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  • ANLISE DE OBRAS LITERRIASTIL

    JOS MARTINIANO DE ALENCAR

    Rua General Celso de Mello Rezende, 301 Tel.: (16) 32386300CEP 14095-270 Lagoinha Ribeiro Preto-SP

    www.sistemacoc.com.br

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    SUMRIO

    1. CONTEXTO SOCIAL E HISTRICO ............................................. 7

    2. ESTILO LITERRIO DA POCA ..................................................... 9

    3. O AUTOR ................................................................................................. 12

    4. A OBRA .................................................................................................... 20

    5. EXERCCIOS .......................................................................................... 29

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    1. CONTEXTO SOCIAL E HISTRICO

    Um pas agrrio com poucas ilhas urbanas, eis o Brasil onde deveria medrar uma esttica transplantada da Europa, mas sem as profundas razes sociais que l o Romantismo tivera. No tnhamos uma burguesia em ascenso, nem mes-mo uma burguesia, com sua contrapartida, o proletariado. No podamos ter o esprito nostlgico de quem desce do poder, a aristocracia, tampouco de quem ainda no foi agraciado com as sobras do poder, uma classe mdia estruturada. Vivamos uma monarquia nascente, em formao, com seu quadro administrativo e social ainda embrionrio.

    Egresso de um colonialismo sfrego, com sua estrutura de poder agrrio e a economia baseada na produo do brao escravo e voltada para o mercado internacional, s depois da independncia o Brasil comeara a ter uma vida social e poltica prpria, com todas as necessidades que este quadro novo engendrava.

    Instituies, como administrao da justia, parlamento, estrutura reli-giosa, jornais, partidos polticos e todas as outras necessrias vida de um pas independente, criaram-se aodadamente, pois sem elas no pode viver uma nao soberana.

    Em 1840, com quinze anos de idade, D. Pedro II era declarado maior, como forma de acalmar os nimos de revoltosos nas vrias regies do Brasil. E essa foi uma das primeiras tarefas do jovem monarca.

    Extensos latifndios, cobertos por trabalhadores em regime de escravido, garantiam a economia do Brasil. As cidades, pequenas e reduzidas a umas poucas atividades secundrias, no davam espao a uma vida intelectual mais profcua. E mesmo os trabalhadores urbanos, em sua imensa maioria, eram escravos e quase sempre analfabetos.

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    A aristocracia brasileira, hereditria ou por meio de outorga, cumpria um papel muito mais ornamental do que uma efetiva funo determinante na vida do pas. Viagens, passeios, saraus, os bailes da Corte, os concertos e as comdias noite, nos teatros da moda, os perodos de retiro para as fazendas de que viviam, era como a casta aristocrtica evitava o tdio da vida.

    Comeava a nascer, ento, uma burguesia comercial, dedicando-se espe-cialmente exportao e importao. Mas o poder real continuava em mos do setor agrrio, em geral avesso s coisas da cultura.

    Por muito tempo, por exemplo, a educao brasileira fora administrada por uma diretoria baseada em uma sala anexa ao servio dos correios e telgrafos. O Imperial Colgio D. Pedro II, um dos mais antigos do pas, foi inaugurado em 1837, iniciando-se as aulas em 1838. Sua fundao deveu-se necessidade de formao de uma elite intelectual que pudesse participar da administrao pblica. Colgios de jesutas, esses j eram mais antigos, vinham do sculo XVI, havia-os em Salvador, Rio de Janeiro e So Paulo, mas estes, como aquele, tinham finalidade especfica, isto , o fornecimento de padres para cobrir as diversas e distantes provncias do Brasil.

    A Europa j vivera sua Revoluo Industrial enquanto os coloniza-dores, e mesmo os governantes nacionais, tinham os olhos voltados para a agricultura de exportao (o acar, num primeiro momento, um pouco mais tarde o caf).

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    2. ESTILO LITERRIO DA POCA

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    Citando Karl Mannheim, Alfredo Bosi, em sua Histria concisa da literatura brasileira, afirmou que ... o Romantismo expressa os sentimentos dos descontentes com as novas estruturas: a nobreza, que j caiu, e a pequena burguesia que ainda no subiu: de onde, as atitudes saudosistas ou reivindicatrias que pontuam todo o movimento.

    Esse quadro refere-se Europa, principalmente Alemanha, Inglaterra e Frana, pases em que primeiro desabrochou o esprito romntico.

    O Brasil, recm-proclamado pas independente, trouxe ainda traos de seu processo de colonizao, tanto social quanto poltica e economicamente. Mas era nas estruturas de sua sociedade que se encontravam as principais disparidades em relao aos pases europeus. Uma burguesia nascente, um proletariado fragmentrio e inexpressivo, com o qual no faria sentido unir-se, em contraponto com uma classe rural rica e poderosa, com o cetro na mo.

    Eis por que nosso Romantismo no passou de imitao, um maneirismo, daquilo que acontecia na Europa. No tivemos, como os poetas europeus, as razes para o spleen de Byron ou o mal du sicle de Musset, mas tivemos nossos cultores desse esprito (lvares de Azevedo, Fagundes Varela, por exemplo), como arremedo do que do outro lado do oceano se fazia.

    falta de uma Idade Mdia, com seus heris formadores de nacionali-dades, com seus senhores feudais e os valores que supostamente defendiam, tivemos o ndio como raiz da nao, transformado em heri, vestido de fraque e cartola.

    Imitao ou no, l como aqui o mundo era visto pela ptica do sujei-to. Era a voz do poeta que interpretava a realidade, e a partir dele tudo se revelava. Tratava-se de um subjetivismo exacerbado do qual resultava uma viso distorcida ou, pelo menos, idealizada da realidade: amor que domi-na o ser humano, mulher-anjo, casta e virtuosa em todos os sentidos, uma paisagem ednica, exaltao da bravura e da beleza, insuperveis em seus heris e heronas.

    Mas havia tambm aqueles que, sem pertencer a uma nobreza decadente e nostlgica, entregavam-se ao esprito ento em voga, que era a atrao pela morte. Enojavam-se da vida pragmtica e entregavam-se a atividades deletrias, como seus colegas europeus.

    Do que a terra mais garrida/ Teus risonhos, lindos campos tm mais flores:/ Nossos bosques tm mais vida/ Nossa vida, no teu seio, mais amores. tpica viso idealizada da ptria, logo romntica, chegou at nossos dias nas asas do Hino Nacional.

