todos contra o medo - nova acropole · ser percorrido até que tenhamos asas para voar, o medo...

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EDITORIAL Revista Acrópole ACRÓPOLE | número 2 1 ______ quer provar que é Filho de um Deus, realizando trabalhos, conquistando metas, recuperando a sua origem celeste. Aquele divino que vive no mais íntimo, esse «Raio do Espí- rito Universal» que desceu ao coração humano sacrifican- do a sua natureza divina. Esse, sim, não tem medo de nada nem de ninguém. Vive na sua prisão que é o reino dos para- doxos, o lugar onde os opostos se procuram e tentam har- monizar-se, muitas vezes de maneira violenta: o chamado reino do Espelho Fumegante, Tezcatlipoca na religião azte- ca, o lugar dos feitiços e das transformações da Natureza. Esse sim, não tem medo, e enquanto a Ele nos asso- ciarmos, consagrarmos e com Ele nos identificarmos e o servirmos, o valor crescerá no nosso peito como uma Águia que abre as suas poderosas asas, disposta a voar. Ali está a Fonte do Valor, e este cresce na alma através da fé (não fanática e irracional, mas da alma: a fé que pro- tege e assinala o sentido da vida), do conhecimento (pois teme-se aquilo que se desconhece; aquele que sabe e que já entende, não teme; sabendo o nome – forma, natureza, qualidades – do que tememos, este fica quase à nossa dis- posição: a luz do saber afasta das suas esquinas as som- bras do medo); e do amor, sobretudo do amor: quem ama não teme, confia e entrega-se a essa poderosa corrente que vence todas as dificuldades e supera todos os obstácu- los. Os cobardes são como são porque não amam, não saem do recinto estreito, escuro e hediondo do seu egoís- mo, onde crescem todo o tipo de larvas e gérmens de lou- cura. Aquele que ama vence e conquista e nada nem nin- guém pode vencê-lo, pois o amor, o amor verdadeiro, que não depende de nada, encontra em si mesmo a sua finali- dade, é o motor e o movimento perpétuo, causa, princípio e fim, alma do Mundo. É, segundo Shakespeare, um Hércules empoleirado na Árvore das Hespérides. Essa Árvore mística que cresce no coração do apaixo- nado pelo saber (o filósofo), é o que os egípcios chamavam Djed ou coluna da estabilidade interior: vence o tempo, vence, portanto, o medo, pois todo o medo é, definitiva- mente, medo ao tempo. Quem é que nunca sentiu temor? Quem é que nunca se sentiu paralisado perante alguma situação? Quem é que nunca experimentou a rigidez psicológica no âmbito das relações humanas e soube que estava a perder o seu carácter natural, a sua livre e franca espontaneidade? Quem é que nunca sentiu os dedos frios do medo como uma neblina húmida e venenosa ameaçando a luz e o fogo do coração, a sua natural alegria? O «João sem Medo» não existe, e como dizia Confúcio, aqueles que em situações críticas desafiam o perigo várias vezes, ludibriando-o – bebendo a adrenalina como uma droga necessária – quan- do não manifestam as outras virtudes que são a harmonia da alma, têm uma natureza mais demoníaca do que huma- na. Vlad Dracul (Drácula), Rasputin ou o próprio Mao Tse Tung, foram tão «valentes» como selvaticamente cruéis. E, no entanto, onde existem as trevas do medo, tam- bém existe a Força Interior, o apelo sagrado que é um grito de Vitória no meio da escuridão. No seio das dúvidas sur- gem as certezas, abrindo passagem com a luz que lhes é própria; e o valor surge, como a Espada de um Deus, entre as provas a que somos submetidos pela Vida. O drama é que se o medo é natural, muitas vezes é uma advertência no caminho mas outras um inimigo que terá que ser derrotado; o excesso de medo, ou o facto de nos submetermos ou dependermos do medo faz-nos perder todas as oportunidades. Oportunidades que nos querem dar a sua bênção... e que rejeitamos por medo, afastanto as correntes da vida do nosso coração endurecido. Do mesmo modo que o caminho existe para que possa ser percorrido até que tenhamos asas para voar, o medo existe para que possa ser trabalhado e vencido, conquistan- do todos os tesouros que encerra. Recordemos o dragão que vigia a Árvore das Hespérides e protege os seus frutos da eterna juventude; ou o gigante também convertido num dragão, Fafner, a quem o herói Siegfried desafia, desperta e vence, bebendo o seu sangue, que lhe abre a compreensão para a «linguagem dos pássaros». Os romanos afirmavam que dentro de cada homem vive um Hércules que TODOS CONTRA O MEDO José Carlos Fernández * *Director Nacional da Associação Cultural Nova Acrópole.

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Page 1: TODOS CONTRA O MEDO - Nova Acropole · ser percorrido até que tenhamos asas para voar, o medo existe para que possa ser trabalhado e vencido, conquistan-do todos os tesouros que

EDITORIAL Revista Acrópole

ACRÓPOLE | número 2

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quer provar que é Filho de um Deus, realizando trabalhos,conquistando metas, recuperando a sua origem celeste.Aquele divino que vive no mais íntimo, esse «Raio do Es pí -rito Universal» que desceu ao coração humano sacrifican-do a sua natureza divina. Esse, sim, não tem medo de nadanem de ninguém. Vive na sua prisão que é o reino dos para-doxos, o lugar onde os opostos se procuram e tentam har-monizar-se, muitas vezes de maneira violenta: o chamadoreino do Espelho Fumegante, Tezcatlipoca na religião azte-ca, o lugar dos feitiços e das transformações da Natureza.

Esse sim, não tem medo, e enquanto a Ele nos asso-ciarmos, consagrarmos e com Ele nos identificarmos e oservirmos, o valor crescerá no nosso peito como umaÁguia que abre as suas poderosas asas, disposta a voar.

Ali está a Fonte do Valor, e este cresce na alma atravésda fé (não fanática e irracional, mas da alma: a fé que pro-tege e assinala o sentido da vida), do conhecimento (poisteme-se aquilo que se desconhece; aquele que sabe e quejá entende, não teme; sabendo o nome – forma, natureza,qualidades – do que tememos, este fica quase à nossa dis-posição: a luz do saber afasta das suas esquinas as som-bras do medo); e do amor, sobretudo do amor: quem amanão teme, confia e entrega-se a essa poderosa correnteque vence todas as dificuldades e supera todos os obstácu-los. Os cobardes são como são porque não amam, nãosaem do recinto estreito, escuro e hediondo do seu egoís-mo, onde crescem todo o tipo de larvas e gérmens de lou-cura. Aquele que ama vence e conquista e nada nem nin-guém pode vencê-lo, pois o amor, o amor verdadeiro, quenão depende de nada, encontra em si mesmo a sua finali-dade, é o motor e o movimento perpétuo, causa, princípioe fim, alma do Mundo. É, segundo Shakespeare, umHércules empoleirado na Árvore das Hespérides.

Essa Árvore mística que cresce no coração do apaixo-nado pelo saber (o filósofo), é o que os egípcios chamavamDjed ou coluna da estabilidade interior: vence o tempo,vence, portanto, o medo, pois todo o medo é, definitiva-mente, medo ao tempo.

Quem é que nunca sentiu temor? Quem é que nunca sesen tiu paralisado perante alguma situação? Quem é quenunca experimentou a rigidez psicológica no âmbito dasrelações humanas e soube que estava a perder o seucarácter natural, a sua livre e franca espontaneidade?Quem é que nunca sentiu os dedos frios do medo comouma neblina húmida e venenosa ameaçando a luz e o fogodo coração, a sua natural alegria? O «João sem Medo» nãoexiste, e como dizia Confúcio, aqueles que em situaçõescríticas desafiam o perigo várias vezes, ludibriando-o –bebendo a adrenalina como uma droga necessária – quan-do não manifestam as outras virtudes que são a harmoniada alma, têm uma natureza mais demoníaca do que huma-na. Vlad Dracul (Drácula), Rasputin ou o próprio Mao TseTung, foram tão «valentes» como selvaticamente cruéis.

E, no entanto, onde existem as trevas do medo, tam-bém existe a Força Interior, o apelo sagrado que é um gritode Vitória no meio da escuridão. No seio das dúvidas sur-gem as certezas, abrindo passagem com a luz que lhes éprópria; e o valor surge, como a Espada de um Deus, entreas provas a que somos submetidos pela Vida.

O drama é que se o medo é natural, muitas vezes é umaadvertência no caminho mas outras um inimigo que teráque ser derrotado; o excesso de medo, ou o facto de nossubmetermos ou dependermos do medo faz-nos perdertodas as oportunidades. Oportunidades que nos queremdar a sua bênção... e que rejeitamos por medo, afastantoas correntes da vida do nosso coração endurecido.

Do mesmo modo que o caminho existe para que possaser percorrido até que tenhamos asas para voar, o medoexiste para que possa ser trabalhado e vencido, conquistan-do todos os tesouros que encerra. Recordemos o dragãoque vigia a Árvore das Hespérides e protege os seus frutosda eterna juventude; ou o gigante também convertido numdragão, Fafner, a quem o herói Siegfried desafia, despertae vence, bebendo o seu sangue, que lhe abre a compreensão

para a «linguagem dos pássaros».Os romanos afirmavam que dentro

de cada homem vive um Hércules que

TODOS CONTRA O MEDOJosé Carlos Fernández

*

*Director Nacionalda Associação Cultural

Nova Acrópole.

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FICHA TÉCNICA ÍNDICE

www.nova-acropole.pt

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SABER ESCUTAR ........................................................................ 4Delia Steinberg Guzmán

DOSSIER «CIÊNCIA NA FRONTEIRA DO MISÉRIO»

DO RENASCIMENTO AOS NOVOS PARADIGMAS ................ 5Paulo Alexandre Loução

GAIA, UMA TERRA VIVA ....................................................... 9Margarita Besteiro Rodríguez

CÉREBRO, MENTE, CONSCIÊNCIA ...................................... 18À Luz da Ciência Contempôranea e TradicionalAntonio Alzina

CAMPOS MÓRFICOS, A MEMÓRIA DA NATUREZA ................... 28José Ramos

A ESTÉTICA DO CAOS ......................................................... 36 Jorge Alvarado Planas

COMO NASCEM AS ESTRELAS .......................................... 44Pedro Almeida

SERÁ POSSÍVEL PROVAR CIENTIFICAMENTEA EXISTÊNCIA DE DEUS? ................................................... 48Entrevista com José Rodrigues dos SantosPor Carla Costa e Paulo Alexandre Loução

O NÚMERO PI: 3,14159 ..................................................... 52Poder Criador, Conservador e Destruidor da NaturezaJosé Carlos Fernández

PARACELSO: MAGO, MÉDICO E ALQIMISTA ......................... 58Beatriz Diez-Canseco Bustamante

OS DEUSES NÃO MORRERAM ............................................... 65Endovélico - Centro Sagrado da LusitâniaNo Alentejo, um dos mais importantes da Ibéria RomanaAntónio Balcão Vicente

A SABEDORIA E OS SÍMBOLOS DE BERNARDO DE CLARAVAL 70Pedro Gomes Barbosa

O PORQUÊ DOS SÍMBOLOS ..................................................... 81Carmen Morales

ANTIGO EGIPTO, ENSINAMENTOS SAGRADOS, CHAVES SECRETAS .... .............................................................. 84Cristiana Isa Baptista

NOTÍCIAS: VOLUNTARIADO ECOLÓGICO E SOCIAL, TEATRO,

NOVIDADES EDITORIAIS, PROGRAMA KAIRÓS .............. 92-96

Revista «ACRÓPOLE»Nº 2 – 2ª série – Inverno de 2008[1 série – 73 números]

Director: José Carlos Fernández

Coordenador Editorial: Paulo Alexandre Loução

Projecto Gráfico: Ana Vasconcelos

Tradução: Cleto Saldanha

Revisão: Cristiana Isa Baptista, Paula Aguiare Teresa Beirão

Colaboraram neste número:Textos: Antonio Alzina, António Balcão Vicente,Beatriz Diez-Canseco Bustamante, Carla Costa,Carmen Morales, Cristiana Isa Baptista, DeliaSteinberg Guzmán, Jorge Alvarado Planas, JorgeAngel Livraga, José Carlos Fernández, JoséRamos, Margarita Besteiro Rodríguez, PauloAlexandre Loução, Pedro Almeida e Pedro GomesBarbosa.Fotografias: Ana Isabel Vieira, Ana Vasconcelos,Paulo Alexandre Loução e Pedro Denis.

Propriedade: Nova AcrópoleSede: Av. António Augusto de Aguiar, 17 – 4º esq.1050-012 LisboaTel. 213 523 056 -- [email protected]ções em Braga, Porto, Aveiro e Coimbra

Periodicidade: trimestralAssinatura: (4 números):17,5 euros

(8 números): 35 eurosDepósito legal: ??????????????D.G.C.S: 111 445ISSN: 1646-8716

Os artigos assinados não exprimem necessariamente a opi -nião da Nova Acrópole nem da Direcção da Revista. Com pro -metem exclusivamente a responsabilidade do seu autor.Não é permitida a reprodução total ou parcial sem a préviaau torização da Direcção da Revista.

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ACRÓPOLE | número 2

OS DEUSES NÃO MORRERAM

CÉREBRO . MENTE . CONSCIÊNCIA

SÍMBOLOS

ANTIGO EGIPTO

GAIA, UMA TERRA VIVA

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ESTRELASESTÉTICA DO CAOS

PARACELSO

CAMPOS MÓRFICOS

PI: 3,14159

BERNARDO DE CLARAVAL

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Para conversar sem preencher estupidamente os mi -nu tos, há que ter algo para dizer, algo sério, algo impor-tante. Há que ter a alma cheia e a atenção desperta paradei tar mão em qualquer momento daquilo que faz parte donosso mundo interior.

Para conversar há que ter as ideias claras, não enre-dar-se em re pe ti ções inúteis. Saber quando começamos equan do terminamos o que queremos dizer.

Para conversar não há que ter medo das própriasideias nem das ideias dos demais. A conversação permite,precisamente, esse salutar diá lo go entre os que sabemdefender as suas opiniões sem por isso dei xa rem de escu-tar as razões do interlocutor.

Para conversar há, sobretudo, que saber escutar.Aquele que só se ouve a si mesmo, que só aprecia as

suas próprias ideias, que se sente atraído pelo som da suaprópria voz, que não con cede importância à existência deoutras pessoas e usa-as apenas co mo ecrã para reflectiras suas palavras, nunca poderá conversar, nunca poderáes tabelecer uma salutar relação humana.

Há que saber escutar. Não é preciso ser--se mudo ou retraído, mas antes usar essafaculdade peculiar que nos faz tomar emconsideração quem temos pela frente.Escutar é uma arte: requer prestar atenção,

valorizar o que os outros dizem, entender por que é quedizem as coisas que nos di zem, ler nos olhos do que falatanto como se ouvem as suas palavras, colaborar em silên-cio com gestos que indiquem a nossa activa participação nodiálogo.

Escutar é poder fazer a comparação com o que nóspensamos e ter a oportunidade de calibrar, após essa com-paração, o peso dos nossos pensamentos.

Escutar é saber intervir no momento oportuno, seminterromper brus camente e sem passar por alto o que ooutro está a dizer. É responder partindo daquilo que nosdisseram e formar um fio condutor in te li gente, para que aconversa tenha um sentido, ou seja, princípio, meio e fim.

Escutar é compreender os outros e a nós próprios.Neste mundo tão carente de virtudes, bem podemos, comofilósofos, retomar esta valiosa atitude que traz tantosbenefícios a todos nós.

O que é capaz de conversar, alternando ingeniosamen-te as suas in ter venções com as dos demais, o que ouve osoutros tanto ou mais do que a si mesmo, sabe colhertesouros em todos os cantos e momentos da vida. De -senvolve a observação, a paciência, o respeito e a capaci-dade de pensar.

Saber escutar é a melhor maneira de saber falar.

SABER ESCUTARDélia Steinberg Guzmán

*

*DirectoraInternacional da

NovaAcrópole.

«Escutar é uma arte: requer prestar atenção, valorizar o que os outros dizem,entender por que é que dizem as coisas que nos dizem, ler nos olhos do que falatan to como se ouvem as suas palavras, colaborar em silêncio com gestos que in -di quem a nossa activa participação no diálogo.

Escutar é poder fazer a comparação com o que nós pensamos e ter a opor tu ni -da de de calibrar, após essa comparação, o peso dos nossos pensamentos.»

REFLEXÃO Relações Humanas

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Nas espirais do tempo, as mensa-gens espirituais do Renascimentoestão em ressonância com novos para-digmas da ciência, tanto no âmbito daantropologia do imaginário como domundo quântico. Do meu ponto devista, o verdadeiro Renascimento abor-tou, ou tornou-se subterrâneo, e hoje,o misterioso movimento espiralado doTempo abriu uma porta à possibilidadeda emergência de um novo Renasci -men to, mais integral. Até ao final doséculo XVI, a grande maioria dosgénios da ciência eram espiritualistasherméticos ou neoplatónicos e a suavisão tripartida do mundo englobava adimensão do espírito, da alma e docorpo. Ficino dizia anima copula mundi,ou seja, a visão da alma racional que seencontra entre o divino e o terrestre.

Mas no século XVII o processo redutor desta ciênciatotal é já bem visível com Descartes, acentua-se com oIluminismo e no século XIX, chega-se ao reducionismoabsurdo das filosofia positivista. Mas o processo não é tãosimples pois que, em paralelo, e às vezes mesclada com oracionalismo, a visão mítico-espiritual do mundo perma-neceu viva na história do Ocidente desde o século XVI aosdias de hoje, como muito bem demonstrou Antoine Faivre,antigo director da Secção de Estudos Religiosos da EscolaPrática de Altos Estudos da Sorbonne. Confrarias de Al qui -mistas, certas lojas maçónicas, Iluminismo Rosa cru cia no,a Filosofia Natural da Alemanha, o Romantismo, e outrosmovimentos mantiveram vivo o pensamento simbólico comorigem nos Mistérios da An tiguidade. Mas nunca se conse-guiu um paradigma que incluísse a perfeita harmonizaçãoentre Razão e Ima gi na ção. Essa coincidentia oppositoriumé o kairós do nosso tempo, a nossa oportunidade de parti-cipar activamente na his tória evolutiva da humanidade, nofluir da Natureza Uni versal, como diriam os Estóicos.

«Louca da Casa» chamavam os iluministas e raciona-

DO RENASCIMENTO AOS NOVOSPARADIGMAS DA CIÊNCIA

Paulo Alexandre Loução*

FILOSOFIA E CIÊNCIA Novos paradigmas

«Uma super-inteligência é a única boa explicação pa raa origem da vida e a complexidade da natureza».

Antony FlewConsiderado o líder dos ateus ingleses

*Escritore Investigador.

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listas à imaginação. Havia que purificar a ciência da arbi-trariedade da imaginação. Essa tensão entre os racionalis-tas e os românticos tem origem segundo Jean PierreVernant nas invasões dóricas no segundo milénio a. C. quedestróiem os ecosistemas arcaico-iniciáticos de Creta e deMicenas. Mas é na dialética entre Platão e Aristóteles, paisdo pensamento ocidental, que ela se torna bem visível.Platão, na sua visão do mundo, integra o mythos e o logos,Aristóteles rejeita o mythos como forma de conhecimentoe só aceita o logos racional. Para Aristóteles as nossasper cepções do mundo e do universo chega-nos através dassensações dos sentidos excluindo a imaginação como fon -te real de conhecimento no Universo.

Para grandes génios do Renascimento como GiordanoBruno a imaginação é o órgão da alma que possibilita ocontacto com os mundos divinos, que permite alimentar aalma de mitos impregnados de arquétipos espirituais. É oconceito de contemplação de Plotino, esse movimentoascendente por via interior, que nos facilita o contacto como mundo mental do universo, com a fonte da qual jorra a«água viva» que dá sentido à nossa estância na Terra e ins-pira os verdadeiros artistas, cientistas, místicos e filósofos.

Para a corrente actual da Nova Antropologia que surgiuna sequência dos Encontros do Círculo Eranos o conceitode Giordano Bruno é totalmente válido.

Nesses encontros transdisciplinares do Círculo Eranosparticiparam grandes génios do século XX tais como o psi-cólogo Carl Gustav Jung, o físico Wolfgang Pauli, o histo-riador das religiões Mircea Eliade, o helenista KarlKerenyi, o antropólogo e filósofo Gilbert Durand, e, mestredeste último, o filósofo e orientalista Henry Corbin. Estegrande especialista do pensamento persa vivia alternada-mente em Paris e Teerão, sendo professor universitárionos dois países. E foi ao estudar os filósofos esotéricos da

Pérsia islâmica (que incorporavam muito da antiga sabe-doria mazdeísta) que encontrou, para eles «vivo», a exis-tência de um mundo intermédio entre o espiritual e omaterial, designado como o alam-al-mital. Percebeu quese tratava do «continente perdido» do dualismo ocidentalque não integra o «mundo de ligação» entre os dois opos-tos: espírito e matéria. Traduziu alam-al-mital por mundusimaginalis e propôs o regresso de uma representação douniverso em três níveis: (1) Mundos das Ideias Puras; (2)Mundus Imaginalis; e (3) Mundo Físico. Esta cosmovisão éplenamente aceite no âmbito da Nova Antropologia e oconceito de mundo imaginal é cada vez mais referido emcomunicações científicas. Este mundo imaginal existe perse e corresponde à dimensão psíquica da Natureza onde asIdeias puras, espirituais, adquirem forma mas não maté-ria, trata-se de um mundo intermédio que relacionamoscom o inconsciente colectivo de Jung.

A nosso ver, no seguimento dos Encontros Eranos e dafamosa correspondência entre o psicólogo Jung e o físicoPauli, o diálogo transdisciplinar entre a antropologia doimaginário, a tradição hermética e as ciências físicas e bio-lógicas pode dar frutos muito promissores numa melhor emais global compreensão do cosmos. Trata-se de conse-guir uma visão holística, transdisciplinar, como diriaBasarab Nicolescu, ou seja, é o regresso da filosofia, nãocomo uma dialéctica teorética, mas como a «mãe das ciên-cias», e do filósofo como aquele procura as leis fundamen-tais da Natureza e adquire uma visão vertical do universoatravés da prática da ciência das analogias. Existem os fac-tos científicos, mas na interpretação dos factos entra ofilósofo e muitos dos cientistas actuais, como RupertSheldrake, são filósofos que propõem uma nova visão douniverso, um novo paradigma.

Neste dossiê sobre ciência, os artigos que se seguem,

FILOSOFIA E CIÊNCIA | Novos paradigmas

«Talvez que a única evidência, que o é tanto para o instruído como para o ignorante, sejaesse “Algo” a que chamamos Deus, que deu vontade de perduração às coisas, amor aos seres euma planificação portentosamente inteligente aos corpos e à vida em todos os planos.

A “casualidade” jamais pôde pintar olhos de mocho nas asas das bolboletas nocturnas paraes pantarem os seus inimigos, delinear a dupla válvula aspirante-impelente de um coração,nem programar a manutenção dos “microclimas” nas cavernas mediante alterações na tem pe -ra tura e ajuste da concentração de certos gases suspensos no ar.»

Jorge Angel Livraga

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para além de divulgarem teses e factos fascinantes domun do da ciência contemporânea, incluem essa janela dediálogo entre ciência e tradição.

A QUESTÃO DE DEUS E A CIÊNCIA

José Rodrigues dos Santos na entrevista que concedeua esta edição da revista Acrópole coloca com clareza oenfoque correcto para esta questão: «Será possível provarcientificamente a existência de Deus? Para responder aesta pergunta, é preciso primeiro definir o que é Deus.Será um velho de barbas brancas que observa o nosso pla-neta e que manda Abraão matar o filho e que exige fideli-dade dos homens? Esse Deus a ciência não encontrou.Então o que encontrou a ciência?

Para buscarmos Deus, temos de determinar duas coi-sas: existe inteligência no universo e existe intenção nessainteligência? Se conseguirmos responder a essas duasperguntas, provamos se Deus existe ou não. E a resposta aessa pergunta está ligada ao problema fundamental dosentido da vida.» (sublinhado nosso)

Mas já Xenófanes de Cólofon (cerca de 570 a.C. - 460a.C.) sustentava: «Há um Deus Supremo acima de todos osdeuses, mais divino que os mortais, cuja forma não é pare-cida com a dos homens, como também não é semelhantea sua natureza. Mas os fúteis imortais imaginam que,como eles mesmos, os deuses são procriados com sensa-ções humanas, com voz e membros corpóreos. Dessa for -ma, se os bois ou os leões tivessem mãos e pudessem tra-balhar à moda dos homens e pudessem esculpir com cin-zel ou pintar a sua concepção de divindade, então os cava-los retratariam os deuses como cavalos, os bois represen-tariam como bois. Cada tipo animal representaria o Divino

com a sua forma e dotado com a sua natureza.» [texto divul-

gado por Clemente de Alexandria em Stromata, V, XIV] Quer dizer, aquestão de uma Inteligência que dá sentido ao cosmos, oucujo cosmos é o seu corpo, é uma ideia mi lenar que temsido eixo do pensamento de muitos filósofos.

No século XIX, a ciência «contraiu matrimónio» com opensamento positivista de índole claramente materialistae redutora, esse casamento deu origem a que se tivesseconfundido (e ainda se confunde) ciência com filosofia ma -terialista. Hoje, que o divórcio se anuncia surgem natural-mente reacções do velho paradigma, Richard Dawkins,autor da Desilusão de Deus, é uma das vozes mais ouvidas.Um dos sofismas que utilizam estes autores é confundir aquestão de Deus com religião formal. Mas, por outro lado,homens como Antony Flew, filósofo que era consideradoaté há pouco o líder inglês dos ateus, continua a não acre-ditar no Deus clássico das religiões mas afirmou à ABCNews que «uma super-inteligência é a única boa explica-ção para a origem da vida e a complexidade da natureza»,facto que causou grande surpresa em Inglaterra.

Há cerca de vinte anos, em 1989, o filósofo Jorge AngelLivraga escrevia: « (…) embora haja os que legitimamentenão crêem nem percepcionam Deus de nenhuma maneira,e até proclamam que este é um conceito completamenteartificial criado à sombra do terror que a morte inspira, amaior parte recusa, não tanto a possibilidade de uma In -teligência Cósmica movida por uma necessidade ou Von -tade Superior, mas as formas infantilóides com que as re -li giões em geral apresentam os grandes mistérios queperseguem o Homem desde a sua origem.» Três anosantes, com a sua característica linguagem simulta nea -men te simples e profunda, evidenciava: «Talvez que aúnica evidência, que o é tanto para o instruído como para oignorante, seja esse “Algo” a que chamamos Deus, que

«Há um Deus Supremo acima de todos os deuses, mais divino que os mortais, cuja forma não épa recida com a dos homens, como também não é semelhante a sua natureza. Mas os fúteis imortaisima ginam que, como eles mesmos, os deuses são procriados com sensações humanas, com voz emem bros corpóreos. Dessa for ma, se os bois ou os leões tivessem mãos e pudessem trabalhar à modados homens e pudessem esculpir com cinzel ou pintar a sua concepção de divindade, então os ca -valos retratariam os deuses como cavalos, os bois representariam como bois. Cada tipo animal re -pre sentaria o Divino com a sua forma e dotado com a sua natureza.»

Xenófanes de Cólofon

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deu vontade de perduração às coisas, amor aos seres euma planificação portentosamente inteligente aos corpose à vida em todos os planos.

A “casualidade” jamais pôde pintar olhos de mocho nasasas das bolboletas nocturnas para espantarem os seusinimigos, delinear a dupla válvula aspirante-impelente deum coração, nem programar a manutenção dos “microcli-mas” nas cavernas mediante alterações na temperatura eajuste da concentração de certos gases suspensos no ar.»1

Como escreveu H. P. Blavatsky no século XIX, na Ísissem Véu:

«O universo é a combinação de milhares deelementos, e contudo é expressão de um sim -ples espírito -- um caos para os sentidos, umcos mos para a razão».

Nota:

1. Textos publicados na obra Pequenos Segredos para Engrandecer aVida publicada pelas Edições Nova Acrópole.

FILOSOFIA E CIÊNCIA | Novos paradigmas

«Será possível provar cientificamente a existência de Deus? Para respondera esta pergunta, é preciso primeiro definir o que é Deus. Será um velho debarbas brancas que observa o nosso planeta e que manda Abraão matar ofilho e que exige fidelidade dos homens? Esse Deus a ciência não encontrou.Então o que encontrou a ciência?

Para buscarmos Deus, temos de determinar duas coisas: existe inteligênciano universo e existe intenção nessa inteligência? Se conseguirmos responder aessas duas perguntas, provamos se Deus existe ou não. E a resposta a essapergunta está ligada ao problema fundamental do sentido da vida.»

José Rodrigues dos Santos

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GAIA, UMA TERRA VIVAMargarita Besteiro Rodríguez

Física e historiadora

«A busca do conhecimento e a compreensão do nosso planeta, como um astro com ocomportamento de um ser vivo e que conservou para nós a sua qualidade de lar, foram oGraal que me guiou como um farol».

James Lovelock

CIÊNCIA Hipótese Gaia

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CIÊNCIA | Hipótese Gaia

«Gaia é o sistema de vida planetário que inclui tudo o que é influenciado pelos seres vivos. O sistema Gaia partilha a capacidade de homeostase – regulação do meio ambiente físico equímico a um nível próximo ao favorável para a vida – com todos os organismos vivos. (...)

Gaia, como ideia que muda a nossa visão do mundo, provocou um forte impacto na sociedade,não somente na comunidade científica, mas sobre muitos outros âmbitos da nossa cultura.»

a vida marciana se revelasse perante provas desenhadassegundo a vida terrestre.

Lovelock observou, além disso, que o carácter local dasex periências fazia com que o resultado dependesse doponto de impacto do veículo espacial; mesmo num planetatão cheio de vida como a Terra, o resultado poderia ser ne -gativo se o impacto se produzisse numa calota polar, numlago salubre ou numa duna de algum deserto.

Todas estas objecções levaram-no a questionar-sesobre o que era que exactamente definia a vida e se haveriaal guma propriedade física que permitisse detectá-la atra -vés de experiências de carácter geral, capazes de buscar a

transportadoras de matérias-primas e produtos deresíduos. As intensas reduções de entropia, característicasde um sistema vivente, modificariam a composição desseambiente empregue como veículo de transporte. Assim, aatmosfera de um planeta em que houvesse vida, serianitidamente distinguível da atmosfera de outro desprovidodela. Num planeta sem vida, o estado da sua atmosferaencontrar-se-ia perto do estado de equilíbrio químico, umasituação de alta entropia.

Partindo desta ideia, Lovelock propôs como expe riên -cias para detectar a vida em Marte:

vida em si mesma e não os atributos conhecidos da vidaaqui na Terra.

Seguindo os passos de Bernal, Schrödinger e Winger,concluiram que a vida se manifestava fisicamentemediante sistemas abertos capazes de reduzir a suaentropia interna.

A entropia é uma propriedade física que mede o grau dedesorganização de um sistema a partir da relação entre atemperatura e a energia intercambiada por esse sistema.Tem, para além disso, a vantagem de poder medir-se comprecisão, o que a faz muito útil para o desenho deexperiências.

Os processos energéticos regem-se pelas leis daTermodinâmica. A segunda lei da Termodinâmica indicaque qualquer processo natural evolui sempre para umestado de maior entropia, quer dizer, para um incrementoda desordem, para uma menor complexidade, situando-secada vez mais perto do equilíbrio.

A matéria viva caracteriza-se pela existência desubstâncias de grande complexidade. Para codificar umaproteína, por exemplo, é necessário um número enormede átomos que devem colocar-se em lugares precisos paraque se formem as ligações correspondentes; é, pois, umaassociação altamente ordenada de átomos. Este alto graude organização implica uma forte diminuição da entropia.

Visto que a entropia global de qualquer processoaumenta sempre e inexoravelmente, a manutenção da vidarequer a presença de um ambiente que receba os resíduosgerados por este procedimento e cuja entropia aumente.

A vida haveria de se servir dos meios fluidos – aatmosfera, os oceanos ou ambos – utilizando-os como fitas

Gaia, a Mãe-Terra… Visto desde o espaço, o nosso pla -neta é como uma refulgente esfera azul-safira salpicadade nuvens…

Para os cientistas, a Terra é um planeta singular, umaano malia interessante porque, ao contrário dos restantesplanetas do Sistema Solar, alberga vida.

Mas a visão que o Homem teve do seu planeta varioucom a passagem do tempo. Nas antigas culturas, Gaia erauma deusa, um ser muito real, de cujo corpo foi surgindotudo o que podemos observar na Terra: montanhas, rios,culturas …

Dizem que as grandes ideias resistem à morte. Assim,nos nossos dias, a ideia de Gaia, uma Terra vivente,ressurge pela mão do cientista britânico James Lovelock.Ainda não tem a categoria de deusa, nem sequer a de serconsciente, mas já é um ser vivo.

O NASCIMENTO DA IDEIA DE GAIA

A hipótese Gaia surgiu como uma intuição a Lovelock:«logo surgiu na minha mente a imagem da Terra como umorganismo vivo, capaz de regular a sua temperatura e asua química num estado constante e confortável».

Esta intuição foi fruto de profundas reflexões em tornoda detecção de vida em Marte, na época em que Lovelockformava parte da equipa de cientistas que desenhava oinstrumento para tal finalidade.

As experiências que se estavam a projectarprocuravam em Marte o mesmo tipo de vida que a Terraalberga, mas alguns dos biólogos escolhidos pela NASAconsideravam que não existia nenhuma segurança de que

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uma mistura incompatível de gases é considerado comoum sinal inequívoco da existência de vida.

As ideias apontadas por Lovelock para a detecção devida em Marte tinham como base o facto de que osorganismos vivos modificam o meio no qual se encontram:este é o ponto de partida da teoria Gaia.

A HIPÓTESE GAIA

«Reflectir sobre a vida marciana supôs a aquisição de

época mediante processos cibernéticos levados a cabo demaneira automática e inconsciente pela biota. Estamanutenção de condições até certo ponto constantesmediante o controlo activo, está impulsionada pela energialivre proporcionada pelo Sol e pode descrever-seadequadamente com o termo homeostase.

Tais condições são somente constantes a curto prazo eevoluem em sincronia com as mudanças requeridas pelabiota. A vida e o seu ambiente estão tão intimamenteassociados que a evolução afecta Gaia, não os organismos

uma nova perspectiva sobre a qual se poderia considerar avida na Terra, o que nos levou, por sua vez, a formular umanova explicação – ou quiçá a reviver uma muito antiga – darelação entre a Terra e a sua biosfera».

A primeira exposição da hipótese Gaia formulou-se,aproximadamente, assim:

A matéria vivente da Terra e o seu ar, oceanos esuperfície formam um sistema complexo que se podeconsiderar como um organismo individual capaz demanter as condições que tornam possível a vida no nossoplaneta.

Concretamente, a hipótese Gaia diz que a temperatura,o estado de oxidação, de acidez e alguns aspecto dasrochas e das águas mantêm-se constantes em qualquer

— Analisar a composição da sua atmosfera, para ver seos seus gases estavam ou não numa situaçãopróxima ao equilíbrio químico.

— Analisar imparcialmente o solo marciano paraprocurar sequências ordenadas nas substâncias quese encontraram.

Estas experiências, de carácter geral, funcionariammesmo se a vida em Marte tivesse como base umelemento diferente do carbono.

Embora as suas propostas não tivessem tido o êxitodesejado, a NASA outorga actualmente um grande valor àanálise atmosférica como meio para reconhecer a vida emplanetas situados fora do Sistema Solar. A presença de

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Num momento determinado, as células vivas re cen -temente aparecidas cresceram e a sua presença afectou omeio ambiente até ao ponto de deter a imersão precipitadapara o equilíbrio. Nesse instante, as coisas vivas, as ro -chas, o ar e os oceanos emergiram para formar umaentidade nova, Gaia.

O nascimento de Gaia produziu-se quando a evoluçãodas bactérias simples e a do meio ambiente da superfícieplanetária e da atmosfera, deixaram de ser dois processosseparados e independentes. Uma vez que a vida começoua mudar a atmosfera, a selecção natural assegurou que amudança tendesse sempre para um meio ambientepropício. A auto-regulação do clima e da composiçãoquímica da Terra converteu-se, então, numa consequêncianatural e inevitável, numa propriedade «emergente» dosistema. Emergente, porque o sistema inteiro tinhapropriedades ao funcionar, das quais carecia quando era asimples soma de todas as suas partes componentes.

O conjunto dos seres vivos da Terra, das baleias aosvírus, dos carvalhos às algas, pode ser considerado comouma entidade vivente capaz de transformar a atmosfera doplaneta para adequá-la às suas necessidades globais. Asrochas, o ar e os oceanos são parte de Gaia, assim como acarapaça é parte do caracol.

Não há em nenhum sítio da Terra uma distinção claraentre matéria viva e não viva. Só há uma hierarquia deintensidade desde o meio ambiente «material» das rochase da atmosfera às células vivas. No entanto, em grandesprofundidades, debaixo da superfície, os efeitos dapresença de vida desvanecem-se. É possível que o centrodo nosso planeta não tenha sido modificado comoconsequência da vida, mas não seria sensato dá-lo porcerto.

Gaia seria, pois, uma entidade complexa de tamanhoplanetário, que pode considerar-se como um organismoindividual e que compreende o solo, os oceanos, aatmosfera e a biosfera terrestre: o conjunto constitui umsistema cibernético auto-ajustado e auto-regulado porrealimentação que se encarrega de manter no planeta umambiente física e quimicamente óptimos para a vida.

