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1 T ópicos E speciais d e E conomia X VIII ( A N E 0 5 0 ) Economia U rbana Prof. D r. A dmir A ntonio B etarelli J unior Esta nota de aula tem o propósito de sintetizar o conteúdo exposto em aula a partir das referências listadas na disciplina. Representa, pois, um parâmetro, não sendo um documento exclusivo para o estudo. Grande parte do conteúdo reproduz trechos traduzidos livremente das referências. AULA 3 L ocalização, c usto d e t ransporte e a glomeração 1 Introdução Na economia existem fatores que agem no sentido de concentrar as atividades econômicas e outros que agem no sentido contrário de dispersá- las no espaço geográfico. Esse tópico procura, então, explorar algumas das explicações teóricas para o surgimento e expansão das aglomerações econômicas em algumas localidades e não em outras, relativamente vazias. O fenômeno de aglomerações econômicas em alguns pontos específicos no espaço geográfico é eminentemente urbano. O tamanho relativo de centro urbano se dará pela sua capacidade de gerar economias de aglomeração segundo a concentração de setores econômicos que conformam a sua base econômica. Conforme a teoria da localização, um dos fatores locacionais que pode influenciar a aglomeração econômica é o c usto d e t ransporte. As economias de custo de transporte podem ser vistas como uma forma de aglomeração, justamente por atrair as atividades produtivas para uma cidade a fim de terem um maior acesso ao mercado consumidor e aos fornecedores localizados lá (BRUECKNER, 2011). Assim, esse tópico procura explorar algumas das explicações teóricas para o surgimento e expansão das aglomerações econômicas com ênfase nos custos de transporte. Apresentaremos o modelo de localização das atividades industriais orientadas pelos custos de transporte de Alfred Weber (1909). Em seguida, apresentaremos o modelo de Harold Hotelling (1929), que descreve a ( A ( A )

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Tópicos Especiais de Economia XVIII (ANE050) Economia Urbana

Prof. Dr. Admir Antonio Betarelli Junior Esta nota de aula tem o propósito de sintetizar o conteúdo exposto em aula a partir das referências listadas na disciplina. Representa, pois, um parâmetro, não sendo um documento exclusivo para o estudo. Grande parte do conteúdo reproduz trechos traduzidos livremente das referências.

AULA 3 – Localização, custo de transporte e aglomeração

1 Introdução

Na economia existem fatores que agem no sentido de concentrar as

atividades econômicas e outros que agem no sentido contrário de dispersá-

las no espaço geográfico. Esse tópico procura, então, explorar algumas das

explicações teóricas para o surgimento e expansão das aglomerações

econômicas em algumas localidades e não em outras, relativamente vazias.

O fenômeno de aglomerações econômicas em alguns pontos específicos no

espaço geográfico é eminentemente urbano. O tamanho relativo de centro

urbano se dará pela sua capacidade de gerar economias de aglomeração

segundo a concentração de setores econômicos que conformam a sua base

econômica.

Conforme a teoria da localização, um dos fatores locacionais que pode

influenciar a aglomeração econômica é o custo de transporte. As economias

de custo de transporte podem ser vistas como uma forma de aglomeração,

justamente por atrair as atividades produtivas para uma cidade a fim de

terem um maior acesso ao mercado consumidor e aos fornecedores

localizados lá (BRUECKNER, 2011). Assim, esse tópico procura explorar

algumas das explicações teóricas para o surgimento e expansão das

aglomerações econômicas com ênfase nos custos de transporte.

Apresentaremos o modelo de localização das atividades industriais

orientadas pelos custos de transporte de Alfred Weber (1909). Em seguida,

apresentaremos o modelo de Harold Hotelling (1929), que descreve a

(A(A )

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interdependência espacial das firmas dentro de um contexto de jogo

locacional. O pressuposto básico é que quando uma determinada firma toma

uma decisão locacional de instalar o seu empreendimento, essa decisão

influencia a formação e o tamanho da cidade, bem como a própria

distribuição dos centros no sistema urbano.

Os modelos desse tópico estão contidos no conjunto das teorias da

localização, caracterizadas como o mais antigo ramo da economia regional.

Esse ramo procura estudar os fatores locacionais que influenciam a escolha

do local onde se estabelecerá um novo empreendimento em processo de

instalação. Assim, as teorias da localização constituem-se um importante

instrumento de análise no espaço por fornecer subsídios teóricos para a

compreensão da dinâmica do capital no espaço.

2 Localização orientada pelo custo de transporte

2.1 Estrutura unidimensional

Nessa abordagem, a orientação de localização da firma apresenta os

custos de transporte de insumos e produtos como fator dominante. Essa

abordagem, uma versão simplificada de Alfred Weber (1886-1958), procura

responder onde se localizará uma atividade produtiva dentro de um espaço

homogêneo e abstrato, considerando as condições econômicas de produção e

de distribuição. Ou melhor, por suposição, a firma escolhe o local que

minimiza os custos totais de transporte, definidos pela soma dos custos de

aquisição e de distribuição. Os custos de aquisição são os custos de

transportes das matérias-primas requeridas no processo produtivo da firma

a partir da localização do fornecedor. Por outro lado, os custos de

distribuição denotam os custos de transporte do produto fabricado pela

firma até o mercado consumidor.

O modelo clássico de uma firma orientada pelo custo de transporte

apresenta as seguintes suposições:

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a) conhecimento prévio da localização e do tamanho do centro de

consumo e das fontes de matérias-primas;

b) único produto transferível. A firma produz uma quantidade fixa

de um único produto, que é transportado da porta da fábrica até o

mercado consumidor;

c) único insumo transferível. A firma pode usar vários insumos, mas

somente um deles é transportado até a sua localização (fonte de

produção). Todos outros insumos são ubíquos (i.e., disponíveis em

todos os lugares – espaço homogêneo).

d) proporções fixas de produção. A firma produz bens utilizando uma

quantidade fixa de insumos (função Leontief de produção).

Inexistem substituições entre os insumos.

e) tomadoras de preços. A firma é tão pequena que não influencia os

preços dos seus insumos (FOB) ou do seu produto (CIF).

f) inexistem vantagens monopolísticas decorrentes da localização.

Com base nestes pressupostos, a firma maximiza os seus lucros,

minimizando os custos de transporte. O lucro da firma é igual à receita total

(preço vezes a quantidade de produto) menos os custos de insumos e custos

de transporte. A receita total é o mesmo em todos os locais porque a firma

vende uma quantidade fixa de produção a um preço constante. Os custos de

insumos são os mesmos em todos os locais, porque a firma compra uma

quantidade fixa de cada insumo, avaliados também à preço constante. Em

suma a firma se localizará em um ponto geográfico onde a totalidade dos

custos de transporte é minimizada, pois os demais custos são supostamente

constantes.

Uma vez que o custo total de transporte é dividido entre os custos de

aquisição e de distribuição, haverá um “cabo de guerra” entre eles. A escolha

da localização da firma é determinada pelo resultado deste “cabo de-guerra”.

A localização da firma é atraída em direção à sua fonte de matéria-prima

porque ficar mais próxima dela significa reduzir os custos de aquisição. Por

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outro lado, a firma é atraída em direção ao mercado consumidor, uma vez

que a proximidade ao mercado reduz os custos de distribuição da firma

(O’SULLIVAN, 2011).

Suponha que exista uma fonte localizada de matéria-prima (M1) e um

mercado consumidor (C3). A localização ótima da firma levará em conta três

elementos básicos: a distância relativa dos locais (d1 e d3), as tarifas de

transporte incorridas nos dois trajetos (t1 e t3), e o peso transportado do

insumos (m1) requerido no processo produtivo da firma, bem como o peso

transportado (m3) do produto final até o mercado. A figura 1 exemplifica

qual será a localização ótima da firma pela minimização do custo total de

transporte, qual seja, aquela que:

( )333111 dtmdtmMinT +=

em que 111 dtm é o custo de aquisição (CA); e 333 dtm é o custo de distribuição

(CD). São custos monetários em que a distância (d) é ponderada pela tarifa

de transporte (mt) em tonelada-quilômetro.

