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O PROBLEMA DA UNIVERSALIZAÇÃO EM

ÉTICA

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Série Filosofia

104

O PROBLEMA DA UNIVERSALIZAÇÃO EM

ÉTICA

Jaime José Rauber

Porto Alegre, 2015

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© EDIPUCRS, Editora Fi, 2015.

www.editorafi.org

Diagramação e capa: Lucas Fontella Margoni Imagem da capa: Caspar David Friedrich

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

RAUBER, Jaime José.

R239p O problema da universalização em ética [recurso eletrônico] / Jaime

José Rauber. – Dados Eletrônicos. – Porto Alegre : EDIPUCRS:

Editora Fi, 2015.

177 p. – (Série Filosofia ; 104)

Modo de acesso: http://www.pucrs.br/edipucrs

Modo de acesso: http://www.editorafi.org

ISBN 978-85-397-0780-5 (EDIPUCRS)

ISBN 978-85-66923-71-1 (Editora Fi)

Disponível em:

http://www.editorafi.org

http://www.edipucrs.com.br

1. Filosofia. 2. Ética. 3. Universalismo. 4. Kant, Immanuel - Crítica e

Interpretação. 5. Habermas, Jürgen – Crítica e Interpretação. I. Título.

CDD-170

Ficha Catalográfica elaborada pelo Setor de

Tratamento da Informação da BC-PUCRS

Índices para catálogo sistemático:

1. Ética 170

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Aos meus familiares e à Dila.

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“É bem mais fácil demonstrar, na obra de um grande espírito, as falhas e os erros, que dar de sua obra um desenvolvimento claro e completo.”

(SCHOPENHAUER)

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Lista de Abreviaturas

AG: Argumento da Generalização

CRPr: Crítica da razão prática

CRPu: Crítica da razão pura

FD: Filosofia do Direito

FMC: Fundamentação da metafísica dos costumes

GMS: Grundlegung zur Metaphysik der Sitten

KrV: Kritik der reinen Vernunft

MS: Die Metaphysik der Sitten

PC: Princípio das Consequências

PG: Princípio da Generalização

TAC, I: Teoria de la acción comunicativa, Tomo I

TAC, II: Teoria de la acción comunicativa, Tomo II

TACC: Teoria de la acción comunicativa: complementos y estudios

previos

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Sumário

Introdução ................................................................... 13

1 ................................................................................... 17 O Universalismo no pensamento moral de Kant

2 ...................................................................................68 A Ética do discurso de Habermas

3 ................................................................................. 112 O Universal Abstrato e o Universal Concreto

Considerações finais ................................................. 166

Referências ................................................................ 173

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Introdução Com o avanço técnico-científico das diversas esferas do saber, as discussões em torno do agir moral humano tornam-se cada vez mais necessárias. Mais do que nunca, necessita-se de um elemento ou de um princípio que sirva de fundamento para distinguir-se o agir correto do incorreto, o agir justo do injusto. A investigação em torno desse critério ou procedimento do agir moral é a tarefa da Ética como disciplina filosófica. Essa é também a importância do presente trabalho dentro do contexto histórico atual, pois pretende-se tematizar algumas dificuldades acerca de diferentes propostas éticas que apresentam a universalização como critério de fundamentação do agir moral. A Ética, como disciplina filosófica, foi fundada por Aristóteles (384-322 a.C.). Na obra Ética a Nicômaco, o autor procura dar uma resposta ao problema já levantado por Sócrates e Platão, qual seja: de que maneira deve o homem viver a sua vida. O pano de fundo da ética aristotélica é a investigação em torno do fim último do homem, também denominado de bem supremo ou felicidade (Eudaimonia). Kant (1724-1804), cerca de dois mil e cem anos depois de Aristóteles, abandona a ideia do fim último do homem como elemento determinante do moral. Por introduzir um novo conceito de dever moral – dever pelo puro dever –, torna-se um marco na história do pensamento ético. Para esse autor, o dever não consiste mais na realização de ações que proporcionem o fim último do homem, denominado felicidade, mas na realização de ações pelo puro dever de realizá-las. Abandona-se, assim, o paradigma ético teleológico, e inova-se o paradigma deontológico. Esse

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14 O problema da Universalização em Ética

modelo de pensamento ético não se ocupa mais com a determinação das virtudes éticas e das regras morais que devem ser observadas para o alcance de determinados fins, mas tão somente com o critério de justificação do agir moral. O paradigma ético deontológico não se ocupa com o que se deve fazer para se ter uma vida boa ou feliz, mas com o como se deve agir para que a ação seja correta, justa ou, em uma palavra, para que a ação seja moral. Paralelamente a esse novo conceito de dever, Kant introduz a questão da universalização como um dos aspectos centrais para a justificação ou validação de normas morais. Ampla é a bibliografia produzida em torno do imperativo categórico como princípio de fundamentação racional de normas. Boa parte dela mostra-se favorável à proposta de Kant e procura defendê-la de todos os possíveis contra-argumentos. Entretanto, vários pensadores percebem limitações no pensamento ético de Kant e procuram elaborar uma proposta alternativa, que não caia naqueles mesmos problemas. Não obstante isso, uma coisa é certa: a universalização ocupa um aspecto privilegiado em todas as propostas de inspiração kantiana que tentam apenas corrigir a proposta do filósofo de Königsberg. Nesse sentido, o objeto do presente estudo é o problema da universalização enquanto critério de fundamentação do agir moral. Entre outras questões, enfocar-se-á, por um lado, o problema do universal absoluto ou plano das regras morais, também chamado de rigorismo ético e, por outro, a questão do universal abstrato, em oposição ao universal concreto, no sentido hegeliano da expressão. A partir da reconstrução das propostas éticas de Kant e Habermas, analisar-se-á se tais propostas se ajustam ou não à ideia da fundamentação de normas morais absolutas, válidas sempre, ou se, em ambas as propostas, há espaço para a reformulação de normas morais ou até, dependendo das circunstâncias, se há possibilidade de uma exceção à norma, sem que isso implique imoralidade. A

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reconstrução dessas propostas permitirá analisar também se o imperativo categórico de Kant e o princípio “U”, somado ao “D”, de Habermas são critérios suficientes para a fundamentação de normas morais sem que impliquem fortes contra-argumentos. Essa investigação, que terá como suporte teórico as propostas de Osvaldo Guariglia e Marcus Singer, remonta à distinção hegeliana entre universal concreto e universal abstrato.

Apreciador da crítica feita por Hegel ao universal abstrato de Kant e atento às limitações das propostas éticas do tipo kantianas, Cirne Lima propõe um Projeto de Sistema com o qual pretende superar àquelas limitações. Mediante uma breve exposição da proposta desse autor, mostrar-se-á que uma das grandes vantagens dela, em relação às éticas kantianas, é a postulação da unidade da razão. Ou seja, a correção ou incorreção das ações depende de um único princípio, de forma que a distinção entre correção legal e correção moral desaparece; moralidade e legalidade andam juntas e como que se completam dentro do todo maior, que é o sistema. Será, no entanto, que também aí não se encontram dificuldades quanto à determinação da correção ou incorreção de ações? Será que o Princípio da Coerência, que nos é apresentado como princípio universalíssimo do dever-ser, não é muito genérico para a determinação dos deveres particulares? O método que será seguido no desenvolvimento do presente estudo é o reconstrutivo-analítico. À reconstrução das diferentes propostas de fundamentação racional de normas, seguir-se-á a análise da natureza da universalização. Se o critério de legitimação de normas morais é a possibilidade de universalização, que tipo de universalização é proposta? As normas devem ser válidas no sentido universal absoluto ou é um universal que, dependendo das circunstâncias, abre espaço para exceções? A partir dessa discussão, analisar-se-á também se os critérios de universalização, propostos pelos diferentes

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autores, inserem-se em um universal concreto ou se eles se identificam com a caracterização hegeliana de universal abstrato.

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O Universalismo no pensamento moral de Kant

A proposta kantiana de fundamentação racional de normas morais é uma das primeiras, senão a primeira, a enfatizar o aspecto universal da moralidade. O que é válido para um deve valer igualmente para todos ou não vale como princípio moral. Entretanto, a preocupação de Kant não está voltada à elaboração de princípios morais (normas) que prescrevam o que os homens devem fazer, mas tem como objeto fixar um princípio que sirva de fundamento ou, se quisermos, de critério último para o agir moral. Isso fica claro no prefácio da Grundlegung zur Metaphysik der Sitten1 (1785), onde o autor escreve2:

A presente fundamentação nada mais é, porém, do que a busca e a fixação do princípio supremo da moralidade, o que constitui só por si no seu

1 Fundamentação da Metafísica dos Costumes.

2 Devido à dificuldade de tradução e à grande quantidade de traduções existentes das obras de Kant, apresento, nas notas, as citações também no original.

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18 O problema da Universalização em Ética

propósito uma tarefa completa e bem distinta de qualquer outra investigação moral.3

Dado que o objeto central é a determinação de um princípio de moralidade válido para todos os seres racionais, o ponto de partida não pode ser, segundo Kant, a experiência, isto é, não pode ser nenhum condicionamento empírico, pois isso impossibilitaria o aspecto da universalidade da lei moral. Essa ideia já nos fica clara em sua primeira grande obra denominada Kritik der reinen Vernunft4 (1781), na qual lemos que os juízos baseados em princípios da experiência não alcançam necessidade nem universalidade. Daí o fato de a investigação em torno do princípio supremo da moralidade ter de seguir o caminho de uma filosofia formal, também chamada por Kant de filosofia pura, que se ocupa dos juízos puramente racionais. Do conhecimento baseado em princípios da experiência ocupa-se a filosofia material ou empírica. Dado que a experiência não pode fornecer nenhum princípio seguro, Kant, da mesma forma que na razão teórica, também deixa de lado esse campo do saber na razão prática. A ideia de Kant é, pois, elaborar uma pura filosofia moral, livre de todo condicionamento empírico.

Que tenha de haver uma tal filosofia, ressalta com evidência da ideia comum do dever e das leis morais. Toda a gente tem de confessar que uma lei que tenha de valer moralmente, isto é, como

3 “Gegenwärtige Grundlegung ist aber nichts mehr als die Aufsuchung und Festsetzung des oberstens Prinzips der Moralität, welche allein ein in seiner Absicht ganzes und von aller anderen sittlichen Untersuchung abzusonderndes Geschäft ausmacht” (GMS, 1965, p. 8) (FMC, 1986, p. 19).

4 Crítica da razão pura.

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fundamento de uma obrigação, tem de ter em si necessidade absoluta.5

Para o autor, os preceitos empiricamente condicionados podem até ser chamados de regras práticas, mas nunca poderão valer como leis morais. Nesse sentido, o princípio da moralidade não pode ser buscado em elementos fornecidos pela experiência, mas, para valer como princípio da obrigação, deve ser buscado em elementos a priori, provenientes exclusivamente da razão pura. Kant parte do fato de que os homens já sempre sabem como deveriam agir, isto é, que eles já sempre têm consciência do dever moral. Entretanto, entende que, enquanto não se tiver um princípio que sirva de fundamento para as ações dos homens, os próprios costumes ficam sujeitos à perversão e corrupção. Resulta daí, segundo o autor, a necessidade e a importância de uma metafísica dos costumes, cuja fonte de conhecimento é a priori e que, por apoiar-se na razão pura, pode possibilitar a formulação desse princípio supremo da moralidade. Tal princípio tem de ser, segundo Kant, formal. Não pode estar ligado a nenhum condicionamento empírico, pois inviabilizaria o projeto de busca e fixação do princípio de caráter universalista, isto é, que valha igualmente para todos os seres racionais. Nesse sentido, no decorrer desse capítulo, ocupar-me-ei, em um primeiro momento, com a exposição da investigação kantiana em torno do supremo princípio da moralidade. Em seguida, apresentarei a crítica de Hegel ao formalismo kantiano, mostrando que são possíveis duas

5 “Denn dass es eine solche geben müsse, leuchtet von selbst aus der gemeinen Idee der Pflicht und der sittlichen Gesetze ein. Jedermann muss eingestehen, dass ein Gesetz, wenn es moralisch d. i. als Grund einer Verbindlichkeit gelten soll, absolute Notwendigkeit bei sich führen müsse” (GMS, 1965, p. 5) (FMC, 1986, p. 15).

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leituras a esse respeito: por um lado, se se aceita o ponto de partida de Kant, a crítica de Hegel à pura indeterminação não é tão sustentável quanto ela, a princípio, parece ser; por outro, se se nega o ponto de partida daquela proposta, então Hegel tem razão em afirmar que a ética de Kant permanece em um puro formalismo e que, por meio dela, só é possível determinar deveres subjetivos. E, por fim, tentarei mostrar que, mesmo havendo espaço para a introdução de princípios conteudísticos (normas), a proposta de Kant apresenta-se problemática, pois cai no rigorismo ético, que será caracterizado como universal absoluto. A exposição da proposta de Kant e da crítica de Hegel ao puro formalismo são fundamentais para compreender-se a crítica ao universal abstrato, que será desenvolvida no terceiro capítulo desse estudo. 1.1 O princípio da moralidade em Kant A apresentação do princípio da moralidade, ele mesmo, exige que se exponha o que Kant entende por dever moral. A tradição filosófica definia o dever moral a partir de fins previamente postos. Se o fim fosse a vida boa ou a vida feliz, o dever moral resultaria da análise dos melhores meios para se chegar a tais fins. No pensamento de Kant, porém, a definição do dever moral muda radicalmente. Ele abandona qualquer fim como meta a ser alcançada por meio da realização de determinadas ações. Sua preocupação não é mais com o que se deve fazer para alcançar os fins previamente postos, mas apenas com o como se deve proceder para agir com mérito moral. Daí a importância da exposição do conceito de dever que, segundo Kant, contém em si o de boa vontade.

