timo tolkki-mil anos de solidão

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Essa é a tradução em Português do meu livro "Loneliness of a Thousand Years" ("Mil Anos dede Solidão)"This is the Portuguese translation of my book Loneliness of a Thousand Years"

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Timo Tolkki Mil Anos de Solido

Traduo em Portugus deHelen Pelipecki

Para Mika

MIL ANOS DE SOLIDO

Somente a solido, a solido excruciante Finalmente... finalmente voc compreende.

No me lembro quando aconteceu. Ser que foi quando minha me me disse que eu deveria comer toda a comida do meu prato quando eu tinha sete anos... ou algum outro dia? No. No foi tao ruim. Ser que foi quando meu pai finalmente saiu de casa aps muitos anos de medo e violncia? Quando ele finalmente escapou da prpria fria? No. Eu fiquei feliz. Ser que foi quando eu entendi, aos 14 anos de idade, que uma coisa chamada Segunda Guerra Mundial aconteceu e que 70 milhes de pessoas foram mortas naquela ocasio? E que at mesmo criancinhas foram mortas nessa guerra apenas porque eram de uma determinada raa? No, no foi aquilo tambm. Aquilo me fez refletir. Ser que foi quando meu pai, em uma manh de

inverno, decidiu cortar seus dois braos com uma faca de cozinha dentro de uma banheira sem gua, e ento saltou para a morte da janela do quarto andar de seu apartamento? No. Foi quando eu comecei a lutar por minha vida. E eu continuei lutando por 32 anos. No foi nenhum desses acontecimentos. Fui eu. Quando eu perdi a f em mim mesmo. Foi quando aconteceu. Eu perdi a f. Em mim. E essa a pior coisa que pode acontecer.

O ANO EM QUE EU MORRI Estou surfando a internet em uma manh de inverno do ms de maro de 2004. Senti uma sensao de pnico crescente e minha cabea parecia estar sendo pressionada por mos gigantes. Estou desesperado. Liguei para alguns lugares e no consegui ajuda. O pnico continua aumentando. Esse no era apenas um ataque de pnico comum, ou qualquer coisa que podem denomin-lo. Esse o resultado de anos vivendo uma mentira que finalmente me alcanou. Ela quer me destruir. E est conseguindo. Naquele ponto eu j estava fazendo psicoterapia havia sete anos, entre idas e vindas. O que eu no compreendia era que a terapia em si havia me levado a origem da minha dor. As comportas foram abertas e as ser enchentes provenientes delas no podiam

contidas aps essa abertura. E eu tinha que morrer para continuar a viver. Finalmente, fui levado para um hospital particular,

mas antes tive que aguardar por meia hora numa sala de espera com algumas outras pessoas. Foi certamente um dos momentos mais terrveis da minha vida. Eu mental podia conter o terror dentro de mim enquanto aguardava ouvir meu nome sendo chamado. Finalmente o mdico me chamou e perguntou o que podia fazer por mim. Eu disse que no sabia. Que me sentia to desesperado e em pnico que eu achava que estava ficando louco. Eu tinha essa dor emocional invadindo-me dos ps a cabea. Uma sensao de terror. Pelo canto do olho o vi escrevendo em seu bloco de anotaes: msico em uma banda de rock. No senti compaixo alguma na atitude dele quando ele disse: Acho que deveramos envi-lo ao Hospital de Sade Mental Municipal. Eu j havia ouvido falar sobre esse lugar. Eu o conhecia porque um amigo meu foi internado l. E l tambm, tempos depois, cometeu suicdio. Era a ltima alternativa para casos sem soluo, para os quais no havia esperana. O lugar onde ningum tratado do qual voc no volta. Eu perguntei ao mdico se podia ficar no hospital onde eu me encontrava. Os olhos dele brilharam: Mas claro que pode!, ele respondeu. Por que voc no me perguntou sobre isso antes? Deixe-me lev-lo agora mesmo. O que ele no me contou que me custaria mil euros por dia ficar naquele hospital. Mas talvez isso tenha realmente me salvado. Eles me deram meu prprio quarto, e pela primeira vez em minha vida, deram-me um tranquilizante. Comecei a me sentir pesado e entorpecido Como se

eu no existisse. Estava deitado em minha cama naquele quarto branco e pude ver uma rvore do lado de fora. Eu no sentia mais a sensao de terror. No sentia mais nada devido a medicao. No compreendia o que estava acontecendo comigo. Estava realmente apavorado. Um mdico veio me ver. Uma mulher muito doce que parecia muito feliz. Eu me recordo de ter me perguntado como algum podia ser to feliz. Ela me fez algumas perguntas e ento eu tive que fazer um teste de depresso, que basicamente apenas uma srie de perguntas. Como a maioria dos mdicos, ela tentou definir o que havia de errado comigo de modo mecnico. Mas eu j estava acostumado com tudo aquilo, a ser tratado daquela forma. Eu me lembro de contar a ela que, de alguma forma, entendia que tinha todas aquelas emoes dentro de mim e que, do nada, comecei a experiment-las todas de uma s vez. Ela disse ento que no era psiquiatra e que eu passaria por uma consulta no dia seguinte. Contei a ela ento que eu j fazia terapia h sete anos entre idas e vindas, com alguns intervalos entre as sesses. Ela no disse nada acerca do meu comentrio. Ento passei o resto do dia como um zumbi. No sentindo nada, no vendo nada, no ouvindo nada. Apenas olhando fixamente para aquela rvore. E torcendo para que, um dia, eu pudesse me sentir to vivo quanto ela. No dia seguinte passei pelo psiquiatra. Era um senhor de idade, tendo por volta de sessenta anos, e me fez passar por uma srie de questionrios e fez muitas

perguntas. Contei para ele sobre minha vida e notei algumas lgrimas escorrendo pelo rosto dele. O diagnstico dele, como alguns mdicos dizem, foi que eu tinha transtorno bipolar. Eu no fazia a mnima ideia do que era at que ele me explicou. Fazia sentido. Eu me recordava ter os sintomas por quase dez anos e ele disse que no era incomum que uma doena no fosse tratada por dez anos, e que era, na verdade, algo bem comum. Fiquei me questionando sobre todo aquele tempo que passei em terapia. Foi em vo? Agora eu sabia que no. Ento qual foi o resultado? Medicao. Nas semanas seguintes fui colocado sob a ao de diversas medicaes diferentes. A maioria delas tiveram efeitos colaterais terrveis e outras, nenhum. Finalmente me passaram um dos anti-depressivos e tranquilizantes modernos e mais caros. Mal eu sabia que dar anti-depressivos para uma pessoa com transtorno bipolar como ligar uma bomba-relgio. Eles podem desencadear um episdio manaco muito perigoso e quase por ironia, tambm podem lhe fazer depressivo. Pelos prximos seis meses fiquei em minha cama com as cortinas fechadas. Em alguns dias a cortina ficava 10 cm aberta, mas na maioria dos dias, ficava completamente fechada. Eu chorei todos os dias por seis meses. No compreendia de onde aquilo vinha mas algo em mim entendia que era uma coisa que carregava por dentro h muito tempo. Compreendia que o que estava enfrentando no tinha nada a ver com transtorno bipolar. Que era algo que eu estava escondendo. Algo terrvel acerca do

passado e de minha vida toda. Eu nunca havia encarado o luto pelo perda do meu pai e de minha infncia. Mas finalmente sair de estava casa, comeando o processo. Quando finalmente consegui freqentemente ia a lugares de minha infncia. Eu me lembrava de tudo, nos mnimos detalhes. Peas que eu e meus amigos pregvamos nos outros. Lugares onde costumvamos jogar futebol. Todos esse lugares que traziam as emoes tona. No posso nem descrever como eu me sentia se voc ainda no experimentou alguma dor emocional. Machuca. uma dor fsica. E enorme, realmente uma dor fsica extrema, apesar das pessoas no entend-la. No creio que seja possvel compreend-la se voc no passou pessoalmente pela experincia. Com freqncia eu me sentava prximo ao mar, em um lugar onde costumava pescar aos onze anos de idade. Sentava-me numa pedra e observava a paisagem. A neve havia derretido e uma fina camada de gelo cobria o mar, e tambem o Golfo da Finlndia. De repente comeou a nevar. Ainda assim, podia ver a neve caindo ao meu redor, em uma raio de cem metros ou mais. Eu me sentava l olhando a bela paisagem enquanto a neve caa sobre mim. Senti que toda minha vida havia sido em vo, que minha dor era to insuportvel que eu no podia agentar mais. No sabia que o lugar onde meu pai havia cometido suicdio ficava a apenas trs quilmetros de onde eu me encontrava naquele momento. Eu tinha um frasco de remdios comigo, o suficiente

para acabar com minha dor. Estava sentado por muito tempo na neve caindo, com os olhos fixos no horizonte. Eu me questionava se a vida ainda importava para mim e se essa dor e falta de esperana valiam a pena. E ainda assim, algo em mim nao podia fazer aquilo. E ainda assim, naquele ano, eu morri. Pelo menos foi como tudo soava para mim. Uma morte lenta. Era impossvel fazer msica. Era impossvel, na maioria do tempo, at mesmo sair da cama. As manhs eram terrveis. A primeira coisa que sentia quando acordava era falta de esperana. Eu vivi naquela falta de esperana por seis meses. Realmente morri naquele ano. Para que pudesse, ento, finalmente, viver. Ouvi as pessoas dizendo muitas vezes que o suicdio a sada mais fcil. Posso dizer, por experincia prpria, ambas a minha e a do meu pai, que esse dizer puro clich. O suicdio est longe de ser a sada mais fcil. preciso muita coragem para se matar porque a sada final da vida como ela conhecida. Por essa razo, com mais freqncia um escape para uma situao ou dor intolervel. Mas no fcil. Voc pode tentar imaginar, se tiver alguma compaixao dentro de voc, como deve ter sido para algum que realmente acabou com a prpria vida. Momentos antes e enquanto tudo acontecia. Tente imaginar o que a pessoa pensou enquanto fazia aquilo. E ainda assim sei que, apenas se voc j chegou perto da morte por experincia prpria, apenas ento voc capaz de compreender a deciso

da pessoa que tirou a prpria vida. Como meu pai. Como um autor finlands, que uma manh saiu para uma caminhada de um hospital no qual havia se internado por vontade prpria. Ele foi at a estao de metr mais prxima e esperou o trem vir. Momentos antes dele chegar, ele se jogou na frente do trem e ficou em pe, encarando o trem sem se mover. Sem qualquer medo. O trem tentou desacelerar, mas tinha apenas 40 metros para faz-lo. E o autor tinha 40 metros para ficar em p, e encarar o trem. Ele no se moveu nem um centmetro. Ou como meu melhor amigo Mika, que pulou da janela do quarto andar do apartamento de seus pais para a morte cinco anos atrs, depois de uma longa batalha com a depresso e sentimentos de rejeio. Por favor, no pense que estou escrevendo aqui como uma espcie de defensor do suicdio. Eu apenas realmente entendo pessoas que decidiram tirar suas prprias vidas. E que voc provavelmente acredita em um dos muitos tabus que a sociedade tem a respeito do suicdio. Pessoalmente, no acredito em nenhum dos dois. Tabus ou sociedade. Mas muitas pessoas prximas a mim tiraram suas vidas pelas prprias mos, o que me fez pensar muito a respeito. E claro, atravs da minha prpria dor e sofrimento muito mais fcil para mim entender a deciso deles. Decises que parecem completamente absurdas para pessoas que esto levando uma vida feliz e que nunca ficaram realmente depressivas. E ento continuei a viver com minha dor e pavor. Dia aps dia. Ano aps ano. Aquilo no me impediu de

