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    UNIVERSIDADE ABERTA

    PROPOSTA DE UM DICIONRIO VIRTUAL DO PORTUGUS DE ANGOLACOMO FERRAMENTA DE ANLISE VOCABULAR DE TEXTOS

    LITERRIOS ANGOLANOS

    Carla Marisa Faria Black

    Mestrado em Portugus Lngua No Materna

    Dissertao orientada pela Professora Doutora Helena Brbara Marques Dias

    2014

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    II

    Proposta de um Dicionrio Virtual do Portugus de Angola como Ferramenta de Anlise

    Vocabular de Textos Literrios Angolanos

    Resumo

    A lngua portuguesa partilha a sua posio com as demais lnguas faladas em Angola.

    Embora ocupe uma posio dominante nas mais diversas situaes lingusticas,

    principalmente no trabalho, na poltica, na administrao e na imprensa, ela sofre tambm

    a influncia das diversas lnguas utilizadas pelos falantes angolanos, que na sua maioria

    so bilingues, propiciando-se, desta forma, as condies para a criao de uma variedade

    do portugus, designado portugus de Angola.No presente trabalho pretendemos propor uma ferramenta que auxilie os estudantes do

    Ensino Secundrio no estudo do lxico do portugus de Angola. Assim como os manuais

    didticos, o dicionrio tambm uma ferramenta importante para o processo de ensino e

    aprendizagem, sobretudo o dicionrio eletrnico que permite a qualquer momento a sua

    atualizao e desta forma responder pontualmente as necessidades dos seus utilizadores,

    no s pela sua constante atualizao, mas tambm pelo volume de informao que oferece

    e tambm pela facilidade de acesso em termos financeiros.Assim, o objetivo do presente trabalho apresentar uma proposta de um dicionrio

    eletrnico do portugus de Angola que ajudar os estudantes do Ensino Secundrio a fazer

    a anlise vocabular de textos literrios angolanos.

    Neste sentido, comemos por constatar efetivamente a existncia e o desenvolvimento do

    portugus de Angola, a relao entre a lngua portuguesa e a literatura angolana. Em

    seguida, analismos a situao sociolingustica, a competncia lexical dos estudantes e

    posteriormente apresentmos a proposta de um dicionrio virtual que satisfaa asnecessidades dos seus utilizadores.

    Palavras chave: lngua e variedade, portugus de Angola, multiculturalismo, ensino e

    aprendizagem, portugus como lngua segunda, dicionrio para aprendentes do PLNM,

    lxico, lexicografia, literatura angolana.

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    III

    Proposal for a Virtual Dictionary on Angolan Portuguese as a lexical Tool for Literary

    Angolan Text Analysis

    Abstract

    The Portuguese language shares its position with the other native languages spoken in

    Angola. Having a leading position in several linguistic situations, like work, politics,

    administration and press, Portuguese is also influenced by languages spoken by native

    Angolans, most of them bilingual, and provides conditions for a new variety, referred to

    the Angolan Portuguese.

    In the present study we intend to propose a new tool to help Secondary Education studentsin developing their lexical knowledge on this variety, which is the Portuguese spoken in

    Angola. As well as textbooks, also a dictionary is an important tool for teaching and

    learning, especially the electronic dictionary it allows updating at any time and quickly

    responds to the needs of its users, not only because of its constant updating, but also

    because of the volume of information it offers and the ease of access in financial terms.

    The aim of this study is to present a proposal for an electronic dictionary of Angolan

    Portuguese that will help students of Secondary Education to understand and make theirlexical analysis on Angolan literary texts.

    Thus, we began by effectively establishing the existence and development of the Angolan

    Portuguese, the relationship between the Portuguese and the Angolan literature.

    Subsequently, we analyzed the sociolinguistic situation and the lexical competence of

    students that led us to present the proposal for a virtual dictionary that meets the needs of

    users.

    Keywords: language and variety, Angolan Portuguese, multiculturalism, teaching and

    learning, Portuguese as a second language, dictionary for learners of PLNM, lexicon,

    lexicography, Angolan literature.

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    IV

    NDICE

    0INTRODUO ........ 1

    Captulo IENQUADRAMENTO TERICO E METODOLOGIA ......4

    Captulo IIA SITUAO LINGUSTICA E O ENSINO E APRENDIZAGEM DO

    PORTUGUS COMO LNGUA NO MATERNA EM ANGOLA ....12

    2.1A lngua portuguesa no sistema de ensino angolano ..... 12

    2.2A escola e o meio sociolingustico . 18

    Captulo IIIA LNGUA PORTUGUESA E A LITERATURA ANGOLANA.....21

    3.1 - A variedade angolana ..........31

    Captulo IVPROPOSTA DE UM DICIONRIO VIRTUAL DO PORTUGUS DE

    ANGOLA PARA APRENDENTES DO PLNM .... 39

    4.1Definio e composio do corpusdo Dicionrio .... 394.2 - Descrio dos dados lingusticos e caracterizao do pblico ... 40

    4.3 - Apresentao e discusso dos resultados ... 53

    4.4A Macroestrutura ....55

    4.5A Microestrutura ... 59

    Captulo VCONCLUSES ...61

    BIBLIOGRAFIA ....63

    ANEXOS

    ANEXO I - Ficha Sociolingustica..............................................................................70

    ANEXO II - Ficha de Trabalho n 1 ................................................................................73

    ANEXO III - Ficha de Trabalho n 2...............................................................................74

    ANEXO IV - Ficha de Trabalho n 3...................................................................75

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    V

    ANEXO V - Ficha de Trabalho n 4.................................................................................76

    ANEXO VI- Ficha de Trabalho n 5 ...............................................................................77

    ANEXO VII - Ficha de Trabalho n 6 .............................................................................78

    ANEXO VIII - Ficha de Trabalho n 7 ............................................................................79

    ANEXO IX -Ficha de Trabalho n 8 ................................................................................80

    ANEXO X -Ficha de Trabalho n 9 ................................................................................81

    ANEXO XI - Ficha de Trabalho n 10 ................................................................82

    ANEXO XII-Ficha de Trabalho n 11 .............................................................................83

    ANEXO XIIICorpusRecolhido ................................................................................... 86

    ANEXO XIVTabela das Respostas Corretas e incorretas (Anexo digital)

    ANEXO XVTabela do CorpusRecolhido (Anexo digital)

    NDICE DE GRFICOS

    Grfico 2.1 ..........14

    Grfico 2.2 ...... 14

    Grfico 2. 3 .....15

    NDICE DE QUADROS

    Quadro 3.1Relao entre a lngua portuguesa e a cultura e literatura angolanas.30

    Quadro 3.2 - Exemplos de traos caractersticos da produo lingustica do portugus de

    Angola..38

    NDICE DE TABELAS

    Tabela 4.1.........41

    Tabela 4.2 ....... 41

    Tabela 4.3 ........42

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    VI

    Tabela 4.4. .......43

    Tabela 4.5 ........43

    Tabela 4.6 ........44

    Tabela 4.7 ........44

    Tabela 4. 8 ...........44

    Tabela 4.9 ............44

    Tabela 4.10 ............. 44

    Tabela 4. 11 ........ 45

    Tabela 4. 12 ........ 46

    Tabela 4.13 ..........46

    Tabela 4.14 ......... 47Tabela 4.15 ......... 47

    Tabela 4.16 ..................47

    Tabela 4.17 ......... 47

    Tabela 4.18 ..........48

    Tabela 4.19 ..........48

    Tabela 4.20 ..........48

    Tabela 4.21 .........48Tabela 4.22 ......... 51

    Tabela 4. 23 .........51

    Tabela 4.24 ..........52

    Tabela 4.25 ......... 52

    NDICE DE FIGURAS

    Figura 4. 1 ........... 57

    Figura 4. 2 ........... 59

    LISTA DE ABREVIATURAS

    AR(Ausncia de Resposta)

    LPlngua portuguesa

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    VII

    PLNMPortugus Lngua No Materna

    QECR - Quadro Europeu Comum de Referncia para as Lnguas

    RNResposta Nula

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    0INTRODUO

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    1

    INTRODUO

    De um modo geral, associa-se as tecnologias de informao e comunicao (TIC)

    melhoria do processo de ensino e de aprendizagem. Acha-se que os novos meios irodespertar nos alunos a motivao para a aprendizagem e iro modificar os mtodos a que

    os professores esto habituados. A prtica comprova, porm, que nem sempre assim.

    Entre as imensas potencialidades e vantagens que nos so oferecidas pelas TIC de

    considerar tambm que no se trata apenas de associ-las ao processo de ensino e de

    aprendizagem, mas, acima de tudo, de um processo de integrao de tecnologias

    adequadas.

    Na aula de lngua, o professor conta com vrias ferramentas, mas h duas que so decarter permanente e exigem um investimento financeiro mais significativo por parte dos

    alunos: o manual escolar, a gramtica e o dicionrio.

    O dicionrio a ferramenta que conduz o aluno autonomia e fundamental para a

    compreenso de textos, neste caso, o texto literrio angolano que tal como o termo indica

    apresenta uma realidade muito prpria do contexto angolano a nvel da morfossintaxe, da

    semntica e do lxico, principalmente.

    O presente trabalho pretende, precisamente, explorar as potencialidades das TIC no

    processo de ensino e de aprendizagem, mais especificamente na aula de portugus como

    lngua no materna, em Angola. Neste sentido, apresentada uma Proposta de um

    dicionrio virtual do portugus de Angola como ferramenta de anlise vocabular de textos

    literrios angolanos.

    Por conseguinte, temos em vista os seguintes objetivos:

    Objetivo geral

    -Apresentar uma proposta de um dicionrio pedaggico virtual destinado aos estudantes

    do ensino secundrio em Angola que tm o portugus como lngua no materna.

    Objetivos especficos:

    - Analisar a competncia lexical dos estudantes, falantes do portugus como lngua

    segunda;

    -Verificar a relao que estes estudantes estabelecem entre significado e palavra;

    -Integrar as tecnologias de informao e comunicao de forma adequada no processo de

    ensino e aprendizagem do PLNM em Angola;

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    Um paralelo pode ser traado para o uso do dicionrio como suporte ao processo de ensino

    e de aprendizagem. H alguns anos atrs, o aluno contava apenas com o dicionrio de

    bolso para o ajudar na compreenso e produo textual. Hoje, a Internet permite que o

    aprendente pesquise o contexto das palavras novas e descubra, pelo estudo autnomo,

    significados e possibilidades de sentido, imagens e at a pronncia das unidades lexicais.

    Verificmos, durante a observao das aulas de portugus e estudo dos textos literrios

    angolanos, que as diferenas entre as culturas bantu e portuguesa, que resultam na criao

    de uma nova e nica cultura (a cultura angolana) retratada na literatura, no so resolvidas

    buscando apenas o acervo lexicogrfico da lngua portuguesa.