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1.1.1 Boa vontade e dever Na primeira seção da GMS, Kant apresenta a boa vontade (guter Wille) como a única coisa que pode ser considerada como boa em si mesma, algo como bom sem limites (ohne Einschränkung). Segundo ele, todos os talentos e qualidades do espírito são, em geral, coisas boas e desejáveis, mas, se a vontade unida a elas não for boa, podem tornar-se maus e prejudiciais. Todas as qualidades do temperamento são favoráveis à boa vontade, mas não possuem um valor absoluto em si mesmas. As qualidades, para serem boas e louváveis sem reservas, pressupõem os princípios da boa vontade. Para Kant, a boa vontade não é boa por possibilitar o alcance de determinados fins, isto é, por aquilo que promove, mas apenas pelo simples querer (Wollen). Ela,

considerada em si mesma, deve ser avaliada em grau muito mais alto do que tudo o que por seu intermédio possa ser alcançado em proveito de qualquer inclinação, ou mesmo, se se quiser, da soma de todas as inclinações.6

A razão (Vernunft) foi-nos dada, segundo o autor,

como faculdade prática (praktisches Vermögen) que deve exercer influência sobre a vontade. Sua tarefa, entretanto, não deve ser a de produzir uma vontade que seja boa como meio para outra intenção, mas a de produzir uma vontade boa em si mesma (an sich selbst guten Willen hervorzubringen7). A vontade será boa em si mesma na medida em que não

6 “Der gute Wille [...] für sich selbst betrachtet, ohne Vergleich weit höher zu schätzen als alles, was durch ihn zu Gunsten irgend einer Neigung, ja wenn man will der Summe aller Neigungen, nur immer zu stande gebracht werden könnte” (GMS, 1965, p. 11) (FMC, 1986, p. 23).

7 GMS, 1965, p. 11-2.

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for influenciada por elemento algum exterior a ela mesma. É nisso que consiste o seu pleno valor. Por ser boa em si mesma, constitui o bem supremo e a condição de tudo o mais. Para desenvolver o conceito de boa vontade altamente estimável em si mesma, Kant passa também à exposição do conceito de dever (Pflicht) que, segundo ele, contém em si o de boa vontade. Para uma melhor compreensão desse conceito, observemos dois exemplos do próprio autor. O comerciante que atende lealmente (ehrlich) seus fregueses age conforme ao dever (pflichtmässig), pois é um dever ser leal e atender bem seus fregueses, mas não age por dever (aus Pflicht) na medida em que age motivado por interesses bem compreendidos. Da mesma forma, uma pessoa que leva uma vida tranquila e feliz e a conserva, age conforme ao dever, mas não por dever, pois conservar a vida é um dever. Ao contrário, quando uma pessoa perdeu o gosto pela vida e pensa em suicidar-se, mas mesmo assim a conserva, esta sim, age por dever.8 Conservar a vida quando esta já não encontra mais nenhuma motivação, conforme o último caso, é uma ação com pleno valor moral. A primeira opção por conservar a vida, em contraposição, não representa uma ação com valor moral intrínseco, pois é uma ação que não passa da conformidade com o dever. A conservação da vida, nesse caso, passou a ser uma máxima movida talvez pelo medo de uma pena futura ou por uma outra motivação qualquer. Agir por dever é, pois, agir pela boa vontade sem ser movido por inclinação (Neigung) alguma; é conservar a vida por dever e não pelo medo da pena. É realizar uma boa ação sem ter em vista nenhuma intenção finalística, mas agir simplesmente pela pura intenção. O valor moral (moralischer Wert) das ações consiste, portanto, em agir pelo

8 Cf. FMC, 1986, p. 27-8.

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puro dever, em agir sem ser movido por inclinações. A respeito disso, Kant afirma:

Uma ação praticada por dever tem o seu valor moral, não no propósito que com ela se quer atingir, mas na máxima que a determina; não depende, portanto, da realidade do objeto da ação, mas somente do princípio do querer segundo o qual a ação, abstraindo de todos os objetos da faculdade de desejar, foi praticada.9

Os propósitos unidos à prática de determinadas

ações não têm nenhum valor incondicionado e, consequentemente, nenhum valor moral. O valor moral reside apenas no princípio da vontade (Prinzip des Wollens), que fica abstraído dos fins que se possa pretender mediante a realização de determinada ação. Pascal, referindo-se ao exemplo citado de Kant, afirma que “o mercador honesto é moral se é honesto por dever; carece de valor moral se é honesto por interesse”.10 A pureza da intenção é, pois, o que constitui o valor moral da ação. A partir dessas considerações anteriores, Kant apresenta a sua definição geral do conceito de dever: “Dever é a necessidade de uma ação por respeito à lei”.11 Segundo o autor, pelo objeto, enquanto fim da ação a que aspiro, jamais posso sentir respeito, apenas inclinação. Enquanto efeito,

9 “Eine Handlung aus Pflicht hat ihren moralicher Wert nicht in der Absicht, welche dadurch erreicht werden soll, sondern in der Maxime, nach der sie beschlossen wird, hängt also nicht von der Wirklichkeit des Gegenstandes der Handlung ab, sondern bloss von dem Prinzip des Wollens, nach welchem die Handlung unangesehen aller Gegenstände des Begehrungsvermögens geschehen ist” (GMS, 1965, p. 17-8) (FMC, 1986, p. 30).

10 PASCAL, 1996, p. 114.

11 “Pflicht ist Notwendigkeit einer Handlung aus Achtung fürs Gesetz” (GMS, 1965, p. 18) (FMC, 1986, p. 31).

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não é uma atividade da vontade e, conforme Kant, só pode ser objeto de respeito aquilo que está ligado à minha vontade apenas como princípio e nunca como efeito. Somente a lei por si mesma pode ser objeto de respeito, jamais aquilo que serve à minha inclinação. O valor moral da ação, portanto, não reside no efeito que dela se espera, mas na pura representação da lei em si mesma, que determina a vontade independentemente de qualquer inclinação. Tal lei, que tem de determinar a vontade para que esta possa ser chamada absolutamente boa e sem restrições é, segundo Kant, a seguinte: “devo proceder sempre de maneira que eu possa querer também que a minha máxima se torne uma lei universal”.12 É, pois, a simples conformidade a uma lei universal das ações em geral que pode servir de princípio à boa vontade, e não a conformidade com regras práticas destinadas a proporcionar o alcance de fins. Esse princípio, diz o autor, está perfeitamente de acordo com a comum razão humana (die gemeine Menschenvernunft), pois, em seus juízos morais, ele aparece já, sempre, implicitamente, como critério. Para mostrar a plausibilidade e a eficácia dessa lei geral prática, Kant apresenta o exemplo da falsa promessa: posso eu, quando me encontro em apuros, fazer uma promessa com a intenção de não a cumprir? Segundo o filósofo de Königsberg, essa questão pode ser analisada sob dois aspectos, a saber, pela prudência e pelo dever. Pelas regras da prudência, eu teria que olhar à minha volta para descobrir que efeitos estão ligados à ação, correndo o risco de não conseguir prevê-los todos. Nesse sentido, eu seria desaconselhado a fazer uma falsa promessa em função das consequências desfavoráveis que ela poderia acarretar-me. Além disso, uma falsa promessa pode significar grandes

12 “ich soll niemals anders verfahren als so, dass ich auch wollen könne, meine Maxime solle ein allgemeines Gesetz werden” (GMS, 1965, p. 20) (FMC, 1986, p. 33).

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vantagens para mim, mas, por meio de um cálculo, posso perceber também que a perda da confiança pode ser-me mais prejudicial do que todo o mal que no momento quero evitar. Encontro-me, pois, frente a um dilema. Percebe-se, assim, que os cálculos prudenciais são falíveis e não são procedimentos adequados para a solução de semelhantes problemas. A análise do problema a partir do aspecto da conformidade com o dever apresenta-se, segundo Kant, de forma mais simples e segura. Basta perguntar a mim mesmo se eu ficaria satisfeito se minha máxima (tirar-me de uma dificuldade por meio de uma falsa promessa) fosse levada à lei universal. Facilmente perceberia que, se essa máxima fosse levada ao nível de lei universal, as promessas como um todo não teriam mais sentido. Ninguém confiaria mais em promessas e, por conseguinte, na medida em que minha máxima se transformasse em lei universal, ela necessariamente se autodestruiria. Eu poderia até querer a mentira, mas jamais poderia querer transformá-la em lei universal, sob pena de autodestruição da própria lei. Logo, o ato de mentir e de fazer falsas promessas constituem ações imorais, pois suas máximas não podem ser queridas como leis universais. Conforme Kant, não há necessidade de muita sabedoria para saber-se agir moralmente. Cada indivíduo pode perceber a cada momento e frente a qualquer ação onde está o dever moral. Basta perguntar a si mesmo se sua máxima de ação poderia converter-se em lei universal sem contradição. Se a máxima não puder ser universalizada, então ela deve ser rejeitada, pois não pode caber como princípio em uma possível legislação universal (mögliche allgemeine Gesetzgebung). A razão, diz Kant, exige-me respeito por uma tal legislação, pois não é influenciada por elemento algum da sensibilidade. O dever é, nesse sentido, a necessidade de ações por respeito à lei prática. Tal dever tem de ser cumprido de forma incondicional. Pois, a pureza

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da intenção, no cumprimento do dever, é a condição de uma vontade boa em si, cujo valor é superior a tudo aquilo que a inclinação louva.13 O valor moral de uma ação consiste, portanto, no respeito à lei prática pelo puro dever de cumpri-la, sem ser movido por inclinação alguma. Daí a afirmação de Kant de que o conceito de dever contém já em si o de boa vontade. 1.1.2 O imperativo categórico como critério do agir moral O conceito de dever, segundo Kant, embora derivado do uso comum (gemeiner Gebrauche) da razão prática, não é um conceito empírico, um conceito que tenha seu fundamento na experiência. O conceito de dever tem seu fundamento a priori. A partir da experiência não se consegue estabelecer exemplos seguros de ações por dever, senão de ações que estão apenas em conformidade com ele. Por conseguinte, o valor moral está intimamente ligado às intenções de agir por puro dever. Ele não reside nas ações visíveis ou no efeito que delas pode resultar, mas nos princípios internos da ação que são invisíveis. Para Kant, é a razão por si mesma, independentemente de todos os fenômenos, que deve ordenar como devemos agir. O dever deve ser anterior a toda experiência e residir apenas na razão, que determina a vontade por motivos a priori. Pois a grandeza e a força do dever dependem da necessidade e universalidade da lei moral, aspectos esses que a experiência sensível não pode proporcionar. Todo autêntico princípio da moralidade tem de se fundar apenas na razão pura, pois o dever (lei moral), que se encontrar livre de estímulos empíricos,

13 Cf. FMC, 1986, p. 35.

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tem sobre o coração humano, por intermédio exclusivo da razão [...], uma influência muito mais poderosa do que todos os outros móbiles que se possam ir buscar ao campo empírico.14

De acordo com o autor, o que caracteriza e torna o

conceito de dever altamente estimável é o fato de ele ser uma exigência da razão pura. Todos os conceitos morais têm de ter, conforme Kant, sua origem completamente a priori na razão. Eles não podem derivar de nenhum conhecimento empírico, pois é exatamente nesta pureza da origem que residirá sua dignidade. Só por ser sua origem externa a toda e qualquer contingência é que eles poderão servir-nos de princípios práticos supremos. Não é apenas uma questão de especulação, mas

é também da maior importância prática tirar da razão pura os seus conceitos e leis, expô-los com pureza e sem mistura, e mesmo determinar o âmbito de todo este conhecimento racional prático, mas puro.15

As leis morais devem valer para todos os seres

racionais e, por isso, elas não podem ser deduzidas da natureza particular da razão humana, mas do conceito universal de um ser racional em geral.16 Essa é a tarefa da

14 “hat auf das menschliche Herz durch den Weg der Vernunft allein [...] einen so viel mächtigeren Einfluss als alle anderen Triebfedern” (GMS, 1965, p. 30) (FMC, 1986, p. 45).

15 “von der grössten praktischen Wichtigkeit sei, ihre Begriffe und Gesetze aus reiner Vernunft zu schöpfen, rein und unvermengt vorzutragen, ja den Umfang dieser ganzen praktischen oder reinen Vernunfterkenntnis” (GMS, 1965, p. 31) (FMC, 1986, p. 46).

16 Cf. FMC, 1986, p. 46.

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pura filosofia (metafísica), da qual Kant se ocupa, enquanto que a aplicação da moral cabe a outra ciência.17 Conforme Kant, enquanto tudo na natureza age segundo leis, só um ser racional possui vontade (Willen). Somente os seres racionais possuem a faculdade de agir segundo a representação de leis, segundo princípios. Para derivar ações das leis, é necessária a razão e, assim, diz o autor, a vontade não é outra coisa do que a razão prática, ou seja, a faculdade de escolher somente aquilo que a razão reconhece como praticamente necessário (praktish notwendig), isto é, como bom. A vontade, porém, nem sempre é plenamente conforme a razão, pois, por vezes, é influenciada por inclinações da sensibilidade, por condições subjetivas que nem sempre coincidem com as objetivas. Só são necessárias as leis práticas que não forem influenciadas por nenhuma inclinação. Nesse sentido, como a vontade nem sempre é boa, ou seja, como nossas escolhas por ações nem sempre são conformes à razão, a determinação da vontade objetiva, que é a determinação do agir passível de ser reconhecido objetivamente como necessário, é a obrigação (Nötigung). Assim, a vontade só será conforme à razão se for constrangida por ela mesma e é por isso que as leis da razão se apresentam à vontade em forma de imperativos.18 Os imperativos, segundo o autor, exprimem-se pelo verbo dever (sollen) e dizem como se deve proceder, ou seja, qual das possibilidades de ação é boa por estar em conformidade com os princípios objetivos, válidos para todos os seres racionais. Eles podem ordenar de forma hipotética (hypothetisch) ou categórica (kategorisch). Os que

17 Essa outra ciência seria, segundo Kant, a Antropologia. Para ele, é imprescindível que essa ciência seja precedida por uma metafísica, pois, senão, seria em vão querer determinar o caráter moral do dever e fundar os costumes sobre princípios autênticos.