    Considera-se, para efeitos didticos, o livro Suspiros poticos e saudades, de Gonalves de Magalhes, publicado em 1836, em Paris, como o marco inicial do

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    Romantismo no Brasil. Mas ao autor credite-se apenas a inteno, pois a liberdade formal, to cara ao Romantismo, foi desprezada pelo poeta em sua maturidade. As formas fixas clssicas, o verso decasslabo, as odes, tercetos, sonetos, tudo isso foi abandonado pelos romnticos que reivindicavam o gosto individual como norma a ser seguida por cada um.

    Acrescente-se ainda que o romance, tal como o conhecemos hoje (com as evidentes modificaes ocorridas com a passagem de mais de um sculo), fruto do gosto de uma classe no familiarizada com a rigidez clssica e seus assuntos. O romance veio preencher a necessidade de narrativa literria dessa nova classe de leitores, razo de seu xito imediato.

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    3. O AUTOR

    Em 1829, o Brasil com sete anos de independncia, nasceu Jos Martiniano de Alencar na localidade de Mecejana (CE). Filho do tambm Jos Martiniano de Alencar, ex-padre e senador do Imprio, ainda criana Jos de Alencar partiu com a famlia para o Rio de Janeiro, onde o pai exercia sua funo parlamentar. Foi nessa cidade que recebeu a educao primria e secundria.

    Em 1845 foi para So Paulo, onde iniciou o curso de Direito, na Faculdade do Largo So Francisco. O pai foi nomeado governador da provncia do Cear; mais tarde adoeceu, o que levou o jovem estudante para Olinda, ficando assim perto do pai ao mesmo tempo em que continuava o curso. Com a recuperao da sade do governador, retornou ao Largo So Francisco, onde concluiu os estudos em 1850.

    Diplomado, seguiu para o Rio de Janeiro, cidade que escolheu para viabili-zar sua carreira. Iniciou-se no jornalismo, principalmente como cronista poltico e de moda feminina, mas a literatura, desde os tempos de escola, j estava em seus planos. Ao lado dessas duas atividades, e de maneira central, dedicou-se advocacia, sua principal fonte de subsistncia, mas apenas por poucos anos.

    Ao correr da pena, coluna que mantm no Correio Mercantil (o principal jornal da Corte), tornou-o bastante conhecido. Mais tarde, sob o pseudnimo de Ig, estabeleceu polmica com o prprio imperador (escondido tambm sob pseudnimo) a respeito da publicao do poema pico A confederao dos tamoios, de Gonalves de Magalhes, amigo de D. Pedro II, e com todos os vcios do

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    Arcadismo, dos quais jamais se desvencilhou. Foi nesse perodo e nesse mesmo jornal que, em forma de folhetins, foram publicados seus dois primeiros roman-ces, Cinco minutos e A viuvinha, ambos sob forte influncia de Joaquim Manuel de Macedo, na poca o mais famoso romancista brasileiro.

    Da polmica a respeito de A confederao dos tamoios, e como seu resultado, produziu um de seus romances mais conhecidos at hoje e que, na poca, fez imenso sucesso, lanando seu autor em definitivo para o rol dos maiores escritores do pas.

    Merc de suas atividades jornalsticas, que jamais abandonou, e com a morte do pai, em 1860, Jos de Alencar ingressou na vida poltica, tendo sido eleito deputado provincial pelo seu estado, o Cear. Mas a carreira poltica, em que pese o fato de dedicar-se a ela com empenho, no lhe tolheu a veia criativa, e sua produo literria no sofreu soluo de continuidade. Desde 1857 vinha dedicando-se ao teatro, para o qual produziu dramas e comdias.

    Diferentemente de seu pai, um liberal, Jos de Alencar filiou-se corrente poltica que dava sustentao ao imperador, o Partido Conservador. Graas a essa proximidade com o poder que ele foi guindado ao Ministrio da Justia.

    Aos 40 anos de idade, viu frustrada sua aspirao a ocupar uma cadeira no Senado, mesmo eleito com o maior nmero de votos em uma ficha trplice. A escolha final era incumbncia de D. Pedro II, que o preteriu em favor de outro candidato. Desgostoso com o fato, Alencar abandonou suas atividades polticas, voltando-se para o jornalismo, com o qual atacou o governo do Brasil, e para a continuao de sua obra.

    Esprito vivaz e polmico, praticamente a vida toda passou defendendo-se e acusando. Alm da polmica a respeito de Gonalves de Magalhes, em Cartas a Cincinato defendeu-se de acusaes do escritor nordestino Franklin Tvora, que o acusava de escrever sobre regies que no conhecia. De Castilho, e suas acusaes de escrita incorreta, defendeu-se tambm, acabando por elaborar uma teoria da lngua brasileira. Graas a isso foi considerado mais tarde o primeiro escritor genuinamente brasileiro.

    Teve uma vida amargurada, foi perseguido politicamente pelo impera-dor e pelos defensores em geral do poeta Gonalves de Magalhes, acusado de imaginoso e deformador e de usar uma lngua no castia; enfim, acossado pela doena, poucos foram os anos de paz e sossego do autor.

    Foi casado com Ana Cochrane de Alencar, como ele filha de senador, e de quem teve o filho Mrio de Alencar.

    H algum tempo vinha lutando contra os sinais da tuberculose, que avan-ava a despeito de seus cuidados.

    Em 1877, finalmente, empreendeu com a famlia uma viagem Europa a fim de intensificar seu tratamento. Para isso, viu-se forado a leiloar muitos de seus bens. O intento foi fracassado e Alencar retornou ao Rio, onde, no mesmo ano, veio a falecer.