A sabedoria da Natureza, a invisível pegada de Gaia, étal que utiliza os resíduos de uns seres vivos comoalimentos para outros. Os animais contaminam o ar comdió xido de carbono e a vegetação contamina-o comoxigénio. A contaminação de um é o alimento de outro. Oque mantém a vida é o intercâmbio entre produtores econsumidores.

Os organismos adaptam-se a um mundo em que oestado material vem determinado pelas actividades dosseus vizinhos; isso significa que a transformação do meioambiente é parte do jogo.

Gaia, como a manifestação maior de vida, difere de

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ou o meio ambiente separadamente.Gaia, como um ser planetário total, tem propriedades

que não são necessariamente discerníveis a partir doconhecimento único das espécies individuais ou daspopulações de organismos que vivem juntos; taispropriedades excedem muito as que possuem as suaspartes constitutivas.

Razões que justificam a referida hipótese:• A vida apareceu sobre a Terra há aproximadamente

uns 3600 milhões de anos. Desde então até agora, osfósseis mostram que o clima da Terra mudou muito poucoapesar de, quase seguramente, a quantidade de calorsolar que recebemos, as características da superfície daTerra e a composição da atmosfera tivessemexperimentado grandes variações durante esse lapso detempo.

• A composição química da atmosfera não guardarelação com o que seria de esperar de um equilíbrioquímico de regime permanente. A presença de metano,óxido nitroso e de nitrogénio mesmo na nossa oxidanteatmosfera actual, representa uma violação tão estrondosadas regras da química que faz pensar que a atmosfera nãoé um novo produto biológico mas, mais provavelmente,uma construção biológica: se não viva, algo que, como apele de um gato, as penas de um pássaro ou a estrutura deum ninho de vespas é uma extensão de um sistema viventedesenhado para conservar as características de umdeterminado ambiente.

• Tanto agora como ao longo da história da Terra, a suaclimatologia e a sua química parecem ter sido em qualquermomento as melhores para o desenvolvimento da vida.

GAIA, UMA TEORIA

As críticas dos cientistas ao primeiro livro sobre ahipótese Gaia provocaram novas e mais profundasintuições, aparecem novas evidências e novos modelosteóricos: surge a teoria Gaia, base de um ponto de vistanovo e unificado das ciências da Terra e da vida.

Num desenvolvimento separado das ciências da Terrae da vida, considera-se a Terra como uma esfera de rochamolhada pelos oceanos, separada do vazio do espaço poruma capa de ar, e a vida como um acidente, como umpassageiro que realiza um trajecto na bola de rocha, sendoos organismos vivos tão adaptáveis que se ajustaram atodas as mudanças materiais da história da Terra. Numdesenvolvimento conjunto considera-se que a evoluçãodas espécies e a evolução do meio ambiente estãofortemente acopladas num processo singular einseparável.

A teoria de Gaia, uma Terra vivente, poderia formular--se assim:

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«Gaia seria, pois, uma entidade complexa de tamanho planetário, que pode considerar-se como umorganismo individual e que compreende o solo, os oceanos, a atmosfera e a biosfera terrestre: oconjunto constitui um sistema cibernético auto-ajustado e auto-regulado por realimentação que seencarrega de manter no planeta um ambiente física e quimicamente óptimos para a vida.

A sabedoria da Natureza, a invisível pegada de Gaia, é tal que utiliza os resíduos de uns seres vivoscomo alimentos para outros. Os animais contaminam o ar com dióxido de carbono e a vegetaçãocontamina-o com oxigénio. A contaminação de um é o alimento de outro. O que mantém a vida é ointercâmbio entre produtores e consumidores.»

de algum meio para se auto-regular a longo prazo.A ciência reducionista está segura de que não há nada

num sistema completo que não possa ser predito desde oconhecimento das suas partes. Mas, mesmo se se rejeitacompletamente a ideia de uma Terra viva, deve-sereconhecer que reduzi-la às suas partes é insuficiente paracompreender uma entidade tão complexa. Por isso, a

principais, proteger as delicadas células vivas da superfíciecontra a exposição à radiação solar e manter a superfíciequente.

A radiação de calor da atmosfera terrestre é menor doque se esperaria de um planeta que ocupa a sua posição noSistema Solar; a Terra parece ter uma atmosfera queretém justamente a quantidade correcta de calor para

ciência adequada para o estudo do planeta na suatotalidade, entendido como um sistema, é a Fisiologia:assim nasce a Geofisiologia, quer dizer, a ciência queestuda a anatomia e a regulação do planeta como ser vivo.

Do ponto de vista fisiológico, a Terra está viva nosentido em que é um sistema auto-organizado e auto-re -gu lado. A Terra não está viva como um animal está, capazde reproduzir-se e evoluir competindo com outros ani -mais. É um super-organismo, vivo como um grandeecossistema ou como uma árvore gigante; tem um estadode vida intermédio entre a matéria inanimada e os orga nis -mos sensitivos, mas com mais duração do que a maioriadestes últimos.

A intensidade da vida nos organismos vivos varia deuma parte para outra. O cabelo, as unhas e as capasexteriores dos dentes não contêm células vivas, mas sãoparte do ser humano. Assim ocorre também com aatmosfera, os oceanos e as rochas da crosta terrestre: sãopartes do organismo nas quais a vida está finamentedispersa, mas partes essenciais de um organismo maior.

Gaia é o sistema de vida planetário que inclui tudo o queé influenciado pelos seres vivos. O sistema Gaia partilha acapacidade de homeostase – regulação do meio ambientefísico e químico a um nível próximo ao favorável para a vida– com todos os organismos vivos. Os órgãos essenciais deGaia são a atmosfera, a hidrosfera, a litosfera e os grandesecossistemas.

GAIA E A ATMOSFERA

A atmosfera terrestre parece ter como funções

outros organismos da Terra como nós diferimos da nossapopulação de células vivas.

A vida é um fenómeno auto-sustentável de nívelplanetário: uma vez estabelecida firmemente sobre oplaneta, estender-se-á por toda a sua superfície e somentedesaparecerá caso o planeta sofra uma mudança cósmicatranscendental ou a fonte original de energia (no nossocaso o Sol) termine a sua existência. A vida num planetanão pode existir de modo disperso, excepto no princípio eno final da sua existência.

Só quando a vida se encarrega do seu planeta e o ocupade maneira extensiva, é que se concretizam as condiçõespara a sua permanência. A vida planetária tem que sercapaz de regular o seu clima e estado anímico. Períodosparciais, ocupação incompleta ou visitas ocasionais(referência ao envio de veículos espaciais a outrosplanetas) não são suficientes para vencer as forças quegovernam a física e a química de um planeta.

Gaia não é um desenho estático. Muda permanen te -men te, assim como a vida e a Terra evoluem con jun ta -mente.

Em definitivo: a vida deixa pegadas químicas, reutilizaos seus produtos, tem âmbito global, auto-mantém-seenquanto as condições cósmicas o permitirem.

GEOFISIOLOGIA, A CIÊNCIA DE GAIA

A compreensão de Gaia necessita um foco de cima parabaixo, quer dizer, holístico; foi esse foco que levouLovelock a compreender que a atmosfera da Terra,curiosamente original mas instável e reactiva, necessitaria

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dos seus gases, é a sua manipulação diária desde asuperfície e o agente manipulador é a própria vida: aatmosfera é uma extensão dinâmica da biosfera.

Se a atmosfera é, entre outras coisas, uma fitatransportadora de substâncias que a biosfera toma e

— Óxido nitroso: regula a ventilação da zona anóxica etem um papel regulador nos ciclos do oxigénio e do car -bono.

— Amoníaco: controla a acidez e participa no ciclo donitrogénio.

expele, parecia razoável supor nela a presença decompostos que levassem a todos os sistemas biológicos oselementos essenciais, como o são, entre outros, o iodo e oenxofre. Encontraram-se provas de que ambos sãotransportados pelo ar desde os oceanos, onde abundam,para terra firme onde escasseiam. Os compostosportadores são o metilioduro e o dimetilsulfuro, subs -tâncias produzidas pela vida marinha.

A Geofisiologia ocupou-se de estudar as possíveisfunções dos gases quimicamente reactivos da nossaatmosfera original:

— Nitrogénio: provoca um aumento da pressãoatmosférica; a sua grande abundância (78%) dilui ooxigénio, reduzindo a sua concentração para cerca de 21%,o que favorece o controlo do fogo. Se o oxigénio chegassea uma concentração de 25%, nenhum fogo poderia serapagado, já que mesmo a matéria verde viva arde comviolência com tal concentração.

— Dióxido de Carbono: é imprescindível para a fotos -sín tese e contribui para a regulação climática.

— Metano: é indispensável para a formação do dióxidode carbono e influencia o ciclo do ozono.

manter um clima cómodo para os organismos vivos.A energia solar aquece a atmosfera e os oceanos,

especialmente nos trópicos, dirigindo a circulação globaldestes dois sistemas planetários. A composição daatmosfera é uma chave importante para aquecer asuperfície da Terra: certos gases (dióxido de carbono,metano e vapor de água), para além da presença denuvens, aerossóis e micro-partículas, desempenham umpapel importante na absorção da radiação infra-vermelhade onda larga que produz um efeito de aquecimento.

As nuvens afectam o clima global: as baixas, como oestrato marinho, tendem a refrescar, reflectindo a luz doSol de novo para o espaço, enquanto que as nuvens altas efinas, como os cirros, aquecem, já que reflectem o calornovamente para a Terra. Tanto as algas dos oceanos comoos bosques estão implicados na formação das nuvens, comos seus modelos de vento e de chuva relacionados.

A atmosfera da Terra caracteriza-se por umpersistente estado de desequilíbrio entre os seus gases. Aúnica explicação possível para a existência destaatmosfera instável, mas de composição constante, duranteperíodos muito mais extensos do que o tempo de reacção

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«Se somos parte de Gaia, até que ponto não será também parte dela a nossa inteligência colectiva?Enquanto espécie, constituímos o sistema nervoso de Gaia? A medicina moderna reconhece que oestado da mente e do corpo se influenciam mutuamente, a nossa atitude colectiva face à Terra afectae vê-se afectada pela saúde do planeta?»

o fósforo e o nitrogénio, desde as regiões onde são abun -dan tes para aquelas nas quais escasseia.

entanto, estas regiões desempenham um papel climáticosignificativo para todo o planeta, visto que ali se absorve amaior parte da radiação solar. Existem provas de que ocrescimento das algas nestas regiões ocorre de forma que

GAIA E A LITOSFERA

As rochas são como os nossos ossos: um suporte fortee sólido e, ao mesmo tempo, uma reserva de nutrientesminerais.

A litosfera não permanece estática: os movimentoscontínuos das crostas e a actividade vulcânica transportamos materiais sólidos e gasosos desde o magma àatmosfera e aos oceanos. Os movimentos das placas, porseu lado, impulsionam para baixo os sedimentos formadosna superfície, misturando-os com o magma. Este processode movimentos continentais está influenciado pelosdepósitos de pedra calcária procedentes das algasoceânicas que rodeiam as margens continentais.

Todas as rochas sedimentárias foram formadas por or -ganismos vivos.

Uma amostra de terra e da superfície rochosa revela afonte oculta de poder de Gaia: os ecossistemas bac -terianos. A terra da superfície contém bactérias fotos sin -tetizadoras e micróbios que capturam nitrogénio. Os ha -bitantes anaeróbios do sedimento estão inces san tementeactivos, decompondo a matéria orgânica, para segregarno vamente os nutrientes da vida.

GAIA E OS ECOSSISTEMAS

Os ecossistemas naturais podem ser vistos comosuper-organismos, com algumas das características dasentidades vivas: auto-regulação, homeostase, metabo -lismo… Também são órgãos de Gaia, com uma identidadedi fe renciada, mas interligados com todos os restantesecos sistemas, e com um papel vital característico no or ga -nis mo inteiro.

O ecossistema oceânico de algas no Ártico e nos ocea nostemperados está a bombear quimicamente o dióxido decarbono desde o ar até à água; também é uma fonte de en -xofre, selénio e gases iodados, bem como de hi dro car bu ros,óxidos de nitrogénio e, em pequena medida, me tano.

Nos oceanos tropicais a vida é muito menos densa. No

— Cloruro de metilo: tem importância na regulação doozono estratosférico.

— Sulfuro de dimetilo: é um elemento importante no ci -clo do enxofre e contribui para a dessalinização dos ma rese para o controlo do clima ao favorecer a produção denuvens.

— Loduro de metilo: do mesmo modo que o anterior éde grande importância no ciclo do iodo e do controlo doclima.

GAIA E A HIDROSFERA

As águas da Terra equivalem ao sistema circulatório deum animal. Os seus movimentos incessantes, favorecidospelo impulso do vento, transferem nutrientes essenciaisde uma parte para outra, e levam os produtos residuais dometabolismo.

Sem água não há vida e tão-pouco sem vida haveriaágua. Tão extraordinária como a presença de água é ofacto da salinidade do oceano nunca ter ficado abaixo dolimite crítico para a vida. Isto sugere que poderia estarregulada por processos biológicos e tectónicos de longaduração que evitam que o conteúdo salino dos oceanossuba mais.

Outras contribuições da interacção entre os oceanos ea biota associada são:

— A longo do seu ciclo vital a microflora segrega cálcioe silício, que mais tarde baixam para o fundo do mar paraformarem sedimentos.

— Alguns elementos tóxicos como o mercúrio, ochumbo e o cádmio são neutralizados pelos organismosmarinhos que os acumulam nas suas carapaças.

— Uma parte do dióxido de carbono atmosférico éreciclado pelas algas fotossintéticas.

— Elementos nutritivos essenciais como o iodo sãorecolhidos e concentrados por organismos como as algas,que depois os convertem em compostos voláteis quechegam ao interior dos continentes.

— As correntes marinhas transportam nutrientes como

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CIÊNCIA | Hipótese Gaia

«As regras de Gaia são tais que os organismos que danificam o seu meio não sobrevivem durante muito tempo; esta regra poderia ter consequências fatais para a nossa espécie: se

perdemos o nosso habitat, a vida e o seu meio ambiente sobre a Terra, Gaia, continuarãomas a humanidade já não será parte dela»

reacção emotiva e sectária e não uma uma serena refle -xão: «Os seus ataques à metáfora de Gaia, a Terra vivente,não formam uma crítica científica propriamente dita masuma reacção visceral perante uma teoria inoportuna».

Gaia não teve a sorte de contar com uma discussãocientífica desapaixonada: foi atacada desde o primeiromomento por razões não científicas, como o seu focoholístico, e mesmo devido ao seu nome, que foi qualificadode «nome horrível» para uma teoria.

Uma das grandes controvérsias deve-se ao diferenteconceito de vida utilizado. Os neo-darwinistas, que apre -sen tam as objecções mais radicais a Gaia, consideram quea vida é uma propriedade das entidades moleculares or gâ -nicas, que lhes permite crescer e reproduzir-se, e quequalquer erro de reprodução corrige-se através daselecção natural. Gaia não pode estar viva porque não sereproduz nem evolui em competição com outros planetas.

Também surgem problemas com o conceito da tem pe -ra tura: enquanto a maioria dos cientistas calcula a tem -peratura do planeta encontrando a média dastemperaturas medidas em alguns pontos do planeta, ateoria de Gaia faz referência à temperatura «funcional» doplaneta. Esta temperatura funcional tem a mesma in -terpretação que a temperatura do corpo humano: a tem -peratura central do corpo é cuidadosamente regulada epermanece em redor dos 37º C, enquanto que a pele e asextremidades podem tolerar uma flutuação muito maior.

Mas também houve influências positivas:A crítica mais contundente à teoria, foi a que qualificou

a auto-regulação de Gaia como um fenómeno teleológico,o que equivale a dizer que Gaia actua segundo umpropósito determinado. Isto, em ciência, está tão malconsiderado que equivale a rejeitar completamente ateoria. As críticas à impossibilidade de controlar o climapela biota, levaram Lovelock a construir um modelochamado Daisyworld, o mundo das margaridas, queacabou por ter um desenvolvimento autónomo, à margemda teoria que o tinha engendrado. Mesmo a casa Simstransformou-o num jogo de computador.

A teoria Gaia supôs um forte impulso na investigaçãocientífica que relaciona os fenómenos biológicos com

mantém a água transparente, para que os raios do Solpenetrem profundamente.

As águas costeiras e as das plataformas submarinas,as mais férteis dentro dos ecossistemas oceânicos,parecem desempenhar um papel importante nos proces -sos sedimentários. A sedimentação de algas mortas (coco -li tófaras) é responsável pelo depósito de carbonato decálcio e sílice no fundo do solo oceânico; estas cascas deal gas também contêm elementos tóxicos.

Os bosques de coníferas, através da sua cor escura e asua capacidade de se desprenderem da neve, podemencurtar o Inverno nas regiões próximas ao Ártico. O papeldos bosques tropicais parece ser principalmente climático,já que através da sua capacidade de transpirar o vapor deágua, eles sustentam o clima nebuloso e húmido da suaregião.

O ecossistema do deserto poderia desempenhar, comoos desertos oceânicos das regiões tropicais, um papelsignificativo no clima e na química global.

Sobre a terra, os grandes ecossistemas dos sedi men tosanaeróbios e da terra desempenham funções fun da mentaisna química de Gaia: desde a geração de metano até à erosãodas rochas e da regulação do ciclo do car bono.

As bactérias que sustentam todos os ecossistemasnaturais dividem-se em três grupos: fotossintetizadoras(análogas às plantas), consumidoras (análogas aosanimais) e fermentadoras. Estes três grupos de bactériasformam a parte mais poderosa do corpo de Gaia, econservaram-no durante cerca de 3.600 milhões de anos.

O IMPACTO DE GAIA

Gaia, como ideia que muda a nossa visão do mundo,provocou um forte impacto na sociedade, não somente nacomunidade científica, mas sobre muitos outros âmbitosda nossa cultura.

SOBRE A COMUNIDADE CIENTÍFICA

A teoria de Gaia, uma terra vivente, foi acolhida pelamaioria dos cientistas com críticas que reflectiam uma

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tema, que lhe faziam perguntas concretas sobre a própriateoria.

Actualmente, a palavra Gaia converteu-se numapalavra de uso frequente que aparece nos mais diversossectores da sociedade: em ciência e técnica (ecologia,medicina, arquitectura, rede científica, satélite artificial,software, telecomunicações,…), arte (música, teatro,desenho gráfico, animação, banda desenhada,…), ONGs,desporto, videojogos, etc.

Gaia é um ser planetário. O seu tamanho e proprie -dades são tão inabarcáveis que o convertem em incom pre -en sível para a mente humana. Talvez por isso o conceito deGaia, uma Terra vivente, desenvolvido por Lovelock, seafasta tanto da ideia de ser vivo planetário que na An ti gui -da de tinham. Mas representa uma mudança de rumo nanos sa compreensão da Natureza.

Gaia é uma ideia que modifica a nossa visãoantropocêntrica e materialista do mundo e marca umcaminho de esperança. Hoje podemos falar de um antes ede um depois de Gaia. A ciência deu mais um passo para acompreensão do Universo.

Talvez conseguir despertar-nos e fazer-nos reflectirsobre o mundo que nos rodeia, figurasse entre osobjectivos que Lovelock pretendia, quando, no seuprimeiro livro, se expressou nestes termos:

«A hipótese Gaia é para aqueles que gos -tam de caminhar, de contemplar, de se inter -rogar sobre a Terra e sobre a vida que nela há,de especular sobre as consequências da nossapresença no planeta. É uma alternativa à visãopessimista segundo a qual a natureza é umaforça primitiva a submeter e a conquistar. Étam bém uma alternativa ao não menos de -primente quadro que pinta o nosso planetacomo uma nave espacial demente que, sempi loto nem propósito, descreve círculos eter -nos em redor do Sol».

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Bibliografia:

— Lovelock, J.: Las edades de Gaia, Ed. Aleph.— Lovelock, J.: Gaia, una ciencia para curar el planeta,

Ed. Integral.— Lovelock, J.: Homenaje a Gaia, Ed. Laetoli.— Lovelock, J.: Gaia, una nueva visión de la vida sobre la Tierra,

Ed. Orbis— Schrödinger, E.: ¿Qué es la vida?. Ed. Orbis.

outras disciplinas científicas como os estudos geológicos,atmosféricos, climáticos, oceânicos… até ao ponto de osgrandes centros de investigação sobre tais fenómenosincorporarem actualmente biólogos nos seus quadros.

SOBRE A ECOLOGIA

A relação de Gaia com os movimentos ecologistasesteve marcada por um profundo desencontro que semanifestou nas críticas e reprovações por ambas aspartes.

Este desencontro funda-se, muitas vezes, no conceitode «ecologia». Enquanto que o movimento ecologista põe oacento na ecologia humana, a Lovelock interessa fun da -men talmente a ecologia à escala do planeta, onde o serhumano é uma espécie mais, que está integrada em Gaia ecuja função no conjunto ainda nos é desconhecida. Quantoà função reservada ao ser humano, Lovelock faz a seguintepergunta: Se somos parte de Gaia, até que ponto não serátambém parte dela a nossa inteligência colectiva? En -quanto espécie, constituímos o sistema nervoso de Gaia? Amedicina moderna reconhece que o estado da mente e docorpo se influenciam mutuamente. Será que a nossaatitude colectiva face à Terra afecta e vê-se afectada pelasaúde do planeta?

Alguns ecologistas consideram que a teoria Gaia éperigosa, pois interpretam a capacidade de auto-regulaçãoe de solução de problemas que o planeta tem, como umaespécie de permissividade para que o ser humano continuea contaminar de forma descontrolada.

Mas não é essa a visão de Lovelock: do ponto de vistade Gaia não é tão preocupante a contaminação, objectivoclaro da ecologia humana, como a destruição de ecossis -te mas e a perturbação dos ciclos químicos fundamentais –car bono, nitrogénio, enxofre, etc. – que podem alterar ofun cionamento regulador do planeta.

A teoria Gaia assegura que não poderemos destruir oplaneta. «As regras de Gaia são tais que os organismosque danificam o seu meio não sobrevivem durante muitotempo; esta regra poderia ter consequências fatais para anossa espécie: se perdemos o nosso habitat, a vida e o seumeio ambiente sobre a Terra, Gaia, continuarão mas ahumanidade já não será parte dela».

SOBRE A SOCIEDADE

A publicação do primeiro livro sobre Gaia não foi aco -lhida com grande interesse pelos cientistas, mas por outrolado provocou um grande impacto na opinião pública.Quase dois terços das cartas recebidas por Lovelock, de -pois da publicação do livro, eram de filósofos, homens daIgreja, público em geral, fortemente interessado pelo

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CÉREBRO . MENTE . CONSCIÊNCIA

À LUZ DA CIÊNCIACONTEMPORÂNEA E TRADICIONAL

Antonio Alzina*

*Director daNova Acrópole em Espanha;

Director internacional do Instituto deNova Medicina Seraphis. Prof. Associadona Universidade Complutense de Madrid.

CIÊNCIA Cérebro . Mente . Consciência

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INTRODUÇÃO

À medida que a Ciência avança nas suas descobertasou redescobertas torna-se mais notável o papel do cérebronas suas relações com as faculdades mentais e com essetempo-espaço chamado consciência, que continua a serum enigma maravilhoso a decifrar.

Em primeiro lugar queremos destacar as diferençasque vamos estabelecer neste trabalho entre estes trêsconceitos, cérebro, mente e consciência, embora habitual-mente, e por desconhecimento ou comodidade, se costu-mem empregar como sinónimos.

O cérebro é o suporte físico através do qual se objecti-vam as funções da mente e se expressam, de acordo comos casos, diferentes graus e profundidades de consciência.

A mente é a capacidade de pensar, raciocinar, ordenarideias, criar relações entre elas, conceber coisas, ver come mais além dos sentimentos.

A consciência é o amplo campo de acção no qual semove a mente, embora também intervenham as impres -sões e percepções físicas, as emoções, as intuições, omundo da imaginação e as experiências metafísicas. Étodo um universo que se apoia na matéria, mas que seamplia até planos inconcebíveis.

Os três conceitos andam unidos tanto como a matériaestá em relação à ideia e ao espírito ou, por outras palavras,a matéria em relação à energia e à alma, relacionando-seem diferentes graus de subtileza e amplitude de acção.

APROXIMAÇÃO AO CÉREBRO

O Cérebro é o órgão mais complexo do corpo humano.Tem cerca de trinta biliões de células chamadas «neuró-nios», e cada «neurónio» é como um computador emminiatura, embora muito mais perfeito do que qualquercomputador que conheçamos na actualidade.

Considerando a quantidade de conexões que se produzentre os neurónios, obteríamos, em capacidade, todos ostextos contidos em todas as bibliotecas que existem nomundo actualmente.

A capacidade de computação do cérebro, tomando asinapse como um código binário de informação, seria daordem dos 100 milhões de megabits.

O cérebro converte-se no receptáculo da mente, enten-dendo que a mente pode perceber tanto o corpo a que per-tence como o mundo circundante no qual se manifesta.

No entanto, e pese a sua grande capacidade, o cérebronão é mais do que um órgão material, perfeito na suaestrutura e função, mas reduzido em comparação a outrosaspectos do homem, denominados como se preferir: ener-gia ou alma, porque nenhum cientista pode deixar dereconhecer que somente o funcionamento dos neurónios é

insuficiente para explicar as possibilidades de expansãoque o ser humano tem.

Como se alguém dissesse:Obrigado, Senhor, pelo meu cérebro!… Entre todos os

cientistas do mundo não puderam fazer nem sequer umdos meus cabelos…

ALGO SOBRE A MENTE

É curioso depararmo-nos habitualmente com defini -ções tais como: a mente é a potência intelectual da alma.

Deste modo, o potencial intelectual relaciona-se maiscom a alma do que com o cérebro.

Não se trata, pois, de buscar uma quantidade maior decircunvalações nem de centros cerebrais, mas uma maioramplitude na alma.

Também se relaciona a mente com outras faculdadessuperiores, como o propósito e a vontade. Assim entendi-do, se dependesse do órgão cerebral, todos os seres hu -manos teriam a mesma claridade de propósitos e a mes -ma vontade para os realizar. Mas, no entanto, não é assim.

Quando a mente se une à vontade, supera o seu apoiofísico cerebral e eleva-se em direcção a maiores opçõesem múltiplos âmbitos.

Mente é também conhecimento e, sobretudo, capacida-de de conhecimento. É o que a ciência actual investiga noterreno da aprendizagem.

No cérebro estão as bases, mas é a mente que abre asportas até aos conhecimentos e, um passo mais à frente,fazendo uso da inteligência, converte os conhecimentosem sabedoria, em experiência vital.

APROXIMAÇÃO À CONSCIÊNCIA

Muito mais extensa do que a mente, diz-se que a cons-ciência é uma propriedade do espírito humano.

É a que permite um conhecimento reflexivo de nósmesmos, das nossas aptidões e possibilidades. Descobremu danças interiores e descobre o mundo exterior dando--lhe espaço na própria e íntima subjectividade.

Se a mente é uma potência da alma, a consciência é aprópria alma, à falta de melhores termos para explicar asemelhança que existe entre o ser humano e o Universo. Aconsciência faz com que o homem seja e se sinta parte doUniverso.

RELAÇÕES ENTRE CÉREBRO, MENTE E CONSCIÊNCIA

Há uma infinidade de relações importantes a assinalarpor que estamos perante uma tríade inseparável.

Talvez as mais interessantes a nível científico devam

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O hemisfério direito do cérebro está relacionado comos sonhos, nos quais as ondas cerebrais têm frequênciasque vão dos 4 aos 7 Hertz.

O cérebro occipital está relacionado com a reflexão e

com os ciclos de ondas cerebrais que vão dos 8 aos 16Hertz, as ondas alpha. Estas produzem-se quando nosencontramos num estado de reflexão profunda. A reflexãoadquire duas direcções: mudar palavras e números porimagens mentais, ou antes mudar imagens e situações porpalavras e números. Esta é a única função humana que nosdistingue claramente dos animais. As onda alpha de 12Hertz produzem-se também em pessoas que têm expe-riências superiores de consciência cósmica, Nirvana, Sa to -ri, Iluminação, etc., como veremos mais adiante.

O hemisfério esquerdo está relacionado com os senti-dos, com ondas cerebrais que se movem entre os 16 e os32 Hertz.

A mudança do hemisfério esquerdo para o hemisfériodireito cria a ciência e a experiência, enquanto que amudança no sentido contrário cria a visão, a revelação e acriatividade.

A meta é abarcar os quatro lados.Tudo isto nos dá uma ideia superficial da riqueza de

possibilidades que o cérebro oferece, e das sub tis mas alta-mente significativas diferenças que o cérebro humanoencerra em relação ao dos animais. Há aspectos tão espe-cíficos que marcam a di ferença, e ainda marcam a antigui-dade do ser hu mano e a informação que arrasta desde hámi lhões de anos, embora em contínua transformação.

Konrad Lorenz, Prémio Nobel em Fisiologia e Medicina,afirma que o cérebro humano (telencéfalo) desenvolveu-se

graças à tradição acumulada da cultura e, sem ela,não teria nenhuma das funções que conhecemosactualmente. Que papel desempenha a cultura, oconhecimento propriamente humano, para modifi-car o cérebro?

Cérebro, percepção e aprendizagem

O cérebro trabalha com base na recepção e noprocessamento dos dados que os neurónios sensi-tivos, situados em todo o corpo, lhe enviam. Mas osque têm maior importância para estabelecer o con-tacto com o meio ambiente são os que estão situa-dos nos órgãos dos sentidos.

Os estímulos, tanto externos como internos,são captados por intermédio de várias classes dereceptáculos que podem ser de tipo químico-recep-tor, foto-receptor, termo-receptor ou mecânico--re ceptor.

Os receptores transformam os estímulos rece-bidos em sinais energéticos.

Por sua vez, estes sinais podem ser muito variáveisquanto à potência, intensidade e frequência, já que depen-dem da classe de receptores que os captaram.

O nível de energia que as células sensitivas transmitem

apoiar-se no cérebro, porque este órgão tão específico doshumanos, embora partilhado em parte com o reino animal,nos oferece na actualidade explicações com as quais nin-guém teria sonhado sequer há um século atrás.

O CÉREBRO: UM MUNDO INFINITO

Estruturalmente, o cérebro consta de três partes: neo--córtex, sistema límbico, tronco cerebral e cerebelo.

Tronco cerebral e cerebelo: aqui situa-se a consciênciado corpo.

Sistema límbico: é a memória afectiva da alma.Procura a repetição do prazer e evita a dor. A partir destesistema surge a consciência discursiva, com a capacidadede distinção do bem e do mal, do correcto e do errado.

Neo-córtex: tem quatro aspectos relacionados com aspossibilidades de expressão das faculdades superiores damente e da consciência-alma.

Os lóbulos frontais do cérebro estão relacionados como sono profundo. Curiosamente também se relacionamcom a atenção, que está a meio caminho entre a observa-ção e a memória.

A atenção baseia-se no vazio criado no sono profundo.De maneira que, em tal sentido, somente podemos memo-rizar e observar eventos que sucedem no raio que vai dos2 aos 3 Hertz. O sonho e a atenção estão conectados.

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Konrad Lorenz, Prémio Nobel em Fisiologia e Medicina, afirma que océrebro humano (telencéfalo) desenvolveu-se graças à tradição acumulada dacultura e, sem ela, não teria nenhuma das funções que conhecemos actual -mente. Que papel desempenha a cultura, o conhecimento propriamente hu -mano, para modificar o cérebro?

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Expectativas e imaginação

Segundo o professor Pascual-Leone, o nosso cérebroestá codificado para gerar expectativas e detectar o ines-perado.

A expectativa é não só uma esperança, mas uma possi-bilidade razoável de realizar ou conseguir algo, de que algosuceda. A expectativa dá lugar a tudo o que é inesperado,que já não o é tanto.

O cérebro pode gerar duas ou duas mil expectativas ouversões das coisas, e por isso quase nenhum feito nos sur-preenderia.

Segundo o mesmo autor, o cérebro é perfeitamentecapaz de distinguir entre a informação procedente dossentidos e a informação que chega desde a própria imagi-nação. Quando imaginamos activa-se um sistema visualmuito particular mas, ao mesmo tempo desactiva-se aentrada de dados auditivos, tácteis e visuais do olho, inibin-do-se as áreas correspondentes do cérebro. Quando estasáreas não estão inibidas é quando vemos fisicamente.

De modo que o cérebro está adaptado a diferentes for-mas de ver…

O professor Giacomo Rizzolatti afirma, depois de reali-zar experiências com estes neurónios na Universidade deParma:

«É a visão que proporciona o vínculo para compreenderos demais».

«Quando se observa uma acção feita por outra pessoacodifica-se em termos visuais, e há que fazê-lo em termosmotores. Antes não estava claro como se transferia ainformação visual no movimento. Outra questão muitoimportante é a compreensão. Não só se entende a outrapessoa de forma superficial, mas pode-se compreenderaté o que pensa. O sistema de espelho faz precisamenteisso, põe-te no lugar do outro. A base do nosso comporta-mento social é que exista a capacidade de ter empatia eimaginar o que o outro está a pensar. Estes neurónios acti-vam-se inclusive quando não vês a acção, quando há umarepresentação mental. A sua activação corresponde comas ideias. A parte mais importante dos neurónios espelhoé que são um sistema que reflecte. O ser humano está con-cebido para estar em contacto, para reagir diante dosoutros. Eu creio que quando as pessoas dizem que nãoestão felizes e que não sabem a razão é porque não têmcontacto social».

Esta relação dos neurónios-espelho e da imaginaçãomotriz explica fenómenos tão curiosos como o treino ima-ginativo, com estados sumamente elevados de concentra-ção, que permitem praticar sem nenhum tipo de movimen-tos físicos.

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aos neurónios sensitivos aos quais estão associados, tam-bém é variável. Mas, ainda que a energia seja muito débil,está comprovado que a sua percepção a nível conscientese amplifica por intermédio de diferentes mecanismos.

Por exemplo, o olho humano é capaz de perceber atéum fotão sozinho, o qual, ao ser amplificado, pode ser cap-tado pela consciência. No caso contrário, se a intensidadeultrapassa a capacidade das células ou dos neurónios sen-sitivos, sem as danificar, estas transmitem-na ao cérebrono nível máximo no qual podem captar e transmitir. Demodo que a intensidade recebida não ultrapassa nunca oslimites aceitáveis dos neurónios cerebrais.

Estes e mais outros dados indicariam a variabilidadedas percepções, embora os cérebros físicos sejam basica-mente iguais em todos os corpos. Mas varia a acção dosneurónios, varia o campo de percepção e muitas destasvariações já não são produzidas pelos órgãos dos sentidos,mas pela mente e pela consciência.

Aprendizagem adquirida sobre bases inatas

De acordo com Jean Piaget, que dedicou a sua vida aoestudo das estruturas cognoscitivas da criança, existemformas inatas de conhecimento, sobretudo no campo dapercepção. Por exemplo, alguns circuitos inter-neuronaisespinais que já estão terminados no momento do nasci-mento, e que são imprescindíveis no campo da locomoçãopara andar ou nadar, somente necessitam de um meioadequado para se desenvolverem, mas não se formamcom o exercício. Disto poderíamos concluir que ninguémpode desenvolver com exercício aquilo que não tem.

Isto é algo que, filosoficamente, já sabíamos desde aépoca de Sócrates, cuja mãe era parteira, e afirmava que,apesar das suas habilidades no ofício, nunca tinha podidoajudar a dar à luz uma mulher que não estivesse grávida.

Neurónios-espelho

Numa região do cérebro chamada Área de Broca, res-ponsável pela linguagem, encontram-se uns neurónios cha-mados espelho, que são a causa pelo qual os humanos ten-dem a imitar aquilo que os rodeia. Imitando, aprendemos.

Estes neurónios, para além de reconhecer e imitar asacções dos demais, também as interpretam. Deste modo,permitem deduzir ou intuir as intenções dos outros e expli-cariam assim mesmo coisas estranhas como o riso e opranto contagiosos.

Além disso, estes neurónios permitem-nos ler a mentedo outro e identificarmo-nos com ele, emocionarmo-noscom ele, sentir a mesma emoção que o outro. Uma empa-tia psicológica que tem um assento no cérebro e umamanifestação na alma…

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o cérebro é perfeitamente capaz de distinguir entre a informação procedente dossentidos e a informação que chega desde a própria imaginação. Quando ima gina -mos activa-se um sistema visual muito particular mas, ao mesmo tempo desac -tiva-se a entrada de dados auditivos, tácteis e visuais do olho, inibindo-se as áreascorrespondentes do cérebro. Quando estas áreas não estão inibidas é quando ve -mos fisicamente.

superio res, criando entre ambas as correntes uma sínteseque desemboca no sentir e no aperceber-se, próprios daconsciência.

A informação flui horizontalmente em cada nível, mastambém o faz verticalmente em ambos os sentidos.

Não seria necessário que todos os módulos do cérebrose activassem durante o processamento consciente, por-

pareça ter a sua origem num campo virtual, no mensurá-vel, chamado vazio quântico.

A base física da consciência é, pois, como um estadoquântico altamente coerente, onde todas as partes actuamem uníssono. No ser humano, comparado com outrosmodelos mecânicos de matéria-energia, adverte-se umconsiderável aumento do nível energético quando existe

que estiveram disponíveis, enquanto alguns deles se vãoactivando e produzindo operações conscientes.

Para apoiar esta ideia, toma-se como exemplo o siste-ma visual: uma cena que vemos conscientemente surge dacoordenação de cerca de 40 módulos do cérebro que,separadamente, operam de forma inconsciente. Uma vezque surge esta função de alta hierarquia, que supomos queestá correlacionada com a consciência, esta poderia exer-cer uma causalidade descendente e modificar a operaçãodas ordens mais básicas, o qual explicaria, entre outrascoisas, a conduta voluntária.