    Endruschat (1990:10) observa que no portugus falado em Angola h duas classes de

    bantuismos, os de 1 classe que exercem uma funo designativa, sendo emprestados, nasua maioria sob a sua forma original e para os quais difcil encontrar uma traduo

    adequada portuguesa e apresenta como exemplos os nomes de plantas, animais, comidas e

    tradies. A autora acrescenta ainda que existe uma segunda classe de bantuismos de

    funo puramente estilstica, por serem mais expressivos, mais angolanos que as suas

    substituies portuguesas, tal o caso, por ex.,xingareximbicar.

    Constatmos que, alm das dvidas dos aprendentes referentes ao lxico mencionado

    anteriormente, muitas vezes, tambm os prprios professores desconhecem o significadodesses termos.

    Nesta perspetiva, acreditamos que um dicionrio do portugus de Angola ajudar o aluno a

    aumentar o reportrio lingustico por meio da leitura e compreenso das definies e dos

    exemplos.

    Trata-se, pois, de uma proposta ambiciosa que a criao de um dicionrio virtual em

    funo das necessidades dos seus usurios que sero os alunos do 2 Ciclo do Ensino

    Secundrio.O dicionrio ter a designao Dicionrio do Portugus de Angola com as seguintes

    caractersticas e reas temticas:

    1- Dicionrio eletrnico com recurso ao esquema Glossrio;

    2- Dicionrio pedaggico para aprendentes do PLNM;

    2 -As reas temticas prioritrias iniciais sero a alimentao, a fauna, a flora, as

    tradies, objetos, aes e uma rea a que chamaremos rea humana.

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    Considerando as finalidades acima apresentadas, a dissertao foi organizada da seguinte

    maneira:

    No primeiro captulo, apresentado enquadramento terico e a metodologia adotada para

    a realizao do presente trabalho. O segundo captulorefere o contexto sociolingustico

    angolano e a aprendizagem da lngua portuguesa como lngua no materna, posicionando a

    lngua portuguesa no sistema de ensino angolano. Neste captulo, focamos a funo da

    lngua portuguesa como lngua de escolaridade, a imposio da norma europeia e a rejeio

    das normas no padronizadas. A descrio deste quadro sociolingustico pretende

    caraterizar o utilizador do dicionrio. No terceiro captulo, concentramo-nos na relao

    entre a lngua portuguesa e a literatura angolana. Assim, procuramos demonstrar a

    profunda relao entre a lngua portuguesa e a cultura angolana, a criao edesenvolvimento da variedade angolana, bem como o desenvolvimento da literatura

    angolana como mecanismo de captao e preservao do lxico do portugus falado em

    Angola que nasce precisamente da relao lngua/cultura. Neste captulo pretende-se

    constatar, efetivamente, a necessidade de um dicionrio do portugus de Angola e

    paralelamente integrar as TIC no processo de ensino e de aprendizagem do PLNM,

    nomeadamente atravs da utilizao de um dicionrio virtual. No quarto captulo,

    apresentamos a proposta de um dicionrio virtual do portugus de Angola como ferramentaauxiliar para anlise de textos literrios angolanos. Ainda neste captulo, descrevemos os

    dados lingusticos que nos orientaram para a construo e caraterizao do referido

    dicionrio, bem como a apresentao e discusso dos resultados em funo do problema

    apresentado e as fases de construo do referido dicionrio. No quinto captulo,

    apresentamos as concluses obtidas e por ltimo seguem-se as Referncias Bibliogrficas e

    os Anexos.

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    Captulo IENQUADRAMENTO TERICO E METODOLOGIA

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    Cap. IENQUADRAMENTO TERICO E METODOLOGIA

    Quando apresentamos como proposta um dicionrio do portugus de Angola, tendo em

    conta as especificidades do quadro social, poltico e sobretudo poltico-lingustico no qual

    esta proposta apresentada, torna-se essencial esclarecer conceitos diversos como lngua e

    variedade, portugus de Angola, multiculturalismo e ensino do portugus como lngua

    segunda, lxico, dicionrio para aprendentes do PLNM sob o ponto de vista da

    lexicologia e da lexicografia.

    Segundo Cunha e Cintra (1999: 1-5), lngua um sistema gramatical pertencente a um

    grupo de indivduos e como expresso da conscincia de uma coletividade, o meio

    pelo qual essa conscincia representa a realidade que a rodeia e sobre esta age; alm disso,a lngua est em constante evoluo e, portanto, no imutvel. Os dialetos constituem um

    exemplo dos tipos de diferenas existentes numa lngua.

    Os referidos autores (idem) consideram que, condicionada de forma consistente dentro de

    cada grupo social e parte integrante da competncia lingustica dos seus membros, a

    variao , pois, inerente ao sistema da lngua e ocorre em todos os nveis: fontico,

    fonolgico, morfolgico, sinttico, lexical. Acrescentam ainda: Todas as variedades

    lingusticas so estruturadas, e correspondem a sistemas e subsistemas adequados snecessidades dos seus usurios."

    A partir da mesma fonte transcreve-se:

    As formas caratersticas que uma lngua assume regionalmente denominam-se dialetos. Narea vastssima e descontnua em que o portugus falado apresenta-se como qualquer lnguaviva, internamente diferenciado em variedades que divergem de maneira mais ou menos

    acentuada quanto pronncia, grafia e ao vocabulrio.(idem, pg. 4).

    Sendo a lngua um sistema mutvel, a par da sua imutabilidade, ela absorve a realidade que

    a rodeia de forma a satisfazer as necessidades dos seus falantes. Continuando, Cunha e

    Cintra (idem) afirmam que a norma pode variar no seio de uma mesma comunidade

    lingustica, seja do ponto de vista diatpico (portugus de Portugal/ portugus do Brasil/

    portugus de Angola), seja do ponto de vista diastrtico e do ponto de vista diafsico.

    Sob o ponto de vista diatpico, o portugus de Angola, segundo Mingas (1998) definido

    como:

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    [] uma nova realidade lingustica em Angola, a que chamamos portugus de Angola ouangolano, semelhana do que aconteceu ao brasileiro ou ao crioulo. Embora em estadoembrionrio, o angolano aparenta j especificidades prprias [] Pensamos que, no nosso

    pas, o portugus de Angola sobrepor-se- ao portugus padro como lngua segunda dos

    angolanos. (Mingas apudInverno, 2009: 2).

    Para alm de duas grandes variantes bem definidas, a portuguesa e a brasileira, existem

    outras duas variantes em formao, a angolana e a moambicana, sendo de esperar que

    estas tambm se individualizem normativamente quando entrarem num estado de maior

    estabilizao. No entanto, neste momento, no h ainda expresso institucional, nem

    instrumentos prescritivos consagrados que fixem as caratersticas dessas novas normas.

    O processo de aprendizagem de uma lngua segunda, neste caso o portugus, difere do

    processo de aquisio da lngua materna, na medida em que a aprendizagem pressupe a

    criao de um ambiente no natural no qual o individuo deve desenvolver a mestria

    lingustica e conhecer a cultura da lngua que aprende.

    Em todas as culturas, as pessoas aprendem tcnicas que ajudam a manter a comunicao eajudam a sinalizar os sentimentos e atitudes, cuja finalidade evitar as dificuldadesinterpessoais. Dessa forma, ser interculturalmente hbil uma capacidade que envolve muitomais do que simplesmente traduzir frmulas de polidez de uma lngua para outra. Por isso, oestudo das relaes que se referem comunicao intercultural tem como base as formas

    prprias de pensar de cada grupo, com as suas ideias, o modo como se comunicam, ocomportamento que adotam em determinadas circunstncias e que carateriza cada cultura deforma distinta. Esses elementos servem para organizar o sentido pessoal de coeso interna dosmembros do grupo. (Scollon apudSathler, 2010:1).

    Assim, a codificao da realidade extralingustica interiorizada no saber de uma

    determinada comunidade lingustica traduz-se no lxico que tambm o conjunto de

    palavras por meio das quais os membros de uma comunidade lingustica comunicam entre

    si. (Vilela, 1995:3). Neste sentido, podemos definir o termo lxico na perspetiva da

    cognio-representao e na perspetiva da comunicao.Para R. Galisson e D. Coste (1983: 433), o lxico constitudo por unidades virtuais: os

    lexemas. Salem (1987) considera que o lxicotambm pode ser um ndice, um glossrio,

    vocabulrio ou um dicionrio sucinto.

    O lxicoconstitui um sistema aberto, mais ou menos imprevisvel e quase infinito (Vilela,

    1993:15). O portugus de Angola espelha o pensamento de uma cultura atravs da criao

    de um lxico que numa perspetiva da cognio-representativa e da comunicao veicula

    uma realidade e particulariza a lngua portuguesa falada em Angola. Desta forma, ser

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    aprendente de PLNM em Angola significa aprender igualmente a cultura angolana o que

    passa pela aquisio, aprendizagem e utilizao de determinado lxico, no sendo

    suficiente, para tal, apenas o conhecimento da norma padro do portugus europeu.

    Segundo Vilela (1995:219), a lngua armazenada no lxico a roupagem com que o

    mundo exterior se nos representa j que a comunidade segmenta linguisticamente a

    realidade de acordo com os seus interesses religiosos, culturais, econmicos, etc.

    O mesmo autor considera que na lngua, tal como no comrcio, a competitividade um

    facto e apenas os produtos atraentes permitem que se crie uma competio, pois a vontade

    de comunicar resulta tambm numa inteno de negociar. Os recursos lexicais da lngua

    tm o poder de influenciar o que pode ser dito e o modo como pode ser dito, pois a

    estrutura lexical de uma lngua no s o stock de palavras, expresses e daspreferncias (colocaes) como ainda o stock dos moldes j feitos para repertoriarmos

    a nossa experincia da realidade. (Vilela, 1995:33)

    De facto, as situaes de bilinguismo resultam do contacto entre lnguas, podendo esta

    situao lingustica gerar resultados diversos, como os que se verificam em Angola. A

    lngua portuguesa est em transformao evidente, quer pela expanso do lxico, dada a

    fora da influncia das lnguas bantu, quer pelas alteraes nos planos fonolgico,

    morfolgico e sinttico. J em 1991, Vilela considerava que era no lxico que se observavauma veemente forma de afirmao angolana com novas formaes e novos semantismos

    (Vilela, 1991: 175). Tambm, mais recentemente, Cambuta (2014) observa que o

    portugus de Angola revela uma produtividade bastante rica na formao de novas

    palavras mediante o processo de verbalizao, destacando-se os sufixos verbais ar e

    izar, como os mais rentveis. (Cambuta, 2014: 59). Mas tambm Adriano (2014) vem

    mostrar outras consistncias, muito evidentes no Portugus de Angola, ao apresentar uma

    descrio morfossinttica de estruturas e expresses frsicas que caraterizam a variedadeangolana. Refere, por exemplo, na rea da concordncia nominal, a omisso da marca de

    plural nos SN e SA quer estes entrem ou no na formao de SPs, na rea da

    concordncia verbal, os casos nos quais o sujeito, em posio pr-verbal ou ps-verbal,

    no concordam com o seu predicado quer ainda, ao considerar como uma crise de

    tratamento no portugus falado, as formas de tratamento, onde num mesmo enunciado as

    formas podem remeter tanto para tu, como para voc ou senhor. (Adriano, 2014:167).