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    OBRAS

    Romance1856 Cinco minutos1857 A viuvinha1857 O guarani1862 Lucola1864 Diva1865 Iracema1866 As minas de prata1870 O gacho1870 A pata da gazela1871 O tronco do ip

    1872 Sonhos douro1872 Til1873 Alfarrbios1873 Guerra dos mascates 1874 Ubirajara1875 Senhora1875 O sertanejo1893 Encarnao (pstumo)

    Teatro1857 O crdito1857 Verso e reverso1857 Demnio familiar1858 As asas de um anjo1860 Me1867 A expiao1875 O jesuta

    Crnica1874 Ao correr da pena

    Autobiografia intelectual1893 Como e porque sou romancista (pstumo)

    Crtica e polmica1856 Cartas sobre a Confederao dos tamoios1865 Ao imperador: Cartas polticas de Erasmo 1865 Novas cartas polticas de Erasmo1866 Ao povo: Cartas polticas de Erasmo1866 O sistema representativo

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    CARACTERSTICAS DO ESTILO DE JOS DE ALENCAR

    Desde cedo habituado a ver o Brasil e seu futuro como centro de debates, vindo mais tarde ele mesmo a discutir o pas, por ser um de seus parlamentares, fcil entender que sua viso da literatura abrigasse um espao especial para o Brasil.

    O primeiro escritor brasileiro a produzir sua obra dentro de um projeto amplo, Jos de Alencar se imps retratar o Brasil no tempo e no espao. Para tanto, escreveu romances que vo do Brasil pr-cabralino at sua contemporaneidade, abordando as vrias fases da vida brasileira em romances raramente histricos. Para dar cobertura ao espao, Jos de Alencar produziu romances cujo cenrio abrangia as vrias regies brasileiras.

    GRUPOS

    O prprio autor dividiria sua obra de fico em quatro grupos distintos, a saber:

    Romances urbanosCinco minutosA viuvinhaA pata da gazela LucolaDivaSenhora

    Romances indianistasO guaraniIracemaUbirajara

    Romances histricosAs minas de prataGuerra dos mascates

    Romances rurais O gachoO tronco do ipO sertanejoTil

    Os ttulos citados so apenas exemplares, sem o objetivo de classificar toda sua obra.

    FIGURAS DE LINGUAGEM

    Entre as figuras mais encontradas no discurso alencariano, encontra-se, em primeiro lugar, o smile, ou comparao literria, como se observa abaixo:

    SmileIracema, a virgem dos lbios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa

    da grana, e mais longos que seu talhe de palmeira.O favo da jati no era doce como seu sorriso; nem a baunilha recendia no

    bosque como seu hlito perfumado.Mais rpida que a ema selvagem, a morena virgem corria o serto e as matas do

    Ipu, onde campeava sua guerreira tribo da nao tabajara.

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    MetforaCom muita frequncia, tambm encontram-se as metforas:

    Tem nas faces o branco das areias que bordam o mar.

    ProsopopeiaSobretudo em seus romances indianistas e rurais, so fartos os casos de

    prosopopeia.

    O cristo adormeceu ouvindo o suspirar entre os murmrios da floresta, o canto mavioso da virgem indiana.

    ADJETIVAO

    Jos de Alencar nunca economizou adjetivos em seus escritos, como nos exemplos a seguir:

    O heri sonha tremendas lutas e horrveis combates, de que sai vencedor, cheio de glria e fama. O velho renasce na prole numerosa e como o seco tronco donde rebenta nova e robusta sebe, ainda cobre-se de flores.

    (...)O corao da virgem, como o do estrangeiro, ficou surdo voz da prudncia.

    O sol levantou-se no horizonte; e o seu olhar majestoso desceu dos montes flores-ta. Poti, de p, mudo e quedo, como um tronco decepado, esperou que seu irmo quisesse partir.

    PERODOS LONGOS

    O autor faz normalmente uso de perodos bastante extensos, mas fluentes e harmnicos, agradveis ao ouvido.

    O moo guerreiro, encostado ao mastro, leva os olhos presos na sombra fugitiva da terra; a espaos o olhar empanado por tnue lgrima cai sobre o jirau, onde folgam as duas inocentes criaturas, companheiras de seu infortnio.

    (...) sada do bosque sagrado encontrou Iracema: a virgem reclinava num tronco

    spero do arvoredo; tinha os olhos no cho; o sangue fugira das faces; o corao lhe tremia nos lbios, como gota de orvalho nas folhas do bambu.

    (...)Perlongando as frescas margens, viu Martim no seguinte sol os verdes mares

    e alvas praias, onde as ondas murmurosas soluam s vezes e outras raivam de fria, rebentando em frocos de espuma.

    Observe-se nesse ltimo fragmento a sequncia de adjetivos e as prosopo-peias ondas murmurosas soluam, raivam de fria.

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    IDEALIZAO

    Os heris de Jos de Alencar so modelos de fora, beleza, coragem, enfim, de todas as virtudes. Exemplo disso o Peri, de O guarani.

    Em p, no meio do espao que formava a grande abbada de rvores, encostado a um velho tronco decepado pelo raio, via-se um ndio na flor da idade.

    Uma simples tnica de algodo, a que os indgenas chamavam aimar, apertada cintura por uma faixa de penas escarlates, caa-lhe dos ombros at ao meio da perna, e desenhava o talhe delgado e esbelto como um junco selvagem.

    Sobre a alvura difana do algodo, a sua pele, cor do cobre, brilhava com reflexos dourados; os cabelos pretos cortados rentes, a tez lisa, os olhos grandes com os cantos exteriores erguidos para a fronte: a pupila negra, mbil, cintilante; a boca forte mas bem modelada e guarnecida de dentes alvos, davam ao rosto pouco oval a beleza inculta da graa, da fora e da inteligncia.

    (...)Luta terrvel, espantosa, louca, esvairada; luta da vida contra a matria; luta do

    homem contra a terra; luta da fora contra a imobilidade. Houve um momento de repouso em que o homem, concentrando todo o seu po-

    der, estorceu-se de novo contra a rvore; o mpeto foi terrvel; e pareceu que o corpo ia despedaar-se nessa distenso horrvel.

    Ambos, rvore e homem, embalanaram-se no seio das guas: a haste oscilou; as razes desprenderam-se da terra j minada profundamente pela torrente.

    A cpula da palmeira, embalanando-se graciosamente, resvalou pela flor da gua como um ninho de garas ou alguma ilha flutuante, formada pelas vegetaes aquticas.

    Peri estava de novo sentado junto de sua senhora quase inanimada; e, tomando-a nos braos, disse-lhe com um acento de ventura suprema:

    Tu vivers!...

    Tanto a descrio do ndio, hiperblica em suas qualidades, quanto a nar-rao de sua ao final, no romance O guarani, so exageros que s a idealizao pode explicar.

    Exagerado, tambm, o modo como as personagens femininas so descritas.

