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1 TODA POESIA TODA POESIA TODA POESIA Rafael Rossi

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  • 1

    TODA POESIA

    TODA POESIA

    TODA POESIA

    Rafael Rossi

  • 2

    O Cavaleiro da Triste Figura De tão cheio chego a estar vazio De tão só, só a solidão me acompanha Neste inferno que já é quase gelo Nestes dias frios de verão. Águas que de escuras não se vê o fundo Um coração que não é raso, mas profundo, denso E que nem em estação de seca dorme O amargo que dá o gosto do açúcar. O sol ainda brilha à madrugada E eu que as dores do mundo sinto Sinto muito por mim mesmo Mesmo assim, assim mesmo. Eu ando, ando, ando, ando e nunca chego Num ponto, no ponto, naquele A pit stop eu que não tenho direito Vou seguindo sem saber bem por quê. Rimas que rimar, não sei; Notas que cantar, cantei; A morte precoce, a loucura e as enfermidades, Tudo o que compõe e comporá minha vida. E eu persisto em minha cruzada Faço da dor minha companheira Da paixão, a minha espada Vida, estrada que esta corta sem dar satisfação. Mas o pôr-do-sol não é mais tão bonito, Como era naquele céu poluído E venho eu, um rio que corre pro meu Rio, Buscando a felicidade de um cão no cio.

  • 3

    Queda livre

    Quando você sentir sufocar, apenas salte em queda livre; se lance no infinito. Quando as paredes lhe esmagarem, só resta correr sem parar, a cem por hora não sentimos nada. Quando parar pra pensar significar sofrer, dê um salto em queda livre e toque com suas mãos o céu. Quando o arrependimento não importar mais, saia pra ver o pôr-do-sol. Quando o trabalho te massacrar, apenas durma e sonhe. Quando dos seus sonhos não mais lembrar, só lhe resta viver a cem por hora em queda livre.

  • 4

    De como se perde a liberdade Somos livres pra lutar por Liberdade! Somos livres pra lutar por Decidir! Somos livres pra deixar Que eles decidam! Que eles decidam se devemos Decidir! Decidir o que é bom, o que é seguro Seguro... Dentro de uma cela. Seguro... Como um animal na jaula. Seguro... Como um criminoso na prisão. Seguro... Como a segura vida de Ilusão! Pobres daqueles que concedem poderes, Porque quem concede tem poder, Mas o Ignorante ainda não o sabe, O Sem-Consciência não entende, E reproduz a letra de um jogral! Pobres deles... Pobres de nós! Livres aqueles, seguros de nós, Seguros de si, prisioneiros de ti. Segurança-Histeria-Histeria-Segurança! O caminho mais rápido Para a Escravidão! Mas... Silêncio! Tudo cala; e se quem cala, consente...

  • 5

    Consinta; sinta; não minta. Apodreça... Na segurança do seu lar!

  • 6

    Caminhos e Destinos A morte é esquecimento É fechar as cortinas do teatro É encerrar este triste espetáculo Morrer é como o apagar de uma estrela: Um dia brilha e outro é tudo vácuo, espaço, vazio, escuro e sozinho. Viver é lutar contra o esquecimento É a busca de um pouco da eternidade Num filho, numa obra, na amizade É a esperança na continuidade, Na perpetuação de si mesmo Pra além da morte, pra além da vida Por que o sofrimento é parte da vida? O sofrimento nos faz sentir a vida O que é viver sem sofrer? É morrer todo dia... O valor da comida está na fome E o valor da alegria está no sofrer O valor da vida, que coisa sombria! Está na morte, na dor, na casca da ferida!

  • 7

    Sozinho na madrugada

    Na madrugada o tempo se perde

    E tudo adormece

    E eu acordado, sinto o tempo passar.

    Percebo e me perco

    Me perco no tempo

    E sonho, talvez

    Um pesadelo outra vez

    Sonho acordado, abraçado em você.

    Na madrugada tudo é diferente

    Ouço os bichos, vejo gente

    Na madrugada tudo é diferente

    Até mesmo eu e você

    Na madrugada, na madrugada

    Eu estou de olhos abertos

    E tudo fica mais claro

    Na escuridão, tudo fica mais claro

    O relógio me lembra

    Que já é hora de eu me deitar

    Mas eu não quero parar

    Não quero fechar meus olhos

  • 8

    De madrugada, o tempo convida a ficar.

    Na madrugada o dia já vai levantar

    O sol já vai levantar

    O operário já vai levantar

    E comigo, tudo fica como está

    - Pai, vai deitar!

    Já vai deitar

    Quero dormir, mas Ela não deixa

    A madrugada não dorme

    A cidade não dorme

    Tudo corre livre e a todo vapor

    Na madrugada, hoje, às 3 da manhã

    A madrugada na Lapa

    A madrugada em qualquer lugar

    A madrugada na boate, nos bares

    A madrugada na rua, no frio

    A madrugada no puteiro

    A madrugada no tiroteio

    A madrugada nas festas

    A madrugada em casa, sozinho...

    Minha madrugada...

    A madrugada que escrevo e que já vai deitar.

  • 9

    Na madrugada, espero sozinho

    Espero sozinho o sol nascer

    É mais uma manhã que vai perecer

    E nas tardes de sol, vou estar com você

    Em algum canto da memória

    Em algum canto desse lugar

    Mas quando a Noite chegar

    Diz pra ela sair sem a porta fechar

    E diz, então, pra madrugada entrar.

  • 10

    Contrastes da Cidade ou Casa dos Espelhos Nossos olhos se tornaram insensíveis diante da miséria O cotidiano cega, a rotina habitua Habitua o nosso olhar aos contrastes da cidade: A opulência dos prédios, a pobreza das ruas Enquanto alguns comem, outros passam fome Enquanto alguns sujam, outros limpam Enquanto alguns estudam, outros não têm nem como querer Esse é o nosso mundo, Esse é o reflexo de mim e de você.

  • 11

    Sangue e Morte no ano de Marte Ruas desertas no escuro da noite É madrugada e sinto frio, porque faz sereno São três da manhã e o terror noturno Bate na porta um vento forte, que fala E lembro de tudo, desde que era pequeno Paro e penso no que estou vivendo. Sangue e morte no ano de Marte Mais uma guerra por petróleo e sem razão A justiça pede abrigo entre o Império e o fascismo Democracia é a desculpa desse mundo sem coração No deserto dos seus olhos são milhões em oração. Lágrimas que secam antes de cair no chão A terra árida e dura como o nosso peito Somos máquinas movidas por dinheiro Não sei mais o que pensar, só sei o que devo, O que quero e o que desejo está no seu beijo É tudo tão rápido que quase me perco. Intenso e lento, a dor que vem antes da explosão Mas no grito de milhões, a solução O sofrimento desse mundo é mais uma página do livro, Uma pedra no caminho, um capítulo da História Da humanidade, que a cada instante proclama sua vitória. Mas o dia nasce e já está tudo bem O sol irá se pôr e trazer outra noite também E as horas, desse modo, correm na normalidade

  • 12

    E o sabor do teu beijo, o calor do teu corpo e os sonhos desfeitos Tudo é passado, tudo é perfeito, na parede da memória Teu retrato toma um ar mais ameno. Não pense que tudo acabou, que a história encerrou No drama da vida, ainda não fecharam a cortina Não fecharam a cortina sobre nós nessa tragédia, que enceno Aceno, então, pro futuro, espero o amanhã Nos sonhos e na luta, na esperança de que um dia isso tudo muda. É a hora da virada, vamos virar a mesa O sol passa pelo teu signo e exige mudança O meu tempo é outro que não o seu Eu ando e o tempo passa mais veloz E se tudo passa o tempo todo, o que será de nós? O rio nunca é o mesmo, porque a água que por ele passa é diferente da que já passou E se a morte é tudo o que há nessa vida Ela também é um novo começo, nossa carta na mesa.