Figura 1 – Problema de localização com taxas constantes de transporte

Fonte: adaptado de McCann (2002).

60

40

C3 M1 d1 d3

40

Custo $ Custo $

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A Tabela 1 detalha as variações dos custos de transporte perante às

mudanças da distância em ambos os sentidos.

Tabela 1 – Variações dos custos com taxas constantes de transporte

Assim, se a localização da firma for junto ao seu mercado consumidor,

o custo total de transporte será de $60. Por outro lado, se o estabelecimento

localizar junto à sua fonte de matéria-prima, o custo total de transporte será

de R$ 40. Portanto, nesse exemplo a firma se orientará a fonte localizada de

matéria-prima porque a tarifa por toneladas de insumo excede a de produto.

Um movimento de 1KM do mercado consumidor à fonte e matéria-prima

diminui o custo de aquisição em $6, porém aumenta em $4 o custo de

distribuição. Firmas que apresentam custos de aquisição relativamente

maiores estarão localizadas na fonte de matéria-prima. Firmas que exibem

insumos mais volumosos, perecíveis, frágeis ou perigosos devem exibem uma

localização orientada à fonte de matéria-prima, pois o custo de aquisição

geralmente é maior que o de distribuição (O’SULLIVAN, 2011).

Se uma atividade produtiva exibir um processo de produção que perde

parte dos pesos de insumos, então a melhor localização para ela seria junto à

fonte localizada de matéria-prima. Em outras palavras, esse processo "peso-

perdedor" significa que mais do que uma tonelada de insumo é transformada

em uma tonelada de produto. Neste caso, não faz sentido transportar todo o

insumo, uma vez que parte do material será descartada no processo

M1 => C3 C3 => M10 10 0 40 402 8 12 32 444 6 24 24 486 4 36 16 528 2 48 8 5610 0 60 0 60

Fonte: Elaboração própria.

Distância (KM)Custo de aquisição Custo de distribuição Custo total

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produtivo da atividade econômica. Assim, apenas o produto deve ser

transportado ao mercado consumidor (BRUECKNER, 2011).

O inverso também é válido. Algumas firmas são orientadas para o

mercado porque o transporte de sua produção é relativamente caro. Essa

situação ocorre principalmente quando a produção se trata de bens

volumosos, perecíveis, frágeis ou perigosos. A produção das firmas de

montagem de automóveis (carros montados) é mais volumosa do que os seus

insumos (e.g., rolos de arame, chapas de metal). Ou seja, o custo do

transporte de uma tonelada de automóveis excede ao custo de transporte de

uma tonelada de componentes, de modo ao custo de distribuição excede ao

de aquisição, atraindo a firma para o mercado (O’SULLIVAN, 2011).

Assim, sob a hipótese de taxas constantes de transporte, a solução da

Figura A sempre será uma solução de canto. As duas possíveis soluções de

canto são:

a) se )()( CDCA D->D , então a firma se localizará em M1.

b) se )()( CDCA D-<D , então a firma se localizará em C3.

em que ∆ representa uma mudança na distância para o transporte de

insumos ou produto. Somente quando )()( CDCA D-=D não haverá uma

única solução ótima, em que a localização da firma pode ser qualquer ponto

ao longo da reta C3M1. Os custos de transportes crescem mais que

proporcionalmente com a distância, a localização ótima será entre C3 e M1

(Figura 2a) (MCCANN, 2013).

Por outro lado, se as taxas de transportes exibem economias de

distância (economias de escala), a solução ótima também será de canto

(Figura 2b). Além disso, ambas as localizações, C3 e M1, podem exibir custos

de terminais pela movimentação de cargas (carregamento e descarga), cujos

valores são adicionados na função de custos de transporte.

No caso da Figura 3c, a localização ótima para a firma será M1, que

exibe os menores custos de terminais (MCCANN, 2002). Logo, pode-se

reformular a equação de custo total, como segue:

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( )3311333111 gmgmdtmdtmMinT +++=

em que 1g e 3g representam as tarifas de operações de transbordo. A

inclusão dos custos de terminais (ou de trasbordo) pode, então, favorecer

para o surgimento de cidades portos (O’SULLIVAN, 2011).

Figura 2 – Problema de localização com alterações de hipóteses

(a) Taxas crescentes (b) Taxas

decrescentes

associados

(c) Custos terminais (d) Retornos crescentes e

custos terminais

//

Fonte: Adaptado de Mccann (2013).

Esse raciocínio simples obscurece parcialmente a lógica da solução. A

lógica tem dois componentes. Em primeiro lugar, devido às economias de

distância, não é econômico transportar ambos o insumo e o produto. Neste

Custo total: CA + CD

ad

C3 M1

associd3 d1

Custo total: CA + CD

C3 M1

d3 d1

C3 M1

d3 d1

C3 M1

d3 d1

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caso, ou o produto deve ser transportado à fonte de insumos ou o insumo

deve ser enviado ao mercado. A melhor opção é aquela mais barata, e, se há

uma natureza peso-perdedor do processo de produção, transportar o produto

até a fonte localizada de insumos custaria relativamente menos. Este

argumento mostra que as economias de transporte em função da distância,

omitidas na explicação parcial da Figura 1, são essenciais para a solução

(BRUECKNER, 2011).

Por outro lado, suponha que o processo de produção é peso-ganhador.

Um exemplo seria o engarrafamento da Coca-Cola, em que o xarope é

combinado com água para produzir o produto acabado. Neste caso, faria

pouco sentido transportar os refrigerantes da Coca-Cola em longas

distâncias, pois o seu principal insumo (água) está disponível em toda parte.

Na realidade, o engarrafamento de refrigerantes é de fato um processo de

produção orientado para o mercado. A teoria diz que os processos de

produção peso-ganhador são orientados para o mercado, uma vez que

apresenta insumos disponíveis em toda a parte. Já os processos de produção

peso-perdedor devem ser orientados às fontes localizadas de insumos.

Entretanto, esse modelo simples omite muitos elementos da realidade,

incluindo a existência de múltiplos mercados e múltiplos locais de insumo

para uma determinada firma, bem como diferenças de condicionamento no

transporte entre insumos e produtos. Apesar disso, esse modelo simples

mostra que os custos de transporte influenciam as decisões locacionais das

firmas e, portanto, influenciará na formação das cidades (BRUECKNER,

2011)

No caso mais simples analisado, esta influência pode ser delineada. O

mercado de uma cidade grande vai atrair firmas de processo de produção

peso-ganhador, uma vez que elas minimizarão os custos de transporte.

Portanto, a concentração de pessoas e trabalho na cidade atrairá novos

postos de trabalho com instalações de indústrias peso-ganhadoras em razão

da força de aglomeração relacionada com o transporte. As indústrias peso-

perdedoras, no entanto, vão evitar o mercado e, ao contrário, irão localizar

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na fonte da matéria-prima. Em suma, o emprego concentrado em um ponto

no espaço econômico pode, assim, causar concentrações adicionais de

emprego como resultado das forças relacionadas com os transportes

(BRUECKNER, 2011).

2.2 O princípio de localização mediana

Na seção anterior, o modelo clássico da firma orientada à transferência

pressupõe que a firma tem uma única fonte de insumo e um único mercado

consumidor. Para os casos mais complexos envolvendo múltiplos insumos ou

mercados, é possível usar o princípio do local mediano para prever onde a

firma vai localizar: a localização mediana que minimiza a distância total de

viagens.

