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ALGUNS ASPECTOS DA TOXEMIA DA PRENHEZ EM PEQUENOS RUMINANTES Adelmo Ferreira de Santana – Prof. Caprinocultura e Ovinocultura E-mail [email protected] Departamento de Produção Animal Escola de Medicina Veterinária Universidade Federal da Bahia CEP- 40.170-110 Salvador - Bahia Daniela Freitas Viana – Acadêmica de Medicina Veterinária Monografia apresentada como parte de conclusão do curso de Medicina Veterinária-julho/2001 R ESUMO A toxemia da prenhez é uma enfermidade metabólica que tem como causa a adoção de um manejo nutricional inadequado para cabras gestantes. Observou-se que cabras e ovelhas com fetos múltiplos tinham mais propensão para desenvolver o quadro clínico, devido a maior necessidade energética e nutricional das mesmas. O estado corporal dos animais acometidos não segue um padrão específico, visto que fêmeas subnutridas, obesas e de boa condição corpórea apresentaram a toxemia da gestação. O tratamento depende diretamente do diagnóstico precoce, uma vez que os animais gravemente acometidos não respondem à terapia. Medidas preventivas representam, sem dúvida, a melhor maneira de evitar este problema. Dentre elas, a manutenção de um nível nutricional adequado durante todo período gestacional. U NITERMOS : toxemia, gestação, prenhez.

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ALGUNS ASPECTOS DA TOXEMIA DA PRENHEZ EM PEQUENOS

RUMINANTES

Adelmo Ferreira de Santana – Prof. Caprinocultura e

Ovinocultura

E-mail [email protected]

Departamento de Produção Animal

Escola de Medicina Veterinária

Universidade Federal da Bahia

CEP- 40.170-110 Salvador - Bahia

Daniela Freitas Viana – Acadêmica de Medicina Veterinária

Monografia apresentada como parte de conclusão do curso de Medicina

Veterinária-julho/2001

RESUMO

A toxemia da prenhez é uma enfermidade metabólica que tem como

causa a adoção de um manejo nutricional inadequado para cabras

gestantes. Observou-se que cabras e ovelhas com fetos múltiplos tinham

mais propensão para desenvolver o quadro clínico, devido a maior

necessidade energética e nutricional das mesmas. O estado corporal dos

animais acometidos não segue um padrão específico, visto que fêmeas

subnutridas, obesas e de boa condição corpórea apresentaram a toxemia

da gestação. O tratamento depende diretamente do diagnóstico precoce,

uma vez que os animais gravemente acometidos não respondem à

terapia. Medidas preventivas representam, sem dúvida, a melhor maneira

de evitar este problema. Dentre elas, a manutenção de um nível

nutricional adequado durante todo período gestacional.

UNITERMOS: toxemia, gestação, prenhez.

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1. INTRODUÇÃO

Os princípios de sanidade e a necessidade de uma boa nutrição

representam regras de uma criação que visa a alta produtividade e com

animais sadios. Os principais problemas que acometem a cabra gestante

podem ser evitados ou minimizados adotando-se práticas simples quanto ao

manejo nutricional e sanitário do rebanho. O maior índice de mortalidade

caprina é observado na fase perinatal. Esta fase inclui as 48 horas que

antecedem ao parto, o parto propriamente dito, e às 48 horas após o parto.

(SILVA E SILVA 1983b).

No Brasil, as exigências nutricionais de caprinos têm sido motivos de

poucos estudos e os cálculos de rações baseiam-se em normas norte-

americanas, tradicionalmente conhecidas do “National Research Council” –

(NRC 1981), que assume exigências semelhantes para ovinos e bovinos.

Estas recomendações têm sido usadas sem qualquer preocupação de

examiná-las ou adaptá-las às condições locais, embora diversos trabalhos

revelem diferenças nas exigências recomendadas, mesmo no país onde os

dados são gerados em decorrência de tipos raciais, categoria animal,

atividade funcional e região geográfica, dentre outros fatores. (RESENDE et all

1999).