A função da consciência pode ser similar a um bando depássaros ou a um enxame funcional, que enlaça diversosmódulos cerebrais de maneira cinemática, hiper-comple-xa, coerente e sincrónica. Esta hipótese justifica-se comdados neuroanatómicos, neurofisiológicos e das ciênciasda complexidade.

A consciência como estado quânticoaltamente coerente

É sabido que os seres vivos emitem luz, biofotões, cons-tituindo deste modo um campo biofotónico que é holográfi-co, altamente coerente, quer dizer, harmónico e equilibrado,e que serve de base de comunicação a todos os níveis.

Todas as partes do organismo estão instantaneamenteconectadas por relações de fase do referido campo.

Este holograma tridimensional, onde o pequeno repro-duz o grande uma infinidade de vezes sem se alterar, éprecisamente o fundamento da coerência, que é uma somade consequências lógicas, que é coesão.

De modo que o campo biofotónico está directamenteunido à matéria biológica, embora a radiação biofotónica

Estas práticas são habituais nos pianistas e nos des-portistas qualificados.

Em todos eles a visualização prévia é um treino impres-cindível.

Os estudos demonstram que os processos no córtexmotor são os mesmos, tanto se alguém praticar física oumentalmente.

A CONSCIÊNCIA

Neurociências, ciências da complexidade e filosofia

Necessitamos destes três elementos para chegar auma aproximação válida da consciência.

A hipótese puramente científica apoia-se na evidênciada neuro-ciência e expõe que a consciência emerge coinci-dindo com o nível mais elevado da função cerebral.

Para fundamentar este ideia estabelecem-se doisrequisitos necessários.

O primeiro deles é o conceito do cérebro como um órgãoespecializado para operar com informação, e que as activi-dades mentais consistem nisso, incluindo a consciência.

O segundo requisito para fundamentar a emergência dacons ciência – muito interessante – consiste em reconhecerque os níveis de organização cerebral estão constituídos demaneira piramidal: a quantidade dos seus componentes émaior nos níveis inferiores, enquanto que a integração dainformação é cada vez maior nos níveis superiores.

Além disso, a pirâmide neuro-psicológica permite umavia dupla de movimento. Por um lado, há uma cascataascendente pela qual as ordens nervosas inferiores in -fluem nas superiores como um enriquecimento funcional,e por outro lado, há uma descida desde os estratos

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Desta oscilação, e da interconectividade neuronal, re -sultam os laços dinâmicos tálamo-corticais. A consciência,no plano físico, seria o resultado final da integração daacti vidade a 40 Hertz levada pelos laços ressonantes tála-mo-corticais. Esta mesma ressonância, a nível de luz, ofe-rece múltiplos paralelos com diversos planos da Naturezae do organismo humano como emissor e receptor de luz.

A influência da luz na nossa vida

A luz solar foi o elemento regente da vida e das activi -da des humanas antes de se inventar a luz eléctrica, osrelógios despertadores e outros artifícios que modificamos nossos ritmos de vida, sem mencionar as modificaçõesque também se criaram ao nível de cultivos vegetais e cria-ção de animas para o consumo.

No entanto, os animais conservam a possibilidade deperceber por antecipação as mudanças sazonais atravésda variação das horas diárias de luz. As migrações, acasa-lamentos, hibernações e os diversos comportamentos quepreservam a sua vida dependem disso.

Os seres humanos também se encontram influencia-dos pela luz.

A luz determina os nossos ciclos de sono e vigília,influencia a duração do sono, o umbral da dor, o grau deatenção, os hábitos alimentares, os estados de ânimo e ou -tras actividades.

A luz também produz as denominadas síndromes sa -zo nais.

Uma síndrome é um conjunto de sintomas. A síndromeafectiva sazonal está caracterizada por vários sintomastípicos e, por vezes, por alguns não típicos, causados peladesorganização dos ritmos biológicos. Estes sintomasapre sentam-se até ao início do Inverno e costumam desa -pa recer no começo da Primavera.

Diversos estudos demonstram que, apesar de vivermosem sítios fechados e aparentemente afastados da influênciada luz, os nossos corpos continuam a responder ao ambien-te exterior e à variação das estações. Por exemplo, sabe-seque o crescimento das crianças vê-se afectado pelas esta-ções; a altura e o peso aumentam na Primavera e no Verão.

Boa parte destes sintomas deve-se ao défice de luz e àsuper produção de melatonina durante as horas diurnasno Inverno e nos lugares escuros. A melatonina, segrega-da pela glândula pineal, é a que induz o sono quando natu-ralmente cai a noite. Mas o excesso de melatonina devidoà falta de luz, conduziria assim mesmo a transtornos comoa depressão invernal.

Os especialistas em fototerapia ou terapia da luz indi-cam que esta má iluminação pode provocar fadiga, depres-são, problemas na pele, défice no sistema imunológico e,também, transtornos do sono.

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um estado coerente interno, e tudo isso se repercute nacaptação de informação e no seu desenvolvimento comoser evolutivo dentro do universo.

A questão está em transformar os níveis incoerentesem coerentes, quer dizer, em adquirir consciência. Trata--se de um trabalho íntimo, no qual o amor como coesãojoga um papel fundamental para coordenar todos osdemais elementos.

Onda-partícula, mente-corpo

A dualidade partícula-onda foi motivo de debate so -bre a luz.

Podemos afirmar, no entanto, que a luz tem um com-portamento duplo, e fá-lo tanto como partícula quanto co -mo onda.

Com o mesmo critério, mente e corpo, ou consciência ematéria, são o reflexo dessa mesma dualidade onda-partí-cula.

A mente representa o aspecto onda ou o aspecto ener-gético e a consciência está ligada à coerência de onda.

Por outro lado o corpo origina-se no aspecto materialou corpuscular.

O pensamento não é mais do que um determinado tipode vibração. Dependendo da longitude do pensamentoemitido, ao observador será mostrado um aspecto ou outroda realidade. A maior consciência, a maior captação darealidade.

Esta afirmação pôde ser comprovada em pessoas sub-mersas em estados elevados de consciência, ou com cons-ciência ampliada; nesses momentos captam-se matizesmais ricas da realidade sensorial e ainda se pode trans-cender o espaço-tempo, transformando-se em visível oque é invisível aos olhos ordinários, criando-se uma ponteentre o denso e o subtil, entre o material e o espiritual.

Consciência e Luz

Devido ao seu amplo espectro de acção, devido às suascaracterísticas físicas similares às da luz, devido ao facto deque muitas teorias filosóficas e místicas relacionaram aCons ciência com o Fogo iluminador, o mínimo que pode-mos é estabelecer a correlação entre a Consciência e a Luz.

O Prof. Antonio Fernández de Molina afirma que deAristóteles a Descartes, chegando aos neurobiólogos mo -dernos que se ocuparam do tema, concebeu-se uma cons-ciência primária e uma consciência de ordem superior, atésido apresentada a recente teoria da ressonância córtico--talámica para a consciência do Prof. Llinás.

A teoria de Llinás baseia-se nas propriedades intrínse-cas eléctricas dos neurónios que lhes permitem oscilar emdistintas frequências.

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O pensamento não é mais do que um determinado tipo de vibração. Dependendo da longitudedo pensamento emitido, ao observador será mostrado um aspecto ou outro da realidade. A maiorconsciência, a maior captação da realidade.

Esta afirmação pôde ser comprovada em pessoas submersas em estados elevados de consciência,ou com consciência ampliada; nesses momentos captam-se matizes mais ricas da realidade sen so -rial e ainda se pode transcender o espaço-tempo, transformando-se em visível o que é invisível aosolhos ordinários, criando-se uma ponte entre o denso e o subtil, entre o material e o espiritual.

Comecemos pelo cérebro.É evidente que qualquer sensação, por mais elevada

que seja, há-de ter um suporte somático cerebral, e é tam-bém, em parte, o resultado da activação de alguma zonaespecial do cérebro.

A localização cerebral da visão binária ou dualista domundo, segundo distintos autores, está no lóbulo parietaldo hemisfério dominante. Trata-se de os bloquear para daracesso ao sagrado. O acesso às experiências místicasestaria ligado, pois, à actividade do hemisfério não domi-nante (que talvez poderia chegar a converte-se em domi-nante…)

Entenda-se que todas estas localizações são válidaspara pessoas destras; nas canhotas é ao contrário.

Estados elevados de consciência

Para seguir uma linha de desenvolvimento que vá dohomem animal ao homem humano é necessário um claroentendimento e uma transformação tanto do cérebro comoda mente, um processo conhecido por diversas religiões esistemas iniciáticos como «Renascimento Espiritual».

Este Renascimento inclui a base material cerebral easpira à cúspide da consciência, sem ter que abandonarnem uma nem outra possibilidade de experiência, mas in -tegrando ambas num holograma coerente.

No entanto, pelo visto é a consciência que modificapau latinamente a qualidade dos receptores cerebrais enão o contrário.

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CIÊNCIA | Cérebro . Mente . Consciência

É possível que o eu que conhecemos, aquele que analisa o mundo exteriore o decompõe em pequenas partes, nada tenha a ver com este outro eu quese submerge na eternidade, para se fundir com ela na experiência sagrada,mística ou intuitiva.

quem conseguir chegar a tais situações depois de longosexercícios de concentração mental para dominar as suasartes respectivas.

Nestes estados é característico observar a dissoluçãodo sentido egoísta do eu, embora sem perda das faculda-des sensoriais ordinárias. Pelo contrário, abre-se uma vi -

Veja-se, por outro lado, a relação que existe entre aoração e a meditação com a fisiologia cerebral, já que sedescobriu o grande efeito terapêutico que provocam.

A este tipo de experiências foram dadas inúmerasdenominações, como Satori, Samadhi, Nirvana, Lumino si -da de (Bardo Thodol), Despertar (Budismo), Tao Absoluto,Espírito Divino (Plotino), Luz que ultrapassa o Enten -dimento (São Paulo), Chama Viva (São João da Cruz), Êxta-se (Santa Teresa); em síntese, estados elevados e amplia-dos de consciência.

Todas estas e mais denominações referem-se ao mes -mo: uma actividade do cérebro, em parte, gera essa sen-sação infinita de união com a Natureza, com o Sagrado ecom a Energia Cósmica.

Embora, segundo as diferentes tradições, estes esta-dos se possam alcançar por diferentes vias, sempre vãoacompanhados de um sentido elevado de libertação, dealegria inefável e de paz. Trata-se de uma experiência deunião entre o sujeito e o Objecto Divino. Esta união místicaé considerada o estado supremo desta experiência cujamáxima aspiração é a superação de todo o tipo de dualis-mo e da prisão do tempo.

Segundo alguns autores, a consciência mística ou ele-vada tem vários aspectos importantes.

Em primeiro lugar, o misterioso, o que aparentementeestá oculto mas pode desvelar-se.

Em segundo lugar, o majestoso, uma certa omnipotência,que dá como resultado a «aniquilação» da personalidade dosujeito, permitindo-lhe estados mais elevados de cons -ciência. Não há uma aniquilação da personalidade no sen tidoestrito, mas uma possibilidade de prescindir dela até aoponto de centrar a atenção noutros níveis da cons ciên cia.

O terceiro aspecto é uma carga de energia (energiarelaciona-se em grego com a ira ou a cólera) que no planomístico se traduz como fogo amoroso. Longe do amor quetor tura psicologicamente, este outro fogo, similar ao queos antigos orientais chamaram Fohat, é um impulso deexpansão e união que abarca e contém tudo.

Quais são as estruturas cerebrais responsáveis porestes fenómenos?

O hipocampo e a amígdala cerebral especialmente,ambos localizados nas profundezas do lóbulo temporal eprovavelmente no córtex interno deste lóbulo.

Tudo quanto seja percepção ou imaginação integral ouholística do mundo encontra-se na conjunção do lóbulo pa -rietal com o temporal, quer dizer, na região parietal in fe -rior, a mesma que ocuparia a que nos dá a visão binária nohemisfério dominante.

As zonas cerebrais nas quais se sustentam estas expe-riências costumam estar normalmente inibidas, masquan do se activam outorgam a possibilidade de entrarnum mundo espiritual profundo, de facilitar o encontrocom seres espirituais ou de se unir à Divindade.

Existem estruturas cerebrais que parecem estar inibi-das por outras filogeneticamente mais modernas. Mas,quando se utilizam determinadas técnicas de reflexão,meditação e concentração, as mais modernas falham, acti-vando-se em troca as mais antigas, que são as que produ-zem estes fenómenos intuitivos.

Trata-se de um retrocesso ou, talvez, do adormecimen-to de alguns centros cerebrais, à espera de novos tempos,como no caso da glândula pineal?

Em todos os períodos históricos recolheram-se expe-riências vividas por místicos, sábios iniciados, santos, pro-fetas… Estas experiências, que puderam parecer até hápouco tempo meros exageros ou simples perturbaçõesmen tais, coincidem com as comprovações científicas queno presente descrevem estados indefiníveis e inefáveis deconsciência, intuitivos, místicos, sagrados.

Não são efeitos da epilepsia, como se acreditava, oudas drogas, como também se propôs, senão que podemser produzidas, para além da meditação e da reflexão, poroutras actividades intuitivo-estético-místicas, tais como adança, o canto e a oração.

A concentração e a libertação que produzem o canto, adança, a música em geral, conduzem a um êxtase místico

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são integral, de unidade de e com todas as coisas.É possível que o eu que conhecemos, aquele que anali-

sa o mundo exterior e o decompõe em pequenas partes,nada tenha a ver com este outro eu que se submerge naeternidade, para se fundir com ela na experiência sagrada,mística ou intuitiva.

O que é a consciência, pois?

Um mistério, uma presença invisível mas omnipotente,uma energia que está em todas as parte e em nenhuma. Éo vazio quântico do qual desconhecemos muito mais doque vemos e do qual tudo procede.

É uma aproximação ao Espaço Primordial, ao TempoEterno, uma janela aberta para a intuição, um meio parareceber e processar informação, um campo de força, umselo que se imprime no cérebro.

Valha a marca para conceber a majestade do selo. Quea matéria seja a testemunha do espírito e o cérebro daconsciência.

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INTRODUÇÃO

O autor da teoria dos CamposMór ficos é Rupert Sheldrake, con cei -tuado professor e cientista, que lec -cionou Ciências Naturais no ClareCollege, Cambridge, foi bolsista naUniversidade de Harvard, onde estu -

dou filosofia e história da ciência, doutorou-se em Bio -química na Universidade de Cambridge, foi professorcatedrático do Clare College e director de estudos emBioquímica e Biologia Celular. Como pesquisador combolsa Rosenheim da Royal Society levou a cabo uma pes -quisa em Cambridge sobre o desenvolvimento das plantase o envelhecimento das células.

CAMPOS MÓRFICOSA MEMÓRIA DA NATUREZA

José Ramos*

Os Campos Mórficos comprometem-nos sobre o poder e in -fluência de cada parte do universo, em que ne nhum indivíduo étão insignificante que não possa dar o seu contributo. Este novoparadigma implica novos valo res: o humanismo, uma atitude ecompromisso ecológico, uma visão transcendente do mundo e davi da e o apoio humanitário no seu aspecto mais amplo, que é o decriar condições para o desenvolvimento do poder da in divi dua -lidade que fará crescer a humanidade como um todo.

*Médico de MedicinaTradicional Chinesa.

Director da NovaAcrópole em Coimbra

Rupert Sheldrake

CIÊNCIA Teoria dos Campos Mórficos

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A sua primeira obra, A Nova Ciência da Vida: a Hipó -tese da Causação Formativa, publicada em 1981 de sen ca -deou uma acesa polémica tanto entre os meios con ser va -do res como nos progressistas da ciência:

«O melhor candidato para a fogueira que já apareceuem muito tempo»

Revista Nature (Inglaterra)

«É totalmente claro que estamos diante de umaimportante investigação científica sobre a natureza darealidade biológica e da realidade física.»

«… uma hipótese imensamente desafiadora e esti mu -

lan te, sobriamente apresentada, que propõe um enfoquenão ortodoxo da evolução”

Arthur Koestlerin New Scientist

Mas, na realidade, a teoria dos Campos Mórficos foiproposta pela primeira vez pelo psicólogo de Harvard,William McDougall, na década de 1920, como resultado deexperiências levadas a cabo na Universidade de Harvardpara determinar em que medida a inteligência dos ratosera hereditária. A inteligência era medida pela habilidadedos roedores em percorrer um pequeno labirinto. Osratos «inteligentes», aqueles que resolviam rapidamente

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CIÊNCIA | Teoria dos Campos Mórficos

o labirinto, eram acasalados com os «inteligentes» e os«tropos» com os «tropos». Vinte e duas gerações maistarde, em vez dos ratos «inteligentes» serem os maisrápidos, todos os ratos tinham mais inteligência ao fazer opercurso pelo labirinto. Os ratos «menos inteligentes»percorriam o labirinto dez vezes mais rápido que qualquerrato da primeira geração.

Estas experiências criaram um forte cepticismonalguns meios científicos. Um dos que procurou refutar asexperiências de McDougall, foi Crew, que ao realizar amesma experiência no outro extremo do planeta, naEscócia, verificou que os ratos já possuíam a informaçãode como resolver o labirinto. O conhecimento dos ratosutilizados por Crew começava do mesmo ponto ondehaviam concluído as experiências desenvolvidas porMcDougall.

Destas experiências surgiu o conceito de campomorfogenético, postulado por embriologistas e biólogospara explicar o desenvolvimento de plantas e animais.Este é hoje adoptado por biólogos desenvolvimentistas,sendo empregue para explicar como, por exemplo, osnossos braços e pernas, embora constituídos pelosmesmos genes e proteínas, apresentam formasdiferentes. Esta ideia, no entanto apresenta uma limitaçãoem relação aos campos mórficos de Sheldrake, poispensava-se que ao morrer o organismo esse campo sedissolvia, mas os campos mórficos, que de alguma formaincluem os primeiros, mantêm-se na natureza evoluindo emodificando-se com a mesma.

QUE SÃO OS CAMPOS MÓRFICOS

Morfo vem da palavra grega morphe que significaforma. Os campos mórficos são campos de forma.

Campos Mórficos ou Campos M são estruturas or -ganizadoras invisíveis que moldam ou dão forma a todosos seres, como animais, plantas e cristais e também têmum efeito organizativo sobre o comportamento.

A fim de se compreender um pouco melhor o que sãoestes Campos, poder-se-á fazer uma analogia com oscampos magnéticos, que têm forma, embora sejaminvisíveis. Como na experiência sobejamente conhecida, eque provavelmente todos nós realizamos nos tempos daes cola, em que um íman colocado debaixo de uma folha depapel organiza as limalhas de ferro colocadas sobre esta.Através dos padrões criados por estas limalhas podemosobservar a forma do campo magnético do íman. Os Cam -pos Mórficos, através da sua própria estrutura moldamcé lulas, tecidos e organismos.

Nas palavras de Sheldrake, “Como os campos co nhe -ci dos pela Física, eles conectam coisas semelhantes atr a -vés do espaço, embora, aparentemente, não haja nada

entre elas; mas, além disso, eles conectam coisas atravésdo tempo. A ideia é que os Campos Morfogenéticos, quedão forma a uma planta ou animal em crescimento,surgiram das formas dos organismos anteriores damesma espécie. É como se um embrião se “sintonizasse”com as formas dos membros anteriores da espécie. Oprocesso, através do qual isso acontece, é denominadoressonância mórfica.

Os campos mórficos relacionam-se com a formaçãodas estruturas, mas também com a experiência ouaprendizagem das espécies. É uma memória colectivaher dada na qual as capacidades individuais de apren di -zagem actuam em relação através da ressonância mórficados membros anteriores da espécie.

Num esquema apresentado por Sheldrake no seulivro Sete experiências que podem mudar o mundo,explica que existe uma inter-penetração de níveissucessivos de organização de sistemas auto-organi za -tivos, dependendo cada um deles de um campo mórficoca racterístico. Por exemplo (esquema A), no caso dosanimais sociais, o circulo exterior representa o campomórfico do grupo social, os círculos interiores os in di ví -duos que o formam e os círculos mais internos os órgãosdestes animais.

O esquema B representa a forma como se expande ocampo mórfico de um grupo social quando um ou maismembros se separa do grupo. Estes princípios seriamaplicáveis às conexões existentes entre um animal decompanhia e o seu dono ausente, cuja chegada pode serpressentida muito tempo antes, ou entre os pombos-cor -reios e o pombal ao qual pertencem e cujas justificaçõestradicionais para o facto, como a orientação pelo sol, pelosventos, etc., Sheldrake procurou descartar através da ex -pe riência de pombais itinerantes, que estavam emconstante deslocamento, mas aos quais os pombossempre regressavam.

A

B

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da Biologia, em que os fios, transístores, etc., cor res pon -dem ao ADN, proteínas, moléculas, etc. Shel dra ke con -cor da que as mudanças genéticas podem afectar aherança da forma ou do instinto pelas alterações quecausa na «sintonia» ou pela distorção que pode provocarna «recepção». Mas os factores genéticos não podem sertotalmente responsáveis pela herança da forma ouinstinto, assim como as imagens que aparecem no ecrã detelevisão não podem ser explicadas apenas pelasconexões de fios e transístores do aparelho.

Os campos mórficos não têm natureza fixa, evoluem,possuem uma espécie de memória interna, que dependedos processos de ressonância mórfica, ou seja, ainfluência do igual sobre o igual ao longo do tempo e doespaço.

OS CAMPOS MÓRFICOS E A FILOSOFIA ESOTÉRICA

Nas palavras do próprio Sheldrake, num artigoeditado na revista The American Theosophist em 1982,podemos encontrar interessantes relações:

«Alguns aspectos da hipótese da causação formativalembram elementos de vários sistemas tradicionais eesotéricos: por exemplo, o conceito de corpo etérico, aexistência de almas grupais de espécies animais, e adoutrina da gravação nos chamados arquivos do akasha.Entretanto, isto é colocado como sendo estritamente umahipótese de trabalho e, como tal, deverá ser julgada portestes empíricos. Mas se a evidência experimental vier acomprovar esta hipótese, então ela dará bases para umanova ciência da vida que irá muito além da biologialimitada e mecânica de hoje em dia.»

W. Q. Judge, esoterista do século XIX, escreve no seulivro Ecos do Oriente:

«Provavelmente, em todo o campo do estudoteosófico não haja nada mais interessante do que a luzastral. Entre os hindus ela é conhecida como Akasha, oque também pode ser traduzido por Éter. Eles dizem quetodos os fenómenos maravilhosos dos yoguis orientaissão realizados pelo conhecimento das suas propriedades.Dizem também que a clarividência, a mediunidade, avidência tal como é conhecida no mundo ocidental só sãopossíveis pelo seu intermédio. Ela é o registo das nossasacções e pensamentos, o grande depósito de imagens daterra…» e mais à frente diz que «é o grande agente final,ou dinamizador básico, cosmicamente falando, que não sófaz crescer uma planta mas também mantém osmovimentos de sístole e diástole do coração humano.»

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Entre os muitos mistérios da natureza, encontramosa inexplicada capacidade dos cupins e de outros insectossociais, como as formigas e abelhas, construírem estru -turas complexas como os cupinzeiros, formigueiros ecolmeias. Como é que estas formas de vida, con si deradasprimitivas, que só conseguem visualizar uma frac ção daobra, podem conceber a totalidade da com plexa egigantesca obra final? Além de que a construção, na maiorparte dos casos, é concluída pelo trabalho de váriasgerações e em que os operários agem em conjunto e deforma organizada. Como se conseguem organizar e co -municar em períodos de tempo tão longos? Os Camposmór ficos seriam então esses modelos estruturais queestariam presentes na espécie.

São os Campos Mórficos que fazem com que umsistema seja um sistema, isto é, uma totalidade articuladae não um mero amontoado de partes. Exemplo disso é oprocesso de diferenciação e especialização celular quecaracteriza o desenvolvimento embrionário. Como ex pli -car que um aglomerado de células absolutamente iguais,as células estaminais, dotadas do mesmo patrimóniogenético, dê origem a um organismo com ple xo, no qualórgãos diferentes e especializados se formam no lugarcerto e no momento adequado?

Sheldrake explica que o ADN codifica a sequência dosaminoácidos que formam a proteína, mas são os CamposMórficos que dão a forma e a organização das células,tecidos, órgãos e organismos como um todo, camposestes que não são herdados quimicamente mas sãodeterminados directamente pela ressonância mórfica deorganismos anteriores da mesma espécie.

Numa conferência realizada nos EUA em 1984, re -latada por Ralph H. Hannon no American Theosophist, deDezembro desse ano, Sheldrake ilustra esta ideia esta be -lecendo uma analogia com uma televisão. Imaginando-seum homem que não conhecesse nada de electricidade e aquem fosse mostrado pela primeira vez um aparelho detelevisão, ele poderia pensar que o aparelho continha pe -quenas pessoas cujas imagens apareciam no ecrã. Mas,depois de inspeccionar o aparelho e só ver fios etransístores, ele provavelmente diria que as imagens sãoresultado de alguma forma complexa de interacçõesentre os componentes do aparelho. Esta teoria pareceriabas tante válida, pois as imagens tornar-se-iam dis -torcidas, ou desapareceriam, quando os componenteseram removidos. Se então lhe fosse sugerido que, narealidade, as imagens dependem de influências invisíveisvindas de muito longe e que entram no aparelho, eleprovavelmente rejeitaria a ideia. Provavelmente apoiaria asua teoria com o facto de que o aparelho tem o mesmopeso quando está ligado ou desligado.

Este exemplo pode ser semelhante à visão tradicional

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Corpo Forma

Não existe suficiente informação codificada no ADNpara constituir o plano genético básico do corpo. «O modocomo é tecida uma estrutura tão elaborada e altamenteorganizada transformando-se em uma unidade, constituium longo e persistente enigma.»

Tom AlexanderEditor de ciência da revista Fortune

Dois cientistas de Yale, Harold Saxton Burr e S. C.Northrop, descobriram que todos os corpos possuemaquilo que denominaram “arquitecto eléctrico”. Apósquatro anos de estudos sobre o desenvolvimento desalamandras e ratos apresentaram os resultados naAcademia de Ciências dos Estados Unidos. Num textopublicado no New York Times (25 de Abril de 1939)

podemos encontrar um interessante resumo dessas con -clu sões:

«Existe no corpo das coisas vivas um arquitectoeléctrico que molda e dá forma aos indivíduos conformeum modelo específico e predeterminado, e que per ma -nece dentro do corpo desde o estágio pré-embrionário atéà morte… O indivíduo só morre depois de o arquitectoeléc trico dentro dele deixar de funcionar.»

«…Cada espécie animal, e muito provavelmentetambém os indivíduos dentro de cada espécie, tem o seucampo eléctrico definido do mesmo modo que as linhas deforça de um íman.

Esse campo eléctrico possuindo a sua própria forma,modela segundo a sua imagem todo o barro pro toplas -mático da vida que cai dentro da sua esfera de influência,materializando-se assim no corpo do ser vivo como umescultor materializa a sua ideia na pedra.»

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É bastante interessante a denominação de «arqui -tecto eléctrico» dado a esta força-forma, fazendo recor -dar algumas definições do corpo astral como sendo «eléc -tri co e magnético».

O corpo astral, da filosofia esotérica, é como uma es -pécie de molde do físico, não se encontra separado de le,mas interpenetra-o e sustenta-o. Sem este corpo-mol de ocorpo físico não pode conservar a sua coesão:

«Toda a solução da controvérsia entre a ciênciaprofana e a ciência esotérica gira em torno da crença e daprova da existência de um corpo astral dentro do corpofísico, sendo o primeiro independente do segundo».

«A alma interna da célula física – o ‘plasma espiritual’que domina o plasma germinal – é a chave que deve abrirum dia as portas daquela terra incógnita do biólogo, atéagora considerada o mistério obscuro da Embriologia».

«O nascimento do corpo astral antes do corpo físico,sendo o primeiro um modelo do segundo».

H. P. BlavatskyDoutrina Secreta, Vol. III

«O corpo astral é feito de uma matéria muito subtil nasua textura, quando comparado com o corpo visível, e temuma grande elasticidade, de modo que muda poucodurante o período de uma vida, enquanto o físico se alteraa cada momento… O astral é flexível, maleável, dilatável eforte. A matéria de que é composto é essencialmenteeléctrica e magnética…»

W. Q. JudgeIn O Oceano da Teosofia

Membro fantasma

Sheldrake relaciona a conhecida sensação do«membro fantas ma», pela qual passam aqueles quesofrem amputações, com a pre sença desse campo deforças ou Campo Mórfico.

«Todos os que sofreram uma amputação, e todos que

tra ba lham com eles, sabem que o membro-fantasma éessencial para que se possa usar um membro artificial».Citando um paciente, descreve como este tem que «acor -dar» o «seu fantasma» pela manhã: «inicial men te ele fle -xio na o toco da perna para perto de si mesmo, e depois ba -te nele rapidamente e com força – «como no traseiro deum bebé» – várias vezes. Na quinta ou sexta palmada ofan tasma subitamente desperta, reanimado, iluminadopelos estímulos periféricos. Só en tão ele pode colocar asua prótese e caminhar.»

Oliver Sacksneurologista, autor do livro

O Homem Que Confundiu a Sua Esposa Com Um Chapéu

«O membro astral não foi amputado e, conse quen -temente, o homem sente como se ele ainda estivessepresente, pois facas e ácidos não ferem o modeloastral…»

W. Q. JudgeO Oceano da Teosofia

Mentes contraídas e mentes expansivas

«Praticamente em todos os conhecimentos tradi -cionais do mundo vamos encontrar uma concepção da al -ma que não está confinada a habitar a cabeça, mas simque anima e se interconecta com todo o corpo e com o seumundo circundante. Está vinculada com os antepassados;conectada com a vida dos animais, das plantas, da Terra edos Céus; pode sair do corpo em sonhos, em transe e namorte; e pode comunicar-se com um vasto reino de es -píritos – dos antepassados, dos animais, dos espíritos danatureza, seres tais como os gnomos e as fadas, seresele mentais, demónios, deuses e deusas, anjos e santos.»

Rupert SheldrakeSete experiências que podem mudar o mundo

Entre os muitos mistérios da natureza, encontramos a inexplicada capacidade dos cupins e deoutros insectos sociais, como as formigas e abelhas, construírem estruturas complexas como oscupinzeiros, formigueiros e colmeias. Como é que estas formas de vida, con si deradas primitivas, quesó conseguem visualizar uma frac ção da obra, podem conceber a totalidade da com plexa e gigantescaobra final? Além de que a construção, na maior parte dos casos, é concluída pelo trabalho de váriasgerações e em que os operários agem em conjunto e de forma organizada. Como se conseguemorganizar e co municar em períodos de tempo tão longos? Os Campos mór ficos seriam então essesmodelos estruturais que estariam presentes na espécie.

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CIÊNCIA | Teoria dos Campos Mórficos

observada e momentos em que não o era, o indivíduo su jei -to à experiência levantava o braço quando estava a serobser vado. Os resultados foram surpreendentes. Com estaex periência Sheldrake procurou contribuir para a com pre -en são dessa mente expansiva que pode conectar-se com omeio circundante.

A Telepatia e os Campos Mórficos

Sobre este fenómeno Judge, na obra já citada, diz oseguinte: «É correcto admitir-se que o pensamento podeser transmitido de um cérebro a outro directamente, semqualquer palavra, mas como é que essa transferênciapode ser realizada sem um instrumento? Esse ins tru -mento é a própria luz astral (Éter). No mesmo momentoem que o pensamento toma forma no cérebro ele érepresentado nessa luz astral, e dali poderá ser recebidopor um outro cérebro que seja suficientemente sen sívelpara recebê-lo intacto…» e acrescenta: «pode di zer-seque a luz astral está por toda a parte, in terpenetrandotodas as coisas, que possui um poder fo tográfico quecapta imagens de pensamentos, acções, eventos, tons,sons, cores, e todas as coisas…»

INFLUÊNCIA SOBRE A EDUCAÇÃOE A APRENDIZAGEM

Entre várias experiências realizadas por Sheldrake,nes te âmbito, destacaria duas bastante contundentes:Uma foi dar a um grupo de pessoas duas canções ja po -nesas, uma tradicional, que todas as crianças conhecem ecantam desde tenra idade e outra totalmente nova, criadapara o efeito, o resultado foi inequívoco, a canção tra di cio -nal foi aprendida por essas pessoas, que nada conheciamde japonês, muito mais rapidamente. Outra experiência foirea lizada com base no código morse, universalmente co -nhecido, e um código reinventado com a mesma base detraços e pontos. Também neste caso o código morseverdadeiro foi aprendido muito mais rapidamente. Comestas experiências, Sheldrake, procurou provar o quanto aexperiência de um grupo, neste caso humano, contribuipara o desenvolvimento dos indivíduos que o compõem edesta forma talvez tenha dado elementos que levam à

Em contraste, a visão moderna, dominante no Oci -dente, e iniciada por René Descartes no século XVII, negaa antiga ideia da mente como parte de uma alma maisextensa, que anima todo o corpo, para afirmar o corpocomo uma máquina inanimada, como igualmente o são asplantas, os animais e todo o universo. Com esta pers pec -tiva a alma foi-se contraindo: da natureza para o homeme daí contraiu-se numa dimensão ainda mais pe quena, ado cérebro. Esta mente contraída, que confina a alma aocérebro, vê-a como um produto da mecânica cerebral.Todas as teorias científicas convencionais são inseridasno paradigma da mente contraída, afirma Sheldrake.

É interessante o conceito oposto, por exemplo da fi lo -sofia e medicina chinesa que confere uma relação entre osestados anímicos e os órgãos; o fígado à cólera, o co ra çãoà alegria, o estômago ao pensamento obsessivo, os pul -mões à tristeza e os rins ao medo. Assim, como expressõesque ainda hoje utilizamos, que relacionam a al ma com assuas conexões do corpo: «de todo o coração», «não tenscoração», «ter maus fígados», «tens que ter as orelhas ver -me lhas, pois estávamos a falar de ti», etc.

É interessante verificarmos, segundo estudos de JeanPiaget sobre o desenvolvimento mental das criançaseuropeias, que é por volta dos dez ou onze anos que«apren dem o ponto de vista correcto», isto é, que os pen -samentos se situam dentro da cabeça. Em contrapartida,antes desta idade, as crianças crêem que em sonhos via -jam fora do corpo, que não estão separadas do mundovivente que os rodeia, mas sim que participam dele, queas palavras e pensamentos podem ter efeitos mágicos àdis tância. Estas crianças mostram um espírito animista,muito semelhante ao das culturas tradicionais de todo omundo e que predominaram na nossa cultura até à revo -lu ção mecanicista e que ainda podemos encontrar nastradições e ritos populares.

Jung foi, muito provavelmente, um dos maiores psi -có logos modernos que melhor soube interpretar e des -crever a alma. Ao falar-nos do inconsciente colectivomos tra a psique não confinada em mentes individuais,mas sim partilhada por todo o mundo. Esta concepção in -clui uma espécie de memória colectiva na qual participaminconscientemente os indivíduos.

No seio de várias culturas e povos encontramos estarelação do homem com a alma da natureza. Através doefeito de drogas, práticas xamânicas e técnicas de me -ditação orientais o homem sempre procurou levar a suaalma a estados de conexão com a natureza ou outras en -tidades, animais, espíritos, etc.

Sheldrake realizou várias experiências controladas deum fenómeno, pelo qual certamente todos nós jápassamos, o de sentirmos que somos observados pelascostas. Alternando entre momentos em que a pessoa era

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de ria depender cada um deles, de um novo tipo de campoou de conexão física capaz de actuar à distância.

Os Campos Mórficos comprometem-nos sobre opoder e influência de cada parte do universo, em que ne -nhum indivíduo é tão insignificante que não possa dar o

seu contributo. Este novo para -dig ma implica novos valo res: ohu manismo, uma atitude ecompromisso ecológico, umavi são transcendente do mundoe da vida e o apoio humanitáriono seu aspecto mais amplo, queé o de criar condições para odesenvolvimento do poder dain divi dualidade que fará crescera humanidade como um todo.

As conclusões finais sãouma síntese dos caminhos queo próprio Sheldrake apontacomo desafio a um novo olharcientífico sobre a Vida:

— A investigação destesnovos paradigmas poderiamajudar a ciência a abrir-se tantono campo teórico como prático.

— Um maior sentido de vinculação entre toda a hu -ma nidade e o mundo que nos ro deia, mudando aperspectiva de que o ser humano tem o direito deconquistar e explorar indis cri minadamente a natureza,sem outra preocupação que não a dos seus in teresses.Isto implicaria naturalmente gran des mu dan ças edu ca -cionais.

— Entender os poderes dos ani mais e dos humanos eos vín culos profundos que existem entre todos.

— Derrubar a convencional separação entre a mentee o corpo e entre o sujeito e o objecto, com grandes im -plicações profundas a nível psicológico, médico, cul tural efilosófico.

O modo de aprendizagem seria então uma espécie deherança básica da espécie, algo «relembrado» de modomais ou menos automático. Não se tratando de algolocalizado no cérebro, mas obtido directamente de umaestrutura da es pécie por meio da ressonância mórfica. Asexperiências acu mu ladas da humanidade fariam assimparte do incons cien te colectivo descrito por Jung.

Judge, falando sobre as propriedades do Éter diz:«Es ta luz pode, portanto, ser impressa com imagens boasou más, e elas ficam reflectidas na mente subconscientede cada ser humano. Se nós enchemos a luz astral comimagens más… elas serão o nosso demónio destruidor,mas se, pelo exemplo de até mesmo alguns poucoshomens e mulheres de bom coração, um tipo novo e maispuro de acontecimentos for gravado nesta tela eterna, aluz astral elevar-nos-á ao nível do que é divino.»