    H anos raiou no cu fluminense uma nova estrela.Desde o momento de sua ascenso ningum lhe disputou o cetro; foi proclamada

    a rainha dos sales.Tornou-se a deusa dos bailes; a musa dos poetas e o dolo dos noivos em disponi-

    bilidade.Era rica e formosa.Duas opulncias, que se realam como a flor em vaso de alabastro; dois esplendores

    que se refletem, como o raio de sol no prisma de diamante.

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    MANIQUESMO

    comum entre os romnticos uma viso de mundo em que existem apenas os dois extremos, entre os quais nada mais existe.

    Como j vimos, os heris so seres perfeitos, mas seus opositores so sempre demonizados, como portadores de todos os vcios, de todos os defeitos possveis no ser humano. Peri era um ndio goitac, que protegia a famlia de D. Antnio de Mariz. Observe-se como so descritos os aimors, ndios de outra tribo que ataca o fidalgo portugus.

    Essas setas assim inflamadas, despedidas dos seus arcos voavam pelos ares e iam cravar-se nas vigas e portas das casas; o fogo que o vento incitava, lambia a madeira, estendia a sua lngua vermelha, e lastrava pelo edifcio.

    Enquanto se ocupavam com esse trabalho, um prazer feroz animava todas essas fisionomias sinistras, nas quais a braveza, a ignorncia e os instintos carniceiros tinham quase de todo apagado o cunho da raa humana.

    de se notar que tanto so ndios os aimors quanto Peri, mas quo dife-rentes so as descries.

    NATUREZA

    Entre os romnticos, comum a natureza participar dos sentimentos hu-manos. Ela pode ser me benfazeja ou megera ameaadora.

    Em O guarani j tivemos o exemplo de Peri lutando contra a natureza que o queria eliminar; mas o heri consegue subjug-la, com esforo e inteligncia. Em outra passagem, l-se o seguinte:

    O que esperava ela? No sabia; mas o ar lhe parecia mais perfumado, a luz mais brilhante, o olhar via os objetos cor-de-rosa, e o leve roar da espiguilha do vestido no seu colo aveludado causava-lhe sensaes voluptuosas.

    MULHER DIVA

    A mulher idealizada, casta e pura, e desperta apenas pensamentos su-blimes, daqueles que sempre esto do lado do bem.

    Vendo aquela menina loura, to graciosa e gentil, o pensamento elevava-se naturalmente ao cu, despia-se do invlucro material e lembrava-se dos anjinhos de Deus.

    AMOR RENNCIA

    Veremos adiante, quando tratarmos de Til e seu amor por Miguel.

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    AMOR QUE RESGATA

    sob o efeito do amor que Fernando Seixas, do romance Senhora, um dndi ocioso, que se vendera por dinheiro, submetendo-se a sacrifcios imensos consegue modificar-se para merecer o amor de Aurlia Camargo.

    Seixas ergueu nos braos a formosa mulher, que ajoelhara a seus ps; os lbios de ambos se uniam j em frvido beijo, quando um pensamento funesto perpassou no esprito do marido. Ele afastou de si com gesto grave a linda cabea de Aurlia, iluminada por uma aurora de amor, e fitou nela o olhar repassado de profunda tristeza.

    No, Aurlia! Tua riqueza separou-nos para sempre.

    A moa desprendeu-se dos braos do marido, correu ao toucador, e trouxe um papel lacrado que entregou a Seixas.

    O que isto, Aurlia?

    Meu testamento.

    Ela despedaou o lacre e deu a ler a Seixas o papel. Era efetivamente um testamento em que ela confessava o imenso amor que tinha ao marido e o institua seu universal herdeiro.

    Eu o escrevi logo depois do nosso casamento; pensei que morresse naquela noite, disse Aurlia com um gesto sublime.

    Seixas contemplava-a com os olhos rasos de lgrimas.

    Esta riqueza causa-te horror? Pois faz-me viver, meu Fernando. o meio de a repelires. Se no for bastante, eu a dissiparei.

    As cortinas cerraram-se, e as auras da noite, acariciando o seio das flores, cantavam o hino misterioso do santo amor conjugal.

    Nesta mesma linha est Lcia, do romance Lucola, uma prostituta que conhece o amor e por ele se regenera e se purifica.

    Tu me purificaste ungindo-me com os teus lbios. Tu me santificaste com o teu primeiro olhar! Neste momento Deus sorriu e o consrcio de nossas almas se fez no seio do Criador.

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    4. A OBRA

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    Publicado em 1872, Til um romance da fase adulta de Jos de Alencar, quando o autor, apesar de seus muitos desafetos, j dispunha de grande prestgio literrio. No se pode falar de uma fase regionalista, em que estaria confortavel-mente o romance, porque Alencar no dividiu sua obra propriamente em fases, mas escrevia sempre tendo em vista seu projeto.

    Til um romance rural, que se passa no estado de So Paulo, s margens do rio Piracicaba, ento uma vila cuja referncia geogrfica e administrativa era a cidade de Campinas.

    Muitas das caractersticas gerais do autor comparecem neste romance narrado em 3 pessoa. Mas diferentemente de suas melhores obras urbanas, com profundidade psicolgica e dramas humanos significativos, em Til o que temos um romance de peripcias, com ciladas, vinganas, mistrios, perseguies e um enredamento complicado.

    uma histria em que amores e crimes se alternam na narrativa, por vezes vertiginosamente.

    ESTRUTURA

    O romance temporalmente alinear, dividido em duas partes, modo tpico de Jos de Alencar construir suas histrias. Na primeira parte, desenvolve uma trama deixando espaos vazios, que devero ser preenchidos na segunda parte, ao retomar a histria muito antes do primeiro captulo e justificando muitas das aes iniciais. Ou seja, o tempo narrativo avana, para retornar mais tarde ao passado da histria.

    Os captulos, com certa regularidade de extenso, denunciam o vezo da publicao inicial em folhetim, prtica comum na poca.

    MANIQUESMO

    Como em grande parte de sua obra, neste romance encontram-se em luta feroz o bem e o mal, identificados em dois grupos distintos: Berta e seus amigos Linda e Miguel, os pais destes, Jo Fera, Zana, Brs, Tudinha, Besita; do outro lado, o lado do mal, alinham-se Barroso/Ribeiro, Gonalo Pinta, Monjolo, Chico Tingu e outros que participam das tramas com o propsito de destruir o primeiro grupo.