Os abortos em caprinos, na região semi-árida do Nordeste, ocorrem numa

proporção que varia de 15% a 36%, podendo atingir até 50%. Observou-se

também, que a deficiência nutricional deveria ser a causa mais provável

dessa ocorrência, uma vez que os exames sorológicos e bacteriológicos

revelaram-se negativos para as doenças que mais comumente causariam os

abortos. (UNANIAM E SILVA 1989).

Uma das mais importantes causas de mortalidade em ovelhas no final da

gestação, é descrita sob vários nomes, tais como: doença do sono, doença

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dos partos duplos, doença da estupidez, toxemia da gestação, dentre outros.

A etiologia desta enfermidade não está claramente definida, embora se saiba

que não é de ordem infecciosa, nem devido à deficiência de alguma vitamina

ou mineral específico. Sabe-se também que a sua maior incidência é em

fêmeas com gestações múltiplas. (SANCHES 1986).

De acordo com ORTOLANI E BENESI (1989), a toxemia da prenhez é uma

afecção metabólica, determinada por alimentação inadequada durante a

gestação, caracterizando-se por uma hipoglicemia, cetose e acidose

metabólica, com sintomas nervosos e digestivos que culminam

freqüentemente com a morte do animal, particularmente das fêmeas

portadoras de dois ou mais fetos no último terço da gestação.

Em cabras, por ser alta a incidência de partos múltiplos, a importância

dessa enfermidade parece ser tão grande como nas ovelhas, embora exista

na literatura um número bem menor de trabalhos publicados com essa

espécie. SANCHES (1986). Assim sendo, tem-se como objetivo deste trabalho,

abordar alguns aspectos do manejo nutricional, sintomatologia, quadro

clínico, tratamento e medidas preventivas que envolvem a toxemia da

prenhez em pequenos ruminantes.

REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

2.1 HISTÓRICO

Em 1854, Seaman observou pela primeira vez a ocorrência de toxemia da

prenhez em ovelhas gordas que sofriam de jejum temporário, condicionado

pelos tratadores que desejavam que os animais deveriam emagrecer para

não terem problemas de parto. Em 1899, Gilruth descreveu uma série de

casos de ovelhas superalimentadas com o quadro de toxemia, e atribuiu a

doença à falta de exercício das gestantes. Já em 1935, Dayus e Weighton

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encontraram sintomas semelhantes em ovelhas subnutridas e com

parasitoses intestinais. No Brasil, em 1982, Ortolani e Benesi, relataram a

ocorrência de quatro casos em cabras e três casos em ovelhas. apud

(ORTOLANI 1985).

2.2 METABOLISMO DA GLICOSE EM RUMINANTES

Para uma melhor compreensão de como se instala o quadro de toxemia, se

faz necessário uma prévia revisão sobre o metabolismo da glicose dos

ruminantes. Nos monogástricos, grande parte da glicose provém da digestão

intestinal de carbohidratos poli ou monossacarídeos, contendo em suas

fórmulas, glicose que é rapidamente absorvida e incorporada à corrente

sanguínea. Nos ruminantes, estes carbohidratos são metabolizados no rúmen

em ácidos graxos voláteis (ácido propiônico, acético e butírico). Quando são

absorvidos, parte do ácido propiônico é, no fígado, transformado em glicose,

sendo responsável pela produção de 50% deste elemento. 30% a 35 % deste

açúcar são derivados dos aminoácidos dietéticos (principalmente a alanina e

o aspartato), que são incorporados nas rotas bioquímicas gliconeogênicas. O

restante das fontes de glicose provém do metabolismo do lactato no fígado e

rim, surgindo do metabolismo anaeróbico e do glicerol pela composição dos

triglicerídios plasmáticos. (ORTOLANI 1994).

Do ponto de vista bioquímico, a glicose é utilizada como principal fonte

energética dos ruminantes, em números reduzidos de órgãos: sistema

nervoso, fígado, glândula mamária e rim, mas os tecidos fetais a utilizam

como carboidrato básico para o seu desenvolvimento. Assim sendo, quanto

maior for o número de fetos e mais próximo do final da gestação, maior será

a quantidade requerida de glicose pelo conjunto cabra-fetos, do que a da

fêmea não gestante. (ORTOLANI 1994).

