborais e nas relações dos indivíduos sociais com o trabalho,

promovendo a saúde, prevenindo riscos e agravos, reparando os danos à saúde e

reabilitando o trabalhador, o que enfatiza a compreensão da Saúde do Trabalhador,

conforme Laurell e Noriega (1989 apud OLIVEIRA, 2001, s/p), enquanto:

[...] um campo do saber que busca compreender a relação do processo de saúde/doença no trabalho, entendendo a saúde e a doença articulado com o modo de produção e desenvolvimento da sociedade num determinado contexto histórico. Parte do princípio, que a forma de inserção dos homens no trabalho, contribui efetivamente para sua forma de adoecer e morrer.

A questão central na perspectiva da Saúde do Trabalhador é a relação

saúde/trabalho/doença, ou seja, o entendimento que os processos de trabalho têm

papel determinante nas formas de adoecer e morrer dos trabalhadores. O trabalho

não pode ser visto apenas como uma fonte de dominação e exigências e sim como

um fator de questionamento para alterações políticas, sociais e econômicas

vigentes.

22

Fragmento de texto contido nas principais deliberações resultantes da 1ª Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador relacionadas com o temário da 3ª Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador. Disponível em: BRASIL. Ministério da Saúde. 3ª Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador – 3ª CNST: “trabalhar, sim! adoecer, não!” (coletânea de textos). Brasília: Ministério da Saúde, 2005.

Page 73: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

71

O melhor interlocutor para os problemas dos trabalhadores é ele próprio, em cujas mãos está a força das mudanças. Não podemos analisar a saúde do trabalhador de uma forma fragmentada e sim enquadrada num contexto complexo, com várias vertentes que confluem para a formação do novo homem. (SOUZA, 1998)

23.

Todo esse processo social se desdobrou, no Brasil24, em uma série de

iniciativas e se expressou nas discussões da 8ª Conferência Nacional de Saúde

(1986), na realização da I Conferência Nacional de Saúde dos Trabalhadores em

dezembro do mesmo ano, e foi decisivo para a mudança de enfoque estabelecida na

nova Constituição Federal (1988, p.50).

O Sistema Único de Saúde - SUS se institucionalizou a partir de uma

construção social proposta pelo Movimento da Reforma Sanitária – movimento pela

transformação do setor da saúde, que lutou pela elevação dos padrões de saúde da

população – sendo regulamentado pela Carta Constitucional de 1988, considerado

enquanto uma das mais bem sucedidas conquistas de ordem democrática no âmbito

das Políticas Sociais, constituído segundo LIMA (et al, 2005, p. 15), pela afirmação

do binômio “saúde e democracia”, consolidando a assistência à saúde de forma

integral, em seu caráter universal, com acesso igualitário na forma de prestação de

serviços descentralizados e hierarquizados, com ênfase na participação social.

Dessa forma, temos na Constituição Federal de 1988 e na consequente

implantação do SUS, uma real atenção à saúde do trabalhador, passando a ser

melhor discutida nas agendas políticas e planos de ação voltados para a garantia de

ambientes de trabalho “livres” de agentes nocivos a uma vida humana “digna”, ainda

que nos marcos do modo de produção capitalista.

Resultante de um processo Constituinte marcado pela participação dos

movimentos sociais e sindicais, a incorporação da Saúde do Trabalhador como

competência própria da política de saúde é uma conquista que deve ser

comemorada por todos os segmentos sociais.

Mais recentemente, a denominação "saúde do trabalhador" aparece,

também, incorporada à Lei Orgânica da Saúde (1990), que estabelece sua

23

Citação extraída da tese de doutorado de Hilda Maria Montes Ribeiro de Souza, disponível em: <http://portalteses.cict.fiocruz.br/transf.php?script=thes_chap&id=00010705&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 18 set. 2007. Sem numeração das páginas.

24 Pontuaremos neste momento alguns dos avanços políticos na atenção á saúde dos trabalhadores,

outras questões jurídico-legais serão contempladas no item 3.3, que se refere à legislação brasileira na área.

Page 74: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

72

conceituação e define as competências do Sistema Único de Saúde neste campo.

Portanto, a lei nº. 8.080/90 (LOS) define a Saúde do Trabalhador como sendo:

[...] um conjunto de atividades que se destina, através das ações de vigilância epidemiológica e vigilância sanitária, à promoção e proteção da saúde dos trabalhadores, assim como visa à recuperação e reabilitação da saúde dos trabalhadores submetidos aos riscos e agravos advindos das condições de trabalho [...].

Embora a Constituição Federal de 1988 e a Lei n°. 8.080/90 confiram

funções essenciais ao SUS, em relação à saúde do trabalhador, somente a partir de

2003 é que o governo federal vem desencadeando iniciativas concretas no sentido

de que a Saúde do Trabalhador, progressivamente, passe a ser assumida pela

saúde pública, com obrigações bem definidas nas esferas federal, estadual e

municipal. Isto se dá através da Política Nacional de Saúde do Trabalhador

juntamente com a criação25 e a ampliação26 dos Centros de Referência em Saúde

do Trabalhador – CEREST´s previstas pela Rede Nacional de Atenção Integral à

Saúde do Trabalhador – RENAST.

De acordo com a Portaria 2.437/2005 o CEREST tem por missão:

[...] o provimento de retaguarda técnica para o SUS, nas ações de prevenção, promoção, diagnóstico, tratamento, reabilitação e vigilância em saúde dos trabalhadores urbanos e rurais, independentemente do vínculo empregatício e do tipo de inserção no mercado de trabalho.

O CEREST destina seus atendimentos aos trabalhadores acometidos por

agravos a sua saúde, resultantes de: acidentes do trabalho e doenças profissionais,

agravos que têm relação com condições específicas de trabalho; doenças

relacionadas ao trabalho como prevê a Política Nacional de Segurança e Saúde do

Trabalhador – PNSST, de 29 de dezembro de 2004. Seu trabalho deve ser

desenvolvido de forma articulada não só internamente, mas efetivamente em razão

25

Portaria nº. 1679/GM de 19 de setembro de 2002 que dispõe sobre a estruturação da rede nacional de atenção integral à saúde do trabalhador no SUS e dá outras providências.

26

Portaria nº. 2.437/GM de 7 de dezembro de 2005 que dispõe sobre a ampliação e o fortalecimento da Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador - RENAST no Sistema Único de Saúde - SUS e dá outras providências.

Page 75: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

73

do trabalho com parcerias, a fim de possibilitar qualidade aos serviços prestados,

desenvolver a rede de profissionais envolvidos e garantir a transversalidade das

ações em saúde do trabalhador, como está posto que:

Em razão da abrangência de seu campo de ação, a saúde do trabalhador, obrigatoriamente, exige uma abordagem intra-setorial, multiprofissional e interdisciplinar, que envolva todos os níveis de atenção e esferas de gestão do SUS, e intersetorial, dos setores da previdência Social, Trabalho e Emprego, Meio Ambiente, Justiça, Educação e outros relacionados com as políticas de desenvolvimento, com a participação pró-ativa do trabalhador. (3ªCNST, p.55).

Assim, as ações do CEREST devem ser realizadas em sintonia com a esfera

privada, com as várias instâncias do poder público e com outros espaços

societários, em especial com os movimentos sociais de organização dos

trabalhadores.

Essas proposições se configuram enquanto instrumentos legais de

articulação entre o Ministério da Saúde, as Secretarias de Saúde dos Estados, do

Distrito Federal e dos Municípios, tendo como objetivo desenvolver, no âmbito do

SUS, ações de prevenção, promoção e recuperação da saúde dos trabalhadores

urbanos e rurais, independentemente do vínculo empregatício e tipo de inserção no

mercado de trabalho.

Desse modo, a efetivação da ampliação da Rede se dará a partir da

adequação e da ampliação dos Centros de Referência em Saúde do Trabalhador –

CEREST e pela incorporação das ações de saúde do trabalhador na atenção básica,

integrando dessa forma a rede de serviços do SUS.

Conforme Silva (2000), no campo da saúde, assim como nos outros espaços

de decisão política, os grupos se organizam e negociam seus interesses. As

instâncias colegiadas do SUS, especificamente os Conselhos de Saúde (Estadual –

CES e Municipal – CMS) e as Comissões Intergestores Bipartites - CIB, constituem

arenas de embates constantes entre escolhas políticas e técnicas, assumindo

elevado grau de importância na formulação e implementação da política de saúde

atual.

É certo que, se por um lado os conselhos e as comissões são um espaço intermediário cuja criação buscou abrir os fechados círculos tecnocráticos de decisão no autoritarismo, por outro congregam cúpulas que formam uma

Page 76: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

74

elite, cuja tendência à oligarquização deve ser continuamente combatida mediante a renovação periódica dos membros e a vigilância das conferências de saúde. De toda forma, as arenas colegiadas do SUS representam uma parcela importante dos interesses dos cidadãos, incentivam a capacidade de mobilização e organização dos atores e contribuem para a democratização do policy-making setorial. (SILVA, 2000, p. 85)

A Política de Saúde abrange questões relativas ao poder em saúde:

natureza, estrutura, relações, distribuição e lutas, se referindo basicamente ao

estabelecimento de diretrizes, planos e programas de saúde em consonância com a

participação popular. Fato que ainda não é contemplado efetivamente nos processos

de emergência, formulação e implementação de políticas que constituem a agenda

pública, pois fica congelado diante das ingerências governamentais, ao invés de se

tornarem objeto de intervenção da dinâmica e atuação de seus atores sociais (PAIM,

2003).

Nesse período dos anos 1990, a política de saúde, inserida no contexto

neoliberal, sofre com o ajuste fiscal, acometida por uma política econômica

privatizante e pelo enxugamento do Estado nos gastos sociais, resultando no

sucateamento dos serviços sociais públicos, que desresponsabilizam a máquina

estatal e transferem para a esfera do mercado parte de suas obrigações previstas

constitucionalmente.

Diante da exposição dos fatos, se faz urgente o rompimento com as

concepções ainda hegemônicas nos espaços de trabalho e nos profissionais da

área, que consideram o processo de trabalho na simples relação

causa/consequência e que têm um direcionamento uni ou multicausal, para só então

compreender a dimensão social e histórica do trabalho e da saúde/doença, pois

segundo Lefèvre (1999 apud BARRETO, 2003, p.55) a doença:

Tem certamente algo a ver com alguma coisa que vai mal dentro de nós, de nosso corpo. Mas não é apenas da ordem do “fisicamente constituído”. Vai além, entrelaçando o individual e o biológico num acontecer socialmente determinado e construído, revelador da complexidade corporal dos trabalhadores, que produzem e reproduzem seus meios de existência e sua vida material.

Page 77: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

75

É preciso, portanto, apreender a transversalidade das questões ligadas à

saúde, entendendo sua complexidade e sua inter-relação com as condições de vida

e de trabalho, e ainda, sua influência nas relações sociais. Não podemos nos deter

apenas ao que é visível aos olhos, como os acidentes de trabalho. Muitas doenças

como é o caso da LER/DORT são ignoradas em razão da sua difícil comprovação,

como também as situações de assédio moral e sexual, depressão e stress no

trabalho, tornando-se uma dupla violência, silenciosa e com efeitos amplamente

degradantes à saúde física e psicológica dos seres humanos.

Assim, propomos o desempenho da atenção em saúde no campo da saúde

do trabalhador – CEREST, em articulação com a Política Nacional de Saúde e

Segurança do Trabalhador, faz-se necessário destacar que esta dissertação se

apresenta enquanto um dos novos desafios da contemporaneidade, apontando a

necessidade de uma visão social macro, baseada numa análise crítica das relações

sociais na qual está inserida, o que aponta para a abordagem da temática como

mais uma expressão da “questão social” entendida nas suas múltiplas

determinações.

3.3 A (IN) SEGURANÇA DO TRABALHO

No item que segue pensaremos a o conceito de segurança do trabalho e os

sistemas formais de proteção dos espaços de trabalho em embate com as reais

condições oferecidas por essa política, aliando às formas de enfretamento desse

campo de ação pelo Estado no Brasil.

A literatura técnica recorrente e os estudos especializados no âmbito das

organizações, em especial das organizações privadas, compreendem a Segurança e

Medicina no Trabalho enquanto serviços destinados a amenizar ocorrências que

interfiram na continuidade de qualquer processo produtivo, independentemente se

nele tenha resultado lesão corporal, perda material, perda de tempo ou mesmo

esses três fatores conjuntos (OLIVEIRA, 2001). Esses serviços atuam, ou deveriam

atuar, desenvolvendo ações integradas de gestão dos dispositivos formais de

segurança e medicina do trabalho.

Page 78: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

76

Conforme Melo (2001) o Sistema de Gestão da Segurança e Saúde no

trabalho é compreendido como um conjunto de pessoas, recursos, políticas e

procedimentos para assegurar a realização das tarefas e alcançar ou manter um

resultado específico, qual seja, a prevenção de acidentes e doenças do trabalho,

minimizando os riscos para os trabalhadores e melhorando o desempenho dos

negócios. Considerando os padrões tecnicamente estabelecidos para a realização

das tarefas de forma mais segura.

Esses estudos consideram a ausência de acidentes como sinônimo de bom

desempenho de segurança e saúde, no entanto estas afirmações podem reluzir uma

saúde do trabalhador falaciosa, pois um dos grandes agravantes da realidade

acidentária é a escassez e inconsistência das informações, tendo em vista que

grande parte dos trabalhadores naturalizam os agravos sofridos pelo trabalho,

paralelamente à insegurança da permanência no trabalho, resultado do desemprego

estrutural, que tem sua raiz na forma como a sociedade está organizada, uma

sociedade de classes desiguais e antagônicas. Dessa forma muitos destes

trabalhadores se sujeitam às situações mais perversas de trabalho omitindo e

silenciando os agravos a que são acometidos.

A omissão dos sintomas da doença é prática comum entre os trabalhadores, o que reflete, simultaneamente, um misto de esperança da reabilitação espontânea e o medo de perder o emprego. A doença só se manifesta na fábrica quando a dor é insuportável, rompendo o silêncio dos órgãos no corpo submetido, que já não consegue cumprir as metas preestabelecidas. A esperança estrangulada dá visibilidade à enfermidade, que por certo tempo manteve-se oculta na fronteira da dor e dos múltiplos medos. (BARRETO, 2003, p. 36).

Os Sistemas de Gestão da Qualidade não são suficientes para tornar as

empresas mais competitivas e lucrativas. A organização e a luta dos trabalhadores

procuram imprimir a necessidade das empresas tornarem pública à sociedade uma

atuação empresarial, no mínimo, ética e “responsável” no que diz respeito às

condições ambientais de trabalho e suas interfaces com o meio ambiente. Isto

implica em dar ao gerenciamento da segurança e saúde no trabalho a mesma

importância dada a outros aspectos das atividades produtivas e comerciais das

organizações, o que demanda a adoção de um enfoque adequado para a

identificação, avaliação e controle dos riscos relacionados ao trabalho e

Page 79: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

77

consequente prevenção desses agravos, trazendo sua própria concepção do “ético e

responsável”.

As instituições que normatizam a Segurança e Medicina do Trabalho em

nível nacional e as Leis que já acostumamos a lidar são relativamente novas: a

Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), por exemplo, principal parâmetro legal

brasileiro na área, só foi criada em 1943 e a Fundação Jorge Duprat Figueiredo de

Segurança e Medicina do Trabalho (FUNDACENTRO) incumbida de “produzir” e

“difundir” conhecimento em saúde e segurança no trabalho, em 1966, para atender a

uma diretriz da Organização Internacional do Trabalho – OIT, a qual recomendava

que todos os países mantivessem uma organização voltada para estudos e

pesquisas na área de segurança e saúde no trabalho, independentemente dos

órgãos de inspeção das condições de trabalho. Já a existência nas empresas do

Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e Medicina do Trabalho - SESMT, só se

constituiu através da Portaria nº. 3.237 de 27 de junho de 1972, do Ministério do

Trabalho. A norma regulamentadora que institui esses serviços é a NR 4 que prevê

que as empresas privadas e públicas, os órgãos públicos da administração direta e

indireta e dos poderes Legislativo e Judiciário, que possuam empregados regidos

pela CLT, mantenham, obrigatoriamente, esta equipe com a finalidade de promover

a saúde e proteger a integridade do trabalhador no local de trabalho.

Esse conjunto de normas, legislações e serviços se propõem a combater

uma realidade cruel, onde a violência no trabalho é uma constante, onde são

reproduzidas situações que isolam os riscos específicos e passam a atuar

diretamente em suas consequências, de forma pontual. As doenças e os riscos

tornam-se legalmente constituídos, e o direcionamento dado a eles tem caráter

meramente biologizante, não contemplando as dimensões psicossociais (SILVA,

2000).

