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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE COMUNICAÇÃO DEPARTAMENTO DE JORNALISMO TODA LUZ QUE NÃO QUEREMOS VER Uma reportagem aprofundada sobre o Sol Nascente Glaucia Machado Saturnino dos Anjos Orientador: Sérgio Araujo de Sá BRASÍLIA 2016

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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

FACULDADE DE COMUNICAÇÃO

DEPARTAMENTO DE JORNALISMO

TODA LUZ QUE NÃO QUEREMOS VER

Uma reportagem aprofundada sobre o Sol Nascente

Glaucia Machado Saturnino dos Anjos

Orientador: Sérgio Araujo de Sá

BRASÍLIA

2016

UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

FACULDADE DE COMUNICAÇÃO

DEPARTAMENTO DE JORNALISMO

TODA LUZ QUE NÃO QUEREMOS VER

Uma reportagem aprofundada sobre o Sol Nascente

Glaucia Machado Saturnino dos Anjos

Orientador: Sérgio Araujo de Sá

Memorial descritivo do produto apresentado à Faculdade

de Comunicação, da Universidade de Brasília - UnB,

como requisito parcial à obtenção do título de bacharel

em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo.

BRASÍLIA

2016

UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

FACULDADE DE COMUNICAÇÃO

DEPARTAMENTO DE JORNALISMO

Memorial descritivo do produto apresentado à Faculdade de Comunicação, da Universidade

de Brasília - UnB, como requisito parcial à obtenção do título de bacharel em Comunicação

Social com habilitação em Jornalismo.

TODA LUZ QUE NÃO QUEREMOS VER

Uma reportagem aprofundada sobre o Sol Nascente

Glaucia Machado Saturnino dos Anjos

Banca examinadora:

___________________________________________

Prof. orientador Dr. Sérgio Araujo de Sá

___________________________________________

Prof. Dra. Dione Oliveira Moura

___________________________________________

Prof. Dr. Wladimir Ganzelevitch Gramacho

Brasília, 7 de dezembro de 2016

A todos que abriram as portas das

suas casas e dos seus projetos

e àqueles que dão vida às ruas.

AGRADECIMENTOS

À minha mãe Denise, que desde cedo me ensinou o valor dos estudos e que continua

me incentivando, sempre. Também pelo seu amor e carinho incondicionais.

Ao meu irmão Hudson, que sempre participa dos momentos especiais da minha vida.

Ao Idelbrando, pelo apoio fundamental na conclusão desse curso e no dia a dia. Se não

fosse você, provavelmente tudo se tornaria mais difícil. Mil vezes obrigada.

À Universidade de Brasília, pela oportunidade de realização do curso de Jornalismo.

Ao meu orientador Sérgio, por todo o apoio e pela revisão atenta. Sem contar as aulas

inspiradoras em Campus.

Ao professor Wladimir, que estimula o aprendizado sempre com ânimo e boa vontade.

Obrigada por cada ensinamento.

Às minhas amigas Bruna Dias, Bruna Queiroz, Lucyenne, Tábata e Talita, parceiras de

todas as horas. E ao Rodrigo, o melhor agregado.

À Maria Moraes Luz, que foi luz na minha vida e ajudou a despertar uma coisa que eu

já carregava, a responsabilidade social.

E agradeço, ainda, a todos os moradores do Sol Nascente. Cada porta aberta e sorriso

sincero me estimulou a volta. Não à toa, eu já voltei.

Escutar de verdade implica despir-se de todos os seus

preconceitos, de suas verdades de pedra, de suas tantas

certezas, para se colocar no lugar do outro.

Eliane Brum

RESUMO

O presente projeto é um livro-reportagem sobre o Sol Nascente – um setor na região de

Ceilândia, no Distrito Federal, que já foi considerado a maior favela da América Latina, por

vezes esquecido pelo governo e pela mídia. Mas geralmente lembrado quando se trata de

violência, criminalidade e desocupação. O objetivo é contar fatos que nunca apareceram ou

não aparecem com tanta frequência nos grandes jornais, além de tentar promover reflexões de

que o Sol Nascente pode sim ser um lugar bom e tranquilo. Para isso, são apresentados seis

relatos essencialmente positivos, ou melhor, seis boas notícias. Histórias gostosas de se ler. O

projeto tem como justificativa a necessidade de superar essa cobertura limitada e de um olhar

mais humano acerca do setor, visto que a maioria dos textos que tratam de lá parecem ter

sempre uma conotação negativa – o que também será objeto deste estudo.

Palavras-chave: Sol Nascente. Setor. Lado bom. Humanismo. Boas notícias

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 9

2 PROBLEMA DE PESQUISA ............................................................................................ 11

3 JUSTIFICATIVA ................................................................................................................ 13

3.1 Do tema ........................................................................................................................... 13

3.2 Do formato ...................................................................................................................... 13

4 OBJETIVOS ........................................................................................................................ 15

5 REFERENCIAL TEÓRICO .............................................................................................. 16

5.1 Contextualização do Sol Nascente .................................................................................. 16

5.1.1 Números ....................................................................................................................... 17

5.2 Análise de notícias .......................................................................................................... 18

5.2.1 Adjetivos ...................................................................................................................... 20

5.2.2 Fotografias ................................................................................................................... 21

5.3 Notícia e reportagem ....................................................................................................... 23

5.3.1 O livro-reportagem ...................................................................................................... 25

5.4 Linguagem: jornalismo literário ..................................................................................... 26

6 METODOLOGIA ................................................................................................................ 28

6.1 A pauta ............................................................................................................................ 28

6.2 Pré-apuração ................................................................................................................... 29

6.3 Seleção de boas histórias ................................................................................................ 30

6. 4 Apuração ........................................................................................................................ 32

6.5 Escrita ............................................................................................................................. 33

6.6 Fotografia ........................................................................................................................ 33

6.7 Diagramação ................................................................................................................... 34

REFERÊNCIAS .................................................................................................................. 37

ANEXOS ................................................................................................................................. 40

9

1 INTRODUÇÃO

O Sol Nascente, em Ceilândia, é um lugar instigante. Provoca curiosidade, medo,

insegurança, sonhos e uma série de outros sentimentos, a depender do lugar de fala. Para os

moradores, é muitas vezes a realização do sonho da casa própria, da fuga do aluguel. Um

pedaço de chão só deles. Para os estranhos – aqueles que não conhecem a realidade do setor –

pode ser um tanto temível, afinal, ali, se escuta muito falar sobre criminalidade e violência.

Um pouco disso está na fala de Lívia Pedrosa e Paula Amaral, autoras do

documentário O Sol Nascente de Malvina, um trabalho de conclusão de curso no Centro

Universitário de Brasília. As autoras confessam que, no primeiro momento, a ida à Ceilândia

aconteceu com a proteção da Polícia Militar, já que “o local é extremamente perigoso e, de

acordo com a PM, não é uma favela pacificada”. Só depois de algum tempo foi que superaram

os dias em que chegavam ao Sol Nascente “morrendo de medo” (PEDROSA E AMARAL,

2014, p. 23).

São relatos assim que chamam atenção e, ao mesmo tempo, inquietam. Se depender

somente das notícias estampadas nas páginas dos jornais, ou até do boca a boca, o olhar

externo acerca do setor corre o risco de ficar limitado. Acaba sendo comum ter a impressão de

que a comunidade é apenas ruim, cercada de crimes e de medo. E o pior, que lá não existe

quase ninguém honesto ou trabalhador. Nem vida tranquila.

Por isso, surgiu a ideia de falar do Sol Nascente. A vontade era de ir à campo,

percorrer os caminhos, descobrir o lugar e entender como as coisas se desenrolam na

realidade. Tudo por meio de conversas com moradores que tivessem, direta ou indiretamente,

suas vidas ligadas à história do setor. Nessas conversas, mais do que falar, o propósito era

ouvir. Escutar o que as pessoas tinham a dizer delas e do lugar onde vivem.

Dessa forma, seria feito um registro da história oral do setor e das vozes dos

moradores, num projeto que já caminhava para fugir das práticas da redação diária – com

poucas fontes e um relato apressado. Contudo, a ideia foi ganhando contornos nítidos. O

projeto se tornou, então, um livro-reportagem sobre o lado bom do Sol Nascente, a fim de

levantar reflexões de que esse lugar pode ser bem diferente daquilo que se fala ou se imagina.