O local mediano divide os destinos de viagem em duas metades iguais,

cada uma com uma direção. Podemos ilustrar este princípio com a decisão de

localização de João, que produz e distribui pizzas para os consumidores ao

longo de uma rodovia. Sob as seguintes premissas, seu objetivo é minimizar

sua distância total de entrega:

a) todos os insumos (trabalho, massa, coberturas) são ubíquos

(disponível em todos os locais para o mesmo preço), os custos de

transporte de insumos são nulos.

b) o preço de pizzas é fixo, e cada consumidor ao longo das

demandas de rodovias demanda uma pizza por dia.

c) João tem um custo de entrega de $1 por quilômetro percorrido.

Cada entrega de pizza exige uma viagem separada.

A Figura 3 apresenta a distribuição dos consumidores ao longo da

estrada. Existem 2 clientes no ponto W, 8 clientes no ponto X (um

quilômetro de W), um cliente em Y e 10 clientes em Z. João minimizará a

sua distância de entrega total no ponto Y, a localização mediana. O ponto Y

é a mediana porque existem 10 clientes para o oeste (em pontos W e X) e 10

clientes para o leste (no ponto Z). Para mostrar a superioridade da mediana

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localização, suponha João comece em Y, e, então, se move 1 Km para o ponto

S.

Figura 3 – O princípio da localização mediana

Fonte: Adaptado de O´Sullivan(O’SULLIVAN, 2011).

O movimento reduz sua distância de viagem para os clientes no ponto

de Z em 10Km, mas aumenta sua distância de viagem aos clientes para o

oeste (em pontos W, X e Y) em 11Km. O total da distância aumenta porque

ele se aproxima de 10 clientes, mas afastando-se de 11 clientes. Em geral,

qualquer afastamento do local mediano vai aumentar as distâncias de

entrega para a maioria dos consumidores, de modo que a distância total de

entrega aumenta.

É importante notar que a distância entre os consumidores é irrelevante

para a escolha da localização da firma. Por exemplo, se os consumidores Z

foram localizados 100 Km de W, em vez de 9Km de W, o local mediano ainda

seria ponto Y. A distância total de entrega ainda seria minimizada (a um

nível superior, é claro) ao permanecer em Y.

O princípio do local mediano fornece outra explicação pela qual as

grandes cidades tornam-se maiores. Na Figura 2A-3, suponhamos que os

locais (W, X, Y, Z) são as cidades, com as populações de cidades W, X e Y (em

milhões). Por exemplo, a população de cidade W é 2 milhões. Além disso,

suponhamos a cidade Z, no final da linha, com uma população de 12 milhões,

tornando-se a localização mediana. Neste caso, firmas irão minimizar o

custo de entrega total, localizando na cidade grande, o que justifica o porque

a grande cidade crescerá. A firma que começou na cidade de Z e, em seguida,

mudou-se para oeste, diminuiria os custos de entrega para uma minoria de

seus clientes (11 milhões), enquanto aumentaria os custos de entrega para a

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maioria (12 milhões), de modo que o custo de entrega total elevaria. A lição

deste exemplo é que a concentração da procura ou demanda nas grandes

cidades faz com que as grandes cidades cresçam.

2.3 Pontos de transbordo e cidades portuárias

O princípio da localização mediana também explica o porquê algumas

firmas industriais se localizam em pontos de transbordo. Um ponto de

transbordo é definido como um ponto em que um bem é transferido de um

modo de transporte para outro. Em um porto, os bens são transferidos a

partir de caminhões ou trens para os navios; em um terminal ferroviário, os

bens são transferidos de caminhões para o comboio. A Figura 4 ilustra as

opções de localização para uma serraria.

FIGURA 4 – Localização mediana e portos

Nota: A empresa de serraria se localiza no porto (P) porque é o local mediano de transporte. Um movimento de um quilômetro a partir do porto em direção a uma ou outra fonte de insumo aumentaria os custos de transporte de produto em R$ 10, enquanto gerando alterações de compensação dos custos de transporte de entrada entre as fontes de A e B. Um movimento de um quilômetro do porto para o mercado iria aumentar os custos de transporte de insumos em R$ 30, mas diminuiria os custos de transporte de produto por apenas R$ 10.

Fonte: Adaptado de O´Sullivan (2011).

As toras são recolhidas dos locais A e B pela firma, que as processa

em madeira serrada e, em seguida, vende a madeira para um mercado no

exterior em M. Rodovias ligam os pontos A e B para o porto (P). Os navios

viajam do porto para o exterior em M. A serraria é uma atividade com perda

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de peso: os pesos monetários dos insumos são R$ 15 em ambos os pontos (A e

B), enquanto que o peso monetário do produto é R$ 10.

Onde é que a empresa de localizar a sua serraria? Embora não haja

uma verdadeira localização mediana, o porto é o mais próximo de um local

mediano. Se a firma começa no porto (P), ela poderia se mover tanto para

uma das suas fontes de insumo ou para o seu mercado.

· Rumo à fonte de insumos A. Se a firma move-se de P para A causaria

uma compensação de alterações nos custos de transporte de toras

entre as duas fontes de insumos: o custo de toras de A iria diminuir,

mas o custo de toras de B iria aumentar. Ao mesmo tempo, o custo de

transporte do produto iria aumentar em R$ 10. Dadas às alterações

de compensação nos custos de transporte de insumos e do aumento

dos custos de transporte do produto, a localização de porto é eficiente

aos locais entre P e A. O mesmo argumento aplica-se para o

movimento de P em direção à B.

· Para o mercado (M). Se a firma quiser operar com uma serraria

flutuante, ela não se mudaria para os pontos entre o porto e o

mercado externo em M. Um movimento de P para M diminuiria o

custo de transporte de produto em R$ 10 (o peso monetário de

produto) vezes a distância entre M e P, e aumentaria o custo de

transporte de insumos de R$ 30 (o peso monetário dos insumos) vezes

a distância. Portanto, a localização do porto é eficiente à localização

de mercado.

Embora a serraria seja uma atividade com perda de peso, ela vai

localizar no porto, e não em uma de suas fontes de insumo. A localização

do porto é eficiente, pois fornece um ponto de coleta central para os

insumos da empresa. Existem muitos exemplos de cidades de porto que

se desenvolveram como resultado das decisões locacionais de firmas

industriais. Seattle começou em 1880 como uma cidade de serraria:

empresas colhiam árvores em Washington, processavam as toras em

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Seattle, e então enviavam os produtos de madeira para outros estados e

países.

2.4 Estrutura bidimensional: o modelo produção-localização de Weber

A teoria de Alfred Weber [1909] procura responder onde se localizará

uma atividade produtiva dentro de um espaço homogêneo e abstrato,

considerando as condições econômicas de produção e de distribuição. Sua

teoria representa a primeira tentativa de uma teoria geral de localização das

atividades produtivas, contribuindo principalmente para o entendimento da

localização orientada pelos custos de transporte (MCCANN, 2002).

Inicialmente Weber [1909] destaca e classifica três fatores locacionais

que influenciam a localização de uma atividade produtiva: custos de

transporte, custos da força de trabalho e forças aglomerativas. Entretanto, o

autor já parte da premissa que o fator locacional mais importante é os custos

de transporte e, após minimizá-lo, busca-se analisar a influência dos demais

fatores locacionais (MCCANN, 2013).

Para tanto, o seu modelo clássico apresenta as seguintes suposições:

a) conhecimento prévio da localização e do tamanho do centro de

consumo e das fontes de matérias-primas, sendo estas distribuídas

desigualmente no espaço;

b) oferta ilimitada e mobilidade da força de trabalho a uma taxa salarial

dada;

c) concorrência perfeita e a firma monoproduto busca minimizar custos,

tomadora de preços nos mercados;

d) o espaço é homogêneo, onde os fatores de produção são ubíquos e

iguais;

e) os preços nos mercados são dados;

f) inexistência de vantagens monopolísticas decorrentes da localização.