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    Assim, a correspondncia entre palavra e o mundo extralingustico no , de modo algum,

    absoluta, pois possvel designar o mesmo objeto do nosso quotidiano de diversas

    maneiras e de acordo com os nossos interesses sem, contudo, alterarmos o contedo da

    nossa mensagem, e esta uma das possibilidades da lngua que permite a formao de um

    acervo de palavras que atualiza, renova o seu lxico e, por essa razo, objeto de estudo de

    numerosos linguistas, designado lexicologia e lexicografia.

    A lexicografia e a lexicologia so dois ramos distintos que tm como objeto de estudo o

    lxico.

    Neste contexto, segundo Casares (1992), a lexicologia uma rea da lingustica

    vocacionada ao estudo cientfico do acervo de palavras que a lngua nos oferece,

    procurando, para o efeito, determinar a gnese, a forma e o significado das mesmas. Alexicografia a arte de compor dicionrios(Casares, 1992:11).

    Torna-se evidente que embora exista uma relao muito prxima com a lexicologia,

    estamos, porm na presena de outra rea da lingustica j que esta se ocupa da feitura de

    dicionrios que comeou a estruturar-se como disciplina lingustica desde a primeira

    metade do XVI, em vrios centros humansticos europeus. Foi inicialmente motivada pelas

    solicitaes do ensino do latim como lngua no materna, e encontrou na tcnica

    tipogrfica uma condio determinante para a sua configurao e difuso (Verdelho,2007:12).

    Para Mattos (2010: 74), a lexicologia estuda o lxico de uma lngua por meio de critrios

    cientficos (semnticos, fonolgicos, sintticos, sintagmticos); a lexicografia, de um

    modo geral, busca organizar esse lxico com o objetivo de regist-lo em obras que

    funcionam como instrumento de referncia. E vai mais longe ao afirmar que a

    lexicografia, embora seja conhecida como a tcnica de compor dicionrios, alm de

    apresentar um carter prtico (coleta e seleo do lxico, confeo do dicionrio), possuitambm um carter terico.

    La lexicografa es una disciplina independiente en relacin con la lingstica y otras tantasdisciplinas acadmicas ya que tiene su propio campo de inters, los diccionarios, que sonartefactos culturales a diferencia de, por ejemplo, el objeto de la lingstica que es la lengua, osea, algo intrnseco del ser humano y uno de los fundamentos de su complejo desarrollosocial. (Tarp, 2008:52)

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    Segundo B. Quemada (1987) citado por Chicuna, o objeto de estudo da lexicografia

    define-se pelo seguinte: En rgle gnrale, dans le usages des spcialites, comme dans les

    definitions des dictionnaires, la lexicoligie est reconnue comme la science de lexiqueet

    englobe des approches aussi divers que les thories linguistiques ou les mthodes dont elle

    se rclame: descriptive, historique, strucurale. La lexigraphie, pour sa part, est l'art et la

    sciencie du lexicographe , auteur de dictionnaires (Quemada apudChicuna, 2014:45)

    Neste contexto, podemos observar que a lexicografia um ramo da lexicologia que se

    ocupa da realizao de dicionrios e lxicos. De facto, a lexicografia a no se dedica

    apenas construo de dicionrios j que o termo tambm pode ser utilizado para

    designar o estudo terico e a anlise dos dicionrios, da sua elaborao (metodologia) e da

    sua estrutura (lexicografia terica). (Quemada (1981), Rey (1986), Galisson (1987),Dicionrio de Termos Lingusticos).

    A lexicografia pode significar apenas o recenseamento e a anlise das formas e das

    significaes das unidades lexicais observados do ponto de vista das suas combinatrias e

    funes e no implicar a realizao de um dicionrio. (Quemada (1981), Rey (1986),

    Galisson (1987), Dicionrio de Termos Lingusticos).

    Quemada (1987) denominou dicionarstica a este tipo de estudos que permitiu colmatar

    uma carncia nocional e denominativa, isto , no momento em que a lexicografia deixou deimplicar a realizao do dicionrio. (Dicionrio de termos lingusticos).

    Assim, Lino et alli (1991) define a lexicografia como a artede confeco e realizao de

    dicionrios e considera que a lexicografia para alm de se dedicar confeo e realizao

    de dicionrios pode significar tambm o estudo terico e anlise de dicionrios, da sua

    elaborao (metodologia) e da sua estrutura; este estudo objecto da lexicografia terica

    (Lino et alliapudChicuna, 2014:61).

    Segundo Matos, dentro da lexicografia h () a lexicografia pedaggica que trata dosdicionrios usados no ensino e aprendizagem de uma lngua. (Mattos, 2010: 74)

    A evoluo lexicogrfica culminou com a introduo da designao lexicografia

    pedaggica a partir do momento em que se comea a reconhecer e a interpretar as

    necessidades dos usurios. Segundo Duran (2008), a experincia de confeo de

    dicionrios por professores que conheciam as dificuldades dos seus alunos permitiu

    perceber que uma grande parte das solues lexicogrficas passa pelo conhecimento das

    dificuldades dos usurios.

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    9

    Embora a expresso lexicografia pedaggica no seja muito utilizada no contexto da

    lngua inglesa dado que se consolidou a expresso learners dictinonaries, dicionrios

    para aprendizes, j a expresso lexicgraphie pedagogique de uso corrente em francs

    (Duran, 2008).

    Quemada (1981) cria o termo lexicodidtica que designa a disciplina que tem por objecto

    de estudo o lxico, tendo como finalidade vrios tipos de aplicaes de carcter didctico.

    (Dicionrio de Termos Lingusticos).

    Ainda segundo Duran, a ideia subjacente a este tipo de dicionrios, [ou seja, aos

    dicionrios pedaggicos] a de promover uma mudana a nvel da proficincia do seu

    usurio e torn-lo, com o tempo, menos dependente da consulta a dicionrios. (Duran,

    2008:84).M. Contente (1988) citada por Quivuna refere o surgimento dos denominados dicionrios

    contextuais, como por exemplo, o Dictionnaire Contextuel du Franais de la Gologie e

    o Moderno Dicionrio das 8000 palavras, que se inscrevem na linha de dicionrios com

    finalidade didctica. (M. Contente apudQuivuna, 2013:118).

    Portanto, a lexicografia sem finalidades didticas distingue-se da lexicodidtica quando o

    dicionrio cumpre apenas o seu papel poltico de uniformizador da lngua, tornando-se um

    repositrio dessa mesma lngua. Desta forma, podemos ver a lexicodidtica numaperspetiva dinmica, ou seja, uma rea propensa a inovaes em funo das necessidades

    dos seus usurios, sobretudo se aliarmos esta lexicografia s Tecnologias de Informao e

    Comunicao.

    Assim, consideramos que, de facto, a lexicodidtica assume grande importncia para este

    Projeto na medida em que os dicionrios pedaggicos ou os dicionrios com finalidade

    didtica diferem dos demais pela preocupao com o usurio, ou seja, as necessidades

    didticas prticas de professores e alunos de uma determinada lngua.Neste sentido, torna-se importante determinar conceitos-chave dentro da lexicografia de

    modo a fundamentar e direcionar a realizao do presente trabalho de acordo com a

    estrutura subjacente de um dicionrio. So bsicos termos como: verbete, lema,

    lematizao, un idade lexicogrfica, macroestruturae microestrutura na preparao das

    entradas que constituem a estrutura organizativa de um dicionrio.

    Murakawa (2007:238) considera que o verbete a unidade mnima na organizao de um

    dicionrio, constitudo pela palavra-entrada ou lema, que a unidade lexical a ser

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    tratada, e por um conjunto de informaes sobre essa unidade. Assim, utiliza-se lema,

    entrada ou palavra-entrada para os lexemas escolhidos que sero tratados nos dicionrios.

    Segundo Welker (2004:91) geralmente toma-se como lema a forma bsica ou

    cannica do lexema: o infinitivo dos verbos, o singular masculino dos substantivos e dos

    adjetivos. O autor acrescenta ainda que tambm se usam os termos entrada e palavra

    entrada correspondentes ao alemo Lemma e Stichwort, em espanhol, entrada, lema,

    palavra-clave, voz guia e cabecera, em francs, lemme, entre, vedette, mot-entre, mot-

    vedette e adresse, em ingls, lemma, entry, entry-form, entry word, headword e main

    entry.

    No presente trabalho, lema o termo ou a forma grfica que se seleciona de forma

    convencional como vedeta de um dicionrio ou lxico. (Muller, 1974).Segundo Murakawa (2007:238), no verbete renem-se informaes sobre a etimologia,

    pronncia, ortografia, classe gramatical, restries de uso, sinnimos, antnimos,

    combinaes lxicas, aspectos sintticos relevantes, irregularidades morfolgicas e

    principalmente a definio das diversas acepes e exemplos.

    A autora considera que a definio a parte essencial da construo do verbetee refere

    que as informaes a respeito do lema podem aparecer sistematicamente em todos os

    verbetes de um dicionrio de uso, ou ento, privilegiam-se apenas uma ou outrainformao. (Murakawa, 2008: 238)

    Assim, podemos observar que os autores referidos consideram o lemacomo a palavra que

    ir encabear o texto e o verbete ser a palavra associada ao conjunto de informaes

    sobre essa palavra. importante ressaltar ainda que para estes autores, a utilizao da

    informao, num nico verbete ou em todos, sobre a palavra selecionada ou lema,

    depender do tipo de dicionrio que se pretende construir. Tratando-se de um dicionrio

    pedaggico, destinado a um pblico muito especfico, torna-se importante que ainformao seja acessvel e que, portanto, esteja presente sempre que o consulente

    necessite. este aspeto que nos leva a falar de lematizao.

    Segundo o Dicionrio de Didctica das Lnguas (Galisson, R.; Coste D.,1983), o processo

    de lematizaopermite que um mesmo item represente todas as formas que uma unidade

    lexicogrfica pode ter. Assim, o infinitivo geralmente escolhido para representar as

    formas do paradigma verbal, enquanto o masculino singular representa o paradigma

    nominal e o paradigma adjectival. (Galisson, R.; CosteD., 1983: 429).

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    Sanrman (2001:20) entende que lematizao o acto de registar (no sentido de

    consignar, catalogar ou inventariar), sob a entrada, lema ou vedeta que encabea o artigo

    do dicionrio (ou sob uma sub-entrada ou sub-lema), diferentes tipos de unidades

    lexicogrficas de uma lngua, de preferncia extradas de um corpus.

