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Todo o poder me foi dado no Céu e na terra (Mat. XVIII, 18)

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Todo o poder me foi dado no Céu e na terra( M a t . XVIII, 1 8 )

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M O N S. T1HAM ER TÔ TH

JESUS CRISTO REIT R A D U Ç Ã O

DE

P. JO Ã O C O R R E IA P IN T O . S . J .

Rua do B o a W a , 591 *Tel. 27875* PORTO

1 9 5 6

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Imprimi potest.

O lyjipone. 2 0 Januarii 1936.

J o se p iiis C raveiro, S . J.

Praep. Prov. Lu»il.

P ode imprimir-se.

Porto. 26 de Janeiro de 1936.

M onj. P ereira Lopes, Vig. Ger.

T O D O S O S D IR E IT O S R E S E R V A D O S

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IN T R O D U Ç Ã O

tuiu uma nova festa, «Realeza de nossodomingo de Outubro. « celebrasse a *Ke° ‘' ‘ “Senkor tesos Cristo, Rei»-

Ê um tema importantíssimo aquele de que aos

“ ”Põuplo é o ma,tua que me levo esie assunto. R e a t a d« Cristo» como ob/ecto desia » n . de eon/e-

' " " ' o primeiro d, a culto M l.l • ">■**>“ ? “ ,oJ“ “ católicos sóo obrigados « P - t a r a ioda. « palam» • «•

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6IESUS CRISTO REI

- r :t z t t r ;s t — -■—sentante do Papa. ^ homenaQem ao nepre.

Poderia multiplicar os cxe moine P t t , respeito e hom enagem sentida a ' ^ ° P™fundoao supremo Pastor da Igreja. ’ ° * a ,U b eo t lrib“*am

Este faoto transcendental de am or »Santo Padre bem merece que lhe ^ a°particular. * consagremos um estudo

qu e poderem os esperar d e la ? On/i/ fní ,/ / *t —* « » :;r;; cn,°^ " i Crts,°é R<* ein”1 T / j í ° T ”16™ ’ Rei * » » + » - , r . ‘ \ £

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r r "m Crf5'° ’ • •*>— ' c £ , o ?- s t e , , a o o , p o „ ,o * „ « e r ,n ,o , x Por l iliropaos meus amaveis leitores que me siaam ™ ,que merecem as palavras do Pan ° **assunto ■ P° * ° imP°rtáncia do

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C A PÍTU LO I

C on ceito da R ea leza d e Cristo (I)

l

\) I ão há muio tempo, que um douto conferencista na Ç / y Inglaterra falando sobre este tema: — Q uem ganhou a guerra? (’) deu a resposta seguinte: «Militarmente a França: politicamente a Inglaterra; economicamente os Estados Unidos, e moralmente o Papa e só o Papa.»

Sim, foi Bento X V quem fez ouvir a sua voz em todo o mundo durante a guerra e depois dela terminar: agora, ao instituir Pio X I esta nova festa, fê-lo pensando na reconstrução do mundo.

Ao publicar o decreto da instituição desta nova festa, o Papa fez constar explicitamente. que espera uma «renovação do mundo». Tinha a tristíssima experiência do passado. A guerra mundial terminou com um tratado de paz. para o qual não se pediu a colaboração do Papa.

Funestos «pactos de paz», aqueles em que nem sequer se menciona o nome de Deus! E continuam as reuniões e assembleias em busca da paz. mas ninguém pronuncia o nome de D eus!...

( ') A guerra de 1914-1918.

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8 JESUS CRISTO REI

E os resultados estão patentes! Há anos que terminou a Grande Guerra e onde está a paz? Onde está a tran- quildade dos povos? «O cruel tratado de paz é a ban­carrota do Cristianismo!» dizem os homens desesperados. O h! não! Ê a bancarrota do paganismo moderno. O nosso ma! está em que não somos verdadeiramente cristãos. Se a Europa fosse cristã, não teria imposto tal «paz» às nações vencidas...

E eis que do alto do Vaticano o Papa levanta a sua voz para mostrar o verdadeiro caminho. «No há paz? N ão; nem a há, porque a buscais por caminhos errados. N ada quereis saber de Cristo, quando E le é o centro de toda a história».

— Existe em Roma um instituto sanitário, o Vaticano, cujo ofício é descobrir os bacilos que causam as doenças do mundo. No dia 11 de Dezembro de 1925, o Director deste Instituto, que tem a responsabilidade da saúde espi­ritual de todo o mundo, levantou a sua voz e fez ouvir um grito de alarme por meio de uma encíclica: «Povos da terra, cuidado, uma peste epidémica grassa por toda a parte. Um contágio universal ameaça todo o mundo: e esta epi­demia, este contágio é quererem os homens desterrar a Cristo d a v ida! Infelizes, se continuais assim, perecereis!»

E o que mais revela quanta razão tem o Santo Padre para lançar esse grito de alarme é que nós não nos assus­tamos ao ouvir o seu grito de alarme e permanecemos indiferentes. Parece que desde que apareceu a encíclica, não se devia falar de outra coisa nos jornais, nas conversas e em todas as reuniões.

E sucede realmente assim? Onde se fala dela? Em parte alguma.

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CONCEITO DA REALEZA DE CRISTO (1) 9

Isto demonstra claramente a grave doença de que sofre a sociedade. Do posto mais alto chama-se-lhe a atenção para a sua doença mortal: e ela nem sequer se assusta e não move sequer um dedo da mão.

Recordo-me dum caso curioso:Um dia. um velho professor de medicina levou os seus

alunos a uma grande sala de um hospital; estando todos no meio da sala. dirigiu-lhes esta pergunta: «Digam-me os senhores, daqui, de longe, qual é o doente mais grave? ... Como? ... Não o sabem?... Pois bem. olhem aquele, ali naquele canto, aquele homem coberto de moscas. É ele. Porque se um doente sofre tranquilamente e numa completa apatia, deixando que as moscas lhe poisem sobre a cara, é sinal de que o seu fim se aproxima...»

A doença da sociedade não se pode ocultar por mais tempo, aparecem já as úlceras gangrenosas, mas ninguém reage, ninguém se assusta...

— Mas, onde está o mal? Talvez me pergunte alguém. Perseguem porventura a religião? Levam o crente ao cadafalso ou metem-no na cadeia? Não; isso não se usa hoje; esse era o sistema dos antigos Neros e Dioclecianos. Os bacilos modernos agem de maneira diferente: rarefazem o ar à volta de Cristo e não permitem que na vida pública sejamos católicos.

O mundo é um livro imenso: cada criatura uma frase do mesmo e o autor a Santíssima Trindade. Todo o bom livro gira em torno de um tema fundamental; se quisés­semos resumir numa só palavra a ideia principal do mundo, bastaria escrever este nome — Cristol Não o vemos ainda com toda a claridade, só o compreenderemos quando apa­recer no céu o sinal do Filho do Homem... então veremos

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10 JESUS CRISTO REIi

face a face que ele é o alfa e o ómega, o princípio e o fim. o centro e a meta. Mas. ainda que agora não o vejamos com toda a claridade, cremo-lo; cremos que, onde fa lta o sinal do F ilho do Homem, ali reina a escuridão, ali se eclipsa o mundo espiritual.

O h! que eclipse solar atormenta hoje as almas, mesmo as almas cristãs!

«Mas nós confessamos a Cristo», dir-me-ás talvez, amigo leitor. Sim, uns mais outros menos. Mas são tão poucos, os que vivem persuadidos de que Cristo é o prin­cipal em todas as coisas! Cristo é Rei em meu coração, é verdade; Cristo é Rei em meu lar, está bem; mas não basta!

Cristo é R ei... também na escola, na imprensa, no Parlamento, na fábrica.

Nosso Senhor Jesus Cristo! Olhemos para o mundo. O nde está a tua Santa Cruz? Vemo-la nas torres das igrejas, em algumas escolas, sobre o leito de alguns cristãos fervorosos. Mas, onde está a tua Cruz na vida pública . onde campeava há séculos? Não a vemos. <

Uma noite fria, uma noite sem Cristo envolve as almas. Até para muitos que foram regenerados com as águas do santo baptismo, Cristo não é mais do que uma lembrança antiga, fria, nebulosa... «Era e não era. houve no mundo um Cristo...»

Compreendes, pois. caro leitor, qual o objectivo desta nova festividade? Tomar patente esta verdade: sofreis, lutais, correis ao médico: e não conheceis o mal terrível que vos invade, isto é, que o Sol não brilha sobre cabeças.

as vossas

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CONCE/TO DA REALEZA DE CRISTO II) t t

— Ninguém persegue a religião de Cristo. Se ja ; mas «não há lugar para Ele» em parte alguma. Como soa aos nossos ouvidos esta (rase: «não há lugar para E le»!... Onde a ouvimos já? Ah sim... na noite de Belém: então também não havia ninguém que perseguisse a Jesus... mas as circunstâncias políticas, sociais e económicas eram tais. que não havia lugar para Ele. Hoje, talvez não se persiga a Cristo, mas... «não há lugar para Ele». Onde se pode falar hoje a Cristo? Só na Igreja. Mas isto não basta. Ele exige quanto temos. Saídos da Igreja, já não temos a impressão de viver entre cristãos. Cristo é Rei, mas des- pojamo-Io da sua coroa e assim não pode reinar.

II

Como chegám os a este extremo? Como a aranha insen­sata da parábola de Jõrgensen.

l.° Numa formosa manhã de Setembro, conta o exímio escritor numa das suas profundas parábolas, estava o ar cheio de fios de teias de aranha, que ondeavam ligei­ramente. Um dos fios ficou preso no cimo de uma árvore alta, e o pequeno aeronauta, uma aranhazinha, desce do seu barquinho ao solo, já mais firme, de uma folha. Depois, soltou novo fio, atou-o na copa da árvore e baixou por ele até ao tronco. Ali encontrou um arbusto a jeito e começou o seu trabalho: começou a tecer uma rede. Atou o cabo superior ao fio comprido por que descera, e os outros fixou-os nos ramos do arbusto. O resultado do trabalho foi um teia de aranha magnífica, com que podia admiravel­mente apanhar moscas.

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12 JESUS CRISTO REI

Mas. passados alguns dias, a rede pareceu-lhe pequena e começou a acrescentá-la em todas as direcções. Graças ao fio resistente por que descera, a obra correu às mil maravilhas. Nas manhãs de Outono, o rocio matutino enchia a espaçosa rede de pérolas brilhantes, transfor­mando-a num véu aéreo recamado de pedras preciosas que cintilavam sob os pálidos raios do sol.

A aranha sentia-se muito orgulhosa da sua obra. Engordava a olhos vistos, tinha já um abdómen respeitável. Já se não lembrava da fraqueza e da fome com que tinha chegado à copa da árvore nos princípios do Outono...

Um dia despertou mal humorada. O céu estava nublado; não se via mosca alguma; que havia pois de fazer em dia tão aborrecido?

tBem, disse, vou dar uma volta pela rede, e vejo se há alguma coisa para remendar».

Examinou todos os fios, para ver se estavam seguros, e não encontrou defeito algum; mas o seu mau humor acentuava-se cada vez mais.

Ao ir e vir resmungando de uma parte para outra, notou na parte superior da rede um fio comprido de cujo destino se não recordava. De todos os fios sabia muito bem o fim para que os larççara; um vem aqui a esta folha, aquele vai ali àquele ramo; mas. que faz aqui este? E por cima de tudo é absolutamente incompreensível por que vai para cima, simplesmente para o ar. Que é isto?

A aranha ergueu-se sobre as patas traseiras e arrega­lando os olhos, começou a olhar para o alto. Não há dúvida. Este fio não acaba nunca! De qualquer lado que se veja. vai direitinho às nuvens!

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CONCEITO DA REALEZA DE CRISTO (l) 13

Quanlo mais matutava para encontrar a chave do enigma, tanto mais se irritava. Mas, para que serve aquele fio que sobe para as alturas? Naturalmente, com a abun­dância das moscas com que se banqueteava, esquecera-se por completo de que em certa manhã de Setembro baixara por esse fio. Também já se não recordava de quanto lhe serviu o mesmo para tecer a teia em toda a sua extensão. Tudo esquecera. Não via ali mais que um fio inútil, sem fim determinado, subindo por ali acima; um fio que para nada servia, um fio pendurado no ar...

«Abaixo com ele!» gritou exasperada e completamente fora de si, e com uma mordedela quebrou o fio.

A teia desmanchou-se no mesmo instante... e quando a aranha recobrou os sentidos, estava estendida no chão, paralizada, junto ao arbusto, e a ruína de uma teia artística, cravejada de pérolas e rubis envolviaja como um trapo húmido.

Naquela manhã nebulosa ficou na miséria; destruiu ruim segundo toda a sua obra, porque não com preendeu a utildade do fio que guiava para as alturas.

2.° Até aqui a parábola de Jõrgensen. parábola de profunda significação, parábola que denuncia sem rodeios aquele erro, aquela doença radical que faz passar por tão aguda crise toda a vida moderna.

Não há muito tempo levantou grande celeuma um livro de sinistro augúrio ('). em que o autor pinta com traços apocalípticos a crise da nossa época. Não há autoridade, escreve, não se acatam as leis. Não se respeita o saber, o nascimento, a virtude, a experiência, a idade. Que (*)

(*) S pengler, D er U nlergang d es A ben d lan des, O ocaso do Oridcnlc.

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14 IESUS CRíSTO REI

incrível contradição: um enorme progresso técnico e. no entanto, o homem é terrivelmente infeliz. Porquê? Porque se desenvolveu só uma parte do nosso ser. Se a alguém

, crescessem somente as mãos, seria um homem defeituoso: também a sociedade é defeituosa porque cresceu a nossa ciência, aumentou a nossa técnica, multiplicaram-se as nossas fábricas... mas não cresceu a moral pura!...

Que é a história do último século senão uma apostasia contínua, cada vez mais declarada?

Em todas as manifestações do ambiente medieval vivia Cristo. Mas as ciências naturais e a técnica da época moderna estontearam-nos e os nossos olhos fixaram-se à terra.

A Idade Média acreditava que a Terra era o centro do universo e não obstante... sabia olhar para o céu. Hoje sabemos que a Terra não é mais que um ponto do universo e agarramo-nos a este pontinho e esquecemos o céu!

O s antigos julgavam que o mundo girava à volta da Terra e apesar disso viviam como se esta Terra não tivesse uma importância decisiva nas suas vidas. Hoje todos sabe­mos que a Terra não é o centro do universo e contudo vive­mos como se todas as nossas esperanças dependessem dela.

E assim vamos vivendo! E vivemos ufanos! Mas chegará um dia e ... desmoronam-se umas minas, uma explosão destrói fábricas, um ciclone leva a desolação e a morte a centenas de famílias na Flórida e milhares de homens ficam sepultados sob escombros produzidos por um horroroso vendaval... Então estremece por um instante a mesquinhez do homem e teme a mão de Deus. Mas é só por um instante. Sentimos o que sentia a Invencível A rm ada: nAfflavit Deus et dissipali sunt», o sopro de Deus

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CONCETTO DA r e a l e z a d e CRISTO (I) 15

é capaz de dispersar os mais poderosos; mas no momento seguinte, o homem orgulhoso e sem Deus, no meio do estertor dos moribundos, continua incrédulo, arrogante.

3.° Parece-me que, se Cristo voltasse outra vez à terra, se repetiria à letra o que passou na noite de Belém .

Onde poderia, hoje, nascer Cristo?S. José passa por muitas cidades, bate à porta das

casas modernas e o porteiro, deitando a cabeça de fora: — «Impossível, todos os andares estão ocupados.»

Bate à porta dos estúdios dos artistas: «Não, não é possível, a arte não pode preocupar-se com a moral.»

Bate à porta das redacções dos jornais, dos teatros, e a entrada é-lhe proibida, «não há lugar para Ele».

Bate à porta da lúbrica: «Está inscrito no sindicato?» é a pergunta com que o recebem. «Não? — Então que vem cá fazer?»

Isto é pior que o Gólgota. Querem privar a Cristo do próprio ar. «Cristo nosso Rei!» Pobre Rei sem reino!

O sistema sanguíneo da humanidade desde há muito ficou contaminado. Terrível bacilo o corrói solapadamente. Foi -se aguando cada vez mais; fomos diluindo a doutrina de Cristo e agora declarou-se a peste!

O desterro de Cristo começou no mundo das ideias.Cada vez se pensava menos em Deus. A nossa fé

enfraquecia a olhos vistos. Não morreu de todo. é verdade, somos ainda cristãos, mas dorme.

Não acreditas, amigo leitor? O h! se tivéssemos a lâmpada de Aladino para descobrir o pensamento dos homens do nosso tempo! Observai somente os pensamentos de muitos cristãos durante o dia; serão diferentes dos que

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16 IESUS CRISTO REI

poderia ter um pagão honrado antes da vinda de Cristo? Um pouco de bondade natural, uma honradez exterior, boas maneiras, mas, no fundo da alma, um mundo gelado, um mundo sem Cristo I

E a grande apostasia continuou no falar.Falamos das coisas em que pensamos, das coisas que

enchem o nosso coração. A boca fala da abundância do coração. Não pensamos em Cristo, nas suas leis. na sua Igreja: por isso também não falamos destes assuntos.

De quantas coisas se fala. até entre católicos. Futebol, cinemas, desporto, corridas de cavalos, praias, modas, polí­tica. agricultura, dólares, penteados, cultura do vinho... E de Cristo? Não falamos n'Ele. simplesmente porque não pensamos n 'Ele.

Estamos prontos a falar de qualquer ninharia, mas envergonhamo-nos de falar de Deus que nos criou. Alar­deamos os nossos méritos e quando chega o momento de falar d'Aquele diante de quem se deve prostrar toda a criatura, quando calha falarmos de coisas religiosas, sen­timo-nos constrangidos. Um homem que conhecia a fundo o seu tempo fez esta pergunta: «Na Europa chamada cristã, quantas vezes ao ano se pronuncia o nome de Cristo?» Cristo Rei! Oh. pobre Rei desterrado!

** *

Esta é a triste situação da sociedade moderna: exilámos o nosso Rei. «Não queremos que Ele reine sobre nós». A política disse: Podemos passar sem Cristo. A vida económica proclamou: os negócios prescindem da moral. A fábrica perguntou: que quereis fazer de Cristo? Os

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c o n c e t t o d a r e a l e z a d e c r i s t o (i> 17

Bancos disseram: retira-te, nada tens que fazer aqui. Nos laboratórios cientificos: A ciência e a fé excluem-se... L finalmente desembocámos na situação actual, que parece escrever um grande J N R J : Cristo não existe. O rei morreu!

£ então que a voz de Pio XI se faz ouvir de um ao outro confim do mundo:

A lelu ia! Jesus Cristo não morreu. E le aqui está. Cristo vive, Cristo reina! Não queremos um cristianismo diluído! Nós proclamamos que Cristo tem direito absoluto sobre todas as coisas: sobre o indivíduo, sobre a sociedade, sobre o estado, sobre o governo. Tudo está sujeito a Cristo: a própria política, a própria vida económ ica, o próprio comércio, a própria arte; a própria família, a criança, o jovem, a mulher, tudo, tudo!

Sim, Cristo é Rei de todos os homens. É o Rei dos Reis! O Presidente dos Presidentes! O Governo dos governos! O Juiz dos Juízes! O Legislador dos Legis­ladores! O estandarte de Cristo bá-de drapejar por toda a parte: na escola, na oficina, na redacção, na câmara. Viva Cristo Rei!

rlá-de-se renovar o milagre de Caná: Senhor, não temos vinho; bebemos das águas estagnadas do pântano lodoso da vida mundana. Dai-nos outros olhos que tudo vejam de maneira diferente, outro coração e outros desejos... conformes com a vossa lei; e então teremos cristianismo autêntico.

Senhor, estai connosco quando rezamos, para que sai­bamos rezar como Vós rezastes.

Senhor, estai connosco quando trabalhamos, para que saibamos trabalhar como Vós trabalhastes.

2

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18 JESUS CRISTO REI

Senhor, estai connosco quando com em os e nos rego­zijamos, como quando Vos regozijastes com os homens, nas bodas de Caná.

Senhor, estai connosco quando caminhamos pelas ruas, como quando caminháveis com vossos discípulos pelos cami­nhos da Galileia.

Senhor, estai connosco quando estamos cansados e doentes, como quando curáveis os doentes do povo.

Senhor, sede de novo nosso Rei!Os antigos senhores da Hungria gritaram com entu­

siasmo na dieta de Pozsony: cVitam et sanguinem pro R ege nostro. M aria Teresia — o nosso sangue e a nossa vida pelo nosso Rei. Maria Teresa.> (’) Pois bem, dos lábios de todos os cristãos devem brotar com sentido entusiasmo: Vitam et sanguinem pro Rege nostro — C ristol: «O nosso sangue e a nossa vida por nosso Rei — Cristo!»

(') O povo Húngaro linha desde há muito o direito de eleger o seu rei. Nas cortes do ano de 1687 renunciou a este direito em favor da casa dos Habsburgos. aceitando a forma de rei hereditário, mas só para o ramo masculino dos descendentes de Leopoldo I. Carlos III. filho de Leopoldo, nSo leve filho varão; e no ano de 1740 a Hungria aceitou a pragmática sanção, isto é, a lei que estende ao ramo feminino o direito ao trono.

Maria Teresa, filha de Carlos III, foi coroada com a coroa de Santo Estevão, em 25 de Junho de 1741. O titulo que lhe davam os húngaros, não era Regina — Rainha, mas Re* — Rei.

Quando Maria Teresa se viu atacada simultâneamentc por sete inimigos que queriam arrancar-lhe algumas províncias e desmembrar o reino, recorreu, como a último baluarte de defesa, ao povo húngaro, e este na dieta de Pozsony soube responder com lealdade, nobreza, heroismo e desprendi­mento aos desejos do seu «Rei». As armas húngaras venceram os inimigos.

(N . do Irad. esp.j.

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C A PÍTU LO II

C onceito cia realeza d e Cristo (11)

\J I uma tarde de inverno, quando os flocos de neve flu- G / \ tuavam silenciosamente no ar, caminhavam dois homens pela rua: um professor católico e um jornalista socialista.

— Vós, os católicos, dizia o jornalista, queixais-vos, de que nós os socialistas atacamos sem cessar a religião católica. Atacar! Não é necessário. Repara naquela cruz... Vês como se vai cohrindo de neve?... Está quase comple­tamente coberta... e a gente passa à direita e à esquerda, corre apressada ao seu trabalho... quem se preocupa com a cruz coberta de neve? Não é necessário atacá-la, a neve se encarrega de a cobrir pouco a pouco e os homens nem sequer a notam. É a sorte do catolicismo... ia a dizer, como consequência final. Mas antes de acabar a frase, soprou de uma rua lateral uma forte rajada de vento, revol­vendo a neve da rua. arrojando contra o rosto dos tran­seuntes a neve enregelada e levando ao mesmo tempo o chapéu do socialista... e quando o vendaval amainou, na

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20 ]ESUS CRISTO REI

cruz coberta de neve, havia reaparecido o rosto de Cristo crucificado, que olhava com suavidade os dois que dis­cutiam.

— Sim, disse o professor, o pó chega a cobrir, na alma, o rosto de Cristo, mas só até que o furacão se desencadeie contra a humanidade. Uma guerra devastadora, um cata­clismo que assola toda uma região... e então a alma. recobrando a sua personalidade, lança-se aos pés de Cristo, buscando entre soluços seu rosto meigo e divino, que o esquecimento ia velando.

Falámos no capítulo anterior destes acordes lúgubres e soluços da alma. O Papa Pio XI chamou a atenção do mundo para a pavorosa doença que tudo invade. I lomens, dizia, vós correis para a morte. A imagem de Cristo está coberta de pó no fundo de vossas almas. O rosto de Cristo empalideceu e chegou quase a desaparecer na sociedade, na rua, na escola, na imprensa, em todas as manifestações da vida individual, familiar e pública.

Veio o turbilhão da guerra mundial e foi impotente para limpar o pó do rosto de Cristo.

Então o Papa institui uma nova festa, a festa de Cristo Rei para limpar com ela a sua imagem, coberta de pó cm nossas almas.

No capitulo anterior vimos quão árida é a vida humana quando sacode o suave jugo de Cristo; neste capitulo examinaremos a tríplice origem de tão lastimoso estado; quero mostrar as razões por que o hom em moderno não quer aceitar o reinado de Cristo.

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CONCEITO DA RE/U.EZA DE CRISTO III) 21

I

Porque é que os homens modernos repelem a Cristo?Recordemos a encantadora cena de Belém: os três reis

magos adorando a Cristo, oferecendo seus presentes...E chegam os «três reis» modemos: o estadista, o ban­

queiro e o industrial. E aproximam-se do berço humi Ide de Jesus.

Que cena tão poética! dizem. Não está mal este con­junto: o Menino, os pastores e as ovelhas, a estrela, a palha, o estábulo, a noite de Natal cheia de mistério... Que magnífico quadro se poderia pintar e adaptar ao estilo dum salão da nossa época!

Sim ! é verdade.Mas este Menino, é o F ilho de Deus vivo, o V erbo

encarnado, o senhor e soberano do género humano. Ah! isso é outra coisa: não só há tema para um quadro, mas há uma augusta realidade: Cristo, Rei! É Menino, mas também é Legislador! Ama-nos. mas é também nosso Juiz! É amável mas sabe também ser severo! Se é meu Rei. não posso viver tão frivolamente como o fiz até aqui. Então deve ter voz e voto nos meus pensamentos, nos meus pro- jectos, nos meus negócios, nos meus prazeres. Ah! isto é já demasiado. E assim o estábulo, o presépio, a palha encerram um mistério muito duro para nós. Isto não o compreendemos.

Não o comprendemos, porque não o queremos com­preender. Tememos compreender a simplicidade, a pobreza, a humildade de Cristo em Belém, porque é um protesto contra o nosso modo de viver. Porque se Cristo tem razão, é manifesto que nós não a temos. Não tem razão o nosso

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22 JESUS CR/STO REI

orgulho, a nossa ambição desmesurada, a nossa sede de prazeres, a nossa idolatria da terra, o nosso culto ao bezerro de oiro.

Chegámos ao ponto vital da questão. Porque é que o homem moderno tem medo de reconhecer a Cristo e repele o seu jugo? Porque é que não o queremos?

Não queremos a Cristo, porque o humilde Infante de Belém condena com severidade o nosso orgulho.

Não queremos a Cristo porque Ele. sempre pobre, condena a nossa sede de prazeres e gozos materiais da vida.

Não queremos a Cristo porque a sua mão levantada, mostrando-nos o céu, é uma condenação à nossa concepção do mundo moderno, a este desprezo insensato dos valores espirituais da alma, ao rendermos culto idolátrico aos bens da terra. Por outras palavras: S e Cristo é nosso Rei, então não podem ser nossos ídolos, í.° nem a razão, 2.° nem o prazer, 3.° nem o dinheiro.

l.° S e Cristo é nosso Rei e nosso Deus, a razão não pode ser o nosso Deus. Não podemos idolatrar a ciência. Respeitemo-la, sim, mas não a elevemos à categoria de uma divindade. A ciência só, não basta para uma vida digna do homem. O afã exagerado de saber estonteou-nos. E é assim só agora? Ah! Não. Já derrubou o primeiro homem: e desde então para cá a maior parte dos homens prostra-se diante das ideias e opiniões mais estranhas e incompreen­síveis, uma vez que levem o rótulo de «científicas».

Entendamo-nos. Não vão dizer que um professor de Universidade ataca a ciência. De maneira nenhuma. Não; não falo contra a ciência, mas contra a fé cega, contra o culto idolátrico que se lhe presta. Digo somente, e assumo

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COXCEITO DA REALEZA DE CRISTO (II) 23

a responsabilidade do que afirmo, que para uma vida humana bem equilibrada, a ciência só não basta.

Será necessário prová-lo?Quando houve tantas escolas, como actuaimente?

Tantas bibliotecas? Tantos instrumentos de cultura? Nunca; e contudo, quando houve maior decadência moral que nos nossos dias? A ciência, o livro, a cultura não podem suprir tudo. Não podem ocupar o primeiro lugar. Não foi precisamente o anjo mais sábio, Lúcifer, que se precipitou no mais profundo abismo? E não é verdade, que entre os grandes criminosos se encontram às vezes homens instruídos, cultos e astuciosos?

Sim ... mas, sabemos construir arranha-céus, sabemos explorar as entranhas da terra e extrair o metal precioso; sabemos ser avaros, depravados, cair em todos os abismos da imoralidade, mas ser honestos, honrados, perseverantes, viver uma vida feliz e digna de um homem, isso não sabemos.

Cristo é nosso Rei! Sabeis o que isto quer dizer? Quer dizer que a alm a vale mais do que o corpo, e que a moral é mais preciosa do que a ciência.

Que a Igreja vale mais que a fábrica.Q ue a Santa M issa é muito mais sublim e que uma

peça teatral.Q ue o hom em que ora está mais alto que o que vai a

festas mundanas. .Tudo isto significa a realeza de Cristo.2.° Outro motivo leva o homem moderno a rejeitar

a Cristo. Combate-o porque não quer ouvir a condenação fulminante... contra a moda. S e Cristo é nosso Rei, a m oda

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24 JESUS CRISTO REI

não pode ser o nosso ídolo. Onde reina Cristo não pode reinar a frivolidade, onde reina Cristo não é lícito vestir-se, dansar e divertir-se com o o faz o homem m odem o superficial e frívolo.

Que tem que ver a Igreja com a moda? murmuram alguns. Por que razão, com que direito se imiscui nestas questões? Que mal tem em que o cabelo das mulheres seja curto ou comprido, que as saias tenham mais ou menos cinco centímetros?

Não tratemos esta questão dum modo tão superficial. O tomar a Igreja posição nestas contendas, tem uma causa muito mais profunda.

Sabeis de que se trata?Trata-se daquela grave doença que se chama laicism o,

daqu ela epidem ia que desterra a Cristo, trata-se do paga­nismo m odem o, a que aludiu Pio XI, males cujos bacilos estão latentes em nós e se exteriorizam também com a loucura da moda.

O que esta pretende às ocultas é expulsar o Cristia­nismo do maior número possível de lugares, é tirar a Cristo cada vez mais vassalos.

Não se trata pois de uma só alma, de uma só familia, mas de uma questão transcendental e decisiva, a saber: de que em toda a vida social, em todas as nossas mani­festações exteriores tenhamos ou não o olhar posto em C ris to. Sim, esta é que é a grande questão.

Ciência, filosofia, política, diplomacia, maçonaria, lite­ratura. arte. legislação... tudo, tudo isto intentou já com­bater o Cristianismo. Mas em vão. Todos os inimigos

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CONCEITO DA REALEZA DE CRISTO (II) 25

coligados não foram capazes de desterrar a Cristo. Então, lançou-se mão de nova arma: a vaidade da mulher. Vedes já as profundas raízes da questão? Trata-se de desencadear a guerra contra Cristo. Admito que a maioria das mulheres, quando se inclinam diante da moda, não sabem que são instrumentos de uma traidora campanha. Ignoram que o paganismo quer instalar-se outra vez na sociedade. Paga­nismo é o vestido transparente, paganismo é o baile inde­coroso. A frivolidade espantosa das praias, o veneno dos cinemas, o luxo exorbitante... tudo isto é paganismo.

Esta é a razão por que se combate a realeza de Cristo. Não aceitamos a Cristo Rei, porque Ele é a condenação do nosso moderno paganismo.

3." Há ainda outro motivo por que o homem moderno repele a realeza de Cristo. É que a realeza de Cristo con­den a toda a vida m aterialista e terrena. Se Cristo é nosso Rei, o dinheiro npo pode ser nosso ídolo.

No paganismo antigo, o oiro e o prazer recebiam honras de divindade. Mas. ao ecoar nas campinas de Belém o cântico do «Glória», o trono destes ídolos desmoronou-se. Mas agora, de novo, o dinheiro, o oiro recuperou o seu antigo culto.

Estudemos a lição dos últimos anos. À medida que nos iamos esquecendo de Cristo, esquecíamos também os valores espirituais e culturais. Não pressentimos todos o perigo?

Não sentimos todos que aqui há alguma coisa abalada? Ousaríamos afirmar que tudo corre perfeitamente bem?

Ao mesmo tempo que sábios exímios, artistas insignes lutam com a fome e não têm trabalho, morre um artista de cinema, Rodolfo Valentino, e os jornais de todo o mundo

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anunciam que tinha oito automóveis, doze cães. cinquenta pares de sapatos e duas mil camisas. Isto está bem?

Donzelas honradas de uma vida irrepreensível, estu­dam, trabalham e não conseguem casar-se: e uma rapariga moderna atravessa nadando o canal da Mancha, e logo recebe setecentas propostas de casamento. Isto está bem?

É da praxe que um campeão de box receba por cada sessão de luta a soma equivalente aos honorários de um juiz ou de um professor durante seis meses. Está bem?

O cristianismo ensina o privilégio do espirito, a aristo­cracia da inteligência e hoje esta aristocracia é substituída pela aristocracia da musculatura.

O nde reina Cristo, a alm a é superior à matéria e é por isso que hoje se renega a realeza de Cristo... porque são muitos os homens... que não têm alma; que não têm tempo para a ter.

II

Esta é a situação actual.Qual foi o resultado desta nossa confiança’ excessiva

na cultura moderna? Que abdicámos do nosso porvir e nos voltámos para a Ásia. Sobretudo desde a Grande Guerra ('), é grande o número daqueles que esperam da misteriosa filosofia asiática o redentor da nossa inferio­ridade. Vivemos há centenas de anos em pleno cristianismo, e agora chegamos a este extremo de ver nas ruas das nossas cidades cartazes como este: — Homens, de joelhos! Recebei de joelhos a Krishnamurti! Aí vem Rabindranath Tagore!

O A guerra 1914.

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CONCEITO DA REALEZA DE CRISTO (II) 27

Como? Poderão estes homens dizer-nos alguma coisa de novo? O pouco bem que nos anunciam não o tomaram eles do cristianismo, e o que em suas doutrinas não é cristão, é mau.

E havemos de nos voltar para a Ásia, para o Oriente? Há-de procurar-se a vida nos braços da morte? A energia há-de-se tornar inacção? O raio de sol, em noite escura?

Poderá brotar desse pais de sonhos nebulosos e mis­teriosos uma energia capaz de estruturar uma nação?

Conhecemos a estátua de Buda: seus olhos sempre fechados sonham: qufe sabem da vida real? Não se escapa Buda da vida para o Nirvana?

Os olhos d e Cristo estão sempre abertos mesmo sobre a Cruz; irradiam força, energia, optimismo.

O perigo é iminente: a humanidade caminha para uma terrivel catástrofe, mas mesmo assim o cristianismo não é pessimista, porque o pessimismo só serve para sufocar em suas fontes toda a energia.

Que é que nós apregoamos? Apregoamos a realeza de Cristo. Por consequência devemos semear ideias cristãs, católicas e cuidar que dèem fruto, senão pereceremos. Há-de levantar-se de novo o Sol. e então haverá luz. Como se já vislubrássemos na cristã das altas montanhas os pri­meiros raios.

Não. nós não precisamos da teologia nebulosa de um Krishnamurti ou de um Tagore. Não queremos a moral fácil das «bailadeiras» da índia e das «geishas» do Japão.

Narra uma lenda que. quando o Menino Jesus fugia da fúria de Herodes para o Egipto, caíram todas as estátuas dos ídolos... Esta lenda deve tornar-se hoje uma realidade. Diante de Nosso Senhor Jesus Cristo, devem cair todos

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os ídolos: diante de Cristo humilde, há-de cair o nosso orgulho: diante de Cristo pobre, há-de cair a nossa avareza e vaidade presunçosa: diante de Cristo simples, modesto, a nossa sede de prazeres.

E quando reconhecermos a Cristo como nosso Rei, en tã o — só e n tã o — se curará a sociedade humana de seus males inunieráveis.

Vinde, Cristo Rei, porque já não podem os m ais!

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C A PÍTU LO III

D ireitos d e Cristo à R ea leza

/ Q s jovens da Hungria têm um modelo: o filho do primeiro Rei húngaro, o primeiro jovem da Hungria

elevado às honras dos altares, Santo Lmerico. Os jovens de agora estão plenamente convencidos que os exemplos deste jovem santo se podem imitar, passados novecentos anos. Não só se podem como se devem imitar. E sabem que só uma juventude que cresce, seguindo as pisadas de Santo Emerico, pode assentar as bases de um novo mile­nário da Hungria.

Não é sair do tema de Cristo Rei recordar este pensa­mento do santo jovem da Hungria. Quero estudar os direitos de Cristo à realeza. Santo Emerico desejava robus­tecer a realeza de Cristo em sua própria alma e na de todos os seus compatriotas.

É verdade que ainda não se conbecia a expressão «Realeza de Cristo» mas sentia-se e vivia-se a sua essência. A festa de Cristo Rei foi instituída há pouco tempo, mas a verdade que encerra é muito antiga. Veremos neste capítulo: I. Q ue Cristo seria nosso Rei, ainda que E le não no-lo houvesse dito. II. Que C risto tem verdadeira­mente direito à realeza.

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30 JESUS CRISTO REI

I

( risto seria nosso Rei, ainda que não no-lo houvesse dilo. C risto é nosso Rei, porque é nosso Redentor e nosso Deus. Como Redentor comprou por alto preço este direito. *Fostes resgatados... não com oiro ou prata, mas com o precioso sangue de Cristo, cordeiro im aculado e sem mancha» ( ). diz-nos S . Pedro. «Nosso Senhor Jesus Cristo comprou-nos por um alto preço» (2). proclama S . Paulo, de maneira que os nossos corpos tomaram-se membros de Cristo» (*).

Cristo é nosso Deus. E Deus é «o único Poderoso, o Rei dos reis e o senhor dos senhores» (*). Deus tem direitos sobre nós. Promulgar os direitos de Deus Foi o primeiro acto de Nosso Senhor Jesus Cristo, ao vir a este mundo. Na noite de Belém os coros angélicos proclamaram a glória de Deus.

^ revolução francesa, como todas as revoluções, começou por proclamar os direitos do hom em . Á. primeira revolução não foi outra coisa senão a proclamação dos direitos do homem contra Deus feita por Satanás. Por isso a Redenção devia começar de um modo contrário; começou pela promulgação dos direitos de Deus.

Sim. Deus é meu Senhor, meu Soberano absoluto. Mas tem só sobre mim, direito de soberania? Não;

(') 1 Petr., i, 18-19.O l C or., vi, 20.(3) / C or., vi, 15.0 I T im ., vi, 15.

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DIREITOS DE CRISTO A REALEZA 31

é também Senhor de minha família. Senhor da escola. Senhor dos governos. Senhor dos parlamentos. Senhor das Redacções, Senhor dos teatros. Senhor d e toda a sociedade humana. Aceitar esta tese, gravá-la profundamente nas almas, tal é o significado sublime da nova festa de Cristo Rei. Foi instituída, com o fim de que hoje em dia, quando os homens não querem saber de Deus, nós pro­clamemos por toda a parte, a todos, que Deus tem direitos inalienáveis sobre o homem e o homem tem obrigações para com Deus.

Cristo é nosso D eus; portanto, é nosso R eil

II

Examinemos mais detidamente a questão.Não será estranho ao espírito de Cristo o pensamento

da sua realeza?— Ensinam-na as Sagradas Escrituras? Se folhearmos

os livros sagrados, encontramos a cada passo argumentos que a demonstram.

1 Será preciso citar o salmo II. em que se nos diz que Cristo foi constituído «pelo Senhor rei sobre Sião, seu monte santo» e recebeu «as nações em herança, e o seu dom ínio se estende d e um a outro extremo d a terra»?

Mencionaremos a Isaias que, ao falar do Messias (Cristo) futuro diz que: «Reinará como R ei e será sábio e governará a terra com rectidão e justiça» (')?

Será preciso lembrar a introdução sublime do Evan-

(') Jeremias, xxm, 5.

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52 IESUS CRISTO REI

gelho de S . João: «No principio era o V erbo ...e sem Ele nada do que foi feito se fez» (')?

Citarei as palavras que o Anjo disse à Santíssima Virgem: «Este será grande, e será cfiamado Filho do A ltís­simo, e o Senhor Deus lhe dará o trono de seu pai D avid; e reinará etem am ente na casa de Jacob , e o seu reino não terá fim» (')?

Enfim recordemos principalmente o diálogo entre Pilatos e N osso Senhor Jesus Cristo: «Logo, tu és Rei?» — pergunta o procurador romano. E com majestade real responde-lhe Cristo: «Rex sum ego — Sim, eu sou Rei» ('’).

É verdade que antes dissera: «O meu reino não é deste m undo; se o meu reino fosse deste mundo, certamente que os meus ministros haviam de pelejar, para que eu não fosse entregue aos judeus; mas o meu reino não é deste mundo» {*). Que significa isto?

Cristo é Rei. mas não adquire os seus direitos pelas armas nem pela dinamite: «embainha a tua espada» (5), disse a S . Pedro. Só quer ser Rei das nossas almas, rei­nando sobre a nossa vontade — Ele é o ecam in ho» — : sobre a nossa inteligência — Ele é a tv erdade» — : sobre os nossos sentimentos — Ele é a *v ida» . — Sim, Cristo Rei é o €Soberano» dos reis d a terra (°) que traz escrito no seu manto: «Rei dos reis e S en h or dos senhores» (').

O S . joCto. I. 1 ,5.O S. Luras. 1. 52. 55. (“) S. jo ã o , XVII. 57.O S. Jo ão , xvm. 56.O S. M ateus, xxvi. 52. (*) A pocalip se, I, 5.0 A pocalipse, XIX, 16.

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DIREITOS DE CRISTO A REALEZA 53

O Eterno Pai constituiu-o «herdeiro universal de todas <is coisas» (*) e por isso «E le deve reinar, a lé que ponha todos os seus inimigos debaixo d e seus p és» (2).

E assim vemos que a Sagrada Escritura proclama explicitamente a realeza de Cristo. Poderíamos acrescentar ainda outras passagens, mas duas em particular chamam a nossa atenção. Quero insistir nelas, porque hão-de produzir em todas as almas profunda impressão.

2.° Sabeis o que mais me impressiona quando medito a realeza de Nosso Senhor Jesus Cristo?

São aquelas palavras conhecidas e tantas vezes repe­tidas por Nosso Senhor: tPassarão o céu e a terra, mas as minhas palavras não passarão» (3).

Não encontro palavras mais comovedoras do que estas, das que sairam dos lábios de Jesus.

Certa noite está sentado o divino Mestre, rodeado de seus discípulos, na encosta do monte das Oliveiras... Defronte deles, o monte Moriah, coroado pelo templo, o templo de Jerusalém. Momentos de descanso depois de longa jornada.

Um dos discípulos aponta com orgulho para o templo: Mestre, repara, que pedras tão bem talhadas e que esplên­dido edifício!

E o divino Mestre explica: Vedes esse magnífico edifício? Pois será de tal maneira destruído, que não ficará dele pedra sobre pedra.

O Episl. aos hebreus, l, 2.(*) / Cor.. XV. 25.O S . M ateus, XXIV, 55; S. M arcos, n u . 31.

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34 JESUS CRISTO REI

Tomados de assombro pelo que ouviam, Pedro. Tiago, João e André, perguntam: Mestre, quando é que isso sucederá? E que sinais haverá de que todas essas coisas se hão-de realizar?

Era a pergunta que esperava o Salvador. A noite entrava silenciosa...; em volta do pastor estava a grei atenta. E o Senhor começou a falar-lhes. Que haviam de sofrer perseguições pela fé, e de antemão adverte-os que não se perturbem nem temam. Depois fala-lhes da des­truição do templo de Jerusalém, e insensivelmente passa a narrar a catástrofe final e conclui com estas palavras que queria gravar-lhes na alma: Tudo, tudo o que vedes no céu e na terra perecerá. IVão há senão uma coisa, que resiste triunfalmente à destruição dos séculos e dará à humanidade uma lei imutável: a minha Lei. Passarão o céu e a terra, mas as minhas palavras não passarão.

Onde encontraríamos frase mais sublime para expressar

a realeza de Cristo?Já lá vão vinte séculos e a profecia de Cristo continua

a realizar-se. Alguns dos apóstolos chegaram a ver a destruição de Jerusalém. Desapareceu o império grego, o tempo varreu-o da face da terra. Pereceu o ingente império romano que abarcava todo o mundo conhecido de então. Desagregou-se o Sacro Império Romano. Napoleão calcou aos pés o solo ensanguentado da Europa... e acabou exilado em Santa Helena.

O s reinos que precederam a vinda de Cristo tiveram igual sorte. Escavações pacientes, têm trazido à superfície as ruínas antigas: as ruínas de Babilónia, de Alexandria... Povos, nações, indivíduos, nasceram, cresceram e passaram

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DIREÍTOS DE CRISTO A REALEZA 35

pelo cenário da história... Que nos dizem os antigos impérios em ruínas?

Que o céu e a terra passam, mas as palavras de Cristo-Rei jamais passarão.

Singular pensamentp me vem ao espírito. Que suce­deria. se o Senhor aparecese hoje entre nós. e nos levasse a um alto monte, e de lá nos mostrasse uma das nossas capitais modernas? Uma noite calma, silenciosa, envolve a linda cidade e a nossa alma emocionada diz ao Senhor: «Senhor, olhai que edifícios magníficos... o Parlamento, aqueles tempos... aqueles palácios... que profusão de luzes cintilantes!... Reparai, Senhor, naqueles teatros, como a multidão aplaude...»

E o divino Mestre elevando a voz: «Todos esses hotéis, palácios e museus, esses edifícios altaneiros, esses eléctricos e metropolitanos, esses automóveis velozes, essas fábricas, orgulho dos homens, tudo, tudo isso perecerá, ...de tudo isso não ficará mais que umas ruínas, e talvez nem sequer a lembrança delas.»

E, ao ouvirmos tais palavras, exclamamos surpreen­didos: «Senhor, não pode ser. Tanto trabalho, tanto...» Mas. depois vem-nos à memória a vida exuberante que há quinze ou dezasseis séculos reinava na África do Norte, ali mesmo onde hoje é um deserto de areia... Eemhramo- -nos que associações científicas trabalham com férrea cons­tância escavando as ruínas daquelas cidades, outrora flo­rescentes... Talvez um dia os povos da Ásia, da África invadam a Europa e submetam os seus habitantes... Mas já também eles trazem em si mesmos o gérmen da ruína. Porque tudo o que o homem pode ver, ouvir e apalpar, tudo perecerá... O céu e a terra passarão . ..

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F

Mas. Senhor. Senhor, também eu hei-de perecer sem deixar vestígio algum? O instinto da vida. este desejo irresistível que sinto de viver, que penetra todo o meu ser. desaparecerá, será aniquilado sem ser satisfeito? Não. É o Senhor quem o diz: «passará o céu e a terra, mas as minhas palavras não passarão». E quem guardar as pa la ­vras do Senhor, viverá etem am ente.

Cristo, Vós sois o Rei do tempo. Ê o pensamento que me enche de confiança. É o que me alenta. Cristo é o Rei da vida etem a, e eu procurarei ser filho fiel deste R ei...

Este é um dos pensamentos que mais me impressionam, quando medito a Realeza de Cristo.

3.° Existem outras palavras de Cristo que também me impressionam completamente e que mostram com toda a luz os seus direitos a realeza. A frase e esta: «Eoi-me dado todo o poder no céu e na terra» ('). «E quando for levantado d a terra, atrairei a mim todas as coisas» (2).

a) Ah! Senhor! como ousais dizer semelhante coisa? Certamente que não foi segundo o raciocínio humano. Porque, humanamente falando, que podíeis esperar? Diante de vós, estava a cruz, a populaça cheia de ódio. e doze pescadores vulgares... E são estes que hão-de dilatar o vosso reino?

Vejamos o que se passou com a doutrina de Cristo e como se realizou à letra tudo quanto Ele anunciou!

O grãozinho, lançado à terra, germina e cresce: os círculos formados com uma pedra que cai na água. ampliam-se: os montes e os vales, os bosques e os campos.

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(') Moí., xxviii, 18. (’ ) S . Jo ão , xn. 32.

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Samaria, Cilicia, Capadócia, Frigia, Atenas, Roma. todos, todos se põem ao lado de Cristo, seguem-n O. Depois são os povos bárbaros imigrados que curvam sua fronte ao jugo de Cristo... Vêm depois os grandes descobrimentos. Marinheiros valorosos levam a cruz de Cristo até às margens do Mississipi, às regiões do Ganges, aos descendentes dos Incas, às tribos do Rio da Prata, aos domínios da China e do Japão, às ilhas cobertas de gelo do Mar do Norte, às regiões do Pólo Su l... Por toda a parte ressoa o bino: «Nós Vos adoramos. Senhor Jesus, nós Vos bendizemos.» Realmente Vexilla Regis prodeunt... Os estandartes do Rei avançam.

Na verdade Ele foi levantado ao alto e atraiu-nos a si.E se. depois do passado, lançarmos um olhar à situação

actual? Onde se encontra nos anais da História Universal um homem, um soberano que tivesse tantos vassalos como Cristo? Um domínio tão extenso que abarca tantos países e continentes? Para quê lembrar César, Alexandre Magno, Carlos V, Napoleão? Seus impérios, comparados com o de Cristo, são montes de toupeira. Para quê recordar a entrada e marcha triunfal de Constantino? É um passeio infantil comparado com a procissão eucarística de Chicago, onde se encontravam povos de todas as nações: chineses, ame­ricanos, esquimós, negros, alemães, húngaros, italianos, portugueses, espanhóis, franceses, ingleses, e todos se prostravam de joelhos com a mesma fé ante Cristo-Rei.

b) E não podemos esquecer as grandes dificuldades e os grandes obstáculos que se opunham à marcha triunfal de Cristo. A moral austera do cristianismo! Os homens maus: judeus, pagãos, turcos, incrédulos, socialistas. mações! Diplomacia e violência, astúcia e intriga, a falsa ciência

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e a imprensa, há dois mil anos que procuram vencer a Cristo. Amigo leitor, mostra-me um só fundador de religião, cuja doutrina tenha suscitado lutas tão encarniçadas como as que se travam contra a doutrina de Nosso Senhor Jesus Cristo!

Não tinha mais que doze apóstolos, homens simples. Na sexta-feira santa, até estes se assustam e cheios de pavor... fogem. Mas chega o dia de Pentecostes em que recebem o divino Espírito Santo e os seus discípulos já se contam por milhares.

Jerusalém executa a S . Tiago, persegue e desterra a S . Pedro e S . João e contudo é impotente para triunfar do Cristianismo nascente. Lança contra ele o seu perse­guidor mais encarniçado... Mas Saulo transforma-se em Paulo, que, juntamente com a Palestina conquista também para Cristo a Ásia Menor.

Roma começa as perseguições: fogo. ferro, sangue... e por fim o Cristianismo conquista Roma e Roma cristianiza a Europa inteira.

Em França, os inimigos de Cristo dão a palavra de ordem: «Ecrase; l in fâm e! » — «Esmagai o Infame!» Mas não o podem esmagar e o Cristianismo levanta a cabeça no Novo Mundo e propaga-se cada vez mais... E como! Não há poder, astúcia, força capaz de lhe impedir o passo. Bastam estes factos: no princípio do século xix. nos Estados Unidos, havia apenas três Bispos, hoje há 95. No Canadá havia um, hoje há 32. Na Ásia 45. hoje 165. Na África 9, hoje 55. Na Austrália, nenhum, hoje 38. Não falam com eloquência estes dados da marcha triunfal de Cristo Rei? «.Quando Eu for levantado da terra, atrairei tudo a mim».

Atrai tudo!

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c) E com que força! Com que amor prende! Não há rei que se possa comparar com Ele na influência que exerce sobre os seus súbditos... «Ide, ordenou Cristo, e ensinai a todas as nações»; e cumpriu-se o seu mandato. Ainda boje ressoa a palavra vivificante de Cristo. Ressoa nos palácios, nos tugúrios e em mil línguas. Escutam-na os analfabetos e os sábios, o pescador dos fiords noruegueses e o negociante bolandês, os aldeões das campinas búngaras e o mineiro inglês, o operário fabril alemão e o fazendeiro brasileiro. Todos, todos ouvem e lêem as palavras de Cristo... Lêem. escutam... e tornam-se melbores. Sofrem mais alegremente os trabalhos da vida.

Realmente, vemos realizadas as palavras do salmista: «Florescerá em seus dias a justiça e a abundância de paz... e dominará de um mar ao outro, desde o rio até ao extremo da terra» (').

** *

Na noite do dia 31 do quinto mês do ano 737 depois da fundação de Roma, o imperador Augusto saiu do palácio com brilhante cortejo. À luz de archotes atravessou as escuras ruas de Roma... em direcção ao campo de Marte.

No meio de contínuas guerras e revoltas, suspirava o povo pelo alvorecer de uma nova era... e eis que apareceu no céu um novo cometa: chegava uma época melhor e precisamente naquela noite devia celebrar-se a sua vinda. O imperador saiu para oferecer um sacrifício por tal motivo.

C) Salm. LXXI, 7-8.

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Ingentes tochas... a noite cintilante... uma multidão festiva apinha-se em volta dos três altares erigidos em honra das deusas da Sorte. Uma turba de sacerdotes... crepitam as chamas, ressoam os clarins... De repente, tudo emudece; aproxima-se o momento solene; o imperador levanta-se, dirige-se ao altar e oferece o seu império e o seu povo à divindade.

Terminado o sacrifício, o povo contente volta para suas casas: «Começou uma época nova, uma época melhor.»

Não foi o cometa que trouxe uma época melhor, mas um Menino que nasceu uns anos depois em Belém. Um pobre Menino, cujo nascimento foi o ponto de partida para contar os anos, e ao sopro deste Menino ruiram os deuses do paganismo.

E desde então, por toda a parte se ouve aquela oração solene e cheia de confiança da Igreja: Per Dominum nos- trum lesum Cristum, Filium tuum, que vivit et regnat per omnia scecula sceculorum... Por Nosso Senhor Jesus Cristo que vive e reina por todos os séculos dos séculos...

Sim. Cristo tem direito sobre nós, tem direito à realeza. E por isso o dia de Cristo-Rei não há-de ser só um dia de festa da Igreja, mas de toda a Nação. «Fora dele não há salvação. Pois não foi dado ao homem outro nome debaixo do céu, pelo qual nós possamos ser salvos» ('). O Santo Padre Pio XI com razão acrescenta: «É ele quem dá a prosperidade e a felicidade verdadeiras aos indivíduos e às nações; porque a felicidade da nação não provém senão da felicidade dos cidadãos, pois a nação não é outra coisa senão o conjunto harmónico dos cidadãos.»

0) A ctos dos A póstolos, iv, 12.

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DIREITOS DE CRISTO A REALEZA 4t

Por isso os devotos de Santo Emerico, vergônteas vigo­rosas do grande roble húngaro, agora truncado, aproxi­mam-se do altar para receber a Cristo-Rei, para se fazerem cavaleiros de Cristo-Rei e preparam-se para o passo defi­nitivo. A nova geração coloca-se com armas e bagagens ao lado de Cristo; disso temos a prova...; sem Ele nada pode­mos. Vamos a Cristo e com Ele venceremos.

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C A PITU LO IV

Cristo, Rei d a Pátria terrena

/ i ^ ^as verc a^es mais austeras e dramáticas do Cris- ly v / tianismo é sem dúvida a que refere a destruição

do mundo: o mundo e a terra perecem... e a vida e a pátria terrena passam...

Se esta terra há-de passar, perecer... então, o que vale é a pátria eterna. E a pátria terrena? Examinemos este pensamento: C risto é o Rei da pátria eterna; não deve­mos então amar a pátria terrena?

Este pensamento é de tanta maior actualidade, quanto hoje mais se diz que a religião católica fala sempre do reino dos céus, e nunca da terra, e por isso, não ensina, não inculca aos fiéis, como o devia fazer, o amor à pátria: mais ainda. lança-se-lhe à cara ter uma tendência franca­mente internacional, visto que o seu Chefe Supremo vive em país estrangeiro, em Roma.

Poderíamos responder rapidamente a esta questão. Podíamos fazer uma síntese rápida dalguns factos históricos incontestáveis. Poderíamos dizer que país algum teve que sofrer, por ter o Chefe supremo da Igreja Católica a sua Sede em Roma. Pelo contrário. A nossa história está cheia cfe factos gloriosos e honrosos, que demonstram com

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clareza meridiana como os Papas auxiliaram sempre a nossa Pátria, começando por S . Silvestre II. que nos deu a Santa Coroa, até aos que reinaram na época das Cruzadas, quando ninguém se preocupava com os húngaros, até Pio XI. cujo legado, o Núncio, desenvolve entre nós uma obra magnífica, precisamente hoje, quando uma vez mais, ninguém pensa neste país desmembrado.

Poderíamos acrescentar o argumento de que a nossa religião sacrossanta não é uma religião italiana, não é uma religião nacional, mas católica, isto é. universal, que respeita e cultiva as qualidades peculiares de cada raça e de cada povo. Poderíamos alegar todas estas coisas. Mas queremos entrar mais profundamente no exame do nosso tema. Partindo do pensamento da realeza de Cristo, enfrentemos a questão: Corresponde à verdade a acusação de que a religião católica não ensina, como é justo, o amor da pátria? Ou pelo contrário, será certa a tese oposta, segundo a qual, não há outra religião que tenha feito tanto pelo verdadeiro patriotismo como a religião católica?

1

O amor pátrio dos católicos provém: A) Do exemplo de Nosso Senhor Jesus Cristo: B) e da doutrina da Sagrada Escritura.

A) O exemplo de Nosso Senhor Jesus Cristo. Quadro emocionante: poucos dias antes da Sagrada Paixão, Jesus despede-se de Jerusalém. Do alto do monte das Oliveiras fixa o olhar uma vez mais na cidade santa inundada de luz doirada do sol poente. De repente enchem-se-lhe os

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olhos de lágrimas. Nosso Senhor Jesus Cristo chora pela sua pátria e por seu amado povo, que não corresponderam ao convite de Deus, afastando-se dele obstinadamente. Ante os olhos do Senhor desdobra-se o futuro: vê a cidade no meio das chamas; os inimigos triunfantes matando o povo, e Jesus, nunca'superado por ninguém em seu amor pátrio, chora pela sua cidade.

b) Doutrina da Sagrada Escritura. Uma das passagens principais, em que se nos inculca o amor pátrio, é aquela cm que Nosso Senhor Jesus Cristo mandou: «Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus» (*). Outra é o aviso de S . Paulo escrevendo aos romanos: «Não há poder que não venha de Deus» (2). Finalmente, o testemunho dos Apóstolos confessando alegremente a sua fé: «É necessário obedecer primeiro a Deus que aos homens» (3).

Destas frases podemos deduzir com toda a clareza o critério católico com respeito ao patriotismo.

«Dai a César o que é de César». O César significa o poder terreno, a autoridade do Estado. O Senhor obriga­-nos a dar-lhe o que lhe pertence.

Que é que devemos dar-lhe?O serviço material, a contribuição, o respeito e obe­

diência em tudo o que ele tem direito a exigir de nós.«Não há poder que não venha a Deus», isto é, temos

que obedecer enquanto o poder terreno nada mande contra a lei de Deus. Compreende-se pois com quanta razão escrevia o Papa na encíclica em que instituía a festa de

D S. M ateus, XXII, 21; S. M arcos. XII, 17; S. Lucas, xx, 25. O C arta aos Rom anos, xui, 1.(*) A ctos dos A póstolos, v, 29.

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Cristo-Rei: «Portanto, se os homens reconhecerem na vida pública e particular a autoridade real de Jesus Cristo, grandes benefícios e vantagens advirão à sociedade civil, como. por exemplo, uma justa liberdade, tranquilidade e disciplina, paz e concórdia. A régia dignidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, assim como santifica a autoridade humana dos chefes e governantes do Estado, também eno­brece os deveres e a obediência dos súbditos.»

O Papa continua: «Se os príncipes e governantes legitimamente eleitos se persuadirem que governam não pelo seu próprio poder e direito, mas por mandato e repre­sentação de Jesus Cristo, usarão sábia e santamente da sua autoridade, e terão em conta, ao dar e executar as leis, o bem comum e a dignidade dos seus súbditos.»

2.° Qual é a base do verdadeiro patriotismo, ou em que consiste o verdadeiro amor da Pátria?

Em ter apego à casa «em que nascemos, e em que a mãe cantava enquanto nos embalava no berço» ?

Sim. também isso é amor pátrio, mas não basta.Consistirá, talvez, em amarmos a nossa aldeia, o nosso

país natal, o nosso povo, a nossa nação? Sim, sem duvida, mas o católico acrescenta mais alguma coisa.

Consistirá, então, em lutar pelos interesses da nossa pátria? Também: mas tal conceito é demasiado restrito, o patriotismo do católico é ainda mais alguma coisa.

É o esforço santo e o trabalho denodado para fazer respeitar em toda a parte a minha pátria, o meu povo , a minha raça.

O s produtos nacionais hão-de ser os primeiros em todo o mundo: excelentes, preciosos, merecedores de confiança: e, se sou operário, mostrarei ter amor à minha pátria esfor-

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çando-me por que ela tenha o primeiro lugar na indústria ou no ramo em que trabalho. A ciência nacional há-de levantar-se a grandes alturas e alcançar a consideração do mundo inteiro; e se sou sábio e trabalho nisso, terei amor à pátria. A juventude da minha pátria há-de ser a mais brilhante e a de carácter mais enérgico de entre as outras do mundo. Se sou professor, sacerdote ou pai de família e trabalho no nobre ideal da minha profissão com abnegada persistência, será de bom quilate o meu amor à pátria. A fé do meu povo há-de ser firme, como as mon­tanhas gigantescas que elevam os seus cumes acima das nuvens; e, se concorro para isso, amo a minha pátria. A moralidade do meu povo há-de ser brilhante e pura como os olhos cândidos da criança; e se eu contribuo para que o nível de sua vida moral seja elevado, eu amo deveras a minha pátria.

Sim. este é o verdadeiro patriotismo: o amor da pátria que é capaz de levantar às alturas um povo. sem desprezar nem humilhar os outros.

O patriotismo não deve degenerar numa cega idolatria da própria pátria, nem intentar aniquilar outras nações ou dominar o mundo: o patriota deve amar a sua raça, o seu povo. sem desejar mal ou odiar os outros povos, pois todos somos filhos do mesmo Pai que está no céu. Oxalá fosse maior o número dos que amam assim a pátria. Então não haveria pactos iníquos de paz... Sim, a religião católica ensina o verdadeiro patriotismo.

3.° É verdade que existe hoje um outro patriotismo — um patriotismo grandíloquo, manifestando-se em palavras ocas e vazias, em vivas e hurras. Este patriotismo é com­pletamente estranho ao espírito do Catolicismo; não é este

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amor pátrio o que nos ensina a Igreja... O amor pátrio não é só o rufar dos tambores, o ondear de bandeiras ao vento e gritos ensurdecedores de «vivas» até enrouquecer, sem ser capaz do menor sacrifício no cumprimento monótono dos deveres quotidianos e muito menos quando se exige algum sacrificio heroico nos momentos críticos. Grandes banquetes, discursos intermináveis, fogo de artifício e artigos inflamados não farão progredir a causa da pátria. Não: o catolicismo não ensina tal patriotismo. Ensina porém a trabalhar com perseverança, noite e dia, até cair exausto de forças: sim, isto é o que ensina o Catolicismo. E não é este o verdadeiro amor patriótico?

O catolicismo coloca-se ao lado dos homens e hoje em dia, quando a honestidade e a honra decrescem de uma maneira assombrosa, e quando titubeiam aqueles que deviam permanecer firmes e enérgicos, ele diz-lhes: Homem, meu irmão, sê honrado, não manches as tuas mãos nem a tua alma. Diz-me, leitor amigo, não é isto verdadeiro patriotismo?

O catolicismo aproxima-se dos cônjuges e hoje em dia, quando um trabalho de sapa. tão inconsciente como cruel, quer destruir os fundamentos da sociedade, a família, e nem o Estado, nem as instituições mais sérias, nem as entidades mais poderosas se sentem com forças para impedir os divórcios, o catolicismo é o único que se atreve a gritar, consciente da sua força: Homens, irmãos, não o permito, não é lícito o divórcio: Cristo proibe-o, não desfaçais os vossos lares! Dizei-me: — não é isto o mais belo patriotismo?

O catolicismo clama aos pais de familia: hoje em dia. quando o mundo moderno e frívolo esquece a estima da

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sublime missão da paternidade e nem a legislação, nem as medidas sociais, nem os gritos de alarme ante um porvir angustioso da nação são capazes de pôr um dique aos liorrores da limitação da natalidade, a religião católica é a única que protege o santuário da familia contra a degra­dação e o infanticídio. Não é isto o verdadeiro patriotismo?

O catolicismo põe-se em contacto com a juventude, unica esperança da pátria; e quando suas almas puras se salpicam das imundícies satânicas nas ruas. nos cinemas, nos teatros... e nem o Estado, nem a escola, nem a autori­dade paterna podem preservá-la, a religião católica é a única que eficazmente lhes abre os braços e lhes diz: Meus filhos, guardai a pureza das vossas almas; que será da pátria, se os pecados ocultos fazem empalidecer os vossos rostos e dobrar os vossos corpos? Dizei-me: não é isto um são patriotismo?

E nos dias de luta? E em tempo de guerra? Quando é necessário defender a pátria atacada, quem é que então dá firmeza aos espíritos?

Não serei eu a responder a esta pergunta.Passou-se isto em 1914. As tropas húngaras acha­

vam-se estacionadas, havia várias semanas, em trincheiras lamacentas, inundadas, na frente da Sérvia. Caía a chuva, pertinaz, incessante... É uma das maiores provações na Irente da batalha. Permanecer durante semanas nas trin­cheiras sob uma chuva fria de Outono. Um soldado tirou o seu terço e pouco depois todos os seus companheiros de trincheira rezavam com ele. D a reza do terço tiravam forças para resistirem e suportarem as intempéries do tempo. Nunca esquecerei aquela fé comovedora que presenciei num

4

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soldado gravemente ferido, quando, depois de uma dolorosa amputação, agonizando no Hospital militar, me dizia: «Padre, quem me dera morrer depressa para ir uer a Virgem Maria!...»

Estes homens amavam a sua pátria, deram realmentea César o que era de César.

Mas. nas palavras do soldado ferido, não brilha só o amor heroico da pátria, mas revela-se-nos também a fonte que alimentava o seu patriotismo.

II

Com isto chegamos ao segundo ponto desta questão e que tem por objecto responder à pergunta: Em que se funda o amor dos católicos à sua pátria? A resposta é surpreendente. Funda-se precisamente na doutrina que. à primeira vista, parece desfavorável ao patriotismo, a saber: o católico, além da pátria terrena, conhece outra pátria, a pátria celestial e eterna.

| ° palavras memoráveis de Cristo não dizemsomente: Dai a César o que é de César, mas também: c a Deus o que é de Deus. Talvez muitos não tenham reparado em que o amor à pátria celestial e eterna é o melhor estímulo do patriotismo.

Ouvimos com frequência: o catolicismo fala sempre do outro mundo: repete sem cessar: «salva a tua alma e despreocupa-te do mundo terreno.»

Um exemplo. Tenho de retroceder muitos anos nas minhas recordações. Quem foram os que em 1919 atrai-

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çoaram a nossa pátria ('), e a puseram a saque, a fogo e sangue, e arvoraram o estandarte vermelho?

Precisamente aqueles que negavam e não faziam caso da vida eterna, da pátria celestial. E quando naqueles dias de luto. em que não era permitido ser húngaro, quando estava proibido, sob pena de morte, a oração nacional, onde havia coragem para cantar o hino da raça. o hino húngaro? Só nas igrejas Católicas!

Quanto deve o patriotismo à religião católica, nunca o vi com tanta clareza, como durante a minha viagem à América. Em toda a parte pude certificar-me que a única cidadela, o único baluarte dos húngaros naquelas terras, era a igreja com a sua escola católica. Onde houver uma

0 Parece-nos oportuno copiar aqui uma nota exarada já noutros livros de Mons. Tóth. Fazemo-lo, para comodidade daqueles leitores que começam a ler as obras do ilustre professor da Hungria.

A República comunista da Hungria começou no dia 21 de Março de 1919 e durou até ao primeiro de Agosto do mesmo ano em que o almirante Horty se apoderou do Governo.

A revolução comunista transtornou toda a vida da nação. O poder foi açambarcado a pouco e pouco pelos socialistas, de maneira que a república d o povo não era senão uma república socialista.

Os socialistas uniram-se aos comunistas c bolebevistas vindos em tropel da Rússia e todos juntos, de surpresa, estabeleceram a R epú blica soviética, segundo o molde russo.

A história desta república podia-se escrever com letras de sangue, pois é uma série de atrocidades e crimes sem interrupção. O povo húngaro reagindo contra a força opressora, conseguiu libertar-se do jugo bolchevista. O «reino de Santo Estcvão>, que durante séculos serviu de baluarte à Europa cristã contra a invasão turca, adquiriu novos títulos à gratidão do nosso continente, pondo dique, à custa de grandes sacrifidos. à avalanche comunista vermelha que, ameaçadora, começava a sua marcha desde a Rússia. — (N. d o trad. esp.).

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freguesia organizada com a sua escola paroquial, ali a força húngara poderá resistir às correntes estrangeiras. ...........................................................................................................0)

Ali me foi dado conhecer em que grau e por que título a religião católica é fonte viva do verdadeiro patriotismo. Porque, quando um católico considera os deveres que tem para com a pátria, ao mesmo tempo tem que resolver outra questão: que há de fazer por sua alma; isto é, pensa como há-de dar a César o que é de César, e a Deus o que é

de Deus.Assim o catolicismo é um grande valor patriótico, nao

só porque nos ensina a pagar a contribuição, mas porque exige de nós também, o cumprirmos com Deus. Lembra-nos as palavras do Senhor: Porque no denário está a imagem de César, «dai a C ésar o que é de C ésar»; inas também porque em vossas almas está a imagem de Deus. respeitai-ae «dai a Deus o que é de Deus».

2 ° No Antigo Testamento. Salomão, termina o livro do Eclesiastes com as seguintes palavras: <Escutai o fim e o resumo deste discurso: Tem ei a Deus e observai os seus mandamentos, porque isto é todo o homem. E lem ­bremo-nos que Deus nos pedirá contas de tudo o que houvermos feito, seja bom ou seja m au» (2). Nem outra coisa ensina o S e n h o r ao dizer: «Dai a Deus o que e de Deus.» A s vaidades passam. Nada há que possa dar-nos uma felicidade perfeita, a não ser a consciência recta. a

(’ ) Aqui Mons. Tiiiamcr Tóth expõe impressões <la sua estadia entre os húngaros que viviam na Amírica do Norte. (Nota do trad. português).

(*) Eclesiastes. xii, 13-14.

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convicção de que a nossa alma está em ordem e podemos suportar tranquilos o olhar de Deus.

Toda a doutrina de Nosso Senhor Jesus Cristo está cheia deste pensamento: «Salva a tua alm al»

Nenhuma das suas palavras ou actos tinha outra fina­lidade que não fosse inculcar e gravar em nossos corações este grande pensamento: Tens uma só alma, uma alma etema. Se a salvas para a eternidade, tudo está salvo; mas, se a perdes, de que te servirá ganhar o mundo inteiro?

Dai a Deus o que é de Dens. Tudo o que temos é seu: tudo. portanto, lhe devemos dar.