CONCLUSÃO

Sheldrake afirma que é possível a existência demuitos tipos diferentes de campos por descobrir, em queas conexões existentes entre os animais de companhia eos seus donos, entre os pombos e as suas casas, osmembros fantasmas, a extensão da mente, etc. poderãoser fenómenos diferentes e não ter nada em comum. Po -

melhor compreensão, por exemplo, da precoce apetência, nosnossos dias, das crianças para a informática e novastecnologias, isto se tivermos em conta que hoje são uminstrumento com o qual praticamente toda a humanidadetrabalha e convive permanentemente.

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INTRODUÇÃO

Segundo a concepção platónica, aNa tureza é a expressão corporal e vivado mundo arquetípico e ideal. Esta li -nha de pensamento tem vindo a influirde maneira muito importante em todaa história da Filosofia da Estética atéaos nossos dias.

Desde sempre o Homem tem vindo

a observar a Natureza, as estrelas, os cristais, o Cosmosem geral, com uma profunda admiração, partindo doprincípio que se regem por leis harmónicas prees ta -belecidas. Ainda hoje se supõe que os planetas giram nassuas órbitas sem sofrerem a menor variação desde épo -cas imemoriais. O Sistema Solar é visto como um enormerelógio que nunca se atrasa ou adianta. As combinaçõesquímicas, moleculares e atómicas estão sujeitas a leisinalteráveis e a efeitos controláveis e predizíveis. A Na tu -re za inteira é como uma máquina bem rodada e oleada

A ESTÉTICA DO CAOSJorge Alvarado Planas

*

«Algo me diz que o nosso convulsivo século, além da revolução tecnológica, talvez nos tragatambém alguma coisa mais importante, ou seja, o começo dum novo nível da evoluçãobiológica humana em que o matemático caminhará de braço dado com o poeta».

Nicholas Tabakis

*Director daNova Acrópole na

Grécia.

CIÊNCIA Ciência do Caos e Tradição Hermética

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que funciona automaticamente por si só, à disposição esob a possibilidade de controlo do homem. Esta con -cepção mecanicista e materialista do mundo, enraizadana sociedade moderna ocidental e laica e ainda na men -talidade científica até há bem pouco tempo, converteu aestética e a arte dos últimos tempos num formalismoautomatizado desprovido de Alma e Vida, de imaginaçãoin tuitiva, sem conflito vital, sem deixar margem ao ines -perado, ao desconhecido e ao sur pre en den te.

A erupção do racionalismo cartesiano na civilizaçãoocidental, o triunfo do mecanicismo e da ordem new to -nianos conduziram a uma profunda mudança na men -talidade moderna cuja consequência na Arte foi uma li -mitação a estreitos moldes estéticos, submetidos a fór -mulas mecanicistas e tecnológicas. As concepções es té ti -cas contemporâneas da Escola de Bauhaus na Alemanhade antes da guerra são um exemplo desta mentalidadefor malista, mecanicista, super-ordenada e racionalista,mas sem dinâmica e vida interna. A arquitectura deBauhaus – que posteriormente exerceu também grandeinfluência nas demais artes plásticas – move-se num es -pa ço estético euclidiano, o mesmo que a pintura modernade Joseph Albert, como caso extremo representativo, comos seus múltiplos quadrados de cores, lineares, geo mé -

tricos, regulares e monótonos. Supõem uma geometriaes tética de ordem estática. Nessa mesma linha se mo ve -rão Mondrian, Paul Klee ou Kandinsky, dentro da correnteartística e estética a que se resolveu chamar Modernismo,compreendendo o Cubismo, o Abstraccionismo, o Estru tu -ra lismo, etc.

Hoje, em plena época da Pós-modernidade, osarquitectos já não estão interessados em construir ar -ranha-céus como o edifício Seegram de Nova Iorque, quedurante as décadas dos anos de 50 a 70 foram tão faladose imitados. Presentemente essa mentalidade estéticaestá a mudar. A razão dessa mudança é, quiçá, bastanteclara: os esquemas simples e geométricos são per -feitamente desumanizantes e até anti-naturais, pois aNatureza é em certa medida caótica. Os esquemas sim -ples não respondem à maneira com que a percepçãohumana concebe o Cosmos, nem tão-pouco à maneira co -mo a própria Natureza se organiza geralmente.

Neste campo, são bem reveladoras as palavras do físicoalemão Gert Eilemberger, especialista em ciências nãolineares e em supercondutividade: «Porque razão a si -lhueta de uma árvore despida, vergada pela tormenta,sobre o fundo de um entardecer de Inverno, se considera degran de beleza, enquanto que a correspondente si lhue ta de

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um edifício universitário, com os seus múl tiplos objec tivose finalidades não é considerada bela apesar de todas astentativas do arquitecto? Creio que a resposta dependerádos novos conhecimentos sobre os Sistemas Dinâmicos. Onosso sentido da beleza e da Es tética ins pira-nos acoexistência harmónica da Ordem e da ‘desordem’, talcomo existe nos objectos físicos, nas nuvens, nas árvores,nas montanhas e nos flocos de neve. As formas de todasestas coisas são processos dinâmicos que se cristalizaramem formas físicas, onde coexistem de modo imanentecombinações concretas de ordem e desordem.»

Uma grande parte da Natureza está invadida dedesordem, de Caos. São sistemas dinâmicos de tipo caó -tico, desordenado, imprevisível e indeterminado. As tur -bulências das águas dum rio, os vórtices de ar nas su -perfícies dos ventos ou as espirais de fumo dum cigarro,os movimentos das chamas ou as formas dos raios, aslinhas de tensão geológicas, as ramificações do sistemavascular, ou a estrutura do pulmão, tudo isso são ma -nifestações do caos na Natureza, que não podem serapreendidas pelas até agora conhecidas fórmulasmatemáticas ou pelas leis estéticas. O mesmo ocorre nossistemas sociológicos onde o caos aparece por toda aparte, no ritmo das altas e baixas nas curvas de preços nomercado, na Bolsa, nas curvas de acidentes, etc.

Os estudos da problemática do Caos nas Ciências fí si caslevadas a cabo nas últimas duas décadas fizeram com quese reconhecesse a existência do dito caos in clu si vamenteem sistemas que eram considerados ordenados e estáveis,ou seja, previsíveis e controláveis. Tal é o caso do Sistemasolar, no qual se descobriram anomalias e desequilíbriosque só podem ser explicados como efeitos da existência doCaos no Sistema. As investigações efectuadas sobretudo nadécada dos anos 80, informam-nos que na realidade ne -nhuma órbita planetária pode ser considerada pré -de -terminável, e sujeita a uma ordem estrita.

Assim nasceu na década de 90 um novo ramo daciência: a Física do Caos, especializada nos sistemas di -nâmicos da natureza que obedecem a equações de tiponão linear, isto é, aquelas nas quais o resultado obtido nãoé uma função linear dos factores que se incluem na equa -ção, dando origem a novos factores de desordem, ao im -previsível, e ao consequente aparecimento do caos.

No entanto, o caos pode ser descrito, determinado e

formalizado com a ajuda duma nova Geometria, chamadaFractal, que fez a sua aparição no final do século XX. Estanova Geometria, que permite pôr ordem no Caos, en -contrar causas no casual, determinar o indeterminável,pode ser considerada uma verdadeira Geometria daNatureza que contém as Leis e Princípios de uma nova Es -tética Natural.

FRACTAL: A GEOMETRIA DO CAOS

A teoria do Caos ou da dinâmica caótica constitui já umramo especial da Ciência na qual cada vez mais cientistasde diversos campos (Medicina, Geologia, Termodinâmica,Sociologia, Biologia, Aerodinâmica, etc) encontramsoluções para muitas perguntas até agora sem resposta.E talvez ainda mais importante, propõe implicações detipo estético e metafísico filosófico.

Uma parte importante dos cientistas vai tão longe nadefesa da nova Ciência do Caos, que afirma que odesenvolvimento científico do século XX passará àHistória, na memória dos homens somente por trêscoisas: a Teoria da Relatividade, a Mecânica Quântica e aTeoria do Caos, considerada como a terceira grande re vo -lução científica daquele século.

Esta nova teoria afirma que toda a beleza da natureza,com a sua enorme polimorfia, não está sujeita a leis com -plexas, mas provém, sim, de processos muito simples ain -da que do tipo não linear. Por exemplo, a molécula da

« (...) O nosso sentido da beleza e da Es tética inspira-nos a coexistência harmónica daOrdem e da ‘desordem’, tal como existe nos objectos físicos, nas nuvens, nas árvores, nasmontanhas e nos flocos de neve. As formas de todas estas coisas são processos dinâmicosque se cristalizaram em formas físicas, onde coexistem de modo imanente combinaçõesconcretas de ordem e desordem.

Gert Eilemberger

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água é muito simples, mas se se congela e se adicionacom outras moléculas dá origem às complexas formasdos cristais de neve. E nenhum cristal é exactamente igualao outro.

A Geometria Fractal cria objectos cujas partes sãosempre semelhantes (nunca exactamente iguais) ao con -junto total.

Sabemos agora que tudo na Natureza se comporta demaneira não linear; até há pouco tempo não tínhamos apossibilidade de um método matemático para estudareste facto. A nossa matemática era linear, estática. A Geo -metria Fractal obedece a uma Matemática dinâmica, domovimento, do constante fluir, à maneira do pré-so crá ticoHeráclito.

A consciencialização científica do Caos começou comas experiências de Edward Lorenz, na década de 60, sobreas variações climatéricas da Terra. Assim descobriu ochamado ‘efeito borboleta’, segundo o qual o suave vôo deuma borboleta na China pode influir no clima dos EstadosUnidos provocando tufões. Este estranho fenómenomostra-nos que todo o sistema dinâmico tem uma grande

sensibilidade e dependência no que respeita às condiçõesiniciais. Esta sensibilidade e dependência inicial é a res -pon sável pela aparição do caos em qualquer momento.Esta descoberta fez-se eco do refrão popular que diz:

«Por um cravo se perdeu a ferradura.Por uma ferradura se perdeu o cavalo.Por um cavalo se perdeu o cavaleiro.Por um cavaleiro se perdeu a batalha.Por uma batalha se perdeu o Império.»

O ensinamento filosófico do Karma é um exemplo quepode ajustar-se a este modelo. Pequenos detalhes, na ca -deia de causas e efeitos, podem provocar resultados imen -samente complexos, aparentemente fortuitos, impre visí -veis e caóticos. No entanto, agora já sabemos que existetam bém uma Super Ordem dentro do Caos, e o aparentecaos e casualidade na Vida e na História obedece a causase leis de um nível superior, dinâmico e não linear.

Foi, todavia, o físico americano Mitchel Feickenbaum,um romântico que procura a sua inspiração em Goethe e

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em Gustav Mahler, quem fez a grande descoberta dachamada Lei da Universalidade. Em meados da década de70 descobriu o modo concreto em que uma condutaregular num sistema passa a converter-se numa condutacaótica. Observando uma espécie de passagem da ordemao caos que ocorria num modelo matemático concreto,perguntou a si próprio se essa mesma passagem, com osmesmos ritmos de mudança, sucederia também noutrosmodelos. Assim, chegou à conclusão de que de diferentesequações matemáticas saíam os mesmos númerosembora ninguém esperasse tal coisa. O número universalde Feickenbaum é um novo número transcendental (comoo número áureo, o número π ou o número e dos lo ga rit -mos neperianos), que permite compreender o caos. O seuvalor é 4,6692016090, com infinitos decimais. A Univer -salidade expressa uma lei natural dos sistemas na suapassagem da ordem ao caos; é válida qualitativa e quan -titativamente, não só para as formas naturais mastambém para os números exactos. O Caos e o Acaso são aexpressão de uma Lei matemática desconhecida atéagora, de uma Super Ordem de carácter universal, válidapara qualquer ser ou sistema em comportamento di nâ -mico. A Universalidade sig -ni fica que sistemas di fe -rentes se comportam domes mo modo, ou dito deou tra maneira, é o prin cípioher mético de: «Como é emcima é em baixo, co mo é embaixo, é em ci ma».

Os sistemas dinâmicoscaóticos não respondiamno entanto a nenhum mo -de lo geométrico conhecidoca paz de descrevê-los. Ne -ces sitava-se de uma nova Geometria capaz de nos ex pli -car porque é que o comportamento caótico da Natureza,suas formas dinâmicas e informais nos parecem belas eestéticas; que nos explicasse a Estética Natural, com suas

leis e causas, os esquemas caóticos das nuvens, das mon -tanhas, dos relâmpagos, dos rios, das ramificações ar bo -rescentes, que pareciam não obedecer a nenhuma ordemestabelecida, a nenhum modelo geométrico «lógico» enão causal.

A Geometria Fractal, desenvolvida pelo matemáticoamericano Benoit Mandelbrot nos anos 70, veio preencheressa lacuna. O conteúdo desta nova Geometria são oschamados objectos fractais, cuja característica principal éa auto-semelhança, ou seja, cada uma das suas partes,em diferentes escalas de magnitude, é semelhante aoconjunto total. O objecto repete-se, «reproduz-se» a simes mo em suas partes, em qualquer escala. Os objectosfractais são, assim, seres vivos, com capacidade de auto--re pro dução no infinitamente grande e no infinitamentepequeno. Trata-se, pois, da encarnação científica actualdo princípio hermético da analogia «Como é cima é embaixo, como é em baixo, é em cima», por nós mencionadoan teriormente.

Outra característica fundamental dos objectosgeométricos fractais é a de terem dimensão fraccionária,e daí o seu nome. A sua dimensão geométrica faz ponteentre a linha e a superfície, ou entre a superfície e ovolume, ou entre o volume e o tempo, nos espaços n-di -men sionais. O próprio B. Mandelbrot dá-nos um exemplopara que se possa entender melhor este curioso eparadoxal aspecto da Geometria Fractal. Pergunta-se:– Quantas dimensões tem um novelo de lã? – ParaMandelbrot a resposta é que depende da distância ou daperspectiva de escala segundo a qual o observamos. Vistode uma grande distância o novelo não é mais do que umponto no espaço, ou seja, não teria dimensão. Visto demais perto, o novelo parece preencher um espaçoesférico, isto é, teria três dimensões. Se for visto ainda demais perto, aparece-nos o fio, e consequentemente oobjecto teria uma só dimensão, a linear, ainda quedobrada sobre si mesma, utilizando assim um espaçotridimensional. Se entrarmos na dimensão microscópica,de novo as dimensões intercambiam-se no novelo, em

Também na Arquitectura sagrada dos Templos gregos sabemos que existia estaconcepção fractal. Por exemplo, é a unidade-padrão, a coluna, que rege todas asproporções do conjunto, e se vai repetindo em diversas escalas, em cada parte, desdeo pequeno até ao grande, e à totalidade da estrutura arquitectónica.

Benoit Mandelbrot

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fun ção da escala com que é observado. Mandelbrot chegou,de forma não matemática, à ideia da relatividade: «A ideiade que um resultado aritmético deve depender da relaçãoque o objecto tem com o observador, encontra-se, no nossoséculo, muito dentro do espírito da Física e constitui umaimportante interpretação sua». Mas, que sucederia no casode utilizar valores intermédios entre o «muito longe» e o«muito perto»? Chega-se então ao conceito, formulado jámatematicamente, das dimensões fraccionárias. AGeometria Fractal cria objectos cujas partes são sempresemelhantes (nunca exactamente iguais) ao conjunto total,ou seja, a parte é o todo e o todo está em cada parte,segundo dizia a velha Sabedoria Hermética, e o segundoPrincípio da Analogia ou Corres pondência no Kybalion. Aqualidade desta semelhança consigo mesma, desta auto--reprodução, é a característica básica de um objectofractal, em qualquer dimensão frac cionária.

A utilização desta Geometria Fractal permitereproduzir e modelar a maioria das formas, dinâmicas ecaóticas, dos sistemas naturais. Trata-se de uma ver -dadeira Geometria da Natureza, capaz de apreender eformalizar uma nova Estética – aliás tão antiga como aprópria Natureza – a Estética do Caos.

As montanhas não são cones, as nuvens não sãoesferas, o trajecto dos raios não é em linha recta, osritmos dinâmicos não são totalmente regulares. Estesesquemas geométricos como abstracção da realidade na -tural, pertencem ao mundo mental, mas não se reflectemtal qual na Natureza física, e não permitem uma com pre -en são e descrição real dos fenómenos dinâmicos na -turais. Exprimem uma beleza conceptual, mas para acompreensão da complexidade do caos na Natureza têm--se demonstrado assaz inúteis. E justamente por isso fa -la va-se de caos na Natureza, ao passo que agora, com a

Agora já sabemos que existe também uma Super Ordem dentro do Caos,e o aparente caos e casualidade na Vida e na História obedece a causas eleis de um nível superior, dinâmico e não linear.

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nova Geometria Fractal, podemos falar de Ordem dentrodo Caos. O Acaso deu lugar à Necessidade. As formas dasnuvens, a turbulência dos rios, o trajecto dos raios no céu,a distribuição das galáxias, das crateras na Lua ou emMarte, a propagação de uma epidemia numa população, jánão são resultados fortuitos, mas sim resultados que obe -decem a leis conhecidas, as leis da Geometria Fractal.

Tudo isso deu lugar ao nascimento duma novacompreensão estética e a novas problemáticas decarácter filosófico e metafísico que se aproximam muitodas velhas concepções esotéricas tradicionais, como ve -re mos mais adiante.

ANTECEDENTES HISTÓRICOS E PRECURSORES

Ainda que possa parecer paradoxal, a revolução cien -tífica e também estética da Geometria Fractal (já se fazmúsica fractal e pintura fractal dentro do contexto dumamaior aproximação ecológica à Natureza) não é realmentenova. Já no Esoterismo tradicional se encontram clarosantecedentes de tudo isto.

No papiro Rhind das Matemáticas do Antigo Egipto, naépoca do Império Novo, apresenta-se já um problema, onº 79, cuja estrutura é fractal. O problema apresentado éo seguinte: Um senhor tem um terreno com sete casas,em cada casa tem sete gatos, cada gato controla seteratos, cada rato rouba sete espigas, cada espiga tem setegrãos. – Quantas coisas tem de seu este senhor? Umasolução é calcular as primeiras cinco potências de 7, masa solução mais cómoda é utilizar o método fractal.

Já o grande matemático Moritz Cantor (1829 – 1920) sedeu conta de que este problema é o antecessor egípcio deoutro, em nova versão, que havia apresentado o maiormatemático da Idade Média, o italiano Leonardo Fibonacci(1175 – 1250), inventor da série que leva o seu nome, nasua obra Liber Abaci (1202). O problema é o seguinte:“Sete mulheres vão a caminho de Roma. Cada mulher temsete mulas. Cada mula transporta sete sacos. Cada sacocontém sete mantas. Cada manta contém sete facas ecada faca tem sete bainhas. – Quantas unidades vão acaminho de Roma?

Outro precursor importante da concepção fractal é ofilósofo de Nola, Giordano Bruno, com a sua teoria daMínima, ou Mónadas, que contêm em pequena escala oTodo. Deus é a Mónada das Mónadas, como Minimun, vistoque o Todo está contido n’Ele. Este pensamento já seencontra na Filosofia pré-socrática de Anaxágoras, na suaTeoria das Homeomerias, assim como no último neo-platónico, Proclo (Elementos Teológicos). Também naArquitectura sagrada dos Templos gregos sabemos queexistia esta concepção fractal. Por exemplo, é a unidade--pa drão, a coluna, que rege todas as proporções doconjunto, e se vai repetindo em diversas escalas, em cadaparte, desde o pequeno até ao grande, e à totalidade daestrutura arquitectónica.

CONSEQUÊNCIAS FILOSÓFICAS

As novas concepções científicas sobre a Geometria doCaos são chamadas a provocar uma verdadeira revolução

O conteúdo desta nova Geometria são os chamados objectos fractais, cuja característicaprincipal é a auto-semelhança, ou seja, cada uma das suas partes, em diferentes escalasde magnitude, é semelhante ao conjunto total. O objecto repete-se, «reproduz-se» a simesmo em suas partes, em qualquer escala. Os objectos fractais são, assim, seres vivos,com capacidade de auto-reprodução no infinitamente grande e no infinitamente pequeno.Trata-se, pois, da encarnação científica actual do princípio hermético da analogia «Comoé cima é em baixo, como é em baixo, é em cima» (...).

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em todos os campos, não só científicos como também ar -tísticos e do pensamento em geral. No terreno da música,por exemplo, a Geometria Fractal, com pro gra mas ade -quados em computador, permitir-nos-ia trans formar emimagens, formas e cores, qualquer música que respondaa uma estrutura fractal, como é o caso da mú sica de Bach.Tam bém poderíamos transformar em sons musicais qua -dros artísticos do tipo fractal, como por exemplo a pinturade Van Gogh. Diri gimo-nos para uma nova concepçãoestética onde a Ciência e a Arte estarão profundamenteharmonizadas num Todo indissolúvel com a Filosofia.

Trata-se, pois, de um regresso às velhas concepções doEsoterismo hermético tradicional, tal como encon tramos noRenascimento com Ficino, Pico de la Miran do la, CorneliusAgrippa, Fludd, Campanella e o grande Gior da no Bruno, ouna Idade Clássica com Pitá go ras, Platão ou Plotino, assimcomo nas antigas fontes eso té ricas do Orien te.

Do ponto de vista filosófico, as novas ideias científicasde que o Todo está repetido, auto-reproduzido em cadaparte, até na mais mínima partícula do Ser, tem um enor -me valor, pois supõe a reivindicação e o encontro com aMagia e o Esoterismo de toda a tradição de corte ini ciá -tico; a renovação da nossa Aliança com as civilizações dopas sado. A afirmação hermética «Como é cima é embaixo, como é em baixo, é em cima» e a afirmação deGiordano Bruno «tudo está no Todo» são já realidadescientíficas aceites no fim do segundo milénio da Ci vi -lização ocidental. Ressuscitou a Filosofia Total, chamadaHolística na linguagem moderna.

Para além do aparente «caos», podemos reconhecer a

exis tência de uma estrutura claramente fractal no Uni -verso e no próprio ser humano, tal como indica na suaobra a filósofa do século XIX Helena P. Blavatsky, bebendonas antiquíssimas fontes do Esoterismo trans-himalaico.Efectivamente, na sua monumental obra A DoutrinaSecreta fala-nos dum modelo evolutivo dos seres, ba -seado no número 7, que vai desde o nível cósmico até aoantropogenético e fisiológico. Assim, a evolução no Sis -tema Solar desenvolve-se em sete Sistemas de CadeiasPlanetárias. Cada Sistema compõe-se de sete Cadeias,cada Cadeia Planetária de sete Mundos, em cada Mundodesenvolvem-se sete raças humanas, cada raça contémsete sub-raças, cada sub-raça sete ramos civilizacionais…Desde o infinitamente grande até ao infinitamente pe que -no, o modelo séptulo repete-se numa admirável auto-se -melhança.

Esta revelação de que o Modelo Evolutivo do AntigoEsoterismo corresponde a um verdadeiro esquema fractal,vem apoiar ainda mais a sua autenticidade e conotação coma própria Natureza, reivindicando assim, no início do ter -ceiro milénio, não só a memória de Blava tsky, como tam -bém a seriedade e importância dos en sinamentos tra di cio -nais da Filosofia Esotérica, como verdadeira pre cur soraatem poral das concepções científicas mais mo der nas.

As formas das nuvens, a turbulência dos rios, o trajecto dos raios no céu, a distribuiçãodas galáxias, das crateras na Lua ou em Marte, a propagação de uma epidemia numa po -pu lação, já não são resultados fortuitos, mas sim resultados que obedecem a leis co -nhecidas, as leis da Geometria Fractal.

Tudo isso deu lugar ao nascimento duma nova compreensão estética e a novas pro -blemáticas de carácter filosófico e metafísico que se aproximam muito das velhas con cep -ções esotéricas tradicionais.

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Imaginemos o silêncio, denso, impene -trável, viajando de sombra em sombra, ro -deando e permeando aquela massa ir re gu -lar e amorfa. Fria e só, a nuvem que ve mosvogar nas trevas do Universo parece-semais com a escuridão materializada do quepro priamente com a gloriosa origem das lu -minosas estrelas.

Aparentemente inertes e sem rumo estasnuvens cheias de moléculas e átomos são,segundo os astrónomos, os berços de todasas estrelas e de todos os planetas exis ten tesno Cosmos infindo. Estas imensas es tru turasgasosas de dimensões titânicas cobremnormalmente extensões no espaço muitomais vastas do que a distância entre o Sol eas estrelas que lhe estão mais pró xi mas.

Neste momento, contudo, encontra mo--nos a prescrutar incognita mente o mudoba ter de coração duma nuvem ainda ador -me cida. Lentamente, penetramos nessa gi -gan tesca câmara de segredos onde os mis -térios da vida, da actividade, dos sonhos

aguar dam inexoravelmente o tempo da sua manifestação.A extraordinária matéria-prima do Universo espera si len -cio sa e pacientemente o advento da sua hora. Pois que an -tes os passos sábios do Cosmos ainda com ela não se ha -viam cruzado.

De repente, ecos de um rio distante precipitam-se comoflechas incendiárias sobre aquela mole amorfa e sem vida.Sons reverberam pela escuridão, ventos fortes levantam--se e todas aquelas moléculas de hidrogénio, pe que nas,humildes, mais simples do que uma bactéria, espoletam oseu cantar. Como que animadas de uma estranha sinfonia,estas ínfimas partículas começam a mo ver-se, a tocar-se,a sentir-se tocadas. Uma miríade de melodias percorre o are a nuvem, outrora negra e esquecida, enche-se demovimento e de danças ao cre pús culo.

Como pequenos faróis à distância, estrelas azuis, rosas,ver melhas, também elas filhas da escuridão, po voam osrecantos do cenário circundante. Erguendo-se triunfantesaci ma da linha de água que as impedia de brilhar livre men -te, tais sublimes nenúfares projectam os seus raios fúl -gidos forjados na mais rija fibra da adversidade na direcçãoda magnífica nuvem de Hidro gé nio.

Como que tantalizada pelo toque daquele respiro, a nu -

COMO NASCEM AS ESTRELASPedro Almeida*

De repente, ecos de um rio distante precipitam-se como flechas incendiárias sobre aquela moleamorfa e sem vida. Sons reverberam pela escuridão, ventos fortes levantam-se e todas aquelasmoléculas de hidrogénio, pequenas, humildes, mais simples do que uma bactéria, despoletam oseu cantar. Como que animadas de uma estranha sinfonia, estas ínfimas partículas começam amover-se, a tocar-se, a sentir-se tocadas. Uma miríade de melodias percorre o ar e a nuvem,outrora negra e esquecida, enche-se de movimento e de danças ao crepúsculo.

*Astrónomoe investigador.

CIÊNCIA O Nascimento das Estrelas

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Descobriu-se, há pouco mais de dez anos, que afinal as estre las não se formam sós. Mais demetade das que obser vamos diariamente no céu nocturno encontram-se na verdade acompanhadasde pelo menos uma com panheira. Se acreditarmos que semelhante afecto entre estrelas seestabeleça nos primeiros passos da sua formação, podemos então imaginar que no centro dosagregados nebulosos que descrevíamos atrás se en con trem, pelo menos dois corações a bater.

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CIÊNCIA | O Nascimento das Estrelas

vem começa a revolver-se, pequenos vórtices vindos deden tro desestabilizando a superfície, fazendo-a con tor -cer-se sobre si mesma. Assim que penetramos no seuinte rior adensado pelas trevas, distinguimos zonas onde ogás e a poeira, matérias-primas da nuvem, se concentramlen tamente em pequenos novelos. Estes, tal como alfaitesur dindo um vestido, puxam os tecidos de poeira que os co -brem, atraindo para si tudo o que está à mercê da sua gra -vidade. A cortina de gás que nos impedia de ver flui gra -dual mente para cada um destes envelopes de matéria emfor mação. As estrelas no firmamento começam a apa re -cer, trémulas mas vitoriosas, por entre os densos casulosso bre naturais. Rochas e gás de todo o tipo, encarceradosem tamanhas cápsulas espaciais, chocam, clamando pores paço, tentando em vão escapar ao abismo do tempo.

A certa altura, a soma de todo este caos faz com queum movimento de rotação, único e inolvidável, se imponhaso bre todo o embrião proto-estelar. As minúsculas par -tícu las primordiais, à força de tanto chocarem, encon -

centro daqueles largos abraços de matéria, um corpopode roso, maciço, tépido, aquecido por biliões de vozesató micas.

Este corpo, de tão maciço, atrai com a sua in co men su -rá vel gravidade tudo o que o circunda. Gradualmente, sóos cor pos maiores, tais como aqueles que virão dar ori -gem aos planetas, lhe resistem, mantendo-se firmes noseu movimento orbital. Este maravilhoso limbo, criado pe -lo equilíbrio precário mas estável entre as diversas forças,es tá longe de ser estático. Arrastando e assimilando todoo gás e poeira que se encontram no seu caminho estespro to-planetas rochosos, gasosos, tornados pigmeus àsom bra da imensa hierofania, vão crescendo, ama du re -cendo, limpando os vestígios de material desamparadoque se encontrava esparso naquilo a que os astrónomoscha mam de envelope inicial. Envelope que, à medida quea estrela vai crescendo em tamanho, progressivamente sevai convertendo num disco circum-estelar aplanado eacha tado pelas forças físicas que o governam.

Como que tantalizada pelo toque daquele respiro, a nu vem começa a revolver-se, pequenosvórtices vindos de den tro desestabilizando a superfície, fazendo-a con tor cer-se sobre si mesma.Assim que penetramos no seu inte rior adensado pelas trevas, distinguimos zonas onde o gás e apoeira, matérias-primas da nuvem, se concentram len tamente em pequenos novelos. Estes, talcomo alfaites ur dindo um vestido, puxam os tecidos de poeira que os co brem, atraindo para si tudoo que está à mercê da sua gra vidade. (...) As estrelas no firmamento começam a apa re cer, trémulasmas vitoriosas (...). Rochas e gás de todo o tipo, encarcerados em tamanhas cápsulas espaciais,chocam, clamando por es paço, tentando em vão escapar ao abismo do tempo.

tram-se agora reunidas em corpos de tamanhos de pe -dras, casas, planetas.

Pa ssam-se anos, milhares de anos escorrem como a -reia por entre os dedos e os muitos casulos que se en con -tram dispersos pelo espaço, antes ocupado pela nuveminicial, ficam progressivamente mais quentes e aco lhe do -res. Com efeito, no interior de cada um deles algo de sa -gra do, protegido, começa a tomar consciência, a pulsar, aga nhar vida própria.

Descobriu-se, há pouco mais de dez anos, que afinal asestre las não se formam sós. Mais de metade das queobser vamos diariamente no céu nocturno encontram-sena verdade acompanhadas de pelo menos uma com -panheira. Se acreditarmos que semelhante afecto entreestrelas se estabeleça nos primeiros passos da suaformação, podemos então imaginar que no centro dosagregados nebulosos que descrevíamos atrás se en con -trem, pelo menos dois corações a bater. No entanto, nomo mento que observamos não vemos nada de tão bri -lhante que se assemelhe a uma estrela. Vemos, sim, no

De súbito, desencadeados por uma qualquer energia in -te rior, descomunais campos magnéticos começam a e -mer gir do corpo ou corpos centrais que virão dar origemàs estrelas finais. Ainda escuras e apenas visíveis em ra -dia ções pouco energéticas, como a Infravermelha ou a rá -dio, podemos conceber tais jovens objectos como astroscheios de cabelos magnéticos que se projectam para forada superfície esférica em todas as direcções. Estas linhasin deléveis formatam o espaço que as rodeia, condi cio -nando o movimento da matéria, o riso do vento que vem daes trela, os pedaços de terra que se formam no disco e quevi rão dar origem aos planetas.

Milhões de anos passam e enquanto vemos astros (quean tes haviam brilhado orgulhosamente à volta da nuvem)a apagar-se e a despedir-se do oceano fecundo da exis -tência, estas nossas estrelas, filhas desta nossa nuvemparticular, vão crescendo, perdendo personalidade e ga -nhan do alma até que, num trejeito último de mani fes taçãose acendem...

Fotões, vindos do seu interior, perdidos há milhares de

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anos a tentar encontrar a superfície das estrelas, fi -nalmente chegam, vindos dos seus mais íntimos nú cleos,onde, segundo se acredita, a pressão e a tem pe ra tu ra sãotão grandes que a paixão e o amor de ca da átomo por simesmo se apaga e se desvanece. De tal forma, que aspequenas partículas se começam a fundir e a produzirener gia que, ansiosa por ser livre, estende o seu braço atéaos confins da estrela e se liberta. Os planetas, então, jáfor mados e complacentes, aguardam a sua vinda, o seuquen te abraço para que possam eles próprios desen -cadear o sonho da vida.

A certa altura, a soma de todo estecaos faz com que um movimento derotação, único e inolvidável, se imponhaso bre todo o embrião proto-estelar. Asminúsculas par tícu las primordiais, àforça de tanto chocarem, encon tram-seagora reunidas em corpos de tamanhosde pe dras, casas, pla netas.

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Como nasceu a ideia central do livro «AFórmula de Deus»?

A ideia deste romance ocorreu-me emDe zembro de 2005, numa praia do Brasil.Um turista sueco lia um livro de ciência cha-mado A Partícula de Deus e, ao ver esselivro, interroguei-me se alguma vez seriapossível provar cientificamente a existênciade Deus. Percebi que essa ideia poderia re -sultar num romance inovador, desde quesus tentado em informação científica verda-deira, e comecei então a fazer pesquisa parade terminar se haveria matéria para o livro.

Qual a sua premissa-chave?

Será possível provar cientificamente a existência deDeus?

Na obra, um poema enigmático, intitulado DieGottesformel, da autoria de Einstein, dá o mote parauma aventura que comprova, cientificamente, a exis-tência de Deus. Pode explicitar o conceito de divindadeem causa? Qual a sua perspectiva pessoal no que dizrespeito à possível existência de uma InteligênciaSuprema?

Parti para este romance numa postura de interrogação.

SERÁ POSSÍVEL PROVARCIENTIFICAMENTE

A EXISTÊNCIA DE DEUS?ENTREVISTA A JOSÉ RODRIGUES DOS SANTOS

Carla Costa* e Paulo Alexandre Loução**

ENTREVISTA José Rodrigues dos Santos

*Profissional decomunicação;

**Investigador eescritor.

«O que é curioso é que descobri que a ciência está maispróxima de desvendar o mistério da existência de Deus do quea maior parte das pessoas tem consciência. Até muitos cien -tistas se encontram na ignorância, devido ao facto de vi ve remapenas concentrados numa pequena área do saber e de des co -nhe cerem as descobertas que são feitas nas outras áreas.»

José Rodrigues dos Santos

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A vida é um instrumento no grande plano do universo,não é o objectivo do universo.

Nesta obra nota-se um grande trabalho de investigaçãorelativamente à evolução da ciência na exploração (eexplicação) do cosmo no último século. Ficou surpre-endido de como muitas teorias científicas se estãoapro ximando de conceitos espirituais de algumas cul-turas antigas?

Sim, há coisas surpreendentes, sobretudo as que deco-rrem da Experiência Aspect e a sua semelhança com opensamento judeu, hindu e budista.

Por outro lado, ao fazer um estudo comparado entre asreligiões do oriente e ocidente, encontramos muitopontos comuns, como por exemplo entre a SabedoriaOriental e a Kabalah judaica?

Há de facto pontos em comum, sobretudo o conceito deunidade do divino.

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Não sabia o que iria encontrar. Será possível provar cienti-ficamente a existência de Deus? Para responder a estapergunta, é preciso primeiro definir o que é Deus. Será umvelho de barbas brancas que observa o nosso planeta e quemanda Abraão matar o filho e que exige fidelidade doshomens? Esse Deus a ciência não encontrou. Então o queencontrou a ciência?

Para buscarmos Deus, temos de determinar duas coi-sas: existe inteligência no universo e existe intenção nessainteligência? Se conseguirmos responder a essas duasperguntas, provamos se Deus existe ou não. E a resposta aessa pergunta está ligada ao problema fundamental dosentido da vida. Essas são questões abordadas pelo ro -mance de uma forma que procuro que seja interessante.

O que é curioso é que descobri que a ciência está maispróxima de desvendar o mistério da existênciade Deus do que a maior parte das pessoas temconsciência. Até muitos cientistas se encontramna ignorância, devido ao facto de viverem ape-nas concentrados numa pequena área do sabere de desconhecerem as descobertas que sãofeitas nas outras áreas.

Em A Fórmula de Deus defende a tese deque o universo não é eterno, isto é, que teveum princípio e que vai ter um fim. Podemos,neste âmbito, falar de uma intencionalidadecriadora?

O romance expõe o pensamento científicosobre esta questão. Quanto á intencionalidadecriadora, ela decorre das descobertas científi-cas que estão a ser feitas, designadamente naquestão do determinismo e nas implicaçõesreferentes ao Princípio Antrópico.

Em determinado momento da sua obra dizque tomamos decisões livres, mas que elasjá estão determinadas. Assim sendo, até queponto podemos falar de livre-arbítrio?

É um pouco estranho, mas o que se passa éque tomamos decisões que nos parecem livres,mas que estavam já determinadas. Até Freuddiz isso…

Neste contexto, qual o sentido da vida? Considera que,como afirmam tradições orientais e algumas ociden-tais, o objectivo é o aperfeiçoamento do Ser interior aolongo de várias reencarnações com vista à plenitudesuprema, Nirvana para os budistas, Pleroma para osGnósticos?