    Embora este processo se revele da maior importncia para a elaborao de um dicionrio

    impresso, implica, porm, a sua aprendizagem por parte do consulente, e atribui

    informao que se pretende introduzir no verbete um carter redutor. Temos, portanto, a

    nosso favor, o formato eletrnico do dicionrio que permitir, por um lado, ao usurio

    lematizar automaticamente, utilizando a palavra-chave e, por outro, utilizar um espao que

    permitir selecionar e apresentar toda a informao sobre o lxico de modo a que os seus

    usurios consigam satisfazer as suas necessidades.A unidade lexicogrfica, segundo Sanrman (2001:20), pode ser vista como um processo

    de lexicalizao de um significado ou objeto extralingustico. Neste sentido, a autora

    considera que a unidade lexicogrfica tanto pode ser uma unidade lexical, como por

    exemplo leite, fim-de-semana, como determinadas combinaes de unidades lexicais,

    como por exemplo, leite gordo, dar um passeio.

    As unidades lexicais podem ser simples quando so constitudas por apenas um elemento,

    como por exemplo berrida, podem ser ainda compostas quando so constitudas por doisou mais elementos ligados por hfen, como por exemplo, mais-velho e complexas quando

    so constitudas por dois ou mais elementos no ligados por hfen, como por exemplo,

    farinha de musseque.

    Nesta perspetiva, o processo de lematizao tanto pode dizer respeito a uma unidade

    lexical simples como s unidades lexicais compostas e complexas.

    Considermos importante este princpio terico, pois permitiu-nos uma recolha e seleo

    de um corpusmais abrangente.No Dicionrio de Termos Lingusticos, Boutin- Quesnel et alii (1992, p. 737 e p. 758)

    definem a macroestruturade um dicionrio como a organizao geral do dicionrio e a

    microestruturacomo a organizao dos dados lexicolgicos ou terminolgicos contidos

    num artigo de um dicionrio. (Associao Portuguesa de Lingustica, ILTEC,1992)

    Farias (2008: 138) considera que se entende por definio macroestrutural de um

    dicionrio, o estabelecimento do nmero de verbetes que o dicionrio conter, assim como

    o tipo de unidades passveis de lematizao.

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    Vilela (1995:230) define a macroestrutura como o conjunto de entradas lexicais que o

    dicionrio inclui para tratamento e refere a microestrutura como o conjunto de

    informaes que acompanham cada uma das entradas inventariadas e tratadas no

    dicionrio. O autor refere ainda que a entrada dever apresentar informaes gramaticais,

    informaes acerca do carter fixo das expresses, informao explcita ou implcita sobre

    a polissemia e monossemizao.

    Neste sentido, a macroestruturado dicionrio que se pretende apresentar definida como

    o conjunto, a quantidade de verbetes que o dicionrio deve conter e onde esto listados os

    conceitos principais da obra. Estes conceitos devero manter uma ordenao constante na

    montagem da macroestrutura, ou seja, devero fazer parte apenas da macroestrutura de

    forma a manter uma delimitao clara entre a macro e microestrutura.Em oposio macroestrutura, a microestruturaque o conjunto formado pela entrada e

    pelo enunciado lexicogrfico do verbete. O enunciado lexicogrfico deve apresentar toda a

    informao de forma clara e acessvel ao consulente.

    Assim, uma estrutura, seja macro ou micro, previamente definida sob os pontos-de-vista

    anteriormente referidos, levar-nos- realizao de um trabalho especificamente dirigido a

    um pblico-alvo, pois a forma como o dicionrio/glossrio vai ser elaborado depende

    basicamente deste pblico.Como metodologia para a execuo da nossa proposta, fizemos um levantamento da

    situao sociolingustica de um grupo de alunos do Ensino Secundrio, utilizando, para o

    efeito, um inqurito de resposta fechada que foi preenchido pelos alunos e posteriormente

    aplicmos a tarefa que nos permitiu a recolha do corpus.

    Procedemos recolha de um corpus, recorrendo a dois processos complementares. Por um

    lado, atravs da observao das aulas de portugus sobre o estudo do texto literrio

    angolano, foram apresentados aos alunos diversos textos de autores angolanos, pedindo-lhes que fizessem uma anlise vocabular atravs de uma ficha de trabalho destinada

    recolha dos dados. Foram selecionados todos os textos de autores angolanos presentes no

    Programa de Portugus da 10 classe, nomeadamente: Agostinho Neto, Manuel Rui, Jofre

    Rocha, Jos Lus Mendona, Joo Maimona e Jos Luandino Vieira.

    Por outro lado, procurmos selecionar textos de outros autores angolanos que, na nossa

    opinio, podem apresentar um acervo bastante rico para a recolha do corpus. Foram

    elaboradas fichas para cada um dos textos selecionados.

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    O nosso pblico-alvo cingiu-se aos alunos do 2 ciclo, do Ensino Secundrio, de duas

    turmas da 10 classe da Escola da Arimba da provncia da Hula, constitudas por 33 alunos

    cada e que ser, portanto, a amostra da populao. A idade dos alunos varia entre os 15-20

    anos.

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    Captulo II - SITUAO LINGUSTICA E O ENSINO E APRENDIZAGEM DO

    PORTUGUS COMO LNGUA NO MATERNA EM ANGOLA

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    Cap. II - SITUAO LINGUSTICA E O ENSINO E APRENDIZAGEM DO

    PORTUGUS COMO LNGUA NO MATERNA EM ANGOLA

    2.1

    A lngua portuguesa no sistema de ensino angolano

    Angola, nome derivado de Ngola, sede do reino de Ngola, um pas da frica Austral com

    um territrio de 1.246.700 km e cerca de 13,4 milhes de habitantes. Pertencente zona

    das lnguas bantu e no bantu, tem o portugus como lngua oficial, mas no como lngua

    materna. De facto, o portugus no a lngua materna da maioria dos angolanos.

    um pas plurilingue onde uma parte significante dos seus habitantes , pelo menos,

    bilingue, falando a lngua bantu ou khoisan e o portugus. As lnguas nacionais maisusadas so o kikongo (nas provncias de Cabinda, Zaire e Uge), o Kimbundu (na regio do

    Mdundu que ocupa as zonas de Luanda, Malanje, Bengo e Cuanza-Sul, Benguela) e o

    Umbundo (na regio do Bi, Huambo e a parte norte da Hula).

    Zau (2002) refere que cerca de 70% da populao fala as diversas lnguas, entre as quais a

    lngua oficial angolana, o portugus, e as outras lnguas no oficiais bastante faladas, os

    idiomas de origem bantu e o boximane e todos os dialetos da provenientes que so falados

    no sul, por uma pequenssima minoria, junto ao rio Cunene. Algumas destas lnguasprojetam-se para alm das fronteiras territoriais de Angola, como o chocu tambm

    falado no Congo; o kikongo falado no norte e nas duas Repblicas congolesas; o

    umbundo no sul de Angola e na Zmbia; por esse motivo o conceito de Lnguas

    nacionais, adotado na aurora da independncia, progrediu para Lnguas nacionais

    africanas. Estima-se, portanto, que 30% da populao ter o portugus como lngua

    materna e verifica-se que esta elevada diversidade lingustica refora o papel da lngua

    exgena, o portugus, pois nenhuma lngua nacional est em condies de reivindicar oestatuto de lngua oficial.

    O portugus a lngua de escolaridade para todos os angolanos. Embora a maioria dos

    falantes seja bilingue, o acesso ao sistema de ensino s possvel mediante a

    aprendizagem da lngua portuguesa, sendo a nica lngua de conhecimento e de

    comunicao internacional.

    Assim, o sistema de ensino integra os seguintes subsistemas:

    - O Subsistema da Educao Pr-escolar

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    13

    - O subsistema do Ensino Geral

    - O subsistema do Ensino Tcnico-Profissional

    - O subsistema de Formao de Professores

    - O subsistema de Educao de Adultos

    - O subsistema do Ensino Superior

    Interessa-nos, para o presente trabalho, o subsistema do Ensino Geral. A fim de podermos

    determinar a posio da Lngua Portuguesa no sistema de ensino angolano, passaremos a

    descrever a sua estrutura organizacional. Assim, este subsistema est constitudo por:

    - Um Ensino Primrio de 6 classes (bsico e obrigatrio).

    -Um Ensino Secundrio que integra dois ciclos, com a durao de 3 anos.

    A norma imposta pela escola a norma-padro do portugus europeu. Relativamente a estesubsistema de ensino, o Ministrio da educao tem entre outras, as seguintes finalidades:

    Incutir o respeito pela lngua, como lngua oficial, factor de unidade nacional e de coesointernacional no espao da comunidade dos Pases de Lngua Portuguesa-Contribuir para a identificao crtica do aluno com as manifestaes e as realizaes dacultura regional, nacional e universalfacultando os conhecimentos que possibilitem o dilogointertextual com obras do passado e do presente.- Promover uma cultura da participao e reflexo crtica da realidade circundante que realce aresponsabilidade de cada um nos processos de mudana social. (INIDE Programas deLngua Portuguesa da 10, 11 e 12 Classes).

    A Lei de Bases do Sistema de Educao determina, no seu artigo 18, que o Ensino

    Primrio tem, entre outros, o seguinte objetivo:

    Desenvolver e aperfeioar o domnio da comunicao e daexpresso.(INIDEReforma

    Curricular, 2003: 8)

    Ainda segundo este documento, o perfil de sada dos alunos da 6 classe deve contemplar,

    entre outros, a nvel do saber, os seguintes aspetos:

    -Conhecer e aplicar instrumentos bsicos de comunicao e expresso oral e escrita.

    (INIDEReforma Curricular, 2003: 9)

    Para o ensino Primrio definiu-se um conjunto de 10 disciplinas consideradas

    fundamentais.

    Nas quatro primeiras classes existem 6 disciplinas com uma carga semanal de 24 tempos

    letivos, tendo a disciplina de Lngua Portuguesa 270 tempos letivos para um ano escolar de

    30 semanas, conforme o grfico seguinte:

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    Grfico: 2.1 Distribuio das disciplinas por tempos letivos da 1 4 classes1

    Nas duas ltimas classes existem 9 disciplinas com uma carga horria semanal de 29

    tempos letivos, sendo a Lngua Portuguesa uma disciplina com 240 tempos letivos anuais,

    como fica ilustrado na seguinte figura:

    Grfico: 2.2Distribuio das disciplinas por tempos letivo nas5 e 6 classes

    Ao terminar o Ensino Primrio, o Plano de Estudos prev uma carga de 4620 tempos de (e

    em) portugus, destacando-se a Lngua Portuguesa com a maior carga horria.

    1

    Os grficosapresentados so elaborao nossa.