Todos conhecem a alegoria do «Livro da vida» onde se escrevem todas as nossas acções para serem julgadas no juizo final. £ uma alegoria, mas com um sentido pro­fundo. que nos diz que no céu há uma misteriosa con­tabilidade. Deus empresta-nos um capital (propriedades corporais e espirituais) e um dia exigirá a devolução do capital mas com os juros.

Em que dia? Não sei, não depende de mim. Nem importa onde tenha vivido, nem quanto tempo tenha vivido, nem se ocupei uma situação importante ou modesta. Tudo isso importa pouco.

A única coisa importante é se dei a Deus o que é de Deus. O indispensável não é ter feito durante a vida alguma coisa grande, que chame a atenção, mas ter tra­balhado conscienciosamente.

Facilmente se compreenderá, o caudal de forças que brota desta ideia, para cumprir as mil pequenas obrigações de cada dia.

E esta obediência quotidiana ao dever muitas vezes é mais dificil que o martírio, que dura um instante; a vida

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I

heroica e perseverante no meio da miséria e das provas, é mais difícil que a morte nas trincheiras.

3.® Sim, a nossa religião fala constantemente da vida eterna, da outra pátria; mas devemos reconhecer que. para inculcar o amor à pátria terrena, não há pensamento melhor que este: chegará a hora em que Deus exigirá a devolução de quanto tenho, de tudo o que me deu; da minha própria pessoa e de todas aquelas com quem me relacionei durante a vida.

A minha própria pessoa. Antes de nascer, vivia, como pensamento puro e luminoso, na mente de Deus. Ele criou-me. Incumbe-me a obrigação de polir e aperfeiçoar, dia após dia. em mim, o pensamento de Deus.

Também me pedirá contas das pessoas com quem me relacionei. Não posso passar junto do meu próximo sem que ele receba de mim. ou eu receba dele. uma impressão. Deus toma todos os homens ao seu serviço. Confiou aos Apóstolos a fundação da sua Igreja: aos mártires, o darem o exemplo do heroísmo: aos sábios e doutores, a luta contra as falsas doutrinas. Com Santo Estêvão quis converter os húngaros: com S . Francisco de Assis dar o exemplo de pobreza...

E comigo?Comigo, tem o plano de formar uma alma... cheia de

sol! Que trevas. que desespero à minha volta! Se pratico o bem no pequeno círculo dos que me rodeiam, darei a Deus o que é de Deus. E cbegará o dia em que Deus me há-de perguntar: Quanta luz dispendeste para iluminar as trevas? Quanto sal espalhaste para preservar da cor­rupção? Quanto bálsamo derramaste para suavizar as dores das chagas?

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Façamos um pequeno exame de consciência: Meu Deus, dei-Vos. até ao presente o que é Vosso? Talvez os meus cabelos comecem a encanecer, anunciando o outono da vida, e no outono o vento arranca e leva as folhas das árvores. Quando chegar a hora em que o vento me arranque da árvore da existência, como me apresentarei diante de Deus? Dei a Deus tudo o que era Seu? Reflicto sobre o passado: quanto corro, quanto sofro, quanto suo!... E porquê? Quanto trabalho para ganhar o pão de cada dia, para gozar, para amontoar riquezas! E preocupei-me sèriamente com a minha pobre alm a?

Dei ao estômago o que ele reclamava, ao corpo o que ele necessitava, e talvez mais... mas, dei a Deus o que era de Deus? Tenho tempo para tudo: diversões, sociedade, conversas... e para minha alma... não terei pelo menos meia hora?

Talvez tenha vivido assim até hoje!...E como será daqui para o futuro?

** $

Tal é o modo de pensar da nossa santa religião a respeito do amor à Pátria terrena. Aparentemente não se fala muitas vezes dele, mas penetrando o fundo da questão, vemos que religiosidade e patriotismo, verdadeiro amor à religião e verdadeiro amor à pátria, coração católico e coração patriota... não são incompatíveis. Não só não se opõem, mas somos obrigados a confessar que as maiores bênçãos para o Estado brotam d a religião católica, a qual considera importantes as obrigações para com a pátria, ao pregar as obrigações para com Deus.

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Não há poder, nem instituição, nem sociedade, nem qualquer outra religião que possa ostentar uma tão grande lista de serviços prestados à pátria terrena como o cato­licismo.

Numa das peregrinações do Ano Santo de 1925. numa manhã de Outubro, junto do túmulo de S. Pedro, senti a força desta verdade... Algumas centenas de companheiros húngaros, saímos juntos do Vaticano da audiência papal; e comentando, depois, algumas particularidades daquela magnífica recepção, dispersámo-nos pela cidade eterna... Quis ainda contemplar por alguns momentos a basílica de S. Pedro.

Ao pisar os umbrais, ouvi ao longe, vindo do interior da basílica do túmulo do principe dos Apóstolos, um cântico, que me comoveu profundamente. Como que fora de mim, de comoção, paro, e... será verdade? ou será ilusão minha? Os meus compatriotas tinham dispersado por toda a cidade, e ninguém entrara para dentro da Basílica. Quem seriam, pois. aqueles, que cantavam junto do túmulo de S. Pedro o hino nacional húngaro: — «...que me bendiga ou me açoite a mão do destino, aqui eu hei-de viver e morrer...» (’)

Apressando o passo, corro para o grupo. Sabeis quem eram ?

Eram peregrinos da Hungria do Sul. que nos fora arrebatada depois da grande guerra, e que na pátria, não podiam expressar a sua dor, mas aqui, em Roma, no extração da Igreja Católica, nossa Mãe, davam rédea solta à sua dor:

O Frase do hino húngaro. (Nota do trad. esp.).

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CRISTO. REI DA PÁTRIA TERRENA 57

«que me bendiga ou me açoite a mão do destino, aqui bei-de viver e morrer.»

Responde-me, agora, leitor:Não pode o católico ser bom patriota?Quem se prepara para a pátria eterna, não pode amar

a pátria terrena?Se dou a Deus o que é de Deus, não posso também

dar à pátria o que é da pátria?Sabeis quem era D a n i e l O C o n n e l ? O maior patriota

irlandês, e ao mesmo tempo um dos mais fervorosos filhos da Igreja Católica. Ele escreveu no seu testamento: «Deixo o meu corpo à Irlanda, o meu coração a Roma. e a minha alma a Deus.»

Todos os patriotas católicos deviam escrever também: Deixo o meu corpo à pátria, o meu coração à santa Igreja católica romana, e a minha alma a*Deus.

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CAPÍTULO V

Cristo, R ei cia Pátria Eterna

\ f ° capítulo anterior vimos que Cristo é Rei da pátria Lx \ terrena. Vamos estudar agora outro aspecto da questão: Cristo é Rei da Pátria Eterna. Se antes consi­derámos a obrigação que nos incumbe para com a pátria terrena, estudemos agora as coisas eternas, a pátria imperecível.

Falar da vida eterna é nossa obrigação, tanto maior quanto mais claro aparece que na árvore da nossa santa religião, ao lado de flores magníficas que anunciam frutos ubérrimos, bá também rebentos franzinos e doentios e atéramos quase a secarem.

Alguém dividiu os católicos em três categorias:C.alólicos baptizados que, embora se chamem católicos,

porque foram baptizados, levam uma vida, em que nada se vê de cristianismo. São ramos secos na árvore da Igreja.

Católicos domingueiros que se vestem melhor ao domingo, vão com o seu devocionário à missa; mas, ao chegar a casa, despem o fato domingueiro e guardam o devocionário, e durante a semana a sua conduta é tal. que ninguém suspeitará que aos domingos também são católicos. São os rebentos franzinos e doentios. Mas, graças a Deus, bá um terceiro grupo:

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C atólicos de todos os dias, que não só frequentam a Igreja, mas também fora da Igreja e durante a semana são católicos, isto é, ordenam toda a sua vida conforme a vontade de Deus.

Se olharmos à nossa volta e perguntarmos — porque não somos mais fortes?... a resposta só pode ser: porque, entre nós, são poucos os católicos d e todos os dias, os católicos cujos dias de trabalho estejam impregnados do ambiente do catolicismo dominical; cujas almas, também nos dias de trabalho, se alimentem do espírito religioso que confessam aos domingos na igreja: que pela manhã se preparam com a oração para os trabalhos e para vencer os perigos e tentações do novo dia, e que à noite se entregam ao descanso com este pensamento: — Meu Deus, procurei hoje passar o dia santamente, cumprindo a vossa vontade: Senhor, estais por certo contente comigo, não é verdade?

N osso Senhor Jesus Cristo, R.ei d a pátria elem a, ensina-nos e exige-nos esta vida verdadeiramente católica.

I

Porque será que entre nós há tão poucos católicos, que impregnem de religião todos os dias e todos os actos da sua vida quotidiana? É que não consideramos a vida eterna como a consideraram os santos. Não sabemos ver a Deus. a vida eterna com os olhos dos Santos: não temos a religiosidade destes grandes mestres da vida. Quando nos sentimos esmagados pela dor, não sabemos levantar os olhos ao céu. como o fez o protomártir Santo listcvão

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de que lemos: «Levantando os olhos ao céu viu a glória de Deus, e Jesus, de pé, à direita de seu pai.» (')

Os Santos eram homens como nós; tinham um corpo como o nosso, e encontravam em seu caminho os mesmos obstáculos; sentiam as dificuldades e oposições que nós sentimos, as mesmas tentações e tinham os mesmos recursos.

Mas num ponto diferiam de nós extraordinariamente: eram homens de oração e meditavam continuamente estas três verdades: Quem é Deus? Qual o fim desta vida terrena? O que é a vida eterna? Quando sentiam o peso da vida, «levantavam os olhos ao céu e viam a glória de Deus e Jesus, de pé. à direita de seu Pai». Se caimos tão facilmente, é que os nossos pensamentos acerca de Deus, da vida terrena e da vida eterna são muito diferentes dos pensamentos dos santos.

l.° Que ideia fazemos nós de Deus? Muitos, ainda que o não confessem, pensam desta maneira: Deus é um ser grande, majestoso, que está sentado em seu trono. lá muito longe, a quem rendemos culto nos domingos e dias santos. Mas depois, na oficina, no escritório, na vida íntima, quem pensa em Deus? Na sociedade, no lar, na famlia. quem fala hoje em Deus?

Ah! os santos não pensavam assim. Deus está longe? Não; ele está no meio de nós e em toda a parte. A qualquer ponto que me dirija «nele vivo. nele me movo e nele existo». Não posso fugir nunca da sua presença.

Nós. se nos sentimos embaraçados pelos obstáculos e dificuldades, esmorecemos e talvez murmuremos: «Meu (*)

(*) Acfos dos A póstolos, \n . 55.

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Deus, mereci ser tratado assim? Porque me castigais?» E talvez chegue a esfriar-se o nosso amor a Deus. E os Santos? Os Santos viam em tudo a vontade de Deus.

Nós revoltamo-nos quando nos fere a doença ou a desgraça. E os Santos? Beijavam a mão que os castigava. «Senhor, batei, castigai, queimai agora, mas poupai-me na eternidade» (S. A g o s t i n h o ) .

Nós queixamo-nos: «Que aborrecido é este doente! Que insuportável é este homem!» E os Santos diziam: «Este homem é irmão de Cristo, e o que fizer por ele. faço-o ao mesmo Cristo.» E beijavam as chagas abertas do enfermo.

Quão diferentes são os nossos pensamentos dos dos Santos acerca de Deus!

2.° Que ideia fazemos nós da vida terrena? Que significa a vida para nós?

Para muitos homens, esta vida não é outra coisa senão o correr atrás dos prazeres pecaminosos. Que nos diz a consciência?

Para outros, é simplesmente a soma de muitos dias, e passam a metade, sonhando: «que bem estava eu antes...», e a outra metade, tremendo: «que será de mim no futuro?»

E há quem diga «que a vida é um penar contínuo, em busca de um pouco de comodidade; é isto e nada mais». Razão tinha aquele doente, de idade avançada, a quem o médico aconselhava um tratamento custoso. «Doutor, que esquisito é o homem, na juventude dá a saúde pelo dinheiro e na velhice dá o dinheiro pela saúde».

Nunca estamos satisfeitos, julgamos sempre que a sorte dos outros é melhor que a nossa. Faz lembrar aquela lenda do pedreiro chinês.

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CRISTO. REI DA PÁTRIA ETERNA 65

Passava todo o dia aborrecido a picar pedra e a cismar sobre a monotonia da existência, quando adergou de passar por ali com grande acompanhamento o imperador. Ia sen­tado no dorso dum elefante gigantesco, sob um docel de oiro; cintilavam inúmeras pedras preciosas, engastadas na coroa imperial: faziam parte do séquito um exército de ministros, soldados e cortesãos.

O pedreiro, ao ver tanta magnificência, deixou escapar um suspiro exclamando: «Oh! se eu pudesse ser imperador!»

De repente, transformou-se em imperador. Agora era ele que estava sentado debaixo de um docel de oiro; era senhor de milhões de homens e, a um gesto seu, incli­navam-se até à terra os seus ministros e os chefes de seus exércitos.

Mas o sol dardejava raios ardentes sobre a terra e o imperador não cessava de limpar o suor da testa. Pôs-se mal humorado, ao ver que o sol era mais poderoso que ele. E num acesso de raiva exclamou:

— Quero ser sol!No mesmo instante ficou transformado em sol. E ei-lo

campante na abóbada celeste, despedindo tal calor, que os homens e os animais mal podiam respirar... e a terra ficava ressequida e a erva queimava-se. E o sol ria-se! Mas. subitamente, uma densa nuvem coloca-se na sua frente. Em vão se desfazia em calor para atravessar com seus raios a espessa nuvem, e enfurecido vociferava:

— Quero ser nuvem!E converteu-se em nuvem. Zangado e furibundo des­

pejou. a cântaros, a chuva sobre a terra: os arroios e os rios cresceram, transbordaram, arrastando casas, afogando

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os homens, mas... um grande penedo permaneceu imóvel a desaíiá-lo. Em coniorsões de ira a nuvem exclamou:

— O quê? Este rochedo ousa obstruir o meu caminho? Quero ser rochedo!

E ei-lo feito rochedo. Estava contente. Ufano com a sua sorte, erguia-se orgulhoso sem temor do ardor do sol nem da chuva das nuvens. Um dia porém, chegou um homem e cravou um agudo pico no corpo do penedo.

— Ai! que é isto? — gritou o rochedo. Este pedreiro é mais podoroso do que eu? Quero ser pedreiro!

E ei-lo de novo feito pedreiro. E viveu daí por diante contente com a sua sorte.

Também nós passamos assim a vida a queixar-nos.E não era assim que os Santos pensavam.Para eles a vida era um dever imenso que cumpriam,

dia após dia. Eles encaravam a vida como um vestido imaculado com que os cobrira o Pai celeste, dizendo-lhes: «Meu filho, conserva sem mancha, esse vestido, que me hás-de devolver depois da morte.»

Para eles a vida era uma grande arca de tesoiros que recebem todos os homens ao nascerem e que todos devem ir enchendo até à morte.

Há quem a enche de coisas inúteis que se enferrujam e que são comidas pela traça. Os santos encheram-na de tesoiros imperecíveis. Eles não sonhavam com o «passado» nem temiam o «futuro». Para eles não havia mais que uma coisa importante: hoje, nesta hora, neste momento, como posso cumprir a vontade de Deus? C om o me tomarei cada vez mais m erecedor d a vida eterna?

A vida etema! E com isto chegamos à terceira questão importante e decisiva, de que depende tudo.

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3.° Que ideia faço da vida eterna? E do reino do céu?A) Sabemos que ideia do Céu faziam os Apóstolos.

Quando S . Pedro foi crucificado com a cabeça para baixo, donde Ibe vinha a força para o martírio? E Santo André quando abraçava alegremente a cruz, quem o animava? E S . Paulo quando inclinava a cabeça diante do verdugo, de quem recebeu a força para dar a sua vida? D a vida eterna. Eles viam a Cristo. Rei imortal da Pátria eterna, de pé, à direita de seu Pai.

B) Sabemos também o que pensavam os Mártires do reino dos céus. Feras famintas rugiam à sua volta e eles, desprezando a sua ferocidade, concentravam o seu espírito nas doces harmonias dos cânticos celestiais. Tigres e leões açulados pelo público, ébrio de sangue, dos circos romanos, dilaceravam seus corpos no anfiteatro, e eles. estáticos, contemplavam os céus abertos e Cristo, o Rei da pátria eterna, à direita de seu Pai.

C ) O que pensavam todos os Santos acerca do céu. nós o sabemos. Contemplavam-no com frequência, e sus­peito que deviam compreendê-lo como alguma coisa admi­ravelmente formosa, porque diziam: «Que feia é a terra quando contemplo o céu!» Que viam eles nesta con­templação?— Viam-se a si mesmos, que aqui na terra tinham de passar por muitos sofrimentos, e que ali tudo acabaria; viam as inúmeras tribulações passadas, que lhes alcançaram tão merecido galardão. Aqui, lágrimas, suores, lutas... ali, pedras preciosas engastadas na coroa eterna. Sim, com tal perspectiva vale bem a pena sofrer

D) E que penso eu acerca do céu?Todos os dias rezamos: «Creio na vida etema.» É um

artigo da nossa fé. do nosso Credo. Mas como o profes- 5

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samos? Só com a boca ou também com a vicia... con­sequente? Não seremos daqueles que dizem: «Sim. pode ser... mas quem sabe se baverá alguma coisa depois da morte?...» O soldado da anedota perdeu a fé e pôs-se a rezar sob uma chuva de balas, dizendo: — «Meu Deus (se é que Deus existe) salvai a minba alma (se é que existe a alma), para que não caia no inferno (se é que bá inferno), mas que me salve e vá para o céu (se acaso existe o céu).»

Será a nossa fé mais sólida que a deste pobre soldado? Cremos firmemente, que bá uma vida elem a e que vivemos etem am ente?

Talvez alguém objecte: «No túmulo tudo apodrece e fica reduzido a pó e como pode sair dali a vida?»__Poderia dizer o mesmo o grão de trigo lançado à terrano outono: «À minba volta só vejo podridão, lama. gelo... como poderá aparecer aqui a vida?» E contudo aparecerá a vida. D aquele grão que apodrece germinará vigorosa, na primavera, uma haste pujante de vida que produzira outros

9 Talvez me digam: No túmulo está tudo tão imóvel e inerte! Como pode dali brotar a vida? A mesma reflexão poderia fazer o bicho da seda quando se encerra no seu casulo onde fica como morto no seu ataúde durante algumas semanas. Mas. depois, que linda borboleta de mil cores sai d a crisálida, quando parece morta!

A minba volta tudo cai. tudo perece... não obstante, eu direi: há uma vida eterna!

Enterraram meu pai, a loisa sepulcral caiu sobre o túmulo onde jaz minba esposa e não obstante sei eu dizer: há uma vida eterna!?

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Assalta-me a tentação e, prestes a cair no pecado, animo-me confessando que há uma vida eterna?

As desgraças quase me oprimem com o seu peso enorme... Sei consolar-me com a fé na vida eterna?

Se não houvesse «mais além»... então o mundo estaria louco, não haveria honradez, estaria o caminho aberto à falsidade, à mentira, ao roubo, à libertinagem, à corrupção.

Mais ainda. Se não há vida eterna, então Deus é cruel, então não há Deus, porque não é possível que nos tenha criado para viver uma vida miserável, unicamente para esta vida terrena.

Não vos escandalizeis, se falo assim. Não falou doutra maneira S. Paulo, quando disse: «De que me serve ter com batido em Ê feso contra animais ferozes, se não ressus­citam os mortos? Então comamos e bebam os visto que am anhã morreremos.» f1)

Recordemos outra vez a lição que nos dão os santos: para eles, a verdadeira vida era a vida eterna e a vida presente não era mais que uma sombra. Para eles. a vida eterna era um livro imenso, de que a presente vida era o prefácio, a introdução.

Para eles a vida eterna, era a pátria verdadeira, e a vida na terra, um «vale de lágrimas».

Alegravam-se também eles com os raios do sol; escuta­vam e deliciavam-se com o trinado das avezinhas; lutavam para cumprir o seu dever. Para o cumprirem tão heroica­mente como o faziam, tiravam forças do pensamento da vida eterna, tinham nostalgia do céu. A nostalgia do céu

(') Carla / aos Corintios, XV, 52.

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compele a praticarmos verdadeiros heroísmos. Esta nostalgia Faz-nos esquecer as lágrimas e juntar as mãos na oração, para vencermos os ímpetos da cólera, perdoando aos ini­migos. Só assim podemos nós sorrir no meio dos sofri­mentos; sabemos que todas as nossas lágrimas caem nas mãos de Deus.

Estejamos certos que. por maiores que sejam as tri­bulações. por mais sombrio que se nos mostre o céu, a luz da vida eterna penetra através da mais escura cerração.

4 .° Há um pensamento que pode ajudar-nos muito: O nde estaremos daqu i a cinquenta anos? Em casa? Não aqui. com certeza, em tal cidade ou aldeia, mas na pátria eterna. Oxalá que, eu. e vós que me ledes, vejamos cum­pridos os nossos anelos; então recordarei, com o um sonho. a vida terrena. For mais difícil ou alegre que tenha sido. não será mais que um sonho. O h! como me lembrarei de tal e tal coisa: parecia-me que nunca me poderia separar dela... e agora vejo que era uma ninharia, uma loucura. Sofri tanto, padeci tanto e agora vejo quão vantajoso era. ter sofrido e padecido ainda mais por amor de Deus.

Quão diferentemente apreciaremos na eternidade, a vida presente!

Que foste na terra? Ministro? Então o que mais estimarás não será o teres elaborado projectos legislativos brilhantes, mas o teres dado esmola ao pobrezinho que ta pedia em nome de Cristo, quando ias a caminho do Parlamento.

E tu. que foste? Professor? Então o que te alegrará, não será a fama mundial dos teus livros, nem as tuas sabias lições, mas o teres enobrecido e formado para a virtude, a alma dos alunos, que te confiaram.

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E tu. que foste? Operário? Não te orgulharás da perfeição das máquinas que fabricaste, mas de teres sido fiel a Deus no meio de um mundo corrompido.

E tu. que foste? Mãe de família? O que então dará verdadeira alegria, consolação e alegria, não serão tanto as reuniões sociais, quanto o teres ensinado aos filhinhos a erguerem as mãos e a rezarem as orações da manhã e da noite...

Então dirás com assombro: Meu Deus, como me deixei prender com tanta ninharia! Porque não interrompi aquela conversa licenciosa? Quantas almas teria podido salvar e santificar! Porque fui tão cobarde? Porque dei livre curso aos maus desejos? Porque não me venci e mortifiquei para levar uma vida mais virtuosa e me deixei prender com tantas palavras vãs e ocas?

Então já nada se poderá fazer; será tarde para qualquer arrependimento do passado.

5.° O que não se poderá fazer então pode-se fazer agora; é tempo ainda para aprendermos esta grande verdade: Consagremos ao serviço de Deus toda a nossa vida. todas as nossas obras.

Todos temos em abundância trabalhos e sofrimentos. Uns rangem os dentes de raiva e revoltam-se; outros trans­formam suas penas e suas lágrimas em valores eternos.

A vida é para todos um martírio. O homem que sofre revoltado, é um mártir sem fé, de nada lhe valem os sofri­mentos. Aquele porém que. no meio dos seus tormentos, levanta os olhos aos céus, como os mártires do primitivo cristianismo, vêem o céu aberto, e a Jesus à direita de seu Pai.

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Todo o homem que sofre sem alivio, é mártir; mas não terá mérito algum por sofrer revoltado, rangendo os dentes e cerrando os punhos. Se porém sofrer como os primeiros cristãos, com seus sofrimentos pode conquistar uma coroa eterna.

Os mártires foram assassinados, apedrejados, supli­ciados. 1'oram vencidos? Nunca; foram sempre vencedores, sofrendo indizíveis tormentos, é certo, mas isso pouco importa.

Venceram..., isso é o principal!C hegaram à pátria..., isso é o que imporia. Vivem

agora com o Pai celeste, com Cristo Rei!Também nós devemos permanecer firmes como colunas,

no meio deste mundo perverso. Uma coluna não deve vacilar. Devemos erguer-nos como rocha granítica para resistir à corrente furiosa do pecado. A rocha é sempre imóvel. Sofreremos? Sim, é possível. Lutaremos? Sim. é possível. Cairemos? Não, não havemos de cair.

Cristo Rei é o Rei da vida eterna e nós somos seus herdeiros. Temos de ser católicos de todos os dias, que nunca esquecemos, sejam quais forem as circunstâncias, que Deus nos criou para a vida eterna e ali nos espera... contanto que perseveremos. Ânimo, coragem, trabalhemos enquanto é dia, antes que se ponha o sol atrás das mon­tanhas.

Uma vez posto, tudo acabou.Tudo acabou? Vem o chefe dos bastires e enterra-nos.O chefe dos bastires. Aludo a um conto comovedor

de um escritor russo, que vou contar.

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CRISTO. REI DA PÁTRIA ETERNA 71

11Um camponês vivia feliz no seu país longínquo: não

era rico, mas tinha o necessário para viver contente. Em mau dia chegou-lhe às mãos um jornal maldito. Soube pela gazeta que na terra dos baskires havia imensos terri­tórios incultos e que era costume, se alguém, de manhã cedo. depusesse aos pés do chefe da tribo uma gorra cheia de rublos em oiro. podia apoderar-se da porção de terra a que pudesse dar a volta, até ao pôr do sol.

O nosso homem não descansou mais, parecia que tinha fogo nos pés. Vendeu quanto tinha e conseguiu reunir precisamente o oiro de que carecia para encher a gorra.

Depois de longa viagem, chegou à terra dos baskires.O chefe ratificou a promessa e até deu bons conselhos

ao camponês: «Antes do sol posto hás-de estar de novo aqui. nesta colina, donde vais começar agora a caminhada. Tem cuidado, porque se chegas, ainda que seja um minuto mais tarde, perderás tudo, oiro e terra.»

Na madrugada do dia seguinte, parte o camponês cheio de bom humor, todo contente. «Que belo pedaço de terra! Amanbã será minha!» E este pensamento dava-lhe novo alento para estugar o passo. «Que lindo trigo colherei aqui!... E aquele bosque magnifico! O h! não me faltará lenha e madeira, também vou dar a volta por lá ... Que excelente prado! Vou também delimitá-lo, há-de ser meu!»

E o homem caminhava... caminhava. Bateu meio-dia. Talvez fosse bom voltar. «Oh! por enquanto não. um pouco mais longe, há uma linda porção de terra que não posso deixar, e depois voltarei mais depressa».

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Mas aquela porção de terra era maior do que ele cuidava: «Não importa! Correrei mais na volta.»

Por fim. conseguiu contomá-la e, todo satisfeito, empreendeu o cam infio do regresso, e apercebeu-se que o sol se aproximara do horizonte.

«Tenho que andar um pouco depressa», diz, e pare­cia- lhe que os baskires e seu chefe lhe faziam sinal de longe: mas a colina estava ainda tão longe, tão longe, e além disso tinha que subir uma encosta. Até ali era a descer, e era tão fácil! e agora tem que ir a subir! e é tão penoso subir! Estende os braços e começa a subir, encosta acima. O sol desce com uma rapidez inquietante. «Oh! se eu chegasse a tempo!» Do alto da colina fazem-lhe sinal, já ouve vozes. O coração bate fortemente, os pulmões parece que rebentam, não pode respirar, corre, corre a toda a brida.

«Ai! talvez tudo esteja perdido/» O sol começa a desa­parecer no horizonte. Os olhos do camponês nublam-se e acode-lhe à mente este pensamento angustioso: «Terra, dinheiro, trabalho, irida, tudo, tudo está perdido. Tudo foi inútil!» Concentra todas as suas forças, agarra-se à erva, cambaleia, cai, levanta-se; vê apenas um ponto impercep- tível do sol que desaparece e o seu último raio cai pre­cisamente na gorra... cintila o oiro... oh! não, não há-de perder-se... faltam só vinte metros... dez... cinco apenas... e o sol desaparece. Então o camponês cambaleia, cai ful­minado. os olhos injectados de sangue, algumas convul­sões... e morre.

O Chefe ordena a um dos seus criados: — «Faz uma cova com dois metros de comprimento e um de profundi­dade. basta esta terra para um homem.»

Sim, pouca terra basta para um homem!

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CRISTO. REI DA PATR1A ETERNA 75

** *

E nós corremos, atropelamo-nos, sofremos e cansamo­-nos, e o sol vai descendo, descen do...

Não o esqueçamos: antes .d e pôr-se o sol, devem os chegar ao lugar donde partimos no princípio d a nossa vida, devem os chegar à pátria... à casa do nosso Pai.

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CAPÍTULO VI

C risto, Rei da Igreja

/ / t é aqui tratámos da doutrina sobre Cristo-Rei em C / U geral, e vimos que Ele é Rei, não só da Pátria terrena, mas também da Pátria eterna. Agora vamos entrar em pormenores, e veremos que Cristo é Rei da Igreja, do sacerdócio, da juventude, da família, da mulher, da minha própria pessoa, dos Confessores da fé, e de todos os que sofrem. Estes pontos servirão de tema a outros tantos capítulos, e quando os houvermos estudado, reconhece­remos o valor que tem para nós a ideia sublime da realeza de Cristo.

O tema deste capítulo será portanto: Cristo é Rei da Igreja.

A Igreja Católica! O mundo viu já muitas coisas sublimes, mas nenhuma tão sublime como esta.

Viu os faraós edificarem as pirâmides do Egipto, Ciro fundar um imenso império, Alexandre Magno passar triun­fante pela Asia, Carlos Magno criar o império dos francos, viu partir milhares de cruzados com o coração inflamado para conquistarem na terra santa o sepulcro do Senhor, viu as magníficas e assombrosas descobertas e invenções da época presente... mas instituição tão sublime como a Igreja Católica, jamais a viu o mundo.

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76 JESUS CRISTO REI

A Igreja Católica! Quanto falam de ti... os outros!Se eles falam, também nós bavemos de falar de ti.

uma vez ao menos. Igreja Católica! Numerosos são os teus filbos pelo baptismo, mas não são tantos os que sentem plena consciência e orgulho na distinção que supõe o cha­marem-se católicos. Igreja Católica! Quantas censuras e injúrias suportas pacientemente dos incrédulos e até dos teus próprios filhos!

Estudemos atentamente esta questão: Será justo cen­surar acrimoniosamente a Igreja? Ou antes devemos afir­mar e defender que a Igreja Católica tão caluniada e perseguida é o mais precioso património que nos deixou o nosso divino Salvador?

Q U E É A IG R E JA C A T Ó L IC A ?

Eis como responde o catecismo: «É a sociedade dos fiéis, cuja cabeça é Jesus Cristo, e o Papa seu Vigário na terra.»

Que fim pretendia Nosso Senhor, ao confiar a prega­ção da sua doutrina a uma instituição especial?

Nosso Senhor Jesus Cristo não havia de ficar sempre na terra: ensinou-nos como havíamos de adorar a Deus; mas conhecia muito bem a nossa natureza; sabia que depressa e com facilidade esquecemos e adulteramos a ver­dade. Quis. portanto, que houvesse alguém que não se enganasse e que salvaguardasse a sua doutrina, que ao mesmo tempo tivesse a coragem de erguer a sua voz. pro­testasse, castigasse e permanecesse inflexível. Foi para isso que Ele fundou a sua Igreja.

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CRISTO. REI DA IGREIA 77

Há dois mil anos que a Igreja Católica prega a dou­trina de Cristo. Quantas coisas, desde então não suce­deram no cenário do mundo! Quantos povos, quantas dinastias desapareceram!

A cruz porém fica sempre erguida, *slat crux» e erguida continuará, porque necessitamos da obra de Cristo até ao fim do mundo.

Eu sou membro desta Igreja. Há quem se glorie da sua árvore genealógica de alguns séculos... e eu? A minha árvore genealógica remonta a dois mil anos... Amo a Igreja. Sinto orgulho em amá-la e em ser seu filho.

Mas. donde me vem este meu justo orgulho?

II

P O R Q U E A M O A IG R E JA ?

l.° Mesmo do ponto de vista meramente humano, lemos motivos suficientes de nos orgulharmos da Igreja Católica.

Onde encontraremos uma instituição que tenha legado à humanidade tão valiosos tesoiros culturais, como a Igreja Católica?

Ela conseguiu, no espaço de mil anos, fazer florescer entre povos privados de civilização, uma esplêndida cultura artistica, científica e económica. Ela salvou para a poste­ridade. os valores da cultura antiga, prestes a perecerem na invasão dos bárbaros. A rica e admirável cultura do Renascimento não era senão floração da educação espiri­tual exercida durante longos séculos pela Igreja...

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78 IESUS CRISTO REI

Só quem conheça o carácter instintivo, sem freio e rebelde dos povos selvagens, que a Igreja civilizou, poderá compreender devidamente a importância da sua obra civili- zadora. O trabalho sobre-humano dos monges desbastando as matas virgens, ensinando a cultivar a terra, transfor­mando em paises habitáveis, regiões abandonadas, fundando escolas, educando os indigenas! A Igreja Católica con­quistou tantos méritos no campo da civilização, que, com razão, hoje se lhe chama simplesmente «civilização cristã».

2.° E não é este o único titulo do nosso orgulho, do nosso amor. Não a amamos únicamente por ter propagado a civilização e continuar a propagá-la, nem por fomentar um progresso material perecível, mas por ser a pioneira da educação espiritual, criadora de valores eternos.

Todos sabem que no homem há duas vidas: uma corporal e outra espiritual. A vida corporal recebemo-la de nossos pais mas a vida espiritual recebemo-la de outra mãe. Como se chama esta segunda mãe? — A Igreja Católica!

Esta Mãe tem por Esposo a Jesus Cristo, e d Ele recebeu o encargo de cuidar da vida sobrenatural da graça na alma de seus filhos e conduzi-los à pátria verdadeira, onde reina o nosso amável Salvador!

Poucos dias tínhamos de vida, quando nossa boa mãe, pressurosa e solícita pela salvação da nossa alma, nos tomou em seus braços e no sacramento do Baptismo, gravou nela indelèvelmente o título de posse, que de nós tomava Cristo: infundiu em nosso espírito a vida sobrenatural, a graça, que brota do peito de Nosso Senhor Jesus Cristo.

E esta Mãe solícita não nos abandonou depois do baptismo, pois bem sabe que a vida da graça, cujo gérmen

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depositou em nós no sacramento da regeneração, há-de crescer, dia após dia, há-de encher a nossa alma, para que brotem nobres frutos.

Talvez alguém pergunte: Para que serve a Igreja Cató­lica com os seus templos, com os seus sacerdotes, com as suas festas, com os seus sacramentos, com as suas institui­ções magníficas?... Aí vai a resposta. A nossa boa Mãe. tão solícita, a nossa religião sacrossanta vela ao nosso lado desde o berço até ao túmulo; ela robustece-nos, alimenta­-nos, defende-nos, e. se em má hora desfalecemos, cuida com solicitude de levantar-nos, de reavivar-nos. Quem poderá narrar os cuidados inumeráveis que a Igreja con­sagra à salvação da nossa alma, para a salvar para Cristo, para a vida eterna?

3.° Eis o motivo principal do nosso amor à Igreja. Devemos amá-la, sim, porque é um factor importante de cultura e civilização; devemos amá-la, porque cuida da nossa alma; mas o motivo principal por que a devemos amar, é:

a) Porque Cristo vive n ’Ela. Cristo é o Esposo, a Igreja, a Esposa. Não são estas expressões meramente poé­ticas: elas encerram uma verdade fundamental do cris­tianismo. Não posso falar de Cristo sem pensar na Igreja. Cristo é o Rei. a Igreja é a Rainhal

Cristo é a vida da Igreja. O que faz a Igreja, é Cristo que o faz. Baptiza a Igreja, é Cristo quem baptiza. Con­firma a Igreja, é Cristo quem confirma. Celebra o santo sacrifício a Igreja, é Cristo quem celebra. Absolve.... ora..., abençoa a Igreja, é Cristo quem absolve, quem ora, quem abençoa. Sim a Igreja é a continuação da vida d e Cristo.

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O sacerdote, o bispo, o Papa. são ministros de Cristo, vigários de Cristo vivo. de Cristo que opera.

b) Devemos amar a Igreja, não só porque nela vive Cristo, mas porque a Igreja venera, honra a Cristo, como seu Rei. Os templos católicos constroem-se para o altar, o altar para Cristo. Tirai a Cristo do templo, e que fica? O templo? Não: uma sala ampla de sessões, uma obra arquitectónica sem sentido.

A Igreja Católica é o mesmo Cristo que continua vivendo entre nós. Estamos compenetrados deste pensamento? Talvez haja quem faça esta reflexão: a Igreja é uma ins­tituição magnifica, com uma doutrina superior, sublime, a cujo lado os sistemas filosóficos mais esplêndidos são como uns miseros tugúrios. Isto não basta. Há outros, que enaltecem a sua moral, que torna perfeitos os homens. Isto só também não basta. Uns e outros contemplam só de fora. o Catolicismo. Para o conhecermos devemos entrar no templo, ir até ao altar, até ao sacrário, onde está Cristo. A Igreja católica é Cristo vivo que permanece entre nós. que vive connosco.

Cristo vive entre nós no tabernáculo. Pensamento digno de reflexão. O tabernáculo não é um túmulo, não é uma cama para descansar. Que faz. ali, o Senhor? Rea­liza no pleno sentido, as palavras que proferiu depois de curar o enfermo que. havia trinta e oito anos que estava doente: «Meu Pai até agora não cessa de operar e eu opero também incessantemente» (*). Ali vive Ele, Amor infinito. Sabedoria Eterna. Deus omnipotente. Providência divina... ali habita o Rei.

(*) S. Joâo, iv, 17.

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O h! mas nós não temos olhos para o ver, somos cegos. Se Deus nos abrisse um dia os olhos, e víssemos as reali­dades ultra-terrenas do tabernáculo, quantas maravilhas descobriríamos! Que oceano de luz, de força, de beleza, de amor! 1 emos de fortalecer os nossos olhos. Cristo está aqui, no meio de nós. Sentes a atracção que Ele exerce sobre ti? Se Ele está no sacrário, pensas n’EIe, por exem­plo. quando passas diante duma Igreja?

Mais ainda: o teu coração incita-te a entrar para rece­beres a Cristo? Sabes impor-te sacrifícios para assistir à santa Missa? Diz-me se sentes a força atractiva do taber­náculo e eu te direi se és ou não católico. Todo o bom católico sente a atracção do sacrário. Sim, este contacto vivo, ardente, imediato, da alma com Cristo, é a religião católica, é a Igreja Católica. Como posso dizer que amo a Cristo, se nunca penso n’Ele? Penso nos negócios, nas diversões, no desporto...; e em Cristo, quando penso?

Toma a tua temperatura; e se achares que é mais baixa na Igreja, que no teatro, na oficina ou no casino... pergunta a ti mesmo: estará são todo o meu organismo? Não estará afectado o meu coração? Sim. a maioria dos cristãos sofre hoje desta doença. Tudo nos interessa, tudo nos atrai, amamos tudo, mas... quem ama a Cristo?

Eu quero amá-lo,... eu quero amar a Igreja, e por meio dela, amar a Cristo.

III

Q U E C O N C E IT O D E V O F O R M A R D A IG R E JA ?

À luz dos princípios expostos, encontrarão solução as dificuldades que se apresentem à minha alma. Os que estão

6

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fora da Igreja, costumam agarrar-se a duas objecções; não nos assustemos; olbemo-Ias de frente.

| ,a Páginas escuras da história da Igreja.Tudo tem princípio na terra: tudo nasce, cresce e

morre. O homem entra na vida. pobre criancinha; cresce, torna-se jovem, homem maduro, ancião; e depois... a morte, o túmulo. Tal é o destino do homem. Os impérios mais poderosos tiveram a sua infância, desenvolveram-se, che­garam ao seu apogeu, à sua idade de oiro... e depois disso segue-se a decadência, e depois chega o fim.

A Igreja Católica tem, entre os seus elementos consti­tutivos. um elemento humano, e por isso notamos na sua história o influxo desse elemento; tanto nas épocas de pros­peridade e florescimento, como nas épocas de decadência. Mais ainda: tempo houve em que a Igreja Católica, huma­namente falando, parecia condenada à morte. «Agora! agora!» gritavam entusiasmados os seus inimigos, «agora vencê-la-emos e fá-la-emos desaparecer!»

A gora... e um milàgre se opera: os inimigos morderam o pó e a Igreja readquiriu novos brios e consolidou-se deuma maneira incompreensível.

Hoje. como então, os seus inimigos gritam ao mundo inteiro que a Igreja no século x e xi estava corrompida na sua cabeça e nos seus membros. É verdade que a evocação dessas épocas faz passar diante de nós bem tristes espec- táculos. Mas, para formar um juizo cabal e exacto, res­pondam. se podem, a esta questão: Se a Igreja Católica estava então corrompida até à medula, como pode expli­car-se que não lhe sobreviesse a morte, a destruição?

Que força misteriosa alimenta a Igreja para resistir a todas as leis humanas e conservar a vida? e uma vida activa

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e de prosperidade? Não sucumbiu; não permaneceu em estado doentio, mas do seu tronco ferido e do mesmo lugar das chagas mais perigosas, brotou uma nova floração que deu uma vida jovem e pletórica como a não tivera antes. Precisamente esta força secreta e misteriosa, e estas cir­cunstâncias históricas consolidam a nossa convicção de que a Igreja C atólica não é uma obra meramente humana, mas uma instituição divina que tem a promessa do Nosso S a l v a d o r : «Estarei convosco, estai certos, até à consu­mação dos séculos.» (’) Para chegar a esta conclusão e tirar esta consequência da história da Igreja, não é neces­sário ter fé. basta, pura e simplesmente, um pouco de sentido histórico.

2,a Outra acusação muitas vezes ouvida, é que a Igreja Católica é intolerante. Por exemplo, não consente que nos matrimónios mistos alguns dos filhos sejam edu­cados noutra religião. Não permite que depois de abençoar Ela uma bandeira, esta possa ser abençoada por outra reli­gião. Não é a Igreja Católica que é intolerante, mas a verdade é que é intolerante.

Duas vezes dois. por mais voltas que lhe dermos, nunca serão cinco.

Desinteressar-se a Igreja da educação dos filhos, era cair na indiferença, na tibieza e demonstrar que não estava de posse da verdade. Perdoai-me o que vou dizer e não vos escandalizeis: Se a Igreja Católica um dia viesse a dizer: «pouco importa que as outras religiões sejam ou não boas e verdadeiras» — eu seria o primeiro a abandoná-la.

O S. Mateus, xxviii, 20.

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porque então também a religião católica não seria a única verdadeira.

Devemos nós desprezar as outras religiões? Não; Devemos sòmenle estimar a nossa. Devemos odiar as outras? Não: Devemos amar somente a Igreja Católica, a nossa religião sacrossanta. Amamo-la. porque cremos e sabemos que nela vive a doutrina de Cristo, o mesmo Cristo: amamo-la. porque Cristo é o Rei da nossa Igreja Católica.

*

* *

Nós, que nascemos no seio da Igreja C atólica, não compreendemos o que significa ser católico. Só quem fora da Igreja e. depois de muitas lutas interiores, chegou ao seio da Igreja é que o pode compreender. Não há muito se publicou um livro de uma célebre escritora alemã. Maria Brentano «Como me chamou Deus» (')■ A autora passou de bailarina a freira beneditina... Mas. quanto teve que procurar, lutar, sofrer, até que realizasse a sua máxima: «se pudesse crer, só poderia ser católica.» Sim, esta sabe o que significa ser católica..

Sabe-lo tu? Não. não o sabes. Sabe-o talvez aquele estudante protestante, aluno de medicina, que um dia. vindo visitar-me. disse cheio de emoção: «Monsenhor, se eu fosse católico, confessar-me-ia com frequência.»

Estava eu na América, precisamente quando estalou a mais ignóbil perseguição dos tempos modernos contra os católicos no México.

(*) W ie Gott mich rtcf.

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Às violências incríveis da maçonaria, a Igreja res­pondeu com a suspensão de todos os actos religiosos em 1 de Agosto de 1926, de maneira que toda a população católica do México se decidisse a tomar posição contra o governo comunista. Quando se difundiu pelo país a noticia de que no dia 1 de Agosto se fechariam todas as igrejas, não haveria missa, nem se poderiam confessar os fiéis, nem comungar, nem se administrariam os sacramentos da Con­firmação e do Matrimónio... um frémito de dor e pesar se apoderou de todo o povo católico mexicano. Das regiões longínquas do interior puseram-se em marcha caravanas intermináveis de índios, vindos de todas as tribos, que em peregrinação se dirigiam caminhando dia e noite, para as cidades, e ali, misturados com os católicos citadinos, instruidos e bem vestidos, inundaram pela última vez o recinto sagrado, para se confessarem e receberem a sagrada comunhão. Afluíam aos milhares os que desejavam receber o sacramento da confirmação, e muitos pais conduziam seus filhos recém-nascidos para receberem o baptismo, e angus­tiados, esperavam o primeiro de Agosto, em que tudo havia de cessar. Este espectáculo fazia sangrar o coração! Aque­les homens sabiam o que significava ser católico.

Também nós chegaríamos a sabê-lo. saberíamos o que é para nós a bênção divina da Igreja, se um dia a per­dêssemos. Os húngaros recordam bem os dias funestos do comunismo; com que angústia contemplavam as suas igrejas ameaçadas de serem encerradas!

Durante o cativeiro de Babilónia, chorando os judeus a sua desgraça, diziam: «Que a minha língua fique agar­rada ao paladar, se eu me não lembrar d e li, ó Jerusa-

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salém.» (l) Sim, permaneçamos fiéis a nossa Mãe. a Santa Igreja. Confessemos com orgulho, com amor, com fortaleza, que somos católicos. Operário, ainda que se riam de ti na fábrica por seres católico, sê forte, sê fiel a Cristo, à Sua Igreja. Empregado, sê fiel a tua Mãe, a Igreja Católica, ainda que a tua fé seja obstáculo para alcançares melhor posição. Jovens universitários, a quem olha com esperança a nossa Mãe. a Santa Igreja, sede fiéis à vossa religião sacrossanta. Todos nós, irmãos em Cristo, sejamos fiéis à Igreja Católica, porque cremos firmemente que ela nos levará a Cristo, a Deus.

A Igreja olha por nós e nos guia; a Igreja é a Esposa de Cristo. Cristo é o Rei da Igreja e nós devemos ser seus filhos fiéis, conscientes, santamente orgulhosos e dignos do nome de católicos.

0 S°Imo CXXXVI, 6.

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C A PÍTU LO VII

Cristo, R ei do S acerdócio

/CA tema do presente capítulo é: Cristo, Rei do Sacer­dócio. Desejo explicar o pensamento de Cristo e

da Igreja a respeito da dignidade e missão sacerdotais.Talvez estranheis que os sacerdotes falem de si mesmos.

Não costumam fazê-lo. Contudo há tantos homens que falam mal dos sacerdotes, sem conhecimento de causa e com absoluta falta de imparcialidade, que me parece necessário estudar a questão detidamente e responder à pergunta: Que pensa a Igreja católica a respeito do sacerdócio?

I

Mal sabem os leigos quanto sofrem os sacerdotes, ao ouvirem proferir hoje. por toda a parte, palavras repassadas de ódio. remoques apaixonados, reflexões inspiradas pela ignorância e má fé, na rua. nos eléctricos, nos comboios, vindas da classe operária. Não falo já daquelas tolices supersticiosas, que até muitos católicos aprenderam dos nossos inimigos como, por exemplo, ao avistarem um sacer­dote. dizerem: «Hoje é um dia aziago. Vai acontecer alguma desgraça...» Não. Falarei apenas daquelas expres-

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sões proferidas com indignação e ódio, que ocultam uma alma inimiga do catolicismo e de Deus. Penso naqueles olhares congestionados, quando encontram um sacerdote, ou, como eles dizem, «um corvo negro e de mau agoiro»... Há momentos, em que parece sermos obrigados a tirar humildemente o chapéu e a pedir desculpa de ainda ousar­mos viver nesta miserável terra e respirar o ar das ruas cheias de pó.

Sim, pedirmos humildemente desculpa...Ao ver tais sentimentos de ódio. surge esta questão:

Realmente, que pretendem os sacerdotes neste século xx? A vocação e o ministério sacerdotal têm hoje razão de ser? Temos necessidade de sacerdotes, como de professores, médicos ou engenheiros?

É evidente que, nesta questão, o único Juiz competente é Nosso Senhor Jesus Cristo.

Ora, Ele disse um dia a seus Apóstolos: «Como meu Pai me enviou, assim eu vos envio a vós.» (’)

l.° «Sou Eu que vos envio: vós sois meus enviados, meus ministros». O sacerdócio não foi pois inventado, como pretendem muitos, por homens ávidos de poder e de honras, não foi inventado por homens que pretendiam a homenagem do povo, como afirmam outros, mas foi instituído por Cristo. É sua vontade formal que haja homens livres dos cuidados quotidianos, mais ainda, livres das preocupações da vida de família, e consagrem toda a sua vida, todos os seus instantes, unicamente a este fim sublime: conduzir os homens a Deus e levar as almas ao céu. O mesmo Deus que, de entre todos os dias, escolheu um. o domingo, para

(') S. João, xx, 21.

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que fosse o *dia do Senhor», o mesmo Deus que, de entre os cânticos dos homens, escolheu os «Salmos», para que fossem «os cânticos do Senhor», o mesmo Deus que. de entre as casas dos homens, escolheu os templos como «casas do Senhor»..., este mesmo Deus escolheu também a alguns homens, para que fossem os «ungidos do Senhor», os «ministros de Deus».

Os sacerdotes não intentam pois dominar os fiéis, não querem ditar leis; o sacerdócio foi-lhes conferido para dis­tribuírem a mãos-cheias, aos fiéis, os tesoiros espirituais recebidos no momento santo da ordenação. Em suas mãos estão as cchaves da Igreja», para que a abram e conduzam os fiéis até Deus: em suas mãos está «a chave do taber­náculo», para que o abram e dêem às almas o Deus escon­dido na hóstia imaculada. O sacerdote, que actua conforme a vontade de Deus, o bom sacerdote sabe perfeitamente, que não pode distribuir mais graças que as que Deus quer conceder, e assim sabe que não deve procurar ser servido pelos fiéis, mas servi-los. sacrificar-se por eles e ser o servo do Senhor. Este é o verdadeiro sacerdote católico. «Como meu Pai me enviou, assim eu vos envio a vós».

E o Rei do sacerdócio católico é Cristo.1.° «Como meu Pai me enviou, assim eu vos envio

a vós». Eu vos envio.Antes de deixar a terra. Jesus confiou aos seus Após­

tolos uma missão sumamente importante. Confiou-lhes a propagação da sua doutrina, da sua religião: «/cie, ensinai a todas as nações; baptizando-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.» (’)

0 S. Mal cus. xxxvni, 19.

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Como se lhes dissesse: Até aqui. fui eu que vos ensinei; doravante ensinareis vós em meu nome todas as gentes. Até agora, fui eu que vos animei e defendi; doravante exercereis vós o mesmo ofício com o vosso próximo. Até agora, fui eu que moldei vossas almas segundo a vontade de Deus; doravante haveis vós de moldar as almas dos fiéis segundo os meus mandamentos; isto é, até agora, fostes meus ouvintes, meus imitadores, meus discí­pulos; mas, para o futuro, sereis meus arautos, meus após­tolos... meus sacerdotes!

A dignidade sacerdotal teve origem num ambiente impregnado do amor da Última Ceia e das palavras de despedida que o Redentor dirigiu ao Apóstolos, antes da sua gloriosa Ascensão ao Céu. «Fazei isto»... <nlde e ensinai»...; isto é, oferecei o Santo Sacrifício, e ensinai a todas as nações o meu evangelho...

Seguindo estes princípios, os sacerdotes, pioneiros de Cristo, preparam o caminho do reino do céu, com o carácter divino da consagração sacerdotal em sua alma. com a palavra de Deus na boca, com o poder divino, outorgado por Deus. em suas mãos.

O sacerdote também é homem. E é uma mentira caluniosa dizer que os sacerdotes se consideram seres sobre­naturais. São bomens como os demais, que na consagração sacerdotal Cristo abraçou temamente, apertando-os ao seu coração abrasado de amor; o sacerdote é um homem em cuja alma sacerdotal Cristo infundiu o amor a todos, quando disse: *lde e pregai a todas as gentes, ensinando-as a guardar todas as coisas que vos mandei.» Quer dizer: Ide e oponde-vos a quem quer que intente corromper as almas. Ide, não hesiteis, não temais, eu estarei convosco

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até à consumação dos séculos. Eu vos garanto que nem os reis. nem os imperadores, nem as repúblicas poderão privar-vos dos direitos que eu vos confiro, de existir, viver e ensinar. Instruí a todas as nações. Não há poder humano que vos possa impedir. Tereis de sofrer? Bem o sei. Haveis de ser perseguidos, odiados e expoliados de tudo?... Também o sei; mas mesmo então haveis de ensinar. A palavra de Deus não pode ter peias, como as não tem o raio de sol. Baplizai todas as gentesl isto é. santificai as almas, perdoai os pecados, derramai a graça, consolidai a haste tenra, reanimai a lâmpada que se extingue à míngua de azeite, levantai ao céu os olhos que se fecham, conduzi as almas a Deus! Não tereis família, para que nada vos prenda, não tereis filhos para poderdes estar livres e con­sagrar todos os momentos, todos os instantes à grande família... aos fiéis, aos milhares de filhos, vossos filhos espirituais que consquistareis para mim...

Este é o sublime ideal do sacerdote, segundo o conceito da Igreja.

«Como meu Pai me enviou, assim eu vos envio a vós». Envio-vos para levantardes as almas caídas, para curardes as chagas das almas.

Envio-vos para consolardes os corações atribulados.Envio-vos para conduzirdes a Deus os que se debatem

na dúvida, os que lutam com o desespero.Envio-vos para salvardes as almas.Se encontrardes homens aflitos, tentados, olhai-os com

amor; se topardes homens infelizes, desesperados sob o peso dos seus pecados, oferecei-lhes o meu perdão. Sede olhos ao cego, pés ao paralítico.

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Deixai vir, trazei-me as criancinhas, na aurora da vida; conquistai-me o homem, no rude trabalho da luta pela vida. reconduzi-me o agonizante no ocaso da existência... trazei-os todos a mim.

Eis o conceito sublime que a Igreja faz do sacerdócio católico.

3.° «Vós sois o sal da terra», disse noutra ocasião o divino Salvador. «Vós sois a íuz do mundo».

«Vós sois o sal da terra». O mundo está cheio de maldade; há muita falta de carácter; abundam os atoleiros morais; por toda a parte reina o pecado; mas vós, sede os conquistadores do mundo, opondo-vos continuamente ao pecado, à maldade. Se virdes que alguém induz as almas ao pecado, as almas por quem tanto sofri, não temais; levantai a voz , ainda que seja à custa da própria vida, porque «vós sois o sal da terra» e tendes a obrigação de preservar as almas da corrupção.

«Vós sois a luz do mundo». Mostrai o caminho que conduz a Deus, ensinai os meus mandamentos, de forma que os homens não só os conheçam, mas os cumpram e vivam. Nada vos atemorize: pregai a minha doutrina, ainda que vos custe a vida. Sede pastores dos fiéis, e castigai, sem cobardia, quem os quiser desviar do bom caminho. Abençoai, perdoai e atraí com vossa mansidão aqueles que, refervendo em ódio. levantam os punhos fechados contra vos.

Tal é o conceito sublime que a Igreja faz do sacerdócio católico.

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(’) S. M uleus, v . 15, 14.

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CRISTO. REI DO SACERDÓCIO 93

. II

Duas coisas se desprendem deste conceito. O respeito que os cristãos fervorosos têm pelos sacerdotes, e o ódio profundo que lhes votam os inimigos da Igreja e da religião.

l.° É um facto inegável que os bons católicos, em todos os tempos, manifestaram pelos sacerdotes um afecto c estima particulares. E os sacerdotes sabem muito bem que esta estima e respeito não se dirige ao homem como tal, mas à missão divina, à graça misteriosa de Cristo, àquela vocação sublime com que Jesus Cristo vinculou a S i as almas sacerdotais para todo o decurso de uma vida cheia de sacrifícios.

Os bons católicos respeitam os sacerdotes, por verem neles os que receberam o encargo de continuarem a Cristo e a sua obra; respeitam-nos, porque crêem firmemente que, sempre que celebram, repoisa em suas mãos consagradas o Corpo de Jesus Cristo; respeitam-nos, porque em seus corações bate, dia após dia. o Coração sagrado do Salvador; respeitam-nos. porque em suas almas se difunde, dia após dia, o amor do Espírito Santo.

Santa Catarina de Sena beijava as pegadas dos sacer­dotes. porque via brotar delas a vida eterna; porque sabia que o sacerdote, desde o momento da sua consagração, em que o bispo colocou em suas mãos o cálice, até ao derradeiro suspiro, não tem uma única pulsação do coração que não pertença a Cristo e à missão de salvar as almas resgatadas com o sangue do Redentor. Na verdade, assim é. No grande exame do dia da Ordenação, para o qual se preparam os seminaristas durante muitos anos. em que Jesus Cristo os examina, não lhes pergunta: Sabeis história, apren-

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destes bem o Direito Canónico, conheceis a fundo o Dogma? Não; naquela ocasião solene, o Senhor pergunta simplesmente: «Diligis me plus his?» (■*) Meu filho,amas-me verdadeiramente? Amas-me sobre todas as coisas? E sabes trabalhar por mim mais do que por tudo o mais?■ Repito: nós não vemos um anjo no sacerdote: ele é um homem como todos os outros, mas um homem abrasado no amor de Cristo. Nosso Senhor curou o cego com um pouco de' lodo tomado da terra, e uma mulher doente com a virtude emanada do contacto da fímbria do seu vestido. Pois hem, o sacerdote é um pouco de Iod o, mas lodo nas mãos de Cristo, lodo que abre os olhos aos cegos, e os habilita espiritualmente à visão de Deus. O sacerdote é também a fímbria do vestido de C.risto que dá saúde aos doentes da alma. E é por isso que os fiéis respeitam os sacerdotes católicos e honram e veneram a vocação a que foram chamados por Cristo.

Os sacerdotes abrem as portas da Igreja aos fiéis, pelo baptismo. dão Deus às almas na Sagrada Comunhão, forti­ficam-nas na infelicidade, enxugam-lhes a fronte do suor frio quando moribundos e não abandonam os homens nem sequer depois de se haverem confiado à terra no cemitério os seus corpos, rezam por suas almas, encomendam-nas a Deus. É esta a razão por que os católicos amam os sacer­dotes e depositam neles tão grande confiança.

Basta mencionar o sacramento da penitência. Já se está a ver a confiança que os fiéis hão-de depositar nos sacerdotes! Mas em paga. que graças inefáveis recebem de Nosso Senhor Jesus Cristo!

O S. Jo ão . xxi. 15.

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CRISTO, REI DO SACERDÓCIO 95

Só Deus pode perdoar os pecados. O pecado só pode ser remido pelo perdão divino. Posso emendar-me. chorar, fazer penitência... mas não basta; a lembrança do pecado abrasa a minha alma; a justiça divina ainda não está reparada. Então prostro-me de joelhos no confessionário. Ah levo a minha alma triste, fria. atormentada, esfarrapada, caída no lodaçal da imoralidde, desgarrada. Não é um homem o que está sentado no santo tribunal da penitência: vejo o sacerdote e nele a Deus: «Confesso-me a Deus omnipotente, e, em lugar de Deus, a vós, meu pai espiritual; vede as minhas inumeráveis chagas, vede. Senhor, o meu abatimento, a minha desolação...»

E depois...Depois, quando houver confiado em voz baixa, ao

Senhor, a minha vergonha, a minha desonra, quando houver confessado os meus pecados e me tiver debulhado em lágri­mas. entre soluços, então Jesus, todo misericordioso, abre suas chagas, seu sangue irrompe e lava a minha alma, cauteriza, fortifica, reconforta, alegra, anima, e ao deixar o confessionário, parece-me ouvir um doce e harmonioso gorgeio de avezinhas saudando o raio sorridente do sol de Maio. Tudo é alegria em minha alma, tudo me sorri, tudo me encanta. Em mim, há uma vida nova, tenho uma alma nova, Cristo está em mim, habita na minha alma. Tal é a missão sublime do sacerdote.

Os católicos sabem bem o que é a confissão. É devolver a paz à alma atormentada; é salvar os jovens extraviados, caídos no abismo do pecado e pô-los de novo no caminho da virtude: é pregar aos pais que amem seus filhos, é exigir aos esposos a fidelidade conjugal e a paz na família, é fazer uma guerra sem quartel contra o roubo, contra a fraude.

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é a defesa da honra alheia... é um dos dons mais excelsos que nos deixou o Redentor.

E este poder de perdoar os pecados depositou-o Nosso Senhor Jesus Cristo nas mãos do sacerdote. É óbvio, pois. que os fiéis respeitem os delegados do Senhor.

2.° E talvez também isto explique o ódio encarniçado com que os inimigos da religião perseguem o sacerdote.

Eles dizem que só clamam contra os defeitos e pecados dos sacerdotes.

E poderá ter entrada o mal no coração dos sacerdotes? Infelizmente. temos que o confessar. Eles são também homens, podem ter seus deslizes, suas faltas, seus pecados. De toda a árvore caem alguns frutos, e todo o exército tem desertores.

Mas não devemos julgar a árvore pelos frutos caídos, nem o exército pelos que desertam; e precisamente porque os sacerdotes gozam de respeito ante os fiéis, ressaltam mais os menores defeitos, quando nos outros homens nem se notariam. Num vestido branco, nota-se a mais pequena mancha, e entre os Apóstolos houve um Judas traidor. Também, em nossos dias. infelizmente, há sacerdotes que não são o sal da terra, nem a luz do mundo, que compro­metem a doutrina de Cristo, desonram a nossa religião.

E que devemos concluir daqui? O católico consciente da sua fé. por muito que deplore estes casos tristes, nem por isso se fará descrente. Não titubeará na sua fé, porque sabe distinguir nesses infelizes entre o homem e o poder con­ferido por Cristo; e do mesmo modo que no sacerdote exem­plar. não honra o homem, mas o representante de Cristo, assim também não desprezará a religião de Cristo, por causa

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CRISTO. REI DO SACERDÓCIO 97

dos pecados dum sacerdote escandaloso. Se um médico adoece, não podemos afirmar que a medicina faliu.

Se o pecado penetra no santuário, não podemos dizer que o Cristianismo não é verdadeiro, nem que faliu.

O sacerdote é o canai por onde desce a graça divina sobre as almas, o recipiente donde podemos haurir o amor de Deus: o recipiente como o canal podem ser de oiro. de prata, de bronze e até de barro; pouco importa, o principal é o que contêm, o que oferecem.

O católico consciente, apesar dos possíveis deslizes, das faltas em que possa cair o sacerdote, sentirá em seu espírito o perfume do óleo sagrado da ordenação com que Nosso Senhor Jesus Cristo se desposou com estas almas. E se todos desprezam, odeiam todos os sacerdotes, sem excepção, só porque são sacerdotes, porque andam de batina, o católico fiel honra o sacerdote, precisamente, porque é sacerdote, porque é ministro de Deus.

E ninguém chora mais amargamente o comportamento dos sacerdotes desencaminhados, do que os sacerdotes exem­plares, os que são segundo o Coração de Cristo, porque sabem melhor que os outros que nem sequer dez sacerdotes de vida santa podem remediar o estrago espiritual causado pela vida escandalosa de um mau sacerdote.

Os inimigos da religião não atacam unicamente tais sacerdotes. Pelo contrário, se alguns infelizes sacerdotes, levados por seus pecados, se separam da Igreja Católica, esses são aplaudidos como heróis, como sábios, como auto­ridades científicas e como tais são festejados; e os sacerdotes mais fervorosos, mais semelhantes a Cristo, mais santos, são chamados reaccionários, são caluniados, deprezados. perseguidos.

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08 JESUS CRISTO REI

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Uma das armas mais poderosas da nossa religião sacrossanta, é a oração. Lemos nos Actos dos Apóstolos, que, quando S . Pedro sofria no cárcere do rei Herodes Agripa. toda a Igreja orava por ele.

Os sacerdotes, hoje, mais do cjue nunca, carecem da oração dos fiéis. Talvez pareça estranha a minha afirmação, mas corresponde a uma realidade: não só os sacerdotes hão-de orar pelos fiéis, mas também os fiéis devem rezar pelos sacerdotes. É um mandato urgente de Cristo. Em certa ocasião, lançou Jesus um olhar pelo mundo das almas: quantos homens em busca de Deus, quantas almas imortais, quantos combates, quantas dores, e quão poucos se preo­cupam na terra com o bem eterno destas almas. Então deixou sair de seu peito este suspiro: «A messe é verda­deiramente grande e os operários poucos. Rogai, pois, ao Senhor da messe que mande operários.» (')

Sim. orai. orai pelos sacerdotes; orai também pelos seminaristas, para que perseverem em sua vocação com o amor ardente de uma alma jovem, a fim de que o bem-estar, a vida cómoda, os prazeres rasteiros não seduzam o seu coração e continuem corajosos preparando-se sem desfalecer para a alta mrssão de salvar as almas, apesar das muitas renúncias e sacrifícios que os esperam.

Embora a vida se tomasse cem vezes mais difícil, embora recrudescessem as perseguições, se eriçasse de espi­nhos o caminho do calvário, se multiplicassem os sarcas­mos. as calúnias, existiriam sempre os ungidos do Senhor.

O s. Maleus. IX. 57 58: S. Lucas, X. 2.

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CRISTO. RFJ DO SACERDÓCIO 99

Durante dois mil anos combateram o clero os inimigos da Igreja. Aprisionaram o Papa. desterraram os bispos, exe­cutaram muitos sacerdotes, e nada conseguiram. Erraram na sua empresa.

Para o conseguir, deviam aprisionar a alma da Igreja, baviam de apoderar-se dela e estrangulá-la; baviam de deter o Espírito Divino, que sopra onde quer, e segreda e fala ao coração do jovem aquela fala misteriosa, que ele ouve no íntimo do seu coração:

Meu filho, poderias amar-me mais que os outros homens? Fazer alguma coisa mais por mim? Sofrer mais? Poderias ser sacerdote?

Teriam de deter esse espírito, a quem o jovem comovido responde no interior do seu coração: Senhor, sou vosso, a minha vida pertence-vos, ainda que me esperem persegui­ções, cruzes, sofrimentos e um pedaço de pão como alimento.

Quem poderá contestar estas realidade? Nos dias sangrentos do comunismo, quando o sacerdócio católico era ameaçado com o espectro da morte ou da fome. encontrei um jovem estudante de um olhar puro e vivo. Travámos conversa e no decurso desta confiou-me o segredo de que queria ser sacerdote. Fiquei surpreendido.

— Agora, meu filho. queres ser sacerdote? Precisamente agora? Não vês que tempos tão aziagos são estes para os sacerdotes? Sê antes ardina, varredor municipal, maqui­nista... mas, sacerdote? Sabes o que te espera?

— Sim sei, desde a minha infância, preparo-me para o sacerdócio, quero ser sacerdote — respondeu-me.

Fixei seus olhos ardentes.— Sabes, meu filho, que, se te fazes sacerdote, estás

exposto a morrer de fome?

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100 IESUS CRISTO REI

E o jovem fixou seus olhos em mim e, com as faces tingidas de carmim, replicou:

— Não importa. Padre, também então Jesus estará cximigo.

Sim. estará contigo! E estará com todos vós, semina­ristas. que vos preparais para servir ao Senhor; e estara com todos os fiéis, que de algum modo ajudem a qualquer jovem chamado ao sacerdócio.

O trabalho sacerdotal nunca foi fácil nem cómodo: mas alguns pais deixam-se deslumbrar com as honras e com o brilho exterior. Então temos que dizer-lhes:

Se o vosso filho não quer ser sacerdote, não o obrigueis. Pelo amor de Deus. não o forceis a abraçar um estado a que não é chamado, ainda que se desabe o castelo de esperanças de um coração de mãe.

Mas. pais cristãos, se vosso filho se apresentar diante de vós com olhar inocente e o rosto inflamado e vos disser: «Meu pai, minha mãe, Jesus veio ao meu coração, beijou-me na fronte e chamou-me. quer que eu seja seu ministro, sacerdote, e que eu suba ao altar, e ofereça a santa missa por meus queridos pais», oh! então, fixai seu olhar brilhante e por detrás vereis o suavíssimo rosto de Cristo, apertai contra o peito o rosto inocente de vosso filho e dai-lhe a vossa bênção para que comece a pisar a senda espinhosa dos ministros de Cristo.

Pais e mães de família, dai bons sacerdotes a nosso Senhor Jesus Cristo.

** *

Queira o Senhor enviar fervorosos e santos sacerdotes à sua Igreja, vassalos fiéis do R ei do sacerdócio Cristo.

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C A PITU LO VIII

Im portância do N ascim ento d e Cristo para o m undo

// semana de preparação para o Natal é das mais C y C encantadoras e simpáticas de todo o ano cristão. As crianças não falam de outra coisa senão da noite que se aproxima; contam as noites: oh! só faltam cinco, só faltam quatro... e então chega a noite suspirada, a noite de Natal.

Mas também as pessoas adultas se sentem comovidas com tão grande festa.

Nesses dias bá um grande movimento em toda a parte: os homens compram presentes e brinquedos nas lojas e as mulheres andam numa azáfama para preparar os guisados e apresentar uma mesa agradável e bonita.

E porquê tudo isto?É que chega a noite maravilhosa... É que chega o

Menino de Belém. Para muitos, infelizmente, não é mais do que uma lenda poética, uma estrela, um presépio, pas­tores... mas para nós, católicos, é outra coisa. A época do Natal, como outras solenidades do ano litúrgico, merece ser estudada com demora.

Por isso neste capítulo responderemos a estas três perguntas: I. Que era o mundo antes da vinda de Cristo?II. Que chegou a ser, graças a Nosso Senhor Jesus Cristo?III. Q ue seria o mundo sem Cristo?

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102 IESUS CRISTO REI

I

QUE E R A O M U N D O ANTES D E CRISTO?

A humanidade peregrinava pela terra com os discípulos de Emaús: ia. com eles, cansada, abatida, desanimada.

1. ° Ignorava o verdadeiro fim e o verdadeiro dever do homem. Uma idolatria espantosa, trevas densas envol­viam os povos. Nós, que fomos educados desde a infância na religião cristã, não podemos compreender como homens sábios e doutos se prostravam diante de estátuas de bronze ou de um ídolo de mármore, como povos civilizados adora­vam um gato, uma cegonha, um touro ou uma vaca. Os antigos gregos e romanos adoravam o fogo, a alma dos seus antepassados e as estátuas dos imperadores. Os Egipcios, com uma civilização superior, prestavam culto aos bois e aos gatos, e os povos da índia tinham por divindade o fogo. E que diremos da horrenda idolatria dos povos bárbaros e selvagens?

Que revelação neste assombroso cúmulo de erros?Esta aberração abominável prova-nos que havia de vir

o próprio Deus. porque a humanidade, abandonada a si mesma, erra o caminho e não sabe chegar, ordinariamente, ao conhecimento do verdadeiro Deus.