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ção: «A ciência moderna não é a única explicação pos-sível da realidade e não há sequer qualquer razão cien-tífica para a considerar melhor que as explicaçõesalternativas da metafísica, da astrologia, da religião, daarte ou da poesia. (…) A razão por que privilegiamoshoje uma forma de conhecimento assente na previsão eno controlo dos fenómenos nada tem de científico. Éum juízo de valor. A explicação científica dos fenóme-nos é a autojustificação da ciência enquanto fenómenocentral da nossa contemporaneidade. A ciência é,assim, autobiográfica.» Considera que António Baptistaterá alguma razão ou trata-se da reacção sectária dovelho paradigma positivista da ciência?

Acho que António Baptista tem razão, como é evidente.Não há sobrenatural, há apenas natural que não compre-endemos. Mas, por vezes, quando enfrentamos algo quenão conhecemos, inventamos explicações «mágicas», tal-vez uma herança da mentalidade tribal que persiste nosnossos genes. Como acreditar que um determinado ali -nha mento de planetas faça com que eu vá ter uma sema-na boa a nível sentimental? Isto é de facto obscurantista…

A filósofa e mística russa Helena Petrovna Blavatskyafirma na sua obra Ísis sem Véu: «O universo é a com-binação de milhares de elementos, e contudo é expres-são de um simples espírito -- um caos para os sentidos,um cosmos para a razão». Considera que de algummodo a Teoria do Caos lhe dá razão?

A Teoria do Caos é apenas uma das ínfimas partes daciên cia que poderá secundar essa afirmação. O universoé um hardware que tem um software. Todos conhecemoso seu hardware. São os átomos, as moléculas, as célu-las, os pla netas, as estrelas, as galáxias. Mas qual é osoftware? Qual é o programa do universo? Isso ainda nãopercebemos…

No Egipto helénico, o primeiro princípio do Kybalion éo seguinte aforismo: «Tudo é mental, o Todo é mental».Tudo está penetrado pela mente cósmica Maat, todoscomo seres mentais vivemos nessa mente cósmica.Considera que muitos cientistas como Fritoj Capra par-tilham desta visão do universo? A existência dessamente cósmica poderá explicar o paradoxo EPR(Einstein-Podolsky-Rosen)?

É uma explicação.

Considera que há muitos pontos comuns entre as gran-des religiões da humanidade? Por exemplo, o conceitoda existência de uma única realidade, tal como aexpressa relativamente ao hinduísmo na pág. 398: «Oshindus têm muitos deuses, de facto, mas as sagradasescrituras não passam de reflexos de um único deus,de uma única realidade. É como se Deus tivesse milnomes e cada nome fosse um deus, mas todos elesremetessem para o mesmo, diferentes nomes e dife-rentes rostos para uma mesma essência. (…) Brahmané todos e um. É ele o real e o único que é real.»

É esse, de facto, o principal ponto em comum. E éessa realidade que a Experiência Aspect, conduzida pararesponder a um paradoxo apontado por Einstein, vemdescobrir.

Não lhe dá a sensação que as religiões ditas monoteís-tas (Judaísmo, Cristianismo e Islamismo) com origemno Mediterrâneo Oriental estão ficando ancilosadasface ao diálogo emergente entre Ciência e Es piri tua -lidade? Será por terem uma atitude demasiado dogmá-tica subjugando a razão à fé, ou porque lhes falta inter-locutores que façam os paralelos?

Não sei. Mas penso que a questão da existência deDeus não é um problema religioso. É um problema cien-tífico.

Concorda com a seguinte afirmação de Boaventura deSousa Santos: «Começa hoje a reconhecer-se umadimensão psíquica da natureza “a mente mais ampla”de que fala Bateson, da qual a mente humana é apenasuma parte, uma mente imanente ao sistema globalsocial e à ecologia planetária a que alguns chamamDeus. Geoffrey Chew postula a existência de consciên-cia na natureza como um elemento necessário à auto-consistência desta última e, se assim for, as futurasteorias terão de incluir o estudo da consciência huma-na. Convergentemente, assiste-se a um renovado inte-resse pelo “inconsciente colectivo”, imanente à huma-nidade no seu todo, de Jung.»?

É possível, mas trata-se apenas de uma hipótese.

O texto anterior foi retirado da Oração de Sapiênciaproferida por Boaventura de Sousa Santos na aberturasolene das aulas na Universidade de Coimbra, em 1985,sob o título Um Discurso Sobre as Ciências. Anosdepois, o físico António Manuel Baptista considera obs-curantista e irresponsável o discurso de Boaventura deSousa Santos. Como por exemplo a seguinte afirma-

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A FÓRMULA DE DEUSDE JOSÉ RODRIGUES DOS SANTOS

Madalena Clamote

Resumo da obra

Einstein deixou uma fórmula secreta, no início dosanos 50, a dois estudantes de física, um português, eoutro tibetano, quando estes estudantes estavam nauniversidade de Princeton, nos Estados Unidos. Estafórmula, estava cifrada, e continha, segundo se pensa-va uma fórmula para produzir uma bomba atómicabarata e em grande escala, que su pos tamente tinhasido «encomenda» a Einstein, pelo então primeiro-mi -nis tro de Israel.

O fio condutor desta história é-nos relatado por umcriptanalista português, Tomás Noronha, que numavia gem ao Irão, é abordado por uma iraniana represen-tante do ministério da ciência, a qual pede para ser de -cifrada esta fórmula que se encontra em poder do go -ver no do Irão. Mas esta fórmula revelar-se-ia a maior emais revolucionária descoberta de todos os tem pos: APROVA CIÊNTIFICA DA EXISTÊNCIA DE DEUS.

Esta viagem levá-lo-á a contactar o tibetano, deseu nome Tenzing, que se tornou em monge budista,em Potala, que juntamente com o físico português, ti -nham «ajudado» Einstein, nas pesquisas da chamada«Teoria de Tudo».

Na história as revelações extraordinárias surgematra vés de conversas muito interessantes e lógicas

entre as personagens. Todas as matérias científicassur gem descodificadas. Tudo é abordado: Teoria doCaos, Paradoxo de Olbers, Força Escura, Gravidade,Teoria da Relatividade Geral e Restrita, Teoria Quân -tica, Força Forte e, Força Fraca, Força Electro mag -nética, Principio da Incerteza, Principio da Exclusão,Teoremas da Incompletude, Principio Antrópico,Radiação Cosmológica de Fundo, Teoria das Cordas,Bing bang, Big Chunch, Big Freeeze.

No capitulo da filosofia/religião, são evocadas, eexplicadas, as Sephirots da Kabalah, é demonstrada aessência comum entre o Hinduísmo, Budismo e oTaoísmo, e no caso do Cristianismo é apresentadauma interpretação muito especifica dos Génesis.

Alguns temas-chave do livro

As Leis e o destino final do universo.A nossa relação com o universoQuem somos, para onde vamos eporque estamos aqui.

«DEUS NÃO JOGA AOS DADOS COM O UNIVERSO»«SUBTIL É O SENHOR, MAS MALICIOSO ELE NÃO É»«FAÇA-SE LUZ» (Gen, I, 3)

Albert Einstein

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Quando os filósofos pitagóricosensinaram que Tudo é Número e queos números são os hieróglifos ou sím-bolos sagrados das Ideias que regem aNatureza é porque pensavam (ousabiam?) que viver no mundo dos sen-tidos é como viver num caverna, limita-

dos e que o único modo que a alma tem de conhecer a rea-lidade pura é com o olho da Inteligência. O que este perce-be não são as sombras das sensações mas as cristaliza -ções da razão, quer dizer, os números. Platão, herdeirodestes ensinamentos insistia que os números não são aabstracção de uma quantidade, mas sim o único modo quetemos de tornar inteligível essa quantidade. Os númerosnão derivam das medidas, mas sim estas dos números,pois é a razão quem, através dos números pode medir,pesar… ordenar o caos das sensações em ritmos ou emfiguras (números, em definitivo).

Existe um número que expressa uma relação geomé-trica entre a circunferência e o seu diâmetro, o número PI.A circunferência é PI multiplicado pelo diâmetro. Estenúmero (é um número ou é o Fiat Lux da Mente Divina que

O NÚMERO PI: 3,14159PODER CRIADOR,

CONSERVADOR E DESTRUIDORDA NATUREZA

José Carlos Fernández*

*DirectorNacional da

Associação CulturalNova Acrópole.

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origina os números? É um número, imóvel, como são todosos números ou é o «Uno que se soma» da MatemáticaSagrada antiga?) é considerado pelos matemáticos actuaiscomo um número transcendental. Estranhos números es -tes que expressam funções mas que não podem ser asolução de uma equação algébrica.

Na Matemática das Antigas Civilizações PI é muito maisdo que isso, é a origem das medidas, é a quinta-essênciado nosso universo dinâmico, é o símbolo numérico daener gia criadora (formadora), sustentadora e destruidoraque rege a natureza em todos os seus planos. É um dosNúmeros Sagrados, que expressa a irrupção do espírito namatéria, ou a cristalização em formas do indefinido, a rela-ção entre o conhecido e o desconhecido (entre o um e ooutro), entre o limitado e o ilimitado, entre o Ser e o Existir,entre a unidade e a multiplicidade, entre o permanente e oefémero, o homogéneo e o heterogéneo, entre o HomemQuadrado (material) e o Homem Pentágono (espiritual) deVitrúvio, entre o curvo e o recto; naturezas sempre disse-melhantes e irreconciliáveis. Em todas as EscolasEsotéricas de todos os tempos foi conhecido como o núme-ro chave do Movimento na Natureza, ou seja, símbolo doseu dinamismo, que nasce sempre da contradição entreestes eternos pares de opostos que mencionamos. Paraestes sábios, PI, a relação não «satisfeita» entre a circun-ferência (com o qual todas as teogonias se iniciam), e oduplo diâmetro, é o que origina o primeiro movimento, ogiro da cruz, a suástica, que pode ser dextrógira (girandopara a direita) ou levógira (giranda para a esquerda). A pró-pria palavra sânscrita «suástica» (tristemente conhecidapelo uso que dela fez o nazismo), chamada «cruz bendita»ou «tetragamma», significa etimologicamente «a que seagita por si mesma», ou seja, a vontade criadora, o primei-ro movimento. Dizemos relação «não satisfeita» entre acircunferência e o diâmetro porque PI não se pode expres-sar como um número racional, como uma fracção simples,como uma relação numérica. Os infinitos decimais queapresenta numa dança «aleatória» são a dança da própria

vida, o perpétuo solve et coagula na Natureza e que aAlquimia estuda.

Por exemplo, a Doutrina Secreta, obra colossal de H. P.Blavatsky, regista num verso de um livro antiquíssimo, AsEstâncias de Dzyan, que ela estudou e compilou no Tibete:«Os Lipika (os Números-Leis da Natureza) circunscrevemo Triângulo, o Primeiro Um, o Cubo, o Segundo Um e oPentágono dentro do Ovo (o Círculo). É o Anel chamado‘não passarás’, para os que sobem e descem, para os que,durante o Kalpa (Ciclo de Manifestação), estão a marcharaté ao Grande Dia: ‘Sê como nós’ (Quando todo o Universovolta à sua Unidade não Manifestada)».

É evidente que este «Triângulo, o Primeiro Um, o Cubo,o Segundo Um e o Pentágono» são os símbolos do 3, do 1,do 4, do segundo 1 e do 5, quer dizer o 3.1415, PI e geome-tricamente são inscritos pelo próprio poder do PI na refe-rida circunferência.

Um dos comentários esotéricos à referida obra, e que aautora reproduz, diz: «A Grande Mãe (a Eternidade dinâmi-ca e homogénea que o círculo expressa ou, noutra chave, aque guarda o diâmetro horizontal do referido círculo) temno seu seio o �, a |, o �, a segunda | e o , e está pre-

parada para dar à luz, os valentes Filhos de �, �, || (o 4

320 000, o Ciclo), cujos dois antecessores são o O (círculo)e o · (Ponto).

Em todas as civilizações antigas, de acordo com estaautora, os poderes criadores – diferenciadores e formado-res – que mantinham a ordem da natureza e que finalmen-te a levavam à sua extinção foram representados por estenúmero, que vincula a circunferência aos polígonos quenela podemos construir. Eram, portanto, a Hierarquia divi-na ou angélica que aparece em todas as religiões comodando nascimento ao mundo.

Por exemplo (e seguimos o discurso desta autora), otermo «Deus», que aparece no livro do Génesis bíblico (aterceira palavra, equivalente, portanto ao Fogo, e que porcerto aparece no plural, ou seja, seria «Os deuses) éALHIM que lido numericamente (cada número em hebreu

Na Matemática das Antigas Civilizações PI é (...) é a quinta-essência do nosso universodinâmico, é o símbolo numérico da ener gia criadora (formadora), sustentadora e destruidoraque rege a natureza em todos os seus planos. É um dos Números Sagrados, que expressa airrupção do espírito na matéria, ou a cristalização em formas do indefinido, a relação entre oconhecido e o desconhecido (entre o um e o outro), entre o limitado e o ilimitado, entre o Ser e oExistir, entre a unidade e a multiplicidade, entre o permanente e o efémero, o homogéneo e oheterogéneo, entre o Homem Quadrado (material) e o Homem Pentágono (espiritual) de Vitrúvio,entre o curvo e o recto; naturezas sempre dissemelhantes e irreconciliáveis.

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está representado por uma letra do seu «alefato») é 13514,que disposto em círculo (que é o que simbolicamente sedeve fazer) dá 31415. O autor Ralston Skinner, que ela citana sua obra «The Source of Measures», fornece abundan-tes exemplos do uso anagramático do PI na Bíblia. Diz queé, por exemplo, a relação entre Jeová – o Divino – e AdamKadmón – o Homem Celeste. Curiosamente, também onúmero gnóstico associado a Cristo é o 318, que expressaa relação entre o diâmetro e a circunferência, dando a estaúltima o valor da unidade [1 / π é igual a 0.318]. Este núme-ro é também o número do Deus Sol (Helios) dando àsletras gregas o valor numérico que lhes corresponde. Esteautor destaca que esta relação PI é a que se estabelece (deacordo com o procedimento kabalista da gematria) entre 6x corvo e 5 x pomba: a pomba, símbolo de Vénus, represen-ta a Vida (por isso o 5 era também o símbolo da Saúde, deHígia), e o corvo era o permanente, o invisível, a imortali-dade. Geralmente diz-se que os egípcios – sendo istodeduzido a partir do Papiro matemático de Rhin ou do deMoscovo – conheciam o PI com um valor de 3.16, o que jáé uma boa aproximação. Mas não é certo: conheciam-nocom uma aproximação ainda maior. São os matemáticos, enão os egiptólogos, que, tendo estudado as fracções egíp-cias (que se converteram, quase, num novo ramo da Mate -má tica actual) verificaram que nos textos egípcios apareceexpresso, e não como número, mas como conceito,355113, que é uma assombrosa aproximação de PI conhe-cida desde a mais remota antiguidade e divulgada pelomatemático chinês Zu Chongzhi no século V d.C. Com efei-to, 355/113 é igual a 3.14159290... que podemos compararcom o 3.141592653... do PI. Franz Gnaedinger no seuassombroso trabalho sobre a Matemática babilónica, ana-lisando a tabuinha babilónica de argila YBC 7289, ondefiguram vários problemas matemáticos, demonstra que os

babilónios aproximavam PI com o número (em sexagesi-mal 3,8,29,44) que é, afirma, a expressão da fracção84.823/ 27.000 ainda mais precisa que a fracção antesmencionada, e que dá um valor de 3,1415925; ainda queeste mesmo autor insista no facto dos babilónios teremchegado a esta cifra deduzindo-a da expressão egípcia355/ 133. Os egípcios também escreviam PI como o triple-to 13, 17, 173; pois, em fracções egípcias, 3 + 1/13 + 1/17 +

1/173 = 3.141527, uma boa aproximação, também. Não es -queçamos, mesmo assim, que PI aparece em nada menosdo que na construção da Grande Pirâmide como a relaçãoentre o perímetro da base e a altura da mesma (outra vezcomo símbolo entre a Terra – o quadrado – e o Céu ou AxisMundi).

Voltando ao conhecimento secreto dos hebreus e queaprenderam, seguramente, do Egipto (Moisés não era umsacerdote egípcio?), ano («Shana») é 355, o que evocamuito bem o círculo completo nos céus (não esqueçamosque nesta relação, por se referir a PI, 355 representa a cir-cunferência e 113 o diâmetro). O valor numérico (porgematria) de «Faraó» (em hebreu Pe-Resh-Ayin-He) étam bém de 355, pois simbólica e magicamente, o Faraóera Todo o Egipto, como proclama Ramsés nas suas este-las, abraçava não só as terras do Egipto mas também asalmas das suas gentes; os mesmos mistérios que evoca-ram todos os verdadeiros reis em todos os tempos emrelação à sua terra e ao seu povo. Um dos símbolos doFaraó era precisamente a Cesta, hieróglifo que significa«Senhor», porque «contém, «reúne» «Dele são» (o mesmosignificado que Platão comenta no Crátilo quando se refe-re aos termos gregos de Anax, Rei e Hektor). Enquanto quea estátua que o representa (que pode ser o seu símbolovivo, o próprio faraó encarnado, o conceito egípcio Tut, quesignifica tanto «estátua» como «nobre», é o 113. Estátua(Chukak), na gematria hebraica é 113, o mesmo que apalavra «dividir» ou «metade» (Pelag) (claro, o diâmetrodivide o círculo exactamente a meio).

Estes jogos de significado entre palavras e números(lexaritmos) não foram somente património da civilizaçãohebraica, devem ser tão antigas como o Homem, e já nosprimeiros signos da língua escrita que conhecemos (os dacerâmica neolítica em Bampo, China, de aproximadamente

5.000 a.C., ou os daMacedónia (apro xi ma -da mente 7.000 a.C.) apa -recem as letras (idên -ticas aos signos do si la -bá rio tartéssico-ibe ro--etru sco) repre sen tan dova lores-símbolos.

Não sabemos desdequando os gregos co -

nhecem este procedimento (mágico-iniciático), pois elestinha o seu próprio sistema de «kabala» com o qual rela-cionavam numericamente os conceitos e os Deuses entresi (e que tão louvado viria a ser depois, por exemplo, naIdade Média e no Renascimento. Ver a Aritmologia deAtanasius Kircher ou a obra do médico e mago CorneliusAgrippa). Extraímos do artigo «Helena Petrovna Blavatskye a redescoberta da ‘Kabala grega’ e das suas leis: Chave

Existe um número que expressa uma relação geométrica entre acircunferência e o seu diâmetro, o número PI. A circunferência é PImultiplicado pelo diâmetro. (...) é um número ou é o Fiat Lux da MenteDivina que origina os números? Estranhos números es tes que expressamfunções mas que não podem ser a solução de uma equação algébrica.

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lexarítmica de interpretação» do Prof. Jorge Alvarado, asseguintes interessantíssimas relações vinculadas a PI.Todas elas foram determinadas dando o valor numéricoque corresponde às letras gregas que formam os nomesque aqui aparecem. Comentaremos algumas delas:

OCEANO/ NILO = PI

Na mitologia grega o Oceano não é o mar tal como oentendemos, mas sim o cinturão de água doce que rodeiaa terra e, simbolicamente, as Águas Primordiais, o infinitoe sem forma, o apeiron ou ilimitado de Anaxímenes, e oNilo não é só o rio sagrado dos egípcios – como um diâme-tro vertical que floresce no Delta – mas era também umsímbolo da própria corrente de Vida, a descida de todas aspotências criadoras na Natureza. Para além disso, Nilo,em grego, é numericamente 365, pois é o símbolo da Vida(o Jiva Prana da filosofia indiana).

O CÉU (Ouranos, 961) / a VIA LÁCTEA (Galaxia, 306) = PI,pois a Via Láctea é como uma «corda» celeste, é como odiâmetro do nosso céu (e, como tal mostra-se na noite).

O CÉU / ZEUS = PI / 2O CÉU / THEOS = PI, «ou seja, Deus seria o diâmetro de

um círculo com o qual os antigos representavam oUniverso».

Continuando com estas assombrosas relações geomé-tricas e lexarítmicas gregas, o autor deste artigo afirmatam bém que numericamente Centro + Espaço + Cir cun -ferência = Triângulo Equilátero, imagem de profundos signi-ficados quando se medita nela, como faziam os discípulospitagóricos nas suas provas de ingresso na Fraternidade.

De todos os modos, a mais assombrosa, quase incrível,das medidas de PI, e para além disso uma relação pala-vras-número, é a que ocorre na língua sânscrita, num dossegredos iniciáticos que saíram à luz nos anos 60 do sécu-lo passado. Já era sabido que as chaves mais secretas e ossignificados mais profundos dos Vedas (o livro religiosomais antigo que a Humanidade conhece, mãe da maiorparte dos textos sagrados, transmitido por via oral desdehá mais de 10.000 anos, segundo os últimos estudos ar -queo as tronómicos) eram de carácter numérico e que ummesmo fragmento desta obra (como de quase todas asobras sagradas) podia estar a revelar e a encobrir umaverdade moral, psicológica, alquímica, aritmética, geomé-trica, cosmogónica, fisiológica, astronómica, etc., etc. As -sim refere H. P. Blavatsky em Ísis sem Véu, escrito em1875. Mas, foi o yogui, filósofo e matemático Sri BharatiKrishna Tirthaji (1884-1960) que nos forneceu uma provacontundente e definitiva deste facto, relacionado com onúmero PI. Este grande predicador da cultura da Aryavarta(a Índia Védica), dos seus valores e ciências, foi o grandepioneiro do ressurgir da Matemática Védica ensinadaagora não só na Índia, mas também numa imensidão deescolas em todo o mundo, especialmente na América doNorte. Meditando sobre 16 sutras (máximas de sabedoria)do Atharva Veda e dos seus Parirshas (Comentário), elabo-rou todo um novo e revolucionário sistema de matemáticae cálculo de grande valor, especialmente na educaçãoinfantil, pois permite fazer operações complexas semapontamentos. Escreveu 16 volumes de matemática cujosmanuscritos (e com eles a obra inteira) foram queimadosnum acidente, mas em seis semanas conseguiu refazer

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num grosso volume uma síntese de todos os anteriores.Nesta obra apresenta um Hino a Krishna (avatar do DeusVishnu) e a Shiva (Shankara), contido no Vedas (devem per-tencer à abundantíssima tradição oral de Kachemir, poiseste Hino ainda não foi registado por escrito)(1), e que, apli-cando-lhe o «código védico», uma das relações criptográ-ficas números-sílabas do alfabeto devanagari (que deu ori-gem ao sânscrito) resulta no NÚMERO PI COM MAIS DETRINTA DECIMAIS!

O Hino é o seguinte:

gopi bhagya madhuvrata srngiso dadhi sandhiga khala jivita khatava gala hala rasandara

Que traduzido diz: «Ó Senhor ungido com o leite doculto das pastoras (Krishna), Ó salvador dos caídos, Ómestre de Shiva, por favor, protege-me.»

E a chave de relação somente afecta as consoantes,pois as vocais são variáveis, permitindo fazer os jogos depalavras e significados.

ka, ta, pa, y ya são, todos, o 1; kha, tha, pha, y ra sãotodos o 2; Ga, da, ba, e la para o número 3;Gha, dha, bha, y va são o número 4; Gna, na, ma, y sa o 5;Ca, ta, e sa o 6; Cha, tha, e sa o 7; Ja, da, e ha o 8; Jha edha para o 9; e Ka significa o zero.

O que nos permite ler ou cantar com números o hinocomo o número PI com 32 decimais.

0.31415926535897932384626433832792 = PI/10O que é verdadeiramente magnífico é que este hino é

numericamente PI, mas literalmente está dedicado aosdois Deuses que regem a cruz giratória, emblema de PI, opoder de emanação e de absorção (força centrífuga e cen-trípeta) permanente na Natureza. Tal como referimos,Shiva, o regenerador, rege a suástica que gira para a direi-ta (aparentemente o giro do Sol, desde o hemisfério norte)e Vishnu, o conservador, a que gira para a esquerda. Aletra do Hino explica como Krishna se compraz com o leitecoagulado que as suas pastorase amadas lhe oferecem:Krishna representa, numa chave, o Sol e as pastoras, asestrelas que vertem a sua luz infinita «coagulada como oleite» sobre o Astro Rei, alimentando-o. A referência ao Sole às estrelas (como símbolo da Hierarquia Angélica ou

Construtoras e do Logos Criador como coração que impul-siona e dirige todas as transformações da Natureza) estávinculada também ao significado de PI. PI é Eros, o Amorprimordial, a força que faz mover e que também delimita oCaminho-Lei a tudo quanto existe, a sua própria órbita deacção e resposta. O próprio «leite coagulado» é uma men-ção ao poder de cristalizar as formas, de «coagular» oespaço, invisível e imaterial, outra das funções dos pode-res criadores que PI encarna.

No Hino também se suplica a Krishna como mestre deShiva, como «salvador dos caídos», a quem se pede pro-tecção. Shiva é o Deus dos Ascetas e, portanto, do sacrifí-cio, o Deus que sustenta com a sua visão interior o Uni -verso inteiro. «Salvador dos caídos» porque é o poder quere nova, que permite levantar-se uma e mil vezes para con-tinuar a caminhada, é a Força Interior, é o Grande Po derque mora em todos os seres consciente, é PI, como a for -ça que faz com que a semente se converta em árvore (oSOLVE da Alquimia).

Santo número PI, que expressa o Fogo Primeiro, o Pilarque sustenta integramente a Natureza e cujo símbolo, aletra grega π, adoptada – ou melhor divulgada – pelo mate-mático Euler, é como a Porta de um Templo que nos per-mite penetrar nos Mistérios da Criação, pois tudo aquiloque vive e palpita, surge e vive no PI pois, Igne NaturaRenovatur Integra («Toda a Natureza é – e será - renovadapelo Fogo», lema dos Alquimistas que consideravam Cristocomo a Alma Divina crucificada na Natureza e que traduzi-ram assim as letras INRI).

1. Os cépticos não aceitam que este Hino – e nem sequer os 16sutras do Atharva Veda – sejam autênticos e dizem que foraminventados directamente por Bharati Krishna. O caso é que arelação letras-números – esta que se fala em concreto – per-tence à tradição dos matemáticos astrónomos da Índia. Quem,com esta relação fixa, e ajustando-se às estritas regras grama-ticais e sintácticas do sânscrito, e à métrica do hino é capaz deconstruir outro poema diferente? Se isso se consegue e não seencontra referência escrita nem oral do referido hino, entãoretractar-nos-emos do afirmado. Está disponível uma polémi-ca interessante sobre este tema nos seguintes artigos que seencontram acessíveis na Internet:

— «Vedic Sources of Vedic Mathamatics»— «The Sutras of Vedic Mathematics»

Santo número PI, que expressa o Fogo Primeiro, o Pilar que sustenta integramente a Na -tureza e cujo símbolo, a letra grega π, adoptada – ou melhor divulgada – pelo matemático Euler,é como a Porta de um Templo que nos permite penetrar nos Mistérios da Criação, pois tudoaquilo que vive e palpita, surge e vive no PI pois, Igne Natura Renovatur Integra («Toda aNatureza é – e será - renovada pelo Fogo», ... ).

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Hoje, na altura em que o mito da igualdade cambaleia,pode-se apreciar mais livremente a Sabedoria dos antigos,que afirmavam que to das as coisas e to dos os seres têmexistências diferentes.

Mais: dentro da mesma pessoa é difícil registar doisestados de ânimo iguais ao longo de um dia, um mês ou umano. O mau é que, salvo as excepções que confirmam a re -gra, estes estados de ânimo têm frequentemente um deno-minador comum pernicioso, que é o de observar pre fe ren -cialmente a parte negativa de tudo e de todas as coisas.

À sua maneira, cada qual sente-se um «mártir», um in -com preen di do ou uma vítima dos demais, que não o amamnem o valorizam como merece, mais um longo etcetera queseria impossível descrever aqui.

É notável como o egocentrismo, com tendência mais oumenos ma nifestada para o egoísmo, modifica as atitudes eprocedimentos, con ver ten do em néscios os inteligentes,em ocio sos os traba lha do res e em dé beis os potencialmen-te fortes.

O excesso de individualismo é tão mau como o seu con-trário.

Todos acreditam ter, de alguma ma nei ra, as chaves dosucesso, mas quan do são postos à prova fracassam, deitan-do a culpa sempre para os ou tros e assumindo posições psi-cológicas sombrias. Não é raro en con trar in divíduos que sãoverdadeiros déspotas para os seus subordinados e que sãoextremamente sensíveis quando lhes toca a eles obedecerou ou vir um cor rectivo. Então decai a alegria e uma nuvemcinzenta aba te-se sobre a tor turada consciência, que acredi-ta ser vítima de uma in jus tiça, ao mes mo tempo que procla-ma as suas próprias bondades e os erros dos pró xi mos.

Esta atitude pessimista e negativa, ao observá-la aolongo dos anos, em centenas de pessoas que bem poderiamexperimentar uma atitude mais autêntica, positiva e humil-de perante a vida, chamou-me pro fun da mente a atenção.

Recordei-me da parábola de Platãosobre o «Olho da Alma», esse que de acor-do para onde se dirige, vê panoramas dife-rentes e comunica vi sões escuras, cinzen-

tas ou francamente luminosas. E imaginei que te mos den-tro algo assim como um espelho de posição variável. E nelere flec te-se aquilo para o qual está dirigido. Se o deixaremfolgado, lasso, caí do para a parte baixa do Mundo, somentereflectirá sombras, pe ri gos, adversidades. Se, com um pou -co de esforço conseguirmos levantá-lo, mesmo que seja atéà horizontal, o seu campo de visão ampliar-se-á considera-velmente e sem despojar-se de trevas, abarcará tambémho ri zontes luminosos e pluralidade de seres e coisas inte-ressantes, dignas de se ter em conta, e a Alma ampliará asua possibilidade de perceber e por tanto de discernir, deci-dir e actuar.

Se, com firme vontade, levantarmos ainda mais o espe -lho, veremos as coisas adversas do mundo borradas e umCéu de Luz levará beleza e alegria ao nosso Coração.Estaremos naturalmente predispostos para o êxi to, para aalegria e a Sabedoria desenvolver-se-á descobrindo paranós verdadeiras maravilhas e os motores escondidos dascoisas visíveis. Per ceberemos as mãos de Deus em cadaobra e o seu Pensamento in co men surável regendo todas asideias e todas as formas.

Assim, saudavelmente entretidos na visão e na vivênciade tais pro dí gios, iremos esquecendo pouco a pouco as nos-sas estreitezas egoístas, a nossa ignorância que descarre-ga sobre as costas alheias os pesos das res ponsabilidadesque nos enobrecem e que justificam a nossa vida.

Mantendo esse reflexo do Céu na nossa Alma, tudo setornará mais fácil e as caminhadas mais agradáveis, frutí-feras e alegres. Na verdade, va le a pena o esforço, pois deuma semente de vontade surge um bos que de bem-aventu-rança, de felicidade e de conformidade emocional con sigomesmo, ao poder ver com claridade as características doCa mi nho e dos caminhantes que, com o espelho virado paraas trevas, não po día mos distinguir.

As vacilações diminuem e o medo é substituído por umasaudável in quietude renovadora e vital.

Os queixumes tornam-se risos e naturalmente somosme lhor acei tes por todos… simplesmente movendo paracima o nosso espelho in te rior.

O ESPELHO INTERIORJorge Angel Livraga*

*Fundador daNova Acrópole.

Cruz de Paris deArtes e Ciências.

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PARACELSO MAGO, MÉDICO E ALQUIMISTA

Beatriz Diez-Canseco Bustamante*

A Alquimia, antiquíssima ciência esotérica, sempre foi aplicada com fins espirituais.O Médico-Mago, o Alquimista conhecia os segredos da Obra do Demiurgo e o seuconhecimento devia estar ao serviço desta Obra. Tudo no Universo está em processo deevolução dentro de um tempo e um espaço, conhecer a sua trajectória é tema da Alquimiae acelerar este processo considerou-se sempre uma Obra Sagrada.

*DirectoraInternacional

Adjunta daNova

Acrópole.

o certo é que esta força imparável enfrentou todas as difi-culdades do obscurantismo ainda reinante, conseguindocolocar as sementes vitoriosas de uma nova época à qualchamaram Renascimento.

Foi uma autêntica re-evolução, impulsionada por umaforça espiritual renovada que permitiu ao homem ressurgirpara crescer e melhorar. O conhecimento devia estar aoserviço da humanidade, permitindo-lhe entender e ser parteda natureza que a rodeava e do universo que a continha.

Nem sempre compreendidos, muitas vezes perseguidos,os homens que impulsionaram o Renascimento, fiéis à suamissão, pagaram muitas vezes com a sua vida a ousadia derea brir as portas ao conhecimento. Mas pelo facto do Oci -den te ter estado submerso, durante vários séculos, no obs-curantismo e na ignorância não significa que a Sabedoria setivesse perdido para sempre ou para todos. Personagensimportantes como Pico de la Mirandola, Erasmo deRoterdão, Leonardo da Vinci, Giordano Bruno, Galileu e mui-tos outros, passaram à his tó ria pela sua coragem, pelo seuvalor e pela sua fidelidade à verdade.

QUEM FOI PARACELSO?

Em meados do século XIV, após cercade mil anos de formas medievais, brotauma chispa de fogo que iria iluminar oinício de uma nova época. Um vento deliberdade desperta as artes, ciências e filo-sofias, que tinham vivido recolhidas emclaustros e abadias, sob o controlo depapas e bispos.

Uma luz radiante iluminou o coração ea mente de seres excepcionais, que tive-ram o valor de promover um novo estilo devida. Inspirados nos clássicos, revitaliza-ram as suas ideias fundamentais e embo-ra arquitectos, pintores e escultores sevissem obrigados a colocar uma máscaracristã para poderem realizar as suas gran-des obras, realidade que vemos reflectidana quantidade de temas e motivos bíblicos,

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co mo para todos aqueles métodos terapêuticos em con-tacto com a natureza. Esta preferência levou-o a partilharcom o seu filho numerosas excursões e saídas ao campo.O seu pai, como o próprio Paracelso menciona, foi o seuprimeiro mestre, a ele deve as primeiras lições de latim,botânica, alquimia, medicina, cirurgia e teologia.

Estas experiências prematuras, em íntimo contacto coma natureza, deram-lhe a oportunidade de descobrir e conhe-cer os nomes e virtudes das ervas e plantas medicinais.

Orgulhoso, o pai levou-o em muitas ocasiões a casa dosseus amigos, com o objectivo de mostrar as qualidades in -telec tuais que adornavam o seu filho mas, contra as ex -

Entre estes importantes sábios do Renascimentoencontramos Paracelso, uma das figuras mais relevantesda sua época. A medicina, a botânica e a química devem--lhe uma grande parte dos seus avanços e das suas desco-bertas. Não sabemos com exactidão os detalhes da suaformação esotérica, fazem-se muitas alusões a viagens,mestres astrólogos e alquimistas mas, para além de tudoo que se narra sobre a sua vida, é seguro que Paracelsoteve contacto com os sábios do Oriente e foi iniciado emtodos os segredos da medicina, já que a sua grande sabe-doria ultrapassou a dos seus contemporâneos.

O seu nome verdadeiro era Felipe Bombast AurelioTeofrasto de Hohen -heim, nasceu emEinsideln, Can tãode Zurique, Suí ça,no dia 10 de No -vem bro de 1493.

O nome de Pa -ra celso foi dadopelo seu pai quandoain da era jovem,querendo demons-trar que o seu filhoera já mais sábio doque Celso, médicocélebre que viveuna época do impe-rador Augusto e,embora muito rara-mente o tivesseincluído na sua assi-natura, adop tou-ocomo pró prio quandoru bri cou as suasgran des Obras. Osseus discípulos cha -ma vam-no Pa ra -celso e esse nome foio que apareceu sem-pre nas controvér-sias e nos ataquesinjuriosos dos quaisfoi vítima.

O seu pai, o dou-tor Hohenheim ti -nha uma inclinaçãoespecial para a me -dicina natural epara o uso das plan-tas com grande po -der curativo bem

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VIDA E PENSAMENTO | Paracelso

De onde vem a Vida? É evidente que não é de nós.A vida é energia e a energia é Luz, Tudo no Universo é Luz, em diferentes planos de vibração, desde

a mais pura e metafísica, chamada Luz Espiritual, até à mais densa, expressa nos corpos opacos.

Este detalhe não passou inadvertido a Paracelso queimaginou como os mineiros deviam estar doentes. Os seusprimeiros estudos levaram-no a concluir que uma massapetrificada tomava forma nos pulmões e que era esse o

ânsia por elevar e unir a sua Alma com Deus a fim de podercompreender a expressão deste Espírito Divino no Universo.

Percebeu a mão de Deus em toda a Natureza, nas pro-fundas montanhas e na resistência das suas pedras; na abó-

motivo que os levava a morrer. Escandalizado disse:— Quando for médico esforçar-me-ei por salvar estes

trabalhadores da fatalidade que os mata prematuramente.Anos mais tarde começou uma vida errante que lhe

permitiu estudar em escolas e universidades famosas econhecer os maiores Mestres da sua época, como o bispoEberhard Baumgartner, da concregação dos beneditinosdo mosteiro de San Andrés e com o Abade Juan Hein -demberg, chamado Tritemio ou Tritemius, devido ao seulugar de nascimento: Treitenheim, perto de Tréves. Es tesábio e alquimista reconhecido deixou uma forte im pres -são na mente inquieta de Paracelso e orientou as suas in -ves tigações no conhecimento das forças misteriosas domundo invisível.

