trabalho de campo como instrumento de ensino

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REITOR Jackson Proença Testa VICE-REITOR Marcio José de Almeida GEOGRAFIA: Revista do Departamento de Geociências da Universidade Estadual de Londrina, é uma publicação semestral destinada a editar matérias de interesse científico de qualquer área de conhecimento, desde que tenham relação com a ciência geográfica. Comissão de Publicação do Departamento de Geociências Profª Angela Massumi Katuta Prof. Claudio Roberto Bragueto Prof. José Barreira Profª Yoshiya Nakagawara Ferreira Universidade Estadual de Londrina Geografia Revista do Departamento de Geociências ISSN 0102-3888 EDITORIAL A publicação Geografia: Revista do Departamento de Geociências da Universidade Estadual de Londrina começou a ser publicada em dezembro de 1983, graças ao empenho do grupo de professores coordenadores que, mesmo com as dificuldades para se editar uma revista na universidade naquele momento, não mediram esforços para transformá-la em realidade. Após alguns anos de interrupção é com alegria que retomamos a publicação da revista, respaldados agora pela Editora da UEL e com o firme propósito de manter a periodicidade da mesma, para que seja um instrumento permanente de divulgação dos trabalhos no campo da Geografia e áreas afins. Comissão de Publicação VOLUME 8 – NÚMERO 1 – J AN./J UN. 1999

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REITORJackson Proença Testa

VICE-REITORMarcio José de Almeida

GEOGRAFIA: Revista do Departamentode Geociências da Universidade Estadualde Londrina, é uma publicação semestraldestinada a editar matérias de interessecientífico de qualquer área deconhecimento, desde que tenham relaçãocom a ciência geográfica.

Comissão de Publicação do Departamentode GeociênciasProfª Angela Massumi KatutaProf. Claudio Roberto BraguetoProf. José BarreiraProfª Yoshiya Nakagawara Ferreira

UniversidadeEstadual de Londrina

Geografia

Revista do Departamento de Geociências

ISSN 0102-3888

EDITORIAL

A publicação Geografia: Revista doDepartamento de Geociências da UniversidadeEstadual de Londrina começou a ser publicadaem dezembro de 1983, graças ao empenho dogrupo de professores coordenadores que, mesmocom as dificuldades para se editar uma revistana universidade naquele momento, não mediramesforços para transformá-la em realidade.

Após alguns anos de interrupção é comalegria que retomamos a publicação da revista,respaldados agora pela Editora da UEL e com ofirme propósito de manter a periodicidade damesma, para que seja um instrumentopermanente de divulgação dos trabalhos nocampo da Geografia e áreas afins.

Comissão de Publicação

VOLUME 8 – NÚMERO 1 – JAN./JUN. 1999

Editora da Universidade Estadual de Londrina

Campus UniversitárioCaixa Postal 6001

Fone/Fax: (43) 371-4674E-mail: [email protected]

86051-990 Londrina - PR

Conselho EditorialLeonardo Prota (Presidente)José Eduardo de SiqueiraJosé Vitor JankeviciusLucia Sadayo TakahashiMary Stela MüllerPaulo Cesar BoniRonaldo Baltar

Editoração Eletrônica e ComposiçãoKely Moreira Cesário

CapaProjeto Ilustração – CECA/UEL – Arte DesignCoord.: Cristiane Affonso de Almeida ZerbettoVice-Coord.: Rosane Fonseca de Freitas MartinsAluno: Alexandre Hayato Shimizu

Normalização Documentária e Revisão GeralIlza Almeida de Andrade CRB 9/882

Montagem e AcabamentoRubens Vicente

Geografia / Departamento de Geociências, Univer-sidade Estadual de Londrina. – Vol. 1, nº 1(Dez. 1983)- . – Londrina : Ed.UEL, 1983- . v. ; 29 cm

Semestral. Publicado anualmente até 1993.Suspensa de 1994-1998.Descrição baseada em: Vol. 8, nº 1 (Jan./Jun. 1999)

ISSN 0102-3888

1. Geografia humana – Periódicos. 2. Geografiafísica – Periódicos. I. Universidade Estadual deLondrina. Departamento de Geociências.

CDU 91(05)

EDITORIAL ............................................................................................................................................................... 1

IMAGEM E REPRESENTAÇÃO GRÁFICA ......................................................................................................... 5Rosely Sampaio Archela

TRABALHO DE CAMPO COMO INSTRUMENTO DE ENSINO EM GEOGRAFIA .............................. 13Luzia M. Saito Tomita

CONTRIBUIÇÃO À EPISTEMOLOGIA DA GEOGRAFIA: BASEADA NA ANÁLISE DOSTRABALHOS DE CONCLUSÃO DO BACHARELADO EM GEOGRAFIA UEL:1984 - 1995 ................ 17José Humberto TavaresYoshiya Nakagawara Ferreira

ILHABELA - TURISMO E TERRITÓRIO .......................................................................................................... 29Maria del Carmen M. H. Calvente

DA ECONOMIA DO EXCEDENTE À SUJEIÇÃO DA RENDA AO CAPITAL: UM BREVECOMENTÁRIO SOBRE A OBRA DE JOSÉ DE SOUZA MARTINS ............................................................. 37Márcia Siqueira de Carvalho

CONFRONTO: NECESSIDADE DE MODERNIZAÇÃO TECNOLÓGICA E GESTÃO DASINDÚSTRIAS DE CONFECÇÃO EM LONDRINA ......................................................................................... 49José Barreira

BOLSÕES E PONTOS DE POBREZA DE LONDRINA ................................................................................. 65Yoshiya Nakagawara Ferreira

UTILIZAÇÃO DE CRITÉRIOS HIDROGEOLÓGICOS PARA CAPTAÇÃO DE ÁGUA SUBTERRÂNEAEM IGUARAÇU, ESTADO DO PR. ..................................................................................................................... 83André CelligoiCleuber Moraes Brito

CONSIDERAÇÕES SOBRE ANÁLISES QUÍMICAS DE ÁGUAS SUBTERRÂNEAS ................................ 91André Celligoi

INSTRUÇÕES PARA PUBLICAÇÃO .................................................................................................................. 99

GEOGRAFIA – LONDRINA – VOLUME 8 – NÚMERO 1 – JAN./JUN. 1999

GeografiaRevista do Departamento de Geociências

Geografia, Londrina, v. 8, n. 1, p. 5-11, jan. / jun. 1999 5

INTRODUÇÃO

Pesquisadores de diversas áreas doconhecimento científico, movidos por preocupaçõesdiferentes e por diferentes caminhos, procuramanalisar tanto as imagens com conotações abstratas,como concretas. Neste percurso, váriospesquisadores vêem a imagem como um meio decomunicação entre os homens, e é sob este aspectoque vamos considerar a imagem.

Todos os documentos, cujo suporte é autilização das duas dimensões do plano que seapresentam diante de nosso olhos a um momentoqualquer, seja em um texto como ilustração, oucomo um instrumento para orientar o discursocientífico através do conteúdo da informaçãoapresentada, é considerado imagem.

A imagem gráfica, como uma imagemconcreta, evoluiu muito nos últimos quarentaanos. Segundo Bertin (1973), a imagem gráficaé a forma visual significativamente percebida emum só golpe de vista, em um instante de tempoatravés da percepção.

A utilização de uma imagem pode variar notempo, dependendo do contexto histórico, cultural,e geográfico. É preciso considerar também, o caráterrelativo em relação a um momento, um meio, umdado espaço, leis e regras enunciadas.

Imagem e representação gráfica

Rosely Sampaio Archela*

RESUMO

O presente estudo procura enfocar a importância da imagem nas representações gráficas. Procura discutir asemiologia gráfica como um importante recurso para a cartografia. A questão da informação e da percepção visualsão colocadas como recursos que requerem um aprendizado, pois a linguagem gráfica é um sistema de signos comsignificados e significantes.

PALAVRAS-CHAVES: Semiologia Gráfica, Percepção Visual, Imagem Figurativa e Simbólica.

Em primeiro lugar, é importante lembrar quena medida em que o usuário deixa de ser passivodiante de uma mensagem comunicada através deuma imagem, na tentativa de compreendê-la,estabelece-se um processo de decodificação.Assim, uma das formas de estudo das imagensrefere-se a análise de seus elementos e as relaçõesentre suas partes.

1. A SEMIOLOGIA GRÁFICA

A teoria da informação mostra que, quando aquantidade de informação fornecida por unidadede superfície perceptiva não é muito grande aimagem é percebida num instante, como umatotalidade, num rápido lance de olho sobre osdetalhes subjacentes. Se, pelo contrário, amensagem visual é muito densa, muito complexa,a visão é levada a explorar a imagem, isto é, afixar um certo número de pontos, memorizá-los,até ser capaz de efetuar a integração necessária.

Como toda ciência, a semiologia gráfica1

desenvolveu-se a partir das dificuldadesencontradas e de constantes fracassos. Porém, odesenvolvimento desta abordagem na cartografiacoloca alguns problemas para serem resolvidos.Por exemplo: aumentar a precisão do relevo, é

* Docente do Departamento de Geociências – Universidade Estadual de Londrina – E-mail: [email protected]

6 Geografia, Londrina, v. 8, n. 1, p. 5-11, jan. / jun. 1999

um problema técnico de medida que nãoapresenta um limite no nível da imagem. Pararepresentá-lo é suficiente ampliar a folha depapel, isto é aumentar o número dos “cortes”.

O processo contrário, ou seja, aumentar onúmero de caracteres representados num papelé um problema maior porque há um limite: odas propriedades da percepção visual. Cadacaractere é uma imagem. Assim como não épossível superpor várias fotografias num mesmofilme e ao mesmo tempo, separar cada imagem,no mapa também é praticamente impossível. Setentássemos, quais seriam os resultados? Este éum dos problemas da cartografia temática e umdos objetivos da semiologia gráfica.

A percepção visual dispõe de três variáveissensíveis: a variação dos sinais e as duasdimensões do espaço plano. Todo sistema deinformação visual comunica ao mesmo tempo asrelações entre estas três variáveis. Arepresentação gráfica não é diferente, tambémpossui este poder, trabalhando unicamente aonível monossêmico2 e racional da percepçãohumana.

Em relação à imagem figurativa e simbólica,onde o signo precede sempre a palavra, a imagemgráfica é monossêmica, pois recusaantecipadamente a significação ligada a umconjunto de signos percebidos por determinadogrupo. Assim toda a interpretação, toda adiscussão sobre a palavra, já está por definiçãodeterminada. Sob este ponto de vista, a imagemé tão objetiva quanto a matemática, porque édedutiva a partir das definições iniciais. É umaimagem abstrata a priori e rigorosamentecodificada. A representação gráfica ocupa umlugar especial nos domínios mais variados, sejana administração, arquitetura, urbanismo,medicina, biologia, geografia entre outros.

A imagem visual aceita uma grandequantidade de informações, e vários níveis deleitura através do agrupamento dos elementos.Uma representação gráfica permite memorizarrapidamente um grande número de informações,desde que transcritas de maneira conveniente eordenadas visualmente. Na construção de umamatriz, por exemplo, os tipos de produto e ospaíses produtores ocupam as duas dimensões doplano espacial. As quantidades produzidaspodem ser lidas de forma ordenada de acordocom as variações do branco ao preto, com autilização de variáveis visuais3 “valor” e

“tamanho”. Somente esta transcrição gráficapermite ao leitor do mapa uma percepçãosignificativa de conjunto, sem perda deinformação.

Se evidentemente, não é possível negar aimportância da comunicação da informação e desua eficácia na transmissão de uma mensagem,o controle dos elementos “estéticos” é muitotrabalhoso. Reduzir a polissemia da imagem éum cuidado constante, se quisermos realmenteatingir o usuário, e não somente impressioná-lo.

Para os estudos da semiologia gráfica, JacquesBertin criou em 1954, o Laboratoire deCartographic da École Pratique des HautesÉtudes, onde teve a oportunidade de aplicar osrecursos da representação gráfica em diversasáreas do conhecimento, verificando assim, váriosdomínios da sua aplicação.

Os trabalhos desenvolvidos baseiam-se naestrutura e qualidade da percepção visual eestabelecem o padrão e qualidade da percepçãovisual e de expressões próprias da linguagem dosmapas. Nesta abordagem, a representação gráficafaz parte de um sistema de sinais que os homensorganizaram para armazenar, compreender ecomunicar as observações mediante a construçãoda imagem.

2. A LINGUAGEM DA REPRESENTAÇÃOGRÁFICA

A informação visual, para ser realmentecompreendida, requer uma aprendizagem. Elanão é nem natural e nem espontânea porquepossui uma linguagem própria que precisa serapreendida.

A linguagem gráfica como um sistema designos gráficos é formada pelo significado(conceito) e significante (imagem gráfica). As trêsrelações (similaridade/diversidade, ordem eproporcionalidade) consistem nos significados darepresentação gráfica e são expressas pelasvariáveis visuais (tamanho, valor, textura, cor,orientação e forma), que são significantes,conforme a figura 1.

Geografia, Londrina, v. 8, n. 1, p. 5-11, jan. / jun. 1999 7

Os significados da imagem são os seguintes:• tamanho: variação do grande, médio e

pequeno;• valor: variação de tonalidade do branco ao

preto;• granulação: variação da repartição do preto no

branco onde deve-se manter a mesmaproporção de preto e de branco;

• cor: variação das cores do arco-íris, semvariação de tonalidade, tendo as cores amesma intensidade. Por exemplo: usar azul,vermelho e verde é usar a variável visual “cor”.O uso do azul-claro, azul médio e azul escurocorresponde à variável “valor”.

• orientação: são as variáveis de posição entre overtical, o oblíquo e o horizontal.

• forma: agrupa todas as variações geométricasou não.

• Elas são múltiplas e diversas.A linguagem da representação gráfica4 torna-

se bastante simples a partir do momento em quese descobre que a imagem pode ser transformadae colocada em ordem e que essas transformaçõesrepresentam a forma visual de toda a reflexão.

Apesar da imagem ser um tema de interessede profissionais de uma gama enorme deespecialidades, a prática da cartografia temática,particularmente na geografia, ainda permanecemuito aquém da teoria no que tange à elaboraçãoda imagem gráfica.

São exemplos típicos dessa distância, os

mapas de vegetação, que representam umarealidade inexistente, ou os de hidrografia ondeos rios são azuis, utilizados geralmente comoilustração em muitos livros didáticos do ensinofundamental e médio.

Além disso, atualmente verificamos que háuma demanda de imagens significativas. Nummomento em que os dados estatísticos serenovam a cada instante, não há mais lugar parauma imagem cartográfica defasada, quetranscreve apenas o nível elementar dainformação, impossibilitando as análisescombinatórias que interessam ao aluno, aopesquisador enfim, ao cidadão. É necessárioportanto, buscar a “utilidade do mapa”.

Martinelli (1994), apresenta entre asespecificidades da cartografia temática para ageografia e para as ciências que têm como escopoprincipal o bem estar da humanidade, arelevância da comunicação visual. Uma tarefaque passa pela compreensão do significado darealidade como totalidade que envolve sociedadee natureza.

Diante desta realidade, a cartografia deveconstituir-se em um meio lógico capaz de revelar,sem ambiguidades, o conteúdo embutido nainformação mobilizada e portanto, dirigir odiscurso do trabalho científico de formaabrangente, esclarecedora e crítica, socializandoe desmistificando o mapa, enaltecendo assim, aespecificidade social da ciência cartográfica.

Figura 1 – Variáveis Visuais

Fonte: Bertin (1967) in: Martinelli(1991)

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A elaboração de um mapa consiste em criartantas imagens quanto forem os componentesexistentes, ou seja, procedemos de maneirasdiferentes segundo a natureza das questões queo usuário possa colocar, ou em outras palavras,em função da “utilidade do mapa”.

3. ETAPAS PARA A ELABORAÇÃO DEREPRESENTAÇÕES GRÁFICAS

Para fazer um mapa, temos que colocar noplano do papel as correspondências entre todosos elementos de uma mesma componenteespecial da informação e as posições ou unidadesde observação, dadas pelas coordenadasgeográficas. As dimensões x, y corresponderãoao “onde”. Identificam a posição. Pararepresentar o “o que?” , utilizamos variáveisvisuais que indicam relações de diversidade/similaridade e representam este tipo deinformação. Para representar “em que ordem”,

utilizamos variáveis visuais que possibilitam avisualização da relação de ordem e que servempara representar este tipo de informação.Finalmente, para representar quanto?, utilizamosvariáveis visuais que indicam as relações deproporcionalidade.

Enquanto suporte de informação, o mapapossui a tripla função da comunicação lingüística:registra, trata e comunica. O mapa é também,uma representação gráfica que pode ser aomesmo tempo, um instrumento de pesquisa eum instrumento de comunicação para se passaruma mensagem. Segundo Bertin (1986), “lagraphique” é uma metodologia de pesquisaporque permite analisar um problema através dequestões pertinentes.

As etapas seguem um raciocínio específico paracada tema. O ponto de partida é sempre a escolhade um tema. Estas etapas sucessivas de decisão parauma intervenção gráfica consistem em trêsdiferentes formas, apresentadas na figura 2.

Figura 2 – Etapas para a elaboração de uma representação gráfica

ETAPAS DA DECISÃO INTERVENÇÃO GRÁFICA

• Definir o problema

• Construir o quadro de dados • Análise matricial do problema (definição de

questões)

• Adotar uma linguagem de tratamento

• Tratar os dados categorizando os dados

exaustivos

• Tratamento gráfico da informação (descobrir

as respostas)

• Interpretar para decidir e para comunicar os

dados simplificados • Representação gráfica de comunicação

(comunicar as respostas encontradas)

Fonte: Bertin, 1986

Geralmente as informações precisam sertratadas antes de serem utilizadas e o tratamentopode ser simples como percentagem,agrupamento de classes ou classificação; oucomplexo como tipologias, tratamento porcomputador, matriz de correlação, etc.

Uma representação gráfica sempre começapor uma tabela de dados ou matriz. A matrizmostra os “grupos de objetos” e os “grupos deatributos” que as relações Z constróem. Assim,todo o problema cartográfico pode ser tratadocomo sendo a transcrição de uma matriz.

O tratamento gráfico da informaçãocorresponde à segunda forma de intervenção

gráfica. Este é o momento em que se escolhe otipo de representação gráfica a partir dasimplificação e análise da matriz. Como vimosanteriormente, o primeiro passo é a construçãoda matriz. A simplificação dos dados tem porobjeto fazer aparecer as relações, ou seja, ainformação pesquisada. Nos problemas com maisde três componentes, a simplificação é obtidapela transformação da imagem levando em contaa informação interna, isto é, os agrupamentosformados, e a informação externa ou seja, danatureza do problema e das relações que ainformação mantém com o resto das coisas, como todo.

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A representação gráfica pode ser construídae utilizada para reduzir uma informaçãocomplexa e torná-la simplificada para facilitar amemorização. Esta simplificação não se resumea uma parte da informação mas, ao tratamentodos dados. É aqui que aparece a originalidadeda representação gráfica: podermos ver doconjunto ao detalhe e do detalhe ao conjunto edessa forma, descobrir as questões maispertinentes e definir novas elaborações.

Ao elaborar uma representação gráficadevemos levar em conta, as questões que serãocolocadas pelo usuário. Isto porque, tanto opesquisador que elabora a representação gráfica,quanto o usuário do mapa, ficam numa mesmasituação perceptiva diante da matriz.

A comunicação a partir de mensagenscartográficas é um processo monossêmico detransmissão de informação. Num sistemamonossêmico, o emissor e o receptor damensagem são atores do processo decomunicação. Eles visam um objetivo comumque é a compreensão das relações que seestabelecem entre os signos onde a definição dosigno precede sua transcrição. A leitura se dáentre significados.

A construção do mapa a partir do sistemamonossêmico de signos se deve principalmente àaplicação correta dos mesmos a cada questãotranscrita visualmente. É importante observarcuidadosamente as propriedades significativas dasvariáveis visuais ao mostrar as noções de diversidade/similaridade, ordem e proporcionalidade.

A leitura do mapa somente pode ser feita pormeio de questões implícitas ou explícitas. Estasquestões são em número limitado e estãodiretamente ligadas as relações que existem entreos componentes da tabela de dados, além deserem questões de mesma natureza:

• Quais são os conjuntos diferenciados (=)as ordens (0) que os dados em x, y e z databela constróem, e quais são as relaçõesque estes grupos estabelecem?

Entretanto, a comunicação cartográfica nãose encerra no momento em que o usuário atribuisignificado aos significantes gráficos constantesda imagem. Nesse momento, o usuário procurae deve obter a resposta à questão: de que coisastrata essa imagem?

É importante destacar que a representação

gráfica ao transcrever a informação, não utiliza osigno. Utiliza apenas a relação entre os signos.Segundo Santos (1990), a leitura do signocorresponde ao que Bertin chama de leitura deidentificação externa e interna dasrepresentações gráficas. Essa leitura diz respeitoao título, subtítulo, escala, orientação e legenda,que devem ser expressos de modo a favorecer acompreensão imediata do mapa, evitandoqualquer ambigüidade.

A representação gráfica é um instrumento dereflexão que permite analisar um problemaatravés de questões pertinentes, descobririnformações e demanda dois tempos depercepção: 1º) que coisas os signos simplificam?2º) quais são as relações entre as coisas?

Uma representação gráfica não é apenas umaimagem. Ela é antes de tudo uma memóriaartificial poderosa, susceptível de classificações,de categorizações, e de manuseios diversos. Porisso a representação gráfica deve ser construídaquantas vezes forem necessárias, até que ainformação que ela transcreve tenha reveladotodas as relações nela contidas.

Tanto na linguagem verbal como na linguagemvisual, o objetivo é a comunicação da informação.Assim, da mesma forma que consideramos inútilfalar e não ser compreendido, é inútil fazer ummapa para não ser “visto”. Fazer um mapa útilsignifica dar uma resposta rápida às questões queo leitor coloca. A expressão da linguagem visualdispõe de meios diferentes daqueles utilizadospela linguagem verbal, mas o encaminhamentodo pensamento, para chegar a um resultadoidêntico a comunicação é a mesma: um sistemalógico de raciocínio.

Da mesma maneira que é preciso esperar queos impulsos sejam sucedidos para compreendero significada da frase verbal, é preciso aguardara realização definitiva da imagem para apreendero conteúdo da informação representada. Comoo conteúdo de uma construção gráfica éfreqüentemente mais vasta do que uma só frase,leva-se algum tempo para reconhecer-se todosos detalhes da operação de compreensão doconjunto da informação. O conhecimento dosdetalhes secundários devem ser possíveis a partirda imagem global, que resulta da adição demúltiplas imagens de detalhe.

Um dos objetivos da linguagem visual, é amemorização da informação comunicada.Sabemos que a capacidade de memorização

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humana imediata é limitada, por isso éinteressante criar meios que facilitem o processomental de memorização que permitam umaassimilação rápida das informações, e a separaçãoentre o essencial e o detalhes.

4. OS NÍVEIS DE LEITURA

A leitura de representações gráficas dependeda mensagem veiculada e dos objetivos de cadarepresentação. Bertin diferencia os “mapas paraver” de percepção quase imediata dos “mapaspara ler”, que requerem mais atenção. Nestessempre existem vários níveis possíveis de leitura,cada um dos quais coloca um ponto de vistadiferente a respeito da informação, comoespecifica Joly (1990) :• O nível elementar diz respeito à observação

de cada sinal ou símbolo. É um nível de análiseou de inventário que responde às questõessimples: “onde?” e “que?” ou “como?”.

• O nível de conjunto diz respeito à observaçãoglobal de todo o mapa como se o terreno fossevisto de um avião ou satélite. É um nível desíntese, uma mensagem que deve corresponderà intenção contida no título do mapa.

• O nível médio refere-se à observação dosagrupamentos intermediários. É um nível desubdivisão ou de regionalização isto é, de divisãodo território em unidades geográficas distintas.

5. MAPA EXAUSTIVO E COLEÇÃO DEMAPAS: UMA PROPOSTAMETODOLÓGICA PARA ENSINO/PESQUISA EM GEOGRAFIA

Geralmente, segundo Martinelli (1991), osautores procuram esgotar toda a informação emum único mapa. Para isto, superpõem váriasinformações, dificultando a leitura. Mapas destetipo não são memorizáveis: a clareza, devido aoacúmulo das indicações é complexa, os signossão muitos e diferentes e a legenda alcançafreqüentemente proporções desmedidas.

As imagens obtidas pela coleção de mapasapresentam a divisão de grupos de um fenômenoe é imediatamente memorizado. Cada divisãopode ser interpretada isoladamente ou de formaconjunta, a partir da visualização de todos osmapas da coleção, colocados num único quadro.

Na realidade, a ocupação do espaço não ocorresem a superposição das culturas, das reservas,dos minerais, da organização social, etc., e éimportante mostrar a organização do espaço.Entretanto, essas relações entre os atributos,devem ser comunicadas através derepresentações gráficas que possamser“visualizadas” e compreendidas pelo leitor.

A reflexão sobre o conteúdo da informaçãopossibilita a pesquisa de outros elementosexteriores à explicação tornando-se uma aberturapara um conhecimento mais aprofundado doproblema estudado. Além disso, a imagemgráfica, também pode constituir em um métodode ensino que ajuda o aluno a construir umpensamento lógico a partir de uma forma visualque ele mesmo elabora. Esta metodologia deensino e pesquisa em geografia pode levar osalunos e professores a:• descobrir as bases da semiologia gráfica;• aplicá-la à cartografia, no estudo de diversos

temas geográficos;• definir com rigor os elementos cartográficos

de cada representação gráfica;• descobrir as diferentes utilidades do mapa;• apreender o significado da realidade como

totalidade que envolve sociedade e natureza,através de uma cartografia crítica queconsidera todas as relações e contradiçõesentre elementos do quadro físico, humano eeconômico.Dominar a informação nos seus caracteres

gerais, nas suas divisões e suas oposições (culturasa oeste, reservas e parques ao norte, minas aocentro e ao sul), eliminar os detalhes acumuladosé a meta a ser alcançada. A redução dainformação ao essencial fica por conta dasimplificação do conteúdo. A capacidade dememorização visual será uma razão convincentepara simplificar os contornos pois uma forma émuito mais fácil de ser assimilada.

Considerando que a cartografia pode serconsiderada também, uma linguagem visualenvolvida com as leis da percepção das imagens,é importante que ela seja mais utilizada nageografia; que procuremos utilizá-la naelaboração de representações gráficas quecomuniquem informações verdadeiras; que sejautilizada como um recurso no ensino degeografia; que possibilite apreender o significadoda realidade como totalidade que envolvesociedade e natureza.

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NOTAS

1 A semiologia gráfica desenvolvida por JacquesBertin, tem suas raízes no estruturalismo deFerdinand Saussure, um linguista suiço quedesenvolveu estudos de Semiologia com basena Teoria Geral dos Signos no final do séculopassado. Após sua morte, em 1913, por voltada década de 50, pesquisadores de diferentespaíses – franceses, búlgaros, italianos –iniciaram uma verdadeira corrida no sentidode transpor os esquemas e conceitos delinguística para os demais sistemas de signosdaí resultando em conceitos dualísticos oudicotomizados tais como, significante/significado, denotação/conotação, língua/palavra (fala) paradigma/sintagma.

2 Palavras ou expressões que remetem a ummesmo sentido. O signo monossêmico éfechado, impede uma leitura plural. Cadasignificado corresponde a um únicosignificante.

3 Ver fig.1 – VARIÁVEIS VISUAIS4 A linguagem da representação gráfica também

pode ser designada pela expressão sistemagráfico de signos (SANTOS, 1990); ou porneográfica, como sugerem alguns autores delíngua portuguesa. Adotamos a expressãorepresentação gráfica, tendo em vista que amaioria dos textos traduzidos para o portuguêsutilizam esta tradução para a expressão “lagrafique”.

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TEIXEIRA NETO, Antonio. Imagem... e Imagens.Boletim Goiano de Geografia. Goiânia, v.2, n. 1,p.123-135, 1982.

Geografia, Londrina, v. 8, n. 1, p. 13-15, jan. / jun. 1999 13

Ao longo do tempo, a Geografia foi encaradacomo uma ciência de descrições e deinformações, por isso, para ser professor deGeografia, necessitava de uma extraordináriamemória e ter capacidade de reter exaustivosdados numéricos, nomes de cidades, montanhas,rios e outros. Esse saber era repassado(informado) aos seus alunos no decorrer da aula.

Nos dias atuais, a Geografia se preocupa peloestudo do espaço organizado pela sociedade,tendo como principal enfoque, o entendimentoda relação homem-natureza. Esse entendimentose realiza através da participação ativa dos alunosna percepção da realidade que o envolve.

Metodologicamente, o ensino de Geografiatoma rumo para a compreensão da realidade,com criticidade numa visão de totalidade,levando em conta, inúmeros fatores queinteragem mutuamente na elaboração do espaço.

A Geografia deixa de ser simplesmentedescritiva ou uma mera enumeração de dados ecitação de nomes que não atende aos anseios doseducandos, nem dos professores. Por isso épertinente rever no ensino da Geografia, algunsentraves que vêm perdurando no decorrer dotempo, eliminar dos programas os assuntos quepouco têm contribuído na compreensão dosconceitos básicos e partir para o estudo que

Trabalho de campo como instrumento de ensinoem Geografia*

Luzia M. Saito Tomita**

RESUMO

Dentre várias técnicas utilizadas no ensino de Geografia, considera-se o trabalho de campo, uma atividade degrande importância para a compreensão e leitura do espaço, possibilitando o estreitamento da relação entre ateoria e a prática. O alcance de um bom resultado parte de um planejamento criterioso, domínio de conteúdo e datécnica a ser aplicada.

PALAVRAS-CHAVES: Geografia, Ensino, Trabalho de Campo.

estimule a participação ativa e comprometida dosalunos.

Propõe-se que o ensino da Geografia procedaenriquecido de um bom embasamento teórico,partindo do conhecido para o desconhecido, doconcreto para o abstrato, do próximo para o maisdistante. Sendo assim, o ponto de partida é oestudo da realidade a partir das áreas maispróximas dos alunos.

É importante que se estimule o educando aindagar o porquê das coisas para o mesmo nãose conformar com a simples situação dos fatos,mas partir para uma análise criteriosa com umavisão crítica.

Conduzindo o ensino dessa forma, aGeografia estará contribuindo para preparar oindivíduo para a sociedade e a prática da boacidadania.

A Geografia, sem deixar de ser uma ciênciada cultura, é um leque aberto para colocar emprática o processo de observação, análise,interpretação, sugestões e propostas.

É importante reconhecer que a aprendizagemdo aluno ocorre sob orientação do professor,trabalhando, operando, executando, analisando,comparando, explicando, opinando e debatendosobre o assunto.

Numa gama de variedade de formas de se

* Trabalho apresentado em Toledo, para professores do 1º e 2º graus, maio de 1992.** Coordenadora de Geografia e Educação Ambiental no Núcleo Regional de Educação – Maringá – PR.

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orientar a aprendizagem, o professor deve fazera escolha inteligente dos tipos de atividades. Nãopode ocorrer por acaso, variando por variar, masdeve ser trabalhado em função do tema, daturma, do tempo e dos objetivos propostos. Aopropor um trabalho, o professor deve conheceras técnicas de condução e, principalmente, terbom domínio do conteúdo e reforçar a teoriaatravés de uma atividade prática.

Entre os melhores meios de realizar a prática,é recomendável colocar os alunos em situaçãode trabalho, seja individualmente ou em grupo.A proposta é levar o aluno diretamente ao campo,tomando como ponto de partida o conhecimentoprévio, alimentado pela teoria e reforçado com aobservação direta da realidade.

Para a efetivação de uma prática maiseficiente, voltada à realidade, Lacoste, apudOliveira (1985) propõe que os geógrafosretomem o trabalho de campo com seus alunos.No seu dizer, esta tarefa é, antes de tudo,metodológica. Pois, é no trato direto do trabalhode campo que o aluno fará o aprendizado epassará a entender as contradições e o processode apropriação da natureza, entendendo oporquê da dinâmica que ocorre no espaço.

Mao, apud Oliveira (1985), reforça que ateoria depende da prática e a teoria fundamenta-se sobre a prática e por sua vez serve a prática...o critério da verdade só pode vir, via prática...

Entende-se que há inúmeras dificuldades emnossas escolas, em relação à prática de trabalhode campo. A rigidez da estrutura, corroborada,muitas vezes, pelo corpo administrativo, criabarreiras alegando a indisponibilidade doshorários e dos atrasos nos programas pré-estabelecidos. Supõe-se que nem todos simpatizemcom propostas que, muitas vezes, são interpretadascomo perda de tempo e mesmo, confundem otrabalho de campo como um mero passeio.

Mesmo com essa falta de flexibilidade, decompreensão e colaboração, é necessário que selute para sair da rotina desenvolvida em sala deaula. Ao querer melhorar o ensino da Geografiaé importante procurar vencer esses obstáculos.É evidente que isso será vencido, a partir domomento em que o professor souberdesempenhar o seu trabalho com seriedade eeficiência, apresentando os resultados positivos.

O trabalho de campo tem-se revelado umbom instrumento que, além de despertar aatenção dos alunos, pode alcançar um bom

resultado. É uma atividade que contribui paraestreitar a relação dos alunos entre si e com osprofessores, conduzindo-os a praticar atitudesnecessárias que, além de assimilar e compreendermelhor os conteúdos específicos, pode influir namodificação de atitude e formação dapersonalidade que mais tarde poderá servir paraa vida social e profissional.

Durante o trabalho de campo, o professordeve manter-se como elo de motivação edespertando o interesse dos alunos, discutindoe fazendo perguntas que agucem a curiosidade,de tal forma que eles sintam a importância e anecessidade dessa atividade comocomplementação da aula teórica.

Assim sendo, cabe aos alunos a tarefa decoleta de dados e materiais, entrevista,observação e anotação dos aspectos naturais eculturais, fazendo um croqui ou preenchendomapas de contorno.

A avaliação do trabalho de campo deve serfeita, em conjunto, com os alunos e o professor,colocando em confronto as informaçõescoletadas.

Ao planejar um trabalho de campo devem serdestacados os pontos essenciais envolvendo oprofessor e os alunos.

Ao professor cabe indagar:– Onde ir?– Qual o conhecimento prévio da área?– Quais os objetivos propostos?– Como ir?– Quais os conteúdos geográficos?– Tem o domínio do conteúdo?– Tem domínio dessa técnica de trabalho?– Fez o planejamento prevendo os detalhes?– Os alunos estão suficientemente preparados

para essa atividade?– Que atitudes (forma de pensar e agir) espera

dos alunos?– Como avaliar, ao longo da atividade ao seu

término, se houve aprendizagem?

Aos alunos cabe preparar (com o professor):– O que é trabalho de campo?– Para que serve?– Para que realizar?– Onde ir? O porquê dessa escolha?– Como ir?– Quando realizar?– O que levar? Quais os equipamentos?

Geografia, Londrina, v. 8, n. 1, p. 13-15, jan. / jun. 1999 15

– Como se trajar?– Quais as comissões necessárias e quais as

funções?– Quais as etapas do trabalho?– Quais os resultados esperados e obtidos?– Quais as propostas para futuros trabalhos?

Acrescente-se que o trabalho de campo é umaprática indispensável para o ensino de Geografia,mas não suficiente. Não se deve encarar essaatividade como um fim, mas como um meio quetenha o seu prosseguimento ao retornar à salade aula.

Se o objetivo é a melhoria do ensino emGeografia, só há um caminho a seguir peloprofessor: não ficar ancorado apenas naacumulação de um saber geográfico do livrodidático, sair dos exaustivos discursos, dosquestionários sem fundamento, intensificar acomunicação com os alunos, ter a preocupaçãoem atualizar e aperfeiçoar o conhecimento e tersatisfação em experimentar as novas técnicas.

Ressalta-se que é importante inovar, porém,é necessário que se tome cuidado em não repetir

ou generalizar para todos os alunos, classes ouescolas, aquilo que se mostrou eficaz numdeterminado momento, numa dadacircunstância.

O professor deve procurar atualizar-se e terum elevado espírito de auto-crítica e acima detudo, não desanimar no esforço que empreende,auto-valorizando-se como profissional eorgulhando-se em ser um professor de Geografia.

BIBLIOGRAFIA

ALMEIDA, R. D. de. A propósito da questão teóricometodológica sobre ensino de Geografia. TerraLivre, São Paulo, v.8,p.83-90, 1991.

LACOSTE, I. A pesquisa e o trabalho de campo: umproblema político para os pesquisadores,estudantes e cidadãos. Seleção de Textos, SãoPaulo,n.11, p.1-23, 1985.

NIDELCOFF, M. T. A escola e a compreensão darealidade. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1984.

OLIVEIRA, A. U.de. “Na prática a teoria é outra”para a teoria na prática não pode e não deve seroutra. Seleção de Textos, São Paulo, n.11, p.I-V,1985.

Geografia, Londrina, v. 8, n. 1, p. 17-27, jan. / jun. 1999 17

A ampliação e o desdobramento das váriaslinhas de abordagem e de pesquisa da produçãogeográfica no Brasil, tornam-se cada vez maisnecessários, sobretudo aqueles que indicamcaminhos e buscam alternativas para a melhoriado pensamento científico dessa ciência. Aoobservarmos as bibliografias vinculadas a estatemática nos últimos anos notamos que o númeroestá cada vez mais elevado, podendo ser citadas,entre outras, as obras: Considerações sobre aProdução de Geografia Urbana em Minas Gerais(Soares, 1994); A Geografia no Brasil (1934-1977): Avaliação e Tendências (Monteiro, 1980);Da Geografia que se Ensina à Gênese daGeografia Moderna (Pereira, 1989); A Cidadeda Geografia no Brasil (Vasconcelos, 1994); OPensamento Geográfico e a Realidade Brasileira(Andrade, 1982).