Outro reflexo desta situação são os baixos investimentos em Equipamentos

de Proteção Individual – EPI´s, que conforme matéria publicada na Revista

Proteção27 destaca que a média anual de investimentos em EPI28 no Brasil é de R$

19,00 por trabalhador “isso significa que, na média global, as empresas brasileiras

27

Revista de grande destaque na área técnica de Segurança e Saúde do Trabalho(n. 189, setembro/2007, p.30).

28 Conforme a mesma reportagem o mercado de EPI´s também é vítima de pirataria, em que os

produtos são vendidos sem Certificado de Aprovação (C.A) ou fabricados em lotes específicos para a aquisição do C.A e ainda aqueles em que são feitas as cópias idênticas de produtos certificados e já reconhecidos no mercado.

Page 80: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

78

não chegam a comprar um par de calçado de segurança para seus trabalhadores

por ano”. Mesmo o Brasil gastando cerca de 1,6 bilhão em equipamentos desta

natureza ainda há altos índices de acidentes e de gastos com lesões ocupacionais.

O acidente de trabalho29, pela definição legal, é aquele que ocorre pelo

exercício do trabalho e a serviço da empresa (fora do local de trabalho), ou durante

o trajeto (residência/trabalho/residência), provocando lesão corporal ou perturbação

funcional que cause a morte, a perda ou redução da capacidade para o trabalho

permanente ou temporária. (Cf. Lei 8.213/91). Já as doenças profissionais30são

oriundas de agravos que têm relação com condições específicas de trabalho e as

doenças relacionadas ao trabalho31, em razão das condições ambientais, como

prevê a Política Nacional de Segurança e Saúde do Trabalhador – PNSST, de 29 de

dezembro de 2004.

Alguns desses agravos exigem notificação compulsória32, são os casos de:

acidente de trabalho fatal; acidente de trabalho com mutilações; exposição a

material biológico; acidente de trabalho com crianças e adolescentes; dermatoses

29

Consideram-se acidente do trabalho: I - doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério da Previdência Social; II - doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério da Previdência Social. Equiparam-se ao acidente do trabalho: I - o acidente ligado ao trabalho que, embora não tenha sido a causa única, haja contribuído diretamente para a morte do segurado, para redução ou perda da sua capacidade para o trabalho, ou produzido lesão que exija atenção médica para a sua recuperação; II - o acidente sofrido pelo segurado no local e no horário do trabalho, em consequência de: a) ato de agressão, sabotagem ou terrorismo praticado por terceiro ou companheiro de trabalho; b) ofensa física intencional, inclusive de terceiro, por motivo de disputa relacionada ao trabalho; c) ato de imprudência, de negligência ou de imperícia de terceiro ou de companheiro de trabalho; d) ato de pessoa privada do uso da razão; e) desabamento, inundação, incêndio e outros casos fortuitos ou decorrentes de força maior; III - a doença proveniente de contaminação acidental do empregado no exercício de sua atividade; IV - o acidente sofrido pelo segurado, ainda que fora do local e horário de trabalho: a) na execução de ordem ou na realização de serviço sob a autoridade da empresa; b) na prestação espontânea de qualquer serviço à empresa para lhe evitar prejuízo ou proporcionar proveito; c) em viagem a serviço da empresa, inclusive para estudo quando financiada por esta dentro de seus planos para melhorar capacitação da mão-de-obra, independentemente do meio de locomoção utilizado, inclusive veículo de propriedade do segurado; d) no percurso da residência para o local de trabalho ou deste para aquela, qualquer que seja o meio de locomoção, inclusive veículo de propriedade do segurado; V - nos períodos destinados à refeição ou descanso, ou por ocasião da satisfação de outras necessidades fisiológicas, no local de trabalho ou durante este, o empregado é considerado no exercício do trabalho; Não é considerada agravação ou complicação de acidente do trabalho a lesão que, resultante de acidente de outra origem, se associe ou se superponha às consequências do anterior. (Cf. Lei nº. 8.213/91).

30 “É aquela em que o trabalho ou as condições em que ele é realizado se constituem como causa

direta para o acometimento da doença” (PNSST, 2004, p. 6). 31

“Doenças que tem sua frequência, surgimento ou gravidade modificado pelo trabalho” (Idem). 32

Conforme Portaria 2.437/2005 que dispõe sobre a ampliação da Rede Nacional de Atenção Integral a Saúde do Trabalhador – RENAST.

Page 81: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

79

ocupacionais; intoxicações exógenas; LER/ DORT; pneumoconioses; Perda Auditiva

Induzida por Ruído – PAIR; transtornos mentais relacionados ao trabalho e câncer

relacionado ao trabalho, feita a partir do preenchimento do Sistema de Informação

de Agravos de Notificação - SINAN, realizado a fim de se ter um controle dos

agravos que acometem a população trabalhadora, com registros no âmbito da saúde

pública.

Uma outra notificação, aplicada a todos os agravos decorrentes do trabalho,

porém restrita aos trabalhadores de regime celetista é a Comunicação de Acidente

do Trabalho – CAT33, esta é, na maioria das vezes, sonegada por seus responsáveis

diretos pelo preenchimento, os empregadores, já que o acidente-doença

ocupacional pode ser considerado “pejorativo” pelas empresas, por garantir um ano

de estabilidade ao trabalhador e também por obrigar o empregador a depositar

regularmente a contribuição devida em conta do FGTS, correspondente ao período

de afastamento.

A ocorrência de uma lesão é o resultado de uma série de eventos ou circunstâncias, que ocorrem em uma ordem lógica e fixa. Uma é dependente da outra, e uma só ocorre se a outra já ocorreu. Isto constitui uma seqüência que pode ser comparada com uma fileira de dominós alinhados. A queda de uma peça precipita a queda das demais. Um acidente é apenas um fator na seqüência. Dai, se a série for interrompida pela eliminação de um, ou vários fatores componentes, a lesão possivelmente não ocorrerá. (AQUINO, 1996, p. 32).

A fatalidade dos acidentes e incidentes do trabalho, pelo conceito

prevencionista, está relacionado comumente à existência de causas básicas que

possibilitam a ocorrência de acontecimentos imediatos, classificadas como práticas e

condições sub-padronizadas. As causas imediatas frequentemente são

denominadas como atos e condições inseguras. O ato inseguro como a violação de

um procedimento de segurança aceito por todos; a condição insegura referente a

uma condição ou circunstância física perigosa que poderia permitir a ocorrência de

um acidente.

Com base nesse entendimento qualquer mudança em uma prática ou

condição aceita como padrão pode permitir a ocorrência de um acidente. Este

posicionamento dá ênfase ao fator humano nos acontecimentos, tendo como

33

Ver Anexo A.

Page 82: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

80

referência a culpabilização dos indivíduos. Da mesma forma, Oliveira e Vasconcelos

(1992, p. 154) nos fazem lembrar que:

A intervenção do aparelho de Estado nos ambientes de trabalho tem servido para a legitimação do risco, na medida em que, por um lado, é estritamente tecnicista, considerando o trabalhador como apêndice da máquina e, por outro, legaliza o risco, através da indenização pelo trabalho insalubre e perigoso.

Mesmo compreendendo que a legislação indica o caminho obrigatório e

determina limites mínimos de ação, para que se alcance um ambiente de trabalho

seguro e saudável é necessário que a prevenção de acidentes não se faça

simplesmente com a aplicação de normas, pois para a realização do direito à saúde

e demais direitos fundamentais não é suficiente que os mesmos estejam previstos

na Constituição. Assim, as normas sobre direitos fundamentais se concretizam por

intermédio do agir político, sobretudo em sua dimensão social.

É fácil entender que a efetivação desses direitos torna-se uma questão de

operação sistêmica de uma política de direitos fundamentais e que se de um lado

está o direito à saúde, constitucionalmente estabelecido, do outro está o dever do

Estado em garantir o gozo desse direito à população, por intermédio da adoção de

políticas públicas que têm como instrumentos de realização o arcabouço legal, a

execução de ações e a eleição de prioridades, juntamente à participação ativa da

classe trabalhadora.

No entanto, este processo não escapa das tendências mais amplas de

relação entre política social e capitalismo, na relação mais ampla Estado-Sociedade,

como uma realidade complexa e contraditória. Que traz a via redistributivista, ou

compensatória, como solução da desigualdade social e modalidade de

enfrentamento das expressões da “questão social”, o que desconsidera seus limites,

já que, a natureza do modo de produção capitalista não prevê esta separação entre

a esfera da produção e a vontade política (BEHRING, 1998). Aliados a esse

conjunto de determinantes, os processos neoliberais, que rompem com os valores

humanistas e seguem com uma força reguladora de lógica mercantil, que se torna

uma perspectiva pacífica para diferentes correntes profissionais, inclusive as que se

situam no campo da saúde do trabalhador, determinando como única forma de

superação da auto-estima e força única dos sujeitos.

Page 83: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

81

O Ministério da Previdência Social propôs ao Conselho Nacional de

Previdência Social – CNPS, órgão de natureza quadripartite – com representação do

Governo, Empresários, Trabalhadores e Associações de Aposentados e

Pensionistas, a adoção de um importante mecanismo auxiliar, considerando a

hipótese do mascaramento na notificação de acidentes e doenças do trabalho: o

Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário – NTEP34. O NTEP foi implementado

nos sistemas informatizados do INSS, para concessão de benefícios, em abril/2007

e de imediato provocou uma mudança radical no perfil da concessão de auxílios-

doença de natureza acidentária: houve um incremento da ordem de 148%. No

entanto, mesmo com mudanças no arcabouço da metodologia previdenciária,

continua entendendo-se como acidentes do trabalho aqueles eventos que tiveram

Comunicação de Acidente de Trabalho – CAT protocoladas no INSS e aqueles que,

embora não tenham sido objeto de CAT deram origem a benefício por incapacidade

de natureza acidentária. Todos os demais agravos, doenças, incapacidades e óbitos

que não estejam dentro dessas condições – ou que não possam ser formalmente

mensurados/documentados – não são considerados acidentes do trabalho.

Os dados constantes dizem respeito apenas ao acidente, ou a doença,

caracterizado tecnicamente pela Perícia Médica do INSS, que faz o reconhecimento

técnico do nexo causal entre o acidente e a lesão; a doença e o trabalho; e a causa

mortis e o acidente, com base em critérios conservadores e restritos em sua base

tecnicista. Na conclusão da Perícia Médica, o médico-perito pode decidir pelo

encaminhamento do segurado para retornar ao trabalho ou emitir um parecer sobre

o afastamento, e a realidade do serviço prestado vem reproduzindo uma lógica

produtivista de “quem concede menos benefícios”.

Essa realidade não está abstraída das tendências hoje em curso na

Seguridade Social no Brasil, em que a lógica do Seguro sustenta a previdência

brasileira desde sua origem e não foi eliminada na constitucionalidade vigente. Ainda

permanece a tensão entre consolidar uma seguridade social pública, ampla,

universal ou restringir sua função às camadas mais pobres. Esse é o âmbito da

construção de uma cultura privatista da seguridade social e que fundamenta a

argumentação do grande capital no sentido de imprimir reformas, ou melhor dizendo

34

Cruzamento das informações de código da Classificação Internacional de Doenças – CID-10 e de código da Classificação Nacional de Atividade Econômica – CNAE que aponta a existência de relação entre a lesão ou agravo e a atividade desenvolvida pelo trabalhador, embasada em estudos científicos baseados nos fundamentos da estatística e epidemiologia.

Page 84: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

82

contra-reformas, nos direitos e garantias ora conquistados pela Constituição Federal

de 1988 (BOSCHETTI, 2003).

As mudanças são concernentes ao contexto contemporâneo, em que as

estratégias utilizadas pelo capital para garantir sua permanência e hegemonia

atingem as mais variadas dimensões da vida humana, interferindo nos processos de

reprodução das relações sociais. Atingem, também, o Estado em sua relação com

os diversos sujeitos coletivos que se afirmam na atuação pela garantia dos direitos

sociais.

Dessa forma, a precarização dos Serviços de Segurança, a não

aplicabilidade da legislação, a ainda mínima participação dos trabalhadores e das

organizações sindicais, bem como uma política Estatal que oficializa os riscos,

permitem a criação de uma cultura compensatória, onde se privilegia o pagamento

de indenizações, quando na verdade deveria priorizar as ações de caráter

prevencionista, na busca pela promoção dos indivíduos sociais, considerando os

limites do modo de produção vigente. Pois esses fatores estão articulados à

totalidade dos determinantes do modo de produção capitalista.

Os números de acidentes e doenças, portanto, são muito maiores do que

apresentam os dados oficiais, pelo fato de haver tantas subnotificações. Tal situação

reitera a urgência em se pensar estratégias de ação para se evitar que vidas sejam

perdidas em razão das precárias condições de trabalho. Existe uma necessidade

imediata de intervenção nesse campo, que não exclui as ações políticas mais

estratégicas.

O novo aparato tecnológico se apresenta enquanto uma estratégia mais

eficaz de exploração maciça da força de trabalho e as conquistas referentes à nossa

legislação, no que concerne ao direito dos trabalhadores, acabam por ser

escamoteadas, ou em alguns momentos, simplesmente suprimidas.

Todos esses elementos nos levam a refletir que o campo da Saúde do

Trabalhador é constituído por avanços e retrocessos, mesmo com a constituição de

uma legislação tida como progressista. Segundo Cortez (2001, p.17), “na prática

estas levavam em seu bojo dificuldades tamanhas de aplicabilidade, que resultavam

na diminuição da comunicação do acidente de trabalho, tornando-o oculto”.

As formas de vinculação do trabalho traz a representação para o trabalhador

de que este não pode adoecer, tomando o adoecimento como algo que não tem

Page 85: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

83

lugar no seu cotidiano de trabalho, pois traz significativo comprometimento de seus

vínculos empregatícios.

Pensar o direito a um trabalho saudável e a aplicabilidade das leis,

pressupõe tratá-lo no âmbito de uma sociedade de classes, cujos limites devem ser

considerdos.

Todo complexo social, como o direito, tem como característica fundamental

a contraditoriedade como condição ineliminável. Assim, não podemos deixar de

observar, na complexidade do direito as forças que agem sobre ele, no sentido da

manutenção do que é a sociedade e das forças que podem levar a algo diferente do

que está posto, sem desconsiderar, diante dos limites da luta, a via dos direitos

como processo para ampliação dos padrões de vida da classe trabalhadora.

Os direitos em si não têm a capacidade de mudar a realidade societária

vigente, mas incidem na vida cotidiana, têm sua importância e podem favorecer as

mudanças. Essas lutas por direitos – seja por um trabalho seguro e saudável, seja

por trabalho – são importantes como ponto de partida, no campo da emancipação

política, mas não conseguem colocar os indivíduos no patamar de liberdade plena,

pois continuam oprimidos e explorados, presos às amarras do assalariamento.

Embora haja essa ampla composição legal no campo da saúde do

trabalhado, toda essa discussão extrapola os marcos da lei e deve ser traçada sob o

modo de produção capitalista. Ou seja, as conquistas legais não podem ser

renegadas, pois compõem a luta histórica dos trabalhadores, mas é preciso ter

clareza que a eficácia relativa da legislação não pode ser entendida em si, já que é

inerente a lógica do capital e seus tensionamentos no máximo aliviam os efeitos da

barbárie. Sua concretização só se realiza com a luta política organizada dos

trabalhadores, sobrepostas às demandas e requisições do capital.

No processo de emancipação política, embora hajam formas diferentes de

liberdade, seu nível máximo jamais pode ultrapassar o caráter jurídico-político,

sendo, fundamentalmente, parcial e limitada. Somente a emancipação humana se

apresenta sob uma forma real, integral e essencialmente ilimitada. É a este processo

que Marx chama de “comunismo, reino da liberdade e emancipação humana”

(MARX, s/d, p.130). Desse modo, a defesa de patamares dignos de vida e de

trabalho para a maioria da população, a partir da almejada cidadania, só pode ser

pensada pela superação da atual ordem societária de produção e reprodução das

Page 86: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

84

relações sociais capitalistas, única via para o alcance da forma de sociabilidade que

expressa o homem como um ser integralmente livre.

Assim, trazemos a direção conceitual de que onde os trabalhadores,

enquanto classe social, não apresentam nível de organização suficiente para impor

limites aos abusos do capital e superação de sua lógica societária. Refuncionalizam-

se formas de exploração que vão desde o trabalho em domicílio, trabalho infantil e

até trabalho escravo combinando-as com processos que envolvem alta tecnologia. E

que, em totalidade, constituem fator preponderante no processo de adoecimento da

classe que vive da venda da sua força de trabalho.