    TEMTICA

    Redeno pelo amor, lealdade, amor renncia, herosmo, compaixo, a vida livre em contato com a natureza me, a interveno sbita e milagrosa da sorte para solucionar problemas, enfim, um romance em que o tema central pode ser a compaixo, mas que aborda ainda um rol de subtemas caros ao Romantismo.

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    Berta, a protagonista da histria, uma herona tipicamente romntica, representante do bem e das virtudes femininas, o suporte do que h de mais evidente no desenvolvimento temtico da obra. Amor e compaixo, eis os prin-cipais sentimentos que a movem.

    Contrariamente, Barroso, o principal antagonista, encarna o mal, com seu dio, sede de vingana e as aes crapulosas com que busca atingir seus intentos.

    ENREDO

    Dando uma ordem linear obra, em Santa Brbara, no municpio de Piraci-caba, ficava a fazenda Palmas, a maior e mais rica daquela regio, que mais tarde viria a ser herdada por Lus Galvo. Este, quando moo, tinha um companheiro, o Jo Fera (esse apelido s lhe foi atribudo mais tarde), com quem partilhava uma vida solta e ociosa.

    Nas vizinhanas, morava a moa mais bonita do lugar, Besita, filha de famlia pobre, por quem os dois amigos se apaixonam. Ocorre que o amor de Jo Fera era puro, mas silencioso, ao passo que Lus Galvo s quer o sexo dessa possvel relao. Ante as muitas investidas do jovem fazendeiro, Besita casa com um jovem que mal conhece, o Barroso, que no dia seguinte ao casa-mento parte para uma cidade distante a fim de deslindar uma complicao com sua herana.

    Meses mais tarde, ouvem-se batidas porta, tarde da noite, e uma escrava vai atender, gritando para o quarto de Besita que o sinh que voltava. A jovem esposa aceita-o na cama, e descobre ao amanhecer que no era outro seno Lus Galvo, com quem tivera uma noite de amor.

    Mas Lus Galvo j era casado com D. Ermelinda, moa fina e educada da cidade. Nove meses depois nasce Berta, a Til, que o pai no reconhece. Com algumas semanas de vida, um dia est nos braos de sua me quando Barroso, das sombras do mato, observando, descobre que fora trado. Avana contra a esposa e a enforca com os prprios cabelos. No consegue matar a criana, que havia sido carregada e escondida por Zana, uma escrava.

    Jo Fera, silenciosamente apaixonado por Besita, aparece e Barroso conse-gue fugir. Apesar de sua feroz perseguio, Jo no vai mais encontrar o assassino, que fugiu para Portugal.

    Berta torna-se a principal amiga do casal de irmos, Linda e Afonso, com quem cresce e brinca, sob os olhares de seu irmo de criao, Miguel.

    Com o passar do tempo, cria-se um quadro amoroso difcil, com Linda apaixonada por Miguel, e Afonso apaixonado por Berta. Mas acontece que Mi-guel j estava apaixonado por sua irm de criao e no quer saber de Linda. E Berta, que tambm ama Miguel, abdica de seu amor e tudo faz para que ele se apaixone pela menina rica.

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    De volta de Portugal, com o rosto transformado e usando outro nome, Ribei-ro, Barroso volta ao Brasil com a ideia fixa de assassinar Lus Galvo, culpado pela morte de Besita, mas sem deixar com vida o fruto daquela relao ilcita: Berta.

    Jo Fera, ento, j se tornara um assassino profissional. Morava em uma gruta no meio da floresta e recebia encomendas de morte. Mas, como assassino heri, o passado o justifica, nunca fica de tocaia, nem usa espingarda. com o fio de sua faca e frente a frente que se desincumbe das tarefas que lhe encomendam. O resto do tempo, e escondido entre o espesso arvoredo, ele segue os passos de Berta, por quem nutre um amor paternal como forma de se compensar pelo amor de Besita, que lhe foi roubado.

    Pois com Jo Fera que Barroso imagina assassinar Lus Galvo, de quem o facnora se afastara desde os tempos em que seu companheiro de correrias, enganando Besita, roubara-lhe uma noite de amor.

    Depois de pagar a metade do preo acertado, Ribeiro, ou Barroso, no re-conhecido, comea a pressionar o Bugre, Jo Fera, para que cumprisse o acordo. Quando est perto de se consumar o assassinato, Berta aparece e evita a desgraa. Jo Fera tem uma obedincia religiosa menina.

    Muitas ciladas, atos de fora e herosmo frente, Ribeiro, em conluio com escravos da fazenda Palma, projeta matar seu rival numa noite de So Joo.

    Para tanto, depois de todos, cansados da festa, recolherem-se a seus quar-tos, ateia fogo no canavial. Os escravos esto presos: Monjolo havia roubado a chave. Desesperado com o incndio, Lus Galvo sai em carreira desabalada para comandar seus homens, que no aparecem. Ao passar por um carreador, leva uma paulada na cabea e vai ser jogado s chamas quando aparece Jo Fera, que o salva e joga no fogo o Ribeiro juntamente com todos os homens que com ele estavam combinados.

    Depois do esforo de Berta para juntar Miguel e Linda, D. Ermelinda probe o namoro dos dois por causa da distncia social que os separa. Mas ante toda a tragdia que se abateu sobre a fazenda, Lus Galvo resolve morar em So Paulo, capital, para onde leva a famlia e, junto com eles, Miguel, a quem dever custear os estudos.

    Berta, desde a descoberta de seu verdadeiro pai, o rejeita irremediavel-mente.

    Quando terminou essa dolorosa narrao, Berta que a ouvira com um respeitoso silncio, apenas cortado pelo contnuo soluo que fazia arfar-lhe o seio, alou ao cu os olhos cheios de lgrimas.

    E ele meu pai!...Depois erguendo-se de um mpeto, e apertando as mos grosseiras do Bugre: No! No!... exclamou ela. Meu pai s tu, que me recebeste dos braos de minha

    me, com seu ltimo suspiro.

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    E ainda Berta, a protetora de Jo Fera, de Zana, a escrava louca, e de Brs, o rapaz deficiente mental, que, na despedida de seu irmo de criao, demonstra a grandeza de sua alma.