Diante das inúmeras pesquisas a respeito daprodução geográfica brasileira, há de se considerar,assim como destacou Monteiro (1980):

“Em toda a vastidão de nossa realidadegeográfica continental e nas (infelizmente)vigentes desigualdades regionais, há lugar para

Contribuição à epistemologia da Geografia: baseadana análise dos trabalhos de conclusão do bachareladoem Geografia UEL:1984 - 1995*

José Humberto Tavares* *

Yoshiya Nakagawara Ferreira* **

RESUMO

Estudo das monografias de bacharelado do curso de geografia da Universidade Estadual de Londrina, à luz daevolução do pensamento geográfico. O conteúdo das monografias foi estudado segundo a área de conhecimentogeográfico, destacando-se os objetivos como também identificando-se questões teórico-metodológicas.

PALAVRAS-CHAVES: Epistemologia da Geografia, Monografias do Bacharelado em Geografia.

comportar muitas maneiras de praticar ainvestigação geográfica. Desde que sereconheça que em algumas áreas o papel dogeógrafo se confunda ainda com o do viajanteexplorador, e que em outras há lugar paratratamentos bem sofisticados (...)” 1

Neste sentido, procuramos mostrar nestapesquisa, tomando como objeto de estudo asmonografias de bacharelado do curso deGeografia da Universidade Estadual de Londrina– UEL, além do perfil dos trabalhos analisados,demostrar que a geografia é resultante daprodução humana – de homens definidos, osgeógrafos. Deste modo, a geografia, assim comorelatou Pereira (1989):

“(...) constitui um corpo teórico que foi sendoconstruído por personagens imersos no social,em condições históricas determinadas,distante, portanto, da imagem dominante nosenso comum de que ela, como toda ciência,se coloca como algo que paira acima doshomens, de forma neutra e desinteressada”.2

* Resumo de monografia de Bacharelado em Geografia, defendida em novembro de 1995, junto ao Departamento de Geociênciasda Universidade Estadual de Londrina.** Autor e mestrando em Geografia pela Faculdade de Ciências e Tecnologia “Júlio de Mesquita Filho”- UNESP, campus dePresidente Prudente. Pesquisador junto ao Laboratório de Pesquisas Urbanas e Regionais da Universidade Estadual de Londrina.*** Orientadora e Professora do Departamento de Geociências da Universidade Estadual de Londrina. Coordenadora doLaboratório de Pesquisas Urbanas e Regionais. e-mail: [email protected]

18 Geografia, Londrina, v. 8, n. 1, p. 17-27, jan. / jun. 1999

Há várias formas de se utilizar umadeterminada produção cujos objetivosdesenvolvidos possuem diferentes naturezas,quanto à metodologia, às técnicas e formas deabordagem. Tomar uma só linha de análise outentar elaborar uma ficha de análise seria umatentativa de misturar diferentes matérias e tentarentendê-las sobre uma determinada ótica.

Desta forma, a primeira tarefa foi a título deuma catalogação geral dos assuntos desenvolvidos.Essa catalogação se baseou em alguns critériospreviamente e cuidadosamente selecionados.

Uma das grandes dificuldades da pesquisa,foi o acesso às monografias, uma vez que nemtodos os bacharelandos haviam entregado cópiasde seus trabalhos à Secretaria do Departamento.Com efeito, o mesmo possuía, no início de nossosestudos, menos de 50% do total das monografiasdefendidas até aquela data.

Diante do interesse despertado ao nossoobjeto de pesquisa os objetivos elencados abaixo,foram traçados inicialmente e deram diretrizespara o desenvolvimento de nosso trabalho:

• Analisar as monografias produzidas porbacharelandos do curso de Geografia daUniversidade Estadual de Londrina, no períodocompreendido entre o primeiro semestre de1984 ao primeiro semestre de 1995.

• Verificar as áreas de conhecimento abordadasnos trabalhos produzidos nos últimos dez anos;

• Identificar as propostas teórico-metodológicascontidas nesses trabalhos;

• Estudar e analisar a natureza do conteúdo dasmonografias;

• Analisar as formas de desenvolvimento dasmonografias;

• Subsidiar futuros trabalhos a seremdesenvolvidos no âmbito da CiênciaGeográfica e/ou ciências afins;

• Resgatar à Secretaria do Departamento deGeociências da UEL., as monografias queforam defendidas pelos ex-bacharelandos docurso de Geografia no período de abrangênciadesta pesquisa;

• Criar um banco de dados contendo informaçõesbásicas pertinentes aos trabalhos em referência.Visando atender aos objetivos propostos

estruturamos o presente trabalho de modo queo estudo inicia-se abordando os motivos que noslevaram a escolher as monografias como nossoobjeto de estudo, os objetivos que nortearam a

pesquisa, os procedimentos técnico-operacionaisutilizados, como também o referencial teórico, oqual baseia-se em um breve estudo sobre aevolução da pesquisa geográfica, no qualencontram-se destacadas, sinteticamente, asprincipais tendências as quais a ciência geográficaatravessou e, em época mais recente, atravessa.

No segundo capítulo realizamos uma análisegeral das monografias desenvolvidas pelos ex-alunosde bacharelado em Geografia, nosso principalobjetivo. As análises estão centradas em algunspontos (conteúdo, objetivos, referencial teórico-metodológico, bibliografias consultadas, etc.), osquais acreditamos representar a essência dostrabalhos de conclusão de curso. Neste momentotambém procurou-se classificar, dentro daspossibilidades e limitações do autor, as monografias,segundo suas respectivas áreas de concentração.

A pesquisa prossegue procurando traçar emlinhas gerais a evolução histórica do pensamentogeográfico. Para tanto elaborou-se um esboçosistemático da estruturação do pensamentofilosófico-geográfico. Este breve recuo históricopermitiu vislumbrar a origem das dicotomias queassinalam o pensamento moderno já na AntigüidadeClássica, distinguindo rupturas responsáveis porvisões cosmológicas distintas que culminam, noséculo XIX, com a introdução das ciências humanascomo um campo de estudo independente. Nestesentido, assim como destaca Pereira (1989: 17), “...a geografia é o local em que se pode perceber apresença tanto das ciências da natureza, como dasciências humanas”.

Na seqüência, procuramos traçar de formabastante resumida, alguns eixos norteadores daestruturação do pensamento geográfico,relacionamos para esta análise, o contexto sócio-histórico-político, o local onde as idéias emergiame as linhas de pensamento de cada momento.Desta maneira, procurou-se, de certa forma,estabelecer uma relação entre a segunda e aterceira parte de nossa pesquisa.

Todavia, para o desenvolvimento de nossapesquisa, utilizamos, assim como Monteiro(1980), um roteiro de abordagem que seencontrava alicerçado, basicamente, em duasetapas complementares e interdependentes,contudo, reportando-nos, evidentemente, ànossa escala de trabalho, quais sejam: a) procederum levantamento do que tem sido a produçãoacadêmica realizada na Universidade a partir de1984; b) relacionar o pensamento geográficointerno, ou seja, da UEL, ao externo (em nível

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nacional), apontando, num balanço avaliativo, oselementos básicos da nossa pesquisa geográfica,procurando atingir a gama dos problemas atuaise as tendências que se esboçaram no período derealização das monografias.

Durante o processo de pesquisa e, apoiando-nos nas leituras realizadas, elaboramos umcronograma da evolução do pensamentogeográfico, no qual propomos uma tentativa deordenação da produção geográfica e eventossócio-políticos, uma vez que acreditamos que osfatos histórios e científicos analisados, tenhaminfluenciado a pesquisa geográfica no Brasil, apartir de 1934.

No quinto e último capítulo relatamos algumasconsiderações que se fizeram necessárias aoencerramento da pesquisa, como também lançamosalgumas propostas que se encontram sintetizadasnos parágrafos finais deste resumo.

Para efeito de periodização, subdividimos asproduções acadêmicas desenvolvidas nos 23semestres, em três períodos, cada umcompreendendo quatro anos. Esta subdivisão foirealizada apenas como forma didática, parafacilitar o manuseio dos dados.

O primeiro período representado entre osanos de 1984 a 1987, é por nós considerado como omais fértil, juntamente com o terceiro período (1992-1995/1). Ambos com 31 monografias defendidas.

A razão de considerarmos o primeiro períodofértil, foi em virtude de ter sido uma fase aindaem processo de estruturação do próprioDepartamento de Geociências, com dificuldadesnaturais, como falta de professores e de recursosmateriais, como também porque no primeiro anode defesa, 1984, foram defendidos 10 trabalhos.Nos três anos subseqüentes, houve uma certaequivalência de produção, com seis, oito e setetrabalhos concluídos, respectivamente.

No segundo período, compreendido entre1988 a 1991, a produção foi fraca do ponto devista quantitativo se comparada aos períodosanterior e posterior, apresentando apenas 17monografias defendidas. Nesta fase, houve umamédia de quatro trabalhos por ano, o querepresenta um percentual de apenas doistrabalhos por semestre.

O terceiro período parece ter retomado oimpulso do primeiro, pois, de 1992 ao primeirosemestre de 1995 houve 31 trabalhos concluídos.

Conforme demonstramos na figura 1, nestesonze anos desde a implantação do bachareladono Departamento de Geociências da UEL,podemos observar dois grandes picos demonografias defendidas: 1984, quando foramdefendidos 10 trabalhos e 1992 com 12monografias concluídas.

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Figura 1 – Monografias defendidas por ano de defesa: 1984-1995/1

Fonte: Monografias defendidas: 1984-1995/1- pesquisa in loco. Org.: TAVARES, J. H., 1995

20 Geografia, Londrina, v. 8, n. 1, p. 17-27, jan. / jun. 1999

Sobre o número de defesas por semestre, faz-se necessário ressaltar que, quando da elaboraçãode nossa pesquisa, realizamos uma previsão queposteriormente se confirmou. Referimo-nos aofato que acreditávamos que nos anos seguintes àelaboração do presente estudo, aumentaria onúmero de alunos que se interessariam emrealizar o bacharelado. Naquele momento,apoiamos a nossa afirmação em alguns fatores,elencados abaixo:• presença maior de docentes com experiências

de orientação, incentivando os alunos adesenvolverem pesquisas;

• facilidade na sistematização dos trabalhos, hojepraticamente feitos com a ajuda de programasde computadores;

• exemplo de trabalhos anteriores, estimulandoos alunos a prosseguirem neste caminho;

• o magistério, como o único caminho estar setornando desestimulante;

• com a elaboração da monografia, o alunoadquire experiência, podendo se dedicar aoutras atividades vinculadas à pesquisa e/ouplanejamento.

Após uma sistematização inicial, em forma defichas resumo, com a finalidade de facilitar nossasanálises, passamos a estudar uma forma de

distribuir os trabalhos segundo suas respectivasÁreas de Conhecimento e Áreas Específicas deConhecimento.

Na obra A Geografia no Brasil (1934-1977):Avaliação e Tendências, de Monteiro (1980),encontramos algumas referências tais como aCaracterização da Comunidade de Geógrafos noBrasil, como também uma classificação temáticadas teses defendidas na USP, das publicações dosanais da AGB e da Revista Brasileira deGeografia, cujas classificações temáticas foramimportantes para a classificação queapresentamos.

No entanto, a classificação realizada porMonteiro foi importante como uma orientação,porém, não fizemos a sua adaptação integral, poisna classificação desse autor havia um rol de temaspouco desenvolvidos atualmente na Geografiabrasileira e, por consequência, nas pesquisasdesenvolvidas no Departamento.

Na tabela 1 e figura 2 é possível verificar aclassificação em função das áreas deconhecimento (geral e específica) que realizamos,como também a distribuição das monografiasdefendias pelos acadêmicos do curso de geografiaa partir de 1984, ou seja, desde a implantaçãodo bacharelado no Departamento, em suasrespectivas áreas de concentração.

Tabela 1 – Monografias defendidas por área de conhecimento 1984/1 – 1995/1

ÁREA DE ÁREA ESPECÍFICA 1984 - 87 1988 - 91 1992 - 95/1 TOTAIS CONHECIMENTO DE CONHEC. Nº % Nº % Nº % Nº % Geografia População 0 0,0 1 5,9 1 3,2 2 2,5 Humana Agrária 8 25,8 1 5,9 2 6,5 11 13,9

Urbana 6 19,4 6 35,3 6 19,4 18 22,8 Indústria 1 3,2 1 5,9 1 3,2 3 3,8 Econômica 0 0,0 0 0,0 1 3,2 1 1,3 Planejamento 1 3,2 0 0,0 0 0,0 1 1,3

Geografia Física Geomorfologia 1 3,2 1 5,9 3 9,7 5 6,3 Climatologia 1 3,2 0 0,0 2 6,5 3 3,8

"Interface" Meio Ambiente 6 19,4 4 23,5 9 29,0 19 24,1 Planejamento 2 6,5 0 0,0 2 6,5 4 5,1

Ensino de Geografia Ensino de Geografia 0 0,0 1 5,9 1 3,2 2 2,5 Geografia/Economia 1 3,2 0 0,0 0 0,0 1 1,3

Interdisciplinar Geografia/Medicina 1 3,2 0 0,0 0 0,0 1 1,3 Geologia/Geografia 1 3,2 1 5,9 0 0,0 2 2,5

Sem identificação Sem identificação 2 6,5 1 5,9 3 9,7 6 7,6 TOTAIS 31 100,0 17 100,0 31 100,0 79 100,0 Interface: Na área de conhecimento entre a Geografia Física e a Geografia Humana. Interdisciplinar: Quando há uma complementação ou integração com outra área de conhecimento além da Geografia Fonte: Monografias defendidas: 1984-1995/1, pesquisa in loco Org.: TAVARES, J. H., 1995

Geografia, Londrina, v. 8, n. 1, p. 17-27, jan. / jun. 1999 21

Como pode ser observado, a distribuiçãotemática apresenta muitas lacunas como porexemplo, a falta de desenvolvimento de trabalhosno campo da Epistemologia da Geografia,Geografia Política e Geopolítica, Estudos deRegionalização, Geografia Econômica ePlanejamento.

Uma outra lacuna que precisa ser preenchidaurgentemente, tendo em vista a rápida difusãodos conhecimentos pela tecnologia, é o estudode caráter interdisciplinar, como por exemplo,entre a Geografia e a História, a Geografia e aSociologia, a Geografia e a Economia, etc, poissão áreas afins e podem contribuir para oenriquecimento teórico-metodológico dostrabalhos monográficos desenvolvidos noDepartamento.

Os recursos das modernas técnicas colocadashoje à disposição das pesquisas como, porexemplo, o Geoprocessamento, ainda não estãosendo utilizados pelos alunos, uma vez que

podem ser considerados como importantesinstrumentos nas análises geográficas, sobretudo,nos estudos referentes ao planejamentoambiental como também na identificação futuraou prognósticos sócio-espaciais.

Sintetizamos nos parágrafos seguintesalgumas questões que talvez possam dar umaunidade às linhas de pesquisa ou temas-problemas que foram desenvolvidos pelosbacharelandos e analisados no presente estudo.Inicialmente, constatamos que havia algumaslinhas de pesquisa consistentes, como porexemplo, na área ambiental, urbana e agrária,embora algumas monografias realizadasapresentavam linhas semelhantes ou bemdiversas dentro desses grandes grupos.

Seria interessante que o Departamento,através de seus bolsistas pudesse organizar umasíntese de cada trabalho publicado em algum tipode boletim, divulgando aos alunos do curso,corpo docente e porque não a toda comunidade

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Área Específica de Conhecimento

Figura 2 – Monografias defendidas por área específica de conhecimento: 1984-1995/1

Fonte: Monografias defendidas: 1984 - 1995/1, pesquisa in loco. Org.: TAVARES, J. H., 1995

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acadêmica e não acadêmica pois, muitas dasmonografias desenvolvidas merecem maiordifusão pelo teor inédito dos trabalhos e dasimportantes informações nelas contidas,podendo também subsidiar o processo deplanejamento.

Esperamos contudo, que, futuramente asdiscussões levantadas nos trabalhos de conclusãode curso sejam aplicadas, isto é, que a teoria e aprática possam se juntar em um projeto de ação,não deixando só às gavetas o privilégio deconhecerem as idéias daqueles que de uma formaou de outra contribuíram para o estudo de umdeterminado “espaço” ou “objeto”.

Através das várias análises realizadas duranteo processo de pesquisa, percebeu-se em váriostrabalhos, um bom desenvolvimento sobre oconteúdo proposto, estando estes muito bemfundamentados teórica e metodologicamente.Entretanto, em muitas monografias constatamosque os autores não “encararam” com seriedadesuas abordagens. Com efeito, constatou-se quemuitos trabalhos ficaram no nível de constatação,sem muita análise crítica do problema estudado,deixando transparecer uma postura acrítica e semconsistência.

Verificamos, por outro lado, que o nível dostrabalhos nos últimos anos, tanto teórico comometodologicamente, apresentaram uma melhora,embora nos anos iniciais de implantação docurso, a produção de algumas monografiastenham alcançado um ótimo nível.

Finalizando este artigo gostaríamos deregistrar a todos os docentes das universidadesbrasileiras e aos professores de um modo geral,um “apelo” utilizando-se das palavras deMonteiro (1980):

“(...) em matéria de progresso de nossaGeografia – tão necessitada de especulação einventividade – há que preparar os jovens; nãoadestrando-os para repetir as receitas querecebemos dos outros e aviamos, mas – numesforço de auto-afirmação – preparando-ospara dar curso a novas proposições em facede nossa própria realidade. E, como numacorrida de revezamento, tudo depende damaneira como os mais velhos transmitem obastão aos mais jovens, pois eles é quedecidirão o final (que nunca é atingido) dessagrande corrida para o futuro”.3

Fazendo-se um balanço geral do que já foiproduzido pelo Departamento de Geociênciasda UEL é possível constatar que, apesar dodesnível qualitativo de algumas monografias emrelação as outras, muito natural em umaprodução histórica de onze anos e meio,consideramos o resultado da produção científicados bacharelandos altamente qualitativa e demuita contribuição para o aprimoramento doconhecimento.

Concluindo, apresentaremos a seguir umarelação, em ordem cronológica de data de defesa,das 79 (setenta e nove) monografias analisadas.

1º Semestre de 1984Autor(a): Carlos Alberto Hirata.Orientador(a): Nilza Aparecida Freres Stipp.Título: Estudo de algumas formações rochosas,na região de Londrina, sua dinâmica deexploração e ação antrópica.Área Específica de Conhecimento: Geologia/Geografia.

Autor(a): Cláudio Roberto Bragueto.Orientador(a): Alice Yatiyo Asari.Título: Ribeirão Limoeiro: Poluição e população.Área Específica de Conhecimento: MeioAmbiente.

Autor(a): Jaime Sabino.Orientador(a): Alice Yatiyo Asari.Título: O Profissional em Geografia no mercadode trabalho.Área Específica de Conhecimento: “Semidentificação”.

Autor(a): Maria das Graças Silva.Orientador(a): Kumagae Kasukuo Stier.Título: Produção e comercialização da uva noMunicípio de Londrina.Área Específica de Conhecimento: Agrária.

Autor(a): Maristela Franco dos Santos.Orientador(a): Lúcia Helena Batista Gratão.Título: Aplicação da Geomorfologia aoplanejamento urbano: Uma discussãometodológica aplicada a uma área de Londrina(PR).Área Específica de Conhecimento: Planejamento

Geografia, Londrina, v. 8, n. 1, p. 17-27, jan. / jun. 1999 23

Autor(a): Mirian Vizintim.Orientador(a): Márcia Siqueira de Carvalho.Título: O espaço urbano da miséria – Um estudode caso sobre a favela como forma alternativa desobrevivência.Área Específica de Conhecimento: Urbana.

Autor(a): Renato Leonel de Souza.Orientador(a): Nilza Aparecida Freres Stipp.Título: Processos erosivos no médio curso doRibeirão Esperança: Londrina/Cambé.Área Específica de Conhecimento: Geomorfologia.

Autor(a): Ricélia Bernardino dos Santos.Orientador(): Samuel Carmo de Lima.Título: A degradação ambiental na Bacia doRibeirão Cambezinho em Londrina.Contaminação Patogênica.Área Específica de Conhecimento: MeioAmbiente.

2º Semestre de 1984Autor(a): Francisco Miguel Arrabal Neto.Orientador(a): Samuel Carmo de Lima.Título: A ocupação protestante em Londrina.Área Específica de Conhecimento: “Semidentificação”.

Autor(a): Paulo Cesar Quicoli.Orientador(a): Alice Yatiyo Asari.Título: A formação e a ocupação de um bairrode Londrina – O exemplo da “Vila Nova” .Área Específica de Conhecimento: Urbana.

1º Semestre de 1985Autor(a): Jeremias Bequer Brizola.Orientador(a): Yoshiya Nakagawara Ferreira.Título: Saúde e Meio Ambiente: uma abordagemgeográfica.Área Específica de Conhecimento: Geografia/Medicina.

Autor(a): Marcos Antônio Bonato.Orientador(a): Omar Neto Fernandes Barros.Título: Levantamento histórico de mapeamento daszonas de poluição na área urbana de Londrina.Área Específica de Conhecimento: MeioAmbiente.

2º Semestre de 1985Autor(a): Carmelita Yoshiyo Wada.Orientador(a): Yoshiya Nakagawara Ferreira.

Título: O setor informal em Londrina. O espaçopúblico central como “locus” dessa atividade.Área Específica de Conhecimento: Urbana.

Autor(a): Maria das Graças de Lima.Orientador(a): Márcia Siqueira de Carvalho.Título: Transformações econômicas e espaciaisocorridas no Município de Moreira Sales: 1975– 1985.Área Específica de Conhecimento: Agrária.

Autor(a): Moisés Santana.Orientador(a): Alice Yatiyo Asari.Título: A industrialização de uma cidade depequeno porte: o exemplo de Cambé.Área Específica de Conhecimento: Indústria.

Autor(a): Rolf Leitzke.Orientador(a): Ruth Youko Tsukamoto.Título: A Cotonicultura no Estado do Paraná –O caso de Assaí.Área Específica de Conhecimento: Agrária.

1º Semestre de 1986Autor(a): Edilene Sacoman Longo.Orientador(a): Nilza Aparecida Freres Stipp.Título: A Sericicultura na Município de Londrina.Área Específica de Conhecimento: Agrária.

2º Semestre de 1986Autor(a): Celso Diniz Nobre.Orientador(a): Márcia Siqueira de Carvalho.Título: Agrotóxicos, Sociedade e Natureza: Umaabordagem geográfica.Área Específica de Conhecimento: MeioAmbiente.

Autor(a): Denise Maria Sette.Orientador(a): Ruth Youko Tsukamoto.Co-orientador: Francisco de Assis Mendonça.Título: O verde que faz falta. O caso das matasdo Ribeirão Jacutinga.Área Específica de Conhecimento: MeioAmbiente.Autor(a): José Roberto Antunes Oliveira.Orientador(a): José Barreira.Título: A ocupação do espaço urbano deLondrina na presença do Estado – o IAPAR eseu espaço criado.Área Específica de Conhecimento: Urbana.

24 Geografia, Londrina, v. 8, n. 1, p. 17-27, jan. / jun. 1999

Autor(a): Oriko Flávia Wada.Orientador(a): Yoshiya Nakagawara Ferreira.Título: Transformações no espaço urbano. Áreacentral de Londrina – As casas de madeira.Área Específica de Conhecimento: Urbana.

Autor(a): Rosely Kassumi Moriya.Orientador(a): Márcia Siqueira de Carvalho.Co-orientador: Francisco de Assis Mendonça.Título: Ventos fortes ocorridos no período –1983/86 na área urbana de Londrina.Área Específica de Conhecimento: Climatologia.

Autor(a): Shirlei Yoshie Matsumoto.Orientador(a): Yoshiya Nakagawara FerreiraTítulo: Articulação entre os setores formal einformal na economia urbana de Londrina: Umestudo a partir dos “catadores de papel”.Área Específica de Conhecimento: Geografia/Economia.

Autor(a): Valdenir Marques Evangelista.Orientador(a): Ruth Youko Tsukamoto.Título: Modernização da agricultura paranaense:O caso da soja.Área Específica de Conhecimento: Agrária.

1º Semestre de 1987Autor(a): Adolfo Eidi Matsuo.Orientador(a): Nilza Aparecida Freres Stipp.Título: A problemática do planejamento:Reflexão e a perspectiva ambiental.Área Específica de Conhecimento: Planejamento.

Autor(a): Cláudio Kazuo Yoshida.Orientador(a): Alice Yatiyo Asari.Título: Avicultura: a modernização, a especulaçãoe a agroindústria em Bastos (SP).Área Específica de Conhecimento: Agrária.

Autor(a): Sandra Juraci Marcori.Orientador(a): José Barreira.Título: O planejamento urbano e implicaçõessociais: o menor das ruas de Londrina.Área Específica de Conhecimento: Planejamento.

Autor(a): Sônia Banaki Sanches.Orientador(a): Rosely Maria de Lima.Título: O lixo urbano e a degradação ambientalem Londrina.Área Específica de Conhecimento: Meio Ambiente.

2º Semestre de 1987

Autor(a): Adilson Martinez.Orientador(a): Ruth Youko Tsukamoto.Título: O uso da terra no Jardim do Sol – Umbairro de Londrina.Área Específica de Conhecimento: Urbana.

Autor(a): Hélvio Borini Zemuner.Orientador(a): Kumagae Kasukuo Stier.Título: Evolução da cafeicultura na microrregiãohomogênea, 281 Norte Novo de Londrina.Área Específica de Conhecimento: Agrária.

Autor(a): Natal Joaquim Varella.Orientador(a): Kumagae Kasukuo Stier.Título: A agroindústria canavieira no Municípiode Assis: Usina Nova América.Área Específica de Conhecimento: Agrária.

2º Semestre de 1988Autor(a): Aparecida Araceli Sspecian.Orientador(a): Nilza Aparecida Freres.Título: O talco na região de Ponta Grossa: suadinâmica de exploração e a ação antrópica.Área Específica de Conhecimento: Geologia/Geografia.

Autor(a): Marcia Cristina Biazon Arrabal.Orientador(a): Nilza Aparecida Freres.Título: Análise agroclimatológica da situação docafé no Estado do Paraná.Área Específica de Conhecimento: “Semidentificação”

Autor(a): Teruko Fukagawa.Orientador(a): Kumagae Kasukuo Stier.Título: A presença japonesa no município deAssaí: o caso da seção Palmital.Área Específica de Conhecimento: População.

1º Semestre de 1989Autor(a): Maria de Fátima Brito.Orientador(a): Lúcia Helena Batista Gratão.Título: O uso da terra urbana e as suasmanifestações na desigualdade ambiental esocial: em discussão o caso do Conj. HabitacionalViolim – Londrina (PR).Área Específica de Conhecimento: Meio Ambiente.

Autor(a): Maria de Lourdes Marsiglia Zucker.Orientador(a): Kumagae Kasukuo Stier.

Geografia, Londrina, v. 8, n. 1, p. 17-27, jan. / jun. 1999 25

Título: A industrialização de Londrina (1980 –1988).Área Específica de Conhecimento: Indústria.

Autor(a): Silvana Maria do Amaral.Orientador(a): Mirian Vizintim.Título: Evolução do uso do solo e suasimplicações ambientais. Estudo de caso da Baciado Córrego Undá – Cambé-PR.Área Específica de Conhecimento: MeioAmbiente.

2º Semestre de 1989Autor(a): Maria Angélica Vicente.Orientador(a): Rosely Maria de Lima.Título: Diagnóstico Ambiental: A Bacia doRibeirão Quati.Área Específica de Conhecimento: Meio Ambiente.

1º Semestre de 1990Autor(a): Erci Josefina Ronqui.Orientador(a): Kumagae Kasukuo Stier.Título: A modernização no Campo – Londrina/Pr.Área Específica de Conhecimento: Agrária.

Autor(a): Sylvia Thereza Rocha.Orientador(a): Cláudia Lima Esteves Alves.Título: Utilização e reutilização dos espaçosdestinados aos lixões, na cidade de Londrina.Área Específica de Conhecimento: Urbana.

2º Semestre de 1990Autor(a): Flávio Alves de Sousa.Orientador(a): Joel Simões Coimbra.Título: Processos erosivos – Bacia do RibeirãoCambé – Londrina/PR.Área Específica de Conhecimento: Geomorfologia.

Autor(a): Saulo Cavalli Gaspar.Orientador(a): Margarida de Oliveira AlmeidaFernandes.Título: Experiências didáticas no ensino degeografia.Área Específica de Conhecimento: Ensino daGeografia.

1º Semestre de 1991Autor(a): Eunice Rumi Yamada.Orientador(a): Yoshiya Nakagawara Ferreira.Título: Setor norte de Londrina. Parcelamentourbano e formas de ocupação.Área Específica de Conhecimento: Urbana.

Autor(a): Maria Edilene de Ornelas.Orientador(a): Joel Simões Coimbra.Título: Degradação ambiental em áreas depreservação: Parque Arthur Thomas, Londrina - PR.Área Específica de Conhecimento: Meio Ambiente.

2º Semestre de 1991Autor(a): Adilson Nalin Luiz.Orientador(a): Francisco de Assis Mendonça.Título: A evolução urbana de Londrina-PR noperíodo de 1957 a 1980 através dafotointerpretação.Área Específica de Conhecimento: Urbana.

Autor(a): Attilio Vettori Júnior.Orientador(a): Mirian Vizintim.Título: Estudo do uso do solo na Bacia doRibeirão Cambé através de dados desensoreamento remoto.Área Específica de Conhecimento: Urbana.

Autor(a): Fábio César Alves Cunha.Orientador(a): Yoshiya Nakagawara Ferreira.Título: Produção do espaço urbano – zona sulde Londrina.Área Específica de Conhecimento: Urbana.

Autor(a): Maria Amélia de Oliveira.Orientador(a): Cláudia Lima Esteves Alves.Título: O Centro Social Urbano da VilaPortuguesa.Área Específica de Conhecimento: Urbana.

1º Semestre de 1992Autor(a): Angela Bento Ladeia.Orientador(a): Francisco de Assis Mendonça.Título: O clima de Londrina no século XX –Evolução e tendências.Área Específica de Conhecimento: Climatologia.

Autor(a): Luiz Eduardo Badin.Orientador(a): Valmir de França.Título: Estudo das inundações do RibeirãoJataizinho, na Vila Frederico Lucarewiski –Município de Jataizinho.Área Específica de Conhecimento: Planejamento.

Autor(a): Márcia Eliane Caetano Costa.Orientador(a): Francisco de Assis Mendonça.Título: Degradação ambiental em microbaciahidrográfica – Estudo de caso do CórregoCapivara/Londrina-PR.

26 Geografia, Londrina, v. 8, n. 1, p. 17-27, jan. / jun. 1999

Área Específica de Conhecimento: MeioAmbiente.

Autor(a): Nereu Westphal.Orientador(a): Valmir de França.Título: O impacto ambiental causado pelasrodovias.Área Específica de Conhecimento: Meio Ambiente.

Autor(a): Sandra Mara de Araújo.Orientador(a): Kumagae Kasukuo Stier.Título: O menor e as entidades assistenciais emLondrina/PR.Área Específica de Conhecimento: “Semidentificação”.

2º Semestre de 1992Autor(a): Carmen Arias.Orientador(a): Yoshiya Nakagawara Ferreira.Título: Os “vazios” urbanos da zona sul deLondrina – Estratégias e especulação imobiliária.Área Específica de Conhecimento: Urbana.

Autor(a): Cláudia Melatti.Orientador(a): Yoshiya Nakagawara Ferreira.Título: O processo de industrialização no Campo.Um estudo a partir dos Distritos de Londrina.Área Específica de Conhecimento: Indústria.

Autor(a): Janini Rossi Lakoski.Orientador(a): Francisco de Assis Mendonça.Título: Áreas verdes urbanas (Londrina/PR).Quantificação e influência na qualidade de vida.Área Específica de Conhecimento: Meio Ambiente.

Autor(a): Paulo Roberto Mrtvi.Orientador(a): Márcia Siqueira de Carvalho.Título: O uso do solo na microbacia do RibeirãoJacutinga, região norte do Município deLondrina.Área Específica de Conhecimento: Urbana.

Autor(a): Ricardo Bilha Carvalho.Orientador(a): Márcia Siqueira de Carvalho.Título: A vegetação localizada nas áreas de fundode vale na cidade de Londrina e proposta derecuperação de acordo com a legislação.Área Específica de Conhecimento: Meio Ambiente.

Autor(a): Ricardo Marcos Volpini de Souza.Orientador(a): Tânia Maria Fresca.Título: A questão habitacional em cidades

pequenas: o caso de Florínea-SP.Área Específica de Conhecimento: Urbana.

Autor(a): Roberto Braz Aparecido Cabrera.Orientador(a): Joel Simões Coimbra.Título: Uso da terra e assoreamento, Lagos Igapó– Londrina/PR.Área Específica de Conhecimento: Geomorfologia.

1º Semestre de 1993Autor(a): Adão Cícero Ferreira NunesOrientador(a): Alice Yatiyo AsariTítulo: Processo de (des)ocupação de Florínea– SP.Área Específica de Conhecimento: População.

Autor(a): Leliana Aparecida Casagrande Luiz.Orientador(a): Francisco de Assis Mendonça.Título: Degradação ambiental e qualidade devida nas favelas do Córrego Água das Pedras emLondrina/PR. Diagnóstico ambiental preliminar.Área Específica de Conhecimento: Meio Ambiente.

Autor(a): Neusa Maria Emidio.Orientador(a): Valmir de França.Título: Avaliação do impacto ambientaldecorrente da ausência de mata ciliar naMicrobacia do Ribeirão Jacutinga.Área Específica de Conhecimento: Meio Ambiente.

Autor(a): Soraia Cristina Mazlum.Orientador(a): Tânia Maria Fresca.Título: Profissão: Geógrafo.Área Específica de Conhecimento: “Semidentificação”.

1º Semestre de 1994Autor(a): Jeani Delgado Paschoal.Orientador(a): Alice Yatiyo Asari.Título: Geografia: como estudar?.Área Específica de Conhecimento: Ensino daGeografia.

Autor(a): Rosana Alves da Silva.Orientador(a): Márcia Siqueira de Carvalho.Título: O espaço agrário em Rolândia –Cooperados e a questão ambiental.Área Específica de Conhecimento: Agrária.

Autor(a): Walter José Baltazar.Orientador(a): Lúcia Helena Batista Gratão.

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Título: Vertente Direita do Jacutinga: em direçãoà vertente da urbanização.Área Específica de Conhecimento: Geomorfologia.

2º Semestre de 1994Autor(a): Andressa Turcatel Alves.Orientador(a): Rosely Maria de Lima.Título: Aspectos geomorfológicos do médio-baixo curso do Ribeirão Claro – Londrina.Área Específica de Conhecimento: Geomorfologia.

Autor(a): Aparecida Rosângela Cassoli Barbosada Silva.Orientador(a): Valmir de França.Título: Impactos ambientais resultante dastransformações espaciais na MicrobaciaHidrográfica do Ribeirão Cambé.Área Específica de Conhecimento: Meio Ambiente.

Autor(a): Cristina Yukiko Uyeoka.Orientador(a): Yoshiya Nakagawara Ferreira.Título: O trabalhador “sazonal” e “pendular” –Análise das formas de organização e suas relaçõescom a legislação.(Periferia urbana de Londrina eCambé/PR)Área Específica de Conhecimento: Urbana.

Autor(a): Deise Fabiana Ely.Orientador(a): Luzia Mitiko Saito Tomita.Título: Caracterização microclimática do LagoIgapó II e seu entorno, Londrina/PR.Área Específica de Conhecimento: Climatologia.

Autor(a): Jânio Yoshinami Takata.Orientador(a): Rosana Figueiredo Salvi.Título: Os resíduos sólidos em Londrina: umlevantamento da problemática do lixo.Área Específica de Conhecimento: Meio Ambiente.

Autor(a): Odila Silvia Knobbe Zani.Orientador(a): Omar Neto Fernandes Barros.Título: A conquista de um espaço para aprodução: o caso da Fazenda Santa Maria –Paranacity – PR.Área Específica de Conhecimento: Agrária.

1º Semestre de 1995Autor(a): Antônia Maria Batista.Orientador(a): Lúcia Helena Batista Gratão.Título: A paisagem urbana de Londrina atravésda percepção.Área Específica de Conhecimento: Urbana.

Autor(a): Arlete Perini.Orientador(a): Yoshiya Nakagawara Ferreira.Título: Formação, subdivisão e desestruturaçãode pequenas “cidades/municípios” do Paraná1940 – 1991.Área Específica de Conhecimento: Urbana.

Autor(a): Ivan Rodrigues de Almeida.Orientador(a): Francisco de Assis Mendonça.Título: Diagnóstico ambiental e estruturação dedados no contexto da Fazenda Santa Terezinha(EMBRAPA/CNPSo) Londrina – PR.Área Específica de Conhecimento: Meio Ambiente.

Autor(a): José Luiz Alves Nunes.Orientador(a): Carlos Alberto Hirata.Título: A circulação regional de mercadorias – AIncubadora Industrial de Londrina.Área Específica de Conhecimento: Econômica.

Autor(a): Leila Maria Scholze.Orientador(a): Nilza Aparecida Freres Stipp.Título: O perfil do profissional geógrafo na regiãoda AMEPAR.Área Específica de Conhecimento: “Semidentificação”.

Autor(a): Marcelo Eduardo Freres Stipp.Orientador(a): Francisco de Assis Mendonça.Título: Impactos urbanos de vendavais na porçãosudoeste de Londrina/PR: Análise e subsídios aoplanejamento urbano.Área Específica de Conhecimento: Planejamento.

NOTAS

1 MONTEIRO, C. A. de F. A Geografia no Brasil(1934-1977): avaliação e tendências. São Paulo:IGEOG-USP, 1980, p. 128.

2 PEREIRA, R. M. F. do A. Da Geografia que seEnsina à Gênese da Geografia Moderna.Florianópolis: Ed. da UFSC, 1989, p. 18.

3 Monteiro, 1980, op. cit., p. 129

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INTRODUÇÃO

A atividade turística tem desencadeadoimportantes transformações na organização doespaço, que são claramente observadas no litoralbrasileiro. Um dos temas relacionados, estudadoem vários trabalhos, aborda os impactos sociaise ambientais decorrentes da atividade turística.Esta atividade ocorre, na maior parte das vezes,em conflito com outras maneiras de ocupar omesmo espaço, e vai afetar uma populaçãoconcreta no seu território.