  • 13

    O sentido da vida A vida é uma estrada de sonhos despedaçados De flores mortas e promessas desfeitas Ai, esperança desesperançada! Que dilacera o peito nessas noites insones! Que a morte cubra com o seu véu o luar O doce luar que se esparrama pelo céu E que ilumina a sinfonia de estrelas Com luzes fortes e fracas, notas, tons e semitons. Mil coisas, mil caminhos, mil bifurcações... Duas vezes mil vezes um milhão Que o nosso destino não seja o filho Do Acaso com a Sorte! Que tudo o que morra renasça E germine nesta terra alagada Que o solo de nossos corações não endureça Nunca, pelas lágrimas que nos faltam Que o choro preso na garganta Seja para vós suficiente demonstração De nossos sentimentos! Que o medo que nos paralisa, Esse frio na espinha, Parta já daqui e me deixe quieto! Ah, bela Madrugada, jamais se vá! Ah, lindo Amanhã, quando chega? Não vou rezar antes de dormir Minha prece é o que faço E se o meu fazer me define, Não há lugar para Deus No coração de um homem livre! Coragem, não me abandone,

  • 14

    Não me negue sua força e seu abraço, Fique comigo nas horas de desespero E fira meus inimigos como uma adaga! Aquele que vive com coragem não é um, É uma legião! Que os céus me ouçam, Mesmo sem ninguém pra ouvir. E se tudo nasce para que um dia se acabe, Que não seja tudo em vão, Que não seja sem propósito, Que não seja ao acaso, Que seja uma vida de significado!

  • 15

    Sonho Real

    A primavera acabou no meu coração

    O verão chegou com chuvas torrenciais

    Enchendo de vida o meu corpo e não

    Há mais nada demais.

    O futuro é hoje segunda-feira

    O horizonte é aquilo que ficou pra trás

    Afastado o inverno de maneira certeira

    Seremos aquilo que num instante verás.

    E a primavera, estação de sonho e beleza

    E de repentinas mudanças, do caos à clareza

    Num novo tempo em que os sonhos se vive

    Não há mais tempo de estar onde estive.

    O sol ilumina com seus raios meu rosto

    Do raiar da manhã até o dia já posto

    E nas estrelas perguntas e respostas pra outras

    As tempestades às tardes tiram o verniz das coisas.

    Tudo a nu numa vida de carne e osso

    E sangue e pele e cheiro e gosto

    E agora mesmo quando no fundo do poço

    Nenhum abrigo ou refúgio da dor ou desgosto.

  • 16

    E quando volto a fita do filme

    Ou relembro os momentos de fotografia

    Projeto minha alma pra cena em que se filme

    A história perdida nos erros de grafia.

    O passado é incerto e o futuro também

    A Estação das Flores é o sonho de alguém

    Uma etapa da vida que prepara o terreno

    Para os futuros combates que a história reserva

    É o fim da espera que aos sonhos preserva.

  • 17

    Curvas da Estrada da Vida

    Mergulho na vida para afugentar a morte

    Injeto alegria e alivio a dor

    Transformo a tristeza em raiva e sigo

    Não sei se quero ser o melhor em algo

    Só sei que quero ser o melhor em fazer tudo

    Quero imprimir meu nome na História

    Quero a eternidade no lugar da vida breve

    A imortalidade está no que se deixa

    Em como se toca e o que representa para a humanidade

    E pra cada um que é humano e vive

    Me chamem de Dr.Frankenstein!

    Antes de artista, de cientista e até de ativista

    Mas esse drama pessoal não é de um indivíduo

    É o meu corpo unido da medula até a tripa

    Ao coletivo de homens e mulheres que vivem e que lutam

    E que acordam de manhã todos os dias

    E que desde cedo labutam, estudam e sonham

    Sonho acordado o dia todo

    E quando durmo e acordo, não me lembro do que sonho

    Deve ser que as imagens da minha mente

  • 18

    Me agradem ou me empolguem menos do que espero do futuro

    Esperança, que saudade da esperança!

    Quando a desesperança e o cansaço

    Consomem a todo o mundo,

    E eu que angustiado, apressado, irritado,

    Sou um poço de inquietude!

    Um adolescente que anseia impaciente pelo novo

    E o corriqueiro já não mais me basta

    Eu quero tudo, eu quero o mundo!

    Não ser o senhor do mundo, mas ser o próprio mundo

    Todo mundo, sempre tudo

    Não quero ser seu cérebro, mas seu coração

    A razão é o guia seguro das nossas paixões

    Mas é a paixão o brilho intenso, a chama acesa,

    O fogo que arde e incendeia;

    A ousadia e o destemor

    É aquilo que nos projeta para o desconhecido

    É o combustível da vontade!

    Não aceito que a vida seja uma linha reta

    Eu quero as curvas, eu quero o mundo, eu quero tudo!

  • 19

    Juventude Perdida

    Com a nossa juventude vão-se embora também nossos sonhos

    e a própria noção de futuro muda.

    O futuro não é mais o horizonte,

    não é mais o topo da montanha;

    é só o outro lado da rua,

    ou uma cidade vizinha qualquer.

    O que nos faz o tempo?

    Nosso professor, ele nos ensina a não cometer mais erros tolos

    Mas também traz conformismo travestido de sabedoria

    e revestido da autoridade de quem fala em nome

    do dono da situação.

    Nossos projetos foram engavetados,

    Nossos rascunhos foram abandonados,

    Nós fomos atropelados no meio da estrada

    e esquecemos de tudo, da real consciência do mundo.

    Não somos mais nós mesmos,

    somos apenas o que sobrou.

    O que fizeram de nós?

    O que fizemos de nós?

  • 20

    O que permitimos que fizessem de nós?

    Em que momento jogamos a toalha?

    Cada ruga, cada cicatriz, cada fio de cabelo branco

    é uma amostra da nossa experiência

    e um retrato de uma parte da nossa história.

    Mas também é o símbolo do nosso cansaço,

    do nosso cansaço, esmoreço... exausto...

    do nosso desprezo, da nossa indiferença, da nossa rendição!

    Um quadro desbotado, restaurado, nosso retrato.

    Mas eu ainda sinto o calor do sol

    e o vento frio do outono em minha pele;

    durmo sob as estrelas e me banho com a luz do luar;

    e eu ainda me perco em seus olhos,

    e me sinto vivo no meio da multidão

    e feliz com a alegria e o amor que há no mundo.

    Tenho a certeza de quem sabe que o sol sempre irá nascer

    e que todas as coisas se transformam: a morte vira vida

    e a vida vira morte e nós viramos juntos esse jogo.

    Mais sinceros são os votos de quem tem fé no futuro.

    Que nossos sonhos sejam a vacina contra o seu cinismo

    E a vida seja sempre aquela nossa melhor lembrança.

  • 21

    Da certeza da paixão

    Nossos sonhos afluem para algum lugar fora do tempo,

    Em uma terra nunca tão distante.

    E eu só quero sentir o vento em meu cabelo

    E o sol que aquece a minha pele e o meu rosto

    Nessas manhãs frias de outono

    E você, flor de inverno, rosa do deserto,

    Traz pra nós beleza rara em tanto cinza nessa estrada.

    Eu quero sentir no peito a angústia que pulsa em nosso tempo

    A depressão do ritmo veloz, do andar apressado,

    Que não leva a nada, nem ninguém, em lugar nenhum.

    Não sabemos de onde parte essa vontade,

    Quem incute em nossas mentes e coração,

    Mas o cansaço que se tem quando te dizem

    O que pensar e o que sentir se sente aqui.

    Que sono de ver o relógio caminhando contra mim

    E essa liberdade que a cada dia se conquista

    E que esbarra no concreto da realidade,

    Uma montanha que se ergue em gelo eterno

    A ação das águas que desfazem a rocha mais dura

  • 22

    E a erosão dos nossos sonhos que se desgastam em lágrimas.