Weber aplicou a sua ideia usando um triângulo em que nos vértices

representam duas fontes localizadas de matéria-prima (M1 e M2) e um

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mercado consumidor (C3), configurando-se então um espaço bidimensional,

ou melhor, um triângulo locacional. Por não se encontrarem igualmente

distribuídos no espaço econômico, essas fontes vantajosas de matérias-

primas influenciarão na escolha locacional da atividade.

A localização ótima da firma levará em conta três elementos básicos: a

distância relativa dos locais (d1, d2 e d3), as tarifas de transporte incorridas

nos três trajetos (t1, t2 e t3), e os pesos transportados dos dois insumos (m1 e

m2) requeridos no processo produtivo da firma, bem como o peso

transportado (m3) do produto final até o mercado. É a partir da combinação

desses elementos que reside o principal problema da firma, ou seja,

encontrar a localização (O) em que a totalidade dos custos de transporte é

minimizada, pois os demais custos supostamente são constantes:

( )333222111

3

1

dtmdtmdtmMindtmMinTt

iii ++Û= å=

A Figura 5 apresenta o triângulo locacional do modelo de Weber. Cada

ponto discreto cria uma força de atração em sua direção. A intensidade das

forças de M1 e M2 é proporcional ao custo de transportar a quantidade de

insumos requerida para produzir uma unidade de produto final, qual seja,

111 dtm ou 222 dtm . Já a intensidade da força de mercado (M3) é proporcional ao

custo de transporte da quantidade consumida do produto final do trajeto

entre o local de produção e próprio mercado. A localização ótima encontra-se

em K, um ponto interior do triângulo, em que essas três forças se

equilibram. Ou melhor, haveria um centro de gravidade neste triângulo

locacional que representa a localização onde a qual a firma minimiza o total

dos custos de transporte, proporcionando lucros máximos à atividade

industrial. Para encontrar a localização ótima, Weber utilizou a ideia do

modelo mecânico de Varignon, mas é possível encontrar a solução aplicando

as regras de paralelograma das forças.

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FIGURA 5 – Triângulo locacional de Weber

Fonte: Mccann (2013).

Cabe destacar que os pesos de insumos transportados (m1 e m2)

dependem de como os mesmos são alocados no processo produtivo em uma

firma, ou seja, dos seus coeficientes técnicos de produção. Por simplificação,

o modelo de Weber assume que tais coeficientes (a1 e a2) são unitários dentro

de uma tecnologia Loentief, que produz m3 quantidades de produto final:

( ) 1, 21213213 ==+=®= aammmmmfm Q

Dessa maneira, a localização ótima da atividade produtiva está

relacionada a natureza da sua função de produção e as tarifas relativas de

transporte (ton/km). Tal aspecto denota que o triângulo locacional é um

modelo de produção-localização (MCCANN, 2002). Nota-se que quaisquer

mudanças nos três elementos básicos )( iii dtm alteram os custos de transporte

relativos, provocando alterações no efeito líquido das forças opostas de

atração e, desse modo, induzindo uma realocação da atividade produtiva a

fim de manter o custo total de transporte no seu nível mínimo. A firma será

orientada a se instalar mais próximo naquele vértice onde o custo de

transporte é relativamente maior (i.e. a força de atração é maior). Mais

precisamente, a determinação da localização ótima se dará pelo efeito

líquido das três forças opostas de atração. As intensidades das forças das

fontes dos insumos (a1 e a2) estão sujeitas, mormente, as tarifas de

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transporte e a forma funcional que alocam a quantidade de insumos no

processo produtivo da firma (i.e., função de produção).

A Figura 6 compara os efeitos de diferentes funções de produção sobre o

comportamento locacional da firma. A firma A apresenta uma função de

produção intensiva no insumo M2 (e.g., plásticos), enquanto que a firma B é

intensiva no insumo M1 (e.g., ferro). Assim, ambas serão orientadas a se

localizarem próximas a essas respectivas fontes de matéria-prima. Ou

melhor, a firma A estarei mais próxima à fonte M2 e mais longe à fonte M1.

O inverso ocorre para a firma B.

Figura 6 – Localização e relativos custos de aquisição (insumos)

Fonte: Mccann (2013).

Se assumirmos que 2 firmas se diferenciam em termos de eficiência

técnica. Àquela que descartar menos insumos no processo produtivo será

orientada a se localizar para o mercado. Ou melhor, aquela que apresenta

um processo produtivo menos peso-perdedor. Suponha que a Firma B

descarte somente 40% de insumos, ao posso que a Firma A desperdice 70%

de insumos durante o seu processo produtivo. Como consequência, a firma B

será mais orientada ao mercado que a firma A em seus comportamentos

locacionais (FIGURA 7).

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17

Figura 7 – Localização e relativos custos de distribuição (produto)

Fonte: Mccann (2013).

disso, diante da abordagem de Weber, quando melhorias em um trecho

específico entre o local de produção e de matéria-prima (M1) ocorrem, por

exemplo, a força de atração de M1 se reduz, o que implica uma nova

reorientação da firma para um local mais distante e próximo aos vértices M2

e C3. A Figura 8 apresenta a mudança sobre o comportamento locacional de

uma firma.

Figura 8 – Efeitos de mudança da infraestrutura de transporte

(a) Estado atual dos trechos (b) Melhorias no trecho

α2

α1

α3

M1

M2

M3

K

d2

d3 d1

α2

α1

α3

M1

M2

M3

K

d2

d3 d1

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18

2.4.1 O efeito locacional a partir das variações de salários

Os outros dois fatores de localização, custos de mão de obra ou trabalho

e benefícios de aglomeração, são apresentados por Weber pelos chamados

isodapanas. Uma isodapana é um conjunto de localizações, refletindo iguais

desvios relativos ao mínimo custo total de transporte. Ou seja, uma

isodapana pode ser definida como um conjunto de todos os pontos que têm

igual acréscimo de custo de transporte em relação à localização em que esse

custo é mínimo:

TTdtmMint

iii D+=å=

*3

1

Para cada valor de TD tem-se uma isodapana. Na Figura 9, a

localização ótima K de mínimo custo de transporte é rodeada por quatro

isodapanas (+10,+25, +40, +50). Em todos os locais situados entre +10 e +20,

os custos de transporte são entre 10 e 20 unidades monetárias mais

elevadas que na localização ótima K.

Figura 9 – Análise de isodapana

Fonte: Mccann (2013).

Existe uma na qual em que a economia com a força de trabalho compensa

o custo de transporte adicional, chamada de isodapana crítica. Suponha que

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as localizações Q, R, S e T apresentam salários menores que K por uma

quantia de $12, $20, $35 e $55, respectivamente. Percebe-se que a

localização T é a melhor, pois a economia com os salários mais que compensa

o adicional no custo de transporte em relação ao ponto K. Ou melhor, na

localização T os lucros são $5 por unidade de produto que em K. Portanto, T

é uma localização superior para a localização ótima, K, em que os custos de

transporte são minimizados (MCCANN, 2002). Na realidade, isso é ilustrado

pelo comportamento locacional das empresas multinacionais que estão se

transferindo grande parte de suas atividades da Europa Ocidental para

países de baixos salários na Europa de Leste e ainda mais para China e

Índia.

Pode-se analisar os efeitos locacionais de novas fontes de insumos e de

novos mercados. Considere uma situação em que firma mude de K para F

devido ao menor salário em F, que mais que compensa o adicional nos custos

de aquisição e distribuição (FIGURA 10).

Figura 10 – Novos fornecedores e novos mercados

Fonte: Mccann (2013).