    Cortou os ares um grito de angstia. Brs cara ao cho como fulminado, e estre-buchava em uma violenta convulso, soltando uivos estridentes.

    Berta desprendeu-se dos braos do moo: No, Miguel. L todos so felizes! Meu lugar aqui, onde todos sofrem. E rompendo o doce enlevo que a prendia um momento antes, soluou: Adeus!...

    ELEMENTOS DA NARRATIVA

    NarradorNarrador onisciente, em terceira pessoa, como o modo predominante

    no romance do sculo XIX. o narrador com distncia suficiente para um olhar que abranja todo o cenrio, mas que se imiscua tambm na intimidade das per-sonagens.

    Personagens

    BertaA menina enjeitada que d sentido a toda a trama. Tpica herona ro-

    mntica, encarna todas as virtudes femininas. Tem entre quinze e dezesseis anos, sacrifica seu amor por lealdade a uma amiga e salva a vida de vrias pessoas. Corre livre pelas matas e campos, pratica a caridade (com Zana e Brs, principalmente).

    Ela, pequena, esbelta, ligeira, buliosa, saltitava sobre a relva, grrula e cintilante do prazer de pular e correr; saciando-se na delcia inefvel de se difundir pela criao e sentir-se flor no regao daquela natureza luxuriante.

    (Trata-se aqui da natureza-me.)Ao ver Miguel ameaado por Jo Fera: Vai embora! Disse ela com imprio; e a voz parecia ranger-lhe nos lbios plidos.

    Ao caracteriz-la, o narrador usa expresses como: coragem da linda compa-nheira, lindo semblante, seu olhar sereno e meigo, corpo mimoso, ninfa celeste.

    MiguelFilho de Nh Tudinha, que recolheu Berta ainda beb, com o passar do

    tempo acaba apaixonando-se pela irm de criao. Mas, por manobras desta, acaba aceitando o amor da vizinha rica. Rejeitado por D. Ermelinda, a me, cai em desespero. Mais uma vez, por obra de Berta, acolhido e segue para So Paulo a fim de estudar para merecer a mo de Linda.

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    No teve Lus Galvo coragem para resistir ao pedido de Berta. Parecia-lhe que assim cumpria um voto de Besita. D. Ermelinda condescendeu prontamente com o desejo do marido, ansiosa por v-lo restitudo sua tranquilidade e arrependida da confisso que provocara.

    Combinou-se que Miguel iria estudar a So Paulo; e dois anos depois se efetuaria o casamento naquela cidade para onde a famlia devia partir logo.

    Lus GalvoHerdeiro de uma rica fazenda, era o que se chamava de estroina quando

    solteiro. Apesar da vida campestre que levava, acabou por se casar com moa fina da cidade.

    No resistiu ao desejo de possuir Besita e, usando de um estratagema conhecido desde a Antiguidade (episdios da mitologia greco-romana), fez-se passar pelo marido ausente, era noite escura, relao de que resultou Berta.

    Assim como todas as personagens do romance, plano, de psicologia pobremente desenvolvida. apenas um homem rico, e como tal ele age. Seu nico momento de conflito foi a dvida se deveria confessar esposa ou no sua aventura com Besita.

    Imagine-se quanto no sofreu Lus Galvo, humilhado assim na estima da mulher, ele que sentia-se rebaixado ante a prpria conscincia, quando recordava aquela vergonha de sua mocidade!

    (...)Mas Lus Galvo era desses homens que vivem muito superfcie dalma, onde

    o contentamento do mundo, os prazeres efmeros e as impresses do momento formam uma camada que sopita alguma reminiscncia mais profunda.

    D. ErmelindaEsposa de Lus Galvo, filha de um capitalista de Campinas, era mulher de

    origem urbana, educada, sensata e dedicada famlia. Quando soube da atrao sentida por sua filha Linda por um moo pobre das redondezas, Miguel, tratou de evitar que as relaes se aprofundassem.

    Linda soltou uma exclamao de susto. D. Ermelinda, vendo a filha passar, a acompanhara e surpreendera os dois amantes.

    No se irritou a senhora, que viu a aflio pintada no rosto da filha.Ao contrrio, abraando-a com ternura, chamou Miguel, o qual procurava es-

    conder-se sua vista. Aproximou-se o moo, plido e confuso, para ouvir estas palavras pronunciadas com um tom de meiga severidade:

    Diga adeus a Linda, Miguel; mas para sempre! Ela no pode pertencer-lhe.O moo abraou Linda e partiu soluando. A menina escondeu o pranto no seio

    da me, que a furto enxugava os olhos.

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    Jo FeraDurante uma grande enchente no rio, uma famlia pobre, ao tentar atraves-

    sar para o outro lado, foi carregada pelas guas. Salvou-se um menino, batizado e criado por Afonso Galvo, fazendeiro da localidade.

    Jo, como passou a ser chamado o menino acolhido na fazenda, criou-se em companhia de Lus Galvo, o filho do fazendeiro. Nas brincadeiras e nas viagens, servia-lhe como uma espcie de pajem, sempre pronto a proteger o filho de seu protetor. Muito forte, desde criana, era visto pela famlia Galvo como uma garantia de proteo para seu turbulento filho.

    Mas ambos, Lus Galvo e Jo Fera, apaixonam-se pela mesma moa da aldeia vizinha, Santa Brbara. Porm, enquanto Lus Galvo s quer usufruir dos dotes fsicos da moa pobre, Jo Fera tem por ela verdadeira adorao, quase religiosa.

    Quando, por meio de um engodo, Lus Galvo consegue dormir com Besi-ta, objeto da dupla paixo, Jo Fera rompe com o quase irmo, embrenha-se na floresta e vai morar em uma furna, como fera realmente. O golpe muito forte e o tranquilo Jo Fera torna-se um criminoso a soldo de quem quiser: mata por dinheiro.

    Contratado para matar um homem, recebe alta quantia em dinheiro que, inadvertidamente, ele gasta. Quando fica sabendo quem a futura vtima, reluta, hesita, mas no tem como devolver o que havia recebido e, assim, mantm sua palavra.

    Por fim, esquiva-se de matar seu antigo companheiro e consegue resolver o problema da palavra empenhada, ao descobrir que seu contratante o marido de Besita, que a havia matado.