    Nesse tempo de incertezas, nesse tempo de mudanças,

    A paixão transborda das vontades dos homens

    Os objetivos multiplicam, mas não se justificam

    A paixão que nos domina é aquela que nos lança às cordas

    E vai ao chão, vai à lona o sonhador mais dedicado

    É a fúria do nosso tempo esse carrossel das paixões

    E a vida transborda em esperança e termina em desilusão

    É o destino dessa gente que enxerga o mundo nu.

    Momentos felizes são jóias raras, pedras preciosas

    E os seus olhos já sem brilho não me dizem nada

    E todas as coisas que são e não são

    E todas as coisas certas que parecem erradas

    A água salgada dos seus olhos que rega o solo

    O chão duro do seu coração.

    Tanta gente que já deixou de ser o que podia, o que nunca foi

    É tanta gente que sonha e que no sonho se encontra nessa vida

    É tanta gente que só no sonho se realiza

    Que só no sonho vive em liberdade

  • 23

    Só no sonho se realiza de verdade

    Mas só de sonho não se vive, na verdade.

    E o que o real nos faz é matar nossa mocidade

    É da nossa juventude que se alimenta esse vampiro!

    É essa alegria histérica que nos devolve em forma de comprimido

    Pra apagar da memória o porquê de toda essa depressão

    Pra apagar da memória o sopro gélido da sua alma

    Tanto faz nosso corpo ou nosso espírito

    Somos nós devorados neste tempo sombrio

    E só encontramos no futuro algum alento

    Um gosto doce para esse amargo tormento.

  • 24

    Vou com o vento

    Uma inquietude me devora

    Uma ansiedade me enlouquece

    Uma pressa me domina

    É o futuro que me acossa;

    Que me empurra mais pra frente

    São os meus olhos que fitam o horizonte:

    Vidrados, fascinados, na expectativa

    O cotidiano, os dias presentes

    Já não mais me satisfazem

    Novamente, alço um vôo,

    Como uma águia audaz,

    Como um condor feroz

    E que fiquem pra trás os pardais,

    As galinhas ciscando

    Eu sou um cisne negro, raridade;

    Eu sou uma arara, uma vontade;

    Vontade de aprender mais do que sabe,

    Um papagaio atento, um agressivo gavião,

    Um sabiá-cantor, um João-de-barro –

    Exímio construtor!

  • 25

    Que vocês fiquem com os pardais,

    Galinhas, periquitos e outros mais.

    Que vocês, gaivotas, sigam o seu rumo

    E vão pescar!

    Eu quero o colorido da vida,

    Vou com as andorinhas e patos selvagens

    Rumo ao Sul; fujo já desse inverno!

    Brindo à noite, como a coruja!

    Brindo à vida, como o beija-flor!

    Vou-me embora, sigo com o vento

    Polinizar outros campos

    Novos, floridos, verdejantes

    Que venham as tardes ensolaradas

    E o calor que aquece os nossos corações

    Contra o frio que congela a alma

    O zero absoluto da rotina

    E da miséria material e espiritual

    De nossa triste humanidade

    Que venha o mar!

    Que venha o fogo!

  • 26

    O que será Vou regar a terra com sangue e suor Arar o chão de asfalto Fazer brotar o trigo Não vou perder a fé. Um vulcão em fúria Explodindo meio mundo Congelando o solo seco de cinza e fogo. Girassóis hão de cobrir os campos Irradiando sua beleza e luz Até que o sonho de um sonho acabe A lembrança que se esvai com o tempo. Sou o que sou e o que posso ser E o ser está sendo na vida O ser é também aquilo que será.

  • 27

    Ano Novo Acordes demoníacos Poesias bandidas Pinturas nas paredes Das modernas cavernas Poeira no espaço-tempo Rasgando o tecido do tempo E tudo aquilo que vai e que não vai Ao vento Todas as tecnologias Que morrem no seu nascimento Buracos negros Cheios de ilusão Viajando no tempo Para um espaço sem espaço E um tempo sem tempo É só o que resta Mas é renascimento Batismo no fogo E no frio do universo Largo, que não alcanço Abro os braços Mas ainda não posso voar Não sou o que sou Mas sou.

  • 28

    Vencendo a morte Em cada esquina, uma surpresa Em cada coração, uma esperança Em cada curva, um doce mistério Na minha estante, tudo em seu lugar. Na eternidade de um beijo No fogo da paixão É dentro de você que eu quero estar. Uma música toca num novo tom Que o meu ouvido não reconhece Mas, apesar disso, não esquece E se tudo é caos e morte, A vida persiste e se renova É a insistência da vida em vencer a morte Com esperança, coragem e sorte.

  • 29

    Carta de amor Escrevo hoje esta carta Com muito amor e muito zelo Dedico a ti, meu amor, o melhor de mim Tu que me salvaste da solidão Minha alma gêmea desde então Estas palavras podem ser ingênuas e tolas Mas não são tolos todos os apaixonados? E não é ingênuo todo verdadeiro amor? Mas não nos percamos em versos romanceados Sabemos dos percalços Sabemos da rotina Sabemos das brigas E de todas as vezes que quase tudo acabou Mas disso sabemos todos os dias E no álbum de fotos ainda sorrimos felizes Porque esses momentos são os que importam E se encontrares alguém que te entenda e te complete Que não te escape Pois um pouco de sua vida irá junto com ela E eu que junto a ti vivi meus melhores anos Espero viver ainda outros tantos Mas esta é só uma carta de amor E tende sempre ao exagero A vida é bem mais verdadeira E como é bela a verdade.

  • 30

    Aquele poema que te recitei todos os dias de minha vida Tão inevitável quanto o pôr-do-sol Tão inevitável quanto o apagar de uma estrela Tão inevitável quanto o desabrochar de uma flor Assim é o nosso amor. Desde a primeira vez que te vi, eu soube que ia ser assim. É impossível não te amar É tolice resistir, relutar em se render. Como duas almas gêmeas que se encontram Mais raro do que os fenômenos que nos encantam Como os ventos que vindos do gelo eterno nos cantam Do alto da montanha há mais de mil anos. Foi quando o meu olhar cruzou com o teu olhar Que a flecha do Cupido me acertou assim de repente No meio da chuva, numa tarde de primavera E eis o amor que se sente. Mas o que é o amor? Essa força estranha que nos levanta e que nos faz cair O amor nos eleva às alturas e nos faz flutuar. Amar é saltar do alto de um arranha-céu sem saber o que tem lá embaixo É abrir suas asas para o infinito É ver um mundo mais bonito. E tudo que desejo do fundo d'alma É nascer e morrer em ti Ser teu afluente e o oceano em que deságuas É me render como um soldado cansado e ferido em

  • 31

    batalha É, simplesmente, amar e ser amado.

  • 32

    Confissão em Terceira Pessoa Ele era um sujeito átono. Seu nome era de tal atonia, que se perdia e não ecoava nem no seu pequeno quarto. Caminhando só na estrada, não viu as placas; não prestou atenção no que diziam e foi perdendo os acentos diferenciais. Um nome sem sílaba forte é como uma imagem do cotidiano. Passa despercebido. Depois de mil anos e mil léguas, andadas ou não, vividos ou não. Foi então e somente então que ele a achou. Ele achou o porquê da acentuação: era ela. Sim, era ela. Das palavras a mais bela, a mais doce, a mais sincera. Era bem mais que um acento ou um complemento nominal. Hoje ele caminha e ainda olha alguns sinais e se encanta com sua tonicidade, mas não há mais procura, porque uma palavra forte é toda uma frase e uma locução verbal é mais que uma oração.

  • 33

    Poema de amor Amor, eu te amo tanto assim Eu te amo tanto quanto amo meu rim Você é o meu intestino Você é o meu destino. Você é você e nada mais que você Você é o meu fígado, minha insulina Você é a água da minha piscina Você é minha gasolina. Te desejo tanto quanto ao petróleo Você é o meu ouro – verdadeiro tesouro Você é o meu Rio de Janeiro Meu Rio maravilhoso! Você vale tanto quanto as minhas tripas Tão importante quanto o meu intestino grosso Você eu rôo até o osso Te quero tanto que te quero e espero...