Este trabalho está relacionado à umadissertação de mestrado (CALVENTE, 1993), naárea de Geografia do Turismo, que estudou apopulação caiçara de Ilhabela e suatransformação. Apresenta os conceitos utilizadosao referir-se ao território e ao turismo; faz umpequeno levantamento histórico de como apopulação caiçara de Ilhabela foi criando seuterritório; e, através de trabalho de campo eentrevistas com a população de três bairros/praias,estuda a transformação e até perda desseterritório, esperando ser uma contribuição aointeresse pelo tema que, entretanto, deve resultarnum planejamento para a atividade turística maisconsciente de suas contradições.

Ilhabela – Turismo e Território*

Maria del Carmen M. H. Calvente* *

RESUMO

Neste estudo são abordados conceitos sobre a relação Turismo e Território, conceitos importantes para entender astransformações de um determinado local pela sua ocupação. O espaço turístico criado e a natureza transformadacompreendendo o trabalho e o laser, seriam uma fonte de acumulação do capital. As transformações no território deIlhabela foram estudadas, como também as repercussões do processo de ocupação/valorização pelo capital.

PALAVRAS-CHAVES: Turismo, Transformações Territoriais e Impacto Ambiental.

1. TERRITÓRIO

O conceito de território tem sido alvo dediscussões entre os geógrafos. SILVA (1986)coloca o território, entre outros (espaço, habitat,paisagem, região, área, população etc) comocategoria fundamental para o conhecimentogeográfico. A população vive em um território,do qual tem domínio e posse. Para o autor, oterritório é a primeira concretude do lugar: sãoas relações sociais de produção num territórioapropriado da natureza ou de outros pelaconquista.

SOUZA (1995) considera que o território é,fundamentalmente, definido pelas relações depoder. Apesar das ligações afetivas e deidentidade entre um grupo social e seu espaçoserem importantes para a gênese ou manutençãode um território, a questão principal são asrelações de poder naquele espaço, portanto asrelações do domínio. O território tem sido usadofreqüentemente, na Geografia, com referência aoEstado nacional, mas o autor faz uma ressalva:territórios existem em diversas escalas, de umarua à territórios internacionais. O território nãoé um substrato, mas um campo de forças. E osubstrato material a ser territorializado não

* Trabalho apresentado no Seminário “As Sociedades Insulares”, NUPAUB, USP, jul/96.** Docente do Departamento de Geociências da Universidade Estadual de Londrina - Caixa Postal 6001 - CEP 86051-990 -Londrina Pr. E-mail: [email protected]

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precisa sequer ser o solo, mas pode ser, porexemplo, o mar.

O presente trabalho fala sobre o território deuma população específica, na Ilha de SãoSebastião, no município denominado Ilhabela.Estuda a perda desse território, portanto a perdado domínio sobre o espaço, trazida, neste casoconcreto, pela penetração da atividade turísticana segunda metade do nosso século, comparticular importância a partir da década de 70.Mas, antes, é necessária uma breve análise decomo esse território foi criado.

2. O TERRITÓRIO DE ILHABELA: UMTERRITÓRIO CAIÇARA

A Ilha de São Sebastião encontra-se no LitoralNorte do estado de São Paulo, dentro domunicípio arquipélago de Ilhabela, sendo a maiorilha do conjunto, com 346 quilômetrosquadrados. É recoberta, na sua maior parte, pelafloresta tropical de encosta, a mata atlântica, comabundância de pequenas bacias hidrográficas norelevo escarpado, contando com mais de 400ribeirões encachoeirados, características que lhedão, na concepção atual, um grande potencialturístico. Não foram encontradas, através dapesquisa bibliográfica, informações seguras arespeito dos indígenas terem habitado a Ilha deSão Sebastião. A parte continental da região eraocupada por membros do grupo tupinambá que,reunidos na Confederação dos Tamoios,defendem-se e atacam os estabelecimentosportugueses próximos ao porto de Santos,retardando a colonização portuguesa daCapitania de Santo Amaro, dentro da qual selocalizava a Ilha.

A colonização européia no Litoral Norte deveter começado na primeira década do século XVII,os portugueses estabelecendo-se primeiro na Ilha,por esta representar um ponto estratégico na lutacontra os indígenas. Várias sesmarias foramconcedidas e fundaram-se engenhos de açúcar ecachaça, assim como culturas de fumo, anil, arroze mandioca. Barcos portugueses, aportados nocanal de São Sebastião, faziam o comércio entrea produção local e produtos que eram adquiridos,como tecidos, carne seca e vinho.

No século XIX a economia era agrária,baseada no trabalho escravo. Nesse século, a Ilhachegou a ter mais de 10.000 habitantes e da

diversidade cultural e étnica surgira umapopulação característica, denominada caiçara.Escreve FRANÇA (1951, p.92):

“Na Ilha, como na costa continental, torna-seimpossível precisar a influênciacorrespondente do português e do índio naformação da etnia caiçara. Esta resultou dosmais antigos caldeamentos raciais e contactosde culturas, que tiveram de palco as colôniasou feitorias litorâneas. Inexistem, porém,pesquisas que permitam qualquer orientaçãosegura nesse campo, tornando-se impossível,remontar à origem dos cruzamentos nasprimitivas sociedades litorâneas.”

MARCILIO (1986, p.40), no seu estudo dedemografia histórica de Ubatuba, relata o seguinte:

“Pelo mar chegaram seus primeirosconquistadores e segundos povoadores: dePortugal e Ilhas, mas também da África oudos portos da própria colônia. Vieram tambémeuropeus de variada procedência e em todas asépocas. Os índios remanescentes, queconseguiram sobreviver ao etnocídio do séculoXVI ou que não escaparam para as montanhasou outras Capitanias, tiveram que assimilar-selogo aos novos-vindos. Uma simbiose biológica,social e cultural que permitiu a permanência e asobrevivência de uns e de outros.”

Esta diversidade de culturas associou-se deuma forma dinâmica, num território específico,com características físicas já bastante conhecidaspelos indígenas, assimilando a roça de mandiocae a utilização de plantas medicinais, encontradasaté hoje. Mas o projeto dominante para aocupação da região estava baseado na monocultura:primeiro, de cana-de-açúcar, que é substituída, noséculo XIX, pela monocultura do café.

A cultura cafeeira foi de extrema importânciapara o Litoral Norte do estado de São Paulo.Mesmo com a proibição do tráfico de escravos,estes continuavam chegando à Ilha, poispequenos portos (como o Sombrio) eramutilizados como desembarcadouros clandestinos.A mão-de-obra escrava era abundante, e aexplicação para esta abundância está relacionadacom a crueldade do sistema escravagista: osafricanos que chegavam adoentados pela terríveltravessia e não suportariam com vida a subida da

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Serra do Mar, feita a pé, eram vendidos no locala valores abaixo do mercado. Vários quilombosforam fundados, por africanos tentando resistirao jugo e produzindo para o auto-consumo.

Atividades de subsistência garantiam asobrevivência da produção local: pesca,agricultura e caça. As relações econômicas queentão existiam no Brasil eram totalmente voltadaspara fora: as regiões produtivas não tinhamcomunicação entre si, apenas com o exterior,através dos mecanismos de importação-exportação. A cultura de café entra em decadência,e é promulgada a Abolição da escravatura: ocorreum êxodo na Ilha de São Sebastião, e a populaçãocai para quase 7.000 pessoas. Retornam os engenhosde cachaça, única atividade local da época que nãoera de subsistência.

Os portos de São Sebastião e Ubatuba, sem aprodução cafeeira, são abandonados pelasembarcações regulares, que passam a dirigir-seaté Santos. Utilizando as ricas matas existentes,inicia-se na Ilha a construção das canoas de voga,que lembram embarcações indígenas, feitas emum único tronco, e que passam a sercomercializadas com outros locais.

Por volta da segunda década deste séculoocorre a instalação de imigrantes japoneses naIlha, trazendo inovações no sistema de pesca:redes de cerco e barcos a motor. A pesca costeiracom finalidade comercial atrai também oshomens nativos, e vários povoados de pescadorescaiçaras surgem nas pequenas planícies litorâneas.

Hoje, uma questão bastante polêmica é o queé “ser caiçara”. A princípio, o termo caiçara sugereuma contraposição ao urbano, o caiçara sendo omorador tradicional do litoral. Mas, ocorrendouma rápida transformação do espaço litorâneo,as atividades urbanas estão coexistindo com essaforte auto-diferenciação e, se em algunsmomentos a denominação caiçara é usada apenaspara os nativos que praticam as atividadestradicionais, esta utilização é uma visão externado que é ser caiçara.

O trabalho de campo, através de entrevistas,mostrou que caseiros, funcionários públicos eprofessores, por exemplo, declaram-se caiçarascomo uma forma de resistência, como umfortalecimento da territorialidade com relaçãoàquele espaço. É uma manifestação orgulhosa,principalmente dos mais velhos, uma declaraçãode identidade cultural, de pertencer ao território.

Para compreender esta visão de “ser caiçara”

interna, é importante compreender a cultura comoprocesso dinâmico, em constante mutação, umaprendizado das relações entre o homem e o seumeio. A cultura e o território transformam-se juntos,na própria estratégia de sobrevivência. Portanto,hoje não se pode procurar como cultura caiçara ade 50, 40 ou 30 anos atrás, antes da penetração doturismo, porque a transformação do espaço éacompanhada pela transformação da cultura.

A cultura caiçara surgiu no processo históricode colonização do litoral, quando este era vistocomo um espaço de trabalhadores, desvalorizadopelos europeus e pelas classes dominantes. Foino litoral que se refugiaram os que não aceitavamo sistema colonial. Na Ilha surgiram váriosquilombos. Eram homens e mulheres que tiveramde aprender a sobreviver com os recursos própriosda região, inclusive com os indígenas, e em algunsmomentos ficaram bastante isolados do sistemaprodutivo. Foi a abertura da estrada de rodagemSão Sebastião-São Paulo que trouxe os primeirose poucos turistas que chegavam nas férias deverão ou feriados prolongados, desencadeandoo processo de urbanização da região, com oaparecimento das segundas residências e umamelhoria no equipamento urbano do antigonúcleo (a “vila”).”

Na sua tese sobre a Ilha de São Sebastião,defendida em 1951, FRANÇA faz uma interessantedescrição do início da atividade turística:

“... habitantes do planalto, principalmente daCapital, aparecem por ocasião de férias ouferiados para curtos períodos de repouso. Seunúmero não tem cessado de aumentar nosúltimos anos, principalmente na área urbanade Ilhabela. Este pequeno povoado estáconhecendo uma transformação importante,com a construção de residências modernas,pertencentes a capitalistas do planalto. Poroutro lado, durante curtos períodos dos mesesde dezembro e janeiro, ou julho, é comum asua população de pouco mais de quatrocentoshabitantes, ver-se acrescida por forasteiros emnúmero equivalente ou mesmo superior. Seus3 hotéis e as habitações do elemento local,que então costumam hospedar veranistas,superlotam-se. Até em abrigos provisórios oubarracas armadas na praia instalam-se os queprocuram desfrutar de alguns dias de repouso,na bela estância. As casas comerciais auferementão os melhores lucros, não deixando deexagerar os preços.” (p.149)

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3. TURISMO

O turismo, até o século XIX, era uma atividaderealizada por poucos privilegiados. É no nossoséculo que a atividade turística passa a ser cadavez mais popular e importante na organização doespaço, estando relacionada ao processo deurbanização e de separação no cotidiano dotempo de trabalho e de não-trabalho, que podeser de ócio, lazer e turismo.

O conceito de turismo aqui utilizado abrangeo tempo de não trabalho com o deslocamentodo lugar de residência e o consumo no local dedestino, estando diferenciado do lazer por esteser realizado localmente. Segundo ELIAS

“Como turismo entendemos as atividades deócio desenvolvidas fora do domicílio habituale que produzem intercâmbios econômicos.Esta definição congrega distância do lugar deresidência, necessidade de alojamento ehotelaria e por outra parte, tudo o relacionadoao ócio, como são as atividades, esportes,manifestações culturais e outras. Nãoesquecendo que pode dar-se também ummovimento de pessoas que gera riquezasmotivado pela própria atividade profissional.Temos, portanto, três elementos claros, que são:Alojamento-manutenção, Atividades-ócio,Negócio, Rentabilidade Econômica” (p.105)

Nesse espaço turístico criado, a natureza passaa ser uma mercadoria, e lugares com aparêncianatural garantem uma evasão do mundo dotrabalho; a fuga disciplinada do espaço cotidianopara o espaço turístico aparece como capaz detrazer bem-estar, reproduzindo a condição dehomem dividido (trabalho-lazer), generalizada nasociedade atual. Ao mesmo tempo que se controlao tempo de não trabalho, aparecem mecanismoscapazes de tornar a atividade turística uma outrafonte de acumulação do capital, que passa atornar-se cada vez mais importante.

4. O LITORAL COMO RECURSOTURÍSTICO

A idéia generalizada de que praias e o marsão atrativos turísticos aparece há menos de doisséculos: CORBIN (1989) mostra que até o séculoXVIII as representações do mar européias eram

marcadas por uma leitura puritana da Bíblia: omar era o grande abismo, algo terrível, que sópassara a existir após o Dilúvio Universal, sendopovoado por monstros que se entredevoravam.

Os europeus que aqui chegavam, até o séculopassado, traziam uma série de preconceitos comrelação ao espaço litorâneo, sendo este visto comoum espaço perigoso e objeto de repulsa.Conforme MADRUGA

“Era a que se refugiavam e concentravam osfugitivos do sistema de colonização,concentravam-se índios que não integravam-se ao sistema de produção e de vida doscaraibas (brancos) e os negros fugitivos dosistema escravista aqui instalado.” (1992, p.57)

Com os progressos nas pesquisas realizadaspela oceanografia, que diminuem os mistérios dooceano, e com as mudanças teológicas, quando ateologia passa a ver o mundo exterior como umabenção dada por Deus aos homens, censurandoos que não se maravilhavam perante o espetáculoda natureza, a visão européia dominante émodificada: o oceano passa a representar umlugar de beleza e perfeição.

Viajantes isolados passam a ser estudiosos dosdialetos, costumes, flora, fauna e morfologia dolitoral. Com o Romantismo, a praia passa a serum local de contemplação e encontros sociais.Cresce o interesse de pintores, escritores e outrospelo litoral: aparece o turista, massificando aspráticas de viagens. A praia deixa de ser umespaço do trabalho, desvalorizado (algumas sedesde fazenda chegaram a ser construídas de costaspara a praia, no próprio Litoral Norte de SãoPaulo), passando a representar um alto potencialturístico para os poucos turistas existentes,inicialmente, e, atualmente, para a grandequantidade de usuários da atividade.

O espaço turístico é criado através de valoressociais que, difundidos pela publicidade e meiosde comunicação, acabam impondo aos indivíduosrepresentações do espaço fortemente enraizadaspelos interesses econômicos. Os elementos, tantonaturais quanto históricos ou artísticos, só vãoter valor em função do modo de pensar dosusuários. Mas, com a atividade turística feita como objetivo de lucro imediato, os próprios recursoscomeçam a ser destruídos. Esse é o caso de hotéis,localizados à beira-mar, que jogam o esgoto napraia, dentro de um processo analisado porRODRIGUES (1992), da seguinte maneira:

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“...os espaços turísticos evoluem peloprocesso de ‘ondas’ de ocupação que sãoditadas pela moda ou produzidas peloconsumo do espaço, levando à sua degradaçãoe, portanto, à destruição dos recursos que osengendraram. Aqui se coloca o problema dasegregação espacial da demanda,principalmente nos espaços turísticos dolitoral. (...) Os núcleos anteriores,considerados degradados, perdem o valor demercado e são ocupados por elementos dascamadas sociais menos favorecidas ou porpopulação fixa. Este processo é constatadocom bastante nitidez no litoral do Estado deSão Paulo, a título de exemplificação.” (p.76)

O espaço que vai ser utilizado para a atividadeturística é um espaço que, freqüentemente, jápossui uma organização anterior, e assim podemocorrer conflitos entre os diferentes projetos comrelação ao mesmo espaço. O caso da Ilha de SãoSebastião mostra a complexidade deste processo,e como a atividade turística pode ser tambémparte do projeto da população local, desde queesta não perca totalmente seu território.

5. TRANSFORMAÇÕES NO TERRITÓRIODE ILHABELA

O trabalho de campo foi realizado em trêsbairros da Ilha: Curral, Armação e Saco daCapela. São bairros que contavam, ainda, comuma população caiçara representativa, ao mesmotempo que estão na área mais urbanizada domunicípio, a área do canal de São Sebastião, ondelocaliza-se o ferry-boat e o antigo núcleo urbano.Cada um desses bairros está localizado numa daspequenas planícies litorâneas, tendo a mesmadenominação da praia correspondente.

Todas as moradias foram visitadas, sendo feitauma entrevista por residência, mas diversificandoo papel do entrevistado na família, o sexo e afaixa de idade. No roteiro haviam questões comrelação ao espaço próximo, usando os conceitosde transformação e permanência; questões comrelação ao turismo, ao Parque, à pesca eatividades agrícolas; e uma questão perguntavaqual manifestação da natureza ou atividademarcava o tempo, no decorrer dos meses do ano,permitindo a elaboração de um calendáriovivencial para cada bairro.

A permanência destas pessoas no seu territórioestá ligada às questões que podem ser separadasem três temas: 1) como vai ocorrer odesenvolvimento da pesca, principalmente aartesanal, sendo a atividade pesqueira aindaextremamente importante para a populaçãocaiçara; 2) às questões trazidas pelo discursoconservacionista e pela implantação do ParqueEstadual de Ilhabela; e 3) à forma dodesenvolvimento da atividade turística no litoral.Os dois primeiros temas serão abordados de umaforma breve, e o terceiro tema é o objeto dadiscussão deste trabalho, sendo que todos os trêsestão relacionados.

Hoje a pesca artesanal está bastantedificultada, pelo fechamento das praias porresidências de veraneio muradas, e uma boa partedos pescadores não mora mais nas pequenasplanícies, ocupando as encostas. Um outroproblema encontrado é a dificuldade de extraçãode madeiras para o fabrico das canoas, madeirasque podem estar na área do Parque. Dificuldadesbastante citadas pelos pescadores é a época dodefeso, que não está adaptada à realidaderegional e a diminuição do pescado, causada porimpactos ambientais: pela pesca predatória e porderramamentos de petróleo no mar.

As leis conservacionistas relativas ao mar nãosão respeitadas por todos, faltando a infra-estrutura necessária às instituições para exerceruma fiscalização efetiva, e os pescadoresqueixam-se da lei não ser respeitada pelos grandesarmadores ou pelos que possuem podereconômico. Um outro problema encontrado é ocontrole da produção de pescado pelosatravessadores, e nos próprios municípiosprodutores o pescado tem um preço alto para apopulação local. Pode ocorrer, inclusive, dapopulação terminar adquirindo pescadocongelado vindo das centrais de abastecimentodos grandes centros urbanos. Na valorização dapesca artesanal, aparece o trabalho de DIEGUES(1989), que tem atuado em encontros em SãoSebastião, com a participação de alguns caiçarasde Ilhabela, defendendo a importância eviabilidade deste tipo de pesca.

O mesmo quadro com relação às leisconservacionistas ocorre na terra: falta infra-estrutura para a fiscalização. Aproximadamente80% da Ilha é área do Parque Estadual deIlhabela, uma outra parte é área tombada e orestante deveria estar protegido pela Lei do Usodo Solo Municipal. Se existem alguns grandes

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projetos embargados pelo Parque, sempre vai sera maioria pobre, o morador local, um alvo maisconstante e fácil para as ações punitivas. A Leido Uso do Solo tem sido utilizada, de acordocom o relatado, como instrumento de poder pelasadministrações municipais. O decreto do Parque,da década de 70, foi feito sem levar emconsideração o morador local, representando,para a população nativa, uma invasão de umterritório utilizado há várias gerações.

Há duas maneiras possíveis de encarar aquestão da população local em áreas deconservação. Uma maneira, a mais fácil, é pensarna população local como o principal inimigo daconservação, e ter como projeto retirá-la oupensar em educá-la para obrigá-la a conservar.Uma outra maneira, com certeza a maiscomplexa, é pensar nesta população local e suanecessidade de sobrevivência dentro do mesmoprocesso histórico que trouxe a destruiçãoambiental sem precedentes encontrada hoje, eencará-la como composta por sujeitos ativos, quepodem participar ativamente, com seuconhecimento e territorialidade, num diálogo pelaconservação daquele espaço.

É importante ressaltar que, no Litoral Nortede São Paulo, neste século, o grande impactoambiental foi trazido pela chegada doequipamento turístico. Não há como questionara necessidade de conservação, mas estanecessidade não surgiu porque os caiçarasocupavam o território de uma maneira tradicional,e sim pela lógica da cultura urbana e a procurade espaços turísticos, que se transformaram emmercadoria de alta rentabilidade.

6. O TERRITÓRIO E O TURISMO

Com o turismo, ocorreu um processoacelerado de valorização das terras e deespeculação imobiliária. Estas terras passaram ater valor de troca (tradicionalmente, tinhamapenas valor de uso) e no início do processomuitas posses foram vendidas por valoresmínimos, sendo que os caiçaras estavam poucohabituados às relações capitalistas ou a convivercom valores monetários, pois quase todas asnecessidades eram satisfeitas pela produçãofamiliar. O turismo penetrou comoespecialização, e outras atividades econômicas(como a pesca) passaram a ser abandonadas eaté consideradas entraves à modernização,inclusive pelos poderes públicos locais.

As posses que continuaram nas mãos das famíliascaiçaras foram diminuindo e aumentando de valor, osque ficaram sem terra passaram por um processo deproletarização e, como mão de obra barata, piorandoas condições materiais de existência, ao mesmo tempoque aumentava a informação e o apelo com relaçãoaos bens de consumo.

As comunidades caiçaras passaram a ficarconcentradas em determinados locais. Mesmonestes, na maior parte dos casos, a faixa à beira-mar foi vendida e cada vez mais os pescadores,morando nas encostas, sofreram dificuldades paratransportar o equipamento de pesca até à beira-mar, pois as residências de veraneio sãoconstruídas muradas, diferentemente dasresidências tradicionais.

Era esse o quadro geral quando o trabalho decampo foi realizado, durante os anos de 1990 e1991. Nos três bairros escolhidos, a diferentesdistâncias do centro urbano, observou-sediferentes etapas do processo de transformaçãoou urbanização. O impacto do turismo nas trêscomunidades estudadas (Curral, Armação e Sacoda Capela) tem aspectos heterogêneos. Para todauma comunidade estudada a atividade turísticaera encarada como fator bastante positivo: sãoos que mantiveram a maior parte das terras. Jápara as famílias caiçaras dos outros bairros, quena quase totalidade passaram por um processode proletarização, o assalariamento e asazonalidade da atividade turística ocasionou,segundo declarado, uma piora na qualidade devida, principalmente na alimentação, sendo quea urbanização criou também necessidades queantes não existiam e que não são satisfeitas como salário. As vendas das posses no passadopróximo por valores irrisórios são recordadas ecomparadas com os valores de mercado atuais.

Pensando no conceito de território, jádiscutido, além de relacionar territorialidade comligações afetivas e de identidade (que os caiçaraspossuem em alto grau), é necessário incluirtambém as relações de poder espacialmentedelimitadas. Durante muito tempo a Ilha de SãoSebastião foi um território de caiçaras: isso nãosignifica que não ocorriam transformações noespaço ou na sociedade, mas que os caiçaraspossuíam um poder (mesmo que relacionado àscondições da sociedade abrangente) com relaçãoàquele espaço. E o trabalho de campo vai mostrarque a atividade turística é considerada positivapela população local quando esta mantém oterritório e negativa quando ocorre o inverso.

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Ilhabela passou a ser atingida pelo fluxo deturismo de massas na década de 70, tendoocorrido a construção de estradas melhores epopularização da posse de automóveis, já tendosido instalado o ferry boat para travessia docontinente para a Ilha e vice-versa. Passou entãoa ser procurada principalmente por usuários demaior poder econômico, que queriam espaçosturísticos mais privativos, característicarelacionada ao fato do município ser insular.Depois de duas fases de monocultura (café ecana-de-açúcar) os caiçaras de Ilhabela viviam,na maioria, da pesca artesanal e de atividades desubsistência como a roça. O valor comercial dasterras era pequeno e, rapidamente, começou umprocesso de violenta especulação imobiliária.

No Litoral Norte, nesse momento alvo de umadestruição ambiental sem precedentes, há pressãode grupos ambientalistas e são criados ParquesEstaduais, inclusive o Parque Estadual de Ilhabela.Ao mesmo tempo que são limites para a especulaçãoimobiliária, para os caiçaras esses Parquesrepresentaram a perda do território: aumentou aimpossibilidade material de praticar atividadestradicionais como a roça e a caça, sendo que esteslimites também foram surgindo na beira-mar: asnovas residências construídas muradas, fechandoo acesso à praia e dificultando a pesca. Além daimpossibilidade material ocorre também umamudança cultural: a pesca artesanal e a roça deixamde ser atividades atrativas para os mais jovens.

No bairro do Curral os caiçaras tinhammantido a maior parte das terras, praticamentede toda a área da estrada até a cota de 200m dealtitude (onde inicia-se a cota-limite do Parque).Criaram pequenas atividades comerciais quepermitiram uma apropriação de parte da rendagerada pela atividade turística: campings,restaurante, sorveteria, bar e armazém. O acessoà praia ainda era fácil, pois a entrada para oscampings era aberta, não estava murada. Aindaexistia uma casa de farinha, atividade tradicional;e as novas residências eram construídas cada vezmais subindo as encostas, a cada filho ou filhaque formava nova família. A atividade profissionalmais comum ainda era a de pescador artesanal eos próprios pescadores declaravam-sebeneficiados pelo turismo, pela venda de pescadodiretamente ao consumidor por um valor maior.Das 42 residências de moradia existentes, apenas9 eram de famílias migrantes. Como estes caiçarasmantiveram a maior parte da terra, a valorização

trazida pelo turismo também os beneficiou. Nestebairro todos os entrevistados referiam-se àatividade turística como algo positivo para acomunidade, apesar da perda de pequena partedo território (a beira-mar). É importante ressalvarque esse era o quadro em 1990: através daobservação é possível constatar que hoje jáaumentou o fechamento da praia e a venda deterras para não-caiçaras.

Já nos outros dois bairros, onde os caiçarastinham passado por um processo de proletarização,o assalariamento e a sazonalidade do trabalho naatividade turística são referidos como trazendo umapiora na qualidade de vida. A venda das posses daterra por valores baixos era sempre lembrada nasentrevistas e o turismo e os turistas bastantecriticados, numa relação antagônica.

Na Armação, as famílias caiçaras moravam nasencostas, tendo como única exceção a famíliaproprietária da salga do peixe. O acesso à praiaestava praticamente fechado, pois todas asresidências entre a estrada e o mar estavammuradas. A situação da comunidade era bemdiferente da do Curral, havendo ocorrido umasérie de conflitos ligados ao território: aconstrução de um complexo hoteleiro, na décadade 80, ocasionou, segundo relatado, o incêndiocriminoso de uma residência, o fechamento daúnica passagem para um conjunto de residênciaslocalizadas no alto da encosta (que depois foi abertapor ordem judicial) e a contratação de homensarmados que circulavam pelo bairro. Na beira-mar,a única passagem pública para a praia era bastanteestreita e os pescadores começaram a passar comseus equipamentos de pesca pelo gramado de umaresidência de veraneio, sendo que o proprietáriodesta tinha dado ordens para que a caseira proibissea passagem. Neste bairro ainda existia uma maioriade pescadores.

O Saco da Capela, último bairro trabalhado,fica bem próximo ao centro urbano do município,com características bastante urbanas, nãoapresentando dados que o determinem como umterritório caiçara. O processo de transformaçãopela atividade turística é mais antigo em duasdécadas que nos outros dois bairros. Ocorreu,na verdade, uma segregação espacial dentro dobairro: os caiçaras ficaram concentradosprincipalmente em duas ruas. No bairro anterior,Armação, muito dos homens entrevistados aindadesejavam voltar para a pesca, sendo que aquiesta atividade não é mais citada como uma

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possibilidade futura. No Saco da Capela foramencontrados apenas 6 pescadores artesanais,sendo que os migrantes representam quasemetade da população residente no bairro.Aparecem relações de conflitos territoriais entrecaiçaras e trabalhadores migrantes, e também peladisputa pelos mesmos empregos. Os pequenosempresários do bairro e proprietários de casas deveraneio parecem preferir a mão-de-obramigrante (pelo menos um entrevistado declarouisso claramente, alegando que o caiçara é muitoindependente, não estando habituado a serassalariado) e, dos 50 caseiros, apenas 11 sãocaiçaras. Um dos traços positivos salientado naatividade turística, a de gerar empregos para apopulação local, mostra aqui ser contraditório:após um determinado tempo, está ocorrendo aescolha de migrantes para os empregos criados.

CONCLUSÃO

O conceito de território tem importânciafundamental para o entendimento de um dosaspectos do fenômeno turístico: seu impactosobre a população local. Claramente, o estudode campo feito mostra que a manutenção de, pelomenos, parte das terras possibilita à essapopulação uma transformação onde o turismopode tornar-se uma alternativa econômica. Aquestão principal, então, passa a ser colocada daseguinte maneira: quais as possibilidadesconcretas para que a população local mantenhaa terra, dentro da valorização rápida que aatividade turística traz.

Pensar no turismo como atividade econômicaúnica, como estava ocorrendo na Ilha de SãoSebastião, pode ter os mesmos efeitos desastrososda monocultura: é fundamental conciliar aatividade turística com outros tipos de atividades,garantindo trabalho e produção durante todo oano, de uma forma diversificada.

Esta conclusão está relacionada aos efeitosterritoriais e sociais, observados através dotrabalho empírico, que podem ser sintetizadosda seguinte maneira:1. a transformação do agricultor/pescador caiçara

em proletário ou pequeno comerciante;2. a transformação do valor de uso da terra em

valor mercantil;3. a violenta especulação imobiliária;4. os caiçaras perdendo o território à beira-mar,

primeiro através da venda das posses e depoispela construção de residências de veraneiomuradas;

5. a dificuldade de trabalho decorrente doabandono de outras atividades e dasazonalidade da atividade turística.

Fugindo da apologia da atividade turística, oudo simples destaque para os seus aspectosnegativos, defende-se que estas questões devemser levadas em conta por todos os estudiosos dofenômeno turístico, assim como no seuplanejamento e execução, na necessáriapreocupação com a população local.

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1. A CONCEPÇÃO DA ECONOMIA DO(S)FATOR(ES) EXCEDENTE(S): 1968.

José de Souza Martins ao redigir o artigoModernização Agrária e Industrialização noBrasil, incluso em Capitalismo e Tradicionalismo,teve como centro de suas atenções as relaçõesentre a industrialização e constituição daeconomia nacional e suas repercussões na sócio-economia agrária. Preocupava-se bastante coma industrialização, a urbanização e a elaboraçãode uma ideologia urbana que definia como asociedade agrária deveria se integrar à sociedadesob a forma de compradora e consumidora deprodutos urbanos. Esta proposta ideológicaurbana tinha entre seus principais agentes ostécnicos agrícolas, alcançando órgãos de opiniãopública e grupos políticos, tendo como pano defundo a discussão sobre os possíveis (ou não)entraves da agricultura para o desenvolvimento.Se por um lado as análises da CEPALconsideravam que havia uma insuficiência deoferta em função da estrutura agráriainadequada, economistas neoclássicosdemonstravam a existência de uma respostaagrícola em relação aos preços para algunsprodutos. No bojo das discussões acerca damodernização da agricultura, Martins procurou

Da economia do excedente à sujeição da renda ao capital:um breve comentário sobre a obra de José de Souza Martins

Márcia Siqueira de Carvalho *

RESUMO

José de Souza Martins tem sido um dos sociólogos mais lidos e analisados por geógrafos que se dedicam aoestudo da Questão Agrária, quer pelas questões que tem levantado diante deste tema, quer pela contribuiçãoteórica. Nesse sentido, os trabalhos deste autor são lidos por estudantes de graduação e de pós-graduação emGeografia, porém muitos desconhecem o desenvolvimento de alguns conceitos dentro de sua obra e as respectivasmudanças ocorridas. Esse artigo vai nessa direção, ao fazer uma breve análise de algumas questões em sua obrarelativa à Questão Agrária.

PALAVRAS-CHAVES: Renda Fundiária. José de Souza Martins. Questão Agrária.

identificar especificidades de uma lógica naagricultura realizando pesquisas no Vale doParaíba do Sul.

O vale do Paraíba do Sul foi zona pioneira noséculo XIX, com o desenvolvimento da culturado café e após as Guerras Napoleônicas estaregião já estava em grande parte povoada. Entre1880 e 1920 podemos identificar um períodomais claro da decadência dessa lavoura e nos anos50, a estrutura da produção agrária baseava-seem pastos pobres e solos com profundosproblemas de erosão. A partir dos anos 60, essaregião começou a se modificar, vindo a se tornaruma espécie de “cinturão verde” das regiõesmetropolitanas do Rio de Janeiro e de São Paulo.

Martins estudou apenas uma pequena partedo Vale do Paraíba do Sul localizada no Estadode São Paulo, incluindo a região da Mantiqueira,elaborando a economia do excedente comodefinidora da lógica de uma agricultura que elevia ser rotulada de atrasada. Sob esse rótulo, eleretoma as produções ideológicas contrárias àurbanização de Visconde de Taunay e AlbertoTorres e aquelas que afirmam o estereótipo docaipira (Monteiro Lobato), esta última indicandocomo “terapêutica” a inserção da sociedadeagrária como compradora e consumidora demercadorias.

* Doutora em Geografia Humana. Docente do Departamento de Geociências da Universidade Estadual de [email protected].

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2. LUCRATIVIDADE VERSUS PRODUTIVIDADE

A suposição do mundo agrário ser “umestranho no ninho” classificava-o como preso à“economia natural” ou ao “feudalismobrasileiro”, daí a ser diagnosticado um regimede baixa produtividade que se modificaria pelainjeção de crédito oficial e de “modernização”dos estabelecimentos agrícolas. Martins procuroudemonstrar que essa ótica urbana, cuja tônica éo programa de extensão rural e a produtividade(maior produto por unidade de área), raramenteapega-se à rentabilidade do capital, o que lhe fazafirmar a existência de uma ideologia urbana enão necessariamente capitalista na orientação dostécnicos em extensão rural.

Esse caráter anti-empresarial, na concepçãodesse autor, significava a contradição existenteem uma sociedade capitalista que formulasoluções anticapitalistas para o seu setor agrário:

Tanto a política de preços privada quantooficial têm subtraído ao produtor oconhecimento do preço final que o seuproduto obterá. É o caso dos preços mínimos,cuja fixação não respeita necessariamente ociclo agrícola e a necessidade de previsão (doque, quanto, como plantar e de quanto sepode ganhar) típica do capitalismo. Oprodutor não pode valer-se de umconhecimento prévio do que vai receber parafixar os custos e, assim, associar produtividadee rentabilidade. É por isso que oextensionismo baseado na produtividade(interpretada dessa maneira, sem previsão depreços) pode ter um caráter anti-empresarial,destacando assim os móveis urbanos dasconcepções correntes sobre o desenvolvimentoagrário. Tem-se, pois, uma sociedadecapitalista que formula soluçõesanticapitalistas para o seu setor agrário (grifode Martins). (MARTINS, 1975-a, p.6 e 7)

3. OS FATORES EXCEDENTES E O VALEDO PARAÍBA DO SUL

Martins pautou-se pela escolha de região maispróxima às áreas industriais, voltadas para aprodução de mercado interno, incluídas as sub-regiões do Alto Paraíba e a Mantiqueira. Narealidade, suas pesquisas in loco prenderam-se

apenas ao Alto Paraíba, sendo utilizado dadosestatísticos sobre o Médio Paraíba do trabalhorealizado por Paiva e Nicholls, publicado no anode 1965.

Dividindo-as em planícies (Médio Paraíba) eMontanha (Alto Paraíba), Martins conclui quemesmo que ambas estejam voltadas para aprodução de leite, as condições de produção sãodiversas. Na planície, a terra é usada com vistasao mercado, enquanto na montanha ela se prestaprincipalmente à produção de subsistência deseus lavradores com pequena parcela sendovendida. O produto de mercado em ambas é oleite, sendo que na planície, ao contrário do queocorria na montanha, os alimentos não sãoproduzidos pelos lavradores, sendo compradoscom o dinheiro obtido com a venda do leite.Comparados os custos de transporte,engarrafamento e distribuição do leite produzidona montanha e os gastos poupados com aprodução de alimentos para autoconsumo, essaprodução teria custos menores do que àquelarealizada na planície, sendo que nessa últimaocorreria rendimentos líquidos negativos.1

A partir dessa diferença na forma deprodução, o leite produzido na montanha éconsiderado produto excedente, já queanteriormente foi assegurada a subsistência dosseus produtores. Martins assim descreve essadiferença:

O leite, pois, não obstante ser consumido ecomercializado nas mesmas proporções naplanície e na montanha, é excedente nasegunda e não o é na primeira. O excedentenão é o produto que sobra do consumo, maso produto dos fatores de produção excedentesdos que foram utilizados na subsistência (nocaso, a mão-de-obra e a terra com suaspastagens naturais). É o fator excedente quegera o produto excedente e que define aeconomia, a sociedade e a cultura baseadasno excedente, à margem das relaçõesmonetárias, das relações sociais abstratas, dadominação política, das relações capitalistasde produção típicas, da conduta racional comrelação a fins seculares. (grifos de Martins)(MARTINS, 1975-a, p. 12)

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4. A INVIABILIDADE DE UMAAGRICULTURA CAPITALISTA

Nos artigos “Modernização Agrária eIndustrialização no Brasil” e “Modernização eProblema Agrário no Estado de São Paulo”,datados de 1968 e 1967 respectivamente,inclusos em Capitalismo e Tradicionalismo, amodernização agrária e o desenvolvimentoindustrial se contrapõem. Os produtos agrícolasteriam de ter preços baixos em função dossalários industriais urbanos e custos industriaiscom matérias-primas, daí os fatores excedentesserem os responsáveis pela manutenção daagricultura tradicional produtora para mercadointerno.