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Gráfico INecessidades Diárias de Glicose

na Cabra

110150 180

210

050

100150200250

Mantençada Cabra 50

kg

1 Feto 2 Fetos 3 Fetosg G

LIC

OSE

/ D

IA

Fonte: RUSSEL, 1983.

A diminuição do nível calórico da dieta faz decrescer os níveis de glicose

no sangue, uma vez que o requerimento da fêmea gestante se torna maior.

Este nível cai de 40 a 60 mg/100 mL para 20 mg/100 mL e começam a ser

utilizadas as reservas de glicogênio. Sabe-se que o conteúdo de glicogênio do

fígado de cordeiros recém-nascidos é três vezes maior do que nas ovelhas

adultas e sadias. Desta forma, o organismo se vê obrigado a queimar

maiores quantidades de gorduras quando a alimentação não compensa o

déficit de glicose. Uma rápida mobilização da gordura pode elevar os níveis

de corpos cetônicos do sangue de duas a cinco mg % para 40 a 80 mg %.

(HIEPE 1972).

2.3 CAUSAS DE ABORTOS EM PEQUENOS RUMINANTES

O período de gestação é definido como o tempo compreendido entre a

concepção e o parto, fase em que ocorre o desenvolvimento do feto e,

conseqüentemente aumenta os requerimentos nutricionais. MEDEIROS et all

(1997). De acordo com RESENDE et all (1999), durante a gestação o nível

nutricional tem extrema importância, sobretudo, nos últimos 45 dias, quando

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os tecidos fetais têm maior desenvolvimento. Nas últimas oito semanas que

antecedem o parto, as cabras reduzem em torno de 20% a sua ingestão de

alimentos, devido ao aumento de volume do útero, que comprime o rúmen.

Em contrapartida, é justamente neste período que as exigências nutricionais

são mais elevadas, já que devem atender as necessidades da matriz e do

feto em formação. Se os nutrientes não são suficientes, a concorrência entre

mãe e feto poderá levar ao aborto.(SANCHES 1985).

A carência de microelementos também traz conseqüências, sendo a cabra

mais sensível que os outros ruminantes. Diversos fatores dificultam a

suplementação mineral dos caprinos, dentre eles, as poucas pesquisas

referentes ao assunto e a inexistência no mercado de misturas comerciais

prontas, destinadas especificamente a esta espécie. SANCHES (1984).

Observa-se ainda, que há diferenças entre as exigências minerais para

cabras com gestações simples e gemelares. (RESENDE et all 1999).

Um estudo realizado em 127 propriedades do Estado do Ceará demonstrou

que o aborto ocupa o terceiro lugar dentre os sinais clínicos que acometeram

as causas de mortalidade de caprinos, perdendo apenas para edema de

barbela e anemia, e diarréia. O aborto é descrito em 96 (75,6%)

propriedades. Em 54,2% delas, o aborto ocorre durante todo o ano, 35,4%

no período seco e 10,4% no período chuvoso. Provavelmente a principal

causa de aborto no período seco seja de ordem nutricional. (PINHEIRO et all

2000).

Na região semi-árida do Nordeste, onde foram acompanhadas 153 cabras

adultas por um período de três anos, criadas em pastagem nativa e

suplementadas com sal comum, observou-se 51 casos de abortos. Mais

tarde, constatou-se, através de testes hematológicos e bioquímicos, que a

ocorrência destes abortos eram por causa dos baixos níveis de proteína e de

minerais (macro e microelementos). (SILVA E SILVA 1983a).

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2.4 TOXEMIA DA PRENHEZ

A. Conceito

Vários autores referem-se a toxemia da gestação como uma intoxicação,

outros tratam-na como uma doença com base numa hipoglicemia, tendo

como principal sintoma, alterações ocorridas nas células nervosas.