Pode ser bem diferente até do que é publicado pela grande mídia. E aí entra uma breve

análise de conteúdo, que se baseia em notícias do Correio Braziliense – dentro de uma

amostra selecionada – e atribui uma conotação a cada uma delas: positiva, negativa ou neutra.

10

Essa análise busca verificar se os textos que falam do Sol Nascente são quase sempre rasos ou

limitados a falar de aspectos negativos, além de, possivelmente, reforçar a importância de

trabalhos que falem de coisas boas.

No livro-reportagem, couberam diversas questões positivas. Entre elas, um espaço

gostoso de lazer, iniciativas sociais relacionadas à educação ou ao esporte, práticas de rua e

gente. Gente que faz de tudo para ter uma comunidade melhor. Pessoas que levantam cedo,

arrumam a casa e depois abrem a porta para os vizinhos; jovens que levam experiências

culturais e fazem do chão um palco de ideias; e gente só que quer oferecer um pouco de

diversão e sossego para quem mora nas redondezas.

Todas essas questões foram relatadas, da forma mais humanizada possível, no decorrer

de seis capítulos. Assim como acontece nos jornais, os capítulos são divididos de acordo com

editorias, para que o leitor possa encontrar uma variedade de assuntos em um só espaço, além

de ter uma visão geral das coisas boas. As editorias abrigadas foram lazer, meio ambiente,

educação, cultura, comércio e esporte. Cada uma carrega uma história.

Mesmo tratando das boas práticas e das iniciativas bem-sucedidas, o livro não deixou

de falar dos problemas. No primeiro capítulo, que convida o leitor a conhecer um rancho

chamado “Preguiça”, não se esqueceu do caminho que leva até lá, que lembra uma estrada de

rali. Também se abordou a dificuldade para ir de ônibus, pois o transporte público demora a

passar e o último ponto fica a uns 600m da entrada. Assim, se pretende contar as histórias sem

esquecer por completo do lado ruim, que existe em qualquer outro lugar.

O resultado disso tudo, principalmente da inquietação com o noticiário, é o livro Toda

luz que não queremos ver (ANJOS, 2016). Um texto que busca trazer um conteúdo diferente

e, se possível, estimular um olhar mais generoso acerca do setor.

11

2 PROBLEMA DE PESQUISA

A principal inquietação que deu origem a este produto foi o fato de que, nas páginas

dos grandes jornais de Brasília, quase não há espaço para a comunidade do Sol Nascente. Nas

raras ocasiões em que a favela vira notícia, o conteúdo é quase sempre raso ou limitado a falar

de aspectos negativos, como a violência, a falta de infraestrutura urbana ou qualquer outra

mazela social.

Uma cobertura diferenciada sobre o Sol Nascente costuma ser oferecida por meios de

comunicação alternativos, a exemplo das mídias comunitárias. Aqui, se encaixam o blog Sol

Nascente Hoje1, sob responsabilidade do jornalista e líder comunitário Carlos Botani; a rádio

web Sol Nascente Melhor2, dirigida por Mário Lima; e, em menor grau, o Diário de

Ceilândia3, que tem como jornalista responsável Douglas Protázio. Todos eles trazem muitas

matérias que não foram veiculadas nas mídias tradicionais e, por vezes, contam com uma

variedade de vozes.

As universidades também já produziram conteúdos diferenciados. Na Faculdade de

Comunicação da UnB, a edição 16 da revista Campus Repórter, de julho de 2015, publicou

um material sobre o “lado b” da desocupação do Condomínio Nova Jerusalém – uma espécie

de extensão do Sol Nascente. Para tanto, os autores Lucas Ludgero e Vitor Sales conversaram

com aqueles que pouco puderam falar: as pessoas que foram retiradas.

E na Universidade Católica de Brasília, o jornal Artefato, ano 13, nº 44, de junho de

2012, tratou do esquecimento dessa comunidade. Os autores Mariana Alvarenga e Augusto

Soares conversaram com moradores, comerciantes e autoridades.

Por último, o Programa Jovem de Expressão5, que reúne jovens de diversas cidades

através da dança e da produção audiovisual, produziu um documentário intitulado O sol

nasceu para todos, em parceria com a Rede Urbana de Ações Socioculturais. Nele, são

retratadas histórias de moradores antigos e de quem ajuda a fazer a diferença na comunidade,

seja uma pessoa que pratica coisas boas no seu dia a dia ou alguém que compartilha

conhecimento e educação com as crianças pequenas.

1 Disponível em: <https://solnascentehoje.blogspot.com.br>. Acesso em: 17 ago. 2016. 2 Disponível em: <http://www.solnascentemelhor.com.br/>. Acesso em: 17 ago. 2016. 3 Disponível em: <http://www.diariodeceilandia.com.br/>. Acesso em: 17 ago. 2016. 4 Disponível em: <https://issuu.com/jornalartefato/docs/4artefato_junho_2012_final_impressao1__1_>. Acesso

em: 30 set. 2016. 5 Disponível em: <http://www.jovemdeexpressao.com.br/>. Acesso em: 19 ago. 2016.

12

Nesse sentido, ficou claro que existem pautas positivas no Sol Nascente. Mais que

isso, elas já estão sendo produzidas, embora nem sempre tenham um grande alcance por

serem priorizadas apenas pelas mídias alternativas. Assim, há sempre espaço para quem quer

conhecer o lugar de perto e produzir outros materiais, que fujam da rotina “cadeira e

computador” e que possam sugerir um outro olhar sobre a comunidade, como é a proposta

deste projeto.

Surgiram então algumas questões que se procurou responder:

Onde estão as iniciativas de sucesso do Sol Nascente?

E os lugares bem-sucedidos? As práticas exitosas?

Existe lado positivo no lazer, no meio ambiente, na educação, na cultura ou no

esporte?

Quem são as pessoas que já têm projetos fortes e consolidados?

Quem são os moradores que se beneficiam dessas ações?

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3 JUSTIFICATIVA

3.1 Do tema

O interesse pelo tema se deve, em boa parte, à necessidade de superar essa cobertura

rasa e limitada sobre o Sol Nascente, bem como contribuir para a construção de um olhar

diferenciado, mais humano. Na verdade, a maioria dos moradores de Brasília não conhece o

setor. Nunca esteve lá e nem sabe das coisas boas. O único contato que tiveram foi através dos

jornais, que, muitas vezes, ajudam a reforçar uma imagem negativa por meio de relatos de

violência, por exemplo, crimes e tráficos de drogas.

Desse modo, torna-se imprescindível a produção de conteúdos positivos. Em uma

breve pesquisa na ferramenta de busca Google, com a palavra-chave “sol nascente”

acompanhada de “lado bom” ou “positivo”, não foi encontrado nada semelhante. Há apenas

notícias acerca do documentário O sol nasceu para todos – que abrange um pouco disso,

reportagens de assuntos bastante específicos ou matérias que nem boas são, referentes à

derrubadas, construções fora de controle ou prejuízos das chuvas. Então, o produto se baseia

em uma proposta nova, principalmente se considerado o meio acadêmico e o formato de livro.

Outro motivo para a realização do projeto é a possibilidade de exercitar um jornalismo

mais humanizado, voltado para o social. Ou seja, falar com as pessoas e realmente ouvi-las.

Escutar aquilo que elas mais querem dizer, contudo, têm dificuldades para expressar e nem

sempre encontram oportunidade. Além de interpretar o silêncio, saber explorar ambientes e

perceber emoções e, acima de tudo, contar histórias de vida.

3.2 Do formato

O produto foi pensado como livro-reportagem devido às possibilidades que esse

formato oferece. É possível escrever muito, se utilizar da divisão de capítulos para bem

estruturar o material e fazer um registro completo, diferente de tudo o que se tem visto sobre o

14

Sol Nascente. Já nas reportagens ou grandes reportagens, o conteúdo acaba ficando mais

limitado, embora o último contemple um tamanho maior de texto.

A estrutura completa e cheia de possibilidades é justamente o que Eduardo Belo

chama atenção em Livro-reportagem, quando diz que a “forma, conteúdo e, em especial,

dimensão consistem no conjunto de características que diferencia o jornalismo em livro do

praticado em outros meios” (2006, p. 41).

Cabe destacar, ainda, que o tema se adequa bem à proposta do livro-reportagem de

abordar assuntos aperiódicos, que não têm tanta urgência em serem publicados. São assuntos

que podem ser apurados com maior profundidade, muitas vezes por meses, depois escritos,

revisados, editados, talvez complementados. Tudo no seu tempo, sem tanta pressa como

acontece nas publicações de jornais ou revistas.