A localização F tem sido determinada como a nova localização ótima com

respeito à M1, M2 e M3. Contudo, ao mover de K para F podem surgir novos

fornecedores disponíveis, capazes de fornecer insumos iguais. Por exemplo,

M4 produz o mesmo insumo de M1. Esta mudança de fornecedores também

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implicará em uma nova localização de Weber, e uma nova série de salários

deve ser calculada com respeito à essa nova localização ótima. Por exemplo,

o ponto G se tornou mais vantajoso para a firma servir o mercado no ponto

M5, ao invés de M3.

Finalmente, Weber passou a tratar das economias resultantes da

concentração de firmas em um local, o que ele chama de forças

aglomerativas. São economias de escala externas, que podem levar a uma

diminuição dos custos médios das empresas em decorrência do uso comum

de infraestrutura, de ligações para frente e para trás e da troca de

informações.

As forças aglomerativas somente se efetivarão no modelo de Weber se as

isodapanas críticas de um dado número de atividades industriais se

interceptarem. Por exemplo, conforme a Figura 11, duas empresas estão

localizadas em S1 e S2, mas podem se beneficiar ao se localizarem juntas em

S. Se as empresa se movem para S, cada uma delas tem um ganho de 60

unidades monetárias. Uma vez que S está localizado dentro da isodapana

60, é benéfico para ambas as empresas se localizarem em S, pois, neste caso,

os benefícios de se passar para S excedem os custos de transporte adicionais.

Figura 11 – Benefícios da aglomeração de empresas

Fonte: Adaptado de Heijman e Schipper (2010).

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Na Figura 11, a única área possível de aglomeração é a área enegrecida.

As outras áreas não oferecem vantagens aglomerativas suficientes para

compensar o necessário acréscimo em custos de transporte. No entanto,

permanece indeterminado o ponto específico em que as firmas devem-se se

localizar dentro de uma área factível (HEIJMAN; SCHIPPER, 2010).

Na abordagem de Weber, as suas próprias suposições intrinsecamente

são limitações, pois sua teoria desconsidera as diferenças e especificidades

locais, as heterogeneidades dos fatores de produção entre regiões

(quantidade e qualidade), tamanhos de mercados distintos, economias de

desaglomeração e renda fundiária urbana. Também podem ocorrer

“desaglomeração”, uma vez que com a aglomeração espacial de empresas, os

preços da terra e salários podem aumentar e pode ocorrer aumento no

congestionamento do tráfego ou transito. Isso leva a aumento dos custos e a

uma realocação de setores intensivos em terra e trabalho do agrupamento

para áreas mais periféricas (HEIJMAN; SCHIPPER, 2010).

3 Hierarquia urbana e as teorias do lugar central clássicas

Até então foram discutidos os efeitos microeconômicos sobre o

comportamento locacional das atividades produtivas a partir de várias

influências, tais como o custo de transporte (CT), eficiência técnica, natureza

da função de produção e competição espacial. Torna-se oportuno discutir a

questão da localização da atividade produtiva dentro do contexto de sistema

urbano ou sistema de cidades. Ou melhor, pretende-se como a localização

das atividades produtivas formaria a base de um sistema urbano na

estrutura e desenvolvimento. Sistema urbano pode ser compreendido como

um conjunto de centros urbanos (cidades), interconectados e hierarquizados

dentro de um espaço geográfico definido.

Observações em muitos países sugerem que existe certa regularidade em

padrões espaciais de atividades econômicas, e esta regularidade tem dois

aspectos. Primeiro, a distribuição espacial de cidades exibe certas típicas

características e, segundo, a distribuição numérica de tais cidades também

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exibem certas características típicas. Nações tendem a ser dominada por

uma ou duas cidades maiores (primal), sendo geralmente as maiores regiões

populacionais do país. Estas cidades tenderão a serem as localizações de

produção de mais bens produzidos pela economia. Outras regiões periféricas

tenderão a ser focadas em torno de sucessivas cidades menores que

dominam áreas hinterlândias de menor população. Estas menores cidades

também tenderão a produzir um intervalo menor de produto que as cidades

maiores (primal). Ao mesmo tempo, quando o tamanho da cidade individual

reduz, número de tais cidades geralmente aumenta. O resultado é que

ambos o tamanho e distribuição espacial de centros exibem algum padrão

piramidal de hierarquia, como na Figura 12.

Figura 12 – Organização espacial e hierárquica do sistema urbano

Fonte: Adaptado de Mccann (2013).

A cidade dominante, que tem a maior população, é definida como a

cidade que apresenta o maior nível de ordenamento. O próximo grupo de

cidades de tamanho similar é definido como o de segundo nível na posição de

ordenamento dos tamanhos de cidades; e o grupo subsequente de cidades

menores de tamanho similar compõem-se o terceiro nível de posição da

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hierarquia urbana. Economias exibem esse padrão espacial de hierarquia, e

tradicionalmente tem sido o foco de uma área de pesquisa conhecida como a

“teoria do lugar central”. Assim, serão tratados dois trabalhos clássicos:

August Lösch (1954) e Walter Christaller (1933, 1966) (MCCANN, 2013).

3.1 A abordagem de Lösch para lugares centrais

Abordagem de August Lösch (1954), essencialmente dedutiva, pode ser

compreendida como uma abordagem microeconômica para entender o

sistema urbano (MCCANN, 2002). Lösch (1954) desenvolveu uma teoria

geral da localização das atividades produtivas para depois tratar o problema

da formação das redes de cidades (redes urbanas). O teórico demonstra como

cidades sugeriam a partir de um equilíbrio locacional geral das atividades

econômicas, ou seja, como resultado entre dos efeitos contrapostos entre os

custos de transporte e retornos crescentes de escalas. Lösch (1954) conduziu

o seu trabalho articulando três conceitos: curva de demanda espacial,

economia de escala e área de mercado. Em seu modelo, o teórico empregou

um conjunto de hipóteses:

a) Espaço homogêneo e ubiquidade de matérias-primas de fatores

primários, com condições de transporte equivalentes em todo o espaço;

b) A demanda do produto de uma empresa é função da acessibilidade do

consumidor e da densidade populacional. Logo, a demanda de transporte

é derivada a partir da demanda do produto da empresa.

c) Não existem diferenças de quantidade e qualidade da infraestrutura de

transporte.

d) A área de mercado ótima do produto é determinada pelo nível mínimo

de produção e custo de transporte. Se o excedente de produção é

comercializado no espaço, haveria um ponto crítico a partir do qual a

quantidade produzida cria escala. Nesse sentido, a atividade produtiva

consegue incorrer em economias de escala com a elevação de sua

demanda global no espaço. O surgimento de escala de produção mínima

suficiente se deve pela especialização da unidade produtiva ao

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comercializar o seu excedente de produção. Assim, a atividade apresenta

retornos crescentes de escala em sua tecnologia de produção, ou seja, o

custo médio édcrescente em relação à quantidade produzida.

e) As firmas são tomadoras de preço e maximizadoras de lucros, o mercado

é espacialmente uniforme onde as preferências dos consumidores são

idênticas e maximizadas próximas a oferta de produção, a tecnologia de

produção e a estrutura de custos são iguais para todas as firmas, o que

por si só garante a livre entrada no mercado até quando existir

sobrelucros.

f) A atividade produtiva pode monopolizar o espaço pela sua capacidade de

diferenciar o produto (concorrência monopolística de Chamberlin

(1933)).

A partir dessas suposições, o teórico trata inicialmente as condições de

demanda no espaço para depois serem integradas na estrutura de produção

das firmas (PARR, 2002). Dessa maneira, incialmente o teórico conceitua a

demanda espacial. As curvas de demanda dos consumidores, distribuídos

uniformemente no espaço, pelo produto de uma atividade produtiva

apresenta uma relação inversa entre as quantidades demandas e os preços

de entrega (p + tD), definidos como a soma do preço de fabricação (p) e a

distância (d) ponderada pela tarifa de transporte (t) em tonelada-quilômetro.