18 Cf. FMC, 1986, p. 47-8.

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ordenam hipoteticamente exprimem a necessidade de uma ação como condição para o alcance de determinado fim. Os que ordenam categoricamente, por sua vez, exprimem a necessidade de uma ação como fim em si mesma, sem relação com qualquer outra finalidade. Nesse sentido, a ação é boa, hipoteticamente, se serve como meio para o alcance do fim que se pretende e, categoricamente, se ela não visa a nenhum fim ulterior, apenas à necessidade da ação por puro dever como fim em si. A atenção de Kant está voltada especialmente aos imperativos que ordenam categoricamente, pois, como viu-se acima, o dever moral não consiste em alcançar fins, o que seria proporcionado pela observância de imperativos hipotéticos, mas em agir tendo como base e motivo da ação o puro dever. O objetivo central do autor é o de apresentar e fundamentar uma fórmula que possa suprimir a deficiência da vontade racional, que não é absolutamente boa, por estar sujeita às inclinações sensíveis, e que, por vezes, obedece às paixões e não à razão. Resulta daí a necessidade de se estabelecer uma lei prática ordenada pela própria razão, capaz de determinar o que é bom conforme à razão e não conforme às paixões humanas, movidas pelas inclinações sensíveis. Daremos ênfase, pois, ao imperativo que expressa a necessidade objetiva de uma ação por si, independente de qualquer intenção ou finalidade. Esse imperativo também é denominado por Kant de imperativo da moralidade (Imperativ der Sittlichkeit). Um imperativo categórico, ao contrário dos hipotéticos19, ordena de forma absoluta e não se baseia em

19 Kant divide os imperativos hipotéticos em duas classes: eles podem ser regras da destreza ou conselhos da prudência. As regras da destreza prescrevem-nos os melhores meios para se obter um determinado resultado; dados os fins, fica fácil calcular os meios. Já os conselhos da prudência prescrevem os meios mais seguros para alcançar-se a felicidade. Contudo, não é tão fácil calcular os meios para se alcançar tal fim, pois os elementos ligados ao conceito de felicidade são, na sua

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outra intenção para determinar certo comportamento, mas ordena-o de maneira imediata. Ele não diz se queres A, deves B, mas tão somente deves, sem ter em vista qualquer outro fim, a não ser o da pura obediência à lei. Enquanto os imperativos hipotéticos ditam regras e conselhos para o alcance de determinados fins, um imperativo categórico determina as leis (Gesetze) da moralidade. De fato,

só a lei traz consigo o conceito de uma necessidade incondicionada, objetiva e consequentemente de validade geral, e mandamentos são as leis a que tem de se obedecer, quer dizer que se têm de seguir mesmo contra a inclinação.20

O imperativo categórico, ao contrário dos imperativos hipotéticos, não nos é dado pela experiência e, assim, deve ser buscado totalmente a priori na razão. Segundo Kant, só ele possui o caráter de lei prática (praktisches Gesetz), enquanto que os imperativos hipotéticos podem ser chamados de princípios (práticos) da vontade, mas não leis. Só o imperativo categórico possui necessidade em si, que é a necessidade exigida na lei, ao passo que os outros imperativos possuem necessidade contingente, orientada para o alcance de determinados fins. Conforme o autor, os imperativos hipotéticos não permitem saber de antemão qual é o seu conteúdo, senão apenas quando a

totalidade, empíricos. Não se pode calcular de forma exata os meios, pois a definição do conceito de felicidade pode variar de pessoa para pessoa. Além disso, a realização de ações como meios para o alcance da felicidade depende completamente da contingência, o que pode frustrar as expectativas ligadas à definição daquele conceito. Daí que os imperativos da prudência não passam de conselhos da prudência.

20 “Denn nur das Gesetz führt den Begriff einer unbedingten und zwar objektiven und mithin allgemein gültigen Notwendigkeit bei sich, und Gebote sind Gesetze, denen gehorcht, d. i. auch wider Neigung Folge geleistet werden muss” (GMS, 1965, p. 37) (FMC, 1986, p. 53).

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condição nos é dada. Em contraposição, quando se pensa um imperativo categórico, imediatamente pode-se saber o que ele contém, pois não está ligado a nenhum fim exterior que o limite. Ele não contém senão a necessidade de que a máxima de minha ação se conforme à lei e, assim,

nada mais resta senão a universalidade de uma lei em geral à qual a máxima da ação deve ser conforme, conformidade essa que só o imperativo nos representa propriamente como necessária.21

A partir disso, Kant afirma que o imperativo

categórico é um só e que fica expresso na seguinte fórmula: “Age apenas segundo uma máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal”.22 Este é o critério da moralidade e o princípio donde devem derivar-se todos os imperativos do dever. Kant acrescenta a esta fórmula básica três formulações subordinadas, que não passam de maneiras diferentes de representar-se o princípio da moralidade. A realidade das coisas, ou seja, a natureza propriamente dita é determinada por leis universais e, a exemplo disso, Kant afirma que o imperativo do dever também pode ser expresso da seguinte forma: “Age como se a máxima da tua

ação se devesse tornar, pela tua vontade, em lei universal da natureza”.23

21 “so bleibt nichts als die Allgemeinheit eines Gesetzes überhaupt übrig, welchem die Maxime der Handlung gemäss sein soll, und welche Gemässheit allein der Imperativ eigentlich als notwendig vorstellt” (GMS, 1965, p. 42) (FMC, 1986, p. 59).

22 “Handle nur nach derjenigen Maxime, durch die du zugleich wollen kannst, dass sie ein allgemeines Gesetz werde” (GMS, 1965, p. 42) (FMC, 1986, p. 59).

23 “Handle so, als ob die Maxime deiner Handlung durch deinen Willen zum allgemeinen Naturgesetze werden sollte” (GMS, 1965, p. 43) (FMC, 1986, p. 59).

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Uma segunda formulação refere-se à natureza racional como fim em si mesma (Zweck an sich selbst). Segundo Kant, não existe na natureza algo que tenha valor absoluto, um fim em si mesmo, senão o homem. Todas as coisas, e mesmo os seres irracionais, só têm valor se são para nós. Todos os objetos das inclinações só têm um valor condicional; também as inclinações, elas próprias, como fontes das necessidades, estão longe de ter um valor absoluto que as torne desejáveis em si mesmas e por isso Kant recomenda que o desejo de todos os seres racionais deve ser o de se libertar completamente delas. O homem, portanto, como fim em si mesmo (Zweck an sich selbst), jamais deve servir só de meio (Mittel) e, se deve haver um princípio prático supremo e um imperativo categórico no que respeita a vontade humana, este deve ter como fundamento a natureza racional como fim em si.24 Neste sentido, o imperativo categórico admite outra formulação: “Age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente como fim e nunca simplesmente como meio”.25 Este princípio que caracteriza a humanidade como fim em si mesma não é, segundo Kant, extraído da experiência por dois motivos: por causa da sua universalidade, pois se aplica a todos os seres racionais em geral; e, porque nele a humanidade se representa, não como fim subjetivo, mas como fim objetivo. Ora, diz Kant, o princípio de toda legislação prática reside objetivamente na regra e na forma da universalidade que a torna capaz de ser uma lei (primeira subfórmula), e subjetivamente reside no fim. Dado que o sujeito de todos os fins é todo ser racional como fim em si mesmo (segunda subfórmula), tem-se,

24 Cf. FMC, 1986, p. 68-9.

25 “Handle so, dass du die Menschheit, sowohl in deiner Person als in der Person eines jeden anderen, jederzeit zugleich als Zweck, niemals bloss als Mittel brauchst” (GMS, 1965, p. 52) (FMC, 1986, p. 69).

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então, o terceiro princípio prático da vontade que concebe a vontade de todo ser racional como vontade legisladora universal.26 Se o homem não pode ser tratado como um instrumento, ele também não pode ser objeto da legislação universal imposta pela lei moral, mas deve ele mesmo ser seu próprio autor. Daí a terceira subfórmula do imperativo categórico kantiano:

Nunca praticar uma ação senão em acordo com uma máxima que se saiba poder ser uma lei universal, quer dizer, só de tal maneira que a vontade pela sua máxima se possa considerar a si mesma ao mesmo tempo como legisladora universal.27

As máximas devem conformar-se a esse princípio

para que possam ser reconhecidas como dotadas de valor moral. O dever, então, é a necessidade da ação segundo o princípio objetivo dos seres racionais como legisladores universais. A vontade humana, concebida como vontade legisladora universal, faz com que o homem não esteja submetido a nenhuma lei vinda de fora, mas apenas às leis resultantes de sua própria autoria. A vontade que se dá a si mesma a lei é chamada, por Kant, de autônoma (Autonomie des Willens) e compreende o princípio supremo da moralidade. Por meio desse princípio, a legislação brota da própria vontade de cada ser racional e, por ser assim, somos submetidos a ela, não por alguma coerção, mas pela autonomia da vontade. O homem, ao dar-se as leis, simultaneamente submete-se a elas.

26 Cf. FMC, 1986, p. 72.

27 “Keine Handlung nach einer anderen Maxime zu tun also so, dass es auch mit ihr bestehen könne, dass sie ein allgemeines Gesetz sei, und also nur so, dass der Wille durch seine Maxime sich selbst zugleich als allgemein gesetzgebend betrachten könne” (GMS, 1965, p. 57) (FMC, 1986, p. 76).

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Nas palavras de Kant, as três maneiras, brevemente expostas, de apresentar o princípio da moralidade são apenas outras tantas fórmulas dessa mesma lei, qual seja: “Age segundo a máxima que possa simultaneamente fazer-se a si mesma lei universal”.28 Dado que as três maneiras de representar o princípio da moralidade são equivalentes à fórmula básica, é possível concentrar-se apenas nela e na primeira subfórmula para mostrar o dever moral em situações de conflito moral.29 De acordo com elas, para se saber se uma máxima de ação é moral ou não, basta perguntar-se a si mesmo se tal máxima poderia tornar-se lei universal da natureza sem cair em contradições. Caso esta possibilidade fique descartada, a ação correspondente é moralmente reprovada e rejeitada como imoral. O imperativo categórico é o critério do moral e, segundo Kant, é o princípio supremo e suficiente para a determinação do dever em situações de conflito moral. Senão, vejamos os quatro exemplos apresentados por ele na FMC. O primeiro deles é o do suicídio: por amor a mim mesmo, tomo como máxima encurtar minha vida caso ela, prolongando-se, me ameace mais com desgraças do que com alegrias. O princípio universal do dever, por sua vez, ordena que eu me questione se tal máxima de ação pode tornar-se lei universal.

28 “Handle nach der Maxime, die sich selbst zugleich zum allgemeinen Gesetze machen kann” (GMS, 1965, p. 61) (FMC, 1986, p. 80).

29 Essa delimitação também é feita por Otfried Höffe, um dos mais renomados comentadores contemporâneos de Kant. Para falar do imperativo categórico como critério do moral em Kant, Höffe utiliza apenas a fórmula básica e da primeira subfórmula (cf. 1983, p. 184-5). Dado que o objetivo do presente trabalho não exige um desenvolvimento pormenorizado de cada uma das formulações apresentadas por Kant, sigo o paradigma de Höffe e me contento com o que foi dito da segunda e terceira subfórmulas.

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Vê-se então em breve que uma natureza, cuja lei fosse destruir a vida em virtude do mesmo sentimento cujo objetivo é suscitar a sua conservação, se contradiria a si mesma e, portanto, não existiria como natureza.30

Por conseguinte, tal máxima, é contrária ao

princípio supremo de todo dever (obersten Prinzip aller Pflicht) e jamais poderia tornar-se lei universal da natureza. O exemplo da falsa promessa implica resultado semelhante: em caso de necessidade, tomo como máxima de ação pedir dinheiro emprestado com a promessa de devolvê-lo, mas com a intenção de jamais cumpri-la. Essa máxima de ação jamais poderia ser querida como lei universal, pois se contradiria a si mesma; a promessa, como tal, perderia o seu sentido, e ninguém mais confiaria em promessa alguma. O terceiro exemplo de Kant mostra que a máxima de ação de um homem, que dotado de talentos naturais que podem ser úteis a outros, mas os deixa enferrujar e não os põe em prática, jamais pode querer ser universalizada. Mediante a universalização de tal máxima, uma natureza poderia até subsistir, mas nenhum ser dotado de razão pode querer que homens deixem de cultivar suas aptidões por preguiça ou por influência de qualquer outra paixão. Da mesma forma, a máxima de ação de um homem que vive na prosperidade, mas por egoísmo deixa de ajudar aquelas pessoas que vivem na desgraça, jamais poderia ser querida como lei universal da natureza. Embora seja possível que o gênero humano subsista a tal lei, não é possível que esse princípio valha como lei natural, pois uma

30 “Da sieht man aber bald, dass eine Natur, deren Gesetz es wäre, durch dieselbe Empfindung, deren Bestimmung es ist, zur Beförderung des Lebens anzutreiben, das Leben selbst zu zerstören, ihr selbst widersprechen und also nicht als Natur bestehen würde” (GMS, 1965, p. 43) (FMC, 1986, p. 60).