Neste segundo artigo, as pesquisas de Martinsalcançaram três municípios do Alto Paraíba, daAlta Sorocabana e Baixa Mogiana e nelas eledescreve como necessária, para a fase deacumulação de capital, a agricultura tradicional:... o desenvolvimento urbano, particularmente oda economia industrial, só foi e tem sido possívelgraças à existência de uma economia agráriaestruturada de modo a suportar e absorver oscustos da acumulação de capital e daindustrialização. (MARTINS, 1975-b, p. 39)

5. A FRENTE DE EXPANSÃO E A FRENTEPIONEIRA

Em seu artigo Frente Pioneira: Contribuiçãopara uma Caracterização Sociológica (inCapitalismo e Tradicionalismo), Martinsdesenvolve para a região Norte Paranaense astensões e conflitos decorrentes de duas situaçõessócio-econômicas antagônicas. Partindo daconceituação elaborada por Leo Waibel 2 defrente pioneira, ele acresce à dimensão urbanaconstitutiva da paisagem a questão dela exprimirum movimento social de imediata incorporaçãode novas regiões pela economia de mercado. Masidentifica que antes dos “pioneiros” desta frente,o espaço geográfico não estava vazio, ocorrendoantes uma primeira ocupação.

A não coincidência entre a fronteiraeconômica (frente pioneira) e a fronteirademográfica (frente de expansão) dimensionaum espaço que inclui esta última e termina noslimites da primeira, e Martins a classificava delocus de uma economia do excedente, ou seja,

trata-se de uma economia do excedente (grifodo autor), cujos participantes dedicam-seprincipalmente à própria subsistência e,secundariamente, à troca do produto que podeser obtido com os fatores que excedem às suasnecessidades. (MARTINS, 1975-c, p. 45).

A frente de expansão se relaciona com aeconomia de mercado tanto pela absorção doexcedente demográfico da fronteira econômicacomo pela produção do excedente sendo parteintegrada da formação capitalista. O excedenteé o elo de ligação econômica com a formaçãocapitalista e adquire valor de troca porque hácondições econômicas para a sua comercializaçãoe não porque tenha entrado nas relações de trocacomo resultado da divisão do trabalho(MARTINS, 1975-c, p. 46).

Mas as relações sociais estabelecidas na frentede expansão são intermediadas pelo uso privadodas terras devolutas, não assumindo a terra oequivalente de mercadoria, figurando o posseirocomo persona principal desta área geográfica.

Já a caracterização da frente pioneira, definidapela presença de empresas imobiliárias,ferroviárias, comerciais, bancárias, inclui acompra e venda de mercadorias (inclua-se a terra)e seu transporte, além do financiamento daprodução agrícola. Nela não mais se estabelecea economia do excedente e surge como resultadodireto da necessidade da reprodução dasociedade capitalista.

O avanço desta sobre a frente de expansãosignifica essencialmente a transformação da terraem propriedade privada, em mercadoria queintermediará o homem e a sociedade sob relaçõessociais capitalistas. O posseiro perde seu espaçode reprodução econômica e social face aoantagonismo entre essas duas frentes em funçãodos diferentes modos de acesso à terra.

Interna à frente pioneira, a renda capitalizada(terra sob a forma de mercadoria) gera tensõessociais, pois sendo esta “equivalente de capital”,tem seu uso articulado em função darentabilidade, estando na dependência dospreços agrícolas.

Martins, identificando as frentes pioneirasapós a Primeira Guerra Mundial comoconstituídas por pequenas propriedadesprodutoras para mercado interno (Zona Oestede São Paulo e Norte do Paraná) e,secundariamente para o mercado externo (verWAIBEL, 1979, p. 297) apontava para os

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conflitos sociais oriundos da fixação dos preçosdestes produtos. Eles eram fixados em funçãoda rentabilidade do capital dos empreendimentosurbanos e não em função dos custos de produção(MARTINS, 1975-c, p. 48). Segundo este autor,a partir dessa situação poder-se-ia entender queo colonialismo interno fixa preços beneficiando,respectivamente, o atacadista, o transportador eo intermediário, em detrimento do agricultor jánum processo de auto-expropriação:

Com o remanescente é preciso remunerar arenda capitalizada (a terra), o capital (sehouver) e o trabalho. Dado que a frentepioneira se constitui como empreendimentocapitalista (não só dos “planejadores” dafrente, mas também de pequenoscomerciantes e capitalistas do interior queinvestem na terra) também uma parte dosproprietários, em geral absenteístas, procuraassegurar a rentabilidade do dinheiroempatado na terra. Com isso transfere osrendimentos negativos do empreendimentoaos que nela trabalham, sejam eles colonos(Norte do Paraná), arrendatários (Oeste deSão Paulo, quase toda a margem esquerda dorio Paraná e parte da margem esquerda dorio Grande) ou assalariados (Vale do rioDoce). Quando isso não ocorre, o pequenoproprietário absorve, em geral, diretamenteesses rendimentos negativos numa auto-expropriação. Por isso, as relações sociais nafrente pioneira não são apenas tensas, mastêm mesmo se manifestado de formaconflituosa”. (MARTINS, 1975-c, p. 49).

Martins faz questão de ressaltar que algumasdas relações de produção citadas e que não seconfiguram como tipicamente capitalistas não seenquadram na oposição Pré-capitalismo versusCapitalismo, mas as possíveis e necessárias àacumulação e reprodução do capital (MARTINS,1975-c, p. 49). E ao criticar a dicotomiatradicional versus moderno, substituindo essaótica pela do colonialismo interno, ele identificouesta última como a responsável pela estruturaçãodas relações de troca entre a frente de expansãoe a frente pioneira (e por extensão, a economiade mercado), delineando as tensões eantagonismos de classe existentes na frentepioneira.

6. A SUJEIÇÃO DA RENDA DA TERRA AOCAPITAL

Em textos publicados em 1980 3 , Martins tevesuas preocupações voltadas para os problemasdo campo e as contradições do desenvolvimentocapitalista, mas centrada na pequena produção(estivesse ela localizada no Sul do país ou naAmazônia) e tornando mais elaborada a questãoda terra enquanto mercadoria (renda capitalizada).Podemos lembrar desta preocupação desde os seustrabalhos sobre o Vale do Paraíba do Sul, quandoas terras da planície sendo mais valorizadas nãopropiciavam fatores e produtos excedentes, atéa consideração dos conflitos inerentes à frentepioneira cujos preços dos produtos agrícolas nãoobrigatoriamente cobririam os custos deprodução, fato esse próprio de áreas em que aterra era mercadoria.

Porém, se havia uma brecha para oaparecimento da economia do excedente dentroda frente pioneira sob a forma de relações não-tipicamente capitalistas e estas faziam parte dareprodução ampliada do capital, nessas últimasanálises o autor já identifica um caráter anti-capitalista dos conflitos pela terra. Paracompreendermos a trajetória deste sociólogo queinicialmente orientava as suas pesquisas para areconstrução sociológica das bases sociais dotradicionalismo no campo (MARTINS, 1986, p.124) e cujas contribuições atuais são de granderelevância para uma atuação política da Igreja(opção preferencial pelos pobres) faz-senecessário enumerar seus pressupostos teóricosdessa fase mais recente. Definindo as relaçõescapitalistas de produção, Martins identifica:• A transformação do trabalhador em

trabalhador livre que só possui a força detrabalho para vender. A alienação dosprodutos do trabalho é realizada através damercadoria e a pessoa só existe porintermédio de outra.

• O valor da força de trabalho é medido pelaparte do valor, da riqueza, criada pelotrabalhador com o seu trabalho, que a eleretorna sob a forma de salário, por intermédiodo capitalista.

• A relação social capitalista é uma relação, aomesmo tempo aparentemente igual entrepessoas iguais, mas que produz resultadosprofundamente desiguais entre si (o salário eo lucro). Isso ocorre pelo fato de um ser o

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proprietário do capital e o outro, apenas desua força de trabalho.

• O capital é produto do trabalho não pago,trabalho excedente convertido em capitalexcluído o salário.

• A contradição existente entre a terra e o capitalse concretiza na renda da terra, já que estanão possui valor, não pode ser reproduzidaou criada pelo trabalho do homem, além deser um bem natural finito. Assim como o fazcom o trabalho, o capital pode se apropriarda terra, dominando-a, mas para isso tem depagar pelo seu uso, ou seja:Como o capital tudo transforma emmercadoria, também a terra passa por essatransformação, adquire preço, pode sercomprada e vendida, pode ser alugada. Alicença para a exploração capitalista da terradepende, pois, de um pagamento ao seuproprietário. Esse pagamento é a renda daterra. (MARTINS, 1980-d, p. 206).

Apesar de ser uma irracionalidade para ocapital, ele subordina a renda da terra para queela produza sob o seu domínio, concordando emtransformar parte monetária em renda, àsexpensas de sua transformação em capital na suatotalidade. E isso ocorrendo:

A apropriação capitalista da terra permitejustamente que o trabalho que nela se dá, otrabalho agrícola, se torne subordinado aocapital. A terra apropriada opera como sefosse capital; ela se torna equivalente decapital e, para o capitalista, obedece a critériosque ele basicamente leva em conta em relaçãoaos outros instrumentos possuídos pelocapital. (MARTINS, 1980-d, p. 207).

• Uma das diferenças entre os três tipos de rendapré-capitalistas e a renda capitalista é que nasprimeiras é o produtor que entregadiretamente ao proprietário da terra opagamento pela utilização desta. Na segunda,o trabalhador não concorda em aceitar umaredução de seus salários e nem o capitalistade seu lucro, a renda, então, é paga peloconjunto da sociedade:Ora, sabemos que a renda da terra tem queexpressar riqueza, tem que constituir valor eque só o trabalho cria valor. Se esse valor éproduzido pelo trabalhador, e a renda não épaga por ele, então deve ser paga pelo

capitalista. Este, entretanto, serve unicamentede intermediário; ele faz o pagamento darenda ao proprietário, mas ela também nãosai do seu bolso. Desse modo, a rendacapitalista da terra não sai nem do trabalhador,nem do capitalista que o explora e, no entanto,é paga ao proprietário da terra. Aqui não énecessário entrar no complicado mecanismoque permite a conversão de uma parte da maisvalia em renda da terra sem que ela constituauma dedução dos salários nem uma deduçãodo lucro do capitalista”. (MARTINS, 1980-d, p. 209).

• As diferenças entre a concentração do capitale a da terra podem ser resumidas em que nasegunda não há nenhum aumento nacapacidade de produção do trabalhador e nemna capacidade do capitalista em extrair mais-valia do trabalho agrícola. Mas aumenta acapacidade do proprietário em se apropriar damais valia social.Divergindo de uma ótica que procurou ver

nas relações não-tipicamente capitalistas nocampo uma forma de subordinação ao capital,este autor nos alertou que esta análise estariafortemente comprometida com a concepção deque o capitalismo no campo seria estritamente adominação do trabalho pelo capital. Estasrelações capitalistas de produção ocorrem emalguns setores (i.e. canas-de-açúcar), mas nossetores de produção de alimentos (i.e. feijão,tomate, milho, mandioca, uva) o recurso dasubordinação formal ao capital não explicaria umtipo de produção que nem é pré-capitalista e nemé característica do modo capitalista de produção,segundo seus pressupostos (Ver MARTINS,1980-d, p. 217).

Ao discernir entre a produção do capital ereprodução capitalista de capital, Martins nosesclarece que a primeira nunca é capitalista, nãoé produto de relações capitalistas de produção(capital e trabalho assalariado). Quando essasrelações são reais, ocorre a reprodução capitalistaampliada. Segundo ele, o capital domina ereproduz tanto as relações capitalistas como asnão-capitalistas (ver MARTINS, 1980-d, p.214e MARTINS, 1980-c, p.102 e 104). Nessesentido, o autor retoma a preservação dasrelações não-capitalistas de produção para areprodução ampliada do capital:

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Começa-se a ver que a reprodução ampliadado capital é um processo que na suacomplexidade abrange a preservação e, maisrecentemente se viu, a criação de relações não-capitalistas de reprodução, especialmente naagropecuária. O tradicionalismo de algumascategorias da sociedade brasileira não seria,por isso, remanescente e anacronismo de umaoutra época, incompatível com a racionalidadedo capital. Muito ao contrário. Sem ele,provavelmente, a reprodução capitalistaentraria em crise. É mediação e expressão decontradições especificas do processo docapital. (MARTINS, 1980-c, p. 104)

Mas essa situação seria marcada pelo fato dotrabalho do colono do vinho do Sul do Brasilestar submetido indiretamente ao capital ao sersubjugado ao capital financeiro dos bancos e aocapital industrial (de vinhos). Este colono, apesarde não estar sofrendo uma expropriação direta,está de fato sendo expropriado das condições dereprodução ampliada da sua condição social depequeno produtor autônomo. (MARTINS, 1980-c, p. 103). Seus descendentes formam a correntemigratória para a Amazônia e é nessa região queMartins desenvolveu outros trabalhos que nosremete à subordinação da renda ao capital, sejana pequena ou na grande propriedade, a seu ver,a regra geral no país:

O capital tem se apropriado diretamente degrandes propriedades ou promovido a suaformação em setores econômicos do campoem que a renda é alta, como no caso da cana,da soja, da pecuária de corte. Onde a renda ébaixa, como no caso dos setores de alimentosde consumo interno generalizado, como osque já foram indicados, o capital não se tornaproprietário da terra, mas cria as condiçõespara extrair o excedente econômico, ou seja,especificamente renda onde elaaparentemente não existe”. (MARTINS,1980-d, p218.)

Mas se o capital parece preservar semobrigatoriamente expropriar, qual a origem dosmigrantes que na Amazônia tornam-se posseirose se recusam a pagar a renda da terra ao capital?4

É no artigo “Terra de Negócio e Terra deTrabalho: contribuição para o estudo da questãoagrária no Brasil” que Martins descreve um amploprocesso de expropriação de características

peculiares ao afirmar que na verdade, estamosdiante de uma clara transferência de renda dapequena agricultura para o grande capital.(MARTINS, 1980-a, p.51).

Este estrangulamento econômico depequenos produtores, creio que pode seraplicado aos complexos agroindustriais, mastenho dúvida quanto uma outra forma deexpropriação indireta pela absorção da renda queabrangesse os migrantes vindos de Minas Gerais,Espírito Santo, Paraná e Santa Catarina, queformam o grosso da corrente migratória que sedestinava à Rondônia em 1980, não ligados aosCAIs 5 . A expropriação direta é descrita porMartins como sendo responsável pela expulsãode um milhão de famílias de posseiros, e dosarrendatários e parceiros pela substituição dalavoura pela pecuária. Esse contingente se divideentre os que se dirigem às cidades e os queprocuram entrar pelo território estabelecendo-se como posseiros.

A combinação dessas expropriações resultarianum quadro descrito por Martins que culminana concentração da propriedade da terra, somadaà exploração da mão-de-obra assalariada (bóias-frias ou não) incluídas nas mudanças no uso dosolo e as transformações das relações de trabalhona lavoura. O aumento do número deexpropriados que procuram as cidades excedeas necessidades de mão-de-obra, ocorrendo umatendência à queda do salário em torno ou abaixodas necessidades mínimas, face ao aumento dacomposição orgânica do capital nas indústrias.Se antes Martins indicava a necessidade damanutenção da agricultura tradicional face àcontradição da modernização agrícola, emfunção da necessidade de salários baixos osuficiente para a manutenção das taxas de lucroindustriais, nesse momento ele indica um outrofator de manutenção destes baixos salários: aoferta de mão-de-obra abundante nas cidadesdecorrentes de um processo de modernização etecnificação de algumas áreas e um processo deexpropriação sem modernização em outras. Paraele, a luta de classes que se desenvolve no campo,não inclui a concorrência entre capitalistas, massim do capitalista engolindo o lavrador(MARTINS, 1980-a, p. 58), concretizadas naoposição entre dois regimes de propriedade – aterra de negócio (a propriedade capitalista daterra) e a terra de trabalho.

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7. TERRA DE TRABALHO E TERRA DENEGÓCIO

Martins caracteriza a propriedade capitalistada terra como aquela em que o capital exerce aexploração da força de trabalho assalariada,basicamente visando obter lucro, mantendo-acomo reserva de valor:

Quando o capitalista se apropria da terra, eleo faz com o intuito do lucro, direto ouindireto. Ou a terra serve para explorar otrabalho de quem não tem a terra; ou a terraserve para ser vendida por alto preço a quemdela precisa para trabalhar e não a tem. Porisso, nem sempre a apropriação da terra pelocapital se deve à vontade do capitalista se dedicarà agricultura. (MARTINS, 1980-a, p. 60).

Logo, a propriedade privada capitalista daterra serve tanto para extrair riqueza dotrabalhador assalariado como para cobrar a suarenda daquele que dela precisa. De outro lado,os regimes de propriedade atingidos pelo capitalsão a propriedade privada familiar (como a doslavradores do Sul e de outras regiões), apropriedade comunitária indígena e a posse daterra, predominantemente na Amazônia edifundida pelo país. A primeira, segundo o autor,está longe de ser um instrumento de exploraçãode seu proprietário, posto que permite ao capitalexplorar o trabalho familiar, já que pressupõe anão contratação de mão-de-obra assalariada porparte destes pequenos proprietários6 , quandoafirma que os seus ganhos são ganhos do seutrabalho e o trabalho de sua família e não ganhosde capitais, exatamente porque estes ganhos nãoprovêm de um capitalista sobre um trabalhadorexpropriado dos seus instrumentos de trabalho.(MARTINS, 1980-a, p. 59).

Em ambas transparece duas éticas diferentes:o capitalista e sua ética do lucro, e a do pequenoprodutor e a sua ética do trabalho, mas emrelação a esta última, não podemos esquecer dofato que a apropriação da renda da terra pelocapital não tenha suscitado movimentos bastantefortes por parte dos agricultores ligados aos CAIsou aos quais Martins denomina de economia demercado em seus primeiros textos: suinocultores,pequenos plantadores de algodão e tantos outrosna luta por um preço melhor para seus produtosincluindo custos de produção e margem de lucro.

Já os demais regimes de propriedade da terra,a comunitária indígena e o apossamento, travamuma luta mais aberta e violenta contra essasubordinação da renda da terra ao capital, contrao seu monopólio em mãos capitalistas e acobrança de tributo pelo seu uso:

...os posseiros de vastas regiões se concedemo direito de abrirem suas posses nas chamadasterras livres, desocupadas e não trabalhadas,sem sinal de ferro, de vastas regiões desertas,pois entendem que a terra é um patrimôniocomum, é de todos. Só é legítima a posseporque baseada no seu trabalho. É o trabalhoque legitima a posse da terra; é nele que resideo direito da propriedade. Esse direito está emconflito com os pressupostos da propriedadecapitalista. (MARTINS, 1980-a, p. 61).

Mas como bem nos lembra Martins, a terralivre não significa terra vazia e ocorrem choquesentre estes dois regimes de propriedade, ficandomuitas vezes os posseiros como aqueles quetentam se apropriar das terras tribais (MARTINS,1980-a). Mas os conflitos maiores são aquelesadvindos da posse e da propriedade privadacapitalista da terra, principalmente na Amazônia,cuja responsabilidade seria dos paulistascapitalistas. Mas tornou-se interessante analisaras correntes migratórias que se dirigiram para aregião Norte nos anos 70 e 80, principalmenteas maiores que se dirigiram para o Pará eRondônia (ver Tabela 1)

No Pará, em 1970, cerca de 68% dosmigrantes eram nascidos em estados nordestinose 12% nascidos na própria região Norte. Em1980, 56% deles eram nordestinos,predominando os maranhenses e piauienses,secundados pelos nascidos em Mato Grosso doSul, Goiás e DF (14%).

Levando em conta apenas a origem da saída,em 1970, 79% daqueles maranhenses epiauienses vieram desses estados, 10% já estavamno Pará e cerca de 9% migraram dos estados deMato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás eDistrito Federal. Entre os demais nordestinos(exceto os sergipanos), cerca de 18% já estavamno Pará e 76% vieram de sua própria região. Em1980, cerca de 50% dos migrantes já estavam noestado do Pará anteriormente, migrandointernamente nos municípios naquela década, ea outra metade vinda das demais macrorregiões

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brasileiras, predominando os migrantes do Maranhãoe Piauí (18,6%) e Mato Grosso (MT), Mato Grossodo Sul (MS), Goiás (GO) e DF (11%).

Em Rondônia, em 1970, a participação dosmigrantes nascidos na região Norte era quase ametade do total, com o predomínio dosamazonenses, em grande parte vindosdiretamente desse estado. Esse quadro semodificou bastante em 1980, quando cerca de89% dos migrantes vieram de fora da regiãoNorte, principalmente de Minas Gerais e EspíritoSanto (26,8%) e Paraná (22,9%). Em 1970, osparanaenses somavam apenas 1.248 pessoas emRondônia (2,6% do total do fluxo migratório).Quanto ao domicílio anterior, em 1980, 16,9%eram da própria região Norte e destes, 61% jáestavam em Rondônia. Logo, quase 1/10 dosmigrantes de Rondônia, entre 1971 e 1980,circularam por este território. A outra grandeparcela de migrantes que chegaram em Rondôniaem 1980, 32,6% partiram do Paraná, 25,9% deMato Grosso, Mato Grosso do Sul, DistritoFederal e Goiás e, 14,3% saíram de Minas Geraise do Espírito Santo.

Como podemos observar, nos anos 70 a 80, oprocesso de perda da terra foi muito forte forada região Norte, daí a corrente migratória vindadas regiões Nordeste, Sudeste e Sul, deexpropriados em sua grande maioria, mas semesquecermos os paulistas e das empresascapitalistas que mantêm a terra como reserva devalor. Majoritariamente, não são apenas ospaulistas que vêm de fora, mas os posseiros elavradores vindos do Sul e Sudeste que queremse transformar em pequenos proprietários. Temos

de considerar as diferenças, quer culturais, quertecnológicas, entre os migrantes maranhensesque se dirigiram ao Pará e os paranaenses que setransferiram para Rondônia.

8. SUBSÍDIOS DE MARTINS À REFORMAAGRÁRIA

Em seu artigo “Migrações e Tensões Sociaisna Amazônia”, Martins (1980-b) descreve asituação fundiária nessa região apontando apropriedade capitalista da terra como oinstrumento da criação da força de trabalho livre,mas incapaz de utilizá-la in totun, daí o excedentepopulacional ocupar terras sob a forma deposseiros. Analisando os dados estatísticos de1970 e 1975, ele constatava a concentração tantoda produção quanto da propriedade, assim comoo aumento do número de posseiros em todo oBrasil. E ao comparar dados entre 1950 e 1975,constatando a diminuição da relaçãoproprietários/não-proprietários na condução dosestabelecimentos rurais de 4,2:1 para 1,6:1. Essarelação, em 1975, para os agricultores cujaslavouras eram inferiores a 20 hectares, era de 1:1.Em vista disso, Martins identificou que:

... ao lado da concentração fundiária e daconcentração agropecuária, o país vive umacelerado processo de deterioração do regimeda propriedade privada. Cada vez mais elatem menos sentido para um número crescentede lavradores. Hoje não tem, a rigor, nenhumsentido para mais da metade dos pequenosagricultores. (...)

Tabela 1 – Taxa de crescimento de imigrantes entre as unidades da Federação da Região Norte.

Fonte: Censos Demográficos de 1970 e 1980. IBGE.

UF 1970 1980 Taxa de crescimento (%)

Rondônia 48.448 324.271 569

Acre 25.716 34.390 34

Amazonas

Roraima

Pará

Amapá

Total

65619

8.314

170.879

37.489

356.465

116.286

26.996

520.320

48.566

1.067.829

77

225

204

29

199

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No modelo clássico, essa concentração tendiaa proletarizar o lavrador, de modo a obrigá-lo a procurar trabalho junto ao proprietárioque o expropriara. No nosso caso, dediminuição crescente de emprego no campo,a concentração opera de modo diferente. Aoinvés de produzir a proletarização do lavrador,produz a sua exclusão do regime depropriedade, levando-o a continuar lavradorautônomo sem propriedade, especialmente nacondição de posseiro. Esse é um dos motivospelos quais a posse deve ser vista como a negaçãoda propriedade, como uma das contradições dapropriedade privada, como a manifestaçãosubversiva do direito à terra que nasce dentrodo próprio ventre da propriedade capitalista.(MARTINS, 1980-b. p.78).

Nesse sentido, terra de trabalho e posse versusexpropriação e exploração dos pequenoslavradores teriam uma saída política através deuma Reforma Agrária que não ignorasse: asformas populares de organização e as concepçõespopulares de propriedade, com o seu direitoimplícito e semi-esboçado (MARTINS,1980-a,p.66), incluídas as possibilidades de crescimentodestas diferentes concepções e práticasalternativas de propriedade sem a tutela docapital. Mas nem só o posseiro seria um dosagentes envolvidos nessas formas populares depropriedade, face às afirmações de Martins, nomesmo artigo citado anteriormente, de que ocaráter anti-capitalista dos conflitos pela terraagregariam as lutas de vários setores camponeses,que a meu ver não seria um equívoco incluí-losnessa proposta:

O que unifica as aspirações e lutas de umcolono gaúcho, de um posseiro maranhensee um índio Tapirapé é essa resistênciaobstinada contra a expansão da apropriaçãocapitalista da terra. Mesmo que cada um, cadacategoria social construa a sua própriaconcepção de propriedade, o seu próprioregime de propriedade anti-capitalista: apropriedade camponesa, a propriedadecomunitária e a posse. (MARTINS, 1980-a,p. 61 e 62).

Mais do que este argumento, Martins aoapontar que as conquistas através da cooperaçãodo trabalho agrícola foram apropriadas pelo

capital nos remete aos problemas daremuneração dos produtos agrícolas que nãoseria resolvido sem que a cooperação atinja aprópria produção:

Um esquema cooperativista que não estejabaseado em ganhos sociais, mas que se volteunicamente para assegurar maiores rendimentosindividuais para lavradores isolados, sem afetaro seu modo de produzir, sem introduzir ocooperativismo na própria produção em geral,mantendo-se como empreendimento grupal eisolado, na verdade redunda em benefício ereforço do próprio capitalismo. Estamos diante,pois, da necessidade de efetivar uma drásticaalteração no regime de propriedade fundiária,de modo que se reconheça como legítimos osregimes de propriedade alternativos que têm seconfrontado com a expansão da propriedadecapitalista. (MARTINS, 1980-a, p. 64).

9. A PROPÓSITO DA TERRA E DA IGREJA:UMA CRÍTICA DE OTÁVIO VELHO

A Igreja se utilizou das concepções de terrade trabalho, terra de negócio em seu documentode Itaici (1980) e na sua opção preferencial pelosposseiros, e Otávio Velho nos remete ao debateentre os marxistas e populistas russos do séculoXIX para compreender alguns desses elementosdessa análise. Segundo Velho, na tradiçãomarxista, a superação do capitalismo é concebidade acordo com a sua dinâmica interna, não comoum mal absoluto, mas como pré-condição detransformações posteriores. Já a ótica populistapressupõe a superação do capitalismo pelaexistência de elementos externos a ele:

Trata-se nessa perspectiva de 1) afirmar aexistência do pequeno produtor rural; 2)afirmar, complementarmente, seu caráter não-capitalista ou, mesmo, anti-capitalista. Navisão populista a articulação entre essasafirmações é fundamental. E, a propósito, éimportante assinalar que a segunda delas tem-se beneficiado, explícita ou implicitamente,por se basear num critério identificado como marxismo: a produção. Segundo o raciocíniodesenvolvido, já que a pequena produçãofamiliar não se baseia no trabalho assalariado,não é capitalista. (VELHO, 1980, p. 160).

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A idéia central da Igreja sobre a terra detrabalho como concepção do posseiro deaplicação de seu trabalho na terra livre(comunitária e sem preocupações com o lucroou a mercantilização da terra) fundada para oautoconsumo é, segundo Velho (1980), uma idéiaque vigorou nas frentes de expansão na Amazôniaantes da chegada dos capitalistas. Transpor opassado para uma situação presente não écondição suficiente e necessária para que isso sejaum fator transformador de uma sociedadecapitalista e, segundo ele, não se convenceu deque o privilegiamento e a transcrição literal dodiscurso dos informantes ou um esforço dereificador (teórico) seja a melhor forma deinterpretar essa realidade, sua consciência e suaideologia. Ele ainda exemplifica a substituiçãodo milho e do feijão pelo arroz, este ligado a umarede de comercialização montada no Estado doMaranhão, ou pelo algodão em áreas em que estenão era utilizado no autoconsumo. Ambos oscasos foram respostas dos lavradores ao mercado,suscitadas pela relação com o capital comercial eusurário. Por outro lado, o aviamento e oendividamento são mecanismos quefuncionavam e ainda funcionam entre essesposseiros.

A atitude de aceitar o passado como opresente ou idealizá-lo pode, na prática,representar um apoio involuntário ao capitalcomercial e usurário na forma mais tradicionalde patronagem, pois este controle se mantémsobre a massa dos lavradores. Assim, comotambém pode significar a paralisia dos lavradoresdiante de qualquer iniciativa moderadamentereformista por parte do Governo. Além disso,VELHO (1980) nos lembra que a idéia de que opequeno produtor não é capitalista é a idéia dosideólogos dominantes, identificados com agrande propriedade privada e de que a concepçãopopulista impede a integração do debate detemas como a revolução burguesa e adiferenciação interna do campesinato.

CONCLUSÃO

Martins parece confundir concentraçãofundiária, uma das tendências do capitalismo,com deterioração da propriedade privada. Se issoestivesse ocorrendo, a frente pioneira estariaestacionária e os conflitos no campo tenderiam

a diminuir. Isso não está ocorrendo, com aampliação dos embates para áreas onde aestrutura agrária concentrada há muito já estáconsolidada. Isso pelo fato dos conflitos setornarem mais generalizados e violentos na frentepioneira, a manutenção de um pedaço de terra,se estivermos falando de uma reforma Agráriacapitalista. Apesar de aguerrido, o Movimentocamponês ainda não teve força para fazerprevalecer os seus direitos sobre a terra(usucapião, titulação de posse), de acordo coma legislação do Estatuto da Terra ou no goradoprojeto de Reforma Agrária da Nova República7 .Já uma reforma agrária aos moldes do socialismoreal, não seria correto nos referir à pequenapropriedade privada da terra, apesar da suamanutenção em países (i.e. Polônia) quandoneste regime. Outro fato relevante é de queMartins generalizou a afirmação de que apropriedade privada não fazia sentido para todosos lavradores sem terra (ou melhor, para oslavradores sem a propriedade privada da terra).Fatos mais recentes na questão agrária brasileiraligados ao Movimento Sem Terra nos mostramque a afirmação, além de precária, se revelouimprecisa. Caso ocorresse apenas a luta pelamanutenção das formas não-capitalistas, asformas populares de propriedade da terra nãoestariam a salvo do voraz capitalismo e vale apena refletir sobre o texto a seguir:

Recordai-vos de O Capital de Marx. Aíencontrareis uma indicação sobre aextraordinária diversidade das formas depropriedade fundiária-feudal, de clã, comunal(acrescentemos aqui: constituída pelo direitodo primeiro ocupante ou posse), estatal, etc.-que o capital encontra quando de sua apariçãona cena histórica. O capital subordina a si etransforma à sua maneira todas essasdiferentes formas de propriedade fundiária;contudo, para compreender, apreciar eexpressar este processo com o auxílio deestatísticas é preciso saber modificar as formasde colocar a questão, bem como os processosde análise, em função das diferentes formasque ele pode assumir. O capitalismosubordina a si tanto a propriedade comunalquanto a posse ou a propriedaderegulamentada por uma livre e gratuitadistribuição da terra no quadro de um Estadodemocrático ou de um Estado feudal (...). O

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processo de desenvolvimento e triunfo docapitalismo é, em todos esses casos, da mesmanatureza, mas ele não se reveste da mesmaforma. Para compreendê-lo e estudá-lo comprecisão não é possível contentar-se nem comfrases pequeno-burguesas estereotipadasacerca da agricultura baseada no trabalhofamiliar, nem com os processos tradicionaisde confrontação apenas das superfícies dasterras . (LENIN, 1980, p. 52).

NOTAS

1 Sobre “rendimentos líquidos negativos” verréplica e tréplica entre José de Souza Martinse Paulo Sandroni, respectivamente nas obras:MARTINS (1986) e SANDRONI (1980).

2 Leo Waibel, geógrafo alemão que desenvolveutrabalhos no Brasil entre junho de 1946 eagosto de 1950, realizou dois artigos de maiorimportância sobre as regiões agrícolasbrasileiras, entre outros. “Princípios daColonização Européia no Sul do Brasil” e “AsZonas Pioneiras Atuais” só podem sercomparadas a “Pionniers et Planteurs de SaoPaulo” do geógrafo francês Pierre Monbeig.Apesar de Martins tê-los utilizados como pontode partida para novas contribuiçõessociológicas em 1971, em artigo datado de1980 (“Migrações e Tensões Sociais naAmazônia” in Expropriação e Violência),compara-os aos tecnocratas “estes geógrafosfranceses” que “de modo ambíguo chamam dezona pioneira, terra livre a ser conquistada peloespírito empreendedor dos novosbandeirantes” (Martins, 1980-b, p. 68). Waibeldiferenciava formas de ocupação agrícola eoptara por estudar as frentes pioneiras eidentificava o estágio “pré-pioneiro” e os conflitosadvindos da grilagem da terra (ver Waibel, 1979,p. 282 e 299). Monbeig alertava, em 1950, parao uso indiscriminado de “frente pioneira”preferindo usar “franja pioneira”, destacando nocapítulo “Marche Pionnière” os precursores dessafranja: os indígenas, os “mineiros” (caboclos),dedicando um capítulo bastante interessantesobre a psicologia “bandeirante”.

3 Os textos analisados constam do livroExpropriação e Violência (A Questão Políticano Campo). Ed. HUCITEC, SP, 1980. Sãoeles: “Terras de Negócio e Terra de Trabalho:

contribuição para o estudo da questão agrária”(1980-a); “Migrações e Tensões Sociais naAmazônia” (1980-b). Texto mais elaboradoteoricamente e importante para entendê-lo é“Sujeição da Renda da Terra ao Capital e oNovo Sentido da Luta pela Reforma Agrária”,publicado em FÉLIX, M. (ed.). Encontros coma Civilização Brasileira. Rio de Janeiro,Civilização Brasileira, 1980-d e no livro “OsCamponeses e a Política no Brasil – as lutassociais no campo e seu lugar no processopolítico” , 2ª ed. Petrópolis, Vozes, 1983.

4 Martins afirma que essa recusa seria a únicamaneira de entender a generalização e aviolência dos conflitos pela terra por todo opaís e, em especial, nas zonas pioneiras. VerMartins (1980-d, p. 218), citado a seguir:“Essa , aliás é a única maneira de entendermoso porquê do alastramento rápido e violento deconflitos pela terra em todo o país nos últimosanos, especialmente nas frentes pioneira. É queo posseiro não paga a renda da terra a ninguém:nem como aluguel nem através da compra daterra. É muito significativo que justamentegrandes empresas capitalistas e não toscossenhores do sertão estejam envolvidos nessesconflitos. Enquanto o lavrador luta pela terrade trabalho, a grande empresa capitalista lutapela renda da terra”.

5 Minhas dúvidas se referem à afirmação deMartins de que o processo de expropriação éconduzido diretamente por grandes empresascapitalistas, nacionais ou multinacionais, comamplos incentivos do Estado, reduzindobastante o papel dos “velhos coronéis”. Seriainteressante analisar os casos não ligados aosCAIs pela subordinação indireta do capitalcomercial, fato esse observado na Amazônia eentre os posseiros.

6 Esta pressuposição de Martins não deve seraceita como sendo generalizada. Ela pressupõetambém que não haja exploração da força detrabalho dentro da família apenas pelo fato destetrabalho não ser assalariado. Não é raro o casode parceria entre membros da mesma família naspróprias terras ou do assalariamento temporárioentre pequenos proprietários entre si.

7 Só mais recentemente, com o fortalecimento doMovimento Sem Terra, originário da parte mais“capitalista” do país, a luta pelo acesso à terratêm obtido alguns resultados mais concretos,mesmo na Amazônia, não obstante o alto custopela morte de posseiros nesse processo.

48 Geografia, Londrina, v. 8, n. 1, p. 37-48, jan. / jun. 1999

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Confronto: necessidade de modernização tecnológicae gestão das indústrias de confecção em Londrina

José Barreira*

RESUMO

Mão-de-obra “qualificada” fora dos países centrais. A América Latina representa perto de 1% nas exportações deroupas para o mercado internacional, embora haja uma crescente participação dos países da América Centralcomo fornecedores para o mercado dos Estados Unidos da América. Os trabalhadores da Guatemala, de Honduras,do México são os mais desejados. As limitações na formação e qualificação da mão-de-obra neste ramo carregamuma herança histórica impressa numa antiga prática do “putting-out” na Inglaterra ou verlag na Alemanha doséculo XVI: qual seja a nossa contemporânea instituição denominada de facção, uma divisão técnica do trabalhorealizado fora dos muros dos mais variados tipos de manufaturas, ou seja, tarefas encaminhadas para serem feitasfora da grande unidade fabril, e também fora do país. Ao refazer o perfil de sua atuação local, o SENAI podeestar interpretando a manifestação de uma possível divisão espacial do trabalho com forte presença dos ramostêxtil e de confecção no Norte e Noroeste do estado. A precisão das suas escalas possibilita uma reproduçãouniforme dos modelos em quaisquer dos tamanhos requeridos pelo mercado de uma referida fábrica.

PALAVRAS- CHAVES: Sub-contratação de mão de obra, formação de mão-de-obra.