Paracelso possuía uma inteligência forte e clara, e afir -ma va com muita ênfase que «o verdadeiro médico, bem co -mo o verdadeiro sacerdote, é ordenado por Deus». A sua Al -ma boa a generosa mostrava-se no sacrificado amor em re -la ção a todos os homens que o requisitavam. Conta-se quecom os seus pacientes era muito bom e terno, não cessandode repetir aos seus discípulos que o primeiro dever do mé -dico é o de demonstrar afecto aos seus doentes. «Se o nos -so carinho é bastante intenso, a nossa medicina dará bonsfrutos, se o nosso amor é débil, nos frutos haverá vermes».

Naquela época já começava a adquirir renome devido àcapacidade extraordinária de curar os mais complexosmales, mas com a mesma intensidade com que crescia asua fama também aumentava a inveja dos médicos e per-sonagens apegados à letra morta dos escritos medievais.Com um valor exemplar, sem temor às críticas, acusava osseus colegas de negligentes, devido à veneração cega queprofessavam às autoridades da época medieval.

«O pó e as cinzas respeitadas por estes espíritos esté-reis tinham-se elaborado e transformado em matériaimportante», escreveu anos mais tarde, recordando aque-la época.

A sua filosofia, como a de todos os grandes doRenascimento, tinha as suas raízes no mundo clássico eencontramos a pegada do neoplatonismo na sua constante

pec tativas, Paracelso não se mostrava simpático em ne -nhum sítio, mostrava-se esquivo perante as adulações,brus co no trato, intratável com as pessoas estranhas ehostil na convivência com os rapazes da sua idade. O únicosítio onde se sentia à vontade era na abadia, porque desco-briu uma importante e nutrida biblioteca.

Estes recintos testemunharam a sua prematura incli-nação para o estudo da ciência, da filosofia e da metafísi-ca; as obras e tratados sobre Pitágoras, Platão, Aristótelese outros eminentes filósofos da antiguidade foram alimen-tando o seu espírito. Desde então teve a estranha sensaçãode que estes ensinamentos lhe estavam dirigidos e umamisteriosa força foi-se gerando no seu interior.

Mostrou sempre uma grande sensibilidade à dorhumana, narra uma história da sua infância em que acom-panhou, um dia, o seu pai a uma fundição onde tinha queatender urgentemente um doente.

— Já que vais ser médico – disse-lhe – é necessárioque comeces a familiarizar-te com a dor alheia.

Ao chegar à fundição depararam-se com um caso detuberculose muito avançada que tornava inútil qualquerremédio. O homem doente morreria em menos de umahora. Frente a esta inesperada situação o doutorHohenheim quis afastar Paracelso da agonia do seupaciente e enviou-o a percorrer a fábrica.

Por todos os lados os mineiros iam e vinham, percebia--se uma grande mobilização e agitação no ambiente. Pa ra -cel so caminhava observando com um olhar curioso asgrandes máquinas e todo o barulho desta velha fábrica aque o seu pai dedicava cuidados especiais e logo lhe cha-mou a atenção os pálidos e envelhecidos rostos dos traba -lhadores da fundição.

— Porque é que têm esta má aparência? – perguntouao trabalhador ancião que o acompanhava. Matias era umvelho mineiro e sentiu-se incomodado diante do filho domédico e amigo dos seus patrões pelo que respondeuquase sem dar grande importância.

— É normal, pois os homens passam o dia a respirar opó que deitam as caldeiras.

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A morte não lhe causava horror e soube reconhecê-laquando chegou o momento, no entanto faltava-lhe realizaro último trabalho. Dispunha de alguns bens, os seus livros,a sua roupa, as suas ervas, o seu laboratório e era precisodistribuir tudo aquilo equitativamente. Como estavaimpossibilitado de o fazer legalmente no seu laboratóriode Plaetz, alugou uma habitação espaçosa na Pousada doCavalo Branco.

Sentado no seu leito escreve no primeiro artigo do seutestamento:

«O muito sábio e honorável Mestre Teofrasto deHohenheim, doutor em Ciências e Medicina, débil de corpo,sentado sobre um leito de campanha, mas com espíritolúcido, honesto de coração, cede a sua vida, a sua morte, asua alma, sob a salvaguarda e protecção do Todo-Pode -

roso. A sua fé inque-brantável esperaque o Eterno Mise -ricordioso não per-mita que os amar-gos sofrimentos, omar tírio e a mortedo seu único filhosejam estéreis e im -potentes para a saú -de deste seu hu mil -de servo».

Ao terceiro diamorreu tranquilo di -zendo: «A morte é ofim da minha jorna-da laboriosa e a co -lheita de Deus».

Morreu no dia 24de Setembro do anode 1541. O Príncipe

Arcebispo ordenou que os funerais se ce lebrassem com to -da a pompa.

Niguém pôde ne gar a Paracelso o tí tulo de verdadeirosá bio, pois com as suas memoráveis in ves tigações soubearrancar os mais recônditos segredos da Natureza, segre-dos que hoje a ciência começa a redescobrir. Muitos dosseus escritos tornaram-se proféticos. Foi um clarividente degrandes faculdades e um dos mais ilustrados e eruditos filó-sofos e místicos.

MÉDICO E MAGO

Todas as grandes culturas atesouraram uma extraordi-nária sabedoria sobre a Medicina Mágica. Desde temposimemoriais, nos mosteiros tibetanos e chineses ou nasCasas da Vida egípcias e gregas, foram formados sacerdo-

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bada celeste, por onde se desloca o carro luminoso do Solao amanhecer e na barca da Lua que, acompanhada pelassuas estrelas, ilumina na noite mais escura; nos verdes pra-dos e nos bosques, onde crescem as flores e os frutos quenutrem e sustentam a vida; nas águas das fontes e manan-ciais com os seus dotes curativos e, enfim, Paracelso sabiaque a Natureza era a grande obra de Deus e o médico deviaesforçar-se por conhecê-la e descobrir os remédios que o«Sumo Boticário» tinha disposto para cada doença.

Paracelso foi um místico e este elevado sentimentoacompanhou-o sempre no esforço tenaz para alcançar a sa -bedoria. Alentava os seus discípulos para que se dirigissemà Natureza e procurassem o conhecimento mediante a pro-funda observação. Abria as portas do seu laboratório e orga-nizava excursões para os familiarizar com as plantas medi-cinais, e em reflexões filosóficas dizia-lhes:

«Todas as pradarias e campos, todas asmontanhas e colinas são farmácias. Quemquiser investigar a Natureza, deve percor -rer os seus livros com os próprios pés. Asescrituras decifram-se através das suasletras, mas a Natureza descobre-se indo deterra em terra, e considerando estas tantocomo terras, quanto como páginas. Assim,como no Codex Naturae, é mister voltar assuas folhas».

É indubitável que para a época, Para -celso era uma personagem misteriosa tan -to por causa da sua vida enigmática e soli-tária, como pelos seus profundos conheci-mentos acerca da magia, alquimia e filoso-fia esotérica. A sua nobreza foi tão grandeque, apesar da incompreensão, das injúriase ataques de que foi vítima soube sempremanter-se fiel à sua vocação assumindocom valor e generosidade a difícil sorte queo destino lhe tinha preparado. Viveu ao serviço dos seuspacientes e da humanidade inteira pela qual trabalhouincansavelmente para curar os seus males da alma e assuas dores do corpo.

Que tenha sido acusado de ter feito um pacto com odiabo é coisa muito natural nos grandes inovadores daépoca, bem como não nos deve admirar que fosse assassi-nado por um inimigo desconhecido na prematura idade de48 anos, em Salzburgo.

Muitas lendas foram inventadas ao redor da sua morte.Uns diziam que os seus colegas invejosos tinham contrata-do um rufião para que o seguisse por todo o lado, durantea noite, com a intenção de o atirar para um abismo; outroscontam que lhe deram de beber vinho empeçonhado. Ocerto é que adoeceu gravemente e que dia a dia o seu malfoi progredindo.

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VIDA E PENSAMENTO | Paracelso

A evolução afecta tanto os homens como as estrelas, os animais, as plantas e os minerais.Nas mais antigas Escolas de Mistérios trabalhou-se arduamente para acelerar este processoatravés da transmutação alquímica do homem, quer dizer, transformar os elementos pesadosda sua constituição em átomos de ouro, em pó dourado, para tornar o seu peso ligeiro e libertá--lo da roda do samsara, ou dos sucessivos renascimentos.

Paracelso conhecia muito bem este segredo e nãoadmi nistrava os seus medicamentos à estrutura física doorganismo, já que a considerava totalmente passiva e semreacção uma vez que se retirava dele o corpo astral, porisso os seus métodos curativos estavam orientados paraeste corpo interno e luminoso, veículo das sensações.

Há referências em relação à forma como curava asferidas aplicando potentes reactivos ao sangue derramadoe como através deste método, purificava e revitalizava aAlma e a energia vital.

Para curar um membro doente confeccionava umaréplica em cera e mediante o poder da sua vontade trans-feria para lá o magnetismo do membro afectado. Depoistratava a cera com vitríolo, ferro e fogo, conseguindo umaresposta curativa no paciente. O poder da imaginação e dacorrespondência magnética eram fundamentais.

Paracelso sabia da importância do sangue nos sacrifí-cios e como o sangue derramado reclama vingança oumisericórdia. Os seus humores ou luz é que atraem osanjos ou demónios, e é o instrumento material dos sonhos,porque está cheio de Luz Astral. Os seus glóbulos estãomagnetizados e metalizados, são simpáticos ou repelentese, resumindo, podem assumir todas as formas e imagens,invocadas através da alma física do sangue.

Isto explica como desde a mais remota antiguidade serelacionaram os sentimentos com o coração e como oschamados vínculos de sangue nos grupos familiares, ou ospactos de sangue entre os membros de uma confraria ouclãs, tinham tanta força.

Se continuamos a penetrar neste conhecimento pro-fundo, descobriremos a estreita afinidade que existe com aLua e como esta rege os ciclos da vida na mulher e as épo-cas de sementeira e colheita da Mãe-Terra, bem como arelação vital entre o sangue e a água.

Quem não conseguiu desvelar o profundo mistériooculto na natureza íntima do sangue, não poderá penetrarna mensagem que se esconde na inspiração dos poetasque narram inúmeras histórias de amor e ódio, de união eguerras entre os homens.

tes-médicos, ou médicos-magos. Esta medicina, comooutras ciências ocultas, estava reservada para os discípu-los aceites e sob exigências estrictas recebiam os ensina-mentos de verdadeiros mestres sábios. Jamais povo al -gum difundiu estes conhecimentos aos homens materia-listas, escravos dos seus vícios e paixões.

A medicina mágica fundamenta-se no conhecimentodas leis universais que regem todos os planos daNatureza, de uma Natureza pensada e ordenada peloDemiurgo, o arquitecto desta maravilhosa obra que cha-mamos Universo. É a sua inteligência que se mostra emcada detalhe de ordem e equilíbrio e com a sua própriavida vitaliza-a.

O Universo é o macróbios de Platão, o grande ser vivo,o macrocosmos. O homem é um microcosmos. Daí aestreita analogia que existe entre o grande Universo e opequeno universo, entre o homem celeste e o homemterrestre. Para a medicina antiga o homem está são quan-do todos os seus planos estão em harmonia, quando o seucorpo está em equilíbrio.

Esta medicina verdadeiramente esotérica fundamenta-se no reconhecimento da vida mais além de todas as for-mas materiais.

De onde vem a Vida? É evidente que não é de nós.A vida é energia e a energia é Luz, Tudo no Universo é

Luz, em diferentes planos de vibração, desde a mais purae metafísica, chamada Luz Espiritual, até à mais densa,expressa nos corpos opacos.

Paracelso chamou a esta Luz o fluído ou ouro potável.A Luz é o agente criador, as suas vibrações são o movi-

mento e a vida de todas as coisas; vêmo-la titilando nasestrelas, palpitando nos seres humanos, vegetando naplantas; sólida e brilhante nos metais. Gera as belas emultiformes criaturas da natureza inteira. Equilibra tudomediante as leis da simpatia universal.

Encontramo-la nos fenómenos do magnetismo e no maisrecôndito segredo do sangue. «O sangue é um verda dei roelixir da vida» e não há mago que não tenha reconheci do asua importância em todos os processos curativos e ri tuais.

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tornar o seu peso ligeiro e libertá-lo da roda do samsara,ou dos sucessivos renascimentos.

Foi a evolução dos minerais que inquietou as mentesdos alquimistas, quando se lançavam apaixonados natrans mutação de chumbo em ouro.

Apesar do pouco interesse que Paracelso teve no temade obter ouro, conseguiu alcançar a pedra filosofal, o

«Mag nus Opus» ou «Grande Obra» e ao sair triunfan-te desta empresa, rejeitou-a, por não ser a finalidadeque o seu nobre espírito perseguia.

Os seus trabalhos sobre ciências ocultas contêmfrases obscuras que somente os iniciados conhecemem todo o seu valor. Os alquimistas sempre velaramos seus segredos por trás de símbolos e alegoriasque os profanos, tomando-os ao pé da letra, descon-heciam e até chegavam a dar-lhes as mais grotescasinterpretações.

«Para trás falsos discípulos – dizia – que preten-dem que esta ciência divina não tenha senão um fim,o de fazer ouro e prata. A alquimia que desonrais eprostituís, não tem senão uma finalidade: a de extraira quinta--essência das coisas e preparar os arcanos(extractos poderosos), as tinturas e os elixires quepodem devolver ao homem a sua saúde perdida».

Os grandes salões das universidades foram teste-munha das contínuas e violentas discussões que ar -re batam Paracelso. Os escolásticos não compreen-diam o valor das suas investigações.

«Quem pode ser inimigo da alquimia sem ser cul-pado? – dizia-lhes – Antes, é culpado quem não apratica correctamente, quem não a aplica na devidaforma.»

Muitos destes médicos que o caluniavam e dene-griam injustamente, nas suas costas aproveitavam-sedas suas descobertas e roubaram-lhe muitas das suasideias.

Paracelso, como médico de formação esotérica soubeunificar as ciências e as artes relacionadas com a harmo-nia e a saúde do homem. A Filosofia, a Astrologia e aAlquimia constituem, para ele, os três princípios funda-mentais da medicina. A primeira capta a natureza invisíveldas coisas, a segunda determina o influxo dos astros sobreo corpo humano e a terceira combina as virtudes das diver-sas substâncias para obter efeitos terapêuticos.

Os quatro elementos são básicos em todas as coisas ecombina estes com outros três princípios. Cada substânciaou matéria em crescimento – ensinava – estava formada deSal, Enxofre e Mercúrio; a força da vida consiste na uniãodos três princípios; há, pois, uma acção tripla, a de purifica-ção por intermédio do sal; a da dissolução e consumo peloenxofre e a da eliminação pelo mercúrio, mas cada uma dasmatérias também tem a sua acção separada das outras.

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A ALQUIMIA, UMA OBRA ESPIRITUAL

Os seus biógrafos consideram-no um dos maiores al -qui mistas, devido ao poder especial que tinha de penetrarno próprio espírito da Natureza.

«A Alquimia – escreve no seu Fragmenta Medica – nãotem por objecto exclusivamente a obtenção da pedra filo-

sofal; muitos falaram da alquimia e afirmam que, com asua ajuda, pode-se fabricar prata e ouro, mas para nós, istonão é o mais importante, a finalidade da Ciência Herméticaconsiste em produzir essências soberanas e empregá-lasdevidamente na cura das doenças».

A Alquimia, antiquíssima ciência esotérica, sempre foiaplicada com fins espirituais. O Médico-Mago, o Alquimistaco nhe cia os segredos da Obra do Demiurgo e o seu conhe-cimento devia estar ao serviço desta Obra. Tudo noUniverso está em processo de evolução dentro de umtempo e um espaço, conhecer a sua trajectória é tema daAlquimia e acelerar este processo considerou-se sempreuma Obra Sagrada.

A evolução afecta tanto os homens como as estrelas, osanimais, as plantas e os minerais. Nas mais antigasEscolas de Mistérios trabalhou-se arduamente para acele-rar este processo através da transmutação alquímica dohomem, quer dizer, transformar os elementos pesados dasua constituição em átomos de ouro, em pó dourado, para

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VIDA E PENSAMENTO | Paracelso

Há doenças simples e outras complicadas, que requeremuma cura mista. Há que pôr o maior cuidado no exame de ca -da doença, para reconhecer se é simples, de duas espécies,ou tripla; se procede do sal, do enxofre ou do mercúrio e quequantidade contém de cada elemento ou de todos; em resu-mo, o médico deve procurar não confundir duas doenças.

A Virtude – acrescenta Paracelso – é a quarta coluna dotemplo da Medicina, não se trata de fingir, há que possuirnão só a teoria sobre as doenças, mas o poder de cada umse curar.

«Só aquele que pode curar doenças é médico. Nem osimperadores, nem os papas, nem os colegas, nem as esco-las superiores podem criar médicos. Podem conferir privi-légios e fazer com que uma pessoa que não seja médica,apareça como se o fosse; podem dar-lhe permissão para

matar, mas não podem dar-lhe o poder de sanar; não po -dem fazer dele um médico verdadeiro se não foi ordenadopor Deus».

«O verdadeiro médico não faz gala da sua habilidadenem louva as suas medicinas, nem procura monopolizar odireito de explorar os doentes, pois sabe que a obra há-deelogiar o mestre e o mestre a obra».

«Há um conhecimento que deriva do homem e outro quederiva de Deus por intermédio da luz da Natureza. Aqueleque não nasceu para médico, nunca o será. O médico deveser leal e caridoso. O egoísta, fará muito pouco a favor dosseus doentes. Conhecer as experiências dos demais, émuito útil para um médico, mas toda a ciência dos livros nãobasta para fazer de um homem um médico, a menos que jáo seja por natureza. Só Deus dá a Sabedoria médica».

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OS DEUSES NÃO MORRERAMENDOVÉLICO — CENTRO SAGRADO DA LUSITÂNIA

NO ALENTEJO, UM DOS MAIS IMPORTANTES DA IBÉRIA ROMANA

António Balcão Vicente*

Este carácter iniciático torna-se tanto mais plausível se tomarmos em linha de conta a informação

recentemente obtida no local através do Dr José Fialho Alexandre Nogueira e a quem agradecemos a

gentileza, segundo a qual ainda há não muitas dezenas de anos, existiria um túnel estabelecendo a

ligação entre o topo do morro com a outra margem do Lucefecit, certamente atravessado por todos os

que sentiam necessidade de se incorporar no espírito da divindade para nela se irmanarem, numa

ambivalência idêntica à que o morro estabelecia com as águas purificadoras do rio que libertavam o

peregrino de todas as impurezas terrenas e humanas antes de mergulhar na divindade.

*Historiador.Doutorado em História

Medieval pela FLUL.Alocução apresentada

no jantar Kairós daNova Acrópole em

30.11.2007.

Escarpado do Santuário da Rocha da Mina, junto à ribeira de Lucefecit, Alandroal.

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RELIGIÕES DA LUSITÂNIA | Endovélico

Permitam-me que roube a Fernando Pessoa o títulopara esta minha conversa, a partir do seu heterónimoAntónio Mora, com base num trecho de O Regresso dosDeuses.

Os deuses não morreram:o que morreu foi a nossa visão deles. Não se foram: deixámos de os ver. Ou fechámos os olhos, ou entre eles e nós uma névoa qualquer se entremeteu. Subsistem, vivem como viveram,com a mesma divindade e a mesma calma.

In “O Regresso dos Deuses”, António Mora,

heterónimo de Fernando Pessoa

Mas, uma vez que iniciei com uma citação, peço a vossatolerância para uma outra, desta vez a partir de DalilaPereira da Costa, pela mão do meu amigo Paulo Loução nasua obra Portugal - Terra de Mistérios:

“Deus de uma religião cujas raízes descem às pro fun -dezas primitivas da terra, mas que transcendendo-a,concede aos homens a sua libertação nas alturas do céu,co mo eternidade, esta sua religião estará assim marcadapela característica de toda a religião, vivência e co nhe -cimento português, desde a Pré-História até à Idade Mo -derna – como oposição, ou dualidade, resolvida na uni da -de, da terra e do Céu”.

Falar do culto ao Endovélico é falar necessariamentede uma região, compreendida entre a Serra de Ossa e oGua diana e definida essencialmente por um curso de águaque a enforma e lhe dá substância, o Lucefecit. Mastambém de um conjunto de comunidades que, inde -pendentemente da sua origem étnica e cultural, tinhamuma característica em comum. A sua total identificaçãocom o espaço físico, que naturalmente iam moldando emfunção das suas necessidades de grupo e com o qualestabeleciam todo o tipo de relações de interdependência.Nele encontravam, ou através dele garantiam a sobre vi -vência da comunidade, com ele mantinham uma relaçãoecológica, por vezes ao nível de pequenos nichos, outrasvezes alargada a áreas tão vastas como a baciahidrográfica de um rio que justificasse um conjunto de elosque garantissem uma certa coesão grupal. Nele desco -briam ou imaginavam os acidentes físicos que lhes permi -tiam o acesso às forças que lhes garantiam a coesão da co -munidade base da sua relação com o sagrado, quer aonível do grupo, quer individual.

De facto, os santuários celtas (embora muitos dosnossos pré-historiadores contestem o termo celta paradesignar qualquer realidade pré-histórica, nós con -tinuamos a preferi-la, até por comodidade de linguagempara identificar as comunidades da Idade do Ferro de gran -

de parte da Península Ibérica), tal como os que os pre -cederam (e quantos daqueles não são apenas a ma -nutenção e perpetuação destes?) confundem-se muitasve zes com a própria paisagem.

É ela que define o santuário, tornando-o na aglutinaçãodos quatro elementos, o ar, a terra, a água e o fogo, aomes mo tempo que o transforma no axis mundi orga ni za -dor do espaço que a comunidade pretende organizar.

Por isso, prefere as cristas geológicas que sobressaemna paisagem para quem as observa de perto, mas semantêm ocultas para aqueles que não conhecem ossegredos que lhes permitam a aproximação. Escolhe-asenvoltas pelo rumorejar das águas correntes e puri fi ca -doras que o liguem ao mundo telúrico, ctónico, onde re -pou sa a força da mãe terra antes de irromper em festõesde luz que se erguem em direcção ao firmamento em cadaclarear da alvorada.

Neles se cultuavam os numina, forças divinas telúricaslo cais, inspiradoras de temor e respeito, cujo poder se faziasentir de forma palpável no espaço físico, consubs tanciadascom o espírito dos antepassados, esses primei ros deusesque compreendem as nossas neces si da des e nos auxiliamquer na luta pela sobrevivência, quer na bus ca do co nhe ci -men to e que habitam nesse submundo ctóni co.

Quantos de nós não sentimos essa força que imana daprópria rocha quando subimos em direcção ao topo daRocha da Mina, esse espaço onde as primitivas co mu ni da -des prestaram culto ao Endovélico, ao Enobolico, o “MuitoNegro”?

Para se lá chegar torna-se necessário atravessar oLucefecit, que delimita o espaço da geografia do sagrado esem o qual o morro da Rocha da Mina perde o seu sig -nificado.

É necessário atravessar o Lucefecit, como quem atra -ves sa o Lethes, numa peregrinação que consiste em ul tra -passar a fronteira entre dois mundos. É essencialultrapassar o leito do que se anuncia como o factor da luzpara que, penetrando no mundo ctónico das trevas, sealcance a luz que o Endovélico anuncia em cada aurora,alcançar o mundo dos mortos para que se possa renascerna luz, represente ela a bênção que se pretende alcançar,como a saúde em caso de doença, ou a simples purificaçãoespiritual para bem atingir o outro mundo.

Este carácter iniciático torna-se tanto mais plausível setomarmos em linha de conta a informação recentementeobtida no local através do Dr. José Fialho Alexandre No -guei ra e a quem agradecemos a gentileza, segundo a qualain da há não muitas dezenas de anos, existiria um túnelestabelecendo a ligação entre o topo do morro com a outramargem do Lucefecit, certamente atravessado por todosos que sentiam necessidade de se incorporar no espíritoda divindade para nela se irmanarem, numa ambivalência

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idêntica à que o morro estabelecia com as águaspurificadoras do rio que libertavam o peregrino de todas asimpurezas terrenas e humanas antes de mergulhar nadivindade. Sim, por esta razão não era representada porqualquer imagem ou símbolo. Ela era a essência do lugar,assumindo a forma da paisagem e não se dissociando dela.

Tinha razão Manuel Calado quando afirmou que oprimitivo santuário do Endovélico se localizava na Rochada Mina.

O domínio romano e a construção do santuário em S.Miguel da Mota representaria, de alguma forma, aprimeira morte do culto ao Endovélico. Tudo quanto naRocha da Mina se traduzia em compreensão das relaçõesde equilíbrio entre a Natureza e o Homem viria atransformar-se, em S. Miguel da Mota, por força doracionalismo romano, em algo de eminentemente prático,com regras claramente definidas, em que a bênçãorecebida era proporcional à oferta.

O que na Rocha da Mina era convite ao silêncio, àmeditação e à descoberta interior, tornava-se em S. Miguelda Mota ostentação atractiva de riqueza e garante de umaafluência propiciadora de réditos cada vez mais abundantes.

Enquanto a Rocha da Mina devia ser descoberta atravésde sendas escondidas por entre o matagal envolvente doelemento líquido, S. Miguel da Mota avistava-se de longe,no esplendor dos seus mármores.

A Rocha da Mina entranha-se no interior da terra,apesar do seu morro, enquanto S. Miguel da Mota se impõepela fulgurante beleza de um templo que se transforma nomais importante culto de uma divindade pré-romana emtoda a Hispânia. O culto mantém-se, mas cremos que, apartir da sua desnaturalização, passou a atrair essen cial -men te os que, de alguma forma se associavam ao novo po -der estabelecido.

Aqui, não é já o senhor do mundo ctónico quem co -manda. Quem se dirige ao novo santuário não necessita jáde, ainda que alegoricamente, de atravessar a fronteira daprópria morte, para se descobrir, para se ultrapassar, pararesolver os seus conflitos, para renascer, talvez de formaidêntica à dos que, em Eleusis, participavam nos mistérioslocais de renascimento. Um mesmo símbolo, aliás, os liga,o do javali sacrificado em gesto propiciatório pela re no va -ção da Natureza.

É certo que o novo santuário, provavelmente localizado

Igreja-fortaleza Nossa Senhora da Boa Nova, Terena, Alandroal.

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Mas, nem no período romano, o Endovélico perde com -ple tamente a sua dualidade de divindade ctónica edivindade solar.

Se os construtores romanos afastam, tanto quantopossível, o santuário das águas primordiais do Lucefecit,como forma de realçar as suas características solares, osadoradores do Numen–Deus não deixam de fazer refe rên -

cia à sua face negra do sub-mundo, onde a luz se en -gendra, continuando a atribuir-lhe o nome de Enobolico «omuito negro», em oposição ao de Endovélico «o muitobom» na interpretatio de Leite de Vasconcelos.

RELIGIÕES DA LUSITÂNIA | Endovélico

Escada no cimo do Santuário da Rocha da Mina, Alandroal.

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na encosta nascente de S. Miguel da Mota, dado aí se terencontrado um «conjunto de estruturas soterradas queparece indicar a existência de um “santuário de terraços»,terá assumido as caracte rís ti cas de «uma constru çãomonumental de plano clássico, edificada em épo ca romana»pa ra utilizar as palavras de Amílcar Guer ra, Thomas Schat -tner, Car los Fabião e Rui Almeida, por al tura da sua pri -meira inter ven ção ar queo -lógica no local, em 2002.

No entanto, apesar deapenas tão recentemente olocal ter sido objecto deuma intervenção arqueo ló -gica, poucos haveria, a suldo Tejo, com uma maiorcarga mítica associada,quer ao nível da sensi bili -dade popular, quer daselites eruditas que nuncase desinte ressa ram total -mente pelo espaço em tor -no da ribeira do Luce fecit.No espírito de todos pareceter sempre perma ne cido aideia, ainda que incons -ciente, de que atra vés delase organizava um percursomítico da luz, um outro“caminho das estre las”como poetica mente gostade lhe chamar o Pro fessorPedro Barbosa, tendo porbase alguns lo cais espe cí -ficos, como a Se nhora daBoa Nova e a er mida de SãoMi guel da Mota.

S. Miguel, o arcanjo daluz, a outra face do arcanjocaído, esse mesmo que atransportava, o Lúcifer ctó -nico, fonte de toda a reno -vação e renascimento. ABoa Nova, a notícia da res -sur reição que os discí pulosanun ciavam a quan tos en -con travam. Que im por tavaque, numa pers pectiva gnós -tica, se não tratasse de umaressurreição material, mas antes de uma renovação, deum renascer pa ra um estádio superior, mais luminoso, de -pois de se ter ul trapassado a prova da descida aosinfernos, da ultra passagem do reino dos mortos?

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Talvez nessa dicotomia radique a dupla associação dojavali e da palma, presente em pelo menos um cipo. Ojavali fazendo referência ao mundo inferior, a palma alu -din do à alvorada, ao renascimento equinocial da luz sobreas trevas do Inverno.

Ao seu lado negro, às suas características ctónicas,podemos ainda atribuir a explicação para a ara votiva ondese afirma: ex imperato Averno. Sendo o Averno, o lago daCampânia onde se acreditava existir a ligação com omundo dos Infernos, pretenderia o ofertante agradecer ainterpretação de algum sonho inspirado pelos poderestópicos do submundo, onde o Endovélico se transformavanuma divindade psicopômpica para benefício dos vivos,proporcionando oráculos terapêuticos que os sacerdotesdeveriam interpretar sob a sua influência?

Da história deste santuário, para finalizar, ressalta umaconstante. A perene consciência da sacralização doespaço, ainda que transferido fisicamente para um distintolocal geográfico. Aí, os Alanos, sentiram necessidade deconstruir um templo cristão cujo culto, através da ermidade S. Miguel, chegou praticamente até à actualidade.

Mas que dizer da tradição popular que faz representara imagem de Santo Antão, na Igreja fortaleza da Senhora

da Boa Nova, segurando um bordão de peregrino eacompanhado de um cão e de um porco, o javali sagrado domundo ctónico? É certo que a iconografia do santo assumegeralmente esta representação, mas derivará ela apenasdo pretenso facto de os Antonitas terem obtido o privilégiode apascentar os seus porcos nos baldios? Nascidos nacéltica região do Poitou, na cidade de La Vienne, rapi -damente expandem o seu culto especialmente por locaisde sacralização ancestral, atribuindo-lhe poderes cura ti -vos especiais.

É dessa forma, aliás, que, ainda hoje o cicerone daSenhora da Boa Nova nos recebe: “Lá dentro está SantoAntão que cura tudo”. Mas o cajado pode confundir-se coma lança ou a tocha que a representação da divindadeencontrada pelos arqueólogos de S. Miguel da Mota os ten -ta, numa analogia ao Lug céltico, o deus da Luz que pontuao outro Caminho das Estrelas, esse bem mais a norte, como seu cão e o seu javali.

Talvez as boas vindas do cicerone da Senhora da BoaNova sejam tão fruto do acaso como a lápide votiva que seencontra no lado direito do retábulo da igreja: SintoniaQuinti filia Victorini agradece a Esculápio a cura obtida (verimagem abaixo).

Ribeira do Lucefecit vista do cimo do Santuário da Rocha da Mina.

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É vulgar dizer-se que a Idade Médiaé uma «floresta de símbolos». Estaideia, amplamente difundida, não deixade ser verdadeira. Terá sido, a medieva-lidade, um período em que o símbolo seencontrava omnipresente? A respostacontinua a ser afirmativa, mas igual-mente cautelosa. Por vezes tendemos aexagerar esta constatação, procurandosímbolos onde eles porventura nãoexistem, ou tentando interpretá-los deuma forma desligada das informações

que até nós chegaram. Quantas vezes projectamos nessasimagens, escritas ou iconográficas, as nossas próprias in -ter pretações, aquilo que julgamos terem significado, inde-pendentemente de toda a verificação científica ou mesmoda humildade de reconhecermos que certos sinais não po -dem ser por nós interpretados. Se a interpretação simbó-lica é, por si, algo de extremamente complexo e difícil,mais se tornará quando pretendemos construir interpreta-ções ideais. Tal como Viollet Le Duc que procurava, nosseus restauros de monumentos da Idade Média, o «espíri-to da época», colocando neles o que lá não estava, mas quede veria estar, também nós podemos, muitas ve zes, em -

A SABEDORIA E OS SÍMBOLOSDE BERNARDO DE CLARAVAL1

Pedro Gomes Barbosa*

*Historiador.Coordenador de

História Medieval daFaculdade de Letras

da Universidadede Lisboa.

PENSAMENTO SIMBÓLICO Bernardo de Claraval

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pres tar aos símbolossig nificados que te -riam enchido de ad mi -ração e es pan to os ho -mens me die vais.

Poderemos entãodizer que a imagem da«floresta de símbolos»se aplica menos aosque tentam seguir umcaminho seguro, emais aos que, como o«Ca puchinho Ver me -lho», se afastam do ca -minho aberto nessamesma floresta. Masse guir essa estradaim pede-nos, muitasvezes, de chegar maisper to de determinadas«ár vores», evitando as -sim que nos percamosno «caminho do re -gres so», que é a inter-pretação possível (eplau sí vel) da sim bó li came dieval.

Porquê esta adver-tência inicial?

Pela simples razãode que, nestes nossostempos de busca, in -ces sante e necessária,de uma espiritualidadeque foi retirada ao Ho -mem pela miragem deuma Idade de Ouro tra-zida pelo chamado Pro -gresso, um tempo emque as Igrejas tradicio-nais parecem não res-ponder aos anseiosmís ticos e espirituaispróprios do Ser Hu -mano, em que as «his-tórias maravilhosas»trans mitidas de gera-ção em geração foramsubstituídas por violen tos desenhos animados japoneses oujogos de computador não menos agressivos, a busca de um«maravilhoso» se tornou uma aventura individual, à mercêde novos fabricadores de histórias que foram, paulatina -

Nave da Igreja do Mosteiro cisterciense de Santa Maria de Alcobaça.

men te ocupando o espaço das religiões e das tradições. Porisso aparecem os vários Harry Potters e «Códigos» das maisdes vairadas espécies, que são avidamente deglutidos poruma massa em busca do encantamento que o quo tidiano já

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Mas, assim sendo, e não podendo ser considerado a Gran deObra, Bernardo é o símbolo da Pequena Obra, a PedraFilosofal, que transforma o vil metal no puro ouro. Ou seja,o Homem ignorante no Homem sábio, conhecedor de parteda verdade divina. Por isso, o símbolo não podia ser maisclaro. O cão é o guardião dos segredos ocultos. E o cão é opróprio Bernardo. É branco, como o albedo, a fase da purifi-cação da matéria alquímica. Mas tem laivos de vermelho, ouseja, caminha para o rubedo, a derradeira fase. Não sendo aObra perfeita, Bernardo está quase a atingir a divindade.

Estão pois reunidos todos os ingredientes para a maispura especulação. Se iniciei esta pequena conversa poreste exercício, foi para chamar a atenção para os perigospor onde podemos, facilmente, resvalar. E também paraes grimir armas pela «minha dama», ou seja, pelos estudos

do Imaginário Medieval, tão necessários para entender-mos o pensamento do Homem desses tempos. Períodoque, não o esqueçamos, e seguindo apenas a cronologiatradicional, tem mil anos, resultando por isso que não exis-te um Ima gi nário Medieval, mas várias leituras conformeas épocas e os lugares, embora enquadradas pela suamatriz de base, a doutrina da Igreja cristã, que moldou eafeiçoou as contribuições das diversas influências cultu-rais: romana, gre ga (esta geralmente em «segunda mão»),celta e germânica, não esquecendo, para a nossa Pe nín -

PENSAMENTO SIMBÓLICO | Bernardo de Claraval

«O Milagre do Leite», S. Bernardo recebe o leite da Mãe de Cristo,ficando, portanto, seu colaço.

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não lhes proporciona. E cai-se no desvario mais completoe… comercial. E é simples fazê-lo. Todos nós o podemosfazer, com mais ou menos imaginação, e com pouco traba -lho de pesquisa científica. Tomemos um exemplo:

Um dos símbolos associados a S. Bernardo é o de umcão branco. Como nos conta um dos biógrafos do Santo,Guilherme de Saint Thierry, a mãe de Bernardo, Alice (ouAleth, como então se dizia nessa Borgonha do século XI),estando grávida deste seu terceiro filho, sonhou que esta-ria prenha de um cão branco, com o dorso raiado de ver-melho. E o biógrafo dá-nos a explicação, ainda que sumá-ria, e que teria sido transmitida a Alice por um santohomem, cheio de sabedoria: o cão branco significava queaquele que estava a gerar tinha sido escolhido por Deuspara levar a cabo uma missão de extrema importânciapara a Igreja. Ouçamos Guilherme:

«À agitada e ansiosa mulher respondeu: não temas,tra ta-se de um assunto bom, serás mãe dum óptimocachorro que se tornará um guarda da casa de Deus e porEle lançará grandes latidos contra os inimigos da fé. Seráum brilhante pregador e, como bom cão, por graça da lín-gua medicinal há-de curar muitas doenças da alma.»