O formato favorece, também, uma certa liberdade de escrita, não vista com tanta

frequência em outros meios. Geralmente, esse tipo de livro permite que se use uma linguagem

literária, com descrição detalhada de personagens, espaços e experiências, a fim de mergulhar

o leitor na história. Pode permitir até o uso de certos jeitos de falar ou adjetivos, quando

necessário, desde que faça sentido para toda a construção textual. No entanto, é preciso

cuidado para não se apropriar de uma realidade na qual o autor não está de fato inserido.

Ademais, o livro-reportagem é o suporte ideal para relatos que venham acompanhados

por um bom número de fotos. No caso desse produto, foi uma preocupação desde o início que

o texto estivesse ilustrado, afinal, muitas pessoas não conhecem o setor e as histórias tratam

de gente. Gente que merece ser vista.

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4 OBJETIVOS

O produto tem por objetivo geral contar, em um livro-reportagem, histórias sobre o

lado bom do Sol Nascente. Fatos que nunca apareceram na grande mídia e histórias de gente

que faz de tudo para transformar a realidade. Querem melhorar a vida dos moradores por

meio do lazer, da preservação ambiental, da educação, do comércio de rua, da cultura e do

esporte.

Além disso, no que tange aos objetivos específicos, o livro-reportagem pretende tratar

do assunto de maneira aprofundada e humanizada, diferente dos meios comerciais. Em geral,

os grandes veículos fornecem visões burocráticas acerca de temas sociais, não se preocupando

tanto com a relevância das informações. Fazem, muitas vezes, apurações superficiais e

beneficiam especialistas no lugar de bons personagens. Assim, a intenção do trabalho é

aproveitar do espaço para experimentar.

Essa experimentação abrange, além da possibilidade de uma abordagem mais humana,

o exercício de narrar acontecimentos com um pouco de apego a questões esquecidas, como a

descrição de pessoas, espaços e trejeitos. Tem-se por objetivo, também, levantar reflexões de

que o Sol Nascente pode ser um lugar bom e tranquilo – diferente do que se imagina de um

setor que é considerado favela.

O produto busca, ainda, fazer uma breve análise de conteúdo de notícias impressas. A

ideia é verificar se os textos que tratam do setor são mesmo quase sempre rasos ou limitados a

falar de aspectos negativos. Dessa forma, se as notícias positivas fossem escassas – ou se os

textos com conotação negativa prevalecessem em relação aos demais – a importância do

livro-reportagem seria reforçada.

Então, o projeto não tenta dizer se esse tipo de ocupação é certo ou errado, boa ou

ruim. Apenas apresenta ao leitor o resultado de uma apuração a partir de um outro olhar, a fim

de que ele tire suas próprias conclusões. E esforça-se para que o morador da comunidade se

identifique verdadeiramente com o texto, se encontrando por meio das linhas.

Por fim, espera-se que o material possa servir de apoio a estudos e, futuramente, que

se encontre a melhor maneira de divulgação.

16

5 REFERENCIAL TEÓRICO

5.1 Contextualização do Sol Nascente

Localizado em Ceilândia, entre os Setores “P” Sul, “P” Norte e Quadras QNQ, o Sol

Nascente abrange mais de 16 mil metros quadrados. O setor convive com problemas como a

falta de saneamento, a violência urbana e a marginalidade social, bem como a grilagem de

terras públicas e do medo de remoção. Mas nem sempre foi assim.

No início, a região era formada por várias chácaras, que tiveram o terreno concedido a

produtores de frutas e verduras. Contudo, a área foi fracionada de forma irregular a partir da

década de 1990 e teve o processo intensificado em 2000. Montezuma (2014) afirma que, além

do parcelamento e da venda de terrenos, carroceiros que usavam um curral comunitário para

guardar carroças e cavalos “começaram a construir barracos nesse local”.

Mais tarde, em uma tentativa de regularizar a área, o governo criou o Setor

Habitacional Sol Nascente. Por meio da Lei Complementar nº 785, de 14 de novembro de

2008, determinou que se considerasse o local de interesse público, bem como fosse

implementado um parque ou unidade de conservação. Assim, seria proposto um projeto

urbanístico que observasse alguns critérios, a exemplo da ocupação do solo, das restrições

físico-ambientais e de outras medidas voltadas ao meio ambiente. No entanto, a ocupação já

estava criada.

O lugar ganhou fama depois de ser considerado uma das maiores favelas do país.

Conforme estudo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com

base no Censo 2010 – o último da série, o Sol Nascente possuía 56.483 moradores e seria a

segunda maior ocupação do país, perdendo apenas para a Rocinha, que somava 69.161

habitantes. As outras três comunidades mais populosas eram Rio das Pedras, no Rio de

Janeiro; Coroadinho, no Maranhão; e Baixadas da Estrada Nova Jurunas, no Pará.

Já em 2013, a Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios (PDAD), elaborada pela

Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan), colocou em prática um novo

levantamento. Pela primeira vez, os Setores Sol Nascente e Pôr do Sol6 foram estudados

6 Os dois Setores foram estudados como se constituíssem uma mesma Região Administrativa. Cabe destacar que,

assim como o Sol Nascente, o Pôr do Sol começou como uma ocupação desordenada na década de 1990 que se

consolidou nos anos 2000.

17

isoladamente do resto de Ceilândia e, juntos, possuíam o total de 78.912 moradores. O

número representou um crescimento em relação a 2010 e, na falta de pesquisas atuais, deu ao

Sol Nascente o título de maior favela da América Latina.

A notoriedade veio em grande parte dos jornais, que publicaram notícias como “Maior

favela da América Latina: Sol Nascente toma posto da Rocinha”, do Correio Braziliense,

datada de 28 de setembro de 2013; e “Sol Nascente se torna a maior favela da América

Latina”, do Jornal de Brasília, divulgada no mesmo dia. As matérias tomaram as páginas não

só de jornais impressos, mas também portais de portais como o R7, da Record.

Mesmo sem dados recentes, conversas com líderes comunitários, como o prefeito do

Trecho 1, Pedro Barros7, mostram que, em 2016, a situação pode ser ainda pior do que os

estudos revelam. De acordo com esses líderes, o setor é habitado por mais de 110 mil pessoas.

Todas elas moram ao longo de três trechos. Conforme dados do governo, divulgados

pela Agência de Fiscalização do Distrito Federal (Agefis) em 2015, duas dessas áreas se

encontram em processo de regularização – o Trecho 1 e o Trecho 2. O Trecho 3 não entrou na

lista e nunca foi regularizado.

A população não tem infraestrutura e sofre pela falta ou ineficiência de serviços

públicos de saúde, saneamento básico, educação, coleta de lixo e segurança. Os moradores

também não contam com transporte público de qualidade e, por vezes, precisam andar

bastante para chegar aos pontos de ônibus mais próximos.

Deve-se ressaltar que o Sol Nascente não é o único lugar considerado favela no

Distrito Federal, porém, chama atenção por estar localizado a 34 quilômetros do centro de

Brasília. Conforme o mesmo estudo do IBGE, o Distrito Federal contava, em 2010, com 36

loteamentos. Entre eles, o maior número de domicílios era do próprio Sol Nascente (15.737),

seguido da Vila Estrutural (5.823), do Pôr do Sol (2.084) e do Condomínio Porto Rico

(1.926).

Além do volume populacional, o que faz com que a região seja considerada uma das

maiores favelas do país – ora a maior favela da América Latina – não é a renda, mas a falta de

infraestrutura. Um dos principais problemas é o esgoto a céu aberto.

5.1.1 Números

7 O prefeito Pedro Barros e a vice-prefeita Marieta Soares, ambos moradores do Trecho 1, foram eleitos para o

período de 2015/2019.

18

Segundo a pesquisa da Codeplan, os Setores Sol Nascente e Pôr do Sol tinham, em

2013, mais de 20.686 mil domicílios. Considerando que a população era estimada em 78.912

habitantes, a média de moradores por domicílio era de 3,81 pessoas. À época, 95,48% das

construções eram permanentes e 4,44% estavam em construção.

Cabe destacar, ainda, que 99,47% dos domicílios eram casas e o restante, barracos,

cômodos e quitinetes. Uma das primeiras moradoras do Condomínio Gênesis e coordenadora

do projeto Despertar Sabedoria, Margarida Milech, acabou explicando a situação durante uma

entrevista. Ela contou que, no início do setor, havia um cuidado muito grande para que a área

“não ficasse parecendo uma favela”8. Então, as pessoas eram orientadas a construir casas,

mesmo que aos poucos, ao invés de barracos.