3.4 UMA JORNADA DE ACIDENTES

O desenvolvimento capitalista avança no século XXI com maior voracidade,

somando a seus altos faturamentos uma ascensão de atividades econômicas

extrativistas35 - como a mineração –, na maioria dos casos de natureza exploratória

e devastadora, acompanhando o reaquecimento da demanda mundial por novas

matérias-primas, com forte presença dos capitais transnacionais. A presença do

Estado se destaca nos investimentos para expansão dessas atividades econômicas

e a preocupação com a arrecadação e cumprimento das obrigações pecuniárias das

empresas. Já na fiscalização e acompanhamento das condições de trabalho e o

provimento das garantias e direitos sociais é preponderantemente omisso.

Esse “desenvolvimento” traz também, e essencialmente, a exploração do

trabalhador, pela apropriação indevida de seu trabalho, e a precarização das

condições objetivas em que atua, faturando junto aos lucros doenças, mutilações e

mortes. O que vemos é um total comprometimento das potencialidades e vitalidades

do ser social, que se metamorfoseia na composição dos objetos produzidos. Um

processo metabólico para o capitalista e naturalizado para a grande massa dos

trabalhadores, numa expressão clara do que é o trabalho e saúde sob esse modo de

produção.

35

Segundo reportagem do jornal Brasil de Fato, de 28 de julho de 2011, intitulada “Eldorado Seridó”, o faturamento da atividade de mineração no Brasil, em 2010, chegou a US$ 157 bilhões, o que representou 10% do PIB nacional e 25% das exportações brasileiras.

Page 87: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

85

Na contemporaneidade, os elevados números de acidentes de trabalho e de

doenças profissionais, representam, para a realidade brasileira, um dos mais graves

entraves da saúde pública. Dados do Anuário Estatístico da Previdência Social36 de

2006 revelam a ocorrência de 503.890 mil acidentes de trabalho no país37,

distribuídos em: 403.264 acidentes típicos (aqueles que ocorrem no

desenvolvimento do trabalho na própria empresa ou a serviço desta), 73.981

acidentes de trajeto (aqueles que ocorrem no trajeto entre a residência e o trabalho

ou vice-versa) e 26.645 doenças do trabalho (aquelas causadas pelo tipo de

trabalho ou pelas condições do ambiente de trabalho). Percebe-se que os acidentes

típicos representam, conforme representação gráfica abaixo, cerca de 80% dos

registros, seguidos de 15% e 5%, são correspondentes aos acidentes de trajeto e as

doenças do trabalho, respectivamente.

36

Disponível em: <http://www.previdenciasocial.gov.br/aeps2006/15_01_03_01.asp>. Acesso em: 02 dez. 2007.

37 No Brasil, como explica LIMA (2007), em 15 de janeiro de 1919 é promulgada a primeira Lei nº

3724 sobre acidente de trabalho, já com o conceito do risco profissional. Em 10 de novembro de 1944, é revogada pelo Decreto Lei 7.036 que passa às autoridades do Ministério do Trabalho a incumbência de Fiscalizar a Lei dos Acidentes do Trabalho. Já em 1943 houve a publicação do Decreto Lei 5.452 que aprovou a CLT, Consolidação das Leis do Trabalho, cujo capítulo V refere-se a Segurança e Medicina do Trabalho. Concepções aprofundadas em 1953, com a Portaria 155 que regulamenta e organiza as CIPA´s, estabelecendo as normas para seu funcionamento. Nos anos sequenciais surgem novas iniciativas para a regulamentação do uso dos EPI´s (Portaria 319 de 30 de dezembro de 1960 regulamenta a uso dos EPI´s). A Lei 5.136, Lei de Acidente de Trabalho, surge, ainda, em 14 de setembro de 1967. Um ano depois são fixadas as condições para organização e funcionamento das CIPA´s nas Empresas, a partir da Portaria 32. Em 1972 a Portaria 3.237 determina obrigatoriedade do serviço Especializado de Segurança do Trabalho - SESMT. Depois dessas conquistas pontuais é aprovada, em 22 de dezembro de 1977, a Lei 6.514 que modifica o Capítulo V da CLT, regulamentada pela Portaria 3.214, que prevê as Normas Regulamentadoras de Segurança e Medicina do Trabalho. Outra grande conquista no campo da saúde do trabalhador se dá em 1973 com a Lei 5.889 e a Portaria 3.067 (12/04/1988), que aprovam as Normas Regulamentadoras Rurais relativas à Segurança do Trabalho rural e no mesmo ano, a Constituição Federal (Disposições Transitórias Art. 10 item II), proporciona aos trabalhadores membros da CIPA a garantia do emprego.

Page 88: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

86

Gráfico 01 - Acidentes e Doenças do Trabalho em 2006

Fonte: Elaborado a partir do Anuário Estatístico da Previdência Social - 2006

Além desse número ser elevado, ele diz respeito apenas àqueles

trabalhadores celetistas que contribuem para a Previdência Social, não sendo

contabilizados os trabalhadores vinculados ao setor informal da economia, os de

regime estatutário (servidores públicos), militares e os trabalhadores domésticos,

que juntos representam mais de 50% da população trabalhadora nacional, segundo

dados do IBGE38.

É de responsabilidade da empresa a notificação de qualquer acidentes de trabalho e/ou doença ocupacional, independente da natureza do agravo ou intensidade, via emissão da Comunicação de Acidentes de Trabalho - CAT, formulário específico do INSS, que deve ser emitido em até 24 horas após a ocorrência do fato. Entretanto, na realidade brasileira percebemos certa resistência dos organismos empresariais quanto à realização dos registros. Esta notificação se dá, em geral, quando os agravos à saúde são mais graves, necessitando de um período de afastamento superior a 15 (quinze) dias; são irreparáveis e o trabalhador considerado incapaz para a atividade laboral, e ainda quando não há possibilidades de reabilitação para o retorno ao exercício de atividade que lhe garanta a subsistência (MERLO, 2005).

Em razão da política de subnotificação adotada pela maioria das empresas,

não é possível quantificar de fato os reais números de acidentes e doenças do

trabalho no país, embora se estime que esse quantitativo seja, aproximadamente,

38

Informação disponível em: <http://www.cut.org.br/site/start.php?infoid=12016&sid=6>. Acesso em 28 out. 2007.

ACIDENTES E DOENÇAS DO TRABALHO EM 2006

80%

15%

5%

Acidente Típico

Acidente de Trajeto

Doença do Trabalho

Page 89: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

87

três vezes maior. Cabe lembrar que a notificação dos acidentes e doenças de

trabalho é uma base de dados importantíssima, indispensável na formulação e

direcionamento de políticas de prevenção, promoção, proteção e recuperação da

saúde da classe trabalhadora.

Os custos com acidentes e doenças do trabalho no Brasil consomem

aproximadamente 4%39 do Produto Interno Bruto – PIB. Nesse quantum estão

incluídas as indenizações pagas pela Previdência Social, os custos em saúde e a

perda de produtividade do trabalhador, destes, aproximadamente R$ 8 bilhões são

destinados ao pagamento de benefícios acidentários40 e aposentadorias especiais.

Esses custos com acidentes de trabalho atingem diferentes segmentos. A

empresa, por exemplo, é prejudicada com a perda de tempo na ocasião do agravo;

com as despesas destinadas aos primeiros socorros; a possível destruição de

equipamentos e materiais; a interrupção da produção; a substituição de

trabalhadores e o pagamento de horas-extras; a recuperação dos empregados; os

salários pagos aos trabalhadores afastados; as despesas administrativas e muito

mais. O custo mais direto cai sobre o SUS que tem que reparar o dano provocado

pela negligência das empresas e pela impunidade no descumprimento das leis.

Por outro lado, devem ser considerados, principalmente, os danos aos

trabalhadores e às suas famílias na forma de redução de renda, gastos com

tratamento medicamentoso, interrupção do vínculo trabalhista, além da dor e do

estigma do acidentado ou do doente, mutilado física e psicologicamente, em

decorrência dos agravos sofridos. Em meio a todas essas perdas, há uma que não é

possível mensurar o seu impacto: a perda de vidas humanas, fruto de

posicionamentos egoístas que negligenciam os riscos e os agravos à saúde e a

segurança dos trabalhadores.

39

Cf. Ilo apud Cacciamali et al (2002, p. 06) em: A busca pela promoção da saúde e pelas medidas preventivas nas negociações coletivas. In: Estudos e análises com vistas à definição de Políticas, Programas e Projetos relativos ao mercado de trabalho brasileiro. São Paulo, 2002. Disponível em: http://www.mte.gov.br/observatorio/778_Tema_37.pdf. Acesso em: 02 dez. 2007.

40 O benefício acidentário é devido ao segurado acidentado, ou ao(s) seu(s) dependente(s), quando o

acidente ocorre no exercício do trabalho a serviço da empresa, equiparando-se a este a doença profissional ou do trabalho, ou ainda, quando o mesmo é sofrido no percurso entre a residência e o local de trabalho, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou redução da capacidade para o trabalho. Os benefícios acidentários classificam-se em aposentadoria, pensão por morte, auxílio-doença, auxílio-acidente e auxílio-suplementar. Fonte: <http://www.previdenciasocial.gov.br/pg_secundarias/previdencia_social_13_06-A2.asp>. Acesso em: 29 out. 2007.

Page 90: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

88

Com base no Anuário Estatístico da Previdência Social 2006, o setor que

mais teve registros de acidentes de trabalho foi o da indústria, atingindo 47,4% das

notificações, com destaque para a indústria da construção civil, segundo dados do

Ministério da Previdência Social, seguido do setor de serviços com 45,7% e por

último o setor agrícola que participou com 6,9% do total de registros.

O número de óbitos por acidentes de trabalho no Brasil vem aumentando

terrivelmente ao longo das últimas décadas, de acordo com dados do Ministério da

Previdência Social, evidenciando a piora das condições de trabalho.

Quadro 01 – Óbitos por Acidente do Trabalho

Período Óbitos / 10 mil acidentes (média)

Década de 70 23

Década de 80 42

Década de 90 85

2000-2003 80

Fonte: <http://www.previdenciasocial.gov.br/AEPS2004/docs/4c30_01.xls>. Acesso em 29

out. 2007.

O Brasil está entre os países com maiores índices de mortes por acidentes

do trabalho no mundo, ficando atrás apenas da Índia, Coréia do Sul e El Salvador.

Em 2004, cerca de 2.800 trabalhadores perderam a vida41.

41

Informação disponível em: < http://www.cecac.org.br/MATERIAS/Acidentes_trabalho_06.htm>. Acesso em: 23 out. 2007.

Page 91: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

89

Quadro 02 - Número de Acidentes e Doenças do Trabalho no Brasil: Média por Décadas, de 1970 a 2008.

DÉCADA

(Média

Anual)

TRABALH. QT. DE ACIDENTES

(Com CAT)

TOTAL

DE ACID.

TOTAL

DE

ÓBITOS Típico Trajeto Doença

1970 12.428.828 1.535.84

3

36.497 3.227 1.575.566 3.604

1980 21.077.804 1.053.90

9

59.937 4.220 1.118.071 4.672

1990 23.648.341 414.886 35.618 19.706 470.210 3.925

2000 32.055.280 363.796 60.525 24.297 486.785 2.833

MÉDIA

GERAL

22.052.493 854.373 47.827 12.569 923.578 3.782

Total de acidentes ao longo desse

período

36.019.53

6

Total de

óbitos

147.504

Fonte: Adaptação do Documento “Acidentes de Trabalho ocorridos nos últimos 39 anos”.

MTE/RAIS, MPS/AEPS42

.

Conforme os dados internacionais de acidentes, divulgados pela

Organização Internacional do Trabalho – OIT, há informações importantes sobre o

mundo do trabalho dos países que têm enviado periodicamente à entidade

informações sobre sua população trabalhadora. Porém, desde o ano 2000, o Brasil

não mais envia os seus registros de acidentalidade e, por isso, foram mantidos

desatualizados por falta de informações.

Nesse documento da OIT constam informações acidentárias dos 188 países

com mais trabalhadores no mundo, contemplando todos os continentes. Mesmo

assim, é difícil traçar um comparativo, pois cada país utiliza conceitos próprios para

registrar seus infortúnios laborais e número de mortos, além disso muitos países não

fornecem os dados completamente, o que dificulta o estabelecimento alguma

relação entre eles.

42

O documento apresenta como Nota: De 1970 a 1984 a fonte de referência da coluna

“Trabalhadores” era a Coordenação Geral de Estatística e Atuária, que identificava o número de trabalhadores segurados. A partir de 1985, passamos a adotar como fonte de referência para esta coluna o número de trabalhadores formais de acordo com o MTE/RAIS.

Page 92: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

90

De acordo com a OIT43, todos os anos, cerca de 330 milhões de

trabalhadores são vítimas de acidentes de trabalho em todo o mundo, além de 160

milhões de novos casos de doenças ocupacionais. Sobre as mortes, a OIT aponta

mais de 2 milhões relacionadas ao trabalho: 1.574.000 por doenças, 355.000 por

acidentes e 158.000 por acidentes de trajeto.

Os dados brasileiros refletem uma realidade de alta gravidade, e podem ser

mais bem representadas no quadro abaixo, que expressa um resumo das

informações estatísticas levantadas no ano de 200944.

Quadro 03 – Demonstrativo resumido das estatísticas acidentárias do

ano de 2009.

SITUAÇÃO REPRESENTAÇÃO

QUALITATIVA

REPRESENTAÇÃO

QUANTITATIVA

Acidentes do trabalho registrados no INSS

Comparado com 2008, o número de acidentes de trabalho teve queda de 4,3%. O total de acidentes registrados com Comunicação de Acidente do Trabalho - CAT45 diminuiu em 4,1% de 2008 para 2009.

Cerca de 723 mil

Acidentes típicos Registrados com CAT 79,7%

Acidentes de trajeto Registrados com CAT 16,9%

Doenças do trabalho Registrados com CAT 3,3%.

Fonte: http://www.mpas.gov.br/. Acesso em 14 jun 2011.

43

Informações do Anuário Brasileiro de Proteção 2010 retirados do Anuário Estatístico da

Organização Internacional do Trabalho (OIT) 2009 e os dados de trabalhadores destes países extraídos do site da Central Intelligence Agency – CIA, com acesso https://www.cia.gov.

44Essas informações foram extraídas do Sistema Único de Benefícios – SUB e do Sistema de Comunicação de Acidente do Trabalho – CAT, desenvolvido pela DATAPREV para processar e armazenar as informações da CAT, disponíveis em http://www.mpas.gov.br/.

45De acordo com informações do Ministério da Previdência Social, mesmo a entrega da CAT sendo legalmente estabelecida com o prazo de até 48 horas da ocorrência do acidente, o INSS recebe o documento a qualquer tempo. Portanto, uma CAT referente a um acidente pode ser entregue após a concessão de um benefício acidentário originado deste acidente. Assim, para fins de esttísticas oficiais divulgadas pela instituição, são consideradas todas as CAT entregues no ano civil e todos os benefícios concedidos nesse mesmo ano, nesse caso o de 2009.

Page 93: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

91

Esses dados46 ainda trazem revelações quanto a representação por sexo,

indicando que as pessoas do sexo masculino participaram com 77,1% e as pessoas

do sexo feminino 22,9% nos acidentes típicos; 65,3% e 34,7% nos de trajeto; e

58,4% e 41,6% nas doenças do trabalho. No que se refere à faixa etária, vimos nos

acidentes típicos e nos de trajeto, que a faixa etária de maior incidência de acidentes

foi a constituída por pessoas de 20 a 29 anos com, respectivamente, 34,7% e 37,8%

do total de acidentes registrados. Já no caso das doenças de trabalho a faixa de

maior incidência foi a de 30 a 39 anos, com 33,9% do total de acidentes registrados.

Quanto aos setores econômicos com maior participação, o setor Agropecuário

participou com 4,4% do total de acidentes registrados com CAT, já o setor da

Indústria com 48,0% e o setor de Serviços ficou com 47,6% do total de

acidentes/doenças registrados.

Diante desse contexto de insegurança nos postos de trabalho, desemprego

em massa, condições precárias para a prática profissional, o campo da Saúde do

Trabalhador se apresenta enquanto um espaço de mobilização e reivindicações. No

entanto, alguns fatores mostram-se pertinentes para o debate atual da temática,

considerando-se a transversalidade das ações de saúde do trabalho, como a

efetivação da PNST47; a escassa e fragmentada produção científica da área e

limitada literatura técnica; e o enfraquecimento ou pouca capacidade de pressão dos

movimentos sociais e dos trabalhadores acerca das questões de saúde do

trabalhador.