dirigir quarto horas para um show que minha filha queria tanto ver. E enquanto ela curtia o show, eu ficava em um hotel e chorava porque doa demais. Eu sentia tudo ao mesmo tempo: medo, dio, pavor, tristeza, abandono. Naquela poca, no podia identificar claramente qualquer emoo, eu apenas sentia e tentava seguir adiante. Mas doa tanto! Aquilo no me impediu de levar minha filha para a escola de manh e de busc-la tarde. No me impediu de preparar o caf da manha para ela. No me impediu de fazer duas turns mundiais em uma banda de metal sob condies muito pesadas. No me impediu de visitar o tmulo do meu pai e ter conversas imaginrias com ele, ou apenas sentar l por horas, olhando fixamente para o tmulo e o cemitrio. Percebi que nunca disse adeus ao meu pai. Que no entendia que ele estava morto. possvel para ns humanos ser assim. Intelectualmente, compreendia que ele estava morto, mas emocionalmente, em um nvel profundo, ele permanecia muito vivo. Em mim. Nunca percebi de verdade que ele havia morrido. Foram necessrias muitas visitas ao seu tmulo. Foi necessria muita dor, muito mais do que eu julgava ser capaz de agentar. Uma pesquisa completa sobre o suicdio dele e dos dias que o precederam. Voltando ao estado de ser um garoto de 12 anos de idade que teve que passar por aquilo. Somente ento comecei a entender o que havia acontecido. Mas levou anos. E ainda hoje, de alguma forma, ainda tenho problemas com isso. Talvez no seja possvel se curar de todos os momentos dolorosos das nossas vidas. possvel que

eu tenha que viver com isso pelo resto da minha vida. Agora tenho 11 anos a mais em relao a idade com que meu pai faleceu. Isso parece estranho. Mas todos nos temos nossa histria para contar. Aquilo me impediu de vivenciar e experimentar a vida intensamente, e ainda assim, ao mesmo tempo acho que era algo que estava de certa forma no meu destino. Muitas coisas dolorosas que estavam presas dentro de mim estavam finalmente vindo tona. Eu as sentia em meu corpo. Algumas pessoas dizem que no podemos mudar quem realmente somos. Eu nem sabia quem eu era at que meu passado finalmente se libertou em mim. A partir daquele momento, comecei uma jornada que iria finalmente me levar de volta a mim mesmo e a quem eu realmente era. No quem eu fingia ser. E essa jornada a jornada mais dolorosa das nossas vida. E ainda assim, quando essa jornada veio de encontro a mim, no tive escolha a no ser jogar-me no seu curso e deixar que ela me guiasse. A vida sempre encontra um caminho. E com toda certeza, no posso negar os efeitos que minha infncia dolorosa teve em mim como artista e razo pela qual me tornei msico. Certamente, muitas das minhas canes tem aquele elemento ansioso e saudoso em relao a meu pai, embora eu nao tinha conscincia disso at que comecei a escrever aquelas cancoes. Ento dessa perspectiva, minha infncia poderia ter, afinal, um significado completamente diferente. Talvez. Agora enquanto eu escrevo nesse verao de 2010, tenho convivido com essa dor por seis anos, todos os

dias. Ela no foi embora. Ainda tomo ltio e calmantes. Os mdicos dizem que o transtorno bipolar no pode ser curado algo que se tem pelo resto da vida. Talvez seja verdade, no sei. O que realmente sei que parece que tenho um fantasma sobre meus ombros, uma companhia que me lembra todas as manhs quando acordo da fragilidade da vida e o quo fcil perder tudo o que se tem num piscar de olhos.

NO HAVIA PESAR, NO HAVIA DOR Passei a maioria da minha infncia me sentindo feliz e seguro. Quando escrevo infncia, no meu caso quero dizer at quando eu tinha cerca de nove anos de idade. No parecia haver nada de errado em nossa famlia. Na realidade, parecia ser a famlia dos sonhos. Tnhamos uma casa bacana e estabilidade financeira. Minha me realmente tomava conta de mim, com tanto amor e devoo que me deram as ferramentas atravs das quais sobrevivi muito tempo depois em minha vida. Recordo-me do meu carinho especial pelos Natais. Recordo-me do cheiro. Recordo-me da atmosfera. Parecia seguro. Todos estavam juntos. Todos estavam felizes. Sempre que a famlia se reunia, meu av queria que eu cantasse uma msica que ele gostava. Eu era tmido, mas ele sempre me dava dinheiro se eu cantasse, ento eu cantava. Fazia parte de um coral clssico de garotos chamado Cantores Minores naquela poca e com freqncia, cantava

nas festinhas da escola.

Eu me lembro de ter uma

grande auto-confiana sobre minha voz. Realmente sentia que era algo que poderia fazer, que vinha sem grande esforo. Cantar era algo que parecia totalmente natural para mim. Quando tinha sete anos, ganhei meu primeiro violo como presente de Natal. Havia visto um primo tocar um violo quando tinha cinco anos de idade e ele, no mesmo instante, virou meu heri. Recordo-me de entrar no quarto dele apenas para ver o violo. Ainda me lembro de como era. De forma muito cuidadosa, encostei nas cordas e toquei um pouquinho. Foi amor primeira vista. No compreendia a magica do violo. Meu primo me ensinou alguns acordes e algumas msicas dos Beatles. Eight days a week foi uma das msicas que ele me ensinou a tocar. Ele tambm j tocava em uma banda, o que me impressionava muito. Ento claro que muito em breve eu queria ter meu prprio violo. Isso aconteceu na noite mgica do Natal de 1973. claro que todos que lem isso sabem que aquele instrumento iria me levar a muitos lugares no futuro. Eu nunca pensei ou sonhei com nada parecido. Eu apenas queria muito ter um violo. No podia fazer muita coisa com ele no comeo porque no podia tocar nada. Havia uma Aula de Violo na escola onde eles ensinavam algumas lies bem bsicas do instrumento. Fui l e aprendi minha primeira msica. Fui todas as semanas e aprendi muitas coisas. Havia encontrado a msica e era algo muito natural para mim. Minha me me contou que quando eu tinha

apenas trs anos de idade j gostava de msica e ouvia o Top 40 no rdio, sabia todas as letras dos hits, sempre recostado no rdio, esperando pelos hits serem tocados, e ento cantarolava junto. Nem tudo eram rosas. Recordo-me que minha av tinha cncer e que suas duas pernas foram amputadas. Ainda me lembro do meu pai carregandoa escada acima na noite de Natal e colocando-a no sof. Ela dizia que de certa forma era timo ter cncer porque ento ela teria a ateno que nunca teve enquanto foi saudvel. Recordo-me de questionar se era possvel incitar o cncer dentro de ns mesmos. Agora penso que aquilo, na minha opinio, o mecanismo bsico de funcionamento do cncer. No em todos os casos, mas certamente mais do que pensamos. Todos estavam em volta da minha av, lhe dando ateno. Ela faleceu no ano seguinte. No me recordo de estar presente no funeral, embora tenha sido possvel. Ela foi enterrada no mesmo tmulo que meu av e meu pai. Onde no serei enterrado. A morte algo abstrato para as crianas at uma certa idade. No realmente compreendida. Ou talvez as crianas entendam e aceitem a morte de um jeito muito mais natural do que ns adultos somos capazes, j que a morte um grande tabu na sociedade. algo simplesmente deixado de lado. Ningum realmente compreende que vai morrer um dia. Talvez at mesmo amanh. Nunca sabemos quando. As crianas parecem enfrentar a morte de forma natural. E minha opinio pessoal a de que as crianas podem ser

nossos maiores professores se formos humildes o suficiente para receber o que elas querem nos contar. E elas tem muito a contar. O que sinto mais falta do frescor que sentimos quando se tem oito anos de idade e todos os seus sentidos so to apurados como se v o mundo pelos olhos de uma criana. No importa a forma como voc est sendo tratado por seus pais e na escola, ter oito anos ainda uma idade na qual voce v o mundo de um jeito diferente. Voc sente. Realmente sentimos. No estamos totalmente morto pelas regras, dogmas alguns e anos tabus que nos sero e apresentados depois. Corremos

brincamos porque isso o que crianas sabem fazer. muito puro. muito inocente. Ainda me lembro de tudo muito claramente. O cheiro da grama. Como era jogar futebol com amigos at noite e depois correr para casa morrendo de sede. O quo delicioso era o sorvete no vero. A sensao de liberdade quando as frias de vero comeavam e o vero encontrava-se totalmente a sua disposio. Como era fcil provocar as meninas. Como era sorrir e estar feliz. Como era cabular aulas. Como eu odiava matemtica e como amava msica. Recordo-me de todos os lugares da minha infncia com uma espcie de nostalgia. Aqueles tempos nunca voltaro. Se pudesse ter ao menos 2% do entusiasmo e felicidade que eu tinha quando era um garoto, seria o homem mais feliz do mundo. Meu pai trabalhava em uma loja que vendia eletrnicos, TVs, rdios e coisas do gnero. Ele tinha

uma vasta coleo de msica em casa e se ficou fascinado pelo assunto. A primeira banda que gostei de verdade foi o ABBA. Ele me deu a fita cassete deles. Creio que era o primeiro lbum deles. Recordome de como gostava daquelas canes e como tentava toc-las no meu violo. Por muito tempo, o ABBA permaneceu como a nica banda que existia para mim. Ainda amo as msicas deles e ainda me lembro como eles soavam como novidade para mim. Queria ser como eles. As msicas deles eram simplesmente boas demais. Eles tinham algo como oito canes nmero 1 em seqncia na parada musical comeando com SOS. Muita msica finlandesa era tocada na casa onde cresci na minha infncia e muitas das musicas que escrevi tiveram origem naquela mesma casa. Alguns momentos embaraosos at aconteceram, mas eu nunca, conscientemente, fiz deles parte das msicas que escrevi. apenas prova de que nosso subconsciente guarda tudo o que acontece quando com a gente quando se tem 40 anos de idade e algumas melodias nelas remontam 30 anos atrs. Ento juntando tudo, no difcil imaginar que a msica estava se tornando cada vez mais parte da minha vida. Mas aconteceu de forma muito lenta. No me lembro de tudo de modo claro. Ainda menino, estava envolvido em vrias outras atividades. Fazia parte de um time de hquei no gelo e outro de basquete. Eu era mais alto do que a maioria dos outros garotos de minha idade e me lembro de gostar muito de basquete. Tambm gostava

bastante de nadar todo vero. Eram tempos felizes, eu diria que tive uma infncia muito feliz at certo ponto e ento tudo virou algo completamente diferente. Um pesadelo. O verso na msica Forever que escrevi diz: Oh, quo feliz eu era ento, no havia pesar, no havia dor. Caminhando por campos verdes, a luz do sol em meus olhos realmente reflete como vivi a grande maioria de minha infncia. No entanto, essa msica foi composta para meu pai. Aqueles campos verdes ainda esto l. Apenas preciso encontr-los de alguma forma. Talvez um dia eu os encontre. Talvez um dia eu me encontre como um menino percorrendo aqueles campos verdes com a luz do sol em meus olhos. Sei que, com absoluta certeza, estou em casa. Tenho tantas coisas para contar a mim mesmo enquanto garoto. Tantas coisas para explicar e tanto para compartilhar. Espero que um dia nos encontremos em uma estrada ensolarada. MERGULHANDO NA PSICOSE Aconteceu gradualmente. Voltando no tempo, do Natal de 2004 at o outono de 2005, eu me encontrava em uma espcie de estado psictico. Em 2004, antes do meu estdio colapso transtorno de nervsoso bipolar, e ser tinha diagnosticado construdo um com