    0

    50

    100

    150

    200

    250

    300

    1 Classe 2 Classe 3 Classe 4 Classe

    Lngua Portuguesa

    Matemtica

    Estudo do Meio

    Educao Manual ePlstica

    Educao Musical

    Educao Fsica

    0

    50

    100

    150

    200

    250

    300

    5 Classe 6 Classe

    Lngua Portuguesa

    Matemtica

    Cincias daNaturezaSrie 3

    Histria

    Geografia

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    A Lei de Bases do Sistema de Educao determina no seu artigo 19 que o Ensino

    Secundrio Geral, que sucede ao Ensino Primrio, compreende dois ciclos de trs classes:

    a) O 1 Ciclo do Ensino Secundrio que compreende a 7, 8 e 9 classes.

    b) O 2 Ciclo do Ensino Secundrio que compreende a 10, 11 e 12 classes. (INIDE -

    Relatrio explicativo dos Organigramas do Sistema de Educao, 2003).

    O perfil de sada dos alunos da 9 classe deve contemplar, entre outros aspetos, a nvel do

    saber, conhecimentos e habilidades lingusticas que lhes permitam expressar-se de forma

    correta e claramente.

    Constam do plano de estudos do Primeiro Ciclo do Ensino Secundrio um total de 12

    disciplinas que permitiro ao aluno, aps a concluso da 9 classe, prosseguir os seus

    estudos nas escolas do Segundo Ciclo do Ensino Secundrio ou nos Institutos MdiosTcnicos e Normais.

    O Plano de Estudos prev, na sua implementao o mximo de 30 horas semanais para as

    trs classes, numa semana letiva de cinco dias, destacando-se a Lngua Portuguesa com

    360 tempos letivos no final do ciclo, conforme o seguinte grfico:

    Grfico: 2.3 Distribuio das disciplinas por tempos letivos da 7 9 classes

    Com exceo das lnguas estrangeiras (Ingls ou Francs), as restantes disciplinas so

    ministradas em portugus, sendo a disciplina de Lngua Portuguesa uma das de maior

    carga horria, o que perfaz no final do ciclo um total 2430 tempos de e em portugus.

    0

    50

    100

    150

    200

    250

    300

    350

    400

    7 Classe 8 Classe 9 Classe

    Lngua PortuguesaIngls ou Francs

    Matemtica

    Biologia

    Fsica

    Qumica

    Geografia

    Histria

    Educao Fsica

    Educao Visual e Plstica

    Educao Moral e Cvica

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    O ensino secundrio do 2 ciclo, organizado em reas de conhecimentos de acordo com a

    natureza dos cursos superiores a que d acesso, compreende a 10, 11 e 12 classe.

    A Lei de Bases do Sistema de Educao define para o 2 ciclo, entre outros, os seguintes

    objetivos:

    a) Preparar o ingresso no mercado de trabalho e/ ou no subsistema de ensino superior.

    (INIDE - Relatrio explicativo dos Organigramas do Sistema de Educao, 2003).

    O 2 ciclo do Ensino Secundrio oferece, por outro lado, duas formaes

    profissionalizantes, sendo a Formao mdia normal e a Formao mdia tcnica, cada

    uma com 4 anos de durao, da 10 13 classe, destinadas preparao para o ingresso no

    mercado do trabalho e mediante determinados critrios, para o ingresso no Ensino superior.

    O Ensino Secundrio tem como funo social proporcionar aos alunos os conhecimentosnecessrios e com a qualidade requerida, para lev-los a desenvolver as suas capacidades,

    aptides e promover uma cultura de valores para a vida social e produtiva que o pas exige.

    Neste ciclo, tal como nos anteriores, as diferentes disciplinas so ministradas em

    portugus, tendo a disciplina de lngua portuguesa uma carga horria de 300 ou 360

    tempos letivos no final do Curso, consoante as reas especficas.

    Em todos os ciclos de ensino, a lngua portuguesa assume um papel relevante quer em

    termos curriculares, quer em termos de carga horria, porm, um olhar mais atento aosdocumentos evidencia uma contradio entre as finalidades do Ministrio de Educao, a

    imposio da norma padro europeia, por um lado, e, por outro, a rejeio das normas no

    padronizadas do portugus falado em Angola que veicula a realidade e a identidade

    nacional.

    Constata-se um certo afastamento entre as finalidades dos diversos documentos, o estatuto

    da lngua portuguesa, da norma-padro europeia e a realidade, pois o portugus na norma

    europeia deixou de ser a nica porta de entrada para a ascenso social e a constituio deuma variante angolana viu as portas escancaradas.

    Nos termos do QECR (2001), h uma distino entre a competncia existencial e a

    competncia intercultural. A primeira implica traos gerais de personalidade, atitudes e

    valores (cf. pp. 152-54), ao passo que a segunda definida como a capacidade para

    estabelecer relaes e contactos entre culturas, ultrapassando esteretipos e gerindo

    situaes de conflito (cf. p. 151). Por conseguinte, nenhuma delas contemplada de forma

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    explcita nos documentos referidos em relao s trs grandes subcompetncias da

    competncia comunicativa, a competncia lingustica, a sociolingustica e a pragmtica.

    A competncia lingustica inclui todos os conhecimentos e as capacidades lexicais,

    fonolgicas e sintticas que dizem respeito no s extenso e qualidade dos

    conhecimentos, mas tambm organizao cognitiva e ao modo como este conhecimento

    organizado. , por exemplo, o caso da criao de redes associativas dos itens lexicais,

    dependendo das caratersticas culturais da comunidade; da competncia sociolingustica

    que considera as condies socioculturais do uso da lngua, ou seja, as regras de boa

    educao, as normas, que regem as relaes entre geraes, sexos, classes e grupos sociais,

    rituais e que condicionam o funcionamento de uma comunidade; da competncia

    pragmtica que diz respeito ao uso funcional dos recursos lingusticos, ao domnio dodiscurso (coeso e coerncia) e identificao dos tipos e formas de texto e determinante

    nas interaes em ambientes culturais. (QECR, 2001)

    evidente a forte relao entre todas estas competncias, facto que nos leva a falar de

    competncia comunicativa intercultural e pressupe uma srie de objetivos, finalidades, em

    torno do ensino da Lngua Portuguesa como lngua segunda em Angola.

    Como tem sido notado, a competncia existencial tem uma raiz cultural e , portanto, uma

    rea sensvel para as percepes e relaes interculturais. (QECR, 2001: 33).A competncia sociolingustica, por exemplo, afeta a competncia lingustica. Assim, as

    relaes entre os membros de diferentes culturas passam pelo saber usar uma capacidade

    que no se resume apenas ao conhecimento da cultura ou da lngua do outro, mas tambm

    por saber gerir situaes de conflito. De facto, o modo como um membro de uma cultura

    especfica exprime cordialidade e interesse pelo outro pode ser entendido por algum de

    outra cultura como agressivo e ofensivo. (QCER,2001:33)

    Neste contexto, o ensino de uma lngua segunda no pode ser visto de forma desligadadestas competncias, tendo em vista apenas o desenvolvimento de uma competncia

    comunicativa. Na realidade, exatamente a aula de lngua que pode proporcionar a

    aprendizagem de todas as competncias, comeando pelo conhecimento do outro, da sua

    cultura e da sua lngua, sabendo gerir as relaes em ambientes multiculturais.

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    2.2A escola e o meio sociolingustico

    O quadro sociolingustico angolano atual o resultado de acontecimentos histricos que

    marcaram profundamente o pas a vrios nveis, como o caso da sua geografia, das

    lnguas e das classes sociais.

    Aps a independncia e a constituio da estrutura administrativa do novo estado, o

    Portugus assume-se como uma vantagem clara, quer sob o ponto de vista de atitude quer

    lingustico, uma vez que adquiriu neutralidade face s lnguas nativas, aos dialetos e

    estilos, sendo de imediato associado neutralidade.

    Ao contrrio dos anos anteriores independncia, onde o portugus era falado por uma

    minoria dos angolanos, os anos ps-independncia proporcionam uma situaosociolingustica favorvel ao desenvolvimento do portugus falado em Angola,

    principalmente no ensino de massas que permitiu o aumento de falantes da lngua

    portuguesa para que cada vez mais, segundo os objetivos do governo, os angolanos

    tivessem uma participao ativa no desenvolvimento do pas. Tentando dar voz s

    ideologias dominantes na poca, o Governo socialista de Agostinho Neto tinha, como

    finalidade, promover a igualdade para todos, implementando o ensino de, e em, portugus

    para todos. O primeiro sistema educativo exigia que toda a criana angolana o aprendesseao mesmo tempo que outras crianas que tm a lngua portuguesa interiorizada como

    Lngua 1.

    Neste contexto, e sob a ausncia de um modelo lingustico do portugus europeu, foi

    ocorrendo uma nativizao e apropriao da lngua. Portanto, este aumento de falantes

    significou o desenvolvimento do sentimento de pertena em relao lngua portuguesa,

    mas no significou um melhor domnio da lngua em direo norma-padro europeia,

    mas significou, muitas vezes, a difuso precipitada de algumas transformaes lingusticascomo resultado da fraca exposio a modelos do portugus europeu.

    A guerra civil angolana aparece tambm como um fator favorvel ao desenvolvimento do

    portugus em Angola, sobretudo nos centros urbanos onde se concentra um nmero

    elevado de refugiados falantes de diversas lnguas nacionais e para quem, por essa razo, a

    lngua portuguesa passa a ser o instrumento de comunicao comum, ao contrrio da

    situao rural onde uma outra lngua nacional, a lngua segunda dos falantes.

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    Assim, a mudana de lngua aparece atravs de uma gerao de crianas monolingues em

    portugus em muitas famlias urbanas angolanas. Esta ocorreu, sobretudo, por razes

    socioeconmicas e devido s mudanas de relaes de poder entre os membros da

    comunidade, atitudes estigmatizadas em relao L1 (lngua bantu), mudana no modo de

    vida das populaes, migrao para as cidades, desenvolvimento dos meios de

    comunicao, exogamia e uma nova estratificao socioeconmica. Estas razes

    aumentam o prestgio da lngua portuguesa e os pais passam a ensin-la aos seus filhos

    como L1.

    A maior parte dos alunos, sejam eles bilingues ou monolingues, usam uma variedade no

    padronizada da lngua o que constitui um fator de enriquecimento do portugus e da

    variedade angolana, resultado do contacto e da mistura lingustica e cultural de duascivilizaes principais: a bantu e a portuguesa.

    Esta realidade sociolingustica permite-nos verificar a presena constante da lngua

    portuguesa ao longo das aulas e do tempo de permanncia na escola e o sentimento de

    pertena que se tem com a lngua e a sua valorizao.