De acordo com ORTOLANI E BENESI (1989), a toxemia da prenhez é uma

afecção metabólica determinada por alimentação inadequada durante a

prenhez, caracterizando-se por uma hipoglicemia, cetose e acidose

metabólica, com sintomas nervosos e digestivos que culminam

freqüentemente com a morte do animal, particularmente das fêmeas

portadoras de dois ou mais fetos no último terço da gestação.

Segundo HIEPE (1972) do ponto de vista neurológico, ocorre alterações no

sistema nervoso central que se originam sob a base de uma hipoglicemia. A

ação tóxica se deve principalmente a acetona e ao ácido acetoacético.

MARQUES (1994) afirma que a toxemia da gestação trata-se de uma

encefalopatia hipoglicêmica e não de uma intoxicação. Isto porque, as lesões

ocorridas nas células nervosas pela falta de glicose são irreversíveis, daí a

ocorrência de diversas alterações nervosas.1.

B. Etiologia

A etiologia da toxemia da gestação não está claramente definida, embora

se saiba que não é de ordem infecciosa, nem devido à deficiência de alguma

vitamina ou mineral específico. Sabe-se também que a sua maior incidência é

em fêmeas com gestações múltiplas. SANCHES (1986).

1 MARQUES, L. C. (Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo - FMVZUSP). Comunicação Pessoal, 1994.

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De acordo com ORTOLANI (1994), a toxemia da gestação pode ser

provocada por condições determinantes relacionadas a condição nutricional

da gestante. Além disso, a presença de fetos múltiplos, é um dos fatores

predisponentes para a ocorrência desta enfermidade. Cabras primíparas têm

maior necessidade de mantença e maior demanda de energia do que cabras

multíparas. A falta de exercício, fatores que levem a diminuição do apetite do

animal (estresse, transporte, administração de vacinas e/ou medicamentos)

e alterações fisiológicas (insuficiência hepática, febre) também são citados

como causadores desta enfermidade.

C. Tipos de Toxemia da Prenhez

ORTOLANI (1985) cita que a toxemia da prenhez pode ser definida em dois

tipos. O tipo I é caracterizado pela subalimentação durante o período

gestacional associado à presença de fetos múltiplos. Este quadro pode ser

provocado diminuindo cerca de 50% da energia dietética adequada a ser

oferecida a uma fêmea gestante (450g de NDT). No quadro 1, encontram-se

apresentadas as quantidades necessárias de nutrientes para cabras em

gestação. Sabe-se ainda que alimentos com baixa qualidade e/ou

digestibilidade, oferecidos por longos períodos, podem também desencadear

o quadro. O tipo II está relacionado à superalimentação, principalmente nos

dois terços iniciais da gestação, onde muitas vezes os animais recebem

alimentação “ad libitum” ou mal balanceada e ricas em grãos, farelos. O

fornecimento de rações comerciais balanceadas, mas em quantidade elevadas

também pode levar ao aparecimento da doença, principalmente quando essas

rações atingem valores superiores a 30% em NDT normalmente requeridos.

QUADRO 1 REQUISITOS DIÁRIOS PARA CABRAS NOS DOIS ÚLTIMOS MESES DE GESTAÇÃO

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Peso

vivo

(kg)

Matéria

Seca

(Kg)

Proteín

a

Bruta

(g)

Proteína

Digestív

el

(g)

E.D.

(Kcal

)

N.D.T

.

(g)

Ca

(g)

P

(g

)

20 0,56 114 53 2098 475 7,0

4,

0

30 0,84 133 71 2852 647 7,0

4,

5

40 1,00 151 88 3528 800 8,0

5,

0

50 1,15 167 105 4170 945 8,5

5,

5

60 1,38 183 120 4781 1084 9,0

6,

0

70 1,54 198 134 5367 1217

10,

0

6,

5

80 1,76 212 148 5933 1346

10,

0

6,

5

Fonte: SANCHES, (1981).