gravao

chamado

Goldenworks. Coloquei todo os adiantamentos de royalties de msicas e um emprstimo bancrio nesse estdio, totalizando o valor de 150 000 euros. Quando

o estdio ficou pronto, comearam a construir um estacionamento debaixo dele. Isso significou um quase constante barulho de perfurao e grandes exploses muitas vezes por dia. Era evidente que muitos clientes no iriam l gravar e mixar em condies como aquela. Era meu sonho. Algo para o futuro. E fracassou antes mesmo de comear. Apenas um lbum foi gravado l: o Black Album do Stratovarius. Depois, tive que ir a justia com a proprietria, que se recusava a cancelar o contrato de locao. Ela dizia simplesmente que no havia nada que atrapalharia o estdio enquanto negcio. Acontece que ela sabia sobre a construo da garagem embaixo do estdio quando assinei o contrato de locao . E no apenas isso, ela era uma das proprietrias da garagem sendo construda. Apesar de tudo, perdi o caso em primeira instncia. Apelei a uma instncia maior e finalmente ganhei, mas de qualquer forma, foram quatro anos da minha vida e esses processos so desgastantes demais para mim. Minha locadora teve que pagar quase 50 000 euros de honorrios advocatcios. E tudo o que havia pedido a ela foi para que ela cancelasse o contrato de locao. Realmente aqui se faz, aqui se paga. Ainda no sei se foi a medicao e os anti-depressivos que comearam a me levar a um estado de psicose. A mania virou parte de mim e me sentia profundamente irritado com coisas triviais. Barulhos alto demais me deixavam muito bravo. Tudo me deixava bravo. Acho que a mania aos poucos virou psicose. Estar psictico significa perder a noo de realidade e passar a ver

coisas que realmente no existem. Isso tambm pode chamado de ficar louco. Por exemplo, havia um boneco do E.T. no estdio que falava seis frases. Uma especificamente quando voce apertava a mo dele. Agora esse boneco havia comeado a falar sem ningum ao menos toc-lo. At mesmo o Timo Kotipelto ouviu esse E.T. falando sozinho enquanto gravvamos os vocais para o Black Album. Eu me lembro de ter essa sensao estranha na minha cabea. Algo como uma mistura de medo e arrogncia, mas em sua maioria, medo. Certa vez fui a uma loja comprar comida e precisava de manteiga. Fiquei olhando essa embalagem de manteiga porque no havia mudado em 20 anos. Continuava a mesma mas o nome havia mudado para outro nome diferente. Lembrava bastante o nome antigo mas ainda assim, era novo. Recordo-me de olhar fixamente para a embalagem com pavor, pensando que estava ficando louco. Achei que vi o nome errado na minha mente. Ento comeou a ficar pior. Um dia um amigo da banda me ligou enquanto eu estava mixando o lbum e perguntou se podia vir ao estdio e ouvir algumas msicas. claro que concordei. Ento comecei a sentir como se esse cara fosse o diabo em pessoa. Pode soar como uma piada agora quando me lembro desse episdio, mas para mim, parecia verdade. Quando ele chegou no estdio, eu estava 100% certo de que ele era realmente o diabo em pessoa, e que tinha vindo ouvir nossas msicas. Ele ento sentou onde faco a mixagem das cancoes e eu estava encostado na mesa de mixagem olhando fixamente

para ele. Olhei nos olhos dele e me lembro de ter pensado: Voc nao me engana, sei muito bem quem voc . E isso quando eu nem acredito que algo como o diabo exista! Talvez, de modo mais profundo, eu acredite. E esse cara que veio escutar as msicas uma das pessoas mais doces que j conheci na minha vida. Estava aos poucos adentrando o mundo da psicose. E no so todas as pessoas que conseguem sair dele. Ento chegou o tempo de ir a Berlim tocar alguns mixes para a gravadora. Estvamos na primavera de 2005. O Festival de Filmes de Berlim estava acontecendo na mesma poca. noite eu queria sair para beber um pouco, e liguei para um produtor de filmes finlands que estava la, mas ele j estava voltando para casa. Ele sugeriu que eu me encontrasse com um amigo dele da Groenlndia. Ele se chama Yngvar. Esse rapaz me ligou e disse que viria para o hotel onde eu estava hospedado, e que traria um amigo da ustria com ele. Disse tambm ao telefone que o ltimo viking. Eles ento chegaram no meu hotel e eu os aguardava no bar. As primeiras palavras dele para mim foram Ns sabemos quem voc mas no sabemos ao certo como voc . Aquilo soou muito estranho aos meus ouvidos. Yngvar e Marcus eram a meu ver, pessoas muito estranhas. Eles me contaram que estavam no ramo de filmes. Os dois carregavam um caderninho preto e me perguntaram porque eu no tinha um tambm. O propsito para o tal caderninho preto logo ficou bem claro. Tudo comecou no bar do hotel. Eles

caminharam na direo de todas as mulheres que achavam atraente e perguntavam diretamente pelo nome, telefone e e-mail. Para minha surpresa, a maioria das mulheres lhes forneceu as informaes solicitadas e eles as anotaram tudo nos seus nos caderninhos. Todo o tempo eles me diziam que eu deveria ter um tambm. Tudo soava esquisito e absurdo. Mas eu estava em um episdio manaco, ento tudo meio que fazia sentido para mim. Quando estvamos sentados no bar do hotel bebendo cerveja, Yngvar comeou a me contar algumas coisas. Ele me disse que era o intermedirio entre Deus e o diabo e que havia vindo me passar o basto. Ele tambm me contou que eu ficaria famoso mundialmente em dois anos e meio, talvez antes e que pessoas viriam at mim. Ele me disse que eu morreria dormindo em paz quando tivesse 70 anos de idade. Ele tambm disse que eu teria uma estrada um pouquinho conturbada, mas que tudo ficaria bem. Tudo isso soava como uma conversa aterrorizante para mim, considerando o estado no qual eu me encontrava. No conseguia entender aquele homem. Fomos alguma casa noturna e l eles fizeram a mesma coisas com seus respectivos caderninhos. Eu me lembro do Yngvar ter me passado sua jaqueta e perguntado: Posso confiar em voc? Eu disse que sim, e peguei a jaqueta. Ele retornou mais ou menos 10 minutos mais tarde, pegou a jaqueta de volta e disse que havia uma arma nela porque ele precisava me proteger.

A mesma coisa aconteceu em vrias outras casa noturnas e Yngvar comeou a ficar muito bbado. Tomamos um txi e ele e Markus estavam sentados no banco de trs e eu no banco da frente. De repente, tive a sensao de que Yngvar podia ler meus pensamentos. No sei porque exatamente tive aquela sensao, mas estava l. Lembro-me de tudo isso de forma muito clara, e essa foi uma das primeiras coisas paranormais que aconteceu comigo. Algo me veio a mente: Se voc realmente pode ler meus pensamentos, bata nas minhas costas duas vezes. Em alguns segundos, pude sent-lo batendo nas minhas costas duas vezes. Aquele homem realmente podia ler meus pensamentos. Eu sabia o quo tentador podia ser rotular tudo aquilo dentro de um episdio manaco, mas aquilo foi algo concreto. Aconteceu exatamente como descrevi. Naturalmente, aquilo me deixou apavorado. Quando sai do carro, eu estava em choque. Yngvar me contou que naquele dia eu finalmente deixaria meu pai descansar em paz. Como ele poderia saber a respeito do meu pai? Gritei para ele: O que voce quer? Ele disse: Timo, no quero nada seu. Mas quero que saiba que agora tem um amigo. Continuamos caminhando na direo do hotel e sentamos no lobby. Yngvar disse que se houvesse 100 caras entrando pela porta da frente, ele tomaria um tiro por mim se necessrio fosse. Ento o pior aconteceu. Algo que ainda me assombra at hoje. Mais uma vez, seria muito fcil julgar o ocorrido como domnio da mania, mas pareceu real demais. Yngvar estava muito bbado agora e estava em p, bem

prximo a mim, meio de lado. Ele estava me olhando com um sorriso estranho. Ouvi algo como um zumbido na minha mente e ento olhei para as costas dele e vi um par de asas negras. Elas no eram muito longas. Tinham talvez uns 40 cm, mas elas eram pretas e horrveis. E ele notou claramente que pude v-las porque agora ele sorria. No sei o que ele fez e como o fez, mas de alguma forma ele projetou aquelas asas na minha mente. O zumbido na minha cabea deve ter sido por causa disso. No podia acreditar no que estava vendo. Ento ele foi novamente sentar-se no lobby e comecou a reclamar que nunca via seus filhos. Por fim, disse que era hora de ir, e foi embora com o Markus. Eu nunca mais o vi. Ele partiu, deixando-me em um estado de choque, descrena e terror. E com uma pilha de dvidas. Depois desse episdio, realmente adentrei o mundo psictico. As sugestes que ele fez funcionaram porque permiti que elas entrassem na minha mente. Comecei a pensar que era algum especial. O mensageiro de Deus na Terra e completamente protegido, a ponto de eu podia fazer qualquer coisa. No podia ver que ele havia apenas brincado comigo, talvez usado telepatia. No sei como ele fez aquilo ou se foi minha mania. Mas ele brincou comigo, com toda certeza. Talvez algumas pessoas se empolguem ao fazer coisas como essa com os outros. Mas pessoas assim no tem nenhuma moral. So sociopatas que apenas querem tirar sarro da sua cara e no tem remorso por faz-lo. Para mim e para as pessoas prximas a mim, esse episdio teve custos enormes.

Tudo estava um caos no vero de 2005. Em todos os lugares para onde eu ia, comecei a ver pessoas cruzando os dedos em posio de oracao. Sempre achei que elas faziam aquilo por minha causa. Achava que eles sabem quem eu sou ento esto orando, e ficam quietos porque querem manter meu segredo. Isso parece insano agora, mas era realidade para mim. Moro prximo ao mar, e ia para a beira-mar quando havia tempestades e falava para o mar se acalmar, como Jesus fazia. E me lembro claramente de ter visto o mar se acalmar. noite, quando retornava do estdio, geralmente ouvia Into the West do Return of the King, sobre o retorno do Messias. Da me lembro de olhar para o cu noite e pensar que seria bacana ver uma estrela cadente e naquele exato momento uma estrela cadente aparecia. Ento na minha mente, eu tinha evidncias o suficiente para acreditar que eu era realmente especial e que me encontrava numa missao. Certa noite lavei uma camiseta cinza na pia do banheiro e a deixei na mesma pia durante a noite. Na manh seguinte, eu a enxagei e para meu pavor absoluto, vi uma figura preta de cerca de 10 cm, em uma camiseta que na noite anterior era apenas uma camiseta cinza comum. Era um atirador com um rifle em mos, mas ele no estava apontando para mim. Mas estava olhando para mim. Esse atirador est at hoje nessa mesma camiseta e no consigo explicar como ele foi parar l. Naturalmente todas estas coisas que aconteceram comigo afetaram demais meu comportamento, o das pessoas prximas a mim e das

pessoas que trabalhavam comigo. Era impossvel contar a essas pessoas o que estava acontecendo porque tudo era real demais para mim. E eu ainda acredito que, nao parcialmente, foram reais. ser podem alguns Algumas explicadas desses coisas como acontecimentos simplesmente

transtorno bipolar. Mas eu estava ficando cada vez mais paranoico sobre tudo. Ouvi uma grande exploso a uma certa distncia, e aquele foi um sinal enviado especificamente para mim. Mas naquele ponto eu ainda estava sob o efeito de medicamentos muito fortes que me foram prescritos quando fui hospitalizado. Devo ter estado em uma especi de estado semi-psictico, porque pude perceber que algo estava terrivelmente errado. Eu compreendia perfeitamente que estava longe de estar bem e que precisava fazer algo. Minha me sugeriu um psiquiatra que a tratou nos anos 80. Acabou sendo uma beno. De modo bem rpido ele entendeu que minha medicao estava totalmente errada, e que de antemo deveria fazer alguns exames de sangue bsicos. Depois disso, ele me prescreveu carbonato de ltio, que a medicao mais comumente usada para tratar o transtorno bipolar. Para minha ansiedade e tendncias paranicas ele me receitou tranqilizantes. Essa medicao tem sido a mesma por cinco anos e talvez eu tenha que tomar litio pelo resto da vida. Mas desde que eu comecei a tom-la, no tive mais episdios manacos ou depressivos de forma alguma. Em certos momentos, sinto a mania se

aproximando, a maioria das vezes na primavera, e ento aumento a dosagem por conta prpria. Como meu psiquiatra diz, eu sou o maior expert em minha doena. Mas devido ao ltio, fui capaz de trabalhar novamente, de fazer msica e turns. Os dias de bebida passaram. Eu no encosto em nada alcoolico h cinco anos. Nem uma gota. Devo dizer que no sinto falta, no entanto fazer turns estando sbrio estranho. Afinal, fiz a maioria das minhas turns estando bbado quase todos os dias. Mas tambem descobri que h muitas coisas boas na sobriedade. E estranhamente, ainda parece difcil para algumas pessoas compreender essa verdade.