INTRODUÇÃO

A produção em grande escala para atender oconsumo massivo ou padronizado é cada vezmenos expressiva no ramo da indústria deconfecção nos países industrializados. O próprioconceito de moda, agora levado às últimasconseqüências nesse contexto, não é mais capazde amparar a massificação do consumo, nistoos interesses crescentes por estilos ou desenhosjá estão superando as opções por roupas emfunção do preço, ou seja, a escolha em funçãopreço é cada vez menos importante. A produçãode roupa por lote é crescente, que combina coma realidade da moda, e está se aperfeiçoando demodo a poder atender aos novos requisitossociais e culturais. Também, em conseqüênciadisto, as plantas industriais menores vão setornando mais presentes, uma vez que se ajustamaos processos de produção e de trabalhoflexíveis, acentuando mais ainda a baixacomposição orgânica do capital, que é uma das

características não apenas desse ramo, como daspequenas empresas em geral.

Em termos de tecnologia quando se tornoupossível, quase que instantaneamente, evoluir deum design original para definição detalhada doplano de corte de todos os seus tamanhos defabricação, viabilizaram-se formas de organizaçãoda produção flexíveis em bases de ‘respostasrápidas’ a mudanças nos padrões da demanda.Muitas firmas (...) como o caso Benetton –passaram a concentrar suas atividades nas etapasmais nobres, de alto valor adicionado,subcontratando firmas menores para realizar asetapas mais intensivas em trabalho, estãocrescentemente associadas a parcelas menores devalor adicionado1 , como costura, pregar botõese zíper, por exemplo. Nesse caso, a incorporaçãotecnológica no ramo de confecções representapouca expressão em termos massivos, poucasindústrias aí dispõem de dispositivos micro-eletrônicos de automação para reduzir tanto osdesperdícios de matérias-primas nos cortes como

* Professor Adjunto na Universidade Estadual de Londrina. E-mail: [email protected]

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no tempo de reprodução das peças, dos modelos.O tingimento e acabamento dos tecidos nasmalharias foram beneficiados também pelasnovas tecnologias baseadas na microeletrônica.

1. A MÃO-DE-OBRA “QUALIFICADA”FORA DOS PAÍSES CENTRAIS

Contudo, no ramo de confecções, há umadistância considerável entre algumas das fasesno processo de fabricação de roupas, como porexemplo entre corte, costura e montagem daspeças, por exemplo. O que se verifica atualmentena indústria de confecções nos paísesindustrializados é a intensificação datransferência da fase braçal (costura) do processode trabalho para países onde os níveis salariaissão infinitamente menores, sob o regime desubcontrato onde se estabelecem quantidades,qualidade, cor, durabilidade. Com exceção datarefa de costura, todas as demais fases comodesign, corte, acabamento e marketing sãomantidos centralizados nos países sedes dessasgrifes (internacionais). Incorpora-se aqui tambémos valores agregados mais expressivos do pontode vista tributário, acrescentando mais um fatorà formação das desigualdades nas trocasinternacionais.

Pelo lado da distribuição mundial, os paísespobres como Indonésia, Jamaica, Paquistão eBangladesh compõem o grupo de países quemais cresceram em termos de exportaçõestambém de vestuários, exatamente onde ossalários são os mais baixos do mundo, o quetorna menor o custo do trabalho, transformandoesta situação num instrumento de políticaindustrial e de exportações, pelo que istorepresenta de vantagens na competitividadeindustrial em termos mundiais. Desse modo,internacionalmente, parte das fases de produçãoestá cada vez mais se deslocando dos paísescentrais para os países da periferia como nospaíses da Europa Oriental e da Ásia, como naChina (salário de US$5 mensais por uma jornadade 12 horas diárias) em Hong-Kong, Singapura,Taiwan; no Norte da África (Marrocos, Argélia,Tunísia) e ainda na Jamaica, Brasil e etc.. AAmérica Latina representa perto de 1% nasexportações de roupas para o mercadointernacional, embora haja uma crescenteparticipação dos países da América Central como

fornecedores para o mercado dos EstadosUnidos da América. Observemos o conteúdo daentrevista a seguir realizada nos estúdios da CBSna Califórnia (EUA):

Um repórter da CBS (tv), em meados de 1996,entrevista David Plummers, um fabricante deLos Angeles contratado por etiquetas comoANNE CLEIN e J.CREW. Este introduz que acostura que aquele utiliza é feita por empresassubcontratadas, as quais empregam 500trabalhadores, mas existem cerca de 200 miltrabalhando nestas condições na Califórnia. Omesmo acrescenta que linha e agulha são umaatividade de terceiro mundo.

– Plummers: São todos imigrantes. Ninguémque tenha nascido na América sabe fazereste trabalho. É um trabalho muito difícil eentediante e as pessoas que o fazem são asque precisam muito do emprego.

– Repórter: O que procura?– Plummers: Eu procuro o trabalho

consciente. O Oriente era um paraíso. Eramaravilhoso. Eu tentei o Egito, a Turquia eoutros lugares: Bangladesh, Paquistão.

– Repórter: O melhor trabalhador depois dooriental?

– Plummers: Os latinos–americanos. Não osbrancos espanhóis, mas os com sangueíndio. Os trabalhadores da Guatemala, deHonduras, do México são fantásticos. Hoje(...) não precisa sair de casa para encontrá–los. Hoje é possível fabricar roupas naCalifórnia e tem funcionado bem.

– Repórter: Mas funciona por usar mão–de–obra de terceiro mundo.

– Plummers: Exatamente assim2. (Destaquesnossos)

Numa outra reportagem apresentada emoutubro de 1996 pela tv americana, foi anunciadoque cerca de 50% da produção de roupas nosEUA é irregular por uma série de razões, mas aprincipal é pelo uso3 de mão-de-obra escrava.Esta situação é posta pelo aproveitamento detailandeses, coreanos, chineses e outros gruposque entraram ilegalmente no país. Tanto em NovaIorque quanto na Califórnia estes fatos serepetem com maior intensidade. Fato semelhantevem ocorrendo em Buenos Aires, envolvendooperários coreanos, bolivianos e brasileiros. Atéeste momento, no Brasil não temos conhecimento

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nem pela literatura e nem empiricamente dequaisquer registros desta natureza.

Para este trabalho, tais fatos têm apenas doissignificados: primeiro porque se trata dedumping social, os quais representam pequenasamostras da concorrência desleal que afetaatualmente a indústria da confecção brasileirae, o segundo, para situar os problemas quecercam não apenas a qualificação da mão-de-obra utilizada por este ramo industrial, mastambém a essência da moda mundial: quem eonde se cria a moda; quem, onde e como a mesmase realiza e quem consome roupas prontas.

2. O CENÁRIO LOCAL

A moda italiana está há tempo bem presenteno costume ocidental e brasileiro através decamisas, calças sociais e gravatas; osequipamentos para confecções alemãs eespanholas também estão ingressandolentamente no país, em função do custo. Este éum quadro de penúria para o resto do mundoprodutor de roupas, tanto para si quanto para osmercados europeus.

Aqui reside em parte a base da dependênciatanto de parte do hábito de se vestir quanto datecnologia utilizada para se fazer a moda.Existem parcerias (joint-venture) entre grifeseuropéias e americanas com os mais variadosfabricantes de roupas em Londrina, Cianorte,por exemplo. Tais relações são de produçõessubcontratadas, onde as empresas estrangeirascondicionam a continuidade dos negóciosmediante exigências de qualidade e padronizaçãodos produtos. Uma outra forma de subordinaçãoentre a criação e a produção, decorre da seguintecadeia: desenho realizado na Itália ou nos USA,o tecido é cortado por máquinas informatizadasespanholas ou alemãs e a costura de alto padrãopor máquinas de costura industriais japonesas.Este quadro representa, para os fabricantesbrasileiros, duras conseqüências, as quais vãodesde a carência generalizada de equipamentosadequados, exigidos mas não fabricados no país,à instabilidade que representa uma produçãosubcontratada. Trata-se de sujeições a fatoresexternos como, por exemplo, de políticas fiscale cambial, as quais podem afetar a continuidadedas relações comerciais entre os paísesenvolvidos em tal parceria.

Uma outra constatação igualmente dolorosa:na ponta final deste processo está a operadorade máquina (nas fábricas ou nos domicílios) emsubstituição à artesã (a qual deixou de existirquando lhe foi retirada a função de criar ouidealizar modelos de roupa). As máquinas decostura mais modernas introduzidas no ramode confecções reduziram ainda mais aspossibilidades de incorporação de ganhos emtecnologia senão no produto final4 .

O alto padrão de tecnologia sonhado para osdemais ramos industriais é, praticamente,dispensável ou descartável para a indústria daconfecção brasileira (com raras exceções), umavez que a mesma não oferece avanços oualterações que possam alterar significativamentea qualidade final do produto. O volume equalificação da mão-de-obra utilizada por esteramo industrial são compatíveis com o padrãotecnológico utilizado.

As limitações na formação e qualificação damão-de-obra neste ramo carregam uma herançahistórica impressa numa antiga prática do“putting-out” na Inglaterra ou verlag naAlemanha do século XVI: qual seja a nossacontemporânea instituição denominada defacção, uma divisão técnica5 do trabalhorealizado fora dos muros dos mais variados tiposde manufaturas, ou seja, tarefas encaminhadaspara serem feitas fora da grande unidade fabril,e também fora do país. Agora mais refinadanessa fase da produção, na virada do século,efetuada por terceiros é mais excludente ainda,pois os controles artísticos e técnicos presentesno artesanato para produzir uma calça, camisa,blusa, vestido ou saia por inteiros foramdesmontados para dar sustentação à produçãoem pequenos lotes, quando antes havia atendidoà produção personalizada e, mais tarde, àprodução em grande escala.

Para onde foram os antigos controles sobre amatéria-prima, meios de trabalho e sobre osprodutos finais que de certa forma estavam sobo domínio da família artesã? Tais controlestiveram suas desarticulações de modo continuadopelo Capitalismo Comercial e pelo CapitalismoIndustrial no Séc. XVIII. As Divisões Técnicasdo Trabalho foram se refinando e combinandocom as Divisões Sociais do Trabalho de tal modoque, na atualidade, a produção em massa deroupas prontas reduziu em muito o alcance dostrabalhos dos alfaiates e das costureiras (que

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todos nós utilizávamos), mas de certa formavalorizados por clientes que procuram porserviços personalizados. Os processos deprodução e trabalho no ramo da confecçãosempre foram mais flexíveis que em outros ramosindustriais, como na indústria têxtil, por exemplo.

Se a capacidade de fabricar roupas, para umaclientela variada e em grande volume, não estámais sob a decisão ou controle das costureirasartesãs, que processos de produção e de trabalhoestão sendo adotados para produzir roupas,diferentemente, daquele destinado para oconsumo personalizado? Há ainda algum impulsoindividual capaz de estimular a produção fabrilpara criar algum modelo de roupa de acordo comeste ou àquele gosto individual. A importância dosdesejos por este ou àquele modelo de roupa,com detalhes personalizados, quase se evaporouno processo de produção em grande escala e,mesmo sobrevivendo, não se aloja confortavelmentena produção em lotes. A maior certeza é que aartesã não desapareceu por completo.

Em realidade, a produção de roupas local,principalmente quanto aos enfrentamentos àsmudanças ou alterações tecnológicas no ramode Confecções, nos conduz tanto aos problemasde limitações de competência técnica quantoàs exclusões dos vínculos de tais competências(trabalho em vez de emprego). Para tanto,pretendemos nos ater um pouco mais naspolíticas de trabalho e tecnologia sob o comandode alguns órgãos públicos e privados,principalmente daqueles que tiveram e vêmproduzindo importantes e efetivas alterações nasnovas composições tecnológicas no ramo deConfecções. Ou seja, ficarmos atentos paraentender como a intensificação do trabalho nolugar do emprego representa um distanciamentode investimentos no preparo ou capacitaçãotécnica mais profunda do corpo funcionaldisponível no mercado para o ramo deConfecções, considerando que estes avançostecnológicos não são relevantes comparados,mais uma vez, com os ramos de fiação e têxtil.

2.1.Vertentes indefinidas entre o Capitale o trabalho: SENAI, ACIL,ADETEC e CODEL

Como a maior rede de formação de mão-de-obra profissional no Brasil criada em 1942, oSENAI6 (Serviço Nacional de Aprendizagem

Industrial) está hoje buscando uma reformulaçãodos seus conceitos e premissas advindos dopadrão internacional de organização da indústria,que até então eram as responsáveis pela suapolítica de profissionalização da mão-de-obra nopaís. Sua base estava fincada inteiramente noparadigma fordista. O novo caminho não significanecessariamente uma tentativa de negaçãosistematizada e antecipada7 desse regime deacumulação capitalista, mas sim de correções derumos na qualificação da mão-de-obra emdecorrência de alteração de enfoques porempresas que estão se vendo na necessidade demudar em parte a prática do emprego portrabalho. Tais necessidades em reorganizar aempresa no âmbito da flexibilização da sua mão-de-obra requerem suportes institucionais querespondessem teórica e metodologicamente portais mudanças. As novas diretrizes deste órgãoprivado apontam para uma organização comcaracterísticas de centro de tecnologia8 .

A produção flexível é a base das atuaisreflexões e ações objetivas no SENAI. Conformedocumento interno, é possível perceber o quepoderá resultar em termos de novos rumos oudiretrizes do que se fazer com a mão-de-obra. Apedagogia da condução da preparação da mão-de-obra está em mudança e esta deverá decorrerde uma das mais importantes questões que secolocam hoje na economia: (...) determinadosempregos que estão desaparecendo em algumasindústrias ou em determinadas regiões, é opróprio emprego que está desaparecendo emtodo o mundo (...) Entretanto, isto não significaque o trabalho desaparecerá. Há cada vez maistrabalho9 .

Conforme o referido documento10, cerca de¼ das organizações empresariais no mundojá estão em processos de mudanças quanto aomodo de encarar as formas de organização dotrabalho, ou seja, como elas estão estruturandoos processos de trabalho estabelecidos sobreconceitos de empregos, seja relativo as suasequipes permanentes, sobre sub-contratações detrabalhadores autônomos e sub-contratação deoutras empresas (trabalho domiciliar de tempoparcial). São respostas aos custos e à porosidadedo trabalho (just-in-time)11 .

Mesmo os elementos principais do fordismoestando bem vivos, como podemos ler sobreexemplos de significativas fusões ouconcentrações financeiras que vem ocorrendo

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em toda parte do mundo e no Brasil. Porexemplo, muitas organizações privadas vêmprocurando modernizar suas gestões, nãonecessariamente para reduzir a ociosidadeinterna, mas sim administrá-las da melhor formapossível, de modo a reduzir custos operacionaise racionalizar novos investimentos,estabelecendo a cada dia novos procedimentosadministrativos para enfrentar as alternâncias deexpansão e retração da economia mundial. Agestão da capacidade ociosa interna sempre foium procedimento constante na Indústria deConfecção, principalmente pela sazonalidade doconsumo de seus produtos. As indústrias daConfecção nos países centrais vêm praticando aexternalização da mão-de-obra, na medida queestão procurando transferir parte da ociosidadeinterna para os mercados de mão-de-obraqualificada já pronta, onde quer que estesestejam disponíveis também com número capazde garantir atendimento às demandasflutuantes: subcontratar uma quantidadeespecífica de mão-de-obra para o tempoestritamente exato de suas necessidades.

Percebe-se aqui que há uma tendência nasdiretrizes pedagógicas dirigidas para atividadeseducacionais vinculadas à formação profissional quedêem apoio a uma produção eminentementeflexível. O mesmo acontece com maiorintensidade ainda no SEBRAE, cuja atuação seconcentra principalmente nas atividades meio,onde atualmente a quebra de rigidezadministrativa é outro componente empresarialque está sendo cada dia mais requisitado, nãoem função apenas de crises cíclicas na economiamas pelo fato de que a gestão das atividades meiopode ser reorganizada com certa rapidez e comsignificativa redução de custos. É bomlembramos que as pequenas empresas semprepuderam fazer isto porque as baixas taxas decomposição orgânica de seu capital contemplampossibilidades desta natureza.

O ramo de Confecções local vem passandopor recentes aperfeiçoamentos gerais, embora deum modo mais lento que os demais setores, oimpedem também de atender ou promoversozinho um número significativo dequalificações da mão-de-obra 12. Aquisições deequipamentos mais sofisticados e próximos denovas exigências surgidas recentemente nasindústrias de confecções brasileiras, como porexemplo o CAD-CAM (Desenho Assistido porComputador aplicado à fabricação de moldes),

são restritas às grandes empresas que produzemtambém sob controle de grandes grifes, ou pelomenos, às empresas médias que podem pagarpor um serviço desses prestados pelo SENAI(Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial).Além deste equipamento já disponível nesteórgão em Londrina, seu ensino profissionalizanteenvolve uma nova frente de aperfeiçoamentode currículos dirigidos para cursos que possamatender a expansão do ramo de confecções, maisclaramente no estabelecimento de condiçõesnecessárias para tornar a região um pólotecnológico em confecção, conforme vem sendodivulgado pela imprensa em Londrina.

Ao refazer o perfil de sua atuação local, oSENAI pode estar interpretando amanifestação de uma possível divisão espacialdo trabalho com forte presença dos ramos têxtile de confecção no Norte e Noroeste do estado(figura 1). As alterações de enfoque sobre asáreas de atuação estão se verificando em todasas suas unidades no Paraná e Brasil. EmLondrina o SENAI já está ampliando eaprofundando as especializações em face doseu novo papel, não mais local, mas sim regionalde formação de mão-de-obra. A sua funçãoenquanto centro de formação profissional estáapontado pragmaticamente para a configuração deum Pólo de Tecnologia. Neste seu novo papel que,de certa forma, segue à clássica expressão tomadado senso político que é a “vocação regional”, existeuma ação substantiva que corresponde em assistirtécnica e tecnologicamente às indústrias deconfecções local e regional, num patamar detecnologia, de modo que possam introduzirvantagens numa baixa capacidade decompetição, minimamente, interna.

Contudo é preciso lembrar que a qualidadedos produtos voltados para o mercado local deveestar no mesmo nível que os oferecidos aomercado internacional, uma vez que os produtosimportados estão presentes em quase todas ascidades brasileiras. Por isto é preciso produzircom qualidade internacional para vender aquimesmo em Londrina13 , conforme nos foiexpresso numa entrevista.

Em que consiste os equipamentosinformatizados como Desenho Assistido porComputador (CAD)14 na forma de produzirroupas do ponto de vista da qualidade finaldecorrente desta nova tecnologia? Quais osganhos de competitividade que as pequenasfábricas de confecção adquirem?

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A técnica da utilização de CAD15 envolveequipamentos de difícil acesso para a maioria dasempresas do setor, por diversas razões que vãodesde a não disponibilidade de um capital daordem de U$100mil (aproximados), ou paraempresas cuja técnica é dispensável em face derelação qualidade/clientela tranqüila16 ou noscasos de empresas que alcançaram soluçõestécnicas internas que dispensam a mobilizaçãoimediata deste investimento de capital, sendopreferível recorrer a assistência tal como aoferecida pelo SENAI. No seu conjunto, osistema oferece as seguintes possibilidadestécnicas:1. gerar e modificar moldes;2. ajustar e criar arquivos de moldes;3. ampliar e reduzir os modelos;4. criar e editar moldes para encaixes posteriores;5. analisar a grade e a largura do tecido;6. produzir encaixes de modo a encontrar omelhor índice de aproveitamento do tecido;7. imprimir e conferir os modelos nas escalas,coluna e encaixes e8. acompanhamento técnico do sistema de cortenas empresas.

Gerar e modificar moldes mediante

procedimentos eletrônicos representam umaeconomia de tempo considerável para asConfecções que produzem modelos variados eprecisam realizar combinações de cortes. Oscortes criados pela modelista podem sermelhorados, modificados ou retocados paraalcançar melhor expressão estética. A formaeletrônica como são arquivados os desenhosrepresentam não apenas redução de custos compapéis, mas também uma segurança aosoriginais, os quais podem ser recuperadas comrapidez para a linha de produção ou mesmo parauma desejada reprodução impressa (livros e revistasde moda) com maior fidelidade aos originais.

Outra técnica eletrônica, que aqui fazdiferença em termos competitivos, é aquela quepermite redimensionar os moldes parareproduzí-los em diversos tamanhos. A precisãodas suas escalas possibilita uma reproduçãouniforme dos modelos em quaisquer dostamanhos requeridos pelo mercado de umareferida fábrica. Para uma produção voltada paraclientelas específicas (adultos, por exemplo),várias possibilidades são postas para diversificá-la conforme o tamanho dos manequins. Estatécnica pode representar significativa reduçãode custos além das facilidades e segurança com

Figura 1 – Formação profissional (2º grau) pelo SENAI do Paraná

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que os moldes podem ser recuperados notamanho requerido em dado momento. Oacompanhamento do processo de criação que seiniciou na fábrica também incorpora vantagenscompetitivas na medida que este procedimentocontribui para reduzir a quase totalidade dedesperdícios e, ao mesmo tempo, possibilitacondições de melhorar a capacidade artística domodelo inicialmente criado.

Como os fios de tecidos seguem uma direção,os moldes da manga, frente, verso e colarinho –no caso de uma camisa; frente e costa de umacalça, ou ainda, a manga, costa e frente decamiseta precisam acompanhar de modoadequado a disposição dos fios, isto permite queas partes, após concluída a peça (camisa, calça,camiseta) tenha uma acomodação estéticaharmoniosa ao corpo. Um outro aspectovantajoso deste recurso de desenvolvimento dotrabalho é o que ele possibilita de precisão eeconomia: a forma com que os moldes sãoprojetados nas peças de pano pode reduzir quaseque totalmente as perdas que chegam a 20%,em média.

Acompanhamentos das mudançaseconômicas, científicas e tecnológicas no ramoabrangem tanto a chegada de novas tecnologiaspara o país, como as transferências de tecnologiasmaduras das regiões mais industrializadas dopaís para as localidades do interior onde tantoempresários quanto o poder público estãobuscando alternativas ou adequações deprocessos industriais para as atividades fabriscomo forma de superar não apenas os efeitosrecessivos no campo, mas também de receitastributárias tão escassas. Disto resultam enormesmobilizações de políticas públicas, privadas emistas para reduzir a irregular distribuiçãoespacial da infra-estrutura econômica, como odiminuto número de Centros de Pesquisas emTecnologia e ausências de Pesquisa deDesenvolvimento nos setores privados, etc.. OSENAI já encara o papel de repassar tecnologiase técnicas a partir de desenvolvimento técnico-científico produzidos fora da instituição. Aspretensões do Pólo de Tecnologia devemremetê-lo para desenvolvimentos tecnológicosa partir da experiência decorrente da relaçãoSENAI-empresas, qual seja, um processo deincorporação de tecnologia por conta de repasseda mesma e não de desenvolvimento interno.

O segundo instrumento de apoio, embora

bastante distante dos trabalhos acadêmicos pelasua natureza pragmática enquanto organizaçãovoltada para os interesses de comerciantes eprestadores de serviços e agora tambémindustriais o desempenhado pela ACIL(Associação Comercial e Industrial de Londrina).Este instrumento de apoio merece ser observadoem seus novos papéis na atual fase deintensificação da competição entre empresas, asquais estão se reorganizando para tanto. Hápouco tempo vimos refletindo sobre as formase os rumos que as manifestações dos empresárioslocais estão tomando como soluções dasempresas fabris locais. Sempre houve certainquietude diante de novos enfrentamentos,principalmente no campo em que menos tinhamcapacidade de alterar, como no caso de fatoresmacro e microeconômicos. Recentemente nosdeparamos com a seguinte manifestação queilustra bem uma inquietação:

A ACIL, nasceu há 58 anos – completadosno dia 5 de junho – como resultado de umanecessidade iminente. Londrina, então umjovem e emergente centro Urbano, buscavana união dos empresários a força para garantirconquistas. O pensamento dos pioneiros éhoje o mesmo defendido e disseminado pelaassociação. O que mudou nesse tempo todoé o quadro de necessidade dessa união. Emoutras palavras, Londrina cresceu muito aolongo dessas seis décadas, provocando adispersão de seus líderes. É um processo aomesmo tempo natural – a aglutinação porsetores gera esse feito – e danoso, já que aforça que estaria multiplicada acabadissolvida. Essa tem sido a batalha da ACIL:reunir os empresários em torno de umobjetivo comum que é garantir conquistaspara Londrina. Isto não significa em momentoalgum, questionar as instituições setoriais ouvalidade das lideranças formadas em tornodelas. Ao contrário, é reforçá-la ainda mais,através de um movimento de uniãomultisetorial competente, eficiente,contundente e, acima de tudo, isento dequalquer outro interesse. Todas as iniciativasimplementadas pela ACIL, desde julho doano passado, têm essa proposta de base. Sãoos cafés da manhã, são os almoços de líderes,são parcerias formadas para eventosconjuntos. Em tudo que a ACIL fez ou fizer,

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haverá conceito de união. É disso queLondrina precisa, há muito tempo, e aindamais agora. Francisco Negri Filho –Presidente da Associação Industrial eComercial de Londrina.17 (sic)

Estas manifestações públicas estão apontandoque a intensificação das atividades internas nasempresas – assim como um aprofundamentoda divisão internacional do trabalho, que tambématingiu a formação industrial local, separandoinclusive interesses de grupos até do mesmo ramolocal – o que propiciou o afastamento de muitosempresários das organizações como dasassociações comerciais e industriais. Com muitafreqüência, empresários nos relataram sobre areduzida disponibilidade de tempo paraparticipar mais efetivamente das reuniões emsuas respectivas associações, mesmoconsiderando ser fundamentais para divulgar eincorporar novas informações, ou seja, tornar oconhecimento algo produtivo para o setor. Nocampo de gerenciamento das informações, nocaso, sobre comportamentos e tendências demercados estão disponíveis no SEBRAE e naACIL. Isso ocorre também porque a maioria dosempresários entrevistados no ramo de confecçõesrealiza múltiplas tarefas dentro das suasfábricas18 .

O empresário de confecções conhece todosos detalhes da empresa: desde a compra dematéria-prima, processos de costura, legislaçãotrabalhista, contabilidade, mercado e etc.. Essamaneira de conduzir os negócios está muitopresente nas empresas familiares, as quais sãoas que mais encontram dificuldades impostaspelas necessidades das organizações de classescomo forma de discutir soluções intersetoriais.Há bem pouco tempo é que a AssociaçãoComercial e Industrial de Londrina voltou-separa empresários industriais, de modo a levá-losa compor numa organização que era puramentecomercial, procurando com isto abrir o caminhoimposto pelos obstáculos concorrenciais, os quaisse antepunham às empresas fechadas em simesmas e setorizadas. Parte das fábricas deconfecções está hoje abrindo suas próprias lojasonde pode obter algum lucro que a fabricaçãonão garante na proporção dos investimentosefetuados, conforme ouvimos no levantamentode campo.

Muitas vezes a prática de se conduzir os

negócios da empresa neste ramo pelo patriarcaimpede uma participação criadora e científicanão apenas dos membros da família mas dosfuncionários formados e capacitados para aadministração moderna. Com muita freqüênciaouve-se: eu toco meu negócio desse jeito, semprecisar de ciência e sempre ganhei dinheiromesmo sem tecnologia moderna19 .

Um terceiro instrumento de incentivo àformação empresarial como comércio, serviçose indústrias, ou seja, voltado a expansão dosetor privado utilizando parceria com os setorespúblicos mas com iniciativa e gerenciamento(figura 2) privado foi a criação da Associaçãodo Desenvolvimento Tecnológico de Londrina(ADETEC), implantada em 1993 numainiciativa do poder executivo municipal local. Asua inspiração está baseada no forte interesse eminstalações de unidades industriais privadas emlocalidades que ainda possam estar apresentandoalgumas vantagens aglomerativas, principalmenteno interior, nas chamadas Tecnópolis comoCampinas, São Carlos, São José dos Campos (emSão Paulo), Campina Grande (Paraíba), SantaRita do Sapucaí (Minas Gerais) e Joinville (SantaCatarina).

O quarto órgão de apoio, o Sindicato daIndústria de Vestuário do Paraná (SIVEPAR)não congrega hoje mais que 1/3 dos empresáriosdo ramo de confecções, onde o afastamento émuito mais forte que no setor comercial e deserviços. Com isto mantém-se enfraquecido oseu poder reivindicatório ou de intervençãodireta ou indiretamente voltado tanto para oestabelecimento de condições de formação demão-de-obra e de promoção de ramos industriaiscomplementares como têxtil local. É precisoconsiderar ainda a pulverização das unidades deconfecção por todos os portes de centrosurbanos, o que dificulta qualquer mobilizaçãodos empresários. Mais recentemente o Sindicatodo Vestuário do Paraná foi regionalizado, comunidades em Curitiba, Londrina, Maringá eoutras cidades com presenças expressivas deindústrias de confecção.

Para o interior do país a competição édesleal em parte pela política de industrializaçãocorrer por conta de estímulos oficiais, uma vezque há pressões de setores industriais locais parase criar ou melhorar as ofertas urbanas (infra-estruturas) de modo que as mesmas sejamtomadas como referência para novos investidores.

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Esta postura aponta para um processo de negaçãodaquilo que é homogêneo: criação de singularidadesque permitam tornar o município atrativo, comolugar privilegiado para novos investimentos, tanto

externos quanto provenientes da expansão daindústria local em funcionamento (fiação e têxtilem Londrina, por exemplo).

Figura 2 – ADETEC - Estrutura funcional

Conforme empresários entrevistados, épreciso que se coloque novo serviço urbanopara o enfrentamento da concorrênciainternacional, a qual coloca grande parte dosfabricantes de roupas em situação ainda maisdesigual, levando em conta àqueles que estãoestabelecidos nos médios e grandes centrosurbanos, os quais dispõem de vantagensoferecidas pela localização de fornecedores,indústrias complementares (fiação e têxtil) comoAmericana-SP; pólo tecnológico (Campinas-SP)bem como vias de grande tráfego como a Rodoviados Bandeirantes e Via Anhanguera/SP, as quaispossibilitam maiores vantagens no processo dedesconcentração industrial.

Segundo o empresariado local, a localizaçãode Londrina frente a este quadro desigual dedistribuição de infra-estruturas requer umtrabalho voltado para o marketing sobre aprodução local, fato que vem ocorrendopressionado pelo setor privado para ser postoem prática de forma cooperada com o públicolocal. Em outros termos, a liderança industrialem Londrina vem procurando estabelecer parao município uma referência nacional, algo comoa especialização industrial e qualidade doproduto fabricado, como a produção de roupas,por exemplo20 .

Estamos procurando sustentar a hipótese daforte dependência do setor privado ao setor

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público tanto como regulador quanto indutorde política industrial e urbana, dentro dos limitesde sua competência legal e recursos financeiros.O fato do poder público local se mobilizarobjetivamente diante de pressões setoriais paradelimitar setores numa dada configuraçãoespacial – como o programa de criação do PóloTecnológico de Londrina – revela as dificuldadestanto de formação quanto de manutenção dasempresas no interior do país, principalmente,quando se trata de acesso ao progresso técnico.Basta observar isso nas articulações estabelecidasna política local voltada para tornar Londrinanuma Tecnópolis.

Mais uma vez aqui é possível insistir naabstração das dificuldades interpostas paraempresas locais revelada pela formação dosseguintes grupos de trabalhos temáticos:Software, Eletro-eletrônica-Telecomunicações,Biomédicas, Vestuário e Casa da Ciência.Empenho persistente na criação dos cursos deEngenharia Elétrica e Mestrado em Ciências daComputação na Universidade Estadual deLondrina também são apontados como umcaminho para a tecnópolis, numa perspectiva dealiviar em parte as dificuldades de transferênciastecnológicas para setores industriais emergentesem Londrina e região que se utilizam direta ouindiretamente das mesmas. O setor têxtil local eregional se interessa por essa mobilização.

Na referida política voltada para estabelecerum Pólo de Tecnologia local estão envolvidosórgãos empenhados tanto em pesquisas básicasquanto aplicadas, por órgãos locais como aEMBRAPA (Empresa Brasileira de PesquisaAgropecuária), IAPAR (Instituto Agronômico doParaná) com sede em Londrina e a UEL(Universidade Estadual de Londrina). Nesteúltimo onde está o ITEDES (Instituto deTecnologia e Desenvolvimento Econômico eSocial), os Departamentos de Artes, Química eCiências de Alimentos. Outros órgãos locaistambém estão preparados para repassartecnologias e serviços ao setor privado, tais como:SERCOMTEL (Serviço de ComunicaçõesTelefônicas de Londrina), TELEPAR(Companhia Telefônica do Paraná), SENAI eSEBRAE. O projeto Pólo de Tecnologia compõeum processo complexo que poderá convergirpara um tecnopólo com características própriase sob condições históricas locais, passando aolargo de possíveis semelhanças com os casos de

Campinas, São José dos Campos (São Paulo) eoutros centros. As condições históricas em quese deram grandes investimentos no territóriopaulista pelos governos federal e estadualconstituem uma das grandes diferenciações coma realidade do interior do Paraná, bem como poroutras razões21 que cercam o atual papel de SãoCarlos (SP).

Consultores e analistas de mercado vêmapontando para que os empresários do ramo deConfecção no país escolham entre dois rumos:criar moda e produzí-la para competir em altopadrão ou copiar e produzí-las a custos maisbaixos possíveis. O primeiro caminho, aqui omais importante, é o da produção independente,com modelos e etiquetas próprias, e formas dedistribuição e comercialização não apenaseficientes e sim eficazes para reduzir os altoscustos provocados nas mudanças constantes decanais de distribuição, principalmente daquelesque já haviam consagrado seus produtos nosmercados.

Quando nos referimos ao saber e podertemos diversos pontos a considerar sobre asproduções independentes. O primeiro deles ésobre a cultura empresarial impregnada domoderno que acompanha atentamente astécnicas enlatadas. Considerando que na Itáliaos estilistas estão projetando moda para daqui acinco anos a partir de estudos de comportamentosocial (Remo Veronesi)22, a situação do carátercriativo em termos mais abrangentes no Brasilse apresenta como um quadro de muitasrestrições. Uma delas porque a presença dopadrão criativo externo tem um enorme peso“cultural”, além do que é acompanhado de umreforço fundamental, o marketing global, e porisso mesmo de menor custo para quem reproduzmodas, considerando que elas já estão prontas.Salvo exceções, a produção de roupas sociaisno país, como em todo lugar no mundo, tem selimitado a acompanhar uma moda que estápronta há mais tempo, com pouquíssimasvariações. Restaria então a criação de modaspara consumos sazonais e de clientelas receptivasàs novidades concentradas em produtos parajovens ou para faixas de renda menores, ambasrepresentadas por contingentes numerosos emquase todos os lugares – cujos elementos emcomum são as roupas em tecidos de malha(camisetas, por exemplo) e de jeans (calça, saia,jaqueta).

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Mesmo que o costume em grande escala astenha tornado uma combinação esteticamenteperfeita do ponto de vista da maioria dos seusconsumidores, pode-se dizer que não sãoproduzidas pelo mesmo segmento industrial. Istorevela como a importância na qualidade doproduto final frente à competição separa asespecializações que, na prática local, não sãopuras como se pode perceber no leque de 294variedades de roupas produzidas nas 248

indústrias de confecções em Londrina (tabela1), números crescentes mas ainda reduzidos emtermos de constituição de um pólo de confecçõesuma vez que a sustentação complementar têxtillocal e regional também é frágil. O ramo dovestuário local demonstra um consideráveldesequilíbrio em termos de participações,considerando o conjunto dos seus segmentosindustriais complementares, como se podeobservar na tabela 1.

Tabela 1 – Participação dos Segmentos no Valor Adicionado Bruto do Vestuário em Londrina (1993)

Segmentos da Confecção

Valor Adicionado Bruto

(US$)

Participa- ção

no VAB (%)

Número de

Empresas

Participação no total das

Empresas (%)

Confecção de roupas e agasalhos 96.309.153 99 248 88 Fabricação de calçados 975.271 1 12 4 Confecção de artefatos de tecidos 175.748 0 8 3 Confecção de acessórios profissionais e de

segurança

137.064

0

2

1 Fabricação de chapéus 93.888 0 7 2 Fabricação de acessórios do vestuário 47.001 0 2 1 Tingimento, estamparia e acabamento em roupas

26.679

0

2

1

Totais 97.764.805 100% 282 100%

FONTE: Consulting, A. Plano de desenvolvimento industrial de Londrina. Livro 2. - Análise do setor têxtil.1995.

Esta observação não vale para o modeloindustrial que se vem buscando para fortalecer aeconomia local. Ou seja, nenhuma políticaindustrial segura poderá apostar num equilíbrioentre setores e ramos industriais, mas sim nasua diversificação. Determinismos históricosremanescentes respondem em parte pelasdiversificações pontuais no mundo moderno (opapel dos lugares na fragmentação dos processosde produção). Em outros, termos, não se tratade conceber uma cidade que seja a expressãomáxima tanto na indústria de sapatos quanto deroupas e chapéus. Vejam os exemplos das cidadesespecializadas em chapéus, calçados em geral einfantis; cidades dos bordados, das malhas, eassim por diante.

Além do mais, e em geral, as indústrias queproduzem roupas de alta qualidade costumamtrazer pouquíssimas diferenças estéticas nos seusprodutos finais entre si. Do ponto de vistaconcorrencial este é um complicador a mais parauma determinada marca, porque a clientela pode

perder ou ficar sem uma referência sobre asvantagens entre uma e outra etiqueta, como é aprincipal preocupação da Levi’s23 . A grife é umreferencial importante para o consumo, mesmo que,necessariamente, não signifique o melhor produto.