  • 34

    Amor em poesia Quando duas pessoas se perdem Procurando se encontrar Lembro dos momentos em que as palavras Nada podem expressar Os amantes se amam em poesia No silêncio de um beijo que vale a vida Como se nada mais fosse importante Eu espero junto ao telefone Pode demorar, mas vê se me liga Porque eu não posso esperar Para ouvir a sua voz. Mas o que são as horas? São minutos na eternidade Quando estou contigo o tempo pára Sem você estou só nessa cidade Você é a minha coberta É o meu calor.

  • 35

    Pâmela HOJE EU ACORDEI MEIO DESLIGADO E PROCURANDO POR ALGUÉM TE ESPEREI POR TODA A VIDA AGORA NÃO QUERO MAIS NINGUÉM JÁ NÃO VIVO SEM TER VOCÊ POR PERTO VOCÊ É A METADE QUE FALTAVA TEU FOGO, AMOR, É O QUE ME AQUECE E SEM VOCÊ NÃO HÁ MAIS NADA VOCÊ TEM TODAS AS ARMAS PRA ME CONQUISTAR VOCÊ TEM TODAS AS ARMAS QUE PODE USAR EU VOU LUTAR NÃO VOU DEIXAR VOCÊ SAIR DE MIM NÃO VOU ME ENTREGAR JÁ ENFRENTAMOS TUDO JUNTOS NÃO É JUSTO DESISTIR.

  • 36

    Metáforas O sol sangra o horizonte ao que se estende Num céu deserto e incomplacente Vivendo um drama quase que vulgar Num entardecer sem hora e nem lugar E já não há mais metáforas pra lhe dizer que estou só E já não há mais metáforas pra lhe dizer que estou só. Já faz tempo que não reconheço A cor do meu reflexo no espelho As lágrimas mais amargas São as que nascem do mais puro desespero Mas tenho orgulho dos meus erros Pois quando o sol morre, eu continuo inteiro Mas tenho orgulho dos meus erros Pois quando o sol morre, eu continuo inteiro.

  • 37

    PASSO AS TARDES A TE ESPERAR Amanhã o dia vai correr depressa Mas por hoje eu fico com a lentidão da véspera E a angústia dos momentos que não chegam Eu fico prisioneiro neste quarto apertado Eu olho as grades das janelas e tento tocar o que há lá fora As paredes me sufocam Sou prisioneiro de mim. Hoje não quero ler um livro nem ver TV O dia convida a sair Eu ando de um lado pro outro e vejo o mundo girar Procuro um rosto conhecido Na esperança de encontrar um pedaço de mim E eu espero te encontrar Passo mais essa tarde a te esperar. O sol se põe As horas voam E eu espero você chegar Passo as tardes a te esperar Espero mais uma tarde chegar.

  • 38

    Tudo ou nada Invejo a quem dorme mais um pouco Não sei porque não aprendi um truque novo Se todas as ruas parecem iguais Não vale a pena gritar jamais. Eu vou partir pro tudo ou nada Não me parece tão ruim O verbo do sujeito agora eu esqueci Eu vou partir pro tudo ou nada Seja o que Deus quiser Eu to ligado porque to vivo E seja o que for.

  • 39

    Quando Quando o mar se encher de vermelho E o céu enegrecer eu vou estar lá E quando o azul do céu tocar o azul do mar Eu vou estar lá Quando a Terra sair do seu eixo E quando o Sol resolver brilhar em outra praia E quando tudo que sinto não for mais tão parecido Eu vou estar aqui Mas por enquanto eu fico em qualquer lugar Largado em qualquer esquina e rezando por melhores dias.

  • 40

    Oásis do Sertão Com a garganta seca E os pés no chão Vivendo da fé E pedindo a Deus proteção. A boiada passando E as plantas morrendo Com a cabeça assando E o tempo correndo Com a cabeça assando E o tempo correndo. É capoeira iá iá É boi-bumbá iô iô iô É capoeira iá ia É boi-bumbá iô iô iô. O rio corre vazio Correndo a correnteza do rio A água corre sozinha Debaixo dos olhos e longe da vista. É capoeira iá iá É boi-bumbá iô iô iô No deserto deserto continua a caminhada Com o destino à frente e a vida traçada.

  • 41

    Verdade nua Um sorriso histérico A pele esticada Parece que vai arrebentar A alegria histérica Que esconde a depressão profunda O ecstasy da nossa vida Viver em êxtase Não poder parar pra pensar Seguir em frente com um antolhos na cara E esse olhar estranho De quem parece que vai me matar Viver em êxtase A alegria histérica Os corpos sarados De bomba e academia As noites na rave As noites no bar As noites no motel As noites em qualquer lugar Não se sabe com quem Não se sabe porquê Se faz por hábito E também por prazer Suave veneno Uma pancada na cabeça Pra romper a monotonia da vida Pra romper a rotina Pra romper o dia O sorriso aeróbico De uma alegria histérica

  • 42

    Que esconde o vazio da nossa existência É como cair no abismo É como cair da cama É como cair na rua Como um bêbado qualquer.

  • 43

    No princípio a explosão... E assim se fez o Carnaval! Explodiu o universo num delírio multicor Arco-íris de ilusão, mistério e sedução Nesse sol que me ilumina, a vida irradia Abre-alas pra felicidade, o pulsar dessa cidade Abre o tapete vermelho na avenida Que é pra alegria atravessar a passarela Nesse mundo de sombra e luz Um dia essa tristeza vai passar Um dia, pode esperar que um dia a gente chega lá E quando explodir no nosso peito a alegria Toda a gente vai sair pra desfilar E faremos todos – mulheres, jovens e loucos Todos os muitos que são poucos Seremos hoje pelas ruas um grande Carnaval Vou botar o meu bloco na rua Pra espantar a morte e a tristeza Pra abrir as portas da prisão Já tenho a chave do seu coração E o fogo que explode no nosso céu Não traz sofrimento nem dor É poesia que rasga o silêncio da noite É um grito de prazer da nossa poesia Deixa o mar invadir a praia Deixa tudo ficar de cabeça pra baixo Deixa tudo pra lá, meu amor Eu quero é liberdade e sempre livre vou te amar.

  • 44

    Do Fogo Nascem os Homens: A Luta dos Trabalhadores na História

    Amanheceu em campo fértil o pensamento

    É a roda de jongo em volta da fogueira

    É o fogo que nasce do trabalho – o poder da criação!

    O prazer da descoberta, a dádiva de Prometeu

    É a aurora da civilização!

    Mas na imensidão do mar se espalha a guerra

    E toda forma de exploração nos quatro cantos do globo

    O escravo que rezava com saudade pela amada

    Que o destino deixara no além-mar

    O sofrimento de uma vida num navio negreiro

    A lágrima que corre como um rio sem fim

    Uma cachoeira de lamentos na nascente

    Os afluentes, veias abertas para um oceano de tristeza

    Pela história as marcas da escravidão

    Quem cria a vida não come o pão

    Quem produz riqueza não usufrui do chão

    Quem luta mostra o seu valor

    Asno de Ouro em homem se tornou

    Deixou o exemplo a ser contado a outro irmão

  • 45

    O abrigo na favela e no cortiço

    O sol nasce primeiro e mais belo no morro

    O samba, o canto que nasce do povo

    Que dá um banho de cultura,

    Um show contra o proibido e a censura

    O novo que surge a cada dia

    Pra banir o mundo de toda a caretice

    Forró, funk, rock, umbigada e mangue beat

    Tudo é música, tudo é dança, tudo é poesia

    No cinema, fábrica de fantasia!

    Faz real o futuro futurista

    Semeia o sonho e sonha o semeado

    Arte que pinta um novo dia

    Que desbota, que desfaz a ilusão!