O GAROTO DA BLUEBERRY HILL Realmente comeou sem aviso. Do nada. Antes, meu pai havia sido um homem quase totalmente sbrio, e agora havia comeado a beber. Isso comecou por volta de 1975. Ele bebia muito e se tornou muito violento. Para um menino de nove anos de idade que havia sido to feliz at ento, aquilo foi um choque total. Eu no podia compreender porque ele estava assim. Algumas vezes ele desmaiava no cho nu. Eu me lembro de algumas vezes em que ele se cortou com uma gilete. Ainda tenho fobia de giletes, daquelas antigas que raramente so vistas hoje em dia. Quando ele estava bbado, ele agia de modo completamente diferente realmente malvado e terrvel, especialmente com minha me. Eu me

recordo dele perseguindo minha me em nosso apartamento. Lembro-me de tentar par-lo, puxandoo pelas roupas dele e pedindo que ele parasse. Para um garoto de nove anos de idade, aquilo foi algo alm da capacidade de compreenso e foi quando algo foi quebrado dentro de mim. algo bem evidente na minha foto da escola de 1976. Nessa foto esta um menino que parece muito triste. Quando vejo aquela foto hoje em dia, choro porque eu era to feliz at que eventos como aquele comearam a acontecer. difcil descrever a aparncia que tenho naquela foto. Talvez seja algum que no entendia, que estava muito triste e decepcionado. uma foto de um menino de dez anos de idade devastado. Na parte de trs da foto h algo que meu pai escreveu. Algumas vezes ele me colocava para dormir dizendo o quanto papai te ama com um cigarro aceso na outra mao, completamente bbado. A nica coisa que pode ser distinguida da escrita na fotografia so as palavras papai vai se matar. O resto eram rabiscos embriagados que so ilegveis. S Deus sabe o que estava escrito. Mas eu podia ler aquela frase. Meus pais tiveram muitas brigas e eu sempre as ouvi pela minha porta. A maioria delas ocorria noite. Coisas eram jogadas, mas nunca pela minha me. Sons altos, cortantes e aterrorizantes. Eu me lembro de estar amedrontado na minha cama. Ainda me recordo da sensao do travesseiro, molhado com minhas lgrimas, encostando na minha bochecha. Minha me havia colocado um quadro de um Anjo da Guarda que tinha suas mos sobre duas crianas

prximo a minha cama. Eu me lembro de achar que o anjo poderia nos ajudar um pouquinho mais porque as coisas estavam fugindo completamente do controle. Muitas vezes meu pai ficou to violento que eu, minha me e meu irmo tivemos que fugir de casa. Isso acontecia com freqncia. Eu tinha dez anos de idade. Uma vez ele jogou toda a mesa da sala pela janela com um grito terrvel. Mais uma vez escapamos para algum parente. Eles comearam a se acostumar com essas visitas noturnas. Elas sempre aconteciam noite. Ainda me lembro do ar frio como o gelo do inverno quando fugamos em pnico, vestindo qualquer coisa que pudssemos quando partamos. Ainda me lembro das janelas super frias do carro de minha me e do terror ao pensar que meu pai poderia nos seguir. Ele nunca o fez. As coisas foram ficando cada vez mais fora do controle. Meu pai havia ameacado nosso vizinho com uma faca. Outras pessoas tambm comearam a ficar com medo dele. Ele forava minha me a assist-lo colocando cigarros acesos em seu brao. Tudo estava claramente fora do controle. Certa vez, eu me recordo dele estar inconsciente no cho por conta do lcool e tranquilizantes ingeridos. Minha me chamou a ambulncia. Ainda tenho vvida em minha mente a memria do meu pai sendo carregado pelos paramdicos. Ele foi levado para o hospital e voltou para casa no dia seguinte como se nada tivesse acontecido. No h nada de errado comigo, ele disse. Freqentemente ele perguntava porque nos samos de casa quando voltvamos no dia

seguinte, aps escapar de um dos episdios de embriaguez dele. Eu respondia a ele com a lgica de um menino de 10 anos de idade: porque estvamos com medo. No que ele respondia: Vocs no deveriam ter fugido. Eu me lembro de minha me esvaziando garrafas inteiras de lcool na pia da cozinha e me lembro de ter feito o mesmo. Era uma tentativa desesperada de parar a bebedeira de um alcolatra. Tambem me lembro de encontrar um panfleto de um aparelho de exerccios musculares e ainda me recordo da foto de Arnold Schwartzenegger com seus msculos gigantes nele. Comprei esse aparelho, na verdade, porque queria ter msculos parecidos com os dele para que eu pudesse proteger minha me e meu irmo do meu pai. algo que soa to absurdo, mas apenas ilustra o desespero de um garotinho enfrentando uma situacao terrvel. A coisa toda durou por volta de dois anos, de 1975 a 1977. Naqueles dois anos me lembro claramente de ter desenvolvido um mecanismo de defesa. Eu me fechava ao mundo exterior. s vezes estava brincando com meu amigo fora de casa e calhvamos de passar por uma das nossas janelas. Meu amigo via meu pai sentado na sala, nu e tomando gim, e minha me chorando. Ele perguntava: O que seu pai est fazendo? No que eu simplesmente respondia: meu pai. Ele assim mesmo. No entendo como consegui ir escola todos os dias e agir como se nada tivesse acontecido. Acho que foi quando realmente comecei a desenvolver o que chamo de minha personalidade falsa. A verdadeira

eu trancava dentro de mim, incapaz de expressar o que realmente sentia sobre a insanidade de tudo. Apenas era doloroso demais para um menino de dez anos de idade compreender. Recordo-me de fazer planos de fugir de casa. No sabia para onde ir, tendo apenas dez anos. Mas me lembro de ter feito planos. Tinha um lugar para onde fugia para escapar da loucura. Era no meio de uma floresta perto da nossa casa no alto de uma montanha. Ela era chamada Blueberry Hill. Muitas vezes sentei l e chorei. Encontrava o conforto e a segurana que no sentia em casa naquele lugar. Ele virou meu Dreamspace (lugar dos sonhos). Tambm no compreendo como minha me aturava aquela situao e ia para o trabalho todos os dias como se nada houvesse acontecido. Creio que ela tinha desenvolvido o mesmo mecanismo de defesa que eu. Ela teve que agentar ver sua prpria vida sendo destruda diante dos seus olhos e estava completamente sozinha com dois filhos. Minha me me contou que eu finalmente disse a ela que se papai no fosse embora, que ela deveria faz-lo. No me recordo daquilo, mas que deve ter sido o momento em que ela percebeu que ela tinha que fazer alguma coisa. Ela entrou com o pedido de divrcio. No me lembro de muitos detalhes daqueles dias mas me lembro de uma coisa. Eu me lembro do dia em que meu pai foi embora e como me senti quando ele partiu. Foi um dia claro e ensolarado e havamos acabado de comprar um filhote de gato preto que nasceu sem o rabinho. Ainda me lembro de como era

no sentir mais medo. Fiquei feliz quando ele partiu. Em apenas dois anos meu pai destruiu quase tudo o que havia para ser destrudo. Mas me sentia feliz por ele ter ido embora e no me lembro que quanto tempo depois pude v-lo novamente. Creio que tenha sido seis meses depois. E ele estava bem pior na ocasio.

TEATROS DA MENTE E DO CORPO Comecei a fazer psicoterapia em 1999 em Helsinki. Minha vida havia chegado ao ponto em que no havia mais nada a fazer a no ser entrar em terapia. Havia acabado de comear a investigar o suicdio de meu pai e creio que estava passando por um episdio de mania. Minha vida pessoal estava em runas, enquanto minha vida professional prosperava. H pouco havia terminado a turn mundial de Visions. Procurei um terapeuta nas pginas amarelas. O primeiro para o qual liguei tinha uma secretria electrnica. O segundo respondeu. Era um homem com uma voz muito leve, que ainda me lembro. Estava encomendando vrios livros sobre psicologia e comportamento humano por anos e j devia ter lido mais de mil deles. Achava naquela poca que podia ganhar sabedoria ou conhecimento prprio atravs dos livros. Eu no os via ainda como um outro mecanismo de defesa ou fuga. Embora haja formas

muito piores de fugir. Eu disse a esse terapeuta, que chamarei aqui de Jukka, que primeiro passaramos por uma entrevista e ele decidiria se me queria como paciente ou no. Como voc sabe disso?, ele perguntou. Ele no sabia que havia lido isso em meus livros e que mais tarde aqueles mesmos livros agiriam contra o sucesso do tratamento. Quando me encontrei com o Jukka pela primeira vez, estava muito assustado. Entrei na sala dele, antes que ele me cumprimentasse ainda na porta. Sentei em uma cadeira e ele na outra. A nica coisa que pude dizer foi Estou apavorado. Ele assinalou com a cabea e disse que eu estava em uma espcie de choque e perguntou se eu estava me alimentando bem e que devia pelo estar tomando gua. A hora passou bem rpido e entramos em acordo sobre a programao da terapia que aconteceria uma vez por semana. Olhando para o passado agora, tenho certeza de que me perguntava se no deveria ser internado devido ao estado em que me encontrava, mas ele teve que tomar uma deciso rpida. Eventualmente, consegui lidar com a situao e realmente comear o tratamento. No comeo da terapia, geralmente eu estava atrasado ou perdia sesses sem ligar para cancelar. Ele ento me ligava e perguntava onde eu estava e se eu iria aparecer. Ele ficou muito bravo uma vez quando no cancelei uma consulta que tinha e simplesmente no dei as caras. Eu me lembro de ter comprado alguns livros para ele no comeo de tudo como presente e perguntar o que ele achava de mim. Ele no me