    Jo Fera dedica grande parte de seu tempo a velar pela segurana de Berta, a filha da ligao ilcita de Lus Galvo com Besita. A menina exerce poderes ilimitados sobre o facnora.

    A orla do mato assomara o vulto de um homem de grande estatura e vigorosa compleio, vestido com uma camisola de baeta preta, que lhe caa sobre as calas de algodo riscado. Apertava-lhe a cintura rija e larga faixa do couro mosqueado de cas-cavel, onde via-se atravessada a longa faca de ponta com bainha de sola e cabo de osso grosseiramente lavrado.

    (...)Ao sumir-se na espessura, Jo Fera voltou o rosto e por entre a basta ramagem

    esteve a contemplar o vulto esbelto da menina. (...)Oculto no mato, foi o capanga, qual ao arrasto de uma cadeia, seguindo maqui-

    nalmente Inh, atravs do campo.

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    Cumpre acrescentar, finalmente, que Jo Fera a nica personagem do romance que passa por uma transformao: de matador feroz, e por ordem de Berta, transforma-se em trabalhador rural, trocando a faca de ponta pela enxada.

    Linda e AfonsoAmbos so filhos de Lus Galvo. Ele, com o mesmo nome do av, tem

    certa queda por Berta, mas no final descobre-se irmo da menina. Linda, criatura bastante apagada, apaixona-se por Miguel, de condio so-

    cial bastante inferior. No final, consegue seu intento e o rapaz pobre acompanha a famlia, que se muda para So Paulo, onde ele vai estudar.

    Nestas circunstncias lembrara-se Lus Galvo de propor mulher uma viagem corte; e ela aceitara com fervor a ideia. Deixar as Palmas era um meio de escapar tirania das pungentes recordaes, e de afastar Linda de Miguel.

    BesitaMoa linda e recatada, filha de Guedes, um vivo pobre de Santa Brbara.

    Apesar de requestada com insistncia pelo jovem Lus Galvo, mantm-se firme no propsito de no lhe ceder aos desgnios.

    Entre os mais assduos, nenhum levava as lampas a Lus Galvo, que era naquela poca um chibante moceto de vinte anos. Raro dia, no vinha ele ao povoado e no achava pretexto para apear-se em casa do velho Guedes, pai de Besita.

    E foi por causa desse assdio que ela resolve aceitar o casamento com Bar-roso, que no dia seguinte viaja e, quando volta, Besita j tem Berta nos braos. Seu marido, sentindo-se trado, enforca Besita com os prprios cabelos da esposa.

    Zana e BrsSo os dois dementes do romance. Zana, uma escrava, perdeu a razo ao

    presenciar o assassinato de Besita, me de Berta. Ficou morando na tapera que fora a casa de Guedes.

    Brs, sobrinho de Lus Galvo, adotado por este depois de perder os pais. D. Ermelinda no morre de amores pelo sobrinho.

    Ambos so objetos da compaixo de Berta.

    Zana! Disse afinal a menina.Estremeceu a negra, e ps-se a escuta daquela voz, como se viesse de longe, de bem

    longe, e s mui de leve lhe ferisse as ouas. No se repetindo o chamado, voltou primeira posio e continuou o resmonear, abanar a cabea coberta de uma carapinha grisalha da cor de l churra do carneiro.

    Entretanto Berta aproximou-se de uma prateleira que havia na parede, junto ao fogo, para esvaziar ali o resto do saco. No velho alguidar esborcinado, deitou a farinha de milho; e sobre a tbua algum feijo e torresmos de carne de porco, embrulhados em folhas de couve.

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    Zana vive sozinha na tapera e no sobreviveria sem os cuidados de Berta. Til, como Brs chama Berta, se esfora para que ele aprenda pelo menos

    os nomes das letras. Todos os dias insiste naquela tarefa. a nica pessoa que d alguma ateno ao demente.

    E a menina cingiu com o brao esquerdo a cabea do rapaz e a estreitou ao seio com efuso.

    O sentimento de bem-aventurana que difundiu-se pela fisionomia do idiota; o xtase de felicidade, no qual se embeberam suas feies, sempre transtornadas pela im-becilidade, e agora consertadas por um plcido sopitamento; essa elao ao toque da meiga carcia, no h traos para esboar.

    TempoO tempo da histria abrange um perodo provvel de mais de vinte anos.

    A referncia mais antiga de 1826, quando Besita era ainda uma moa cobiada por todos os rapazes de Santa Brbara e arredores.

    O tempo histrico do incio do romance corresponde primeira metade do sculo XIX, indo dos ltimos anos do reinado de D. Pedro I, passando pelo perodo regencial para terminar j com D. Pedro II imperador.

    O tempo narrativo bastante acelerado para conter em cerca de duzentas pginas um pouco mais de vinte anos de vida. Isso caracteriza um romance de ao, como Til, em que as personagens so vistas quase sempre apenas em sua exterioridade.

    Ao cabo de quinze anos voltara o Ribeiro a So Paulo.

    Ele partira para Portugal logo depois do assassinato da esposa.

    EspaoNo interior de So Paulo, perto de Piracicaba, a ao toda se desenvolve

    na fazenda das Palmas e seus arredores. uma regio de mato fechado, que, custa de muito machado, foi cedendo lugar a plantaes, principalmente de milho e de caf.

    Como ambientes fechados, aparecem a casa de Lus Galvo, a tapera onde vive Zana e a casa de Nh Tudinha, onde mora Berta.

    A maioria das aes se d a cu aberto.

    Cerca de uma lgua abaixo da confluncia do Atibaia com o Piracicaba, e margem deste ltimo rio, estava situada a fazenda das Palmas.

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    5. EXERCCIOS1.Assinale a alternativa em que protagonista tem o seu correspondente antagonista.a) Berta x Jo Ferab) Brs x Afonsoc) Besita x D. Ermelindad) Lus Galvo x Ribeiroe) Linda x Berta

    2.Leia o trecho seguinte e responda ao que se pede:

    Atalhou a menina o mpeto a Jo, arrojando-se em frente, e cobrindo com o talhe delgado o corpo de Miguel. Seu olhar cintilante trespassou o olhar fero do capanga como a lmina de um estilete cravando uma couraa.

    Vai embora! disse ela com imprio; e a voz parecia ranger-lhe nos lbios plidos.Foi a pupila inflamada e sanguinria do assassino a que abateu-se.