    Vira mais uma página do livro

    Retrata a natureza e o ideal

    É a natureza, criando tanta beleza

    Matéria-prima deste grande artesão

    "Quem trabalha é que tem razão",

    Já dizia o ditado

    E a Terra gira em revolução,

    Unindo o operário da caatinga

  • 46

    Com o índio do cerrado

    O candango perdido no Planalto

    Errante, errando a todo lado

    Construindo o futuro de outro que oprime o pobre e o operário

    O candango perguntou pra Lua em céu deserto

    Porque constrói casa e não mora

    Ergue cidade e fica de fora

    No que a Lua respondeu:

    - Brava gente, longe vá temor servil!

    Levanta a cabeça e parte pra luta

    Toma a história na mão

    Clareia a mente, pulsa forte o coração

    E segue em frente que o futuro agora é teu

    Rega o solo com o teu suor

    E faz brotar do novo nesse chão duro o verde da esperança

    Espalha essa voz rouca no ar

    Em passo firme pavimenta o caminhar

    O futuro num carnaval de cores

    O tempo que passa e já passou

    E o que virá

  • 47

    O que será, será

    E o que será?

    O amanhã será o que Deus quiser

    Seja lá o que for, o Futuro então será!

    E aquela estrela estará a te guiar

    Como será o futuro será?

    Dessas praias, dessas matas, das florestas e tudo mais

    De toda a água pra beber, pra abastecer a vida

    Pra proteger da ambição a Mãe Natureza

    Pra repartir o produto do trabalho com igualdade

    Pra celebrar o que conquistamos de direitos sociais

    E o que queremos preservar

    Democracia e liberdade de expressão

    Pra nunca mais essa escravidão voltar

    Pra humanidade se desalienar

    Pra libertar o trabalhador de toda escravidão

    Da mercantilização do corpo e nossa força

    Liberdade pra viver e ser feliz

    Fogo pra queimar e das cinzas renascer

    Um Carnaval de cores, sons e amores

    Flores e rosas brancas pra ofertar

    A ti – minha Iemanjá!

  • 48

    Oxossi, irmão de Ogum, salva a vida de toda ameaça

    Xangô traz justiça pra toda a aldeia

    São as flores que calam o canhão

    É o grito dos Palmares, o canhão de Kronstadt

    O Palácio de Inverno na Primavera do Povo

    E as Diretas nas palavras e faixas

    Liberdade pra ser feliz e viver

    Fogo pra queimar e das cinzas renascer

    Um Carnaval de cores, flores e amores

    É o reino da felicidade, o reino da liberdade

    De um reino sem rei.

  • 49

    Haiti Livre Sou imigrante, retirante nesse mundo E o mundo todo hoje é um Haiti E não há lugar pra mim E não há lugar pra mim. Sonhos e vidas despedaçados Capitães-do-mato à caça dos escravos Tropa de choque contra a multidão De Toussaint a Zumbi e a João Cândido É a revolução negra contra a exploração Minustah no Alemão, BOPE no Haiti É navalha na carne, a marca da chibata! As mãos calejadas, as costas marcadas E um rio de gente sai em marcha. Brasileiro da Bolívia, venezuelano da Argentina Cidadão da América Latina. Mas atirem álcool no meu corpo; Joguem seu petróleo na Baía. O Iraque é aqui O Haiti é aqui. Quero uma dose de heroína na veia Quero deitar na cadeira do analista Que é pra ver se esqueço da vida! No verde da cana me perco em pensamento No calor da fábrica, perco o pensamento. Vou entrar no jogo pra ver se não fico tão sozinho Vou virar a mesa e abandonar a partida Mas não jogo a toalha até que a batalha esteja vencida. Ocupar, resistir, produzir! Haiti livre, Brasil livre! Aqui é o Haiti!

  • 50

    Aqui é o Haiti! São várias vozes numa só Pelos cantos desse canto e eu canto Um deserto de sal ali, logo em frente Um vermelho-sangue que cobre o céu ao poente Favela, gueto, prisão, senzala Sangue índio, suor negro pela estrada Quero toda a liberdade que esse mundo não pode em dar Quero lutar, subir pra respirar Haiti livre, mundo livre Porque hoje o mundo inteiro é um Haiti Porque hoje o mundo inteiro é o Haiti O Haiti é aqui O Haiti é aqui.

  • 51

    Velho Mundo Novo Este é o trabalhador ajoelhado no altar do Capitalismo Este é o ritual de sacrifício que exige o seu cinismo Estes somos nós rumo ao shopping center como cães babando pelo que não temos Estes somos nós comprando aquela televisão de cachorro Estes são os porcos capitalistas que nos exploram nos humilham Este é o cartel de carretéis de linhas alinhadas Esta é a massa que você come no almoço e na janta Este é o gado novo que atravessa o rio Este é o novo gado do qual de novo rio Este é o devoto-ateu do paradoxo da religião pagã-cristã Este é o escravo das correntes virtuais que acelera o passo da modernidade Este é um trabalhador ajoelhado no altar do Capitalismo Este é só mais um ritual de sacrifício.

  • 52

    Queimo hoje esta bandeira Queimo hoje esta bandeira A cor da hipocrisia brasileira O verde, o amarelo e o vermelho Dos grilhões nos quais escorre o sangue negro. Queimo hoje esta bandeira As matas que são destruídas O ouro que nos foi roubado O céu repleto de fumaça, poluído E a paz com tom de medo. Queimo hoje esta bandeira Queimo hoje a bandeira brasileira Queimo o sistema e a burguesia Queimo um símbolo que não me representa. Queimo hoje esta bandeira Queimo todas as leis impostas (Ao povo e a mim impostas) E queimo a injustiça dessas leis Queimo hoje o símbolo burguês.

  • 53

    Brasil Terra adorada, És mãe gentil; Espelha paz e glória Num futuro que demora Pra chegar, Brasil de peito varonil. És tu, Brasil, Ó Pátria amada, Idolatrada, Salve!Salve! Terra de indignidade. Têm mais vida nossos bosques, Nossos campos, nossas flores, Que risonho, ergues a clava forte Da justiça contra o injustiçado, Provocando novas dores. Deitado eternamente, não acordas Para a vida, pro futuro, pro agora Ao som do mar e à luz do céu imundo De poluição, que envenena o corpo, alma e a mente Que leva à morte os trabalhadores, nossa gente. Verás um filho teu que emprego não é pra todo mundo E quem sabe essa nem seja a sua própria luta Não teme a própria morte, Mas teme sua conduta, Pois será julgado, condenado e tirado da rua. Pinta a cara com a miséria do teu próprio povo Verás que o que viste ainda verás de novo E quando fores julgado por assassinato ou roubo E a fome e a seca dominarem o teu corpo Prostituído por teus próprios governantes.

  • 54

    És tu, Brasil, Ó Pátria amada, Idolatrada mãe gentil, Salve Deus que o pariu Tornando ainda mais pérfido e belo este meu pau-brasil. És forte; És belo; És impávido colosso; Gigante pela própria natureza E rezando e sorrindo a contragosto. És tu, Brasil, Terra de encantos mil, Saudada pelo teu carnaval E futebol sem igual De cruel semblante a brilhar a todo instante. É tu, Brasil, É tu, poeta, Em tua Constituição já não há nenhuma meta Que outrora Vossa Excelência escrevera E a passos de tartaruga caminha a nação brasileira. És tu, Brasil, Nosso País Tropical, De luzes acesas na escuridão total, Que toma conta de tudo e já não há nem bem nem mal, Que arranquem os portões que nos aprisionam nesta prisão vital. És tu, Brasil, Patriotismo, Paixão nacional, És juventude rebelde És velhice conformada. És tu, Brasil,

  • 55

    Tudo e nada, então. E que me acorda toda noite com um grito de “É campeão!” Votando errado e esperando uma nova eleição És tu, Brasil, Não és nação.