respondia e algumas vezes apenas sentvamos l por uma hora inteira e no conversvamos muito, apenas trocvamos algumas palavras. Passei o primeiro ano do tratamento falando sobre Jesus, sobre o universo e tudo mais, menos de mim. Estava, certamente, mais uma vez tentando escapar do inevitvel: encarar a mim mesmo. Eventualmente os assuntos acabaram e me lembro que tentei perguntar sobre a vida dele e as coisas que ele fazia fora do trabalho. Essa no a forma como os terapeutas geralmente agem entao eu realmente no tinha mais o que falar. E ainda assim, toda vez que tentei falar sobre mim, batia de frente com essa resistncia pesada em meu interior. O Jukka me disse uma vez que talvez eu tenha tanto pavor medo de mim que estava aterrorizado demais para falar. Ele estava, com convico, completamente certo. As situaes da minha vida mudaram, passei por um divrcio e continuei fazendo terapia. Comecei a entender o valor do tratamento, e o que significava sentar naquela mesma cadeira toda semana. O Jukka algumas vezes fazia seminrios que eu freqentava. Eu me lembro do primeiro de forma especial porque supostamente iria durar uma semana mas apareci apenas um dia. Achei que todo mundo era louco e que tinha que fugir de l. No entendia que era eu quem tinha muitas coisas a descobrir sobre mim mesmo e que a maioria daquelas pessoas estava frequentando aqueles seminrios por anos. Era eu quem tinha muitas coisas para resolver dentro de mim. Aos poucos comecei a entender o que era a

psicoterapia. Foi um processo lento e doloroso. O humor do meu terapeuta era nico e muitas vezes eu passava a gargalhadas depois de ter falado sobre algo muito doloroso, sobre a qual ele havia feito um nico comentario. Aquelas poucas palavras mudavam tudo e tornava a experincia cmica. Ou talvez tragicamente cmica. Ele me contou que geralmente as pessoas param de fazer terapia quando esto perto de perceber resultados. E claro, aconteceu comigo tambm. Muitas vezes. Mas sempre voltei e ele falava que talvez algo que havia sido iniciado no podia mais ser parado. Ele estava certo. Havia um processo acontecendo dentro de mim que me transportaria a dor e pavor originais dentro de mim e que me levariam ao colapso e ento me levariam a uma srie de descobertas pessoais, passando pela dor at chegar a um lago congelado onde todas as minhas experincias como menino e adolescente aguardavam por mim. Elas estavam esperando por mim. Comecei a sentir mais e mais dor. No me recordando mais de como eu estava quando comecei a fazer terapia, perguntei a ele se era o que geralmente acontecia durante o tratamento. As respostas dele eram muitas vezes vagas. Agora entendo o porque. Deveria ter chegado as mesmas respostas sozinho. Quando chorava, sentado naquela cadeira, na maioria das vezes ele apenas me observava. Aquilo me deixou bravo em vrias ocasies. Achei que ele no se importava. Mas ele estava basicamente observando a revelao do meu verdadeiro eu e aguardando pacientemente. Sempre me recordo do que ele disse

em uma das sesses quando eu estava me sentindo muito desesperado. Ele me disse que se a terapia fosse bem-sucedida, a pessoa tem que decidir se quer viver ou no. Aquilo soou to frio aos meus ouvidos que fiquei furioso com ele. Mas ele estava certo. No foi ele quem colocou todas aquelas emoes dentro de mim. Ele no me fez mal algum. Ele estava apenas tentando me ajudar. E ele sabia exatamente o que estava fazendo. Meu tratamento terminou quando fui hospitalizado em 2004 e ainda estou convencido de que a terapia causou tudo e que foi a nica coisa que poderia manter-me vivo. De outro modo, com toda certeza, eu teria seguido os passos do meu pai. Percebi que havia feito o mesmo por muitos anos quando o Jukka me perguntou se eu estava tentando copiar meu pai. Ento percebi que estava agindo da mesma forma que ele agia. Minha estrutura neurtica tinha que ser destruda. Teve que ser quebrada para que uma estrutura nova e saudvel pudesse se desenvolver. O antigo tinha que morrer para dar espao ao novo. Mas foi uma luta que eu no podia prever e com uma durao para a qual no estava preparado, mas certamente quando voc guarda emoes to dolorosas dentro de si por quase 20 anos e finalmente comea a experiment-las, leva um bom tempo. um processo, como tudo mais no universo. Creio que no estaria vivo sem a terapia e sem o que ela fez por mim. Ela no me salvou, eu me salvei. Mas fez com que eu pudesse me entender melhor e ironicamente, a maioria das descobertas pessoais

apenas me alcanaram tempos depois de eu ter concludo a terapia. No posso negar como o tratamento tambm afetou minha msica. Por exemplo, as msicas que escrevi para o lbum Infinite foram muito influenciadas pelo processo teraputico. No foi algo consciente, mas afetou toda minha criatividade e personalidade. Ou talvez tenha sido a revelao da minha personalidade de certa forma que pode ser ouvida no lbum, e na seqncia Elements pt 1. Esses dois lbums so muito especiais para mim. Parei de fazer terapia em 2004 e retornei para mais trs sesses em 2006. No fiz mais depois disso. Sinto que j sei tudo o que precisava saber a meu respeito e que a terapia no seria mais necessria. Pelo menos por agora. Desde 2006 venho me tratando com meu psiquiatra terapia. SUICDIO Foi no dia 10 de marco de 1978 que meu pai terminou sua existncia aqui na Terra. Eu tinha doze anos de idade e havia me mudado para uma nova casa com minha me e meu irmo. O lugar era muito menor do que a casa antiga porque minha me no tinha condies de pagar por algo maior. Eu dividia um quarto com meu irmo. Mas era um lugar onde nos sentamos seguros e havia natureza ao nosso redor, e o mar ficava bem prximo. Eu sempre ia pescar ou apenas observar as maravilhas da natureza. Ainda ouvia ao ABBA e a aquela altura j havia descoberto que me passa medicaes para o transtorno bipolar. Mas no estou mais fazendo

os Beatles, que eu realmente adorava. Gostava especialmente do John Lennon e dor humor dele presente nas canes, mas a banda como um todo se tornou to importante quanto o ABBA ainda era para mim. Continuava tocando meu violo e aprendendo msicas das duas bandas. O divrcio e os acontecimentos que o antecederam haviam me afetado profundamente. Fizeram com que eu me retrasse desse mundo de modo que no posso explicar. Busquei consolo na natureza e na msica. No tinha tantos amigos como tive nos meus oito anos de idade. Embora na epoca ja havia vivenciado muita violencia, nao estava preparado para os acontecimentos que estavam por vir. Meu pai se mudou para um lugar relativamente proximo de mim e meu irmo. Acho que a distncia entre os apartamentos era de 2km ou algo parecido. Meus pais tinham algum tipo de acordo para que eu e meu irmo pudssemos ver meu pai. Creio que deveramos visit-lo a cada duas semanas, mas me recordo de t-lo visto apenas duas vezes. Eu no o via h seis meses e sentia falta dele. Eu era um garoto de doze anos de idade muito confuso e com medo. Recordo-me que, em uma das visitas, estava vendo TV com meu pai e ele estava fazendo carinho na minha cabea. Recordo-me do toque dele. uma das lembrancas fsicas positivas que tenho do meu pai. Lembro-me de que o ambiente na nova casa dele estava longe de parecer feliz. Ele tinha uma nova namorada que tambm tinha um filho de oito anos. Aparentemente ele manteve o velho comportamento

com a nova famlia tambm. Ele continuava bebendo bastante e at mesmo sua nova famlia teve que fugir dele. No me lembro de ter ido l mais do que algumas vezes, mas desde aquela visita, tenho retornado aquela casa e at mesmo aquele andar muitas e muitas vezes. Em 1998 senti a necessidade de descobrir o que realmente aconteceu com meu pai. Ningum me disse o que realmente aconteceu, como ele morreu ou sob quais condies. Na Finlndia voc tem acesso a todos os documentos legais de uma pessoa falecida se possui parentesco com ela. Ento liguei para a polcia e visitei todos os hospitais para pegar informaes sobre o que aconteceu. Consegui muitos documentos e fui capaz de formar uma idia do que aconteceu com ele nas semanas anteriores ao suicdio. Por duas vezes os paramdicos foram chamados porque ele estava bebendo e ingerindo tranquilizantes. Certa vez, quando ele foi levado pela ambulncia, o corao dele parou a caminho do hospital. Eles conseguiram traz-lo de volta mas ainda fico maravilhado em pensar que ningum foi capaz de prever o que estava para acontecer. No dia anterior ao suicdio, ele comprou uma garrafa de conhaque e pegou um txi na direo da casa de veraneio da famlia. Ele ficou bbado e aparentemente violento. Ele foi para a cabana de um vizinho, que estava vazia, e quebrou todas as janelas. Ele desmaiou na cama com um cigarro aceso e logo depois o lugar todo pegou fogo. Algum viu as chamas e o tirou de l na ltima hora. O lugar todo

virou cinzas, nada restou. Ele foi levado ao hospital para ser tratado das feridas em suas mos ao quebrar os vidros e das chamas. Ele foi ento levado para uma delegacia de polcia prxima e colocado em uma cela por algum tempo. Ele foi fichado por invaso de propriedade particular e destruio de patrimnio, mas logo a polcia descobriu que ele era membro da famlia dona da propriedade. Contudo, ele foi interrogado muitas vezes. As respostas dele foram curtas e o interrogatrio durou bastante tempo. Entre os interrogatrios, ele tentou se matar ao desmontar a fiao eltrica prxima a uma lmpada e usar a eletricidade. No funcionou porque um dos guardas percebeu o que ele estava tentando fazer. O pai dele, meu av, foi chamado para busc-lo. Ele era o gerente do negcio da famlia onde meu pai estava trabalhando. E ele ficou bravo. O comportamento dele deve ter sido a gota d'gua que levou meu pai a cometer suicdio. Ele levou meu pai para ver a casa de veraneio destruda e disse a ele: Veja o que voc fez! E depois disso, levou-o para o apartamento dele e disse a meu pai que ele estava despedido. Ele dirigia um dos carros da empresa e teve que devolv-lo imediatamente. Meu av levou a chave do carro. Tudo isso li nos documentos oficiais fornecidos pela polcia. Eu havia acabado de completar doze anos, uma semana antes. Lembro-me daquele dia porque meu pai me levou a uma loja e comprou um aqurio como meu presente de aniversrio. Lembro-me dele ter permanecido srio o tempo todo. Aquele aqurio

tornou-se um presente muito especial porque eu realmente queria um. Ele sempre teve aqurios e tambm era muito interessado na natureza. A manh de 12 de marco de 1978 foi o dia que mudaria minha vida para sempre. Nunca mais veria o mundo da mesma forma. Fui escola por volta de 7:30. Era um dia frio de inverno e eu sempre percorria o caminho de 2km para a escola. O apartamento onde meu pai morava ficava bem prximo da escola, ento eu o via quase todos os dias. O caminho no passava exatamente pela casa, ia um pouco mais adiante. Naquela manh em especial, mudei minha rota. Ainda me recordo que pensei: V pelo outro caminho. O outro caminho me levou para mais prximo da casa do meu pai e eu nunca havia usado aquela rota antes. Quando cheguei em frente ao prdio dele, acidentalmente olhei para a janela do quarto andar, onde ele morava com sua nova famlia. Para minha surpresa, eu o vi na janela do quarto dele, com os olhos fixos no horizonte. Acenei para ele, mas ele no percebeu. Eu no sabia que estava me despedindo dele. Lembro-me claramente do que me veio mente: V l dentro. Mas ignorei a idia e fui para a escola, que ficava a 200m da casa dele. Entrei para a primeira aula. Tnhamos um intervalo de 10 minutos entre todas as aulas no lado de fora, onde eu agora me encontrava. De repente, vi uma ambulncia e um carro de polcia indo na direo da casa de meu pai. Vi toda a escola correndo para l, mas fiquei onde estava. Porque eu j sabia. De alguma forma eu j sabia. Quando as pessoas comearam a voltar, eu