    Neste sentido, a escola aparece como a entidade que promove e valoriza a lngua

    portuguesa, mas que ao mesmo tempo exclui aqueles que no a falam ou aqueles que

    apenas conhecem uma norma no padronizada.Assim, duas situaes so possveis em funo do espao geogrfico e meio urbano ou

    meio rural. Por um lado, no meio rural, que se caracteriza por ser uma regio mais isolada,

    com menos contacto com o mundo exterior e com um sistema escolar menos abrangente,

    regista-se um maior nmero de falantes monolingues das lnguas nacionais e, por outro,

    nos centros urbanos, para onde confluem as vrias lnguas nacionais e a portuguesa,

    regista-se, simultaneamente, um maior nmero de falantes bilingues, em portugus e numa

    lngua nacional, e de falantes de portugus.Neste contexto, a escola, principalmente nos meios urbanos, cria a oportunidade para a

    aprendizagem da lngua internacional, da lngua do conhecimento e da lngua de trabalho

    e, ao mesmo tempo, contribui para a formao de uma gerao de crianas monolingues

    em portugus.

    Assim, o processo de escolarizao permite-nos a identificao de trs grupos

    caraterizadores: os alunos que tm o portugus como lngua materna, os alunos que tm

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    uma lngua nacional como lngua materna e ainda os alunos que no dominam nenhuma

    lngua em particular, mas que tm o portugus como lngua materna.

    Achamos que o sistema escolar determinante no prestgio que goza uma lngua em

    determinada comunidade. Assim, a planificao lingustica decisiva tanto para a

    nacionalizao do portugus, sendo a lngua estendida a um nmero maior de falantes,

    especialmente fora dos meios urbanos, como para o aumento do prestgio e dos domnios

    das lnguas autctones.

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    Captulo IIIA LNGUA PORTUGUESA E A LITERATURA ANGOLANA

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    Cap. IIIA LNGUA PORTUGUESA E A LITERATURA ANGOLANA

    Em todas as sociedades, as relaes, sejam elas quais forem, caraterizam-se sempre por um

    jogo de foras entre o mais forte e o mais fraco, entre aqueles que detm o poder e aqueles

    que so dominados pelo poder, seja sob o ponto de vista econmico, social, religioso,

    lingustico, etc.

    Estas relaes podem ser vistas como um como um jogo de diferentes interesses e como

    afirma Calvet (2002):

    Dans toutes les situations (politiques, diplomatiques, militaires) dans lesquelles lesjoueurs ont desintrts differents, il nous faut considerer deux facteurs, la cooperation et lalutte, qui vont se conjuguer pou donner, selon que leur intrts convergente ou divergente, des

    jeux de coopration, de lute ou de coopration et de lutte. Dans le jeux de coopration lesjoueurs ont des intrts convergentes face aderversaire unique, ils peuvent adopter unestrtgie commune menant but commum. Dans lesjeux de lute, au contraire, les joueurs nontaucun intrt convergent, aucun but commun et se trouvent engags dans des duels. (Calvet,2002:32)2

    De facto, transpondo esta metfora para a sociedade e sob o ponto de vista de lngua,

    cultura, literatura possvel identificar os jogadores deste jogo e os diferentes pontos

    de cooperao ou divergncia, conforme os interesses dos diferentes grupos.

    Assim, o considerar as lnguas e os seus falantes como jogadores permite-nos fazer uma

    reflexo sobre esta relao entre lngua, cultura e literatura e identificar pontos de

    cooperao e de luta, pressupondo os de luta evidentemente um duelo.

    O conjunto de caratersticas prprias de uma sociedade encontra-se diretamente ligado a

    um determinado sistema lingustico e, como consequncia, cada lngua reflete a cultura da

    comunidade que a fala. Neste contexto, podemos afirmar que estamos na presena de um

    jogo de cooperao e que os seus jogadores pertencem parte convergente, adotando,

    por essa razo, uma estratgia comum. Da relao entre uma lngua e a sua cultura

    resultam, naturalmente as mais diversas manifestaes artsticas, como, por exemplo, a

    2 Traduo livre daautora: Em todas as situaes (polticas, diplomticas, militares) em que os jogadores tm interessesdiferentes, devemos considerar dois fatores, o de cooperao e o de luta, que se conjugam conforme osinteresses convergentes ou divergentes dos jogos de cooperao, de luta ou de cooperao e luta. Nos jogosde cooperao, os jogadores tm interesses convergentes face a um nico adversrio e, por essa razo,adotam uma estratgia comum que os conduz a uma mesma meta. Nos jogos de luta, pelo contrrio, os

    jogadores no tm interesses convergentes, nem metas comuns e, por essa razo, esto envolvidos emduelos.

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    literria, da o resultado lngua portuguesa, cultura portuguesa e literatura portuguesa. Seria

    difcil entender a literatura portuguesa

    sem a articular, na Idade Mdia (sc. XII a XV), com o lirismo provenal, e sem entender queele se liga a uma expresso cultural galaico-portuguesa; durante o perodo clssico (sc. XVI aXVIII), com o Renascimento italiano, o Barroco espanhol e o Iluminismo francs, que fazemressaltar a especificidade do Maneirismo camoniano e a peculiaridade da nossa literatura deviagens; no sc. XIX, com o Romantismo, o Realismo, o Simbolismo e outras sensibilidadesestticas europeias; no sc. XX, com o Modernismo e restantes manifestaes de vanguarda e

    de ps-modernismo." (Instituto Cames). Disponvel em http://cvc.instituto-camoes.pt/visao-generica/historia-da-literatura-portuguesa-dp1.html#.VHsnN9LF-gs

    De facto, a experincia cultural que adquirida atravs da lngua pode traduzir-se em arte,

    neste caso, a literatura. A mesma relao lngua, cultura e literatura pode ser vista sob um

    ponto de vista diferente, ou seja, vrias lnguas, que convivem num mesmo espao

    geogrfico, e vrios falantes. Neste contexto, podemos afirmar que estamos num jogo de

    luta e que os seus jogadores adotam estratgias divergentes e esto engajados num

    duelo.

    Visto sob esta perspetiva ainda que seja habitual afirmar-se que a lngua um factor de

    identificao cultural, lcito questionar esta afirmao perante a constatao deque uma

    s lngua identifica, frequentemente, culturas distintas. (Mateus:2001:1)Os grupos humanos esto organizados em sistemas que se traduzem em comportamentos,

    valores em que acreditam ou rejeitam. Assim, os indivduos de um grupo social tm as

    suas crenas que so consideradas bsicas e acreditam que estas tendem a reproduzir-se da

    mesma forma nos outros grupos culturais e so exatamente estas crenas que levam aos

    conflitos.

    sob este ponto de vista que podemos fazer uma reflexo sobre a relao lngua, cultura e

    literatura em Angola.O jogo de foras e tenses que caraterizam a situao colonial apresenta dois grupos

    antagnicos: o colonizador e o colonizado, sendo o primeiro apresentado como uma

    minoria que impe os seus valores, a sua lngua, a sua cultura.

    Neste contexto, o monolinguismo visto como um processo natural, inicialmente sob o

    ponto de vista do colonizador e posteriormente sob o ponto de vista do colonizado.

    Segundo Gal (2006), nesta viso, a diversidade lingustica vista como uma fatalidade

    da espcie humana e um obstculo comunicao, no sendo apenas uma questo de usar

    http://cvc.instituto-camoes.pt/visao-generica/historia-da-literatura-portuguesa-dp1.html#.VHsnN9LF-gshttp://cvc.instituto-camoes.pt/visao-generica/historia-da-literatura-portuguesa-dp1.html#.VHsnN9LF-gshttp://cvc.instituto-camoes.pt/visao-generica/historia-da-literatura-portuguesa-dp1.html#.VHsnN9LF-gshttp://cvc.instituto-camoes.pt/visao-generica/historia-da-literatura-portuguesa-dp1.html#.VHsnN9LF-gshttp://cvc.instituto-camoes.pt/visao-generica/historia-da-literatura-portuguesa-dp1.html#.VHsnN9LF-gs
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    as formas altamente valorizadas, mas trata-se tambm de uma lealdade em relao a uma

    variedade padro cujo estatuto assegurado pelas instituies centralizadoras da educao,

    mercado de trabalho, meios de comunicao social, instituies governamentais que

    impem aos falantes o desejo e o respeito em relao variedade padro. Assim, se a

    situao sociolingustica angolana se caracteriza por um jogo de luta inicial,

    gradualmente este vai mudando o seu perfil e vai adquirindo, o que ns consideramos, o

    jogo de cooperao, aparecendo o perodo ps-independncia como o perodo

    catalisador da mudana. Podemos descrever o processo da seguinte forma: assim que um

    dialeto comea a impor-se, em geral, vai ganhando uma certa dinmica e vai-se tornando,

    por razes sociais, importante. Quanto mais importante, maior a sua frequncia e

    quanto maior a frequncia mais importante se torna.De facto, aps um perodo de resistncia nova situao sociolingustica, referimo-nos ao

    incio da presena portuguesa em Angola, o perodo que se segue passa por uma fase de

    assimilao e paralelamente por uma procura de solues.

    Neste sentido, a evoluo no que respeita a autores e textos da literatura angolana tem

    como bases pressupostos de toda a ordem: cronolgicos, temticos, ideolgicos,

    lingusticos e literrios (Martinho, 2001).

    Embora todos os pressupostos sejam importantes para a criao e desenvolvimento daliteratura angolana, a nossa reflexo incidir sobretudo sobre os pressupostos temticos,

    ideolgicos e lingusticos. Importa realar que pretendemos direcionar esta reflexo tendo

    em conta a relao entre a lngua portuguesa e as lnguas nacionais e a literatura angolana

    que nasce precisamente desta relao, excluindo, portanto, toda a literatura oral apenas em

    lngua bantu que antecede a literatura escrita, mas que tambm literatura angolana.

    Os cinco sculos de dominao colonial portuguesa constituram um forte obstculo

    sistematizao da literatura angolana, pois como escreve Macedo em 1972

    apenas na dcada de 50 de nosso sculo toma corpo um sistema literrio coerente no pas,integrando a trade autor-obra-pblico. Sistema esse que se traduz em autores conscientes deseu papel, nas obras veiculadoras de contedos eminentemente nacionais sob aspectoscodificados de linguagem e estilos e no conjunto de receptores, ainda que pequeno, formado

    por angolanos alfabetizados e preocupados com sua especificidade cultural. (Macedo,1972:172).

    A situao em Angola pode ser vista sob vrias perspetivas: uma fase inicial onde os

    falantes rejeitam a nova situao sociolingustica, uma fase seguinte onde alguns se veem

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    atravs de uma ideologia padro e, consequentemente, desvalorizam o seu prprio discurso

    a que Gal (2006) considera contradictions of standard language, ou em alternativa, a

    rejeio da norma padro e a construo de perspetivas opostas. Consideramos que esta

    ltima que est na base da criao e desenvolvimento da literatura angolana. Permanece

    uma gerao que assegura e mantm os laos com o passado e em paralelo evolui uma

    outra marcada pela revoluo, pelo ambiente poltico da poca. De facto, as mudanas nos

    sistemas culturais do-se quando h factores internos ao prprio sistema que as

    determinam, e no por factores exgenos. (Aguiar e Silva apudMartinho, 2001:264).