  • 56

    O Vírus da Revolução Espalhar o vírus da revolução Vou contaminar a água que tu bebes Vou contaminar o ar que tu respiras Vou contaminar o sangue que percorre teu corpo Vou entrar através de tua pele Vou convulsionar teu cérebro inteiro Vou deixar o mundo em estado febril Pra então imunizar a humanidade dessa droga Esse remédio que nos mantém sob controle Esse medicamento que nos faz robôs!

  • 57

    Discurso direto O dia-a-dia da labuta Faz do trabalhador uma puta Que vende o seu corpo, sua vontade e desejo E faz o seu senhor Gozar e ter sempre. Quem trabalha não tem céu É escravo, bicho qualquer Que só faz aquilo que ninguém quer e precisa da caridade pra viver E ser explorado pra viver Até o fim de seus dias.

  • 58

    Canção da Vitória Brilha uma estrela no céu de Brasília Brilha forte essa estrela e nos guia A bandeira vermelha que se hasteia na capital Balança ao vento, desafia o capital. A hora é agora, nossa hora chegou Acabou a esperança, o sonho já começou É construção e trabalho, trabalho e luta É a recompensa da nossa labuta. Trabalhadores, senhores do próprio destino, Cantai, esta noite, a Internacional, vosso hino E fazei da História mais que repetição Abraçai o momento com emoção. Já podemos cantar esse belo refrão Já podemos cumprir a nossa missão; Ser felizes e livres com nossos irmãos.

  • 59

    No fogo da luta Lutar, lutar, lutar! Não é a chegada, é o caminho que importa É a trajetória, a luta, é isso que fica na História É isso que fica na memória e que marca o seu corpo como ferro em brasa Lutar, lutar, lutar! Estudantes, religiosos, trabalhadores, sem-terra, sem-teto, minorias, Vencer e construir! Há um mundo novo a erguer, Há um muro novo a cair, Há um velho mundo a perecer! Lutar! Lutar! Lutar! É isso que importa! A liderança se forja no fogo da luta, A luta se forja no fogo da luta, O exército se forja no fogo da luta, O objetivo se forja no fogo da luta, A coragem se forja no fogo da luta, A necessidade é o combustível do fogo e uma nova mentalidade também. Lutar! Lutar! Lutar! É isso que importa!

  • 60

    Desertos de sal Nesses tempos sombrios, tudo o que triunfa é a morte. Nesses dias de fúria, toda esperança está num pouco de sorte. Nesses anos de crise, toda força é o inverso da coragem. Nesses eventos convulsivos, toda cólera se desfaz como miragem.

  • 61

    Panis et circenses Bolsa-família E futebol domingo Alegre estou e rio.

  • 62

    Não sou brasileiro mula-ta não tupiorubá carioca índio não xinguano do terreiro de jacarepaguá i filhu seu latinamericana afro-suburbano di todas ais cores sem cana e café colon-i-a-zado canibalizo aux sinhores i a sinhá carioquês eu vô falá não sô brasileiro made in brazil baiano da guanabarabaía muro-exposição muro-livro muro-tela muro-protesto canção subliminar é isso aí, rapá aí, mermão, fika ispertu q o rapa vai chegá avisa a rapaziada vlw p/ td mais agora vô mi mandá.

  • 63

    Ahmin temen ahmin temen átesadalhembara adot otrec êvoc átes ano ós raset aspen ottan sam átes ue otquan

  • 64

    Corpo e mente de Teles Cândido 764 Luz de Abajur 9 Minha cabeça está dentro da gaiola E meus olhos vendados, fechados para o transcendental E minha boca de dentes afiados, pontudos, rasgantes que dilaceram a carne E os ouvidos lacrados para o infinito Não sabem da sinusite, do olfato inútil Completando e corroendo os meus sentidos Que compõem essa minha cara de pau E expõem esse áspero inverno prometido. Minha cabeça está dentro da gaiola Eu vejo um papel cair no chão do ônibus É o jogo de luzes. Será ilusão? Eu desenho um símbolo que juro desconhecer É o dia mais normal e mais estranho de minha vida Nada se compara; nada se equipara; nada remedeia. Minha cabeça está dentro da gaiola Meus pés inchados, estacionados na garagem Minhas mãos e meus dedos já calejados estão no varal E meu corpo já todo tomado Ocupado ocupa o quintal E o calabouço onde se encontra meu tronco É a jaula onde vive o leão.

  • 65

    Realidade e Sonho Já pensou que sua vida era o sonho de alguém? E se for, o que será do real, da realidade e o que é que tem? A realidade é o que é real pra mim ou o que posso compreender? É o que eu consigo descobrir ou o que não posso nem saber? Já pensou se sua vida fosse o sonho de alguém? E se ela é, o que será de nós e do que nos convém? O que planejamos, o que sonhamos, de nada serviu? E se eu descobrir que você é meu sonho também? E o que eu quero e que nem sempre posso ter, Será que eu consigo ter, se ao acaso nascer bem? O destino existe e está traçado ao nascer? Ou será que o fazemos no nosso próprio viver? No nosso triste sofrer? Seguir tudo o que o mestre mandar, Seguir tudo o que o mestre mandar, Seguir tudo o que o mestre mandar, Não seguir nunca o que o mestre mandar, Não seguir nunca o que o mestre mandar, Não seguir nunca o que o mestre mandar, Será que temos escolha, podemos optar? Já pensou que sua vida fosse o sonho de alguém? E se tudo o que toca não for nada além? Já pensou que sua vida é o sonho que sonhou?

  • 66

    E se tudo é como sonho e quando sonho E como sei quem acordou? Como sabes que acordou? Quando estou dormindo e quando estou acordado? Se posso controlar o sonho e saber que estou sonhando, E acordado sonho, mesmo ainda andando, Como definir o que é o sonho e o que é a realidade? Você já pensou alguma vez que sua vida fosse o sonho de alguém? Você já sentiu frio, um calafrio, um assobio ao pé do ouvido, De que a morte é o fim de tudo E para onde vai sua consciência? E tudo o que você viveu? E pra quê viveu? O que faz sentido? E o que não faz? O que fazer, se nascer é começar a morrer, E se a morte não é o início de nada, A não ser aos vermes, talvez para eles, E a angústia que isso provoca Em saber que tudo o que aprendeu e que viveu, Que sorriu e que chorou e que tocou Tudo vira pó, tudo já virou E qual é o sentido disso tudo A não ser o sentido que damos a isso tudo O livro que escrevemos, A estrada que corremos e percorremos e voltamos,

  • 67

    Pegamos o retorno, mas nada volta, É só uma outra saída ou uma nova entrada Depende de quem vem E você já sonhou que sua vida era o sonho de alguém? Já pensou que pensaram que tudo fosse sonho no sonho de alguém? Já pensou que a vida é um piscar de olhos na eternidade? E o que é eterno, o que é imortal? E o que perece e o que renasce e se renova? E o que renova já é o novo ou é o velho requentado? E a volta que o mundo dá sob o mesmo eixo, É sempre uma volta nova, em torno daquilo que retorna. E você já pensou alguma vez que estivesse vivendo o sonho de alguém?

  • 68

    Divagações sobre o Tempo e a Memória

    Olho pra um céu de estrelas mortas

    Penso no futuro e contemplo o passado

    Um museu de coisas mortas, vivas

    no caminhar das coisas, transformadas

    É o rio que sempre muda conforme passa

    Que nunca é o mesmo que olhamos um segundo atrás

    É o horizonte que nunca podemos alcançar

    É a permanência de tudo que muda

    A única coisa de permanente de fato

    Mas o novo sempre traz o antigo

    Dentro de si e dentro de nós

    Mas que apesar de trazer a recordação e o ensinamento

    Nunca é como era antigamente

    A memória coletiva da forma como nos contaram

    A lembrança do que passou em fragmentos re-interpretados

    A versão dos fatos, a visão nossa sobre os fatos

    Tudo como eu consigo me lembrar

    A luz das estrelas que vaga e rasga o vazio do espaço

    E traz para nós hoje a beleza do que já se foi

  • 69

    A memória das coisas, as coisas da memória

    As coisas de que me lembro e como penso no que se passou

    A memória histórica, a manipulação dos fatos

    A verdade segundo quem nos contou

    A História escrita pelos campeões da humanidade

    Aos ganhadores, os louros! Aos vencedores, a História!