contudo perguntei o que estava acontecendo. Algum me disse que um homem havia pulado da sacada. Perguntei o que ele estava vestindo e a descrio batia com as roupas que meu pai estava usando. Incrivelmente, entrei para assistir a prxima aula e apenas depois dela perguntei ao professor se poderia ir para casa porque estava passando mal. Ela disse que sim e comecei a correr, e corri o caminho todo para casa. No meu caminho vi a sacada do quarto andar completamente coberta de sangue. Quando cheguei em casa, no havia ningum l. A primeira coisa que fiz foi ligar para a casa de meu pai. A voz de uma mulher chorando respondeu e aquela foi a confirmao final. Ento tive a certeza de que ele havia morrido. Em alguns minutos minha av chegou e me abraou. A famlia interia se reuniu na casa de minha av e no me lembro de mais detalhes daquele dia. Quando liguei para a polcia para requisitar os documentos sobre a morte do meu pai, tambm descobri que haviam fotos do cenrio que os policiais encontraram. costume da polcia tirar fotos quando eles esto investigando uma possvel cena de crime. Nos casos de suicdio, a nica coisa que eles precisam determinar se houve um crime ou no. Pedi as fotos para o oficial de polica. Ele me disse que haviam sete fotos e que em duas delas o corpo estava visvel. Uma de close e outra de uma certa distncia. Perguntei para ele como elas eram e ele me disse que ja havia visto muita coisa na carreira dele e que no podia dar uma opinio a respeito. Requisitei todos os

documentos e as fotos sem o corpo. Quando fui busc-los, meu corao estava acelerado. Peguei o envelope e abri, e l estavam cinco fotos dentro e todo o material de investigao. Vi as fotos. Eram horrveis. E para piorar a situao, em uma delas o corpo podia ser visto a uma certa distncia. Meu pai estava deitado na neve debaixo da sua sacada usando apenas as roupas que usava quando estava em casa. Por volta das 7:00 naquela manh fatdica a nova namorada do meu pai foi para o trabalho: o dia em que ele foi trazido da delegacia de polcia e depois foi demitido do trabalho. Como escrevi antes, naquele dia fui para a escola por volta de 7:30 e cheguei na casa do meu pai por volta de 7:45. Foi apenas uma hora antes da morte dele, ento fui a ltima pessoa a v-lo vivo. O que aconteceu naquele intervalo de uma hora ficou claro para mim a partir dos documentos da polcia. Ele foi para a cozinha e pegou uma faca de corte bem afiada. Ento seguiu para o banheiro. Ele sentou-se na banheira e cortou as artrias de seus dois braos. Cortou a primeira artria, passou a faca para a outra mo e cortou a segunda artria, no outro brao, ainda no sei como. A primeira coisa que ele fez foi fazer um corte profundo no dedo em que usava a aliana de casamento. Ento ele colocou a faca cuidadosamente no suporte para xampu. Ningum sabe por quanto tempo ele sangrou dentro da banheira, no havia gua nela. Quando a polcia chegou, havia cerca de 5cm de sangue dentro da banheira. Isso quase todo o sangue que havia no corpo dele. Atravs das fotografias da polcia foi

determinado que por algum motivo ele se levantou dentro da banheira, talvez entrando em choque. Ento ele se ergueu, foi para o quarto, sentou-se na cama. L foram encontradas manchas de sangue na mesma cama e gotas espalhadas do banheiro ate o quarto pelo carpete branco. Ele continuava sangrando. Do quarto ele seguiu para a sacada, que ficava logo ao lado. Ento ele colocou sua perna no parapeito. Isso foi visto por uma testemunha. Ele conseguiu passar para o lado de fora do parapeito e estava se segurando nele. Isso explica a grande quantidade de manchas de sangue no lado de fora da sacada. Em algum ponto ele perdeu o equilbrio e despencou do quarto andar na rua. Ele morreu instantaneamente. Tudo isso aconteceu em uma hora, e a hora de bito dele foi 9:45. As fotos so grotescas e para mim, foi algo muito difcil, mas eu precisava entender o que havia acontecido h 20 anos. Agora eu sabia. At localizei a namorada dele da poca em 1999 e fui falar com ela. Ela me contou basicamente o que pude ler nos relatrios da polcia. Ele no deixou uma carta suicida. Meu pai tinha uma aplice de seguro. Meu irmo e eu eramos os beneficirios. Ele fez mudanas nessa aplice dois meses antes de morrer. A nova beneficiria era a nova namorada dele. Ela me disse que o comportamento dele foi ficando cada vez mais violento e que ela havia pensado em terminar o relacionamento. Ela tambm me contou sobre a ltima noite anterior ao suicdio - me disse que meu pai no conseguia parar quieto e mal dormiu. Ele

provavelmente j havia decidido se matar na manh seguinte quando ela saiu para o trabalho. Ela tambm me contou que acordou durante a noite e viu trs vultos pretos em p, ao lado da cama. Mas minha visita comeou a incomod-la e acho que ela no estava me contando tudo o que realmente aconteceu. O funeral aconteceu algumas semanas depois. Eu me lembro do crematrio e do caixo branco. Um sacerdote estava falando algo. Eu me lembro que minha me, eu e meu irmo ficando diante do caixo e colocamos flores sobre ele. Eu no me recordo do que minha me disse. Dizem que enterros so uma forma de dizer adeus. Mas eu ainda estava em choque. Nao tinha noo do que havia ocorrido e era um menino de doze anos de idade. Levaria muito tempo para que eu finalmente pudesse entender o que realmente aconteceu e o porqu. E os efeitos de tudo aquilo em mim foram que comecei a me fechar em mim mesmo cada vez mais. Acho que decidi que no podia mais confiar em ningum por aqui. Ento meu pai pode descansar, se essa frase pode ser usada aqui, e a vida seguiu em frente. Mas as coisas nunca mais foram as mesmas. Nada mais era o mesmo. Em alguns anos, de algum modo estranho consegui manter todos esses acontecimentos em minha conscincia e vivi por quase 20 anos at que tudo viesse tona novamente. Minha me me contou que me levou a um psiclogo infantil depois do suicdio. Aparentemente passei por consultas por um tempo mas o terapeuta disse que no havia muito o que ser feito na ocasio. Ela apenas disse que em

algum momento da minha vida eu teria que lidar com aquilo. E ela estava mais do que certa.

VIVENDO COM TRANSTORNO BIPOLAR Depois de obter o diagnstico e ter tomado a medicao errada na primeira vez, eu realmente achava que no sobreviveria. Eu me recordo de estar em meio a um longo episdio depressivo e pensar, pela primeira vez que eu no sobreviveria. Senti medo. Eu me recordo claramente da sensao de falta de esperana e desespero. Lutei contra aquele episdio e eventualmente consegui a medicao correta, ento ainda estou aqui. Ainda estou me recuperando de uma srie de episdios manacodepressivos, para no mencionar o episdio psictico e paranormal. Pode levar anos para o corpo se recuperar deles. O problema que poucos de ns tem o luxo de poder apenas descansar. Eu tambem no tenho esse luxo, ento coletivamente de certa forma estou queimando minha vela nos dois lados a chama brilha mais forte, mas tambm dura menos tempo. No fcil viver com essa doena porque a responsabilidade das suas aes ainda so colocadas sobre voc quando se sofre de mania e com toda certeza, at certo ponto, voc responsvel. Mas por exemplo, algum com cncer no seria cuidado da mesma forma. Meu psiquiatra me falou que essa doena pode ser usada para negar algumas das coisas que uma pessoa faz durante um episdio manaco e podem ser invalidadas na justia. Algumas

pessoas compram uma casa ou um carro caro ou algo parecido quando estao passando por um episdio manaco. Coisas como essa podem ser revertidas na corte algumas vezes. Acho errado dar responsabilidade total a pessoas com transtorno bipolar por suas aes. Antes de tudo, a possibilidade de suicdio para pessoas com essa doena aumentada em 25%, o que prova o quo srio ela . E sei tambm que o risco de suicdio para pessoas que tiveram um ente querido que cometeu suicdio tambm aumentada em 25%. Alm do mais, quando voc est no auge de mania e seu corpo mergulhado em dopamina, no pensa no que est fazendo. Voc vira uma mquina que funciona guiada apenas por seus instintos e impulsos e no h pensamento racional. Ele vem geralmente durante os episdios depressivos, que sempre vem em seqncia do episdio manaco. Eu estava gravando e remixando o Black Album inteiro do Stratovarius quase sozinho, passando centenas de horas no estdio onde os sons de escavaes e exploses foram minha companhia constante. Cercado com os problemas financeiros de um estdio de gravao falido, das presses da produo e de tudo mais que estava acontecendo na minha vida pessoal, eu me lembro de ter passado o Natal de 2004 inserindo manualmente os samples de tom a bateria de Jorg Michael. Cada vez que ele acertava um tom, eu inseria um sample sobre dele. Eu inseri cerca de 100 hits de tom manualmente durante aquele Natal, e entao comecei a mixagem. O que mais me recordo daquele lbum foi que estava

completamente sozinho naquele estdio a maioria do tempo. E trabalhei duro. Talvez duro demais. Lembrese que naquela poca eu no havia sido diagnosticado com transtorno bipolar nem estava tomando a medicao que podia me ajudar. Alm disso, oito meses antes, havia sido internado devido a um colapso nervoso. Foi de certa forma um milagre aquele lbum ter sido completado. Mas foi um milagre. Aquele tipo de situao na vida que pode facilmente desencadear um episdio manaco. Para mim, me tornou psictico ao menos parcialmente. Pessoas como eu que tem a sorte de encontrar a medicao correta (ou uma combinao de medimentos talvez com terapia), podem levar uma vida relativamente normal. Deve ser uma vida livre de stress o tanto quanto possvel, o que certamente no acontece com meu trabalho. Ser parte de uma banda de rock sozinho extremamente manaco. No posso pensar em nada mais manaco que uma turn de rock and roll. Mas sou um msico. a nica coisa que sei fazer e a nica coisa que j fiz ento minhas escolhas so bem restritas. Estou tomando quatro comprimidos de carbonato de ltio por dia. Isso so 1,2 gramas por dia. J que o ltio um metal leve, estou ingerindo literalmente cerca de 350 gramas de metal todo ano. At agora ingeri cerca de 1,5 kg dele at agora. irnico se pensarmos no tipo de msica que eu fao. Tive sorte de no ter morrido antes de ter sido diagnosticado e ter encontrado a medicao certa para mim. No posso dizer que as coisas so as mesmas. Eu

realmente me sinto mais cansado do que antes de comecar a tomar o medicamento. Mas realmente no tenho outra alternativa. Depois de ter comeado a tomar ltio, no tive mais um episdio manacodepressivo longo, a no ser os que tiveram motivos racionais. No quero dizer que ele tira toda a solido ou depresso da sua vida. H coisas naturais e racionais pelas quais uma pessoa deva se sentir depressiva, e ela deve lidar com essas emoes. Pode levar muito tempo. Eu me refiro aquelas depressoes negras de quando voc fica na cama por meio ano chorando, como aconteceu comigo. apenas no tinha conscincia disso. Muitos artistas enfrentaram essa doena. Ernst Hemingway e Virginia Wolf cometeram suicdio. Dizem que Beethoven tambm tinha transtorno bipolar. Kurt Cobain tinha. Se h alguma outra razo alm da expresso artstica para mim de escrever esse livro, contar a histria de uma pessoa que passou por muitas coisas nessa vida e ainda est aqui. Tenho sido muito aberto sobre minha doena em pblico e em entrevistas e o motivo simples: dar esperana a pessoas que sofrem com coisas semelhantes. Algumas vezes recebo cartas de pessoas que esto desesperadas e que no sabem o que fazer, e pedem por ajuda. Sempre escrevo para elas. Considero minha obrigao como ser humano ajud-los como posso. Mas no s custas da minha prpria doena ou vida. No me considero Jesus. No mais. No quero mais salvar o mundo Embora em retrospecto, daquela vez foi por motivos racionais. Eu

simplesmente porque no acho que ele deva ser salvo, e seria arrogncia minha pensar que eu realmente poderia faz-lo. O mundo simplesmente o que . E exatamente da forma como o construmos coletivamente. Eu sou, como uma msica que escrevi, uma drop in the ocean (uma gota no oceano), e eu finalmente entendo isso. E esse entendimento para mim um grande passo em considerao a pessoa que j fui.