    Segundo Mateus (2001:8), o homem um produto da cultura envolvente, portanto, ao

    estar necessariamente inserido numa cultura atravs de uma lngua, as diferenas culturais

    espelham-se nas diferentes lnguas que por sua vez denunciam formas diferentes de estarno mundo. Neste contexto, a lngua portuguesa, uma lngua exgena que aparece em

    Angola no sculo XV como lngua estrangeira, ganha progressivamente o estatuto de

    lngua oficial, lngua de unidade nacional, lngua veicular e atualmente, embora ainda no

    goze este estatuto por uma questo de poltica lingustica, ela j considerada uma das

    lnguas nacionais para muitos angolanos. Nestas circunstncias, temos por um lado vrias

    lnguas, vrias culturas e, por outro uma s lngua e vrias culturas que resultam na criao

    de uma nica cultura, fonte de uma expresso artstica, a literatura angolana e como tal dosseus autores. Como enfatiza Ervedosa (1985), enquanto os escritores estudam o mundo

    que os rodeia, o mundo angolano de que eles faziam parte mas que to mal lhes haviam

    ensinado, comea a germinar uma literatura que seria a sua expresso da sua maneira de

    sentir, o veculo de suas aspiraes, uma literatura de combate pelo seu povo. (Ervedosa,

    1985:102).

    Nota-se um despertar para as diferenas entre as classes sociais, no que respeita ao

    pensamento e comunicao, no apenas em relao ao acesso mas tambm ao uso dalinguagem e todo o poder simblico que ela representa. H efetivamente uma tomada de

    conscincia por parte de vrios escritores que, inicialmente de uma forma tmida, vo

    dando voz a uma literatura marcada pelo perodo designado perodo da No-literatura,

    devido ao nmero reduzido de obras publicadas. A nvel temtico e lingustico verifica-se

    o interesse pela vertente negra da literatura e desta forma uma viso sobre um sistema

    efetivamente nacional em toda a sua complexidade cultural, lingustica e literria. O

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    projeto Vamos Descobrir Angola3 continha, segundo A. Margarido, implcita, a

    denncia e o reconhecimento da alienao imposta aos jovens angolanos pelo colonialismo

    portugus. O autor refere que se conhecia Afonso Henriques, o fundador da

    nacionalidade, mas no se sabia quem fora a rainha Jinga. (Margarido apudMartinho,

    2001:270)

    A idiossincrasia que nasce cria as condies para o surgimento de uma nova literatura

    ainda que de forma muito tnue. Destacam-se duas obras neste perodo, Espontaneidades

    da minha alma de Jos da Maia da Silva Ferreira eDelrios de Cordeiro da Mata.

    Espontaneidade da minha alma revelao amor ptria e a emergncia de uma literatura

    Angolana. A poesia de Cordeiro da Mata destaca-se pela coexistncia de duas lnguas, o

    kimbundo e o portugus, com a introduo de um lxico bantfono, numa atitudecontestatria indiferena e desprezo votado s lnguas nativas.

    Porm, considera-se que a principal obra literria deste perodo foi o Segredo da Mortade

    Antnio Assis Jnior j que traduz efetivamente uma atmosfera angolana.

    umdos mais importantes testemunhos da sociedade africana dos fins do sculo XIX, numarea onde a influncia portuguesa logrou o estabelecimento de formas socioculturais

    susceptveis de inculcarem a existncia de uma cultura de que foram centros caldeadoresLuanda e Dondo().(Ervedosa, 1985:61)

    A lngua materna de um indivduo permite-lhe reconhecer-se a si prprio, mas tambm ser

    reconhecido pelo outro, portanto para ser um fator de identificao cultural ela deve ser

    usada pelo indivduo no contexto em que est inserido e este aspeto que conduz

    mudana, ou seja, toda a realidade que rodeia o indivduo, seja ela cultural, poltica,

    religiosa, etc.

    Assim, na dcada de 30 com o surgimento de Tomaz Vieira da Cruz, Geraldo Bessa Victor

    e Castro Soromenho, a literatura angolana comea a evoluir em direo a uma nova etapa.

    Ao publicar QuissangeSaudade Negra, Vieira da Cruz recorre a expresses dialetais das

    lnguas nacionais combinando-as com palavras portuguesas, conferindo ao seu poema uma

    rima harmoniosa entre as duas lnguas. Destaca-se ainda, a utilizao de um lxico

    3 Movimentocultural criado em 1948 por ex-alunos do Liceu que incitava os jovens a redescobrir Angola em todos os seusaspetos atravs de um trabalho coletivo e organizado. Este movimento tinha como objetivos exortar a

    produo para o povo, solicitar o estudo das correntes culturais estrangeiras para repensar e nacionalizar as

    suas criaes positivas vlidas, exigir a expresso dos interesses populares e a autntica natureza africana.Ervedosa, 1985:102

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    kimbundo que na altura era j corrente na linguagem do portugus falado, como por

    exemplo Buzi, flor do Songo/ para males de muxima/ Kimbanda no tem milongo!

    (Ervedosa, 1985)

    Geraldo Bessa Victor, por exemplo, revela-nos uma potica eivada de traos profundos de

    africanidade, pela abordagem temtica e pela utilizao persistente de um lxico de origem

    bantu. A sua obra Ao Som das Marimbas revela-nos exatamente essa particularidade:

    Marimbas, ngomas, zabumbas,/ guizos, quissanjes, chingufos/ Batuque doido loucura/

    Nos anos 40, segundo Ervedosa, h um reiniciar da elaborao da literatura angolana. Um

    grande poeta lrico surge no fim desta dcada profundamente enraizado no meio

    benguelense, revela o amor pela velha cidade mestia e a saudade do paraso perdido da

    infncia (Ervedosa, 1985:86). Destaca-se igualmente o recurso a um lxico para descrevera realidade tpica da cidade: Com mulembasaltaneiras/ Havia quifufutila.

    Nos anos 50, publicado Uanga de scar Ribas, um romance que nos retrata a tpica

    sociedade africana da cidade de Luanda com o seu folclore, as usas supersties e

    linguajar. (Ervedosa, 1985:89)

    Nesta obra, o autor recorre ao kimbundo e a traduo para portugus feita em p de

    pgina, ou recorre a expresses em portugus e traduz para o kimbundo no fim do livro e,

    ainda linguagem coloquial das personagens que revela a novas estruturas gramaticais.Durante os anos 60 e 70 h, de facto, um esforo de africanizao do discurso na poesia de

    Alda Lara, Alexandre Dskalos e Antnio Neto.

    Em Agostinho Neto, por exemplo, para alm de uma poesia que ultrapassa as fronteiras de

    Angola, h poemas profundamente marcados por uma simbologia, uma expresso tpica,

    um elemento geogrfico, ou ainda um facto histrico conferindo aos seus textos um carter

    genuinamente angolano: e da tua conscincia/ i kalunga

    Pode verificar-se, a partir desta altura, uma evoluo nos textos dos escritores a nveltemtico com a literatura revolucionria, estilstico e sobretudo a nvel lingustico que

    revela uma linguagem marcada pelo fenmeno do bilinguismo, um portugus resultante da

    progressiva colonizao portuguesa, em que os estratos sociais colonizadores eram os mais

    variados diatpica e diastraticamente.

    A literatura angolana comea, finalmente, a dar os seus primeiros frutos em liberdade, talcomo o imbondeiro, secular que, findos os anos de seca, se prepara, em plena florao, para dar

    as suas mais belas e saborosas mkuas.

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    Nestes dias que correm, as obras dos escritores angolanos ainda nos aparecem estigmatizadaspelo que passou. Mas os novos tempos trazem j consigo os homens do futuro. (Ervedosa,1985: 155)

    Ainda em relao a este aspeto lingustico, a escolha deste material pelo escritor pretende

    reivindicar o prestgio de um falar, ousando levar para as pginas da literatura uma variante

    do portugus at ento altamente desvalorizada. Referimo-nos, portanto queles que se

    afastam claramente da norma padro europeia, como por exemplo, de entre os escritores da

    moderna literatura angolana, Jos Luandino Vieira. A sua escrita no se limita apenas a

    registos literais da forma de expresso de uma parte dos falantes angolanos, mas vai mais

    alm ao criar os neologismos, ao subverter a estrutura da lngua portuguesa atravs de uma

    simbiose portugus e kimbundo. Em relao a Luandino Vieira, Gonalves (2000: 216)afirma:

    tratando-se, nos dois casos, de falantes nativos de portugus, que conhecem esta norma, apresena de formas desviantes no seu texto literrio tem de ser tomada como uma plena opoda sua escrita em portugus. Tal no significa, contudo, que os desvios que ocorrem nas obras

    procurem respeitar as novas regras do portugus, criadas pela comunidade de falantes destalngua em Angola.

    A referida autora (idem, p. 219) acrescenta ainda:

    a sua linguagem exibe uma acumulao de vrios processos formais, lexicais e sintticos, quepodem tornar o seu texto quase incompreensvel para falantes de Portugus que no pertencem comunidade angolana. A nvel do lxico, encontram-se diferentes tipos de inovaes, que vo desdeos emprstimos ao Kimbundu, os mais frequentes, at aos neologismos lexicais. So exemplo das

    primeiras palavras como muadi ou monandengue, e so exemplo das segundas as derivaesaprendizar ou remorsificado, ou ainda as reduplicaes logologo ou bocado-bocado.

    Para Perptua Gonalves a predominncia a nvel lexical dos emprstimos das lnguas

    locais sem qualquer esclarecimento para falantes de portugus que no pertencem

    comunidade angolana torna o discurso de Luandino Vieira opaco e difcil de descodificar.

    Acrescentando, diramos, que tal dificuldade no se verifica s em relao a estes, pois at

    falantes pertencentes comunidade angolana as revelam, sobretudo a comunidade escolar

    que tem como lngua materna outras das vrias lnguas nacionais de Angola e, portanto,

    desconhecedora do kimbundo, embora sejam lnguas que pertencem mesma famlia.

    Acrescentamos ainda o fator temporal, pois o ato narrativo (como o caso de Luandino

    Vieira), seja qual for a sua estrutura, sempre um ato temporal, ou seja, frequente a

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    presena de um lxico representativo de uma poca histrica, o qual, por vezes, j no

    corrente no vocabulrio dos falantes, sobretudos dos jovens. Assim, fundamental o

    conhecimento da poca histrica na qual a obra literria est inserida o que pressupe por

    parte do leitor o domnio de determinado vocabulrio.