Como expressa Costa e Pena (2005):

[...] no Ministério da Saúde há a busca de construção hegemônica de um PNST em conformidade com as lutas estabelecidas na reforma sanitária e na construção do SUS. Entretanto, no Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e na Previdência Social, a partir da metade da década de 1990, consolidou-se um projeto de PNST articulada ao ciclo neoliberal no nosso país. Esse ciclo se instalou efetivamente em 1990, e se configurou como hegemônico para as políticas de governo. Ou seja, o processo de ajuste estrutural no país seria efetivado no âmbito setorial de uma política de saúde do trabalhador, mas houve resistência institucional centrada no Ministério da Saúde, em alguns grupos da área sindical e de técnicos do MTE.

46

Idem. 47

Esta política ainda apresenta-se na versão preliminar, divulgada pelo Ministério da Saúde em 2003.

Page 94: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

92

Esta contra-tendência à efetivação de uma política ampla no campo da

saúde do trabalhador, mostra-se enquanto um reflexo do contexto estrutural no qual

estão inseridas as mudanças na organização do trabalho a partir da década de

1990, aqui tratando o Brasil, pois vemos a solidificação de um plano macro de

características neoliberais, que perpassa a base das garantias e direitos sociais,

nela presentes as condições de trabalho saudáveis.

A realidade no Rio Grande do Norte segue a mesma tendência da escala

nacional, registrando no ano de 2006, 4.834 mil acidentes, sendo: 3.955 típicos; 649

de trajeto e 230 doenças ocupacionais. Deste total, 386.022 são do sexo masculino

e 117.866 são do sexo feminino48, correspondendo aproximadamente 0,95% do

índice nacional de acidentes.

Esses dados elucidam a triste realidade acidentária que nos rodeia, que

vitimiza, diariamente, milhares de pessoas, que na maioria dos casos, não tem

consciência dos riscos à saúde e à vida a que estão expostos, independentemente,

do tipo de trabalho executado, refletindo uma realidade naturalizada em todo o

território nacional.

48

Esses dados foram extraídos do site da Previdência Social, que têm como base os registros realizados no sistema DATAPREV-CAT. Disponível em: http://www.previdenciasocial.gov.br/aeps2006/15_01_03.asp. Acesso em: 02 dez.2007.

Page 95: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

93

Privatizaram sua vida, seu trabalho, sua hora de amar e seu direito de pensar. É da empresa privada o seu passo em frente, seu pão e seu salário. E agora não contente querem privatizar o conhecimento, a sabedoria, o pensamento, que só à humanidade pertence.

(Bertolt Brecht)

Ao longo do trabalho foi pensado um percurso metodológico para apreensão

do objeto estudado que passa pela recuperação do sentido ontológica da categoria

trabalho e de suas expressões no modo de produção capitalista, partindo para a

análise das repercussões da organização do trabalho ao longo do século XX até os

dias atuais. Buscando-se observar como essa dinâmica se reflete na saúde dos

trabalhadores, pensada em sua trajetória histórico-conceitual no curso desse mesmo

período histórico.

Todo esse contexto teve como finalidade construir e sistematizar um

conjunto de categorias teóricas centrais para análise crítica das produções

científicas no campo da saúde e segurança do trabalho. Assim, essas categorias de

análise serão o fio condutor para a discussão que faremos a parir das produções

científicas que aqui foram delimitadas.

Essas categorias não são tidas aqui como a única forma de produção do

saber, uma vez que essa escolha se define pela necessidade de atender aos

parâmetros formais de elaboração desse estudo e, principalmente, porque

consideramos que os processos de aprendizagem são contínuos e se situam para

além dos muros das universidades e outras instituições formais de ensino/pesquisa.

Assim, esses processos são aqui pensados a partir do trabalho intelectual

que se concentra na formulação/elaboração do conhecimento, ou seja, na produção

teórica que se realiza no seio das universidades, em especial nos programas de

pós-graduação stricto sensu – que contemplam os cursos de mestrado e doutorado

–, que aqui serão apreendidos de áreas especificamente delimitadas.

4 O DEBATE ACERCA DA SAÚDE DO TRABALHADOR:

TENDÊNCIAS TEÓRICAS DO CAMPO TEMÁTICO

Page 96: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

94

Contemplando, também, eixo de análise que foram elencados de forma

correspondente às principais categorias abordadas nos capítulos anteriores,

analisando como se expressam as categorias “trabalho” e “saúde do trabalhador”, a

fim de desvelar os principais referenciais teóricos adotados e a articulação dessas

produções científicas com as categorias de análise elencadas nesse estudo.

Para isso, é fundamental pensar também as condições específicas em que

se realiza a produção do conhecimento no atual contexto de reestruturação e ajustes

estruturais por que passa o ensino superior, numa relação de totalidade com os

processos mais gerais do atual processo de reestruturação do capital.

Nas universidades são fortes as repercussões desses ajustes e os impactos

são visíveis, e em muitos casos, desenvolvem-se subliminarmente, com discretos e

sorrateiros processos de privatização das instituições públicas de ensino e por meio

das inovações científicas e tecnológicas, cercadas de incentivos mercadológicos e

altos financiamentos.

Como prelúdio de nosso estudo, cabe-nos destacar os impactos na área da

pesquisa universitária, com a implementação da Inovação Tecnológica49. Um projeto

que subordina explicitamente as universidades, e o lugar de pesquisa, ao campo

empresarial, redefinindo-a como um espaço de venda de serviços, produtos e idéias,

estabelecendo de acordo com esses interesses o que deve ser desenvolvido como

saber. Garante-se, assim, no âmbito de instituições de ensino públicas, a

possibilidade de contribuições pecuniárias à universidade, nas mais variadas formas

e numerários.

De modo assustador, docentes e técnicos se envolvem num mar de

iniciativas empreendedoras, nos marcos da lógica empresarial, auferindo ao bom

carreirista: incentivos salariais, afastamentos protegidos, ganhos institucionais,

ampliação dos vencimentos e progressões funcionais.

De acordo com Mészáros (2007), os processos educacionais e os processos

sociais estão intimamente ligados. Reformular a educação não se faz corrigindo os

defeitos da ordem estabelecida, pois permanecem intactas suas determinações

fundamentais. É inconcebível qualquer transformação sem alteração nos quadros

estruturais da sociedade capitalista – como uma “totalidade reguladora sistêmica”,

nos termos do autor –, pois suas determinações são “irreformáveis”.

49 Regulamentada pela Lei 10.973/2004, que dispões sobre o incentivos à inovação e à pesquisa

científica e tecnológica no ambiente produtivo e dá outras providências.

Page 97: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

95

O caminho pode estar em uma mudança absolutamente necessária, sem a

qual não pode haver esperança para a sobrevivência da humanidade, a fim de

garantir uma melhoria das condições de existência. O que torna necessário uma

mudança estrutural para além do capital, numa transformação social qualitativa.

Essa lógica exclui, com uma irreversibilidade categórica, a possibilidade de legitimar o conflito entre as forças hegemônicas fundamentais rivais, em uma dada ordem social, como alternativas viáveis entre si, quer no campo da produção material, quer no âmbito cultural/educacional, [...] para a alternativa hegemônica fundamental entre o capital e o trabalho. (MÉSZÁROS, 2007, p. 197).

Daí a importância da educação, pensada aqui no tecido da instituição

universitária e integrante de um sistema articulado de composição orgânica da

hegemonia do capital.

Ademais, consideramos o ensino superior enquanto peça fundamental na

formação de profissionais de diversas áreas e que possui, também, uma forte

tradição na consolidação das ciências, a partir da sistematização, produção e

reprodução do conhecimento, que se transmite e se universaliza no seio da

sociedade, incorporando, assim, seus elementos de contradição.

A educação também pode gerar e transmitir um quadro de valores que

legitimam os interesses dominantes, adulteram ou falseiam a história para seu

propósito, destorcem fatos, criam novidades, deturpam teorias, propagam uma

suposta verdade absoluta e incontestável, respaldando teses e argumentos, muitas

vezes, conservadores da ordem social estabelecida, tratando-a como uma ordem

natural.

Segundo Mészáros (2007), o que se verifica ao longo do desenvolvimento

do sistema capitalista é um forte impacto da incorrigível lógica do capital sobre a

educação. As modalidades de imposição dos imperativos estruturais do capital no

âmbito educacional são hoje diferentes, em relação à “acumulação primitiva”. Hoje o

sentido da mudança educacional radical não pode ser senão o “rasgar da camisa-

de-força da lógica incorrigível do sistema”, perseguindo de modo planejado e

consciente uma estratégia de rompimento do controle exercido pelo capital, com

todos os meios disponíveis, bem como com todos os meios ainda a serem

inventados e que tenham o mesmo espírito.

Page 98: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

96

As determinações gerais do capital afetam profundamente cada âmbito particular com alguma influência na educação e de forma nenhuma apenas as instituições educacionais formais. Estas estão estritamente integradas na totalidade dos processos sociais. Não podem funcionar adequadamente exceto se estiverem em sintonia com as determinações educacionais gerais da sociedade como um todo. (MÉSZÁROS, 2007, p. 206).

Ademais, consideramos o ensino superior enquanto peça fundamental na

formação de profissionais de diversas áreas e que possui, também, uma forte

tradição na consolidação das ciências, a partir da sistematização, produção e

reprodução do conhecimento, que se transmite e se universaliza no seio da

sociedade, incorporando, assim, seus elementos de contradição. Considerando,

ainda, que a educação também pode gerar e transmitir um quadro de valores que

legitimam os interesses dominantes, adulteram ou falseiam a história para seu

propósito, destorcem fatos, criam novidades, deturpam teorias, propagam uma

suposta verdade absoluta e incontestável, respaldando teses e argumentos, muitas

vezes, conservadores da ordem social estabelecida, tratando-a como uma ordem

natural.

Interessa-nos, especificamente, nesse estudo, refletir sobre os

determinantes que ganham destaque na atual configuração da produção teórica

sobre a saúde dos trabalhadores.

4.1 A PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO NO CAMPO DA SAÚDE E SEGURANÇA

DO TRABALHO

A significação dos objetos estudados se legitima por sua mediação com a

existência dos homens, numa visão intencional dos processos de sociabilidade que

se apresentam como avanço das forças produtivas no âmbito da correlação de

forças historicamente constituída. A produção de conhecimento como uma

característica inerente ao ser social, é uma das expressões das respostas às

necessidades da humanidade, com vistas à construção dialética de novas

possibilidades.

Page 99: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

97

Assim a produção do conhecimento se dará não como mera representação

mental, mas, sobretudo, num complexo processo de apreensão da realidade na

mesma velocidade com que se apreende o objeto do estudo. Entretanto, a direção

da investigação no processo de apreensão do objeto estudado deve seguir,

necessariamente, uma perspectiva teórico-metodológica, no sentido de dar direção à

investigação, formulando-se um conjunto de noções para estudo em confronto

analítico direto e constante com o objeto pesquisado.

Lucia Neves (2010) nos faz refletir que a atividade intelectual, de

competência técnico-científica, sistematiza conhecimento sobre determinadas

temáticas, criando discernimento necessário para propor, de forma autônoma,

soluções gerais às necessidades da sociedade e com forte posição política, mesmo

que não intencionalmente.

Para Marx, na análise do social, o que cabe ao sujeito que pesquisa é

apreender a dinâmica do objeto pesquisado, em uma relação que permite ao sujeito,

precisamente, apreender, para reproduzir idealmente, ou seja, no campo das ideias,

o movimento do objeto, o movimento do real.

A forma concreta e imediata, como se apresenta a realidade a ser estudada,

expressa a existência do objeto de análise, mas, conforme o método aqui definido,

não dá a sua expressão de verdade. No entanto, não devemos atribuir ao objeto

determinadas características, mas retira-lhe de forma analítica e intelectiva as

características que ele efetivamente porta.

Assim tomamos a construção teórica como uma reprodução ideal do

movimento real do objeto. Logo teoria não é a realidade, é uma expressão ideal da

realidade, que com a perspectiva de totalidade das relações sociais, compreende-se

a realidade estudada a partir das relações sociais da sociedade burguesa, tendo,

ainda a produção material não como um fim em si mesmo, mas como ponto de

partida.

O traço empírico nos dá a imediaticidade, cuja aparência é o ponto de

partida para o conhecimento, não enquanto uma dimensão menor ou menos

importante, mas como o caminho a partir do qual se inicia o conhecimento da

essência. O concreto é tanto o ponto de partida quanto o ponto de chegada e vai

aparecer como síntese intelectual da análise, como síntese do processo de

enriquecimento das determinações do objeto.

Page 100: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

98

Pensando nesse caminho, a pesquisa foi empreendida com base nos

bancos institucionais de teses e dissertações da Universidade Federal do Rio

Grande do Norte - UFRN, defendidas durante o período de 2006 a 2010. Para tal, e

enquanto recorte da pesquisa, foram consultados os seguintes programas de Pós-

Graduação: Programa de Pós Graduação em Ciências da Saúde; Programa de Pós-

Graduação em Enfermagem; Programa de Pós Graduação em Engenharia de

Produção; Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais; Programa de Pós

Graduação em Serviço Social; Programa de Pós Graduação em

Psicologia/Psicologia Social. Os programas escolhidos contemplam as áreas de

Serviço Social, Psicologia, Ciências Sociais, Enfermagem, Medicina e Engenharia

da Segurança.

A coleta foi realizada através de consulta ao Sistema de Publicação

Eletrônica de Teses e Dissertações50. Onde foram levantadas as teses e

dissertações dos programas de pós-graduação escolhidos para a pesquisa,

defendidas entre 2006 e 201051. Esse marco temporal tem relevância pois nele se

deu o avanço e a ampliação das ações e políticas no campo, constituindo-se como

marco histórico na discussão da Saúde do Trabalhador a partir do século XXI52.

Além disso, é no ano de 2006 que se inicia na UFRN a publicação digital do banco

de dados utilizado, que atualiza todas as produções nessa universidade a partir

deste período.

A partir desse levantamento, foi realizada uma identificação dos trabalhos

que traziam uma abordagem sobre a temática da saúde do trabalhador,

50

A Biblioteca Digital de Teses e Dissertações (BDTD), da UFRN, iniciou suas atividades no ano de 2006, integrando, ao mesmo tempo, a BDTD Nacional e a Networked Digital Library of Theses and Dissertation (NDLTD), sendo estas coordenadas pelo Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT) e pela Virgínia Tech University, respectivamente. As teses e dissertações produzidas no âmbito da UFRN são disponibilizadas via internet, através do endereço http://bdtd.bczm.ufrn.br/tedesimplificado/, proporcionando assim maior visibilidade nacional e internacional a esta produção, como também democratizando o seu acesso. A Biblioteca Central Zila Mamede – BCZM/UFRN é a responsável pela manutenção do sistema e a alimentação desse banco de dados. Os trabalhos são encaminhados à BCZM através da Pró-Reitoria de Pós-Graduação, em arquivos no formato digital, gravados em CD's, juntamente com o Termo de Autorização preenchido e assinado pelos alunos. Os trabalhos, em formato PDF, protegidos com senha, permitem apenas o download, impressão e leitura.

51 Podem existir trabalhos que foram defendidos nesse período, mas que ainda não foram

homologados, uma vez que isso só acontece com a apresentação da versão definitiva após a defesa.

52 Como vimos no capítulo anterior, no século XXI, a publicação da Política Nacional de Saúde e

Segurança do Trabalho – PNSST (2004); da Política Nacional de Saúde do Trabalhador – PNST (2009); a criação e ampliação da rede de atendimento em saúde do trabalhador, a RENAST (respectivamente, 2002; 2005); além da realização da 3ª Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador (2005).

Page 101: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

99

considerando a interface com a segurança e medicina do trabalho. Uma escolha

intencional que partiu de uma análise preliminar sobre a totalidade dos trabalhos

levantados. Conforme especifica o quadro abaixo.

Quadro 4: Classificação das produções científicas na UFRN

PROGRAMA

TITULAÇÕES

TOTAL DE TESES/ DISSERTAÇÕES

(2006-2010)

ANALISADAS

Ciências da Saúde Mestrado/Doutorado 180 10

Enfermagem Mestrado/Doutorado 85 08

Engenharia de

Produção

Mestrado 124 08

Ciências Sociais Mestrado/Doutorado 175 00

Psicologia Mestrado/Doutorado 71 02

Psicologia Social Mestrado/Doutorado 10 01

Serviço Social Mestrado 40 01

TOTAL 685 30

Fonte: SIGAA, Acesso em 19 abr 2011.

Essa identificação não partiu de uma amostragem percentual das produções

científicas, pois os documentos foram selecionados de acordo com a temática que

apresentavam e sua relação com o objeto desse trabalho. Nesse sentido, foram

analisadas todas as produções que se voltavam para a temática “saúde do

trabalhador”.

Os documentos serão tabulados nessa seção, constando uma

especificação por área escolhida e uma organização numérica, percentual e

qualitativa dos dados a partir dos seguintes elementos: quantidade geral de

trabalhos analisados por área; identificação das principais abordagens dadas à

temática geral; inter-relação dos estudos e das áreas.