CRESCENDO NA BIRD FOREST E ENCONTRANDO O BOTE SALVA-VIDAS No final do vero de 1978 nos mudamos para longe de todos aqueles eventos trgicos. Com toda certeza, carregamos aqueles acontecimentos dentro de ns, cada um a seu modo. Eu me recordo de termos mudado bem no finalzinho do vero ento tive que permanecer naquela mesma escola ate que o vero terminasse e pudssemos nos mudar. Eu me lembro de voltar s aulas e de me sentir assustado porque tinha vergonha do meu pai havia feito. Eu tinha, como muitas outras crianas, revirado a situacao toda e de alguma forma dentro de mim concludo que meu pai havia morrido por minha culpa. No tinha plena conscincia daquilo, e ainda no tenho, de certo modo, mas agora posso pensar de forma mais clara. Todos comigo foram muito gentis agir com e compreensivos. uma atitude de Professores que haviam sido rgidos e quase maldosos passaram a

compreenso e pena a meu respeito. Foi quase como se o suicdio do meu pai tivesse tocado a escola como um todo, trazendo alguns dos sentimentos humanos mais bsicos tona e as pessoas comearam a projet-los projeo em mim. eu Eu me aprenderia tornasse mais um sobre msico quando

conhecido 15 anos depois, mas essa eh uma outra historia. Eu me sentia bem em ter aquele tipo de ateno porque eu tinha, com certeza, testemunhado eventos pelos quais ningum passou. Eu compreendia em algum lugar dentro de mim que aqueles acontecimentos foram horrveis. To brutais. To violentos que a mente de um menino de doze anos de idade no podia compreender, ainda mais vindos do meu prprio pai. No vero de 1978 percebi que aquela melancolia solitria se tornaria grande parte do meu carter mais adiante. Passei o vero todo sozinho, saindo de casa pela manh e voltando a noite. Passei muito tempo prximo ao mar no mesmo lugar onde tempos depois teria meu colapso nervoso. Apenas sentava l, olhando o mar e sentindo esse grande vazio que nem podia conectar ao meu pai. Eu me sentia Algumas completamente, absolutamente sozinho.

vezes ia pescar e levava qualquer coisa que pegasse para minha me. Passei muito tempo perto da natureza tambem, apenas caminhando e prestando ateno nos seus mnimos detalhes nos diferentes tipos de peixe que via no rio da floresta, ou folhas brilhando depois da chuva. Eu me sentia to em casa na floresta. Realmente havia comeado a me isolar da

raa humana. Dentro de mim devo ter decidido que todos os humanos so imprevsiveis e no so dignos de confiana, e ainda assim devo ter compreendido que teria que lidar com tudo aquilo em um futuro prximo. Aqueles eram questionamentos grandes, pensamentos imensos para um menino de apenas doze anos. Aquele vero tambm foi cheio de ABBA e dos Beatles. Quando minha me ia trabalhar, eu me recordo de ficar em casa, chorando a perda do meu pai. Era um choro indefeso de um garotinho de doze anos de idade, que foi pego numa teia de aranha e no pode escapar, a no ser para a natureza e para a msica. As coisas no mudaram muito. Muito ainda permanece o mesmo para mim. Num desses dias em que me encontrava sozinho em casa, estava tocando um piano que eu tinha e me lembro de comear a chorar enquanto tocava. Isso deve ter acontecido apenas alguns meses aps a morte de meu pai. Criei uma melodia que todos os fs do Stratovarius conhecem. Criei uma letra finlandesa para aquela melodia que eu cantava enquanto tocava o piano. Ela dizia: Por que voc me deixou, papai, eu te amo. Essa melodia agora o comeo de uma msica chamada Destiny, cantada por um menino de doze anos do coral Cantores Minores o mesmo coral do qual fiz parte quando criana. Destiny foi gravada 20 anos depois daqueles acontecimentos. Foi a primeira vez que compus algo na minha vida, embora no tivesse a noo de que estava compondo algo. Estava chorando e tocando, e muita tristeza seria

parte da minha msica no futuro. Ento no final do vero de 1978 nos mudamos para um novo lugar que em ingls se chamava Bird Forest (Floresta dos Passros), traduzido diretamente do finlands. Ficava a cerca de 40km da nossa casa anterior e era um novo comeo. Era um lugar realmente muito bonito no meio dos campos filandeses. Havia uma piscina do lado de fora e eu tinha meu prprio quarto. A vista era maravilhosa. Uma grande e velha rvore betula ficava a alguns passos da minha janela, despejando suas folhas belamente sobre minha janela e me dando aquela sensao de natureza por perto. Eu tinha um aqurio, aquele que meu pai me deu de presente uma semana antes da morte dele. Eu amava meu quarto. Ainda assim, me isolei de todo mundo, mantinha minha porta fechada. Explorava a area vizinha a minha casa e encontrei muitos lugares que gostava. Eu me recordo de ter medo com freqncia noite, sem um motivo aparente. O medo estava dentro de mim. Eu me lembro de ter muito pavor de algo. Tive sonhos em que voava bem acima do mundo e ento de repente eu caa. A minha queda era lenta e me levava ao cho, e me lembro dos meus ps tocando o cho no sonho. Parecia to real. Naquele ponto, os acontecimentos terrveis que haviam ocorrido nos meses ou ano anterior foram colocados para fora da minha mente. Tenho certeza de que eles estavam afetando a mim e a minha vida, mas eu no tinha plena conscincia disso. Talvez o medo seja uma daquelas coisas. Eu no chorava mais, sentia mais

uma nsia melanclica, como passei a denominar aquela sensao. Mas aquele sentimento no tinha um alvo. No achava que ansiava pela presena de algum. Apenas me sentia daquele jeito. No tinha amigos. Ento ouvi que havia um novo estudante se mudando para a minha classe, que havia se mudado de Lapland para um outro vilarejo prximo de Bird Forest. O nome dele era Mika. Ele tocava piano e nos tornamos amigos muito rpido. Parecia destino. Os pais dele eram super religiosos e mais tarde ele me contou que havia apanhado diversas vezes quando mais jovem e falava com freqncia sobre Deus e religio, algo que naquela poca no me interessava nem um pouco. Eu me lembro de pensar que ele apenas provavelmente me contava coisas que os pais dele compartilhavam repetidamente com ele. Mas como ele mantinha aquela conversa em um nvel mnimo, no era um problema para mim. Ns tocavamos juntos. Eu tinha meu violo e ele tocava o piano. Ainda me recordo da primeira vez que tocamos juntos na casa dele. Foi to bacana. Comeamos a tocar nas festas de final de ano da escola e em outros lugares como um dueto. Tocvamos msicas cover, na maioria das vezes o que as pessoas queriam ouvir. Nos divertiamos muito tocando juntos. Mais tarde ele se tornaria o primeiro tecladista do Stratovarius, cerca de sete anos depois. Entao ouvi uma banda chamada The Shadows, que tocava um tipo de msica mais instrumental com algumas guitarras. Eu me apaixonei pela msica deles. Ela era bela e excitante. As melodias eram

excelentes e memorveis. Perguntei para minha me se eu podia comprar uma guitarra, e ento um dia fomos para uma loja em Helsinki, onde comprei minha primeira guitarra e um amplificador pequeno. A guitarra era de uma marca chamada Aria, mas no me recordo a marca do amplificador. Comecei a aprender as msicas do The Shadows e bem depressa eu ja podia tocar o lbum todo. A msica ento encheu minha vida e algo a mais tambm, um vazio imenso dentro de mim. Ela me deu uma identidade. Eu tocava o tempo todo. Ento as primeiras bandas importantes para mim foram o ABBA, os Beatles e o The Shadows. Entao um dia estava com o rdio ligado e ouvi algo que mudaria minha vida para sempre. Era Smoke on the water do Deep Purple vindo do rdio. Aquele riff era to mgico que eu mal podia acreditar. Nunca havia escutado uma msica como aquela na minha vida. Fiquei completamente obcecado com o Deep Purple e com o Rainbow, em particular com o Richie Blackmore. Ele se tornou meu dolo. Ele era meu heri maior. Herdei algum dinheiro do meu pai ao qual deveria ter acesso quando fizesse 18 anos. Atravs de um acordo especial, minha me pegou dinheiro o suficiente daquela herana e comprou uma Fender Stratocaster para mim. Era cinza. Acho que eu tinha 14 anos quando ela me deu de presente. Logo os meus dias foram completamente preenchidos com msica e tocar guitarra. Eu me lembro de ter um emprego no vero no negcio da famlia, o mesmo do qual meu pai foi demitido, transportando coisas que as pessoas compravam da loja para suas casas com

um outro rapaz que dirigia o pequeno caminho. Era um trabalho pesado porque eu precisava carregar refrigeradores pesado e mquinas de lavar a alguns prdios que no tinham elevador. Aquelas coisas eram bem pesadas, embora haviam duas pessoas carregando tudo. Mas consegui meu prprio dinheiro e comprei um novo aparelho de som e um amplificador melhor para minha guitarra. Estava praticamente nas nuvens! Comecei a fazer aulas de guitarra uma vez por semana. A maioria das lies era sobre jazz e coisas das quais realmente no gostava. Mas aprendi um pouco de teoria e outros estilos de msica. Ainda tocava com o Mika in diferentes lugares como um dueto, a nica diferena que eu tocava guitarra agora. Eu tocava Toccata and Fugue in d minor de J.S. Bach na igreja e lembro-me de ver minha foto em um jornal da cidade, elogiando minha performance. Toquei a mesma composio na festa de final de semestre da escola com cerca de 500 pessoas na plateia. E recordo-me de no ter ficado nem um pouco assustado. No preciso ser um Einstein para entender que a guitarra me deu a identidade que nunca tive. Era meu bote salva-vidas. Eu contava meus segredos mais profundos para ela e ela respondia por manter-se fiel. Era algo que eu precisava devido aos eventos anteriores da minha vida. Eu no tinha uma identidade real at que encontrei a guitarra. Mais tarde eu perceberia que nem mesmo a guitarra seria uma verdadeira identidade. Que uma flor pode crescer no asfalto e que o mesmo se aplica em relacao aos seres humanos

e as coisas que carregamos dentro de ns. Mas na Bird Forest cresci em meio a natureza e a msica. Tenho memorias saudosas daquele lugar porque foi onde minha carreira musical basicamente teve incio. Meus dias eram preenchidos com ensaiar, tocar e ouvir msica. Caminhar pela natureza e cuidar do meu aqurio. Li muitos livros do Kondrad Lorentz sobre comportamento animal e territorialidade. Meu programa Mundial de TV favorito War 2), era que Segunda eu Guerra com (World assistia

descrena. Aprendi sobre Adolf Hitler e quantas pessoas foram mortas, e por que. Isso no reforou minha f na humanidade. No conseguia compreender como 80 milhes de pessoas foram mortas e a razo. No fazia sentido para mim. No podia entender o conceito de fronteiras que existiam para prevenir que os pases atacassem uns aos outros basicamente. E ainda assim, eles se atacavam da mesma forma. Ento essas fronteiras tinham que ser protegidas. E isso queria dizer que uma coisa chamada exrcito existia. O que eu no conseguia compreender naquela poca era como e por que as pessoas concordavam em proteger aquelas fronteiras. Naquela poca eu ainda no havia ouvido falar do nacionalismo. Estava comecando a ter uma viso muito sombria da humanidade como um todo. Em dezembro de 1980 um dos meus heris, John Lennon, foi assassinado em frente a sua casa. Eu me recordo de estar na escola quando aquilo aconteceu. No conseguia compreender o ocorrido e me lembro como me senti mal porque era um grande f do John