D. Quadro Clínico

A toxemia da prenhez caracteriza-se por depressão da consciência,

distúrbios neuromusculares, da postura, tônus muscular, desequilíbrio e

andar cambaleante e por movimentos primitivos (mímica da mastigação,

ranger dos dentes). SANCHES (1986). Do ponto de vista neurológico, ocorre

alterações no sistema nervoso central que se originam sob a base de uma

hipoglicemia. A ação tóxica se deve principalmente a acetona e ao ácido

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acetoacético. HIEPE (1972). MARQUES (1994) relata que as lesões ocorridas nas

células nervosas pela falta de glicose, são irreversíveis, daí a ocorrência de

diversas alterações nervosas, tornando o quadro de difícil prognóstico2.

ORTOLANI (1985) descreve as alterações nervosas de acordo com a área

afetada pela a falta de glicose. Quanto maior a exigência de glicose por um

setor do Sistema Nervoso Central, mais rápido e com maior intensidade ele é

afetado. Assim, o cótex cerebral é o primeiro a ser acometido, sendo

responsável pelo aparecimento da depressão da consciência, observada pela

falta de resposta aos estímulos provocados, ausência de reação ao meio

ambiente, surdez cortical e hiporexia ou anorexia. Em seguida o cerebelo é

acometido surgindo distúrbios de balanço e postura, cambaleios laterais e

alguns movimentos de rotação. Por fim, nas fases terminais do quadro, o

diencéfalo é acometido, responsável pela mímica de mastigação e ranger dos

dentes.

A evolução do quadro clínico depende da origem etiológica, sendo de 10 a

15 dias para animais com subnutrição e três a oito dias para fêmeas com boa

condição corporal, ou obesas. Observa-se hiporexia inicial seguida de

anorexia terminal; disfagia no primeiro tempo de deglutição, hipotonia ou

atonia ruminal e redução do volume fecal. Os animais evitam a locomoção ou

perambulam sem objetivo, isolando-se do rebanho. Ao término da evolução

do quadro clínico, ocorre perda de reflexos fotomotores, diminuição

acentuada da resposta a estímulos sonoros e dolorosos; tremores da cabeça

acompanhados de ranger dos dentes e mímica de mastigação; coma e morte

após um período de um a seis dias. (ORTOLANI 1994).

E. Diagnóstico

• Diagnóstico clínico

2 MARQUES, L. C. (Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo - FMVZUSP). Comunicação Pessoal, 1994.

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Baseia-se na observação dos sinais clínicos do curso típico de como a

toxemia da gestação se apresenta, bem como anamnese, ressaltando

dentre outros aspectos a ocorrência de aborto, dieta das gestantes e

cuidado com as mesmas.

• Diagnóstico laboratorial

HIEPE (1972). cita que o conteúdo de acetona na urina varia de 10 a 300

mg % e o nível de corpos cetônicos no sangue encontra-se elevado. A

glicemia decresce, variando entre 10 a 30 mg %. Observa-se linfopenia e

neutrofilia. Para ORTOLANI (1985), os achados no exame de sangue são:

neutrofilia com ligeiro desvio à esquerda, com neutrófilos apresentando

granulações tóxicas. Observa-se ainda linfocitopenia e ausência de

eosinófilos. Na urinálise constata-se um pH muito ácido, chegando a 5.

Sabe-se que os valores normais de pH vão de 7,8 a 8,4. No exame de

Rothera para a pesquisa de corpos cetônicos, encontrou-se quatro cruzes

indicando estar altamente positivo. A bioquímica sérica revela ema severa

hipoglicemia (menor que 20 mg%) e um aumento da TGO (até 600 UI/ l).

• Diagnóstico diferencial

SANCHES (1986) refere-se a avitaminose A. De acordo com HIEPE (1972), a

listeriose, cenurose, doença de Borna, hipocalcemia e hipomagnesemia,

devem ser excluídas para facilitar o diagnóstico da toxemia da gestação.

F. Achados de Necrópsia

• Achados anatomopatológicos

Os achados anatomopatológicos revelam fetos a termo no útero

(geralmente em bom estado de conservação), fígados e rins de coloração

pálida e fezes ressecadas no reto e cobertas de muco. SANCHES (1985). De

acordo com HIEPE (1972), além da hipertrofia observada no fígado, ele

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também se apresenta de coloração e de consistência friável. ORTOLANI E

BENESI (1989) descrevem rins de coloração esbranquiçadas e adrenais

congestas e hipertrofiadas.