A seguir, mostramos as áreas que atuam no campo da saúde do trabalhador

e algumas características dos Programas de Pós-Graduação os quais o tema é

pesquisado, formando profissionais da área.

Page 102: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

100

As áreas aqui identificadas nos Programas de Pós-Graduação podem se

inserir no âmbito da saúde do trabalhador nas mais diversificadas formas, nas quais

encontramos diversos profissionais (enfermeiros, médicos, engenheiros, assistentes

sociais, psicólogo), também expostos aos agravos que estudam. Há áreas que

apresentam certa tradição no campo prático-profissional, com as ações de saúde e

segurança do trabalho. No interior das empresas, em geral, há uma equipe técnica

formalmente estabelecida para atuar nessas atividades, comumente compostas por

Médico e Enfermeiro do trabalho e o Engenheiro de Segurança (atividade

especializada em nível lato sensu, formada prioritariamente na área da Engenharia de

Produção). No campo da saúde do trabalhador, as Ciências Sociais, a Psicologia e o

Serviço Social não possuem uma vinculação formal à área, como as categorias

profissionais acima, mas podem atuar no atendimento dos trabalhadores, apropriando-

se indiretamente do enfrentamento de questões relacionadas ao mundo do trabalho,

especialmente aquelas que contemplam aspectos da saúde do trabalhador.

4.1.1 Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde

O Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde foi aprovado pela

UFRN, através da Resolução nº. 021/2001-CONSEPE, de 17/04/2001. Em 2001 e

em 2004, foram aprovados pela CAPES o Mestrado e o Doutorado, respctivamente.

Compreende um Programa interdisciplinar, interagindo com a Ecologia, Bioética,

Teologia,Educação, Humanidades, Artes, Física, Química, Matemática,

Oceanografia, Agronomia, Veterinária, Planejamento, Gestão e Política, Ciências

Aplicadas e Básicas e outras disciplinas mais. Tem como objetivo a formação de

recursos humanos nas diversas áreas da saúde em nível de Mestrado e Doutorado.

Uma de suas características é não possuir “Áreas de Concentração”. Em seu lugar

há “Linhas de Pesquisa” e “Temas”.

Page 103: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

101

4.1.2 Programa de Pós-Graduação em Enfermagem

A pós-graduação na área de Enfermagem tem forte tradição no Brasil,

presente desde a década de 1970. Sua Área de Concentração situa-se na

“Enfermagem na Atenção à Saúde”, tendo por base, segundo posição do Programa,

a compreensão do imperativo do reordenamento das práticas circunscritas ao novo

paradigma da produção social da saúde e da intersetorialidade e

interdisciplinaridade das ações, bem como do reconhecimento das diversas matrizes

teóricas de análise e de estratégias de investigação disponíveis. Prioriza o

desenvolvimento da enfermagem como ciência, no processo de cuidar, por ser

defensável pelos pesquisadores envolvidos e comprometidos com a ampliação da

consciência sanitária e ambiental de suas práticas53.

O ensino na pós-graduação é oferecido através dos cursos de Mestrado em

Enfermagem na Atenção à Saúde e Doutorado em Enfermagem na Atenção à

Saúde. Além disso, suas atividades de pesquisa estão distribuídas nas Bases: Ações

Promocionais e de Atenção a Grupos Humanos em Saúde Mental e Saúde Coletiva;

Caleidoscópio da Educação em Enfermagem; Enfermagem Clínica; Enfermagem

nos Serviços de Saúde; Incubadora de Procedimentos de Enfermagem; Laboratório

de Investigação do Cuidado, Segurança, Tecnologias em Saúde e Enfermagem.

4.1.3 Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção

O Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção da UFRN

(PEP-UFRN) foi criado em 1998, tendo iniciado suas atividades em 1999.

Atualmente, possui o curso de Engenharia de Produção na modalidade stricto

sensu, em nível de mestrado acadêmico54. No seu projeto de criação foram traçados

vários objetivos estratégicos, nas diversas áreas da engenharia de produção e de

suas competências, mas apresenta como objetivo principal a disseminação e

53

Informações disponíveis em http://www.posgraduacao.ufrn.br//enfermagem. Acesso em 20 abr 2011.

54 Ver Anexo C, em que consta a Grade Curricular do curso.

Page 104: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

102

produção de conhecimento científico na área de Engenharia de Produção,

qualificando recursos humanos em prol de sua inserção e integração nos setores de

serviço, comercial, industrial e acadêmico55.

4.1.4 Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais

O Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, vinculado ao Centro de

Ciências Humanas, Letras e Artes – CCLHA, surgiu originalmente como mestrado

em Antropologia Social, aprovado pelo parecer 175/78 (CONSEPE/UFRN), iniciando

seu funcionamento em 1979 e com formação em mestrado e doutorado.

Como áreas de concentração foram identificadas as de “Políticas,

Desenvolvimento e Sociedade” e “Dinâmicas sociais, Práticas culturais e

Representações”. Com forte tradição, principalmente em nível de doutorado, na

formação de profissionais de áreas afins.

4.1.5 Programa de Pós-Graduação em Psicologia / Psicologia Social

O Programa de Pós-Graduação em Psicologia, vinculado ao Centro de

Ciências Humanas, Letras e Artes – CCLHA, surgiu originalmente só com mestrado

e passou a ter o curso de Doutorado em Psicologia Social a partir de um convênio

com a Universidade Federal da Paraíba – UFPB. Em 2010, essa parceria foi desfeita

e o Programa passou a ter seu próprio curso de Doutorado em Psicologia.

Como Linhas de Pesquisa o programa congrega os estudos sobre os

“Processos psicológicos” envolvidos nas relações do homem nos diversos contextos

sociais, a Linha de “Psicologia e Práticas Sociais”, que se propõem a pensar a

inserção do psicólogo nas diversas áreas de atuação.

55

Informações disponíveis em http://www.posgraduacao.ufrn.br//pep. Acesso em 20 abr 2011.

Page 105: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

103

4.1.6 Programa de Pós-Graduação em Serviço Social

O Programa de Pós-Graduação em Serviço Social, vinculado ao Centro de

Ciências Sociais Aplicadas - CCSA possui apenas o curso de Mestrado em Serviço

Social e foi implantado em 08 de agosto de 2000 atendendo aos planos de

expansão do Departamento de Serviço Social e para suprir a uma demanda que se

via crescente, sendo hoje o único programa de todo o estado do RN na área.

Desde então o programa abre regularmente processo seletivo para o curso,

além de oferecer espaços para alunos especiais (vinculo temporário). O mestrado

conta com as atividades de ensino, pesquisa e orientação de dissertações. A

proposta pedagógica do curso tem caráter multidisciplinar, contemplando tantos

docentes e discentes de Serviço Social quanto de áreas afins.

Seu objetivo principal está pautado em “viabilizar a qualificação de

profissionais do Serviço Social e áreas afins, a investigação crítica e prepositiva, que

os levem a produção de conhecimento sobre o seu exercício profissional”, numa

proposta de interlocução com o contexto da realidade social, buscando particularizar

a inserção profissional do Assistente Social no mundo contemporâneo.

4.2 ANÁLISES DOS DADOS: ONDE ESTÁ A “CRÍTICA” DO DEBATE?

O levantamento dos trabalhos, ora identificados, teve como objetivo,

identificar as abordagens relacionadas à temática da saúde do trabalhador e analisar

os dados em sua totalidade, identificando os principais referenciais teóricos

adotados e a articulação dessas produções científicas com as categorias de análise

elencadas nesse estudo.

As condições objetivas em que a produção do conhecimento se realiza nos

colocam fortes questionamentos sobre o efetivo apoio que os programas de pós-

graduação e docentes recebem. Uma vez que as instâncias de incentivo,

planejamento e coordenação de pesquisas se direcionam, muitas vezes, por ditames

produtivistas, que podem comprometer a autonomia das universidades. Sob essas

condições somos postos a pensar que contribuições essas pesquisas trazem de fato

Page 106: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

104

e que funções sociais estas instituições assumem hoje, e, principalmente, qual a

intencionalidade de suas práticas e que projeto societário defendem.

Para melhor análise, fez-se necessária uma organização categorial para

elencar e analisar as temáticas abordadas, não como modelos ideais classificatórios

das produções científicas, mas como forma de identificar tendências que possam

revelar os elementos teóricos críticos ou conservadores, as formas de naturalização

da realidade, bem como os aspectos contraditórios presentes nos estudos. Assim,

partimos para a apreensão dos trabalhos analisados, considerando a abordagem

conceitual desenvolvida nesse estudo. Buscaremos identificar as seguintes questões

nos trabalhos levantados:

a) Revelar a concepção de homem e de trabalho abordados, pensados

aqui na direção da centralidade do trabalho na vida dos homens e desse

enquanto ser social;

b) Refletir se esses estudos dão conta de analisar (e como analisam) as

transformações engendradas no modo de produção capitalista,

enfatizando o atual processo de reestruturação produtiva e seus

elementos a partir da década de 1970, identificando como são tratadas as

condições de exploração da classe trabalhadora;

c) Desnudar as concepções de saúde do trabalhador presentes nas

pesquisas, buscando desvelar se as abordagens situam a área enquanto

política social pública, inseridas no campo da saúde pública.

A análise crítica que desdobraremos a partir das três questões acima

arroladas se sustentará no universo teórico-categorial estudado nos seções

precedentes. Será a partir desse universo que empreenderemos nossas críticas aos

trabalhos levantados, considerando-se as questões acima indicadas em “a”, “b” e

“c”.

Da mesma forma, e com a intenção de construir um quadro analítico que

torne a exposição clara, organizamos o conjunto dos Programas aqui escolhidos em

blocos, especificados nas áreas:

I. Ciências da Saúde, que contempla as áreas das Ciências da Saúde e

Enfermagem;

II. Ciências Exatas, que inclui a pós-graduação (mestrado) em

Engenharia de Produção;

Page 107: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

105

III. Ciências Sociais e Humanas, que compreende os programas de

Ciências Sociais, de Psicologia/Psicologia Social e de Serviço Social.

Como se verá no decorrer das análises que desenvolveremos nesta seção,

optamos por identificar as questões dos itens “a”, “b” e “c” no conjunto das

produções científicas, separadas por áreas acima especificadas. Ou seja, à exceção

de uma ou outra citação de autor/trabalho específicos, a forma que adotamos para a

pesquisa foi a de sistematizar os traços comuns presentes nos estudos que nos

permitam identificar as tendências teóricas de cada área. Desse modo, privilegiou-

se, aquilo que predomina em cada área e não em cada autor/trabalho tomados

isoladamente.

Assim, a representatividade quantitativa dessas áreas sobre a totalidade dos

trabalhos analisados pode ser visualiza melhor no gráfico abaixo.

Gráfico 02 – Total de Teses/Dissertações Consultadas (2006-2010)

Fonte: Banco de Teses e Dissertações da UFRN (BCZM: 2006-2010), Acesso em

19 Abr 2011.

Esses percentuais fazem referência ao quadro anteriormente apresentado

(Quadro 03), a fim de melhor expressar a participação de cada área na totalidade

39%

18%

43%

Total de Teses/Dissertações (2006-2010)

Biomédica

Exatas

Sociais e Humanas

Page 108: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

106

das teses/dissertações consultadas, que se revelou num total de 685 trabalhos.

Desses, 265 foram da área Biomédica (39%), 124 da área Exatas (18%) e, ainda,

296 do bloco das Sociais/Humanas (43%).

Mesmo assim, quando recorremos à escolha intencional dos trabalhos a

serem analisados, ou seja, aqueles que contemplam a discussão sobre a temática

da saúde do trabalhador, o quadro se altera como se pode ver na ilustração

seguinte.

Gráfico 03 – Trabalhos Analisados

Fonte: Banco de Teses e Dissertações da UFRN (BCZM: 2006-2010), Acesso em

19 Abr 2011.

4.2.1 Área Biomédica

No bloco da área Biomédica, identificamos os Programas de Ciências da

Saúde e Enfermagem. A Enfermagem se estabelece como campo de atuação na

área da saúde trabalhador, atuando de forma especializada nas equipes de

segurança do trabalho e serviços médicos no interior das empresas,

desempenhando, fundamentalmente, a função de enfermeiro do trabalho.

18; 60% 8; 27%

4; 13%

Trabalhos Analisados

Biomédica

Exatas

Sociais e Humanas

Page 109: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

107

Na Enfermagem os trabalhos analisados situam, basicamente, suas

pesquisas na análise das práticas dos trabalhadores, procurando entender se suas

ações estão em conformidade com as normas de segurança e medicina do trabalho,

principalmente as que são padronizadas e formalizadas para cada atividade

produtiva específica.

Assim, fazem referência aos espaços sócio-ocupacionais e funções de

trabalho específicas e analisam, também, os tipos característicos de agravos,

levantando os fatores que determinam seu acometimento. Os objetivos principais

dos estudos pautam-se em constatações, verificações e compreensão dos

significados das ações de controle e diminuição dos riscos do trabalho. Observa-se

claramente nessa área uma atenção maior aos riscos biológicos.

Em alguns casos, até passam por uma análise mais criteriosa sobre essas

práticas, inclusive com a identificação da existência de riscos nos ambientes de

trabalho e da necessidade de serviços e ações nesse campo, mas, mesmo

destacando a atenção à saúde dos trabalhadores como essencial ao cumprimento

de uma política maior, têm como única referência as prescrições normativas e legais,

bem como a implementação dessa normatividade de condutas, observadas a partir

de análises comparativas de espaços sócio-ocupacionais distinguidos por áreas

(educação, saúde, etc), por vínculos empregatícios (privado/celetista,

público/estatutário), dentre outros fatores.

Identificam, também, fatores como pressão, tensão e sobrecarga de trabalho

como principais responsáveis para o comprometimento da saúde psíquica dos

trabalhadores e consequente comprometimento da sua qualidade de vida.

Considera-se conceitualmente as formas de adoecimento como “processo saúde-

doença” não como relação, ou seja, tratam o adoecer no trabalho como uma

expressão imediata e mecânica de causa-efeito, como consequência natural da vida

laboral. Dessa maneira, não relacionam os diversos e contraditórios aspectos que

concorrem para a degradação da saúde dos trabalhadores que, em geral, vivem em

condições materiais de existência extra-fabris bastantes precárias.

Há preponderância de estudos relacionados a avaliações de sintomatologia

de fatores pautados na dor e nexos causais56 de agravos relacionados ao trabalho,

considerando a grande interferência da dor na vida dos trabalhadores, e ainda

56

Condição adquirida através de laudo médico-pericial, realizado pelo Médico do Trabalho (campo especializado da medicina).

Page 110: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

108

avaliações relacionadas à “qualidade de vida”, muitos deles direcionados ao

profissionais da saúde. Levantam como agravos a sobrecarga e intensificação das

jornadas de trabalho, que interferem no nível de tensão e ansiedade dos

profissionais e que poderá desencadear sofrimento psíquico.

Os estudos seguem protocolos de ponderação para a avaliação da

qualidade de vida através das propriedades físico, psicológico, social e meio

ambiente nos quais pretendem conhecer as representações sociais sobre o risco

ocupacional construídas por trabalhadores. Valem-se do uso de metodologias como

o Inventário de Sintomas de Stress para Adultos de LIPP (ISSL) e o Questionário de

Saúde Geral de Goldberg (QSG), direcionados à avaliação dos níveis de estresse

baseados em análises estatísticas, como um recurso capaz de mensurar

quantitativamente o que passa de subjetivo para os sujeitos.

As produções estão fundamentadas no referencial teórico da Teoria das

Representações Sociais57, indicando condições de trabalho desfavoráveis com

desgaste físico e mental ao trabalhador, e, patologias pouco reconhecidas como

ocupacionais em sua origem. Segundo os autores da área, pode-se observar que as

representações sociais construídas pelos trabalhadores da saúde revelam algum

nível de conscientização desses trabalhadores referente às consequências do

ambiente de trabalho para sua saúde, referindo-se ao processo de trabalho

hospitalar, em sua dimensão tecnológica e em seus aspectos físicos, psíquicos e

cognitivos.

Nos resultados e considerações conclusivas dos estudos, é recorrente a

identificação da necessidade de maior mobilização e sensibilização dos

trabalhadores, a partir de ações de educação permanente dos trabalhadores quanto

à importância de práticas seguras, como caminho para proteger os trabalhadores

desses riscos.

Ainda que os estudos, em menor ou maior grau, teçam algumas

considerações acerca das práticas atinentes à saúde pública, em geral, voltadas

para vacinações e campanhas preventivas, não identificamos qualquer relação da

57

Baseada em concepções teóricas presentes no campo da Sociologia e da Antropologia, mas hoje

com forte tendência na Psicologia Social, que propõem pensar a realidade a partir das experiências individuais e cognitivas dos sujeitos em relação ao seu meio de vida, pensando a realidade como um conjunto social, a partir de um estudo de conteúdos e significados. Articula elementos afetivos, mentais e sociais, e integrando, ao lado da cognição, da linguagem e da comunicação, as relações sociais que afetam as representações e a realidade material, social e ideal – no campo das idéias (ARRUDA, 2004).