Na medida em que os consumidores se afastam do local da atividade

produtiva (k), o preço de entrega do produto se eleva com o aumento da

distância e a quantidade demandada do produto reduz. No limite, haverá

um preço de entrega máximo, decorrente de uma distância máxima, onde a

quantidade demandada do produto será zero (Figura 13).

Se a firma está localizada em um ponto de produção “k”, logo a distância

“D” representa o raio do limite da área de mercado da firma. Sendo as

condições de transporte equivalentes em todas as direções a partir de “k”, o

círculo define o limite da área de mercado dentro o qual a demanda da firma

é positiva.

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Figura 13 – O esquema de demanda das firmas na estrutura de Lösch

Fonte: Adaptado de Mccann (2013).

Esse limite retrata a fronteira do poder de mercado circundado de uma

firma, o que significa dizer que a aérea de mercado se constitui em todas as

direções do espaço onde sua fronteira é determinada pelo comportamento

agregado das demandas individuais. Dessa maneira, tem-se um “cone de

demanda”, extraído da rotação (360°) da Figura 13, que resulta no total de

demanda da unidade produtiva. Dessa maneira, estabelece-se o conceito de

área de mercado (Figura 14). O volume do cone de demanda, corrigido pela

densidade populacional, é igual à demanda total do produto:

ò +=R

k

TdTTPfbD )(p , em que )( TPfd += é a demanda individual como uma

função do preço de entrega; R é o custo de transporte crítico, em que a

quantidade demanda do produto é zero (q=0); b é duas vezes a densidade

populacional; e ...14,3=p . Assim, para cada preço de fabricação (p) do

produto tem-se uma demanda máxima (D), que depende de três fatores: i)

demanda individual ( )( TPf + ), ii) número de consumidores, variante entre

k e R; e o custo de transporte (T=td).

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Figura 14 – O cone de demanda de Lösch

Fonte: Adaptado de Mccann (2013).

Por u lado, percebe-se, portanto, que o custo de transporte, crescente

linearmente com a distância, restringe a expansão do poder de mercado de

uma determinada firma para além de R, uma vez que a acessibilidade dos

consumidores pelo produto diminui, limitando então o volume de vendas (D).

Por outro lado, como cada atividade produtiva compete pelo espaço com

outras atividades similares, a fim de maximizar suas receitas, uma queda no

seu preço de produção poderia expandir a sua área de mercado sobre a área

do seu concorrente. Essa expansão, portanto, varia inversamente ao preço de

produção, que, por sua vez, será cada vez mais baixo quanto maior for o grau

de economias de escala (interna e externa) auferidas no espaço localizado.

Ou melhor, com retornos crescentes de escala, o produtor expande a sua

área de mercado até onde o seu preço de entrega foi igual ao preço de

produção do seu concorrente. Portanto, quanto maior o ganho de escala,

menor será o preço de produção e maior o poder de expansão (LEMOS, 2008;

MCCANN, 2002).

Assim, se a tarifa de transporte reduz diante de melhorias feitas no

sistema de transporte, o preço de entrega diminui, e, consequentemente,

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amplia-se a procura global e a área de mercado da firma, possibilitando a

obtenção de economias de escala. As economias de escala surgem porque na

estrutura de produção da firma, inalterável no espaço, o custo médio total

(AC) apresenta uma inclinação decrescente (formato de U). O produtor, que

monopoliza momentaneamente a área de mercado1, procura maximizar o

lucro pela regra tradicional da microeconomia, ou seja, quando o custo

marginal (MC) iguala-se a receita marginal (MR) (Figura 15).

Figura 15 – Estrutura de produção e configuração espacial de Lösch

a) Curto-prazo (sobrelucros) b) Longo-prazo (lucros normais)

Fonte: Adaptado de Parr (2002) e Lemos (2008).

No curto-prazo, diante do formato da curva de custo médio (AC) e do

nível de demanda agregada (dd) gerada pela área de mercado, a combinação

de preço ótimo (p*) e quantidade ótima (Q*) produzem lucros normais

excessivos à firma (definida pela área p*abc) (figura 8a). Como nesse

mercado, territorialmente monopolístico, não existem barreiras à entrada e

saída, tais sobrelucros atrairão novas firmas a se instalarem em áreas

circunvizinhas de tamanhos idênticos. Elas não irão dividir a mesma

1 Na lógica do modelo de Lösch, no longo prazo, o número de variedades se traduzirá no número de

áreas de mercado no espaço (LEMOS, 2008).

Q

Preço

s*

dd dd

AC MC

MR

p* p*p*c b

a

Q* Q

s*

Preço

dd dd

AC MC

MR

Pe

Qe

ddddDD

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localização porque o preço de produção poderia reduzir pela metade,

tornando a produção inviável economicamente (a direta da curva MR e

abaixo da curva AC) (PARR, 2002).

Com a entrada de novas firmas, várias áreas de mercado circundadas

tangencialmente e de mesmo tamanho se constituirão no espaço, de forma

que existirão espaços vazios entre elas (e.g. sete firmas com cada área de

mercado na superfície do plano) (Figura 15a). Enquanto os produtores

obterem sobrelucros diante da procura global pelos seus bens nas suas

respectivas áreas de mercado, novas firmas serão também atraídas.

Contudo, a continuidade desse processo fará com que as demandas

agregadas das firmas sejam gradativamente reduzidas, uma vez que as

bordas circulares das áreas de mercado são comprimidas e os espaços vazios

são também preenchidos. A entrada de novos concorrentes (novas

variedades no espaço) implica, portanto, na redução das áreas de mercado

existentes.

Destarte, em certo momento, com a entrada de novas firmas, a curva

de demanda “dd” (mais elástica) da firma se tornará menos elástica de tal

forma que todas as firmas no espaço apresentarão uma efetiva curva de

demanda “DD”. O limite desse processo ocorrerá até o ponto que uma firma

adicional provocar perdas para todas no espaço.

No longo-prazo, as firmas passam a obter lucros normais pelo

deslocamento da curva de demanda agregada para a esquerda (i.e. posição

da curva DD) e as áreas de mercado apresentarão formas hexagonais – o que

permite o maior volume de vendas possíveis, abastecendo todos os

consumidores com a menor “fricção” da distância (menor custo de

transporte). Ou melhor, essas formas hexagonais asseguram que a distância

a partir de qualquer localização de produção à fronteira de mercado seja

minimizada.

Nesse equilíbrio, o preço (Pe) e quantidade (Qe) de produção de cada

firma será tal que a curva de custo médio total (AC) interceptará a curva de

demanda agregada (DD), mantendo a condição de maximização, isto é, a

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igualdade entre a receita marginal (MR) a o custo marginal (MC) (Figura

15b). Tal circunstância cessa o crescimento do número de firmas de maneira

que o espaço passa e ser constituído por um arranjo triangular-hexagonal,

ou melhor, um sistema urbano com lugar central. Dentro da estrutura

löschiana, esse padrão espacial hexagonal representa um sistema econômico

ideal (arranjo ideal) para uma indústria.

Figura 16 – A distribuição espacial dos mercados de firmas idênticas

Fonte: Adaptado de Parr (2002) e Lemos (2008).

Como cada firma produz uma única variedade de produto, o número

de áreas de mercado no espaço representará o número de variedades, sob a

suposição de concorrência de Chamberlin (1933). Cada bem produzido

caracteriza-se pela existência de uma área de mercado, formada pelo

resultado entre custos de transporte e economias de escala. O padrão

hexagonal seria, portanto, diferentes para diferentes tipos de firmas. Por

exemplo, produtos agrícolas tendem a apresentar pequenas áreas de

mercado hexagonais, ao passo que produtos manufatureiros apresentariam

maiores áreas relativas. Lösch argumenta que o cenário econômico mais

eficiente é aquele onde o máximo número de firmas estará concentrado. A

lógica desse argumento é que o máximo número de firmas concentradas no

mesmo ponto permitiria a ocorrência de economias de aglomeração dentro

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dos conjuntos de firmas que estão localizadas no mesmo espaço (MCCANN,

2002). Ou melhor, cada área de mercado resultaria em uma rede de áreas

hexagonais, gerando uma multiplicidade de rede de mercados superpostos.