Lennon, e ainda sou. Ele tomou um tiro nas costas tendo sua esposa ao lado dele naquele exato momento. Vinte e seis anos mais tarde visitei aquele lugar em Nova Iorque quando estava em turne. Fiquei parado em p e pensando sobre o que aconteceu com ele naquele exato momento. Ele havia feito sua ltima entrevista apenas algumas horas antes do assassinato. Nessa entrevista, de modo sinistro disse: O que significa quando um pacifista toma um tiro?. Eu visitei o parque Strawberry Fields perto da casa dele e vi o placa Imagine e centenas de pessoas l cantando e tocando as msicas dele. Em algum ponto encontrei algumas pessoas que estavam interessadas no mesmo estilo de msica que eu e formamos algumas bandas e fizemos alguns shows tambem. Creio que tenha sido no comeo de 1982. Uma dessas bandas se chamava Roadblock e o baterista original do Stratovarius cantava nessa banda. msicas Outra que banda eram se chamava Thunderbird. dos Tocvamos na grande maioria covers e minhas na maioria fragmentos Rainbows. Descobri que as garotas ficam muito mais interessadas se voc toca numa banda de rock. Ou talvez elas se interessem pela sua imagem. No tinha muito interesse por elas antes, talvez porque fosse extremamente tmido. Eu me lembro que quando tinha por volta de 15 anos uma garota, que eu no conhecia, ligou para minha casa e perguntou se podia vir me visitar. Balbuciei que sim e ela veio. Ainda me lembro dela. Ela tinha um cabelo loiro longo e era baixa. Eu j era muito alto aos 15 anos. Ela veio e

sentou-se no sof, e me sentei em uma cadeira em frente a ela, com um travesseiro no meu colo. Eu me recordo de me sentir um peixe for a dgua e no sabia o que dizer ou fazer. Ela me disse: Voc no fala muito, no que eu respondi, Acho que no. Ento ela me contou que ela sempre me via sozinho no ponto de nibus todas as manhs quando amos para a escola e que se sentia mal por eu ser to sozinho. Eu nem lembrava de ter visto essa garota antes. Coloquei um pouco de msica e at mesmo me lembro do lbum. Era The Wanderer, da Donna Summers que eu ouvia de vez em quando. Ela foi embora depois de algum tempo, e nos abraamos e nos beijamos na porta de casa. Foi bacana. Foi meu primeiro beijo. Nunca mais a vi. Ento em 1984 recebi um telefonema me pedindo para entrar para o Stratovarius e aceitei. Encontrei uma identidade ainda maior. Por volta de 1986 o Mika uniu-se ao Stratovarius tambm mas ele saiu da banda momentos antes de assinarmos nosso contrato com a CBS. Ainda no entendo porque ele saiu. Foi por algum motivo vago. No o vi por dez anos mas voltamos a ter contato na epoca em que comecei a fazer terapia e continuamos nos falando at o vero de 2005. Naquele ano ele tentou cometer suicdio ao jogar o carro dele na pista seguinte. Ele foi internado em uma hospital psiquitrico. Eu me lembro de ter ligado para ele quando o Mika ainda estava l. Mandei um cd player, msica e livros. Ele me mandou cartas muito confusas onde escreveu que queria dedicar o resto da vida dele a servir a Deus, e coisas como

essa. Soavam para mim como as mesmas coisas que ele costumava me dizer quando tinha 14 anos. Quando ele saiu de l, voltou a morar com seus pais. Estava de frias em Dubrovnik no vero de 2005 quando recebi uma mensagem de texto dele que dizia Como voc est?. Nunca respondi. Agora gostaria de ter respondido. Uma semana depois ele saltou para a morte da sacada do apartamento dos pais dele e morreu na hora. Meu amigo estava morto. No fui convidado para o enterro e no pude nem mesmo visitar o tmulo dele. doloroso demais. Ele era um rapaz extremamente sensvel que estava profundamente ferido pelos espinhos dessa vida, ou provavelmente espinhos de certos seres humanos. E embora ele fosse um tecladista de primeira linha que tocava o tempo todo, ele sempre se considerou um ningum. E quando aquela parte dele tomou conta dele, nada mais poderia salv-lo. No tenho dvida alguma em minha mente de que se ele estivesse vivo hoje em dia, estaramos fazendo musica juntos. Um dia terei coragem de visitar o tmulo dele. Sinto muita saudade dele.

GUITARRA, MSICA, FAMA E GLRIA

O ttulo intencionalmente provocativo. As duas primeiras palavras desse ttulo so reais. As duas seguintes no. Quando eu realmente comecei a tocar guitarra, ela

me deu um senso de identidade verdadeiro. O que no havia percebido era que essa identidade era no entanto muito solitria. A identidade s pode ser completa se voc tiver respeito prprio e aceitao de quem voc enquanto ser humano. E eu estava longe disso. Minha identidade era baseada em copiar outros guitarristas e o estilo deles mas eu me encontrava muito longe de criar algo que realmente refletiria quem eu era. Escrever msica no um processo consciente para mim. No princpio, tudo claramente girava em torno de ensaio e mais ensaio, ou ter roupas parecidas com as do Richie Blackmore. A palavra prtica soa artificial para mim no contexto de msica. Soa mais como algo que voc usaria para descrever esportes. claro que mais tarde quando realmente comecei a aprender um pouco mais do que significava, pude deixar a msica fluir de modo mais livre. uma das coisas mais difceis de serem feitas. Desligar seu crebro e deixar a musica fluir. Fiz uma srie de seminrios sobre msica em 2009-2010 na Amrica do Sul e Europa, concentrados nos aspectos de msicas e tocar. Baseado na minha experincia, no algo que seja ensinado nas escolas ou em aulas de guitarra. E infelizmente, muito difcil de ser ensinado. Mas no impossvel. Somos seres humanos e temos emoes e sentimentos. Elas se conectam de modo instrnseco com a msica. Assim, natural que a msica tenha tudo a ver com emoes. Ainda assim, ningum falava sobre ela. Era sempre Como posso aprender a tocar to rpido quanto voce? Tocar guitarra para mim nada tem a ver com escalas. No

matemica. No mecnico. Tenho absoluta certeza de que toda pessoa toca guitarra ou qualquer outro instrumento de forma idntica ao carter dela. E se voc no tem cincia do seu carter, isto , no sabe quem voc realmente , no pode entrar em contato com suas emoes e expressar totalmente quem voc atravs do seu instrumento. Conforme minha banda Stratovarius comeou a ficar mais popular e comecei a fazer turns ao redor do mundo e tocar para milhares de pessoas, aprendi mais sobre fama e glria. Naquela poca era muito fcil ficar confuso porque todo mundo estava chamando voc de deus, mestre e todas essas palavras que nos glorificam tanto. Somente mais tarde percebi o que tudo aquilo significava. muito perigoso para uma pessoa cair na armadilha da fama e da glria. H muitos exemplos tristes do que pode acontecer se voc comecar a acreditar de verdade que deus. H muitos egos na msica e na indstria musical. Aprendi que ser um msico tem muita a ver como ser um entertainer. Podia ter sido algo que voc nasceu para fazer. Ou poderia ser que os acontecimentos da sua vida o levaram naquela direo. Ser um entertainer pode soar estranho, mas para mim significa aparecer em um lugar onde esto pessoas que querem ver voc e v-lo tocar. E que h uma troca de energia entre voc e essas pessoas, e que voc um servo. Voc esta l para servir aquelas pessoas e edific-las com sua msica e com sua forma de tocar. Ento ser um msico e um entertainer significa e forma real expressar seu verdadeiro eu

atravs da msica, e isso significa servir. Isso no quer dizer que estou escrevendo minha msica para agradar certas pessoas ou um certo grupo. Se eu fizesse isso, seria falso. Estaria mentindo para mim mesmo. Significa que, quando estou compondo novas canes, me afasto de todo mundo, o que no meu caso relativamente fcil, e realmente adentro meu mundo interior e apenas deixo a msica fluir. Apenas permito que ela ganhe vida porque ela quer nascer. No gasto horas interminveis esperando por inspirao porque componho da minha prpria fonte. No um ato da minha vontade, mais ouvir do que tocar. mais receber do que gravar. naquele momento algo que pertence apenas a mim e a ningum mais. um processo muito ntimo. Ento mais tarde quando minha msica est sendo gravada e outras pessoas comeam a ser involvidas no processo, depende muito delas e do nvel de sintonia delas qual tipo de lbum ser produzido. Isso algo com o qual lutei muito. Egos me enojam. Tenho o meu, como todo mundo, mas a diferena que hoje em dia esse ego no me domina. Mas ele muito sagaz e sussura ao meus ouvidos todos os dias, e todo tipo de coisa. Aprendi a distinguir essa voz perigosa e algumas vezes ela me enganou de modo muito ruim, mas aprendi minha lio e no acontecer novamente. Enquanto escrevo essa frase, sinto medo dentro de mim. meu ego. Toquei perto de 3.000 shows durante minha carreira. Conheci muita gente e estive em mais de 60 pases. Vi muitas culturas e como elas diferem uma da outra.

Ainda assim, os momentos mais memorveis da minha carreira so as conversas com os fs antes ou depois dos shows quando eles esto receosos e pensando se no h problema em chegar perto para conversar. claro que h pessoas muito arrogantes tambm e as coisas tendem a sair do controle quando h muita gente, mas muitas vezes tive conversas bem tocantes. Um pai com seus dois filhos que tocavam guitarra fazendo perguntas e se questionando como pude passar uma hora conversando com eles, sem saber que eles estavam me dando muito mais do que eu poderia oferecer a eles. Um rapaz que estava com o corao partido porque a namorada o havia deixado. Convid-lo para cantar no palco (ele era cantor), ouv-lo depois do show e falar com ele o fez sentir-se aceito e que ao menos algum lhe dava ateno. Ele foi s lgrimas e eu tambm quando o ouvi cantando, os olhos fechados. Aqueles momentos no voltam na sua carreira e so nesses momentos, ao menos para mim, que voc encontra o verdadeiro significado de ser um entertainer. Um msico. Um ser humano. Ser famoso significa ter muito poder sobre certas pessoas. Esse poder pode ser usado e canalizado de diversas formas. Quando usado de forma positiva, realmente pode salvar vidas. Recebi atravs dos anos centenas de cartas de pessoas que dizem como minha msica salvou suas vidas e lhes deu esperana e a vontade de prosseguir. Essas palavras me enaltecem porque no creio que tenha todo o crdito pelo que estou fazendo. Algum crdito, mas no todo. Meu ego estaria la imediatamente para

aceitar a medalha, gritando Viva! Viva!, mas ele precisa permanecer a salvo, trancado a sete chaves e isso no lhe agrada. Mas assim que as coisas devem ser. Certa vez acordei na minha cama no onibus de turn, meu rosto imerso no meu prprio vmi