    Para alm destes aspetos, Endruschat (1990: 1) refere que um grande nmero de

    escritores angolanos usa nas suas obras os padres tradicionais de narrao oral que fazem

    parte das tradies culturais. Temos, por exemplo, scar Ribas, Jofre Rocha, Uanhenga

    Xitu, Boa ventura Cardoso e Luandino Vieira.A autora refere igualmente a estreita

    ligao entre estas tradies e as lnguas indgenas, salientando que a fixao escrita em

    portugus destas tradies est caraterizada pela entrada de bantuismos no portugus.

    Uanhenga Xito considerado um dos mais significativos herdeiros de uma relao delonga data entre a lngua portuguesa e as lnguas africanas bantu na literatura. Nas suas

    histrias vai revelando a alegoria dos poderes lingusticos (Martinho, 1998:2). EmMestre

    Tamoda, de Uanhenga Xito, segundo a autora, a lngua portuguesa quimbundiza-se at

    ao limite, revelando o entrecruzar de duas culturas.

    O escritor Rui Monteiro que se afirmou com a obra Quem me dera ser Onda, cujas marcas

    lingusticas, embora no como Uanhenga Xito que um escritor bilingue, revelam um

    universo lingustico do portugus de Angola, aps o perodo colonial.Em Pepetela, podemos verificar afinidades em relao ao autor anterior. Neste autor,

    (Pepetela), o recurso s lnguas nacionais serve apenas para descrever ambientes e situar

    factos histricos de forma a transmitir a cultura que pretende representar.

    De facto, uma olhar ao passado e ao presente revela-nos que a lngua portuguesa

    efetivamente a lngua cuja vocao foi e a de incorporar no seu adstrato os elementos das

    mais diversas lnguas numa longa evoluo histrica, validando o princpio da unidade na

    universidade, continuando a ser a lngua portuguesa ou a outra nos diferentes espaosgeoculturais, portanto uma lngua multicultural capaz de espelhar diferentes identidades,

    diferentes culturas.

    O quadro que a seguir se expe pretende de forma resumida apresentar esta relao lngua

    portuguesa, cultura angolana, literatura angolana.

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    LITERATURA

    CARATERSTICAS

    LNGUA

    PORTUGUESA

    DCADA OBRA ESCRITOR

    1849 Espontanei-

    dades da

    minha Alma

    Delrios

    O Segredo da

    Morta

    Jos da Maia

    Ferreira

    Cordeiro da

    Mata

    Antnio

    Assis Jnior

    - Elevado patriotismo

    - Coexistncia de

    portugus e kimbundo

    - Estilo hbrido

    - Provrbios e adgios

    em Kimbundo

    Poesia bilingue

    Nqumi-mi,

    ngana-iame/no

    quero caro

    senhor

    Kahiriri,

    apregoava o

    mbiji ia ukanje

    ni farinha

    30 Ao som das

    marimbas

    Quissange

    Saudade

    Negra

    Bessa Vitor

    Vieira da

    Cruz

    -Traos profundos de

    africanidade

    -Lxico de origem

    bantu (kimbundu)

    marimbango

    maszabumbas

    quissanjes

    muxima

    kimbanda

    milongo

    40 Quem tem o

    canh?A mulemba

    secou

    Aires de

    AlmeidaSantos

    -Amor cidade

    angolana, Benguela -Recurso a um lxico

    de origem bantu

    mulembas

    quifufutila

    50 Uanga

    Ecos da

    Minha Terra

    scar Ribas -Retrato da tpica

    sociedade africana

    -Linguagem coloquial

    quibanda

    mussequenha

    Copatre est

    co loente?

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    60/70 Mussunda

    Amigo

    A Vida

    Verdadeira

    de Domingos

    Xavier

    Agostinho

    Neto

    Luandino

    Vieira

    -Linguagem simblica

    para representar a

    realidade angolana.

    -Lxico quimbundo,

    inovaes lexicais

    Kalunga

    Mussunda

    Sukuama

    cipaios

    xuxualho

    80 Quem me

    dera ser Onda

    O Manequim

    e o Piano

    O Co e os

    Calus

    Manuel Rui

    Pepetela

    -Um olhar crtico

    histria social e

    poltica angolana aps

    o perodo colonial

    - Uso de um lxico

    que representa a

    realidade tipicamente

    angolana

    - Formao de

    neologismos

    -Crtica sociedade

    angolana

    Cupapatas,

    maka,

    camarada

    professora,

    mujimbo,

    mais velha,

    comba,

    xinguilar,

    desconseguir,

    peixefritismo

    Caluandas

    Quitandeira

    Quadro: 3.1- Relao entre a lngua portuguesa e a cultura e literatura angolanas 4

    Se no incio a produo de textos se carateriza por um estilo hbrido, com a presena das

    duas lnguas, o portugus e o kimbundo essencialmente, nota-se, nos perodos seguintes, aevidncia da simbiose entre as lnguas, da fuso do lxico, das estruturas gramaticais, e o

    surgimento de novas expresses, de neologismos que representam j o pensamento de uma

    cultura.

    Neste contexto, faz todo o sentido direcionarmos a nossa reflexo para o ensino e para a

    aprendizagem da lngua portuguesa em Angola, bem como da sua literatura.

    4

    Os quadrosapresentados so elaborao nossa.

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    Atualmente, a sociedade angolana continua a caraterizar-se pela diversidade cultural, fruto

    das diversas lnguas e por profundas diferenas sociais geradoras de conflitos onde o poder

    lingustico joga um papel importante.

    Assim, consideramos que a utilizao de textos literrios permite desenvolver a

    compreenso da cultura de origem e, consequentemente, melhorar as atitudes no sentido de

    se desenvolver maior tolerncia e abertura a outras culturas.

    Alguns autores apontam o potencial do texto literrio para o desenvolvimento da

    autoconscincia crtica. Sequeira (2012) considera o texto literrio, um texto intercultural

    por excelncia e aponta este material como um material privilegiado nos trabalhos de

    Bredella sobre a interculturalidade (2012:19)

    Assim, tais textos permitem no s proporcionar oportunidades para o desenvolvimentosimultneo da capacidade lingustica dos nossos alunos, da capacidade de anlise crtica de

    outras culturas, e tambm a oportunidade para vivenciar outras atitudes e valores. Portanto,

    a literatura aparece-nos como um potencial agente de mudana e de construo da

    competncia comunicativa intercultural.

    3.1 - A variedade angolana

    A lngua tem de criar constantemente novos substantivos, categorias, formas de expresso,

    de aperceber e definir novas relaes. Tem de ser capaz de integrar novas funes e

    necessidades culturais, sociais e crticas. So essas adaptaes que constituem no s a

    histria de uma lngua como a prova da sua vitalidade. (Macedo, 1983 apudCapucho: s/d)

    Segundo Vansina (2001: 274-275), entre 1750 e 1882, os portugueses procuraram

    impedir a crescente africanizao cultural e lingustica da elite afro-portuguesa, com a

    aplicao do decreto de 1765 do governador Francisco Inocncio de Sousa Coutinho quedesencorajava o uso das lnguas africanas na educao das crianas, as chamadas lnguas

    de co.

    A partir de meados do sculo XX, a lngua portuguesa foi-se impondo como a lngua da

    totalidade da populao angolana. nesta altura que se regista uma mudana nas relaes

    entre lnguas, culturas e locutores. A ideologia da colonizao era simples neste aspeto:

    sobrevalorizar a lngua do colonizador, pondo de parte, de acordo com os interesses

    estratgicos, as lnguas nacionais.

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    Assim, comea a evidenciar-se uma postura diferente dos pais em relao lngua que

    ensinam aos seus filhos. Antes, apenas o Kimbundu ou outra lngua africana era a lngua

    da nova gerao de crianas, agora o portugus passa a ser a lngua materna de um certo

    nmero de crianas.

    Com o aumento do nmero de colonos, tanto homens como mulheres, preferindo a

    maioria fixar-se nas zonas costeiras, comearam a surgir as condies para o incio da

    generalizao do portugus a todo o territrio angolano, reforada pela criao do

    Estatuto do Indgena, pois foi a partir desta altura que a populao, na sua generalidade,

    comeou a sentir a necessidade de dominar esta lngua.

    At introduo do Estatuto e, de uma forma geral, os indgenas no tinham nenhuns

    direitos civis ou jurdicos nem cidadania o que significava, a nvel lingustico, a difuso

    das lnguas africanas. Com a nova lei, surge uma nova estratificao social: os indgenas,

    os assimilados e os brancos. Para a passagem de indgena a assimilado era necessrio

    demonstrar um conjunto de requisitos, incluindo o domnio da lngua portuguesa.

    interessante ver as nuances do comportamento verbal como meio de socializao.

    Segundo Cooper, os movimentos sociais tm consequncias lingusticas e influenciam o

    comportamento no lingustico (Cooper, 1989:18)Um preto era sempre um rapaz, quer tivesse 10 ou 80 anos, sempre tratado por tu

    pelos brancos; os filhos de um branco era sempre o menino; um branco era sempre o

    patro; a mulher do branco era sempre a senhora; a mulher negra era a rapariga; a

    mulher mestia clara era a senhora africana; os mestios claros eram os cabritos; os

    negros eram os pretos fulos; os pretos perigosos eram os calcinhas (de Luanda); os

    pretos fiis eram os pretos amigos dos brancos. Os brancos nascidos em Angola eram

    os brancos desegunda.Vrios fatores contriburam para esta nova situao lingustica. Durante o Estado Novo,

    para adquirirem o estatuto de assimilados, os angolanos tinham de demonstrar saber ler,

    escrever, e falar fluentemente o portugus, bem como vestirem e professarem a mesma

    religio que os portugueses e tambm criar e manter um padro de vida, incluindo hbitos

    e costumes semelhantes aos portugueses e aos chamados brancos de 2.

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    Nesta perspetiva, o domnio rudimentar do portugus europeu no lhes permitia o acesso

    ao estatuto de assimilados, sendo, por essa razo, obrigatrio o domnio da lngua

    portuguesa.

    Em 1960, face influncia crescente dos movimentos nacionalistas em Angola, Portugal

    investe massivamente na intensificao da sua presena no interior, nomeadamente

    atravs do fomento da criao de grandes colonatos agrcolas o que proporciona uma

    maior difuso e promoo da lngua portuguesa que encontra um terreno lingustico frtil

    (a diversidade lingustica entre as diferentes etnias) para a sua generalizao. Embora

    fosse um processo impositivo, a adoo do portugus como lngua de comunicao

    corrente propiciou tambm a veiculao de ideias e facilitou comunicao entre pessoas

    de diferentes origens tnicas. Apesar destas medidas, a lngua portuguesa continuou

    restrita a um nmero reduzido de falantes e a uma classe social.

    A independncia em 1975 e a constituio da estrutura administrativa do Novo Estado

    que refora e generaliza, efetivamente, a presena da lngua portuguesa conforme o

    seguinte decreto:

    Artigo 19.

    (Lnguas)

    1. A lngua oficial da Repblica de Ango