    Parabéns pra vocês que hoje têm nosso corpo e nossa alma

    Ah! o tempo, que não é igual pra todos!

    Como as coisas variam e mudam

    e se apresentam diferentes para cada um de nós

    O tempo que é diferente para cada um de nós

    E tão certo como que do velho surge o novo

    O Homem se liberta da bestialidade com o trabalho

    Mas o trabalho que é arte e descoberta

    O Homem que inventa a pintura e o avião

    E que, como um deus, controla o fogo

    E tudo o mais na natureza

    E enquanto os homens se aquecem junto ao fogo

    E contam velhas histórias pra passar o tempo,

    O tempo passa com a velocidade do pensamento,

  • 70

    Rompendo com a lentidão dos corpos na inércia

    O tempo do relógio que parece mais devagar

    Quando estamos parados

    Mas que é mais lento quando nos movimentamos

    Tempo e Movimento, movimento é a medida do tempo

    O Tempo longo da História da Terra

    E a nossa parte, o nosso quinhão, a nossa contribuição

    Um segundo no tempo do Universo

    E todas as coisas que se perdem no buraco-negro

    Que teima em sugar tudo o que é vida, o espaço e o tempo

    Só para ver se preenche o vazio do seu coração

    E aos vencidos que perderam o seu espírito

    Que derramaram seu sangue em homenagem à Marte

    Que foram ainda mais humanos e sofreram

    O sofrimento, que é parte da condição humana

    E o tempo que lhes foi roubado, o tempo livre, o direito ao ócio

    O tempo de criar e de ser humano

    E a negação do seu direito ao passado

    A perversão de suas lembranças

    A deturpação de sua memória

  • 71

    Aos vencidos, os louros! Porque o tempo é seu,

    A memória é sua, a História é sua

    A História anônima dos que não sabiam escrever

    A História anônima dos que tiveram sua história apagada

    A História anônima dos que não puderam contar

    A História anônima dos que perderam o direito à palavra

    A História anônima dos que não tiveram acesso à história

    E a nossa memória é essa colcha de retalhos

    Que faz de nós uma colcha de retalhos

    E a minha memória é como eu me lembro que deveria ter sido

    Ou como poderia ter acontecido

    E alguma coisa que realmente aconteceu

    E só o tempo apaga os fatos, que mudam pra completar a cena

    E esse é o quebra-cabeça com peças faltando

    É o tempo perdido do que roubaram ao nosso espírito.

  • 72

    Tempo perdido Quantas vezes emudeci, quando devia falar? Quantas vezes calei, quando devia gritar? Quantas vezes fui tímido e tolo vendo o trem passar? Quantas vezes tive medo e me envergonhei? Quantas vezes sonhei acordado sem uma atitude tomar? Quantas vezes duvidei do que era capaz? Quantas vezes abdiquei de cumprir o meu papel? Quantas vezes fugi das minhas responsabilidades? Quantas vezes jurei pra mim mesmo tudo isso nunca mais repetir? Quantas e quantas vezes terei ainda disso escrever?

  • 73

    Olhos tristes Sinto-me caindo num abismo sem fim Estou cansado deste papo surreal Eu sou mais que um animal Alguém vende meus olhos Ninguém repara na tristeza que se esconde na maquiagem do palhaço Que olhos tristes os do palhaço! Que olhos tristes os meus! Sinto-me sufocado preso em mim mesmo E não sinto você e não sinto ninguém E não sinto nada e tudo E pra quê o sentimento? Mas pra quê a droga da filosofia? Mas pra quê a merda do conhecimento? Eu não sou nada nem ninguém Quem sou eu frente ao destino? Tenho saudades dos tempos de colégio, mas hoje eu tenho medo Hoje eu tenho medo de fracassar Tenho medo porque os sonhos chegaram É chegada a hora do meu desespero vem chegando sem demora Vem a cavalo com sede de sangue Mas quem sou eu frente ao destino? Mas que risada é essa? É a gargalhada do desespero É um riso de desespero E eu te espero do outro lado do telefone: uma voz que alivie a minha angústia Mas ninguém se importa,

  • 74

    porque ninguém sente a minha dor Ninguém me ouve chorar Ninguém percebe os sinais Ninguém vê as lágrimas caírem Ah, que solidão (em meio à escuridão) Ninguém vê nada E eu que tenho medo de parecer louco, guardo tudo para mim E rezo para um dia não ser um paranóico, neurótico, suicida E eu que beiro à genialidade De que me vale? Nem emprego nem faculdade Nem notoriedade Nada que sustente o meu bolso e meu ego E nada que altere algo ao meu redor Por que se importar com os outros? Eles não se importam consigo mesmos Olhe para eles vivendo suas vidinhas medíocres Não quero mais olhar não quero mais sentir Não quero mais me ocultar nestes olhos tristes Não quero mais estes olhos tristes.

  • 75

    Esses olhos Esses olhos Que olhos são esses Que me olham E me seguem E me encaram Quem é este estranho Do outro lado do espelho? Quem sou eu? Serei uma sombra? Só mais um na multidão? Aquele que teme que a porta se abra Aquele que teme que a porta se feche Que cabelos escuros E pele de índio Brasileiro, talvez Quem sabe Quem sou?

  • 76

    Socorro Eu me sinto correndo numa esteira E este futuro que nunca chega É desesperador Eu me sinto correndo numa esteira Eu estou correndo numa esteira E cadê o futuro que a cigana previu? Cadê os grandes feitos? Cadê o meu futuro glorioso? Afinal, sou um grande cara Correndo numa esteira Uma esteira velha de uma academia Sem valor onde ninguém vai E a estrada é muito longa, Mas não desisto de percorrê-la Mas é preciso que se destrua Esta coisa, esta esteira O que me atrasa? O que me faz ficar pra trás? Por que pecados eu estou pagando? Por que meu mundo está desmoronando? Serão os pecados de outra vida? Pra quê tantos livros? Pra quê tanto estudo? Pra quê tanta vida? Socorro! Me tirem desta esteira!

  • 77

    23 Quanto mais eu exijo do mundo, Mais o mundo me exige de volta Uma luta em que a glória É sempre derrota. Sangue, suor e lágrimas É o preço da conquista. O que se conquista Não se abre mão e não se deve a ninguém. O muito nunca é o bastante Mas o desejo é de sempre chegar mais distante Em conflito com a cobrança e o descrédito E o provado, assim, é sempre posto à prova. É o desespero da auto-imagem É o espelho do meu rosto espelhado É o preço da busca da imortalidade É o preço da luta por felicidade. A luta é o resultado da liberdade conquistada A liberdade é o subproduto da luta Uma luta em que um são todos E todos somos um. Conquista e glória e a esperança no futuro A fé na vitória – filha da determinação A vida é uma estrada que caminhamos Quase sempre sem saber onde vai dar. O plano falhou e sempre vai falhar A vida é um caminho de pedras, espinhos E algumas flores pra alegrar Vida breve, imenso campo a conquistar.

  • 78

    Já Você já sentiu vontade de chorar Sem qualquer motivo? Você já sentiu? Você já pensou? Você já sentiu vontade de chorar Sem qualquer motivo? Você já se sentiu assim tão sozinho? Tão fora de contexto? Já?

  • 79

    Sons da madrugada Ouça os sons da madrugada Os que existem, Os que existem e você não sabe, Os que existem, você sabe, mas não vê, E os que existem só em você.

  • 80

    Carnaval Os revolucionários, os bêbados e os loucos Façamos uma grande festa Que espante essa Quarta-feira de Cinzas Que reviva o Carnaval Revolucionário, bêbado e louco E cego...cego de prazer! Faminto...com fome de viver! Os jovens, as putas e os mendigos Trabalhadores, donas-de-casa e os velhinhos Todos crianças querendo brincar Querendo mexer, querendo criar Querendo fazer da vida um grande Carnaval!