A indústria do vestuário no Brasil não contava,até maio de 1996, com normas técnicas oupadronização para os modelos de roupas. Ouseja, as indústrias de confecções não podiamobedecer a medidas básicas tais como tórax/busto, colarinho e altura e comprimento usadospelas confecções brasileiras. Segundo aproprietária de uma confecção local, apadronagem vai acabar com diferenças depreços gritantes entre os fabricantes, causadaspelo aproveitamento do tecido. Como osmanequins são diferentes, alguns utilizam maistecido que outros e por isso têm que vender seuproduto mais caro.24 A norma25 sobre amodelagem padrão entrará em vigor em agostodeste ano, com acompanhamento peloINMETRO (Instituto Nacional de Pesos e

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Medidas) que fiscaliza a precisão (centrimetragem)nas medidas das roupas, bem como o PROCON(Serviço de Proteção ao Consumidor), cujosresultados se traduzem em dois instrumentos deseleção que podem reduzir em muito acompetição no ramo de confecções, por exemplo.

Poucos daqueles que criam localmente umaou outra moda as fazem com muitas dificuldades,pois as qualificações de que dispõem para isto têmsido apenas a intuição, já que não contam comlaboratórios de Pesquisa & Desenvolvimento. Aformação de estilista no interior do país poderáaté ser resgatada como uma requisiçãorelativamente renovada, mas apenas entre asempresas independentes interessadas não emreproduzir moda mas sim produzir a sua moda.Para esse empresário, produzir para grifes é omesmo que vestir pavão alheio 26 .

Contudo, neste primeiro ponto, o quesentimos nas empresas entrevistadas foi que, emparte, a ausência da criação se deve à culturaempresarial da maioria dos empresáriosarraigados em tocar seus negócios de modointuitivo27, condição esta que não permiteefetivamente considerar que as condições atuaisde competitividade requerem novascompreensões, principalmente sobre os fatoresde mercado que se ampliaram consideravelmentenos últimos anos, como por exemplo: produzirpara o mercado local hoje é o mesmo queproduzir para mercado internacional – aconcorrência internacional está aqui. (E.H.fabricante de malharia e confecções). Nesse casoa aceitação do estilista teria de ser massiva, o quenão ocorre, sendo utilizada bem mais porpequenos confeccionistas de roupas sociais ede gala.

O segundo ponto é quanto à visão ecapacidade de financiar a modernização e asconfecções em países como o Brasil, onde sãomuito restritas ou inexistentes asdisponibilidades de recursos financeiros própriossuficientes para ser investidos em atividadesmeio com capacidade de promover alteraçõessubstantivas dos fatores externos que afetam osseus mercados. Como os lucros investidos emmeios de comercialização ou em reduzidonúmero de novas máquinas já esgotam acapacidade das empresas em superar aslimitações internas, não têm sobrado quase nadapara se fazer ainda mais diferentes e competentesem termos de competição, em outras palavras,

o máximo que poderá ocorrer é acompanhar areboque o processo de modernização neste ramo,concentrando-se mais na moda que nosequipamentos propriamente dito.

O mesmo vem acontecendo com relação àcapacidade de investimentos em pessoal, cujosvalores são reconhecidamente desprezíveis namaioria das empresas do ramo. Considerando-se que as atividades de apoio externos à formaçãoda mão-de-obra na indústria para a confecçãolocal não atendem o número e nem a qualidade,nem mesmo a tarefa mais simples dentro de umafábrica de roupas, o serviço de juntar peças comuma máquina de costura moderna é realizadotanto por costureiras já profissionais ouarrebanhadas tanto junto aos serviços domésticosquanto por bóias-frias do sexo masculinosubtraídos das colheitas de cana-de-açúcar ou detrabalhos braçais. As dificuldades em qualificara formação profissional na base deste ramo têmsido muitas, assim como nas especializaçõesintermediárias para lidar com máquinas eequipamentos numa faixa de tecnologia medianautilizada pela maioria das confecções brasileiras.

Em termos gerais, a capacidade criativa temsido reduzida às condições mínimas na maiorparte das empresas, mesmo entre as interessadasem realizar uma modernização substantiva, ouseja, ampla em todos os aspectos exigidos pelosetor, incluindo-se aí a relação capital-trabalho.As limitações mais severas disto partem de forapara dentro da empresa e mantém todos nósimpotentes para realizar modernizações do nossointeresse (...) dificuldades que atingem a todos.(dono de pequena confecção). O coletivoapontado significa que as mesmas dificuldadessentidas pela maioria das empresas do ramo deConfecções têm determinantes externas que sãode ordem institucional (trabalhista,previdenciária, tributária, etc.) e técnica, emfunção da infra-estrutura reduzida para atendera expansão do ramo na formação de mão-de-obra em alto nível e, ainda, tecnológica quantoàs aquisições de máquinas importadas a preçosnão subsidiados.

Empresas do ramo de Confecções de mesmopadrão quanto ao seu funcionamento, paraatender as suas especializações, estão diante dasmesmas determinantes macroeconômicas e,portanto, niveladas nos termos das mesmassoluções para modernizações impostas porlimitações externas encaradas como problemas

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internos, isto é, como pensa e vem seposicionando parte do empresariado do ramofrente a questões como: os processos deprodução (integração, layout, controle dequalidade) e de trabalho (especialização dastarefas), espaço (escala de distribuição,homogeneização – diversificação) e ainda quantoao Estado (regulamentações no comércio internoe externo, leis sobre o trabalho e previdência eas políticas nacional e regional e de pesquisa)28 .

A utilização da mão-de-obra intensiva,abundante e barata evidencia a relevância médiaque as tecnologias modernas exercem sobre afabricação de roupas (exceto para melhorar aqualidade final das mesmas ou para produzirmeias, roupas de cama, mesa e banho, produtosfabricados por indústrias de capital intensivo).O surgimento e a expansão do número defábricas de confecções são tão expressivosquanto as suas taxas de mortalidade. Nãoimporta o lugar e o porte das cidades.

As novas tecnologias baseadas namicroeletrônica voltadas para modernizar aindústria de confecção, de um modo geral,apresentam enormes dificuldades de serempostas em prática por todo um corpo defuncionários constituídos por técnicos ecostureiras ou operadoras de máquina industrial.Somados aos seus elevados preços e ainda à altataxa de obsolescência dos mesmos, a sua adoçãotorna-se um instrumento de acesso muitorestrito. A habilidade manual tem sido a basede sustentação deste ramo de modo geral.Contudo, face ao volume de costureirastradicionais empregadas na fabricaçãomecanizada de roupa, a habilidade artesanalacabou se transformando em operação mecânicade máquinas de costura industriais: a sobrevivênciade ambos os lados – capital e trabalho.

Todo um conjunto de órgãos (privados,públicos e mistos) estão hoje voltados parasustentar empreendimentos dessa natureza emvários pontos do Norte do Paraná. Em que peseà facilidade com que brotam as indústrias deconfecção, a sua sustentação está longe disto.As interferências mais profundas que poderiamsustentar os negócios locais do ramo, porexemplo, não estão ao alcance de gestões públicaslocais, estadual, nem mesmo da central,dependendo do alcance dos determinantes.

Estas considerações finais ainda nos remetema aspectos de um outro objeto de reflexão sobre

a regionalização posta em prática em 1988, peloSENAI do Paraná, há expectativas sobre umapossível espacialização do emprego detecnologias específicas, sejam elas desenvolvidaspara equipamentos ou serviços industriais,previstos na regionalização implantada em 1988.Por exemplo, o SENAI que implantouequipamentos de ensino técnico e preparoufuncionários para treinar operadores de máquinase empresários ligados à indústria da confecção,o mesmo poderá aprofundar, alterar ou reduzirtal ênfase e ainda voltar seus objetivos paraoutros ramos industriais emergentes.

Por fim, podemos dizer que, pelo estudo decampo e de informações encontradas na literaturaespecífica, o ramo de confecções em Londrinanão difere muito do resto do Brasil, seja emtermos de suas possibilidades ou dedificuldades. Aqui nos deparamos com osseguintes pontos que podem traduzir ascaracterísticas do ramo de confecções, nãoapenas de Londrina:

1. as características dos tecidos utilizados pelasconfecções dificultam o uso de equipamentosmodernos: a variedade de tecidos com texturasdiversas implicando num alto grau demaleabilidade dificulta todo um trabalho como omanuseio diante das máquinas, o que correspondea 80% do tempo da produção das peças, um grandeobstáculo para a introdução de equipamentosautomatizados eletronicamente;2. as inovações tecnológicas no ramo deconfecções em termos de equipamentos sãomuito rápidas, com isto somente as que dispõemde grandes somas de capitais e que possuíammercados ou clientelas exigentes é que poderiamadotá-las para melhorar seus produtos, taiscomo: cor, durabilidade, desenho e variedadecom certa rapidez e3. para a maior parte do mercado de roupas asoperações manuseadas com habilidade sãosatisfatórias, o que de certa forma também acabadefinindo o ramo como de uso de mão-de-obraintensiva, empregada e sub-contratada: ofundamental do ramo de confecções emLondrina. Este também é um fator que podeexplicar a mundialização da produção de roupaspara mercados exigentes como o Europeu e daAmérica do Norte.

Este quadro que analisamos retrata um drama

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sem limites. Precisa-se melhorar ainda mais aqualidade da roupa produzida em Londrina, masisto confronta com uma mão-de-obra nãoplenamente qualificada para tal. Por outro lado,a mão-de-obra medianamente qualificada já dáconta de produzir roupas com aceitação nomercado externo, ao mesmo tempo em que nãohá lucros e nem recursos suficientes definanciamento para que a maioria dos fabricantesde roupas possa modernizar seu maquinário.Mesmo que fosse possível modernizarmaciçamente o parque fabril, a mão-de-obrautilizada no processo de facção doméstica,opção mais barata para atender as flutuações dedemanda, estaria alijada do mercado por umasérie de especificações que lhes seriam exigidas,como já dissemos anteriormente.

A modernização no ramo da indústria daconfecção, como é pretendida pelos teóricos dareengenharia de processos, carrega uma sérieenorme de contradições sobre as quaispoderíamos nos alongar. Contudo, vamos nosater às principais questões que mais nosinteressam aqui no momento.

Uma modernização mais radical no ramo daconfecção local não chegará a ser relevantepara alterar a sua produtividade frente àconcorrência internacional. Os preços dasmáquinas que realizam quase todos os serviçosde costura e montagens das peças já são altospara a receita média das empresas do ramo noBrasil. Equipamentos e técnicas industriaismodernas estão disponíveis nos USA, naAlemanha, na Itália e na França e, no entanto,as grandes grifes destes países sub-contratamproduções no norte da África, na América Latinae no Sudeste Asiático, cuja mão-de-obra nãoqualificada (não especializada) e maquinariamodestas são expressivos.

O que estamos procurando sustentar nestetrabalho é que a indústria da confecção, semgrande uso de avançadas tecnologias baseadasna micro-eletrônica do interior do Paraná, àsemelhança de São Paulo, Minas Gerais, SantaCatarina, Rio de Janeiro e outros estados,consegue produzir roupas de excelente qualidade– com aceitação de mercados refinados – adespeito de se utilizar mão-de-obramedianamente preparada. Em outros termos,diante destas comparadas vantagens dolorosas,estamos constatando dois movimentosconflitantes para a organização fabril voltada paraa confecção:

• o processo de produção definindo os processosde trabalho e

• os processos de trabalho sustentando oprimeiro.

Traduzindo, significa que, de um lado, aprodução em lotes, em função da vida médiada moda cada vez menor, bem como dasflutuações constantes nesse mercado, sustentamuma mão-de-obra temporária (operadoras demáquinas fora das fábricas – nos domicílios) querealiza diversas tarefas na maioria dos casos,treinado enquanto realizam a produção daspeças. De outro, estas últimas condiçõessustentam com vantagens o processo deprodução vigente, não havendo razão para alterá-lo radicalmente naquilo que o fundamenta: a suabaixa composição orgânica de capital.

NOTAS

1 Andersen Consulting (1995:livro III-2) –Relatório interno.

2 Extraído do Programa Sessenta Minutosreproduzido no Brasil pela GNT na cadeia deTV a Cabo NET. A reportagem foi produzidanos EUA pela CBS para o Programa SixteenMinutes.

3 Tanto no caso norte-americano como noargentino, o “trabalho escravo” envolve nãoapenas a forma de pagamento irrisório, masjornada de trabalho longa (18horas/dia) epéssimas condições de alojamento, os quais sãocercados com arame farpado. Esta situação nãoé apenas irregular para o operário destasindústrias de confecção, mas também para aconcorrência, na medida que isto se caracterizacomo dumping social.

4 Ex-operários de uma fábrica de bonés emApucarana (PR) estão construindo equipamentosutilizados na fabricação desse produto a partirde melhoramentos dos originais importados.Algo que não se pode realizar com máquinasde costura industrial modernas.

5 Na verdade, enquanto relações capital/trabalhotrata-se de uma divisão social do trabalho.

6 A sua instalação em Londrina se deu em 19707 A preocupação atual do SENAI está se voltando

para segmentos setoriais que estão buscandoalternativas de gestão, principalmente parasustentar ramos industriais para tornar oprocesso de produção flexível.

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8 Há dois fatos que aqui merecem comentários:primeiro quanto à transferência do centro detecnologia voltado para a indústria de móveisde Campo Largo para Arapongas, onde seconcentra o maior parque moveleiro do Paraná;o segundo é quanto à instalação programadade uma tecnologia voltada parabeneficiamento do calcário em Ponta Grossa.

9 Relatório Interno do SENAI. Curitiba, 1966.s.p.10 O que nos deve prender sempre a atenção

nas reflexões internas no SENAI, SENAC,SESC e SEBRAE é tudo que se relaciona comestes órgãos vêem conceitual, teórica emetodologicamente o funcionamento daeconomia, e trabalham a modernização dasorganizações privadas e públicas.

11 Relatório Interno do SENAI (op. cit.)12 ABREU (1986)13 Farage Kouri, empresário de uma grande

indústria de confecções, que produz diversostipos de roupas também para grifes nacionaiscomo C&A, Alternativa, Saint Lorenz , GuyLa Roche. Entrevista em nov/94.

14 O sistema de Desenho Assistido porComputador (CAD) implantado no SENAI emLondrina pode atender indústrias deconfecção, móveis e estofados. Taispossibilidades resultam da própria formaçãodo seu corpo técnico, que se deu dentro destesramos de indústrias em Londrina. Estaassistência também vale para treinamentooperacional do sistema.

15 O conjunto de equipamento que compreendeos Sistema CAD-CAM, comum no uso deEngenharia Civil, pode ser assim resumido: umPC (486) complementado por uma impressoraconvencional; teclado e pequena mesa deapontamento para entrada de dados e ediçãodos moldes; uma mesa digitalizadora e plotterpara entrada e saída de desenhos dos moldesem tamanho real das peças.

16 “Tenho uma clientela satisfeita com o produtorealizado com técnica comum. Por isto nãovejo nenhuma razão para gastar comequipamentos novos”.(empresário deconfecções segundo informações obtidas noSENAI).

17 Folha de Londrina,13 jun.1995, p. 2.18 Parte das empresas entrevistadas, mesmo com

a participação de sócios, caracteriza-se comoempresas familiares, com fortes resistênciasàs influências externas à gestão.

19 Expressão comum com a qual o SENAI sedepara em Londrina.

20 A questão tecnológica desenvolvida pelasinstituições de pesquisas de nível superior sãoum dos objetos da mesma.

21 LIMA ,Marcelo A.A; SOUZA M.F. A criaçãode alta tecnologia a partir da universidade nacidade de São Carlos. In: TARTAGLIA, J.C;OLIVEIRA, O. L. (org.) Modernização edesenvolvimento no interior de São Paulo. SãoPaulo : Unesp, 1988, p121.

22 Imigrante italiano chegado no início dos anos50 em Londrina onde se iniciou no ramo daConstrução Civil e hoje reside em Roma. Temum papel interlocutor no Programa de Joint-venture Paraná-Europa.

23 Revista Exame. São Paulo. Editora Abril, ano29, n6, 13 mar.1996, edição 605. p.82-83.

24 Folha de Londrina, 12/07/96, Economia, p. 2.25 NBR 13377.26 Dono de uma grande malharia e confecções.27 Ver com mais detalhes BARREIRA (1996).28 HARVEY, David . Condição pós-moderna.

São Paulo : Edições Loyola , 1992.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABREU, A. R. de P. O avesso da moda: trabalho adomicílio na indústria da confecção. São Paulo :Hucitec, 1986.

BARREIRA, J. Os Caminhos da Indústria deConfecção no País: Londrina (Paraná). São Paulo:1996. Tese (Doutorado em Geografia).Universidade de São Paulo

HARVEY, David. Condição Pós-Moderna. SãoPaulo: Loyola, 1992.

LIMA, Marcelo A.A.; SOUZA, M. F. A criação dealta tecnologia a partir da universidade na cidadede São Carlos. In: TARTAGLIA; J. C; OLIVEIRA,O. L (org.). Modernização e desenvolvimento nointerior de S.Paulo. São Paulo : Unesp, 1988.p.121-126.

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1. INTRODUÇÃO

A Universidade Estadual de Londrinadiscutiu amplamente, no mês de abril/93, comvários docentes e funcionários de Departamentose Coordenadorias, o documento divulgado peloInstituto de Pesquisa Econômica Aplicada –IPEA – , sobre “O Mapa da Fome no Brasil”. Osvários Departamentos e Unidades daUniversidade, foram sensibilizados,constituíndo-se então oito grupos de trabalho,envolvendo também alguns segmentos dasociedade, como grupos religiosos e de apoio ( aPastoral da Criança, Pastoral Social), grupos deprodução (Cooperativas), Institutos de PesquisaAgropecuária, Secretarias da PrefeituraMunicipal de Londrina e pessoas da comunidade,interessadas em participar do desafio colocadoperante à sociedade brasileira, no sentido deminorar a fome e a miséria no Brasil.

O presente Relatório, denominado dePreliminar, foi elaborado por um desses grupos,denominado de “Grupo Interdisciplinar dePesquisa”, cuja finalidade é apresentar o Resultadodos Primeiros Levantamentos feitos no campo,objetivando a identificação de “áreas de pobrezaurbana e rural” do Município de Londrina.

A indigência e a fome no Brasil, indicadoresda baixa qualidade de vida da população, tanto

Bolsões e pontos de pobreza de Londrina

Yoshiya Nakagawara Ferreira (Coord.) *

Grupo Interdisciplinar de Pesquisa da UEL

RESUMO

Identificação dos “bolsões de pobreza do município de Londrina”. Trata-se de um levantamento realizado nasáreas urbanas e rurais do município por uma equipe multidisciplinar, cujo objetivo foi a elaboração do mapa dafome. Tarefa realizada por oito equipes voluntárias da Universidade Estadual de Londrina, envolvendo docentes,discentes e comunidade.

PALAVRAS-CHAVES: Pobreza, Indigência, Mapa da Fome.

na área urbana como rural, tem merecido especialatenção não só do governo federal, mas tambémde todos os segmentos civis e políticos dasociedade.

No Brasil são 9 milhões de famílias, ou cercade 32 milhões de brasileiros, que se defrontamdiariamente com o problema da fome 1, nos 4.400municípios.

Essa população faminta localiza-seprincipalmente no Nordeste (7,2 milhões deindigentes), mas, uma parcela apreciável dosfamintos urbanos está nas regiões metropolitanas– 4,5 milhões de pessoas – , representandoaproximadamente 30% do total de indigentesque vivem nas cidades brasileiras 2.

O PARANÁ, tradicionalmente conhecidocomo “o celeiro do Brasil”,3 é um dos sete estadosque apresenta um dos índices mais elevados deindigência e carências alimentares (antecedidopelos seguintes estados: Bahia, Minas Gerais,Ceará, São Paulo, Pernambuco e Rio de Janeiro),com cerca de 2 milhões de indigentes, segundoo IPEA.

Nos três Estados da Região Sul, Paraná, SantaCatarina e Rio Grande do Sul, foram localizados4.082.314 pessoas indigentes, sendo que no Paraná,esta população representa cerca de 46,0%, isto é, éo mais pobre dos estados sulinos, em termos deindigência, conforme a tabela a seguir:

* Docente do Departamento de Geociências da Universidade Estadual de Londrina. e-mail: [email protected]

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A tabela 1 demonstra ainda que a situação émais grave na área rural do Paraná (60% do total).

Se, a nível mundial, a situação é caótica, com1,3 bilhão de pessoas – cerca de um terço dapopulação –, vivendo abaixo do nível de pobrezaabsoluta 4 –, segundo a Organização das NaçõesUnidas (ONU), no Brasil, e, mais particularmenteno Paraná, a situação é alarmante, com iminênciade uma explosão social. Na pesquisa realizada em1983, sobre a “ Mão-de-Obra de Londrina” 5, numaamostra de 2.692 domicílios, foi constatada apresença de 3,42% de domicílios com rendimentosaté ½ salário mínimo, 6,95% de ½ a 1 saláriomínimo, isto é, 10,37% de domicílios consideradoscomo próximos da miséria.

A mesma pesquisa demonstrou que o nívelde escolaridade da população ocupada ( outrabalhando ), acima de 10 anos, é baixo, pois,13,8% da PO. nunca frequentou escola, e, 34,5%possuem apenas o nível elementar , até a 4ª sériedo “primário”, perfazendo estas duas categorias,quase a metade da população ocupada (48,3%).

Um dado importante dessa pesquisa é comrelação à forma de ocupação: 26,1% da PopulaçãoOcupada é do Setor Informal, ou seja, nãolegalizada, do ponto de vista fiscal ou da legislaçãotrabalhista, atuando nos vários setores de atividade,realizando comércio ou prestando serviços(camelôs, bicos, costureiras, encanadores, pintores,manicures, cabeleireiras, vendedores ambulantes,empregadas domésticas não registradas, auxiliaresde escritório, etc). Somando-se a PopulaçãoOcupada não remunerada ou recebendo embenefícios, totalizava nessa época, 29,7% dapopulação do Setor Informal (Amostra de 4.072pessoas ocupadas).

Com relação ao rendimento familiar dosConjuntos Habitacionais, o resultado foi oseguinte: 6, 4 % de domicílios com renda familiaraté ½ salário, 7,4% de domicílios com rendafamiliar de ½ a 1 salário, perfazendo 13,8% defamílias residindo nos Conjuntos.

Nessa pesquisa, constatou-se a presença deaproximadamente 1.500 famílias residindo emfavelas, distribuídas em 13 áreas geralmentepróximas aos córregos da área periférica urbanae mais 3 áreas com menos de 10 barracos,constituindo habitações sub-normais.

Com relação à situação sócio-econômica dolondrinense, em nível global, essa foi a últimapesquisa realizada e divulgada. Há uma série depesquisas setoriais e também estudos de casosrealizados, que demonstraram a precária situaçãoda população londrinense, em sistematizaçãopela equipe de trabalho.

Infelizmente, os dados específicos do últimocenso de 91 ainda não foram divulgados, e nemhá previsão para a sua divulgação, segundoinformações obtidas em contatos realizados juntoà agência do IBGE de Curitiba e de Londrina.

Todos os dados e estimativas divulgados pelaspesquisas e pela imprensa em geral, revelam queo quadro de indigência e de miséria absoluta teveum declínio, alargando a base da pirâmide, dadécada de 80 para 90, mas, considerando-se ospercentuais dessa pesquisa, de 1983, hoje, podemser feitas algumas estimativas, em nível deLondrina. O censo de 1991 acusou 107.978domicílios ocupados, com uma média de 3,86pessoas por domicílio na área urbana. Aplicando-se o percentual da pesquisa de 1983, queapresentou 10,37% de domicílios com

Tabela 1 – Estimativa do total de pessoas indigentes(1), por situação do domicílio

ESTADO TOTAL METROPOLITANA URBANA NÃO RURAL METROPOLITANA

N. ABSOLUTO

% N. ABSOLUTO

% N. ABSOLUTO

% N. ABSOLUTO

%

Paraná 1883043 46.12 147708 39.53 607278 47.37 1128057 46.48 Santa Catarina 664375 16.27 - - 241545 18.84 422831 17.42 Rio Grande do Sul 1534895 37.60 225946 60.47 432979 33.78 875971 36.10 Total Região Sul 4082313 100 373654 100 1281802 100 2426859 100 FONTE DOS DADOS BRUTOS: IBGE Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios, 1990 (1) Pessoas cuja renda familiar corresponde, no máximo, ao valor de aquisição da cesta básica de alimentos que atenda, para a família como um todo, os requerimentos nutricionais recomendados pela FAO/OMS/ONU.

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rendimentos até 1 salário mínimo, seriam 11.197em 1991, e, considerando que o IBGE avalia orendimento familiar percapita de até ¼ de saláriomínimo como o nível de pobreza absoluta, pode-se inferir que, tendo em Londrina 3.693domicílios, os seus moradores, numa estimativaaproximada de 14.255 pessoas, estariam abaixoda “linha de pobreza absoluta”.

Nessa pesquisa sobre a Mão-de-Obra, havia7.500 pessoas residindo em habitações precárias(favelas), e, hoje, dez anos depois, a população

favelada é de aproximadamente 20.000 pessoas,representando mais de 140,00 % de crescimento.

A tabela a seguir, indica a distribuiçãoaproximada do número de famílias distribuídasem favelas de Londrina.

Em suma, apresentadas essas questões gerais,qualquer cidadão verá que a situação sócio-econômica do londrinense é preocupante, nãodiferindo das periferias urbanas das áreasmetropolitanas brasileiras, pois apenas 22,82%da população londrinense percebe acima de 3salários mínimos.

Tabela 2 – Áreas de pobreza da cidade de Londrina – levantamento realizado em 15.04.93

FAVELAS Nº DE FAMÍLIAS

A- URBANIZADAS 968 1 Novo Perobal 246 2 Franciscato I 202 3 Franciscato II 94 4 Sérgio Antonio (atrás da Anderson Clayton) 24 5 Nova Conquista (ex-OK) 151 6 Nossa Sra. da Paz (ex-Caixa Econômica) 251

B- EM PROCESSO DE URBANIZAÇÃO 516 1 Santa Mônica : Estas Estão 19 2 Rosa Branca I : entre os 127 3 Rosa Branca II : Jd. Ideal 18 4 Santa Inês : Maraba 44 5 Vila Rica : Interlagos 150 6 Marísia 158

C- NÃO URBANIZADAS 377 1 Zirconio (Ideal) 22 2 Colosso (N. Sra. da Paz) 68 3 Paulista (Jd. Paulista e V. Recreio) 28 4 N. Ricardo (perto do Sérgio Antonio) 18 5 Alto da Boa Vista 56 6 Paraizo (ao lado da Via Ferrea) 26 7 Pacaembu (ao lado do M. Gavetti) 15 8 Quati (cam. do autódromo na 10 de Dez.) 22 9 Cativa 25

10 Núcleo Cristal 7 11 Núcleo Portal de Versalles (próx. do Tókio) 7 12 Núcleo Cilo III 19 13 Núcleo Lixão 12 14 Núcleo centro Comunitário e Fábrica de Sabão 7 15 Núcleo V. Ricardo 15 16 Núcleo Italiano 16 17 Núcleo Sta. Mônica 9 18 Núcleo Taliano 5

D- ASSENTAMENTOS 2691 1 União da Vitória 1800 Obs.: da metade de 92 para cá, houve 300 invasões

2 Santa Fé (Marabá) 356 3 Novo Amparo 380 4 Conjunto José Belinatti (perto do Paulista) 155 TOTAL DE FAMÍLIAS 4552

FONTE: COHAB/Secretaria de Ação Social-PML Laboratório de Pesquisas Urbanas e Regionais, do Centro de Ciências Exatas, da Universidade de Londrina e Grupo Interdisciplinar de Pesquisa sobre "O Mapa da fome de Londrina". Univ. Est. de Londrina, Prefeitura Municiapal e Arquidiocese de Londrina.

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1.1. Algumas considerações sobre aconceituação de “pobreza”

O problema da fome parece acompanhar opróprio surgimento da sociedade humana. Apersistência dessa problemática durante longosséculos demonstra a sua complexidade, pois, nolimiar do século XXI, ainda se convive com aviolência social expressa na morte de milhões deseres humanos, que foram privados do ato decomer. Parece inútil discutir se a origem da fomeé natural, econômica ou sócio-política, pois, deantemão, já se sabe que todos esses fatores seinterdependem, formando uma trama, cujaexpressão mais trágica é a fome que assoladiferentes partes do mundo. Claro está que nãose pode entendê-la como “fenômeno natural”,pois o homem já dispõe de meios técnicos ecientíficos suficientemente eficazes para solucionaresse problema. A questão da fome é como umadecorrência de causas variadas e complexas.

As discussões científicas sobre a fome sãorecentes. Segundo Brun (1985), no fim do séculopassado, o cientista Cornélius Walfordapresentou à sociedade de Londres “... doisimportantes comunicados sobre a fome nomundo, nos quais analisava as causas de mais de350 surtos de fome que haviam flagelado ospovos ao longo dos séculos. Ele classificava como‘causas naturais’ as secas, as inundações, o gelo,os tremores de terra, o tifo, os ataques depredadores (como as pragas de gafanhoto e osratos), as infestações parasitárias, como a quedestruiu as colheitas de batatas na Irlanda em1845-1847 e as causa sociais: guerras, baixaprodutividade agrícola, a ausência de vias decomunicação, perturbação do comércio,especulação, desvio de cereais do consumo diretopara uso em cervejaria”6.

A fome dita “natural” que afeta hoje em dia aspopulações pobres do Terceiro Mundo, emparticular as populações camponesas, mostra-se,como dizia Walford, consequência da interação detrês fatores: um acidente climático e cataclisma, odesgaste de um sistema de produção e de comérciotradicional de baixa produtividade e aimpossibilidade de socorrer rapidamente comalinhamentos as populações famintas, seja porrazões políticas, seja pela insuficiência nainfraestrutura de comunicação e transporte.

A existência de conhecimentos técnicos ecientíficos que permitem dar fim à fome no

mundo vem mostrar que as verdadeiras causasda fome não se resumem aos aspectos apontadospor Walford.

Dimensionar a qualidade e o grau da “fome”de uma determinada população, em verdade, éavaliar as condições de carência alimentar quedefinem essa população como faminta.

Em publicação da Fundação Getúlio Vargas7

afirma-se que “... a desnutrição é, sem dúvida,um dos melhores indicadores das precáriascondições de vida, porquanto uma alimentaçãoinadequada e insuficiente, tanto em quantidadequanto em qualidade pode afetar profundamenteo desenvolvimento físico e mental dos sereshumanos nos primeiros anos de vida, e,consequentemente, sua capacidade deaprendizado. Por outro lado, carênciasnutricionais diminuem, de modo bastantesignificativo, a resistência do indivíduo àsmoléstias, além de reduzir sensivelmente suaprodutividade no trabalho”. Tal perspectivaconsidera que indicadores como condições demoradia, nível de renda, acesso à educaçãoformal e atendimento médico estão relacionadoscom o problema da fome.

Remete-se então a análise para a conceituaçãode pobreza. Por uns, definido como “penúria debens econômicos” ou uma condição de vidaassociada a uma renda insuficiente para manterao menos um grau mínimo de saúde e decência8.

Ou ainda como Bastos Ávila (1981) 9:“Pobreza – um estado habitual de privação

de bens supérfluos, carência de bens necessáriosà condição social e restrita suficiência bensnecessários à subsistência;

A indigência – um estado habitual de privaçãode bens supérfluos e dos bens necessários àcondição social e insuficiência dos bensnecessários à condição social e insuficiência dosbens necessários à vida”;

E, por fim, a miséria – um estado habitual decarência, tanto dos bens supérfluos e necessáriosà condição social, quanto dos bens necessários àvida”.

Diretamente, Monteiro (1992) 10 encaminhaa questão colocando a dificuldade de se ter umparâmetro único de definição de pobreza.Normalmente, “(...) mensurar a pobreza absolutaa partir da renda familiar, adota-se determinadonível de renda (poverty line) como o limite abaixodo qual as necessidades básicas dos indivíduospresumivelmente não estariam sendo atendidas”.

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Mas se ignoraria eventuais imprecisões nasinformações sobre renda, diferenças nos custosregionais da cesta básica e no acesso a serviçospúblicos. Tais limitações são igualmenteapontados por Maria V. L. Nogueira (1992) pág11, ao apontar o “caráter reducionista/economicista” da maioria das concepções 11.

Em verdade, mais que deficiência teórica, acondição humana deixou de ser mensurada apartir de um único índice, quando novas“necessidades básicas” se impuseram, quando dosurgimento das lutas das minorias étnicas esexuais, dos trabalhadores, presos políticos ouestudantes, isto é, a luta pelos direitos humanos.Em nosso século viu-se a proliferação deexigências novas para garantir as condições deexistência 12.

A criação de inúmeros órgãos públicos elegislação a respeito nos estados americanosdemonstram essa ligação entre a eclosão das lutassociais e a multiplicação de atenção dispensadasàs “necessidades básicas”13. A “Declaração dosDireitos do Homem” da ONU vem consumaressa alteração nas avaliações da pobreza.

“Art. XXV:1. Todo homem tem direito a um padrão de

vida capaz de assegurar a si e a sua família saúdee bem-estar, inclusive alimentação, vestuário,habitação, cuidados médicos e os serviços sociaisindispensáveis, e direito à segurança em caso dedesemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice eoutros casos de perda de subsistência emcircunstâncias fora de seu controle” 14.

A evolução dos estudos sobre condições desaúde da Organização Panamericana de Saúdecompõem-se da busca de novas perspectivas deavaliação em 1961, a Carta de Punta del Estedefinia que”... para avaliar o grau dedesenvolvimento relativo se levará em conta nãosó... o nível médio de ingresso real ou de produtobruto por habitante, mas também os índices demortalidade infantil e de analfabetismo e onúmero de calorias diárias por habitante” 15.

Já em 1990, num documento da XXIIIConferência Sanitária Panamericana, odesenvolvimento passa a ser medido pela reduçãodas desigualdades e a atenção às necessidadeshumanas essenciais, dentre elas, a saúde e a lutacontra a pobreza extrema.

Apesar da imprecisão dos termos usados, ficaclaro como toda análise das condições de vida, e

por consequência uma definição de pobreza,deve levar em consideração atualmente osindicadores aceitos (e incluir os que venham aser aceitos) como garantias sociais das condiçõesde vida, os quais são até então: trabalho e renda(Art. XXIII da Declaração Universal dos Direitosdo Homem); educação (Art. XXVI); saúde e bemestar (acesso a serviços públicos); alimentação ehabitação, considerando os diferentes padrõesde consumo (Art. XXV da Declaração).

Não por acaso, é nesse sentido que caminhamalguns dos últimos estudos sobre pobrezaproduzidos no país16. Igualmente, num dosúltimos documentos produzidos pelas NaçõesUnidas, o “Projeto Regional para a Superação daPobreza na América Latina”, afirma que”... as raízesda pobreza nas casas e nas pessoas são expressasatravés das insuficiências das fontes de bem estar,garantidas por: oportunidades de trabalho e renda,direito de acesso a serviços gratuitos, ativos deconsumo básico e satisfação de necessidade nocampo da saúde e educação” 17.

Em suma, a conceituação de pobreza que sedefine considera pelo menos os cinco indicadorescitados acima – e como bem aponta o estudo doSEADE, cada um deles equivalentes a “linhasde pobreza específicas” para caracterizar ascondições de vida da pobreza estudada – em suasvariações de graus de carência (absoluta erelativa) 18.

Para efeito de delimitação inicial do universode pesquisa, toma-se alguns desses indicadoresconforme os seguintes parâmetros19:

Renda: US$ 75 (1,3 salário mínimo) paragarantir a aquisição de uma cesta básica dealimentos por família ao mês;

alimentação: 2.800 calorias como consumomínimo, por pessoa ao dia 20.

Tais parâmetros serão reavaliados no decorrerda pesquisa, adequando-se às condiçõesespecíficas de Londrina. Pode ser o caso, porexemplo, dos padrões de consumo alimentar e ocusto de aquisição de uma cesta básica de igualquantidade calórica. Com respeito ao indicadorde carência alimentar, cabe inclusive maisalgumas considerações.

Segundo publicação da Fundação GetúlioVargas “... em nosso país, o panorama alimentarnão se acha constrangido por obstáculosirremovíveis, tais como a falta de terrasagricultáveis ou uma incapacidade de gerarrecursos para a compra de gêneros alimentícios,

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caso surgisse a necessidade de importá-los parasuprir uma escassez momentânea. A despeito doapreciável volume da nossa produção agrícola, ainsuficiência alimentar se concretiza nos “bolsõesde pobreza” localizado nas concentraçõesurbanas periféricas das metrópoles e emdeterminadas áreas mais pobres do país” 21.

A fome, propriamente dita, implica em altastaxas de mortalidade infantil, deficiência dedesenvolvimento mental e cerebral, além demorbidade. A subnutrição reduz a capacidadefísica, a força de trabalho e a oportunidade deempregos, já demonstrados em vários trabalhosde pesquisadores, Institutos de Pesquisa, etc.

Segundo inquérito, ENDEF, constatou-seque o principal problema alimentar no Brasilpodia ser caracterizado como eminentementequantitativo. Uma importante parcela depopulação se alimentava, acima de tudo, pouco,e secundariamente mal. A desnutrição protéicaexiste, é grave, mas afeta contingentesproporcionalmente menores da população totale, com exceção das famílias mais pobres, suaincidência é muito inferior à da desnutriçãocalórica 22.

Bolsões de pobreza, particularmentedesvinculados de centros urbanos com maiorenvolvimento de instituições assistenciais, crechese recebendo merenda escolar, sofrem com maiorimpacto a falta de distribuição adequada de rendae consequentemente, de alimentos.

De modo geral, o problema da fome mostra-se resultante de um grau de pobreza queimpossibilita o acesso às garantias necessárias àmanutenção da vida. Há algum tempo apreocupação constante pelo gerenciamento dapopulação, tanto a atenção aos problemas decarência, quanto à instituição de direitos dohomem garantidos pelo Estado, passaram aocupar o centro da ação política moderna,compondo esta estratégia que Michel Foucaultchamou de “governamentabilidade” 23.

1.2. Objetivos

Objetivos Gerais

O objetivo geral deste primeiro RelatórioPreliminar foi identificar “as áreas de pobrezado Município de Londrina”, tanto localizadas nacidade como na área rural.

No documento inicial – Termo de Referência– o objetivo geral assinalado era:

Diagnosticar as condições sócio-econômicase a distribuição espacial da população indigentedo Município de Londrina.