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vontade que decidisse tal coisa estaria em contradição consigo mesma. Uma vontade movida pela razão jamais poderia querer que tal máxima se transformasse em lei universal da natureza. Segundo Kant, as máximas de ação dos dois primeiros exemplos não podem nem sequer ser pensadas como leis universais da natureza sem contradição. Já, nos dois últimos exemplos, não se encontra essa impossibilidade interna, mas suas máximas de ação não podem ser elevadas ao estatuto de leis universais da natureza, pois uma vontade, que assim as quisesse, se contradiria a si mesma. Nos dois primeiros casos, as máximas de ação nem poderiam tornar-se leis universais sem contradição, e nos exemplos seguintes não deveriam, pois a universalização de tais máximas estaria em contradição com a vontade que as quisesse como leis universais. A partir desses exemplos de deveres é possível perceber, segundo Kant, qual é o cânone para o julgamento moral, a saber: temos que poder querer que nossa máxima de ação se transforme em lei universal sem implicar contradições. Agir, tendo por base uma máxima de ação que, levada à lei, implica contradição, é agir imoralmente. Agir moralmente é agir segundo máximas de ação que, levadas à lei universal, não conduzem a contradições. Eis aí o elemento fundamental da proposta moral de Kant, qual seja, a universalização. Embora Kant acrescente outras versões à sua fórmula única, como já exposto acima, a questão da universalização é definitiva. As máximas de ação (regras práticas subjetivas) que não se enquadrarem em uma possível legislação universal, por cair em contradições, são rejeitadas como imorais. A existência da lei, que ordena absolutamente por si, tem de ser, segundo Kant, a priori, independente de todo e qualquer móbil. Ela não pode derivar da constituição particular da natureza humana,

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pois o dever deve ser a necessidade prática incondicionada da ação; tem de valer, portanto, para todos os seres racionais [...], e só por isso pode ser lei também para toda a vontade humana.31

O dever resultante de inclinações pode valer no

máximo como máxima de ação, ou seja, como princípio subjetivo do querer, segundo o qual podemos agir por queda ou tendência. Mas não pode valer como princípio objetivo ou lei que nos manda agir por puro dever, independentemente de inclinações ou disposições naturais. O valor particular de uma vontade absolutamente boa é constituído, conforme Kant, por um princípio da ação que é livre de todas as influências contingentes. Nesse sentido, a lei prática, que manda julgar sempre as ações por máximas que possam também querer ser elevadas ao estatuto de leis universais, está ligada totalmente a priori ao conceito de vontade de um ser racional. Só assim a lei constitui-se em uma lei necessária para todos os seres racionais. Observar o imperativo categórico, portanto, é o procedimento a ser seguido para o julgar e o agir moral. Enquanto lei moral, o imperativo categórico é puramente formal, pois não indica diretamente o conteúdo do dever, senão apenas o caminho a ser seguido para o agir com mérito moral. A máxima ou ação moral é aquela que pode ser universalizada sem cair em contradições. Esse puro procedimentalismo é duramente criticado por Hegel. Para este autor, o dever não deve ser definido de forma tão abstrata, como faz Kant. Não basta dizer que o dever é a necessidade de ação por puro respeito à lei, mas temos que

31 “Denn Pflicht soll praktisch-unbedingte Notwendigkeit der Handlung sein; sie muss also für alle vernünftige Wesen [...] gelten und allein darum auch für allen menschlichen Willen ein Gesetz sein” (GMS, 1965, p. 47) (FMC, 1986, p. 64).

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definir concretamente o que é o dever. Essa crítica é o objeto do estudo que segue. 1.2 A crítica de Hegel ao formalismo kantiano A crítica ao pensamento ético de Kant já vem sendo desenvolvida, por Hegel, na Fenomenologia do Espírito e na Enciclopédia das Ciências Filosóficas. Mas é nos Princípios da Filosofia do Direito que ela é elaborada de forma mais sistemática. No parágrafo 135 desta obra, a moral kantiana é acusada de constituir um vazio formalismo e de que o imperativo categórico não passa de uma pura indeterminação. Se se aceita o ponto de partida de Kant, de que os homens têm consciência do dever moral e já sempre sabem como deveriam agir, perceberemos que nessa proposta há espaço para a determinação do conteúdo do dever. Hegel, porém, é mais exato e percebe que, se se parte da pressuposição de determinados princípios conteudísticos, sem uma avaliação objetiva dos mesmos, ações injustas e imorais também podem ser justificadas. Para o autor, não basta estabelecer-se um critério puramente formal, mas é preciso antes dizer quais são os princípios conteudísticos a partir dos quais se pode estabelecer os deveres particulares. Mas, para desenvolver essa argumentação, é fundamental que se apresente antes a própria crítica. 1.2.1 A objeção O tema central da Filosofia do Direito é a ideia de liberdade e sua concretização. No primeiro parágrafo desta obra, Hegel afirma que “a ciência filosófica do direito tem por objeto a Ideia do Direito, isto é, o conceito do Direito e sua

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realização”32 e, no acréscimo do mesmo parágrafo, compreendemos que a ideia do direito é a liberdade. Nesse sentido, o que Hegel faz ao longo desta obra é tratar do “desdobramento ou das determinações da ideia de liberdade, princípio nela pressuposto mas demonstrado na Ciência da lógica e na Enciclopédia”.33 A concretização da ideia de liberdade dá-se, de forma crescente, em distintos níveis. Isso levou Hegel a dividir a FD, respectivamente, em partes: Direito Abstrato, Moralidade e Eticidade. Na primeira parte, Hegel apresenta a propriedade, o contrato e a injustiça como as formas concretas e imediatas da realização da ideia de liberdade; são formas ainda indeterminadas, pois não passaram pelo processo de mediação social, por meio do qual o conteúdo do dever vai se determinando. Na segunda parte, o autor trata das determinações subjetivas da liberdade, ou seja, da autodeterminação da vontade livre, dos propósitos e intenções que movem o indivíduo. Na terceira e última parte, Hegel ocupa-se dos âmbitos em que se dão as determinações objetivas da ideia de liberdade, ou seja, fala da família, da sociedade civil e do Estado. Na eticidade, que é o nível das determinações objetivas, o direito não está mais na vontade natural (individual), nem na vontade subjetiva, mas está nas leis e nas instituições, das quais os indivíduos são membros. A tese que Hegel procura defender na Filosofia do Direito é a de que a realização máxima do conceito de direito (liberdade) somente é possível na esfera da eticidade, onde se situam instâncias de mediação social. A crítica do autor consiste na ideia de que a proposta ética de Kant não passa da esfera da moralidade, isto é, permanece no plano da

32 As traduções feitas do espanhol para o português e que aparecem citadas no decorrer do presente trabalho são de inteira responsabilidade do autor deste estudo.

33 WEBER, 1995, p. 757.

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subjetividade (formal e a priori). Para Hegel, a proposta de Kant fica deficitária por não passar ao nível das determinações objetivas, nas quais a liberdade realmente se efetiva. Mas, para podermos compreender melhor essa objeção, precisamos esclarecer alguns aspectos da doutrina hegeliana do direito. A moralidade é definida por Hegel como o momento da autodeterminação da vontade, da reflexão sobre si da vontade. Ela “consiste em superar a separação da vontade por si (individual) e em si (universal), afirmando a vontade como idêntica em e por si”.34 A vontade, que no direito abstrato é infinita por si, levando à injustiça, necessita autodeterminar-se, identificar a vontade em si e a vontade por si. O direito abstrato revela-se insuficiente na medida em que não ultrapassa as determinações imediatas entre duas vontades. É um direito constituído por duas vontades diretamente envolvidas, para as quais não há nenhuma garantia da realização universal da liberdade. “Pelo direito abstrato, não é possível impedir a possibilidade de alguém impor a sua vontade sobre a do outro, reprimindo-a. Daí a injustiça”.35 Da insuficiência do direito abstrato, que abre possibilidade de lesão da vontade de outrem, surge a necessidade da afirmação da subjetividade da vontade que se revela como direito da vontade subjetiva. Com a autodeterminação da vontade, torna-se racional a pena, ou seja, é possível impor a alguém um castigo, sem lesar o direito, pois o próprio direito já inclui a pena como um momento racional da realização da liberdade universal.36 Contudo, em um primeiro momento, no nível da moralidade ou, se quisermos, no nível da subjetividade, o sujeito só pode ser julgado a respeito de sua

34 MÜLLER, 1997, p. 102.

35 WEBER, 1993, p. 75.

36 Cf. MÜLLER, 1997, p. 102.

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autodeterminação, isto é, por aquilo que ele queria (propósito) e por aquilo que ele sabia, pois é direito da vontade subjetiva ser responsabilizada somente por aquilo que queria e sabia. O que a vontade não queria e não sabia não é reconhecido por ela como seu e, assim, não pode ser responsabilizada pelo objeto em questão. É um direito da vontade moral só se responsabilizar por aquilo que estava em seu propósito. Não obstante, Hegel reconhece que de uma ação podem seguir-se sempre mais ou menos consequências não previstas, de maiores ou menores proporções:

Num incêndio deliberado o fogo pode não chegar a se declarar ou se estender mais além do que seu autor havia previsto. Apesar disso, não se pode falar neste caso de boa ou má sorte, porque ao agir o homem se entrega à exterioridade. Um velho refrão diz com justiça que a pedra que sai da mão pertence ao diabo.37

De quem será, então, a responsabilidade pelas

consequências não previstas? Thadeu Weber alerta para a existência de uma tensão inerente a cada ação praticada: “O direito liberal, tomando como ponto de partida o sujeito, registra uma oposição entre a vontade subjetiva, na forma de projeto, e as decorrências objetivas, no que diz respeito à responsabilidade”.38 Esse antagonismo entre a vontade subjetiva e os efeitos objetivos (necessários e contingentes ou previstos e não previstos) precisa ser resolvido. Mas, conforme Weber, “o direito liberal é incapaz de estabelecer um critério para o agir, que vá além do seu próprio conteúdo implícito”.39 Citando o exemplo kantiano dos

37 FD, § 119, acrésc.

38 WEBER, 1993, p. 88.

39 Id., p. 89.

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dois náufragos, amparados por um pedaço de madeira, que só suporta um deles, Weber questiona: dado que, subjetivamente, os dois são igualmente livres, quem deve morrer? Qual o critério? Na sua interpretação de Hegel, com a qual concordo,

o direito abstrato e a moralidade são incapazes de apresentar um critério para tais questões. Só ao nível da eticidade, na medida em que se deve considerar o contexto mais amplo, isso é possível.40

Hegel até fala, no nível da moralidade, da intenção (propósito universalizado) da ação que, de certa forma, responsabiliza o agente pelo todo e não só pela parte: “a verdade do singular é o universal”.41 Nesse sentido, dado que o propósito (parte) pertence ao ser pensante (todo), o agente também deve responder pelo que não previa. O agente não deve responder apenas pelos efeitos previstos (necessários), mas também pelos efeitos não previstos (contingentes), pois, pelo direito de intenção, a qualidade universal da ação deve ser sabida e querida pelo agente.42 Contudo, no nível da moralidade, não há nenhuma instância capaz de mediar o processo de responsabilização, o que faz com que a responsabilidade pelos efeitos decorrentes de uma ação permaneça em uma relação puramente subjetiva. A responsabilização do agente pelas consequências de sua ação só é possível no nível da eticidade. Diferentemente de Hegel, que tenta mostrar que a ideia de vontade livre só pode ser determinada pela mediação social, a investigação moral de Kant está voltada para o estabelecimento de um princípio que sirva de

40 Id., ibid.

41 FD, § 119.

42 Cf. FD, § 120.

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fundamento para a determinação da vontade livre. Tal princípio, diz Kant, tem de ser válido para todos os seres racionais, independentemente de limites espaço-temporais. Assim, tem de estar abstraído de todo e qualquer condicionamento empírico sob pena de impossibilitar, caso isso não aconteça, o alcance de um dos aspectos que deverá caracterizar essa proposta, qual seja, a universalidade, tanto de sua validade como de sua aplicação. O resultado desta investigação é, como se sabe, uma proposição prática sintética a priori43, denominada imperativo categórico. Este é, para Kant, o princípio que serve de fundamento para a determinação da vontade livre. Com base no imperativo categórico, é a razão solipsista que determina a vontade livre, independentemente de qualquer inclinação ou de qualquer elemento empírico. Hegel reconhece que a autodeterminação da vontade é o grande mérito de Kant: “é sem dúvida essencial pôr em destaque que a autodeterminação da vontade é a raiz do dever”.44 Entretanto, afirma que a proposta de Kant é insuficiente por permanecer no plano formal, sem apresentar conteúdos ao dever. Evidencia-se, assim, a sua divergência em relação à proposta ética de Kant. Para Kant, o valor moral de uma ação consiste no respeito do dever pelo puro dever, sem ter em conta qualquer inclinação, isto é, sem ocupar-se de qualquer princípio conteudístico que possa influenciar na ação como fim a ser alcançado. O seu objetivo não é estabelecer conteúdos para o dever, senão fixar o princípio supremo da moralidade que

43 O princípio da moralidade não pode ser expresso por meio de um juízo analítico, pois estes não passam de enunciados de elucidação – o conceito do predicado está contido no de sujeito. Também não pode ser expresso por meio de uma proposição sintética a posteriori, pois sua universalidade não é necessária. Ele tem de ser expresso por meio de uma proposição sintética a priori, cuja universalidade é necessária.

44 FD, § 135.

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possa servir de fundamento para o agir humano. Mediante uma análise da razão pura prática, ele chega ao imperativo categórico. Esse imperativo não passa de uma mera fórmula, ou seja, de um princípio puramente formal, pois simplesmente diz que devemos agir de forma que possamos também querer que nossas máximas de ação valham como leis universais. Com isso, Kant não estabelece nenhum conteúdo moral de forma direta, ou seja, não diz o que é justo e o que é injusto, o que é bom e o que é mau, mas apenas indica o procedimento a ser seguido para o agir com mérito moral. Em Hegel, ao contrário, o dever consiste em agir conforme o direito e na busca do bem-estar, tanto o próprio quanto o dos demais.45 O dever moral é determinado dentro dos diferentes níveis de instituições sociais, isto é, na família, na sociedade civil e no Estado. Daí a crítica a Kant:

permanecer no mero ponto de vista moral sem passar ao conceito da eticidade, converte aquele mérito em um vazio formalismo e a consciência moral em uma retórica acerca do dever pelo dever mesmo.46

Para Hegel, a determinação do conteúdo do dever é

fundamental para o agir moral. Sem a determinação do conteúdo, diz ele, não podemos agir moralmente nem imoralmente, pois falta-nos o elemento que funciona como critério para classificar o agir em moral ou imoral. Em uma palavra, falta à ética kantiana o nível da eticidade. A moralidade, na medida em que determina a vontade, é um momento necessário para a realização do conceito de direito (liberdade). Hegel entende, porém, que o dever pelo dever, enquanto determinação da vontade subjetiva,

45 Cf. FD, § 134.

46 Id., § 135.

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não determina objetivamente o que devemos fazer. O agir, segundo o autor, exige por si um conteúdo particular e um fim determinado que ainda não está presente na noção abstrata de dever.47 Falta à ética kantiana, portanto, a definição do conteúdo do dever. Ela permanece em um puro formalismo, pois não determina objetivamente o que é justo ou injusto, o que é bom ou mau. A não contradição no processo de universalização da vontade subjetiva, conforme a exigência do imperativo categórico, é critério insuficiente para a determinação objetiva desses valores morais. Na interpretação de Hegel, o dever kantiano permanece em uma pura indeterminação.48 Ele só serve para a autodeterminação da subjetividade da vontade, mas não como princípio válido para a determinação objetiva do conteúdo particular de uma ação.