    Qual das alternativas a seguir no corresponde verdade?a) Jo vigiava os passos de Berta mantendo-a segura.b) Berta odiava o assassino que matara sua me.c) Miguel era irmo de criao de Berta e por ela chegou a estar apaixonado.d) Jo, no passado, tivera adorao por Besita, me de Berta.e) Berta, uma das protagonistas do romance Til, alia coragem e beleza como

    tpica herona romntica.

    3.

    Leia o excerto seguinte.Nesses momentos de obliterao, porm, o doce olhar de Berta sustinha aquele

    esprito titubeante prestes a submergir-se nas trevas. Entrelaando o rude labor da lio com sorrisos e meiguices, que orvalhavam a alma enferma do msero idiota, a carinhosa mestra no s incutia-lhe o nimo de perseverar no insano esforo, como iluminava com um vislumbre de sua alma a densa caligem daquele crebro grantico.

    Da leitura do trecho anterior, pode-se inferir um dos temas do romance, que tem Berta como suporte. Em qual das alternativas se encontra este tema?

    a) Amor rennciab) Coragemc) Compaixo

    d) Amor vida livre no campoe) Lealdade

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    4.

    Leia o trecho a seguir.Jo Fera, reconhecendo a menina atravs da nuvem de sangue que lhe inflamava

    o olhar, e vendo-a afrontar-lhe os mpetos, no abateu logo de todo o fero senho, mas foi-se aplacando a pouco e pouco. A ira que se arrojava do seu aspecto, retraiu-se e de novo afundou pelas rugas do semblante, como a pantera que recolhe jaula, rangendo os dentes.

    Na leitura do trecho anterior, descobrem-se duas figuras de linguagem que aparecem na seguinte ordem:

    a) metonmia e comparao.b) metfora e comparao.c) comparao e sinestesia.

    d) metfora e sinestesia.e) sinestesia e metfora.

    5.

    Leia as assertivas seguintes.

    I)Til um romance de Jos de Alencar que transcorre em ambiente rural. II)Til o apelido dado a Berta por Jo Fera.III)O amor renncia um dos temas principais do romance Til, de Jos de

    Alencar.Est(o) correta(s) apenas:

    a) I e III.b) I e II.

    c) II.d) II e III.

    e) I.

    6.Observando-se a estrutura temporal de Til, romance de Jos de Alencar, pode-se afirmar que:a) todas as aes seguem uma ordem cronolgica rigorosa.b) um romance linear em que as aes da segunda parte so posteriores s

    aes da primeira parte.c) tanto a primeira quanto a segunda parte tratam das mesmas aes, havendo

    apenas um distanciamento espacial.d) um romance alinear em que as aes da segunda parte so posteriores s

    aes da primeira parte.e) um romance alinear em que as primeiras aes da segunda parte so ante-

    riores s aes da primeira parte.

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    7.

    Leia o excerto a seguir.

    Adivinhou Besita as duas afeies de que era objeto, e com a intuio da mulher amada, conheceu o contraste profundo que havia entre ambas. A paixo do Bugre era submissa, a do moo imperiosa; na primeira ressumbrava a abnegao, a segunda ardia em desejos.

    (...)Besita concentrava todas as suas foras para resistir; considerando-se irremedia-

    velmente perdida, buscava em torno de si um apoio que a amparasse e no achava. Seu pai era um pobre velho, que via no namoro de Lus uma boa fortuna. No tinha, em falta de sua me, uma amiga que a defendesse contra os prprios impulsos de seu corao.

    Considerando-se os dois pargrafos anteriores e o contexto em que aparecem, leia as afirmaes a seguir.I) O amor verdadeiro era o que Jo Fera, o Bugre, sentia por Besita.II) Para livrar-se dos dois, Besita casou com Ribeiro, um jovem desconhecido no lugar.III) Como fruto do amor existente entre Ribeiro e Besita, nasceu Berta, a herona

    do romance Til. Est(ao) correta(s):a) todas.b) II e III, apenas.c) I, apenas.

    d) I e II, apenas.e) III, apenas.

    8.

    Leia o excerto seguinte.

    D. Ermelinda ainda recalcava no ntimo o segredo que a torturava. Por vezes ten-tara exprobrar a Galvo aquela mcula do passado; e no momento fugia-lhe o nimo de que se revestira anteriormente. Uma explicao naquelas circunstncias podia romper o vnculo que a prendia ao esposo. Temia, pois, rasgar o vu j to ralo de uma iluso em que ela ainda se embebia, para refugiar-se contra o desespero.

    Pelo que se conhece do romance Til, correto afirmar que o segredo, no texto anterior, refere-se mcula do passado. Indique a alternativa correspondente mcula de que trata o pargrafo.a) Lus mandou aoitar um escravo.b) Lus, por meio de um engodo, teve uma noite de amor com Besita.c) O marido de D. Ermelinda mantinha uma amante em Campinas.d) Lus Galvo rompera de forma cruel sua amizade com seu companheiro, o

    Jo Fera.e) Lus encomendara a Jo Fera a morte de Ribeiro, recm-chegado de Portugal.

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    9.Brs e Zana tm algo em comum, mas com origens diferentes. Em poucas pa-lavras, indique o que h de comum entre os dois, assinalando as diferenas de origem.

    10.

    Leia o excerto seguinte.O capanga avanava lento, mudo, sombrio, sem arma em punho, nem sequer um

    gesto de ameaa; e, todavia, era ele Gonalo, apesar de armado, quem recuava diante daquele vulto impassvel.

    Afinal, o pulso do Suuarana, fatigado de cutilar o vento, afrouxou. No teve ele tempo de pressentir o perigo; colhido pelas espduas girou no ar e foi abater-se no canavial abrasado onde o arrojara o brao pujante de Jo Fera, que antes de arremessar o corpo, o havia estrangulado.

    Da leitura desses dois pargrafos de Til, e sem considerar o contexto, infere-se que o romance de Alencar deve ser classificado como:a) de amor.b) psicolgico.c) de costumes.d) de formao.e) de peripcias.

    GABARITO1. D 2. B 3. C 4. B 5. A 6. E 7. D 8. B

    9. Os dois tm em comum a demncia, mas Brs a tem de nascimento e Zana enlouqueceu ao presenciar o assassinato de Besita.

    10. E