Quanto a este objetivo, neste primeirorelatório, as condições sócio-econômicas foramlevantadas apenas em nível de reconhecimento,deixando para a segunda etapa a pesquisaquantitativa e qualitativa mais aprofundada.

Neste primeiro relatório, são apresentados os“bolsões de pobreza” onde estaria concentradaa população carente das áreas urbanas e ruraisdo Município de Londrina.

Objetivos Específicos

Para a segunda etapa, estão previstos estudosaprofundados sobre a pobreza urbana e rural deLondrina, assinalando-se como principaisobjetivos específicos, os seguintes:1. Estudar a procedência, a constituição familiar,

grau de instrução formal e informal dapopulação pobre do Município;

2. Levantar a situação locacional, instalação edisponibilidade de serviços básicos eequipamentos de consumo coletivo dessapopulação.

3. Verificar as condições de moradia, e as formasde ocupação do espaço domiciliar;

4. Estudar as condições de saúde familiar;5. Identificar as condições de trabalho e de

renda familiar dos envolvidos;6. Avaliar as condições alimentares e nutricionais

dessa população;7. Estudar as estratégias de sobrevivência

familiar da população “pobre” de Londrina;8. Levantar as alternativas propostas pela

população envolvida na pesquisa quanto àssoluções para a melhoria das condições devida.

1.3. Metodologia da pesquisa

A equipe de trabalho composta por técnicos,profissionais liberais e professores daUniversidade Estadual de Londrina, tendo emvista a necessidade urgente de levantar algunsdados que subsidiassem a localização de áreasque poderiam ser reconhecidas como “áreas de

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pobreza” em Londrina, decidiu realizarinicialmente, um reconhecimento de campodenominado “rastreamento”. Este primeirorastreamento possibilitaria a indicação de alguns“bolsões de pobreza” em Londrina.

A equipe foi subdividida em 8 grupos detrabalho, constituídos conforme especificaçãoabaixo:1º. grupo: responsável pelo rastreamento da áreaCentral da Cidade de Londrina;2º. grupo: responsável pelo rastreamento da áreaNorte da cidade;3º. grupo: responsável pelo rastreamento da áreaLeste da cidade;4º. grupo: responsável pelo rastreamento da áreaSul da cidade;5º. grupo: responsável pelo rastreamento da áreaOeste da cidade;6º. grupo: responsável pelo rastreamento dosDistritos e Patrimônios da cidade;7º. grupo: responsável pelo rastreamento dos“pontos de pernoite” da área urbana de Londrina(fixos ou temporários);8º. grupo: responsável pelo mapeamento dosdados levantados.

Esse rastreamento geral abrangeu cerca decinco semanas, incluindo a compilação de dadossecundários já existentes nas bibliotecas públicase particulares de Londrina;

Dessa primeira fase de levantamento geral,cada equipe elaborou um relatório dasobservações de campo, bem como da compilaçãode dados sobre a indicação direta ou indireta quelevassem ao primeiro levantamento geral dos“bolsões de pobreza” de Londrina.

O conteúdo dos relatórios foi discutido emreuniões semanais com as diversas equipesinterdisciplinares, possibilitando trocas deexperiências, ressaltando a importância e a riquezadas discussões, viabilizando complementação deconteúdo e de novas metodologias.

Além destes grupos de trabalho derastreamento de campo, desde o início dostrabalhos havia uma equipe que vinhatrabalhando com os aspectos teóricos ligados ànoção de “pobreza”. Neste particular, foramfeitos levantamentos bibliográficos nasbibliotecas das Universidades de São Paulo eCampinas, além das existentes em Londrina.

Os relatórios parciais possibilitaram omapeamento dos possíveis “bolsões de pobreza”,como também a indicação de instituições,

entidades, grupos filantrópicos ou voluntáriosque vêm trabalhando de forma direta ou indiretacom a população mais carente de Londrina.

Os resultados aqui apresentados são apenasum primeiro rastreamento de indicações de áreasgeográficas de pobreza, havendo necessidade deum levantamento posterior qualitativo, queespecifique os vários tipos e graus de pobrezaurbana e rural, incluindo as condições sanitárias,nutricionais, de saúde e sócio-econômicas dessapopulação.

2. RESULTADO DO RASTREAMENTO DECAMPO

O primeiro rastreamento de campo feito pelasequipes resultou na localização de pontosespecíficos da pobreza, tanto nas áreas urbanascomo rurais. Nas áreas urbanas, foramlocalizados alguns “pontos de pernoite”, fixos outemporários, em que se constatou carênciaalimentar e de assistência à saúde, entre outras.Quanto às localizações da pobreza rural, percebe-se nitidamente uma difusão espacial dapopulação, maior do que na área urbana, onde alocalização da pobreza é mais concentrada.

Com o rastreamento, foi possível determinaralguns “bolsões” específicos de pobreza,principalmente na área urbana.

Deve-se registrar que nesses bolsões foramlocalizadas famílias e pessoas, tanto adultos comocrianças, em extremo estado de desnutrição,aparentando precária saúde, assim como, famíliasque, à primeira vista, encontravam-se emcondições de pobreza absoluta.

Uma melhor avaliação destas situações sópoderá ser feita após uma pesquisa efetiva nocampo – 2ª etapa deste Projeto –, o que tambémpossibilitará a apresentação de dados qualitativose quantitativos, em um contexto amplo, noprocesso de crescimento capitalista, em umaregião de recente incorporação econômica aomacro pólo paulista, Paraná/Londrina.

2.1. Localização dos “Bolsões de Pobreza/Indigência”

O mapeamento sobre os “Bolsões dePobreza” indica claramente alguns “bolsões”(esta expressão foi utilizada para indicar um

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aglomerado de pessoas identificadas como debaixa renda e carentes, com respeito a algunsindicadores de pobreza) específicos de grandeconcentração populacional, como também umadifusão espacial dos pontos de pobreza deLondrina. (Figura 1)

O maior “bolsão” – que será denominado de“bolsão A” – localizado no setor Sul-sudeste dacidade no contato entre a área urbana e rural dacidade, é constituído de seis núcleos depopulação carente, denominados de:

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– Franciscato I– Franciscato II– Novo Perobal– Núcleo Cristal– Núcleo Jardim Itapoã– União da Vitória I, II, II, IV

Nesse “bolsão” residem cerca de 9.300pessoas; trata-se de um “bolsão” deassentamento recente, iniciado na década de 80,mas o maior núcleo desse “bolsão”, denominadode União da Vitória, começou a ser povoado deforma mais intensa no início desta década de 90.

O núcleo União da Vitória é o maiorassentamento populacional de Londrina,podendo ser considerado como um núcleo bemcarente, aglutinando indigentes com vários tiposde carência (alimentar, educacional, sanitária,renda, etc.). Nesse núcleo residem mais de 8.000pessoas, com um dos maiores índices dedesemprego de Londrina. Segundo informaçõesde Associações de Moradores da Região, o índicede desemprego atinge mais de 50% dos chefesde família.

Devido ao grande número de crianças nacomposição familiar, foram observadas carênciasna instalação de creches, escolas, postos de saúde,como também, ausência de um centrocomunitário. Além dessas observações, podemser citadas as de natureza mais complexa, comoa desnutrição aguda e baixo índice de higidez.Estes aspectos ainda merecem estudosespecíficos e aprofundados.

O segundo maior “bolsão denominado de“bolsão B”, localiza-se às margens do RibeirãoQuati, no setor Norte da cidade, nasproximidades da BR-369, que faz ligações comSão Paulo e interior do Norte do Paraná, nadireção Oeste de Londrina. Estão aí instaladosnove núcleos populacionais bem carentes. Osnúcleos mais antigos são a ex-favela da CaixaEconômica, atualmente denominada ConjuntoNossa Sra. da Paz. Já saneada em parte, residindocerca de 251 famílias e, a favela Marisia comaproximadamente 700 pessoas. Estes doisnúcleos situam-se entre os mais antigos deLondrina. Nesse “bolsão” residemaproximadamente 3.700 pessoas.

O “Bolsão C”. localiza-se no Setor Leste dacidade, numa região de antiga ocupação,aglutinando-se aí 3.000 pessoas.

Nos 3 Bolsões de Pobreza e nos outros pontoslocalizados no mapa, como “área de pobreza

urbana”, localizam-se cerca de 20.000 pessoas,das quais, cerca de 14.300 pessoas em estado deindigência.

2.1.1. Alguns “Pontos de Indigência”

Além dos “Bolsões” e alguns pontos isolados,considerados como “áreas de pobreza urbana”,foi feito um rastreamento durante a noite ealgumas madrugadas, na tentativa de identificaros pontos de pernoite da população “sem teto”.

No mapa das áreas de pobreza de Londrina,estão localizados os pontos de pernoite; algunssão temporários, mas a maioria desses pontos jásão “quase permanentes”, pois há famílias oupessoas desagregadas da família, tanto adultoscomo crianças que fazem de alguns pontospúblicos como as calçadas, praças, construçõesabandonadas ou áreas próximas aos banheirospúblicos, o seu local de morada.

Durante cerca de 30 dias, foram cadastradasaproximadamente 70 pessoas, nesses “pontos depernoite”. Algumas famílias dessa população, empassado recente, já conseguiram pagar aluguelna cidade de Londrina, residindo na Vila Nova,Vila Casoni ou em alguma área periférica dacidade, segundo depoimentos coletados; outrasprocedem de áreas rurais próximas ou distantesde Londrina.

Foram encontrados alguns profissionais comoencanadores, carregadores profissionais,pedreiros, serventes, ex-empregadas domésticascom carteira assinada, papeleiros, ajudantes deserviços gerais nas feiras da cidade, ex-trabalhadores na cafeicultura, ex-vendedorescom carteira registrada, ex-trabalhadores dastransportadoras locais, com carteira assinada, ex-trabalhadores em empresas de construção, comona “Tend-Tudo”, ex-trabalhadores em chácarasda cidade, etc. Em termos de instrução, foilocalizado um menino que estudou até a oitavasérie, sendo este o de maior grau, mas geralmenteo curso primário não tinha sido completado, pelamaioria dessa população.

Algumas entidades de caráter filantrópico ereligioso distribuem sopas em determinadoslocais, geralmente uma vez por semana. O estadode conformismo, de desespero, indignação etristeza, foram os sentimentos expressados nosdepoimentos.

A Casa do Bom Samaritano e o Albergueacolhem cerca de 150 pessoas, em dias críticos,

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geralmente nos dias mais frios, porém, sãopernoites temporários.

As ruas, avenidas, praças públicas servemtambém como os primeiros locais de morada dapopulação que tem procurado Londrina comouma esperança para encontrar trabalho, moradae condição de dar educação para seus filhos.

Um dos depoimentos contundentes, foi o deuma senhora que reside com a família sob umamarquise de um edifício público, que disse: “nuncavi tanta miséria e fome, como tenho vistoultimamente em Londrina...”, “é gente pedindo atéágua para beber, porque não tem mais forças e nemcoragem para andar e pedir um pedaço de pão”.

2.2. Pobreza Rural

2.2.1. A pobreza rural

Nos últimos anos tem-se observado que oagravamento do problema da fome comoproblemática social possui uma relação diretacom os processos de deslocamento econcentração populacional, processos esses quedizem respeito à migração rural-urbana.

Segundo Sampaio e Ferreira (1977: 22), amigração rural-urbana apresenta várias origens:1- Migrações de população com renda

ascendente em busca de melhores condiçõesde vida (educação, saúde, lazer, etc.);

2- Migrações de população que sofreuadversidades inesperadas (seca, cheia, morte)sendo atraída pela industrialização nascidades;

3- Migrações do excesso de população(crescimento) provocado por restrição em umdos fatores de produção (terra, ou capital) e/ou por restrição ao aumento de produçãoagrícola.

Destas origens, podemos destacar que no casoNorte Paranaense, constatamos que as migraçõespopulacionais rural-urbanas apresentam fatoresdeterminados pela apropriação concentrada daterra e de capitais.

Esta concentração de terra e capitais possuiuma relação direta com o que ocorre a partir dosanos 60, processo esse que se convencionouchamar de Modernização da Agricultura.

O Paraná, de maneira geral, apresentou umafluxo populacional até a década de 60 sendo aárea rural do Norte do estado a que atraiu a maiorparte dessa população.

A partir desta década, com o esgotamento dafronteira agrícola e a desestruturação ruralcausada pelo início do processo de modernização,o ritmo deste fluxo perde seu impulso e passa aocorrer em sentido contrário: ou seja, a cidadepassa a atrair elevados contingentes detrabalhadores rurais, que são dispensados daspropriedades com a entrada da modernização nocampo e a vigência de leis voltadas ao amparo eproteção social do trabalhador rural.

Nesse período, há uma mudança profunda doquadro agrário regional, determinadabasicamente pelas transformações ocorridas naestrutura fundiária e pela incorporaçãotecnológica no campo.

Entre as transformações que tiveram um reflexodireto na região de Londrina destacam-se:1º – A implantação do Estatuto do Trabalhador

Rural, em 1963, transformando a estruturadas relações de trabalho e dispensandomilhares de trabalhadores rurais daspropriedades às quais estavam vinculados;

2º – A erradicação da cultura cafeeira, que eraabsorvedora de mão-de-obra;

3º – Introdução de tecnologias modernas naprodução (máquinas e insumos modernos);

4º – O aumento da pecuarização e área depastagem;

5º – A especulação de Terras;6º – Introdução da cultura de soja, que alcança

preços no mercado internacional, emdetrimento de outras destinadas ao mercadointerno e à sobrevivência.

A soma desses fatores ocasionou o êxodo ruralintenso e o aparecimento do trabalhadortemporário na agricultura, que, segundoNakagawara (1986 : 115) se explica pela“acelerada evasão demográfica, principalmenteda área rural para os centros urbanos, que nãoencontrando o necessário apoio para asobrevivência dos migrantes, através do empregoformal”; muitos se transformam em bóias-frias.Esses trabalhadores, também conhecidos como“volantes”, passam a habitar a periferia dasgrandes cidades, mas muitos permaneceram nomeio rural, junto aos distritos e patrimônios,existentes em número significativo nestemunicípio.

As características desse trabalhador volantejá são bem conhecidas: trata-se em sua maioriade trabalhadores que não possuem nemqualificação profissional, nem documentação

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legal, uma grande parte analfabeta e outrospoucos com baixo grau de instrução, sujeitam-se a condições precárias de trabalho, transportee salário. A diária desse trabalhador girava emtorno de Cr$ 150,00 cruzeiros reais, quantia estaque, ao final do mês não soma um salário mínimo.Considerando ainda que isso não acontece emvirtude de inúmeros fatores, como a pouca ofertade trabalho, a sazonalidade agrícola (asintempéries) e os acidentes de trabalho. Sendoassim, esse trabalhador e sua família passam aengrossar o contingente de miseráveis quepovoam as áreas rurais, que plantam os alimentossem ter direito a eles, constituindo-se nosfamintos da zona rural.

2.2.2. A situação dos distritos de Londrina

O Município de Londrina conta com oitodistritos rurais: Tamarana, Lerrovile, Warta, Irerê,Paiquerê, Maravilha, São Luiz e Guaravera, maiso Distrito Sede.

O Distrito de Warta é o menor deles,ocupando uma área de 27.730 km2 e Tamarana éo maior, ocupando uma área de 466.103 km2.Tamarana compreende os seguintes Patrimôniospovoados: Apucaraninha, e Bairro do Rio Preto.

Irerê conta com os Patrimônios de Taquarumae Serrinha, Paiquerê com Guairacá e Bairro dosNogueiras, Guaravera, com Barro Preto.Maravilha, com Gaviãozinho. O Distrito Sede,com os Patrimônios de Três Bocas, Limoeiro deBaixo, Limoeiro de Cima, Venda dos Pretos,Heimital, Espírito Santo, Regina, Campo daAviação Velha e Selva.

No CENSO de 1991, a população rural deLondrina totalizava 23.397 pessoas. Observou-se um constante decréscimo da população rural,nas décadas consideradas de 1950 a 90.

2.2.3. Estrutura fundiária do município deLondrina

Em Londrina, a estrutura fundiária dosúltimos vinte anos caracteriza-se pelo elevadograu de concentração de terra, com expropriaçãodo homem do campo e crescente número de bóias-frias, estes, vivendo em condições de pobreza,presentes em todos os distritos e patrimônios.

Em 1985, 66,58% da área agrícola do municípioera ocupada por apenas 8,07% dosestabelecimentos rurais, todos com módulos

superiores a 100 ha. As propriedades com módulosinferiores a 100 ha. correspondiam a 91,93% dosestabelecimentos, mas ocupavam somente 33,42%da área total. (Sinopse Preliminar do CensoAgropecuário de 1985-IBGE).

Segundo a Emater, em 1985, o módulo de 0– 100 ha., mesmo com 1/3 da área agrícola domunicípio, representava 61% das lavouraspermanentes, 53% das lavouras temporárias, 72%do pessoal ocupado no setor, 64% dos tratores,22% do plantel bovino, 81% do rebanho suíno e95% do número de cabeças de aves.

Tal fato se deu possivelmente em função doaumento das áreas de culturas com a sucessãosoja/trigo, tornando bastante difícil a manutençãoda maioria das pequenas propriedades, pois, taisculturas exigem investimentos significativos eminsumos e maquinários para que se possa obteríndices de produtividade satisfatórios. Amanutenção das pequenas propriedades torna-se viável para aqueles que buscam a diversificaçãocom base em um planejamento racional para oprocesso produtivo.

Os dados obtidos através do primeirocontacto com os distritos rurais, revelam que 87%dos bóias-frias da zona rural vivem na zona Suldo Município de Londrina, nos distritos dePaiquerê, Irerê, Guaravera, Lerrovile, Tamarana.Outros 13% encontram-se dispersos nos distritosrurais de São Luiz, Maravilha e Warta, sendo queeste último se destaca por possuir o maior númerode bóias-frias. Ressalta-se ainda que existem outrosmilhares de bóias-frias vivendo na periferia da zonaurbana e arredores do distrito Sede.

No rastreamento dos distritos, foi observadoque em alguns, como Tamarana e Guaravera háagrupamentos de famílias de bóias-frias, vivendoem habitações e condições de saneamentoprecárias; em outros, encontram-se dispersos nasede do distrito. Constatou-se também algunsassentamentos rurais nos distritos de Tamaranae Lerrovile (Pó-de-Serra, Pari-Paro, ColôniaPenal, Serraria e Parque das Indústrias) somandoum total de aproximadamente 65 famílias.

No distrito de Tamarana existe ainda a reservaIndígena de Apucaraninha dos índios Kaingang;situada a cerca de 65 quilômetros da Sede doMunicípio, vivem 110 famílias, um totalaproximado de 520 pessoas. Suas habitações, nogeral, são casas de madeira construídas pelaFUNAI, que presta atendimento através de umposto localizado próximo à Cachoeira (Salto do

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Apucaraninha). Percebe-se que a reprodução ea vida dos índios está comprometida, na medidaem que existe uma baixa oferta de trabalho locale regional, tanto interna quanto externamente.

O número total aproximado de pessoascarentes na zona rural de Londrina, estimado emaproximadamente 4.500 pessoas, pode serreferenciado a partir dos seguintes dados/ fontes:1º – Considerando os dados obtidos e cruzados

junto as Subprefeituras dos distritos, osdados levantados pela SEPLAN, pelaSecretaria de Ação Social, projetos depesquisa e extensão da UEL;

2º – Considerando que a população carente dazona rural tem apresentado nos últimos 3anos uma flutuação muito grande no quediz respeito à fixação de seu domicílio;

3º – Considerando que a média familiar da zonarural do Município, fornecida pelo IBGEé de 4,22 pessoas. Porém, em se tratandode famílias de bóias-frias, as pesquisasexistentes e observações realizadas pelaequipe constatou que esta média sobeaproximadamente 2 pessoas/família;

4º – Considerando que em cada domicílio(barraco), geralmente, é encontrada umaestrutura familiar muito diversa da quetradicionalmente conhecemos. Normalmente,moram pai, mãe e filhos, também avós,enteados, filhos de outros casamentos,primos, sobrinhos e netos, que convivemgeralmente em moradias adicionais aobarraco original.

Vale destacar ainda que os dados acimadescritos foram obtidos de fontes secundárias –IBGE (1991) e SEPLAN/PML (1991) – e de umlevantamento preliminar da equipe que estevenos distritos colhendo informações de liderançaslocais (leigas e religiosas), sub-prefeituras efazendo observações próprias. Os dadosdivergem segundo a fonte, talvez pelo enfoqueda pesquisa (IBGE e SEPLAN, 1991), pelaescassez de registros locais ou desconhecimentode sua própria realidade. Mostra-se premente acriação de uma estrutura de produção deinformação, sempre constante e atualizada, queforneça subsídios para ações de planejamentosda administração local, criação de políticas deação-social, dentre outras medidas que venhambeneficiar a comunidade e que sirva também paraavaliar o impacto destas medidas.

2.3. A questão da saúde nos “bolsões”

O sistema público de atenção à saúde, emLondrina, é estruturado em uma rede de 48postos e centros de saúde, implantadosprincipalmente em bairros periféricos elocalidades rurais, que procuram atender asnecessidades básicas de saúde da população, taiscomo: curativos, vacinação, acompanhamentopré-natal, puericultura, controle de doençascrônicas como hipertensão arterial, diabetesmellitus, além de consultas médicas, empediatria, ginecologia-obstetrícia e clínicamédica, realização de exames complementaresde laboratório e radiológicos, atendimentoodontológico a crianças de 0 – 14 anos e dispersãogratuita de medicamentos básicos.

Essa rede básica de saúde é complementadapor três hospitais gerais, de porte médio,localizados na Zona Norte, na Zona Sul e emTamarana, uma maternidade municipal, e peloCentro Regional de Especialidades, além dosgrandes hospitais, de maior complexibilidade,principalmente o Hospital Universitário, etambém o Hospital Evangélico e a Santa Casade Londrina, através de convênio com o SUS.

A rede básica de saúde produziu no primeirosemestre de 1993, 225.983 consultas médicas erealizou 1.938.723 atendimentos básicos desaúde (atendimento de enfermagem, curativos,vacinação, dispensação de medicamentos, etc).Apesar desse número expressivo deatendimentos prestados, essa rede básica desaúde não atende a toda a demanda dapopulação, que acaba sobrecarregando osProntos Socorros dos grandes hospitais, comcasos de baixa complexidade, que poderiam serresolvidos em nível de rede básica de saúde.

Os grandes hospitais, além de servir dereferência local, são referência regional para grandenúmero de municípios – não só os da 17ª Regionalde Saúde, aos quais compete o atendimentoterciário de Londrina, mas também para grandenúmero de outras cidades, inclusive de outrosestados e até de outros países. (Tabela 3).

Esse sistema público de atenção à saúde écomplementado por um bem estruturado sistemaprivado, de modo que se pode afirmar que agrande maioria da clientela do sistema público écomposta pela classe média-baixa da populaçãorealmente carente.

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Fonte: coleta “in loco”, pela equipe – 1993

A grande maioria dos bolsões de pobrezalocaliza-se na área de abrangência dos postos desaúde, de modo que o acesso é fácil, a pé.Somente o assentamento União da Vitória aindanão possui posto de saúde, apenas uma UnidadeVolante se desloca 3 vezes por semana a esteassentamento, prestando atendimento médico ede enfermagem no local. Mas a populaçãotambém é atendida em três outros postos desaúde da Zona Sul (São Lourenço, Parque dasIndústrias e Ouro Branco), além do Hospital daZona Sul.

O atendimento à saúde dessa populaçãocarente torna-se extremamente difícil, devido àsprecárias condições de vida da mesma. Além dedoenças carenciais principalmente anemias edesnutrição, observa-se grande incidência dedoenças mentais, alcoolismo e doenças crônico-degenerativas. O controle dessas doenças esbarrana dificuldade de dietas especiais, do suprimentoregular de medicamentos, etc.

As habitações não apresentam adequadoesgotamento sanitário, o que leva à contaminaçãodos recursos hídricos próximos, amplamenteutilizados para a lavagem de roupas e até para oabastecimento domiciliar. Uma dessas nascentesencontra-se atualmente em vigilância pelaFundação Nacional de Saúde, por apresentarmoluscos infestados com Shistossoma mansoni,descobertos após a ocorrência de casos deesquistossomose aguda na população ribeirinha.

Observa-se, portanto, como a precariedadedas condições de vida se reflete no estado desaúde da população, apesar do enorme esforçodas intervenções médico-sanitárias que muitotem contribuído para a modificação do perfil demorbi-mortalidade em Londrina. No entanto, aprática de saúde é representada hoje, quase queexclusivamente, por aparelhos médico-

assistenciais disponíveis para a população. Pelopreceito constitucional de que “ a saúde é umdireito de todos e um dever do Estado”, muitopouco tem se podido avançar, na perspectiva maisampla do conceito de saúde e doença,entendendo e praticando a saúde não apenascomo assistência médica e muito mais como uminstrumento da melhoria da qualidade de vidade toda a população, identificando os problemasprioritários e atacando-os com maior ênfase demaneira multiprofissional.

2.4. Aspectos gerais referentes à infra-estrutura social e urbana dos bolsões depobreza

Um dos quadros dramáticos do“rastreamento” foi a constatação dos contrastesdo espaço urbano de Londrina.

É uma cidade que se “orgulha” dos seus 400mil habitantes, formando já uma área pré-metropolitana, com uma multiplicidade defunções de caráter regional, com externalidadesque a posiciona como a terceira cidade maisimportante da Região Sul. Entretanto, é umagrande cidade inorgânica, do ponto de vista desua estrutura social e urbana, e com um alto custode urbanização, pela desarticulação entre espaçosvazios, áreas de grande concentraçãopopulacional e áreas de densidade rarefeita.Nesse conjunto, os equipamentos coletivossociais não são suficientes para atender apopulação, tanto na área de saúde, da educação,como também na sua articulação funcional comoutros equipamentos de uso comum.

A questão de saneamento é crucial, não só,mas principalmente nas “áreas de pobreza”. Afalta de higiene e noções mínimas de bem estar

ÁREA DA 17ª OUTRAS OUTROS LONDRINA REGIONAL DE CIDADES ESTADOS E TOTAL SAÚDE DO PR PAÍSES N. % N. % N. % N. % N. %

HUNPR 8142 74,7 1569 14,4 1140 10,5 55 0,5 10906 100 ISCAL 9605 74,4 1913 14,8 1280 9,9 114 0,9 12912 100 TOTAL 17747 74,5 3482 14,6 2420 10,2 169 0,7 23818 100

Tabela 3 – Atendimento de pessoas no Sistema de Saúde de Londrina.

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estão ausentes; a saúde dos adultos e das criançasé precaríssima, as condições de habitaçãoevidenciam contrastes urbanos anti-éticos e anti-solidários, enquanto há até elevadorespanorâmicos e piscinas nos edifícios da áreacentral. Nas “áreas de pobreza”, onde a fome éo reflexo do processo de degeneração social epolítica de um país, os habitantes fazem suasnecessidades primeiras juntos aos córregos, emcujas águas são também lavadas as suas roupas,usadas para consumo; águas que são fonte decontaminação de doenças já erradicadas nospaíses “mais evoluídos”.

A evolução da Rede Coletora de Esgoto dacidade, demonstra a precariedade e a inexistênciade redes necessárias no saneamento básico dapopulação. Os “bolsões” de pobreza localizam-se justamente onde o esgoto não é tratado, “é acéu aberto”, causando poluição e perigos àpopulação.

Nas praças e locais públicos, onde osindigentes cozinham e esquentam a sua refeição,em latas “catadas”, a escura noite faz brilhar ofogo, acendendo um pouco de calor para os queforam “desgarrados” da sociedade. Sem quedesejassem esse futuro-presente aos tristes olhosdos seus filhos, que se agacham e sentam na terrafria da escura noite, esperando a rala sopa dofim do dia.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este documento é um primeiro diagnósticosobre as áreas de pobreza de Londrina,localizadas através do método de observação emúltiplas entrevistas realizadas, tanto nas áreasurbanas como rurais do município.

O ponto de partida foi a concepção de queem áreas urbanas com habitações precárias, comfavelas, barracos provisórios em locais públicos,barrancos, estaria o maior contingente da pobrezaurbana, como também em albergues, praçaspúblicas, ruas e casas abandonadas. Nas áreasrurais, “locus” também de grande pobreza, asentrevistas realizadas e o cruzamento de dados,tanto primários como secundários, permitiu umaprimeira aproximação quanto à localização dasáreas de pobreza. O processo de identificaçãodessas áreas foi denominado de “rastreamento”,pois, não se trata ainda de uma pesquisa efetivasobre a problemática da “Fome” em Londrina.

O “rastreamento” urbano e rural, deve serconsiderado como uma primeira aproximação dedados sobre a identificação das áreas de pobreza,necessitando de uma pesquisa que complemente,aprofunde e caracterize melhor o problema, tarefasda segunda etapa do Grupo Interdisciplinar.

Na área urbana foram localizadas 34 “áreasde pobreza” e 10 “pontos de pernoite” na áreacentral, totalizando aproximadamente 20.000pessoas, das quais, cerca de 14.300 em estadode pobreza absoluta, representando cerca de 4%da população urbana da sede. As áreas depobreza, quando próximas geograficamente,foram denominadas de “bolsões”. Três foram osgrandes conjuntos que caracterizam os “bolsões”.O maior está localizado no extremo Sul/Sudesteda área urbana, com cerca de 9.300 pessoas.Trata-se de uma área de recente assentamentoestimulado pela Prefeitura local. O segundo“bolsão” fica ao longo do Córrego Quati,próximo à Rodovia BR 369 – Av. Brasília,concentrando nessa região, cerca de 3.700pessoas. O terceiro maior “bolsão” está localizadono setor Leste da Cidade, com cerca de 3.000pessoas. É uma das áreas de antiga ocupação,estando aí uma das favelas mais precárias deLondrina, denominada de Favela Marisa, commais de 30 anos de existência.

Na área rural, foram identificadas algumasáreas semelhantes às favelas urbanas, como emGuaravera e Tamarana. A população pobre daárea rural totaliza cerca de 4.500 pessoas.

Esta experiência do Grupo Interdisciplinar dePesquisa, participando de múltiplas atividades,formado em vários subgrupos, para os primeirosrastreamentos e elaboração do “mapa da fome”de Londrina, demonstrou um espírito desolidariedade em situações distintas eimprevisíveis, cuja colaboração foi fundamentalna elaboração deste primeiro documento sobrea “pobreza” em Londrina.

NOTAS

1 Segundo o Documento nº 14 do Instituto dePesquisa Econômica Aplicada – IPEA –, “OMapa da Fome: subsídios à formulação de umapolítica de segurança alimentar”, mar./93, p. 5.

2 As estatísticas Brasileiras não são muito precisas,pela falta de normatização e sistematização. E,dependendo da época, o desemprego e a fome

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são maiores, pois, a sazonalidade agrícola influinesse quadro.

3 Em verdade, a simples afirmação de altaprodução agrícola não parece suficiente paratraduzir as reais condições de aproveitamentodesta produção. A péssima situação nutricionalde parte expressiva da população já denunciaisto. Por outro lado, dados oficiais informamque há perdas por desperdício de grãos, emnível nacional, de aproximadamente 30% daprodução, provocadas em muitos casos porfalta de adequação da infra-estrutura dearmazenagem (folha de São Paulo), 2/junho/1993, p.2). No caso da região de Londrina,existem indícios de que em armazéns sob aresponsabilidade do governo federal ouestadual ocorreria a deterioração de alimentosestocados. Questionar as condições em que sedá a produção e a distribuição de alimentoslevam a um possível desdobramento dapresente pesquisa em relação ao problema.

4 Segundo Relatório Mundial sobre oDesenvolvimento Humano, apud GazetaMercantil de 26/05/93, p. 5.

5 NAKAGAWARA, Yoshiya – (Coord.) – Mão-de-Obra em Londrina – a situação do emprego,desemprego e subemprego. 2 v.

6 In Brun (1985), Thierry A.. “Des faminesclimatiques aux famines économiques”. in: RevueTiers Monde, t. XVI, nº 63, julho/set. 1985

7 FGV/IBGE. Dietas de Custo Mínimo. R.J., FGV/Div. de Estatística e Econometria, 1978, p.1.

8 Dicionário de Ciências Sociais, R.J., FGV, 1986,pp. 906 e 907.

9 AVILA, Fernando B.. Desafio da pobreza:debates sociais. R.J., CBCISS, v. 17, nº 33,1981, pp. 6 e 7.

10 MONTEIRO, Carlos A.. “O mapa da pobrezano Brasil”. in: Cadernos de Nutrição, s/n,SBAN, vol. 4, p. 1, 1992

11 “Uma Representação conceitual da pobreza”.in: Serviço Social e Sociedade, s.n., nº 36, pp.101-113, 1992

12 Sobre os direitos humanos e suas implicações naavaliação da política moderna ver texto de ClaudeLefort, “Direitos do homem e política”, in: Ainvenção democrática. S.P., Brasiliense, 1982

13 Cf. Direitos Humanos nos EstadosAmericanos, Washington, D.C., UniãoPanmericana, 1961

14 In: PORTO, Walter C.. Declaração de Direitos.Brasília, Fund. Projeto Rondon, 1988, p. 5.

15 Citado em Castelhanos, Pedro L.. Sistemasnacionales de vigilancia de la situacion de saludsegun condiciones de vida y del empacto delas acciones de salud y bienestar. San Juan,Oficina Sanitária Panamericana, s/d, p. 6.

16 Vide Baltear, Paulo Eduardo de A.. (Coord.).Situação da pobreza no Brasil: principais causase alternativas de políticas corretivas. Campinas,Inst. de Economia (UNICAMP), 1989,mimeo.; e SEADE. Pobreza e Riqueza:pesquisa de condições de vida na RegiãoMetropolitana de São Paulo: uma amostragemmultissetotial. S.P., SEADE, 1992

17 In: Estudos Avançados, v. 16, pp 157-158, out/dez 1992

18 O IBGE indica o nível de rendimento familiarper capita de até ¼ salário mínimo para definiro nível de pobreza absoluta, e ½ salário mínimopara o de pobreza relativa. Cf. Saboia, AnaLucia (Coord.). Crianças & Adolescentesindicadores sociais. R.J., IBGE, 1989, p. 19.

19 Cf. Scott, Wolf. Concepsts and measurementeof poverty. Genebra, UNRISD, 1981. Sobreesse parâmetro ver também Pollit, E.. Apobreza infantil da América do Sul. Texas,C.C.S. da Universidade do Texas, 1980

20 Sobre a complexidade de se estabelecer umvalor satistatório de calorias para consumomínimo ver Viacava, F.; De Figueiredo, C. M.P.; Oliveira, W. A.. A desnutrição no Brasil.Vozes, Petrópolis, R.J. 1993, e também Pryer,Jane; Crook Nigel. Cities of hunger: urbanmalnutrition in developing countries. Oxford,Oxfam, 1990

21 FGV/IBGE, op. cit., p.1.22 Cf. Viacava, F.; de Figueiredo, op. cit., p. 151.23 In: Microfísica do Poder – 5a. ed. – R.J., Graal,

1985, pp. 277 a 293

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* * *

Entidades e pessoas diretamente comprometidas como Projeto de Mapeamento da Pobreza no municípiode Londrina:

I – UNIVERSIDADE ESTADUAL DELONDRINA:Reitor : JOÃO CARLOS THOMPSOMVice-reitora: LUZIA YAMASHITA DELIBERADOR

1. BIBLIOTECA CENTRALELIZABETE PUIA

2. CENTRO DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS:Profa. LUCIA MIGLIORANZA – Tecnologia deAlimentos e Medicamentos3. CENTRO DE CIÊNCIAS EXATASProfa. ANA SATIE YOTSUMOTO – MatemáticaAplicadaProfa. KUMAGAE KASUKUO STIER – GeociênciasProf. PEDRO EVANGELISTA – MatemáticaAplicadaProfa. YOSHIYA NAKAGAWARA FERREIRA –GeociênciasProfa. VANDERLI MAURO MELEM – MatemáticaAplicadaProfa. JACINTA LUDOVICO ZAMBOTI –Matemática AplicadaACADÊMICO DE ECONOMIA PAULO H. M.BRAMBILLA – Geociências

4. CENTRO DE CIÊNCIAS DE SAÚDE:Prof. JOÃO CAMPOS – HURNP/Materno Infantile Saúde ComunitáriaProfa. BARBARA TURINI – HURNP/MaternoInfantil e Saúde Comunitária

5. CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS:Profa. EDNÉIA MARIA MACHADO – Serviço SocialProfa. MARIA CLEMENTINA E. COLITO –Serviço Social

6. CENTRO DE LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS:Prof. EDUARDO R. DE OLIVEIRA – HistóriaProf. JOÃO BATISTA FILHO – SociologiaProf. JOSÉ CÉZAR DOS REIS – HistóriaProfa. MARIA REGINA C. CAPELO – SociologiaProf. PAULO BASSANI – Sociologia

7. NÚCLEO DE TECNOLOGIA EDUCACIONAL:GARCIA ALEJANDRO VERGARA FIGUEROAJOELMA DA SILVA TEIXEIRA

II – PREFEITRUA MUNICIPAL DE LONDRINA:1. SECRETARIA DE PLANEJAMENTO:MARIA YORIKA HINOEUNICE DE BIAGI MORAES

2. SECRETARIA DE AÇÃO SOCIAL:MARIA ANGELA SANTINI GONÇÃLVES

Geografia, Londrina, v. 8, n. 1, p. 65-82, jan. / jun. 1999 81

3. COHAB:JOÃO ALBERTO VERÇOSAANDRÉ LUIZ VARGAS ILÁRIOSUELY DA SILVAANGELA BENTO LADEIA

III – IBGEANGELA MARIA BARBOSA

IV – ARQUIDIOCESE DE LONDRINADON ALBANO CAVALIN – Arcebispo de LondrinaELVIRA DUARTE DE MORAZ – Pastoral da CriançaFERNANDO FRANZOI DA SILVA – Pastoral Social

V – ALUNOS E EX-ALUNOS DO CURSO DEGEOGRAFIA DA UELALICE APARECIDA E SILVANÉCIO TURRA NETOODILA SILVIA KNOBE ZANI

Apoio Logístico e Institucional:CEC – Coordenadoria de Extensão à Comunidadeda Universidade Estadual de LondrinaProf. TADEU FELISMINO.