Ao dever mesmo, que enquanto está na autoconsciência moral constitui o essencial ou o universal dela, e enquanto se refere apenas a si no interior de si, só lhe resta a universalidade abstrata.49

É impossível saber de forma a priori se determinado

ato é moral ou não. O dever objetivo só se sabe dentro de um contexto, ou seja, dentro de uma instituição social. No nível da moralidade só é possível a determinação de deveres subjetivos. É na eticidade, pois, que se dá a determinação do dever que está para além do dever da

47 Cf. id., § 134.

48 Conforme Valcárcel (1988, p. 236), o conceito de dever em Kant é tal que a consciência é indiferente frente a qualquer conteúdo determinado; cumpre precisamente o dever rejeitando os conteúdos; é puramente formal.

49 FD, §135.

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vontade subjetiva. Enquanto que, no nível da moralidade, o dever constitui um universal abstrato por ser carente de realidade, na eticidade ele se afirma como universal concreto, pois se situa dentro de um contexto de mediação social. A crítica de Hegel à ética kantiana vai mais longe ainda:

se se parte da determinação do dever como falta de contradição ou concordância formal consigo mesmo, que não é outra coisa que o estabelecimento da indeterminação abstrata, não se pode passar à determinação de deveres particulares. Tampouco há nesse princípio algum critério que permita decidir se um conteúdo particular que se apresenta ao agente é ou não um dever.50

Conforme Hegel, se se tem uma matéria dada do

exterior, isto é, se se parte de um princípio conteudístico, é possível a determinação de deveres particulares, mas, como Kant parte de um princípio formal, é impossível o estabelecimento desses deveres. Se o princípio tivesse matéria e essa fosse conservar a vida, por exemplo, facilmente poder-se-ia derivar dali deveres particulares, como não matar, não se suicidar e assim por diante. Entretanto, diz Hegel, de um princípio puramente formal não se pode deduzir dever algum. A imoralidade provém da contradição51 existente entre a realização de ações e os respectivos princípios do

50 Id., Ibid.

51 O termo contradição não está sendo usado, aqui, no sentido antitético. A contradição, aqui, representa algo completamente negativo. No sentido de antítese, ela significa algo positivo, pois a ausência de contradição significaria a interrupção do processo dialético. Sem contradição seria impossível a superação (Aufhebung) dos momentos anteriores (direito abstrato e moralidade) em direção à eticidade. A eticidade tem como que guardados os momentos mais imediatos e subjetivos da ideia de liberdade.

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dever. A ação contrária ao que o dever determina está em contradição com tal princípio e, por isso, é imoral. Entretanto, segundo Hegel, em uma determinação abstrata não pode haver contradição, pois ela só surge se um ato particular contrariar um princípio conteudístico previamente estabelecido. O princípio não pode ser uma abstração vazia de conteúdo, pois desta maneira todo modo de proceder injusto e imoral poderia ser justificado.52 Sem princípios conteudísticos é impossível haver contradição e, assim, todas as ações seriam permitidas. Observemos a argumentação de Hegel:

Que não haja nenhuma propriedade não contém por si nenhuma contradição, como tampouco o encerra o fato de que este povo singular ou esta família não exista, ou que em geral não viva nenhum homem. Se, por outro lado, se admite e supõe que a propriedade e a vida humana devem existir e ser respeitadas, então cometer um roubo ou assassinato é uma contradição; uma contradição só pode surgir com algo que é, com um conteúdo que subjaz previamente como princípio firme. Somente com referência a um princípio semelhante, uma ação é concordante ou contraditória.53

Cabe ressaltar, portanto, que um roubo ou assassinato só constitui uma ação injusta e imoral em vista dos respectivos princípios, que poderiam ser: “devemos respeitar a propriedade alheia” e “devemos respeitar a vida dos semelhantes”. A ausência de semelhantes princípios permite a prática de más ações (roubos, assassinatos, saques etc.), sem que isto implique contradições. Aliás, se não houvesse princípios conteudísticos, também não haveria

52 Cf. FD, § 135.

53 Id., Ibid.

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más ações, porque são eles que determinam o que é bom e o que é mau, o que é justo ou injusto. Jamais uma pessoa pode ser responsabilizada por uma má ação qualquer sem a indicação do princípio correspondente que determina o dever ser. O autor de um assassinato não poderia ser condenado por influenciar na liberdade de viver de outrem se não houvesse um princípio que determinasse o dever ser a esse respeito, pois não estaria em contradição com nenhum princípio. A infração implica contradição, e esta é sempre em relação a um princípio conteudístico, ou não é infração. Se o princípio diz deves respeitar o outro, então ser desleal é estar em desacordo com o que está prescrito. Faltar de lealdade para com o semelhante constitui-se em um ato injusto, pois é contrário ao dever que me manda agir lealmente. Nesse sentido, diz Hegel, a proposição “age de forma que possas querer que a tua máxima também possa ser tomada como princípio universal” seria muito boa se já dispuséssemos de princípios que determinassem o que se deve fazer.54 Mas, como ela não determina o conteúdo do dever, não temos nada a observar. A chacina de pessoas só é crime se houver um princípio conteudístico a partir do qual se possa caracterizar a ação como tal. Da mesma forma, os autores da chacina só podem ser responsabilizados pelo crime tendo-se em vista o princípio que prescreve o conteúdo do dever ser a esse respeito. É nesse sentido que o imperativo categórico de Kant é acusado de permanecer em um vazio formalismo. Esse princípio, diz Hegel, é uma pura indeterminação, pois não prescreve os conteúdos do dever. Com a introdução da eticidade como um nível superior ao da moralidade, Hegel pretende ter superado Kant. Ele concorda plenamente com o que Kant fez, mas afirma que lhe faltou o último passo, faltou-lhe a

54 Cf. FD, § 135, acrésc.

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determinação dos conteúdos do dever, que se dá pela mediação social. “Hegel critica, apenas, o formalismo enquanto é e deve ficar vazio, ele questiona o a priori que não é nem jamais será conciliado com o a posteriori”.55 Será, no entanto, que a ética kantiana realmente permanece em uma pura indeterminação? Será que a proposta de Kant não abre espaço algum para a determinação de conteúdos do dever, merecendo, dessa forma, a acusação do vazio formalismo? 1.2.2 Formalismo versus universal abstrato Se se aceita o ponto de partida da proposta kantiana de fundamentação de normas morais, a crítica de Hegel ao puro formalismo não é tão forte assim. Kant parte do fato da razão de que os homens agem moralmente, ou seja, que eles agem segundo costumes e que, em geral, sabem o que é certo e o que é errado do ponto de vista moral. Partindo desse fato, Kant procura simplesmente estabelecer o princípio supremo da moralidade, que deverá servir de critério para a justificação do agir humano em geral. O resultado dessa investigação é o imperativo categórico, que diz: age apenas de tal forma que possas também querer que a tua máxima de ação se transforme em lei universal. Esse princípio, como tal, é puramente formal e não fornece nenhum conteúdo para o dever moral. Nisso Hegel tem razão. Se se parte apenas do imperativo categórico, então a proposta de Kant permanece em um puro formalismo. Ela não permanece em um puro formalismo se se vai às raízes e se trazem da historicidade os conteúdos do dever moral. Essa é a tarefa das máximas que, diferentemente do imperativo categórico, já não são mais puramente formais. Somente a partir do engendramento desse conteúdo, proporcionado pelas máximas, podem-se estabelecer os

55 CIRNE LIMA, 1987, p. 69.

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conteúdos para o dever. Se se aceita o fato de que os homens já sempre se situam dentro de uma comunidade moral e agem segundo determinados princípios (costumes), é possível estabelecer-se conteúdos para o dever moral. O imperativo categórico, como tal, não fornece nenhum conteúdo moral, e isso não pode ser negado. Ele indica apenas o procedimento a ser seguido sem evidenciar o conteúdo do dever. Ele não diz o que se deve fazer, mas apenas como se deve proceder para agir moralmente. Entretanto, a proposta moral de Kant não se esgota no imperativo categórico. As máximas desempenham um papel fundamental dentro dessa proposta, pois são elas as responsáveis pelo conteúdo do dever. As máximas são determinações subjetivas do querer; são princípios práticos cuja matéria (objeto) põe e persegue fins da vontade subjetiva. Enquanto válidas apenas para o sujeito, não passam de regras subjetivas do querer e, por conseguinte, não valem como regras morais. Mas, quando estão em conformidade com o imperativo categórico, passam à validade objetiva, ou seja, valem como leis morais. É certo que o conteúdo da máxima não pode ser o princípio de determinação da vontade, pois, se fosse, não poderia representar-se sob a forma universalmente legisladora, não poderia converter-se em lei. O conteúdo da máxima deve adequar-se à forma, isto é, deve estar em conformidade com o princípio da moralidade, de modo a enunciar o dever. Pode-se dizer, a partir disso, que a proposta de Kant não permanece em uma pura ética da intenção. Consideremos, também, a interpretação de Höffe a esse respeito:

Kant não é um ético da intenção fundamental no sentido de que seu princípio da moral, a boa vontade, designe um mundo de inativa interioridade, que permanece sem nenhuma exteriorização dentro do mundo político, social e pessoal. A vontade não é um além da realidade de

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nossa vida, senão antes a razão determinante desta, enquanto aquela se encontra no sujeito mesmo que age [...].56

O princípio kantiano, como tal, é formal, mas são

as máximas57 que determinam o conteúdo do dever na medida em que elas estiverem em conformidade com o imperativo categórico: “Com a máxima se prepara a partir do concreto o princípio normativo condutor”.58 As máximas, a princípio, determinam apenas o conteúdo da lei subjetiva do querer. Mas, à medida que são passíveis de universalização, conforme a exigência do princípio da moralidade, também são elas que determinam o conteúdo objetivo do querer. A matéria das máximas universalizáveis é também a matéria das leis morais.59

56 HÖFFE, 1983, p. 187.

57 É importante termos presente a distinção que Höffe faz entre regras autoimpostas, como cantar diariamente uma canção, e máximas. As regras autoimpostas, consideradas em si mesmas, aparecem como moralmente irrelevantes. “Sem que Kant o diga expressamente, sua ilação de ideias pressupõe, portanto, duas classes de máximas: as somente subjetivas (meras máximas) e que por conseguinte não são morais, e as que coincidem com uma lei prática e por conseguinte válidas ao mesmo tempo objetiva e subjetivamente, e deste modo são morais” (HÖFFE, 1983, p. 186). Conforme o autor, Kant não refere o imperativo categórico a regras arbitrárias e moralmente irrelevantes, senão apenas às máximas de relevância moral.

58 HÖFFE, 1983, p. 192.

59 Esta matéria, porém, como tentarei mostrar mais adiante (item 1.3), parece-me ser um conteúdo geral, um conteúdo que é abstraído das circunstâncias empíricas das ações. O imperativo categórico exige que se abstraia todo conteúdo determinado das máximas de ação, pois, tudo o que for empiricamente condicionado não pode alcançar universalidade. Assim, mesmo que na proposta de Kant haja espaço para conteúdos morais, esse conteúdo é geral, o que permite a defesa de normas morais de validade universal absoluta. Esse rigorismo, como acontece em Kant, só é possível mediante a abstração das circunstâncias empíricas das ações. Entretanto, se não se tem em conta

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A título de ilustração, tomemos o exemplo do indivíduo que põe fogo na casa de alguém, por vingança, e acaba incendiando um quarteirão inteiro. A máxima de ação, neste caso, é “pôr fogo na casa de alguém para se vingar de alguma desfeita”. Se se tenta universalizar tal máxima (é isso que manda o imperativo categórico), facilmente perceber-se-á que tal máxima, elevada à lei universal, estaria em contradição com a racionalidade humana. Com efeito, jamais poderia valer como lei objetiva, como determinação substancial do dever, pois colocaria em risco a relação pacífica entre os homens ou, ao menos, contribuiria para tal. Ora, o imperativo categórico é a forma à qual a máxima de ação deve ser submetida. Se a máxima puder ser universalizada sem contradições, então o seu conteúdo é moralmente bom, pois se enquadraria em uma possível legislação universal. Se ela não puder ser universalizada, justamente por cair em contradições, então o conteúdo dessa máxima não pode valer como princípio do dever, ou seja, como lei moral. A determinação do conteúdo do dever, portanto, é mérito das máximas passíveis de universalização. São elas que determinam, de forma indireta, o que é moralmente bom e, por conseguinte, o que pode e deve ser feito em situações de conflito moral.60

as circunstâncias empíricas das ações, o conteúdo do dever pode tornar-se inaplicável, pois pode ser incondizente com a realidade dos conflitos morais. Podem surgir situações em que uma exceção ao dever seja mais moral do que a sua rigorosa observância.

60 Marcus G. Singer, em Generalization in Ethics (1961), afirma que a crítica de Hegel ao formalismo Kantiano é simples. Para este autor, Hegel ignora que as máximas, que devem ser submetidas ao imperativo categórico, sejam elas mesmas um princípio determinado (bestimmtes Prinzip) e que elas já contenham um conteúdo (einen Inhalt). Contra essa objeção, Singer afirma: “Se alguém tem a intenção de tomar para si determinada máxima [...], para alcançar determinado fim, então já temos um princípio determinado, algo que já contém um conteúdo, a que o imperativo categórico pode ser aplicado” – “Wenn jemand beabsichtigt, sich eine

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Kant, ao apresentar o imperativo categórico como a forma à qual as máximas de ação devem ajustar-se, já sempre pressupõe uma comunidade moral. Ele pressupõe a existência de uma sociedade instituída, na qual se age segundo costumes, ou seja, segundo determinados princípios conteudísticos. A plausibilidade do imperativo categórico como critério do agir moral já pressupõe, por exemplo, a existência da propriedade e o dever de se respeitá-la. Tendo-se a existência da propriedade como princípio, a aplicação do imperativo categórico como critério para o agir moral torna-se viável. Pressupondo-se a propriedade como princípio, fica fácil perceber que tudo aquilo que ameaça o direito de propriedade, ao ser universalizado, implica contradição. O roubo de um carro, por exemplo, é algo que jamais poderia ser universalizado, pois a universalização da máxima do roubo extinguiria o direito à propriedade. Na medida em que todos pudessem roubar tudo e de todos, não haveria mais propriedade alguma. Assim, tendo-se o princípio, é possível determinar os deveres particulares que devem regrar a sua observância. Hegel, porém, não aceita a pressuposição de princípios segundo os costumes de determinada comunidade. Pois, dessa forma, ações imorais e injustas também poderiam ser justificadas. Em uma sociedade em que o respeito à propriedade não é um dever (costume), o roubo jamais seria uma prática imoral. Da mesma forma, em uma sociedade em que a preservação da vida não é um

bestimmte Maxime zu eigen zu machen [...], um einen bestimmten Zweck zu erreichen, dann haben wir bereits ein bestimmtes Prinzip, etwas, das bereits einen Inhalt besitzt, auf den der kategorische Imperativ angewendet werden kann” (SINGER, 1975, p. 291). Nesse sentido, portanto, a proposta de Kant não permaneceria em uma pura indeterminação, pois o conteúdo do dever seria determinado pelas máximas. Isso vem ao encontro do que foi dito até aqui, em oposição a Hegel, acerca da origem do conteúdo do dever no pensamento ético de Kant.