Assim, os centros urbanos passariam a ter pelo menos um centro

comum, denominado de metrópole. As diversas redes no entorno dessa

metrópole diversos tipos de bens, e, no outro extremo, pequenos centros

urbanos produziria poucos bens e de menor demanda local. Lösch conclui

que uma de qualquer tamanho espacial tenderia a ser dominada por uma

cidade central e os demais centros seriam caracterizados por assentamentos

e por áreas, alternando de concentração e dispersão de atividade produtivas

(“roda dentada”). Aliás, quanto maior o centro urbano, maior a sua

diversificação e a sua capacidade de incorporar centros menores que, em seu

turno, constituem sua área de mercado.

Figura 17 – A distribuição espacial dos mercados de firmas idênticas

Adaptado de Mccann (2013).

O número e o tamanho das áreas de mercado vão depender do efeito

líquido entre a força de atração (retornos crescentes de escala) e repulsão

(custos de transporte), constituindo, portanto, uma aglomeração urbana.

Quanto maior o efeito de repulsão, menor é tamanho e maior é o número de

áreas de mercado. Por outro lado, quanto maior o efeito de atração, maior é o

tamanho e menor é o número de áreas de mercado. Aliás, é a dinâmica

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desses dois mecanismos contrapostos que está na essência da teoria de

Lösch, mostrando que mesmo num espaço abstrato e homogêneo, haveria

forças econômicas sobre a concentração das atividades e urbanização.

Assim, quando Lösch extrapola seu modelo para a construção teórica

do sistema de cidades, deixa claro para um processo de hierarquização, que

ocorre da combinação de economias de escala com o custo de transporte.

Essa abordagem teórica (relativa às vendas, preço e área de mercado da

produção aos custos de transporte) conta com algumas abstrações para

manter sua consistência interna. É possível, por exemplo, aplicar variações

na densidade populacional, heterogeneidade de preferência, bem como as

condições de oferta perfeitamente não elásticas, porém, apenas tenderia a

gerar uma maior complexidade na análise. Parr (2002) conclui que a

contribuição primária do trabalho de Lösch é de mostrar que a concentração

industrial e urbanização podem surgir independentemente da

particularidade local.

3.2 A abordagem de Christaller para lugares centrais

Walter Christaller (1933, 1966) desenvolve sua teoria com base nas

observações da distribuição espacial de cidades e centros diversos no Sul da

Alemanha. O modelo de Christaller é baseado consequentemente mais em

uma abordagem indutiva que dedutiva. Isto significa dizer que o modelo é

baseado mais sobre a observação da realidade ao invés de extrapolar

qualquer esquema construído de princípios. A sua estrutura teórica permite

um melhor entendimento da organização do espaço de mercados e mercados

centrais. A ideia de Christaller é trabalhar com hierarquização de funções

de ofertas de bens e serviços de maneira que orienta os mercados no sistema

urbano. O lugar central apresenta funções de ordem superior, enquanto que

os demais centros da rede urbana exibem funções de ordem inferiores e

ainda hierarquizadas. Dito em outras palavras, o mercado central é grande

ofertante de bens e serviços que tem a capacidade de servir o conjunto da

economia, e ainda, os bens e serviços ofertados nos centros de ordem

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superiores cobrem os ofertados de ordem inferiores. Em suma, o centro de

ordem superior tem condições de ofertar bens e serviços de ordem inferior.

Portanto, o sistema urbano de Christaller assume que existe uma

hierarquia de N conjuntos de funções (bens e serviços), g=(1,2,...,N), uma

hierarquia de N diferentes níveis de centros urbano, u=(1,2,...,N), e uma

hierarquia de N diferentes níveis de área de mercado, m=(1,2,...,N). Em

suma, pela especificação do modelo existem N conjuntos de funções (bens e

serviços), de centros e de áreas de mercado.

Há também uma direta correspondência entre a posição de hierarquia de

cada nível de funções de oferta (bens e serviços) e o tamanho da sua área de

mercado. Por exemplo, o centro de nível mais baixo (u=1) tem uma área de

mercado m=1 (inteiramente rural), na qual ofertam bens e serviços de nível

g=1. Um centro de nível m>1 terá áreas de mercado de nível 1 por m e

oferecerá bens de nível 1 por m, respectivamente (cada área de mercado de

nível m>1 conterá centros de níveis u=1 por m-1, bem como a áreas rurais).

Trata-se de uma hierarquia sucessiva inclusiva dos níveis (MCCANN,

2002). Esse padrão global de oferta é sumariado na Tabela 1.

Tabela 1 - Hierarquia sucessiva inclusiva de Christaller

Pode-se ainda afirmar que, conforme Parr (2002), o motivo da hierarquia

sucessiva inclusiva em um nível é que ela está baseada não somente na

necessidade da centralidade localizada para o mercado, mas também como

nas vantagens das economias de aglomerações, do sistema de transporte e

dos serviços municipais.

Níveis de conjuntos de funções de oferta

1 2 3 4 5

1 x x x x x 12 x x x x 23 x x x 34 x x 45 x 5

Fonte: Adpatado de Mccann (2002).

Nível de centro Nível de área de mercado

servida

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Christaller tentou construir um padrão espacial particular que assegure

que todas as localizações ofertarão todos os bens a partir de um número

mínimo de pontos de oferta. Como na Figura 18, que representa uma

economia espacial com três níveis de centros urbanos, mercados, e bens, o

sistema de Christaller alcança uma série de mercados hexagonais e

superpostos, no qual o número de centros urbanos é inversamente

relacionado com a variedade de bens e serviços ofertados em cada

localização.

Figura 18 – Modelo de Christaller do sistema urbano

Adaptado de Mccann (2013).

Existem dois conceitos principais para a compreensão da sua abordagem:

a) limite crítico, tratado o nível mínimo de demanda necessário para

estimular a oferta de bens e serviços; e b) alcance, considerado com a

distância máxima a ser percorrida para a demanda de bens e serviços

ofertados. Em ambos os conceitos, que molda a distribuição espacial de

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oferta e de demanda, são dependentes dos dois fatores locativos: retornos

crescentes de escala localizados reproduzidos pelas economias internas de

aglomerações, e custo de transporte que delimita a área de influência das

funções de oferta e serviços constantes numa determinada centralidade

(CUNHA et alii, 2008). Esses dois fatores locativos não estão formalizados

no modelo, mas são tratados implicitamente.

Ademais, é assumido que o tamanho relativo da área de mercado para

um determinado nível de funções (bens e serviços) e de um nível abaixo de

funções é sempre constante, dado por K (MCCANN, 2013). Ou melhor, a

estrutura espacial do sistema é caracterizada pelo valor constante de K,

definido como o fator pela qual o tamanho da área de mercado cresce

(decresce) de um nível para um próximo e maior (menor) nível. A constante

K pode também ser definida como um número equivalente de áreas de

mercado de um dado nível que se aninham dentro de uma área de mercado

do próximo e maior nível. Por exemplo, se K=3, isso significa que o número

mínimo de área de mercado é de 3 unidades, e as áreas de mercado de ordem

sucessiva e crescente em unidades equivalente serão: 3,9,...,27, portanto, por

um fator 3. A Figura 19 ilustra um exemplo com foco sobre nível m+1

centros.