Dentre os domicílios, observou-se que 63, 29% utilizavam algum tipo de filtro e

somente 4,64% consumiam água mineral. A maior frequência era dos filtros de barro

(44,40%). Vale observar que 32,07% não possuíam qualquer tipo de filtro, o que é

considerado um fato preocupante para a saúde dessa população.

Outro dado interessante da pesquisa é que, nos domicílios dessa região, 55,85%

contavam com serviços de coleta de lixo, 30,37% utilizavam outros destinos e 13,58% são

jogados em locais impróprios. E apenas entre 3% e 9% dos domicílios dos domicílios tinham

acesso a ruas asfaltadas, calçadas e meios-fios.

Nos últimos anos, a situação melhorou. Mas quem anda pelo Sol Nascente continua a

encontrar bastante chão batido, poeira e falta de infraestrutura. Um dos assuntos preferidos

das notícias.

5.2 Análise de notícias

Na intenção de verificar se as matérias que tratam do Sol Nascente são mesmo quase

sempre raras ou limitadas a falar de aspectos negativos, decidimos fazer uma breve análise de

notícias. O jornal escolhido foi o Correio Braziliense, por se tratar do principal meio de

comunicação impresso do Distrito Federal. Conforme a página da empresa9 ele detém a maior

8 A fala de Margarida durante a entrevista, bem como de outros moradores, mostra que nem toda a comunidade

se identifica com o conceito de favela comumente utilizado pela grande mídia. 9 Disponível em: <http://www.diariosassociados.com.br/home/veiculos.php?co_veiculo=25>. Acesso em: 20 set.

2016.

19

circulação, com uma média de 57 mil exemplares de segunda a domingo, e é o mais influente

do DF e do Entorno – região formada por municípios como Valparaíso.

Já o período escolhido foram os últimos cinco anos, de 2011 a 2015, a fim de termos

alguma segurança do padrão seguido pelo jornal. Como isso abrange mais de 1.800 dias, um

volume enorme, optamos por utilizar dois critérios de seleção das notícias. Fazer um sorteio

aleatório de uma amostra representativa com 600 datas, além de ver as capas das edições

sorteadas e conferir se traziam matérias do sobre o Sol Nascente.

Se o nome do setor estivesse entre os assuntos de capa, se abriria o jornal e a notícia

teria de ser separada. Caso não estivesse, a edição seria descartada. O sorteio foi realizado no

software de planilha Excel e todo o processo aconteceu no Centro de Documentação do

Correio Braziliense, conhecido como D.A Press. Ao final, foram encontradas sete capas que

têm o setor como um dos assuntos, ou seja, sete matérias. Cabe ressaltar que a escolha de

jornal impresso se deve à vontade de dialogar com o produto, um livro impresso.

As notícias objeto da análise são: Legalizados dois parcelamentos; de 7 de dezembro

de 2011; Capital da segunda maior favela do país, de 22 de dezembro de 2011; O mapa das

favelas, de 9 de janeiro de 2012; DF a um passo de ter a maior favela latina, de 8 de maio de

2013; Romaria por uma graça; de 9 de maio de 2013; Comércio em torno da fé; de 10 de

maio de 2013; e Resistência no Sol Nascente, de 6 de fevereiro de 2013.

Para a pesquisa, adotamos como método a Análise de Conteúdo (AC). Segundo Bardin

(2007), esse é um conjunto de técnicas de análise das comunicações que abriga não um só

instrumento, mas um “leque de apetrechos”. E funciona de acordo com procedimentos

“sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens”. O autor observa ainda

que:

O analista é como um arqueólogo. Trabalha com vestígios: os documentos que pode

descobrir ou suscitar. Mas os vestígios são a manifestação de estados, de dados e de

fenômenos. Há qualquer coisa para descobrir por e graças a eles. Tal como a

etnografia necessita da etnologia, para interpretar as suas descrições minuciosas, o

analista tira partido do tratamento das mensagens que manipula. (BARDIN, 2007,

p.39)

Dessa forma, para saber se as matérias são predominantemente negativas, positivas ou

neutras, utilizei do tratamento das mensagens – ou melhor, dos vestígios. Os dois

procedimentos adotados foram análise dos adjetivos, visto que é uma categoria de palavras

importante e que a adjetivação frequente torna o texto subjetivo e opinativo; e análise de

fotos, porque as imagens fazem aparecer valores implícitos.

20

5.2.1 Adjetivos

Na análise dos adjetivos presentes nos textos do Correio Braziliense, dentro do

universo estudado, verifiquei que esse tipo de palavra pode ser comum quando o assunto é Sol

Nascente. Nas sete notícias, foram encontrados 78 adjetivos, sendo distribuídos da forma

como mostra a tabela abaixo:

Tabela 1

Matéria

Legalizados

dois

parcelamentos

Capital da

segunda maior

favela do país

O mapa das

favelas

DF a um

passo de ter

a maior favela

Romaria por

uma graça

Comércio em

torno da fé

Resistência

no Sol

Nascente

Adjetivos 4 7 23 25 9 6 4

Adjetivos utilizados nas notícias do Correio Braziliense, por data

Assim, o primeiro aspecto que observei foi que as duas matérias mais adjetivadas

trazem consigo a questão da favela – de modo marcante. Falam do cenário, apresentam dados

e se cercam de termos que atribuem uma qualidade ou característica. Na leitura dos textos,

acontecia bastante de encontrar adjetivos mais negativos como “carente”, “esburacado”,

“desordenado” “pobre”, “irregular” e “populoso”.

As notícias que têm maior incidência de adjetivos diferentes, que fogem a esses, são

duas acerca de um suposto milagre, Romaria por uma graça e Comércio em torno da fé. Elas

falam de uma árvore “retorcida”, de uma escadaria “estreita” e de uma “pequena” capela,

coisas que não atribuem características tão diretamente ao setor.

Uma das matérias com menos adjetivos, Legalizados dois parcelamentos, dá maior

destaque ao outro parcelamento – uma região destinada à classe média, chamada setor Alto da

Boa Vista. Na verdade, chega a se assemelhar a um release, pois é burocrática e cheia de

fontes do governo comentando a legalização. O Sol Nascente só é citado nos dois primeiros

parágrafos, enquanto os quatro últimos são destinados ao Alto da Boa Vista. A outra notícia,

Resistência no Sol Nascente, fala de um acontecimento específico, talvez por isso não

carregue tantos termos qualitativos.

Observei ainda que, em alguns casos, as frases traziam um adjetivo seguido do outro.

Numa espécie de ênfase de características que, grande parte das vezes, têm conotação ruim.

Um exemplo disso está na matéria O mapa das favelas, que fala de “conter o surgimento de

novos loteamentos irregulares e miseráveis” e dos “barracos ou casas, dispostas de forma

desordenada e densa” (grifos meus). A leitura disso pode levar a pessoa a imaginar que os

21

loteamentos são sempre miseráveis e que todas as casas foram construídas de modo

desordenado e denso, mas existem exceções.

Situação parecida aparece na notícia DF a um passo de ter a maior favela latina. O

texto fala que “o lugar, (antes) tranquilo, tornou-se palco de crimes de toda ordem” (grifo

meu). A leitura desse trecho pode fazer com que a pessoa pense que ali já não existe

tranquilidade nenhuma. O que é bem diferente do que o entrevistado Daniel Costa, citado no

livro, disse. Segundo o jovem, quem é honesto e trabalhador consegue levar uma vida

tranquila.

Diante disso, tentei atribuir um valor negativo, positivo ou neutro para as matérias –

pensando no conteúdo que trazem sobre o Sol Nascente. A primeira da tabela 1, que trata da

legalização, tende a ser neutra, pois tem poucos adjetivos e é burocrática; e as três seguintes,

que carregam no título “favela”, são inclinadas para o valor negativo, porque têm bastante

adjetivos como “carente” e “pobre”.

As duas que vêm depois, sobre o suposto milagre, tendem a ser neutras, pois contam

com adjetivos que não caracterizam o setor diretamente; e a última, acerca da resistência às

desocupações, tente a ser negativa, porque, apesar de pouco adjetivada, o termo “irregular” e

uma variação foram usados três vezes para atribuir característica a alguma palavra.