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princípio do dever, o assassinato também não é uma ação imoral. Conforme o autor, uma ação é imoral se ela contradiz algum princípio conteudístico. Como Kant não diz quais são os princípios do dever, pois seu único princípio é puramente formal, a prática do roubo, do assassinato, do suicídio etc. não são atos imorais. São práticas que não estão em contradição com nenhum princípio. Segundo Hegel, o princípio expresso pelo imperativo categórico “[...] seria muito bom se já dispuséssemos de princípios determinados sobre o que se deve fazer”.61 Como Kant não diz quais são os princípios do dever, em uma sociedade em que a discriminação racial é um costume (princípio), jamais haveria contradição nisso. Aliás, seria estranha a ação que tentasse evitar a discriminação. Para Hegel, a determinação dos conteúdos objetivos do dever acontece pela mediação social. Essa mediação dá-se na família, na sociedade civil e no Estado. É dentro desses diferentes níveis de instituições sociais, que constituem o universal concreto, que se dá a determinação dos princípios segundo os quais se deve agir. É de dentro da família, da sociedade civil e do Estado que brotam os princípios do dever. Kant, ao contrário, permanece em um universal abstrato, pois já pressupõe que os homens agem moralmente, ou seja, que os homens agem segundo determinados princípios. Contudo, se se parte desse universal abstrato, sem questionar-se se tais princípios são ou não moralmente bons, o que em Hegel é determinado pela mediação social, ações imorais ou injustas também podem ser justificadas. Como o imperativo categórico é puramente formal e não diz quais são objetivamente os conteúdos do dever, quaisquer princípios de qualquer sociedade podem ser justificados, independentemente de serem bons ou não, de serem justos ou injustos. Aliás, nesse caso, o bom e o justo são determinados por cada sociedade. Assim, o que é

61 FD, § 135, acrésc.

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certo para uma sociedade pode não ser certo para outra. Dado que a proposta de Kant não propõe uma mediação entre as diferentes sociedades ou instituições sociais, o que o imperativo categórico fundamenta são apenas deveres subjetivos. De acordo com Hegel, o que falta à ética kantiana é a mediação. É da mediação que resultam os princípios objetivos do dever. Sem a mediação só é possível determinar-se o que é bom ou justo subjetivamente. Dado que o fato da razão de Kant consiste na pressuposição de princípios e dado que os princípios, sem mediação, são subjetivos, o que se consegue estabelecer, com base no imperativo categórico, são conteúdos normativos subjetivos. Em uma palavra, se se parte dos princípios de determinada comunidade moral, recorrendo-se ao imperativo categórico só se consegue estabelecer o que é justo para aquela comunidade. O dever moral é aquilo que não contradiz os princípios daquela comunidade. Assim, o que a proposta de Kant possibilita são concepções isoladas do certo e do errado, do moral e do imoral, mas não uma determinação objetiva do dever. Para Hegel, a verdade encontra-se no todo. As comunidades morais isoladas constituem simplesmente partes dessa totalidade e, como tais, não podem determinar objetivamente o dever. A totalidade é constituída pelas partes, mas não se esgota nelas. Ou seja, a totalidade não é constituída por uma parte ou pela junção das partes, mas pela superação e conservação (Aufhebung) das mesmas. De forma semelhante, o dever moral objetivamente válido não deve esgotar-se nos princípios de uma determinada comunidade moral, mas nos princípios que contemplam a totalidade das comunidades morais. O que se encaixa na totalidade é superado (como particular) e guardado (como universal). O que não se encaixa nesse grande mosaico é rejeitado como inválido. Pelo processo de mediação social, os deveres morais subjetivos são dialeticamente superados

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e guardados. É desse processo dialético que resultam os deveres objetivos. A crítica de Hegel ao formalismo kantiano é bastante dura e espero ter conseguido dar o seu destaque merecido. O autor aceita abertamente o caminho indicado por Kant para a fundamentação do agir moral, mas questiona o conteúdo do fato da razão pressuposto por aquele. Kant parte do fato de que os homens agem de acordo com princípios e já sempre sabem o que é o certo ou o errado. O objeto de Kant, então, é estabelecer a fórmula que, segundo ele, já sempre está implícita nos juízos do humano senso comum. Hegel não questiona o imperativo categórico como tal, mas questiona a pressuposição dos princípios elementares a partir dos quais, com base no imperativo categórico, os deveres são estabelecidos. Se se pressupõem tais princípios, diz Hegel, práticas imorais também podem ser justificadas. Considerem-se, por exemplo, os princípios de uma comunidade de ladrões. Para tal comunidade, o roubo, o homicídio, o assalto, etc. são princípios gerais aceitos. Pressupondo-os como tais, poderíamos consequentemente justificar as ações de furtar, matar, assaltar, etc., pois não entrariam em contradição com os princípios pressupostos. Mais do que isso, seriam legitimadas por aqueles. O que Hegel faz, então, é questionar essa pressuposição de princípios, pois entende que não passam de princípios subjetivos. Hegel é defensor dos princípios objetivos do dever e, para ele, a determinação destes dá-se pela mediação, que acontece nos diferentes níveis de instituições sociais: família, sociedade civil e Estado. O autor afirma que, se já tivéssemos tais princípios, então a proposta de Kant estaria completa. Mas, sem a mediação, que acontece no nível da eticidade, só é possível determinarem-se deveres subjetivos. A crítica de Hegel é excelente, pois enfatiza um dos grandes problemas da proposta kantiana. Mas, aceitando-se o ponto de partida de Kant, de que os homens agem

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moralmente e já sempre sabem o que é certo ou errado, o que se pretende agora é analisar se a fundamentação de deveres morais, proposta por Kant, abre espaço ou não para a contingência.62 Dado que o objetivo de Kant é estabelecer um critério a priori, será que a historicidade não é sacrificada em nome da universalidade dos deveres morais, fundamentados pelo princípio da moralidade de validade necessária e universal? Será que as circunstâncias empíricas das ações não são sacrificadas em nome da universalidade da lei, que é o que o imperativo categórico exige? Dado que as máximas das ações de mentir, roubar, matar, saquear, etc. não podem ser queridas como leis universais, a prática de tais ações é sempre imoral, independentemente das circunstâncias empíricas da ação? O objeto do passo seguinte é, pois, a natureza da universalidade dos deveres resultantes da aplicação do princípio kantiano de fundamentação. 1.3 O universalismo absoluto de Kant Uma das principais características da ética de Kant é o empenho pela simples fundamentação e não pela elaboração de normas morais. Isso faz com que esta proposta seja reconhecidamente procedimentalista. A preocupação do autor não é com o conteúdo das normas

62 Se não se aceitasse o ponto de partida de Kant, então também não se poderia passar à discussão sobre os deveres morais resultantes do imperativo categórico, pois negar-se-ia a própria possibilidade dos deveres morais, haja vista que o princípio da moralidade é puramente formal e não fornece conteúdos para o dever. Como já exposto, os conteúdos do dever resultam das máximas de ação. Agora, se essa passagem do plano puramente formal para o plano conteudístico, isto é, se essa inserção de conteúdos (provenientes das máximas) no princípio puramente formal, da qual resulta o dever, é logicamente correta ou não é tema para uma discussão que não se quer desenvolver aqui tendo em vista o objeto central do presente estudo.

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morais, mas apenas com a elaboração de um critério de fundamentação para o agir moral, um critério que permita distinguir racionalmente ações morais de ações imorais. Kant parte do pressuposto de que os homens agem moralmente, ou seja, de que sabem o que é certo ou errado, o que é justo ou injusto. Entretanto, como o ser humano é dotado de desejos e paixões, o autor entende que a noção de justiça e de correção moral fica sujeita à perversão. Nesse sentido, a tarefa que o ocupa é a “[...] busca e a fixação do princípio supremo da moralidade [...]”63, que sirva de critério último para a fundamentação do agir moral. No desenvolvimento dessa tarefa, Kant segue o caminho de uma filosofia pura prática, pois entende que o princípio, para servir de critério para todos os seres racionais, tem de estar livre de todo e qualquer condicionamento empírico. A validade objetiva do princípio decorre da sua necessidade e universalidade. Por isso ele tem de ser formal e não pode ser determinado por nenhum elemento contingente. A investigação da razão pura prática resultou no imperativo categórico, que manda agir de forma que as máximas subjetivas de ação também possam valer como leis universais da natureza (fórmula básica e primeira subfórmula). Isso equivale a dizer que o homem, ao agir, jamais pode considerar seu semelhante como simples meio, senão sempre como fim em si mesmo (segunda subfórmula); e que ele (o homem) seja o autor de suas próprias leis (terceira subfórmula). No entender de Kant, é esta autonomia da vontade que garante ao homem a verdadeira liberdade.64

63 FMC, 1986, p. 19.

64 A ideia da autolegislação como fonte da liberdade remonta a Rousseau, mas, segundo Höffe (1986, p. 184), só Kant descobre nessa ideia o princípio básico de toda a ética, e trata de fundamentá-la. Não vou me ater a essa ideia, pois não está diretamente ligada ao objeto central desse estudo.

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Para mostrar a eficácia do imperativo categórico como critério para o agir moral, Kant aplicou-o, na FMC, a quatro exemplos, cada qual relacionado a uma classe diferente de deveres morais. Com respeito aos deveres perfeitos: para consigo mesmo, a proibição do suicídio; para com os demais, a proibição de uma falsa promessa. Com respeito aos deveres imperfeitos: para consigo mesmo, a proibição de deixar enferrujar seus talentos e disposições naturais; para com os demais, a proibição da indiferença ante a necessidade alheia. Os deveres perfeitos são aqueles que não permitem exceção alguma, pois suas máximas, ao serem universalizadas, implicam uma contradição interna. As máximas dos deveres imperfeitos até não implicam uma contradição interna ao serem universalizadas, mas, segundo Kant, elas não podem ser queridas como leis universais da natureza sem que a vontade, que assim as queira, se contradiga a si mesma.65 Os exemplos apresentados por Kant são meramente ilustrativos. Por meio deles, procura mostrar que o imperativo categórico é critério suficiente para saber-se agir moralmente, de forma que não há necessidade de nenhum princípio paralelo ou subjacente para identificar-se o dever em situações de conflito moral. As máximas de ação que não puderem ser universalizadas sem contradições são moralmente proibidas. As que puderem ser universalizadas são permitidas, embora não moralmente ordenadas, o que caracteriza a ética de Kant como uma proposta negativa. Ou seja, o imperativo categórico proíbe a execução das ações cujas máximas não são passíveis de universalização, mas não obriga a realização das ações cujas máximas podem ser universalizadas. A prática que não puder ser universalizada é moralmente proibida. O dever ou a obrigação, em tais casos, é não executar a ação. A prática que puder também ser universalizada é uma prática

65 Cf. FMC, 1986, p. 62.

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permitida. Tal ação pode ser praticada, mas não somos moralmente obrigados a realizá-la. A obrigação, sim, é não realizar o contrário daquilo que é permitido. Contudo, diz Marcus Singer, isso não implica que, por meio do imperativo categórico, se possa apenas determinar o que não se deve fazer e não o que se deve fazer. Pois, se uma ação não for correta, então não devemos realizá-la, mas se não for correto não realizar determinada ação, então o dever é realizá-la. Entretanto, se determinada ação não for incorreta nem for incorreto deixar de realizá-la, então a questão da obrigação moral não pode nem ser posta.66 O dever moral resultante da conformidade das máximas com o imperativo categórico é, para Kant, um dever absoluto, um dever que de forma alguma permite exceções (Ausnahmen). Podemos até querer abrir alguma exceção e transgredir o dever, mas tal máxima jamais poderia tornar-se lei universal. Pois,

se considerássemos tudo partindo de um só ponto de vista, o da razão, encontraríamos uma contradição na nossa própria vontade, a saber: que um certo princípio seja objetivamente necessário como lei universal e que subjetivamente não deva valer universalmente, mas permita exceções.67

A ação cuja máxima não pode valer como lei

universal é contrária ao princípio da moralidade. Logo, uma ação imoral. Em contraposição, a máxima de ação universalizável sem contradições vale também como lei moral. Essa lei é absoluta e não permite exceção alguma.

66 Cf. SINGER, 1975, p. 279-80.

67 “[...] wenn wir alles aus einen und demselben Gesichtspunkte, nämlich der Vernunft, erwögen, so würden wir einen Widerspruch in unserem eigenen Willen antreffen, nämlich dass ein gewisses Prinzip objektiv als allgemeines Gesetz notwendig sei und doch subjektiv nicht allgemein gelten, sondern Ausnahmen verstatten sollte” (GMS, 1965, p. 46) (FMC, 1986, p. 63).