ORTOLANI (1994) referem-se à presença de grandes quantidades de tecido

gorduroso na cavidade abdominal (em animais obesos) e pouca quantidade

de gordura (nos animais subnutridos); o fígado com aparente aumento de

tamanho, bordos arredondados e de cor cinza amarelado; rúmen com

conteúdo ressecado, amarelado e de odor acético; repleição aumentada dos

vasos mesentéricos e pulmões com congestão hipostática. Nos animais

subnutridos observou-se abomaso repleto de conteúdo de cor achocolatada,

de pH 6,0 e grande quantidade de vermes adultos de Haemonchus contortus

e inúmeros nódulos de Oesophagostomun sp. ao nível da serosa do intestino

grosso. Vale ressaltar que estes animais eram submetidos a um manejo

alimentar extremamente pobre e viviam em condições higiênico-sanitárias

insatisfatórias, sem utilização periódica de vermífugos.

• Achados histopatológicos

SANCHES (1985) descreve fígado e rins de coloração pálida, acometidos de

infiltração gordurosa. De acordo com HIEPE (1972), há uma degeneração do

miocardio, adipose renal e degeneração gordurosa do cótex e das cápsulas

adrenais, bem como uma infiltração adiposa e degeneração hepática.

G. Tratamento

Para ORTOLANI (1994) o tratamento deve estar voltado para três metas

principais: combate a hipoglicemia, diminuição da drenagem de glicose e

redução da cetogênese. A administração de glicose por via oral, induz nos

animais, a formação de uma goteira reticular, o que facilita a absorção

contínua e prolongada de glicose pelo intestino delgado. Para diminuir a

drenagem de glicose, a literatura indica a prática de cesariana, mas ao

realizar esta cirurgia em fêmeas com toxemia da gestação, ocorreu morte

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dos fetos e perda da matriz. A redução da cetogênese seria através de

tratamento com insulina e certos tipos de esteróides, mas os resultados são

incertos.

Quanto mais precoce for o diagnóstico da doença, melhor será a

recuperação do animal, sendo que, em casos avançados, a recuperação é

raramente observada. O uso de glicose unicamente não dá bons resultados,

pois a sua aplicação é normalmente descontínua. Para cabras e ovelhas,

recomenda-se o uso de 200 a 400 ml de glicose a 40%, por via endovenosa,

mais 60 ml de propilenoglicol, por via oral, durante cinco a nove dias. Este

tratamento feito no início da doença oferece bons resultados. (SANCHES,

1986).

SICA NOÉ (1984) sugere que sejam administrados 125 ml de glicerina

diluídos em 125 ml de água, por via oral. Este tratamento deve ser

acompanhado de um equilíbrio da dieta do animal.

MARQUES (1994) recomenda que seja dado, por via oral, 50ml da solução

contendo: 15gr de propionato de sódio, 25 ml de propilenoglicol, em 100 ml

qsp de excipiente, BID3 para cabras que se apresentem apáticas e sem

apetite4. HIEPE (1972) sugere que o tratamento responda as necessidades de

glicose existentes no animal. Para isso empregam-se glicerina (60 gr/dia) via

oral e solução de glicose a 5-10%, entre 250 a 500 ml, por via subcutânea. O

melaço tem oferecido bons resultados (0,3 a 0,75 litro/dia). Para as matrizes

de grande valor econômico, podem ser tratadas com preparados de Acth e

corticóides. Refere-se ainda a interrupção da gestação e a prática de

exercícios diários pela fêmea (uma vez tenham ocorrido os primeiros casos

da enfermidade na propriedade), e se possível, o fornecimento do alimento

ao ar livre.

3 duas vezes ao dia. 4 MARQUES, L. C. (FMVZSP). Comunicação Pessoal, 1994.