Por fim, ficaram quatro notícias negativas e três neutras. Nenhuma positiva.

5.2.2 Fotografias

Além dos adjetivos, a análise do conteúdo de uma foto também diz muito sobre a

matéria e, por vezes, chama mais atenção que o texto. Desse modo, consideramos importante

analisar os elementos presentes nas imagens. Todas as sete notícias são ilustradas, em alguns

casos com mais de uma foto.

A primeira matéria da tabela 1, sobre a legalização, é acompanhada de uma foto do

Alto da Boa Vista. Não diz nada sobre o Sol Nascente, sendo considerada neutra. A próxima,

Capital da segunda maior favela do país, é estampada pela imagem a seguir:

22

Foto 1: João de Morais aponta a segurança como um dos problemas do Sol Nascente

Fonte: Iano Andrade/CB/D.A Press

Na imagem, os braços cruzados do morador João de Morais não deixam dúvidas de

que ele está insatisfeito com a situação. E o chão de terra batida, a sujeira descartada de

qualquer maneira e os desníveis reforçam a mensagem de que a situação não está boa. Então,

o registro é tido como negativo. As análises de texto e de imagem chegaram ao mesmo

resultado, assim como aconteceu na notícia acima.

A terceira matéria, O mapa das favelas, tem na foto principal um cenário formado por

terra batida, algumas pessoas andando e um cachorro de rua em destaque. A cena também não

é agradável, por isso, tende a ser negativa. Mais uma vez, análise de texto e de ilustração

levaram ao mesmo valor.

Na quarta notícia, DF a um passo de ter a maior favela, estampada pelo registro

abaixo, o diálogo entre texto e imagem volta a se repetir:

Foto 2: Vista geral do Sol Nascente

Fonte: Ronaldo de Oliveira/CB/D.A Press

A imagem apresenta um monte de casas próximas umas das outras, todas mal-

acabadas e de telhas finas. A natureza, presente em poucas árvores no meio das casas, parece

“sufocada” pelas construções. Nesse contexto, a mensagem que a foto transmite é negativa.

23

As matérias do suposto milagre, Romaria por uma graça e Comércio em torno da fé,

são acompanhados por imagens de fé, como pessoas colhendo líquidos ditos milagrosos e

venda de artigos religiosos. As fotos não dizem muito sobre o setor em si, nem representam

algo especificamente bom ou ruim. Por isso, tendem a ser neutras.

A última notícia da análise, Resistência no Sol Nascente, é ilustrada por uma foto de

homens mascarados em cima e ao redor de um caminhão. Alguns deles fazem sinais que

imitam armas. Esse registro é um tanto pesado e transmite uma impressão ruim, sendo

considerado negativo. Cabe mencionar, ainda, que todas as análises de imagem dialogaram

com as análises de texto. Ou seja, novamente foram quatro matérias negativas, três neutras e

nenhuma positiva.

5.3 Notícia e reportagem

Independentemente da valoração do conteúdo, notícias como essas são fundamentais

para organizar a sociedade. Elas mantêm as pessoas informadas, fazem com que alguns

possam programar o seu dia a dia e tornam possível a outros “conhecer” lugares estranhos,

que nem imaginavam existir. As notícias seriam os olhos e os ouvidos de quem não pôde ou

não quis acompanhar o acontecimento de perto, mas tem interesse em saber do assunto.

Thaïs de Mendonça Jorge (2008) traz uma série de conceitos de notícia. Dentre eles, a

noção de que “notícia é o novo, a novidade: mas nem só o novo é notícia” e de que “notícia é

um acontecimento, mas nem todo acontecimento é notícia. Eventos contínuos geralmente

perdem o interesse” (JORGE, 2008, p. 23 e 24).

No primeiro conceito, a autora diz que os acontecimentos frios, aqueles já existem há

um tempo, podem virar notícia. É o caso das matérias de curiosidade, por exemplo, que às

vezes mostram algo até velho, mas surpreendente. Também é o caso do livro Toda luz que

não queremos ver. As histórias não são novas. Algumas existem há mais de dez anos, mas,

por não terem grande destaque na mídia, foram escolhidas.

O segundo conceito aborda a questão de que nem todo acontecimento interessa como

notícia. Um roubo avulso, no mercado da esquina, dificilmente vai aparecer no jornal. Porém,

uma onda de roubos no comércio local tem grandes chances.

Lage (2010) traz outra definição interessante. De acordo com o autor, a notícia se

define, no jornalismo moderno, como “o relato de uma série de fatos, a partir do aspecto mais

24

importante ou interessante [...] não se trata exatamente de narrar os acontecimentos, mas de

expô-los” (LAGE, 2010, p. 18).

Lage reflete ainda sobre narrativa:

A narrativa é gênero literário de tradição assentada no épico. Sua

espinha dorsal é a organização dos eventos em sequências. Em cada

uma delas, o primeiro evento antecede o segundo, o segundo o

terceiro, e assim por diante. Isso significa que, dentro da sequência, os

fatos seriam registrados na mesma ordem em que teriam ocorrido, no

tempo (LAGE, 2010, p. 18).

Ao dizer que não se trata exatamente de narrar, e inclusive definir o que é narrativa, o

autor deixa claro que o processo da notícia é diferente. Nela, os casos não são contados do

começo para o fim, e sim por ordem decrescente de importância ou interesse.

As histórias que não cabem em notícias – geralmente curtas, de uma página – são

pensadas para ser reportagem. Esse gênero de texto costuma abrigar um relato maior e mais

detalhado, com variedade de vozes e um aprofundamento das questões importantes. Lage

distingue a notícia da reportagem. Segundo o autor, para as notícias, as pautas são “apenas

indicações de fatos programados, da continuação (suíte) de eventos e dos quais se espera

desdobramento” (LAGE, 2010, p. 55).

Já as reportagens devem ter outro nível de planejamento. Na visão de Lage, os

assuntos estão sempre disponíveis e podem ser ou não atualizados por um acontecimento. O

estilo de reportagem é menos rígido e varia com o veículo, o público e o assunto (2010, p.

55). Esse foi um dos motivos pelos quais escolhi fazer uma reportagem.

As histórias do produto não seguem ordem decrescente de importância. Pelo contrário,

algumas começam com descrições aprofundadas do espaço, o que dificilmente acontece em

uma notícia comum. Falam do chão, das cores, das paredes, de tudo um pouco. Há, ainda,

aquelas que deixam o melhor para o final. É o que acontece no capítulo 6, no qual o

personagem que conseguiu transformar sua vida através do esporte ficou para as últimas

linhas.

Outro conjunto de questões diz respeito à linguagem. Lage observa que, em certos

casos, é admissível que o repórter conte o que viu na primeira pessoa. “A linguagem também

é mais livre: os “novos jornalistas americanos” (Jimmy Breslin, Norman Mailler, Truman

Capote, Tom Wolf) propuseram, no pós-Segunda Guerra Mundial, adotar técnicas literárias

para abordagem mais humana e reveladora da realidade” (2010, p. 55).

25

O trecho acima retrata a proposta que adotei no produto, ou seja, buscar uma

aproximação com a literatura para que a abordagem fosse humanizada. Ademais, há sete

passagens em primeira pessoa que chegam a clarear o processo de apuração.

5.3.1 O livro-reportagem

Essa linguagem próxima da literatura, ou até mesmo mergulhada nela, é muito comum

no livro-reportagem. O formato é cheio de possibilidades e torna possível um aprofundamento

do tema e uma riqueza de detalhes. São descritos personagens, experiências, sentimentos,

trejeitos. Tudo a fim de humanizar o relato e envolver o leitor. O jornalismo em livro também

favorece uma certa liberdade de escrita, não vista com tanta frequência nos outros meios.

Eduardo Belo (2006) apresenta um conceito do formato:

[...] é possível dizer que livro-reportagem é um instrumento aperiódico

de difusão de informações de caráter jornalístico. Por suas

características, não substitui nenhum meio de comunicação, mas serve

como complemento a todos. É o veículo no qual se pode reunir a

maior massa de informação organizada e contextualizada sobre um

assunto e representa, também, a mídia mais rica – com a exceção

possível do documentário audiovisual – em possibilidades para a

experimentação, uso da técnica jornalística, aprofundamento da

abordagem e construção da narrativa. (BELO, 2006, p. 41)

Os elementos que se destacam na abordagem de Belo, no que diz respeito ao produto,

são a possibilidade de reunir a maior massa de informação organizada e o fato de ser a mídia

mais rica em possibilidades para a experimentação. Desde o começo, um dos interesses do

projeto era justamente experimentar. Narrar os acontecimentos com um pouco de apego a

questões esquecidas, como os detalhes e as sutilezas. Assim, nada melhor que um formato que

reúna tanta informação.