2. ® A situação toma-se ainda mais trágica, quando os homens mais exímios da humanidade extraviada sentiram que alguma coisa lhes faltava. Grandes filósofos, como Aristóteles, Platão, exímios poetas, como Sófocles, Horácio e Virgíl io, gritavam de vez em quando diante de tanta miséria: oxalá viesse alguém que nos trouxesse a salvação!

O mundo esperava a vinda de Cristo.

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IMPORTÂNCIA D O NASCIMENTO DE CRISTO 103

Costuma-se atribuir a Platão a seguinte frase: «Não sei donde venho, não sei o que sou. não sei para onde vou: tu. Ser Desconhecido, tem piedade de mim.» Que dor escondida nestas palavras!

Na Coreia, a mãe de um governador de província, japonês, dizia: «Costumava passear sozinha debaixo de um céu estrelado e chamar Alguém, que mora lá muito longe, entre as estrelas. Alguém que é muito grande e hom para escutar as preces de uma pobre mãe. Nada sabia dele. não sabia quem era, mas a minha tristeza me dizia: deve haver alguém algures capaz de vir em teu auxílio.»

Era o grito da alma humana em busca de Cristo.Esta crescente nostalgia mostra-nos claramente o signi­

ficado que tem para o mundo o nascimento de Cristo. Não podemos expressá-lo sem que brote da nossa alma o entu­siasmo de Isaías: *Um Menino nasceu para nós, um filho nos foi dado e o principado foi posto sobre os seus ombros e o seu nome é o admirável, o Conselheiro, o Deus Forte, o Pai do século futuro, o Príncipe da Paz. Seu império se estenderá cada vez mais e a paz não terá fim. Assentar-se-á sobre o trono de David e possuirá o seu reino para o firmar e estabelecer pelo direito e pela justiça desde agora e para sempre.» (’)

II

O Q U E C H EG O U A SER O MUNDO.

G RA Ç A S A C R IST O ?

l.° Não vamos explicar agora o que devem a Cristo a ciência, a cultura e as artes humanas.

(') Isuías, ix. 6-7.

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104 1ESUS CRISTO REI

Teríamos de citar factos demasiado conhecidos, se quiséssemos enumerar, ainda que de passagem, os valores culturais do Cristianismo. Teríamos de evocar as escolas fundadas em toda a parte à sombra das igrejas, naqueles tempos em que ninguém se preocupava com o ensino e com a cultura; os livros que os monges passavam toda a vida a copiar; a agricultura e as indústrias fomentadas e ensi­nadas ao povo pelas Ordens religiosas. Formar-se-iam algu­mas bibliotecas com os livros que demonstram a influência do Cristianismo na pintura, na escultura, na arquitectura. na música...

Mas não trataremos agora da influência científica, artística ou económica do Cristianismo.

2.° O que queremos sublinhar é a que altura moral Cristo elevou o homem.

Graças a Cristo, a vida moral da humanidade foi com­pletamente transformada.

Dificilmente, ainda que o tentássemos, poderíamos viver aquele ambiente antigo, nós. que nascemos no seio do cristianismo. Não obstante, evoquemos rapidamente alguns factos históricos. É verdade que. já então, havia acções nobres, rasgos heroicos do coração humano. Mas Cristo aperfeiçoou-os. Muitas virtudes devem-se por com­pleto ao Cristianismo, que lançou no coração dos homens o seu gérmen; assim, por exemplo, a vida pura — antes adoravam-se os ídolos com espantosas imoralidades; a vida de família — entre os romanos as mulheres divorciavam-se para se poderem casar, e casavam-se para se divorciarem: o respeito pela mulher — devido ao culto da Santíssima Virgem; a paciência na miséria — em vez dos punhos cerrados dos escravos; o valor dos sofrimentos — em vez

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IMPORTÂNCIA DO NASCIMENTO DE CRISTO 105

de um desespero selvagem; o amor ao trabalho — antes alimentavam-se os peixes com a carne dos escravos.

Os fundamentos mais sólidos da sociedade civil, a honra, a moral, o cumprimento do dever, jamais os poderia ensinar o Estado, que se contentava com punir os delitos. E assim, o Cristianismo é uma das maiores forças conserva­doras da nação; a nação que não aceita o cristianismo, debilita-se e decai.

Vejamos também o valor da alma. A alma de uma criança vagabunda ou de um cigano esfarrapado, vale mais que todo o mundo material.

Por consequência, o operário e o patrão não devem odiar-se, assim como as nações, porque todos os homens são irmãos, nem é licito deitar à rua e abandonar os doentes, aleijados. leprosos; por isso há as enfermeiras religiosas.

O Natal significa tudo isto para o mundo. O h! esta noite bendita não é uma noite sombria! Há dois mil anos que irradia luz e responde a todas as perguntas humanas, soluciona todos os problemas, acalma todas as inquietações. A grandeza espiritual do mundo, duas vezes milenário, nasceu neste dia... Todo o espirito de sacrifício, todo o conceito nobre da vida nasceu nesta noite de Natal. Cristo fez-se semelhante a nós. para que nós fôssemos semelhantes a Ele. Deus fez-se homem, para que o homem se tomasse filho de Deus.

III

QUE SERIA O MUNDO SEM CRISTO?

l.° Depois de tantos benefícios, será possível que alguém tome posição contra Cristo? Sim. infelizmente.

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106 JESUS CRISTO REI

E, não obstante, que seria da humanidade, sem Ele? Escutai uma parábola, de profundo sentido, de Jõrgensen, sobre as árvores revolucionárias.

Um esbelto e altaneiro álamo convocou todas as árvores do bosque para um comício.

— Irmãs, disse-lhes, bem sabeis que toda a terra nos pertence, porque de nós dependem os homens e os animais: sem nós não podem viver. Somos nós que alimentamos as vacas, as ovelhas, os pássaros, as abelhas... Nós somos o ponto cêntrico, todos vivem de nós, até a nossa terra se vai formando das nossas folhas secas e apodrecidas. Só há no mundo um único poder acima de nós: o Sol.

Dizem que dele depende a nossa vida. Mas. minhas irmãs, estou convencido, que isso é uma história indigna duma planta moderna e esclarecida, com as luzes da ac tual civilização.

— Que não podemos viver sem a luz do sol? — Isso é uma velha lenda, sem fundamento algum, e cheia de preconceitos.

O álamo fez uma breve pausa, tossiu e ... alguns robles anosos e olmos vetustos murmuraram em sinal de desaprovação; as árvores jovens porém, aplaudiram o dis­curso. inclinando-se profundamente.

— Sei muito bem, continuou o álamo, que entre vós, se desenha um partido contrário, o grupo dos velhos que ainda acredita nos contos de fadas. Mas eu confio nos sentimentos de independência da moderna geração, geração de jovens arrojados, ansiosos de emancipação. É necessário que nós, as plantas, sacudamos o jugo do Sol. Então surgirá uma geração nova. uma geração livre. Ânimo, pois!

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IMPORTÂNCIA DO NASCIMENTO DE CRISTO 107

e conquistaremos a independência. E tu. velho morrão das alturas, toma conta, o teu império chega ao fim.

As palavras do álamo perderam-se entre a gritaria e os aplausos vindos de toda a parte. Este entusiasmo juvenil, tão ruidosamente manifestado, abafou os silenciosos protestos de desaprovação das velhas árvores.

— Declaramos greve ao Sol, disse de novo o álamo. Durante o dia suspenderemos todas as funções vitais, e exerce-las-emos durante a noite misteriosa e sombria. Durante a noite cresceremos, floresceremos, exalaremos o nosso perfume e daremos frutos abundantes.

— Abaixo o Sol! Seremos livres!E ficou encerrada a sessão.No dia seguinte, os homens notaram coisas raras:

O Sol brilhava com todo o seu esplendor, seus raios ardentes difundiam-se com toda a força vivificadora sobre a natureza; mas as flores com os cálices obstinadamente fechados inclinavam-se sobre a terra: as árvores com suas folhas pendentes sobre a terra voltavam as costas ao sol. Pelo contrário, ao anoitecer, as pétalas fechadas, abriam-se e as corolas pintadas de todas as cores erguiam suas bastes aos pálidos raios da lua e à débil luz das estrelas.

E assim continuaram vários dias.Mas em breve se notaram mudanças curiosas e estra­

nhas na vegetação. O trigo tombara para o chão, porque tinha crescido em direcção ao Sol e já não havia Sol para o qual pudesse levantar-se. As flores empalideciam, os botões secavam e as folhas amareleciam. Tudo se inclinava sem vida para a terra, como no Outono.

Então as plantas começaram a murmurar e a praguejar contra o álamo; mas o chefe da revolta, ainda que também

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tivesse as folhas secas e amarelas, compelia-as a conti­nuarem.

— Que tolas sois! Náo vedes como agora sois mais belas, mais originais, mais livres, mais independentes, que quando suportáveis o tirânico jugo do Sol? Estais doentes?! Não. isso não é verdade! Sois mais finas, mais nobres! Adquiristes personalidade!

Algumas plantas, as mais tolas, acreditaram no álamo, e com os lábios cada vez mais amarelos, cada vez mais lívidos repetiam vaidosas: «Tomámo-nos mais finas, mais nobres, adquirimos personalidade.» Mas a maioria decla­rou-se a tempo contra a greve e voltaram-se para o sol.

Ao chegar a nova Primavera, o álamo seco. descarnado, erguia, como um espantalho, os ramos esgalhados no meio da floresta exuberante de vida e animada pelo trinar das aves. As suas arengas insensatas e a sua mística revolu­cionária, caira no olvido; à sua volta, as flores convertidas baloiçando-se ao sopro das auras turibulavam o perfume do seu agradecimento ao velho Sol vivificador, e as altas árvores copadas e frondosas curvavam-se perante o astro-rei, em sinal de gratidão.

Que sucede aos homens sem Cristo? Contemplemos a vida de familia na sociedade moderna: desavenças, divór­cios, guerra aos filhos, oposição aos planos de Deus. Os filhos não se consideram como uma bênção, mas como uma maldição, um estorvo.

Que faz a humanidade sem Cristo? Observai as sessões dos tribunais, contai os assassínios, os suicídios e quantos outros crimes que não aparecem à luz do dia! E a espantosa imoralidade do cinema, do teatro, do bar, do cabaret!...

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IMPORTÂNCIA DO NASCIMENTO DE CRISTO 100

Considerai as inúmeras superstições, bruxedos, o espi­ritismo. a fé na metempsicose.

Considerai a vida da juventude: a degradação, a desor­dem. os suicídios. Quão numerosos são os jovens criminosos de menor idade. Lede as estatísticas. E que casos! Em 1915 e 1916 compareceram perante o tribunal de Budapest trinta mil jovens criminosos! Crimes de toda a ordem, não respeitando sagrado nem profano, nem a idade. Chegaram até a afogar uma velhinha numa cuba de mosto, que ela estava preparando.

Eis o que é o mundo sem Cristo!2.° Mas para que falar sempre dos outros? Falem os

agora d e nós. Como a nossa vida é feliz, quando Cristo habita em nós! E pelo contrário, quão infelizes nos sen­timos quando nos separamos de Cristo pelo pecado!

Narra a Sagrada Escritura um episódio de profundo significado: os Apóstolos pescam toda a noite, trabalham ardorosamente, fatigam-se com a faina da pesca, e apesar de tudo não apanham nada. N ão apanham nada, porque o Senhor não estava com eles (')■ Esta cena evangélica podemos aplicá-la à nossa vida. Sem Cristo a vida é noite escura, tempestade, insucesso; pelo contrário, com Cristo, é felicidade, é paz.

Cena curiosa se desenrolou diante da montra de uma confeitaria. Passando uma criança amimada e teimosa diante da montra da confeitaria, exigia de sua mãe. cho­ramingando. que lhe comprasse um enorme pão de chocolate ali exposto; era um reclame, de madeira, pintado da cor do chocolate. «Meu filho, isso não se pode comeu, dizia-

(") S. Lucas, v, 5.

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110 JE SU S CRISTO REI

-lhe a mãe, para o sossegar; e a criança gritava, chorava... Por fim a mãe comprou-lhe o reclamo e entregou-lho. A criança gulosa ferra-lhe os cientes com tanta força que à primeira dentada lhe saltam dois dentinhos...

Quantas vezes mordemos, também nós, assim, um cho­colate pintado! Quantas vezes nos assalta a tentação e nos susurra ao ouvido: «Não faças caso, a lei de Deus é obstáculo à tua felicidade! Não te é permitdo fazer isso?! M as... é impossível resistir ao instinto, à natureza... Isto não é pecado... é humano... toda a gente faz assim.»

E cremos no sedutor! E caimos na tentação!O h! se compreendêssemos o que significa abandonar

a Cristo!Antes da sua vinda ao mundo, como chorava a huma­

nidade. como suspirava por Ele!E que faz agora a alma do pecador? Também chora.O ruído dos prazeres pode sufocar por algum tempo

a voz da alma. M as... quando numa tarde silenciosa te embrenhas num bosque ameno e uma serenidade, uma paz profunda invade tua alma... quando a doença prolongada te retém no leito... quando chegas a casa depois da visita ao túmulo de um ente querido há pouco falecido, e te sentas no quarto, vazio, triste, frio. a escutar o tic-tac do relógio de parede, seguindo sua marcha monótona, como antes nos dias em que te rodeava uma atmosfera de feli­cidade então, chora em ti uma voz que vem das profun­didades do teu ser. como um grito do prisioneiro condenado a morrer de fome e encerrado nos calabouços das torres medievais; uma voz rouca e angustiosa: *lrmão, vê o que foi a lua alm a sem Crislo! Não sejas cruel, volta à luz. tom a a Cristo!» Então sentes que. ao intentares sorver o mel

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IMPORTÂNCIA DO NASCIMENTO DE CRISTO u i

dos prazeres proibidos, bebeste o fel amargo do veneno infernal.

Reflecte: furtaste o albeio e tens em paz a tua consciência?

Calcaste aos pés a bonra do próximo e sentes-te feliz?Manchaste tua alma pura com imoralidades vergo­

nhosas e permaneces tranquilo?Separaste-te de Deus; como suportarás os rudes golpes

da vida. se Cristo não está contigo? Quando perderes teus pais, tua família e te vires abandonado como uma pedra da rua. como poderás viver, se Cristo não está contigo?

Quando te seduzir o pecado e te assaltar a tentação, como resistirás, se Cristo não está contigo?

Alegremo-nos com a vinda de Jesus. Alegremo-nos com o encanto das crianças ao redor da árvore do Natal, no santuário da família; mas não esqueçamos o motivo da verdadera alegria: veio Jesus ao mundo, nasceu... nas nossas almas, na minha alma, limpa de pecado, pronta a seguir a lei d e Cristo.

«Por mais que Cristo tenha nascido em Belém, se não nasce também em ti, estás perdido etem am ente». (*)

** *

Depois da guerra de 1914, causou grande sensação o livro do escritor italiano. Papini, intitulado: La Storia di Cristo. O autor é um dos mais célebres de Itália, e durante vários lustros foi anarquista, ateu. impugnador acérrimo

( ) Ist Chrislus liundertmal in Brlldrbrm eeborcn, Und nicbt in <lir, dn bist cwiglich verloren.

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112 IESUS CRISTO REI

do Catolicismo. Depois da guerra, voltou a Cristo que tinha abandonado. Durante quinze meses, retirou-se a um lugar solitário e escreveu esse belo livro. A História de Cristo.

É impressionante a parte em que descreve a desbragada imoralidade da vida actual. Bem a conhecia o autor que a viveu intensamente. Todos se odeiam, todos roubam; egoismo. podridáo. sangue por toda a parte, escreve Papini. E, como se isto não bastasse, por toda a parte idolatria: adora-se a violência, a ira, o dinheiro, a imoralidade. Morte, lutas, desespero no mundo...

E no fim do livro, este ex-anarquista, este ex-ateu volta-se para Nosso Senhor Jesus Cristo com uma oração profundamente impressionante e pede-lhe que venha de novo viver entre os homens.

Senhor! Se vós fôsseis somente justo, não escutaríeis as nossas preces, porque todo o mal que os homens podem cometer contra Vó, o têm feito. Judas vendeu-Vos milhões de vezes, e outras tantas Vos beijou; vendeu-Vos. e não por trinta moedas de prata; beijou-Vos, e não uma só vez. Quantos fariseus gritaram durante dois mil anos: Não queremos Cristo. Ievai-O, crucificai-O! Quantas vezes por dinheiro, por um posto que queriam alcançar. Vos açoitaram até derramardes sangue! Quantas vezes Vos crucificámos com os nossos desejos, com os nossos pensamentos, com as nossa acções! Quantas, oh! quantas vezes! Ó Deus de misericórdia!

Expulsámos a Cristo, porque era demasiado puro para nós. Voltámos-lhe as costas, porque era demasiado santo para nós! Crucificámo-lo. condenámo-lo à morte, porque a sua santidade condenava a nossa vida pecadora.

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IMPORTÂNCIA DO NASCIMENTO DE CRISTO IS

E agora?Agora que vemos a nossa degradação moral, o nosso

aviltamento, agora vemos, agora sentimos a falta que nos faz. Sentimos nostalgia de verdade e de rectidão.

Cristo! o nosso único mal é este: Vós fazeis-nos falta!O Homem tem fome, quer pão... Mas Vós sois o pão

de que ele necessita.O homem tem sede, pede que lhe dêem de beber...

Tem sede de Vós!O doente suspira pela saúde... Tem necessidade de

Vós!Os que procuram a beleza no mundo, sem o saberem.

buscam-Vos a Vós, Formosura eterna.Os que buscam a verdade, procuram-Vos a Vós.

Verdade eterna.Os que desejam a paz. desejam-Vos a Vós. pois só

em Vós pode encontrar a sua tranquilidade o coração perturbado.

Céu e terra, infelicidade e prosperidade, alegria e sofrimento, o homem que chora e o homem que ri, todos clamam por Vós, ó dulcíssimo Jesus!

S ó por Vós suspira a nossa alm a! Vinde, ó am ável Jesu s!

Assim podíamos resumir a súplica de Papini, o con­vertido.

Assim poderíamos exclamar também nós em fervente anelo: Vinde. Senhor Jesus! Vinde, vinde a nós que esta­mos famintos, sedentos, cansados... Teremos em Vós a fonte da vida que nos dá alívio, força, felicidade...

Vinde, Senhor Jesus, vinde. Cristo Rei!

8

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C A PÍTU LO IX

Cristo, R ei da m inha alm a

Qu a n d o sua Santidade Pio XI instituiu a festa de

Cristo-Rei, recomendou encarecidamente aos sacer­dotes que explicassem aos fiéis todos os matizes deste pen­samento. instruindo-os convenientemente, para que pene­

trassem e compreendessem «a natureza, as propriedades e a significação desta festa».

Vimos nos capítulos anteriores o que significa, em geral, a realeza de Cristo; sabemos já o alcance destas proposições: Cristo é o Rei da vida terrena. Rei da vida eterna. Rei da Igreja e Rei do sacerdócio; mas isto não é o suficiente para conhecermos toda a extensão da sua realeza; havemos de descer a mais particularidades e considerar a Nosso Senhor Jesus Cristo como Rei das crianças. Rei dos jovens. Rei da família. Rei dos aflitos. Rei das mulheres...

Que entendemos nós por estas proposições e que con­sequências derivam delas? Tais são as importantes questões de que vamos tratar agora.

O presente capítulo servirá, por um lado, de resumo do que já dissemos e. por outro, será a preparação do que nos falta ainda expor; veremos que Cristo é Rei da socie­dade, Rei dos reis. dos povos, das familias... Mas não esqueceremos que Cristo é também meu Rei.

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116 IESUS CRISTO REI

I — Que significa esta ideia sublime: Cristo é meu Rei?II — Que consequências derivam desla verdade para a

minha vida, para as minhas acções, para o meu compor­tamento?

I

CRISTO Ê MEU REI. QUE SIGNIFICA ESTA PROPOSIÇÃO?

Significa, em primeiro lugar, que a minha alma reclama Nosso Senhor Jesus Cristo. Cristo é o meu único Senhor a quem devo obedecer: não digo bem; servi-lo e imitá-lo não é só um dever para mim. é o meu principal prazer.

n) Meu dever! tNinguém pode servir a dois senho­res* ('). disse Jesus. Quem são estes dois senhores? O pri­meiro é Jesus, bem o sei. e o outro? Tudo o que se Lhe opõe: a malícia, a fealdade, o pecado, o mundo.

E posso hesitar em escolher o Senhor a quem hei-dc servir?

Seguir o mundo, abandonando a Deus e a salvação da própria alma, é uma existência, não digo só perdida, mas desgraçada.

Portanto, é meu dever servir a Deus.E, que significa servir a Deus? — Pensar na minha

alma. na vida eterna. Como nos prende à terra a vida moderna! Quão poucos são os que têm tempo para terem alma!

Um escritor, que conhecia profundamente os homens, disse em certa ocasião: «Reparemos bem nos desejos, nas aspirações do homem modemo: saude, felicidade, dinheiro.

(') S. Maleus, vi, 24.

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CRISTO. REI DA MINHA ALMA 117

São poucos os que pedem inteligência e, contudo, ela é necessária para viver.» Inteligência? Digamos mais: quan­tos há que pensam e desejam ter uma alm a? Não servem certamente a dois senhores, não servem mais que a um, a terra, o mundo.

Um escritor alemão Paulo K e l l e r , numa fábula em que uma rã é a personagem principal, parece que quis incarnar na rã o homem moderno. Durante todo o dia não sonha noutra consa senão em comer moscas gordas e em passear de braço dado com a sua companheira. O h! quantos e quantos homens se parecem com a rã desta fábula I E sobretudo quantos jovens, atordoados pelos prazeres. levam uma vida desregrada de crápula e de libertinagem, julgando que ao homem bastam-lhe bailes, noitadas, cabarés, embriaguez e sensualidade. Bastariam se não tivéssemos senão corpo. Mas temos também alm al

b) Precisamente porque temos uma alma, que por sua natural inclinação se eleva para Deus. a imitação de Cristo é não só um dever mas um desejo, uma felicidade, um prazer.

Deus é espírito, a nossa alma é espirito; existe, pois, entre Deus e a minha alma, um parentesco e este parentesco impele-me para Deus. O arroio tem parentesco com o mar e por isso corre para ele. A superfície do mar está continua- mente evaporando-se. e da evaporação nascem as nuvens, e das nuvens a chuva; mas a água não pode estar separada do mar, corre sem cessar para ele. Se se lhe põe obstáculo, poderá deter-se o seu curso durante algum tempo, talvez se possa desviar a sua direcção, mas por caminhos ocultos, pelas fendas das rochas, corre com veemente esforço para o mar. Da mesma maneira a alma anseia por Deus, corre para Ele.

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118 JESUS CRISTO REI

Podem pôr-lhe obstáculos, que o são. na verdade e muito poderosos, os prazeres proibidos, uma concepção frívola da vida, o pecado; podem conduzi-la por caminhos falsos; pouco importa! Sentirá dentro de si um vazio, como a quem falta alguma coisa, e essa coisa é Deus. Não pode passar sem Deus.

O peixe não se afoga na água. a avezinha não se perde no ar. o oiro não se queima no fogo. pois assim o prescrevem as leis da natureza; por isso mesmo eu não posso viver sem Deus, porque a Deus me prende a minha própria natureza.

Cristo é meu Rei. Logo, não vivo uma vida humana, se não vivo uma vida religiosa, porque Deus e a alma estão feitos um para o outro.

O nosso grande mal provém precisamente de que muitos católicos separam a vida da religião; estes dois elementos existem um ao lado do outro, quando deveriam estar estreitamente unidos e enlaçados. Hoje somos homens instruídos, e amanhã somos cristãos. Quando rezamos, voltamo-nos para Deus. e quando começamos a trabalhar, esquecemo-nos de Deus. Custa-me a dizê-lo, mas sucede muitas vezes que o cristão, ao sair da Igreja não se distingue em nada. nem na vida de familia. nem nas maneiras, nem na moral, nem nas diversões dos que não são cristãos, o que em boa lógica, não devia suceder. Ao encontrarmo-nos com alguém, havíamos de conhecer, desde os primeiros momen­tos, se é ou não cristão.

lte, missa est. Ide. a missa está dita. Saímos da Igreja e o nosso Cristianismo acabou, ficou lá todo!

Então, precisamente, é que devia de principiar a nossa missa solene: o grande acto de culto da vida religiosa.

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CRISTO. REI DA MINHA ALMA 119

quotidiana, o culto da honradez, da sinceridade, do cum­primento do dever: devíamos unir a religião com a vida.

Se tivéssemos de escrever a tua autobiografia, que é o que tu escreverias?

Talvez isto: existiu um homem cuja alma estava faminta e sedenta de Deus, mas ele só lhe deu como alimento, apenas ar, vento, aparências. Pensava que a sua rica fortuna bastava também para a sua alma. Pensava que a magnificência que ostentava, o automóvel luxuoso, o bem-estar do seu lar... que todas estas coisas bastavam e sobravam. Mas a sua alma ficou vazia; mais ainda, como se fosse um abismo sem fundo: quanto mais juntava e gozava, mais sentia que isso era supérfluo, insuficiente.

Que triste biografia!Talvez pudesse escrever-se também esta: Havia uma

vez uma mulher que tinha fome e sede e bebeu todos os vinhos da vida, mas jamais conseguiu apagar a sede que a torturava. Era como se alguém chorasse dentro de si e estendesse os braços como a criancinha que corre desolada a lançar-se nos braços de sua mãe. Mas em vão: os bailes incessantes, os passeios intermináveis, as diversões e obri­gações mundanas, não lhe deixavam um minuto livre para cuidar da sua alma faminta.

Que triste biografia!Não esqueçamos: Cristo é o meu Rei, o meu único Rei.Unir a religião com a vida! Quem quisessse viver só

uma vida religiosa, correria perigo de descuidar talvez obri­gações importantes e perderia o equilíbrio. E quem se preocupasse só com a vida material, seria um filisteu apegado ao pó da terra. Devemos unir as duas coisas: religião e vida terrena, tempo e eternidade, trabalho e

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120 IESVS CRISTO REI

oração; harmoniziar em nós o temporal e o eterno, de maneira que estes dois ideais se identifiquem num só. Eis o que significa este pensamento: «Cristo é o meu Rei!»

c) Mas tem ainda outro significado não menos edi­ficante: «Cristo é o meu Rei» quer não só dizer que a minha alma suspira por Cristo, mas que Cristo também deseja a minha alma.

Mas como? Será possível que Cristo pretenda a minha alma?! Serei eu um valor real, aos olhos de Cristo?

Que quer Cristo, ao desejar a minha alma?«Levanta do pó da terra o desvalido, e retira da lama

o pobre», responde o Salmista ('). Quer levantar do pó a minha pobre alma, do pó do pecado e das paixões. O h! como é horrenda uma alma em pecado e como se toma bela. formosa, quando se aproxima de Cristo!

E o Salmista prossegue: «para colocá-la entre os prín­cipes, entre os príncipes do seu povo.» Entre as belezas do seu reino celestial. Não vemos como, no decorrer dos séculos. Cristo cumpriu a sua promessa? Que transfor­mação sofre uma pobre alma que se entrega por completo a Cristo! Aí estão Pedro, João. Paulo, S . Francisco de Assis, S . Agostinho, S . Inácio de Loyola, S . Luís Gonzaga. S . Estanislau, Maria Madalena. Inês, Cecília. Teresa de Jesus. Margarida, Teresinha do Menino Jesus... que encanto nesta vida de vinte e quatro primaveras!...

Sim, com isto podemos dar-nos conta das profundidades deste pensamento, que parece tão simples: «Cristo é Rei

0 SaJmo CX1I. 7.

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C R ISTO , R B DA MINHA ALMA 121

da minha alma!» Significa sim que a minha alma anseia por Cristo, mas também significa que Cristo deseja a minha alma.

II

Não nos podemos contentar com saber o que significa para nós a Realeza de Cristo; devemos tirar dela as conse­quências. Se Cristo é realmente meu Rei, que obrigações me impõem as leis da honra?

1. ° Se me chamo «cristão», este nome obriga-me a viver, a pensar e a portar-me em tudo conforme ao nome ({ue deriva de Cristo.

Conta-se do rei polaco Boleslau que trazia sempre sobre o peito o retrato de seu pai e que. antes de tratar qualquer negócio importante, contemplava a sua imagem e dizia: «Pai, por nada deste mundo queria fazer coisa alguma que fosse indigna de vós.»

«Cristo é Rei de minha alma». Sabeis o que isto quer dizer? Que a imagem de Cristo ficou gravada nela pelo baptismo, o rosto de Cristo vive em mim. Pobre Cristo! Em quantas almas o vosso divino rosto não está coberto de pó. de lama! Mas o nome de cristão impõe uma grave obrigação. «Vede como se amam! São cristãos!» — diziam os pagãos ao observarem os primeiros fiéis de Cristo. «Olhai! Estes são cristãos?», poderiam perguntar os nossos contemporâneos ao verem a vida relaxada de muitos que se dizem cristãos.

2. ° Outra consequência. Se Cristo é realmente meu Rei, não só está em mim a sua imagem, mas Cristo vivo vive em mim.

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122 1ESUS CRISTO REI

Cristo vive em mim; é pois necessário que a minha vida seja um turíbulo sempre aceso. Cristo habita em mim. Que pensamento fecundo! Então, não posso sair de casa; não devo deixar só o hóspede. Como? Não poderei tra­balhar? Sim. mas o trabalho não deve absorver-me de tal maneira que me esqueça de Cristo. Não poderei cumprir muitas obrigações? Sim. mas não devo esquecer-me de Cristo. Não poderei divertir-me? Sim. mas também então Cristo deve estar comigo. «Cristo está em mim». Pensa­mento que abrasa, que purifica, que inflama.

Sim. estou sempre diante de Cristo. Onde quer que esteja, faça o que fizer, diga o que disser, sempre diante de Cristo. Que puro devo ser. se Cristo mora em mim! No santo sacrifício da missa só se podem usar vasos doi­rados; e se Cristo está em mim, que limpo, que puro, não devo ser!

Devo ser puro nos meus pensamentos. E tudo o que eu penso, durante o dia. poderia suportar um exame cons­ciencioso?

Os meus olhos devem ser puros. E todos os meus olhares são castos, puros e resistiriam a um sério exame?

A minha língua deve ser pura. E como qualificar as minhas murmurações, maledicências, calúnias?

É preciso que tudo em mim seja puro, muito puro; sou um tabernáculo vivo.

3." Se Cristo habita em mim, não hei-de ser somente um tabernáculo, mas um ostensório, isto é. a minha vida deve ser uma contínua exposição, uma irradiação dos ful­gores da alma de Cristo. O rosto é meu, mas a alma que mora por detrás é de Cristo. A voz é minha, mas a entoação é de Cristo. Quem me vir a mim, há-de ver a Cristo;

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CRISTO. REI DA MINHs ALMA 125

aqueles, com quem eu falar, sintam, vejam a Cristo no meu olhar, na expressão do meu rosto. No exterior, não há nada de extraordinário em mim: mas no palpitar do meu sangue, sintam que vai impelido pelo bater do Coração divino.

Há homens tão semelhantes, que dificilmente se dis­tinguem. Pois bem, sede um outro Cristo: *V ivo eu? Não, não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim.» (’) Sou morada viva de Cristo, sou um palácio vivo de Cristo.

Ouvimos dizer com frequência que o mundo foi con­vertido por doze Apóstolos. Em parte é verdade, e em parte não o é. Sim. no primeiro dia não eram mais. Mas todos quantos entravam em contacto com as almas inflamadas dos Apóstolos, sentiam-se abrasados e alistavam-se também como Apóstolos; e estes inflamavam outros, e o amor a Cristo propagava-se como um vasto incêndio, como uma vaga e... não te escandalizes, leitor, como uma epidemia.

E já que pronunciei a palavra, vou continuar com a comparação. No princípio do cristianismo, sentiram todos os que aderiam a Cristo, o contágio. Os bacilos do cris­tianismo penetravam e estendiam-se. O que falava com um cristão, sentia no dia seguinte este contágio bendito, esta santa doença, esta divina epidemia; sentia-se um homem melhor, mais humano, mais santo, um outro homem.

Cristo é meu Rei. Sabeis o que isto quer dizer? Que hei-de trazer em mim este contágio cristão, esta epidemia cristã, que em toda a parte onde esteja ou fale, comunique a todos o amor a Cristo. É isto doença? — O h! não, é saúde vigorosa que comunica a vida eterna.

0 G a ia ta s , II, 20.

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124 )ESUS CRISTO REI

Sim, devo ser uma coluna de fogo que guie os meus pobres irmãos que vagueiam nas trevas, devo conduzi-los ao coração amante de Cristo. Não com palavras, mas com toda a minha vida, com os meus exemplos, Hei-de dizer com o poeta: «É Deus, quem me envia. Irmão, para que no silêncio irradie o fogo vivo de seus raios, que brotando do seu rosto brilham na minha alma. Para os irmãos que cami­nham nas trevas quer Deus que luza como o pirilampo.» (')

** *

Que fonte viva de pensamentos, que vigor para a alma brota desta frase, ao parecer, tão simples: «Cristo é Rei da minha alma!»

Tal proposição significa que a alma humana anseia por Cristo, e que Cristo busca a alma humana: significa também que temos o sublime dever de procurar viver de uma maneira digna do nome cristão e chegar a ser templos vivos de Cristo.

Cristo e a minha alma! É suma honra só o poder dizer que estes dois nomes estão em íntima relação. A i! talvez na minha vida passada não o pudesse afirmar.

Mas, agora, vou ao encontro de Cristo!E que noto? Uma coisa admirável: cada passo que

dou para Cristo, são outros tantos que Ele dá para mim. Com todas as almas que amam a Deus repete-se a cena encantadora da infância de S . Teresa de Jesus.

A Santa era ainda criança: escutou comovida a história da Sagrada Paixão, e, em seu coraçãozinho, eclodiu em

O S . S ik .

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CRISTO. REI DA MINHA ALMA 123

vivas chamas o sentimento da gratidão e entusiasmo: «Meu Jesus, que tanto sofreste por mim, eu também quero sacri­ficar a minha vida por ti?»; e a criança foge da casa paterna para ir morrer mártir entre os selvagens, por amor de Cristo.

Indo rua adiante, a caminho do martírio, encontra um lindo menino que lhe pergunta: «Quem és tu?»» e a pequena fugitiva responde com temor: «Eu sou... eu sou Teresa do Menino Jesus. E tu. quem és. meu menino?» interroga Teresa. «Eu? Eu sou o menino Jesus de Teresa», responde o menino de olhar vivo e encantador, que logo desapareceu.

Desapareceu Jesus ( ') ... mas ensinou-nos que quantos passos dermos para ir até Ele, outros tantos dá Ele para vir até nós, com um sorriso amoroso, ardente, reconfortante.

— Quem és, Senhor?— Eu sou o Cristo, que procuro a alma humanai E lu

quem és?— Eu sou a alma humana que te deseja a Ti, Senhorl

Eu sou o teu vassalo, sê Tu o meu Rei!

( ) Aqui o autor, com liberdade poética, funde num só dois factos da vida da Santa: a sua fuga, quando menina, da casa paterna em busca do martírio e a aparição do Menino Jesus, quando já freira, perguntando-ihe o seu nome. Esta aparição difundiu-se por toda a parte levada nas asas da lenda, mas nenbum historiador contemporâneo da Santa a menciona. (N. doE. esp.).

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C A PÍTU LO X

Cristo, R ei cias Crianças

// O século xx costuma chamar-se-lhe com desvaneci- ( S L mento o «Século da criança». E com certa razão. Tal vez em época nenhuma se atendeu com tanto cuidado e solicitude ao desenvolvimento corporal e espiritual da criança, como em nossos dias. À acção de salvar a criança, obra em geral de valor inegável, dão-se-Ihe nomes pom­posos: protecção à mãe e à família, desporto, higiene, patronato, tribunal de menores, colónias de férias, protecção à infância, laboratórios pedagógicos, etc., etc.... Tudo muito útil, e de alto valor, mas parece que se esquece o principal.

É necessário o exercício corporal, é necessária a higiene, são necessários o sol. o leite, a escola, a ginástica; e de tudo isso é digno o tesouro precioso do futuro da nação, mas... não basta.

Não basta, porque a criança, além do corpo, tem também alma.

Não basta, porque, segundo a nossa profunda con­vicção, não é mais que um trabalho a meias, e em parte inútil, se com o desenvolvimento do corpo e da inteligência, não se cuida integralmente da sua alma.

Neste capítulo, quero tratar do valor da criança. Quero mostrar como os pais têm para com os filhos uma obrigação altamente honrosa, que Deus lhes confiou, obrigação que

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128 JESUS CRISTO REI

devem cumprir escrupulosa e conscienciosamente, porque dela háo-de dar conta exacta ao Supremo Juiz no último dia. Queria convencer os pais de que os filhos náo per­tencem só a seus pais, à sociedade, à pátria, mas que em primeiro lugar, pertencem a Deus. fim resumo, o tema deste capítulo será:

eCristo é Rei das crianças.»Não quero alargar-me em demonstrar o que pensava

Cristo a respeito das criancinhas, quanto as amava e a estima singular em que as tinha.

Não houve na terra maior amigo das criancinhas. Os Evangelhos estão cheios de provas do grande e temo amor com que Jesus as distinguia, hatigado com os tra­balhos do dia. pronuncia aquelas palavras para sempre memoráveis: «Deixai vir a mim as criancinhas.» (* *) Quando entra em Jerusalém, as crianças vão à frente cantando H ossana. Falando das criancinhas, diz-nos que Deus as ama de um modo especial, e quem as receber em seu nome. a Ele recebe (2). É Ele quem promulga a primeira lei de protecção à infância, dizendo-nos que «quem escandalizar os pequeninos, melhor fora que lhe atassem uma mó de moinho ao pescoço e o lançassem no fundo do m ar».(3) Mais ainda, exige exige dos seus Apóstolos que as suas almas sejam como a das crianças (*). Gostava de se entreter com as criancinhas (3) e abençoava-as. São as criancinhas

( ') S . Mateus. XIX, 14: S. jMoreos, X. 14.(’ ) S . Mateus, xvin, 5; S. Marcos. IX. 36 ; S . Lucas. IX. 48.( ') S . .Moíp u s , w iu , 6 ; S. Marcos, ix, 41.

O S. M aleus. xviii, 3 : S. Lucas. IX. 48.(*) S. Moleus. XIX. 13.

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C R ISTO , REI DAS CRIANÇAS 129

que o rodeiam e o acompanham ao templo cantando o Benediclus, com que a Igreja, ainda hoje, saúda a Jesus, quando o recebemos na Sagrada Eucaristia (*). Como se alegrava com a boa vontade de um jovem e que dor amar­gurava o seu coraçáo, ao ver a juventude extraviada por maus caminhos! A ovelha perdida, o filho pródigo! Sob o peso da cruz, a caminho do calvário, ainda se preocupou com a sorte das criancinhas: «Chorai por vós mesmas e por vossos filhos.» 0

Donde se conclui que os pais têm uma obrigação suma­mente importante, a de estimar e amar seus filhos e não fazer deles um mero brinquedo, boneco, ou uma frivolidade vaidosa que excite inveja nos outros, mas um precioso tesoiro de Deus infinito, um homem chamado à vida etem a; e formar a sua alma segundo a vontade de Deus. é a obrigação mais peremptória, o dever mais honroso dos pais.

I

Se a criança não pertence somente a seus pais, mas também a Deus — e não bá pais cristãos, que neguem esta verdade — se é verdade que Cristo é Rei das criancinhas, deduz-se claramente o dever sagrado de educar os filhos não só para esta vida terrena, mas também e principalmente para a vida etema.

Contudo, quantos pais esquecem esta verdade de impor­tância capital! Quantos não fazem os maiores sacrifícios

O S . M ateus, XIX, 15. 0 S . Lucas, xxiii, 28.

9

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ISO JESUS CRISTO REI

e não se poupam a fadigas nem a trabalhos para conse­guirem que seus filhos sejam mais amáveis, mais espertos, mais instruídos! Escola, piano, francês, alemão. lições de ginástica, de baile... tudo isto está muito bem, mas o teu filho, tem alm a! Preocupas-te também com a sua alm a? Não esqueças que o filho é um dom confiado por Deus e Deus pedir-te-á um dia conta deste tesouro.

Mas talvez me respondam: «Meu filho estuda religião

na escola.»O h! isso não basta. De que servem as duas lições

semanais de religião, se em casa. na sociedade, na rua. ele não vê cumprirem-se as grandes verdades da aula de religião, mas, pelo contrário, vê exemplos completamente opostos aos que aprendeu na aula?

«Que hei-de eu, pois, fazer? Hei-de estar sempre a pregar-lhe? Hei-de obrigá-lo a estar sempre a rezar?» Sim. tam bém tens de o fazer, falar-lhe muitas vezes de Jesus e fazer com que ore com frequência. Mas deves fazer mais ainda.— O quê? — Pode resumir-se em três palavras a obrigação dos pais: educar os filhos: l.° com disciplina; 2.° com vigilância, e 3.° com exemplo.

1,° Educar o filho com disciplina.A história de Heli do Antigo Testamento, constitui

um severo aviso aos pais que fecham os olhos a tudo e que tudo perdoam a seus filhos.

«Castigarei sua casa para sempre, por causa da sua iniquidade, porque sahia que seus filhos procediam mal e não os corrigiu como devia». (*) E contudo Heli repreen­deu seus filhos, mas não com a severidade que devia.

( * ) Livro 1 dos Reis, 111, 13.

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CRISTO. REI DAS CRIANÇAS 131

Pois bem, que dirá o Senhor, hoje, ao amor insensato, «ao amor de macaco» de muitos pais modemos? Porquê essa expressão, amor de macaco? Dizem que os macacos amam tanto a seus filhos que de os beijar, lamber e abraçar tanto, chegam a matá-los por amor. É possível matar-se alguém por amor? E será possível que os pais matem os seus filhos por amor? Sim é possível. Podem matar a alma do filho. E matam-na aquelas famílias que introduzem em suas casas aquela nova idolatria: senta-se no trono aquele tiranozinho de quatro ou cinco anos, que chora­minga. grita, bate malcriadamente o pé no chão, e os dois vassalos pai e mãe, inclinam-se assustados diante do tiranete e procuram satisfazer todos os caprichos do seu idolozinho.

Pais, que não sabeis mandar nos vossos filhos, que nada lhes sabeis negar, nem sabeis resistir às suas vontades, lembrai-vos da cobardia de Herodes. não soube resistir ao capricho louco de Herodias e. contra a sua própria con­vicção. mandou decapitar a S . João fjaptista.

Não amimeis com excesso vossos filhos, acostumai-os a obedecer sem réplica. Esta é a verdadeira educação cristã. Infelizes dos filhos não habituados à obediência, quando entrarem mais tarde na vida! E também infelizes dos pais responsáveis!

Mas. se chora o menino? Se ele é exigente? Pois que chore, isso não lhe fará mal à saúde. Saibam-no os pais: é melhor que os filhos, enquanto pequenos, chorem por causa dos pais, porque os pais mais tarde não chorarão por causa dos filhos.

2 ° Educai os vossos filhos com vigilância.Como? Havemos de os ter continuamente à vista ou

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132 IESUS CRISTO REI

andar sempre atrás deles? Não; basta que sempre e em cada momento saibais onde estão, com quem andam e o que fazem. Pais e mães. sabeis quem é o mais íntimo amigo de vosso filbo, e quais são as suas conversas? Que socie­dade frequentam e quais são os romances que lê vossa filha ?

O b! não digais o que dizem tantos. Não digais: «Meu filbo é ainda muito ingénuo, muito pequeno e inocente; ainda não sabe nada.» Não desculpeis desta maneira a vossa negligência. Que diria S. P a u l o , o Apóstolo das gentes, a estes pais? «Se alguém não tem cuidado dos seus e principalmenle dos de sua família, esse negou a fé e é pior do que um infiel.» (')

Como? Conheceria S . Paulo a mulher moderna, a mãe actual? Conheceria aquelas mães que passam o dia em reuniões de sociedade, em teatros, cinemas, que amimam seus cãezinbos. mas não têm tempo para cuidar da educação de seus filhos?

Realmente há mães que com verdade podem alegar falta de tempo, porque, coitadas, têm de trabalhar para sustentar a família, e a fábrica, a oficina, o emprego absorve-lhes a maior parte do dia. Mas estas ao voltarem tarde a casa, talvez cumpram melhor a sua missão edu­cadora. Não me refiro a elas, mas a outras, às que vivem desafogadamente e não têm tempo para cuidarem dos seus filhos porque, cheias de jóias, vêem-se todos os dias no teatro, no cinema, na modista, enquanto que a educação dos filhos, que são as verdadeiras jóias dignas de estima, a entregam às criadas. Essas não merecem o nome dc «Mãe»; são umas mulheres a quem Deus concedeu a

(‘) 2.a C aria a T im óteo. V, 8.

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CRISTO. REI DAS CRIANÇAS 155

bênção de terem filhos, mas que não são dignas do excelso nome de Mãe.

3.° Finalmente educai vossos filhos com o exemplo.lnfelizmente vão desaparecendo os belos costumes

cristãos, que davam aos nossos lares antigos tanto encanto e alegria: a oração da manhã e da noite feita em comum, leituras religiosas, quadros religiosos em todas as salas e quartos, conversações piedosas e edificantes. Hoje apenas conhecemos esse ambiente cristão pela narração das nossas avós.

«Se a raiz é santa, também o serão os ramos», diz o Apóstolo S. P a u l o ( ’ ) .

E se não é santa? E se o pai e a mãe têm a alma fria. gelada, que será do filho?...

Não esgotámos ainda o tema da educação. Conti­nuá-lo-emos no capítulo seguinte.

Mas já que tocamos um ponto tão importante e decisivo para o destino da Nação, permita-me o leitor que diga duas palavras sobre o mais grave e delicado problema. Não se escandalize se eu evocar certos factos e falar claramente. Poderia calar-se o ministro de Deus. quando vemos, com assombro, que uma falsa e culpável maneira de pensar, invade o santuário da família cristã? Por mais delicada e escabrosa que seja a questão, os ministros de Deus não podem guardar silêncio, diante de tal perigo, porque Deus lhes ordena, como outrora aos profetas: <Clama, não cesses;

\ ) ( aria aos R om anos, XI. 15.

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134 IE SU S C R IST O REI

faz ressoar a tua voz como uma trombeta e denuncia ao meu povo os seus pecados.» (* *)

A Igreja católica não pode fechar os olhos diante da moda espantosa e horrenda, cujas ondas cruéis e catastró­ficas ameaçam afogar a vida da família no pecado e exter­minar a raça.

De que se trata? Traia-se do amor ou do ódio aos filhos nas famílias modernas, da «bênção» ou da tmaldição» que são os filhos.

l.° Se deitarmos um olhar retrospectivo à história, veremos que em toda a parte onde vivem homens honrados, os filhos foram sempre considerados como uma honra da família. Mencionaremos de passagem o povo judeu no Antigo Testamento. A mulher judia chorava inconsolável, se Deus não lhe concedia filhos. A Sagrada Escritura transmitiu-nos a oração comovedora de Ana. mãe de Samuel: «Deus dos exércitos, se vos dignardes ouvir a aflição de vossa escrava, se lhe concederdes um filho varão, eu o consagrarei ao Senhor por todos os dias de sua vida.» (2)

Lembrai-vos de S . Isabel vivendo triste e desconsolada por não ter filhos, e qual não foi sua alegria com o nasci­mento de S . João Baptista! — «E souberam seus vizinhos e parentes a grande misericórdia que Deus lhe fizera e congratulavam-se com ela». (*)

Lembrai-vos da história de Roma e detende-vos em alguns pagãos de sentimentos nobres e rectos. LJma amiga

O Isaías, LVin. I.O l.° Livro dos Reis, I, 11.(*) S. Lucas. 1, 58.

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CRISTO. REI DAS CRIANÇAS 135

que vem de Cápua visita a Comélia, uma das mais nobres damas romanas, e não cessa de falar constantemente das suas jóias. «Amiga, diz finalmente a Comélia. mostra-me também o teu mais belo adomo. as tuas mais lindas jóias». E então Comélia chama seus filhos, «eis, lhe diz, estas são as minhas mais lindas e belas jóias»!

Sim, os filhos formavam sempre parte integrante da família, não se considerando esta completa sem a bênção dos filhos.

Perguntai a um camponês cristão, ainda não contami­nado com as doutrinas modernas: «Tendes família?» E ele vos responderá: «Sim, tenho cinco», aludindo aos seus cinco filhos, porque, segundo o seu modo de pensar, onde não há filhos, não há família.

E na verdade, que é um lar sem filhos? Uma árvore, que floresce, mas que não dá fruto.

Que é o lar mais rico sem filhos? Ê um raio do Sol de inverno, sem calor.

Que é o palácio mais luxuoso sem filhos? Um sum­ptuoso mausoléu sem vida.

Nos tempos que correm, propaga-se por toda a parte um conceito terrível, propaga-se a infecção de um mal horroroso: a família tem medo dos filhos.

É quadro triste e pavoroso, o de um casal, que goza de saúde, a quem Deus concederia a bênção de ter filhos, mas eles não os querem aceitar, porque, no seu modo de ver, os filhos são uma carga.

Quando a mão dos esposos desvia o que é augusta vontade de Deus, e rejeitam o filho inocente, que Deus lhes queria dar, cometem um crime horrendo.

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136 JESUS CRISTO REI

Causa-nos arrepio o grande pecado moderno, o facto de vermos os noivos aproximarem-se do altar, com o desejo » de serem esposos, mas não de serem pais. Ficamos cons­ternados ao ver que o santuário da família se converte num antro de pecado; que a casa fica vazia; que o cemitério não está fora da cidade, mas no seio da familia; que a mãe não embala o berço como a S S .raa Virgem, mas cava uma tumba; que o jardim da família não tem flores, que embal­samem com seus perfumes o lar.

Não quero tratar mais deste pecado nefando, horrível. Considerem atentamente os esposos que bão-de dar contas exactas a Deus deste pecado criminoso, desta profanação e degradação do sacramento do matrimónio, convertendo-o num pântano imundo de abusos e de pecados.

Mais ainda. Sois réus do crime de lesa-pálría. Não é preciso reflectir muito, para compreender onde chegará uma nação, cujas famílias deliberada e sistematicamente não admitam mais que um filho. Mesmo que tenham dois, não aumentará a população; pois, em tal caso. morrem dois velhos e ficam dois jovens. Só onde houver mais de três filhos poderá crescer a população. E quantas são as famílias de hoje que não têm mais que dois ou um só filho. OU talvez nenhum? E isto não só nas grandes capitais ou nas cidades modernas «moralmente apodrecidas»; este pecado nefando difunde-se também pela província.— Conhecemos uma aldeia onde num ano só nasceu uma criança! Ê ver­dade que essa aldeia não era católica; mas quem não vê que. infelizmente, esse contágio se vai propagando também entre os católicos?

Se ninguém se atreve a levantar a voz. levanta-a pelo menos a Igreja Católica, e protesta em favor daquelas vidas

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CRISTO, REI D AS CRIANÇAS 157

inocentes, a quem se fecha a entracfa na vida. Perder-se­-iam valores verdadeiramente insubstituíveis, se a Igreja cobardemente transigisse e não defendesse a criança. Não teríamos um S. Francisco Xavier, sétimo filbo de seus pais. Não teríamos S . Teresa do Menino Jesus, a nona e última filha; nem S. Inácio de Loyola, que foi o décimo terceiro filho; nem a S . Catarina, vigésima quinta filha!

2.° Bem sei que muitos objectarão: «Sempre existiu o pecado, e em todos os tempos houve homens maus...»

o) Sim. sempre existiu o pecado, mas nunca em pro­porções tão assombrosas; nunca com publicidade tão cinica. com tanta despreocupação, nem com tão refinada maldade.

b) P verdade, respondem outros: «Mas. não conhece a terrível miséria da sociedade moderna? Não há trabalho, não há casa. está tudo tão caro! e assim, quase não podemos viver os dois; que seria de nós se fôssemos cinco ou seis em casa?»

Que responder? Refutar? Negar? Não: mas sinto-me perturbado, parece que uma nuvem me tolda a inteligência, porque tenho que confessar que tens razão... tens razão em muitas coisas. Bem sei quão cara é a vida moderna. Conheço os andares acanhados em que as famílias vivem apinhadas, e quanto custa o sustento diário. E se eu fosse legislador, ordenaria que o pai de uma família numerosa pagasse menos impostos e recebesse mais compensações e ao tratar-se de conceder empregos, fosse favorecido em primeiro lugar e proibiria oficialmente os anúncios imorais, em que se busca um casal sem filhos. Sim, eu fazia tudo isso...

Mas depois destas concessões permiti-me que acres­cente: ApeSar de tudo o preceito é claro e categórico: a Igreja não pode ceder. Porque Deus não promulgou o

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138 IESUS CRISTO REI

quinto mandamento desta forma: não malarás, a não ser que não tenhas casa; nem formulou o sexto desta maneira: guardarás a castidade, a não ser que sejas pobre. Náo, no Decálogo não Há condições: A lei é absoluta. «Nãomatarás! Guardarás a castidade!»

c) «Mas. se somos muito pobres? E se a mulher está doente»?

E não credes que Deus nosso Senhor, que vos dá um filho, não dará também o pão de cada dia? «A mulher é doente? Sim. e náo é mais fácil suportar a doença física, do que pecar e revoltar-se contra a vontade de Deus? E, se realmente já não é possível educar mais filhos, então não há outra solução senão guardar continência no matri­mónio. Mas isso. é muito difícil! Sim, é, mas a Igreja não pode ceder. E ainda que fique só com sua opinião no mundo actual desvairado, continuará a levantar a voz com insistência, defendendo a pureza do matrimónio: defenderá os inocentes antes de nascerem, porque Cristo é também seu Rei.

Ainda que se percam muitas almas tíbias, relaxadas, continuará advogando a boa causa, defendendo não só a lei de Deus. mas também os interesses das nações.

Digamo-lo claramente: na maioria dos casos, não são as famílias pobres que têm medo aos filhos. Quais são. em geral, as famílias mais numerosas? São precisamente as mais modestas, as mais pobres. E quais são as que têm um só filho, ou nem sequer um? A gente acomodada, onde há lugar para muitos filhos, onde a abundância de pão e leite não faltaria, e onde os filhos são substituídos pelos cãezinhos. É que os filhos estorvariam as recepções, as visitas, as diversões e as distracções da mãe.

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CRISTO, rei das crianças 139

Mas. que será quando «no dia da ira», «no dia da miséria e do castigo» os filhos que não puderam nascer levantarem as suas mãozinhas para vos acusarem ante o tribunal de Deus?

mães- não quereis mais que um filho, cui­a o. Que será se Deus vos arrebata esse filho único?

Que sera. quando com os olhos razos de lágrimas, com a alma esfacelada pela dor ao voltardes do cemitério mur­murando contra Deus. porque vos «provou tão cruelmente» tiverdes que ouvir o que um sacerdote respondeu a uma dessas mães desesperadas:

«Diga-me. Senhora: se agora não tem outro filho, que substitua o que morreu, de quem é a culpa?»

E a mãe. desesperada, não ousou responder, porque a resposta seria a sua própria acusação.

** *

Para gravar a moral do presente capítulo, em que tratamos um assunto de tanto interesse e actnalidade. nar­rarei uma lenda, que refere um escritor alemão. PauloKeller. composta sobre Herodes. o assassino dos santos inocentes.

Diz a lenda que. sempre que amanhece o dia 28 de Dezembro d,a dos Inocentes, estes, os meninos assassinados a traiçao. dando-se a mão. vã0 de romagem até Jerusalém e para junto da tumba, já esquecida, de Herodes. e entoam em voz baixa e triste uma canção.

Ah! de que fantasmas serão estas vozes? diz. desper­tando em seu túmulo, o cruel tirano. Tremendo aperta o

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140 JE SU S CR/STO REÍ

rosto, o rosto da sua caveira, contra a terra... mas em vão... o doloroso canto penetra através da terra.

Nãol Isto é intolerável! E o cadáver esquelético de Herodes levanta-se e deita a correr. E os meninos inocentes vão atrás de Herodes. Para onde quer que fu,a Herodes. os meninos inocentes vão após ele. Refugia-se num navio de corsários que o obrigam a abandoná-lo e os meninos seguem-no. Foge a esconder-se num bosque cerrado entre ladrões, que o não querem em sua companhia, o rigan o- o a fugir e os meninos seguem-no; foge para um campo e enforcados, e os mesmos enforcados fazem um látego as cordas e escorraçam-no... e os meninos seguem-no...

Então... então Herodes pára repentinamente numa cidadezinba. diante dum casebre e com voz trocista d.z aos meninos inocentes que o perseguem: «Olhai, olhai a i para dentro e vede aquela mulher, sobre sua cama pende um crucifixo, mas ela neste momento, é tão má. como eu o fui * Os inocentes assustados escondem-se num canto, abre-se a porta da casa e sai voando a alma dum inocente. Era a alma dum filho a quem sua mãe pecadora acabara

de dar a morte antes de nascer.Aqui acaba a lenda.N o ,» Senhor fesusCri,lo. Rei

P .™ « „ „ue h o la uma ,6 fam ília cri,lã. em q ue e , l a lendo

seja uma realidade.

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C A PÍTU LO XI

Cristo, R.ei dos Jovens

\ L*s ontincemos com o tema do capítulo anterior. A Santa Igreja considera-o de suma importância e são tão

severas as suas ordens nesta matéria, que. para as cumprir nas circunstâncias económicas do mundo actual, requere-se muitas vezes o heroísmo dos mártires.

Sei-o muito bem. Mas Cristo Rei. que exigiu outrora dos cristãos a morte de martírio, tem também direito de pedir boje a vida de martírio.

Nesta investigação daremos mais um passo. «Quem tem filhos tem cadilhos», como diz o ditado, ou «meninos pequenos, cuidados pequenos» e «meninos grandes, cui­dados grandes», assim diz a sabedoria popular, e não se poderia encontrar tema mais adequado para o presente capítulo.

«Menino pequeno... cuidados pequenos». É o que dizíamos, ao explicar que Cristo é Rei das crianças, que acompanha com amor cheio de solicitude seus passos e que um dia pedirá conta rigorosa aos pais da educação e do bom exemplo que deram a seus filhos.

Mas se a obrigação dos pais é tão dificil na educação dos filhos, enquanto pequenos, maior é a sua responsa bilidade e mais difícil se torna o seu cuidado espiritual de educadores, quando chegarem à idade da puberdade. Os

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adolescentes necessitam mais de seus pais agora, que quando pequenos, e para os pais é mais difícil cumprir os deveres paternais agora que eles se vão fazendo homens, que quando crianças. Menino pequeno... cuidados peque­nos; menino grande... cuidados grandes.

Quem na hora presente, no mundo actual, tão cheio de tentações, tem a seu cargo a educação da juventude, sente a verdade que encerram estas palavras. ,

Mas Cristo é também Rei da juventude. Temos, pois, de encarar este grave problema.

I. — Que perigos ameaçam a alma da juventude moderna?

II. — Como podem trabalhar os homens já feitos para que neste precioso tesoiro da Igreja e da Pátria, isto é, na alma da juventude, se firme e consolide o reinado de Cristo?

1

Para conhecer devidamente os perigos que ameaçam a alma da juventude moderna, teria de pintar, embora fosse a largos traços e com toda a sinceridade, a situação espi- ritul da juventude actual. dos dezasseis aos vinte anos. Mas a dor embarga-me a voz, quando quero falar do triste abandono espiritual em que se encontra a juventude das grandes cidades, muitas vezes sem culpa própria.

Um exemplo. Hungria. A toda a hora se ouve aquela canção popular: «Creio na ressurreição da Hungria»; mas. se olharmos à nossa volta e perguntarmos: «Quem a há-de ressuscitar? Nós, os homens de idade, velhos, cansados?» Não; a juventude. — A juventude?! Mas qual? Aquela

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CRISTO. REI DOS JOVENS 145

que vemos crescer à volta de nós? Estes jovens, que não reconhecem autoridade alguma, que não respeitam nem obedecem a seus pais, a seus professores, a seus chefes de oficina? Estes jovens de dezoito anos, que, com ar de supe­rioridade, se riem de todos os ideais, que «já sabem tudo», que «conhecem a vida», que «já provaram de tudo»?

Aqueles rapazes e raparigas grosseiros e boémios, em cujos olh os arde a chama dos baixos instintos, denuncia­dores do desejo desenfreado do prazer? Aqueles jovens que nunca abriram um livro de orações, e cuja leitura são os romances imorais, revistas pornográficas de teatros e cinemas, que nunca vão à Igreja e ignoram o Museu Nacional, mas conhecem todos os «cabarets», que não sabem onde está a Biblioteca pública, mas conhecem todos os cafés? Esses peralvilhos pálidos, extenuados, empoados, envelhecidos antes do tempo, esses, é que hão-de forjar um futuro mais glorioso à pátria?

Não se diga que exagero, que sou pessimista, que não «ão todos assim. É verdade; não são todos assim. E os pais cujos filhos e filhas não são como os que pintei, devem, todos os dias dar graças a Deus de joelhos. Mas eu falo da grande maioria e a maior parte da juventude moderna — sejamos sinceros — é assombrosamente fútil e frívola. Escutai as queixas amargas dos homens e mulheres sensatos contra a juventude, que não reconhece autoridade, que não respeita os pais, que tudo critica, com ar de superioridade; basta ler as estatísticas judiciais e vereis como. há vinte anos. setenta por cento dos criminosos, eram de homens com mais de trinta anos, e hoje esses setenta por cento ainda não fizeram os trinta anos. e grande parte deles nem os vinte! Escutai as queixas dos pais e muitos vos dirão.

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que, para seus filhos, o lar não é mais do que um hotel em que pernoitam, passando todo o tempo fora de casa. Não o duvidemos: a situação espiritual da juventude actual é para nos encher de sérias preocupações.

11

Esta é a situação: esta é a doença.Qual é a sua causa e como poderíamos remediar o m al!1.® Por toda a parte ouvimos: «É má a juventude

de hoje.»É verdade, ela é má. Mas já pensámos como a pode­

ríamos melhorar, o que é que há-de dar uma vida pura e um espírito forte à juventude moderna? Pensámos já nos meios que a poderiam tornar melhor? Quem há-de corrigir a juventude? A sociedade actual em que vive. onde se ouve a cada passo a mofa e zombaria de todo o ideal sério, puro e virtuoso? Os divertimentos do nosso tempo, o cinema, os bailes em que essa gente frívola, que os fre­quenta, transgride tão facilmente os limites da moralidade?

É má a juventude actual. Mas, quem a há-de melhorar? A escola? Não nos iludamos. Quando a honra e a frivolidade se disputam o coração do jovem, quando o fogo infernal dos desejos instintivos mina cruelmente a constituição do jovem, no momento decisivo dos combates pela pureza, onde encontrarão forças para uma resistência séria e eficaz? Nas matemáticas? No estudo das ciências físicas? No estudo das linguas? Não, não.

Talvez algum diga: na «aula de religião»! Sim, esse é o caminho da salvação. A aula de religião seria um

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CRISTO. REI DOS IOVENS 145

auxílio excelente para a educação dos jovens... se os exem­plos contrários, que vêem em casa ou na sociedade, não destruíssem toda a sua benéfica influência.

Poderíamos responder deste modo: Quando a aula de religião se estender à maior parte da juventude; quando o lar corroborar a influência educadora do ensino religioso; quando o exemplo dos pais ajudar o trabalho desse ensino da religião, como antigamente; quando os pais cumprirem de novo a primeira regra da educação, a saber, que a maior sabedoria está em educar para Cristo... só então se corrigirá a nossa juventude.

2.° Aos pais. que se preocupam com o desenvolvi­mento espiritual de seus filhos, não poderei dar melhor conselho que este: «Educai com Cristo!», não só com pro­messas e ameaças, com prémios e castigos, mas principal­mente com Cristo, com o amor de Cristo. Ao menino que, aos três ou quatro anos, aprendeu a amar fervorosamente a Cristo, ao menino que. aos sete anos. fez a sua primeira comunhão e que continua a comungar com frequência, não é preciso ralhar e ameaçar ou bater, basta que sua mãe lhe diga: meu filho, Jesus quer que lhe faças isto. Jesus proíbe, não quer que faças aquilo...

Feliz o menino a quem fala sua mãe como falou a de S . Luís, rei de França: «Meu filho, prefiro ver-te morto, antes do que ver-te cometer um pecado mortal.» E estas palavras ressoaram aos ouvidos de S . Luís toda a sua vida.

Feliz o jovem a quem seu pai diz. como o velho T obias a seu filho: «Escuta, filho, as palavras de minha boca, e grava-as profundamente no teu coração... Honrarás tua mãe todos os dias da tua vida... Tem a Deus em tua mente iodos os dias da tua existência, e não admitas jamais um

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M 6 JESUS CRISTO REI

pecado, e não transgridas os mandamentos do Senhor nosso Deus. Sê misericordioso e caritativo. Se tiveres muito, dá com abundância; se tiveres pouco, dá de boa vontade o que puderes. Guarda-te de toda a impureza. Não consintas que a soberba domine em teu coração ou em tuas palavras. Louva o Senhor em todo o tempo, e pede-lhe que dirija teus passos e que nele se fundem todas as tuas delibe­rações.» 0)

Sim, Nosso Senhor Jesus Cristo é o melhor educador, porque Ele é quem melhor conhece o coração humano, porque Ele é o primeiro em fazer o que exige de nós. e. porque Ele nos dá forças para executarmos aquiio que nos pede. Dar forças para o bem! Disto depende o resul­tado da boa educação. Podem-se escrever livros excelentes sobre a moral, sua beleza, seu valor, mesmo sob o ponto de vista social... mas para cumprir as suas leis... é mister a força sobrenatural da graça. Há vinte anos que trabalho com a juventude. E quantas vezes pude ver os deslizes dos jovens educados sem religião! Quantos esforços inúteis! Mas por fim. encontraram a Cristo, agarraram a sua mão e foi isto o que os salvou. Sim. di-lo-ei sem rodeios: quem educa sem a oração, sem confissão, sem comunhão, sem Cristo, não será, no fim de contas, senão um sapateiro remendão.

Pais. não vos metais entre Cristo e a alma jovem! Não vos assusteis, se vosso filho ou vossa filha se vai confessar e comungar com frequência: não digais que são «beatos» ou «beatas», e que são «botas de elástico», que não acompanham «o mundo moderno».

0 Tobias, cap. iv.

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C R ISTO , REI D O S JO V EN S 147

3.° Se Cristo tem tanto poder sobre as almas jovens, se Ele é o brilho de seus olhos, sua energia, sua formosura, e lhes dá forças e dinamismo no momento da tentação, então peço encarecidamente a todos os pais e educadores, juízes e professores, sábios e políticos, a todos os que tenham voz e voto para orientar as correntes modernas, peço-lhes que não permitam que tirem Cristo à juventude.

E quem lho poderá tirar?a) Arrebata-lho o lar moderno; roubam-lho os pais,

que não rezam, os pais que. diante de seus filhos, não medem as palavras, os pais que blasfemam, que diante de seus filhos sustentam conversas licenciosas (e não faltam estes maus exemplos), os que abandonam a sua educação às criadas!

«Hoje os filhos não obedecem a seus pais», ouvimos com frequência. E, vós, pais, obedeceis a Deus? Que é a autoridade paterna? O reflexo da autoridade divina no rosto dos pais. Como há-de o filho cumprir o quarto man­damento se os pais não cumprem os dez? O h! os olhos juvenis não só brilham mas também vêem e penetram profundamente. Pais. não tendes ideia de quantas coisas observa aquele ser que cresce ao vosso lado. Ele observa que sua mãe não cumpre os mandamentos de Deus; dá-se conta de que seu pai não se confessa, nem comunga há muitos anos. e a fé morta de seus pais produz um frio glacial na sua alma. Pais, não permitais que tirem Cristo à juventude.

b) Roubam-Ih’0 os amigos, as leituras, a rua, o teatro, o cinema, os anúncios e as montras. Todos os dias uma multidão de jovens devora com os olhos os quadros, tantas vezes escandalosos, expostos às portas dos cinemas.

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148 ]E SU S C R IST O REI

A lei protege as árvores da rua; a lei protege os bancos públicos, os postes da electricidade, os passeios, as ruínas mais insignificantes, mas a pureza da alma juvenil não bá quem a defenda e proteja. Fazem-se nos teatros e nos cinemas exibições das maiores imoralidades, e não bá quem proteste, e não se proíbem tais espectácuios. Se há cadeia e patibulo para o traidor, que entrega ao inimigo uma fortaleza, havia de bavê-lo também para os que entregam ao pecado a cidadela santa da integridade moral da nossa juventude. Algumas fitas de cinema são anunciadas «só para jovens que tenham mais de dezasseis anos»... e uma curiosidade insana rói os jovens que não atingiram essa idade.

Os educadores mais experimentados esgotam-se num trabalho de Sisifo, quando a grande obra educadora de vários anos se desmorona com a leitura de um livro obsceno, com a assistência a uma fita de cinema imprópria, a um espectáculo imoral, e vêem como o pecado vai alargando o seu domínio, com uma visagem satânica, como após seus passos se vai gelando a terra, como desaparece o carmim de seus lábios e obscurece o brilho de seus olhos, como se dobram as suas costas, como o carácter se quebranta.

Não podemos educar o jovem na escola e na igreja, a ponto de o levar a detestar e aborrecer a imoralidade, se na rua, no teatro, no cinema, na sociedade, se em toda a parte só se vêem exemplos e incitamentos à frivolidade mais perversa.

E não é só o sacerdote que se bá-de preocupar com a juventude, mas todo aquele que ama a sua Pátria e teme pelo futuro da Nação. .

Se formos cobardes e cruzarmos os braços, ao vermos o degradamento moral da nossa juventude, inúteis serão

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CRISTO. REI DOS JOVENS 149

todas as reformas, inútil a instrução, ainda que se inventem novos sistemas de ensino e se intensifique o estudo. Os resultados serão quase sempre nulos, se não se impede que os traficantes sem consciência da imoralidade tirem do rosto da nossa juventude as rosas da nobreza espiritual.

Em muitas nações alguém tem interesse em que o sangue da juventude se contamine, em que os seus nervos se debilitem, em que essa juventude caia por terra com abundância, como fruta ainda não madura, mas já comida do bicho.

As perdas da Grande Guerra foram grandes, mas o que acontece actualmente entre os jovens é pior. A guerra era um rio de sangue, mas o que se dá agora é um envene­namento do sangue. Envenenam-se as flores da nação; «e como poderão dar fruto as árvores que não têm flores»? A força vital de uma raça depende, em grande parte, desta disjuntiva; que a sua juventude seja vigorosamente reno­vada, ou que continue a deslizar pela pendente da imorali­dade para um abismo certo. Aqueles que dirigem os seus tiros, por meio de publicações pornográficas, contra a saúde física e moral dos nossos jovens, sabem muito bem que o primeiro auxiliar para a sua vitória, será uma juventude degenerada, porque o que for a juventude de hoje, será a nação de amanhã.

** *

Termino o capítulo por onde comecei: «meninospequenos... cuidados pequenos; meninos grandes... cuida­dos grandes.»

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150 JE SU S C R ISTO REI

Deus colocou um Anjo à porta do paraíso, com uma espada de fogo na mão, para que ninguém entrasse.

A alma do filho é este paraiso. Deus colocou os pais à porta.

Tomai uma espada vingadora, lhes diz, e não deixeis entrar quem não tem direito.