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Ela tem de valer necessariamente para a vontade, pois é fruto da própria autonomia da vontade. Querer uma exceção à lei é desejar a imoralidade. Otfried Höffe68 até faz uma distinção entre máxima e ação individual, afirmando que as ações individuais não são ordens originárias, mas regras empíricas que não possuem, para o agir moral, uma validade universal, senão apenas geral.69 Entretanto, não nega que as máximas, que se ajustam ao imperativo categórico, tenham de ter validade universal absoluta. Essa validade plana ou universal absoluta das normas (leis) morais, resultantes de máximas de ação universalizáveis, é confirmada no texto Über ein vermeintes Recht aus Menschenliebe zu Lügen70 (1797). Nele, Kant mostra que, independentemente das circunstâncias da ação, jamais se deve mentir. A mentira, universalizada, conduz à contradição, pois, se todos mentissem, ninguém mais acreditaria no que o outro dissesse, o que inviabilizaria a racionalidade das relações dialógicas. Daí que, segundo Kant, dizer a verdade, em oposição à mentira, é o dever.71 Por maior que seja o prejuízo para o próprio declarante ou para qualquer outra pessoa, e por melhor que seja a

68 Cf. 1983, p. 194.

69 Ver nota nº 57.

70 Sobre um suposto direito de mentir por amor à humanidade.

71 Dado que a proposta de Kant se caracteriza como uma proposta negativa ou proibitiva, poder-se-ia argumentar que esse autor não diz que o dever é dizer a verdade e, sim, que o dever é não mentir. Se o dever é não mentir, então, em vez de dizer a verdade, poder-se-ia optar pelo silêncio. Contudo, no exemplo do assassino que quer matar meu amigo que se esconde na minha casa – exemplo comentado por Kant em Über ein vermeintes Recht aus Menschenliebe zu Lügen –, a opção pelo silêncio poderia custar-me a própria vida. Se eu não dissesse nada, o assassino mataria a mim e, se eu dissesse a verdade, o assassino mataria o meu amigo. A solução seria mentir, pois só assim eu poderia poupar a minha vida e tentar poupar também a vida do inocente que se esconde na minha casa.

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intenção unida à prática da mentira, o dever é ser verídico em todas as declarações:

Quem, pois, mente, por mais bondosa que possa ser sua disposição (intenção – grifo meu – JJR), deve responder pelas consequências, mesmo perante um tribunal civil, e por ela se penitenciar, por mais imprevistas que possam também ser essas consequências; porque a veracidade é um dever que tem de considerar-se como a base de todos os deveres a fundar num contrato e cuja lei, quando se lhe permite também a mínima exceção, se torna vacilante e inútil.72

Marcus G. Singer, no capítulo VIII de Generalization in Ethics73, tenta defender a proposta de Kant das críticas ao rigorismo ou absolutismo éticos.74 Singer, na obra citada, distingue princípios de normas morais. Os princípios, diz ele,

72 “Wer also lügt, so gutmütig er dabei auch gesinnt sein mag, muss die Folgen davon, selbst vor dem bürgerlichen Gerichtshofe, verantworten und dafür büssen: so unvorhergesehen sie auch immer sein mögen; weil Wahrhaftigkeit eine Pflicht ist, die als die Basis aller auf Vertrag zu gründenden Pflichten angesehn werden muss, deren Gesetz, wenn man ihr auch nur die geringste Ausnahme einräumt, schwankend und unnütz gemacht wird” (MS, 1982, p. 639) (KANT, 1995, p. 175-6).

73 Esta obra foi publicada originalmente em inglês (em 1961, a primeira edição e, em 1971, a segunda) e só mais tarde (1975) a tradução para o alemão, que é utilizada nesse estudo. Da mesma forma que as citações feitas do pensamento de Kant, também aqui apresento, nas notas, as citações, não no original, mas em alemão, com o objetivo específico de evitar equívocos quanto à minha tradução.

74 Com esse argumento em defesa à crítica do rigorismo e absolutismo da ética de Kant, Singer não está tentando fundamentar a validade do imperativo categórico, apenas tenta mostrar que é possível defender a proposta de Kant daquelas críticas. Em um passo adiante, ele procura mostrar que universalizar, que é o que manda o imperativo categórico, não é um critério seguro e suficiente para o agir moral. Essa objeção será trabalhada no próximo capítulo.

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têm validade absoluta e valem em todas as circunstâncias. As normas, por sua vez, não têm validade absoluta, mas, conforme a especificidade das circunstâncias, admitem exceções. Na sua interpretação, o imperativo categórico pode ser entendido tanto como regra moral quanto como princípio moral:

Um imperativo categórico é simplesmente uma regra moral, e quando se pensa que um imperativo categórico não deve ser lesado sob quaisquer circunstâncias, que ele é obrigatório em todas as condições, então muda-se o significado do termo; troca-se, então, um imperativo categórico, no sentido de regra moral, com o imperativo categórico, que é um princípio moral.75

Ao comentar a argumentação de Kant de que o dever é não mentir nunca, independentemente das circunstâncias, Singer afirma que o texto Über ein vermeintes Recht aus Menschenliebe zu lügen é um ensaio no qual Kant não aplica o imperativo categórico: “De fato, Kant não aplica o imperativo categórico naquele escrito”.76 Contudo, Kant pode até não ter sido feliz na argumentação do citado texto, mas parece-me claro que consiste, sim, em uma aplicação do imperativo categórico, e que as normas morais que resultam da aplicação desse princípio ordenam de forma absoluta.

75 “Ein kategorischer Imperativ ist einfach eine moralische Regel, und wenn man meint, ein kategorischer Imperativ dürfe unter keinen Umständen verletzt werden, er sei unter allen beliebigen Bedingungen verbindlich, dann verändert man die Bedeutung des Terminus; man verwechselt dann einen kategorischen Imperativ im Sinn einer moralischen Regel mit dem kategorischen Imperativ, der ein moralisches Prinzip ist” (SINGER, 1975, p. 264).

76 “Tatsächlich wendet Kant den kategorischen Imperativ in dieser Schrift überhaupt nicht an” (SINGER, 1975, p. 268).

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Seguindo-se a lógica interna do pensamento de Kant, esse rigorismo admite uma explicação. O imperativo categórico é uma proposição sintética-prática a priori.77 Por ser assim, sua validade contém necessidade e universalidade, pois não está ligada a nenhum condicionamento empírico. O imperativo categórico

é válido porque é universal em sua formalidade. Sua validade decorre de sua forma, a qual é universal e a priori. [...] O primeiro princípio dos costumes é válido por ser formal. Sendo formal é universal.78

De modo semelhante, as normas (leis) morais, para

alcançarem validade universal, têm que ser puramente formais. A matéria enunciada pela norma não pode estar empiricamente condicionada, pois comprometeria sua validade universal. Tudo aquilo que se funda na experiência não pode valer universalmente. Isso Kant já deixa claro na CRPu. Assim, quando me encontro prestes a realizar uma falsa promessa, uma mentira ou um saque, devo abstrair a máxima de ação da historicidade e perguntar-me se ela poderia valer como lei objetiva do querer. Se ela não puder valer como lei universal, por cair em contradições, o oposto dela é o dever. Nesse sentido, se essa interpretação não apresentar problemas, pode-se afirmar que o procedimento indicado por Kant, para a legitimação de normas morais, consiste em abstrair as máximas das circunstâncias concretas das ações. O imperativo categórico exige que se abstraia todo conteúdo determinado das máximas de ação, pois tudo o que for empiricamente condicionado não pode alcançar universalidade. Se, por exemplo, tenho dúvidas sobre a correção moral ou não da ação de mentir a um assassino

77 Cf. FMC, 1986, p. 56-7.

78 CIRNE LIMA, 1987, p. 67.

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para salvar a vida de um inocente, devo perguntar-me simplesmente se a mentira pode ser universalizada. O imperativo categórico não manda questionar-me se a mentira para salvar a vida de um inocente contra a fúria de um assassino pode ser universalizada e, sim, se a mentira em seu aspecto mais geral possível, abstraída de toda e qualquer contingência, pode ser universalizada. Ele não manda questionar-me se o saque em extrema necessidade de fome pode ser universalizado e, sim, se o saque, enquanto tal, pode ser universalizado. Essa abstração faz com que os conteúdos (matéria) das máximas sejam gerais, desprezando as circunstâncias empíricas das ações. As normas morais, resultantes da possibilidade de adequação de máximas gerais79 ao imperativo categórico, ordenam de modo absoluto. Se não mentir ou não saquear é o dever, não devemos mentir ou saquear nunca, independentemente das circunstâncias das ações, ou seja, independentemente de se minto para salvar a vida de um inocente contra a fúria de um assassino, ou se, em caso de extrema necessidade, roubo para matar a fome. Pois, pela proposta de Kant, por melhor que seja a intenção ou por mais necessária que seja a ação, qualquer exceção implica contradição e, consequentemente, imoralidade.80 Se a

79 Como fica compreendido no texto, pela expressão máximas gerais entende-se as máximas abstraídas das circunstâncias concretas das ações.

80 Na Doutrina do Direito, Kant fala do direito de necessidade (Notrecht): qual dos dois náufragos deve morrer, dado que o pedaço de madeira que lhes serve de amparo só suporta um deles? Segundo o autor, em semelhantes casos o direito carece de critérios, pois são situações de ações que vão além do seu próprio conteúdo. Nesses casos, o lema jurídico do autor é: “A necessidade carece de leis” (“Not hat kein Gebot”) (MS, 1968, p. 343). Entretanto, o dever moral é claro: não se servir do semelhante como meio ou não ser a causa consciente e voluntária da morte de outro, independentemente das circunstâncias empíricas da ação. Nesse sentido, mesmo ao assassino, diz Kant, tenho o dever moral de dizer a verdade, pois, mediante qualquer mentira estaria me servindo da

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mentira não pode ser universalizada, o dever é ser verídico em todas as declarações. Devo dizer a verdade sempre, pois a mentira, mesmo como uma simples exceção para mim, jamais poderia ser universalizada. A obsessão por uma proposta de fundamentação ética totalmente abstraída da contingência leva Kant a desconsiderar também as circunstâncias concretas das máximas de ação. As normas morais, como não mentir, não fazer falsas promessas, preservar sua própria vida, não roubar, não saquear, etc., resultam do aspecto geral das máximas. Adequando-se ao imperativo categórico, as máximas assumem o estatuto de leis morais, de obrigação irrestrita e de validade universal. Essa abstração das máximas da historicidade revela deveres absolutos, que ordenam de forma plana e não permitem exceção alguma. Contudo, pode haver situações em que a lesão de uma dessas normas é mais louvável do que se a seguíssemos rigorosamente. É mais moral mentir para salvar a vida de um inocente contra um assassino e roubar para matar a fome em uma situação de extrema necessidade do que seguir o dever de forma rigorosa, isto é, sem jamais abrir uma exceção para aquilo que foi definido como dever, recorrendo-se ao imperativo categórico. Nesse sentido, a proposta ética de Kant deixa algo a desejar, pois querer sustentar a determinação de deveres de validade absoluta pode levar-nos a praticar ações mais imorais do que se abríssemos uma simples exceção ao dever moral. Poderiam surgir situações em que, para não mentir, omitir-nos-íamos da ação de salvar a vida de um inocente das mãos de um criminoso. Neste caso, a mentira seria uma ação mais moral do que a omissão de salvar a vida do inocente. Não se pode dizer, portanto, como acontece em Kant, que o dever moral tem de ser absoluto, que ele jamais deve permitir exceções, pois as circunstâncias das

humanidade como meio e não como fim em si mesma. Para ele, dizer a verdade é um dever absoluto e qualquer exceção implica imoralidade.

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ações podem ser tais que uma exceção ao dever pode ser mais moral do que sua rigorosa observância. Assim, uma das grandes limitações da proposta de Kant está em desprezar as circunstâncias empíricas das ações, pois o matar e o matar em legítima defesa, o mentir e o mentir a um assassino para salvar a vida de um inocente, o saquear e o saquear em extrema necessidade de fome, etc. são ações bem distintas, onde a consideração das circunstâncias é algo fundamental para a correta determinação do dever moral. Com essa argumentação, porém, não se pretende aqui justificar infrações ao dever moral. Muito pelo contrário. O que se pretende é mostrar a necessidade de se estabelecer um princípio cuja determinação dos deveres leve em conta também as circunstâncias empíricas das ações. Com tal princípio, perceber-se-ia que, em determinadas circunstâncias, não é errado mentir, roubar ou matar. É o caso da mentira ao assassino para salvar a vida de um inocente, ou da mentira ao paciente que se encontra em estágio terminal, evitando-se, assim, transtornos de diversas naturezas que poderiam apressar mais ainda a morte do paciente e uma morte de forma bem mais sofrida. A mentira, em tais casos, não infringiria o dever, pois poderia ser justificada pela especificidade das circunstâncias da ação. Todos os que se encontrassem em semelhantes circunstâncias poderiam fazer o mesmo. Contudo, tais ações envolveriam cálculos, o que para Kant já não seria mais algo moralmente correto. Elas poderiam ser, no máximo, legalmente corretas, mas jamais poderiam ser caracterizadas como ações com mérito moral.

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A Ética do discurso de Habermas

Diferentemente de Kant, surge na contemporaneidade, a partir do fim dos anos 60 e início dos anos 70, uma nova perspectiva denominada ética do discurso, que tem na linguagem argumentativa o critério procedimentalista para a fundamentação racional de normas morais. Embora a ética do discurso encontre as suas raízes na teoria moral kantiana, há uma diferença fundamental entre as duas propostas: em Kant, cada sujeito em seu foro interno determina o que é e o que não é (objetivamente) moral; já, para os defensores da ética do discurso, as questões morais são resolvidas dentro de uma comunidade de comunicação. A razão monológica ou solipsista não é mais suficiente para decidir sobre questões morais, mas é a razão dialógica que vai determinar o que pode e deve ser feito em situações de conflito moral. A validade ou não de uma determinada norma é mediada pelo consenso alcançado entre os sujeitos capazes de linguagem e ação. A norma que não puder ser universalizada, ou seja, a norma que não alcançar o assentimento de todos os possíveis concernidos, em meio a um discurso prático, não é aceita como válida.

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Jürgen Habermas é um dos principais representantes dessa nova perspectiva.81 Ele identifica a ética do discurso com os aspectos deontológico, cognitivista, formalista e universalista da proposta kantiana de fundamentação moral. A ética do discurso é deontológica, em oposição às éticas clássicas (teleológicas) que se ocupavam especificamente das questões da vida boa ou vida feliz. As éticas deontológicas procuram “[...] justificar ações à luz de princípios dignos de reconhecer-se”.82 Elas não se preocupam com questões relativas à aplicação de normas, mas, antes disso, preocupam-se com questões de justificação de normas, com problemas relativos à determinação de ações corretas e justas. A ética do discurso é cognitivista, em oposição ao ceticismo ético que refuta a possibilidade de fundamentação de juízos morais. Representado pelas abordagens intuicionistas, emotivistas, decisionistas e outras, o ceticismo ético compreende que só se pode falar empiricamente sobre a moral, ou seja, que as investigações éticas, no sentido de uma teoria normativa, são desprovidas de objeto. A ética do discurso procura mostrar que os juízos morais “[...] não se limitam a dar expressão às atitudes afetivas, preferências ou decisões contingentes de cada falante ou ator”83, mas que as questões prático-morais podem ser resolvidas com base em razões. O ponto de partida da ética do discurso é a tese de que os enunciados normativos podem ser fundamentados.