Belo observa ainda que “a cobertura da imprensa, de modo geral – do noticiário local à

política, do esporte à economia – tem se tornado cada vez mais burocrática e superficial,

obrigando os profissionais interessados na reportagem a procurar caminhos alternativos”

(BELO, 2006, p. 14).

Tal observação reforça uma das colocações iniciais do produto, segundo a qual os

grandes veículos fornecem visões burocráticas ou rasas acerca de temas sociais, não se

26

preocupando tanto com a relevância das informações. Então, torna a se mostrar válida a

proposta de Toda luz que não queremos ver de fazer diferente.

Conjugada a essa perspectiva encontrei, também, a abordagem de Edvaldo Pereira

Lima (2004). Para o autor, o livro-reportagem preenche o vazio deixado pelas publicações

periódicas. “Trata-se da questão da superficialidade e do extremo oportunismo com que se

apresenta o trabalho da imprensa cotidiana. Atrelada ao fato em ocorrência, a imprensa luta

contra o relógio” (LIMA, 2004, p 32).

Vale ressaltar outra observação de Lima. De acordo com o autor, o livro é muitas

vezes fruto da inquietude do jornalista que tem algo a dizer e não encontra espaço no âmbito

de trabalho. Ou é fruto da vontade de realizar um trabalho que lhe permita utilizar todo o seu

potencial de “construtor de narrativas da realidade” (2004, p. 33 e 34).

5.4 Linguagem: jornalismo literário

Na escrita do produto, a ideia era meaproximar o tanto quanto fosse possível de todo

esse potencial narrativo. Melhor dizendo, me aproximar do jornalismo literário. Descrever

detalhes, nuances, facetas. Tudo aquilo que não havia sido falado, mas foi sentido. Além de

tentar escutar as pessoas de verdade e fazer descobertas aprofundadas dos lugares, buscando

permitir ao leitor que tenha uma experiência semelhante.

O jornalismo literário ou Novo Jornalismo – que aparece nas considerações de Lage

sobre reportagem (2010) – nasceu na década de 60, nos Estados Unidos. Resumidamente, é

um estilo de escrever reportagens com o uso de técnicas literárias. E representa uma ruptura

com a técnica da pirâmide invertida10 e do lead, em que as perguntas tidas como principais, “o

quê”, “quem”, “quando”, “por quê”, “onde” e “como” são respondidas logo no primeiro

parágrafo.

Pesquisador do assunto, Felipe Pena (2006) salienta que não se trata apenas de fugir

das amarras da redação ou de exercitar a veia literária em um livro-reportagem:

O conceito é muito mais amplo. Significa potencializar os recursos do Jornalismo,

ultrapassar os limites dos acontecimentos cotidianos, proporcionar visões amplas da

realidade, exercer plenamente a cidadania, romper as barreiras burocráticas do lead,

10 É uma técnica que traz como princípio a apresentação direta do conteúdo nos dois primeiros parágrafos. Ou

seja, expor as principais informações sobre o tema para que o leitor saiba logo de início o que vai encontrar ao

longo do texto.

27

evitar os definidores primários11 e, principalmente, garantir perenidade e

profundidade aos relatos. No dia seguinte, o texto deve servir para algo mais que

embrulhar o peixe na feira (PENA, 2006, p. 13).

O autor ainda se dedica a destrinchar cada um desses temas, no que chama de estrela

de sete pontas. A primeira se trata de não ignorar os aprendizados do jornalismo diário, nem

jogar fora as técnicas aprendidas. O ideal é desenvolvê-las de maneira a acabar constituindo

novas estratégias profissionais.

A segunda ponta sugerida por Pena (2006) recomenda ultrapassar os limites do

acontecimento cotidiano, romper a periodicidade e atualidade. Depois, vem contextualizar a

informação da forma mais abrangente possível, lembrando que nunca passará de uma

interpretação – um olhar. Já a quarta ponta diz que é preciso exercitar a cidadania, pensando

em como a abordagem pode contribuir para a formação do cidadão. Nesse aspecto, hei de

destacar a intenção do produto em oferecer um novo olhar, diferente do apresentado pela

mídia.

A quinta característica do jornalismo literário rompe com as correntes do lead e aplica

técnicas literárias de construção narrativa, enquanto a próxima trata de evitar os famosos

entrevistados de plantão. Aqueles sujeitos que ocupam algum cargo público. Por fim, a última

trata da perenidade e diz que uma obra baseada no jornalismo literário não pode ser efêmera

ou superficial. Todas as pontas da estrela foram lembradas no decorrer do processo de

construção do projeto.

11 Aqueles entrevistados que sempre falam para os jornais, como autoridades e especialistas famosos.

28

6 METODOLOGIA

6.1 A pauta

O Sol Nascente não me era um completo estranho. A primeira vez que ouvi falar do

setor – no sentido de “escutar de verdade” – foi em meados de 2013, quando assistia a uma

aula em outra instituição de ensino. A professora Maria Moraes, formada em Serviço Social e

Jornalismo e membro do corpo docente da Universidade Paulista (Unip), dedicou alguns

minutos para contar um pouco sobre o lugar. Segundo ela, uma comunidade carente que

precisava aparecer, ter a sua voz ouvida em meio a tanto esquecimento.

Mais tarde, próximo ao final do ano, o Sol Nascente ganhou as páginas dos jornais

locais. Acabara de sair a PDAD e a região havia sido considerada a maior favela da América

Latina. Um assunto amplamente divulgado pela mídia, que estampou o Correio Braziliense, o

Jornal de Brasília e alguns portais. Mesmo depois, apareceu em títulos de matérias como se

recente fosse, a exemplo do portal G1, que, em 21 de setembro de 2015, disponibilizou a

notícia Sol Nascente, no DF, tem a maior favela da América Latina, diz IBGE12.

A leitura daquelas matérias não me satisfez. Precisava saber mais sobre o lugar, o

modo de vida e quem eram as pessoas que moravam ali. Precisava ver de perto uma realidade

que me foi apresentada em poucas linhas e por meio de uma leitura aparentemente rasa, presa

à questão da favela. Foi aí que surgiu o primeiro contato, já em 2014, durante a disciplina de

rádio. Me dispus a fazer uma reportagem indo a campo e mapeando as dificuldades da

população.

E quantas dificuldades. Era falta de serviços de saúde, de um transporte público de

qualidade, de escolas próximas ou com vagas, de lazer, de cultura. Faltava de tudo. Então, fiz

a reportagem com foco em três aspectos que pareciam mais gritantes, nos problemas de saúde,

de transporte e de educação. Tudo com a voz do morador. Ainda assim, queria mergulhar no

Sol Nascente. Falar do que não tive oportunidade.

Em pré-projeto, no início de 2014, havia chegado a hora. Poderia escrever um livro-

reportagem que abrigasse a história dos moradores, principal voz a ser ouvida, além de

entrelaçar os relatos com a própria história do lugar. Teria a possibilidade, ainda, de fazer um

12 Cabe observar que, à época do título de maior favela, foi utilizado o levantamento do Censo 2010 e da PDAD

2013, sob a justificativa de faltarem estudos novos.

29

registro diferente. Falar disso de maneira profunda e humanizada, que foge ao padrão das

redações. E o melhor, em meio acadêmico, onde os trabalhos também são escassos.

6.2 Pré-apuração

Definida a pauta, era hora de ir a campo. Fui até lá e dei umas voltas de

reconhecimento, com atenção a todos os detalhes que pudessem ser úteis. Observei o chão, os

caminhos, a organização em três trechos, os comércios, pontos de ônibus, tudo que

futuramente pudesse ser útil. O transporte parecia não ter melhorado em nada, o setor é

grande e há muito o que percorrer. Mesmo de carro é difícil, pois há buracos e, na época de

chuva, a situação piora.

Um pouco ambientada, comecei a definir estratégias de aproximação. Pensei em três

maneiras principais: entrar em contato com líderes comunitários, que poderiam conversar

comigo e me acompanhar em alguns lugares; falar com pessoas na rua, de forma aleatória, até

descobrir bons personagens; e, bastante ligada à última opção, fazer mais passeios de

reconhecimento, tentando não só observar, mas entender a importância de certos espaços para

os moradores.