«Filhas dignas de uma pátria oprimida I Mães. sede vós o princípio de um futuro mais belo. mais sereno; com o valor das mães espartanas, conduzi vossos filhos ao mérito e à virtude. Desenvolvei neles o desejo do que é belo c nobre. Educai-os para que sejam fortes, amigos da verdade e da justiça, cumpridores de suas promessas: numa palavra... para que sejam homens!» (l)

Precisamos de uma juventude que não procure a satis­fação na lama. mas que, embriagada pelo esforço de sua energia juvenil, seja capaz de grandes e nobres realizações.

Um juventude que sinta os brios de uma vontade forte, e tenha um ideal que a dinamize.

Uma juventude que defenda com energia a incolumi- dade de sua alma contra os inimigos que combate, e possa lançar em rosto, de frente erguida, contra toda a imundície moral, a divisa de sua integridade: — «Não, nunca, jamais.»

Uma juventude cheia de confiança no futuro, cheia de optimismo que não esteja gasta pela vida; uma juventude de músculos vigorosos, de frente lisa, de olhar brilhante como o das estrelas... uma juventude que tem por Rei N osso Senhor Jesus Cristo.

A pátria nada tem a esperar de uma juventude física e moralmente enfraquecida, doentia, cansada antes do

( ' ) SzÉCIIENYl, Crédito.

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CRISTO. REI DOS JOVENS 151

tempo, pálida, de olhar lânguido e receoso; precisa de uma juventude sadia e vigorosa, de jovens íntegros, em cuja alma brilhe a vida. resplandeça o sol e desabrochem os botões mais belos da humanidade; uma juventude que signifique e seja primavera, força, rejuvenescimento, dina­mismo, alegria, futuro para a nação1

Se a juventude for religiosa, a nação será jovem e capaz de dar a felicidade a seus filhos.

Cristo há-de ser o Rei da nossa Juventude!

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C A PÍTU LO XII

Cristo, R ei da F am ília (1)

V / e s t e capitulo vamos tratar um tema cios mais impor- O '\ tantes e transcendentes: Cristo é Rei da fam ília. E como a matéria é tão ampla, continuaremos a tratar o mesmo assunto nos quatro capítulos seguintes. Cristo é Rei da vida familiar, o único capaz de restaurar e curar a vida de familia, que se decompõe.

Não é mister demonstrar que esta questão é candente e de actualidade, que a vida moderna de familia carece de bases sólidas que a defendam da ruína.

Basta abrir os olhos e observar os escândalos quoti­dianos, ler as noticias dos jornais e dos debates judiciários, assistir às sessões em que se ventilam questões matrimoniais, ouvir as manifestações de médicos e sociólogos, ler as peças de teatro e os temas das fitas de cinema, os inumeráveis livros de boa e má literatura, e veremos que a enfermidade mais profunda, a cbaga mais perigosa da sociedade moderna, é a crise aguda por que passa a vida de família... que se desmorona.

Quando o homem tem sangue mau, aparecem-lbe no rosto erupções da pele. Horríveis são as erupções que brotam do rosto da sociedade actual. Qual é a sua raiz? O sangue estragado. O sangue? Sim ; as famílias doentes infeccionaram com seu sangue impuro o corpo da sociedade.

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154 ]ESUS CRISTO REI

E quanto mais perigosa é a chaga, tanto mais urgente é a sua cura. Todos nos queixamos de que a sociedade actual está doente. Ditam-se leis para reformá-la. Muito hem; mas tudo isso não é mais que uma venda sobre uma chaga a sangrar. Curar a chaga é alguma coisa', mas não seria melhor evitar que ela aparecesse? Cortar a erva má, é bom. mas é melhor não a deixar nascer...

Podemos pois afirmar que o problema mais importante e mais urgente da nossa época é o restabelecimento da vida de família. Pensam alguns que o mais importante é sanear a rua. «Quem tem a rua, tem o poder». Outros pensam que o mais importante é o parlamento, a oficina, a escola, a imprensa... Sim. tudo isto é importante, é verdade, mas não tem uma importância capital. O que é que decidirá do porvir da humanidade? A família. Ela é o baluarte da ordem, da vida social, do Estado e da religião. E pre­cisamente, porque o mal começou por minar a vida de família, é que a situação actual é tão desastrosa.

Desta questão trataremos noutros capítulos; mas antes de entrarmos em cheio na matéria, será bom dissipar algu­mas dúvidas da mente dos leitores.

A questão vital da vida de familia é o matrimónio.E vai falar do matrimónio um sacerdote católico que

não tem dele a mais ligeira experiência? Como poderá dar bons conselhos e sugerir pensamentos proveitosos aos pais de família, homens casados?

É natural que a qualquer lhe ocorra tal objecção.Notemos que o sacerdote, quando fala como sacerdote,

não é uma pessoa privada. Fala em nome da Igreja Católica duas vezes milenária; e se o sacerdote católico não tem sobre a questão experiência pessoal, a Igreja em dois mil

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CRISTO. REI DA FAMÍUA (I) 155

anos oferece-lhe uma experiência em toda a sua longa história. A Igreja tem mais experiência que os mais velhos. A sua experiência é mais clara, mais nítida que a dos esposos que vivem cegos pela paixão; mais serena que a das almas perturbadas pelos sofrimentos. De modo que poderíamos inverter o raciocínio e dizer: Fala do matrimónio um sacerdote? Sim, um sacerdote. É melhor que uma questão tão importante e delicada, que tão facilmente pode ferir os interesses pessoais, seja tratada por uma pessoa imparcial, cujo juízo se funda na razão.

I

Se quisermos resumir em três palavras o que assegura a felicidade da vida de família, eu escolheria estas três: fé, harmonia, fidelidade.

E se quiséssemos escolher três famílias, na vida de Nosso Senhor Jesus Cristo, modelos da vida de família, citaria aquelas três localidades: Caná, N azarel, Betânia.

Aquele feliz matrimónio de Caná será o ponto de partida da nossa inquirição. A Sagrada Família de Nazaret servirá de tema no capítulo seguinte. E o lar de Betânia, de Lázaro, Marta e Madalena, ficará para o terceiro capítulo.

Caná! Numa esquecida e insignificante aldeia, contrai matrimónio um casal jovem e desconhecido e convida para tão importante cerimónia a Nosso Senhor Jesus Cristo. O Mestre aceita o convite e assiste à boda; leva consigo sua Mãe e seus discípulos e. para tirar de apuros aos noivos, faz o seu primeiro milagre. Tal é em substância a simples

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156 JESUS CRISTO REI

e encantadora história. Mas que profundas lições contém este quadro, tão insignificante na aparência!

Um casal jovem quer contrair matrimónio, e convida para o acto a Nosso Senhor Jesus Cristo!

Sabeis quando é que os noivos de boje cometem a primeira falta que jamais poderão remediar? Quando con­vidam para o casamento os parentes, os amigos, os colegas, as amigas, a costureira, a modista, a porteira, a todos, e só não convidam a Nosso Senbor Jesus Cristo!

O Senbor é o único de quem se esquecem. Este é o grande mal. O matrimónio moderno contrai-se prescindindo de Nosso Senhor Jesus Cristo!

l.° E. ao fazer esta afirmação, eu não penso naqueles que só contraem matrimónio civil, nem nos que se divorciam e voltam a casar.

Entre os cristãos é um caso incompreensível. Não se compreende como um homem cristão se atreva a contrair matirmónio sem implorar a graça de Deus. «Vais viajar? Reza uma oração — diz o rifão— . Vais navegar? Reza duas. Vais casar? Reza cem».

A vida matrimonial é cheia de sacrifícios e respon­sabilidades. Do altar brota a graça necessária. E só Cristo imolado sobre o altar pode ensinar os primeiros sacrifícios do mairimónio.

Por isso Ele encaminha os primeiros passos dos noivos para o altar, e o matrimónio é elevado à dignidade de sacramento, a fim de que. junto ao altar, comece não só a nova vida de família mas também a graça abundnte que para ela se necessita. Sem o auxílio da graça, é difícil guardar a fidelidade até à morte; e isto bastaria para con­denar o matrimónio puramente civil.

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CRISTO. REI DA FAMÍLIA (I) 157

£ verdade que no momento do enlace matrimonial os dois corações vibram a uníssono, mas a chama da paixão mais ardente acaba por extinguir-se com o tempo; e con­tudo..., a fidelidade e o amor nunca devem apagar-se na vida conjugal. Não se apagarão, se o matrimónio tiver uma base segura, o princípio eterno de toda a fidelidade e amor: Deu s; por outras palavras, se o matrimónio se celebrar com a bênção de Deus.

2.° Prescindem de Cristo não só os que celebram o matrimónio sem a bênção da Igreja, mas também aqueles que, embora com grande pompa e solenidade, aos acordes da marcha nupcial de Mendelssobn, contraem o matrimónio, como se Cristo não estivesse presente.

Prescinde de Cristo, em certo modo. quem não pensa no matrimónio conforme o conceito de santidade que nos ensinaram Nosso Senhor jesus Cristo e a Santa Igreja.

Façamos a seguinte pergunta: Que é propriamente o matrimónio? e dirijamo-la à juventude moderna. E veremos que baixo conceito, que ideia pagã se tem deste vínculo sagrado.

Que é o matrimónio moderno? O primeiro passo para o divórcio.

Que é o matrimónio moderno? Uma sociedade de duração limitada, fundada no prazer mútuo.

Que é o matrimónio? Um negócio público de do ut dcs, isto é. «dou para receber».

Será o matrimónio uma instituição divina? Não! gritam os esposos que o contraem sem Cristo.

£ Deus que ordena a fidelidade até à morte? Não!E Deus que prescreve a indissolubilidade? Não!É Deus que concede os filhos? Não!

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158 JESUS CRISTO REI

Será a família numerosa uma bênção de Deus? Não! mas uma praga, uma estupidez, um anacronismo...

A Raquel bíblica suplicava ao Senhor: *Dai-me filhos, senão morro.» (’)

Quereis ouvir a suplica da mulher moderna? Não. não me atrevo a transcrevê-la.

Tal é o matrimónio moderno.E qual é o conceito católico? É um conceito sublime.

Segundo a Igreja, o matrimónio: a) Exprime a relação que existe entre Cristo e a sua Igreja; b) é a ajuda mútua dos consortes, e c) finalmente é a participação na obra criadora de Deus. Sim. mais além da biologia, mais além do contrato natural... a Igreja vê outras coisas e não cessa de repetir o seu conceito sublime.

O matrimónio católico é do mais sublime que conhe­cemos. Três palavras resumem toda a sua grandeza: Templo, claustro, família!

No templo reunem-se os filhos de Deus, no claustro vivem as místicas esposas de Cristo, e na família nascem e crescem os filhos de Deus.

Que é a família segundo o conceito da Igreja?É a instituição que tem por fim dar filhos ao reino

de Deus aqui na terra, à Igreja, e dar filhos ao reino de Deus na eternidade, ao céu. A família é o vestíbulo da Igreja, a família é preparação para o céu.

O mundo actual protesta; não quer admitir que os filhos sejam uma bênção de Deus e que o opor um dique à vida. seja contra a santidade do matrimónio. E. é-o, contudo.

C) G en ., XXX. I.

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CRISTO. REI DA FAMÍLIA (I) 150

Se seguirmos portanto a orientação da Igreja, a questão decisiva na eleição do consorte não será a beleza da noiva, a fortuna do noivo, o número de casas, de automóveis, que possui... não, todas estas coisas serão de secundária importância. A questão principal deve ser esta: «Este jovem será bom pai? Esta jovem será esposa fiel?»

Oxalá que todos os jovens, que pensam contrair matri­mónio, tivessem o profundo pensar cristão do conde Estêvão Széchenyi, que no dia 26 de Dezembro de 1820 escrevia no seu diário esta oração: «Concedei-me, Senbor, que possa comparticipar com Celina os dias da minba vida, e que por ela possa encontrar a consolação e a paz, que por mim mesmo jamais poderia achar, e juntamente com ela possa consagrar minba vida a Vós e à vossa maior glória. E se eu não bei-de ser melhor por ela. nem ela bá-de ser melhor por mim, então em vez de nos juntardes, separai-nos e permiti que, por caminhos diferentes. logremos um dia encontrarmo-nos de novo na eternidade.» (')

Que conceito verdadeiramente sublime e cristão do matrimónio! «Que eu seja melhor por ela», isto é, por meio dela, com sua ajuda, com seu exemplo! — E que «ela seja melhor por mim», isto é, graças a mim, com meu auxílio! Este é o verdadeiro sentir cristão.

3.° Há ainda outros que contraem matrimónio sem convidarem a Cristo. São os que deixam para segundo lugar o que Cristo quer que seja o primeiro na família, a união espiritual dos esposos e o ofício de pais. Atendem unicamente ao futuro que se lhes abre, tendo este ou aquele

( ) F eketeA árady: « C on fissões e conselhos d e S zéchen yi*.

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160 IESUS CRISTO REI

sogro; à casa com tantos andares cjue podem adquirir; aos hectares de terra que vêm unidos a tal contrato; ao nome ilustre da família. Todos estes contraem matrimónio sem convidar a Cristo.

E se assim o contraem, com que direito poderão esperar a bênção de Deus?

É verdade que o homem não pode viver de ar. e deve atender ao dote e à garantia do futuro... e deve ter em conta estas vantagens... mas não em primeiro lugar, não com a preterição dos valores morais e da perfeita harmonia dos espíritos. Porque, o jovem que tomar por esposa o dinheiro, ou a rapariga que casar com o escritório do alto funcionário, não há-de ficar surpreendida, se lhe acontecer o que sucedeu àquela rapariga provinciana...

Tinha como pretendente um jovem rico. mas que andava sempre de taberna em taberna e sempre etilizado. O pároco quis dissuadir a rapariga: «Não poderás ter. dizia-lhe. uma vida feliz.» Mas em vão; a rapariga, des­lumbrada com a riqueza, não fazia senão repetir: «Isso não é consigo, senhor abade, quer-se alguma coisa para os olhos.» Casaram-se. Poucas semanas depois, vai a recém- casada ter com o pároco, coberta de vergões das pancadas

recebidas, o rosto desfigurado; seu marido, bêbado, havia-a espancado a tal ponto que lhe incharam os olljos. O pároco, só lhe disse esta frase: «Vês. minha filha, não dizias que também se necessita de alguma coisa para os olhos?»

Realmente no matrimónio contraído sem C ris to, não pode haver felicidade duradoira, não pode haver fidelidade até à morte, não pode haver perseverança.

E porque são tantos os matrimónios assim contraídos, por isso está doente a vida de família.

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C R ISTO . REI D A FA M ÍLIA (1) 161

Que falta à vida moderna de família? Não julguemos que só as manifestações exteriores da vida religiosa desa­pareceram da família moderna; é certo que desapareceram os quadros piedosos, o crucifixo das paredes, a água benta, as orações em comum, e a Sagrada Escritura já se não vê sobre a mesa. O sítio que antes ocupavam os quadros de assuntos religiosos, foi preenchido por nus que escandalizam a alma das crianças. Em lugar do crucifixo, pendurado na parede (coisa antiquada), vemos a ferradura, nos umbrais das portas, augúrio de felicidade! Em vez de oração em comum, antes de ir repousar à noite, ouve-se a voz do «jazz» transmitida pela rádio; e a velha Bíblia cedeu o lugar, sobre a mesa familiar, às revistas teatrais. Tudo isto é, infelizmente, certo, mas não passa de ser uma coisa exterior e talvez se pudesse tolerar na vida de família...

Há, porém, outro mal mais profundo. Sabeis qual é?Que as manifestações exteriores da vida de piedade

se foram esfumando, precisamente porque desapareceu da família o ambiente cristão. S. Clemente Hofbauer. um santo muito querido dos vienenses, costumava dizer com um ar de bom humor: «Sabeis?, eu noto logo se estou entre verdadeiros católicos... tenho uma espécie de bom olfacto católico.» Quem tem. pois. este olfacto católico, basta-lhe entrar em contacto com uma família moderna e dirá logo que alguma coisa falta nessa família. Que é que falta? O perfume do incenso; o espírito de uma vida de oração; a atmosfera do sobrenatural, o que faz de uma vida familiar um verdadeiro santuário. Hoje nas famílias, tudo é humano, natural, exclusivamente profano.

E onde está o mal? Em que Cristo foi desterrado da família.

11

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162 IESUS CRISTO REI

Na morte de Cristo houve um terramoto. Quando Cristo é desterrado da família, também se produz uma terrível comoção, um tremendo cataclismo que cobre de escombros a família, e ameaça de extermínio toda a sociedade.

Pelo contrário, quão diferente é a felicidade da vida de família, cujas bases assentam no convite de Jesus C risto... M as... narraremos um facto verdadeiro. Que os leitores julguem por si mesmos o encanto inefável, a doçura invejável que inunda a vida das familias que se consagram a Nosso Senhor Jesus Cristo.

O caso passou-se com um bispo alemão, quando andava fazendo a visita pastoral. Hospedou-se em casa de um conde, que tinha na comafrca grandes propriedades; depois da ceia. prolongou-se a sobremesa em amena con­versação. quando o filho mais novo do matrimónio, de quatro ou cinco anos. começou a dormitar, e mostrou desejos

de se ir deitar.— Mãezinha — disse — tenho muito sono; dê-me a sua

bênção e vou-me deitar.— Meu filhinho. hoje temos um hóspede muito ilustre,

o Senhor Bispo, ele é que te vai dar a bênção — respondeu-

-Ihe a mãe.O Bispo chamou carinhosamente o menino, pôs-lhe a

mão sobre a cabecita loura e abençoou-o.Mas o menino não se ia ... olhando, admirado, à sua

volta. Por fim disse: — Mãezinha. isto não foi de veras; não é assim que a mãezinha costuma dar-me a bençao. Dê-me a bênção como das outras vezes.

Agora é o Bispo que pede à Mãe com interesse que dê a bênção ao filho. A criança traz a pia de água benta.

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CR/STO, REI DA FAM ÍLIA (I) 163

sua mãe traça-lhe com a água o sinal da cruz sobre a fronte radiante do filho e diz: «Abençoe-te o Deus omnipotente, I ai. Filho e Espírito Santo... Boas-noites, meu filhinho...» e beijou o filho que. cheio de alegria, correu para a cama...

Não sentis um ar de pureza, de inocência, um encanto inexplicável que se evola desta pequenina história, como o perfume de uma noite de Natal?

Sim, quando Cristo é o Rei da família, ali há fé nas almas, há alegria nos corações, felicidade nas famílias...

*SjC $

Termino aqui este capítulo. A sociedade moderna está mortalmente doente, porque sofre do coração, que devia levar o sangue a toda a parte do corpo. Está doente a vida da família. Os matrimónios contraem-se sem Cristo e assim não têm a bênção do céu. As famílias hão-de chamar novamente a Cristo, se quiserem que o lar volte a ser um santuario. Noivos! Pais! é imenso o dever que vos espera: com santa impaciência vos contempla a Igreja e o Estado e é muito o que pedem de vós. Querem que sejais gigantes como Cristóvão. Sabeis quem era S . Cristóvão? Levou sobre seus robustos ombros o Menino Jesus que desejava atravessar o rio... Pois bem, haveis de ser outros tantos C ristóvãos. Sobre vossos ombros haveis de levar as gera­ções futuras e salvá-las da corrente tempestuosa, avassa­ladora: mas não lograreis tamanha empresa se não sois uns verdadeiros cristóforos, isto é, homens que em vossa própria alma e na vida de família. leveis a Cristo; ...se não convidais a Jesus, copiando o exemplo das bodas de Caná, e não o proclamais Rei da vossa família.

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164 JE SU S C R IST O REI

O governo de Cristo, o reinado de Cristo, santificara a vida de família: fará desaparecer das paredes os quadros imorais e das bibliotecas os livros maus; suprimirá o luxo supérfluo, não deixará ouvir palavras blasfemas e ditos licenciosos: santificará os trabalhos da cozinha e outros afazeres domésticos e os risos argentinos das crianças: santificará as manifestações mais insignificantes da vida diária; santificará o lar doméstico, transformando-o num paraiso terreno: e quando houver muitos destes paraísos, o ambiente cálido, vivificador. propagar-se-á e a família reformada, reformará a sociedade humana, hoje atacada de uma doença mortal.

Cristo salvará a fam ília, se a fam ília O aceitar

com o Rei.

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C A PÍT U L O XIII

Cristo, R ei da F am ília (11)

g difícil o problema que começámos a discutir no capí­tulo anterior.

Se alguém procurasse uma frase para expressar as ideias funestas, as desordens, os sofrimentos, as dores, a maldição, a tragélia da nossa época, escolheria certamente a seguinte: «A moderna vida de família.» Pronunciar estas palavras, é sentir-se perturbado todo o bomem sério. Pro­nuncia-as e ouvirás as queixas de todos os que se preocupam com o porvir da humanidade. — «É preciso que haja escân­dalos», disse em certa ocasião o Divino Mestre: mas que o escândalo seja de todos os dias e coisa habitual, como o bocado de pão; que milhares de homens ricos e pobres, ins­truídos e analfabetos, o tenham como manjar precioso, isso passa do normal, é um sinal aterrador de desmoronamento da sociedade. Não esqueçamos que os povos formaram-se das famílias e perecem também com as famílias.

Isto não seria tão grave, se víssemos o mal só entre os incrédulos que cantam elogios às filosofias em voga. Se assim fosse, bem poderíamos dizer: isso é lá com eles. Mas não é assim.

O sopro de destruição bate. força e abre fendas até nas portas das famílias cristãs: também bá jovens católicos que contraem matrimónio sem ter amor no seu coração.

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166 JESUS CRISTO REI

ou então deixam-se levar pelo coração, sem reflexão; abrasa-os uma paixão sem amor e essa paixão destrói a fidelidade; vivem sem filhos em família, e se os têm, não se preocupam com as obrigações inerentes aos pais...

Não bá problema mais angustioso que a crise da família.

E, não obstante, o Pai deu <ludo» a Cristo. Se, pois, lhe deu tudo, também lhe deu a Familia. Na família nasce a vida tanto corporal como espiritual; na família se desen­volve a vida moral e religiosa, como a imoral e depravada. Tudo depende da família. Dela sai a geração honrada, conscienciosa, trabalhadora, ideal, de alma pura... e dela saem também os criminosos, os incrédulos, os vagabundos, os de alma contaminada...

É terrível o desmoronamento da família! Onde encon­trar remédio, onde?

No capítulo anterior estudámos o exemplo que nos oferece o casal jovem das bodas de Caná; na presente disquisição escolheremos como exemplo a casa de Nazaré, a vida da Sagrada Família. Fé, harmonia, fidelidade... dizíamos. A fé, foi a lição que nos deu o exemplo de Caná. A casa de Nazaré rescende a harmonia.

I

O Filho de Deus viveu trinta anos num lar silencioso; dos trinta e três anos de sua vida mortal, passou trinta em casa de seus pais.

Poderá haver maior recomendação do lar doméstico?A frase é dum escritor com chispa: «A pregação mais

necessária em nossos dias: Homens, ficai em vossas casas!»

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CRISTO. REI DA FAMlUA (11) 167

O mesmo ensina Nosso Senhor Jesus Cristo perma­necendo trinta anos no silêncio de Nazaré. Pais. mães, jovens... permanecei em casa, gozai a harmonia do lar.

Que nos ensina S. José? Pais. passai todo o tempo possível em vossa casa, no santuário da família, cheio de amor e harmonia.

E que nos diz a Santíssima Virgem, a Senhora da Casa de Nazaré? Mães, esposas, haveis de fazer o possível para que vosso lar seja realmente de concórdia, de harmonia, a fim de que vossos maridos e vossos filhos não sintam vontade de abandoná-lo e de o trocar pelo café ou pelo bar.

Santa Casa de Nazaré! União e harmonia perfeita! Lar repleto de felicidade! Haverá ainda semelhante prodígio no mundo? Haverá ainda hoje um lar ditoso neste mundo escuro, neste mundo de um frio glacial e perpètuamente em luta?

Não o nego. A vida moderna é diferente da de outras épocas; a vida moderna é difícil, caótica. Contudo, se a alma do marido e da esposa se unem em Deus, se Cristo é o Rei da família, é possível também hoje, saborear a felicidade da vida de família.

Mas. não havemos de ir buscar a felicidade como aquele pobre coitado que tinha uma bela casinha, sem ser um palácio, filhos robustos, mas um pouco travessos, e um bom ordenado, posto que não chegasse para coisas supér­fluas; parece que só via as suas deficiências, e durante muito tempo não pensava no seu bem-estar e acabou por imaginar que era um infeliz. Começou a aborrecer-se, e um dia vem-lhe à ideia ir em busca da felicidade.

Saiu de casa, topou companheiros alegres; divertiu-se à grande, passando as noites em estroinices. Não houve

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168 1ESUS CRISTO REI

aparência de felicidade que não provasse, buscando-a por toda a parte. Durante dez anos. levou vida de boémio em busca da felicidade. Mas. em vão. Por fim. apodera-se dele a nostalgia, volta a sua casa abandonada. Ao aproxi­mar-se. vê uma figura branca e formosa a dizer-Ibe adeus desde a porta... Quem és tu? pergunta anelante e cansado. Eu sou a tua felicidade, que tu não reconheceste durante dez anos; esperei-te e não vieste. Agora vou-me embora. Adeus, pobre homem desventurado e cego... e o infeliz ficou só e abandonado, porque reconheceu demasiado tarde a felicidade do seu lar...

A felicidade da vida de família! É necessário des­cobri-la. Esta felicidade brilha nos olhos dos filhos, nas primeiras palavras que seus lábios balbuciam, quando dizem: *Pai, Mãe», quando tentam os primeiros passos, quando saltam de alegria junto da árvore do Natal, quando com o carinho da inocência abraçam sua mãe durante a oração..., quando em segredo, com a mãe. aprendem e ensaiam uma poesia para declamar nos anos do pai, quando contam as impressões do primeiro dia da escola, da primeira comunhão, do exame final do liceu... quando a filha se vê coroada com a coroa nupcial...

Oh! sim. há ainda uma grande torrente de felicidade familiar, cheia de intimidade e silenciosa doçura!

«Mas, vós não conheceis a vida! — talvez me diga alguém. Existem algumas gotas de felicidade, mas. quantos não são os sofrimentos»!

Sim, é verdade. Dos que torturam a vida matrimonial, às vezes têm a culpa os mesmos cônjuges; ciúmes, rixas mais ou menos graves, dificuldades económicas, caprichos da mulher nem sempre se hão-de atribuir à má sorte, muitas

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CRISTO. REI DA FAMlTJA (II) 169

vezes podem-se evitar. Ouvi o que Cristo disse a Pedro: «Perguntas-me, quantas vezes deves perdoar a teu próximo, quando te ofender. Até sete vezes? — N ão le digo até sete vezes, mas até sete vezes sete.» (') No matrimónio. Há dias calmos e dias tempestuosos: mas se Cristo o abençoou e com sua bênção o instituiu, então resistirá às mais violentas tempestades.

Existem também sofrimentos que não se podem evitar: doenças, desgraças, contratempos, morte: uma fé, porém, ancorada em Deus sempre ajuda a triunfar. •

E se falta a fé?Então está tudo perdido. Velar à cabeceira do filbo

agonizante sem ter fé: permanecer de pé diante do túmulo do marido, que acaba de baixar à terra, sem ter fé; sofrer os pequenos e grandes martírios da vida, sem ter fé... é o inferno na terra.

Uma fé viva e uma Harmonia perfeita! Se isto falta, falta à felicidade do matrimónio uma pedra fundamental, que em vão intentaríamos substituir. Se falta a mais per­feita concórdia, a Harmonia, a compreensão entre os esposos, não pode Haver felicidade na vida de família.

Assim se compreende por que a Igreja levanta a voz com tanta severidade contra o matrimónio em que esta união completa ou não pode lograr-se, ou só com dificuldade se consegue, como no matrimónio misto.

* II

Talvez não Haja lei eclesiástica que tenba provocado contra a religião católica, tantas criticas, objecções e recri- (*)

(*) S. Mateus, W in, 22.

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minações, como a sua regra de conduta a respeito dos matrimónios mistos.

Repete-se até a saciedade que a Igreja Católica é «intolerante», que «despreza os de outra religião» que «trata de um modo cruel os homens»... iMas. se estudarmos com calma a questão, compreenderemos, que a Igreja católica não pode proceder de outra maneira.

Examinemos com imparcialidade as razões, por que a Igreja católica desaprova os matrimónios mistos.

l.° para bem dos esposos, e 2.° para bem dos filhos. l.° Para bem dos esposos. Já vimos o que significa

para o matrimónio a harmonia perfeita, a comunhão dos espíritos. O matrimónio há-de rejeitar a igualdade mate­mática 2 — 2; o matrimónio há-de dizer que 2 —1: quero dizer, há duas pessoas que têm um só coração, uma só vontade, um só desejo, um só ideal, ou como dizem os alemães: «Dois corações e uma só palpitação.» (')

No matrimónio misto é quase impossível esta concórdia perfeita. É difícil a harmonia perfeita entre um professor universitário e uma esposa analfabeta; entre uma condessa e um labrego; entre um marido de trinta anos e uma mulher de quarenta. Todos estes matrimónios são realmente para desaprovar. Porque, se há diferença na posição social, na cultura, na idade, então é difícil que haja a compenetração dos espíritos. Mas a greja não proíbe tais matrimónios, porque neles, ainda que a harmonia seja difícil, não é impossível; e muita paciência e caridade cristã podem atenuar estas divergências. Mas se os esposos discordam na questão mais importante, na religião, tal facto costuma

(‘) Zwei Herzen und ein Schlag.

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ser um obstáculo quase insuperável para a harmonia perfeita dos espíritos, de maneira que a Igreja se vê obrigada a declarar impedimento do matrimónio a diferença de religião.

Posta assim a questão, poderemos acusar a Igreja de intolerante ou desprezadora dos fiéis de outra religião?

Deve o marido amar sua esposa, com lodo o seu coração, e deve também amar a Deus sem reservas, com todo o seu coração; mas se não têm a mesma religião,isto é quase impossível. Se não têm a mesma religião,não se unificarão bem aquelas duas almas, aqueles dois espíritos: ou não amará sua esposa, ou não amará a sua religião. Salta à vista a grande dificuldade de evitar os escolhos.

A Igreja procede atinadamente ao proibir os matrimó­nios mistos, e entre outras razões, fá-lo com o temor de que os esposos não possam viver em perfeita harmonia.

a) Comecemos pelo conceito de matrimónio. A fécatólica ensina-nos que o matrimónio é uma coisa santa, sublime, um dos sete sacramentos' instituídos por Nosso Senhor Jesus Cristo. E a parte não-católica? Crê, com Lutero, que o matrimónio é uma coisa meramente civil (*), ou, com Calvino, que o matrimónio está longe da dignidade de sacramento, como a agricultura ou como o ofício de barbeiro.

O católico segue a palavra do Divino Mestre: «O que Deus uniu. não o separe o homem» (2); quer dizer, o católico confessa que o matrimónio é indissolúvel. O não-católico crê que se pode dissolver e divorciar-se. E se o interesse.

(*) Ein àusserlich, w eltlich Ding.O S. M ateus, xix. S. M arcos, X. 9.

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o humor ou umas questiúnculas se metem de permeio, abandona a parte católica. No matrimónio misto, a parte católica é a que mais sofre, porque a outra pode, conforme pensa, contrair novas núpcias, mas a parte católica sabe que o vinculo, sendo indissolúvel, permanece até à morte.

b) Em segundo lugar, também não pode haver har­monia na maneira de ver e pensar em muitas questões importantes. Os esposos devem-se ajudar mútuamente com um amor a toda a prova e recíproco. Mas, como poderá existir este amor se, nas questões mais graves, há entre eles uma divergência contínua? O católico não quer comer carne às sextas-feiras, e o não-católico exige-a. O católico quer rezar as «Ave-Marias» e o não-católico não consente tal «idolatria». O católico quer ir confessar-se, e o não­-católico ri-se de tal «superstição». Vão juntos na vida, juntos na sociedade, no teatro, mas quando chegam à porta da Igreja, ali bifurcam-se os caminhos; o que é santo para um. é para o outro motivo de zombaria; o que é dia de preceito para um. é para o outro dia de trabalho...

c) «Mas não é tanto assim», dirá talvez alguém. «O homem fino e educado não fere nunca as convicções religiosas de outra pessoa. Podem viver muito bem e serem felizes sem que um fira a religião'da outra parte».

Não digo que não. e há casos em que os esposos, finamente educados, se esforçam por evitar cuidadosamente em suas palavras qualquer alusão a diferenças religiosas.

Mas, poderemos considerar esta situação como ideal? Quando, por amor da paz, se têm que calar os sentimentos mais íntimos, quando durante toda a vida uma nuvem negra paira sobre a alma. com temor de abordar tal ou tal questão?

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Além disso, se os esposos não podem exteriorizar as suas convicções religiosas, se hão-de reprimir as suas práticas religiosas com medo de ofender o consorte, que sucederá ? O que, infelizmente, tantas vezes tem sucedido, nos matri­mónios mistos: ambas as partes resfriam na sua própria religião e terminam por não serem nem frios, nem quentes, nem carne nem peixe, nem católicos nem protestantes, mas simplesmente baptizados que perderam as suas convicções religiosas — indiferentes.

2.° Outro motivo tem a Igreja para condenar os matri­mónios mistos, mesmo quando o consorte acatólico se com­promete a educar todos os filhos na religião católica. — É a educação dos filhos.

Porque, se os mesmos esposos sofrem as consequências de não terem a mesma religião, com maior força de razão, as sentirão os filhos dos matrimónios mistos. Sublinho: ainda que todos os filhos sejam educados na religião católica.

Suponhamos o caso em que os filhos sejam educados nas mais profundas convicções do pai católico. Quanto maior for a religiosidade e piedade da criança, tanto mais depressa deixará sair de seus lábios a triste pergunta, quando, por exemplo, sua Mãe se despede dela à porta da Igreja: «Mamã, porque não entra também na Igreja?»

Mais frequente é que a criança receba duas educações diferentes, uma católica e outra acatólica, opostas entre si. Qual será a consequência? A mesma como quando mistu­ramos água quente com água fria, ficamos com água morna, tíbia; recebendo essas duas educações, católica e não-cató­lica. ambas tíbias, misturam-se e dá uma completa indife­rença religiosa.

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Não acreditas, leitor?Ouve o que passou certo dia com um casal já entrado

em anos. e que vivia feliz e contente, em sua casinha, rodeado de um lindo járdim... Ao chegar a primavera, diz a mulher para consigo: «Meu marido gosta muito de vagens de feijões, vou semeá-los no jardim para lhe dar uma surpresa. Como ficará contente!» E semeou-os.

Passados, dias. pensou também seu marido: «Aqui está um jardim sem rendimento algum, vou semear ervilhas... é o prato predilecto de minha mulher.» E semeou-as.

Algum tempo depois vai a mulher ao jardim e olha com curiosidade, a ver se os feijões já nasceram. Vê uma planta que vem rompendo da terra e... serão já os feijões... não: é uma erva má, e arrancou todas as ervilhas.

Dias depois desceu o marido ao jardim, para ver se as ervilhas já deitavam de fora a cabeça. «Que é isto? não são ervilhas!» e arrancou as plantas que pareciam ervas más.

E o bom matrimónio esperou, esperou e... ainda hoje espera colher o fruto do seu trabalho!

Será necessário aplicar o conto ao matrimónio misto e defender o critério da Igreja? Até os mesmos protestantes sérios desaprovam tais matrimónios.

Em certos casos, para evitar maiores males, concede a Igreja a dispensa deste impedimento, mas com a condição de que todos os filhos sejam educados na religião católica. Quem não quiser aceitar esta condição e fazer uma promessa formal de cumpri-la, não pode Iicitamente casar-se e se for receber a bênção nupcial a um templo não-católico, renega a sua fé, e então a Igreja excomunga-o e exclui-o do número de seus filhos.

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CRISTO. REI DA FAMIUA (II) 175

— É demasiado, dirá alguém, é uma crueldade.— Não é. Porque, se crê que a religião católica é

verdadeira, então não pode ceder nem sequer um dos filhos a outra religião. Na história de Salomão, a falsa mãe daria metade do filho à outra; não assim a verdadeira, e a Igreja é a verdadeira Mãe.

— Mas a excomunhão, não será uma verdadeira cruel­dade? Não posso confessar-me, nem receber a sagrada Comunhão!

— Sim, mas quem começou? Não abandonaste tu a religião? Não entraste num templo acatólico? Não cedeste teus filhos e teus netos e todos os teus descendentes a outra religião? Não te podes confessar? Dói-te isso? E não te dói o teres entregue o teu filho a outra religião, em que nem ele, nem seus filhos, nem seus netos nem nenhum dos seus remotos descendentes se poderão confessar? O sacer­dote católico não te levará o sagrado viático nem assistirá ao teu enterro? Parece-te demasiado? Pois também não enterrará leu filho... e tu é que tens a culpa.

Não é por crueldade nem por ódio às outras religiões que a Igreja se mostra tão firme e severa; é que o permiti-lo sem condições seria uma claudicação inadmissível, e mesmo com todos os requisitos devidos, a Igreja concede-o a seu pesar, porque sabe, por triste experiência, qual costuma ser o desenlace.

A Igreja perdeu já milhares de filhos com os matri­mónios mistos, e maior é ainda o número das almas que caíram na tib ieza e indiferença religiosa: por isso, está de atalaia e evita quanto pode tamanho mal.

Mas. porque procede assim, se todos os filhos serão católicos? Oh! quão dignos de compaixão são os filhos.

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cuja mãe não é católica! Não quero rebaixá-la. Deus me livre disso; se profundamente crê e pratica a religião, res­peito-a; pode ser mãe ideal sob muitos aspectos, mas não poderá ser para seus filhos uma mãe em oração, não pode rezar com seus filhos!

*

* *

Quantas questões e questões todas de candente actua- lidade! Não acabaríamos se quiséssemos aprofundá-las. A questão mais importante, tratá-la-emos no capítulo seguinte — o divórcio.

Resumindo agora as ideias dos últimos capítulos:A vida da familia moderna é Sodoma e Comorra;

a família católica é um jardim de Deus florido.Na família moderna, os pais fabricam o ataúde de

seus filhos antes de nascerem; na família católica, embalam o berço em que crescem os herdeiros do céu.

A família moderna não dá entrada na vida aos filhos: a familia católica continua rezando de joelhos: «...e bendito é o fruto do vosso ventre.»

Os esposos modernos comprometem-se a ganhar juntos o dinheiro e a fruir dos prazeres. até que se cansem um do outro; os esposos católicos permanecem unidos de alma e coração até à morte.

Nas grandes cidades brilham desde o anoitecer as inú­meras lâmpadazinhas tão amáveis, tão convidativas, dos lares santos. E brilham também os anúncios luminosos e tentadores nas ruas. nos cafés, nos bars e nos cinemas. E sabes, amigo leitor, o que leva à ruína a humanidade

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C R ISTO . REI D A FA M ÍLIA (II) 177

moderna? Ê que as lâmpadazinhas do lar doméstico sejam vencidas pelos reclames luminosos de variegadas cores, cores infernais, que seduzem o homem e o fazem abandonar o lar.

iMas a humanidade não recobrará a felicidade, enquanto a luz meiga e simpática do lar não vença as fosforescências infernais dos cabarés, cinemas e bars, e a expressão «feli­cidade do lar doméstico» seja de novo uma realidade.

Salvemos a vida de família que se desmorona; convi­demos a Cristo, e teremos encontrado o único remédio eficaz para tanto mal.

Que remédio? Este: fazer do lar um paraíso. Os nossos primeiros pais tiveram por casa o Paraíso; os esposos modernos que amam a Cristo, farão um paraíso do seu lar.

E no dia que o lar for um paraíso, o mundo doente ficará são, restabelecido.

12

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CAPÍTULO XIV

Cristo, R ei da F am ília (III)

Quando um doente está a ser operado, sucede às vezes que o médico operador e seus assistentes, descobrem

outras doenças de que não suspeitavam. E então procuram operar e curar uma e outra doença; e. como é natural, a operação dura mais tempo do que se pensava ao princípio.

Coisa semelhante íoi o que aconteceu comigo, ao tocar na chaga gravíssima da família moderna.

É este o terceiro capítulo que consagramos ao mesmo

tema.Ao princípio parecia que o estudo poderia ser mais

breve e que a operação cirúrgica seria menos complicada. Mas. ao abrir a chaga, viu-se a extensão do mal. e quantas questões importantes compreende este assunto. Por isso. continuaremos com o mesmo tema no capítulo seguinte.

O problema que tratamos é o problema de toda a humanidade actual. E por mais que o estudemos e exponha­mos a sua importância e significado, não pecaremos por exagero. Todos sentimos que não há chaga mais perigosa no corpo da sociedade; todos sentimos que a família se desmorona, e todo o homem sério busca no âmbito da sua actividade. remédio para curá-la. Efectuam-se reuniões para encontrar meios preventivos contra o contágio do divórcio que alastra de um modo alarmante. Há países — a Itália.

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por exemplo—, em que o governo lança grandes contri­buições aos solteirões, que persistem em não fundar um lar.lJor toda a parte se criam planos, e se procura debelar o mal.

Na verdade, essa chaga social, a crise da família, é tãoperigosa que temos de aceitar todo o auxílio, venha donde vier.

Não nos poderão acusar de parcialidade, se afirmarmos que este problema é. em sua essência, antes de tudo. uma questão moral e religiosa, e portanto, não é com reuniões e leis que se poderá resolver; a solução definitiva só poderá vir do pensar e sentir religioso. Na religião hão-de assentar as três colunas que sustentam a família: Fé, harmonia e fidelidade.

Nos capítulos anteriores tratámos da fé e da harmonia. Os esposos de Caná deram-nos o exemplo da fé; e a felici­dade e harmonia, vimo-la brilhar na Sagrada Família de Nazaré. Agora vamos aprender as lições de fidelidade que nos dá a família de Betánia. Fidelidade para com Nosso Senhor Jesus C risto, e fidelidade mútua entre todos os membros da família.

I

Vivia perto de Jerusalém uma família feliz e ditosa. Eram três irmãos: Marta. Maria e Lázaro. O Divino Mestre distinguiu com amizade especial este lar bendito. Depois dos árduos trabalhos do apostolado, costumava ir descansar a casa daquela família, e. nestas ocasiões, as duas irmãs desfaziam-se em amabilidades e solicitude para O atender. Os raios do sol de uma inefável felicidade doiravam todo o ambiente daquela família de Betânia...

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CRIPTO. RFJ DA FAMÍLIA (III) 181

Quão ditosa é também hoje a família em que pai, mãe e filhos, cuidam desta amizade ardente e sincera, desta fidelidade santa a Nosso Senhor Jesus Cristo.

A desgraça também os pode visitar. Porque, onde está a família que não tenha também seus dias tristes? Mas são felizes também então, se podem orar deste modo: «Senhor, lembrai-Vos da nossa fidelidade para convosco: lembrai-Vos das promessas que nos fizestes junto do Altar, quando recebemos o santo sacramento do matrimónio, de nos dar graça e força para perseverarmos e Vos sermos fiéis.»

A família de Betânia, sentiu como as outras, o peso da desgraça, das horas críticas. Quem foi a sua ajuda nessas ocasiões? Cristo, o amigo da família. Lázaro cai doente. Jesus está longe. As irmãs cuidam com temor e carinho do doente, cujo estado se agrava a cada momento. «Senhor, aquele a quem amais, está doente»! É este o recado que mandam a Jesus. Jesus não chega.— Muitas vezes também me parece a mim que não me escuta! — Lázaro, entra em agonia: as irmãs pesarosas esperam a todo o momento a vinda de Cristo: mas Jesus não vem. Lázaro morre e Jesus não apareceu.

Não amava Cristo esta família? Oh! sim! E apesar disso, permitiu que a visitasse a desgraça e a desolação? Sim. mas com isso abriu-nos uma fonte abundante de consolação: sabemos que Cristo, ainda que não nos livre de todas as desgraças, sabe tudo quanto se passa, e que. se permite a desgraça, a dor, tem algum plano que nos favorece. Como diminuiria o número das famílias infelizes, como cresceria a paciência e a alegria no lar. se na adver­

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sidade todos acudissem a Cristo, isto é. permanecessem fiéis a Cristo, como a família de Betânia.

2.° Além disso: Fidelidade... mútualAo pensar na famiiia de Betânia, sentimos um ambiente

de paz: atenção tema, amor abnegado e perdão magnânimo das respectivas fraquezas humanas.

Na família, que guarda fielmente os mandamentos de Deus, embora por vezes baja pareceres contrários e leves deslizes — todos somos homens — não há rancor e sobretudo não há graves desavenças e muito menos divórcio!

O homem não esquecerá a recomendação de S. P aulo: «Os maridos devem amar suas mulheres como a seus pró­prios corpos.» (') — Como a seus próprios corpos! Se algum membro do corpo está doente, não o amputamos logo, nem nos apartamos dele, nem sequer arrancamos um dente que nos dói, mas procuramos curá-lo, obturá-lo.

Recordará também o homem o que. noutro lugar, diz o mesmo S. Paulo: «Maridos, amai vossas esposas e não as trateis com aspereza.» (“). Portanto, não devem amar­gurar a vida da esposa com ordens despóticas e tirânicas. Não foi do pé que Deus formou a mulher mas da costela, perto do coração, para significar que ela não é escrava, mas companheira.

Talvez aflore aos lábios de alguma das minhas amáveis leitoras um sorriso de satisfação. Sim, mas ouvi. estas outras palavras de S. Paulo: «As mulheres casadas estejam sujeitas ao seus maridos, como ao Senhor: porque o marido é a cabeça da mulher, assim como Cristo é a cabeça da * (*)

(') C ar ta aos Efésios, v, 28(*) C aria aos Colossenses. m. IQ.

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Igreja.» (‘) Santo Agostinho chama a atenção sobre o facto de que Deus não formou a mulher da cabeça do homem; portanto, não é ela que manda em casa.

Em poucas palavras: a mulher deve reconhecer no marido o senhor da casa, e o marido há-de tratar a mulher como verdadeira «consorte» isto é. intimamente unida à sua própria sorte, tanto nas alegrias, como nos pesares.

Fidelidade no matrimónio!Quantas mulheres cristãs, não se cobrirão de vergonha

ao pensar em Penélope, a pagã! Quem era Penélope? A esposa do grande herói grego — Ulisses. Partira este para a guerra, para o cerco de Tróia; e durante 20 anos foi Penélope assediada por cento e oito pretendentes, e de todos triunfou, permanecendo fiel a seu marido. Quando já não sabia que dizer para se desembaraçar deles, ocorreu­-lhe esta magnífica resposta: «Muito bem, quando acabar de tecer esta teia. resolverei.» E durante o dia, à vista dos pretendentes, trabalhava pacientemente, tecia sem cessar; mas de noite desfazia tudo quanto tecera durante o dia. Por fim. vinte anos depois, voltou seu marido.

Fidelidade no matrimónio!Os judeus do Antigo Testamento apedrejavam os que

cometiam o adultério: os egípcios pagãos flagelavam os homens adúlteros; e à mulher adultera cortavam-lhe o nariz: os árabes decapitavam o réu de tal delito: os espartanos não tinham pena marcada para o adultério. A sanção deste crime não vem nas leis de Licurgo nem a infidelidade é sequer mencionada. Perguntando um dia um estrangeiro a um espartano: «Como é que as vossas leis castigam o

f ) Carta aos E fésios, V, 22-23.

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adultério?» respondeu o espartano: «De nenhuma maneira, porque entre nós nunca se cometeu esse crime!»

Fidelidade no matrimónioJ

II

Mas se a vida conjugal harmónica e fiel exige tanto domínio das próprias paixões, tanta abnegação e espírito de sacrifcio, então — creio que não estranhareis o que vou dizer — temos de educar a juventude, os jovens e as rapa­rigas, de uma maneira mais consciente do que até agora, em relação ao matrimónio que os espera, à harmonia que deve reinar na fam ília à fidelidade que devem guardar até à morte.

Educar melhor os rapazes e raparigas para a vida do matrimónio?! Mas que novidade é esta? Sim: não se trata de uma atrevida inovação; trata-se de aprender as lições que nos dá a experiência.

l.° Não é difícil a primeira lição. Elnsina a expe­riência que na maioria dos casos há divergências e desgostos sérios entre os esposos, simplesmente porque não sabem sofrer com paciência, não são compreensivos, nem têm espírito de conciliação. Eduquemos pois a juventude desde a mais tenra idade para que nesta época tão egoísta, saiba suportar as debilidades, as imperfeições e defeitos alheios.

Eduquemo-la de tal sorte que não se acostume a dizer sempre: «foi ele quem começou», «é ele quem tem a culpa» mas que saiba dizer: «mea culpa, mea culpa»; sim, a culpa é minha.

Eduquemo-la para que neste mundo egoista não espere sempre a emenda do outro, mas que procure cada um

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CR/STO, REI DA FAMÍLIA (lll) I8S

corrigir-se primeiro a si próprio. Eduquemo-la para que saiba buscar não o que Ibes agrada, mas o que agrada aos outros.

E então se compreenderá que, se duas almas assim educadas se unirem pelos laços do santo matrimónio, um tal matrimónio será de barmonia e fidelidade, porque nenbum dos dois procurará a própria felicidade, mas a felicidade do seu consorte; e, com o desejo de fazer feliz o seu consorte, encontrará cada um para si a felicidade familiar mais íntima e firme.

2.° Outra lição de experiência, que devemos apro­veitar na educação da juventude. A causa de muitas discórdias conjugais está num temperamento que se melin­dra facilmente, na falta de domínio de si mesmo ou como costuma dizer-se com uma palavra da moda. nos nervos.

Não o nego... Os nossos nervos estão mal. O curso vertignoso da vida moderna vai roendo constantemente os nossos nervos. Mas nem por isso temos de considerar como nervos tudo aquilo que com mais acerto diríamos que foi precipitação, vontade fraca e falta de educação. É verdade que o sistema nervoso nas gerações actuais se encontra debilitado, não tem aquela segurança e firmeza que tinba o dos nossos antepassados; a consequência a deduzir é que devemos ensinar a juventude a dominar-se, a que seja serena, calma, que proceda só depois de reflectir e não por impulso da ocasião, dos nervos.

Se não têm domínio de si mesmo, uma futilidade, uma ninharia basta para que dois esposos comecem a discutir.

Se não têm domínio de si mesmo, uma futilidade, uma ninharia basta para que dois esposos comecem a discutir.

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«Olha, minha querida, que bem voam aquelas duas gralhas»... (') «Sim, responde a esposa, eu vejo. eu vejo. mas. não são duas, são três». «Como são três? São só duas». «Duas? então, não disse eu. que são três»! «Mas é que só são duas»! «Oh! nunca posso ter razão nesta casa! (e a mulher começa a choramingar). Apesar de tudo. são três. sim exactamente três».

E por desfecho: «Não posso aqui viver, vou para casa da mamã.» Séria inventada pelo poeta esta história? Infelizmente. não. copiou-a da vida.

Devemos educar-nos para dominarmos as nossas emo­ções. para sofrermos com paciência, para dominarmos os nossos próprios nervos.

Sócrates dá-nos um nobre exemplo. Em certa ocasião sua esposa Xantipa. de carácter azedo e iracundo, começou logo de manhã a injuriá-lo. A tempestade de insultos chegou ao seu auge. e Sócrates sem responder palavra, abre a porta e sai de casa.

A mulher enfurecida, chega à janela e deita-lhe uma bacia de água sobre a cabeça. Sócrates. pára. olha para cima, e assim todo molhado, diz com toda a calma: «Já o esperava, porque depois do trovão, costuma chover...»

E não terminaram as lições da experiência.3.° Se eram importantes as anteriores, a que desejo

expor agora, é-o ainda mais.O fundamento mais sólido da harmonia e fidelidade,

que deve reinar na família, é que os nubentes se aproximem do altar em que hão-de prometer eterna fidelidade, com o

(') Alude o autor à poesia intitulada. H árom u daru. São três as

gralhas — do grande poeta húngaro Iompa. (N . do trad . esp.J.

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níveo manto de uma juventude inocente. A Igreja católica é inflexível neste ponto: se tem em alta estima a vida matrimonial, considerando-a um ideal sublime elevado à dignidade de sacramento, abomina todo o acto sexual fora do matrimónio, condenando-o como crime e como revolta contra Deus. E não faz distinção entre homem e mulher.

O mundo moderno desculpa com benevolência certos deslizes, se sâo do homem, pelos quais desprezaria a mulher. Não; Nosso Senhor Jesus Cristo não nos outorgou duas classes de moral, uma para os homens e outra para as mulheres.

A vida completamente pura e continente, antes do matrimónio, obriga do mesmo modo o homem e a mulher. Como cresceriam o número das famílias felizes neste mundo, se todas cumprissem estas leis da Igreja!

Pais, educai a vossos filhos na pureza antes do matri­mónio! Defendi as raparigas, mas não estão dispensadas de me ouvirem. Ainda que no fim do capítulo também hão- de ouvir o que merecem. Quero chamar a atenção para uma das muitas causas de altercações, amarguras e divórcios: o luxo da mulher, o teor da vida em que se põe, onde se mostra o seu desejo de brilhar. Sei que esta frase levantará protestos e censuras, mas não importa: devo dizer o que sinto. Disse também, que deviamos educar a juventude para que tenha uma vida pura; e agora acres­cento: eduquemos as raparigas para que moderem as suas pretensões, para que sejam sóbrias nos seus desejos.

Diz um escritor que a mulher moderna deita, com facilidade, pela janela, três coisas: o tempo, o dinheiro e a saúde. Julguei a principio que isto era um exagero. Mas. depois li uma estatística: segundo os dados oficiais.

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as mulheres gastam nos Estados Unidos, trinta milhões de dólares por dia em cosméticos, ou seja, cada mulher gasta em enfeites três vezes mais do que gasta em comida. Eu não sei o que pensam os jovens da América. Talvez as donzelas americanas sejam tão feias que necessitem de tantos pro­dutos de beleza; ou talvez seja o que pensam e dizem alguns jovens europeus: «Eu não me atrevo a casar-me, não me quero aventurar a um jogo tão ruinoso.»

Sim, aqui na Europa, é o que pensam os jovens.Por toda a parte se ouvem queixas de que os jovens

não se casam. Mas sejamos justos; não será talvez porque as raparigas, terrivelmente exigentes, lhes metem medo? «Mas isto é intolerável, é para cair doente, vê que vestido tão lindo tem a minha amiga. E não tens dinheiro para mo comprar? Mas se é necessário arranjá-lo!...» «Sabes? F. tem um automóvel novo... isto não pode ser, compra-me também um; para isto há-de haver dinheiro».

E podíamos continuar...É forçoso educar a rapariga moderna para uma vida

modesta, moderada, simples.Sei que muitas jovens ao ouvirem tais frases estremecem

e desculpam-se: «Se fôssemos modestas, simples e sóbrias no vestir, então ninguém olharia para nós e não nos casa­ríamos...»

Quem assim discorre talvez ignore que a juventude moderna é diferente da antiga; que há um sector de jovens que depois das lutas vitoriosas dos anos críticos se apre­sentam ante o altar com a alvura de uma vida inconta- minada; que há jovens para quem a carta de recomendação não é o penteado ò la garçonne, não é a liberdade desen­freada nas palavras mas a delicadeza de uma alma feminina,

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C R ISTO , REI D A FA M ÍU A (III) 189

e uma fina educação; que não consideram «bota de elástico» nem «arcaica», a rapariga que não se pinta e que não sabe dançar o cbarleston; que não vêem com agrado o cigarro em lábios femininos; mas buscam com afã uma rapariga modesta, que não aumenta sem tom nem som a factura da costureira, que não se importa com bares nem mesmo com bailes, mas. em paga, é compreensiva, amável, e saberá ser boa para com seu marido, mãe abnegada de seus filhos, perfeita dona de casa e enamorada do seu lar.

Sim, se houvesse assim muitas raparigas, a grande crise da vida da família moderna, estava resolvida.

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CAPÍTULO XV

Cristo, R ei da F am ília (IV)

o n h e c e m os meus leitores a história de Catarina Jagello. esposa de um príncipe finlandês? Bem

merece esta mulher heroica que encetemos este capítulo com o seu nome. Vínhamos tratando da grave crise que atravessa a família, e com o presente capítulo terminaremos tão importante tema.

Contudo, falta-nos ainda tratar o ponto mais escuro e doloroso da questão, a parte mais grave do problema, a chaga que penetra os ossos e rasga a came viva, que mais faz sofrer a humanidade e cujas funestas consequências arrastam toda a sociedade à beira do abismo, a horrenda chaga do divórcio.

Quem era Catarina Jagello? A esposa de João Wasa, príncipe da Finlândia. Os suecos cativaram o príncipe e condenaram-no a cárcere perpétuo em Estocolmo. Catarina acudiu a toda a pressa a Estocolmo e disse ao rei da Suécia: «Majestade, permita-me que eu fique também encarcerada com meu esposo.»

— Mas que lembrança, exclamou Erich. o rei sueco. Sabe que seu esposo não voltará a ver a luz do sol?

— Sim. majestade, sei.— E sabe que. além disso, não será tratado como um

príncipe, mas como um rebelde, que cometeu um crime de lesa majestade?

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— Sim, sei-o, majestade; mas livre ou prisioneiro, ino­cente ou culpado, João W asa é meu esposo.

O rei, sentiu-se comovido.— Mas. eu creio, disse ele a Catarina, que a conde­

nação do rebelde rompe os laços com que a ele estava atada... portanto, desde hoje é livre.

Como resposta, Catarina tirou do dedo a aliança do casamento e disse simplesmente: — «Leia. majestade.»

Na aliança estavam gravadas estas palavras: Mors sola — só a morte. E Catarina entrou na prisão e viveu durante dezassete anos no cárcere ao lado de seu esposo; então jnorreu Erich e João W asa recuperou a liberdade.

Mors sola! Só a morte pode separar-me dele. Robusto ou doente, rico ou pobre, livre ou prisioneiro, belo ou feio, amável ou caprichoso... não importa; ele é o meu esposo e nada me separará dele, a não ser a morte.

MORS SO LA ! SÓ A M O RTE!

** *

Compreendeis, pois, por que comecei este capítulo com a história desta mulher heroica, desta mártir da fidelidade conjugal: para que fique bem em evidência a espantosa frivolidade que envenena o pensamento da sociedade, quando se trata da fidelidade dos consortes.

O que mais espanta é que este mal terrível não devasta só o campo dos incrédulos, mas em muitos pontos rompeu os diques da Igreja e inundou muitos países católicos.

Nalguns países de arreigadas tradições cristãs, há um número exorbitante de divórcios. Ficamos pasmados, ao

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CRISTO, REI DA FAMÍLIA (IV) 195

darmo-nos conta do ponto a que chegámos; e com vergonha reconhecemos que os antigos povos pagiôs ttnham enTi^iT conta o matrimónio que os pagãos modernos.

Os antigos pagãos sentiam-se dominados por uma certa emoção e cheios de respeito ante a misteriosa origem da vida.

Eles honravam não só as fontes da água cristalina mas também a fonte da vida. o matrimónio. Quando se uma o homem com a mulher, parece que tinham consciência de que os nubentes colaboravam com o Criador e rodeavam as cerimónias de religiosidade e mistério.

Mas hoje vemos com tristeza que o que honravam os mesmos pagãos, o que Cristo elevou à dignidade de sacra­mento. o que S. Paulo qualifica de «grande mistério», ê agora desprezado. A honra e o respeito da união matri­monial quão baixo se cotizam nos tempos que correm! Parece que chegámos ao lastimoso estado de decadência de Roma. quando as mulheres não contavam os anos «ab urbe condita» desde a fundação da cidade, mas pelos maridos que haviam tido! Hoje também se casam os homens para se divorciarem, e divorciam-se para se casarem.

Sera preciso aduzir algum exemplo, algum dado. algum número? Por detrás dos dados estatísticos, descobrimos a terrível miséria moral que nos envolve.

Nos Estados Unidos, durante os últimos cinquenta anos houve 2.500.000 divórcios. Que significa este número exorbitante? A proporção é a seguinte: Em Ohio por 5.4 matrimónios há um divórcio; em Oregon 2. 6; e numEstado em 1.000 divórcios encontramos apenas 900 casa­mentos!

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Para chegar à Rússia soviética não há mais que um ^ s s o Até ainda'fiá pouco, registavam-se os matrimónios,

agora nem sequer isso se exige. Um homem vai à polícia, puxa pelo seu bilhete de identidade, e a n o ta -C a s a d o - sobrepondo-lhe o selo branco, e está casado - Com quem Não importa, com quem quiser. Até quando? Ate quando quiser. Tal é a notícia publicada em 19 de Novembrode 1926. pelo jornal holandês Maasbode.

«Mas isto é na América e na Rússia sov.et.ca; entre

nós. porém, não é tão grande o mal».Não é tão grande o mal. Mas as coisas encam.nham-se

para lá e isto é uma verdade que todos vêem. bastar,a confrontar as estatísticas de certos Estados europeus para nos convencermos disso. Perguntaram um d,a a um ca lheiro: «Olá. então, disseram-me que ias sery.r de test - munha no casamento da Hortênsia...» E ele responde: «Mas não é neste, a minha vez ficou para o segundo ou

terceiro casamento.» . .Será por acaso um exagero do temor, um pess.m.smo

sem razão?Oxalá fosse assim: mas não o creio.Observemos o ambiente. Homem e mulher começaram

a ralhar. Nada de particular, fraquezas humanas; mas ralham e zangam-se por umas ninharias, terminando muitas vezes: «Pois sim. se não esiás contente, dlvomemo-nos.

sim, divorciemo-nos.» ,Ouçamos um de tantos casos que se passam na vida.

Um casal vai ter com o sacerdote e pede que os «case» E com uma ingenuidade desconcertante, contam que «ele» já esteve casado com «outra» e «ela» com «outro, e porque eles eram insuportáveis, por i*so se divorciaram, e apre-

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sentam o documento oficial do Estado. Divorciaram-se... e agora querem casar de novo!

Instala-se na aldeia um novo vizinho, ou chega um novo empregado público à pequena aldeia da província. Visita o pároco e este retribui a visita. E depois sabe-se o caso: duas esposas este o cavalheiro e um marido a senhora antes deste matrimónio... protestam que têm vivo interesse pela próquia. e que serão seus filhos muito fiéis Perante a lei civil, tudo está em ordem; tinham-se simples­mente divorciado!» ...S im ; simplesmente!

Ao passardes pela rua. escutai as conversas daquelas raparigas de dezasseis anos. que vão ou vêm do Liceu, com os seus livros debaixo do braço, falando com toda a natu­ralidade... Falarão de matemática, de física?... O h! não; esta foi a frase que ouvi: «Sabes? quado se tem um marido assim,n ão há outro remédio, senão o divórcio...» Sim. simplesmente o divórcio!

II

Q ue diz do divórcio N osso Senhor Jesus Cristo? Que diz do divórcio o sentimento d a honra, a própria natureza do hom em ?

Antes de tudo. não se pode duvidar de que o Criador instituiu o matrimónio com uma aliança indissolúvel entre um só homem e uma só mulher. No Antigo Testamento havia o libelo de repúdio; mas então, ainda o matrimónio nao era sacramento, e Deus, somente por razões especiais. tolerava esse repúdio.

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196 )ESUS CRISTO REI

Mas Jesus Cristo elevou o matrimónio à dignidade dc sacramento e restituiu-lhe o seu primeiro estado de pureza ideal, a unidade e indissolubilidade.

A lei de Moisés permitia, em certos casos, o divorcio; perguntaram um dia os fariseus ao Senhor: «É licito, a um homem repudiar sua mulher por qualquer motivo?» hntáo pronunciou Nosso S e n h o r aquelas palavras para sempre memoráveis: «Por causa da dureza do vosso coração per mitiu M oisés repudiardes vossa smulheres; mas desde o princípio não foi assim ('). O que Deus uniu, não o separe o hom em Assim, pois, declaro que quem repudiar sua rnidher.. . e se casar com outra, este tal com ete adultério, e quem se casar com a divorciada tam bém o com ete.» { )

E que assim o tenham compreendido os Apóstolos, demonstram-no as palavras de S . P a u l o : «Uma mulher casada está ligada pela lei a seu marido, enquanto este viver- e por isso será adultera, se em vida de seu marido, se juntar com outro homem.» (4) Não se pode ser mais claro.

O que pode fazer a Igreja, é permitir a separaçao dos cônjuges, mas não dissolver o matrimónio de maneira que os cônjuges possam contrair novas núpcias. <As pessoas casadas mando, não eu mas o Senhor, que a mulher nao se separe do marido, e se se separar, não posse a outras núpcias, ou então reconcilie-se com o seu m ando». { I * (•)

( ') S . Mateus, xix. 8.( ’ ) Idem. XIX. 6 .

(’ ) Idem. xix. 9.(•) Rom.. vil. 2 . 5.(s) 1.” Carta aos C orínlios. vil. 10.

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CRISTO. REI DA FAMIUA (IV) 197

2.° Se reflectirmos serena e detidamente sobre esta maneira severa de proceder do catolicismo, a mesma razão nos dirá que a Igreja não podia proceder de outra forma. A dignidade do homem, o bem da sociedade, o bem dos filhos opõem-se terminantemente ao divórcio.

a) A dignidade do homem. No matrimónio, dois seres entregam-se mutuamente em união tão estreita e tão íntima que não podemos conceber união mais profunda: *lch bin dein, wie du m ein l», como dizem os alemães — «eu sou teu. como tu és meu».

Mas que seria da dignidade, da honra do homem, se esta entrega se fizesse só por algum tempo? Se o marido pudesse lançar fora de casa a esposa, como se deita fora um fato velho e usado, então o homem rebaixar-se-ia ao nível de qualquer mercadoria: e no mundo em que triunfa a maldade, e o matrimónio se dissolve por mero capricho, cessa toda a vida humana, no sentido nobre da palavra, a sociedade, deixaria de ser «sociedade humana».

b) Se tirais os arcos ao tonel... cairá todo em pedaços. O aro d a sociedade é a indissolubilidade do matrimónio. Se se desfaz a família, desmorona-se a sociedade. Não pode haver entrega completa, colaboração mútua, se ambas as partes podem a cada momento esperar que o outro o abandone.

c) E chegamos a um dos pontos mais dolorosos. Que será dos filhos, cujos pais se divorciam?

Sinto estremecer o coração sempre que em meu caminho encontro estas pobres criaturas. Um professor de instrução religiosa encontrou-se. um dia, com uma sua discípula. rapariga de dezasseis anos. e travou com ela o seguinte diálogo.

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198 IESUS CRISTO REI

— Como está a Menina?— Muito bem, obrigada.

Que novidade há por casa?— Há já bastante tempo que não fui a casa. Como

sabe. vivia com minba mãe, que se divorciou e casou de novo. Meu padrasto não gostava de mim. Minba mãe voltou a divorciar-se e casou pela terceira vez. Não tenho coragem para a acompanhar à nova casa.

Entáo volte para a casa de seu padrasto.— Não posso. Meu pai casou-se também, tem filhos,

e não quer ver-me em sua casa.E então, para onde vai agora?Estou viajando com minha governanta. vou daqui

para ali. sem ter rumo fixo. — E uma lágrima furtiva embaciou o olhar límpido da pobre rapariga inocente, sem lar nem defesa.

Viste, amado leitor, um passarinho que a tempestade arrojou do seu ninho? Como pia com medo do mundo que o rodeia! Assim se passa com as pobres crianças abandonadas. — Para onde bei-de ir? Para junto de meu pai? Mas como. se junto com ele está uma mulher que não é minba mãe? Para junto de minha mãe? Mas. o homem que está a seu lado. não é meu pai...

/ obres crianças, seus pais ainda uivem, e contudo sáo uns pobres órfãos. Q ue tristeza profunda e desalcntadora sentem na alm aI

Pais, vós, que discutis, vivendo em contínua discórdia, preparando o divórcio, se não houver outro motivo capaz de vos deter, pensai em vossos filhos antes do passo funesto.

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CRISTO. REI DA FAMIUA (IV) 199

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Sabemos já o que é o divórcio.«Sim. já o sabemos, dirá alguém; os princípios são

sublim es, mas a vida! O h! a terrível vida destrói todos os princípios, todos os ideais».

l.° Cremos, sabemos que o matrimónio é indissolúvel; muito bem. M as... e se não foi acertado o matrimónio? Também então é indissolúvel? Algumas vezes encontramo­-nos na vida em situações terríveis. Não bá sofrimento na terra, não bá inferno semelhante a um matrimónio infeliz. E não poderá dissolver-se? Pelo menos, nestes casos, deve ser permitido o divórcio. Uma mulber meiga, pura de coração, tem um marido rude, bêbado, que a maltrata; um esposo diligente, trabalhador tem uma mulber pecadora, pródiga... a vida é um inferno. E não poderá dissolver-se o matrimónio?

Realmente, bá coisas terríveis na vida. Contudo, o matrimónio permanece indissolúvel. Não se pode permitir o divórcio. Não se pode romper o vinculo de maneira que seja lícito passar a outras núpcias, porque, se uma vez se permitisse, a ruina seria completa. Se o vestido começa a romper-se, quem poderá evitar que se deteriore por com­pleto? Os esposos apartar-se-iam, talvez nos momentos mais críticos, quando mais um necessitasse do outro, na doença, na velhice... Abundam os exemplos. A legislação civil moderna permite o divórcio. Ora, quanto mais fácil é o divórcio, tanto mais aumentam as contendas. Se soubessem que não se podiam divorciar, que haviam de viver juntos até à morte, então mais fàcilmente se amoldariam. Mas

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200 IESUS CRISTO RFJ

asim, basta a mais leve futilidade para prorromperem as queixas: «Não te agrada? Pois divorciemo-nos!»

Não esqueçamos que o Matrimónio é um sacramento. Os que o contraem recebem graça especial para serem fortes e bons nos dias felizes e nos dias infelizes, contanto que tenham boa vontade: e assim, com a graça de Deus, também os matrimónios, que não foram acertados, podem com tino e paciência suportar-se.

2.” Mas, se eu já não amo o meu consorte, hei-de sofrer tão horrorosamente em sua com panhia? N ão tenho por acaso direito à felicidade? Q ue será da minha vida? N ão é isto uma injustiça, uma crueldade?...

Meu irmão, compreendo-te, é a amargura que exacerba o teu coração e dita estas palavras; não sabes o que dizes. Falas como se não acreditasses na outra vida, na vida etema.

Poderá Deus ser cruel, injusto? Bem sabia Ele quantos sofrimentos haveria no matrimónio, e, não obstante, decretou a sua indissolubilidade. Nosso Senhor Jesus Cristo não é cruel, mas pede-nos sacrifícios, não só nesta modalidade de vida. mas em todos os estados. Ele quer que nós prefiramos sofrer a pecar. Quer que soframos antes que reneguemos a nossa fé. Às vezes exige o nosso sangue, a nossa vida, como nos mártires; outras vezes exige os sofrimentos, com o no caso dos esposos infelizes. E não por mero capricho, nem por próprio interesse, mas para bem da colectividade. para bem e proveito da humanidade.

«Parn bem da colectividade? Mas, primeiro, está a miha felicidade! Q ue me importa a sociedade? Eu vivo para mim, quero ser feliz!»

Não, não tens razão. A cada passo podemos constatarque o indivíduo tem que se sacrificar pelo bem comum. És

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CRIPTO, REI DA FAMÍLIA (IV) 201

médico? Sacerdote? Pois tendes que ir visitar o doente ainda que a doença seja contagiosa e vos custe a vida. És soldado? Tens de permanecer fiel no teu posto, ainda que tenhas de morrer.