* * *

Geografia, Londrina, v. 8, n. 1, p. 83-90, jan. / jun. 1999 83

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O crescente desenvolvimento das cidades donorte do PR, tem gerado um consumo maior deágua nos seus mais diversos setores (industrial,comercial, residencial, etc ). Tal demanda temexigido tanto quantidade quanto qualidade daágua consumida, fato este que se opõe à realidadeda água superficial captada e distribuída pela redepública (rios, lagos, fontes), sujeita aos efeitosda poluição ambiental.

Desta forma, verifica-se um aumentosignificativo do aproveitamento da águasubterrânea, constituindo-se numa fontecomplementar de abastecimento, tanto pelo setorindustrial, quanto por particulares, incluindoentre outros, condomínios residenciais eatividades ligadas ao comércio.

Os poços tubulares representam o principalmeio de acesso à água subterrânea e suacapacidade produtiva depende de uma avaliação

Utilização de critérios hidrogeológicos para captaçãode água subterrânea em Iguaraçu, estado do PR.

André Celligoi*Cleuber Moraes Brito**

RESUMO

O aproveitamento da água subterrânea nos últimos anos por grande parte da população no norte do PR exigiu ummaior aperfeiçoamento das técnicas de locação de poços tubulares em rochas basálticas da Formação Serra Geral.Foi realizado um estudo na cidade de Iguaraçu, onde foram aplicados critérios hidrogeológicos para locação depoços tubulares, os quais envolveram trabalhos como análise litológica da área, fotointerpretação e análisesgeomorfológicas. Tal estudo evidenciou que poços locados mediante critérios hidrogeológicos eficazes, possuemcaracterísticas hidráulicas superiores aos locados aleatoriamente, uma vez que no aqüífero estudado as condiçõesde armazenamento e circulação de água são heterogêneos e anisotrópicos. Portanto, este tipo de procedimentopreliminar nos estudos hidrogeológicos, além de representar normalmente uma maior produção de água nospoços perfurados, pode acarretar também uma maior economia no seu custo final.

PALAVRAS-CHAVES: Hidrologia, aqüífero serra geral, locação.

hidrogeológica criteriosa, que pode garantir entreoutras coisas, uma boa vazão. Estudos recentes(CELLIGOI, 1993; CELLIGOI & DUARTE,1996) revelam existir uma clara discordânciaentre os valores de vazão (Q) obtidos pelos poçosperfurados com e sem critérios hidrogeológicos.

O objetivo deste trabalho é mostrar algunscritérios hidrogeológicos utilizados para aperfuração de um poço na região de Iguaraçu eos seus excelentes resultados obtidos quandocomparados aos do sistema aqüífero Serra Geralem outras regiões.

2. QUADRO GEOLÓGICO

A região de Iguaraçu encontra-segeologicamente na borda sudeste dos sedimentospós-basálticos, referentes à Formação Caiuá noEstado do Paraná (Figura 1).

* Docente do Departamento de Geociências da Universidade Estadual de Londrina - Caixa Postal - 6001 CEP 86051-990Londrina Pr. E-mail: [email protected]**Docente do Departamento de Geociências da Universidade Estadual de Londrina - Caixa Postal - 6001 CEP 86051-990Londrina Pr. E-mail: [email protected]

84 Geografia, Londrina, v. 8, n. 1, p. 83-90, jan. / jun. 1999

Tal formação consiste em arenitos degranulação fina a média, com cor característicaroxo-violeta, intemperizando-se para coresvermelho escuras, apresentando nos sedimentoscobertura por película de óxido de ferro oulimonita. Os corpos de areia ocorrem em grandesbancos e cunhas, portando estratificação cruzadade médio a grande porte.

No caso de Iguaraçu, as espessurasobservadas do arenito são bem inferiores àquelasda sua porção ocidental (NW do PR), que podemchegar a cerca de 200 m. Alguns registros depoços tubulares perfurados na região, revelamque o Caiuá possui espessuras nestes locais decerca de 40 metros em média, adelgaçando-serumo ao córrego Iguaraçu, onde desaparece porcompleto no fundo deste vale.

O contato inferior da Formação Caiuá é pordiscordância com as rochas basálticas daFormação Serra Geral. Esta formação ocorre nosfundos de vales mais profundos da área estudada,como o córrego Iguaraçu e o córrego Valência eé composta por basaltos pretos a cinza escuros,de estrutura maciça, vesicular e/ou amigdaloidal,microcristalinos e fraturados. Esfoliaçõesesferoidais são características marcantes dosbasaltos, tanto maciços, quanto vesico-amigdaloidais, embora sejam mais raras nestesúltimos. Apresentam-se bastante preservadosquando próximos às drenagens.

3. HIDROGEOLOGIA

3.1. Considerações sobre o modo de ocorrência

Na área estudada existem duas formas deocorrências de águas subterrâneas: [1] o aqüíferoCaiuá e [2] o sistema aqüífero Serra Geral.

O aqüífero Caiuá, pelas suas característicasgeológicas de rochas sedimentares arenosas,constitui-se em um meio poroso, pouco espesso(nas partes mais elevadas da região, o pacoterochoso atinge não mais que 40 metros),homogêneo e de fluxo de água relativamenteuniforme através dele, uma vez que os bancosde arenitos são bastante persistentes, desprovidosde uma variação acentuada de níveis argilosos,os quais atuariam basicamente como níveisconfinantes ou semi-confinantes.

Este aqüífero tem características essenciaisde aqüífero livre, ou não-confinado. Dessa forma,a recarga nesta região se dá diretamente a partirde águas pluviais nas áreas mais elevadastopograficamente, motivo pelo qual, aliás, não éaconselhado o seu uso através de fontes, dado oelevado risco de poluição por agrotóxicos, ououtros agentes antrópicos.

O aqüífero Caiuá é explorado na cidade deIguaraçu por 2 poços tubulares, os quais abastecema área rural e cujas características principais estãorelacionadas abaixo (Tabela 1)

Figura 1 – Mapa geológico regional do noroeste do Estado do Paraná. (Adaptado de STEVAUX & FERNANDEZ,1995)

Geografia, Londrina, v. 8, n. 1, p. 83-90, jan. / jun. 1999 85

Entretanto, na área estudada, o aqüíferoCaiuá praticamente inexiste, ficando a suaocorrência na área de contato com os basaltosda Formação Serra Geral, local exatamente ondeacontecem as fontes. A obtenção de águasubterrânea por poços tubulares neste local deveser restrita aos basaltos.

Ao contrário dos sistemas aqüíferossedimentares, os quais possuem uma certahomogeneidade física, o sistema Serra Geral,pelas suas características litológicas de rochascristalinas, se constitui em um meio aqüífero decondições hidrogeológicas heterogêneas eanisotrópicas.

Dessa forma, o modo de ocorrência da águasubterrânea fica restrito às zonas dedescontinuidades das rochas, sendo a vazãoobtida em cada poço tubular, relacionada aonúmero e à condição de abertura das fraturasatravessadas pelas perfurações. Taisdescontinuidades se constituem principalmentenas estruturas tectônicas do tipo fratura e/oufalhamento.

Embora consideradas muitas vezesindiscriminadamente como rochas cristalinas, assuítes vulcânicas da Formação Serra Geralpossuem diversas características litológico-estruturais que as distinguemhidrogeologicamente dos demais meiosfraturados, tanto ígneas plutônicas, quantometamórficas em geral.

No topo de derrame, mais especificamentenas estruturas vesiculares e amigdaloidais, apermeabilidade depende da disposição espacialdos vacúolos. Quando os mesmos sãointerconectados por fraturas, os resultadospodem ser excelentes. A percolação de água,junto aos fraturamentos verticais, vai alimentaras diáclases horizontais da porção inferior doderrame. Estas, no entanto, não possuem,

freqüentemente, uma circulação de água muitoefetiva, devido à presença de materiais dealteração junto aos planos de fraturas.

Todo esse sistema de fluxo, todavia, pode serconsideravelmente modificado por intermédio deestruturas tectônicas rúpteis regionais, comofraturamentos e falhamentos, bem comointrusões magmáticas – diques e sills, os quaispodem alterar as condições hidrogeológicasoriginais.

Como citado anteriormente, as rochasvulcânicas, assim como outros tipos cristalinos,constituem um meio heterogêneo onde acirculação de água é condicionada àsdescontinuidades físicas das rochas.

Os trabalhos de fotointerpretação revelaramum alinhamento estrutural ao sul da área comdireção aproximada E-W, a qual indica estruturado tipo fratura/falhamento que pode permitir acirculação e armazenamento de água de maneirasatisfatória.

3.2. Critérios hidrogeológicos de locaçãode poços

A exploração das zonas aqüíferas daFormação Serra Geral através de poços tubularestem sido utilizada em grande intensidade portoda a extensão da unidade, atingindo a casa dealguns milhares de poços atualmente. A captaçãode água por fontes é, também, uma formaplausível de aproveitamento dos recursos hídricosrelacionados aos derrames. A utilização fica, noentanto, condicionada pelo valor de sua vazão eamplitude de variação sazonal (REBOUÇAS, 1976;1978). Os poços tubulares permitem umaprodução mais importante e constante no tempodo que as fontes.

Os métodos para a exploração das águas

Tabela 1 – Principais parâmetros hidrogeológicos dos poços tubulares de Iguaraçu-PR

Poço

Prof. (m)

Vazão (m3/h)

Nível estático(m)

Nível dinâmico (m)

Capacidade específica (m3/h.m)

Prof. Basalto

(m)

P1

02

7,20

21

25,00

1,80

40

P2

60

4,80

22

28,00

0,80

39

86 Geografia, Londrina, v. 8, n. 1, p. 83-90, jan. / jun. 1999

subterrâneas nas seqüências vulcânicas daFormação Serra Geral devem envolver, pelo seumodo de ocorrência, os seguintes aspectos:a) Análise litológica e estrutural a partir de dados

de campo.b) Interpretação de fotografias aéreas visando a

identificação de lineamentos estruturaisligados a alinhamentos de relevo e dedrenagem.

c) Análise geomorfológica.A análise litológica e estrutural visa reconhecer

no campo as principais feições típicas de topo ebase de derrame, como a presença de estruturasvesiculares e amigdaloidais, diaclasamentoshorizontais e verticais, estruturas fluidais demovimentação magmática, bem como estruturastectônicas e atectônicas presentes nosafloramentos disponíveis.

A interpretação de fotografias aéreas temcomo finalidade principal a identificação delineamentos estruturais, como alinhamentos derelevo e drenagem. As zonas de fraturamento,por serem mais facilmente atacadas pelosprocessos meteóricos e erosivos, constituemzonas de desenvolvimento preferencial de linhasde drenagens retilíneas. As lineações dedrenagem são interpretadas como traços de

fratura quando retilíneas e bi a multidirecionais,pois os esforços aplicados sobre as rochasfraturam-nas em duas ou mais direções. Osentroncamentos, ou zonas de interseção delineamentos, podem constituir-se em locais deboa circulação de água, uma vez que em talsituação aumentam as condições de interconexãoentre os sistemas de fluxos horizontais e verticaisnos derrames.

Assim, para este trabalho, considera-se um poçoconstruído com critério geológico aquele em quesão efetivados estudos hidrogeológicos no sentidode identificar as feições litológico-estruturais egeomorfológicas descritas acima, para sua aplicaçãona escolha dos locais mais favoráveis à locação depoços tubulares profundos.

3. 3. Locais para perfuração

Mediante os estudos realizados para a região,tomando-se como base os critérios hidrogeológicosde fotointerpretação e proximidade com estruturasgeológicas presentes, são propostos 2 locaisprincipais dentro da área requerida para pesquisa,que estão relacionados abaixo, em ordem deprioridade (Figura 2):

Figura 2 – Mapa geológico-estrutural de Iguaraçu-PR

Geografia, Londrina, v. 8, n. 1, p. 83-90, jan. / jun. 1999 87

Local 1 – Identificado na figura 2 como “1”.Sua localização é privilegiada dentro do contextohidrogeológico, pois é o local mais próximo daestrutura identificada nas fotografias aéreas.Estudos realizados por CELLIGOI & DUARTE(1996) demonstram que poços tubularesperfurados nos basaltos, sendo locados o maispróximo de estruturas deste tipo possuem vazõessuperiores aos demais. Na região de Londrina –PR, tais poços chegam a vazões excepcionais,superiores a 50 m3/h. Estima-se, para um poçoconstruído segundo a técnica e projeto

adequados às características hidrogeológicas daárea e, penetrando de 100 a 150 metros deprofundidade, vazões na ordem de 5 a 10 m3/h.

Local 2 – Identificado na figura 2 como “2”.Obedece aos mesmos parâmetroshidrogeológicos, entretanto, um pouco maisafastado (80 m) do lineamento do ribeirãoIguaraçu. Todavia, se constitui em um localsatisfatório para a perfuração.

Em área próxima aos locais de perfuraçãoexiste um poço tubular perfurado em 1979, comas seguintes características (Tabela 2)

Tabela 2 – Principais parâmetros hidrogeológicos de poço na zona rural de Iguaraçu-PR

Poço

Prof. (m)

Nível estático (m)

Vazão máxima (m3/h)

Nível dinâmico (m)

Capacidade específica (m3/h.m)

P3

115

5,60

37,90

24,10

2,04

3.4. Resultados obtidos

Os resultados obtidos do poço perfurado em

Iguaraçu podem ser vistos na Tabela 3 abaixo,juntamente com os valores de outros locais:

Tabela 3 – Principais parâmetros hidrogeológicos de aqüíferos presentes na área estudada

Prof.(m)

Vazão máxima (m3/h) Capacidade específica (m3/h.m)

Iguaraçu - S.Geral1 84,0 37,9 2,0 Londrina-SGeral2 148,8 17,7 1,16 Caiuá-Iguaraçu1 102,0 7,2 1,8

Caiuá3 102,6 15,10 0,76

1 Esta pesquisa 2 Celligoi (1993) 3 DAAE (1974)

Os resultados obtidos em Iguaraçuconfirmam a importância da utilização de estudoshidrogeológicos prévios e com critérios paraperfuração de poços tubulares.

Os resultados de vazão obtidos nesta pesquisa(Tabela 4) possuem valores compatíveis com

aqueles encontrados em Londrina (CELLIGOI,1993) para poços perfurados com critérioshidrogeológicos. Vale ressaltar, que o poço deIguaraçu apresenta uma das maiores vazõesencontradas em poços perfurados nesta região.

Tabela 4 – Vazão dos poços com e sem critério hidrogeológico (em m3/h.m) na região de Londrina e emIguaraçu

Qméd(m3/h)

Iguaraçu2 60,9

Poços com critério hidrogeológico1 58,5

Poços sem critério hidrogeológico1 17,5

1 Esta pesquisa 2 Celligoi (1993)

88 Geografia, Londrina, v. 8, n. 1, p. 83-90, jan. / jun. 1999

4. HIDROGEOQUÍMICA

4.2. Aspectos geoquímicos das águassubterrâneas

4. 2. 1. Composição Química

Foi realizada uma análise físico-química daágua do poço tubular e outra representativa dasfontes do aqüífero Caiuá. Os resultados dessas

análises (Tabela 5) permitiram classificar as águassubterrâneas da Formação Serra Geral nestaregião como sendo bicarbonatadas cálcicas,utilizando-se para tal o diagrama de Piper, Figura3, o qual possibilita obter uma visão sucinta dacomposição química das águas analisadas.

Figura 3 – Diagrama de PIPER - Composição das águas subterrâneas da região de Iguaraçu. 1 = médiade Londrina1; 2 = Fonte Caiuá2 e 3 = Poço basalto Iguaraçu2. 4 = Poço Caiuá-Iguaraçu2. Ref.: 1.Celligoi (1993); 2. Esta pesquisa.

Geografia, Londrina, v. 8, n. 1, p. 83-90, jan. / jun. 1999 89

Pela observação comparativa das análises,podemos notar que existe claramente umadistinção entre as análises relacionadas aoaqüífero Serra Geral (amostras 1 e 2 ) e as doCaiuá (amostra 4).

Quando comparada com a média de valoresdo aqüífero Serra Geral (amostra 2), a amostrade Iguaraçu possui uma grande similaridade,demonstrando sua proveniência com este sistemaaqüífero.

No geral, a amostra de Iguaraçu apresentamenores concentrações iônicas do que as médiasconhecidas para o Serra Geral, principalmentenos valores de Ca, Na, Cl, SO

4 , F, STD e

condutividade elétrica (CE). Para outroselementos as concentrações são bastantepróximas (K,Mg, HCO

3 e alcalinidade).

Em relação ao predomínio da tendênciacálcica das águas do aqüífero Serra Geral emrelação à sódica, tem-se o fato de que o cálcio éum elemento de grande solubilidade e que estápresente em um grande número de mineraisdessas rochas, como augitas e pigeonitas, bemcomo plagioclásios cálcicos e sub-cálcicos.

5. CONCLUSÕES

A região de Iguaraçu-PR encontra-se na bordaSW dos sedimentos pós-basálticos da FormaçãoCaiuá da Bacia Sedimentar do Paraná, ondeexistem duas formas de ocorrências de águassubterrâneas; o aqüífero Caiuá e a zona aqüíferada Formação Serra Geral.

Foram realizados estudos hidrogeológicospara locação de um poço tubular no contato entreas duas formações acima. O poço perfuradoapresenta uma capacidade específica de 2.0 m3/h.m, superior ao valor médio para o Serra Geralem Londrina que é de 1,16 m3/h.m. Os valoresde vazão acompanham esta tendência com 37,9contra 17,7 m3/h nas mesmas regiões.

Evidencia-se assim que estudoshidrogeológicos são extremamente necessáriospara a locação de poços tubulares, uma vez queas características hidrogeológicas essenciais deaqüíferos fissurados são condicionadas aoposicionamento do poço face às estruturasgeológicas regionais e locação.

Tabela 5 – Distribuição dos elementos principais nos sistemas aqüíferos da área estudada

1 2 3 4

Poço Basalto Iguaraçu

Média -Basalto Londrina

Fonte Caiuá Poço Caiuá

Ca 16,35 26,50 16,99 0,84 Mg 5,46 5,90 6,97 0,27 Na 9,20 11,30 3,90 1,82 K 0,50 0,60 1,30 0,58 Cl 2,00 15,20 4,00 1,00

SO4 1,00 7,80 3,00 0,00 HCO3 71,00 76,10 68,00 6,00 NO3 0,18 4,20 1,85 0,47 F- 0,10 0,70 0,10 0,00

STD 153,00 212,00 155,00 52,00 pH 7,40 7,20 6,70 6,40 ALC 71,00 77,80 68,00 6,00 C.E. 155,00 271,40 350,00 N.D

N.D. não-determinado

90 Geografia, Londrina, v. 8, n. 1, p. 83-90, jan. / jun. 1999

6. BIBLIOGRAFIA

CELLIGOI, A. Recursos hídricos subterrâneos deFormação Serra Geral em Londrina – PR. SãoPaulo, 1993. Dissertação ( Mestrado) – IG/USP

CELLIGOI, A; DUARTE, U. Critérioshidrogeológicos na locação de poços tubulares emrochas basálticas da Formação Serra. In:CONGRESSO BRASILEIRO DE ÁGUASSUBTERRÂNEAS,8, 1996, Salvador. Anais.Salvador, ABAS, 1996.

DAEE (DEPARTAMENTO DE ÁGUAS EENERGIA ELÉTRICA DO ESTADO DE SÃOPAULO) – Estudo de águas subterrâneas – regiõesadministrativas 10 e 11 – Presidente Prudente eMarília. São Paulo, 1974. v. 1. Texto. 220 p.

REBOUÇAS, A.C. – Recursos hídricos subterrâneosda Bacia do Paraná – análise de pré-viabilidade.São Paulo, 1976. Tese de livre-docência – IG/USP,.

REBOUÇAS, A.C. – Potencialidades hidrogeológicasdos basaltos da bacia do Paraná no Brasil. In:CONGRESSO BRASILEIRO DE GEOLOGIA,30, 1978, Recife. Anais. Recife, 1978. V.6, p.2963-2976

STEVAUX, J.C. & FERNANDEZ, O.V.Q. Avaliaçãopreliminar do potencial mineral da região noroestedo Estado do Paraná. Boletim Paranaense deGeociências, no 43, p.119-133, UFPR, 1995.

Geografia, Londrina, v. 8, n. 1, p. 91-97, jan. / jun. 1999 91

1. INTRODUÇÃO

Durante os últimos anos, muito da ênfase eminvestigações das águas subterrâneas em paísesindustrializados são baseadas em consideraçõessobre qualidade das águas subterrâneas.

O problema de degradação da qualidade deáguas de rios e lagos tem sido evidente por umlongo tempo. Em geral, soluções para esteproblema têm sido encontradas naimplementação de uma legislação efetiva parainterromper as emissões de contaminantes.

Infelizmente, os problemas de degradação daqualidade das águas subterrâneas são maisdifíceis de serem superados. Uma vez queheterogeneidades são inerentes aos sistemas desubsuperfície, as zonas de águas subterrâneasdegradadas são muito difíceis de se detectar.(FREEZE & CHERRY, 1979).

Em virtude disso, as análises químicas deáguas subterrâneas são muito importantes, namedida em que os parâmetros de identificação econtrole são requeridos.

É preciso inicialmente, segundo SZIKSZAY(1993), saber a finalidade a que se destinam as

Considerações sobre análises químicas deáguas subterrâneas

André Celligoi*

RESUMO

Este trabalho enfoca as características básicas de análises de águas subterrâneas, uma vez que suas aplicações sãomuito extensas, não se restringindo apenas à verificação do grau de potabilidade, bem como de elementos oucompostos poluidores. O seu enfoque é muito acentuado quando se trata de correlação da água com a litologia deuma determinada região para se saber a sua proveniência. Os constituintes maiores , bem como os elementostraços principais foram listados e descritos individualmente com suas características intrínsecas e avaliadosgenericamente com relação aos aqüíferos em geral. Exemplos de representações gráficas de resultados analíticosforam dados com a finalidade de simplificar a comparação e avaliação de diferentes análises.

PALAVRAS-CHAVES: águas subterrâneas, análises químicas.

análises a serem realizadas, pois os parâmetrosanalisados não são os mesmos para todo o tipode análise:Potabilidade – Verificar as normas vigentes doPaís e eventualmente as internacionais. Pedir:Elementos e compostos maiores; STD, NO

2- ,

NH4+ , OD, DBO, F- e Fe2+ bactérias coliformes

e coliformes fecais; substâncias tóxicas (As, CN,Pb, Hg, fenol, etc).Fins sanitários ou controle de poluição –Alcalinidade, fenol, condutividade elétrica, OD,DBO e pH.Irrigação – Calcula-se o SAR. Precisa-se:condutividade elétrica, Ca2+ , Mg2+ , Cl- , boro etemperatura.Pecuária – STD, condutividadeIndústria – Depende da indústria. Precisa-se:dureza, Fe, Mn, SiO

2.

Pesquisa científica – Para relacionamento dacomposição química da água com a litologia;todos os dados são necessários, inclusive ostraços.Prospecção geoquímica – Depende do elemento.

* Docente do Departamento de Geociências da Universidade Estadual de Londrina - Caixa Postal 6001 CEP 86051-990 -Londrina Pr. E-mail: [email protected]

92 Geografia, Londrina, v. 8, n. 1, p. 91-97, jan. / jun. 1999

2. SUBSTÂNCIAS NAS ÁGUASSUBTERRÂNEAS

2. 1. Constituintes Maiores

SÓDIO – É um constituinte maior das rochasígneas (28.000 mg/Kg). Ocorre em plagioclásio,principalmente albita (NaAlSi

3O

8) e é liberado

durante o intemperismo destes silicatos(MATTHESS, 1982). O sódio é geralmentepresente nas águas doces como íons Na+; emsoluções concentradas ocorrem NaCO

3-,

NaHCO3

-(aq)

e Na SO4

-. As mais altasconcentrações de sódio ocorrem em associaçãocom íons Cl-.POTÁSSIO – Com 25.700 mg/Kg em rochasígneas, ocorre na forma de vários minerais, comomicroclina e ortoclásio (KAlSi

3O

8), muscovita e

biotita, entre outros. Os íons são liberados pelointemperismo. Entretanto, após migração maisou menos prolongada, eles tendem a fixar-se,adsorvidos em minerais de argila, entre osespaços da ilita, formando minerais secundários.Têm pouca mobilidade geoquímica nas águasdoces e é raramente encontrado emconcentrações iguais ou maiores que o sódio.CÁLCIO – Encontrado em plagioclásios(CaAl

2Si

2O

8) e em anfibólios e piroxênios –

perfaz 25.700 mg/Kg nas rochas ígneas. Formadepósitos de carbonatos, calcita e aragonita(CaCO

3) e dolomita (CaCO

3.MgCO

3), bem

como a anidrita (CaSO4) e diversos minerais. É o

cátion mais comum em águas doces. Seu conteúdona maioria dos casos é determinado pelo sistemade equilíbrio CaCO

3 – CO

2 – H

2CO

3 – HCO

3- –

CO3

2-, conhecido como equilíbrio carbonato decálcio-dióxido de carbono.MAGNÉSIO – Suas principais ocorrências estãonas olivinas (MgSiO

4 – forsterita), granadas,

piroxênios, etc.. O íon magnésio tem raio iônicomenor e densidade de carga maior que o sódio eo potássio e tende a formar revestimento de 6moléculas de água – Mg(H

2O)

62+. Tem grande

solubilidade, mas é encontrado em menoresquantidades nas águas doces, maisprovavelmente pela baixa abundânciageoquímica do magnésio (17.600 mg/Kg nasrochas ígneas).FERRO – É um dos mais importantes íons dasrochas ígneas (42.200 mg/Kg). Ocorreprincipalmente em minerais máficos, como:piroxênios, anfibólios, biotitas, bem como

magnetitas, piritas, etc.. O tipo mais comum deíon de ferro dissolvido na água subterrânea é oFe2+ . O FeOH+ pode ocorrer com teores de CO

2

baixos. Ferro trivalente pode ser dissolvido emsoluções ácidas como Fe3+, FeOH2+ e Fe(OH)2+.MANGANÊS – Presente em substituições embiotita e hornblenda, principalmente. Elementoprincipal da rodocrosita. É detectável empequenas quantidades na água subterrânea.Concentrações acima de 1 mg/L são raras, masvalores como 0,05 mg/L terão efeito adverso napotabilidade da água.DIÓXIDO DE CARBONO, CARBONATO,HIDROGÊNIO CARBONATO – O sistema:CO

2 + H

2O « H

2CO

3 « HCO

3- + H+ « CO

32-

+ H+ é muito importante na água, controlandoa formação de várias espécies de carbonato quese originam de rochas carbonáticas e dióxido decarbono livre.CO

2 total é dividido em: CO

2 livre → dióxido

de carbono dissolvido e H2CO

3 não dissociado

e CO2 limite → Hidrogênio carbonato e íons

carbonato, sendo que suas origens principaisestão no CO

2 atmosférico ou no solo.

NITROGÊNIO – NITRATO, NITRITO,AMÔNIA – A maior parte do nitrogênio ocorrecomo gás na atmosfera, no solo e nas substânciasorgânicas.N

org – NH

3 – NO

2- – NO

3- são formas

bioquimicamente interconversíveis ecomponentes do ciclo do nitrogênio. No processode oxidação da matéria orgânica, osmicroorganismos transformam NO

2- em NO

3- ,

cujo teor está relacionado às condições deoxigenação da água. Concentrações elevadas deN

org e NH

4+ indicam poluição recente; altas

concentrações de NO3- indicam poluição antiga.

SULFATO – O enxofre ocorre principalmenteem gases magmáticos. A maior parte do elementonas rochas ocorre em minerais como o gipso(CaSO

4.H

2O) e anidrita (CaSO

4). Consideráveis

quantidades de sulfato são adicionadas ao ciclohidrológico com as precipitações da atmosfera.Vêm do “spray” do mar, da poeira doscontinentes e da oxidação de H

2S, bem como

das substâncias orgânicas do solo.Nas águas subterrâneas circulantes em rochas

ígneas, a concentração de sulfato é baixa (< 30mg/L). Em rochas evaporíticas pode existir altasconcentrações.CLORETO – As águas dos oceanos constituem-se na maior fonte de cloreto, visto que o

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intemperismo das rochas ígneas colabora compoucas quantidades. Entretanto, a presença decloreto em águas subterrâneas pode ser atribuídaà dissolução de depósitos salinos, descargas deefluentes de indústrias químicas, intrusõessalinas, etc.. Os íons cloreto são altamente móveise não são retidos em rochas permeáveis. Emargilitos, cristais de NaCl ou soluções de Na –Cl podem ser contidos em poros. Os íons cloretosão presentes em baixas concentrações (< 10 mg/L). Altas concentrações podem indicar poluiçãoantrópica.SÍLICA – O silício é o segundo elemento maisabundante na crosta terrestre. O volume de sílicaocorrente nas águas subterrâneas vem dointemperismo de minerais silicatados, enquantoque a sílica cristalina (quartzo) é quase insolúvel.Concentrações muito altas de sílica sãoencontradas em águas com pH acima de 9 e sãomuito raras.

2. 2. Elementos Menores ou Traços

CROMO – Entre os vários estados de oxidação,o Cr3+ e o Cr6+ são estáveis em água. O cromo érelativamente bem distribuído, mas com baixasolubilidade. Os níveis em água são geralmentebaixos (< 1 mg/L). Entretanto, existem exemplosde contaminação de água por cromatos edicromatos (> 25 mg/L).FLÚOR – Ocorre mais abundantemente que ocloro em rochas ígneas: Fluorita (CaF

2) e apatita

(Ca5[(F, Cl)(PO

4)

3]) são constituintes de rochas

ígneas e sedimentares. O flúor forma íons F- emágua, o qual pode formar complexos solúveis comAl, Be, Fe e B. Teores abaixo de 1 mg/L sãocomuns em basaltos e arenitos. Teores altos deF- em águas subterrâneas são relacionados comdeficiência em cálcio. O F- em presença de Ca2+

é controlado pelo produto de solubilidade dafluorita (10-10,57 a 25oC).

3. CARACTERÍSTICAS FISICO-QUÍMICAS

SÓLIDOS TOTAIS DISSOLVIDOS –Compreendem substâncias dissociadas e não-dissociadas, mas não materiais em suspensão,colóides ou gases dissolvidos. Esse valor édeterminado pela evaporação de uma amostra a110o C. Esse resíduo na evaporação não éexatamente o mesmo da solução. Os íons

hidrogênio carbonato são precipitados comocarbonatos e o sulfato como gipso.Os valores variam entre 10 mg/L na chuva emenos que 25 mg/L na água em regiões úmidase rochas pouco solúveis.ALCALINIDADE – É a medida da capacidadede uma água de neutralizar ácidos. É baseada naquantidade de carbonatos e íons hidrogêniocarbonatos dissolvidos na água. Seus valores sãoexpressos em mg/L de CaCO

3 .

DUREZA – Medida da capacidade da água deprecipitar sabão. O sabão é precipitadoprincipalmente pelos íons Ca e Mg. Constitui nasoma das concentrações de cálcio e magnésio,ambos expressos como carbonato de cálcio emmg/L.Quando a dureza é numericamente maior que asoma da alcalinidade de carbonatos e hidrogêniocarbonatos, aquela parcela de dureza equivalenteà alcalinidade total é chamada dureza decarbonatos; a quantidade de dureza em excessoé chamada dureza de não-carbonatos. Quandoa numericamente é igual ou menor que a somade alcalinidade, toda a dureza é ausente.OXIGÊNIO DISSOLVIDO (OD) – O oxigêniodissolvido em águas naturais e degradadasdepende das atividades químicas, físicas ebioquímicas do sistema. A análise de OD é umteste-chave em poluição de águas e o controledo processo de tratamento de lixo. Diminuindo-se a temperatura da água, aumenta-se asolubilidade de O

2. A temperaturas elevadas, as

reações químicas ocorrem mais rapidamente,havendo um consumo maior de O

2 pela matéria

orgânica como conseqüência.A interação entre padrão de estratificação

térmica das águas, curvas de O2 e disponibilidade

de NO3- e NO

2- está relacionada à mediação de

bactérias aeróbicas que realizam a oxidação deNH

3+ em NO

3- . A falta de O

2 tornam

inadequadas as condições para que tais bactériasrealizem a oxidação de NH

3+. Portanto,

predomina NH3+ sobre as demais formas de N

org.

DQO – É a medida de oxigênio equivalente deum conteúdo de matéria orgânica de umaamostra que é suscetível à oxidação por umoxidante químico forte.DBO – Medida de quantidade de oxigênioconsumido por matéria orgânica até a suacompleta oxidação biológica. É um índice damatéria biodegradável presente. Mede-se o O

2

no momento da coleta e após 5 dias. A diferença

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foi consumida por microorganismos. O limite é3 mg/L de oxigênio consumido.CONDUTIVIDADE – É a expressão numéricada habilidade de uma solução aquosa detransportar corrente elétrica. Depende dapresença de íons, suas concentrações,mobilidade, valência, temperatura. É medida emmicromhos (mmhos/cm)• Água destilada : 0,5 a 2 mmhos/cm• Água potável : 50 a 1.500 mmhos/cm• Água poluída : > 10.000 mmhos/cmpH – É o logaritmo negativo da atividade do íonhidrogênio. O pH das águas naturais varia entre4 e 9 a 25oC e é controlado pelo sistema CO

2 –

HCO3- – CO

32-. Problemas de corrosão de metais

e concreto podem ocorrer com pH baixo.TEMPERATURA – Faz-se no local daamostragem com termômetro.

4. CONSTITUINTES ESTÉTICOS

TURBIDEZ – A turbidez é causada pela matériaem suspensão, tais como: argilas, silte, partículasorgânicas coloidais, pancton, etc.. Mede-se comturbidímetro e a unidade é NTU ou FTU (0,2 a1 NTU : boa).COR – É devida à presença de substânciascoloidais húmicas, metais, lixo industrial, etc..Unidade TCU (True Color Units). P. ex.: 15 TCUé detectável em 1 copo d’água.ODOR, SABOR – Odor: Mede-se pela diluiçãocom água destilada. Pode ser sulfuroso, terroso,aromático, etc..Sabor: idem

5. BACTERIOLOGIA

Bactérias coliformes : 0 NMP / 100 mLSalmonella : 0 NMP / 100 mL(NMP – número mais provável)

6. TRATAMENTO DAS ANÁLISES

ERRO – Importante para a verificação davalidade das análises.Transformar mg/L em meq/L ( r )

r = P

Pa V/

e (%) = r p r n

r p r n

−+

∑∑∑∑ 100 (10 % máx.)

ÍNDICES DE SATURAÇÃO (IS) – Importantepara análises com fins industriais.IS = pH – pHsPrecisa-se: Alcalinidade, Ca, STD, TemperaturaIS > 0 ® Água incrustanteIS = 0 ® Água neutraIS < 0 ® Água corrosiva

TAXA DE ABSORÇÃO DE SÓDIO (SAR) –Usada para fins de irrigação

SAR =

rNa

Ca Mg+2

0 – 10 → Excelente10 – 18 → Boa18 – 26 → Regular> 26 → Mal – perigo de alcalinização

7. REPRESENTAÇÃO GRÁFICA DEANÁLISES

As representações gráficas de resultadosanalíticos servem para simplificar a comparaçãoe avaliação de diferentes análises. Diferentesmétodos podem ser usados para este fim. Podemser classificados em 3 grupos principais:1 – Diagramas colunares: Os valores das análisesde uma amostra de água são usados pararepresentar as proporções das análises em mapas

Figura 1 – Diagrama de barra (Baseado nos dados daTabela 1)

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2 – Diagramas triangulares: Diversas análisespodem ser comparadas simultaneamente, diretae rapidamente. O diagrama deste tipo mais

comum é o PIPER, onde é possível adeterminação e a visualização das tipologiasquímicas de várias análises de água

Figura 2 – Diagrama de PIPER mostrando composição de água a partir de dados da Tabela 1.

3 – Diagramas radiais: Representa-se uma análisede cada vez; é utilizado juntamente ou em cima

de mapas hidrogeológicos. É um diagrama muitoeficaz para o zoneamento hidroquímico

Figura 3 – Diagrama de STIFF a partir de dados da Tabela 1.

4 – Diagramas de escala vertical: O diagramaSchoeller-Berkaloff é bastante difundido para o

uso na representação da potabilidade de umaamostra de água .

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A Tabela 1, abaixo, mostra uma análisequímica parcial de água em exemplo dado por

Figura 4 – Exemplo de diagrama de Schoeller-Berkaloff

SCHARPFF (1972) In: MATHESS, 1982:

Tabela 1 – Análise química parcial de água em exemplo dado por SCHARPFF (1972) In: MATHESS, 1982:

Cations mg/L meq/L meq %

Na+ 8.26 0.3593 5.35

K+ 1.17 0.0299 0.45

NH4+ 0.12 0.008 0.10

Ca2+ 84.3 4.207 62.69

Mg2+ 25.5 2.098 31.26

Fetotal 0.24 0.0086 0.13

Mn2+ 0.03 0.0011 0.02

Anions mg/L meq/L meq %

SO42- 22.2 0.4622 6.87

Cl- 12.8 0.3610 5.37

NO3- 2.61 0.0421 0.62

HCO3- 357.5 5.86 87.13

HPO42- 0.02 0.0004 0.01

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8. BIBLIOGRAFIA

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MATTHESS, G. The Properties of Groundwater.New York, John Willey & Sons, 1982. 406p.

SZIKSZAY, M. – Geoquímica das águas. Boletim IG/USP, Série didática, São Paulo, n. 5, p 1-166, 1993.

WORLD HEALTH ORGANIZATION – Guidelinesfor Drinking-Water Quality – Vol. 2. HealthCriteria and Other Supporting Information.Geneva – 1984.

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