Tive uma longa conversa com o então prefeito comunitário do Trecho 1, Pedro Barros,

que me fez perceber aquilo a que haviam me alertado. Embora informativas, é preciso ter

cuidado com as lideranças comunitárias, pois, muitas vezes, há diversas questões políticas por

trás dos discursos. De qualquer forma, o contato foi válido, deu para colher boas informações.

Também consegui ouvi os primeiros moradores.

Já no início de 2016, começaria de vez o trabalho. Em um encontro de orientação,

decidimos recortar melhor o objeto. Virou uma grande reportagem, ou livro-reportagem –

dependendo do tamanho que o texto tomasse – sobre o lado bom do Sol Nascente. Se as

histórias de moradores do Sol Nascente já eram raras, as histórias positivas deviam ser ainda

mais escassas. Além disso, o produto deveria ser estruturado de acordo com editorias, da

mesma forma que acontece no jornal.

Logo voltei a campo e, em pouco tempo, conheci o Rancho Preguiça. Na verdade, já o

havia visto antes, mas, bem no início da manhã e escondido no final de uma estrada pouco

atrativa, passou um tanto despercebido. Foi necessária outra volta para ver que ali tinha um

30

espaço de lazer interessante. E cinco idas para ter a certeza de que se tratava de um lugar

importante para o setor, bem como uma opção para moradores de regiões próximas.

Depois decidi adiar o projeto. Existiam bastante compromissos que, somados a

questões pessoais, tornaram inviável a realização do produto. Tive de retomar no período de

férias do meio do ano, quando fui ao Rancho Preguiça ver se as informações de que dispunha

estavam valendo, consegui assistir ao documentário O sol nasceu para todos – uma referência

em certos aspectos – e voltei a andar pelo setor e conversar com alguns moradores.

As andanças e conversas foram essenciais para mapear onde estavam as coisas boas,

do que se tratavam e qual a importância que tinham para a população. De resto, coube a mim

fazer o primeiro contato, tentar ter certeza de que aquela era sim uma boa história e que valia

a pena entrar para o trabalho.

6.3 Seleção de boas histórias

Não parece, mas escolher boas histórias é uma tarefa difícil. Envolve, antes de tudo,

uma questão de justiça, sempre acompanhada das perguntas: essa história merece mesmo

entrar aqui? Qual o diferencial dela para outra, que trata do mesmo assunto? É uma coisa

consolidada? Tem mesmo impacto sobre a vida das pessoas? As respostas para essas e outras

perguntas que foram surgindo conseguiram orientar as escolhas.

Preocupei-me, ainda, com o tempo de vida da iniciativa. Não adiantava ter uma

proposta maravilhosa há um ou dois meses. Nem ter boas ações bastante espaçadas. Era

preciso se assegurar de que os espaços, projetos e rotinas tivessem um tempo razoável de

permanência. Se possível, mais que um ano. Afinal, essa seria a provável garantia de que o

produto está dialogando com algo acertado e pertinente.

O primeiro roteiro que alcancei foi:

Esporte – Real Show, um time que nasceu e treina no Sol Nascente, onde não tem

campo sintético; tinha um projeto de jiu-jitsu com crianças.

Meio ambiente – Economia Solidária, iniciativa que abraça artesanato e mulheres.

Casa da Natureza, projeto de conscientização ambiental com crianças.

Lazer – Rancho Preguiça, uma possibilidade de diversão dentro do setor.

31

Cultura – Batalha da Ideia, duelo de rap que pode promover a reflexão da plateia e o

crescimento pessoal.

Educação – Casa da Marieta e Despertar Sabedoria, dois projetos de educação e

reforço escolar com crianças.

Em seguida, cheguei à conclusão de que, mesmo dividindo em editorias, poderia

abordar uma só história de maneira aprofundada. Então, utilizando-me de alguns critérios,

foram excluídas as Casas da Marieta e da Natureza. A primeira porque é um projeto até

conhecido, já saiu em jornais e um dos interesses era buscar assuntos novos ou menos

conhecidos. A segunda porque é uma iniciativa relativamente nova, de maio de 2015, que

apenas começara a se consolidar.

Também foi retirado o time Real Show, pois o diretor do clube aceitou o primeiro

contato, conversou e ouviu a proposta. Dias depois, não respondia a nenhuma tentativa de

contato. Ademais, ao que parece, o Real Show já não abre inscrições há um tempo e está com

o projeto de jiu-jitsu parado, o que enfraquece a pauta.

Foi quando conheci o rapper Metralha, da Batalha da Ideia, que falou do Sol Nascente

Futebol Clube. A iniciativa criada por ele tem mais de 200 atletas. Devido ao número elevado

de inscritos, nem todos conseguem participar de tudo quanto é treino e campeonato, mas a

maioria encontrou no campo uma forma de ocupar a mente e de alimentar os sonhos. A partir

daí me propus a conhecer o projeto, conversei com alguns jogadores e vi que se encaixaria

bem ao trabalho.

A última pauta que surgiu foi a dos bazares. Desde as primeiras idas ao Sol Nascente,

percebi que essa é uma prática comum no setor. Aos fins de semana, toma conta das ruas, das

casas, de cada canto livre. E toma conta das boas iniciativas. Tanto a Economia Solidária

quanto o Despertar Sabedoria fazem bazares para arrecadar recursos. Aos poucos, percebi que

a prática ajuda aos vendedores, aos compradores – que economizam um monte – e faz parte

dos costumes dali. Por isso, decidi incluir um capítulo sobre lojas de rua.

Desse modo, o novo roteiro excluiu pautas e abrigou outras, ficando assim:

Lazer – Rancho Preguiça

Meio ambiente – Economia Solidária

Educação – Despertar Sabedoria

Comércio – Bazares de rua

Cultura – Batalha do rap

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Futebol – Sol Nascente Futebol Clube

6. 4 Apuração

Com as histórias finalmente definidas, dei continuidade à apuração, que havia sido

iniciada, por exemplo, no caso do Rancho Preguiça. E até mesmo em alguns projetos, pois a

aproximação já estava feita e as entrevistas foram iniciadas. Mas era hora de mergulhar nas

histórias, conhecer as nuances, acompanhar as atividades e observar tudo. Era hora também

de identificar as boas personagens.

Confesso que a apuração foi um momento complicado, que veio a começar um tanto

cedo – parte em março e a continuação a partir de julho – e terminar tarde, no final de

novembro. Porém, confesso ainda que estava apurando desde as primeiras idas ao Sol

Nascente, pois observava atenta as coisas que me apareciam, as pessoas com as quais

conversava e os espaços por onde andava. Nenhuma visita era em vão ou simplória.

A primeira apuração aconteceu mesmo no Rancho Preguiça. Fui até lá cinco vezes e,

na primeira, tive uma conversa demorada com o dono, José Goudim. Em todas as vezes,

Goudim me deixou livre. Não acompanhava meus passos e nem controlava com quem eu

falava. Isso foi bom para o trabalho fluir.

Na Economia Solidária, a apuração tranquila se repetiu. Desde o início, Marcílio

Sales, responsável pelo projeto, me recebeu bem. E as mulheres estavam livres para falar o

que quisessem numa conversa particular. Lá, quatro encontros foram o suficiente.

No Despertar Sabedoria também aconteceram quatro encontros mais uma tentativa

frustrada, pois a coordenadora da iniciativa, Margarida Milech, teve de sair e não conseguiu

avisar. Novamente, a apuração foi tranquila.

Já nos bazares, foram necessários somente dois dias percorrendo a rua. Em geral, as

motivações tanto para a venda quanto para a compra são semelhantes, então selecionei as

melhores histórias. Aquelas que tinham um diferencial no motivo, uma história de luta ou um

bazar melhor, mais completo. Posso dizer que o resto da apuração foi feito antes, nas

andanças pelo Sol Nascente.

Por fim, o que atrapalhou e estendeu a apuração foram, em parte, os projetos do

rapper, porque não era sempre que conseguia falar com ele e vivíamos a nos desencontrar.

33

Também ficaram faltando algumas informações para escrever e para revisar, o que me fez

“perder” um tempo voltando ao setor nos últimos dias.

6.5 Escrita

Assim como a apuração, a escrita foi um processo complicado, que começou

relativamente cedo e terminou tarde. O primeiro capítulo, do Rancho Preguiça, logo ficou

pronto. Mas os outros exigiram dedicação. Eram entrevistas grandes que tomavam tempo para

escutar as gravações.