  • 81

    Ritual de Liberdade Eu sou o sexo não-caricaturado Eu sou o sexo do pênis ereto que balança a bandeira da libertinagem Eu sou um ritual de liberdade. Eu sou as mãos que percorrem os seios, a cintura e os quadris Eu sou as mãos que apalpam os seios e a bunda (uma nádega de cada vez) Mas eu não sou como vocês Eu não sou o burguês pornográfico, que vende pornografia aos nossos olhos obtusos. Eu sou o sexo bonito Eu sou cada gemido Eu sou os beijos e as mordidas, os arranhões e as frases eróticas Eu sou o próprio erotismo, sem timidez e sem censura. Eu não sou puritano Eu não sou politicamente correto Eu não sou religioso Eu não sou reacionário Eu não sou o burguês broxa Eu não sou conservador. Eu sou o sexo da luxúria Eu sou o sexo do amor Eu sou o sexo da paixão

  • 82

    Eu sou o sexo do prazer Eu sou o tesão que povoa o mundo E eu estou em tudo Eu estou no padre Eu estou na freira Eu estou na puta E eu estou em você Eu estou no tarado Eu estou na dona-de-casa Eu sou a existência Eu sou a razão de viver Eu sou, simplesmente, um ritual de prazer.

  • 83

    A bolsa

    ama

    a bolsa morte

    a

  • 84

    Tempo ao tempo Os números me perseguem são eles que me seguem durante a noite do entardecer ao alvorecer são eles a descer a aparecer são eles que marcam o meu destino os ponteiros que determinam a minha sorte e o meu tempo aqui

  • 85

    Claro como a noite Na noite não tem sombra À noite tudo é sombra À noite tudo fica claro, Porque a luz cega.

  • 86

    Sociedade de consumo O mundo é um grande shopping center.

  • 87

    Arte Se você não entendeu nada, então esqueça! não pode conceber Eu sou o impossível, aquilo que você De modo algum, de jeito nenhum Eu sou aquele que não se acovarda Aquilo que vem de dentro, o espontâneo Com as letras, palavras e frases embaralhadas Da esquerda pra direita, da direita pra esquerda De baixo pra cima, de cima pra baixo Leia-me de todos os lados A chama, o brilho do seu olhar Sonho e carne Amor e luxúria Charme e beleza Fogo e sangue E sei o que eu quero Mas eu sei quem sou Eu não sou Eu sou o oposto, Eu sou o contrário, Eu sou o inverso, Quem poderia? Quem poderia me entender? Eu estou a mil séculos na frente! Aqueles que não inovam... Me enojam aqueles que não se renovam Eu repudio os artistas que não se arriscam.

  • 88

    Manifesto Este é o esboço de um esboço Isso é só o que o nosso tempo permite O horizonte ainda obscuro Mas as ferramentas aí estão: É a língua dos povos conquistados e escravizados É sua cultura misturada com a alta tecnologia É a linguagem do Orkut e do MSN É o tupi e o iorubá nessa era cibernética É a arte de rua do grafite É o funk que retrata a poesia do morro Que o samba sempre retratou Nascido do jongo, nascido na senzala É o manifesto por uma arte renovada Uma nova arte que nasça do movimento revolucionário Porque toda arte para ser verdadeiramente livre Tem que ser revolucionária E o que devemos ser nesse movimento que nasce Eu sei o que sou – este pretensioso solitário! Eu sou um vírus punk Independente do sistema Esse espirro que vai alastrar a idéia E fazer brotar o sentimento Dessa poesia marginal Dessa poesia underground E vai fazer implodir a indústria cultural Jogar uma bomba no pós-modernismo E no irracionalismo, conservadorismo, reacionarismo, fascismo No neoliberalismo mercantilismo capitalismo na arte Poesia que eu pontuo como eu quiser

  • 89

    E que cantada desafinado é ainda melhor Porque quando o belo se torna uma forma de ilusão É melhor fazer tudo torto só pra ver a reação Sem concessão à farsa, por favor! Ao falso protesto de gente vazia Do rebelde sem causa ao politicamente correto Com esses não há gente única possível Não há unidade e objetivo comum A ruptura deve ser verdadeira e não de plástico! Trazer de novo sentido à vida Num manifesto em forma de poesia Numa arte de artesão Numa arte de revolução Numa arte que cria Que não copia E que não é fraude Uma arte de protesto Uma arte-militante Uma arte engajada Uma arte politicamente engajada Uma arte livre Numa liberdade que não é de fachada A liberdade que às vezes só se encontra gritando bem alto Ou no mais puro silêncio sepulcral Unindo arte de vanguarda e cultura popular O velho e o novo do que há de melhor Pra superar a arte conceitual Pra superar a cultura de massa E a indústria cultural Pra superar a arte comercial Pra superar a divisão de vanguarda e povo

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    Contra uma arte de elite E contra uma arte pobre Empobrecida Quero uma arte que o povo entenda Que comunique E que expresse a realidade Mas que seja igualmente expressão do espírito Do mais elevado do espírito humano Da inteligência humana Da sensibilidade humana Da criatividade humana Contra o erudito e o popular Fazer nascer a arte simplesmente Nesse sentido, nessa corrente Libertando a arte da alienação Das teias do mercado Da lógica capitalista E do maldito dinheiro! Explodindo o mundo Construiremos o futuro! Explodindo tudo Elevando a cultura de todos Fazendo da sociedade inteira povo Influências, queremos todas Pra construir nosso mosaico Antropofágico esse vírus que devora Devora por dentro e vomita sobre você As verdades que você preferia esquecer E rompe as correntes do burro nacionalismo A outra face da moeda do imperialismo E faz uma arte legitimamente antiimperialista Antropofágica por excelência

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    Deve ser a arte do Terceiro Mundo Arte sem dominação cultural Arte que não nega o que tem de melhor Esse é o vírus independente da arte punk marginal Arte engajada e arte livre Arte independente Arte sem direção, com opção Arte a serviço da revolução E não de nenhum Estado ou do mercado e seus ditames Contra o dirigismo cultural Viva o mais puro rock´n´roll! Contra a arte pop com artistas fabricados e seus produtos embalados na prateleira colocados E nós, consumidores, convidados compulsoriamente a comprar Em solene respeito à propriedade intelectual E todos os dividendos, todos os lucros que cabem aos empresários do show business! A intelectualidade e os artistas estão a grande maioria Apartados do movimento dos trabalhadores Os movimentos sociais se empobreceram na exclusiva luta econômica e corporativa Uma nova sociedade tem que ser antecipada em sonhos Porque de sonhos somos feitos E é assim que tecemos juntos os nossos destinos Arte de revolução Arte de mudança, de transformação Arte crítica da arte e da sociedade Arte dialética, do diálogo do artista e o público Do passado, presente e futuro Arte que se faz na rua e na garagem Com estudo e inspiração

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    Arte que se picha no muro do burguês Porque é também a pichação uma arte Se liberta do individualismo e da imbecilidade E se funde com uma perspectiva de ruptura real Contra o niilismo e o anarquismo estéril De uma contestação que não contesta nada Pichemos os bancos, coloquemos vírus nos sistemas de grandes empresas Façamos passeatas e recitemos greves Romper os grilhões é mais difícil do que parece Mas o ar se faz necessário Arte sem uma orientação definida, sem modelo, nem prescrição Sem receita pronta É o que o momento permite Aproveitemos! Arte de ruptura pra destruir essa prisão! A arte que queremos está sendo feita sem coerência ou coesão Mergulhemos na cultura popular e no fazer popular Mas sejamos profundamente eruditos todos se queremos nos autogovernar E fazer uma arte que se renove e se refaça e transforme o que lhe couber transformar O fim da arte tem que ser a liberdade O conhecimento é livre O conhecimento é liberdade.

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    6 de março O fim é só o primeiro passo de um novo começo.