Poderá um soldado vangloriar-se da sua bravura no tempo de paz. e esconder-se em casa ao estalar a guerra? h. será lícito aos esposos, enquanto se adoram, darem-se todas as manifestações de amor na intimidade do lar. e ao saltar o fogo da primeira discórdia, abandonar tudo e correr para casa dos pais?

N ão, o matrimónio não se pode dissolver.3.° «Então a Igreja nunca o dissolve? Mas eu conheço

uma pessoa que se casou segunda vez. — Pela Igreja?! — Sim, numa igreja católica... E aí esta o conde X e o príncipe Y. cujos matrimónios foram dissolvidos; o que se necessita é de muito dinheiro...»

Com demasiada frequência se ouvem tais acusações. Quero ser sincero. A Igreja nunca dissolveu um matrimónio válido e consumado. — «Sim. mas a tal pessoa, de quem falo. conseguiu-o e casou-se segunda vez...»

Se se casou, não foi dissolvido o seu primeiro matri­mónio, mas porque não houve matrimónio válido, a Igreja simplesmente declarou a sua invalidez; e não era válido, porque havia algum impedimento dirimente.

Portanto, ainda que haja pessoas que se casam pela segunda vez na Igreja, vivendo seu consorte, isso só significa que o primeiro matrimónio não era válido. Nem um só caso há em toda a história, duas vezes milenária, da Igreja, em que o matrimónio válido e consumado tenha sido dissolvido.

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202 JESUS CRISTO REI

*

* *

Esta é a doutrina da Igreja acerca da indissolubilidade do matrimónio.

Na história da Igreja repete-se com frequência a cena dramática que sc desenrolou entre S . Joáo Bapista e Herodes e custou a cabeça àquele.

Herodes Antipas repudiara sua mulher legitima e intentou contrair segundas núpcias com Herodias, a mulher de seu irmão Filipe, que ainda vivia. S . João. sem temor, lançou em cara ao tirano a tremenda acusação: «Não te é lícito ter por esposa a mulher d e teu irmão.» (') E que sucedeu? S. João Baptista foi encarcerado, condenado à morte, ao martírio e o profeta deu a sua vida pela indisso­lubilidade do matrimónio...

Há dois mil anos que este episódio trágico se repete, porque a Igreja é obrigada a permanecer inflexível e muitas vezes teve que fulminar anátemas em favor da indissolu- lubiiidade do matrimónio, mesmo quando previa que a sua inflexibilidade seria causa da separação de países inteiros e a sua firmeza só Ibe grangearia incompreensão, desprezo e a perda de muitos dos seus filb OS.

Não importa. Não podia comportar-se de outra maneira. E se assim não procedesse, apostataria de Cristo.

Agradeçamos à nossa mãe a santa Igreja esta seve­ridade. Parece dura a sua atitude inflexível, parece difícil a sua lei. mas não pode ceder. E todo o homem sério devia beijar-lhe as mãos. No meio da confusão das debilidades

(*) S. M a rcos , v i, 18.

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CRISTO. R B DA FAMÍLIA (IV) 205

humanas, do egoísmo, de ideias que se entrechocam, a Igreja mantém-se fiel em sua convicção, e enquanto a sociedade em decadência proclama o divórcio, enquanto todas as religiões o permitem, só a nossa religião sacrossanta é a única que permanece fiel às palavras de seu divino fundador, J esus C risto: «O qu e Deus uniu, o hom em não o pode separar.* Muito bem sabe a Igreja que da indisso- lubildade do matrimónio nascem muitas amarguras e sofri­mentos: mas sabe também que, se o matrimónio se pudesse dissolver, ainda se seguiriam males maiores, e que neste mundo não podem os viver sem a cruz de N osso Senhor.

Com que leviandade, se pronunciam hoje estas pala­vras: «Se não te agrada, divorciemo-nos»!...

Como. divorciemo-nos? E não te lembras do juramento que fizeste, adornada com o branco véu nupcial, diante de Cristo crucificado?

Divorciemo-nos! E não vês as terríveis tragédias que vai causar este passo desesperado?

Divorciemo-nos! E não vês como te olham teus filhos, com os olhos rasos de lágrimas, teus filhos, que ficarão órfãos antes da morte de seus pais?

Divorciemo-nos! E não vês que os escombros do lar familiar, que se esboroa, sepulta irremediavelmente a socie­dade. a cultura, a civilização?

Divorciemo-nos !N ão, não queremos o divórcio. Não digas: zangámo­

-nos, não nos podemos sofrer, tu para a direita e eu para a esquerda... mas diz: dá-m e a tua m ão... assim ... e agora vamos am bos a Cristo.

Jesus Cristo é o médico, o santificador, o Rei d a fam ília moderna que passa por crise tão aguda.

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.C A P ÍT U L O XVI

Cristo, R ei d e D ores

. . . « // O ouvirem isto, apanharam pedras para lhe atira-C / C rem; mas Jesus escondeu-se e saiu do tem plo.>(')Que triste drama ocultam estas palavras! O drama

emocionante da humanidade de então e da dos nossos dias.Será realmente verdade, a terrível acusação de que

atiramos pedras Àquele que nos cumula de benefícios?Pesará sobre nós a espantosa maldição de olharmos

com má vontade para os melhores?Será real a incrível cegueira com que os homens, num

grito de rebeldia, lançaram em rosto a Nosso Senhor Jesus Cristo: «Não queremos que ele reine sobre nós» e que o Senhor se escondeu e fugiu do meio dos homens?

E. não é só o Evangelho que denuncia a nossa mal­dade. Demonstra-a também a vida moderna. A vida actual é uma prova de rebelião do homem contra Cristo; mostra como Cristo se esconde, como se afasta... Mas também mostra onde chega a humanidade, se esta agarra em pedras para as arremessar contra o seu Rei. contra Jesus Cristo!

C) S. Jo ã o , viu, 59.

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206 JESUS CRISTO REI

Nosso Senhor foi Rei de dores, não só durante a sua vida mortal, mas também em nossos dias sofre muito de nós. Não foi somente o povo judeu, cego, obcecado que o ape­drejou. mas também o apedrejam os milhares de pecados d a vida moderna. E apesar disso, este Rei de dores é o amparo e a fortaleza dos povos antigos como dos modernos; E le é a única esperança da hum anidade, que cam inha às apalpadelas, u beira do abism o.

Este será o assunto do presente capitulo; coloquemo- nos junto à cruz de Cristo. Rei aflito, e se notarmos que esta santa cruz vacila, ou, o que é pior, se a encontrarmos tombada, procuremos com um amor ardente, levanta-la de novo.

I

Se lançarmos um olhar sobre a história da humanidade, notaremos, com assombro, o sem-número de vezes que os homens repetiram a cena a que aludem as palavras do Evangelho: apanharam pedras contra Cristo. Quantas vezes ressoou a terrível frase de Sexta-Feira Santa; «Não qu e­remos a este por nosso Rei!» Quantas vezes se reproduziu a cena no decorrer de dois mil anos!

Infelizmente. não foi só no passado. Hoje. nos nossos dias, quantas vezes ouvimos: «Não queremos a este por nosso R ei!» «Não queremos», gritam os esposos modernos, «a religião não tem nada que ver com o matrimónio; serei feliz como eu quiser».

«Não queremos», grita a juventude frívola; «gozemos e esgotemos a taça dos prazeres. O sexto mandamento?!

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CRISTO. REI DE DORES 207

Ah! Isso são velharias da Idade Média, invenção dos padres!»

«Não queremos», gritam em muitos países os políticos; «a religião não tem nada que ver com a política. O Estado moderno não pode ter em conta as leis da religião».

«Não queremos», gritam os homens sob a m áscara da ciência; «a ciência moderna prova que os dogmas e as verdades religiosas não podem subsistir».

«Não queremos», gritam os pintores, os escultores, os aristas. «Como? a religião atreve-se a proibir e a acusar de imorais as nossas produções artísticas? Onde está, pois «a arte pela arte»? «Que tem que ver a moral com a arte? Ao artista não se lhe podem atar as mãos com leis anti­quadas e velhas».

«Não queremos»! grita a literatura, a imprensa; «o lite­rato não pode submeter-se hoje aos moldes antiquados da moralidade».

«Não queremos»! gritam os banqueiros, os comer­ciantes, os industriais; «a vida moderna industrial e comer­cial não pode ser travada pelos dez mandamentos».

«Não queremos»! grita o operariado obcecado; «a reli­gião só serve aos capitalistas e não se preocupa com os pobres».

Pobre Cristo! Rei de dores! O lhai do alto da cruz. Estão todos contra V ós? Q ue Vos resta? Os parlamentos não são Vossos: os teatros, os cinemas, ainda m enos... A imprensa não é Vossa... Nem são Vossos os edifícios dos bancos, nem as fábricas, nem as lojas, nem as famílias... Que é que vos fica? Somente a igreja, o sacrário.

E se os maus Vos apedrejam aí, não tendes outro refúgio. Mas aí permanece firme, neste último lugar de refúgio.

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2 0 8 JESUS CRISTO REI

O Sacrário ainda é seu; e dali. o Rei de dores empreende o seu caminho de conquista. Quando parecia que a Cruz de Cristo jazia por terra e que ficaria sepultada sob o pó do esquecimento e sob a lama da impiedade; quando os homens estavam prestes a adorar as divindades pagãs em vez de se prostrarem diante da Cruz de Cristo; então, em nossos dias. Cristo deixou seu refúgio santo, o sacrário, para reconquistar e curar a humanidade doente.

Os romanos tomaram e destruíram Jerusalém no ano 70, arrazaram e cobriram de imundícies os lugares santos do Cristianismo. Destruíram o sepulcro de Nosso Senhor; e erigiram no Gólgota. onde Jesus, no meio dos sofrimentos da cruz. consumou a nossa redenção, um templo a Vénus e a Júpiter, colocando as suas estátuas no alto do Calvário. N o mesmo lugar da cruz de Cristo, as estátuas das divin­dades pagãs! O imperador Constantino e a imperatriz Helena destruíram o templo pagão e fizeram escavar a terra e separar os escombros dos lugares sagrados. Depois de um trabalho fatigante e continuado, descobriram o santo sepulcro... as três cruzes, os cravos e a inscrição. Três cruzes! E qual seria a do Salvador? Certamente uma das três. Mas qual? Não o sabiam. Então, tocaram com as três cruzes num doente em estado grave, e ao contacto com a terceira, curou-se repentinamente. Encontrámos a Cruz de Cristo! foi o grito triunfante que saiu de todos os lábios em toda a cristandade. Temos a cruz de Cristo!

A cruz de Cristo tocou um enfermo e ele ficou curado! Haverá entre nós alguém doente? Não há um só doente, mas todos nós estamos doentes, está doente a sociedade humana. O h! também hoje vemos ídolos no lugar da cruz de Cristo... queremos curar-nos?

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CRISTO, REI DE DORES 209

Não há outro meio: levantemos a cruz de Cristo em todos os lugares onde estava antes e donde foi tirada pelos idolos do paganismo.

II

l.° Em primeiro lugar, temos de levantar a cruz que está derrubada em nossa própria alma, na nossa vida mais íntima.

E qual será a consequência? Se a cruz de Cristo for firmemente plantada em minha alma. então terei uma coluna sólida a que me agarrar no meio das terríveis tem­pestades da vida.

Cristo, o Rei, foi crucificado. Parecia que toda a sua obra havia de acabar... Acabou? O h! não. Foi então precisamente que tomou posse do seu trono. Vós, soldados, sem alma. que o coroastes de espinhos, sabíeis o que estáveis a fazer? Não, certamente. Vós, que por escámeo dobráveis o joelho diante d’Ele; Pilatos, que ordenou fosse colocada na cruz a inscrição: nfesus Nazareno. Rei dos judeus» ... sabíeis o que estáveis a fazer? Não, certamente: nem suspeitáveis que naquele momento o império romano agonizava para dar lugar ao império de Cristo.

A cruz era noutros tempos uma afronta, uma ignomínia; agora todas as bênçãos são dadas com o sinal da cruz. Cruz santa! Quantos milhares de olhares perturbados, se têm voltado para ti em busca de conforto e força! Cruz Santa! Quantas vezes senti eu também vibrar em minha alm a a tua força bendita, que nos eleva às alturas! No alto do monte estava a cruz. As almas verdadeiramente cristãs

14

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210 JESUS CRISTO REI

sentem o atractivo da Cruz. Corações ao Alto! Quem não a experimentou, quando se desencadeia a tempestade das paixões, e se acolhe à sombra da cruz, essa energia divina, que nos eleva às alturas de uma vida mais digna e mais nobre?

Todo o cristão, que sofre e luta, conhece de algum modo por experiência o caso de S . Wenceslau. Numa noite de inverno, debaixo de neve, visitava o santo rei, descalço, todas as igrejas da sua capital. Um criado, que o acom­panhava, queixava-se que tinha muito frio. «Põe os pés. diz o Santo Rei, onde eu ponho os meus. e não sentirás frio». E o lacaio sentiu de repente que as pegadas do santo Rei despediam um suave calor no caminho coberto de neve. e não teve mais frio.

«Meus filhos, nos diz o nosso Rei crucificado, estais tristes? Queixais-vos de que é difícil, terrivelmente difícil, o caminho da vida? O lhai! ponde os vossos pés. onde eu pus os meus. Vereis como tudo se suaviza; se vos agarrardes à minha cruz. jamais caireis».

Primeiro que tudo, temos de levantar a cruz na nossaprópria alm a!

2.° Ergamo-la também na fam ília.A família modema envergonha-se da cruz.Não cora, não se envergonha de ter quadros de nus;

a nudez... passe, mas a cruz de Cristo? Ah! isso não fica bem num salão moderno. «Soído piodem o»! Que é um salão moderno? É a idolatria do dinheiro, do orgulho, da vaidade, da sensualidade, do amor das comodidades... O salão moderno não é muitas vezes senão a oficina dos sete pecados capitais... Claro, que ali não há lugar para o Crucifixo.

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CRISTO. REI DE DORES 211

Belos tempos em que o Crucifixo era o mais belo adorno dos lares cristãos! Os filhos cresciam sob os olhares de Jesus na Cruz, dava novas forças ao pai cansado do trabalho, e servia de alento à mãe ocupada nos trabalhos domésticos.

Hoje o crucifixo desapareceu da família. E porquê?Porque a cruz só pode estar, onde vive o espírito de

lesus crucificado. Mas este espírito é espírito d e caridade, é espírito de sacrifício; e na família moderna ele foi des­truído pelo flagelo da falta de amor e do egoísmo. Que nos diz o crucifixo? «Primeiro, os outros, depois, eu!» E que nos ensina o egoísmo moderno? «Primeiro, eu... depois, eu. e só depois, os outros!» Poderemos conciliar estes dois espíritos?

A família sinceramente cristã é muito diferente da famíl ia que vive à moderna. A família cristã apoia-se no espírito de sacrifício. Que significa ser pai cristão? Traba­lhar para os outros desde pela manhã até à noite. Que significa ser mãe cristã? Andar de sol a sol atarefada para os outros. Que significa ser filho cristão? Obedecer com respeito e amor aos outros, aos pais; primeiro, meus pais, só depois, eu.

Mas. que acontece com a família modema? Não há crucifixo em parte alguma da casa. Porquê? Porque todo o am biente é tal, que não quadra bem com ele o crucifixo, que só nos recorda sacrifícios. Q uê?... «Gozar e gozar quanto se puder e sacrificar-se o menos possível», este é o lema da vida modema. Por isso não quer filhos a família moderna e se algum tem, dá-lhe uma educação mole. efemi­nada, egoísta, sensual, amimalhada, falta de todo o vigor

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212 JESUS CRISTO REI

e energia tonificante; daí o desfazer-se da família, daí o agonizar da vida de família.

Ó Jesus aflito, salvai as nossas fam ílias agonizantes, ensinai-lhes de novo o espírito de sacrifício!

Tem os de erguer a cruz no meio d a fam ília!3.° E também na escola.Todas as escolas foram fundadas pela Igreja, desde as

primeiras letras às Universidades. A família é a educadora natural dos povos; a Igreja a sua educadora sobrenatural. Quem tem. pois. o direito de educar os filhos? O pai. a mãe e o sacerdote. Só à som bra da cruz poderem os educar as crianças para a honra, para a perseverança, para o amor do trabalho e para a pureza da vida.

Quem visitar o Cairo, surpreende-o a sua vida univer­sitária. Passam de quarenta mil os seus estudantes maome­tanos. Chega-se a um grandioso vestíbulo: o seu pavimento está coberto de esteiras. É ali que estudam, comem e dormem os estudantes. À direita e esquerda os professores, a alguma distância uns dos outros e à volta dos professores, sentados no chão. os ouvintes, turcos, egípcios, abissínios... E todos eles os 4-1.000 estudam um só livro — o Alcorão. Para eles. este livro é a gramática e a ética, a história e o direito, a filosofia e a arqueologia... E a um europeu, que em certa ocasião exteriorizou o seu assombro, o guia disse-lhe ao ouvido: «A química é importante, mas mais importante é Alá.»

Tinha razão: a química é importante, como a técnica e a medicina, e todas as ciências, mas Deus é o mais importante!

Outrora todos conheciam esta verdade. No coração das cidades, vilas e aldeias, nos lugares mais visíveis, levan-

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CRISTO. REI DE DORES 215

lava-se a igreja com a cruz de Cristo no alto da sua torre. Hoje combate-se a religião em nome da ciência; as inven­ções e a técnica querem suplantar a cruz da igreja e as gerações modernas adoram o progresso material em vez da cruz!. E. contudo, que nos espera, se seguimos tal caminho?

Mas que sucederá, se não reconhecermos acima da ciência e da técnica, um Senhor mais poderoso ante quem toda a ciência e progresso se devem inclinar? Veremos com o o homem instruído, se faz um criminoso, e com o a técnica, que renega a Deus, fabrica máquinas para exter­minar os povos.

Graças a Deus, na Hungria não temos de que nos queixar; em todas as escolas se ensina a educação moral religiosa: o ensino religioso é a base de toda a educação. Ó Cristo, Rei de dores, estendei as vossas mãos, trespas­sadas pelos cravos, sobre as nossas escolas, e estreitai ao Vosso coração amantíssimo a alm a inocente dos nossos filhos!

4.° Ergamos a cruz na oficina e na fábrica.Quando lemos a história das corporações medievais,

ficamos surpreendidos, ao ver que a luz ténue e suave da religião podia iluminar todas as oficinas, todos os centros de trabalho e a própria alma dos artífices. O trabalho, então, não era somente um meio de buscar o pão de cada dia. mas uma espécie de culto. Por isso. o crucifixo ocupava o lugar de honra nas paredes de todas as oficinas. O ope­rário olhava para a cruz e deste olhar tirava força, confiança, amor ao trabalho e paciência; olhava também para ela o patrão e aprendia dela a justiça, o amor do próximo, um trato equitativo e humano. À sombra da cruz não podia

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JESUS CRISTO REI

haver engano, fraude no trabalho, ódio, nem luta de classes e guerra social, nem usura e baixa de salário, n em trato desum ano.

V e io d e p o is u m m u n d o n o v o : « A r e lig iã o n a d a tem

q u e v e r co m o t r a b a lh o , a m o ra l n ã o te m q u e se in tro m e te r

n o c o m é r c io . . . F o r a o c r u c if ix o .» E a c ru z . o c r u c i f ix o fo i

p o s to d e p a r te . E q u a is fo ra m a s c o n s e q u ê n c ia s . ' P io r q u e

o t ig re c o n tra o le ã o , se le v a n ta o o p e rá r io m o d e rn o c o n tra

o r ic o . A q u e s tã o s o c ia l é u m p r o b le m a a n g u s tio s o e

te r r ív e l : os m e lh o re s ta le n to s q u e b r a m a c a b e ç a em b u s c a

d e u m a s o lu ç ã o : e n ã o b á m a is q u e u m a : s e u m d ia for encontrada, só d a cruz pode vir, isto é, do satvrifício, do am or mútuo, d a paciência. O h! Cristo, Rei d ad or , havemos d e levantar d e novo a V ossa cruz nas fábricas, nas oficinas, nos escritórios, se quisermos que não naufrague toda a sociedade.

*

* *

Q u a n d o S tr in d b e r g , e s c r i to r s u e c o , q u e p a s s a r a a v id a

n o m e io d a s m a io re s a b e r r a ç õ e s , p re s s e n tiu o te rm o d a

e x is tê n c ia , p e d iu q u e c o lo c a s s e m s o b r e o se u tú m u lo a c ru z

co m e s ta in s c r iç ã o : A ve Crux, Spes unica! « E u te s a ú d o ,

ó c ru z . ú n ic a e s p e r a n ç a !»S im . ta m b é m b o je a c ru z d o R e i d e d o res é a n o ssa

ú n ic a e s p e r a n ç a . E l a é o n o s so o rg u lh o e a n o s s a ú n ic a

c o n s o la ç ã o . Q u ã o b e m o d is se S . P a u l o : « N ã o m e g lo r io

d e s a b e r o u tr a c o i s a . . . s e n ã o J e s u s C r is to e J e s u s C r is to

c r u c if ic a d o .» (*) N o c r u c if ix o e s tá c o n t id a to d a a n o s sa

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(*) I.* Carta aos Coríntios. II. 2.

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CRISTO. REI DE DORES 215

te o lo g ia d o g m á tic a e m o r a l: a li e s tá o n o sso c a te c is m o :

d e le b r o ta a n o s s a fo rç a , a n o s s a e s p e r a n ç a , a n o s s a

fe lic id a d e .

H o je . c o m o n o te m p o d os ro m a n o s , e n te rra m -s e os

o b je c to s s a g ra d o s . O p a g a n is m o m o d e rn o s e p u lto u d e n o v o

a C r u z d e C r is to , e le v a n to u s o b re e la a s e s tá tu a s p a g ã s

d o e g o ís m o , d o d in h e ir o e d a im o ra lid a d e . S o m o s c r is tã o s ,

m a s n ã o te m o s a c r u z ; n ã o c o m p re e n d e m o s q u e a c ru z

é o s in a l d e s a c r if íc io , d a f id e lid a d e a b s o lu ta em to d a s a s

c o is a s . S o m o s c r is tã o s , m a s fa lta -n o s um C o n s ta n t in o , q u e

o rd e n e e s c a v a ç õ e s p a r a t ira r do e s q u e c im e to a c ru z d e

C r is to , e a e n tro n iz e . E n t r o n iz á - la ? V iv e m o s n o m e io d e

c o n t ín u a s re v o lta s s o c ia is . . . o s tro n o s d o s re is d e s m o r o ­

n a m - s e . . . o p u n h o c e r ra d o d a re v o lu ç ã o g o lp e ia o a l ic e r c e

d o s a l c á c e r e s . . . e q u e r e m o s « e n tro n iz a r» d e n o v o a c r u z ?

Sim, porque se não a entronizamos, perecerem os!Nós, os homens, hoje somos e am anhã morremos, mas

a cruz de Cristo, essa não morre!O g r a n d e b is p o b ú n g a ro O t to k a r P r o h á s z k a ( ') , o d e s ­

c e n d e n te d o s A p ó s to lo s , q u e co m s u a p a la v r a d e fo g o in f l a ­

m o u ta n ta s a lm a s n o a m o r à c ru z , p r o n u n c io u a s su a s

ú lt im a s p a la v r a s , n o p ú lp ito . E e s ta s p a la v r a s , c h e ia s d e

z e lo , fo ra m :

« H o m e n s , n ã o fo r je is n o v a s le is m o ra is , n ã o fa ç a is

u m c ó d ig o n o v o ; D e u s o u to r g o u -n o -la s n o E v a n g e lh o .»

O O bispo Ottokár Prohászka. faleceu repentinamente no púlpito enquanto pregava, no dia I de Abril de 1927. Este prelado ocupo um lugar proeminente no movimento espiritual da Hungria.

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216 JESUS CRISTO REI

N ã o fa ç a m o s um C ó d ig o n o v o ! N o s n o s so s a lta r e s e s tá

o R e i . E a to d o s os c a tó l ic o s p e r g u n t a - s e - I h e s :— Q u e r e is

q u e e s te s e ja o v o sso R e i ? — E a n o s s a re s p o sta n ã o p o d e

s e r o u tr a s e n ã o um «querem os» v e rd a d e iro , s in c e ro .

Q u e r e m o s q u e o C o r a ç ã o d iv in o re in e n a s fa m ília s

e q u e in u n d e co m a s u a p a z os la re s c r is tã o s e r e n a s ç a n a s

fa m íl ia s a a le g r ia , a f e l ic id a d e ? — Q u e r e m o s .

Q u e r e m o s q u e a a lm a in o c e n te d o s f i lh o s c r e s ç a e s e

fo r t i f iq u e à s o m b ra d a c r u z ? — Queremos.Q u e r e m o s te r u m a â n c o r a firm e a q u e n o s a g a rre m o s ,

q u a n d o c o m e ç a r a id a d e te m p e s tu o s a d a ju v e n tu d e ? Q u e ­

rem os a c ru z d e C r is t o ? — Queremos.Q u e r e m o s tr iu n fa r n a s lu ta s d a v id a . n ã o s u c u m b ir

n o s d ia s s o m b rio s d a d e s g r a ç a ?

Q u e a n o s s a a lm a . ta lv e z f lo r p á l id a e a n é m ic a , se

a b r a à lu z r a d ia n te d a v id a e te r n a ? Queremos!O b ! e n tã o re z e m o s co m a a lm a c o m o v id a a s p a la v ra s

d o p o e ta :

O h ! qu e bem />ara mim. Senhor.

Cair em nossas mãos!N ão permitaisQ u e procure outro lugar.A gora, Senhor, agoraN ão tenho mais ninguém no mundo.V inde, pois, infundi a vida N esta nossa pobre e pálida florinha.

(S. S ik).

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C A PÍTU LO XVII

Cristo, R ei crucificado

d extA-Feira Santa!...N ão há outro dia mais triste e de tanta transcen­

dência em todo o ano!Sexta-Feira Santa!...É. um dia em que. mesmo que um raio de sol primaveril

com a sua luz clara e morna suavize o ambiente, uma nuvem triste e densa pesa sobre a alma. Parece que o sol se eclipsa de novo e que a terra treme como na primeira Sexta-Feira Santa. Só neste dia se proíbe celebrar a santa missa; nem bá outro acto de culto em que nem sequer ardem as velas sobre o altar. As cerimónias litúrgicas são cbeias de tristeza, o canto sagrado, revestido de melancolia e o silêncio do campanário, cbeio de mistério.

É dra de luto em toda a cristandade!Morreu N osso Senhor Jesus Cristo, crucificado! Deixou-nos. depois de uma vida de trabalhos; não

acabou seus dias numa branda cama, rodeado da família, mas expirou num patíbulo de ignominia, morreu sobre a cruz. Expirou entre as gargalhadas e sarcasmos blasfemos do judaísmo, terminando a sua vida mortal esgotado pelos sofrimentos da alma e do corpo, abandonado de todos. K durou a sua agonia na cruz. várias horas. Na cruz sofree... morre.

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218 JESUS CRISTO REI

Todos os anos neste dia, todos os povos cristãos se reúnem ao redor da cruz. Parece que se paraliza por um momento, a actividade febril da vida moderna, e que o Gólgota, envolto em trevas. atrai sobre aquelas três cruzes levantadas no alto, os olhares da humanidade que luta para ganhar o pão de cada dia. que trabalha febrilmente e que sua para alcançar os bens da terra.

Aí está a cruz de Cristo, erguida no meio do perene sofrer do mundo moderno, que a esquece na ânsia insatis­feita do progresso. Então o homem sente que não pode haver objectivo de vida mais sublime, missão mais elevada, dever mais santo, que o objectivo. a missão e o dever que nos mostra a Cruz de Cristo: salvar a alma.

0 sacrifício de Sexta-Feira Santa, a Cruz tinta com o sangue do Redentor, proclama estas duas verdades salutares:

1 — Como Ele me amou!II — Como eu O amo tão pouco!

I

COMO ELE ME AMOU!

Como?! Morreu por mim! «Amou-me e entregou-se à morte por mim». Isto é que é amor.

l.° Quando alguém adoece em casa, andam todos na ponta dos pés, procuram fazer o menor ruído possível, untam os gonzos das portas para evitar todo o ruído; acomodam-se as almofadas, observa-se cuidadosamente a respiração, todos os seus movimentos, o seu olhar... Também nós preparámos a cama para o nosso grande Doente: preparámos-lhe o leito

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CRISTO. REI CRUCIFICADO 219

da Cruz. Demos-lhe uma almofada para reclinar sua cabeça cansada, mas era de espinhos. Em vez de ligaduras para pensar as suas feridas, preparámos cravos agudos e uma lança; em vez da mezinha, demos-lhe fel e vinagre; em vez de baixar a voz. atordoámos os ares com marteladas: e em vez de uma oração silenciosa e recolhida só se ouviam vociferações e horrendas blasfêmias. Ó Jesus, cheio de misericórdia, foi isto que merecestes d e nós? M erecestes qu e Vos cravássemos na Cruz com o se crava na porta um gavião ou um morcego? A Vós, Filho de Deus. que des­cestes do céu para levantar os homens, submergidos no pecado para nos instruir e dar-nos como recompensa eterna o magnífico reino de Vosso Pai! E para ignomínia de todo o mundo, nós cravámo- Vos na Cruz! De vossas mãos sacrossantas fizemos correr rios de sangue. Trespassámos vossos pés sagrados. Rasgámos o vosso coração divino que batia por nós.

Eis quanto Ele me amou!2.° Haverá coração humano que atinja esta realidade,

coração de mãe que possa conceber amor igual ao que nos manifestou Jesus Cristo sobre a Cruz? Haverá fogueira crepitante que lance para o céu grandes chamas de amor que possa servir de símbolo ao amor infinitamente ardente do Sagrado Coração?

Como estátua esculpida em pedra. Cristo Crucificado interpõe-se entre o céu e a terra para proteger com o seu corpo ensanguentado e cheio de chagas cada um dos homens, para encobrir a minha alm a pecadora e esconder-me assim da ira de Deus, para desviar, com os braços estendidos, os raios fulminantes da justiça, para implorar do céu. como um sinal que clama para as alturas, perdão para nós.

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220 JESUS CRJSTO RE I

V ede o F ilho do homem, quando reclina a cabeça sobre uma almofada de espinhos, quando eleva ao céu um olhar suplicante com olhos cheios de lágrimas e de sangue, e quando de seu peito anelante se exala um doce suspiro, implorando misericórdia: «Pai, perdoai-lhes...> a eles, a todos, sem excepção. Não se preocupa consigo, não pensa na sua dor. mas mesmo neste transe supremo pensa em mim. Eis quanto Ele me amoul

3.° Amou-me... amou-me tanto! Sim só o peito do Redentor podia abrigar tão grande amor. Mas quem podia esperar tal excesso? Sabíamos que a promessa do Messias, feita por Deus ao homem no paraíso, era uma manifestação de um coração cheio de amor; mas quem esperaria tanto? Quando Jesus Menino de Belém nos sorria, quando o Filho de Deus vivia entre nós como irmão, quando Ele ensinava na terra o caminho do céu, quando curava os enfermos, consolava os aflitos, sentíamos que o seu Coração ardia, como uma chama viva. de amor pelos homens.

Ao ouvir as suas parábolas do bom samaritano. do filho pródigo, do bom pastor, da ovelha perdida, sentíamos a chama de um amor ardente que abrasava o seu Sagrado Coração. Mas aquele amor sem limites e sem m edida que o levou a sofrer por nós, sem pronunciar palavra, os açoites, os escarros, as zombarias, a coroação d e espinhos, os tor­mentos da cruz, este amor não o podíam os sequer suspeitar.

Quanto nos ama Jesus!Deixa-se cravar sobre a cruz. deixa que lhe abram as

chagas, com um beijo conquista a minha alma.Estou junto à cruz alheado do mundo, com a alma

em místico recolhimento, e abismado, espero uma gota do seu precioso sangue, sangue puro. sangue divino, para que

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CRISTO, RFI CRUCIFICADO 221

me banhe, lave e purifique de meus grandes pecados. Quisera esconder meu pálido rosto entre as máos e chorar, soluçar amargamente, mas não posso; este Jesus tão amigo fascina-me, suas palavras amorosas obrigam-me a olhar para Ele, nem d Ele posso despegar os olhos. E, se olho para Ele. oiço sua voz que me diz: «Vê, quanto te amei... e tu, amaste-Me...?» (Prohászka).

II

Esta cruz coberta de sangue não só me diz quanto me amou a mim. mas também quão pouco O amo eu.

l.° Voltemos à Sexta-Feira Santa. Os homens vão e vêm visitando as igrejas. H á dois mil anos que a cruz fo i erguida e os homens movem-se à sua volta...

Há homens cujo coração não sabe abrandar-se! Passam diante da cruz, sem que lhes chame a atenção. Para eles, a morte de Nosso Senhor Jesus Cristo nada significa, nem tão-pouco a sua vida nem a sua doutrina. A sua única preocupação é o dinheiro, a mesa. os prazeres... E a alma? A Religião? E Deus? A oração? A Cruz? São palavras incompreensíveis para eles. Há gente assim... Santo Deus!

Há outros que por um mom ento olham a Cruz, com- prendem o sacrifício cruento de Cristo, mas assustam-se com as consequências que dali brotam. «Não. não, Jesus de Nazaré, nós não Vos podemos seguir. Tínhamos que morrer também nós; tinha de morrer em nós o homem dos desejos baixos e instintivos. E isso significaria uma luta incessante contra nós mesmos, uma vigilância contínua. Não. não é possível, já lutamos bastante. Lutamos pela

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222 JESUS CRISTO REI

esposa, pelos filhos, para angariar o pão de cada dia. para conservar a nossa situação, lutamos pelo futuro, pela nação... Não. não. Jesus de Nazaré, não o leveis a mal. mas, para Vós. para a nossa alma. não temos tempo, nem ânimo, nem energias... Bem vedes, não somos maus, também temos a nossa cruz. vamos de vez em quando à Igreja, confessamos que somos cristãos, mas bem sabeis as lutas terríveis da vida terrena...»

Também há homens desta classe... Senhor!Existe um terceiro grupo. Os homens que o formam

também param diante da cruz. M as... ajoelham-se. rezam. Mais ainda. Conform am toda a sua vida com o ensina­mento de Cristo crucificado, unem os seus sofrimentos terrenos à tragédia do C rucificado..., com a d Aquele que tomou sobre os seus ombros todo o sofrimento, todo o pecado, todo o desprezo, a ingratidão, o abandono, as chagas, o sangue, a agonia, caminhando diante de nós para nos abrir o caminho. Pertenceremos nós a este grupo? Ou pelo menos fazemos o firme propósito de alistar-nos sob o seu estandarte?

2.° Desde que o lábaro da santa cruz se levantou na primeira Sexta-Feira Santa, entre o céu e a terra, não é possível esquecê-lo. Diante da cruz todos temos que tomar uma posição. Olha para o Pai do céu: agora aceita o sacrifício de seu Filho. Vês os anjos: comovidos, adoram a Cristo crucificado. Olha para os seus inimigos: insul­tam -nO. blasfemam-nO. maldizem-nO. V ê ... a quem? A ti mesmo, irmão: Que partido tom as? Estás entre os amigos ou os inimigos de Cristo? Entre aqueles que O odeiam e insultam? Não o creio. Estarás talvez entre os soldados que, ao pé da cruz, enquanto ao lado se desen­

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CRISTO. RB CRUCIFICADO 225

rolava o drama mais comovente da História da Humanidade, jogavam os dados como se nada se passasse. Pensa Hem: não estás entre estes soldados?

«Cristo morreu por mim. Sim morreu; e que me importa»? «Mas eu não falo assim», dizes. Não. não falas assim, mas pensas, procedes, vives como se Cristo fosse completamente estranHo para ti, como se Cristo não te importasse.

N ão te importas que Cristo tenHa sido açoitado durante uma noite; mas importar-te-ia mimosear menos o teu corpo e não IHe conceder o que ele pedisse de pecaminoso.

N ão te importas que Cristo tenHa sido tratado como um louco, como um objecto de desprezo diante da multidão blasfema; e não queres que ninguém se ria de ti, por praticares a tua religião.

N ão te importas que Cristo tenHa sido cravado de espinHos e não queres conter-te, ter os teus capricHos e desejos sujeitos a uma disciplina severa.

N ão te importas que Cristo tenha derramado até à última gota o seu sangue por ti. e custa-te dar-lhe meia hora todas as semanas, para ouvires a Missa aos domingos.

N ão te importas que Cristo tenha subido a custo o caminho pedregoso do Calvário, banhado em sangue e achas áspero o caminho da virtude.

N ão te importas que o seu corpo sacratíssimo, todo chagado, tenha sido cravado na cruz, e seu Coração san­tíssimo trespassado pela lança; e parece-te difícil e duro sofrer alguma coisa por seu amor e guardar os seus mandamentos.

Não há compaixão para com este pobre Jesus, saturado de opróbrios, de zombarias e sofrimentos?

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'224 JESUS CRISTO REI

Comovemo-nos diante de um cavalo que cai esgotado de forças, de um passarinho que cai do ninho.... e de Cristo não temos piedade?

O h! se íiuéssemos, ndo v iv e ría m o s como vivemos.

* $

Ó doce Jesus! A Vossa pobreza há-de ser a minha pobreza, os Vossos sofrimentos hão-de ser a fonte da minha renovação interior, a Vossa coroa de espinhos há-de unir dois corações: o Vosso e o meu! As Vossas lágrimas e o Vosso preciosíssimo sangue hão-de mudar em campo fértil o solo duro do caminho da minha vida! O Vosso amor ardente, há-de derreter o gelo do meu coração! Ò Jesus. Jesus meu Salvador, o Vosso sofrimento purificou a minha alma; o sangue que Vós derramastes, mitigou o meu castigo; e enquanto Vós Vos submergíeis num mar de sofrimentos e torturas, eu escapava à condenação. Q uando Vós morres­tes, com ecei então eu a viver.

O h! Agora é diferente a maneira como encaro a Vossa Paixão. Importam-me. sim. e muito, os golpes e açoites que recebestes; a cruz em que Vos pregaram, e toda a Vossa Paixão. Pouco importa que eu tenha d e lutar para poder viver sem Vos ofender, sem cair em pecado. Mesmo que a luta tivesse que ser contínua, de todos os momentos, não esmoreceria. Senhor. Com o Vosso auxílio espero triunfar, ó meu Rei crucificado!

Ó Jesus, soltai vossas mãos da cruz; descei desse trono de amor e vinde a nós, vossos filhos atribulados; estreitai

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CRISTO, REI CRUCIFICADO 225

contra o vosso coração o nosso peito anelante; imprimi um beijo de amor com vossos lábios ensanguentados na nossa alma, de maneira que ninguém possa jamais apagá-lo.

O Rei crucificado bá-de reinar na sociedade, nas famílias, nos palácios e nos tugúrios, em todos os lugares donde foi desterrado tantas vezes. Há-de reinar no meio da juventude e abençoá-la. para que seja sua; há-de reinar no meio de todos os homens crentes e descrentes.

Jesus, que nos amou até à morte, tem direito sobre nós. Tem direito a que nós, que fomos redimidos com seu pre­ciosíssimo sangue, Lhe rendamos fervorosas acções de graças e cheios de reconhecimento lhe cantemos a Ele, nosso Deus e Redentor, o hino de louvor:

Nós Vos adoramos, ó Cristo, e bendizemos, porque por Vossa santa Cruz remistes o mundo!

IS

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C A PÍTU LO XV1I1

Cristo, R ei dos que sofrem (I)

/ l o anoitecer do primeiro domingo de Páscoa, quando C x C uma dúvida cruciante e uma angústia de vários dias se apoderara da alma dos Apóstolos amedrontados e reunidos sem saberem que partido tomar, aparece de repente uma luz, e a palavra do Senhor cai como um bálsamo dulcíssimo sobre os espíritos atribulados: «A paz seja convosco .» (') E uma paz suave, reconfortante inundou os que viviam em duras tribulações.

Esta cena, que se lê no Evangelho do domingo de Páscoa, parece-me a mais adequada para apresentar Jesus Cristo como Rei consolador dos aflitos, e falar dum dos maiores problemas da humanidade— o sofrimento.

É verdade, que o problema do sofrimento foi sempre actual, mas parece que nunca o foi tanto como em nossos dias. «Viver é sofrer». Leben is Leiden . Este axioma foi sempre exacto, mas nunca tanto como boje. Há milhares de anos, desde que a chuva cai sobre a terra, que dos olhos dos homens caem lágrimas amargas, mas nunca inundou este «vale de lágrimas» um rio tão caudaloso de amarguras e misérias, como o que vemos agora. Como

(') S. João, xx, 19.

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228 JESUS CRISTO REI

em torno cia luz que arde em noite escura esvoaçam as borboletas, assim acodem em grandes enxames os cuidados à nossa alma. Que comeremos, que será de nossos filbos. que sorte nos reserva o futuro?

O homem já tentou todos os meios para esquivar-sc ao sofrimento.... mas em vão. Experimentou todas as formas de governo, modificou as instituições sociais, tentou sufocar os desgostos e tristezas na embriaguez, no esquecimento... Em vão pretenderá estancar as lágrimas, as penas, as dores... A h! velho mundo, se alguém te pudesse espremer como um esponja, que líquido sairia das tuas entranhas? Lágrimas feitas de amarguras, de tristezas, de sangue! O sofrimento e a vida humana formam um só conjunto.

Já que andam tão unidos, lemos que ver qual o partido que devemos tomar. Se não nos podemos livrar do problema, procuremos peio menos conhecê-lo; procuremos pelo menos, à luz do nosso destino eterno, penetrar este angustioso problema. Tratarei dele em dois capitulos. Neste capítulo proporei a questão: Para que serve o sofrimento, e como podem os encorporá-lo no nosso pensar cristão?, e no outro capitulo farei a pergunta: Q ual o auxílio que Cristo, Rei dos que sofrem, nos dispensa no sofrim ento?

I

A primeira pergunta a que tenbo de responder, c que contém as queixas e angústias de tantos que sofrem, é a seguinte:

Porque nos envia Deus tantas desgraças, tantos males, tantas provas nesta vida? E porque me fere. precisamente

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CRISTO. REI DOS QUE SOFREM (I) 229

a mim; a mim que sempre lhe fui fiel, a mim que guardo todos os seus mandamentos? Como pode Deus ser tão «duro», tão «severo», tão «cruel» connosco?

Ouvimos com frequência queixas semelhantes. Os homens que lutam com dificuldades económicas, os que foram defraudados, os que arrastam a cruz de um matri­mónio infeliz, os que são visitados pela desgraça, ouvem-se com frequência murmurar: Deus é duro, severo connosco, não se compadece de nós que tanto sofremos!

O que é que estás tu a dizer? Perguntas porque é Deus tão «severo» e tão «duro»? Mas ignoras tu que não é Deus quem nos envia a maior parte dos sofrimentos, isto é, que E le não quer que o homem sofra tanto?

Como se compreende isto? Explicar-to-ei. O mundo actual não é como Deus o queria no seu primeiro plano, não é como Deus o criou: o homem com o pecado destruiu o plano divino: e por isso o mundo inteiro sofre agora as consequências do pecado original: tanto a natureza inani­mada como os seres vivos.

Ainda que a nossa religião sacrossanta não nos ensi­nasse nada acerca da queda do homem e das suas conse­quências, isto é, a respeito do pecado original, sentiríamos, pelas monstruosas contradições da vida humana e terríveis injustiças, que alguma coisa não está em ordem, que a vida humana não saiu assim das mãos do Criador sublime, que grande falta deve ter sido cometida no princípio da nossa história.

Sim, devemos confessar abertamente, que houve e há na terra um sem-número de sofrimentos, que Deus não quis nem quer e cuja causa única é o homem, o homem pecador, a avareza, o egoísmo, o orgulho humanos.

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230 JESUS CRISTO REI

Quereis alguns exemplos? Apenas um ou dois, escolhi­dos à sorte.

V i em Roma o imenso Coliseu, o Circo, impressionante ainda nas suas ruínas. Era ali que o povo ébrio de sangue e o próprio imperador, ouviam todas as tardes a trágica saudação dos gladiadores que iam lutar pela vida ou pela morte: *A ve Ccesar, morituri te salutant!» — Salve, César, os que vão morrer te saúdam! — Em seguida estes homens agarravam-se, lutavam desesperadamente até um deles cair morto; e os espectadores, embriagados com tal espectáculo. aplaudiam frenèticamente o vencedor, o assassino.

Realm ente, Deus não quis isto.Ainda se vê hoje em Túnis o local da feira dos escravos,

e conservam-se os postes e as argolas de ferro a que se prendiam as cadeias daqueles infelizes — homens como nós, com alma imortal! — E Catão, o sábio Catão, escreveu: «Convém saber vender a tempo as bestas inúteis e velhas, e também os escravos velhos.» Que horror! Primeiro as bestas, depois os escravos! — Isto, certamente, também Deus não quis.

— Mas. isso são exemplos antigos! Hoje já não há escravos nem gladiadores. Está bem: ai vão alguns exem­plos dos nossos dias.

Uma viúva desolada, que já não pode mais de tanto chorar. Tem um filho, cuja vida libertina é o sumidoiro de todos os seus haveres e nunca tem uma palavra de carinho para sua mãe. Como pode Deus querer isto?

Um pai tem seis filhos e não tem que lhes dar de comer. Aceitaria qualquer trabalho, fosse qual fosse, com que pudesse ganhar o pão de cada dia; mas ninguén» o

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CRISTO. REI DOS QUE SOFREM (I) 251

quer. ninguém o aceita, e entretanto os seus filhos, pálidos de fome choram em casa.

Como pode Deus querer islo?Deus «é muito duro» por enviar tantos sofrimentos ao

homem? Mas. é Ele que realmente os envia e quer?Não. mil vezes não. A causa primária de tantas dores,

de tantos sofrimentos, pesares e tristezas, é o homem, é a natureza humana caída e corrompida. Sim, na maioria dos casos, são os homens os responsáveis de que a vida terrena seja tão amarga.

Sei muito bem que me lançarão esta objecção: «Se Deus não quer a maioria dos sofrimentos, porque os permite. porque os tolera, porque consente que o homem sofra tanto? — Porque o consente? Isso é outra coisa. Realmente Deus. por uma intervenção contínua, podia suspender a ordem e as leis da natureza.

E porque não o faz?No domingo de Páscoa de 1927 uma das igrejas de

Lisboa estava repleta de fiéis. De repente a cúpula abate e cai com todo o seu peso esmagador sobre os presentes: e o grito de quatrocentos feridos ecoa nos ares. Abateu a cúpula! E não poderia Deus impedir que a cúpula ruísse? Fazendo assim, salvava a quatrocentos homens! Sim, podia fazê-lo, mas não o fez. Não nos livra de todos os males, consente e permite que nós soframos.

Devemos concluir daqui que Deus não nos ama?Não, digamos antes: se consente que as suas criaturas

predilectas derramem tantas lágrimas amargas, se permite qu e a vida humana esteja sem eada de sofrimentos, então terá motivos ponderosos, um objectivo elevado do sofrimento.

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Sabeis qual é a mais bela característica de uma alma cristã? Que ela não tenba nada que sofrer? O b! não! Ela também chora, ela também sofre... e muito. Mas não se queixa, não se revolta, não se desespera; mas esforça-se por realizar o que Deus exige dela ao permitir que suceda tal desgraça. «Deus é meu Pai bondoso e misericordioso», esta é a sua convicção, «e se consente que eu sofra tanto, lá terá os seus motivos».

II

Examinemos agora os planos seguidos por Deus no sofrimento.

Mesmo examinando-os só com a luz natural da razão, descobriremos argumentos interessantes.

Porque permite Deus que soframos tanto? Porque muitas vezes, mediante o sofrimento, protege a nossa vida corporal, a nossa saúde. Porque, dói. por exemplo, o dente que está doente? — Porque, se não doesse, ninguém se preocuparia com ele, e assim poderíamos perder todos os dentes. Porque nos dói uma queimadura? Para que tenha­mos cuidado e não nos deixemos queimar. E para que existe a morte, o maior de todos os sofrimentos? Para que tenha­mos maior estima da vida que passa.

Se a morte não fosse tão terrível, quantos homens, por qualquer motivo fútil, poriam fim à existência!

Isto nos diz a simples razão natural. — Fraca resposta, dirás: pois bem. a fé cristã aprofunda mais o problema.

2.° Vejamos a sua solução. O que são o sofrimento e as desgraças no plano de Deus?

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CRISTO. REI DOS QUE SOFREM II) 255

Talvez sejam o último recurso, o último meio de salvar n minha alma. E com esta resposta ponho o dedo na chaga viva de muitos homens modernos. Há homens que se perdem etemamente, porque lhes corre tudo demasiado bem. aqui na terra; homens, que parece assentarem arraiais nesta vida. como se não houvesse vida futura; que não se per­suadem que. aqui na terra, tudo é efémero, um perpétuo começar, um ensaio, um trabalho imperfeito. São surdos e cegos para tudo o que não é dinheiro, riqueza, prazeres. para tudo o que nos fala de Deus, de religião, da vida eterna. t

N ã o c o n h e c e m o s to d o s , p o r a c a s o , a lg u é m a q u e m se

a ju s te e s ta d e s c r iç ã o ? A q u e m tu d o co rre b em e q u e de

tu d o se p r e o c u p a : d o c a lç a d o , d o c ã o z in h o , d o c a s a c o ,

d o a u to m ó v e l, d o g u a r d a -c h u v a , n u m a p a lav T a . d e t u d o .. .

menos da pobre alm a imortal, etem a?Augusto, ao ouvir contar as atrocidades de Herodes.

que mandou matar seu próprio filho, com medo que este lhe arrebatasse o trono, exclamou: «Preferia ser porco a ser filho de Herodes.» Se conhecesse o homem do nosso tempo, diria antes: Preferiria ser um cãozinho, a ser alma de um homem moderno, porque este preocupa-se mais com o cãozinho, do que com a sua alma.

Pois bem, que bá-de fazer Deus. para tocar, para comover tais bomens? Um meio eficaz são as provas e os sofrimentos.

Certo dia. uma mulber mundana queixou-se a um confessor de idade e muito experimentado: «Padre, diz, o mundo absorve-me por completo. Posso fazer o que quiser, mas não consigo desembaraçar-me das minhas antigas e grandes culpas. Já experimentei tudo: retiros espirituais.

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254 JESUS CRISTO REI

c o n f is s õ e s . . . e tu d o em v ã o . H a v e r á re m éd io p a ra m im ?

Q u e é o q u e m e p o d e r ia s a lv a r ? »

— « Q u e é o q u e a p o d e rá s a lv a r » ? — re s p o n d e u o

s a c e r d o te a n c iã o . « S ó u m a g ra n d e d e s g r a ç a » . N ã o c o m ­

p re e n d e u e la to d o o a lc a n c e d a re s p o sta , m a s n ã o ta rd o u

m u ito em c a ir n a c o n ta d a s u a s ig n if ic a ç ã o , p o rq u e p e rd e u

g r a n d e p a r te d e s u a fo rtu n a , m o rre ra m se u s p a is , e , à lu z

d e ta n ta s d e s g r a ç a s , a q u e la a lm a m u n d a n a , e x tr a v ia d a , d e s ­

c o b r iu o c a m in h o d o a rr e p e n d im e n to e e n c o n tr o u a D e u s .

A s s im , p o is , o s o fr im e n to p o d e s e r n a s m ã o s d e D e u s

um a ra d o q u e a b r a s u lc o s p ro fu n d o s , q u e re m o v a e p re p a re

a te rra , e n d u r e c id a p e la p ro s p e r id a d e e b e m -e s ta r .

t h á ta n ta s a lm a s q u e se e s q u e c e r a m d e D e u s . e fo ra m

d e n o v o r e c o n d u z id a s a E le , p o r m e io d o s o fr im e n to !

Q u a n t o s p o d em d iz e r co m C b a t e a u b r ia n d : « C r e io , p o rq u e

s o fr i.» ( ' ) H á h o m e n s q u e se c o m p o rta m com D e u s , c o m o

co m o fo g ã o : d u ra n te o in v e rn o a rr im a m -s e a e le e n o v e rã o

e s q u e c e m -n o p o r c o m p le to . A s e s tr e la s e s tã o sem p re n o

firm a m e n to , m a s só a s v em o s à n o i te ; d o m e sm o m o d o

m u ito s n ã o s a b e m v e r a lu z d os p e n s a m e n to s e te rn o s , s e n ã o

q u a n d o o s o fr im e n to e a d o r e s te n d e m o seu n e g ro v éu s o b r e

a s u a v id a .

3 . ” « M a s e u n ã o so u in c r é d u lo !» , d ir -m e -á s , «n em

p re c is o d o lá te g o d o s o fr im e n to , p a r a cu m p rir os m a n d a ­

m e n to s . Q u e q u e r p o is D e u s , q u a n d o m e fe re co m a d e s ­

g r a ç a , c o m a d o r? »

É p o ss ív e l q u e te n h a c o n t ig o o u tro s d e s íg n io s . T a lv e z

queira purificar a tua alma, poli-la, aform oseá-la, s o b o

( ) J a i cru. parce qu e j a i sou f fert.

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CRISTO. REI DOS QUE SOFREM (I) 255

p e so d o s o fr im e n to . N ã o h á a lm a h u m a n a m a is p ro fu n d a ,

m a is r ic a . m a is fo rte , q u e a q u e la q u e te v e d e s o fr e r m u ito .

Geniessen macht gemein, d isse o p o e ta a le m ã o G o e t h e .

« G o z a r to m a a p e s s o a v u lg a r » ; o b e m -e s ta r c o n tín u o to m a

o h o m em o rg u lh o so , d e s e n fre a d o , a m b ic io s o : p e lo c o n trá r io ,

o so fr im e n to to m a -o c ir c u n s p e c to . c h e io de c o m p a ix ã o ,

h u m ild e .. . a s s e m e lh a -o a C r is to .

S i m : o s o fr im e n to p o d e se r o t r a b a lh o d e a r t is ta q u e

D e u s e x e c u ta n o m á rm o re d a m in h a a lm a . T a m b é m o

m á rm o re c h o r a r ia a o fa z e r -s e em p e d a ç o s s o b os g o lp e s do

m a r te lo q u e lh e d á o e s c u lto r . M a s se o a r t is ta le v a d o d e

c o m p a ix ã o , p o u p a s s e o s g o lp e s a o m á rm o re , p o d e r ia fa z e r

u m a o b r a -p r im a ?

O s o fr im e n to p o d e s e r o t r a b a lh o d o m in e iro com q u e

D e u s c a v a em m in h a a lm a . D e u s b u s c a em n ó s o o iro ;

e o o iro n ã o s e c o s tu m a e n c o n tr a r à s u p e r f íc ie , m a s n a s

p ro fu n d id a d e s , e é n e c e s s á r io e x tr a í - lo , à c u s ta d e m u ito

tr a b a lh o .

4 . ° Mas o sofrimento também pode ser castigo nas mãos d e Deus.

A ju s t iç a d iv in a e x ig e q u e s o fr a q u e m p e c o u ; é um

fa c to q u e n ã o a d m ite r é p l ic a ; é n e c e s s á r io so frer, o u n e s ta

v id a o u n a o u tr a .

« Q u e m p e c o u . . .» E p o sso e u d iz e r q u e n u n c a p e q u e i?

O u s a r e i a f i r m á - lo ? E j á e x p ie i o s m e u s p e c a d o s ? E n tã o ,

o h ! to d o s os q u e s o fr e is , a c r e d ita i , c re d e , q u e mais vale e x p ia r a s c u lp a s a q u i , n a te rra , d u ra n te a v id a . D ig a m o s

c o m o S a n t o A g o s t in h o ; « A q u i , S e n h o r , a q u i , c a s t ig a i , q u e i ­

m a i. c o r ta i, c o n ta n to q u e m e p o u p e is n a e te r n id a d e !»

F r a n ç o is C o p p é , o e s c r ito r fra n c ê s d e fa m a m u n d ia l ,

in c ré d u lo e ím p io d u ra n te g ra n d e p a r te d a v id a , c o n v e r ­

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256 JESUS CRISTO REI

te u -s e à fé . S o fr e u a tro z m e n te n o le ito d a m o r te . E p e d ir ia

e le a D e u s q u e lh e t ir a s s e o s o fr im e n to ? P e lo c o n trá r io .

— Je veux une longue agonie... « S e n h o r , c o n c e d e i-m e u m a

a g o n ia p r o lo n g a d a » , e , d e p o is d e u m m o m e n to d e s ilê n c io ,

d e u e s ta e x p l ic a ç ã o : car je crois en D ieu et à l immortalité d e 1'âme... « p o rq u e c r e io em D e u s e n a im o r ta l id a d e d a

a lm a .

« N a m ã o d e D e u s o s o fr im e n to é ta m b é m c a s t ig o .

S im , c o m p re e n d o -o . M a s , c o m o e x p lic a r , q u e m u ita s v e z e s

so frem m a is d e s g r a ç a s , p r e c is a m e n te os b o n s . os in o c e n te s

q u e n ã o p e c a ra m , d o q u e ta n to s c r im in o s o s , ta n to s h o m en s

p e rv e rso s e p e c a d o re s , q u e p a s sa m u m a e x is tê n c ia a le g re

e sem p e s a r e s ? O n d e e s tá a ju s t i ç a » ?

É v e rd a d e . S e tu d o a c a b a co m e s ta v id a . te n s ra z ã o

em p e n s a r a s s im , e n tã o n ã o h á ju s t iç a . Mas, se creio que a vida continua depois da morte, então não será difícil encontrar uma respota. « O s h o m e n s h o n ra d o s e h o n e s to s ,

q u e cu m p ra m a le i d e D e u s , so frem m u ito n e s ta v id a » ,

p o rq u e n ã o h ã o -d e s o fr e r n a o u tr a p e lo s p e c a d o s q u e c o m e ­

t e r a m — p o rq u e os e x p ia r a m n e s ta v id a : to d o s som o s p e c a ­

d o re s . « A o s m a u s tu d o lh e s c o rre b em e p ro sp e ra m n e s ta

v id a » , p o rq u e n ã o h ã o -d e v iv e r a s s im n a e te rn id a d e , e p e lo

p o u co b em q u e fiz era m — a lg u m h em sem p re p r a tic a r a m —

re c e b e m a re c o m p e n s a n e s ta v id a .

A d if ic u ld a d e , p o is . é e s ta : C o m o se p o d e c o n c i l ia r

a o n d a d e m a le s e so fr im e n to s q u e n o s a f l ig e m , com a

B o n d a d e d o P a i C e le s te , q u e v ig ia e g o v e rn a o u n iv e rs o ?

E a re s p o sta é : D e u s n ã o se c o m p ra z n o s o fr im e n to , c o m o

n ã o se a le g ra m os p a is . q u a n d o é m is te r c o r r ig ir o u c a s t ig a r

s eu s f ilh o s . Q u a n d o c a s t ig a m , é p o rq u e têm r a z ã o ; e d u c a m ,

c o rr ig e m , re p ree n d e m e fo rm a m a s s im a p e r s o n a lid a d e de

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CRISTO. REI DOS QUE SOFREM (I) 257

s eu s f i lh o s . E o P a i d o C é u fo rm a , d e u m a m a n e ira

a n á lo g a , a p e r s o n a lid a d e e s p ir i tu a l d a n o s s a a lm a .

E s t a re s p o s ta p r o je c ta um p o u c o d e lu z s o b re o p ro ­

b le m a d a d o r. U m p o u c o , s o m e n te , é v e rd a d e . P o r q u e

a p e s a r d e to d o s os r a c io c ín io s e e x p lic a ç õ e s , te m o s d e

c o n fe s s a r , q u e n â o c o n s e g u im o s u m a c la r id a d e a b s o lu ta

e q u e o p ro b le m a d o s o fr im e n to e n c e rra um m is té r io , um

se g re d o q u e o h o m em ja m a is c o m p re e n d e rá p e r fe ita m e n te .

M u ita s v e z es so m o s o b r ig a d o s a c o n fe s s a r : n ã o c o m ­

p re e n d o . n ã o c o m p re e n d o . P o r q u e n ã o c o m p re e n d e m o s

tu d o n e s te m u n d o ? P o r q u e n ã o so m o s n ó s os c r ia d o r e s do

u n iv e rso . O q u e e u fa ç o , c o m p r e e n d o -o : o q u e os o u tro s

fiz e ra m já é m a is d i f í c i l ; e n o m u n d o h á m u ita s c o is a s

q u e n ã o fo ra m fe ita s p o r m im . Som ente o Criador pode com preender por com pleto os acontecimentos do mundo.

S a n t o A g o s tin h o e x p r e ss o u e s te p e n s a m e n to , q u a n d o

c o m p a ro u a v id a d o h o m em a um ta p e te d e v a r ie g a d a s

c o r e s , d e q u e n ó s só v em o s o rev erso . C o n te m p le m o s um

b e lo ta p e te p e r s a : flo re s , f ig u r a s , c o re s fu n d e m -se em a r t ís ­

t ic a h a r m o n ia , é v e r d a d e : m a s se v em o s só o a v e sso ,

p a r e c e -n o s u m a u rd id u ra d e s c o n e x a . O m e sm o a c o n te c e

co m a v id a . Nós vemos o avesso; a p a rte d a fre n te , is to é.

o g r a n d e p e n s a m e n to u n if ic a d o r , q u e h a r m o n iz a , c o n fo rm e

um p la n o p re c o n c e b id o , to d o s os fios e p o rm e n o re s , só D e u s

o p o d e c o n te m p la r . Junto ao tear d a vida humana, está Deus eterno, cujos desígnios ignoramos, cujos pensamentos não são os nossos pensamentos e cujos caminhos não são os nossos caminhos.

M a s q u e n ó s e s ta m o s n a s m ã o s d e D e u s . q u e n ã o c a i

d o te lh a d o um p a rd a l, n em um c a b e lo d a n o s s a c a b e ç a

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258 JESUS CRISTO REI

sem q u e D e u s o s a ib a e c o n s in ta , q u e n e n h u m a d e s g r a ç a ,

s o fr im e n to o u d o r é c a p a z d e m e s e p a r a r d e D e u s . . . é u m a

v e rd a d e in a b a lá v e l q u e sem p re q u e r o p ro fe s sa r .

#* *

C e r to d ia e n c o n tre i-m e co m u m J u iz , m e u a m ig o , q u e

n ã o v ia b á v á r io s m e s e s . S e u f i lb o ú n ic o , e s tu d a n te u n iv e r ­

s itá r io , e ra u m d os m e u s m e lh o re s d is c íp u lo s . T o d a a

fa m íl ia fo ra p a s s a r o v e rã o à p r a ia . U m b e lo d ia . e n q u a n to

os p a is d e s c a n s a v a m s e n ta d o s à b e ir a d o la g o , o f i lb o fo ra

to m a r b a n h o e n a d a v a à s u a v is ta . D e r e p e n te . . . sem

p ro fe rir u m a p a la v r a , sem se o u v ir u m g r ito , s u b m e r g e -se ,

a l i , à v is ta d e s eu s p a is . N o d ia s e g u in te e n c o n tr a r a m -n o

n a á g u a . . . E s t a v a m o r to . . . o f i lb o ú n ic o , fo rte , d e 19 p r i­

m a v e r a s ! . . .E r a a p r im e ira v e z q u e m e e n c o n tr a v a co m seu p a i.

d e p o is d o fu n e s to a c o n te c im e n to .

N e s ta s o c a s iõ e s , in s tin t iv a m e n te p ro c u ra m o s a lg u m a s

p a la v r a s d e c o n s o la ç ã o . . . M a s e le n ã o m e d e ix a fa la r :

C o m a v o z tr is te , q u e t in h a u m n ã o se i q u ê d e a d m irá v e l,

c o m e s s a v oz tré m u la , d e u m h o m e m q u e lu ta co m a d or.

d iz -m e : « P a d r e , n o m e io d e s ta te rr ív e l d e s g r a ç a , d o u g r a ç a s

a D e u s , q u e fo i tã o m is e r ic o rd io s o com o n o s so J o ã o .

T in b a - s e c o n fe s s a d o e c o m u n g a d o , a q u e la m e sm a m a n h ã .

E d e s d e e n tã o n ó s . s u a m ã e e e u . c o n fe s s a m o -n o s e c o m u n ­

g a m o s to d o s os m e se s n o m esm o d i a . . . T o d o s n o s c o n h e c e m

e a d m ira m -s e c o m o p o d e m o s s u p o rta r ta m a n h a p r o v a ç ã o .. .»

A s s im m e fa la v a a q u e le p a i co m a v oz e m b a r g a d a e tré m u la .

A h ! c o m o e u d e s e ja r ia g r ita r a to d o s os h o m e n s : tH om ens

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CRISTO, REI DOS QUE SOFREM (I) 259

que sofreis, vós, meus irm ã o s , a quem a sorte experimentou, vinde e aprendei deste pai, tão rudemente provado.

I r m ã o ! S e n te s o p e so d a v id a ?

Ir m ã o ! A tr is te z a e o d e s a le n to , e n v o lv e m -te c o m o

n o ite e s c u r a ?Ir m ã o ! T e u s o lh o s , à fo rç a d e c h o ra re m n ã o p o d em

d e r ra m a r m a is lá g r im a s ?

P o is b e m , a jo e lh a - te c o m ig o d ia n te de D e u s , in c lin a

a tu a fro n te a m a r g u ra d a , a p o ia -a e m s u a s m ã o s , n a s m ã o s

d o P a i d o c é u e te n ta p r o n u n c ia r Ie n ta m e n te . p a ra n d o

p a r a m e d ita r c o m o c o n v é m a o r a ç ã o d o p ie d o s o p o e ta

a le m ã o ( ’ ) :

F aça-se, Senhor, a V ossa vontade,

E o resto an de com o andar;

F aça -se , Senhor, a Vossa vontade.Por m aiores qu e sejam os meus sofrim entos;

F aça-se, Senhor, a vossa vontade,A inda q u e eu a não com preenda.

S e n h o r , f a ç a -s e em tu d o a V o s s a s a n ta v o n ta d e :

s e ja -V o s e u sem p re f ie l . « Q u e m n o s separará, pois, do amor de Cristo? A tribulação, a angústia, a fome, a perseguição,

(') Herr, dein W ille geschehe, dann geh es wíe es gene! Herr, dein W ille geschehe, und tut s auch noch so weHe! Herr, dein W ille geschehe. wenn ichs auch nichl verslehe!

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JESUS CRISTO REI

a esp ad a? ... Estou seguro de que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as virtudes, nem as coisas presentes, nem as futuras, n e m a violência, nem a altura, nem a profundidade, nem nenhuma outra criatura nos poderá separar do amor de Deus, que se funda em Nosso Senhor Jesus Cristo». ( ' )

240

(') S. P aulo. Carla aos Romanos, vm, 35, 38-39.

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C A P I T U L O X IX

Cristo, R ei dos qu e sofrem (II)

Sstudámos n o c a p ítu lo a n te r io r um te m a b e m d if íc i l , o

p r o b le m a d o s o fr im e n to h u m a n o . T a lv e z n ã o h a ja

o u tro te m a q u e p o s sa in te re s s a r ta n to à h u m a n id a d e c o m o

o d o s o fr im e n to , p o is d if ic i lm e n te e n c o n tra re m o s a lg u é m ,

q u e n ã o te n h a s e n tid o c ra v a d o n o c o r a ç ã o o o lh a r te rr ív e l

d o e s p e c tro d a d e s g r a ç a , o o lh a r p e n e tr a n te d a d o r.

O s o fr im e n to é o c o m p a n h e iro in s e p a rá v e l d o h o m em

q u e p e re g r in a n e s te « v a le d e lá g r im a s » : m is té r io tre m e n d o

p a r a a r a z ã o q u e p e n s a , e p e d ra d e to q u e p a r a a a lm a

r e lig io s a .

S im , o so fr im e n to n ã o é u m a p a la v r a v ã , sem se n tid o ,

m a s u m a c o is a g ra v e , d u ra , a m a r g a ; e m u ita s v e z e s é u m a

p ro v a , in ú til n a a p a r ê n c ia , in to le r á v e l ; c o n tu d o , c o m o v im o s

n o c a p ítu lo a n te r io r , e 0 d iz a s a b e d o r ia d iv in a . « Q u e pode saber o que não fo i tentado?» ( ' ) I s to é , a t r ib u la ç ã o , o

s o fr im e n to é um re q u is ito p a r a e n te n d e rm o s to d o o s e n tid o

d a v id a .

Q u e m n ã o s o fre u , n ã o c o m p re e n d e c o m o n o c a m in h o

p e d re g o so d o s o fr im e n to , p o d e m o s e n c o n tr a r o n o s so « e u » .

(') E clesiástico, XXiv, 9.

1 6

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242 JESUS CRISTO REI

a n o s s a a lm a , o n o sso D e u s , a q u e m e s q u e c e m o s n o c a m in h o

s ere n o d o b e m -e s ta r .

Q u e m n ã o s o fre u , n ã o s a b e c o m o p o d e m o s c o m p re e n d e r

os m a le s a lh e io s , v e n d o -o s a tra v é s d a n o s s a p ró p r ia m is é r ia ;

c o m o com a s te so u ra s a f ia d a s d a d or, s e p o d e m c o r ta r to d o s

os n ó s q u e s u s te n ta m a re d e d o n o s s o e g o ís m o , d a p e q u e n e z

d e e s p ír i to : c o m o p o d e m o s tra n s fo rm a r-n o s em a lm a s in d u l­

g e n te s , c o m p re e n s iv a s , c h e ia s d e p e rd ã o .

Q u e m n ã o s o fre u , n ã o s a b e c o m o , p e lo s o fr im e n to ,

n o s p o d e m o s p u r if ic a r d o s n o s so s p e c a d o s , e x p ia r a s n o s s a s

fa lta s e c o m p e n s a r o te m p o p e rd id o .

P o r q u e n a v e rd a d e é a s s im : o s o fr im e n to , s u p o rta d o

co m v a lo r , fa z -n o s m a is d ig n o s ; a h u m ilh a ç ã o to m a -n o s

m a is s u a v e s ; e a m o r tif ic a ç ã o fa z -n o s m a io re s , le v a n ta -n o s ;

n u m a p a la v r a , o s o fr im e n to s u p o rta d o co m D e u s d á p r o fu n ­

d id a d e à n o s s a a lm a .

M a s só o so fr im e n to s u p o rta d o co m D e u s .

D iz e m o s : n a d a p o d e fa z e r o h o m em m a io r d o q u e u m a

g r a n d e d or. S i m . . . . se a s u p o rta rm o s co m o e s p ír ito d e C r is to .

P o r q u e h á h o m en s q u e se o b s t in a m e d e s e sp e ra m n o

s o fr im e n to . E s te s n ã o so fre m co m o e s p ír ito d e C r is to .

O u tr o s to m a m -s e m a is g ro ss e iro s , in tr a tá v e is , n o m e io

d os s o fr im e n to s e s o b o p e s o d a d o r. tra n s fo rm a n d o -s e em

e s tá tu a s g e la d a s , em m o rto s v iv o s . . . E s t e s ta m b é m n ã o

so fre m c o m o e s p ír ito d e C r is to .