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De acordo com SANCHES (1984), o tratamento recomendado é 50 a 100 ml

de solução de gluconato de cálcio a 20 a 30%, por via endovenosa. ORTOLANI

E BENESI (1989) constataram que o tratamento realizado em animais em

estágio avançado da doença, não produziu resultados satisfatórios. Esta

terapia constituiu-se da administração oral diária de 200 ml de glicerina e

injeção de glicose a 20% (endovenosa).

Várias terapias são preconizadas: soluções de glicose a 60%, por via

subcutânea (2,5 ml/kg BID) e/ou solução de glicose a 5%, por via endovenosa

(250-500 ml, BID). Apesar de ser racional, a eficácia do tratamento com

glicose é menor quando comparada aos precursores deste açúcar: glicerol

(glicerina líquida 150-200 ml/dia, BID) ou propilenoglicol (200 ml/dia BID),

administrados por via oral. Recomenda-se então, a associação dos dois

esquemas, com a injeção de glicose como tratamento de choque e os

precursores como manutenção dos níveis glicêmicos. (ORTOLANI 1985).

H. Profilaxia

Alguns autores recomendam várias medidas preventivas para evitar que as

fêmeas, no terço final da gestação, venham a desenvolver a toxemia da

prenhez. SILVA E SILVA (1983b) sugerem a utilização de uma maternidade,

onde seriam colocadas as fêmeas gestantes. Esta prática favorece um

atendimento especial a matriz, no tocante ao fornecimento de ração e/ou

alimentação adequada, bem como a diminuição do estresse. Para isto, deve-

se evitar práticas comuns de manejo tais como: mudanças bruscas de

alimentação, cortes de casco, transporte de animais, manipulações

individuais e do rebanho. Estudos têm demonstrado que o exercício físico e

apropriado, para fêmeas gestantes aumentam a produção de glicose e

diminui a formação de corpos cetônicos. (ORTOLANI E BENESI, 1989).

Quanto à dieta, é aconselhável que o animal receba alimentos de maior

palatabilidade, visto que o crescimento do útero comprime o rúmen e

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favorece a uma diminuição do apetite. Com isto, a ingesta deve ser de

melhor qualidade e os nutrientes devem estar em equilíbrio. Para evitar uma

superalimentação nos primeiros três meses, deve haver um controle

quantitativo da ração, aumentando gradativamente deste período até o

parto, conforme apresentado no gráfico II (ORTOLANI 1985).

Gráfico IITotal g/NDT/dia Durante a Gestação

0

200

400

600

800

1000

1200

Primeiro Segundo Terceiro Quarto QuintoMês da Gestação

g /

ND

T / D

ia

Cabra 1ª Cria

MultíparaConstituiçãoRazoável

Multípara Gorda

Fonte: RUSSEL, 1983.

A higiene é um dos princípios básicos do manejo quando a meta for a

criação de animais sadios e alta produtividade. Para tanto, deve-se

preconizar a adoção de boas práticas do manejo nutricional e sanitário do

rebanho. (SILVA E SILVA 1983b).

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A ocorrência de falhas no manejo nutricional das fêmeas gestantes é a

principal causa da instalação do quadro de toxemia da prenhez. A condição

corpórea dos animais acometidos não interferiu no prognóstico da doença,

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observando-se assim, a incidência em animais subnutridos como também em

animais obesos.

Devido à alta necessidade de energia no terço final da gestação, cabras e

ovelhas com gestação múltipla, têm propensão de desenvolver a doença,

principalmente se o alimento oferecido for de baixa qualidade, pouca

quantidade ou mal balanceado, não satisfazendo as necessidades energéticas

do conjunto matriz-fetos.

O tratamento da toxemia da gestação ainda é discutido, mas pôde-se

observar que, quanto mais precoce for o diagnóstico, melhor será a resposta

esperada a terapia escolhida.

Medidas preventivas representam a melhor forma de evitar a ocorrência

da doença. O mais relevante, portanto, é adotar um manejo adequado às

necessidades especiais das fêmeas gestantes, priorizando o aspecto

nutricional. Esta alternativa, diminuiria as chances de ocorrência de casos de

toxemia da prenhez na propriedade.

4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

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