Page 111: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

109

questão específica da saúde do trabalhador com as políticas de saúde pública. Os

atendimentos aos trabalhadores acidentados e adoecidos pelo trabalho estão

diretamente relacionados ao âmbito de atendimento no interior das empresas,

através dos serviços de segurança e medicina do trabalho disponibilizados nas

empresas, ou seja, circunscrevem-se aos marcos estreitos das políticas sociais

privadas.

As análises se mostram muito relacionadas aos hábitos de vida dos

indivíduos, com apreciações dirigidas ao espaço da vida privada dos trabalhadores.

Em muitos trabalhos, ganham identificação como principais fatores de risco no

trabalho: o tabagismo, o etilismo, o sobrepeso e sedentarismo, numa apreensão

desses como fatores geradores de agravos como hipertensão, diabetes, mas

principalmente como “comprometedor do potencial físico do homem para o trabalho”.

Analisam como fatores de risco as funções que exercem e os hábitos de vida

“inadequados” que possuem.

São recorrentes nos resultados das pesquisas, considerações nas as quais

os trabalhadores apresentam um “comportamento de risco”, com baixa adesão às

ações preventivas e trabalhos de sensibilização de prevenção de acidentes e

doenças. Para tal “problema”, sugerem maiores intervenções educativas, com vistas

à melhoria da “qualidade de vida no trabalho”.

Do mesmo modo, é pautada uma discussão de grande importância, mas,

ainda, de pouco destaque nas produções científicas: a violência no trabalho ou

“violência ocupacional”, como também é denominada. Identifica-se essa forma de

violência como um tipo de agravo à saúde dos trabalhadores, colocando suas

consequências no hall dos agravos psicológicos, das “doenças invisíveis”. Um

desses estudos58, realizado em um complexo hospitalar, revelou que, em um ano,

73,06% dos profissionais desse campo sofreram violência no trabalho, cujas formas

mais verificadas foram a agressão verbal e o assédio moral. Segundo o mesmo

estudo, a violência no trabalho inclui a agressão verbal e física, o assédio moral e o

assédio sexual, que resultam em alto nível de estresse e adoecimento mental, cujas

sequelas estão para além dos espaços de trabalho.

58

CARVALHO, G. R. P. Sofrimento psíquico: representações sociais dos enfermeiros em ambiente hospitalar . (Dissertação de Mestrado), UFRN, 2008.

Page 112: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

110

Mesmo assim, os fatores de risco continuam centrados nos indivíduos e na

educação como uma das ações mais eficazes para evitar ou minimizar a ocorrência

desses eventos, numa superestimação dos processos educativos, idealizando-os.

Há ainda, iniciativas de avaliação da capacidade para o trabalho,

considerando-a como resultado de um processo dinâmico entre “recursos do

indivíduo” em relação ao seu trabalho. Considerando que a interferência na

capacidade para o trabalho parte, principalmente, de fatores sociodemográficos,

estilo de vida, processos de envelhecimento e exigências do trabalho.

Segue, assim, o estabelecimento de um Índice de Capacidade para o

Trabalho – ICT, que parte de bases meramente estatísticas e variáveis quantitativas

com ênfase na idade e na capacidade atual e total de doenças, que qualificam a

capacidade dos trabalhadores em: baixa, moderada, boa e ótima. Sugere, ainda,

como medidas a restauração da capacidade para o trabalho, através de estratégia

específicas para cada ICT; e a recomendação para que o ICT seja aplicado nas

demais instituições, a fim de realizar um “diagnostico real”, como condição

necessária à recuperação e promoção da saúde dos “colaboradores”.

No processo de pesquisa tudo que destoa das tendências dominantes

merece uma atenção especial, assim identificamos um único trabalho em especial

que analisa os fatores que desencadeiam violência pela banalização dos problemas

e das questões da saúde dos trabalhadores, pensadas a partir das transformações

no mundo do trabalho, com seus determinantes políticos, sociais e econômicos e

sua relação com a saúde do trabalhador. Assim, aborda a violência no ambiente de

trabalho e suas implicações na saúde do trabalhador, enfocando a banalização dos

problemas enfrentados por esses trabalhadores como uma forma de violência no

trabalho. Apresenta como categorias de análise o cotidiano no ambiente de trabalho

e sua influência na vida dos trabalhadores; a violência presente no ambiente de

trabalho e suas consequências na vida e na saúde dos trabalhadores; a banalização

da injustiça social, a propósito da violência contra o trabalhador e sonhos divisados.

Os resultados revelam que o cotidiano de trabalho desses trabalhadores,

apresentam condição ambiental e organizacional insalubres, caracterizada pela

insegurança física e técnica; falta e desqualificação de recursos instrumentais e

humanos; sobrecarga e complexidade do serviço; má distribuição das tarefas e

pressão por prazo e produtividade, gerando tensão, conflito e ansiedade

relacionados com os usuários, colegas, superiores, e com a tarefa. No ambiente de

Page 113: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

111

trabalho foram identificadas a violência externa, o sofrimento psíquico, o assédio

moral, o assédio psicológico e a violência estrutural ocupacional. Essas formas de

violência trazem consequências à vida, explicitadas por fatores de ordem

profissional, econômica e moral e à saúde, por fatores de ordem biológica, mental e

emocional. A banalização da injustiça social no cotidiano de trabalho foi discutida

nos aspectos da banalização dos problemas e das condições de trabalho, da

banalização da saúde e da qualificação e valorização profissional. As expectativas

dos trabalhadores apontaram para a necessidade de: condições de trabalho

seguras; treinamentos e assistência técnica; política de atenção a saúde física,

mental e social para os trabalhadores, extensiva à família.

Conclui-se que as condições ambientais e organizacionais não oferecem

segurança física e técnica de que os trabalhadores necessitam para a execução de

suas atividades, nem oferecem conforto e bem-estar físico e psíquico. A política que

vem sendo utilizada pela instituição, aponta para a desvalorização e desumanização

destes, acarretando sentimento de insatisfação, frustração e indignação com

respeito à instituição e ao trabalho, acarretando sofrimento e adoecimento físico e

mental.

Mesmo esse único estudo avançando na análise, não há qualquer

identificação desses elementos como intrínsecos ao modo de produção capitalista.

Constatou-se que a forma mais cruel de violência presente no ambiente de trabalho

é a banalização da injustiça social diante dos problemas e saúde desses

trabalhadores, gerando padecimento lento e morte simbólica de seus sonhos e de

suas vidas. Com a proposição, mais uma vez, da necessidade de implementação de

uma política que promova segurança, saúde, educação integral, valorização e

humanização desses trabalhadores.

De uma forma mais ampla o que permanece visível nas produções da área

Biomédica é a insatisfação advinda da falta de crença nas possibilidades de

mudança do contexto contemporâneo que originam dificuldades para a realização

profissional resultando no sofrimento psíquico do profissional

Page 114: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

112

4.2.2 Área das Ciências Exatas

No âmbito das Ciências Exatas, especificamente no segmento da

Engenharia de Produção, identificamos as análises de atividades e/ou processos de

trabalho específicos que se pautam na verificação dessas realidades e suas

implicações na saúde e desenvolvimento do trabalho, ou seja, nas formas e

implicações que o adoecimento do trabalhador tem para o processo produtivo,

pensando ainda, algumas patologias específicas a determinadas atividades e

processos de trabalho.

As conclusões se baseiam em determinar os padrões mais adequados para

a realização de cada tarefa do processo produtivo, investigando os determinantes

globais que interferem em sua plena realização. Nesse aspecto, inclui-se desde o

número de toques adequados sobre um teclado, até os padrões de comportamento

humano para além do espaço da fábrica, tomando na globalidade dos fatores o

espaço da vida privada dos homens – suas relações afetivas e familiares, o uso de

substâncias entorpecentes (álcool, tabaco e outras drogas) ou medicamentosas,

bem como as condutas sociais públicas.

A identificação dos riscos e das condições inadequadas de trabalho é

apontada como uma intervenção necessária para, de imediato, não comprometer a

segurança e a saúde dos trabalhadores, mais essencialmente, para garantir o bom

desenvolvimento no espaço de trabalho e o melhor potencial produtivo dos sujeitos,

que segundo a mesma retórica ainda melhora a “qualidade de vida”.

Vemos algumas considerações sobre as transformações em curso, mas

estudos se limitam a indicar as mudanças ocorridas pela introdução de novas

tecnologias e novas formas de administração dos processos produtivos e da força

de trabalho, promovendo uma interlocução com as características mais marcantes

do modelo toytista, de “acumulação flexível”. Referem-se, acriticamante à

reestruturação produtiva, como uma marca de novidade e de registro recente nas

novas modalidades de gestão que superam o padrão.

Considerando, mesmo sem as mediações necessárias, que esse contexto

tem causado impacto na saúde dos trabalhadores e que estas mudanças que

repercutem no processo de trabalho geram uma ação combinada de fatores de

riscos que resultam em inúmeros agravos e doenças, como as sempre citadas

Page 115: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

113

LER/DORT. Também constatam em muitas das atividades estudadas que essas

submetem os trabalhadores a condições de trabalho em situação de risco grave de

adoecimento, identificando como principais fatores contributivos e determinantes

para este adoecimento: as exigências e o controle; os sistemas de avaliação de

resultados baseados em metas de produtividade; sistemas de gerenciamento de

tempo de atendimento (nos segmentos de Serviços); trabalho com fatores

estressantes; sobrejornada de trabalho; mobiliário dos postos de trabalho com

inadequações ergonômicas e a política de prevenção de doenças ocupacionais

como ineficiente; além desses, há também largo destaque para os impactos

ambientais e o descumprimento da exigência legal da emissão da CAT e o não

afastamento do trabalhador do posto de trabalho, mesmo acidentado ou doente.

Destacando-se estudos que compreendem os processos de adoecimento

relacionados às extensas jornadas de trabalho, o desgaste físico, alimentação

inadequada, condições de higiene precárias, ausência de equipamentos de

segurança e instrumentos de trabalhos adequados. Considerando que esses

aspectos contribuem para um quadro de insegurança e adoecimento.

Esses fazem grande uso de metodologias baseadas em análises

ergonômicas do trabalho que empregam técnicas internacionais de padrões

produtivos de qualidade, protocolos de observação do comportamento produtivo do

trabalhador, investigação dos fatores estressores, estratégias de conscientização

ligadas à percepção dos indivíduos. Há, ainda, análises na perspectiva de sistema

de gestão de segurança e saúde ocupacional tal como definido pela OIT em seu

modelo ILO/OSH-2001, considerado como o modelo de gestão mais difundido no

mercado, assim como, o ISO 9000, o OHSAS 18001 e as Normas

Regulamentadoras brasileiras59, analisando a adaptação das empresas a esses

modelos normativos, sem questionamentos significativos sobre os mesmos. Na

verdade, os argumentos não ultrapassam a máxima do aumento da capacidade

produtiva.

As observações que se propõem para além das análises técnicas ou de

aplicabilidade normativas, não vão além da mera constatação empírica, em alguns

casos aparecem considerações de cunho antropológico e outras meramente

59

Em 2005 o Brasil assinou termo de compromisso em adotar a Diretriz de Sistema de Segurança e Saúde Ocupacional da Organização Internacional do Trabalho denominada ILO/OSH 2001.

Page 116: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

114

condizentes com teorias “humanistas” de gestão60 – baseadas em alguns aspectos

da psicologia e da sociologia do trabalho –, em que o trabalhador ou é um “ser”

desconhecido e diferente do pesquisador ou um “ator social”, ou, ainda, um recurso

produtivo, como “capital humano”.

É recorrente o entendimento de que os ganhos produtivos estão diretamente

relacionados às inovações tecnológicas, ao ordenamento dos processos de gestão

e, ainda, do controle dos fatores de risco à produção – pensando os componentes e

recursos, técnicos, materiais e humanos. Todos os determinantes identificados e

analisados excluem em definitivo a natureza do processo produtivo na totalidade do

atual modo de produção, assim, são completamente descartadas, sequer

conhecidas, as categorias “exploração do trabalho” e “mais-valia”. Pensando a

sociabilidade capitalista, mesmo que não afirmativamente, mas bem

intencionalmente, como uma realidade “dada”, e que necessita, no máximo, ser

aperfeiçoada para que toda “engrenagem social” funcione como tal, com

recomendações para sustentabilidade ambiental e a qualidade de vida no trabalho,

concebidos como potencias transformadores da realidade.

4.2.3 Área das Ciências Humanas e Sociais

No campo das Ciências Sociais e Humanas, apesar da escassa quantidade

de produções na área, principalmente nos Programas de Ciências Sociais e Serviço

Social.

Sobretudo no curso de Ciências Sociais não foi identificado qualquer estudo

que se aproximasse da área de saúde do trabalhador. Até conseguimos encontrar

pesquisas que debatem as transformações no mundo do trabalho, às quais não

dotamos de maiores análises para não se distanciar do objeto desse estudo. Outra

60

Teorias da administração que formam o estudo das Relações Humanas no trabalho, defendendo a importância da organização informal, da motivação, das necessidades humanas, da dinâmica de grupo, da comunicação e da liderança como determinantes para o desempenho organizacional dos trabalhadores. Assumem uma reação às idéias de Taylor e Fayol, negando alguns dos conceitos que estes consideraram mais importantes, como a organização formal, a autoridade, a responsabilidade, a hierarquia ou a unidade de comando. Mesmo assim, trazem como principal referência a importância dos incentivos sociais e simbólicos para além das recompensas salariais e não avançam na análise da alienação e exploração dos trabalhadores, entendendo que esses sacrifícios poderiam ser recompensados.

Page 117: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

115

grande parte das discussões nessa área concentra a reflexão sobre os valores e

significados do trabalho, mas no entorno do simbólico do que é trabalhar.

Identificamos análises que situam o contexto das mudanças contemporâneas do

trabalho e seus elementos de precarização. Mas, em muitos casos, o trabalho é

pensado em suas configurações atuais genéricas (no sentido universal/abstrato) e

em alguns aspectos que envolvem os conflitos de classe relacionados à exploração

do trabalhador.

Tal ausência de estudos nas Ciências Humanas/Sociais sobre a área da

saúde do trabalhador pode ser um indicador do quão distante essa área do saber se

encontra das mediações reais que dão concretude às reflexões teóricas,

reproduções ideais do real. Uma hipótese para tal alheamento da realidade pode ser

atribuída ao notório domínio das teorias pós-modernas no mundo acadêmico,

particularmente entre os cientistas sociais.

Existem, ainda, estudos que se aproximam das discussões sobre

Responsabilidade Social Empresarial, em diversos segmentos econômicos,

investigando percepções e práticas do empresariado, que envolvem aspectos

econômicos, sociais, culturais e simbólicos da relação “empresa-sociedade”.

No Serviço Social apenas um único trabalho foi contemplado para o estudo

e, mesmo assim, não traz uma abordagem direta sobre a saúde do trabalhador,

referindo-se às condições de trabalho da categoria profissional no âmbito hospitalar,

situando a discussão sobre as condições de trabalho desse grupo e como isso

afetava a saúde desses trabalhadores. Desse modo, analisa a inserção do

profissional (assistente social) nos processos de trabalho no âmbito de atuação

delimitado, pensando as condições objetivas de trabalho, nas quais são identificados

processos de racionalização e reestruturação da organização do trabalho.

Este dado nos faz refletir que a produção científica no Serviço Social, apesar

dos grandes avanços das análises mais universalizantes – seja sobre o serviço

social, o mundo do trabalho ou a própria conjuntura societária – ainda pouco

contempla as mediações concretas que marcam o cotidiano profissional. Ao

constatar essa lacuna na profissão, Iamamoto (2005, p.197) afirma:

Nos anos 1980, o Serviço Social realizou um enorme avanço na análise das políticas sociais públicas e abriu o debate sobre as políticas sociais empresariais, inscritas no mundo do trabalho. Porém, não efetuou, com a mesma ofensiva, a apropriação das alterações históricas que vêm

Page 118: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

116

ocorrendo nos quadros da sociedade, das mudanças no perfil das classes sociais em sua heterogeneidade, em sua inserção à produção/reprodução do processo social. A atenção para as políticas de Estado redundou em uma certa secundarização da análise dos sujeitos sociais, da dinâmica da sociedade civil, e, em especial, da compreensão dos segmentos sociais que são o público alvo das ações profissionais, mais além da proximidade cotidiana que se tem com o mesmo, de modo que retraduza esta convivência em explicações de sua existência. (grifos do autor).