F in a lm e n te h á os h o m e n s , c u ja a lm a , s o b o p e so d o

s o fr im e n to , se to m a m a is d e l ic a d a , m a is g ra v e , m a is d o c e ,

m a is c o m p r e e n s iv a ; s ã o os q u e n o s tra n s e s d o lo ro s o s têm

p o r m e stre a C r is to . R e i d o s q u e so frem .

E co m is to c h e g a m o s a o te m a p ró p r io d o p re s e n te

c a p ítu lo . T o d o s te m o s q u e so fre r, é a tr is te c o n d iç ã o

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CRISTO, REI DOS QUE SOFREM (II) 243

h u m a n a . P r o c u r e m o s , p o is , a p re n d e r e s ta c iê n c ia a d m irá v e l

d o s o fr im e n to . — C o m o havem os de sofrer conforme a dou­trina de N osso Senhor Jesus Cristo?

I

« C r is to é R e i d o s q u e s o fre m » . Q u e s ig n if ic a is to n a

v id a p r á t ic a ? Q u e g a n h o eu , se n o s d ia s a z ia g o s , s o b a s

d e s g r a ç a s q u e m e a c a b r u n h a m , p e n s o q u e Cristo trilhou o mesmo caminho que eu agora piso?

D iz e m q u e , n a p r im a v e ra , q u a n d o re b e n ta m a s v id e ira s ,

o v in h o n o s to n é is c o m e ç a ta m b é m a m o v e r-s e e fe rm e n ta ,

s e n te d e c e r ta m a n e ir a a f lo r a ç ã o d a v id e ira , q u e lh e d eu

o ser. E p o r q u ê ? P o r q u e h á u m a c e r ta « s im p a t ia » e n tre

o v in h o e a v id e ira . « S im p a t ia » s ig n if ic a : p a r t ic ip a ç ã o n o

s o fr im e n to d e o u tr o : c o m u n h ã o d e s e n tim e n to s .

D iz e m ta m b é m q u e , q u a n d o u m a te m p e s ta d e se d e s e n ­

c a d e ia n o m a r , a s u p e r f íc ie l is a d o s m a n s o s e t r a n q u ilo s

la g o s , s itu a d o s e n tre a l ta s m o n ta n h a s , e s te s se e le v a m e

e n c a p e la m ; se n te m , em c e r to m o d o , a s lu ta s d o m a r im e n so

d o q u a l p ro c e d e m . H á s im p a tia e n tre o la g o e o m a r .

A s s im , p o is , e s t a f r a s e : « C r is to , R e i d o s q u e so fre m »

s ig n if ic a q u e e u devo considerar com a alm a compreensiva e com passiva os sofrimentos do Salvador atorm entado... C o m p r e e n s ã o , p o rq u e s ã o irm ã s a S u a a lm a e a m in h a .

E n t ã o s e n tir e i q u e e s ta s im p a t ia , o u a n te s e s ta « c o m p a ix ã o » ,

m it ig a e a p a z ig u a os m e u s s o fr im e n to s , a l iv ia -m e n a s d e s ­

g r a ç a s q u e m e a f l ig e m , i lu m in a c o m a s u a lu z s u a v e a n o ite

e s c u r a d o m eu e sp ír ito , m e sm o n o m e io d os te rr ív e is p e n s a -

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\

244 J e s u s c r is t t o r e i

m e n to s d o p e re c e r , d a m o rte . T e r e i s im p a t ia p o r C r is to , se

s o u b e r s o fre r co m C r is to .

Irm ã o , q u e s e n te s o p e s o d a v id a ; irm ã o , q u e c o m e ç a s

a re n d e r-te a n te o te rr ív e l p e n s a m e n to : a té a q u i . n em um

p a s s o m a is . n ã o p o s so s o fre r m a is , n ã o te n h o fo r ç a s ; irm ã o s ,

v ó s to d o s os q u e so fre is , a p re n d e i a v e rd a d e ira s a b e d o r ia ,

a g ra n d e a r te d e v iv e r : e s ia sim patia por Cristo que sofre. E q u a n d o a v id a v o s p a re c e r in to le r á v e l, e n tã o , t o m a i . . .

O q u ê ? U m re v ó lv e r p a r a v o s s u ic id a r d e s ? O h ! n ã o !

T o m a i u m c r u c if ix o , c o lo c a i-o d ia n te d e v ó s. e s c re v e i a s

p a la v r a s s im p le s m a s a rd e n te s , d o p o e ta a le m ã o : « Q uando os homens traidores e mentirosos te ferirem com traição e engano, pensa devoto no que o teu Senhor teve de padecer.» (‘)

Q u a n d o te e n v o lv e r a n o ite te rr ív e l, q u a n d o so fre re s ,

q u a n d o te d e b a te r e s c o m o o n o b re v ia d o c a íd o n a a r m a ­

d ilh a . sollst du fromm gedenken, pensa no que sofreu o Senhor, no que E le teve de padecer.

Q u e p e n s a m e n to p ro fu n d o , c o n s o la r -s e d e s ta m a n e ir a :

Quanto mais sofreu o Senhor!C e r to d ia . u m s a c e r d o te a le m ã o , e n c o n tr o u -s e n a s

m a rg e n s d o R e n o co m u m a v e lh in h a . — N a wie geht s denn, Alte? C o m o tem p a s s a d o , m in h a b o a v e lh in h a ? Schlecht ganz schlecht. M a l . m u ito m a l. re s p o n d e u e la . A m in h a

c a s a fo i d e s tru íd a p o r u m in c ê n d io , os m e u s f i lh o s e s tã o n a

A m é r ic a , a m in h a p o b r e z a é g r a n d e . . . O s a c e rd o te q u is (*)

(*) W cnn die MenscHen Krànken durei» Verrat und Trug. sollst du fromm gedenken was dein Herr ertrug.

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CRISTO. RFJ DOS QUE SOFREM (II) 245

d ir ig ir -lh e a lg u m a s p a la v r a s d e c o n fo rto , m a s a v e lh in h a

c o n tin u o u a f a la r com u m d o ce s o r r is o : « N o s s o S e n h o r J e s u s

C r is to p a s s o u to d a a s u a v id a sem te r c a s a , e e u n ã o c h e g u e i

a ta n to ; E l e tev e q u e a n d a r d e s c a lç o , e eu a in d a n ã o ; E le

fo i c o r o a d o d e e s p in h o s , e e u , n ã o . . . » E n ã o d is se m a is

n a d a a v e lh in h a . M a s q u e fo rç a tr iu n fa l v ib r a n o s a n to

C r is t ia n is m o ! N ã o é v e r d a d e ? N ã o s e n tim o s to d o s q u e

C r is to é r e a lm e n te o R e i d o s q u e so frem e q u e o C r i s t ia ­

n is m o é sem d ú v id a a lg u m a o m a io r b e n fe ito r d a h u m a n i­

d a d e s o fr e d o r a ? O h ! se o ó le o d o e s p ír ito c r is tã o u n g is s e

to d a s a s n o s s a s c h a g a s , to d a s a s n o s s a s d o re s !

A v id a é te rr ív e l, a v id a é c r u e l. S o b r e s s a l ta - s e o

n o s so c o r a ç ã o , q u a n d o o u v im o s a n a r r a ç ã o e m o c io n a n te

d e tra g é d ia s n u n c a im a g in a d a s m a s a c o n te c id a s .

S e . porém, me abraçar à Cruz de Cristo, triunfarei na vida. N ã o p o d e re i e v ita r a d o e n ç a , n ã o p o d e re i d e s fa z e r

u m m a tr im ó n io in fe liz ; o m a r id o b r u ta l n ã o m u d a rá , a

m u lh e r fr ív o la n ã o s e to m a r á p ru d e n te , o f i lh o p ró d ig o

n ã o e n tra r á n o b o m c a m in h o , a lu ta d iá r ia c o n tr a a m is é r ia

n ã o d e s a p a r e c e r á ; m a s . . . rompe-se o fio da dor, e inunda-me a suave consolação de uma força com que posso vencer na vida.

A im ita ç ã o de C r is to to rn a m a is fá c il o s o fr im e n to .

E l e e s c o lh e u u m a v id a d e s o fr im e n to s p a r a n o s p o d e r d iz e r :

*Considerai e vede se há uma dor igual à minha.» ( ’ ) O q u e

tu so fre s a g o r a , so fr i-o E u p r im e iro , e s o fr i mais e s o fr i

p o r ti. C h o r a s a tu a p o b r e z a ? P o is e u e s c o lh i-a v o lu n ta ­

r ia m e n te . S e n te s - te o fe n d id o n a tu a h o n r a ? E q u e fiz era m

c o m ig o ? B e m s a b e s q u e fu i e s b o fe te a d o . S a b e s q u e m e

O Lamentações de Jerem ias, I, 22.

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246 JESUS CRISTO REI

a p r e s e n ta r a m d ia n te d e H e ro d e s v e s tid o d e lo u c o . F ix a - m e

n a c ru z . T o d o s m e a b a n d o n a r a m , a té o m e sm o c é u .

C h o r a s ? J u n t a a s tu a s lá g r im a s c o m a s m in h a s e p e rd e rã o

o a m a r g o r . É p e s a d a a tu a c r u z ? C a r r e g a -a u m p o u co

s o b r e os m e u s o m b r o s : n ó s os d o is le v á - la -e m o s m a is f á c i l ­

m e n te . P u n g e m -te d e m a s ia d o os e s p in h o s d a v id a ? R e p a r a

c o m o a m in h a fro n te e s tá e n s a n g u e n ta d a .

« M a s . m u ita s v e z e s o s c a m in h o s p o r o n d e o S e n h o r

m e le v a , s ã o dem asiado d if ic e is , dem asiado p e d re g o so s ,

s e m e a d o s d e e s p in h o s » . — S im , é v e rd a d e , e q u e m p o d e rá

n e g á - lo ? M a s s ã o impossíveis? O h ! N ã o . S ó p a r a q u e m

n ã o tem fé . S e te n h o fé , e c re io q u e to d o s os f io s d a m in h a

v id a se ju n ta m n a m ã o d e D e u s ; se te n h o fé e c re io q u e

e x is te A lg u é m , q u e n ã o se e s q u e c e d e m im , e m b o r a to d o s

m e a b a n d o n e m , q u e m e a m a q u a n d o n in g u é m fa z c a s o d e

m im . q u e v e la p o r n ó s q u a n d o d o rm im o s , se te n h o fé

c r i s t ã . . . e n tã o e u tr iu n fa r e i d a v id a .

Q u e fo rç a tem a n o s s a fé p re c is a m e n te n o s o fr im e n to !

S e n a s m in h a s tr is te z a s e a n g ú s t ia s m e la n ç o n o s

b r a ç o s d e C r is to d o lo ro s o , a v id a c o n t in u a r á a ser u m « v a le

d e lá g r im a s » , m a s a m in h a a lm a n ã o e sm o re c e r á . C o n t i ­

n u a re i a q u e ix a r -m e , m a s a s m in h a s q u e ix a s s e rã o o ra ç õ e s ,

u m a o r a ç ã o s u b lim e . C o n t in u a r e i a so fre r, m a s n ã o p erd ere i

a e s p e r a n ç a , p o rq u e n ã o é a d o r que mata, mas o desespero; n ã o é a fo rç a q u e c o n s e rv a a v id a . m a s a fé .

11

C o m o q u e a c a b a m o s d e d iz e r , e s tá d a d a a re sp o sta

a u m a o b je c ç ã o q u e a lg u n s e s p ír ito s s u p e r f ic ia is p od em

a p r e s e n ta r : Um bom cristão terá o direito de se queixar!

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CRISTO. REI DOS QUE SOFREM (II) 247

Ser-lhe-á permitido evitar a doença, e recuar diante da morte ?

Vou responder sem rodeios. Sabemos que a natureza humana teme a dor. sabemos que quereria fugir ao sofri­mento e à morte.

Morrer/ D esaparecer da vida! Este pensamento esmaga todos os homens, mesmo ao mais favorecido da fortuna, àquele que não tem talvez nenhum outro pesar na vida (se é que existe tal homem no mundo). Quem não sentiu o vento glacial da morte? Um dia ou outro vislumbrámos com claridade espantosa o efémero que é o mundo...

Com três palavras podemos resumir a história do homem, a tua e a minha: «Nascemos, sofremos, morremos.» Os séculos passam, os homens nascem e morrem, levan­tam-se novas cidades, desaparecem outras, criam-se pode­rosos impérios, que depressa desaparecem, tudo. tudo cami­nha para o fim, para a morte... Eu mesmo entrei no mundo chorando, e chorando sairei do mundo (’).

Seria coisa aterradora... se a vida acabasse aqui, se a vida não fosse mais do que islo! Sabemos que não é assim, e contudo, o pensamento da morte oausa-nos calafrios. Não nos indignemos como fariseus. Foi o próprio Deus quem implantou em nós o amor à vida.

Um jornalista de Berlim publicou, certo dia, um artigo indignado, com o que presenciou em Lourdes. Escrevia, assombrado, que não compreendia, como pessoas piedosas sumamente religiosas, vão em peregrinação a Lourdes. o santuário de fama mundial, e todas, por maior que seja

O O n sort, on cr ie , — c ea i la v ie ;

O n crie . on sort, — cesf la mort.

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248 JESUS CRISTO REI

sua fé, pedem a saúde, a cura, o prolongamento da vida. E pergunta escandalizado: Não é isto uma estranha incon­sequência?

Quem assim pensa, estaria alguma vez gravemente doente? Quando com 39 ou 40 graus de febre se passa uma noite sem dormir, dando voltas e mais voltas na cama, sem poder conciliar o sono durante cinco minutos, desper­tando com angustiosos pesadelos... os braços a arder, se enroscam sobre a roupa como duas serpentes enraivecidas... olha para o relógio: São. exclama cheio de angústia, doze e meia! O h! quanto falta ainda para despontar o d ia!...

Diz-me, nunca estiveste doente? Se já passaste por esse estado mórbido, então não estranharás que o homem se agarre tanto à vida e lance mão de qualquer coisa que lhe possa trazer alívio... sem que por isso tenha de renegar a sua fé católica. O próprio J esus C risto disse no meio da sua grande dor: «Pai, se é possível, afastai de mim este cá lice .» (')■ E vós exigis que um bom cristão seja insensível? Quereis que o coração, de quem crê na eternidade, fique impassível diante do túmulo dos seus seres queridos? Não, não, isso não é fé cristã. Também nós nos sentimos esma­gados pela dor, mas... não esm orecem os. Também nós choramos à beira do túmulo, mas... não desesperam os, pelo contrário, pomos sobre a Iage sepulcral o manso e dolorido Cordeiro do Senhor.

Não compreendeis a minha alusão. Explico-me. Estive a semana passada em Székesfehérvár a dar um retiro espi­ritual aos estudantes. Quem vai àquela cidade não pode

( ') S . M ateus, xxvi, 59; S . M arcoj, xiv, 56; S . Lucas, XXII. 42.

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CRISTO. RF.l DOS QUE SOFREM (II) 249

deixar de visitar o túmulo do grande bispo Proháslta ('). Fui de manhãzinha ao cemitério...; o seu túmulo estava coberto de flores e coroas... E quem me acompanhava contou-me que, na manhã de Páscoa, entre as flores encontraram um cordeirinho de chocolate embrulhado em papel de estanho... Um menino agradecido fora depô-lo no túmulo do «grande bispo». Ingénua alm a de criança! Certam ente não com ­preendias o pensamento profundo que se oculta na tua acção. O Cordeiro de D eus no túmulo do nosso querido morto! Cristo crucificado consola o homem que sofre!

A desgraça, o sofrimento, sinto-os também eu; sinto-os mas não abandonarei esta grande convicção: «O que Deus toma, tom a a dá-lo com juros.» Quando? Não sei M as sei que mo devolverá com juros. Sou católico, e não obstante sinto o sofrimento; mas no meio de todos os contratempos, oiço as palavras consoladoras do Senhor: «Conheço as tuas obras, os teus trabalhos e a tua paciência ... E que tiveste paciência e sofreste por meu nome e não desfaleceste.» (2)

E não devem os esquecer a outra grande verdade: o Senhor não abandona, a quem primeiro o não deixa, e está connosco, mesmo quando parece que não nos ouve. E prova disto é o que se passou e se pode ler na vida de S anta C atarina de S ena.

Fora a santa atrozmente atormentada com uma terrível tentação; quase chegou a suar sangue nessa luta heroica, que teve de sustentar para a vencer. Venceu-a. e um gozo

O Estas linhas foram escritas no ano de 1927, quando ainda era recente a morte de Otlokár Prohászlca. bispo de Székesfebérvár. (N . do Irad. espanhol).

O Apocalipse, n. 2, 3.

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250 JESUS CRISTO REI

inefável inundou o seu coração. «Ó Jesus, assim se quei­xava ela a Nosso Senhor, onde estáveis enquanto eu lutava com tão furiosa tentação? — «No teu coração» — respondeu Jesus. «Como é possível?!», exclamou a Santa. «Meu coração estava cheio dos pensamentos mais desonestos, e Vós, ó doce Jesus estáveis lá?!» E então o S alvador perguntou-lhe: «E tu comprazias-te neles, ou sentias pesar com a tentação?» «Oh! quanto pesar eu sentia!...», res­ponde Catarina. «Pois vês. minha fi lha, se estes pensa­mentos te causavam tão profundo pesar e não puderam manchar o teu coração, isso foi devido a Mim. Eu estava no teu coração, e permitia as tentações, porque te haviam de ser proveitosas.

«Homem, pensa sempre no bem, para que não tenhas de temer quando chegue a hora derradeira. Será feliz lá em cima no céu quem nesta breve vida terrena tiver sofrido já bastante.»

Estas palavras são de uma poesia da Rainha Isabel (l), que. na realidade, sofreu tanto nesta breve vida terrena.

Todos os homens sofrem, mas só o cristão sabe sofrer: todos morrem mas só o cristão sabe morrer.

*

* *

Termino o capítulo com um caso da vida de Taulero. escritor místico da Idade Média.

0 Esposa de F rancisco José. imperador da Áustria e rei da Hungria. A rainha Isabel foi muito amada pelos húngaros, que viam nela o seu bom anjo. |N. do trod. esponhofj.

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CRISTO. REI DOS QUE SOFREM (II) 251

Este escritor profundamente religioso encontrou, certo dia. um mendigo todo esfarrapado, a quem saudou cari­nhosamente: «Bons dias.» Replicou o mendigo: «Bom dia? Mas eu nunca tive um dia mau.»

Taulero explicou-se: «Quis dizer que Deus te dê boa sorte.»

Mas replicou de novo o mendigo: «Eu tenho sempre sorte.»

Taulero tenta explicar-se melhor e diz: «Quis dizer que tudo te suceda conforme os teus desejos.»

«Pois, tudo sucede como eu desejo e sou muito feliz», tornou o mendigo andrajoso.

Taulero maravilhado, pergunta de novo: «És feliz? Mas. se nem aqueles a quem nada falta, são felizes, como pode ser isso?!»

«Apesar de tudo declaro-te que sou feliz e vivo con­tente. Sei que tenho um Pai no céu. que me quer bem. Quando a fome ou o frio me atormenta, quando a garotada malcriada zomba de mim, só digo isto: Pai, Vós o quereis? Então, também eu o quero, e assim tudo se realiza como eu desejo»...

«E se Deus te precipatasse no inferno, também então quererias o que Deus quer?», perguntou Taulero.

*Tam bém então quereria», respondeu o mendigo, «por­que tenho dois braços; a conformidade com a vontade de Deus e o amor. E se Deus quisesse precipitar-me no inferno, eu me abraçaria com os dois braços a Deus e não O soltaria. levá-1'O-ia comigo ao inferno. E preferiria estar com Deus no inferno, que sem Deus no céu ...»

A nossa vida na terra é sofrimento, dor. mas não é um inferno.

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252 JESUS CRISTO REI

M e s m o q u e o fo ss e !

H a v e m o s d e a g a r r a r -n o s à m ã o d e N o s s o S e n h o r J e s u s

C r is to e h a v e m o s d e d iz e r :

S im , m e u Jesus, sofro, mas persevero. Quero ser-te fiel até que a fé se transforme em visão, o anelo em posse, o breve sofrimento terreno em glória etem a, esta vida tão cheia de a n g ú s t ia s n a coroa imarcessível da vida etem a.

\

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C A PÍTU LO X X

Cristo, R ei dos C on fessores da fé

Jo mocionantes notícias chegam do Novo Mundo nestes últimos anos. Notícias que enchem de profunda dor

e consternação a alma dos católicos.Nos Estados Unidos saiu do leito e destruiu milhares

de habitações um dos rios mais caudalosos do mundo, o Mississipi.

Na nação vizinha, no México, transbordou também o imenso rio da perversidade humana, enchendo de luto a Igreja católica naquela nação; e nós, seus irmãos, sentimos piedade dos nossos irmãos perseguidos. O México foi teatro de terríveis perseguições e viu correr rios de sangue cristão. Ali se proibiu em 1927 confessar abertamente a Nosso Senhor Jesus Cristo. No México, país inteiramente católico, foi proibido celebrar a Santa Missa, dar a Sagrada Comunhão, trazer ao peito uma cruzinha. Jovens de dezoito e vinte anos foram executados e morreram valorosamente com estas palavras nos lábios: «Viva Cristo Rei!» Alguns bispos foram encarcerados, e muitos sacerdotes fusilados por ordem do governo.

Mencionemos apenas os Padres Corrêa, Solá, Reis e Pró. Pela milésima vez se cumprem aquelas palavras de Cristo; «Em verdade, em verdade vos digo, vós chorareis

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254 JESUS CRISTO REI

e lamentar-vos-eis enquanto o mundo se regozijará.» ( l )

Sempre assim foi; os discípulos de Cristo lutaram, choraram, sofreram e o mundo, inimigo da cruz, regozijava-se, exul­tava, triunfava. Mas também se cumpriu, como sempre, a segunda parte das palavras do Senhor: «Estareis tristes, mas a vossa tristeza se converterá em gozo .» (") Sim, Cristo Rei jamais abandonou os fiéis que sofrem; do sangue dos mártires brota uma nova vida cristã e os que perderam por Cristo a vida terrena, obtiveram em troca a vida etema.

Esta será a matéria deste capítulo.Cristo é Rei dos fiéis.

1

As palavras de Nosso Senhor realizaram-se mais depressa do que podiam esperar os primeiros cristãos. Apenas o Salvador deixara a terra e se despedira da Igreja nascente, desencadeia-se feroz perseguição; e foi tão vio­lenta, que ameaçava arrancar pela raiz a frágil planta da Igreja.

São conhecidas de todos as perseguições dos cristãos nos três primeiros séculos; todos sabem que durante tre­zentos anos. os imperadores romanos esforçaram-se por afogar em sangue o cristianismo e exterminá-lo da face da terra.

Tudo o que a imaginação humana pôde inventar de suplícios e torturas tudo foi empregado contra os cristãos.

C) S. Jo ã o . xvi, 20.

0 S. Jo ão . x v i , 20.

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CRISTO, REI DOS CONFESSORES DA FÉ 255

Tudo experimentaram os inimigos da fé, mas tudo em vão. Cristo vigiava sobre a sua grei perseguida e atormentada.

Entremos, por momentos, nos magníficos jardins do primeiro perseguidor, Nero, onde afluía o povo romano noite após noite para contemplar uma iluminação única no seu género. Uma iluminação que raramente se poderá ver nesta miserável terra. Quando o sol desaparecia por detrás das colinas romanas e as trevas cobriam a cidade, acendiam-se nos jardins de Nero. enormes postes cobertos de pez e atado à ponta de cada poste o corpo de um cristão banhado também em pez, ardendo para iluminar os transeuntes. Do meio da vozearia da plebe enlouquecida, do crepitar da madeira ardente, dos gemidos dos cristãos agonizantes, parecia ouvir-se a voz do Senhor: *Em verdade, em verdade vos digo, vós chorareis e lamentar-vos-eis e o mundo se regozijará.> E no dia seguinte, e no outro dia, e todos os dias. durante várias semanas, novas iluminações, novos mártires cristãos.

Assistamos a um espectáculo no Coliseu romano. Conhecemos os terríveis tormentos sofridos pelos nossos grandes heróis, os mártires. E nunca os senti melhor e nunca compreendi tão bem o horror sangrento das perseguições cristãs como quando, pela primeira vez, vi o Coliseu em Roma. o circo que ainda nas suas mesmas ruínas inspira horror e assombro. Paredes gigantescas, andares em anfi­teatro que se enchiam de povo romano, ébrio de sangue cristão. Ainda boje existe uma parte da arena; celas, jaulas de labirintos subterrâneos, que causam calafrios... e com uma profundidade de dois andares! Anciãos de níveos cabelos, donzelas de rosto cor-de-rosa, jovens respirando energia: cristãos todos eles, cristãos encerrados ali, para

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256 JESUS CRISTO REI

passarem a última noite da sua existência: junto deles, nas jaulas, rugem de vez em quando as feras famintas.

Vejamos o espectáculo. Uma noite de mártires.Oiro, mármores, mulheres, escravos, artes e ciências

da Europa. Asia e África... tudo está aos pés daquele povo, que tem em suas mãos o domínio do mundo. Todos vão ao circo: o imperador com o seu cortejo, as vestais e os soldados, cidadãos romanos, todo o povo. uma multidão imensa... De repente cessa o ruido, emudece a vozearia, não se ouve o mais leve murmúrio e os olhares de todos cravam-se numa porta por onde entra na arena, um pequeno grupo, que avança para o meio do circo.

Que cena angustiante! Ao lado de homens vigorosos e jovens galhardos e cheios de juventude, anciãos vene­randos, donzelas na flor da idade e também crianças inocentes!

Apenas chegam ao centro da arena, abre-se uma porta e saltam das jaulas as feras dos desertos africanos, privadas de comida durante alguns dias. O grupo dos cristãos! todos ajoelhados! Mais um instante... e rezam a última oração: «Kyrie, eleison». «Christe. eleison»... E tentam fazer o derradeiro sinal da cruz mas já não conseguem, pois as garras dos leões rasgam seus corpos e os dentes dos tigres penetram até aos ossos. Sangue! Sangue por toda a parte! O sangue dos mártires corre com abundância na arena! Parece que no meio da gritaria ensurdecedora dos especta­dores. entre os rugidos dos leões e o desconjuntamento dos membros, o estalar dos ossos, um rio de sangue escreve na arena as palavras de Jesus Cristo: «Em verdade, em verdade vos digo, vós chorareis e lamentar-vos-eis. e o mundo se regozijará.»

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CRISTO. REI DOS CONFESSORES DA FÉ 257

E isto durante três séculos!Não houve tormento nem suplício a que não fossem

submetidos os cristãos! Contamos, não por milhares, mas por centenas de milhares a multidão dos mártires, o número dos que deram por Cristo o melhor tesoiro que possuíam na terra, a vida. e que não cometeram outro crime neste mundo, senão o d e serem discípulos d e Cristo e de não quererem, de form a alguma, abandoná-lo.

As vezes parecia que a perseguição triunfava. Um dos imperadores, Diocleciano, até mandou cunhar uma moeda com esta inscrição: Nomine christianorum deleto — «Em memória da destruição do nome cristão.» Mas Cristo vigiava a grei atribulada: quando executavam um mártir, levantavam-se outros no meio do público, com este grito: «Eu também sou cristão!» O sangue dos mártires era a chuva de Abril que fez brotar a vida no solo adubado da Igreja. Os cristãos eram constantes e esforçados, porque nos seus ouvidos ressoavam aquelas palavras de S . P edro:«Caríssimos, quando Deus vos provar com o fogo das tribulações, não estranheis, com o se vos acontecesse coisa extraordinária. Mas alegrai-vos d e serdes participantes da Paixão de Cristo, para que. quando se manifestar a sua glória, gozeis também com E le cheios de júbilo » (*)

0) t .m Carta de S. Pedro, iv. 12-12.

17

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258 JESUS CRISTO REI

II

Mas, ao falarmos da sorte que tiveram os primeiros mártires do cristianismo, surge inevitavelmente esta questão: O espirito heroico de sacrifício dos primeiros mártires vive ainda hoje nos seus descendentes, nos cristãos dos nossos dias? Conservamos nós. ao menos uma brasa daquele amor a Cristo, que confortou aqueles primeiros mártires até no suplício e até na morte? Porque temos de nos convencer de que a perseguição ao cristianismo não cessou no decorrer dos séculos, dura ainda hoje em todo o mundo.

É verdade que actualmente os cristãos, não são perse­guidos pelos leões e pelos tigres nem são arrojados às feras: os mártires de boje não são untados com pez. nem os atam aos postes para servirem de archotes; não os lançam a água. nem os amarram aos potros: as atrocidades mexicanas são uma excepção no mundo civilizado ('). Mas ainda que a perseguição não se faça com tigres e leões neste mundo civilizado, perseguem-se e martirizam-se os cristãos com meios mais perigosos e daninhos que os dentes do leão e as garras do tigre: são as armas da chacota, do desprezo, do sorriso malévolo, do silêncio, do não fazer caso.

Sim, quem hoje. no meio do paganismo moderno, quiser manter-se fiel aos mandamentos de Deus e as prescri­ções da fé católica, pode contar que há mister do heroísmo dos primeiros mártires; não hão-de os leões e os tigres

0) Se o aulor viveste em nossos dias. bem podia pinlar com coces mais sombrias as tortura, usadas pelos modernos perseguidores do cristianismo,

os comunistas. (N. do T .).

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CRISTO. REI DOS CONFESSORES DA FÉ 259

dilacerá-lo, mas há-de sentir o desdém e a zombaria, será apontado a dedo como um antiquado, como um beato, que traz sombras e tristezas no coração.

E que estas armas sejam mais terríveis que as garras dos leões, bem o prova o facto de, com elas, lograrem mais apostasias do que com as feras da antiguidade. A perse­guição não cessou em nossos dias. Mas onde está a bravura dos primeiros mártires? Eles deram a sua vida por Cristo, e nós envergonhamo-nos de nos ajoelharmos na igreja, de nos descobrirmos ao passar diante duma igreja. A nossa consciência estimula-nos a fazê-lo, mas... que dirão os homens?! Os mártires davam a sua vida por Cristo, e eu desejava confessar-me e comungar com mais frequência, porque sinto a falta da comunhão e que minha alma neces­sita do alimento divino e sobrenatural, mas... não me atrevo... que dirão os homens? Eu sei que as conversas levianas e imorais, que aquele livro, aquele quadro, aquele cinema mancham a pureza da minha alma; sei que peco, se vou a vê-los, se os leio; eu queria abster-me, evitar o pecado, mas... que dirão os homens? — Que sou um atra­sado, um hipócrita! E tomo parte na conversa, e leio o livro imoral, e vou ao teatro e ao cinema que a minha consciência condena e calo-me cobardemente ao ouvir blasfêmias e ultrajes contra a minha religião... para que não se riam de mim.

Para que não se riam de mim! Por um sorriso, por um olhar irónico, por uma am izade mal compreendida, atraiçoo a minha alma, atraiçoo Cristo, A quele a quem os primeiros cristãos não quiseram abandonar mesmo no meio dos mais atrozes suplícios. E não foram só os homens robustos e na plenitude da vida que não quiseram renunciar

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260 JESUS CRISTO REI

a Cristo, mas também os anciãos, as crianças e débeis donzelas. Uma santa Felicidade tão peregrinamente mater­nal, um S. Policarpo de oitenta e seis anos de idade, uma Santa Inês, de treze anos! No meio dos mais cruéis suplí­cios repetia esta santa: «Senbor, guardo para Vós a minba fé. Senbor, a Vós me consagro: Vós. ó Todo Poderoso; Vós. digno de admiração; Vós. digno de todo o respeito; etemamente bendirei o Vosso santo nome.»

E quão fácil Ibes era escapar às torturas, à morte e reconquistar a liberdade! Bastava que dissessem uma só palavra: «Não conbeço a Cristo, não adoro a Cristo», e imediatamente seriam postos em liberdade, escapariam às feras, e se apagaria a fogueira que os algozes tinbam prepa- parada ou seriam retirados da água gelada onde tinbam sido lançados de pés e mãos atadas. Mas não fraquejaram pro­nunciando tal palavra, e na fogueira ardente, diante da espada, no azeite fervente, no ebumbo derretido, no meio das tenazes incandescentes, no meio de tormentos infer­nais... permaneceram fiéis a Cristo/

Peçamos a Cristo, Rei dos fiéis, que avive em nós. acossados por mil tentações na vida moderna, o espírito de sacrifício dos primeiros cristãos, o desprezo da morte, a sua bravura, o seu amor a Cristo.

Sim. um amor inflamado a Nosso Senbor Jesus Cristo, porque disto depende tudo.

Quem deu aos primeiros cristãos a valentia e a perse­verança no sofrimento? O amor santo a Jesus Cristo que ardia em seus corações.

Quem vos deu. Santa Catarina, força e ânimo para sofrerdes o suplício da roda e submeterdes a cabeça gloriosa ao cutelo do verdugo, depois de haverdes vencido e con­

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OR/STO, REI DOS CONFESSORES DA FÉ 261

vertido cinquenta contraditores filósofos pagãos? O amor a Cristo.

Santa Cecília, quando tentaram sufocar-vos com o vapor quente, e quando a espada do verdugo desferiu o golpe assassino sobre a vossa cabeça inocente, e tiveste que sofrer duramente alguns dias a ferida mortal, o que é que vos deu força?

E vós. Santa Luzia, atraiçoada pelo vosso noivo, e trespassada depois por uma espada?...

E vós. São Pancrácio, porque não quisestes sacrificar aos deuses pagãos? Quem vos deu forças para permane­cerdes fiel a Cristo, quando sabíeis que vos iam tirar a vida. a vossa vida jovem, que não contava mais que catorze primaveras?

E vós. São Simeáo, que na idade de cento e vinte anos. depois de um suplício de vários dias. com ânimo inflexível triunfastes na própria crucifixão?

E vós. Santa Inês, descendente de uma nobre e rica família, linda donzela de treze anos, porque declarastes ao vosso pretendente, o filho do governador da cidade: «Estou desposada com o meu Senhor Jesus Cristo» quando sabíeis que essas palavras acenderiam uma fogueira debaixo dos vossos pés? Porque dissestes: «Sou esposa d’Aquele a quem servem os anjos»? Donde vos vinha força e energia, quando no meio das chamas repetíeis sem cessar: «Vou para Vós a quem amo, a quem buscava, por quem sempre ansiei» ?

O que é que lhes dava forças ? — O amor ardente a Nosso Senhor Jesus Cristo!

Ah! se voltasse o amor heroico dos mártires, que tanta falta nos faz em todas as ocasiões!

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262 JESUS CRISTO REI

Quando e onde o necessitamos?Necessita de ter a valentia inquebrantável dos mártires,

o seu espirito de sacrifício, o seu profundo amor ao Salvador, aquele que num ambiente de ironia e de mofa deseja manter-se fiel à sua religião: a Jesus Cristo. É neces­sária esta constância de mártir à alma pura que. no meio da corrupção moral, quer conservar a sua pureza, passar incólume, vencer tantas seduções e tantas tentações.

Este heroísmo de mártir revela-se naquela jovem ame­ricana, Miss G race M inford, que há pouco deixou o pro­testantismo e entrou na Igreja católica, fazendo-se depois religiosa dominicana. Seu pai, falecido há poucos anos. deixou-lhe uma fortuna de 12 milhões de dólares — soma fabulosa — com a condição de abandonar o convento. E que respondeu a jovem? «Meu Pai do Céu é ainda mais rico do que meu pai da terra, e saberá dar-me uma maior recompensa.» E com isto perdeu a enorme herança. Heroísmo de mártir! (')

Este heroísmo revela-se também naquela rapariga húngara, que estando prestes a realizar-se o sonho dourado de uma jovem, o sacrificou generosamente, porque o seu pretendente era de outra religião. E essa jovem rica e bem prendada, não disse «sim» não se casou, e ainda hoje se mantém livre: mas... guardou fidelidade a Cristo!

De heroísmo necessita aquele empregado católico que persevere firme na sua fé. com plena consciência do que faz. sabendo que. hoje. o rótulo de católico não é a melhor carta de recomendação para subir, abrir carreira ou para (*)

(*) Sdionfrp y.ultunfi. 1 de Maio de 1927.

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CRISTO. REI DOS CONFESSORES DA FÉ 265

maiores vantagens materiais. Quanto se necessita no nosso tempo do amor heróico dos mártires!

É preciso que este amor heróico, este amor dos mártires penetre no nosso coração, para que o peso da vida quoti­diana e as preocupações terrenas, não sufoquem os anseios religiosos da alma. Necessitamos de possuir essa perseve­rança. este espírito de sacrifício, para que no meio das provas e lutas da vida, não desviem os o olhar nem um só instante, de Cristo, nem pisemos a senda do pecado. Porque as palavras do Senhor: «Vós chorareis, e lamentar-vos-eis, e o mundo se regozijará*, cumpriram-se não só no passado mas hoje também. Os discípulos fiéis de Cristo sofreram sempre, enquanto os filhos do mundo, isto é, os maus. se regozijavam. Antigamente os cristãos sofriam as garras dos leões, hoje. sofrem os remoques da ironia: antes os dentes afiados dos tigres, hoje, as críticas mordazes da calúnia. Antigamente aceitava-se a morte por Cristo; hoje o sacrifício está em viver, em permanecer fiel a Cristo na vida.

III

Mas. graças a Deus, a profecia do Salvador não ter­mina aqui; tem uma segunda parte, que é muito conso­ladora. «Haveis de sofrer a tristeza, mas a vossa tristeza converter-se-á em gozo», em gozo que nunca terminará!

Se se cumpriu a primeira parte da profecia no decurso da história, também se há-de realizar a segunda, como se realizou até ao presente. Jesus Cristo predisse que a sua Igreja seria perseguida, que quem quisesse segui-1 O teria que tomar a sua pesada cruz aos ombros e trilhar o caminho

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264 ]ESUS CRISTO REI

de seus divinos passos. Mas acrescentou também que «o seu jugo é suave, e que o seu fardo é leve», «que as portas do inferno náo prevaleceriam contra a Sua Igreja». A his­tória desta, duas vezes milenária, presta o mais brilhante testemunho a favor das palavras de Cristo.

Quantas perseguições não se levantaram contra a Igreja! E, não obstante, ela continua sempre viva.

Dos trinta e dois primeiros Papas, trinta morreram mártires, e, não obstante, hoje temos P apal

O imperador Adriano mandou colocar no Calvário a estátua de uma deusa pagã — Vénus — e sobre o túmulo do Redentor, a estátua de Júpiter.

E quem se lembra boje de Vénus? E quem presta culto a Júpiter? E trezentos milhões de homens, sem contar os protestantes e cismáticos, adoram o morto do Calvário. Nosso Senhor Jesus Cristo, nosso divino Salvador!

No furioso alvoroço da Revolução Francesa, pôs-se à votação esta pergunta: «Deus existe?» E no meio dos olhares assassinos, só uma pobre mulher, uma velhinha, se atreveu a levantar a mão. já trémula, para defender os interesses de Deus: *Pour Dieu, pour D ieu 1» Por Deus. por Deus! E os homens continuam a adorar a Deus.

A Revolução suprimiu o modo cristão de contar o tempo; colocou sobre o altar uma actriz, de baixo estofo, adorando-a como a deusa; e os altares continuam consa grados ao Senhor; e os fiéis continuam prostrando-se de joelhos ante a imagem de N osso Senhor Jesus Cristol

Queixamo-nos. com frequência! da perversidade do mundo actual. E rcalmente é algo que assombra ver a aridez espiritual em que está sumida a maior parte da humanidade moderna. Quem pode negar que ao nosso

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CRISTO. RFJ DOS CONFESSORES DA FÉ 265

lado vivem muitas almas naufragadas na Fé, que perderam o rumo no que respeita à vida moral? Infelizmente. assim é. M as!... mas isto é só a frente da medalha, e a medalha tem também o reverso, muito mais edificante e consolador.

Entre as inúmeras tentações com que nos brinda a vida moderna, é muito difícil perseverar no cumprimento dos principios rígidos do cristianismo, e apesar disso, podemos consoladoramente notar que se cumprem as palavras do profeta: *H á sete mil homens, que nunca dobraram osjoelhos diante de B a a l!» C)

Há homens aos milhares e dezenas de milhar, que. heroicos como os antigos mártires, lutam d ia a dia defen ­dendo sua fé. no meio de inumeráveis tentações e conse­guem a vitória. E é prova do que afirmamos, o que se passa em Budapest. Ao passar o eléctrico diante de uma igreja, metade dos passageiros, se são homens, descobrem-se, tirando o chapéu: se são mulheres, fazem o sinal da cruz. e os escuteiros perfilam-se, em sinal de respeito. Teste­munho brilhante da religiosidade do povo húngaro, títulode orgulho que nos comove quando acompanhamos algum amigo estrangeiro pelas ruas da cidade.

Visitou um dia Budapest um orador sagrado alemão, pregador na Universidade de Munster. e foi ouvir um dos meus sermões. Não entendeu uma só palavra, mas depois do sermão veio dizer-me: «Querido amigo, é magnífico o povo que o escuta! Que atenção! Que silêncio! ! arecia que nem se respirava! É algo de imponente!»

E se tivesse entrado em qualquer outro templo da capital, encontraria o mesmo quadro: uma igreja repleta de

(*) 3.° ÍJvro dos Reis. xrx. 18.

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266 JESUS CRISTO REI

f ié is , m u ito s d e v o to s , m u ita g e n te n o s c o n fe s s io n á r io s e n a

m e sa d a S a g r a d a C o m u n h ã o .. .

É c o m o d iz o S e n h o r :

« V ó s chorareis e lamentar-vos-eis, e o mundo se rego­zijara; vós tereis tristeza, m a s a vossa tristeza converter-se-á

F o d em o s já t ira r a c o n c lu s ã o d o p re s e n te c a p itu lo .

O c á l i c e d e a m a r g u ra d a I g r e ja e s te v e sem p re re p le to .

O se u ro s to , sem p re t in to d e s a n g u e co m q u e o b a n h a r a m

o s seu s in im ig o s d esd e o p r in c íp io d a s u a h is tó r ia : e c o n ­

tu d o . e s ta re lig iã o p e rs e g u id a , e s te c r is t ia n is m o c o n d e n a d o

à m o rte . v iv e . v iv e a in d a h o je . e n ã o só c o n s e rv o u a su a

e x is tê n c ia , m a s . n o decurso de dois mil anos, nunca teve tantos fiéis como hoje.

I 'o r m a r a m -s e e p e re c e ra m ilu s tr e s d in a s t ia s ; n a s c e r a m

e d e s a p a re c e ra m v á r io s p o v o s d u ra n te s é c u lo s : m a s a Ig r e ja

c a t ó l ic a ta n ta s v e z es a ta c a d a e p e rs e g u id a , c o n t in u a d e s a ­

f ia n d o c o m firm e z a a te m p e s ta d e d o s te m p o s ; e é d e n o ta r

q u e n ã o s e a p o ia n a fo rç a a rm a d a , n ã o tem c a n h õ e s , n em

ta n q u e s , n em a v ia ç ã o , c a r e c e d e fo r tu n a e o u tro s re c u rs o s

h u m a n o s ; m a s p o s s u i . . . u m a p a la v r a , a g r a n d e p ro m e ssa

d o se u fu n d a d o r : « A s portas do inferno não prevalecerão contra ela.» ( ' )

N o s c o rre d o re s s u b te r r â n e o s d a s C a ta c u m b a s , o n d e o

c r is t ia n is m o p e rs e g u id o v iv e u tre z e n to s a n o s . re s so a m , em

O S. Mateus, xvi, 18.

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CRISTO. REI DOS COXFESSORES DA FÉ 267

n o sso s d ia s , os a c e n to s v ib r a n te s d e o ra ç õ e s c h e ia s d e g r a ­

tid ã o . q u e c a n ta m m ilh a r e s d e p e re g r in o s c r is tã o s .

N o lu g a r d o p a lá c io em q u e o im p e ra d o r M a x im il ia n o

p re p a ro u u m a d a s m a is tre m e n d a s e s a n g r e n ta s p e rs e g u iç õ e s

c o n tr a o s c r is tã o s , le v a n ta -s e h o je u m te m p lo m a g n íf ic o ,

a B a s í l i c a d e S . J o ã o d e L a t r ã o . In u m e rá v e is te m p lo s , q u a ­

d ro s , e s tá tu a s , f e s t a s . . . a p re g o a m o c u lto d e m ilh a re s e

m ilh a r e s d e m á r tir e s .

E a l i , o n d e e s ta v a o tú m u lo d e N e r o q u e . in s e n s a to ,

s e e m b r ia g a v a d e s a n g u e c r is tã o , le v a n ta -s e em n o s so s d ia s

u m te m p lo em h o n r a d a S a n t ís s im a V ir g e m , a M ã e d e

M is e r ic ó r d ia , S a n t a M a r ia del Pópolo.E s o b r e o tú m u lo d e u m m o d e sto p e s c a d o r , q u e o

m u n d o h á v in te s é c u lo s c r u c if ic o u d e c a b e ç a p a r a b a ix o ,

p o r p re g a r a d o u tr in a d e C r is to , le v a n ta -s e h o je o te m p lo

m a is g ra n d io s o d a te rra , a B a s í l i c a d e S . P e d r o ; e a lu z

d a s lâ m p a d a s , q u e a rd e m s o b r e o tú m u lo d o p r ín c ip e d o s

A p ó s to lo s , p a r e c e e s c re v e r n a s p a re d e s d e m á rm o re a

s e g u n d a p a rte d o v a t ic ín io d e C r is t o : « V ó s tereis tristeza, mas a vossa tristeza converter-se-á em gozo .»

E to d a e s ta p o m p a e x te r io r n ã o é m a is q u e a r e c o m ­

p e n s a te rre n a d o s c o n fe s s o re s d e C r is to . Ig n o ra m o s , q u a n d o

m u ito , c o n je c tu r a m o s qual seja o seu galardão no céu, o galardão que Cristo outorga àqueles a quem disse uma ocasião: *Q uem me reconhecer diante dos homens, também eu o reconhecerei diante de meu Pai que está nos céus.»

Is to p o d e m o s tê - lo c o m o c e r to .

E x is te m d o is c a m p o s , o d o s s e g u id o r e s d e C r is to e o

d o s s e q u a z e s d o p e c a d o , d o d e m ó n io , e h o je c o m o sem p re ,

u m e n fr e n ta o o u tro .

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268 JESUS CRISTO REI

S e i q u e s e g u ir a C r is to , s e g u ir s u a s p is a d a s s ig n if ic a

a b n e g a ç ã o , s a c r if íc io , e q u e a v id a fr ív o la d o m u n d o é fá c il .

S e i q u e o s f ié is im ita d o re s d e C r is to b ã o -d e p a d e c e r

m u ito , e n q u a n to os f i lh o s d a in iq u id a d e se h ã o -d e r e g o z ija r .

E sei também que mais vale sofrer com Cristo neste mundo, que regozijar-se com os pecadores.

P e r m ite -m e . le ito r a m ig o , q u e te fa ç a u m a p e r g u n ta :

A q u e m preferes seguir? Q u e r e s a l is ta r - te s o b a b a n d e ir a

d e C r is to , o u s o b a d o p e c a d o ?

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C A P I T U L O X X I

Cristo, Fiei da vida hum ana

A _ / J e sp ír ito c r is tã o , à m e d id a q u e s e a r r a ig a e d ifu n d e .

s a tu r a e a p e r fe iç o a to d a s a s m a n ife s ta ç õ e s d a v id a

te r r e n a . N e s te c a p ítu lo p ro p o m o -n o s a p r e c ia r o ju s to v a lo r

d a v id a . E p e rg u n ta m o s . Q u e s ig n i f ic a : tCristo é Rei da vida humana?»

Crislo é Rei d a vida hum anai T r a t a r e s te te m a , e x a ­

m in a r o o b je c t iv o d a v id a te rre n a , a p r e c ia r n o se u ju s to

v a lo r a c h a m a d a c u ltu r a f is ic a , é q u e s tã o q u e se im p õ e ,

p o r d u a s ra z õ e s .

P r im e ir a m e n te , p a ra p o d e rm o s ju lg a r re c ta m e n te , com

c r ité r io c a tó l ic o , a s d iv is a s m o d e rn ís s im a s d o d e sp o rto , d a

h ig ie n e .e d o c u lto d o co rp o , e n ã o c a irm o s em e x a g e ra d o s

lo u v o re s e e n c a r e c im e n to s a o fa la r s o b re o v a lo r d a v id a

te rre n a .

M a s ta m b é m é n e c e s s á r io e d e a c tu a l id a d e t r a ta r e s te

a s s u n to , p a ra e v ita r o e x tre m o c o n tr á r io , is to é , jo g a r im p ru ­

d e n te m e n te com a v id a , c o n s u m in d o -a em m il f r iv o lid a d e s

c o m o fa z . in fe liz m e n te , ta n ta g e n te , em n o s so s d ia s .

S a l t a m à v is ta os d o is e x tr e m o s : p o r u m a p a r te , o

e x c e s s iv o g o z o d a v id a , a c a ç a a o s p ra z e re s , e o c u lto e fe m i­

n a d o d o c o r p o : e p o r o u tr a p a r te , o d esp re z o fr ív o lo d a

e x is tê n c ia , o n ú m e ro c a d a v ez m a io r d e s u ic id a s .

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270 JESUS CRISTO REI

E is p o rq u e q u e r o re s o lv e r e s te g r a v e p r o b le m a : Q ue direito e que responsabilidade temos nós sobre o nosso corpo e a nossa vida terrena? Q ual é o critério da nossa sacrossanta religião com respeito ao nosso fim aqui na terra? o u , p o r o u tr a s p a la v r a s , q u e s ig n if ic a e s ta p r o p o s iç ã o :

tCristo é o Rei d a vida terrena?»

I

A I g r e ja c a tó l ic a olhou sempre com respeito e seriedade a saúde e a vida. N ó s n ã o a f irm a m o s o q u e ta n to s e r r a d a ­

m e n te d e fe n d e m : « a s a ú d e é o m a io r b e m d o m u n d o » ;

a p re c ia m o s m u ito m a is a a lm a ; a f irm a m o s , p o ré m , a b e r ta ­

m e n te « q u e a s a ú d e é o m a io r d o s b e n s terrenos», e q u e é

l íc i to , m a is a in d a , n e c e s s á r io , s a c r if ic a r m o -n o s p o r e la , e q u e

n in g u é m te m o d ir e ito d e a b r e v ia r n u m só d ia . n e m n u m a

só b o ra . o te m p o q u e lb e fo i d e s ig n a d o p e la P r o v id ê n c ia .

P o r ta n to , o c o n c e ito m o r a l c a tó l ic o c o n c e d e to d o o

d ir e ito q u e le g it im a m e n te c o r re sp o n d e à sa ú d e , a o d e s e n v o l­

v im e n to d o c o r p o b e m c o m o à s u a c u l tu r a f ís ic a , p o rq u e

b e m s a b e q u e , c o m u m c o rp o e n fe rm iç o , n ã o p o d e o h o m em

c u m p rir a s s u a s o b r ig a ç õ e s a q u i n a te rra . N ão é porventura nesta vida terrena, que temos de merecer a vida eterna? T e m o s d e m e r e c ê - la p o r m e io d o tr a b a lh o h o n r a d o e h o n e s to ,

p o r m e io d e u m a v id a c o n s a g r a d a a o c u m p rim e n to d o d ev e r.

E p a r a isso , é m is te r u m c o rp o ro b u s to e s ã o . P o r ta n to ,

a q u e le s q u e h o je e m d ia fa la m d a « c u ltu r a f í s ic a » , d a

« h ig ie n e » , d a « g in á s t i c a » . . . n ã o p r e c is a m d e ir p a r a a

G r é c ia p a g ã , p o d e m p e r m a n e c e r t r a n q u ilo s n a R o m a

c a tó l ic a .

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CRISTO. REI DA VIDA HUMANA 271

A R e l ig iã o c a tó l ic a fa la c o n t in u a m e n te n a v id a e te r n a ,

e e s t im u la -n o s sem c e s s a r a m e r e c ê - la ; m a s , nem por isso se esquece da vida terrena. C o n fo r m e a d o u tr in a d a Ig r e ja ,

n ã o só é s a n ta a a lm a d o h o n rem , m a s ta m b é m o é o seu

c o rp o , p o rq u e é u m d o m d e D e u s C r ia d o r .

P e l a m e sm a ra z ã o , a I g r e ja t r a to u sem p re co m s a n ta

s o l ic i tu d e e re s p e ito o c o rp o d o h o m em . N o h a p tis m o .

p r im e ira s a u d a ç ã o d a I g r e ja , a á g u a b e n ta to c a o c o r p o :

o ó le o s a n to u sa d o p e lo b isp o , n a c o n f ir m a ç ã o , u n g e -o :

e n o e n te rro , a á g u a b e n ta , c o m o ú lt im a s a u d a ç ã o , to c a

d e n o v o o c o rp o . P a r a n ó s a v id a te rre n a n ã o é u m c a s t ig o ,

c o m o e n s in a a d o u tr in a n e b u lo s a d a r e in c a r n a ç ã o a s iá t ic a .

N ã o . P a r a n ó s , a v id a te rre n a , e s ta v id a m o rta l é um grande dom e uma grande responsabilidade: p o r e la p o d e m o s o b te r

a v id a e te r n a .

2 .° « N ã o o b s ta n te , a I g r e ja e x ig e q u e s e ja m o s sev e ro s

c o n n o s c o m e sm o s , q u e n o s d o m in e m o s , q u e n o s a b n e ­

g u e m o s » .. .

S im , m a s n ã o p e la a b n e g a ç ã o e m si, m a s p a r a assegurar a harm onia entre o corpo e a alma. E s t a h a r m o n ia fo i d e s ­

tr u íd a p e lo p e c a d o o r ig in a l. D e s d e e n tã o , o c o rp o f ic o u

in c lin a d o a o p e c a d o : e n ã o p o d e m o s r e c u p e ra r a s u p re m a c ia

d a a lm a s o b r e o co rp o , sem s e r p o r u m a s e v e ra d is c ip l in a .

T o d a a h is tó r ia d a I g r e ja é um a u tê n tic o te s te m u n h o

d e q u e e la sem p re s o u b e a p r e c ia r , n o s e u ju s to v a lo r ,

a v id a te rre n a , e d e u - lb e s e m p re u m a im p o r tâ n c ia s u m a ,

u m a im p o r tâ n c ia d e c is iv a . N ã o fo i n e g lig e n te e m le v a n ta r

a v o z . q u a n d o se tra to u d e a p r e c ia r p e lo s e u ju s to v a lo r

a v id a c o r p o ra l, a p o s s ib il id a d e e a n e c e s s id a d e d a v id a

te rre n a .

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272 ]ESUS CRISTO REI

H o u v e s e ita s m is te r io s a s (o s g n ó s tic o s , os m a n iq u e u s ) ,

q u e c o n s id e r a v a m o c o rp o h u m a n o c o m o o b r a d o Príncipe do M al e a v id a te rre n a c o m o um s u p líc io . A I g r e ja c o n ­

d e n o u -o s c o m o h e re g e s . Ig u a lm e n te d e c la r o u c o m o h e re g e s

o u tro s fa n á t ic o s q u e . in te rp re ta n d o e rra d a m e n te a p a la v ra

d o S e n h o r , e x ig ia m d e to d o s u m a p o b re z a a b s o lu ta e p re s ­

cre v ia m a d is tr ib u iç ã o d o s seu s b e n s .

A Ig r e ja e n s in o u sem p re q u e n ã o só o e x c e s s iv o b e m ­

-e s ta r é in im ig o d a v id a e te r n a , m a s é -o ta m b é m a p o b re z a ,

a m is é r ia e x tre m a .

O e x a g e r a d o b e m -e s ta r te rre n o to rn a o s h o m e n s e fe m i­

n a d o s ; e a e x c e s s iv a m is é r ia , e m p e d e r n id o s ; o b e m -e s ta r

to rn a -o s o rg u lh o s o s , e a m is é r ia c a u s a o d e s e s p e r o ; o b e m ­

-e s ta r a fo g a a s e x ig ê n c ia s re lig io s a s d a a lm a . e a m is é r ia

g e la a s s u a s a s p ir a ç õ e s .

P a r a q u e a s e x ig ê n c ia s re lig io s a s p o ssa m le v a n ta r a s u a

v oz . é n e c e s s á r io q u e o h o m em n ã o c a r e ç a d a s c o n d iç õ e s

m a is e le m e n ta re s d e v id a . A I g r e ja sem p re s o u b e isto

e sem p re o tem e n s in a d o a s s im .

11

C o m p re e n d e re m o s a g o r a a s e v e r id a d e com q u e a Ig re ja

p ro te g e u e d e fe n d e u sem p re a invulnerabilidade do corpo humano e da vida terrena.

Q u e m n ã o c u id a d a s a ú d e c o m o d ev e . p e c a , à fa c e

d a s le is d a Ig r e ja . Q u e m , p a r a se l iv r a r d o s e rv iç o m ilita r ,

c o r ta um d ed o . e s ta m u t ila ç ã o é u m p e c a d o a o s o lh o s d a

I g r e ja . E se alguém, aborrecido de viver, corta o fio da vida, da qual não é senhor, com ete um dos maiores p ecados .

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CRISTO, REI DA VIDA HUMANA 273

Porque é que o suicídio é um pecado tão grave?l .° P o r q u e o s u ic id a a p o s s a -s e d e um te so iro q u e n ã o

é s e u : a v id a : e c o m e te um p e c a d o q u e j á n ã o p o d e

r e p a r a r ; co m a m o rte c o r ta to d a s a s p o s s ib il id a d e s d e u m a

r e p a r a ç ã o .

C e r ta m e n te a I g r e ja c o n h e c e p e r fe ita m e n te os a r g u ­

m e n to s s e n tim e n ta is , co m q u e os e sp ír ito s e x tr a v ia d o s d a

n o s s a é p o c a p ro c u r a m m a tiz a r co m c e r to e n c a n to e com

v iso s d e h e ro ís m o o s s u ic id a s ; c o n h e c e a te rr ív e l s itu a ç ã o

e c o n ó m ic a em q u e a lg u n s se p o d e m e n c o n tr a r ; e c o n tu d o ,

m a n té m -s e firm e n a s u a a t i tu d e ; sempre, e em todas as circunstâncias, considera o suicídio como um dos maiores pecados.

S e ja m o s c la r o s . N ó s n ã o c o n d e n a m o s n in g u é m ; a c o n ­

d e n a ç ã o d e ix a m o - la a D e u s . S ó D e u s p o d e ju lg a r em q u e

g r a u d e n o rm a lid a d e o u a n o r m a lid a d e s e a c h a v a a q u e le

p o b re d e s g r a ç a d o , n o s so irm ã o d e a lm a d e s fe ita , no p ró p rio

m o m e n to d e le v a n ta r c o n tr a s i a m ã o s u ic id a .

A p e s a r d e tu d o . a Ig r e ja n ã o p o d e m u d a r a s u a p o s iç ã o

d o u tr in a l ; n ã o p o d e m o d if ic a r a te s e de que só pode tirar a vida A quele que a deu : o C riador, e q u e n em a d o e n ç a ,

n em u m a m o r in fe liz , n em a p e rd a d a fo rtu n a , n e m a

d e s o n ra , n e m q u a lq u e r in fe lic id a d e ou d e s g r a ç a n o s d ã o o d ir e ito d e a c a b a r co m a v id a .

2 . « M as, a vida é minha, é o q u e e u p o s su o d e m a is

p e s s o a l ! P o s s o fa z e r d e la o q u e q u is e r . E s e e u q u is e r

a c a b a r co m e la ? » , d iz um d os q u e lu ta m co m o d e s e sp e ro .

N ã o , irm ã o , a v id a n ã o é tu a . C o m p r a s te u m q u a d ro

a r t ís t ic o , o b r a d e um p in to r d e fa m a m u n d ia l . C o m p r a s te -o

e p a g a s te -o co m o te u d in h e ir o . O q u a d ro é te u . E p o d e rá s

d e s tru í- lo p o r c a p r ic h o ? — N ã o . A g ir ia s m u ito m a l se o

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274 JESUS CRISTO REI

d e s tru ís s e s . E t r a ta n d o -s e d a v id a . h á -d e -s e u rg ir a r a z ã o :

p o rq u e a v id a é m u ito m a is v a lio s a q u e o m e lh o r q u a d r o ,

a lé m d is so , em r e la ç ã o a m im . a v id a é tu a . T u a n ã o m in h a .

M a s em r e la ç ã o a D e u s n ã o p o d e s d iz e r : é m in h a , n ã o d e

D e u s ; é tu a n a m e d id a em q u e D e u s ta c o n c e d e , e E l e

o u to rg o u -ta . p a ra q u e fr u t if iq u e , a té a o d ia em q u e ta p e ç a .

É s u s u fr u tu á r io e n ã o p ro p r ie tá r io a b s o lu to .

3 . ® « M a s é tão difícil a vida! Q u a n d o n ã o h á a l e ­

g r ia . q u a n d o s e te m q u e lu ta r c o n t in u a m e n t e ! . . .»

— N e m m e sm o a s s im . E s t a v id a te rre n a é r e a lm e n tc

m u ito im p e r fe ita : n ã o é m a is q u e u m e s ta d o d e tr a n s iç ã o .

S e o s o fr im e n to a m a r g u ra a e x is tê n c ia , e a tr is te z a fa z c o r re r

lá g r im a s d o s te u s o lh o s , c o m p re e n d e -s e . M a s q u e b r a r , ro m ­

p e r o fio d a v i d a ? . . . N ã o , n u n c a !4 . ® « M a s se tu d o se d e s m o r o n a n a m in h a v id a ! S e

u m a fo r tu n a m a l a d q u ir id a , a fra u d e , o fa rd o e s p a n to s o

d e u m a v id a d e s o rd e n a d a p e s a s o b re m im e m e o p rim e .

E s to u a r r u in a d o . Q ue possa ao menos expiar as minhas

culpas»...E x p ia r ? S r m ; to d o o p e c a d o e x ig e u m a e x p ia ç ã o . M a s

d iz -m e : é iss o u m a e x p ia ç ã o ? É e x p ia ç ã o fe c h a r , a tr á s

d e H. a p o r ta ? T o m a r im p o s s ív e l to d a a e s p é c ie d e

re p a r a ç ã o ?E x p ia ç ã o é te r v a lo r p a r a c o r r ig ir o s erro s , a in d a q u e

a s tu a s a le g r ia s s e ja m p o u c a s . E x p ia ç ã o é te r v a lo r p a ra

re p a r a r co m u m tr a b a lh o h o n r a d o d e d e z e n a s d e a n o s os

p e c a d o s c o m e tid o s . M a s n ã o é e x p ia ç ã o , m a s s im c o b a r d ia ,

p ô r p o n to f in a l co m u m a b a la d e re v ó lv e r n u m a v id a

fa lh a d a : n ã o é e x p ia ç ã o , m a s u m a fu g a c o b a r d e p o rq u e te

re c u s a s a p a g a r o q u e d e v e s . É u m a m a n e ir a d e p e n s a r

c o m p le ta m e n te e rra d a e in ju s ta .

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CRISTO. RB DA VIDA HUMANA 275

III

S e la n ç a rm o s u m o lh a r à n o s s a v o lta , v e re m o s com

a s s o m b r o , q u e e s ta m a n e ira d e p e n s a r e rró n e a e in s e n s a ta

<lo s u .c d .o . p ro p a g a -s e h o je c o m o e p id e m ia d e s a s tro s a e n tre

os h o m e n s . P r o p a g a - s e . . . d esd e q u a n d o ? D e s d e q u e h á

m u rto s d e s e n g a n o s a m o r o s o s ? D e s d e q u e h á m u ito s a lu n o s

r e p r o v a d o s ? D e s d e q u e co rre m m a l os n e g ó c io s ? N ã o e s te

m a l n ã o é c o is a n o v a n a h u m a n id a d e . D ifu n d e -s e e n tre

os h o m e n s desde que o pensamento cristão, a vida religiosa, se debilitaram entre os homens.

A vida humana perdeu o seu valor. C o m o c h e g a m o s a

ta o fu n e s ta c o n s e q u ê n c ia ? Esquecendo-nos d a vida eterna.a re c e e s tr a n h o , m a s é v e r d a d e : o a p o io , a fo rç a , a d e fe s a

d e s ta v id a terrena é p r e c is a m e n te a v id a eterna.O s in fe liz e s s u ic id a s in v o c a m d iv e rso s m o tiv o s p a ra

ju s t i f ic a r e m a s u a a c ç ã o : a d e s g r a ç a , a c r is e e c o n ó m ic a

a d o e n ç a , os d e s e n g a n o s . . . M a s . q u e m d u v id a q u e n a

m a io r ,a d o s c a s o s , se d e te r ia o b r a ç o s u ic id a se lh e fiz essem

c o m p re e n d e r a responsabilidade que tem diante de Deus. e a virtude da esperança posta n o Senhor?

E is a í u m a g ra n d e v e rd a d e , u m a l iç ã o d a e x p e r iê n c ia :

a v ,d a h u m a n a , a v id a s o c ia l , n e c e s s ita d o a p o io d a r e lig iã o .

qu' m d“ " " ' *

S o c ie d a d e sem r e lig iã o . E s ta d o sem r e lig iã o é u m

a s s a s s ín io . N a o e n c o n tro o u tr a e x p r e s s ã o . Q u e m s e p a ra a a lm a d o c o rp o , é u m a s s a s s in o .

U m a v id a d ig n a d o h o m em e a r e lig iã o fo rm a m u m

o to d o c o m o o c o r p o e a a lm a . O c o rp o é o E s t a d o : o se u

■m. a p ro s p e r id a d e n a tu r a l d o p o v o . A a lm a é a r e lig iã o

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276JESUS CRISTO REI

o se u fim . a fe lic id a d e e te r n a d o h o m e m . H o je v ê -se e m

m u ito s la d o s e s ta te n ta t iv a in s e n s a ta d e q u e o E s ta d

se p re o c u p e co m a r e lig iã o , q u e a r e lig iã o n ã o s e ,a a a lm a

C' ° ^V ^ejam os, um p o u c o , onde pode chegar o hom em sem

C n S P o d e r ia d u ra n te m u ita s h o ra s , c o n ta r -v o s c a s o s , q u a l

d e le s o m a is in v e ro s ím il . C i ta r e i a lg u n s a o a c a s o ; e les

b a s ta r ã o p a r a se c o m p re e n d e r com o h o m em se a v il ta . c o m o

b a ix a o se u n ív e l e s p ir i tu a l, c o m o d e s a p a re c e d o se u ro sto

a d ig n id a d e h u m a n a , se d u ra n te a sua p e r e g r in a ç ã o te rre n a

re p e le a m ã o d e N o s s o S e n h o r J e s u s C r is to .

A lg u m a s v e z e s b a s t . - m , u«na s im p le s a o t . c a

jo r n a l p a r . c o m e ç a r com . . m in h a s re f le x õ e s . n o r e x e m p lo , a A d m in is t r a ç ã o d o s C o r r e io s d o s E s ta d o s

U n id o s P u b lic o u a n o t íc ia d e h a v e r a d o p ta d o u m a - v

m e d id a a t ítu lo d e e x p e r iê n c ia , co m o p t.m o s r e s u lta d o s .

T q u e P o r ta n to a a d o p ta r ia d e fin it iv a m e n te , e a re c o m e m

d a r ia a to d o s o s in te re s s a d o s . Q u a l é a in o v a ç ã o ? Q « e o

c o rre io se c o m p ro m e te a t ra n s p o r ta r , c o m o « a m o s tra sen

v a lo r » , a b a ix o p re ç o , a s c in z a s d o s c a d á v e re s m cm era d o s^

Q u e m q u is e r p o is p o d e c o n f ia r a o c o rre io , p o r u m a ta x a• J n - s eu s e n te s q u e r id o s , c o m o « a m o s tra

m in im a . a s c in z a s d o s s e u s e n te s q r o n tu d osem v a lo r » . Q u e h á a q u i q u e e s c a n d a l iz e ? t c o n tu d o

m e d ite i d u ra m e n te um q u a r to d e h o ra p e n s a n lo n e s

n o t íc ia s e n s a c io n a l. N ã o s e n tim o s q u e e s ta n o t i c a nos

revela alguma coisa q u e n ã o e s tá bem? Q ue algum a c o is a

fa lta a o juízo dos homens?N ã o h á m u ito , m o rre u em V a r s ó v ia u m fa m o s o b a n ­

d id o . U m a m u ltid ã o e x tr a o r d in á r ia a s s is t iu a o s e u e n te rro .

N o u tr o s te m p o s , a a s s is tê n c ia a u m e n te rro e ra u m a h o m e -

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CRISTO. RE 1 DA VIDA HUMANA 277

n a g e m a o f in a d o ; d a í o n o m e d e « h o n r a s f ú n e b r e s ^ H o ,c

m o rre u m c h e fe d e b a n d id o s , o u s u ic id a -s e u m h o m em

d e s e sp e r a d o , e o s h o m e n s e a s h is té r ic a s e n ã o h is té r ic a s ,

e x c ita d a s p e la s n o H c ia s fa n tá s t ic a s d o s jo r n a is , sã o c a p a z e s

de e sp e r a r d u ra n te la rg a s h o r a s , e s a c r i f ic a r d ia s in te ir o s ,

p a ra p re s e n c ia re m o m o m e n to d o e n te rro . S á b io s , a r t is ta s ,

p a is d e fa m íl ia , q u e cu m p re m c o n s c ie n c io s a m e n te o s seu s

d ev e re s , lu ta n d o h e r o ic a m e n te a té a o fim , s ã o a c o m p a n h a d o s

p o r u n s p o u c o s s o m e n te a té à ú lt im a m o r a d a ; m a s s e fo r

u m a s s a s s in o , um s u ic id a , os jo r n a is e n c h e m a s s u a s p a g in a s

d e n o t ic iá r io e fo to g r a f ia s , e a s m u ltid õ e s co rrem a v e r o

e n te rro . N ão vos parece que há qualquer deficiência no juízo dos homens?

O u tr o c a s o : N ã o h á m u ito q u e m o rre u em N o v a Io rq u e

u m d o s m a is te m iv e is c r im in o so , e o se u fé re tro fo i l i t e r a l ­

m e n te c o b e r to de flo re s e c o r o a s . N a A le m a n h a p re n d e ra m

u m la d r ã o fa m o so e fo i le v a d o a B e r l im ; à s u a c h e g a d a ,

e s p e r a v a -o g r a n d e m u ltid ã o , q u e o r e c e b e u co m u m a e s t r o n ­

d o s a o v a ç ã o . V in t e a n o s a tr á s , e ra m os p o líc ia s q u e t in h a m

d e d e fe n d e r o c r im in o s o , p a r a q u e a m u lt id ã o e n fu r e c id a

o n ã o l in c h a s s e . H o je . têm q u e im p e d ir q u e a s m u ltid õ e s

o s le v e m a o s o m b ro s em t r iu n f o . . . N ão vos parece que anda errado o juízo dos homens?

E q u e d irem o s d o s u p o s to « c lu b e d e s u ic id a s » q u e .

p o r m e io d e c o n fe r ê n c ia s p e r ió d ic a s , q u e re m s u g e r ir a o s

s eu s s ó c io s u m d o s m a io re s p e c a d o s : o s u ic íd io ?

Q u e c o is a h o rr ív e l — d e q u e n in g u é m , a o q u e p a re c e ,

se a d m ira — q u e ju n to d a s p o n te s d o D a n ú b io , te n h a d e

h a v e r e s ta ç õ e s d e s a lv a m e n to co m o s d e v id o s b a r c o s , q u e

d ia e n o ite e sp e ra m os c a n d id a to s v o lu n tá r io s à m o r te !