A Figura 19 expõe, inclusive, os três princípios básicos que governam

na formação das áreas de mercado e seus respectivos centros, a saber, o

princípio de mercado, o princípio de tráfego e o princípio administrativo

(figura 9). O princípio de mercado é entendido como o princípio de oferta de

um número mínimo de localização de forma que as centralidades surgem

para maximizar as áreas de mercado sujeitas aos custos de transportes,

existindo um arranjo triangular-hexagonal no espaço como no modelo de

Lösch. Esse princípio está exposto no caso K=3, em que o princípio de

mercado maximiza o número de centros de nível m+1 .

Figura 19 – Exemplo do fator de expansão

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Adaptado de Mccann (2002).

O princípio de tráfego, por seu turno, diz que as centralidades,

interligadas por uma mesma rede de transporte, emergem para maximizar

as demandas de transportes enquanto minimização dos custos de

transportes e melhorias neste tipo de infraestrutura. No caso K=4, o

princípio de tráfego é representado por m+1 rotas de transporte que

conectam centros vizinhos de nível m+1 ou maior.

Por fim, o princípio administrativo é uma delimitação sociopolítica em

que geralmente engloba uma quantidade maior de centralidades

circundadas por um centro de ordem superior (PARR, 2002). O caso K=7 é

um exemplo disso, em que pode-se observar áreas administrativas de um

determinado nível coincide com as áreas de mercado daquele nível. Agora,

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contudo, uma área administrativa de nível m+1 abrange aproximadamente

áreas administrativas relevantes de nível m.

Nesse ponto, pode-se considerar certas regularidades dentro do

sistema urbano hierarquizado de Christtaller. Primeiro, o tamanho de

centros (população ou massa econômica) cresce com nível hierárquico m.

Embora Christaller ofereça nenhuma formulação de tamanho de centro, o

aumento de tamanho de centro com m seguem automaticamente a partir da

existência de uma hierarquia inclusiva sucessiva.

Outra regularidade do sistema pode ser sumariada automaticamente.

Desse modo, o valor de fm, a frequência de centros de nível m (=u) é como

segue:

ïî

ïí

ì

-<-

-=-

=

=--- )1(

)1(1

)(1

1 NmKK

NmK

Nm

fmNmN

m

O valor de Fm, a frequência de áreas de mercado de nível m, é dado por:

mN

m KF -=

Em virtude da hierarquia sucessiva inclusiva, tem-se que fm<Fm.

1

1 )( -= m

m Kdd

Sendo dm a distância entre o nível e seu centro vizinho de nível mais

alto. Quanto maior o nível m, maior será a distância e o tamanho. Ademais,

quanto maior “m”, as frequências dos centros urbanos e das áreas de

mercado reduzem.

O modelo de Christaller potencializa de forma consistente para o

tratamento de um modelo mais complexo, ou seja, para n-bens. Assim,

avança em relação ao modelo de Lösch e ao mesmo tempo torna o modelo

mais condizente com a realidade do sistema urbano. Além disso, Christaller

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também mostra que ao tratar n-bens não necessariamente a isonomia das

áreas de mercado será mantida e é provável que haverão diferentes

tamanhos de áreas de mercado no sistema urbano (i.e. pouco provável que a

área de mercado tenha a forma hexagonal como no modelo löschiano). Isso

porque a heterogeneidade e desigualdade dos fatores locacionais (retornos

crescentes de escala e estrutura de transporte) provocam tal resultado. Com

áreas de mercado assimétricas, a população será distribuída de forma

desigual

Entretanto, a TLC não pode ser tratada como uma teoria geral do

sistema urbano e sim como uma teoria parcial. Isso porque a TLC é incapaz

de lidar com a localização de atividades econômicas que não são orientadas

pelo mercado e, desse modo, não são governados pelos princípios de

centralidade. Já a abordagem de Lösch é capaz de fornecer uma

racionalidade de concentração da produção e, portanto, identificar as bases

para a urbanização. Todavia, o teórico generaliza para um equilíbrio de um

único bem (única função) a fim de obter um sistema urbano regional, ao

passo que Christaller fornece um modelo com um sistema multifuncional.

Ademais, a TLC não mede as influências das economias externas às firmas

que possam influir na localização de tais atividades, como por exemplo,

economias de especialização e economias de urbanização. Esses tipos de

economia exercem implicações no nível de desenvolvimento urbano de uma

dada localização e, portanto, na estrutura global do sistema urbano.

Apesar disso, é indispensável o tratamento da TLC para o entendimento

de um atual sistema urbano, isso porque sua estrutura hierarquizada de

funções de oferta de bens e serviços condiz com as principais características

da rede urbana atual, ou seja, um sistema formado por centros de ordem

superior e inferior – sistema policêntrico. O estudo da REGIC (IBGE) em

que classificam as cidades no sistema urbano brasileiro baseado nos

princípios de Christaller é um bom exemplo da validade e atualidade da

TLC. Tal fato torna-se mais significativo diante da grande distribuição

assimétrica da população brasileira. Lemos et alii (2003), por exemplo,

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atribui como lugares centrais da rede urbana do país às regiões

metropolitanas de São Paulo e Rio de Janeiro, enquanto que as demais

regiões metropolitanas polarizam sub-sistemas urbanos regionais.

Exercícios

1) Em uma estrutura unidimensional, orientada pelo custo de

transporte, discuta a localização ótima de uma firma. Exemplifique

em que situação a mesma será orientada para o mercado e quando ela

será orientada para uma fonte de matéria-prima. É possível observar

firmas com comportamentos locacionais diferentes? Faça uma

avaliação breve para uma cidade de interesse.

2) Discorra sobre as contribuições de Alfred Weber apontando os

avanços e limitações da sua teoria. Qual é a mensagem conclusiva que

o teórico nos fornece e por quê? Escolha uma abordagem nesta teoria

e procure exemplificar para alguma cidade de interesse.

3) Discorra sobre a estrutura de August Lösch e procure explicar como

economias de escala e custos de transporte influenciam na dinâmica

de uma cidade.

4) Explique algumas diferenças entre a abordagem de Lösch e de

Christaller. Descreva brevemente em que medida a Teoria do Lugar

Central de W. Christaller continua tendo validade e atualidade.

5) Resumidamente, quais são as lições que você adquiriu neste tópico de

estudo?

Referências

BRUECKNER, J. K. Lectures on urban economics. Cambridge: MIT Press,

2011.

HEIJMAN, W. J. M.; SCHIPPER, R. A. Space and Economics: An

introduction to regional economics. Netherlands: Wageningen Academic

Publishers, 2010.

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LEMOS, M. B. A Nova Geografia Econômica: uma leitura crítica. 2008. 170

f. Tese (Professor Titular) – Centro de Desenvolvimento e Planejamento

Regional da Universidade Federal de Minas Gerais (CEDEPLAR/UFMG),

Belo Horizionte, 2008.

MCCANN, P. Classical and neoclassical location – production models. In:

MCCANN, P. (Org.). . Industrial location economics. Cheltenham, UK:

Edward Elgar, 2002. .

MCCANN, P. Modern urban and regional economics. Second ed. Oxford:

Oxford University Press, 2013.

O’SULLIVAN, A. Urban economics. 8th. ed. New York: McGraw-Hill/Irwin,

2011. (cap.2)

Leituras primárias

FERREIRA, C. M. As teorias da localização e a organização espacial da

economia. In: HADDAD, P. R. (Org.). Economia Regional: Teorias e Métodos

de Análise. Fortaleza: BNB, 1989.

CRUZ, B. O. et al. (Org.).Economia regional e urbana: teorias e métodos com

ênfase no Brasil. Brasília: Ipea, 2011.

COSTA, J.S.; NIJKAMP, P. (Orgs.). Compêndio de economia regional -

Volume 1: teorias, temáticas e políticas. Portugal: Principia, 2009.