E continua. Mas já voltaremos a este símbolo queacompanha algumas representações iconográficas deBernardo. Deixem-me agora fazer um pequeno exercíciode «eso-esterismo», para mostrar como se pode facilmen-te perder o bom caminho da floresta:

Bernardo, terceiro filho do casal, que teve sete filhos euma filha. Sete, número mágico, indica que algo de sagra-do existia nessa família. E Bernardo era o terceiro, outronúmero sagrado, associado à Trindade divina, e o númerodo Espírito Santo que, segundo os seus hagiógrafos, falavapela boca do Santo. Quanto à filha, é fácil de ser explicada:nesses tempos em que a Igreja patriarcal dominava, a suaimportância foi menorizada pelos sacerdotes. Ou, melhor,foi escondida, tal como a Igreja fez com Maria Madalena.Ora, continuando com as nossas lógicas deduções (e de -safio alguém a questionar esta minha lógica), Bernardoesteve na origem da Ordem do Templo (ingrediente indis-pensável para uma boa trama medieval, e mesmo contem-porânea), em cuja fundação até podemos encontrar umseu tio. E não vamos aqui perder tempo com este porme-nor, apesar de importante para a construção da intriga. OsTemplários eram detentores de grandes e ocultos conhe-cimentos, só transmitidos a iniciados. E não são de origemcisterciense os principais textos sobre o Graal? Ora, oGraal, taça onde se contém o sangue de Cristo, é equipa-rável à grande obra alquímica, o elixir da longa vida. Cristoé, por isso, a Grande Obra, como garante de uma vida eter-na. Bernardo está próximo de Cristo, pelos conhecimentosocultos. Ao receber o leite da Virgem, no célebre «Milagredo Leite», não se transformou ele no colaço do Senhor?

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Bernardo está próximo de Cristo, pelosconhecimentos ocultos. Ao receber o leiteda Virgem, no célebre «Milagre do Leite»,não se transformou ele no colaço doSenhor? Mas, assim sendo, e não podendoser considerado a Grande Obra, Bernardoé o símbolo da Pequena Obra, a PedraFilosofal, que transforma o vil metal nopuro ouro. Ou seja, o Homem ignorante noHomem sábio, conhecedor de parte da ver -dade divina.

Dois aspectos devem reter a nossa atenção: por umlado, o conjunto de símbolos que são associados a São Ber -nardo, e representados na sua iconografia; por outro, otex to hagiográfico que já referi.

Quanto ao primeiro aspecto, é simples a enunciaçãodessas imagens simbólicas, e não muito difícil a sua inter-pretação. Em primeiro lugar, o já referido «cão branco»,que apareceu em sonhos a Alice, grávida de Bernardo. Emsegundo, um enxame de abelhas. De seguida, uma mitrapor terra, os instrumentos da paixão de Cristo e uma hós-tia. Também um demónio acorrentado a uma carroça.Finalmente, um dos mais importantes: a visão da Virgem,seja no chamado «milagre do leite», seja a simples ima-gem da Mãe de Deus.

Mas, antes de analisarmos alguns deles, falemos umpouco da hagiografia escrita por Guilherme de SaintThierry. Porquê escolher esta, sabendo que foram vários

os seus biógrafos, desde Arnaldo de Bonneval até João oEremita, passando por Godofredo de Auxerre, secretáriode Bernardo? Alguns dos biógrafos do Santo foram seuscontemporâneos, tendo com ele privado. Mas nada nosindica que estes textos tenham sido escritos em vida deBernardo, ou após a sua passagem. A maioria desses tex-tos foi redigido em pleno processo de canonização. OLiber Miraculorum, escrito em várias mãos, é uma com-pilação dos milagres ocorridos em 1146. Ora, este foi oano da pregação da Segunda Cruzada, que terminou nodesastre que conhecemos, não por culpa da pregaçãovibrante e empe nhada do abade de Claraval, mas pordesinteligências entre os chefes cruzados. Mas as res-ponsabilidades foram assacadas tanto a Bernardo quan-to ao Papa, e haveria por isso necessidade de demons-trar, relatando os milagres ocorridos nesse ano, queDeus protegia o Santo Homem, concedendo-lhe o dom defazer essas maravilhas.

Fazendo aqui um pequeno parêntesis, devo dizer quepreferi, à tradução francesa dos textos respeitantes aBernardo, a versão portuguesa coordenada pelo ProfessorDoutor Geraldo Coelho Dias, Frei Geraldo. Continuando.

Mas o texto de Guilherme de Saint Thierry é, para mim,mais interessante e desafiador, apesar de, e digo-o comtoda a honestidade, não ter conseguido ainda uma respos-ta a todas as minhas interrogações, algumas das quais nãoserão aqui expostas. Guilherme viveu de 1075 (algunsautores referem 1085) a 1148, ou seja, morre cinco anosantes de S. Bernardo. Foi primeiro monge beneditino,tendo sido abade do mosteiro de Saint Thierry, perto deReims. Em 1135 renuncia ao cargo para se tornar simplesmonge na abadia cisterciense de Signy, nas Ardenas, zonarelativamente próxima desse norte da Borgonha e sul daChampagne, onde se localizava Claraval. A amizade e oconvívio com S. Bernardo leva-o a uma profunda admira-ção pelo Santo Abade, de quem escreve a biografia de queaqui falo. Mas não só: foi um dos instigadores da querelaentre o cisterciense e Pedro Abelardo, escrevendo mesmouma «Disputa contra Abelardo». A questão termina, comose sabe, com a condenação do filósofo em 1140. Mas onosso hagiógrafo, se pouco conhecido e discreto, foi maisdo que isso, e dele chegaram até nós alguns importantestrabalhos. Citando uma sua curta biografia, direi que«mais do que um simples nome, o exame dos seus traba -lhos e a actualização feita sobre as fontes do seu pensa-mento, re ve lam um homem cuja ciência e a doutrina sósão igualadas pela humildade, zelo pelas causas nobres,enfim, a abertura ao mundo filosófico e religioso daAntiguidade, tanto do Ocidente latino quanto do Orientelongínquo, uma das glórias da literatura cristã da IdadeMé dia». Ora, com todos estes atributos, que lhe reconhe-cemos, o seu trabalho torna-se ainda mais interessante.

sula, mas não só, os contributos do Islão, mesmo que poroposição.

«Símbolo» é uma palavra de raiz grega, σύμβoλoν, quesignifica «união de dois termos». Como escreve OlivierBeigbeder2, «o símbolo é um ensaio de definição de toda arealidade abstracta, sentimento, ideia, invisível aos senti-dos, sob a forma de imagens ou de objectos». E continua:«possui um sentido subjectivo oposto à alegoria, cujo senti-do essencialmente objectivo está por vezes muito afastadodo dos termos que a compõem». É este sentido subjectivoque torna a análise simbólica tão atraente e, ao mesmotempo, tão difícil e tão perigosa, ou mesmo escorregadia.Mas, feitas estas notas e reparos, vejamos alguns dos sím-bolos associados a S. Bernardo, e também alguns dos prin-cipais milagres que lhe são atribuídos. De vo, contudo, cha-mar a atenção que, dado o tempo limitado de uma comuni-cação, será por mim feita uma escolha, segundo um crité-rio meramente pessoal, que deriva da importância que atri-buo a essas informações que chegaram até nós.

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PENSAMENTO SIMBÓLICO | Bernardo de Claraval

A figura canina é o símbolo da fidelidade, já que reconhece o seu dono, nunca oabandona e, tal como o velho cão de Ulisses, é capaz de seguir o seu amo até à morte. Masé também a figura do guardião, tanto da casa e dos bens do dono quanto de outras casas,estas mais espirituais: a casa de Deus, e a “casa dos Mortos”, já que, segundo váriasmitologias, um cão guarda a entrada do Mundo das almas desencarnadas. Esta ligaçãoà morte faz também dele um psicopompo, um condutor de almas.

Estas são algumas pistas. Mas porque de símbolosestamos a tratar, examinemos alguns.

Voltemos ao cão branco. A figura canina é o símbolo dafidelidade, já que reconhece o seu dono, nunca o abandonae, tal como o velho cão de Ulisses, é capaz de seguir o seu

É também o guardião:: da casa de Deus:: no sentido maisgeral, o da Igreja, e mais restrito, o da Ordem de Cister ou,pelo menos, da casa de Claraval. Na Idade Média, o cãoaparece também como símbo lo da fi de li dade con ju gal.Nes te ca so, da fi de li dade de Bernardo à Igreja, que tinha

amo até à morte. Mas é também a figura do guardião, tantoda casa e dos bens do dono quanto de outras casas, estasmais espirituais: a casa de Deus, e a “casa dos Mortos”, jáque, segundo várias mitologias, um cão guarda a entradado Mundo das almas desencarnadas. Esta ligação à mortefaz também dele um psicopompo, um condutor de almas.É claro que o cão, como qualquer outro símbolo, não temapenas um sentido positivo. Os cães demoníacos e infer-nais, negros como a morte, ajudavam o Mafarrico a caçaras almas dos que morriam em estado de pecado, e oMestre Helequin tinha também terríveis cães nos seus“Cortejos Infernais”. Mas, regra geral, o significado caninoera positivo. E tinha outras qualidades, que nos são relata-das pelos autores medievais. Ouçamos o que diz Pierre deBeauvais no seu Bestiário:

“Com a sua língua o cão cura a ferida, lambendo-a. Oscães que curam a ferida com a língua são os padres quelambem as nossas feridas, isto é, os nossos pecados, o quequer dizer que é com a ajuda da confissão. O facto de umcão ligado a um ventre ferido ajudar a curar o mal interno,significa que a palavra de Nosso Senhor julga os pensa-mentos secretos no coração do homem.”

O simbolismo aplicado a Bernardo é claro. A língua quecura não é, neste caso, a confissão dos pecados, mas sima pregação do Santo, tanto entre os seus irmãos do claus-tro, quanto entre os laicos que são convertidos, ou entãolevados para o bom caminho, de que se estavam a afastar.Mas a sua palavra leva a que muitos deixem o Mundo e seaco lham à sombra dos mosteiros, onde levam uma vidaexemplar de sacrifício e oração. Guilherme de SaintThierry conta-nos que quando Bernardo pregava, as mãesescondiam os seus filhos, e as mulheres os seus maridos,porque era difícil conseguir ficar imune às palavras quesaíam da sua boca, pois não era ele que falava, mas sim oEspírito Santo, por seu intermédio. Mas já voltamos aodom da palavra, ao falarmos das abelhas.

Não só nos relata as histórias que corriam sobre o jovemBernardo, antes e depois do seu nascimento, numa viapara a santidade, quanto os milagres que o Abade realizou,alguns dos quais ele diz ter assistido. Não duvidamos dacrença de Guilherme, como de qualquer dos seus contem-porâneos, nos milagres e sinais milagrosos e premonitó-rios. Quando refere o Demónio, também não duvidamosque nele acreditasse. A principal questão reside nos mila-gres que ele diz ter assistido, para além daqueles que eleouviu, muitos deles contados por quem, supostamente, aeles também tinha assistido ou que deles tinha sido prota-gonista, como veremos depois. E tudo isso, estando vivoSão Bernardo. Sabendo nós que Guilherme não mentiria,pois isso representaria um pecado capital e, para umhomem devoto como era, a impossibilidade de entrar noReino dos Céus, só posso ver aqui duas explicações. A pri-meira, é a de que ele e os seus relatores acreditaram queestavam a viver milagres feitos pelo Santo Abade. A segun-da, é a de que teria de haver uma razão especial para quea não verdade pudesse ser desculpada. E isso só acontece-ria se a finalidade fosse o engrandecimento da Igreja e daOrdem de Cister. E certamente que Bernardo teria tidoconhecimento dessa sua hagiografia, e com ela teria con-cordado. Lembremo-nos de que Bernardo acreditava nãosó na sua missão como defensor da Igreja de Cristo, mastambém nos poderes que nele tinham sido delegados peladivindade, para o ajudar nessa luta. O célebre episódiopassado no sul de França, durante a pregação contra asheresias que aí grassavam, é eloquente. Recordemo-lo.

Numa aldeia do Périgord, o abade claravalense benzeualguns pães, dizendo que assim os seus habitantes securariam das doenças e da heresia. O bispo de Chartres,que se encontrava presente, quis suavizar essa «investida»de Bernardo, dizendo que se curariam se tivessem muitafé. Mas Bernardo insistiu no poder redentor do pão, devidoà sua própria bênção.

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Claustro de D. Dinis, Mosteiro de Alcobaça.

mal ao que é guardado. Por isso aquele que decifrou a Aliceo sonho que tinha tido, dis se também que o seu filho lança-ria grandes latidos con tra os inimigos da Fé, prenunciandoas campanhas de Bernardo, tanto contra os infiéis muçul-

manos, quanto contraos he reges que amea -çavam, por dentro, aCristandade.

Falta-nos ver acor, cuja utilização émuito clara. O brancoé a cor da pureza e dainocência, tanto docorpo quanto, princi-palmente, do espíri-to. Os monges cister-cienses, lembremo--lo, vestiam um hábi-to branco, sinal dasua pureza interior,estado em que de -viam entrar para osmosteiros. O próprioS. Bernardo dizia aosseus monges: «Sevos apressais para ascoisas cá de dentro,deveis deixar fora oscorpos que trouxes-tes do mundo; só osespíritos podem cáentrar; a carne nãoserve para nada».Essa «carne» que oSanto mortificava,não com o intuito,pelo menos exclusi-vo, do sofrimento,mas à procura donão-desejo material.É certo que Bernardoexperimentou o cilí-cio, mas cedo aban-donou este tipo demortificação, con-centrando-se no do -mí nio do espiritualsobre o material, no -mea damente, na in -ges tão de alimentosapenas para não so -ço brar pela fome. In -

desposado. Tam bém de fidelidade vassálica. E Ber nardotem uma in questionável fidelidade ao seu se nhor: Cristo.

Mas, tal como o cão guarda a propriedade e os re ba -nhos do seu amo, tam bém ata ca aque les que que rem fa zer

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PENSAMENTO SIMBÓLICO | Bernardo de Claraval

Os Templários eram detentores de grandes e ocultos conhecimentos, só transmitidos ainiciados. E não são de origem cisterciense os principais textos sobre o Graal? Ora, o Graal,taça onde se contém o sangue de Cristo, é equiparável à grande obra alquímica, o elixir dalonga vida. Cristo é, por isso, a Grande Obra, como garante de uma vida eterna. Bernardo estápróximo de Cristo, pelos conhecimentos ocultos.

Que melhor definição de uma comunidade monástica?E sobretudo da cisterciense, que se queria mais perfeita doque as outras. E ainda mais de Claraval, onde Bernardotentava levar às últimas consequências o ideal de S. Bento,numa edição por ele revista e aumentada. O rei era o pró-prio santo, não na acepção terrenal das funções, mas simna de condutor iluminado da sua comunidade. O exércitoeram os monges, lutando contra as heresias e os desviosda verdadeira Fé, defendendo-a, se preciso fosse, com asua própria vida. Para atingir esses fins há que manter amáxima disciplina, e criar, como se diria em linguagemmilitar, um «espírito de corpo». Isso era conseguido não sócom a ideia de que tinham uma missão transcendental acumprir, mas igualmente com uma forte ligação comunitá-ria onde todos fossem importantes, e onde cada um sabia,perfeitamente, qual o seu lugar na ordem de batalha.

Bernardo é como a abelha-rei: casto, não corrompidopela luxúria, mas dando à luz, de repente, uma grandequantidade de filhos espirituais: não só os novos recrutaspara Cister, mas também aqueles que, continuando noMundo, eram auxiliares nesta luta comum. Guido, irmãomais velho do santo Abade, confia a Guilherme de SaintThierry, falando da expansão de Cister:

«Depois contou-me como é que logo ao princípio secomeçaram a expandir aquelas novas colmeias de abelhasespirituais, e com elas edificar novas casas da suaOrdem…»

Mas as abelhas têm outras referências simbólicas.Ela é muitas vezes chamada «ave de Maria» ou «ave de

Deus». Na realidade, um animal com tão excelentes quali-dades não poderia estar relacionado com os insectos,geralmente impuros, incomodativos e inúteis, a não serpara o Demo. Em alguns Bestiários encontramo-las exac-tamente na secção das aves. Mas é também a imagem deCristo: do Cristo Salvador, pela doçura do mel, associado àmisericórdia; do Cristo Juiz, pelo veneno contido no seuferrão, que pode ser comparado à severidade da justiçadivina. O mesmo acontece com Bernardo, na sua imitatioChristi: doce para com aqueles que estão na recta via,severo com os que dela se afastam. Contudo, existe umoutro atributo das abelhas, associado a Cristo, e de queBernardo não partilha. Como as abelhas desapareciam no

formam-nos os seus biógrafos que o único sabor que sen-tia era o da água, fonte principal da vida e da purificação.Contudo, os cistercienses não se esqueciam de que tinhamtido como «fundador espiritual» S. Bento, e por isso essabanda preta que vestiam por cima do seu hábito branco.Mas em várias representações, desde as mais antigas,como as iluminuras dos códices que representam, porexemplo, o «Milagre do Leite», um dos quais existe nofundo alcobacense da Biblioteca Nacional de Lisboa, até aoquadro de Ribera, S. Bernardo aparece apenas com o hábi-to imaculado.

Mas o cão tinha, no seu dorso, uma mancha vermelha.Confesso que o significado me escapa, e só poderemosentrar na pura especulação. A imperfeição daquele quenão era tão puro quanto Cristo? O sinal do sangue queCristo tinha vertido pelos Homens? A cor do martírio? Tan -tas hipóteses para não menos incertezas.

Um outro e importante símbolo era o da colmeia ou oenxame de abelhas.

Bernardo foi chamado o «Doutor Melífluo». Mas nemsempre as suas palavras levavam a doçura do mel. Era exi-gente, terrivelmente exigente, para com os seus monges,e para com os outros Homens, fossem eles religiosos ou“do século”. Mas a exigência começava por ele próprio.

As abelhas têm, contudo, no simbolismo cristão, umlugar extremamente importante. E também no simbolismode outras sociedades e culturas, algumas das quais certa-mente influenciaram o pensamento simbólico cristão. Masnão nos ocuparemos delas aqui.

No seu Livro do Tesouro, Brunetto Latini, escrito nasegunda metade do século XIII, define as abelhas como«moscas que fazem o mel», e que têm muito cuidado a fazeresse mel, pois que, com a ajuda da cera que colhem emdiversas flores, edificam uma extraordinária casa onde cadaum tem o seu lugar. Possuem um rei (os homens medievaispensavam que a rainha da colmeia era um rei), e tambémum exército, que usam para fazer a guerra. É, além disso, econtinuando a seguir o Livro do Tesouro, o único animal quecoloca tudo em comum, seja a comida, seja o gozo de outrosbens que possuam. E ainda que todas as abelhas sejam vir-gens, e não tenham sido corrompidas pela luxúria, elas dãoà luz, de repente, grande quantidade de filhos.

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entre a abelha e o Verbo. O simbolismo da abe lha, atribuí-do a S. Bernardo, caracteriza, pois, a sua eloquência e oseu dom da oratória, que lhe permitia levar a palavra deCristo aos quatro cantos do mundo conhecido, fosse a pa -la vra falada, fosse a palavra escrita, nas suas imensas car-

tas, tratados e sermões. Mas, como referi, a palavra nãoera dele, mas sim a palavra do Espírito Santo, que falavapor ele, e que por ele era associado à abelha, como nos dizMarie-Madeleine Davy. Conta Guilherme de Saint Thierryque Bernardo teria tido dúvidas quanto à eficácia das suaspregações, especialmente as que eram feitas aos irmãosque de novo entravam no mosteiro. Por isso, resolveu afas-tar-se destas actividades, e dedicar-se exclusivamente àmeditação, embora dentro da casa de Claraval, esperandoque Deus lhe revelasse o caminho a seguir. Poucos dias

depois de se ter retirado teve mais uma dassuas visões nocturnas: viu um menino comnotável graça divina, como nos descreve obiógrafo do Santo. A criança estava de pé,em frente dele, e com ar autoritário disse--lhe que falasse com confiança diante dequalquer auditório, e dissesse tudo aquiloque lhe fosse sugerido pelo seu coração,porque não seria ele a falar, mas seria oEspírito Santo a exprimir-se através dele.

Bernardo também comparava a palavrasagrada ao mel que adoça as almas. Ape nascomo exemplo, refiram-se duas passagensdo seu Tratado em Louvor da Virgem:

«(Que as palavras de Deus) sejam paranós mais preciosas que o ouro fino, maisdoces que o mel de um favo que goteja». Eainda, no mesmo tratado, referindo-se aSão Lucas: «Todas as suas palavras estãocarregadas de sublimes mistérios, e cadauma delas destila doçura celeste paraquem esmiúça atentamente e sabe tirar omel da pedra”, o que quer significar que háque saber perceber, nas palavras doEvangelista, a mensagem sagrada.

Finalmente, um outro significado daabelha, que pode ser atribuído a Bernardo:a Sabedoria. Na realidade, muitos dosgrandes sábios contam na sua biografiamítica com a aparição deste animal, queera visto como tendo uma centelha dadivindade. Pitágoras foi um deles. Contudo,este conhecimento não era o das coisasvisíveis, mas dos Segredos, parte da Ver -dade Universal, que eram revelados ape-nas a alguns escolhidos. E era pelo poderdo Espírito Santo que, para um cristão, era

revelado esse quinhão da Ver dade. Só pelo conhecimento,mas o verdadeiro conhecimento, que era a informaçãoescondida ao comum dos mor tais, e só adquirida pela prá-tica da recta via, da meditação e da ascese, fazendo-semerecedores, é que alguns eleitos conseguiriam a salva-

início do Inverno, para aparecer meses depois, pensava-seque morriam e ressuscitavam, tal como Jesus tinha feito,para a salvação da Humanidade

A abelha aparece também como símbolo da eloquên-cia, aquele dom da palavra que Bernardo possuía pelagraça do Espírito Santo, porque a persuasão tem a doçurado mel. Mas esta ligação vem de antes da medievalidade. Apalavra hebraica que designa «abelha» é debure, que tema sua origem na raiz dbr [ ] (daleth, beth, reš), que sig-nifica «palavra», estabelecendo-se uma clara relação

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PENSAMENTO SIMBÓLICO | Bernardo de Claraval

No seu Livro do Tesouro, Brunetto Latini, escrito na segunda metade do século XIII, define asabelhas como «moscas que fazem o mel», e que têm muito cuidado a fazer esse mel, pois que, com a ajudada cera que colhem em diversas flores, edificam uma extraordinária casa onde cada um tem o seu lugar.Possuem um rei (os homens medievais pensavam que a rainha da colmeia era um rei), e também umexército, que usam para fazer a guerra. É, além disso, e continuando a seguir o Livro do Tesouro, oúnico animal que coloca tudo em comum, seja a comida, seja o gozo de outros bens que possuam. Eainda que todas as abelhas sejam virgens, e não tenham sido corrompidas pela luxúria, elas dão à luz,de repente, grande quantidade de filhos.Que melhor definição de uma comunidade monástica?

Bernardo encontrou a solução. Com voz decidida disse:«excomungo-as». Foi remédio… do Santo. Na manhãseguinte, ao chegarem ao oratório, as moscas estavamtodas mortas, e para as deitar fora foi preciso recorrer apás, após o que a capela foi lavada, com a água que tudo

como uma revelação de Cristo, não por aparição, como játinha sucedido, mas por inspiração.

Mas o episódio não acaba aqui, e a sequência mereceser contada. Bernardo teve, então, uma segunda visão.Estava à beira-mar, esperando uma embarcação que o iria

purifica (Guilherme não refere se esta água tinha ou nãosido abençoada pelo abade). Ao que parece, para os muitosleigos que tinham acorrido à sagração, a maldição dasmoscas de Charlieu (a terra onde se erguia o mosteiro)tornou-se uma parábola… como as de Cristo, o colaço deBernardo. Nunca é demais sublinhar este aspecto.

Uma outra aparição do Demo merece a nossa atenção.Por um lado, porque a vítima foi o próprio Bernardo, maspor outro, porque estaria presente, na ocasião, Guilhermede Saint Thierry. Estando muito doente, e pensando que iamorrer, Bernardo vê Satanás que lhe lança violentas acu-sações. Guilherme abstém-se de dizer se ele e os outrosque lá se encontravam conseguiram ver o Coisa Ruim, dei-xando no ar a dúvida. É claro que Bernardo, obcecadocomo estava com a perfeição e a imitação de Cristo, nãotinha dúvidas quanto aos seus muitos (para ele) pecados.Mas o Santo não esmoreceu (sempre tinha sido um luta-dor) e disse ao Inimigo que não era digno de, por méritopróprio, alcançar o Reino do Céu. Mas Cristo, por duplodireito, obtivera acesso à morada celestial: por herança doPai, e pelo mérito da Paixão. Então, e pelas palavrasatribuí das a Bernardo, terá dito: «Ele (Cristo) fica contentecom um e dá-me o outro, cujo direito reivindico para mim,e não serei confundido». Foi o Demónio a ficar confundidocom estas afirmações tão seguras, e desfez o tribunalonde queria julgar o Abade. Bernardo, vê-se por esta pas-sagem, sente-se quase igual a Cristo. Apenas não tem aherança do Pai, mas o seu sofrimento na terra, compará-vel ao de Cristo, seria uma espécie de redenção para aHumanidade. Pelo menos, para parte dela. Bernardo erahumilde na sua vida no século mas, tendo acesso aoConhecimento, tinha a noção da Verdade. Não podemosver este episódio como falta de humildade do Santo, mas

ção. Sem querer, o Cristão que nisso acreditava, roçavaperigosamente os domínios da Gnose herética. Não oentendia assim o Santo Abade, já que considerava que esseconhecimento não poderia ser obtido pelo exercício dabusca pessoal nem pelo poder do raciocínio humano, massim por graça divina. Por isso condenava os heréticosgnósticos, os desafiadores cátaros e o orgulhoso Abelardo.A contemplação da obra de Deus era a melhor forma de Oconhecer. E a obra de Deus estava diante de todos, naNatureza. Contudo, esta era apenas uma via, já que conhe-cer a Obra Divina não era o mesmo que entendê-la.

Se a abelha era um símbolo da pureza, da graça salví-fica, da palavra divina, do próprio Espírito Santo e doConhecimento, aquele conhecimento com um C maiúscu-lo, o seu oposto estava nesse animal demoníaco que era amosca, sobretudo o enorme moscardo. Não é difícil perce-ber esta negra associação. Bernardo combateu o Mafar -rico por muitas vezes, tanto nas suas manifestações porintermédio dos seus associados, ou daqueles que por eletinham sido possuídos, pobres e fracas almas, mas tam-bém o dito em pessoa, como naquele episódio em que oSanto o tinha feito consertar uma carroça que ele tinhaestragado. Mas pelo menos por uma vez o combate foi con-tra as demoníacas moscas, centelhas da alma satânica.Foi em Foigny, uma das primeiras abadias que Bernardotinha fundado. Para lá se deslocou para consagrar um ora-tório, mas ao chegar encontrou o lugar que, lembremo--nos, ainda não era local sagrado, repleto de enormes epretas moscas. Era o Maligno a tentar tomar conta desseespaço, impedindo que fosse consagrado a Cristo. As mos-cas faziam um terrível barulho, com os seus zumbidos,provocando grande incómodo a todos os que ali se diri-giam. Não se sabia como resolver o problema, mas

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Se a abelha era um símbolo da pureza, da graça salvífica, da palavradivina, do próprio Espírito Santo e do Conhecimento, aquele conhecimento comum C maiúsculo, o seu oposto estava nesse animal demoníaco que era a mosca,sobretudo o enorme moscardo.

pecados. O mesmo barco que leva Artur à ilha de Avalon, eque chega até ao nosso Gil Vicente, nos seus Autos das TrêsBarcas. Curioso é um homem como Bernardo aceitar essaimagem de raiz pagã mas da qual, segundo me parece, poraquilo que tenho presente da leitura das suas obras, não

Bernardo e dos seus companheiros, os tais que com elevão ingressar na Ordem, quando todos a julgavam conde-nada, e que se encontravam empenhados na luta peladefesa da Fé. Cister era uma ordem nova, com ideais ere-míticos e de pobreza, em situação muito difícil. A entrada

encontramos rasto nos seus escritos.Porque a conversa já vai longa, deixamos para outro

momento a análise da «floresta de símbolos» associadosà vida de S. Bernardo, e outros contidos nas suas própriasobras, e que tem sido objecto das nossas recentes preo-cupações.

A imagem construída à volta de S. Bernardo de Claravaltem várias leituras possíveis, mas uma destaca-se, semexcluir as demais. Bernardo tem um claro programa deacção: lutar para que a Palavra de Cristo não só sejadefendida e compreendida em toda a sua plenitude, masque se espalhe por todos os locais possíveis, convertendoo máximo de pessoas, fossem elas cristãos algo tresma -lhados, fossem hereges, ou mesmo gentes de outras reli-giões. Para isso ele vai utilizar tanto a sua Ordem comoexército disciplinado ao serviço de Deus e da Sua Igreja.Mas utiliza igualmente toda a estrutura eclesiástica. Paraisso não chega a intervenção no século. É necessário criarum modelo que seja visto como referência. Num primeiromomento, Cister, mas acima de Cister, ele próprio. Nãodefendo, que fique claro, que este era um programa feitocom intuitos de domínio pessoal, ou mesmo de afirmaçãode poder por parte de determinada Ordem religiosa(Cister, neste caso). Mas para o Santo havia demasiadasbrechas nos muros que defendiam a Igreja e era urgenteencontrar soldados que defendessem a fortaleza de Cristo.Esse escol de homens é procurado por Bernardo, desde oinício, ainda antes de ingressar em Cister, segundo nosconta Guilherme de Saint Thierry: Bernardo e os seuscompa nheiros tinham, em Châtion, uma casa onde seencontravam para em conjunto orar, meditar e discutir.Casa comum a todos eles, onde era extremamente difícil aalguém ser aí aceite, a menos que as suas qualidades fos-sem comprovadas. E quem não fosse do grupo não se atre-veria a lá entrar. Era ali o ninho dos melhores, o mosteiroantes do mosteiro, lugar onde se gizou um projecto ambi-cioso, mas não pessoal.

Penso que Cister foi uma escolha consciente de

transportar. Na iminência da morte, o barco só o poderialevar à terra habitada por aqueles que deixaram esta vida.Contudo, após a chegada do seu transporte, e sempre quetentava embarcar, o barco afastava-se. Compreendeu,então, que não tinha ainda chegado a sua hora.

Bernardo continuava a sofrer. Pediu então a um dosseus irmãos monges que fosse orar por ele, nos três alta-res que havia em Claraval: o da Virgem, ladeada pelos deS. Bento e S. Lourenço3. Durante essa oração, deu-se novomilagre: apareceram, à porta da cela do Abade, os trêssantos que, segundo o biógrafo, «desde esse momento daentrada… logo se reconheceram uns aos outros». Segue--se a imposição das suas mãos sobre os lugares dasdores, que logo desapareceram.

O que é notável, neste episódio, não é o aparecimento deSatanás, que todo o bom cristão temia em vida e, principal-mente, na hora da morte. Vinha à procura de uma grandevitória, que seria conseguida se levasse com ele tão santacriatura. Nem o da Virgem e dos Santos, que o vieramcurar. A Virgem, mãe de Deus e que ele tanto venerava. S.Bento, de que ele se cria, e queria, continuador. SãoLourenço, que tinha suportado horrível martírio. Nem aimposição das mãos, que em várias ocasiões Bernardotambém tinha posto, para curar outros doentes. E nãovamos aqui, para não alongar, discorrer sobre a importân-cia da mão, na simbólica cristã, nem da sua imposiçãocurativa, delegada por vezes por Deus aos seus santos, mastambém a outros representantes na Terra, como os céle-bres Reis Taumaturgos, tema tão bem tratado por MarcBloch. O curioso, aqui, é o sonho do barco que transporta asalmas, uma tradição que vem dos tempos clássicos, pelomenos, mas também da mitologia celta e germânica. OInferno ou a Terra dos Mortos, para além do Mar Oceano,localizado para lá dessa massa informe e caótica que sepa-rava o mundo dos vivos das terras das trevas, onde possi-velmente esperaria o Juízo Final. O Purgatório estava aindaem elaboração, muito embora já existisse o conceito de«fogo purificador» que purgava as almas dos seus menores

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PENSAMENTO SIMBÓLICO | Bernardo de Claraval

de mais de trinta novos recrutas iria permitir o controledessa mesma Ordem pelo grupo comandado porBernardo, Ordem que, assim, se tornaria um instrumentode combate espiritual e de intervenção na Igreja (e, poste-

riormente, na «república cristã»). Daí, penso, este «está-gio» em Châtion, para definir estratégias e fazer escolhas.

Mas essa é uma outra história.

FONTES PRINCIPAIS

São Bernardo, Oeuvres Complètes (ed. de Jean mabillon, M. B.), Paris,1865, ed. electrónica http://www.abbaye-saint-benoit.ch/saints/bernard/

São Bernardo, Tratado dos Louvores da Virgem Mãe (trad. e intr. deFrei Mª Damián Yañez Neira), Lisboa, 2004.

S. Bernardo e Alcobaça (trad. da Vita Prima sob orientação de D.Geraldo Coelho Dias, OSB), Alcobaça, 2005.

FONTES SECUNDÁRIAS

Bestiaires du Moyen Âge (ed. Gabriel Bianciotto), Paris, 1980.Bestiário Medieval (ed. Ignacio Malaxecheverría), 2ª ed., Madrid, 1999.

ESTUDOS

BARBOSA, Pedro Gomes, «S. Bernardo e a Independência dePortugal» em IX Centenário do Nascimento de S. Bernardo. Actas,Braga, 1991, págs. 337-349.

BARBOSA, Pedro Gomes, ««A Luz e as Sombras» em Tarouca eCister. Actas, Tarouca, 2004, págs. 253-263.

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Translating the First Life into Biography» em Bernardus Magister,Spencer, MA, 1992, págs. 55-70.

CHARBONNEAU-LASSAY, L., El Bestiaris de Cristo, vol. 1, 2ª ed.,Palma de Maiorca, 1997.

DAVY, Marie-Madeleine, Initiation à la Symbolique Romane, Paris,1977.

DAVY, Marie-Madeleine, Bernard de Clairvaux, Paris, 1990.DUBY, Georges, São Bernardo e a Arte Cisterciense, Lisboa, 1997.GOBRY, Ivan, Saint Bernard, Paris, 1990.LECLERC, Jean, «Towards a Sociological Interpretation of the Various

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PHILLIPS, Paschal, «The Presence – and Absense – of Bernard ofClair vaux in the Twelfth-century Chronicles» em Bernardus Ma gis -ter, Spencer, MA, 1992, págs. 35-53.

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SERRANO SIMARRO, Alfonso e Álvaro Pascual Chenel, Diccionario deSímbolos, Madrid, 2004.

Notas:

1. Este trabalho foi apresentado no II Colóquio «Tarouca e Cister», em2006, com o título «A Luz e os Símbolos». Foi a base da conferênciacom título homónimo deste artigo proferida no dia 31 de Janeiro de2008 na Nova Acrópole (Espaço D. Dinis), em Lisboa.

2. Para não sobrecarregar com notas este trabalho, a bibliografia e asfontes mais utilizadas estão indicadas no final do texto.

3. S. Lourenço, que viveu no século III, foi mártir. Segundo a tradiçãohagiográfica, Lourenço estaria a coadjuvar o papa Sisto II numacerimónia litúrgica quando as autoridades romanas fizeram a suairrupção no local da assembleia. O papa pediu-lhe então que guar-dasse os livros sagrados de modo a evitar que caíssem em mãosimpuras, o que Lourenço conseguiu levar a cabo. Mas foi preso, tor-turado, e morto pelo fogo numa grelha, que se transformou no sím-bolo do santo mártir. Tal como Bernardo, Lourenço guardou dosímpios a Palavra de Deus, e por isso sofreu o martírio. Tornou-se,por isso, patrono dos bibliotecários e arquivistas, ou seja, dos guar-diães do Saber. É curioso notarmos que a catedral de Génova temcomo patronos S. João Baptista (cujas «relíquias» ali se encon-tram), aquele que baptizou Cristo e anunciou a boa nova, S. Jorge,que combateu e derrotou o dragão que ameaçava uma Virgem (quepode ser vista como a Igreja), ultrapassando assim uma difícil prova,São Lou renço, de que já falámos, e, finalmente, S. Bernardo.

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Através do labirinto de ideias com o qual o filósofo seen contra na busca da Sabedoria, existe um fio de prata queune as verdades eternas. Como Ariadna que oferece a Te -seu a sua alma para vencer o Minotauro, os Mestres esten-dem para o homem uma escada para este subir mais rapi-damente ao cume das suas próprias possibilidades, parater acesso, embora limitado, ao Grande Mistério que sub-jaz no fundo de todas as coisas e de nós próprios. Estaescada vertical são os símbolos.

Podemos explicá-los como umarepresentação que oculta ou vela umaverdade que reside no interior; esta ver-dade pode ser algo mental, moral ouespiritual. Desta definição deduz-se queo símbolo é o suporte de um conceito,de uma ideia, a sua alma; quando a ideiao abandona, o símbolo morre, ficandoco mo uma casca vazia e estéril.

O PORQUÊ DOS SÍMBOLOSCarmen Morales

*

*Escritora.Formadora na Terapia

das Flores de Bach

«… a Mitologia é o depósito da ciência mais antiga do homem; quando for de novointerpretada correctamente, está destinada a ocasionar a morte daquelas falsasteologias que originou sem o saber. A Mitologia era um modo primitivo de objectivaro pensamento primitivo e estava fundada em factos naturais. As suas fábulas erammeios de comunicar factos, não eram falsificações nem ficções… »

Gerald Massey

REFLEXÃO O porquê dos símbolos

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REFLEXÃO | O porquê dos símbolos

De acordo com Mario Roso de Luna, o termo símbolopode traduzir-se como «veste» e acrescenta que «um sím-bolo é uma abstracção sintética que nada diz ao profano eque tudo revela ao sábio». Na mesma linha, H. P. Blavatskycomenta: «Os relatos explicativos da Doutrina não são se -não as suas vestes. O ignorante somente olha para a vestee não vê mais além. O sábio penetra mais até descobrir oque aquela veste cobre».