N in g u é m s e n te n e s ta fu t i l id a d e , in s ig n if ic a n te n a a p a r ê n c ia .

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278 JESUS CRISTO REI

o h o rr o r d a c iv i l iz a ç ã o m o d e rn a , q u e s e d iv o rc io u d e C r is t o ?

N ão sentimos todos a bancarrota definitiva d a incredu­lidade?

C o is a s a in d a m a is fa n tá s t ic a s . U t i l iz a n d o a m is é r ia

a lh e ia , e x p õ e m -se à c u r io s id a d e d o p ú b lic o , e ss e s a b o rto s

e a le i jõ e s d a n a tu r e z a e em p o u c o s d ia s , r e c o lh e -s e u m a

fo r tu n a ! E a m u lh e r q u e m a g n e t iz a ! E o a d iv in h o ! E os

c h a r la tã e s q u e h ip n o tiz a m co m a lg o d ã o u n ta d o d e g o r d u r a ! E ta n to s o u tro s c a s o s !

N ão vos parece que há aqui algo errado?O n d e e s tá o m a l? E m q u e n o s e s q u e c e m o s q u e C r is to

é ta m b é m R e i d a v id a te r r e n a ; em n ã o p e n s a rm o s n a v id a

te rre n a e n o s se u s d ev e re s s e g u n d o a d o u tr in a d e C r is to .

E d ig a m o -lo d e u m a v e z p a ra s e m p re : n ã o e n c o n tr a ­

rem o s re m éd io , se n ã o b u s c a rm o s a C r is to . R e a l iz o u -s e em

B u d a p e s t u m a a s s e m b le ia s o b r e a m a n e ir a d e p ô r u m d iq u e

à e s p a n to s a m a n ia d o s u ic íd io . P a r e c e m -m e b o n s to d o s os

e s fo rç o s , to d o s os p la n o s p r o p o s to s ; m a s e u n ã o esp ero

re s u lta d o s e n ã o d u m d o s m e io s .

É ju s to , q u e fa ç a m o s tu d o o q u e p u d e rm o s, p a r a p ro ­

te g e r a v id a h u m a n a , q u e te n h a m o s c o m p a ix ã o d o s s u ic id a s ;

m a s q u e se p r o íb a p u b lic a r n o s jo r n a is g r a n d e s re la to s em

e s t i lo ro m â n tic o s o b r e os c a s o s d e s u ic íd io . Q u e se p ro íb a ,

à e x c e p ç á o d o s p a re n te s , to m a r p a rte n o s s eu s en te rro s

T o d a s a s m e d id a s p r e v e n t iv a s 's ã o ju s ta s e lo u v á v e is .. .

M a s s a b e is q u a n d o te rã o e f ic á c ia to d a s e s ta s m e d id a s ?

Q u a n d o a a lm a h u m a n a , e m v ez d a á g u a e s ta g n a d a d as

c is te r n a s , v a b e b e r n o v a m e n te a fo n te d a s á g u a s v iv a s ;

q u a n d o a m e n ta lid a d e d o h o m em m o d e rn o v o lte a um a

s é r ia r e lig io s id a d e e t e n h a c o n s c iê n c ia d e q u e e s ta v id a

te rre n a é um te m p o d e p ro v a ç õ e s c o n c e d id o p o r D e u s .

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CRISTO. REI DA VIDA HUMANA 279

um p o s to d e s e n t in e la d e s ig n a d o p e lo A lt ís s im o , q u e n ã o

é l íc i to a b a n d o n a r c o b a r d e m e n te , m o s tem de se guardar mesmo no meio da lam a e na tempestade, ao sol e ao gelo, na prosperidade e na desgraça, cumprindo sempre o dever inquebrantàvelmente.

« Q u e m tem ouvidos, que e s c u t e . . . A o q u e v e n c e r darei a com er da árvore d a vida, que está no meio do paraíso do meu D eus*. (*)

C o m is to c h e g a m o s à c o n c lu s ã o d e s te c a p ítu lo .

C r is to é ta m b é m R e i d a v id a te rre n a e só a fé v iv a .

firm e m e n te a l ic e r ç a d a em C r is to , p o d e a ju d a r -n o s a t r iu n fa r

n a lu ta d e s ta v id a . tã o d u ra .

P a r a s u b irm o s um c a m in h o e s c a r p a d o s o b re u m a b is m o .

necessitamos de guardas p a r a n ã o c a irm o s co m v e r tig e n s .

O c a m in h o e s c a r p a d o é a v id a ; a s g u a rd a s sã o a fé.

Ê preciso uma força de propulsão p a r a p ô r u m a

m á q u in a em m o v im e n to ; a m á q u in a é a v id a , a fo rç a p ro ­

p u ls o ra é a fé.

É necessária a chuva p a r a a m a d u r e c e r a s e m e n te la n ­

ç a d a à te rra co m ta n to tr a b a lh o . A s e m e n te é o t r a b a lh o

d e s ta v id a ; a fo rç a fe c u n d a n te é a fé .

Ê necessário o raio do sol matinal, q u e s o r r ia com

e s p e r a n ç a a o p e re g r in o q u e c a m in h a v a a c u s to p e la n o ite

s o m b r ia . A n o ite é a v id a te rre n a , c h e ia d e lu ta s ; o ra io

d e so l é a fé .

N ã o h o u v e é p o c a em q u e se v isse c o m m a is c la r id a d e

d o q u e em n o s so s d ia s , a g r a n d e lu ta d a h u m a n id a d e :

o c o m b a te d e s e sp e r a d o e n tre o d iv in o e o d ia b ó lic o , e n tre

o b e lo ' e o fe io . e n tre a id e ia c r is tã e a id e ia p a g ã .

(*) Apocalipse, li, 7.

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280 JESUS CRISTO REI

C o m C r is to , a v id a te rre n a , c h e ia d e lu ta s , é u m d e v e r

d ig n o d o h o m e m ; sem C r is to , a v id a n ã o é m a is d o q u e

u m a « a m o s tra sem v a lo r » .

E s c o lh a m o s p o is : C r is to , o u o A n t i - C r is to ?

D e u s . o u S a t a n á s ?

O re in o d e D e u s n a te rra , o u o in fe rn o e s c u r o q u e so h e

à t e r r a ?

S e n h o r ! O m eu c o rp o e a m in h a a lm a . tu d o é v o ss o .

D a i - m e fo rç a , sa ú d e , u m c o rp o c a p a z d e t r a b a lh a r u n id o a

u m a a lm a p u ra . a fim d e q u e to d a s a s o b r a s d a m in h a v id a

te rre s tre s e ja m um lo u v o r c o n t in u o em V o s s a h o n r a .

Q u e e u seja a harpa, e V ó s o canto que d ela brote!Q ue eu seja o fogo e qu e em mim arda o V o s s o am or!Q ue eu seja o roble e Vós a força que me sustente!Q ue eu seja o mar e V ós a im ensidade que me encha!Q ue eu seja o Vosso filho obediente na terra, para que

possa ser um dia o vosso filho feliz na vida etem a!

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C A P Í T U L O X X I I

Cristo, R ei da M ulher

Ç) fo p r in c íp io d o s é c u lo v . R o m a v iv e u tr is te s e e n lu -

C A Í ta d o s d ia s ; a s o n d a s d e v a s ta d o r a s d a s in v a s õ e s

b á r b a r a s , à s o rd e n s d e A la r ic o . in v a d ira m e a rr u in a ra m a

c id a d e e te m a . o u tro ra tã o r ic a e o p u le n ta . A a r is to c r a c ia

p a g ã ro m a n a c e n s u r a v a a m a r g a m e n te o s c r is tã o s : « V ó s so is

a c a u s a d e to d o s e s te s m a le s .»— g r ito u S anto Agostinho, n o se u liv ro D e

Civitale D ei. — N ó s ? P o r te rm o s d e r ru b a d o o s v o sso s

id o lo s ? — Pelo c o n trá r io , vieram todas estas calam idades, porque ainda acreditais neles. Por isso nos assola a desgraça».

T a m b é m se d e s m o r o n a b o je o m u n d o a c tu a l . E s erá

p o rq u e so m o s c r is tã o s ? A o contrário; porque não o somos, porque não seguimos deveras a C ris to. A h u m a n id a d e ,

a s o c ie d a d e , a fa m ilia m o d e rn a , a d o ra m a in d a m u ito s íd o lo s .

A id o la tr ia c o n t in u a à n o s s a v o lta ; te m o s m á x im a s p a g ã s ,

te m o s u m c o n c e ito d a v id a c o m p le ta m e n te p a g ã o , id o la

tra m o s os p ra z e re s . c o m o se fô sse m o s p a g ã o s ; p o r iss o o

m u n d o c a m b a le ia . V im o s já n o s c a p ítu lo s a n te r io re s p a ra

o n d e c a m in b a a h u m a n id a d e se s e s e p a ra d e C r is to . C h e g a ­

m os a g o r a a um n o v o te m a . c u ja im p o r tâ n c ia é in d is c u tív e l .

T r a ta r e m o s d a q u e s tã o d a m u lh e r , s o b e s te t i tu lo : — C risto — Rei d a mulher.

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282 JESUS CRISTO RFJ

A « q u e s tã o fe m in in a » é , sem d ú v id a a lg u m a , u m d os

p ro b le m a s m a is d is c u tid o s d o n o s so te m p o : fa la d a m u lh e r

o m é d ico , o p o lít ic o , o s o c ió lo g o , o te a tro , a l i te r a tu r a ;

ta m b é m o s a c e r d o te h á -d e fa la r .

E x a m in e m o s q u a l e o c o n c e ito d e J e s u s C r is to e d a

s u a Ig r e ja a re s p e ito d a m u lh e r . Q u e r o e s c la r e c e r d o is

p o n to s : A que altura elevou Cristo a mulher? Q ue seria d a mulher sem Cristo?

I

Q u e r e is s a b e r o q u e a m u lh e r d ev e a C r is t o ? Consi­derai qual a sua sorte, a sua posição antes que o Verbo se fizesse cam e. Q u e d e g r a d a ç ã o h u m ilh a n te e ra a s u a ,

m e sm o n o m e io d a c iv i l iz a d a s o c ie d a d e g re g a .

É um fa c to h is to r ic o q u e a m a io r p a r te d a p o p u la ç ã o

h e lé n ic a se c o m p u n h a d e e s c ra v o s . C o m o a o s e s c ra v o s se

p r o ib ia em g e ra l o m a tr im ó n io , c o n s e q u e n te m e n te a maioria das donzelas gregas não se podia casar.

S e n ã o se p o d ia m c a s a r , e s ta v a m e x p o s ta s à m a is

p ro fu n d a d e g r a d a ç ã o m o r a l. E , se u m a e s c r a v a c h e g a v a a

c a s a r -s e . o s e u m a tr im ó n io p o d ia d is so lv e r -se , a o c a p r ic h o d o se u s en h o r.

N ã o era m e lh o r a c o n d iç ã o d a m u lh e r n a s a l ta s c la s s e s

d a s o c ie d a d e . O jo v e m g re g o r e c e b ia to d a a c u ltu r a e s p i­

r itu a l d o seu te m p o , a o p a s s o q u e a s d o n z e la s n ã o a p re n ­

d ia m m a is q u e a c a n ta r e a d a n ç a r .

E m c o n s e q u ê n c ia d e s ta e n o rm e d ife r e n ç a e s p ir itu a l,

e n tre o h o m em e a m u lh e r n ã o p o d ia e x is t i r u m a p e rfe ita

c o m p c n e tr a ç ã o e u n iã o , a q u e la h a r m o n ia c o m p le ta , sem a

q u a l é im p o ssív e l u m a fe liz c o n v iv ê n c ia c o n ju g a l . P io r

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CRISTO. REI DA MULHER 285

a in d a , se te m o s em c o n ta q u e n ã o e ra o jo v e m q u e e s c o lh ia

a e s p o s a , m a s e s ta e r a - lh e im p o s ta p o r s e u p a i.

E q u a l e r a a s itu a ç ã o d a m u lh e r c a s a d a ? T in h a

a p o s e n to s à p a rte em c a s a , e n ã o p o d ia a b a n d o n á - lo s , a

n ã o ser p a ra os e x e r c íc io s r e l ig io s o s ; h a v ia g u a rd a s e s p e ­

c ia is q u e v ig ia v a m p a r a q u e a m u lh e r n u n c a s a is s e d e

c a s a . S e o m a r id o q u is e s s e , p o d ia re p u d iá - la , d iv o rc ia r -s e .

A m u lh e r n ã o p o d ia r e a l iz a r c o n tr a to s d e n e g ó c io s , n ã o

p o d ia C om p rar, n e m fa z e r te s ta m e n to . S e e n v iu v a v a , seu

f i lh o m a is v e lh o f ic a v a se u t u t o r . . .

E n c o n tr a v a a o m e n o s a le g r ia n o s s e u s f i lh o s ? N e m

isso . O p a i t in h a o d ire ito , c in c o d ia s d e p o is d o n a s c im e n to

d o f i lh o , d e d e c id ir se o d e v ia a c e i t a r o u e x p ô -lo e d e ix á -lo

m o rre r à fo m e , a b a n d o n a d o . E q u a n d o o f i lh o n a s c ia d e fe i­

tu o s o , e n fe rm iç o , o u e ra u m a m e n in a , e n tã o n ã o r e f le c t ia

m u ito : m a is c u s ta h o je à d o n a d e c a s a e s c o lh e r e n tr e os

g a t in h o s d a n in h a d a q u a l d e v a c o n s e rv a r . P a r e c e e s p a n ­

to so , m a s e ra v e rd a d e . A m u lh e r g r e g a n ã o t in h a h o n r a ,

n em lib e rd a d e , n em a m o r, n e m d ir e ito a lg u m . N ã o c e n s u ­

ra m o s o p o v o g re g o , q u e c h e g o u a o m a is a lto g ra u d e c iv i ­

l iz a ç ã o . d e e s ta r tã o a fa s ta d o d a h u m a n id a d e e g r a n d e z a

m o ra l, m a s d e p lo ra m o s a fr a q u e z a h u m a n a q u e . sem C r is to

a i lu m in a r com a s u a lu z d iv in a os s e u s c a m in h o s , a v a n ç a

à s a p a lp a d e la s n o m e io d a e s c u r id ã o .

E se e r a tã o d e p lo rá v e l a so rte d a m u lh e r n o se io

d o p o v o m a is c u lto d a a n t ig u id a d e , q u e s e r ia e n tre a s

n a ç õ e s b á r b a r a s ? O s h o m e n s c o m p ra v a m a e s p o s a e v e n ­

d ia m s u a s f i lh a s a o s p re te n d e n te s . E p o r isso a p o lig a m ia

e s ta v a n a o rd em d o d ia . e to d o o p e so d o tr a b a lh o c a ía

s o b r e e la .

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284 ]ESUS CRISTO REI

E s c u r a , m u ito e s c u r a e r a a n o ite d a v id a d a m u lh e r ,

a n te s d e C r is to . M a s e s ta n o ite e s c u r a v ê -se d e re p e n te

i lu m in a d a p e la lu z té n u e d a e s tr e la d e B e lé m . C h e g a

C r is t o ! R e g o z i ja i -v o s to d o s os o p rim id o s , to d o s os p e c a ­

d o re s . os p o b r e s , a s c r ia n ç a s , a s m u lh e r e s . . . r e g o z i ja i-v o s 1 ...

Q ue deve a mulher a Cristo?E m p rim e iro lu g a r, c ju e o h o m em se te n h a d ig n a d o

fa la r - lh e c o m o a uma pessoa de igual categoria. S im ; e n ã o

e s tr a n h e is e s ta a f ir m a ç ã o . A o s e s c r ib a s e d o u to re s ju d e u s

e r a - lh e s p ro ib id o fa la r co m u m a m u lh e r , a in d a q u e fo sse

a s u a p ró p r ia irm ã . N o s s o S e n h o r J e s u s C r is to a b o l iu e s ta

le i h u m ilh a n te . Q u e n o s d iz a S a g r a d a E s c r i tu r a q u a n d o

n o s c o n ta a c e n a d a S a m a r i t a n a ? Q u a n d o os d is c íp u lo s

v o lta m d a c id a d e e n c o n tra m o S e n h o r a f a la r c o m a

S a m a r i ta n a ju n to a o p o ç o d e J a c o h ; e a S a g r a d a E s c r i tu r a

fa z n o ta r : « O s seus discípulos estranharam que falasse com aquela mulher .» ( ' ) M a s o S e n h o r n ã o se p re o c u p o u com

isso . e fo i e s te o p rim e iro p a s s o d e c is iv o a fa v o r d o re s p e ito

p e la m u lh e r e d a su a e m a n c ip a ç ã o .

E x is te m , a lé m d isso , n u m e ro s a s p a r á b o la s d o S e n h o r

em q u e le m b ra ta n ta s v e z e s os p e s a re s , o s s o fr im e n to s , os

t r a b a lh o s d a m u lh e r . S ó c r a te s . o g ra n d e filó s o fo , q u a n d o

c o m e ç a v a a fa la r d e f i lo s o f ia , m a n d a v a s a ir d a s a la as

m u lh e re s , p a r a q u e n ã o p e r tu rb a s s e m a s a b e d o r ia d os

h o m e n s : C r is to , p e lo c o n tr á r io , a lu z d o m u n d o , s a u d a v a

com b e n e v o lê n c ia a s m u lh e re s d o se u a u d itó r io , a s m ã e s .

e n s in a n d o q u e e la s ta m b é m têm u m a a lm a im o rta l , ig u a l

à d o s h o m e n s . R e a lm e n te C r is to é o R e i d a s m u lh e re s .

0 S. Jo ão , iv, 27.

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CRISTO. REI DA MULHER 285

S e r á n e c e s s á r io re c o rd a r o u tro s a c to s d e C r is t o ? D e s ­

c re v e r m a is u m a v ez o c o r a ç ã o c h e io d e a m o r d e C r is to ?

C o n te m p le m o -lo q u a n d o r e s s u s c ita o f i lh o ú n ic o d a v iú v a

d e N a im ! Q u e c o m p a ix ã o e te rn u ra e le s e n te p o r a q u e la

m ã e d e b u lh a d a em lá g r im a s ! C o n te m p le m o -lo q u a n d o , s o b

o fo g o d o s o lh a r e s e s c a n d a liz a d o s d o s fa r is e u s , f a la com

a m o r a M a d a le n a a rr e p e n d id a , d e ro sto ru b o r iz a d o p e la

v e r g o n h a ; c o m o E le d ev e te r s e n tid o c o m p a ix ã o e a m o r p o r

e s ta p e c a d o r a a r r e p e n d id a !

E s c u te m o s c o m o c o n fu n d e a s o b e r b a d os fa r ise u s

q u a n d o le v a m a s eu s p és u m a m u lh e r a d u lte r a , p a ra q u e

s e ja a p e d r e ja d a . C o m q u e am o r, c h e io d e p e rd ã o , lh e f a la !

C o n te m p le m o - lo n o s ú lt im o s p a s s o s d a s u a v id a m o r ta l,

c o b e r to d e s a n g u e , s o b o p e so d a cru z , q u a n d o E le m a is

n e c e s s ita v a d e c o n fo r to , e s q u e c e n d o -s e d e s i, p a r a c o n s o la r

a s m u lh e re s q u e c h o ra m . S e r á p re c is o in s is t ir m a is n o q u e

d ev e a m u lh e r a C r is to , q u e c o n f io u o a n ú n c io ju b ilo s o

d a s u a re s s u rre iç ã o à s m u lh e re s q u e fo ra m v is i ta r o seu

tú m u lo ?

3.° S e Cristo respeitou a mulher, também a respeitou a Santa Igreja, o C r is to m ís t ic o q u e c o n t in u a v iv e n d o e n tre

n ó s . S ã o in u m e rá v e is a s b ê n ç ã o s q u e b ro ta ra m d e s ta a t i ­

tu d e d a I g r e ja p a r a co m a m u lh e r !

N o s p rim e iro s s é c u lo s d o c r is t ia n is m o , a p ro v e ito u os

s e rv iç o s d a s m u lh e re s p a ra c u id a r d os d o e n te s e p r a t ic a r

to d a a so r te d e c a r id a d e ; m a is a in d a , n a Id a d e M é d ia

f r a n q u e ia - lh e s a e n tr a d a n a s a c a d e m ia s .

P o r ta n to , a e d u c a ç ã o e s p ir itu a l e in s tr u ç ã o e e le ­

v a ç ã o d a m u lh e r n ã o é u m a c o n q u is ta d o s n o v o s te m p o s

« d e lu z » , m a s d a Id a d e M é d ia c a tó l ic a , c h a m a d a i r o n ic a ­

m e n te « e s c u r a » . T e m o s d a d o s p a r a p ro v á -lo . S a b e m o s

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286 JESUS CRISTO REI

q u e q u a n d o R o u s s e a u e s c re v ia a d A le m b e r t q u e a m u lh e r

n á o p o d e te r ta le n to n em q u e d a p a ra a a r te : q u a n d o K a n t

a p re g o a v a q u e à m u lh e r lh e b a s ta v a s a b e r q u e n o m u n d o

e x is te m o u tro s u n iv e rso s e o u tr a s b e le z a s , a lé m d e la s , já

e n tã o , e m u ito a n te s , n o s é c u lo xu , a I g r e ja fu n d a r a c á te d r a s

d e p ro fe s so ra s n a s u n iv e rs id a d e s d e S a le m o , d e B o lo n h a

e d e P á d u a .

J e s u s C r is to fo i o p rim e iro q u e m o stro u a fo rm o su ra

d a a lm a fe m in in a , e , g r a ç a s a E le , a mulher tom ou-se o que hoje é na actualidade: c o m p a n h e ir a d o h o m e m , de

c a te g o r ia ig u a l à d e le .

S ó q u e m v iv e u m a v id a s in c e r a m e n te c r is tã , p o d e

e sc re v e r o q u e e sc re v e u o c o n d e E s t ê v ã o S z é c u e n y i (*) « à s

m u lh e re s d e a lm a m a is b e la d a n o s s a é p o c a » : « M u ita c o is a

b e la e n o b re q u e h á n a h u m a n id a d e é o b r a d o v o sso s e x o .

V ó s le v a is em v o sso s b r a ç o s o v iv e iro d a v id a e o e d u c a is

p a ra q u e s e ja b o m c id a d ã o . E m v o sso n o b re o lh a r b e b e

o h o m em â n im o e v a le n t i a . . . V ó s so is os a n jo s c u s tó d io s

d a v ir tu d e e d a n a c io n a l id a d e . . .»

II

M a s a o c h e g a r a e s te p o n to d o n o sso r a c io c ín io ,

o c o r re -m e u m a p e rg u n ta im p o r ta n te : •

V iv e n a c o n s c iê n c ia d o h o m em m o d e rn o e p r in c ip a l ­

m e n te n a c o n s c iê n c ia d a p ró p r ia m u lh e r , e s te a lt ís s im o

c o n c e ito a se u r e s p e ito ? C o m p e s a r te m o s d e c o n s ta ta r q u e

o sublim e conceito cristão, m u ita s v e z e s p o r c u lp a d a s

C) Na dedicatória da sua obia H ilel (Crédito).

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CRISTO. R H DA MULHER 287

p ró p r ia s m u lh e re s , vai p erden do c a d a vez mais o seu sign i­ficado , e tr a n s fo rm a -s e d ia a d ia n u m a fra s e v a z ia d e

se n tid o .

U m filó s o fo d is se um d ia . q u e u m a fra s e g r a n d ilo -

q u e n te é c o m o u m a a v e lã o c a ; q u e r d iz e r , u m a c a s c a sem

g rã o , um n in h o sem p a s s a r in h o s , u m a c a s a sem h a b ita n te s .

C o m p e s a r te m o s de r e c o n h e c e r q u e o id e a l d a m u lh e r

ta m b é m c o rre o p e r ig o d e n ã o s e r m a is q u e u m a d e s ta s

fra s e s o c a s e v a z ia s . N o m u n d o c r is tã o , a m u lh e r s ig n if ic a v a

u m a c o is a s u b lim e ; h o je . c o m e ç a a p e rd e r o seu a n tig o

s ig n if ic a d o .

H o je , c o n s id e r a -s e a m u lh e r s o b tre s a s p e c to s : u m ,

p ro fu n d a m e n te d e g ra d a n te , o u tro , s u p e r f ic ia l e u m te rc e iro ,

s é r io e c r is tã o .O p rim e iro — o m a is h u m ilh a n te — é o conceito , Que

a id a h o je persiste, d o antigo m undo p ag ão . S ó q u e r o c i ta r

um e x e m p lo .O X á d a P é r s ia , a n te s d a g u e rra d e 1914. ia co m

fr e q u ê n c ia a K a r ls b a d . D is f r u ta v a com e n tu s ia s m o d a s

d e l íc ia s d a q u e la m a g n íf ic a e s ta ç ã o b a ln e á r ia e n ã o v ia n a d a

d e e x tr a o r d in á r io n o fa c to d e q u e . q u a n d o d e p o is d e su a

c h e g a d a , a s s u a s n u m e ro s a s m u lh e re s fo sse m tr a n s p o r ta d a s

d o c o m b o io a o h o te l , em c a rro s fe c h a d o s , e a l i f ic a s se m

e n c e r r a d a s , d u ra n te to d a a s u a p e r m a n ê n c ia em K a r l s b a d ;

e , a o p a r t ir p a r a a s u a p á tr ia , e ra m d e n o v o le v a d a s em

c a rro fe c h a d o p a r a a e s ta ç ã o . U m a v id a p io r q u e a de

p o d e n g o s !A o q u e c h e g a u m a m u lh e r sem C r is t o ! E e s te c o n c e ito

d e g r a d a n te d a m u lh e r , n ã o é e x c lu s iv o , in fe liz m e n te , do

X á d a P é r s i a ! . . .

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288 JESUS CRISTO REI

2 .° E . q u a l é o c o n c e ito q u e m u ito s e u ro p e u s fazem

d a m u lh e r ? N ã o ju lg a m e le s q u e é m a té r ia a p ta p a ra

e n c h e r o h a r é m ? Uma boneca deliciosa, um brinquedo caro? E m e sm o m u ita s r a p a r ig a s n ã o p e n s a m d e o u tra

m a n e ir a ; a s p o b r e z in h a s d e s d e a in f â n c ia fo ra m e d u c a d a s

n e s te s e n tid o .

R e c e a v a -s e q u e um a rz in h o a s m a g o a s s e , p o u p a v a m -lh e s

q u a lq u e r e s fo r ç o , q u a lq u e r s a c r i f íc io . « P o b r e p e q u e n a » !

a s s im a s d e s c u lp a v a m q u a n d o lh e s e r a d if íc i l a p re n d e r

u m a liç ã o o u q u a n d o t in h a m q u e le v a n ta r -s e d e m a n h ã

c e d o p a ra ir à m is sa . E e la s p e rs u a d ia m -s e d e q u e u m a

r a p a r ig a v e io a o m u n d o só p a ra c o m e r , d o rm ir, v e s tir -s e

e v is i ta r a s a m ig a s , e a in d a p a ra s a b e r s u s te n ta r u m a

c o n v e r s a a lg o a n im a d a . P o b r e r a p a r ig a ! . . .

D e p o is c a s a m . C a s a m , m a s n ã o o u s a m g r a v a r o seu

m o n o g ra m a n a b a ix e la d e p r a ta , p o rq u e s a b e D e u s se

d e n tro em p o u c o n ã o o te r ia m d e tira r . Q u a n d o o u v i is to

p e la p r im e ira v ez . f iq u e i e s p a n ta d o ; e n tã o h o je r e a liz a m -s e

c a s a m e n to s co m a p r e c a u ç ã o d e n ã o b o r d a r o m o n o g ra m a

n a ro u p a b r a n c a , p o rq u e se d u v id a s e a « f id e l id a d e e te rn a »

n ã o c h e g u e a té à p r im e ira b a r r e ia ? !

P o b r e , p o b re m u lh e r m o d e r n a ! C a s a - s e . . . , e f ic a o

q u e e ra , u m a g r a c io s a b o n e q u in h a . u m a l in d a p la n ta

d e c o r a t iv a .. . q u e n ã o serv e p a r a n a d a . A m á v e l q u a n d o se

c u m p re m to d o s os se u s d e s e jo s ; m a s to rn a -s e c a p r ic h o s a ,

c h o r a e s o lu ç a , se o m a rid o lh e n e g a o q u e s o l ic i ta . A s s im

s e c h e g o u a m o ld a r e sse tip o d e m u lh e r d ig n o d e c o m p a ix ã o ,

q u e n ã o tem o u tro a fã . o u tro p e n s a m e n to , s e n ã o o v e s t ir -s e ;

um v e s tid o c u rto , u n s b r in c o s v is to so s , u n s s a p a to s d e p e le

d e la g a r to , u n s c h a p é u s d e p e le d e b e z e rro , m a n ic u r a

a p u r a d a , c o s tu r e ira , te a tro , c in e m a .. . e n a d a m a is .

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CR/STO. REI DA MULHER 289

E u m e sm o o u v i a s e g u in te fra se d o s lá b io s d e u m a

d e s ta s m u lh e re s m o d e r n a s : « A h ! m e u D e u s . c o n ta n to q u e

m e c o n c e d a is q u e e u m e p o s s a le v a n ta r u m a só v ez a n te s d a s o n z e !»

E s te é o s e g u n d o tip o d a m u lh e r d o s n o s so s d ia s . Pobre, pobre mulher m oderna!

3.° N e m o c o n c e ito d e e le m e n to d e h a r é m , n e m o d e p la n ta d e c o r a tiv a , e x p lic a m re c ta m e n te a m is s ã o d a m u lh e r .

Q u a l é o c r ité r io d o C r is t ia n is m o n e s ta q u e s tã o ?

E x a m in e m o s m a is p ro fu n d a m e n te a q u e s tã o , e e x a ­

m in e m o s o q u e n o s d iz o A n t ig o T e s ta m e n to a c e r c a d o h o m e m e d a m u lh e r .

D e p o is d a q u e d a d e n o s so s p rim e iro s p a is , o S e n h o r

d is s e : «Porque ouviste a voz d e tua mulher, e com este o fruto d a árvore de que te proibi comer, m aldita seja a terra por tua causa. P elo trabalho custoso grangearás d ela o alimento em toda a tua vida. Espinhos e abrolhos ela produzirá... Comerás o pão com o suor do teu rosto, até que voltes à terra donde saiste... porque és pó e em pó te hás-de tomar.» ( ’ )

E is a m is sã o d o h o m e m , s e g u n d o o m a n d a to d iv in o .

N ó s . o s h o m e n s , te m o s d e c a v a r a te rra , t r a b a lh o d e m a s ia d o

d u ro p a r a a s m u lh e re s .

N ó s e x tra ím o s d o fu n d o d a s m in a s o fe rro e o c a r v ã o ;

d e n ó s d e p e n d e o c o m é rc io e a in d ú s tr ia ; n ó s se m e a m o s

e c o lh e m o s a s s e m e n te ir a s ; t ira m o s a p e d ra d a p e d re ira ,

e c o n s tr u ím o s a s c a s a s : d e s c o b r im o s n 0 m e io d e m il p e r ig o s

( ) G én e s is , m, 17-19.19

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290 JESUS CRISTO REI

os n o v o s m u n d o s, la n ç á m o s p o n te s s o b r e c a u d a lo s o s rio s ,

p e rfu rá m o s os ro c h e d o s a b r in d o tú n e is , p a ra o c o m b o io ,

e c a v á m o s a te rra p a r a fa z e r a s c a n a l iz a ç õ e s . C o n fo r m e

a v o n ta d e d iv in a , o homem é o obreiro do mundo.E a m u lh e r?

E s c u t e m o s a p a la v r a d o S e n h o r :

<Não é bom que o hom em fique só; façam os-lhe uma com panheira sem elhante a ele.» (') E D e u s c r io u a p rim e ira

m u lh e r . P a r a e l a ? N ã o , p a r a o h o m e m !E d e p o is d a q u e d a , d is s e - lh e o S enhor: «M ultiplicarei

os teus trabalhos nas tuas concepções: co m d o res , d a rá s a

lu z os te u s f i lh o s e f ic a r á s s o b o p o d e r d o m a r id o e e le

m a n d a r á em t i .» (2) . ,Q u e c o n c e ito s h a v e m o s , p o is . d e fa z e r d a m u lh e r ?

T e m o s d e o p e rg u n ta r À q u e le q u e a c r io u . S i m ; m a s a

s itu a ç ã o s o c ia l m o d e rn a , le v o u a m u lh e r a to m a r p a rte

n a v id a p ú b lic a . P r e c is a de t r a b a lh a r n o c a m p o , n a fá b r ic a ,

tem d e g a n h a r o p ã o . . .A s s im é . in fe liz m e n te : m a s a v id a m o d e rn a n ã o p o d e

im p o r-se à s o rd e n s d e D e u s . e ninguém pode mudar o fim fixado pelo Criador à mulher. E q u a l é e ss e f im ? « F a ç a ­

m o s -lh e u m a a u x i lia r , s e m e lh a n te a e le » . P o r ta n to a m u lh e r

é a auxiliar d o h o m e m ! F o i - o . e é n e c e s s á r io q u e o s e ja

d e n o v o . E e m q u e é q u e o h á -d e a ju d a r ? E m s e r m ã e .

e d u c a d o r a d e s eu s f i lh o s , em c u id a r d a c a s a . . . em a te n d e r

a o s d o e n te s . « A s m u lh e re s n ã o p o d e m , em g e r a l, p a s s a r

d a m e d ia n ia n a s c iê n c ia s e n a s a r te s . A p e n a e a e s p a d a

p e rte n c e m a o s h o m e n s : p a ra a m u lh e r , o b e r ç o e os c u id a d o s

(*) G én esis , li, 18. (*) G én esis . Hl. 16.

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CRISTO. REI DA MULHER 291

da casa. S e qualquer das partes se imiscui no trabalho do outro, falseia a N atureza» (SzÉCHENYi).

Emancipação da mulher? Igualdade da mulher?Sim, diante de Deus, a mulher e o homem são com­

pletamente iguais; têm a mesma alma, o mesmo fim eterno, recebem os mesmos sacramentos, possuem a mesma digni­dade humana.

«Oh! que ingenuidade!»— dirá alguém. — «Hoje não se fala disso».

Não? Então de que se fala? D a igualdade social, isto é, de imitar o homem em tudo. Se ele tem a chave da porta também eu a devo ter; se ele fuma. também eu posso fumar; se ele frequenta o café, também eu o posso frequentar; se ele guia o automóvel, também eu o posso guiar; se ele corta o cabelo, também eu o posso cortar...

Não, não; não é esta a igualdade que D eus quis. — N ão?! Como-o sabe?! — Sei-o, porque Deus é o Deus da ordem ; e não haverá ordem, enquanto não mandar um só. Portanto, a mulher — não por mérito próprio, mas por vontade de Deus — é a auxiliar do homem, e, como tal. é a segunda, na ordem social.

É o que nos ensina o Antigo Testamento.E que nos diz o N ovo Testamento?Em primeiro lugar, ensina que a mulher tem a mesma

dignidade humana que o homem. «Todos os que estais baptizados em Cristo estais revestidos de Cristo. E não há distinção de judeu, nem de grego; nem de escravo, nem de livre; nem de hom em nem de mulher. Porque todos vós sois uma coisa em Jesus Cristo.» ( ’ )

(‘) Caria aos G álalas. III, 27-28.

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292 JESUS CRISTO REI

O mesmo S. P aulo sublinha noutra passagem a pri­mazia do homem: tCristo é a cab eça de todo o homem, com o o homem é a cabeça da mulher.» ( ' )

«Não consinto que a mulher faça de doutora na Igreja, nem que tenha autoridade sobre o marido, mas guarde silêncio, já que A dão foi form ado primeiro e depois E v a » . (2)

E para melhor nos convencermos disso, contemplemos a Sagrada Família em Nazaré. Humanamente falando, quem havia de ser ali o primeiro? Cristo, depois a San­tíssima Virgem, e em último lugar S . José. E contudo vemos que o primeiro era S. José, depois N ossa Senhora, e por fim, nosso Senhor Jesus Cristo. Exemplo sublime para uma família bem ordenada!

Poderia ser-se mais claro? O homem é a cabeça: e não é a cabeça que dirige? A mulher é... a auxiliar. Assim está escrito. E qualquer tentativa que pretenda trocar em autoridade govemativa, a auxiliar — ainda que se chame emancipação da mulher — é uma revolução, uma greve, uma rebelião contra o Deus criador.

De maneira que a mulher no campo político não realiza o puro e autêntico ideal cristão. A mulher nas reuniões públicas, na oficina, na fábrica, nas manifestações arruaceiras... não realiza o ideal cristão. Não há nada firme, fora do lugar assinalado por Deus; e toma-se débil se sai da órbita prefixada. Q ue o homem esteja na vida pública, esse é o seu cam po de luta. Q ue a mulher esteja

(*) /.* Carla aos C o rin tios , XI, 3.(*) ! .* C arla a T im ó teo , n. 12-13.

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CR/STO, RE/ D A MULHER 295

no lar, essa é a sua missão. Quem inverter esta ordem, adultera não só o pensamento do Criador, como abala também os fundamentos da vida social!

*

Mais duas palavras e termino este capítulo.Não bá muito, um jornal francês publicou uma carta

interessante. Propôs a solução da seguinte pergunta: Porque há mais homens do que mulheres na cadeia? Sabeis quem ganhou o prémio? Quem enviou esta resposta bri­lhante: «Há mais homens que mulheres na cadeia, porque há mais mulheres do que homens nas igrejas.» Resposta magnífica e justa! E se continuássemos a perguntar: Porque há mais mulheres que homens nas igrejas?... talvez se pudesse responder desta maneira: Porque a mulher sente instintivamente o muito que deve a Cristo.

Cristo elevou a mulher da sua posição humilhante: seria um louco suicídio, se a mulher abandonasse a reli­giosidade — a quem tudo deve. Sem Cristor a mulher não é mais que um ser de segunda ordem. Sem Cristo, a mulher é ainda hoje uma escrava humilhada. Sem Cristo a mulher é uma criatura submetida por completo aos capri­chos do homem. Mulheres, reparai bem: para todos é uma infelicidade perder a fé; mas para ninguém o é tanto, com o para a mulher. Se a irreligiosidade se vinga em alguém, em primeiro lugar, vinga-se na mulher. A Cristo deve ela a sua dignidade, o seu valor, o ser considerada com direito à dignidade humana.

Pobres mulheres, que formais a vossa mentalidade pelas ideias dos filósofos em voga, pelas páginas das novelas

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294 JESUS CRISTO REI

frívolas, pelos teatros imorais... pensai o que seria de vós. se essas teorias chegassem a triunfar! Que seria de vós. se triunfasse a igualdade completa de direitos, se triunfasse o casamento a prazo, se triunfasse a dissolubilidade do matrimónio!...

Examinai um pouco o mundo actual e vereis o que é a mulher que não tem fé. que não tem religião, que não tem como Rei a Cristo. A mulher que não tem como Rei a Cristo, tem por tirano a modo, a seda, a pintura, o bar, a vida frívola, a desonra, a ruína. Pobre da mulher que não tem mais que dinheiro e beleza! «A mulher que não crê em Deus, é capaz de cometer qualquer maldade» ( S z é c h e n y i).

Pelo contrário, tive ocasião de observar, numa viagem, até onde chega a mulher frágil, débil, com o auxilio da graça de Jesus Cristo. Foi em Lisieux. Em Paris, como é natural, deve-se visitar o templo dos Inválidos, o túmulo de Napoleão, o imperador mais poderoso do mundo durante algum tempo... Turistas curiosos vão e vêm com o chapéu na cabeça. Baedecker na mão. se são estrangeiros; falam à vontade; param um instante diante do túmulo de Napoleão e prosseguem o seu caminho. Tomam o eléctrico e ao cabo de uma hora encontram-se em Versalhes, no palácio de Luís XIV , o Rei-Sol... cAh! é aqui o dormi­tório do Rei-Sol. Que magnífico»!... E o turista continua o seu caminho. Toma o comboio e ao cabo de duas horas, chega a Lisieux e vai visitar o túmulo de S a n ta T e r e s a

d o M en in o J e s u s . Está cheio de flores; não vemos o Baedecker nas mãos de ninguém, mas livros de orações: não há conversas, mas sim uma oração fervorosa; não

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CRISTO. REI DA MULHER 295

vemos chapéus na cabeça, mas sim profundo recolhimento... Que enorme diferença, desde o ponto de vista meramente humano! N a p o l e ã o e S a n ta T e r e s a d o M en in o J e s u s !

Luís X IV e S a n ta T e r e s a d o M e n in o J e s u s ! Uma gran­deza que humilhava o mundo, e uma vida desconhecida, humilde! Sim ... aqueles eram grandes sem Deus. e Tere- sinha foi grande com Deus!

E como diz o poeta alemão:

Sem D eus — pobre e nu;Longe d e D eus — sem âncora;Em D eus — rico e grande 0 -

Não. não. Senhor! O hne G ott — arm und bloss! Sem Deus a alma é pobre e nua; não quero sê-lo. Ausser Gott— ankerloss! Sem Deus és uma navezinha açoitada pela tempestade, sem âncora: não, não quero sê-lo! In Gott— reich und gross! Q uero ser rico com Deus. grande em Deus, quero agarrar-me a Deus, quero viver e morrer comEle!

Isto é o que eu preciso!Isto é o que eu quero!Isto é o que eu farei!

(') Okne Gott — arm un — reicK und gross.

bloss; Ausser Gott— ankerloss; In Gott

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C A PÍTU LO XX111

Cristo, R ei das M ães

Queriam reunir-se em Paris numa grande assembleia as associações de homens católicos, e a comissão

organizadora h-atou desta questão: se se havia de permitir às mulheres tomarem parte na assembleia. Falaram uns a favor e outros contra a participação das mulheres; por fim, levantou-se um senhor de idade avançada, e propôs que se lhes concedesse entrada livre porque hoje, disse, já não existe diferença alguma entre o homem e a mulher, porque «hoje em d ia já não há mulheres*.

Esta afirmação produziu grande alvoroço e foi recebida com surpresa...; mas aquele senhor prosseguiu: «Sim, afirmo que hoje em dia já não há mulheres; o sexo feminino desviou-se por completo do caminho do seu desenvolvi­mento normal. Nós conhecemos ainda a mulher antiga. Conhecíamo-la desde a Virgem Santíssima até Santa Genoveva, a padroeira de Paris; conhecíamos a «dama» do cavaleiro medieval; conhecíamos a mulher cantada por Comeille e Racine e tantos outros. Mas hoje? Hoje. já não existe a mulher!»

«Ou será mulher, prosseguiu com veemência, aquele ser que passeia pelas ruas ao nosso lado, e nos leva a duvidar se ainda leva uma aparência de vestido? Será mulher aquele ser que mostra arrogância mesmo no piscar

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298 JESUS CRISTO REI

dos olhos por detrás do chapéu que lhe cobre a cara? Será mulher aquele campeão de bicicleta, de natação que bate o record dos homens? Será mulher aquele motorista que. ao atropelar o peão inocente, e ao levantar-se este pedindo mil desculpas, ainda é apostrofado indecentemente: «quem não sabe andar na rua, o melhor que pode fazer é ficar-se em casal»? Não. já não existe «o sexo fraco». A «mulher» foi uma coisa que passou.»...

Assim discorria e se irritava aquele senhor de idade: e ainda que vejamos muita exageração e amargura nas suas palavras, contudo, quem se atreise a afirmar que não lem razão em nenhum ponto? Tem razão em chamar a atenção sobre o perigo: na sociedade actual. na vida pro­fissional. a mulher saiu do seu caminho, e agora segue correndo por um caminho que a afasta cada vez mais do ideal cristão.

No capítulo anterior tratámos do ideal da mulher em geral; este queremos dedicá-lo ao exame da missão mais bela da mulher: a dignidade de Mãe. «Cristo é o Rei das Mães». Responderemos a duas perguntas:

I — A qu e altura elevou Cristo a dignidade de M ãe?II — O que é a M ãe sem Cristo?

I

Deus outorgou uma missão particular a cada ser neste mundo.

Q ual é a missão primordial, peculiar, mais importante d a mulher? A missão de M ãe. Não só no sentido físico, mas também no sentido moral. É o ponto que eu queria

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CRISTO. REI DAS MÃES 290

sublinhar, de um modo particular, para aquelas raparigas iníelizcs que. por motivos alheios à sua vontade, não puderam casar. Queria sublinhá-lo, para lhes fazer com­preender que. apesar de tudo. podem cumprir a sua missão, do mesmo modo que as Mães. Porque esta vocação da mulher, que a leva ao sacrifício, manifesta-se não só quando ela consome a vida. durante dezenas de anos. na educação dos filhos, mas este amor maternal, instintivo, dá à enfer­meira, a paciência no cuidado dos doentes; à professora, perseverança na educação dos seus alunos: à religiosa, espírito de sacrifício, para atender às crianças abandonadas: e de um modo geral entusiasmo para todas as obras de misericórdia e caridade.

Se nas páginas anteriores mostrei quanto deve. em geral, a mulher a Cristo, quero vincar agora, com o devido relevo, quanto lhe deve na qualidade de esposa e de M ãe.

l.° O nascimento de N osso Senhor Jesus Cristo marca a hora d a redenção para a esposa, e a hora de glória para a mãe. Hora de redenção, porque o Senhor restabeleceu a unidade, a santidade e a indissolubilidade do matrimónio. ^Serão para sempre memoráveis as suas palavras, que, a modo de serafins de espadas ardentes, guardam a porta do santuário familiar:

«Não haveis lido, que aquele que ao princípio criou a raça humana, criou um só hom em e uma só mulher e que lhes d isse: D eixará o homem a seu pai e sua mãe, e unir-se-á com sua mulher, e serão dois numa só carne?... O que Deus, pois, uniu, que não o separe o homem.» (') E noutra

(') S. Moleus, \ix, 4-5, 6.

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100 JESUS CRJSTO REI

ocasião disse o Senhor: <Quem quer que repudie a sua mulher e se case com outra, comete adultério e quem se casar com a repudiada de seu marido, com ete adultério .» ( ‘ )

Mulheres, mães. não sentis o amor que irradiam por vós estas palavras do Senhor?

Mais ainda. Sabeis quem promulgou o primeiro decreto de protecção à mulher? Nosso S e n h o r J e s u s C r i s t o .

quando pronunciou estas palavras: *Ouvistes o que foi dito aos antigos: N ão cometerás adultério. Eu digo-vos mais: Q uem quer que olhe para uma mulher com maus desejos, já com eteu adultério em seu coração.» (2) Mulheres, não sentis a gratidão imensa que deveis a Jesus Cristo?

Se quisermos, pois. responder a esta pergunta: Que deve a mulher a CriSo?. temos que dizer:

a) D eve-lhe, em primeiro lugar, a indissolubilidade do matrimónio. Quão triste seria ainda hoje a situação da mulher, se o marido pudesse repudiar sua esposa, quando lhe apetecesse! A mulher sacrifica tudo ao serviço do marido e dos filhos: a sua beleza, a sua força, a sua juventude; e seria lícito repudiá-la, depois de desfolhar a sua beleza? Quantos não o fariam se Ibes fosse per- mitdo! Quantas censuras amargas não tem sofrido a Igreja, das divorciadas civilmente que desejam casar-se de novo: «A religião católica é cruel, retrógrada, não tem coração; não nos permite casar-nos novamente!» Mas não vedes, mulheres, que a nossa religião vos defende em semelhantes casos; defende a vossa dignidade especifica, a vossa cate­goria d e companheiras, e não de escravas, do homem?

(*) S. L u c a s , XVI. 18.C) S. M a teu s , v. 27-28.

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CRISTO. REI DAS MÃES 301

b) E vós, mães, que gratidão especial não deveis a Cristo! Deveis ser-lhe agradecidas, porque já não é lícito ao esposo arrancar-vos o filho dos braços e condená-lo a morrer de fom e. Deveis isso a N osso Senhor Jesus Cristo. A Jesus Cristo que estendeu a sua mão para benzer as crianças de ambos os sexos e disse: «Quem receber uma criança em meu nome, a Mim me recebe.» (')

c) Que benefícios devem as Mães a Cristo? Em primeiro lugar, a Virgem Maria, Mãe de Deus, cuja figura excelsa nos contempla com a mesma ternura do alto das paredes das grandes catedrais como do alto das paredes da igrejinha humilde de aldeia, convidando sempre os homens a honrarem as mães.

Tudo o que a Igreja criou de sublime, na arte e na liturgia, na pintura e na escultura, na música e no canto, na poesia e na ourivesaria, depositou-o aos pés da Virgem M ã e ; e este culto da M u l h e r B e n d i t a arraigado em todo o mundo, é ao mesmo tempo o apoio mais firme do respeito pelas M ães, d a dignidade das M ães cristãs!

2.° M ãe cristã! Ao escrever estas palavras um mundo de pensamentos desperta em meu espírito!

M ãe cristã! Ao escrevê-las parece-me ver desfilar todas as noites de vigília e compreender todos os pesares e tra­balhos de uma vida cheia de sacrifícios.

M ãe cristã!... e brilha diante mim o maior dos amores que pode caber no coração humano!

Quanto deve a humanidade aos sacrifícios das mães! Onde está o orador, cujas palavras sejam suficientemente ardentes para exaltar os méritos da mãe? Onde está o

( ') S. M a teu s , xv iii, 5.

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escritor, cuja pena seja capaz de louvar devidamente a mãe? Onde está o poeta, cujo canto possa servir de nino à dignidade da mãe?

Contem pla o sábio, que pôde chegar aos cumes da ciência, graças ao cuidado de sua mãe.

Contem pla o sacerdote, em cujo caminho o amor materno preparava os primeiros degraus que levam ao altar!

Contem pla o desgraçado no caminho da perdição, e em cuja alma aparece subitamente a imagem da mãe esquecida que o detém na queda fatal!

Contem pla o marido que chega cansado d a luta pela vida; como se acalma o seu semblante anuviado quando, ao entrar em casa à noite, recebe as carícias de sua amada esposa e ouve o riso alegre de seus filhos!

Contem pla a mãe, que passa a noite velando à cabe­ceira de seu filho doente: escuta as preces maternais que sem cessar sobem aos céus...

Estas manifestações de amor matemo far-nos-ão com­preender, ou pelo menos suspeitar, o que significa o amor de mãe, o que significa o ideal cristão da mãe!

Realmente, entre os dons naturais que Deus nos con­cede. o maior de todos é o de uma piedosa mãe cristã. Mesmo que uma criança cresça vestida de seda e veludos, que não lhe faltem guloseimas, que lhe satisfaçam todos os seus caprichos, será infeliz, se sua mãe for frívola e carecer de religiosidade: pelo contrário, mesmo que não tenha mais que um bocado de pão e vestidos pobres e remendados, será feliz, mil vezes mais feliz, se tiver umu mãe amorosa, cristã, piedosa!

Mulheres, que merecestes o titulo de mães. sede real­mente mães cristãs!

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Era o enterro de uma mãe. O enterro de uma mãe produz sempre uma profunda impressão. Sua filha, rapa­riga de dezasseis anos, lançou-se sobre a sua sepultura, gritando: «Ó mãe, mãezinha, leva-m e contigo!» Cena comovedora! E também, que elogio à falecida mãe! Mães, deveis ser assim: ao morrerdes, haveis de deixar esse rasto de perfume, de nostalgia e de saudade do vosso amor, para que a vossa lembrança seja como que uma oração que console, fortaleça e preserve de todo o mal a vossos filhos.

Tal é o ideal cristão; onde houver cristianismo, será grandemente honrada a dignidade de mãe.

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Mas esta palavra sublime soa a oco e é vazia de todo o sentido, quando a mulher esquece a Cristo, quando esquece que Cristo é o Rei das Mães.

Vimos a que altura espiritual Cristo levantou a digni­dade de mãe: estudemos agora como se desfaz, como acaba tal dignidade, se se prescinde de Cristo.

M ãe e filho!Contemplemos uma imagem encantadora da Santís­

sima Virgem com o Menino Jesus nos braços. Se a história da arte fizesse um inquérito para saber qual foi o tema mais tratado pelos pintores, creio que a imagem da Santís­sima Virgem com o Menino Jesus nos braços alcançaria a palma da vitória. A missão de mãe, a missão mais gloriosa da mulher!

Mas. em nossa época, existe um facto aterrador; uma inoda terrível afecta as ideias dos homens, intentando, com

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premeditação, despojar a mulher de tão excelsa dignidade. Como é doloroso pensar que tal moda vai conquistando cada vez mais terreno, neste mundo moderno, tão pagão e tão separado de Cristo!

Digâmo-Io sem rodeios. Está em moda evitar a mater­nidade, está em moda o envergonhar-se da maternidade! Não é novo este pecado entre os homens; mas nunca alcançou tais proporções de contágio geral nem se propagou tão desenvergonhadamente.

O facto é mais importante e perigoso, porque se pro­paga como moda e é sahido, que, quando se propaga como moda, nem com os argumentos mais contundentes se con­segue arrancar. Todo o homem sensato se espanta ao ver a força tremenda da moda. que com poderes ditatoriais leva a mulher de um extremo ao outro; e profundamente consternado contempla, como vamos baixando, sob o império da moda, ao nível dos povos selvagens.

Basta ver uma dessas «escravas da moda». O vestido que levam é mais uma tanga, como a dos pretos, do que um vestido enfeitado com pele de macaco ou penas de avestruz, como os selvagens. No cabelo cortado usam plu­mas de avestruz e ao pescoço trazem pendente um colar de pérolas falsas, como costumam trazer os selvagens. Não usam luvas nem meias mas pintam as pernas e os braços da cor do vestido: uma espécie de tatuagem como usam os homens da selva.

Tudo como entre selvagens. Só há diferença num ponto: na moral. São piores os selvagens? Não; piores são as mulheres modernas.

Sinto oprimir-se-me o coração ao ter que escrever este pensamento: se a mulher ultramoderna segue já em tudo

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CRISTO. REI DAS MÃES 305

os povos selvagens sem cultura, siga-os também na moral! Sim; hoje. dois mil anos depois do nascimento de Cristo, chegamos a tal extremo, que nos contentaríamos em que a moralidade e a vida de muitas mulheres europeias esti­vessem à altura da moralidade e do modo de viver dos povos selvagens.

Será um exagero?Ouvi este caso sucedido com o Cardeal Faulhaber,

arcebispo de Munique, quando no verão de 1926 fez uma viagem à América do Norte.

Depois do Congresso Eucarístico de Chicago, foi visitar uma tribo de indios. Estes receberam-no com grandes manifestações de alegria e quiseram mostrar-lhe as suas antigas danças. «Posso afirmar, escreve o ilustre purpurado, as mulheres índias vestiam todas com muita decência». E um missionário informou o Cardeal: «Há trinta e nove anos que vivo entre eles, e nunca me escandalizaram por faltas no vestir.» Esta afirmação do missionário a respeito dos índios selvagens poderíamos nós fazê-la ao falar do público dos nossos templos? Os viajantes encontram, entre os povos qualificados de selvagens ou pouco civilizados, exemplos sublimes de fidelidade conjugal e de amor materno até ao sacrifício. Poderíam os dizer o mesmo ao falar da sociedade cristã d a Europa? Ao falar da família moderna... que teme os filhos?

Não ouvistes, numa manhã de primavera, como canta a cotovia, como o rouxinol solta suaves gorgeios. e todas as aves canoras de Deus. chilreiam alegres em coro harmo­nioso no concerto da criação? E porquê tudo isto? Por amor aos filhos. Todos os trinados que soltam, todos os ninhos que constroem, toda a poesia da vida é por eles.

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por causa dos filhos. Abranda-se o coração do lobo. estre­mece o coração do tigre mais feroz, quando espera no esconderijo a seus filhos. O m nia vincit amor. O amor tudo vence.

Tudo? Ah! talvez me tenha enganado: não vence o egoismo. e a falta de coração dos homens. Há mães que esperam os seus filhos com horror e até com ódio. barrando- -Ihes o caminho, antes que os infelizes vejam a luz do dia. A fera mais fera deixar-se-á matar para defender os seus cachorrinhos, mas a mulher moderna civilizada é capaz de matar ou de mandar m atar... o seu filho, friamente, calculadam ente, por egoísmo, para que a não impeça de

gozar.Tão baixo desce o conceito sublime da Mãe. quando

a humanidade se separa de Cristo!Ser mãe. foi sempre sinónimo de abnegação, mortifi­

cação. sacrifício, e hoje significa, não poucas vezes, ter am heroísmo de mártir!

Quando a esposa quer ser mãe. tem que preparar-se para terríveis ataques, do marido, da amiga, da vizinha, da modista, da manicura... todos intentarão primeiro com prudência, depois com ironia, fazer-lhe ver que. hoje. isso é coisa antiquada, fora de moda!

Mães! Quereis um pensamento que vos conforte.'' Lembrai-vos da maldição proferida pelo Divino Mestre ò figueira estéril. Pensai na Santíssima Virgem que ao saber por revelação do céu os mistérios da sua maternidade divina, com grande e santa alegria prorrompeu em acçãode graças: M agnificai anim a m ea Dominum ................................

«A minha alm a engrandece ao Senhor.... porque operou

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CRJSTO, REI DAS MÁES 507

em mim grandes coisas A qu ele que é todo poderoso .» (*)

Levantai os vossos olhos para esta M ãe Santíssima, que nos mostra em seus braços o Filho amado, convidando-nos à perseverança. Pensai na Pátria, na vossa Pátria terrena, como se inclina grata diante de vós, porque lhe dais quem a engrandeça e a defenda. E pensai sobretudo na Pátria etem a, que, certamente, não podereis conquistar com pin­turas nem com teatros, nem com bailes nem vestidos, nem com o papel importante que desem penhais na sociedade, nem com a ciência... mas com a hoa educação dos filhos — segundo o aviso do Apóstolo (2) — e cumprindo fielmente os vossos deveres de esposa e mãe.

** *

Terminemos este capítulo com o caso trágico-sublime narrado no livro 11 (Cap. xxi) dos Reis, do Antigo Tes­tamento.

Saúl, rei dos judeus, castigara severamente os gabao- nitas, que se vingaram depois com extremos de crueldade: no alto de uma montanha crucificaram dois filhos e cinco netos do rei, e — para tomar o castigo mais duro — não consentiram que ninguém os enterrasse.

Passou-se então uma cena, que só o recordá-la produz calafrios. Resfa, mulher de Saúl, põe-se a guardar os sete cadáveres... Cai a noite; e a mãe. com a alma dilacerada, erra vestida de branco, em tomo do patíbulo... Rugem

O S . Lucas, l, 46, 40.0 /.* Carla a Timóteo. II, 15.

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308 JESUS CRISTO REI

as hienas, e os chacais esfomeados tentam fartar-se nos corpos ainda quentes... E a mulher acende uma fogueira na noite escura, e grita para afugentar as feras...

Chega o dia. e aves de rapina famintas esvoaçam sobre os mortos... e a mulher passa o dia atirando-lhes pedras, para as afastar... Assim passa dias e semanas sempre em guarda aos corpos de seus filhos.

E sabeis quanto tempo?Durante seis meses!Por fim... por fim, compadecem-se também os gabao-

nitas; eles, que não puderam apagar a sua sede de vingança com a crueldade praticada com os filhos do rei. inclinam-se ante este heroísmo sem par de amor maternal. Despren­deram os cadáveres dessecados pelo ardor do sol. e permi­tiram à mãe que lhes desse sepultura.

Que amor heroico ardia no coração daquela mãe! E, contudo, neste caso, a m ãe defendia do inimigo os seus filhos... mortos. Vós, mães cristãs, defendeis as suas almas vivas, imortais!

Mulheres, senti um santo orgulho da maternidade, agora que a sociedade moderna a declara fora de moda. Escolhei a Cristo para vosso Rei. agora que está em moda na sociedade esquecerem-se d Ele!

Mães! Está doente a vida familiar e i>ós podeiscurá-la!

Mães! Está doente a vida social e vós podeiscurá-la!

Mães! Está doente a humanidade e vós podeiscurá-la!

«Que o Deus dos céus faça conhecer às mulheres a sua missão magnífica, e estará então assegurado o bem-

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CRIPTO. RE! DAS MÃES 309

-e s ta r d a P á t r ia » , e sc re v e u u m d ia E s tê v ã o S z é c h e n y i .

E n ó s a c r e s c e n ta m o s a in d a : n ã o só o d a P á t r ia , m a s ta m b é m

o d a I g r e ja .

Q ue Jesus Cristo R ei nos d ê mulheres católicas, que O respeitem com o a Rei. Assim se transformará a terra: será feliz a família, será feliz a vida social, será feliz toda a hum anidade.

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C A PÍTU LO X X IV

Cristo, R ei da morte

í / Je p o i s de considerarmos o significado da realeza de Cristo nas mais diversas manifestações da vida,

temos de penetrar com o nosso pensamento no reino da morte e encher a nossa alma com esta consideração sublime: Cristo é Rei, não só da vida, mas tam bém d a morte.

A nossa religião sacrossanta dedica um mês inteiro, o mês de Novembro, aos fiéis defuntos, dando-nos a enten­der o desejo de que nós nos preocupemos sèriamente com o pensamento da morte. Temos de nos lembrar disso, em primeiro lugar para darmos alívio aos nossos queridos mortos e para adquirirmos um espírito forte. É impossível que o pensamento daqueles entes amados, que a morte arrebatou, não desperte no homem moderno a lembrança que ele tanto teme. que ele evita, que o faz estremecer e lhe causa calafrios e que, contudo, não pode impedir: que também há-de morrer!

Não devemos condenar a nossa Mãe, a Igreja, se se mostra tão pouco moderna, tão pouco cortês, e no meio do mundo que corre, à desfilada, grita com força impres­sionante: «Homens! lembrai-vos dos vossos queridos mortos; e mais ainda, não esqueçais que também vós ha veis demorrer.»

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JESUS CRISTO REI512

Mas a nossa santa religião não nos fala da morte para nos assustar. Não. não é esse o seu intento, mas para nos levantar, para nos consolar e para tomarmos a vida a sério. Os túmulos, sim, falam com uma seriedade pavo­rosa; mas para não desesperarmos, campeia neles a cruz. A morte apregoa coisas infinitamente sérias e só a Cruz de Cristo pode mitigar a sua espantosa sublimidade, l í este o pensamento que serve de tema ao presente capítulo: Cristo é também Rei da morte.

I

De que nos fala a morte?l.° A morte anuncia-nos uma grande verdade, espan­

tosamente certa: a vida do homem sobre a terra dura alguns decénios e depois termina. Todos temos de morrer, tanto eu com o tu.

«Disto não se fala. Para quê havemos de perder o bom humor?», dizem alguns. E realmente, abundam os que não pensam neste momento sério. Vivem, como se houvessem de permanecer sempre na terra. Como se enga­nam! Pensemos ou não na morte, cada momento que passa vai-nos aproximando mais dela; a diferença entre um e outro caso é que o homem que pensa muitas vezes na morte, acaba por não a temer.

A morte é. sem dúvida, temível. Repara nos cemi­térios... Que lês em todas as campas? Que o menino recém-nascido, o jovem, o homem na idade madura, o ancião, o poderoso, como o fraco, o pobre como o rico. todos hão-de morrer.

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CRISTO. REI DA MORTE 5rs

Ave, Ccesar; morituri te salutant1 Saudamos-te, ó César, os que vamos morrer. É o grito que a humanidade lança de contínuo à passagem da morte...; mas este César jamais concede o indulto. Levanta a mão, não para exercer a misericórdia, mas para ferir.

Estamos condenados à morte desde o nascimento. O sono, a comida, o vestido, o descanso, não são mais que intentos de escapar à morte, mas ela vence sempre!

Quantas coisas nos dizem os mortos no seu silêncio! «Eu era como tu, tu serás como eu». Quer penses nisso ou o esqueças, não importa. «Vigiai, porque, quando menos o pensardes, virá o Filho do Homem», disse o Senhor.

T a i.le y r a n d , o célebre político francês, temia muito a morte: «Morte!» era uma palavra que não era lícito pro­nunciar em sua presença. Ninguém se atrevia a comunicar- -Ihe a noticia da morte dos seus melhores amigos. De alguns não chegou a saher que tinham falecido. Mas em vão vigiava e se defendia: adoeceu também. Suplicante, disse ao seu médico: «Dou-lhe um milhão de francos por cada mês que me prolongue a vida.» Em vão... quando chegou a sua hora, também ele morreu...

«Quando chegou a sua hora...» Que sei eu se dentro de um ano não terá chegado também a minha hora! «Quem sabe quando chegará?» diz alguém para se consolar. Também eu digo o mesmo, mas com outra entoação: Quem sabe quando chegará.

fi uma antiga lenda. Quando a morte bateu <i porta do mordomo de Salomão, fitou nele os olhos de maneira tão esquisita, com tanta surpresa que aquele poderoso cortesão sentiu gelar-se-lhe o sangue nas veias. Foi ter com o rei: «Meu Senhor, grande rei» — disse — «foi sempre

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JESUS CRISTO REI

vosso fiel vassalo, não me negueis o que vos suplico: dai-me o vosso corcel mais veloz.» O rei, apesar de tão desusado pedido, concedeu-lhe o que ele queria. O mordomo saltou para cima do cavalo e... pernas para que te quero. Caval­gou, cavalgou durante todo o dia, e o cavalo espumando e cansado... mas queria fugir para longe, para muito longe, para fugir à morte... Ao cair da noite, corcel e cavaleiro pararam esgotados, para descansarem, na berma da estrada. Mas. ao saltar em terra, quase sem forças, que horror, quem é que o esperava ali sentado à beira do caminho, fitando o cansado ginete? — A M O R TE.

O mordomo esgotado, rende-se à sua sorte e exclama: «Vejo que não posso fugir de ti; eis-rne aqui, leva-me; mas antes, peço que me respondas só a esta pergunta: «Esta manhã, quando entraste no meu quarto, porque me olhavas com tanta surpresa?» Foi — respondeu a Morte — porque tinha recebido ordens de me apoderar de ti ao cair do sol, aqui, junlo deste cam inho — e fiquei surpreendida dizendo para mim mesma: «será difícil, é tão longe... mas contudo cá vieste»... E a Morte lá levou o mordomo.

Que nos ensina o aviso do S enhor?...« V igiai, porque na hora que menos pensardes, virá

o F ilho do Homem». (')2.° A Morte diz também quão horroroso é o pecado.

A Morte assusta. Porquê? Porque não entrava no plano primitivo de Deus a morte do homem. Que será, pois, o pecado aos olhos de Deus. se o castiga com a morte? Os nossos primeiros pais. ao comerem a fruta proibida, comeram também a morte. O pensamento de Deus era.

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C) S. Mulrus, \xiv. 42.

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C R ISTO , RE/ DA MORTE

que também o nosso corpo fosse imortal. Mas. depois do pecado, este corpo tomou-se frágil como o barro (é a Sagrada Escritura que o diz) e mais frágil ainda, porque um objecto de barro, com cuidado, pode durar séculos; mas a vida do bomem é de uns «setenta anos, ou por acaso de oitenta» e de todos os modos, por muitos que sejam, termina tudo num punhado de cinzas. Que será, pois, o pecado para ser punido assim por Deus?

À luz destes princípios, poderemos continuar a ter um conceito frívolo da vida?

Os trapistas costumam saudar-se desta maneira: Mem ento mori, «Lembra-te que hás-de morrer». Nós também devemos meditar na morte com frequência, sobretudo nas horas da tentação. O espelho de N uma P ompíuo, antigo rei dos romanos, estava encaixilhado numa caveira com esta inscrição: H oc speculum non fallit: «este espelho não engana.» O pensamento da morte também não engana: sob a sua influência dissipam-se muitas tentações de pecar. Viver cristãmente é difícil algumas vezes, e morrer como tal é fácil. Pelo contrário é difícil a morte para quem foi fácil a vida.

3.° A morte sublinha bem a vaidade do inundo. A grandes vozes apregoa a grande verdade: não temas quando sofreres: não te fies demasiado quando tudo te correr bem.

H o r m i d a . um distinto persa, foi uma vez a Roma, então capital do mundo. Ao despedir-se, pergunta-lhe o Impe­rador romano: «Que te parece Roma? Não desejarias ficar aqui?» «Meu Senhor — respondeu o persa — em parte alguma do mundo vi tantas maravilhas e tantas belezas, mas. se me é lícito falar com franqueza, direi que, apesar

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JESUS CRISTO REI

disso, não me deslumbraram. Porque entre as colunas, os arcos de triunfo, os palácios e os templos magníficos, vi também túmulos. De modo que em Rom a morrem os homens como na Pérsia? Quando descobri esta verdade, a mais brilhante formosura se obscureceu ante os meus olhos.»

Tinha muita razão este persa. Também a mim me acode um pensamento raro. quando entro num cemitério: «Se todos os mortos que descansam aqui ressuscitassem agora com licença para viverem, por exemplo, um ano, que sucederia? Viveriam tão frivolamente, cometeriam tan­tos pecados como na sua primeira vida? Teriam em tão pouca estima os mandamentos de Deus? Eles já sabem que a beleza, a riqueza, os prazeres, a vaidade, que tudo. tudo, passa.»

Mas isto não é mais que um sonho de fantasia; os mortos não voltam à vida; não lhes é permitido reparar nada do que fizeram.

Mas tu ainda podes reparar...Pensa bem nistolNão ofendeste o teu próximo e já fizeste as pazes

com ele?Não conservas dinheiro, valores, ilicitamente adqui­

ridos, que a consciência te diz deveres restituir?Não haverá alguém a quem tenhas de dizer: «Oh! não

faças, não faças o que aprendeste comigo?»...Ainda podes reparar tudo...Não o adies, nem digas: depois o farei. Não há poder

no mundo que possa reter no corpo a alma que empreende o seu voo: nem a medicina, nem o cuidado com os doentes, nem as lágrimas e soluços dos circunstantes: por mais atrozes que sejam os sofrimentos que torturam o doente.

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CRISTO. REI DA MORTE 317

não pode morrer antes, e por muito que queira viver ainda, não pode viver mais do que o permite a lei misteriosa de Deus. O h! confessa, pois. que é uma insensatez pensar constantemente no corpo e esquecer a alma.

Não vês quão depressa olvidam os homens o falecido, e com que facilidade se vão divertir depois de saírem do cemitério? Não compreendes quão depressa se desmorona a obra principal da tua vida? Não pensas como te esque­cerão depois da morte aqueles mesmos que durante a vida não cessavam de te louvar? Pondera pois quão perigoso é buscar o favor dos homens e não cuidar da aprovação do Deus eterno.

4.° Pelas mesmas razões a morte encarece a impor­tância d a vida terrena.

Com a morte não acaba tudo. Depois da morte, vem o juízo.

«Tudo se acabou», soluça a viúva, quando o seu esposo agonizante exala o último suspiro. — Ah! não é assim. Porque, se tudo tivesse acabado... Mas é que não se acabou tudo. Pelo contrário, precisamente ao morrer, estamos no princípio, no princípio da vida eterna. E tudo depende disto: como vivi. e cm que estado morri.

Lemos com frequência nas colunas de necrologia estas palavras: «Morreu inesperadamente.» Inesperadamente? E não morremos «inesperadamente» quase lodos? Não só o que morre de um ataque cardíaco, como o doente mais grave, porque ele... «não esperava ainda a morte». Todos sabemos que temos de morrer; mas todos julgamos que não é agora. Portanto, temos de esperar isso, temos d e estar preparados. Não sabes onde te espera a morte: espera-a, pois, em toda a parte.