Vemos que, no Serviço Social, mesmo como uma profissão interventiva, faz-

se necessário avançar nas reflexões que capturem as mediações profissionais.

Assim, relega-se a apreensão da vida cotidiana e a preocupação com o trabalhador

no espaço fabril, fazendo com que essa análise acabe sendo incorporada por

perspectivas conservadoras.

O assistente social, como profissional das Ciências Sociais Aplicadas,

possui sensibilidade para valorizar o caráter social dos agravos à saúde,

potencializando o diagnóstico, a intervenção, entendendo-os como um conjunto de

problemas (de saúde) da coletividade - conforme a 3ªCNST. De forma contrária, à

visão organicista encontrada em grande parte dos atendimentos e

encaminhamentos médicos, que negam ou ocultam a centralidade do trabalho no

processo saúde-doença, dificultando a resolutividade dos casos apresentados e a

verdadeira incorporação do SUS em tal finalidade. O profissional pode possibilitar

que o usuário seja ouvido, decodificando seus anseios e angústias na forma de

intervenção social, tendo em vista que o trabalhador já chega ao atendimento não só

com a saúde comprometida, mas como vítima, também, de uma peregrinação

institucional irracional e perversa, perambulando de um lado para outro a procura da

resolução de seu caso.

Diferentemente, as pesquisas no campo da Psicologia – que incluem os

Programas de Psicologia e Psicologia Social – se voltam para a prevenção dos

transtornos mentais e do comportamento relacionados ao trabalho, baseando-se nos

procedimentos de vigilância dos agravos à saúde e dos ambientes e condições de

trabalho, além de análises sobre o bem-estar psicológico dos indivíduos,

considerando os ambientes de trabalho. Avaliam o que consideram de “disfunção e

incapacidade” causada pelos transtornos mentais e do comportamento relacionados

com o trabalho. Esses estudos delimitam-se em análises sobre a realidade de

Page 119: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

117

trabalho de determinadas categorias/setores, com abordagens específicas, mas que

expressam as correntes e leituras teóricas preponderantes nessas pesquisas.

Há grande relevância nos estudos analisados da Área na reflexão sobre a

influência negativa que as atividades profissionais e os ambientes de trabalho

exerce sobre a vida dos indivíduos. São identificados fatores de risco e o

comprometimento das ações de “Higiene” e segurança do trabalho. Reiteram a

importância de se desenvolverem mais estudos sobre a área e destacam a

necessidade de garantia de políticas públicas.

Apreendemos nas análises um distanciamento entre homem e trabalho,

numa concepção do homem que não o trata como ser social, omitindo os elementos

essenciais para o estudo da saúde do trabalhador, pensando o trabalho sob a

sociabilidade capitalista. Identificam o que há de mais aparente na análise das

realidades estudadas, limitados aos seus sintomas (psicológicos), desvinculadas do

conjunto das relações sociais capitalistas, o que contribui para a naturalização e

conservação desse modo de produção.

Na Psicologia Social o único trabalho existente se situa, predominantemente,

no âmbito da Psicologia Organizacional e do Trabalho, voltando-se para a análise

dos efeitos dos regimes de trabalho sobre a saúde mental de uma determinada

categoria profissional, buscando construir um perfil biográfico e sócio-ocupacional

desses trabalhadores. O estudo conclui que a maioria dos trabalhadores de um

determinado grupo (petroleiros) tem sua saúde mental bem preservada, a despeito

das condições de trabalho inadequadas. Tal conclusão se deve a uma noção de que

os efeitos sobre o bem-estar psicológico dos trabalhadores são consequência da

“auto-percepção” que esses desenvolvem frente às suas condições de trabalho,

numa visão plenamente individualizante dos agravos.

A temática dos significados e sentidos do trabalho é pesquisada por

diferentes autores com base em diversas vertentes epistemológicas e com múltiplas

perspectivas teóricas. Sabemos que grande parte dos estudos na Psicologia

relaciona o que é o sentido do trabalho à qualidade de vida no trabalho, não

concebendo-o em sua contradição central de trabalho concreto e trabalho abstrato,

nem considerando as mudanças pelas quais vêm passando na contemporaneidade.

Apropriando-se de autores como Hackman e Oldhan (1975), Morin (1996)

definem o sentido do trabalho como uma estrutura afetiva formada por determinados

significados, ou seja, por representações que o sujeito tem de sua atividade, assim

Page 120: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

118

como o valor que lhe atribui, pensando ainda o que o sujeito busca (como forma de

satisfação pessoal) com o trabalho e o que orienta suas ações. Todo esse

entendimento é pautado numa perspectiva de coerência, harmonia e equilíbrio na

sua relação com o trabalho, na sua relação com o ambiente de trabalho.

O que é preponderante nos estudos da Psicologia, que se baseiam em

muitas referências de Dejours (1992, 2006), é trazer a significação do trabalho como

própria para cada indivíduo, sendo criada a partir das técnicas particulares

desenvolvidas por cada sujeito (Dejours, 1992). Em tal obra, sustenta-se que a

divisão do trabalho conduz a maioria dos trabalhadores a ignorar o “verdadeiro”

sentido do trabalho - representativo de uma dimensão mais pessoal – limitando-o a

uma tarefa individual e o desconhecendo o seu sentido de atividade coletiva.

Pensa-se o homem como indivíduo, dotado de uma história personalizada e,

por outro lado, a organização do trabalho como portadora de um caráter

despersonalizante, no qual emerge uma vivência e um sofrimento do homem. Assim,

o trabalho só tem sentido por meio da transformação do sofrimento – decorrente da

divisão das tarefas pela organização do trabalho – em prazer pela utilização das

competências e liberdades individuais. Compreende-se que o prazer no trabalho é

fundamental para a manutenção da saúde e da normalidade.

Desse modo, o que se torna presente é a visão do sujeito trabalhador como

um indivíduo isolado, considerando as representações de sua vida como diferente,

ou distanciada da realidade que o cerca, deixando de concebê-lo como produção

histórica, com determinações genéricas e fruto de condições e relações sociais

particulares.

4.3 O DEBATE ACERCA DA SAÚDE DO TRABALHADOR: TENDÊNCIAS

TEÓRICAS NO CAMPO TEMÁTICO

A produção de conhecimento na universidade contribui, quando socializada,

para explicitar tanto a sua relevância social, quanto a perspectiva teórica

(conservadora ou crítica) que predomina na academia.

Page 121: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

119

Segundo Mészáros, a reprodução social da sociedade do capital depende de

concepções de mundo que representem idealmente os seus fundamentos:

Por maior que seja, nenhuma manipulação vinda de cima pode transformar o imensamente complexo processo de modelagem da visão geral do mundo de nossos tempos – constituída por incontáveis concepções particulares na base de interesses hegemônicos alternativos objetivamente irreconciliáveis, independentemente de quanto os indivíduos possam estar conscientes dos antagonismos estruturais subjacentes – num dispositivo homogêneo e uniforme, que funcione como um promotor permanente da lógica do capital. Nem mesmo o aspecto da “manutenção” pode ser considerado um constituinte passivo da concepção de mundo que predomina entre os indivíduos. (MÉSZÁROS, 2007, p. 209).

Desse modo, o domínio do capital se realiza em assegurar que os sujeitos

sociais adotem os parâmetros reprodutivos do capital como metas próprias,

individuais, com a intenção primeira que essas questões sejam internalizadas pelos

indivíduos, legitimando essas posições como deles, induzindo ao conformismo e

subordinação à ordem estabelecida. Nesse contexto, Mészáros (2007) nos faz

lembrar bem que as instituições formais de educação são parte importante, pois

induzem a uma aceitação ativa dessas perspectivas, das dimensões mais visíveis às

ocultas. Romper com essa lógica na educação equivale “a substituir as formas

onipresentes e profundamente enraizadas de internalização mistificadora por uma

alternativa concreta abrangente” (p. 207), pois mantêm como raiz de seus

determinantes a alienação do trabalho. Esse rompimento será conquistado, apenas,

pela organização coletiva e consciente desses sujeitos, como elementos de pressão

capazes de modificar o modo de internalização historicamente prevalecente – que

oprime e sustenta a concepção dominante de mundo – rompendo, em definitivo,

com essa lógica.

[...] fica bastante claro que a educação formal não é a força ideologicamente primária que consolida o sistema do capital; tampouco ela é capaz de, por si só, fornecer uma alternava emancipadora radical. Uma das funções principais da educação formal nas nossas sociedades é produzir tanta conformidade ou “consenso” quanto for capaz, a partir de dentro e por meio de seus próprios limites institucionalizados e legalmente sancionados. (MÉSZÁROS, 2007, p. 206).

Page 122: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

120

Segundo o mesmo autor, a missão de uma proposta educativa que se paute

numa perspectiva emancipatória, ou seja, o reino fundamental da liberdade dos

homens, pressupõe a adoção de uma totalidade de práticas educacionais, culturais

e, principalmente, políticas, que conjuguem uma contraconsciência de classe e se

realizem numa transformação da sociedade. Considerando ainda que:

[...] a necessária intervenção consciente no processo histórico, orientada pela adoção da tarefa de superar a alienação por meio de um novo metabolismo reprodutivo social dos “produtores livremente associados”, esse tipo de ação estrategicamente sustentada não pode ser apenas uma questão de negação, não importa quão radical. (MÉSZÁROS, 2007, p. 215).

Esse é o grande destaque que trazemos para a educação – a partir da

concepção aqui abordada -, como um espaço que desempenha importante papel na

transformação social, contribuindo vitalmente para romper os processos de

internalização dominantes, numa construção autônoma e alternativa de

contracorrente.

A necessidade imperante de desconstruir o discurso e o curso das supostas

ações de prevenção de acidentes e doenças do trabalho nos leva a desvelar as

falsas virtudes do sistema capitalista, bem como a dar maior destaque às relações

de trabalho como relações de exploração e conflitos de classe.

Os discursos hegemônicos operam em nome de um (neo)

desenvolvimentismo imperialista, em nome da macroeconomia neoliberal que

flexibiliza direitos e suprime garantias sociais e trabalhistas. Essas idéias são, ainda,

elaboradas e difundidas no campo intelectual e têm grande circulação nas

universidades, mas seus desafios extrapolam o campo acadêmico e levam à batalha

das idéias até o cotidiano da vida dos sujeitos.

O padrão de acumulação capitalista vem sendo aprofundado com alto grau

de consentimento e adesão as massas populares, persistindo e ampliando as mais

aviltantes desigualdades e reiteradas e violentas formas de exploração e

expropriação do trabalho, não deixando de lado as ações coercitivas, mas agora

com um forte componente educativo, em que o consenso pactua uma dimensão de

coerção. Essas ideias são elaboradas e difundidas, principalmente, no campo

intelectual, que tem as universidades como grande referência (NEVES, 2010).

Page 123: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

121

O que vemos é uma busca incessante dos corações e mentes dos

trabalhadores, que se baseia numa larga teia de ações que exigem um manejo

ideológico, e que se configuram hoje com novos elementos e estratégias de

dominação, mas que mantêm a ideologia dominante com a reprodução dos

fundamentos do capital.

Pode-se dizer que as idéias difundidas nos estudos aqui analisados trazem

perspectivas que, em geral, fundamentam as concepções de mundo do projeto

burguês. Os sujeitos trabalhadores são abordados na perspectiva histórica da

individualidade burguesa, como indivíduos independentes.

Segundo Antunes (2007), para que exista uma vida cheia de sentido fora do

trabalho é necessária uma vida dotada de sentido dentro do trabalho, pois não é

possível compatibilizar trabalho assalariado, fetichizado e estranhado com

satisfação, realização e pertença que trazem sentido para a vida dos indivíduos.

Uma vida desprovida de sentido no trabalho é incompatível com uma vida cheia de

sentido fora do trabalho.

Reportando-nos à Mota (1998), podemos dizer que está em curso a

construção de uma nova cultura do trabalho, um novo comportamento produtivo

regido pelo capital, repercutindo no conjunto da sociedade. Essa orquestração se faz

ancorada numa nova institucionalidade neoliberal, o que contribui para reformular os

mecanismos reguladores da gestão da força de trabalho, pretendendo, assim,

reorganizar as bases da cidadania burguesa.

Agora essa cidadania deve ser consolidada sobre as requisições do

mercado e da grande empresa. A condição para isso é a quebra de direitos

adquiridos, numa ação agenciada pelo Estado e consentida pelos próprios

trabalhadores, além da difusão da nova noção de individualidade, portadora da

racionalidade técnica e da negação de uma sociabilidade pautada no coletivo.

Como o trabalho, desde a consolidação do modo de produção capitalista, sempre

esteve subordinado ao capital, “o que de ‘novo’ emerge é a tentativa de obter o

consentimento ativo dos trabalhadores ao atual processo de recomposição do

capital” (MOTA; AMARAL, 2008, p. 36).

A análise da sociedade – e, em consequência, o próprio trato da saúde do

trabalhador – presente nos estudos investigados aponta para uma clara hegemonia

de abordagens conservadoras. Mesmo quando fazem a crítica, a realizam baseada

numa perspectiva de humanização do capitalismo, configurando numa forma

Page 124: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

122

atualizada de “anticapitalismo romântico”, nos termos de Netto (2009)61. Esses

elementos coadunam com o controle da força de trabalho por meio de um discurso

pseudo-libertador.

O que em geral observamos nos estudos é a perspectiva de saúde do

trabalhador como um elemento que potencia o capital, já que o trabalhador deve

estar sempre bem e saudável para produzir mais e melhor, como uma espécie de

“higienismo” sofisticado e de controle da vida privada.

O conjunto das produções científicas aqui estudadas acaba por renovar a

formação de intelectuais do capital, mesmo que não intencionalmente. Apresentam

um conhecimento a serviço da ordem burguesa e atuam – mesmo no campo da

saúde do trabalhador – no sentido de obter o “consentimento ativo” dos

trabalhadores.

Essas perspectivas, que ganham certa hegemonia nas pesquisas aqui

analisadas, corroboram, nos termos de Mota (1998), com a construção de uma

“nova cultura do trabalho” que incorpora as necessidades do capital e se apresenta

revestida em outra “racionalidade política e ética” compatível com o processo de

acumulação, ou seja, com a sociabilidade do atual projeto capitalista. Ações forjadas

pela “cultura do antiradicalismo e das soluções negociadas”, de ideais

conservadores que pensam a construção de saídas possíveis, sacrificando as

massas trabalhadoras, estimulando “a ‘indiferenciação’ de projetos políticos como

modo privilegiado de administração da desigualdade social” (p. 11).

61

José Paulo Netto, em sua obra “Capitalismo Monopolista e Serviço Social” (2009), levanta a discussão sobre o sincretismo ideológico e faz referência ao “anticapitalismo romântico”, enquanto categoria já concebida e aprofundada por outros autores.

Page 125: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

123

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

[...] A maquinaria gera novas condições que capacitam o capital a dar plena vazão a essa tendência constante que o caracteriza, e cria novos motivos para aguçar-lhe a cobiça por trabalho alheio. [...] O instrumental passa a ser animado por um movimento perpétuo, e produziria ininterruptamente, se não fosse tolhido por certas limitações naturais dos auxiliares humanos: a debilidade física e os caprichos. Como capital, esse autômato possui, na pessoa do capitalista, consciência e vontade, e está dominado pela paixão de reduzir ao mínimo a resistência que lhe opõe essa barreira natural, elástica: o homem.

(MARX, 2008, p. 460)

A centralidade da categoria trabalho norteou toda essa dissertação. A

especificidade da temática “Saúde do Trabalhador” foi submetida à centralidade

aludida, cujo intuito foi o de ultrapassar o caráter fenomênico que a área sugere e

que, como vimos, é dominante nas perspectivas teóricas nesse campo.

Sabemos que as formas de vinculação ao trabalho, ou ainda, as maneiras

como é executado, considerando sua objetivação no modo de produção capitalista,

causam impactos na vida e no bem-estar dos indivíduos trabalhadores, provocando

um desgaste social, em maior ou menor grau. Os trabalhadores estão

constantemente expostos a situações de risco, tais como: esforço físico,

levantamento e transporte manual de peso, postura inadequada, ritmos de trabalho

excessivo, monotonia, repetitividade, trabalho noturno, situações causadoras de

estresse psíquico.

São bastante preocupantes os índices de acidentes de trabalho no Brasil,

com inúmeras vítimas que, diariamente, provocam sequelas graves aos

trabalhadores, desde perdas materiais até os enormes encargos sociais do Estado,

além do sofrimento que se estende às famílias das vítimas. Tal quadro ratifica a

cisão existente ente o campo da saúde/segurança do trabalho e o universo do

processo produtivo.