Se entendermos que todas as coisas são símbolo dassuas próprias essências, do seu Ser interior, a representa-ção converte-se em símbolo no preciso instante em que seprende ao Ser do objecto, quer dizer, quando transcendeas divisões horizontais entre coisa e coisa para descobriros motores verticais das mesmas. Dito de outra maneira,quando vai mais além do plano material e se conecta ouintui as essências espirituais (a dualidade espírito-matériacostuma ser expressa como o fogo sobre a água, onde ofogo seria símbolo do espírito e a água seria da matéria).

Muitas das antigas tradições aparecem na sua maioriaveladas em forma de mitos e lendas; a Simbologia adquire,então, um papel relevante. Mas, para a correcta compreen-são desta ciência, a simbologia deve ser estudada em cada

da em factos naturais. As suas fábulas eram meios de co -mu nicar factos, não eram falsificações nem ficções…»

As provas que corroboram os antigos ensinamentosencontram-se espalhadas nos textos das civilizações daAntiguidade. No entanto, estas provas foram registadassim bolicamente em parábolas, o que provocou o obscureci-mento e a má interpretação das escrituras. Uma parábola éum símbolo falado, ou seja, uma representação alegóricade realidades da vida, de sucessos e de factos. Mas, assimcomo de uma parábola se deduz sempre uma moral, sendoesta moral uma verdade e um facto real da vida humana, domesmo modo, de certos emblemas e símbolos registadosnos antigos arquivos dos templos, se deduzia um facto his-tórico verdadeiro (que somente podia ser traduzido poraqueles que estavam versados nas ciências hieráticas).

A história religiosa e esotérica de todas as naçõesencontrava-se embebida em todos os símbolos; nunca foiliteralmente expressa em muitas palavras. Todos os pen-samentos e emoções, toda a instrução e todos os conheci-mentos adquiridos dos primeiros povos tinham a suaexpressão pictórica (ideográfica) na alegoria e na parábo-la. E se nos interrogarmos porquê, a resposta é clara. Por -

um dos seus aspectos, tendo em conta que são sete as suaschaves ou divisões e que cada povo tem a sua forma parti-cular de expressão. Portanto, nenhum manuscrito antigodeve ser lido e aceite literalmente. Em relação a isso, opoeta e egiptólogo Gerald Massey afirma:

«… a Mitologia é o depósito da ciência mais antiga dohomem; quando for de novo interpretada correctamente,está destinada a ocasionar a morte daquelas falsas teolo-gias que originou sem o saber. A Mitologia era um modo pri-mitivo de objectivar o pensamento primitivo e estava funda-

que as palavras faladas têm uma potência não somentedesconhecida, mas sobre a qual nem sequer se suspeita.Porque o som e o ritmo estão estreitamente relacionadoscom os quatro Elementos dos antigos; e porque esta ouaquela vibração no ar, seguramente que desperta osPoderes correspondentes a esses Elementos, e a uniãocom os mesmos produz resultados que poderão ser bonsou maus, de acordo com o caso (de acordo com a utilizaçãoque se faça). E esse Poder há-de estar resguardado daignorância e da perfídia humanas.

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Na Antiguidade, existia uma linguagem especial quepodia estar contida dentro de outra, de um modo oculto, eque não podia ser percebida senão com a ajuda de certasins truções especiais. Para entender este conceito, ponha-mos como exemplo uma parede qualquer de um temploegípcio. Nela estão expressos diferentes conceitosmediante representações, letras, números. Cada repre-sentação ou signo tem um significado por si mesmo; cadaum deles é, em si, um símbolo. Mas, ao mesmo tempo,todos em conjunto dão forma a uma ideia que é a origemdo símbolo. O mesmo ocorre com a linguagem chinesa,onde a expressão simbólica das suas ideias é a própriaescrita. Cada uma das milhares de letras que contém éum símbolo; unidas entre si para formar palavras dãolugar a um outro símbolo, sem perder por isso o seu sig-nificado individual.

Talvez seja a isso que Ralston Skinner, místico e kaba-lista, se refira, quando fala de uma linguagem antiga, jáperdida nos nossos tempos, mas da qual ainda se conser-vam numerosos vestígios segundo a sua opinião. Uma lin-guagem de «origem divina».

Uma linguagem que na sua expressão escrita tem um

inegável para a compreensão do Universo e das suas cau-sas. É através dos símbolos que os homens tratam deintuir, de forma mais ou menos certeira, as Leis que regemo Cosmos e a nós próprios. Devemos, para isso, tentar sercanais receptivos e elevar a nossa consciência a planosmais subtis, para permitir que a mensagem oculta de cadaum dos signos chegue até nós com todo o conhecimento eforça com o qual estão impregnados. O Co nhe cimento e aForça do Eterno.

Nota:

Este artigo foi originalmente escrito como comentário ao primei-ro capítulo do tomo II da Doutrina Secreta de H. P. Blavatsky.

significado, mas que ao ser pronunciada manifesta umasérie de ideias muito distintas das que se expressam pelaleitura dos signos fonéticos. Esta linguagem de ideias podeconsistir em símbolos que se encontrem concretizados emtermos e em signos arbitrários, que tenham um campomuito limitado de conceitos sem importância, ou pode seruma leitura da Natureza em algumas das suas manifesta-ções, de um valor quase incomensurável para a civilizaçãohumana.

Em qualquer caso, a importância da Simbologia é

o símbolo é o suporte de um conceito,de uma ideia, a sua alma; quando a ideiao abandona, o símbolo morre, ficando co -mo uma casca vazia e estéril.

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«Oh alma cega! Arma-te com a tocha dos Mistérios, E na noite terrestre Descobrirás o Teu Templo Luminoso,A tua Alma Celeste.” Segue o Guia Divino,E que Ele seja o teu génio,Pois Ele tem a chave das tuas existênciasPassadas e futuras Escutai em vós mesmos E olhai no infinito Do Espaço e do Tempo. Aí ouve-se o canto dos Astros,A voz dos Números,A harmonia das Esferas.»

Segundo Hermes Trismegisto

ANTIGO EGIPTO ENSINAMENTOS SAGRADOS,

CHAVES SECRETAS Cristiana Isa Baptista

*

*Egiptóloga einvestigadora.

A interpretação simbólica do mundo que a rodeia, temcaminhado lado a lado com a mente humana desde os pri-mórdios da sua existência. Enquanto expressões de arqué-tipos, sabedoria ou conhecimento velado, os símbolosadquirem formas distintas de acordo com as mensagens econceitos que se materializam através deles. Das fugazesrepresentações oníricas, aos antigos manuais de alquimiapassando pelos inúmeros ícones religiosos que se encon-tram na base de uma infinidade de sistemas de crenças,até aos misteriosos alfabetos utilizados pelas civilizaçõesancestrais, o símbolo plasma uma ideia, dá-lhe vida peran-te a retina humana, apela ao sentido interpretativo da visãoque o procura descodificar servindo-se da chave correcta.Ainda assim, a ausência de um percurso, de uma senhadescodificadora, coloca a representação simbólica no altarda interpretação subconsciente, da racionalização da mes -ma de acordo com os cânones actuais ou ainda, da puraespeculação. Por esta razão, as antigas civilizações em pe -nharam-se na preservação das chaves descodificadorasdos seus sistemas iconográficos, fielmente guardadas porgrupos restritos de místicos, sacerdotes e iniciados que emmuitas ocasiões as transmitiam oralmente aos seus suces-sores, na tentativa de preservar o seu secretismo, longedos ouvidos que não se encontrassem preparados paralidar com as verdades da Alma.

Esta forma velada de comunicação alcançou o seu ex -poente máximo no Antigo Egipto, pátria dos Grandes Mis -térios, onde os jovens escribas e discípulos de sacerdo-tes eram frequentemente advertidos, no que toca à inter-

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pretação da escrita hieroglífica, com pensamen-tos co mo:

«Não entenderás um texto a menos que o leiasquatro vezes, à primeira ouvirás o seu som, mes -mo que estejas em silêncio; à segunda, saberásque mensagens encerram esses sons; à terceira,pensarás que compreendeste essa mensagem. Aquarta vez, será então a primeira, pois nas trêsanteriores terás ignorado toda a Verdade.»

A necessidade de manter o conhecimentomis térico velado aos olhos dos «não inicia dos»constitui a principal razão pela qual encontramosos antigos textos egípcios, especialmente os decarácter esotérico ou religioso, preenchidos cominúmeras metáforas e alegorias que incor rem emerros interpretativos. O homem moderno procuraracionalizar a crença e o mito à imagem dos seuspadrões actuais, satisfazendo-se frequentementecom a interpretação literal dos textos ancestrais,conferindo-lhes uma natureza plana e estéril,desprovida de possíveis significados filosóficos einiciáticos. Porém, torna-se necessário devolver aprofundidade e o mistério, ao reino que outroraflo resceu nas margens do Nilo azul, reflexo divinodo Nilo Cósmico, através do qual o Homem-Ce -les te, em perfeita harmonia com o universo que orodeava, observava a Verdade envolto pelo ternoabraço de Nut.

O OCULTO DEIXADO À VISTA

Sabemos actualmente, que o complexo siste-ma de escrita hieroglífica era conhecido e domi-nado apenas por uma pequena percentagem dapopulação no antigo Egipto. Este facto asseguravaàs elites detentoras dos aspectos vitais do conhe-cimento, que os mesmos eram acessíveis exclusi-vamente aos que se encontravam preparadospara os receber: sacerdotes, realeza, escribas deelevado estatuto…. Ainda assim, a capacidade deler e escrever era apenas um, entre inúmeroselementos que separavam o verdadeiro iniciadoda restante população. Era a possibilidade delevantar os derradeiros véus que ocultavam ocoração do significado puro de cada símbolo que

Estátua de Tutmosis III, XVIIIª dinastia. Museu de Luxor.

A necessidade de manter o conhecimento mistérico velado aos olhos dos «não inicia dos» constitui aprincipal razão pela qual encontramos os antigos textos egípcios, especialmente os de carácter esotéricoou religioso, preenchidos com inúmeras metáforas e alegorias que incor rem em erros interpretativos.

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conferia ao iniciado o poder de descodificar as mensagensúltimas contidas em cada texto. A escrita hieroglíficatransmitia informação a diferentes níveis da percepçãohumana e a captação da mesma estava dependente daschaves interpretativas, mais ou menos perfeitas, que cadaindivíduo possuía ao seu dispor.

O papel desempenhado pelos símbolos gravados nasparedes dos templos e túmulos, alguns dos quais aindaobserváveis actualmente, encontrava-se muito além dosimples propósito decorativo ou ainda da transmissão deconhecimento mundano alusivo ao construtor do respecti-vo monumento ou aos cultos aí praticados. De facto, elesformavam parte da essência e propósito de toda a estrutu-ra, desempenhavam uma função específica à semelhançadas colunas dos tectos e das estátuas. Ao considerarmoseste facto, torna-se claro que a unidade de uma constru-ção sagrada invoca uma concepção superior à soma daspartes que a constituem. O propósito último de qualqueredifício sagrado era estabelecer contacto com o Cosmos,em uníssono com Ma’at, a lei da Harmonia Universal,enquanto manifestação da natureza divina do homem.

Ainda assim, a existência de uma ordem sagrada,regente da Natureza da Vida, não era somente ilustradapor secretas palavras filosóficas, encontrando-se porvezes explícita no silêncio das paredes de pedra ou dospilares erguidos em concordância com o conceito denúmero, proporção, geometria e forma. A ordem das esfe-ras celestes, que regiam a medida do Tempo; a passagemdas estações, os solstícios e equinócios, a astrologia e os

ritmos da terra podiam encontrar-se codificados no seio deuma única estrutura.

A figura piramidal, não era apenas a mais funcionalforma geométrica que se podia aplicar na construção deum mausoléu para eternizar um monarca, enquanto sím-bolo do poder do mesmo sobre as duas terras (Alto e BaixoEgipto), tão pouco era somente um centro iniciático onde odiscípulo comungava com os Grandes Mistérios através deiniciações rituais (como apontam algumas teorias decarácter esotérico que não desenvolveremos no presenteartigo). A sua forma personifica a materialização simbólicade toda a sociedade egípcia em cuja base encontramos ostrabalhadores rurais, construtores e mão-de-obra indife-renciada, aos quais se seguem os artesãos e comerciantesque precedem os funcionários administrativos, os médicose arquitectos; a um nível mais elevado encontram-se osimportantes cargos políticos e as mais altas confrariassacerdotais suplantadas apenas pelo próprio faraó – o vér-tice piramidal, fonte emanadora de luz divina e plasmaçãode uma força unificadora que suporta toda a estrutura e amantém coesa e unificada impedindo o seu colapso. Damesma forma, torna-se impossível dividir e catalogar prin-cípios que nunca deveriam ser separados pois, certos con-ceitos, como arquitectura, simbolismo e geometria sagra-da encontravam-se de tal modo interligados por comple-xas noções de proporção matemática, reflectindo a pre-sença de números mágicos como pi ou phi, que se tornaimpossível dizer onde cada um termina e começa. Foi estaa grande demanda da vida do investigador R. A. Schwallerde Lubicz, que tendo dedicado vários anos ao estudo das

relações numéricas e simbólicas presentes nocomplexo de Luxor, apresenta na sua mais notá-vel obra “O Templo dos Homens”, o retrato de umEgipto inexplorado onde as conexões estabeleci-das entre a geometria da imagem, o alinhamentogeográfico dos monumentos e a linguagem ocul-ta por detrás da própria escrita parecem apontaro vislumbre de um código, um misterioso seloque encerra os padrões e ritmos secretos de todaa Natureza.

A MAQUINARIA DOS CÉUS

Estudos recentes que procuram estabelecer eanalisar paralelismos entre estruturas erguidaspelo homem e a posição relativa dos mesmosface à cartografia do céu no momento da suaconstrução levaram estudiosos como RobertBauval a propor teorias que, de certa forma,revolucionam a linha temporal presentementeaceite para o percurso civilizacional do antigoEgipto. Servindo-se de modernas técnicas astro-

Thoth e Maat

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nómicas, Bauval demonstra que as três pirâmides do pla-nalto de Gizé se encontram alinhadas na mesma sequên-cia angular que as três estrelas da cintura da constelaçãode Orion. A desconcertante e, ainda assim, contestada des-coberta, permite-nos inferir acerca do propósito destealinhamento estelar, plasmado em Gizé, como uma projec-ção celeste que remonta a uma época muito anterior aoImpério antigo, quando os vértices das três pirâmides seteriam encontrado em perfeito alinhamento com as trêsestrelas de Orion; acontecimento este que apenas poderiater tido lugar perto do ano 10450 A.C., quando curiosamen-te a esfinge observaria a constelação de Leão, na época emque esta se erguia no céu nocturno, na direcção dos seusolhos perscrutantes.

Abordando ainda a misteriosa imagem da esfinge écurioso relacionar a proposta de Bauval com os estudoslevados a cabo por Robert Schoch, geólogo da universida-de de Boston que, após ter analisado em detalhe as mar-cas de erosão visíveis nas patas da gigantesca imagem,concluiu que as mesmas só poderiam ter sido originadaspor prolongados períodos de chuva, que não ocorrem emGizé desde o ano 10.000 A.C.

Quer aceitemos ou não as teorias menos ortodoxas quecomeçam a surgir no campo da arqueo-astronomia, asverdadeiras motivações dos astrónomos e astrólogos doantigo Egipto e as mensagens que codificaram no silênciodas próprias construções permanecem um enigma quedesafia os tempos modernos.

POR DETRÁS DO VÉU DE ÍSIS

Na mentalidade dos antigos egípcios, todas as coisaseram levadas a cabo com um propósito específico, umafinalidade que em muitas ocasiões parecia quase trans-cendê-los. O seu interesse face ao Cosmos e aos movi-mentos subtis da abóbada celeste é claramente evidencia-do pelas imagens ainda preservadas no templo da deusaHathor em Dendera, onde os antigos estudiosos se debru-çavam sobre os mapas de constelações e interpretavam asmensagens estelares a partir da observação directa, à qualse dedicavam nos terraços exteriores do templo ondeainda permanecem as marcas dos aparelhos utilizadosnos seus estudos durante as longas noites desérticas.

Nenhum símbolo ou palavra foi gravado ao acaso naspa redes de Dendera, e o seu famoso Zodíaco (cujo originalfoi levado para França por Bonaparte, durante as incur -sões francesas no Egipto) parece “fotografar” para a pos-teridade um determinado momento no tempo. Nele sur-gem doze casas zodiacais e imagens de deuses e animaisque personificam estrelas e planetas com uma disposiçãomuito específica. Por que razão escolheram representareste momento específico? Hathor responde com o silênciodos tempos, olhando o horizonte nas quatro direcções doespaço a partir dos elevados pilares onde todas as facesexibem o seu rosto, sugerindo a vigilância e presençaconstante da deusa que observa ouve e sente todos osacontecimentos que se desenrolam sob a luz de Rá.

Esboço de templo Egípcio, expedição Napoleónica.

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da pelas emanações de Heka, a magia egípcia, opoder da invocação ritual.

Vistas como duas irmãs gémeas, a leiturasimbólica das mesmas remete-nos para a ima-gem da Terra e da sua “irmã-sombra”, a Lua,metaforicamente ligadas às duas mentes dohomem quando analisadas a partir de uma chavepsicológica: Ísis, a consciência desperta, activa eresponsável; Nephtis, a oculta, insondável caver-na do inconsciente desconhecido.

Ainda assim, estudos arqueo-astronómicosque tiveram por base o curioso detalhe que dizrespeito à troca de posições entre as duas deusasnas suas representações sucessivas ao longo dostempos, levantam a possibilidade de que estaspossam representar as estrelas Sirius (fortemen-te ligadas às crenças mitológicas no antigoEgipto) e Sirius B (estrela “gémea” de Sirius,redescoberta pelos astrónomos da era moderna eque segundo dados actuais, era conhecida pelosantigos egípcios), que trocam o seu percursoorbital uma com a outra a cada 50 anos.

A VIAGEM DO INICIADO

O papiro e o lótus são duas plantas intrinseca-mente ligadas à iconografia desta civilizaçãoenquanto símbolos das terras do Alto e do BaixoEgipto, facto apontado como principal justificaçãopara a forte presença das mesmas ao nível dasartes, como a pintura, cerâmica, escultura e emparticular sob a forma de elementos arquitectóni-cos que caracterizam as extremidades superioresdas colunas que suportam os grandes edifícios.

Todavia, é preponderante recordar a naturezamística do lótus, encarado como um símbolo desabedoria e iluminação. Por esta razão, é interes-sante verificar a disposição das colunas “lotifor-mes” em alguns edifícios sagrados, onde a plantasurge fechada nas zonas exteriores e vai desa -brochando progressivamente até ser vista com-pletamente aberta no topo dos últimos pilares,que ficavam localizados na zona mais profunda emenos acessível de todo o complexo.

A par deste misterioso padrão, o estudo dadisposição das áreas internas dos grandes tem-plos coloca-nos perante uma interessante men-sagem arquitectónica: ao caminharmos a partirdos pátios exteriores na direcção das salas consi-deradas sagradas e cujo acesso se encontravareservado aos sumo-sacerdotes verificamos umaprogressiva diminuição do tamanho das divisões

A par de Hathor, também o arquétipo feminino dadeusa mãe e senhora da magia, a eterna Ísis, que surgefrequentemente acompanhada pela sua misteriosa irmãNephtis, como ilustra o papiro de Ani na imagem do julga-mento dos mortos, encerra uma mística sublime, outorga-

As irmãs Isis e Nephtis protegendo Osíris.Cena do Livro dos Mortos

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ao mesmo tempo que os tectos descem sobre o visitante, ailuminação dá lugar à sombra e por fim à total penumbra.

Esta concepção pretendia simbolizar o percurso doIniciado na demanda pelo Conhecimento, ao encontro do“Eu” divino. O abandono das ilusões projectadas no mundomaterial constituía um percurso iniciático ao longo do quala mente se elevava a um estado puro e inteligível em quese fundia com o Universo pulsando no coração de todas ascoisas, como um lótus aberto, que desabrochara. Nesteponto, o sacerdote estava pronto para entrar no taberná-culo sagrado do templo onde era mantida a estátua dadivindade à qual se prestava culto; tendo terminado o seupercurso, podia finalmente olhar o sagrado nos olhos atra-vés da penumbra e do silêncio que encabeçavam os por -tões do Eu Superior.

va uma natural discrepância entre os níveis de entendi-mento e compreensão de todo um complexo sistema deimagem e cor.

OS TRÊS NÍVEIS BÁSICOS DE CONHECIMENTOCONTIDOS NO TEMPLO

A informação codificada ao nível da estrutura de umtemplo poderia ser entendida a três diferentes níveis depercepção. O primeiro dizia respeito ao cidadão comum,frequentemente iletrado, que apesar de não conseguirdecifrar os significados presentes na escrita hieroglíficaespecula acerca das imagens de deuses e faraós que estaparece legendar, de onde retiram frequentemente conclu-sões de carácter moralista, criando interpretações pesso-

Templo com colunas em forma de papiro

Esta e outras leituras simbólicas de carácter esotéricopermaneciam reservadas a uma elite de sacerdotes eIniciados, discípulos de escolas de Mistérios, as ocultas“Per-ankh” ou Casas da Vida, envoltas num nível de secre-tismo de tal forma elevado que tornou escassas e impreci-sas as informações que delas prevaleceram até à actuali-dade. O silêncio quanto ao significado último das coisas eraprática comum no antigo Egipto, e o amor pela Sabedoriade Thoth, limitava os ensinamentos que eram transmitidosaos estrangeiros e à população em geral, facto que origina-

ais dos mitos e lendas que eram transmitidos por tradiçãooral.

Para todo aquele que dominasse a linguagem dos deu-ses, os textos não ofereceriam qualquer tipo de dificulda-de, sendo que a compreensão da mensagem que encerra-vam passava pela análise metafórica das imagens e peloentendimento dos episódios relatados, de uma forma nãoliteral. Hórus, o deus com cabeça de falcão, era visto comoo pai espiritual do faraó, protector de todo o Egipto, as suaslendas caracterizavam-no como uma figura vingadora do

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EGIPTOLOGIA | Ensinamentos sagrados

terra. De facto, se pudéssemos visitar um templo construí -do no período de Amarna confrontar-nos-íamos com umambiente semelhante ao que é recriado no museu doCairo, com peças provenientes deste reinado.

A intencional desproporcionalidade dos corpos, as ima-gens estilizadas e a quebra da proporção rígida e secularcontrastam com os anteriores conceitos de forma e orga-nização do espaço, sugerindo uma revolução que descia àsraízes da própria civilização quebrando os elos que outro-ra uniam o homem aos deuses. Esta perspectiva ajuda-nosa compreender, a importância da restauração dos antigoscultos após a morte do rei. A hostilidade verificada porparte das castas sacerdotais, não se prendia apenas com aextinção da sua influência, estendia-se para além dela,nascia da perda de harmonia que em parte provinha dos

triste destino do seu pai Osíris, pelo que o próprio “olho deHórus“ era um popular amuleto de protecção.

Ainda assim, quando vislumbrado a partir de um nívelde abstracção mais elevado, o mesmo deus encarna opoder da vigilância, da atenção constante, da capacidadede julgar e perceber todas as coisas a partir de uma pers-pectiva abrangente e superior...como sugere a imagem dofalcão que voa acima do horizonte observando os mortaispor entre as suas asas.

O terceiro nível de compreensão da escrita, o que mer-gulhava de forma mais profunda nas raízes do mistério erasomente descodificado pelos grandes sábios, os que rece-biam as chaves esotéricas que lhes permitiam ler as men-sagens encerradas no coração dos hieróglifos, que estra-tegicamente preenchiam os quadrados imaginários, nointerior dos quais a sua ordem perfeita em proporção enúmero prevenia que o Caos que brotava do vazio encon-trasse espaço para florescer.

De alguma forma, pode afirmar-se que a criptografiateve as suas origens no antigo Egipto, como sugerem algu-mas frases aparentemente irrelevantes encontradas emapêndices secundários do templo de Esna. De acordo comestudos recentes, as cores seleccionadas para decorar osdiferentes hieróglifos poderiam estar implicadas nas téc-nicas de decifração de mensagens ocultas, capítulo esteainda obscuro e pouco estudado, dada a falta de recursose pistas que permitam dar seguimento à investigação.Podemos então concluir que existiam propósitos sagradosque regiam a proporção, a cor e a forma, presentes naarte, arquitectura e escrita, como se globalmente estasintegrassem um completo sistema de comunicação com oCosmos, o que justificaria a imutabilidade e rigidez doscânones que estavam na base destes ofícios unindo osagrado e o profano numa comunhão perfeita que darialugar às trevas caso fosse abandonada. Contudo, umhomem ousou desafiar a tradição...

AKHENATON - O SOL E A SOMBRA

“ A rectidão é o que define um bom soberano e o bomexemplo que tu podes dar no teu palácio inspirará o receiono exterior do teu reino” - conselhos do Rei Kheti III ao seufilho

Frequentemente conhecido como o faraó herege,Akhenaton não foi impopular apenas por ter transferido acapital do império para uma nova cidade, construída empleno deserto a partir do nada, nem tão pouco pela proibi-ção de todos os cultos religiosos à excepção do de Aton, ODeus Sol do qual afirmava ser o único intermediário na Representação de Akenaton, período de Amarna.

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tações desse «sopro divino» nos diferentes rostos que aNatureza assume.

O panteão egípcio pode ser entendido como um esboçodas forças que caracterizam toda a existência, um perfeitoequilíbrio dual entre vida e morte, compaixão e execuçãoda justiça, dia e noite, beleza e Caos. Como as sete notasde uma escala musical, as sete cores de um arco-íris, aVida na terra era encarada no antigo Egipto como umespelho dos céus, um sonho construído à imagem de ummundo inteligível com qual forma um elo indestrutível,cuja essência arde ainda no perfume das palavras, na cordas formas, nos sons das estátuas, na alma do horizontepor onde caminham os deuses e os homens que outrora osolharam nos olhos.

motivações que em parte conduziram ao regresso dosantigos cultos ajudam-nos a compreender o idealismo quetentou erradicar todos os vestígios do período de Amarna.

A visão política de Akhenaton entrava em conflito com opapel do faraó enquanto pilar de sustentabilidade de todaa civilização, ele próprio uma encarnação humana de Ma’atque mantinha alinhados todos os blocos da pirâmidesocial; nos últimos anos do seu reinado Akhenaton pareceter prescindido completamente desta função, preferindoentregar-se à poesia e à sacralização de Aton. O medogeneralizado de que Seth, deus do Caos aproveitasse a ins-tabilidade social para estudar um novo regresso, apagou onome de Akhenaton da face do Egipto. Redescoberto ape-nas pela arqueologia moderna, o faraó herege é frequen-temente visto como um visionário no que toca à perspecti-

va monoteísta que procurou difundir. Porém a filosofiaadjacente ao sistema de crenças egípcio parece indicarque a raiz do mesmo não provém de um conjunto de divin-dades isoladas, mas antes, de um princípio uno e primor-dial, uma essência divina que une todas as coisas e quetoma a forma de diferentes arquétipos, enquanto manifes-

A enigmática esfinge do planalto de Gize. Foto de Pedro Denis.

princípios divinos adjacentes a todas as formas de artetransmitidas por Thoth, portador mítico de todo o conheci-mento. Acreditava-se que a queda profética da civilizaçãoEgípcia teria lugar num momento em que homens deixa-riam de respeitar a lei de Ma’at, o equilíbrio universal; oque mais tarde veio a ocorrer no período greco-romano. As

Torna-se necessário devolver a profundidade e o mistério, ao reino que outrora flo resceu nas mar -gens do Nilo azul, reflexo divino do Nilo Cósmico, através do qual o Homem-Ce les te, em perfeitahar mo nia com o universo que o rodeava, observava a Verdade envolto pelo terno abraço de Nut.

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Na cidade de Aveiro, a Nova Acrópole tem vindo a de -senvolver um trabalho junto dos mais novos com o objectivode fazer renascer valores que se encontram ador me cidos enecessitam de ser despertados.Foram realizadas várias actividades centradas no tema daEcologia e a sua importância para o futuro.

No passado mês de Abril, marcando a entrada de umnovo trimestre de actividades, foi realizada mais umaacção dedicada à formação dos mais novos, agora, com oenfoque sobre a ciência, especificamente sobre O CorpoHumano e os Sentidos. Através de jogos e da expressão

plástica, as crianças descobriram alguns segredos ele -mentares do corpo humano. Foi uma tarde animada edivertida, ambiente que proporcionou uma aprendizagemdos mecanismos da personalidade e dos sentidos.

O objectivo da Nova Acrópole ao realizar estasactividades, é não só fazer delas mais uma actividade lú -dica no meio de tantas outras, mas também despertar nascrianças o interesse em ajudar a construir um MundoMelhor.

ECOLOGIA E SUA IMPORTÂNCIAPARA O FUTURO

DESPERTAR NAS CRIANÇAS O INTERESSE EM AJUDARA CONSTRUIR UM MUNDO MELHOR

Nova Acrópole de Aveiro

VOLUNTARIADO Ecologia

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A Nova Acrópole em Coimbra, através do seu Director,José Ramos, mé dico de Medicina Tradicional Chinesa epro fessor de Chi Kung, participou nas Jornadas Inter na cio -nais de Enfer ma gem que se realizaram de 17 a 19 de Abrilna Escola Su pe rior de Enfermagem de Coimbra. Com opro pósito de in cen tivar a prática de um voluntariado efi-ciente nos cuidados e na reabilitação dos utentes, realizouum Workshop no sentido de proporcionar aos participan-tes uma melhor co nhecimento deste tipo de saberes (temage nérico das jornadas), realçando as práticas milenares damedicina chinesa no tratamento da dor e regeneraçãoener gética pelos exercícios de Chi Kung.

Também, a convite da CTAI (Comunidade te ra pêutica Ar -co-Íris) unidade de saúde pertencendo ao Instituto da Dro ga eda Toxicodependência do Mi nistério da Saúde, José Ra mosdeu início a sessões de ginástica medicinal chinesa (Chi Kung).Esta iniciativa de voluntariado social pre tende con tribuir paramelhorar a reinserção dos indiví duos de pen den tes de subs-tâncias psicoactivas, proporcionando des te mo do novos ins-trumentos de defesa e novos há bitos de vida sau dável.

Iniciaram-se também sessões de Chi Kung aos domin-gos de manhã no Parque Verde da Cidade de Coimbra. Estaactividade, realizada ao ar livre, dirige-se aos jovens dos 7aos 77 anos e é gratuita.

VOLUNTARIADO, MEDICINA CHINESA E CHI KUNG

Nova Acrópole de Coimbra

VOLUNTARIADO Saúde

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TEATRO Rumi

No passado mês de Março, a Nova Acrópole levou à ce -na, no Espaço D. Dinis, a peça de Teatro «Rumi – A Sa be -doria do Amor» escrita por Paulo Alexandre Loução combase nos contos e poemas daquele grande filósofo persa,sufi, que fez escola em Konya, na Turquia, dando origem aosfamosos derviches rodopiantes. Rumi foi um dos místicosmais inspirados da história da humanidade e é um gnósticosublime, lídimo representante da face esotérica do Islão.

Esta actividade inseriu-se num ciclo de cultura persa noâmbito das comemorações dos 500 anos de relações entrePortugal e o Irão, que a Nova Acrópole realizou com o apoioda editora Ésquilo. Neste contexto, esteve patente a exposi-ção «Irão – Viagem ao País das Rosas», aguarelas de IsabelFerreira da Silva que na inauguração, para além da pintora,contou com a presença de Adalberto Alves, ilustra arabistaportuguês, e de Sépideh Radfar, iraniana e professora dePersa na Faculdade de Letras da UL. Esta exposição surgiuna sequência da visita cultural ao Irão organizada peloGrupo de Amigos do Museu Nacional de Arqueologia(GAMNA). Também neste ciclo teve lugar uma conferênciamuito interessante proferida por José Carlos Fernández,Director Nacional da Nova Acrópole, sobre «Avicena e a Al -qui mia da Felicidade».

Aproveitamos a oportunidade para agradecer a cola bo -ra ção nas actividades organizadas pela Nova Acró po le a Pe -dro Gomes Barbosa, coordenador de história me dieval, quepro feriu uma conferência sobre a «Sabedoria e os Sím bolosde Bernardo de Claraval», a Helena Barbas, professora naUNL e crítica literária do Expresso, e a António de Macedo,

pro fessor na UNL e eminente especialista em esoterologiabí blica, que, conjuntamente com Paulo Alexandre Lou ção,ani maram o jantar-tertúlia de apoio ao Programa Kairósrea lizado no mês de Junho no Hotel Real Palácio, em Lisboa.

Fiquemos com o texto final da peça sobre Rumi:

«Essa é uma senda que ultrapassa a sabedoria destemundo. Todos aqueles que despertam a sua alma imortalem plena vida terrestre pertencem a uma confraria esotéri-ca animada pelo Amor do Amado. Estas confrarias são raiosda Grande Religião Natural impregnada pela energia uni-versal do Amor sem limitações. Em todos os tempos houveFiéis do Amor como os dervishes de Rumi e os Cavaleiros deAlamut na nossa esfera cultural, mas também no Ocidentecomo o poeta Dante, os Templários, e nos confins da Eu -ropa, num país chamado Portugal, os filhos do Amor deixa-ram laços do Amor e corações esculpidos na sua artemanuelina como signos mágicos da grande Confraria doAmor. Luís de Camões, outro Fiel do Amor cantava “E sabeique, segundo o amor tiverdes, Tereis o entendimento demeus versos”. Filosofia era entendida pelo grande mestrePlatão não como o amor à Sabedoria mas sim como aSabedoria do Amor, esse era um grande segredo conhecidopor um grande filósofo do século XX, Sri Ram, que professa:“Deves perder o teu coração e procurar por ele em toda aparte. Quando o encontrares, conhecê-lo-ás como o coraçãode todas as coisas”. Outro grande filósofo, Jorge Livraga,reitera: “Retira as sombras, agiganta a tua alma, sê nautaceleste nos mares do Amor”.»

TEATRO: RUMIA SABEDORIA DO AMOR

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ser humano no mais profundo de si. A obra é com -plementada com vários artigos introdutórios onde sãodivulgadas facetas biográficas desta grande Mestra daSabedoria, bem como uma apresentação das suas obrasmonumentais.

Fiquemas com uma citação de Jorge Angel Livraga daobra O Sentido Oculto da Vida:

«A Vida existe e está per fei ta men te calculada, pensadapor Alguém, por Algo. Porquê? Para que é que se utilizoutanto e com tanta intensidade o Pensamento para dar atodas as coisas esta harmonia maravilhosa? Tem que serpara algo. Nin guém faz uma ponte se ninguém vai atraves-sar. Ninguém faz um barco se ninguém vai navegar nele.Ninguém faz uma cadeira se ninguém vai sentar-se nela. Éevidente que a nossa construção orgânica e a cons truçãoorgânica da Natureza foram feitas para algo, para seremapro vei ta das por algo que irá durar mais do que o objectoem si, algo que irá po der utilizá-las. E àquilo que vai utili-zá-las, nós, filósofos, chamamos Alma, o Espírito quepassa através das coisas.»

Dando continuidade à sua linha editorial as EdiçõesNova Acrópole lançaram, nestes últimos meses, três obrasde diferentes áreas temáticas.

A primeira publicação destas três a dar à estampa foi«Os Espíritos da Natureza», de Jorge Angel Livraga, ondeo leitor é introduzido no maravilhoso mundo dos seresmágicos que povoam a Natureza. Elfos, ondinas, gnomos,silfos e outros seres integram o imaginário cultural devárias civilizações, mas uma pergunta persiste: será quesão somente produto da imaginação? Neste livro procura-se dar uma nova pers pectiva sobre este tema.

Seguiu-se a edição de «O Sentido Oculto da Vida», ondeos autores Jorge Angel Livraga e Delia Steinberg Guzmánprocuram, através de vários textos magníficos, dar umavisão filosófica sobre o Sentido da Vida e o que verdadeira -mente importa no seu percurso.

Por último, saiu do prelo um livro cuja autoria é de H. P.Blavatsky: «As Jóias do Oriente». Trata-se de uma obraque reúne um conjunto de máximas filosóficas para cadadia do ano, compiladas pela própria Madame Blavatsky.Tratam-se de frases sábias, autênticas pérolas que nospodem fazer reflectir sobre vários aspec tos que tocam o

EDIÇÕES Nova Acrópole

NOVIDADES EDITORIAIS

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A Nova Acrópole, com o apoio institucional do InstitutoPor tuguês da Juventude (Projecto de Voluntariado 2415) ea colaboração da editora Ésquilo, está a promover o pro -grama Kairós, um projecto de voluntariado cultural quevisa co la bo rar na formação extra-escolar dos jovens dos18 aos 25 anos através de um curso gratuito de 32 sessõesde 2 ho ras que inclui as seguintes vertentes:

— Filosofia comparada do Oriente e do Ocidente— Como falar bem em público— Exercícios práticos de memória, atenção,

concentração e auto-domínio— História viva: visitas a lugares mágicos de Portugal— Relação do Ser Humano com a Natureza

E tem os seguintes objectivos:

— Ampliar a cultura geral dos jovens e da sua capacidade de selecção e tratamento da informação.

— Promover a educação cívica e a consciência dacidadania.

— Contribuir para uma melhor integração dos jovensna vida activa e profissional na sociedade.

— Promover a consciencialização da necessidade dadefesa do património cultural e natural de Portugal.

As inscrições para o Curso de Formação Gratuito noâmbito do Programa Kairós estão abertas nos nossoscentros de Lisboa, Porto, Braga, Coimbra e Aveiro.

Mais in formações possíveis através do nosso sitewww.nova-acropole.pt e do telefone 939 800 855.

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FORMAÇÃO PARA JOVENS Nova Acrópole

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