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A pregação do túmulo é muito triste. Mas nos nossos túmulos cam peia a cruz. E que apregoa a cruz nos túmulos? Diz-nos que além-túmulo Há outra vida. que Cristo é o Rei dos túmulos, o Rei da morte, porque Cristo venceu a morte. •

O cemitério é terra sagrada, é o grande campo lavrado de Deus. As sementes são os Homens para que Hrotem para uma vida eterna. Fostes Vós, SenHor Jesus, que nos fortalecestes, para não esmorecermos ante o tremendo pen­samento da morte. Fostes Vós, SenHor Jesus, que nos ensinastes que nem tudo passa, mas que Há uma vida. uma vida nova além-campa!

Sim. quem vive para Cristo, não teme a morte.O grande missionário S . F rancisco X avier, morreu

consumido de feHres, longe da sua pátria, numa pequena ilHa. junto da CHina. com estas palavras na Hoca: In te. Domine, speravi, non confundar in cetemum: «SenHor. esperei em Vós. jamais serei confundido...»

S . C a r i.OS viveu toda a sua vida para Cristo e assim pôde dizer no seu leito de morte: Ecce venio: «Eis-me aqui, vamos.»

S. V icente de P aulo morreu com estas palavras nos lábios: lpse perficiat: «Ele cumpra em mim a Sua santa vontade.»

S anto A ndré A velino sentiu o golpe da morte junto ao altar, ao pronunciar no princípio da missa aquelas palavras: lntroibo ad altare D ei: «Aproximar-me-ei do altar de Deus.»

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CRISTO. REI DA MORTE 519

D u r a n te a s p e rs e g u iç õ e s , u m d iá c o n o de Á f r ic a e s ta v a

c a n ta n d o o A le lu ia P a s c a l n o p ú lp ito , q u a n d o u m a f le c h a

d o s p e rs e g u id o re s lh e a tra v e s s o u a g a r g a n ta , e fo i te r m in a r

o A le lu ia d ia n te d o tro n o d e D e u s . N ão im porta... Cristo é o Rei a a Morte!

N a c a te d r a l d e S a n t o E s tê v ã o d e V ie n a , h á u m m o n u ­

m e n to s e p u lc r a l q u e n o s im p re s s io n a p ro fu n d a m e n te . M o n ­

ta d o n u m c o r c e l b r io so , s o b e p o r u m a c o l in a c o b e r ta d e

f lo re s , um jo v e m p r ín c ip e v e s t id o d e c o ta d e m a lh a . N o

so p é d a c o l in a u m a fo n te . P o r d e tr á s o c u lta -s e a p é rfid a

m o r te ; a s u a fo ic e e s tá e n c o b e r ta p o r m im o s a s flo re s .

O c a v a le ir o in c lin a -s e s o b r e a fo n te ; m a d e ix a s c a e m em

d e s a l in h o s o b r e o ro s to e n o c r is ta l in o e s p e lh o d a s á g u a s

c o n te m p la a a b ó b a d a a z u l d o c é u . A o so e rg u e r -s e , a

m o rte c e i fa - lh e a v id a . N in g u é m p ô d e a in d a l ib e r ta r -s e

d e ta l g o lp e . . . E h á tre z e n to s a n o s , u m c o r c e l v o lto u sem

o s e u c a v a le ir o ; e o se u d o n o foi s e p u lta d o n a q u e la ig r e ja .

P a r o a n te o m o n u m e n to . A in s c r iç ã o fo i a p a g a d a já p e lo

te m p o e n em s e q u e r lh e p o sso p e r g u n ta r : « G a r b o s o c a v a ­

le iro . c o m o te c h a m a v a s ? F o s te c e ifa d o em flo r , n a f lo r

d e te u s a n o s !»

Mas vive a sua alm a!M a is a lé m , um a m p lo s a r c ó fa g o d e p e d ra n a ig r e ja .

H á q u a n to s a n o s se re d u z ira m a p ó a s m ã o s q u e o la v ra ra m

p a r a s e p u ltu r a d e u m a c a b e ç a c o r o a d a . . . o u ta lv e z de

a lg u m g é n io p o d e ro so , d o m in a d o r d e m u n d o s, a n te q u em

se p ro s tra ra m m ilh a re s d e v a s s a lo s a té b e i ja r a m o p ó d a

le rra . A g o r a , ta m b é m e le é .p ó . A s p a re d e s co m lá p id e s

d e m á rm o re o s te n ta m in s c r iç õ e s d o ir a d a s . C o r o a , tr iu n fo ,

p o m p a , b e m -e s ta r , fo rm o su ra , ju v e n tu d e , p o d e r .. . ta is s ã o

a s p a la v r a s q u e a in d a c o n s e g u im o s le r n a s lo u s a s c a rc o m i-

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320 JESUS CRISTO REI

d a s p e lo te m p o . Q u e g r a n d e l iç ã o ! T o d o a q u e le b r ilh o ,

to d a a q u e la g ló r ia p e r te n c e a o p a s s a d o !

Mas as suas almas vivem!In c l in o a m in h a fro n te a rd e n te s o b r e o frio m á rm o re

e g r ito p a ra o fu n d o d o s tú m u lo s : « T u . c h e fe h e r o ic o ;

tu . jo v e m n o b r e ; tu . p r in c e s a d e ro s to r o s a d o : to d o s v ós

q u e e s ta is a q u i re d u z id o s a c in z a s , pensastes na morte durante a vossa vida? Se pensastes sois fe l iz e s ...» — N in ­

g u é m m e re sp o n d e , n ã o o u ç o m a is q u e o b a te r d o m eu

c o r a ç ã o .

E n o m o m e n to em q u e o p e n s a m e n to a c a b r u n h a d o r

d a m o rte m e d o m in a , o u ç o n o a l ta r -m ó r o E v a n g e lh o d a

M is s a d os D e f u n t o s :

« E u s o u a re s s u rre iç ã o e a vida; quem crê e m mim, ainda que tenha morrido, viverá, e eu o ressuscitarei no último dia.» ( ' )

O h ! c o m o m e v iv i f ic a ta m b é m a m im a p a la v r a d e

C r is t o ! Q u e b á ls a m o p a ra o m e u c o r a ç ã o fe r id o p e lo

p e n s a m e n to d a m o r te !

P r o s s e g u e a S a n t a M is s a , c n o se u p r e fá c io a d m irá v e l

re sso a m a m e u s o u v id o s a q u e la s p a la v ra s c o n s o la d o r a s :

« É v e rd a d e ira m e n te d ig n o e ju s to , e q u ita t iv o e s a lu ta r , q u e

n ó s sem p re e em to d a a p a rte V o s d em o s g r a ç a s . S e n h o r

s a n to . P a i O m n ip o te n te , e te m o D e u s . p o r N o s s o S e n h o r

J e s u s C r is to . N o q u a l b r i lh o u p a r a n ó s a e s p e r a n ç a d u m a

fe liz re s s u rre iç ã o , p a ra q u e a q u e le s a q u e m c o n tr is ta a

c e r te z a d a m o rte , se c o n so le m co m a p ro m e ss a d a im o r ta ­

lid a d e fu tu ra . P o r q u e , p a ra os V o s s o s f ié is . S e n h o r , a v id a

(’) S . lo ã o . xi. 25. 26.

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CRISTO. REI DA MORTE 521

m u d a -s e , n ã o se a c a b a ; e a o d e s m o ro n a r-s e e s ta m o ra d a

te rre n a , a d q u ir e -s e u m a m a n s ã o e te r n a n o s c é u s . . .»

C r is to é a re s s u rre iç ã o e a v id a . A n o s s a v id a n ã o

s e p e rd e , só se t r a n s fo r m a ; p re p a r a -s e -n o s u m a m a n s ã o

e te r n a n o s c é u s . Cristo, N osso Senhor Jesus Cristo! V ó s

sois também Rei da Morte!

*

* *

É c ru e l o m o m e n to d a m o r te ! N in g u é m , p o r m a is

p e rto q u e e s te ja d e n ó s . n o s p o d e a ju d a r n o tra n s e d e p a s s a r

p e la p o r ta e s c u r a . T e m o s d e p a r t ir s ò z in h o s p e lo c a m in h o

m a is d if íc i l d a n o s s a v id a .

C o n tu d o . . . h á u m a m ã o a q u e n o s p o d e m o s a g a r ra r .

A q u e la m ã o q u e fo i p re g a d a n a c ru z , q u e se e s te n d e u

m is e r ic o rd io s o a o b o m la d r ã o , e se p o iso u co m o p e rd ã o

s o b r e a c a b e ç a d e M a d a le n a a r r e p e n d id a .. .

A m o rte é q u a lq u e r c o is a d e e s p a n to s o . Mas quem segue a Cristo pelo difícil caminho d a vida, n ã o s e sentirá oprim ido; o transe não lhe será difícil.

— C o m o p o s so s a b ê - lo ?

— P o is d is s e -m o u m a m e n in a . U m a m e n in a d o e n te .

— U m c o m p a n h e iro m e u d o s a c e r d ó c io fo i c h a m a d o

p a ra c o n fe s s a r u m a m e n in a a g o n iz a n te . H a v ia m u ito q u e

e s ta v a d o e n te ; s a b ia q u e a m o rte se a p ro x im a v a , e m o s tra v a

ta l tr a n q u ilid a d e q u e o s a c e rd o te Ib e p e rg u n to u : « M in h a

f i lh a , n ã o te n s m ed o d a m o r te ? » « O h ! a n te s t in h a ! M a s .

d e s d e q u e s u c e d e u a q u ilo d a v e sp a , já n ã o a te m o » . « D a

v e s p a ? !» — « S im , e s ta v a s e n ta d a n o ja r d im , e d e re p e n te

v e m u m a v e s p a g ra n d e , z u m b in d o , z u m b in d o , m e te u -m e 21

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322 JESUS CRISTO REI

ta n to m e d o .. . e e u g r ite i : M a m ã . q u e m e v a i a p ic a r .

M a s a m in h a m ã e a b r a ç o u -m e . s o rrin d o , c o b r iu -m e p o r

c o m p le to e d is s e : N ã o te m a s , m in h a f i lb in b a . E a v e s p a

e s v o a ç a v a , z u m b in d o a té p o u s a r n o b r a ç o d e m in h a m ã e

e p i c o u - a . . . ; e m in h a m ã e p ro s se g u iu s o r r in d o : V ê s . c o m o

n ã o te d ó i a t i ? O l h a . m in h a f i lh a , a s s im s e r á a m o r te ,

n ã o te d o e rá , p o rq u e o s e u aguilhão se quebrou no C oração de N osso Senhor Jesus C risto... D e s d e e n tã o n ã o te m o

a m o r te .>Q ueira N osso Senhor Jesus Cristo confortar-nos,

quando chegar a nossa hora, e fazer viver o pensamento de que o aguilhão d a morte se quebrou em seu coração... em seu Sacratíssimo Coração.

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C A P Í T U L O X X V

Q uem é Cristo para nós?

\ [ ° a n o d e 1 8 8 8 h o u v e em R o m a u m c o n g re s s o o rg a -

C ' \ n iz a d o em m e m ó ria d u m a r e v o lu c io n á r ia . U m d o s

o ra d o re s p ro n u n c io u u m d is c u rs o h ip e r b ó lic o em h o n r a d e

L ú c ife r , c h e fe d o s e s p ír ito s re b e ld e s .

N o m e io d o d is c u rs o , o u v iu -s e e s te g r ito : « V iv a

S a t a n á s » e c in c o m il v o z e s re p e tira m o g r ito : « D e u s m o rreu ,

v iv a S a t a n á s !»

E s p a n ta -n o s e s ta in c r ív e l g ro ss e r ia e s p ir i tu a l, e s te c u lto

a o d e m ó n io ; e , n ã o o b s ta n te , o im e n so n ú m e ro d e p e c a d o s

d a v id a m o d e rn a q u e o u tr a c o is a s ã o s e n ã o u m a id o la tr ia

in fe r n a l?

Q u a n t a s c o is a s n ã o fez a h u m a n id a d e c o n tr a D e u s !

A R e v o lu ç ã o F r a n c e s a q u is d e s tru í-I O ; p u b lic o u u m m a n i­

fe sto . a f ir m a n d o q u e D e u s já n ã o e r a n e c e s s á r io . A s s o m ­

b ra -n o s e s ta in s e n s a te z ? E q u e o u tr a c o is a s ã o a s a b o m i­

n a ç õ e s d a n o s s a é p o c a , s e n ã o a r e a l iz a ç ã o d o d e c re to

r e v o lu c io n á r io e a s u a p r o m u lg a ç ã o a to d a a h u m a n id a d e ?

O s e s tr a g o s d a R e v o lu ç ã o F r a n c e s a n ã o fo ra m m a is m o n s ­

tru o so s d o q u e os s u c e s s o s c o n te m p o râ n e o s . L e m b re m o s

a q u e le s d ia s fu n e s to s em q u e os e s tu d a n te s d e V i e n a

c a n ta v a m : Ich bin kein Chrisl, ich bin sozialistl « N ã o

s o u c r is tã o , so u s o c ia l is ta !»

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324 JESUS CRISTO REI

Q u a n t a s c o is a s a h u m a n id a d e n ã o te n to u c o n tr a D e u s !

E tu d o em v ã o !

N ã o h á m u ito te m p o , S u a S a n t id a d e P io X I la n ç o u

e s te a v is o : « H o m e n s , v o lta i a C r is to , a q u e m D e u s d e u u m

um n o m e q u e e s tá s o b r e to d o o n o m e : não se d eu aos homens o u tro nome debaixo do céu, pelo qual nos possamos salvar.» ( ')

In d iv íd u o s , voltai a C risto! S o c ie d a d e s , voltai a Cristo! N a ç õ e s , voltai a Cristo! V id a fa m il ia r , v id a p o lít ic a , v id a

e c o n ó m ic a , v id a m o ra l, voltai a Cristo. Im p re n s a , te a tro ,

c in e m a s , l ite r a tu r a , fá b r ic a s . B a n c o s , in d ú s tr ia , c o m é rc io .

voltai a CristoJ H o m e n s , p e re c e re is , s e n ã o a c e i ta is c o m o

R e i a N o s s o S e n h o r J e s u s C r is to !

E s ta s s ã o a s rd e ia s q u e e x p lic á m o s em to d a s a s p á g in a s

d e s te liv ro . N e s te s d o is ú lt im o s c a p ítu lo s , v a m o s re s u m i-la s

e tr a ç a r os tra ç o s c a r a c te r ís t ic o s e d e fin it iv o s d e C r is to R e i .

S ó q u e m O c o n h e c e p o d e rá a m á - l O a v a le r , e s e r -L h e

fie l em to d o s os m o m e n to s d a v id a . E quanto mais O conhecer, m a is O am ará!...

N e s te c a p ítu lo , te n ta re m o s c o n h e c ê -I O m e lh o r . F o l h e a ­

rem os o E v a n g e lh o , p a ra q u e o m e sm o S e n h o r n o s re sp o n d a

a e s ta p e r g u n ta :Quem sois V ó s ! Q u e n os dizeis de V ó s m esm o?

** *

l . ° A b r o o E v a n g e lh o s e g u n d o S . J o ã o e le io o q u e

d iz o S e n h o r n u m a p a s s a g e m : « E u s o u a porta. Q uem por mim entrar, salvar-se-á.» ( ' )

(') Aclos dos Apóstolos, iv, l i O S. João. X, 0.

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QUEM É CRISTO PARA NÔS? 325

Q u e c o m p a r a ç ã o tã o in te r e s s a n te ! J e s u s C r is to é a

p o r ta , e n ã o p o s s o s a lv a r -m e . s e n ã o e n tra n d o p o r E le .

« P o r E le » , is to é , se v e jo o m u n d o , co m o s se u s o lh o s ,

s e p e n s o d o m u n d o , co m o s e u e sp ír ito , se o q u e E le

c o n s id e r a im p o rta n te , é im p o rta n te p a r a m im , se n ã o p re n d o

o m e u c o r a ç ã o a o q u e E le c o n s id e r a s e c u n d á r io .

V e r o mundo com os olhos de Cristol Q u e p ro v e i­

to s a l iç ã o d e v id a e n c e rra m e s ta s p a la v r a s , tã o s im p le s

n a a p a r ê n c ia !

P o r q u e v e io a o m u n d o N o s s o S e n h o r J e s u s C r is t o ?

P a r a fo rm a r u m novo tipo de hom em : o d o h o m em q u e

lu ta p e la v id a e te r n a .

E m N o s s o S e n h o r J e s u s C r is to , tu d o serv e p a r a e s te

f im : a s u a v id a . a s u a p r e g a ç ã o , o s s eu s s o fr im e n to s , a

fu n d a ç ã o d a I g r e ja .

C r is to e r a omnisciente; e c o n tu d o , n ã o re v e lo u v e rd a d e

a lg u m a d a s c iê n c ia s n a tu r a is , p o rq u e n ã o a s c o n s id e r a v a

d e im p o r tâ n c ia d e c is iv a . C r is to é lodo-poderoso; e . c o n tu d o ,

n ã o q u is d e ix a r o r ie n ta ç õ e s p a r a a té c n ic a , n e m p a r a a

in d ú s tr ia , a s q u a is d e s e ja m m u lt ip l ic a r a s s u a s fo rç a s .

C r is to e ra a beleza etem a; e . c o n tu d o , n ã o c r io u um

só q u a d r o , e s tá tu a , p o e s ia o u c o m p o s iç ã o m u s ic a l .

C r is to e r a o amor eterno; e . c o n tu d o , n ã o e n s in o u a

c u r a r o c a n c r o n em a tu b e r c u lo s e , n em a fa z e r o p e ra ç õ e s

c ir ú r g ic a s .

C r is to t in h a um grande am or pelas criancinhas; e , c o n ­

tu d o , n ã o le g o u à p o s te r id a d e u m m é to d o p e d a g ó g ic o p a r a

a e d u c a ç ã o d o s p e q u e n in o s . P o r q u ê ? Porque todas estas coisas não são absolutam ente necessárias. Q ue é, pois, o que E le considerava necessário? Crer em Deus, orar, obedecer aos pais, dizer a verdade, guardar puro o coração;

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326 JESUS CRISTO REI

o u , p o r o u tr a s p a la v r a s , v e r o m u n d o à lu z d a s u a d o u tr in a .

E l e é a p o r ta , e só q u e m e n tr a r p o r e le s e p o d e s a lv a r .

2 .° C o n tin u a r e m o s p e r g u n ta n d o : S e n h o r , q u e m so is

V ó s ? E o S enhor re s p o n d e -n o s n o u tra p a s s a g e m : c E u sou o bom Pastor.» (')

C r is to é o m e u p a s to r , q u e n u n c a m e a b a n d o n a , q u e

n ã o fo g e d ia n te d o in im ig o , q u e d á a v id a p e la s s u a s

o v e lh a s . Poderei eu cair no desespero, se sei que Cristo é um pastor cheio de bondade e solicitude por mim? O h !

s e so p ra fu r io s o o v e n d a v a l, o m a r a g ita -s e , a m in h a fro n te

e n r u g a -s e . é n a tu r a l , m a s não me é lícito desesperar. E n ã o m e s e r á p e rm itid o c h o r a r ? S im , mas não me devo revoltar. T a m b é m a f lo r in c l in a o s e u c á l i c e c h e io d e

lá g r im a s , q u a n d o o fu r a c ã o fu r io s o lh e p a s s a p o r c im a .

e a s s im c o m o o s e u r o c io c a i s o b r e a te rra -m ã e . a s s im m e

é l íc i to ta m b é m c h o r a r : m a s sem p e rd e r a e s p e r a n ç a , sem

a b a t im e n to , m a s p e lo c o n trá r io , c o m a c o n v ic ç ã o d e q u e

a s minhas lágrimas caem nas mãos amorosas do Bom Pastor!

O p e n s a m e n to d o B o m P a s t o r n ã o m e c o n s o la só n a

d e s g r a ç a , m a s fo r ta le c e -m e ta m b é m n a te n ta ç ã o . Q u e fo rç a

s e n t ir ia n a s te n ta ç õ e s , se , em ta is c ir c u n s tâ n c ia s , m e le m ­

b ra s s e d e s ta g r a n d e v e r d a d e : C r is t o q u e ta n to m e a m o u .

q u e d e u a s u a v id a p o r m im , e s te b o m P a s t o r p e d e -m e

a g o r a isto , o u p ro ib e -m e aquilo! S e r á l íc i to d e s e sp e r a r-m e

o u d u v id a r c o m o h o m em d e p o u c a fé q u a n d o C r is to m e

fa la . C r is to q u e se e n tre g o u p o r m im à m o rte . C r is to q u e

é o B o m P a s t o r ?

O S . J o ã o , X, 11.

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QUEM É CRISTO PARA NÓS? 327

3 .° P e r g u n te m o s a in d a : S e n h o r , d iz e i-m e . quem sois V ó s ? E a s s im n o s re s p o n d e E l e : « E u s o u a videira, vós sois os sarmentos. Q uem está unido a M im e E u a ele, esse dá muito fruto, porque sem Mim nada podereis fazer. Q uem não perm anece em Mim, será lançado fora com o sarmento inútil, e secará e será lançado no fogo e arderá .» ( ’ )

T a i s s ã o a s p a la v r a s d e J esus C risto.C r is to é a v id e ira , e u s o u o s a rm e n to . Q u e a v iso

s e v e ro m a s q u e h o n r a a o m esm o te m p o ! O s a rm e n to só

v iv e e n q u a n to a s e iv a v iv if ic a n te d a v id e ira c ir c u la n e le .

T a m b é m m in h a a lm a v iv e rá u n ic a m e n te , e n q u a n to a v ir ­

tu d e d e C r is to c ir c u la r e m m im , e n q u a n to o C o r a ç ã o d e

C r is to b a te r em m im , q u e r d iz e r , e n q u a n to e u fo r v e r d a ­

d e ira m e n te irm ã o d e J e s u s C r is to .

A h e r a p r e c is a d a p e d r a : s e p o d e tre p a r a g a r r a d a a o

m u ro , d e s a b r o c h a em flo r , a o p a s so q u e se se a r r a s ta p e lo

c h ã o , le v a u m a v id a r a q u í t ic a : a s e m p re -v iv a p r e c is a d o

r o b le ; se c o n s e g u e a b r a ç a r -s e a e le , a s p ir a c o m g o z o os

ra io s v iv if ic a n te s d o S o l : se lh e f a l t a o r o b le d e f in h a .

T a m b é m e u s o u a h e ra , C r is to é a minha pedra; ta m b é m

s o u a s e m p re -v iv a . Cristo é o meu roble. S e m e u n o f irm e ­

m e n te a E le , e le v o -m e c h e io d e g o z o a c im a d e s ta v id a

te rre n a , v id a g ro ss e ira , s e m e a d a d e tr is te z a s e a m a r g u ra s .

C o m o ? E n tã o , o b o m c r is tã o , ta m b é m te m d ir e ito a

g o z a r d a v id a ? T a m b é m s e p o d e a le g r a r ? S im , ta m b é m .

A s d iv e rs õ e s le g ít im a s e p u ra s s ã o - lh e p e rm itid a s .

E n t ã o um b o m c r is tã o n ã o d ev e v iv e r t r is te e a b s te r -s e

d e to d a a a le g r ia ? N ã o ; p e lo c o n tr á r io . Q u e m te m s u a

(‘) S. João, xv. 5-6.

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328 )ESUS CRISTO REI

a lm a b e m com D e u s , d ev e s e r o m a is a le g re d o s b o m e n s .

O sa rm e n to , q u e v iv e d a s e iv a d a v id e ira , g o z a d e v ig o r

e lo u ç a n ia . A f lo r a ç ã o m a is b e la d a v id a c r is tã re s id e

p re c is a m e n te n e s te fa c to : q u e p o d e m o s d e m o n s tr a r a o s

b o m e n s , que para alcançar a verdadeira alegria, não é preciso nem o pecado, nem a vida frívola, nem a im o ra ­

l id a d e .

P o d e o c r is tã o se r tã o se v e ro , tã o d u ro c o n s ig o m e sm o ,

tã o m o r tif ic a d o c o m o S . F r a n c is c o d e A s s is , e c o n tu d o s e n tir

a a lm a in u n d a d a d e g r a n d e fe lic id a d e , c o m o s a tu r a d a e s ta v a

a a lm a d e s te s a n to , q u e fa la v a c o m o s p a s s a r in h o s d o c é u .

p re g a v a a o s p e ix e s e a c a r ic ia v a o lo b o d o b o s q u e . P a r a

isso . n u n c a h e i-d e e s q u e c e r q u e C r is to é a v id e ira , e e u

o sa rm e n to , is to é , q u e s o u irm ã o d e C r is to .

S o u irmão d e Cristo; p o r t a n to . . . e rg u e r a c a b e ç a !

S o u irm ã o d e Cristo; p o r ta n to , m e u s o lb o s d ev em ser

p u r o s !

S o u irmão de Cristo; p o r ta n to , to d a s a s m in h a s p a la ­

v ra s d ev em s e r a e x p r e s s ã o d a v e rd a d e .

S o u irmão d e Cristo; p o r ta n to , to d a s a s m in h a s a c ç õ e s

d ev e m s e r ju s ta s .

S o u irmão de Cristo; p o r ta n to , a m in h a v id a d ev e ser

d ig n a d o S e n h o r .

H e i-d e s e r r a d ia n te n o m e u in te r io r e b e i-d e ir r a d ia r

lu z . A m in h a v id a . a s m in h a s o b r a s , a s m in h a s p a la v r a s

h ã o -d e s e r lu m in o s a s .

S o u irmão d e Cristo; p o r ta n to , n ã o b e i-d e p e n s a r , d iz e r,

fa z e r , a m a r c o is a a lg u m a , q u e n ã o p o s sa p e n s a r , d iz e r,

fa z e r e a m a r o m e s m o C r is to . P o r q u e E l e é a v id e ira e e u

s o u o s a rm e n to .

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QUEM É CRISTO PARA NÓS? 329

4 .° D iz e i-m e , S e n h o r , q u e m so is V ó s ? E C r is to re s ­

p o n d e -n o s : « E u s o u a luz do mundo, quem me segue não cam inha nas trevas, mas terá a luz d a vida.» ( ' )

C o m o ? — d irá a lg u é m — C r is to é a lu z d o m u n d o ? !

S e se contam por milhões os que não se preocupam com Ele, os que passam a seu lado e nem olham para E le! H á milhões de homens que não são cristãos!

É v e rd a d e q u e m u ito s h o m e n s , v iv em sem C r is to . M a s

é p o rq u e o u ainda n ã o o u v ira m fa la r d e C r is to , o u p o rq u e

já n ã o q u e re m o u v ir f a la r d 'E !e . E s t e s ú lt im o s a p re g o a m ,

sem q u e r e r e m , a g r a n d e z a d e C r is t o ; h á d o is m il a n o s q u e

lu ta m c o n tr a E le , e n ã o c o n s e g u ira m a r r a n c a r - lh e os s eu s

f ié is . A q u e le s q u e ainda O n ã o c o n h e c e m , c o m o e sc u ta m

a le g re m e n te q u a n d o se lh e s fa la d e C r is t o ! N a v e rd a d e ,

q u e é em c o m p a r a ç ã o co m a lu z d e C r is to , a lu z d e B u d a ,

q u e v e io d o n a d a e a o n a d a v o lta ? Q u e é M a fo m a d ia n te

d a Luz do mundo? Q u is t ir a r á g u a d a s to rre n te s q u e s a e m

d e C r is to o u a E le s e d ir ig e m : p o u c a t ir o u ; c a b e - lh e n a

c o n c h a d a m ã o . A s u a lu z é e m p r e s ta d a , e s c a s s a , im p u ra .

Q u e s e r ia d o m u n d o , sem a lu z d e C r is t o ? Im a g in e m o s

o a b is m o sem fim e o e s c u r o e e s p a n to s o v a z io , e m q u e

f ic a r ia o m u n d o , se C r is to n o s d e s p o ja s s e d o s se u s d o n s

e n o s a b a n d o n a s s e .

Q u e s e r ia d o m u n d o , se a te rra se a b r is s e e tra g a s s e

c id a d e s in te ir a s , se p a ís e s in te ir o s , e d ila ta d o s m a re s d e s a ­

p a r e c e s s e m ? O m u n d o c o n t in u a r ia a e x is t ir .

Q u e s e r ia , se o c o m b o io , o v a p o r , a e le c tr ic id a d e , a

rád io... e to d o s os g r a n d e s in v e n to s se p e rd e s s e m ? O m u n d o

n ã o d e ix a r ia d e e x is t ir .

(') S. João, viu, 12.

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330 JESUS C R IS TO R E I

Q u e s e r ia d a h is tó r ia d o m u n d o sem os g r a n d e s s á b io s

e f i ló s o fo s m a is c é le b r e s ? P o d e r ía m o s p a s s a r sem e le s .

M a s q u e s e r ia d a h u m a n id a d e sem C r is to ? C o m C r is to

a alma sairia do corpo da humanidade, e o que ficasse não seria mais que um monte de escombros em espantosas treuas.

5. ° Senhor, d iz e i-m e , q u e m s o is V ó s ? E o S enhor r e s p o n d e : « E u s o u o pão da vida; quem vem a Mim, não terá fome e quem crê em mim, jamais terá sede.» (')

C o m e fe ito . C r is to é o p ã o d a v id a , p o rq u e sem E le

n ã o p o d e r ía m o s v iv e r . S e C r is to n ã o e x is t is s e , q u e s e r ia d o

h o m em c a r r e g a d o d e p e c a d o s ? S e n ã o e x is t is s e C r is to ,

q u e m s o fr e a r ia os e x c e s s o s d o s o p re sso re s , e d e fe n d e r ia os

d é b e is ? S e n ã o e x is t is s e C r is to , q u e m p ro te g e r ia a c r ia n ç a

r e c é m -n a s c id a ? S e n ã o e x is t is s e C r is to , p a ra q u e m le v a n ­

ta r ia os o lh o s o h o m em q u e se d e b a te e lu ta n a s te n ta ç õ e s ?

S e n ã o e x is t is s e C r is to , a q u e m re c o rre r ia o p o b re e n fe r m o ?

S im . ó m e u S e n h o r J e s u s C r is to , n ó s s a b e m o s , s e n tim o s

e c o m p re e n d e m o s q u e V ó s so is o p ã o d a v id a . e q u e q u e m

re co rre a V ó s n ã o te r á fo m e , e q u e . q u e m c rê em V ó s ja m a is

te rá sed e .6 . ° S e n h o r , d iz e i-m e , q u e m s o is V ó s ? E re s p o n d e o

S enhor: «Eu s o u o caminho, a verdade e a vida.» (2)M u ito s s ã o os q u e q u is e ra m o r ie n ta r os c a m in h o s d o

h o m em , m a s n in g u é m o u s o u d iz e r que ele era o caminho, «sede como eu, sede meus imitadores». M u ito s m e stre s

te v e j á a h u m a n id a d e , m a s n e n h u m se a tre v e u a d iz e r :

« E u s o u a v e rd a d e .» M u ita s p ro m e ssa s fo ra m fe ita s e se

fa z e m em n o s so s d ia s . m a s n in g u é m n o s d iz : « E u so u a v id a .»

(*) S . João, vi, 35. (*) S . João, xiv, 6.

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QUEM É CRISTO PARA NÔS? 331

S e C r is to é o c a m in h o , e n tã o v a i e rra d o q u e m se

s e p a r a cT E Ie .

S e C r is to é a v e rd a d e , c a i em erro q u e m O n e g a o u

fa z a la r d e d e n ã o O c o n h e c e r .

E se C r is to é a v id a . á rv o re s e c a s e rá q u e m se n e g u e

a r e c e b e r a s u a s e iv a .

E s t a s p a la v r a s s ã o v e rd a d e ira s n ã o só p a r a a v id a

in d iv id u a l, m a s ta m b é m para a vida d a sociedade, dos Estados e d a hum anidade inteira. S e os c a m in h o s e le is

v ã o d e e n c o n tro a o s c a m in h o s e le is d e C r is to , a r u ín a é

c e r ta , q u e r s e tr a te d e in d iv íd u o s , q u e r d e c o le c t iv id a d e s .

N ã o só o in d iv íd u o , m a s ta m b é m o E s ta d o n o ta os b e n e ­

f íc io s d a d o u tr in a d e C r is to se p e r m a n e c e r f ie l a e la .

É v e rd a d e q u e C r is to n ã o n o s e x im e d a s d if ic u ld a d e s

d a v id a . d o s p e s a re s e c u id a d o s q u o t id ia n o s ; m a s d á -n o s

fo rç a , â n im o , l ib e r d a d e in te r io r , e m a d u re z a e s p ir i tu a l p a r a

o s s u p o rta r . Q u e m s e g u e a C r is to , é h o n r a d o em s u a s

a c ç õ e s , m e re c e a c o n f ia n ç a d o s o u tro s , te m e s p ír ito d e

s a c r i f íc io n o a m o r a o p ró x im o . E o E s ta d o q u e r e c o n h e c e

& C r is to p o r seu R e i . é ju s to em s u a s le is . e q u ita t iv o p a ra

c o m os se u s c id a d ã o s .Q u e m n ã o v ê . c o m to d a a c la r e z a , q u e a h u m a n id a d e

n e c e s s ita h o je . m a is d o q u e n u n c a , d e s te e s p ír ito d e C r is t o ?

S im h o je . P o r q u e , q u a n to m a is h o m e n s h o u v e r n o

m u n d o , q u a n to s m a is se d iv id a m o t r a b a lh o , to d a s a s n o s sa s

a c t iv id a d e s e os in te re s s e s d a s d ife re n te s c a m a d a s s o c ia is ,

ta n to m a is n u m e ro s a s s e r ã o a s o c a s iõ e s d e c o n f li to s e m a is

c e g a s a s p a ix õ e s . H o je s a b e -s e m u ito : o h o m em m a n d a n o

a r e a e le o b e d e c e o r a i o . . . M a s n ã o é s e n h o r deis s u a s

p a ix õ e s ; só a v ir tu d e d a s le is d e C r is to a s p o d e d o m in a r .

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552 JESUS CRISTO REI

C r is to é o c a m in h o , a v e rd a d e e a v id a . V id a n á o s ó

d o in d iv íd u o , m a s ta m b é m d a fa m íl ia , d a s o c ie d a d e , d o E s ta d o .

7.‘ Senhor, dizei-me, quem sois V ó s? E o S enhor responde: «E u sou a ressurreição e a vida; quem crê em Mim, ainda que esteja morto, viverá .» ( ’ )

E s t a s p a la v r a s d e C r is to , re s p o n d e m a o s m a is g ra v e s p ro b le m a s d o e s p ír ito .

J e s u s , s a b ia tu d o : o S e u o lh a r e ra p e n e tr a n te . leu o s

re c ô n d ito s d a n o s s a a lm a e d e s c o b r iu a s n o s s a s lu ta s .

« S e n h o r , e s tá b e m . Q u e r e m o s s e r -V o s fié is . D e s e ja m o s

s e g u ir -V o s . M a s . v e d e . . . c h e g a o fim , a c a b a -s e a v id a .

E d e p o is , q u e s e rá d e n ó s , q u a n d o m o r r e r m o s ? . . .»

E a p a la v r a d o S e n h o r fa z -s e o u v ir , c h e ia d e a le n to ,

c a i c o m o b á ls a m o s o b r e a fe r id a : « Q u e m c rê em M im , a in d a

q u e te n h a m o rrid o , v iv e rá .»

V iv e r á ? Mas podeis fazer, Senhor, que um morto viva?S im . F ê - lo v á r ia s v e z e s d u ra n te a s u a v id a te rre n a .

A c a lm o u a te m p e s ta d e d o la g o d e G e n e s a r e . . . M a s

d e q u e m e se rv e s a b ê - lo — o b je c ta r á o m a r in h e ir o q u e lu ta

c o m a te m p e s ta d e — s e e s to u p re s te s a p e re c e r n o a b is m o

d a s o n d a s ?

O c o n ta c to d o v e s tid o d o S e n h o r c u ro u u m d ia o s

d o e n te s . . . — « M a s p a r a q u e m e s e r v e . . . — q u e ix a -s e u m

jo v e m tu b e r c u lo s o — se e u . h á ta n to s a n o s , s o fro sem e sp e ­

r a n ç a d e s a lv a ç ã o ? » •

J e s u s C r is to r e s s u s c ito u os m o r t o s . . . — « M a s . d e q u e

m e serv e — r e p lic a a v iú v a — se a m im m e m o rreu o m a rid o

e m e m o rre ra m o s f i lh o s ? »

(') S. loão, xi, 25.

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QUEM Ê CRISTO PARA MÓS? 333

Q u a n t o s sã o os q u e a s s im se q u e ix a m ! M a s . . . sem

direito!J e s u s C r is to d u r a n te a s u a v id a te rre n a , n ã o q u is

a p a z ig u a r todas a s te m p e s ta d e s , c u r a r todos os e n fe rm o s ,

r e s s u s c ita r todos os m o rto s , p o rq u e n ã o v e io p a ra isso .

S e m a n d o u n o m ar, n a d o e n ç a , n a m o rte , fê - lo co m o

fim d e d e m o n s tra r q u e re a lm e n te « L h e fo i d a d o to d o o

p o d e r n o c é u e n a te r r a » , q u e a c im a d e to d a s a s d e s g r a ç a s ,

a c im a d a p ró p r ia m o rte , e s tá o s e u p o d e r e q u e « E le é a

re s s u rre iç ã o e a v id a , e q u e m c rê n E le , a in d a q u e e s t e ja

m o rto , v iv e rá » .S e q u is e s s e , ta m b é m h o je p o d e r ia s a lv a r to d o s os

n á u fr a g o s , c u r a r to d o s os d o e n te s . M a s n ã o é is to o q u e

E le q u e r .

Q u e d e s e ja , e n tã o ?E l e n o - lo d iz : E s t a b e le c e i em v o ss a a lm a e n o m u n d o

in te iro o re in o d e D e u s : o re in o d a c o n f ia n ç a a n c o r a d a em

D e u s , o re in o d o a m o r a D e u s , em D e u s e p o r D e u s .

T r a b a l h a i p a r a q u e o m e u a m o r a b r a s e to d a a te rra .

M o r r e r e is . . . m as e u virei de novo u m dia, apagarei toda a miséria e secarei todas as lágrimas... « E u s o u a ressur­reição e a vida ; q u e m crê em Mim, ainda q u e tenha morrido, viverá».

*

# *

E is a q u i co m o , a o fo lh e a r o E v a n g e lh o , em c a d a p á g in a .

N o s s o S e n h o r J e s u s C r is to n o s a p a r e c e u m a is b e lo , m a is

r a d ia n te , m a is a rd e n te , m a is s u b ju g a d o r . m a is c la r o . N ã o

só os a rg u m e n to s d e u m r a c io c ín io e s p e c u la t iv o , m a s ta m ­

b é m a s n e c e s s id a d e s e a s e x ig ê n c ia s d a v id a q u o t id ia n a

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554 ]Esus c r isto rei

n o s e n s in a m q u e : E u , H om em m o d e rn o . H om em d o s é c u lo xx ,

n e c e s s ito d a r e l ig iã o , n e c e s s ito d e D e u s , d o p e n s a m e n to

d a v id a e te rn a , d o r e in a d o d e C r is to R e i .

Jesus Cristo, quem V o s conhece, sabe tudo; quem V o s ignora nada sabe.

« A in d a q u e n ã o fo sse c a tó l ic o p o r c o n v ic ç ã o — d is se

um e s c r ito r f ra n c ê s ( P . B o u r g e t ) — s ê - lo - ia p a r a te r u m a

v a ra n d a d o n d e p u d e s se v e r a s id e ia s m o d e rn a s , a n é m ic a s ,

d o e n tia s , ro ç a n d o p e la te rra » .

S im , necessitamos d e Cristo: sem E l e a v id a p e r­tu r b a -n o s .

N ecessitamos de Cristo: sem E l e s u c u m b im o s a o p e so

d o so fr im e n to .

N ecessitamos de Cristo: sem E l e d e s fa z -s e a f a m íl ia ;

e a s o c ie d a d e H u m a n a p e re c e s o b o s s e u s e sc o m b r o s .

N ecessitamos de Cristo: sem E l e p e re c e re m o s to d o s .

M a s , n ó s n ã o q u e r e m o s f r a c a s s a r e a rr u in a r -n o s .

S e n b o r . Vós sois a porta; fa z e i. S e n h o r , q u e e u e n tre

e s a ia p o r e la d u ra n te to d a a m in h a v id a . ,

S e n h o r . V ó s sois o Bom Pastor; fa z e i q u e e u s e ja u m a

o v e lh a d ó c il e f ie l d o V o s s o r e b a n h o .

S e n h o r , V ó s sois a videira; fa z e i q u e e u s e ja o s a r ­

m e n to v iv o . q u e se a l im e n ta d e v o s s a fo rç a s a n ta .

S e n h o r , V ó s sois a luz do mundo; fa z e i q u e e u v os

s ig a s ó a V ó s , n e s ta v id a s o m b ria .

V ó s sois o pão d a v ida; a l im e n ta i-m e .

V ó s sois o caminho, a verdade e a V ida; c o n d u z i-m e

p e lo c a m in h o d a v e rd a d e à v id a d iv in a .

V ó s sois, Senhor, a ressurreição e a V ida; creio em Vós com fé inabalável, a fim d e que possa depois desta vida viver etem am ente convosco!

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C A P I T U L O X X V I

Ave, R.ex

\J /e s t e ú lt im o c a p ítu lo q u e r e r ia a p re s e n ta r , c o m o em

C ' \ q u a d ro d e c o n ju n to , a im a g e m d e « C r is to R e i» .

Q u e r ia e s b o ç a r e s s a im a g e m d iv in a e o fe r e c ê - la c o m o le m ­

b r a n ç a a o s m e u s a m á v e is le ito re s , q u e . ta lv e z te n b a m d e

tr a v a r n a s u a v id a ru d e s c o m b a te s . P o r q u e n ó s , os c r is tã o s ,

n ã o p o d e m o s se r f ra c o s . A s o c ie d a d e e s q u e c e -s e p o r c o m ­

p le to d e C r is t o ; m a s n ó s d ev e m o s m a n te r -n o s f ié is , m a n te r

a p a la v r a d a d a a o n o sso R e i .

C o n te m p le m o -lo , p o r ta n to , u m a v e z m a is , com o lb a r

m a is p ro fu n d o e d e m o ra d o .

I — Senhor, que pensaram de V ó s os homens durante a V o s s a vida terrena?

II — Senhor, que pensaram d e Vós os homens durante os dois milénios d a história cristã?

III — Senhor, que p e n s o eu de Vós?S ã o a s três p e rg u n ta s a q u e q u e r o re sp o n d e r.

I

S e e s tu d a r m o s o E v a n g e lh o , n o ta re m o s , n ã o sem e s tr a ­

n h e z a . q u e a s o p in iõ e s d o s h o m e n s , a re s p e ito d e C r is to ,

j á e s ta v a m d iv id id a s d u ra n te a v id a m o r ta l d o S a lv a d o r .

S e m p r e tev e a m ig o s e in im ig o s ; m u ito s a d m ira v a m a s su a s

p a la v r a s e a s s u a s a c ç õ e s ; s e g u ia m -n o co m e n tu s ia s m o ;

o u tro s p o rém d iz ia m ; « E s t á p o s s e s s o » , « s e d u z o p o v o » .. .

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336 JESUS CRISTO REI

Q u a l p o d e r ia s e r a c a u s a d e s ta s o p in iõ e s a n ta g ó n ic a s ?

É v e rd a d e q u e . n a p e s s o a d e C r is to , h a v ia c o n tr a s te s ,

ra s g o s tã o e x tr a o r d in á r io s q u e os h o m e n s n ã o p u d e ra m

fo rm a r d 'E l e u m a o p in iã o u n â n im e . N ó s já c o n h e c e m o s

o se g re d o d o m is té r io , s a b e m o s q u e J e s u s C r is to e ra D e u s

e também h o m e m ; c o n f ir m a m -n o - lo , p r e c is a m e n te , os c o n ­

tra s te s . d e o u tro m o d o in c o m p re e n s ív e is , d e q u e e s tá c h e ia

a s u a v id a . M a s o s s e u s c o n te m p o râ n e o s n ã o o s a b ia m

c o m o n ó s . a in d a q u e d e v ia m d e s c o b r i- lo . p o rq u e os m eio s

n ã o lh e s fa lta v a m .V ia m a c a d a p a s so q u e a v id a d e N o s s o S e n h o r e s ta v a

c h e ia d e c o n tr a s te s m a r a v ilh o s o s .

B a s t a m e n c io n a r a lg u n s . . .

N a s c e tão pobre, q u e n em s e q u e r p o d e c h a m a r seu .

o p re sé p io o n d e d e s c a n s a . M a s , p o r o u tro la d o , um a estrela re fu lg e n te b r i lh a s o b r e E l e e g u ia os M a g o s q u e lh e v ã o

p re s ta r a d o r a ç ã o .

E s t á e s c o n d id o num estábulo, n in g u é m s a b e n a d a

d 'E le . M a s u m coro de anjos d e s c e d o c é u e e n to a o

G lória a o M e n in o d e s c o n h e c id o .

Apenas pode mover suas mãozinhas, n ã o p o d e fa z e r

m a l a n in g u é m , e p ro c u r a m -n o p a r a O matarem. M a s os

anjos p ro te g e m -n o n a fu g a .

Q uem será este Cristã? Poderá ser um simples hom em ?

M a is a in d a ;

N ã o frequentou escola algum a; e. a o s d o z e a n o s d e

id a d e e n s in a a o s A n c iã o s d o p o v o . q u e ficam admirados d a s u a s a b e d o r ia .

F o i s e m p re Filho obediente: e n o e n ta n to , f ic a n o

te m p lo sem licença; e q u a n d o s e u s p a is O e n c o n tra ra m ,

d iz - lh e s q u e a q u e la é a casa de seu Pai.

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AVE. REX 537

Q uem O pode compreender? Quem podia ser este Cristo? P odia ser um simples homem?

V iv e oculto d u ra n te tr in ta a n o s ; s ã o p o u c a s a s p e s s o a s

q u e o c o n h e c e m ; e q u a n d o c o m e ç a a p re g a r , a e n s in a r , em

trê s a n o s suscita tal movimento espiritual, co m o n e m a n te s

n em d e p o is d E l e se re g is to u o u tro ig u a l n a H is tó r ia .

S . J o ã o B a p t is ta p re g a a p e n itê n c ia e b a p t iz a . C r is to v a i

a o se u e n c o n tro , e fa z -s e b a p t iz a r , c o m o os outros pecadores. M a s a o m e sm o te m p o e n tr e a b r e m -s e os c é u s e ouvem-se as palavras do Pai celestial: tE ste é o meu F ilho amado, em quem pus todas as minhas com placências.» (')

Q uem com preende estas coisas?S e r á , p o r a c a s o . C r is to um s im p le s m o r ta l?

É pobre, n a d a p o s s u i; n ã o te m o n d e r e c lin a r a c a b e ç a .

C o n tu d o , d is s e : « D e ix a tu d o p o r M im : d e ix a a tu a c a s a .

os te u s p a is , os te u s irm ã o s , tu d o q u a n to p o s s u is .. . p o r a m o r

d e M im .» E os h o m en s ' cu m p re m o se u m a n d a to sem

m u rm u ra r ; fazem -no por E le, O d o e n te c u ra -s e a o s e n tir

o to q u e d a s u a m ã o s u a v e . E n c h e -s e d e lu z a p e s s o a em

q u e m p o u s a o seu o lh a r . M anda sobre o mar em fúria ,

e e s te a m a n s a -s e e c a la - s e . c o m o um c ã o ao o u v ir a voz

d o se u d o n o . Levanta a sua voz diante de um túmulo, e o s a n g u e c o a lh a d o n a s v e ia s c o m e ç a a c ir c u la r , e o c o r a ç ã o

a b a te r . Treme n o ja r d im d a s O l iv e ir a , e d e p o is , co m u m a

só p a la v r a , deita por terra o s s o ld a d o s q u e o ia m p re n d e r .

Morre a b a n d o n a d o , e s c a r n e c id o , e a o m e sm o te m p o o c e n -

tu r iã o p a g ã o e x c la m a : TVerdadeiramente, era o F ilho de Deus.» (-’) D e p o s ita m -n o n o s e p u lc r o ; o s e p u lc r o é s e la d o .

O S. Mateus, ui, 17.O S. Mateus, xvii, 54.

22

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558 JESUS CRISTO REI

g u a r d a d o ; m a s o s e p u lc r o n ã o o p o d e r e te r . . . D evolve-O vivo.

Já vistes um homem como este? O u a n te s , d iz e i-m e :

Esta vida era puramente humana? N ã o ! Q uão alto se levanta o céu sobre a terra, assim ultrapassa a vida de Cristo as fronteiras da simples vida humana.

11E se a o p in iã o d os h o m e n s , a re sp e ito d e C r is to , e r a

já e n tã o d iv e rg e n te , o mesmo sucede no decurso dos dois milénios cristãos.

D e s d e q u e a c ru z d e C r is to fo i e rg u id a n o c im o d o

G ó lg o ta . a l i p e rm a n e c e , c o m o u m g ig a n te s c o s in a l d e in te r ­

r o g a ç ã o p e r a n te a h u m a n id a d e . A q u e le C r is to co m a s

m ã o s c r a v a d a s a r r a n c o u d e seu s g o n z o s o e ix o d a te rra

e d e sd e e n tã o , n ã o h á n o m e q u e re sso e ta n to p o r to d o o

m u n d o , c o m o o s a n to n o m e d e J e s u s C r is to .

1.° D e te n h a m o -n o s n a c o n s id e r a ç ã o d e s te n o m e a d m i­

r á v e l: Jesus C r is to . U m n o m e c o m p o s to p o r d u a s p a la v r a s

d u m a lín g u a d e s c o n h e c id a , e s tr a n g e ir a . E s t r a n g e ir a ? O h !

q u e d ig o ? N ã o h á palavra m a is c o n h e c id a , m a is a m a d a

p o r to d o s n ó s . F e n ó m e n o p r o d ig io s o ! N ã o se p o d e p re s ­

c in d ir d e C r is t o ; a favor o u c o n tra , todos os homens hào-de tomar posição a respeito d Ele.

a) S e m p r e te v e amigos. C r is to é o ím a n p ro d ig io so ,

o g r a n d e c e n tro d a h is tó r ia d o m u n d o , à ro d a d e q u e m tu d o

se a g r u p a e tu d o o q u e e x is te d e g ra n d io s o n a h u m a n id a d e

se to m a p e q u e n o . R e is e g ip c io s e rg u e ra m p irâ m id e s g ig a n ­

te s c a s ; m o n a r c a s a n tig o s c o n s tr u íra m en o rm e s p a lá c io s ; e o s

s e u s n o m e s , h o je , n ã o s ã o m a is d o q u e p u ra s le m b r a n ç a s .

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AVE. REX 359

e o s m o n u m e n to s , m o n tõ e s d e e s c o m b r o s , r u ín a s ; mas a pálida luzinha d a gruta de Belém continua a alumiar e a aquecer ainda hoje a hum anidade.

Q u a n to s b o m e n s e m in e n te s v iv e ra m s o b r e a t e r r a !

H o m e n s q u e jo g a v a m co m p a ís e s e re in o s , c o m o os m e n in o s

jo g a m a b o la ; e b o je . q u e m se le m b ra d e le s ? N o m u n d o

in te le c tu a l , v iv e ra m s á b io s e m in e n te s , m a s v ie ra m o u tro s

q u e os s u p e ra r a m . E só d'Ele, do F ilho do modesto car­pinteiro, fa la ainda hoje todo o mundo, e E le é o único que não foi superado.

H o m e n s ilu s tr e s d e s c o b r ir a m n o v o s c o n tin e n te s , m a s

q u e é is to em c o m p a r a ç ã o d a o b r a d e C r is to , que descobriu as grandezas incomensuráveis da alma, mais valiosa do que o mundo inteiro? E l e é o p r in c íp io d o s te m p o s ; E le

é o c e n tr o d o u n iv e r s o ; E le n ã o é s im p le s m e n te u m a p a r te

d a b is tó r ia , p o rq u e sem E le , n ã o h a v e r ia h is tó r ia .

C o m E le c o m e ç a u m a e ra n o v a . p o rq u e fo i e n tã o q u e

c o m e ç o u a r e n o v a ç ã o d o g é n e ro h u m a n o : n a fr ia g r u ta

d e B e lé m , n o ja r d im d a s O l iv e ir a s e n o c im o d o C a lv á r io

e n s a n g u e n ta d o . H á n ’E le algum a coisa que nem a ciência, nem a arte, nem a filosofia, nem o bem-estar, nem a civili­zação podem substituir. T u d o p a s s a , tu d o n o s tra z d e s e n ­

g a n o s . d e s ilu s õ e s , tu d o e n v e lh e c e . . . , mas a doutrina de Cristo não passa; o amor de Cristo não nos engana; a sua am izade não nos ilude; o rosto de Cristo não envelhece.

2 .° Cristo sempre teve também inimigos.Q u a n to s n o v o s m e s s ia s su rg ira m , q u e p re te n d e ra m d e s ­

te rra r C r is to d a a lm a d os b o m e n s . m a s n ã o o c o n s e g u ir a m !

D u r a n te e s te s d o is m il a n o s , m u ito s fo ra m o s q u e p e n s a ra m

c o m o a g o r a , « à m o d e r n a » ; S im . n o s e u te m p o , a d o u tr in a

d e C r is to e r a b o a , m u ito b o a , d e a lto v a lo r , m a s p a r a o

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JESUS CRISTO REI

h o m em a c t u a l . . . h o m em d o a v iã o e d a rá d io , os e n s in a -

m e n lo s d e C r is to s ã o a n t iq u a d o s . Q u e q u e r e is fa z e r h o je

d e s te C r is to , p á lid o , c o b e r to d e s u o r e de s a n g u e ? V ó s . O S

re tró g ra d o s a n e la is c e r ta m e n te p e lo s p ra z e re s d a te rra e E le

e n s in a -v o s : Q u e m q u e r s e r m eu d is c íp u lo , r e n u n c ie a si

m esm o , to m e a s u a cru z . e s ig a - m e . . .» S e g u i- I O ? A C r is to

e n s a n g u e n ta d o ? V ó s d e s e ja is lu x o e p o d e r e C ie d iz -v o s :

« A p r e n d e i d e M im q u e so u m a n so e h u m ild e d e c o r a ç ã o . . .»

N ã o ; C r is to é j á a lg o a n t iq u a d o p a ra o h o m em m o d e r n o ...

S e m p r e te v e in im ig o s .. . q u e n ã o p u d e ra m p re v a le c e r

c o n tr a E le . C r is to fo i sem p re , p a r a o h o m em d e to d o s os

te m p o s , o id e a l a d o rá v e l. H o m e m ! F o i E le q u e m te e n s in o u

a v id a r e a lm e n te h u m a n a ! E le d e s c o b r iu a tu a a lm a , e s te

te so iro im e n s o q u e tu d e s c o n h e c e s ! P o r E le s a b e s q u e te n s

d e s a lv á - la , c u s te o q u e c u s ta r : te n s d e s a lv a r a tu a a lm a

p a ra a v id a e te rn a .H á p o v o s q u e a d m ira m a força; p o is b e m , a i e s tá a

fo rç a d e C r is to , q u e jo g a co m a s le is d a n a tu re z a .

H á p o v o s q u e se d e ix a m le v a r p e lo sentimentalismo; a í e s tá o a m o r d e C r is to , q u e a b r a s o u o m u n d o d a s a lm a s .

H á p o v o s d a d o s à m editação profunda; C r is to p r e c i­

s a m e n te e n s in o u -n o s q u e os m a io re s te so u ro s têm d e ser

p ro c u ra d o s n o fu n d o d a a lm a .E a o re c o rd a r a h o m e n a g e m d o s s é c u lo s , v is lu m b r o u m a

v is ã o m a g n íf ic a : um q u a d r o m a g n íf ic o se a p r e s e n ta à m in h a

m e n te : tem p o r m o ld u ra d o is m ilé n io s . N e le se vê C r is to

p a s s a n d o a tra v é s d o s s é c u lo s . S e g u e -o um im e n s o c o r te jo .

Q u e m u ltid ã o , q u e c â n t ic o s !O i ç o vozes agudas de crianças: H o s s a n a . ó R e i d iv in o ,

q u e o u tr o r a a b r a ç a s te a s c r ia n c in h a s , a c a r ic ia n d o -a s co m

te rn u ra , e t ra n s fo rm a s te a in fâ n c ia em p a ra ís o .

340

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AVE, REX 341

O iço o cântico d a juventude: Hossana, ó Rei divino, que defendeste a nossa alma que lutava com as tempestades.

O iço o coro das donzelas e mulheres: Hossana. ó Rei divino, que elevaste a mulher e a libertaste da escravidão.

O iço a voz grave dos hom ens: Hossana. ó Rei divino, que consolidaste o lar, santificaste o trabalho com as Vossas santas mãos, e deste à humanidade o ideal de uma moral pura...

O iço a prece dos que sofrem : Hossana, ó Rei divino, que levaste a cruz, que caíste pelo caminho, mas cujo olhar divino irradia a força para que possamos suportar o peso da cruz da nossa vida...

V ejo os pecadores, prostrados de joelhos... com a fronte inclinada: ó Filho de Deus. que não permitiste que fosse apedrejada a mulher adultera, defende-me também a mim...

Vejo os moribundos levantando seus olhos vítreos para o Crucifixo: Ó Filho de Deus. que morreste por nós. espero que me receberás no Teu paraísol (K en g ).

3.° Quero chamar a atenção dos meus leitores para um facto notável. Desde que apareceu Nosso Senhor Jesus Cristo sobre a terra, a hum anidade dividiu-se em dois campos. Há homens que. ao ouvirem o Santo Nome de Jesus, inclinam a cabeça e caem de joelhos; há outros que ao ouvi-lo. brotam de seus lábios a ironia e o ódio. Há homens que. ao passarem junto de mim, ministro de Cristo, me saúdam com respeito: «Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo.> Saúdam-me a mim? Não, não me conhecem; saúdam a Cristo. Há outros que. ao passarem por mim. cospem com repugnância no chão. Não é a mim que me odeiam, porque não me conhecem, odeiam a Cristo. Há

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JESUS CRISTO REI

quem afirme que Cristo é o maior ideal que se pode con­ceber. e outros respondem: que tenho eu que ver com Ele? Que me importa este Jesus? H á milhões de homens que O seguem com um amor jamais igualado; lam bem há m ilhões de homens que O odeiam com um ódio sem igual na história, fc. um facto notável digno de profundo estudo.

Entre os homens, são estas as leis do amor: Amamos muito? O nosso amor não é correspondido devidamente. Somos amados? De que nos serve, se tudo acaha com a morte? Alguns rezarão por mim. os parentes guardarão a minha lembrança; mas o tempo voa. o túmulo tudo devora, a recordação empalidece, e os traços esfumam-se um pouco mais, e tudo é esquecido: um pouco mais e todos me esquecerão. Tal é o destino do amor humano; estas são as suas leis.

Há, porém, uma excepção: Nosso Senhor Jesus Cristo! Dois mil anos depois da sua morte, ainda é am ado e ainda é odiado. N ão é só homem.

Por muito grande, bom. nobre ou mau que seja um homem, passadas algumas semanas, meses, ou anos. depois da sua morte, quem o ama ou o odeia? Quando muito é lembrado, mas não é odiado. Quem odeia hoje a Nero. que tanto sangue fez correr? Quem odeia a Khan Batu. que com a sua invasão, assolou a Hungria? Quem odeia hoje o sultão Solimão? E contudo todos eles viveram depois de Cristo. Morreram, e com eles acabou o ódio. Ou antes: quem ama hoje esses homens eminentes, excep- cionalmente grandes no mundo das letras, das artes, da filosofia?... Morreram. Presta-se homenagem à sua memó­ria, mas quem os ama?

3 4 2

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AVE, REX 545

Cristo, pelo contrário, é ainda hoje odiado, Cristo, é ainda hoje am ado.

É odiado. Sim. Quereis exemplos? Não ouvistes ainda terríveis blasfémias contra Cristo? Não vistes ainda os olhos de um desalmado congestionados de sangue, ao ouvirem falar de Cristo ou do Cristianismo? Não se vê bem como é perseguida a nossa religião, a religião de Cristo? Não palpita em milbares e milhares de livros, de conferências, de jornais, de poesias... um ódio satânico contra Cristo, um ódio que escarnece da sua doutrina e procura exterminar nas almas o seu amor? A manifesta frivolidade do paganismo moderno que outra coisa é, senão ódio a Cristo? Não ouvistes falar do ódio que votam a Cristo, nos conciliábulos maçónicos, os seus filiados? R ea l­mente A quele que, depois de dois mil anos, é assim odiado, não é só homem.

Mas Cristo é também am ado. Vejo milbares de crianças, cujo coração começa a bater alegremente, ao ouvirem falar do Menino Jesus. Milhares e milhões de homens, cujo coração se dilata de alegria e cuja alma se sente recon­fortada, ao ouvirem pronunciar o nome de Jesus. Milhares e milhões, que nos momentos difíceis da vida, O invocam e exclamam: «A tentação é grande, mas eu não pecarei, porque Vos amo. ó meu Jesus.> E quantas donzelas na flor da idade e da beleza, renunciam aos prazeres da vida e se consagram na vida religiosa a Cristo com estas palavras: Meu Jesus, eu Vos amo.

E entre os jovens não falta quem deponha todo o entusiasmo do seu coração no altar do Bispo que o consagra: «Senh or. por Vós. por Vosso amor, renuncio a toda glória

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544 JESUS CRISTO REI

da terra, à fama. à consideração, a tudo, por amor de Vós. porque Vos amo, ó Jesus!»

A quele que, dois mil anos depois da sua morte, é ainda am ado com tanto fervor, não pode ser apenas um homem.

III

A última questão, é a mais decisiva, a mais candente: Q ue é Cristo para m im ? O que é mais importante para mim. não é saber qual a opinião dos outros homens a respeito de Cristo, mas a resposta a esta pergunta: Que penso eu de Cristo? Q ue é Cristo para mim?

Responderei com três palavras:1.°. é o meu Senhor; 2.°,, é o meu Rei; 3.°. é o meu

Deus.

1.° Meu Senhor! Devemos consentir e procurar que Cristo seja o dono da nossa alma.

Jesus procurou um dia os seus discípulos, no lago de Genesaré. entre os publicanos, e nos barcos dos pescadores. Hoje. procura-os noutros lugares: na oficina, na escola, no escritório, nas fábricas, na cozinha, nas aulas. Não há choupana, por mais humilde que seja, nem há palácio em que Jesus não procure os seus discípulos: jovens e donzelas, homens e mulheres, velhos e crianças. Não há ninguém tão jovem ou tão velho, tão distinto ou tão humilde, tão pobre ou tão rico. ministro poderoso ou ignorado mendigo, que não possa ser discípulo de Cristo, que não possa apertar com a sua débil mão, com a sua mão trémula, vacilante, a mão robusta de Nosso Senhor Jesus Cristo; que não possa fixar o seu tímido olhar nos olhos do Salvador: Meu

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AVE, REX 545

Senhor! M eu M estre! Aqui me tendes, sou Vosso. Fazei que eu me assem elhe sempre mais a Vós. N áo só mais velho cada dia, mas cada vez mo is reflectido, mais manso, mais puro, mais cristão.

Quando me sentir esmagado pela pesada cruz da vida, sei dizer com amor: «Meu doce Jesus, seja por Vosso amor!»? Quando me cerca o pecado, e a tentação convida a precipitar-me no abismo da perdição, sei dizer com fervor: «Ó meu Jesus, não, não quero pecar, resisto por Vosso amor!»? Quando é difícil, árduo o cumprimento do meu dever, sei exclamar: «Meu Jesus, faço-o por Vosso amor!»?

Se eu procedo assim, então Jesus é o meu Senhor.

2. ° Cristo é o meu Rei.Tem já cá na terra um reino, o reino das almas. Em

qualquer parte que baja um homem, que luta com todas as suas forças contra os assaltos do pecado, que estende os seus braços para auxiliar o que caiu, que enxuga as lágrimas do triste, que leva socorro ao cansado... ali Cristo tem o seu reino, ali Ele é o Rei.

3. ® Cristo é tam bém o meu Deus.É o meu Deus a quem adoro. Procuro esboçar a sua

santa imagem no meu espírito. Beijo oom fervor as suas chagas que sangram por mim. Olho com gratidão a sua fronte coroada de espinhos, esta fronte que tantas gotas de sangue suou por mim, e quero reparar oom amor a tristeza que lhe causei com os meus pecados. Eis o que Cristo deve ser para mim! O meu coração bá-de bater a uníssono com o Seu; os seus desejos bão-de ser os meus desejos; todos os meus pensamentos bão-de ser unicamente para O servir! Entrega absoluta. Adoração. É o meu Deus.

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546 JESUS CRISTO REI

Só quero julgar como julga Cristo (que diria E'Je acerca disto?) e seguir à letra todos os convites da Sua graça. As Suas virtudes hão-de compensar os meus defeitos, a Sua humildade há-de curar o meu orgulho; a Sua pobreza há-de ser a minha riqueza; a Sua paciência há-de ser o bálsamo que há-de curar os meus impulsos veementes.

Cristo ndo é um hom em para nós! Náo é um homem bom, não é um homem santo! Não. Para nós, Ele é o nosso D eu s! É o que eu creio, e creio firmemente!

Cuidado! Quantas vezes não poderia Cristo censurar­-nos e dizer-nos o que está inscrito na catedral de Liibeck!:

«Vós chamais-me Mestre — e contudo, não me inter­rogais.

«Chamais-me Luz — e não me vedes.«Chamais-me V erd a d e— e não me acreditais.«Chamais-me Cam inho — e não me seguis.«Chamais-me V ida — e não me desejais.«Dizeis que sou S ábio — e não me obedeceis.«Dizeis que sou Form oso — e não me amais.«Dizeis que sou R ico — e não me pedis nada.«Dizeis que sou E tem o — e não me procurais.«Dizeis que sou M isericordioso — e não confiais em

mim.«Dizeis que sou N o b r e — e não me servis.«Dizeis que sou todo poderoso — e não me honrais.«Dizeis que sou justo — e não me temeis».Que é, pois. Cristo, para mim? Uma imagem apagada?

Um homem que viveu numa época distante? Não. isso só não basta. Uma recordação amada do passado? Sábio insigne da antiguidade? Não; isso só não basta. O maior santo do mundo? Não; isso ainda não basta.

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Mas é uma realidade viva; uma vida que existe, que existe ainda hoje, em que eu vivo e que vive em mim; que me acompanha e da qual não me posso separar. Não posso? Nem quero separar-me. Ele estende os seus braços, está comigo dia e noite; quando trabalho, ajuda-me; quando choro, chora comigo.

Cristo! Vós sois o meu Senhor! Vós sois o meu Rei! Cristo, sois o meu Deus.

*« *

Em 18 de Maio de 1927, reuniu-se em Roma. entre as ruínas do Coliseu, o que havia de mais distinto na sociedade. A Rainha da Itália e as suas filhas, o ministro da Instrução Pública, todas as pessoas distintas de Roma. o governador militar, o reitor da Universidade, oficiais da armada, os dirigentes do fascismo, os escoteiros, uma imensa multidão... Que se passava? Celebrava-se uma festa em honra da Cruz recentemente erigida no Coliseu; e enquanto uma multidão imensa orava com os olhos baixos na arena do circo, outrora regada com o sangue dos primeiros cristãos, aviões cruzando os ares faziam cair uma verdadeira chuva de flores sobre a cruz de Cristo que se levantava triunfante dominando a multidão.

Sobre a Cruz de Cristo!...

Sim. há Alguém, que ainda hoje é amado, depois da sua morte. H á Alguém, cujo túmulo, depois de dois mil anos, ainda não foi esquecido. H á Alguém, cuja memória vive no coração de milhões de homens. H á um Homem, cujas pegadas feitas há dois mil anos são seguidas por milhões e milhões de devotos que não se cansam de as pisar.

W. J r

AVE. REX 347

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JESUS CRISTO REI">48

Há um Homem, morto há muito tempo, cujas palavras, mesmo as mais insignificantes, ainda hoje ressoam entre nós.

H á um Homem, morto ignominiosamente, que há dois mil anos foi levado ao patíbulo e crucificado numa Cruz. e que recebe todos os dias a homenagem entusiástica de milhões de homens que se prostram de joelhos e não se envergonham de beijar os seus pés ensanguentados.

H á um Homem, açoitado, crucificado, que se propôs ter apóstolos e mártires, e os teve e ainda os tem aos milhares.

H á um H om em ... e sois Vós, meu doce Jesus, que me haveis baptizado, que me sustentastes nos combates da minha juventude, que perdoastes os meus pecados, que me alimentastes com o Vosso Corpo Santíssimo... Nosso Senhor, Nosso Rei. Nosso Deus!

Vós sois o nosso Mestre — e nós Vos escutamos.Vós sois a nossa Luz — e nós Vos seguimos.Vós sois a B eleza — e nós Vos damos o nosso amor.Vós sois O m nipotente— e nós Vos honramos.Vós sois o nosso Senhor, o nosso D eus — e nós Vos

adoramos.Vós sois o nosso Rei — e nós Vos obedecemos.<Ave R ex ! » — Salve, ó Rei divino, N osso Senhor

Jesus Cristo!

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ÍNDICEPigs.

Introdução............................................................................................................. 5

C apítulo I — Conceilo da realeza de Crislo ( I ) ............................» II — Conceito da realeza de Cristo ( I I ) ............................ 19> III — Direitos de Cristo à rea lez a ......................................... 29> IV — Cristo, Rei da Pátria terrena........................................ 43> V — Cristo. Rei da Pátria etern a........................................ 50* VI — Cristo, Rei da I g r e ja .................................................... 75* VII — Cristo. Rei do Sacerdócio.............................................. 87> VIII — Importância do Nascimento de Cristo para o mundo 101> IX — Cristo. Rei da minha a l m a ........................................ 115> X — Cristo, Rei das C ria n ça s.............................................. 127* X I — Cristo, Rei dos Jovens..................................................... 141> X I I— Cristo, Rei da Família ( I ) .............................................. 153> XIII — Cristo. Rei da Família ( I I ) ................................................ 165» XIV' — Crislo, Rei da Família ( I I I ) ....................................... 179» XV — Cristo, Rei da Família ( I V ) ........................................ 191> XVI — Cristo, Rei de dores................................................................ 205> XVII — Cristo, Rei crucificado........................................................... 217> X V III— Cristo, Rei dos que sofrem ( I ) ...........................................227* XIX — Cris o, Rei dos que sofrem ( I I ) ..........................................241* XX — Cristo, Rei dos Confessores da f é ....................................253» XXI — Cristo, Rei da vida hu m ana............................................... 269> XXII — Cristo. Rei da M u lher...........................................................281» X X III— Cristo, Rei das M â e s ............................................................297> XXIV’ — Cristo, Rei da morte..........................................................3| |> XXV' — Q uem é Cristo para n ó s ........................................................323* XXV I — Ave, R e x ................................................................................. 335

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COM PO STO E IM PR ESSO NAS O F IC IN A S DA

G R Á F I C A D E C O I M B R A

B A I R R O D E S . J O S É , 2 — C O I M B R A

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