O aumento considerável dos números de acidentes de trabalho tem, dentre

seus determinantes, a pressão por resultados. Há, na contemporaneidade, uma

evidente sobrecarga da força de trabalho que vive uma brutal intensificação dos

Page 126: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

124

ritmos da produção, voltadas para a resolução dos problemas estruturais de

valorização do capital. Dessa forma, o capital, faz uso de todas as ferramentas de

controle, coerção e opressão para fazer os trabalhadores produzirem cada vez mais,

engendrando assim, um ambiente de trabalho totalmente inseguro. Tais aspectos

estruturantes do processo de trabalho capitalista, longe de potencializar das

possibilidades humanas, limitam o trabalho a uma mera condição de força motriz,

exprimindo-se assim como um traço destruidor das capacidades do ser social. Com

o desenvolvimento capitalista, o homem torna-se mero instrumento de sua

produção, tão inerte quanto uma natureza inorgânica.

No decorrer desta pesquisa procuramos analisar o trabalho sob a

sociabilidade capitalista, a partir das mudanças organizacionais provocadas pelas

alterações no mundo do trabalho. Desse modo, a pesquisa bibliográfica e

documental foi fundamental para o entendimento das categorias aqui analisadas

acerca da relação saúde-trabalho. Através da revisão bibliográfica, pudemos,

também, conjugar importantes contribuições de diferentes autores que discutem a

concepção ontológica de trabalho e as questões voltadas para a atenção à saúde do

trabalhador.

Identificamos a convivência de modelos distintos de gestão da força de

trabalho, caracterizados pela permanência, predominante, de elementos próprios da

realidade taylorista-fordista, potencializados por estratégias de produção e gestão do

trabalho provenientes da administração flexível. Desvelamos assim, dentre os

elementos contraditórios dessa realidade que as novas relações de trabalho

continuam a reproduzir aspectos quase que “pré-capitalistas” de exploração humana

e reiteradas formas de cooptação dos trabalhadores, ao mesmo tempo em que

mantêm “antigas” formas de agressão à saúde dos trabalhadores que se combinam

às “novas” demandas do atual processo de reestruturação do capital.

Cabe-nos aqui ressaltar que agravos ocupacionais atuais, mesmo não sendo

novos, intensificam-se nas últimas três décadas. Do mesmo modo, as novas formas

de controle e pressão sobre os trabalhadores repercutem de forma incisiva na

precarização das condições e relações de trabalho, tornando os ambientes de

trabalho um espaço de total insegurança. Assim, os ritmos colocados à força de

trabalho favorecem a suscetibilidade para a ocorrência de acidentes de trabalho e

comprometem a condição de vida do trabalhador com sérias implicações em sua

saúde.

Page 127: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

125

Nada mais justo do que aqueles que geram riscos e agravos à saúde dos

trabalhadores sejam os responsáveis pela reparação dos danos. A penalização e a

punição de empresas que negligenciam as questões relacionadas à saúde, a

segurança se fazem necessárias para criar o comprometimento dos empresários

com o mínimo respeito a conservação da vida humana, mesma sabendo que essas

ações não resolvem o problema, uma vez que suas questões são estruturais.

Concomitantemente, as ações em saúde e segurança se apresentam,

geralmente, apenas como o cumprimento de normas operativas e legislativas, além

da inoperância e fragmentação das ações dos poderes públicos. Um descaso, que

deixa de priorizar as ações estratégicas de garantia do bem-estar físico, psicológico

e social do trabalhador dentro e fora do ambiente de trabalho, contribuindo

efetivamente para a manutenção da saúde dos trabalhadores.

Novas tecnologias são incorporadas aos métodos produtivos, levando à

uma modificação do perfil de saúde, adoecimento e sofrimento dos trabalhadores

expressas, principalmente, no aumento da prevalência de doenças relacionadas ao

trabalho, como a LER/DORT; os cânceres; o estresse, a fadiga física e mental; e

outras expressões de sofrimento relacionadas ao trabalho dentro do contexto maior

de doenças ocupacionais. “Essas ‘novas’ formas de adoecimento convivem com as

‘velhas’ doenças profissionais, como a silicose, as intoxicações por metais pesados,

por agrotóxicos, entre outras” (PNST, 2003, p. 15).

Do mesmo modo, os acidentes de trabalho, estão intrinsecamente ligados

ao problema da violência vivido hoje pela sociedade brasileira nos centros urbanos,

enfocadas em múltiplos aspectos que consideram a violência contra o trabalhador

no seu local de trabalho, traduzida pelos acidentes e doenças do trabalho típicos; a

violência decorrente de relações de trabalho deterioradas, como o trabalho escravo

e o trabalho infanto-juvenil; e ainda, a violência ligada às relações de gênero e o

assédio moral, caracterizada pelas agressões entre pares, chefias e subordinados

(PNST, 2003).

São inúmeras situações que expõem a alma e o corpo dos trabalhadores a

condições insalubres de trabalho, aliados à escassez de fiscalização dos postos de

trabalho; a inaplicabilidade da lei, bem como, a negligência das entidades

responsáveis. Cabe ressaltar que esse conjunto de elementos é característico do

capitalismo contemporâneo e possibilita a sujeição dos trabalhadores a situações de

Page 128: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

126

trabalho degradantes, em razão do desemprego que assola todo o mundo

capitalista.

Dessa forma, as doenças profissionais e os acidentes de trabalho são

enxergados sob o enfoque do ato ou condição insegura, culpabilizando duplamente

o trabalhador mutilado pelo trabalho, sem responsabilizar a lógica capitalista de

extração de sobretrabalho e sem fazer uso do aparato técnico-operativo para a

prevenção desses acidentes, como no caso do uso adequado de EPI e na instalação

de proteções coletivas.

Os problemas já foram tão naturalizados que atingem um alto grau de

tolerância, tornando-se quase “imperceptíveis” para aqueles que estão nos espaços

de trabalho há mais tempo. Isto faz com que os acontecimentos acidentários sejam

tratados de forma banal num cotidiano de ilegalidades.

Neste sentido essa pesquisa procurou fornecer subsídios para a discussão

na área da saúde do trabalhador, com o objetivo de contribuir para a luta geral dos

trabalhadores por melhores condições de trabalho e de vida, sem a pretensão de

esgotar a questão, mas apenas levantar algumas reflexões importantes para serem

discutidas e incitar novas produções teóricas que embasem outros olhares sobre

ela.

Assim, elegemos nesse estudo a análise das produções científicas no

campo da “saúde do trabalhador” – considerando a delimitação da pesquisa – como

base ilustrativa das tendências teóricas que contornam essa temática, e que,

consequentemente, subsidiam as ações nessa área.

Esses intelectuais são responsáveis pela produção de conhecimento na

universidade e, como resultado de seu trabalho, constroem respostas às

necessidades sociais que se apresentam. Longe da neutralidade, suas respostas e

proposições como resultados teóricos sobre a realidade estudada, dizem muito,

mesmo que não intencionalmente: da forma que pensam a sociedade em que vivem,

das posições políticas que adotam e do projeto societário que defendem. Esses

fizeram suas escolhas diante das alternativas concretas de se pensar a saúde do

trabalhador, por meios de uma perspectiva que, como pudemos ver nessa

dissertação mostrou-se, predominantemente, conservadora.

De uma forma geral, consideramos que os estudos analisados imprimem

tendências teóricas que fundamentam as novas concepções de mundo e práticas

político-pedagógicas do projeto burguês, desconsiderando o protagonismo dos

Page 129: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

127

trabalhadores e a defesa de um projeto societário crítico e antagônico à lógica

capitalista.

Dessa forma, considerando o conjunto das produções científicas no seio da

universidade enquanto produção do conhecimento, entendemos que essas devem

também contribuir para o fortalecimento das lutas de classe a favor do conjunto dos

trabalhadores e, consequentemente, para o enfrentamento dos agravos à saúde dos

trabalhadores, que só se torna alcançável pela superação do processo de

exploração e expropriação da força de trabalho pelo capital.

O trabalho sob a sociabilidade capitalista adquire uma nova configuração,

passa a ser estranho aos sujeitos, concebido enquanto uma atividade social dotada

de sofrimento, exploração e destruição das capacidades emancipatórias dos

indivíduos. No modo de produção capitalista a interseção do trabalho na saúde

passa a adquirir uma relação contraditória, na qual, quanto mais o trabalhador vende

sua força de trabalho, menos saúde possui.

Desse modo, se é pelo trabalho e pelas experiências vivenciadas no ato de

trabalhar que a humanidade se constitui, qualquer modo de produção que traga em

sua sociabilidade a exploração do trabalho e a submissão da classe trabalhadora às

formas mais degradantes de vida, será incompatível com as possibilidades reais de

liberdade dos homens. Assim, é impossível pensar, sob o capitalismo, condições

sociais que garantam a plena realização das pontencialidades do ser social e que,

principalmente, apresente á humanidade possibilidades emancipatórias.

Esperamos com essa dissertação contribuir com a produção de

conhecimento crítico, na contramão das produções científicas sobre saúde do

trabalhador aqui estudadas. Há 165 anos, Marx e Engels62 afirmaram

categoricamente: “as idéias dominantes de uma época são as idéias da classe

dominante”. Aqui se inscreve a maior pretensão de nosso estudo, qual seja:

constituir-se numa pequena contribuição que fomente conhecimentos contrários às

idéias dominantes.

62

MARX, K; ENGELS, F. A ideologia alemã. São Paulo: Boitempo, 2010.

Page 130: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

128

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MÉSZÁROS, István. O desafio e o fardo do tempo histórico: o socialismo no

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SOARES (2006) SOUZA, Hilda Maria Montes Ribeiro de. Análise experimental dos níveis de ruído produzido por peça de mão de alta rotação em consultórios odontológicos:

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Page 135: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

133

APÊNDICE

Page 136: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

134

APÊNDICE A - PRODUÇÃO CIENTÍCA DA UFRN – MESTRADO/DOUTORADO

ÁREA ITEM TÍTULO AUTOR ORIENTADOR TÍTULO DATA DA DEFESA

CIÊNCIAS DA SAÚDE

1 Prevalência e fatores associados à dor em

bailarinos profissionais

Bianca Fontes Dore Ricardo Oliveira Guerra

Mestrado 2006

2 Morte como desafio afetivo para o profissional

da saúde: ansiedade e sentimentos de quem lida com o paciente terminal

com câncer

Daniella Antunes Pousa Faria Coelho

Eulália Maria Chaves Maia

Mestrado 2008

3 Prevalência e fatores associados à

sintomatologia dolorosa e a qualidade de vida de odontólogos da cidade

de Teresina-PI

Ivaldo Coelho Carmo

Ricardo Oliveira Guerra

Mestrado 2010

4 Risco ocupacional no contexto hospitalar

Joana D'arc de Souza Oliveira

Maria do Socorro Costa Feitosa

Alves

Mestrado 2009

5 A saúde psíquica de quem “faz” saúde: uma análise crítica sobre a

humanização direcionada ao profissional de saúde

Luciana Carla Barbosa de Oliveira

Eulália Maria Chaves Maia

Doutorado 2008

6 STRESS: um diagnóstico dos policiais militares da

Marcos Aurélio de Albuquerque Costa

Eulália Maria Chaves Maia

Doutorado 2007

Page 137: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

135

cidade de Natal – Brasil

7 Caracteristicas sodiodemogáficas,

ocupacionais e de saúde na avaliação da

qualidade de vida de professores da rede

municipal de Natal/RN

Marcos Henrique Fernandes

Vera Maria da Rocha

Doutorado 2009

8 Análise do estado da arte dos aspectos

diagnóticos, periciais e jurisprudenciais das

LER/DORT no contexto previdenciário das

doenças do trabalho no Brasil

Marcus Vítor Diniz de Carvalho

Francisco Ivo Dantas

Cavalcanti

Doutorado 2009

9 Situações de Risco, Trabalho e Saúde de Imigrantes Brasileiros: representações sociais

Maria Adelaide Silva Paredes

Moreira

Maria do Socorro Costa Feitosa

Alves

Doutorado 2007

10 Risco de contagio pela HIV e as medidas de

biossegurança: Significados atribuídos

no kcontexto da formação do profisional

de saúde

Valéria Peixoto Bezerra

Maria do Socorro Costa Feitosa

Alves

Mestrado 2009

ENFERMAGEM 1 Vacinação e Cleonice Andréa Soraya Maria de Mestrado 2008

Page 138: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

136

ENFERMAGEM

biossegurança: o olhar dos profissionais de enfermagem

Alves Cavalcante Medeiros

3 Sofrimento psíquico: representações sociais dos enfermeiros em ambiente hospitalar

Gysella Rose Prado de Carvalho

Francisco Arnoldo Nunes

de Miranda

Mestrado 2008

4 Hipertensão arterial e fatores de risco em

servidores atendidos pelo departamento de

assistência da Universidade Federal do

Rio Grande do Norte

Lucia de Fatima Freire

Bertha Cruz Enders

Mestrado 2009

5 Violência ocupacional contra profissionais de saúde em um hospital de urgência.

Luiz Alves Morais Filho

Glaucea Maciel de Farias

Mestrado 2009

6 Avaliação da capacidade para o trabalho do

servidor público: um estudo de caso em uma

instituição federal de ensino superior

Neuma Maria da Silva

Soraya Maria de Medeiros

Mestrado 2009

7 A banalização da injustiça social no

cotidiano de trabalho : a propósito da violência no

trabalho e ameaça à

Neyla Ivanete Gomes de Farias

Alves Bila

Soraya Maria de Medeiros

Mestrado 2008

Page 139: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

137

saúde do trabalhador

8 A precarização do trabalho do enfermeiro na estratégia saúde da família: contribuição ao debate

Palmyra Sayonara de Gois

Soraya Maria de Medeiros

Mestrado 2010

ENGENHARIA DE PRODUÇÃO

1 Produção pesqueira artesanal: diagnóstico

ergonômico e bases para um planejamento

nutricional situado e a promoção da saúde dos

jangadeiros

Larissa Praça de Oliveira

Maria Christine Werba Saldanha

Mestrado 2010

2 Doenças sem doentes: Ocorrência de Distúrbios

Osteomusculares Relacionados ao

Trabalho – DORT nos operadores de caixa de

um banco

Moizes Martins Junior

Maria Christine Werba Saldanha

Mestrado 2009

3 Fatores estressores no ambiente de trabalho

docente: uma investigação em uma universidade privada

Caroline Werner Gabriel Santos da

Costa

Ana Célia Cavalcanti Fernandes Campos

Mestrado 2006

4 Uma contribuição à reformulação da norma

regulamentadora 13

Edilson Rocha de Sousa

Nominando Andrade de

Oliveira

Mestrado 2008

Page 140: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

138

(NR-13) na perspectiva da adoção de sistema de gestão de segurança e

saúde ocupacional

5 Modelagem de arranjos institucionais para

implementação da diretriz de sistema de gestão de

segurança e saúde ocupacional da

organização internacional do trabalho ILO/OSH

2001 no brasil

Gilberto Liberato de Carvalho

Nominando Andrade de

Oliveira

Mestrado 2008

6 Um estudo da aplicação do conceito de risco na

conscientização e conhecimento de

estudantes de ensino técnico sobre riscos de

segurança e saúde ocupacional em

laboratório de soldagem

João Galdino de Lucena Neto

Rubens Eugênio Barreto Ramos

Mestrado 2008

7 Ergonomia, sustentabilidade sócio-

ambiental e atividade de pesca artesanal com

jangadas: estudo de caso na Praia de Ponta Negra,

Natal-RN

Joyce Elanne Mateus Celestino

Maria Christine Werba Saldanha

Mestrado 2010

8 Ergonomia e Maria do Socorro Maria Christine Mestrado 2008

Page 141: TRABALHO E SAÚDE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

139

Odontologia: determinantes da

postura corporal dos estudantes da clínica-

escola de uma Universidade Federal

Amorim Martins

Werba Saldanha

CIÊNCIAS

SOCIAIS

Nenhum trabalho identificado

PSICOLOGIA

1 Agente penitenciário: trabalho no cárcere

Márcia Maria dos Santos

João Carlos Alchieri

Mestrado 2010

2 Bem-estar psicológico de servidores e funcionários técnico-administrativos das Instituições de Ensino Superior Públicas e Privadas: indicadores e antecedentes

Palloma Rodrigues de Andrade

Lívia de Oliveira Borges

Doutorado 2008

PSICOLOGIA

SOCIAL

1 Saúde mental em operadores de petróleo do Rio Grande do Norte

Silvânia da Cruz Barbosa

Mário César Ferreira

Doutorado 2008

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140

SERVIÇO

SOCIAL

1 Processo de trabalho em saúde: uma análise das condições de trabalho dos assistentes sociais no âmbito hospitalar

Érika Silva Meneses Iris Maria de Oliveira

Mestrado 2010

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141

ANEXO

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142

ANEXO A – Comunicação de Acidente do Trabalho - CAT

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