Uma das preocupações era falar do lado bom sem esquecer das coisas ruins. Dessa

forma, a falta de infraestrutura foi comumente citada. Aparece no capítulo 1, quando falo do

caminho até o rancho, que lembra uma estrada de rali. No capítulo 3, quando descrevo um

pouco do chão batido. E no capítulo 5, no qual falo da mudança de espaço da Batalha da

Ideia, em parte devido à falta de um transporte público de qualidade.

Outra escolha feita no início foi incluir poucas aspas. De fato, elas são fundamentais

para validar o texto, mas considerei que a junção das fotos e de algumas citações

parafraseadas fosse capaz de cumprir esse papel. Além disso, a referência que tive como um

ótimo livro-reportagem foi Hiroshima, de John Hersey (2002). É uma obra sem aspas.

Da FAC, a referência que tive foi Estamos aqui, de Jéssica Paula (2014). Jéssica se

utilizou de poucas aspas, sem deixar de contar uma história rica. Diante disso, considero que

os livros com poucas ou nenhuma aspas são gostosos de ler e não perdem a validade.

Por fim, também serviu de inspiração o livro O olho da rua, de Eliane Brum (2008).

Um clássico de como fazer uma reportagem humanizada e atenta aos detalhes, àquilo que não

está tão óbvio.

6.6 Fotografia

Como a fotografia foi tida como algo importante para compor a narrativa e validar o

relato, percebi que elas seriam obrigatórias. Mas havia um problema, não tinha câmera e nem

34

tanta experiência para fotos que precisavam ficar boas. Então, consegui uma Nikon D3100 e

resolvi me arriscar. Os registros ficaram melhor do que o esperado e entraram para o livro.

Nos poucos casos em que as fotos não alcançaram um resultado satisfatório, acabei

recorrendo às fotos de arquivo. O mesmo aconteceu quando não estava presente no momento

ou na época ou quando não levei a câmera por um motivo qualquer.

Ainda assim, a maioria das fotos foram tiradas por essa Nikon e ficaram boas,

ajudando a compor a história conforme esperado.

6.7 Diagramação

Fotos tiradas e texto escrito, era hora de diagramar – e ver se rendia mesmo um livro.

Como não entendo muito disso, achei que a melhor escolha fosse contratar o serviço. Recebi a

indicação de uma amiga jornalista, chamada Lucyenne Landin, e conversei com o

diagramador Vinícius Zanus, transmitindo toda a explicação possível sobre o produto e

disponibilizando o material que estava pronto.

Depois, passei as orientações básicas daquilo que eu queria. Um material mais clean,

que não fosse pesado de olhar; letras maiores, para que até mesmo a Vó Isaurinha – uma

entrevistada da Economia Solidária com problema de vista – pudesse ler se tivesse vontade;

fotos com uma página só para elas, acompanhadas de legendas simples e diretas, as quais eu

enviaria; e um formato nas medidas 16cm x 21cm, que poderia reduzir os custos da

impressão.

No primeiro teste, a capa, as dedicatórias, o sumário e o capítulo 1 deram 20 e poucas

páginas. Foi a confirmação de que daria para fazer um livro-reportagem. Em seguida, o

diagramador fez uma tentativa de capa que não acompanhou a proposta do livro, embora eu

tenha explicado tudo. Conversei com um amigo que resolveu o problema, apostando em uma

capa com cores quentes – que geram uma aproximação – e em um mapa do setor,

acompanhado por um sol repleto de luz. A ideia foi enviada para o diagramador contratado.

35

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sem dúvidas, Toda luz que não queremos ver foi um caminho sem volta, por diversos

motivos. O primeiro é que, com o fim do trabalho, considerei essa pauta um acerto. O Sol

Nascente é mesmo um lugar que precisa de atenção, que precisa ser visto de forma mais

humana e generosa. Não dá para julgar o todo por alguns acontecimentos ruins, nem para tirar

conclusões precipitadas de algo que não se conhece. É preciso dar uma chance.

E é justamente isso o que o livro oferece. Uma chance de ter um pouco de contato com

o setor e de conhecer o lado bom dessa comunidade. Ser apresentado ao Rancho Preguiça, um

espaço gostoso de lazer e diversão; à Margarida, que abre as portas de casa para que as

crianças possam ter atividades de reforço; e ao Marcílio, um senhor que ajuda mulheres a

crescerem por meio do artesanato. Além de tantos outros personagens que, direta ou

indiretamente, ajudam o Sol Nascente a ser um lugar melhor.

Essas pessoas não costumam aparecer no noticiário. O que ganha espaço na mídia são

aspectos negativos, como falta de infraestrutura e criminalidade, enquanto as coisas boas são

sempre ou quase sempre deixadas de lado. Um exemplo claro disso é a breve análise de

conteúdo que foi feita neste projeto, tendo por base o jornal Correio Braziliense. Do período

que contempla os últimos cinco anos, cheguei a uma amostra representativa com sete notícias.

Dessas, quatro têm entonação negativa, três tendem a ser neutras e nenhuma é positiva. Não

há nada de bom nessa amostra.

O número pode assustar, mas serve como fator de validação para o produto e estímulo

para que sejam feitos mais trabalhos assim, que falem das boas notícias. Aqui, cabe ressaltar

que esse tipo de material não busca apenas fugir do que vem sendo produzido, mas tentar

proporcionar um outro olhar acerca do Sol Nascente e elevar a autoestima dos moradores.

Assim que o projeto ficou pronto, uma das donas de bazar – a Ivonaide da Conceição,

esposa do Reginaldo Araújo, que aparece no capítulo 4 – revelou que tinha muito preconceito

contra o setor, pois só ouvia falar de coisas ruins. Porém, ali foi o único lugar em que

conseguiu comprar um lote, então teve de se mudar. Já na nova casa, falava mal da região

para todo mundo, os amigos, a família, não perdia uma oportunidade. Só depois que começou

a dar valor.

Além disso, outro motivo que fez do livro um caminho sem volta foi a própria

apuração. Conheci pessoas inspiradoras, vivi experiências diferentes e andei. Andei um

monte. Consegui perceber quais comércios eram importantes, qual a relevância das ruas nessa

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comunidade e até utilizei transporte irregular – bastante comum na rotina dos moradores, já

que o transporte público não tem hora certa e nem passa com tanta frequência.

Então, fiz tudo aquilo que me motivou a escolher o curso. Fui à campo, conversei com

as pessoas e escutei vozes esquecidas. Algumas vozes que estavam ávidas por um espaço de

fala, como o Marcílio, que só não divulga o projeto da Economia Solidária – Mulheres do Sol

Nascente porque ninguém se interessa. E acredito que tenha respondido às perguntas da

proposta de pesquisa, sobre quais eram, por exemplo, as coisas boas, as iniciativas

consolidadas e quem se beneficia dessas ações.

É importante, também, dizer que a produção do livro me proporcionou um

crescimento pessoal. Acredito que toda vez que se escolhe sair da zona do conforto, dos

assuntos práticos e daquilo que se está acostumado, é possível crescer. Essa foi um pouco a

intenção do produto. Deixar as facilidades de lado e me arriscar. Fazer o novo.

Tão novo que nunca havia escrito nenhuma reportagem com estilo mais literário. Por

isso, confesso que não foi fácil. É preciso ter material suficiente e criatividade, além de fazer

leituras para se ter referências daquilo que foi bem feito. Até porque o texto não vem quando

se espera, mas nos momentos em que a inspiração surge. Daí pronto, nascem várias páginas.

Por fim, reconheço que a análise de conteúdo foi um esforço inicial. Ela pode ser

aprofundada com outro veículo, a exemplo do Jornal de Brasília, o que enriqueceria a

pesquisa. Essa era a ideia inicial da pesquisa, porém, devido a limitações de tempo e até as

dificuldades do Centro de Documentação do jornal – que está desorganizado e quase não

dispõe de funcionários – decidi reduzir o estudo.

É necessário reconhecer, também, que ainda há muito o que falar do Sol Nascente.

Existem diversas iniciativas que não foram incluídas e que valem a pauta. Basta ter um olhar

mais generoso.

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REFERÊNCIAS

Livros

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(Graduação) - Curso de Jornalismo, Centro Universitário de Brasília, Brasília, 2014.

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ANEXOS

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