81 Ao lado de Habermas, podemos citar Karl O. Apel, que tiveram como discípulos Wellmer, Böhler, Kullmann e outros. Conforme Tugendhat (1997, p. 173), foram apresentadas concepções semelhantes também por F. Kambartel e na assim chamada Escola de Erlangen, cujos representantes são P. Lorenzen e W. Kamlah e seus discípulos Mittelstrass, Lorenz, Schwemmer e outros.

82 HABERMAS, 1991, p. 100.

83 HABERMAS, 1989, p. 147.

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70 O problema da Universalização em Ética

A ética do discurso é universalista, em oposição ao relativismo ético que supõe que a validade dos juízos morais só pode ser medida pelos valores culturais ou pela forma de vida do sujeito que julga. Por meio do princípio de universalização, ela procura fundamentar juízos morais que tenham validade universal, isto é, que não expressem as intuições de uma determinada cultura ou de uma determinada época. Com isso, a ética do discurso pretende escapar da chamada falácia etnocêntrica. Segundo Habermas, a ética do discurso é também formalista, em oposição às suposições básicas das éticas materiais que se orientam por questões teleológicas (felicidade, vida boa, etc.) e privilegiam determinado tipo de vida ética. Para ele, a ética do discurso não fornece conteúdos para o dever, não diz o que é moralmente certo ou errado, o que é bom e o que é mau, mas apenas indica o procedimento a ser seguido para o julgamento moral; ela não postula a validade universal de normas morais, mas apenas propõe o caminho a ser trilhado para a validação de tais normas. Nesse sentido, o objetivo central desse capítulo é analisar se a herança kantiana do caráter procedurístico-formal abarca também o universalismo plano e absoluto dos deveres morais. Para isso, serão contemplados, inicialmente, alguns elementos da teoria da ação comunicativa de Habermas, fundamentais para a compreensão de sua proposta ético-discursiva, mas que aparecem quase sempre pressupostos em seus escritos específicos sobre moral. Em um passo seguinte, serão explicitados os principais elementos constitutivos da proposta ética de Habermas, mostrando em que consiste propriamente o conceito de racionalidade ético-comunicativa. E, por fim, apresentando o princípio “U” como o princípio da moralidade e sua fundamentação como condição de validade do princípio “D” da ética do discurso, teremos os elementos suficientes para analisar se a proposta de Habermas escapa ou não à

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objeção do universalismo plano e absoluto dos deveres morais, suprafeita a Kant. 2.1 A teoria da ação comunicativa O projeto de fundamentação racional da ética de Habermas tem como ponto de partida o desenvolvimento de sua teoria da ação comunicativa. Grosso modo, o termo ação comunicativa significa desenvolver uma ação ao se fazer um proferimento linguístico, ou seja, fazer algo ao se dizer algo. A possibilidade do desenvolvimento de tal teoria deve-se à dupla estrutura dos proferimentos linguísticos: uma comunicação linguística permite, por um lado, que duas ou mais pessoas entendam-se reciprocamente sobre o que se fala, e possibilita, por outro, a execução de uma determinada ação. Com efeito, todo ato de fala enquadra-se dentro de uma estrutura padrão Mp, onde M designa uma parte performativa – que, por vezes, não fica linguisticamente expressa, mas está pelo menos implicitamente presente em qualquer ato de fala – e p, o conteúdo proposicional do enunciado.84 Enquanto a sentença p é estudada pela linguística – os significados das palavras que a compõe (semântica), por um lado, e a disposição das palavras dentro da frase e da frase no discurso (sintaxe), por outro –, uma teoria pragmática da comunicação estuda a parte performativa, ou seja, estuda a sentença p enquanto enunciado, enquanto ato linguístico. “O ato linguístico é literalmente um ato: a parte performativa permite ao locutor executar, ao mesmo tempo que fala, a ação a que se refere o elemento performativo.”85 É essa dupla estrutura que permite que uma emissão

84 O enunciado “Prometo que p” possui uma parte performativa e um conteúdo proposicional. Ao realizar essa emissão linguística, eu também estou fazendo algo, ou seja, estou realizando a ação de prometer algo.

85 ROUANET, 1989, p. 24.

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linguística seja definida como ato linguístico. Nesse caso, a manifestação linguística não é simplesmente fala, mas simultaneamente ação, fonte inspiradora do conceito de ação comunicativa de Habermas, que será explicitado mais adiante. A teoria da ação comunicativa, desenvolvida por Habermas, tem como ponto de partida a teoria dos atos de fala de Austin, na qual este faz uma distinção entre ato locucionário, ato ilocucionário e ato perlocucionário:

Chama locucionário ao conteúdo das orações enunciativas (‘p’) ou das orações enunciativas nominalizadas (‘que p’). Com os atos locucionários o falante expressa estados de coisas: diz algo. Com os atos ilocucionários o agente realiza uma ação dizendo algo. [...] Por último, com os atos perlocucionários o falante busca causar um efeito sobre seu ouvinte. Mediante a execução de um ato de fala causa algo no mundo. Os três atos que Austin distingue podem, portanto, caracterizar-se da seguinte forma: dizer algo; fazer dizendo algo; causar algo mediante o que se faz dizendo algo.86

O interesse de Habermas, porém, não é na

comunicação de um conteúdo proposicional (ato locucionário), mas nos aspectos dos proferimentos linguísticos que implicam interações sociais. Tanto o ato de fala ilocucionário como o ato de fala perlocucionário constituem interações sociais, pois correspondem à execução de determinadas ações que envolvem sujeitos como receptores dos proferimentos linguísticos, ou de forma mais exata, como interlocutores (no caso de ações orientadas ao entendimento) ou como vítimas do agente comunicativo (no caso de ações orientadas ao êxito). Os atos de fala perlocucionários constituem uma classe especial de interações, quais sejam, interações estratégicas.

86 TAC, I, 1987, p. 370-1.

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A relação social, neste caso, é negativa, pois a força ilocucionária é utilizada como meio em contextos de ação teleológica. O falante, que age com vistas voltadas a fins, procura fazer com que o ouvinte entenda o que está sendo dito e contraia as obrigações implícitas no ato de fala, sem deixar transparecer seu propósito perlocucionário.87 Esse modelo de interação social é de caráter assimétrico, pois a interação falante-ouvinte é acompanhada de uma ação estratégica encoberta, que é de interesse exclusivo do falante. O falante que age estrategicamente faz um uso parasitário da linguagem, pois o télos próprio da linguagem é o entendimento. O falante usa a linguagem com perspectivas de êxito no mundo dos estados de coisas. Os ouvintes, na medida em que proporcionam o télos imanente ao proferimento linguístico, tornam-se meras vítimas do falante, pois não estão cientes da intenção estratégica do autor do proferimento. Os atos de fala ilocucionários, ao contrário, constituem interações simétricas entre os envolvidos; constituem as interações sociais privilegiadas por Habermas, pois são o modelo próprio daquilo que ele chama de ação comunicativa:

chamo, pois, de ação comunicativa aquelas interações mediadas linguisticamente em que todos os participantes perseguem com seus atos de fala fins ilocucionários e só fins ilocucionários.88

Por meio deste modelo, falantes e ouvintes harmonizam entre si seus planos de ação e perseguem exclusivamente fins ilocucionários, ou seja, agem unicamente orientados ao entendimento, que é o télos próprio da linguagem. Por entendimento Habermas compreende o processo de obtenção de um comum acordo

87 Cf. id., p. 376.

88 Id., p. 378.

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sobre pretensões de validade controversas. Com efeito, todo ato de fala levanta, como veremos, pretensões de validade que podem ser criticadas. O agir orientado ao entendimento consiste justamente em tentar alcançar um comum acordo sobre a pretensão de validade posta em dúvida. Falantes e ouvintes procurarão convencer uns aos outros sobre algo a partir da apresentação de bons argumentos ou boas razões. Diferentemente da ação estratégica, na ação comunicativa o falante procura deixar bem claro ao ouvinte qual é a sua intenção, de forma que possam chegar a um consenso sobre aquilo que é linguisticamente expresso. As interações resultantes tanto da ação comunicativa quanto das ações estratégicas são mediadas pela linguagem. A diferença, porém, está no télos e no uso que é feito da linguagem pelas duas classes de ações. A ação comunicativa é orientada unicamente ao entendimento e, nesse sentido, consiste em um uso puramente comunicativo da linguagem. A ação estratégica, por sua vez, consiste em um uso parasitário da linguagem, pois o falante não pretende simplesmente entender-se com seus ouvintes, mas vincula perspectivas de êxito aos seus atos de fala. Por meio de emissões linguísticas, o falante pretende alcançar determinados fins no mundo dos estados de coisas. Relativamente aos conceitos de ação estratégica e ação comunicativa, Habermas apresenta uma distinção entre racionalidade cognitivo-instrumental e racionalidade comunicativa respectivamente. Ao primeiro conceito de racionalidade está vinculada uma perspectiva de êxito no mundo dos estados de coisas existentes (mundo objetivo), possibilitada pela manipulação do télos imanente da linguagem em atos linguísticos.89 A linguagem, aqui, é utilizada para alcançar-se determinados fins não explícitos na proposição enunciada.

89 Cf. id., p. 27.

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Ao conceito de racionalidade comunicativa, por sua vez, está vinculada uma perspectiva de entendimento com todos os sujeitos capazes de linguagem e ação. Essa forma de racionalidade refere-se à utilização comunicativa de um saber proposicional, que visa ao consenso dos diversos participantes através da força do melhor argumento. A racionalidade cognitivo-instrumental consiste na efetuação de uma espécie de cálculo, através do qual são analisadas as condições a serem observadas pelo agente, a fim de alcançar fins previamente definidos pelo autor do proferimento linguístico. De forma estratégica, o agente utiliza-se da linguagem para a obtenção de determinados fins que não ficam explícitos ao receptor do proferimento linguístico. Na medida em que aquele obtém o efeito esperado, o ouvinte torna-se mera vítima do agente comunicativo. Mediante a execução do proferimento linguístico, o falante manipula a linguagem de forma a atingir os fins implícitos em seu ato de fala. A essa forma de ação está vinculado o conceito de racionalidade cognitivo-instrumental. O termo racionalidade empregado aqui, porém, só possui um sentido figurado, pois, para Habermas, a racionalidade de uma manifestação ou emissão linguística consiste na capacidade de o sujeito falante apresentar razões (Gründe) para a sua emissão, quando for o caso. A racionalidade comunicativa consiste em falantes e ouvintes assegurarem o contexto comum de suas vidas, isto é, o mundo da vida que intersubjetivamente partilham.

Segundo este modelo, as manifestações racionais têm o caráter de ações plenas de sentido e inteligíveis em seu contexto, com as que o ator se refere a algo no mundo objetivo.90

90 Id., p. 31.

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Os receptores não se tornam vítimas de um processo sistemático de distorção da comunicação, mas tornam-se interlocutores de um processo comunicativo imunizado contra qualquer repressão ou coerção. Os participantes desse processo comunicativo agem unicamente orientados ao entendimento, ao alcance de um comum acordo sobre determinada pretensão de validade posta em dúvida. A racionalidade, aqui, é medida pelo sucesso nos processos do entendimento. Esse sucesso é demarcado pela capacidade de os participantes de uma argumentação gerarem um consenso, racionalmente motivado, sobre determinado aspecto, em princípio, problemático. Habermas chama de ação comunicativa, portanto, o processo de obtenção de acordos a partir da apresentação de bons argumentos. Ele não só exclui da ação comunicativa os casos de ação estratégica, nos quais o falante utiliza dissimuladamente os êxitos ilocucionários para alcançar fins perlocucionários, mas também as manifestações imperativas da vontade, nas quais o falante recorre, para poder impor sua pretensão de poder, ao complemento que representam as sanções. Essas manifestações são atos ilocucionários, pois o falante declara abertamente seu propósito de influenciar nas decisões de um interlocutor.91 Nestes casos, não há uma manipulação linguística, como ocorre nas ações estratégicas, mas elas não podem ser tematizadas para o resgate discursivo, pois, em toda tentativa de tematização, recorrer-se-á ao complemento que representam as sanções. O ato de fala, nesse caso, é expresso de forma impessoal, pois, quem o expressa faz referência a uma proposição normativa. É o caso das normas jurídicas ou institucionais que, sancionadas, devem ser observadas por questões de segurança, de ordem, de coerência, etc. Se, por exemplo, uma enfermeira interpela alguém que está fumando dentro

91 Cf. id., p. 391.

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de um hospital e lhe ordena que pare de fumar, não há espaço, neste caso, para o desenvolvimento da ação comunicativa por meio do desempenho discursivo. O ato de fala regulativo pare de fumar, expresso de forma impessoal, faz referência à norma que proíbe o fumo em hospitais. Em semelhantes situações, é impossível ao ouvinte questionar a pretensão de validade do falante para tentar alcançar um consenso por meio de um discurso racionalmente motivado. Todas as vezes que a enfermeira for questionada sobre a sua pretensão de validade, ela simplesmente apontará para a norma aprovada pelo poder sancionador correspondente. Em semelhantes casos, portanto, não há espaço para o desenvolvimento da ação comunicativa, isto é, do resgate discursivo da pretensão normativa implícita no ato de fala pare de fumar. Tendo-se em conta a distinção entre ação comunicativa e ação estratégica, a respectiva distinção entre racionalidade comunicativa e racionalidade cognitivo-instrumental, bem como a consideração sobre as emissões linguísticas que ficam excluídas do conceito de ação comunicativa, pode-se agora mostrar o papel que a ação comunicativa desempenha dentro da proposta moral de Habermas. 2.2 A racionalidade ético-comunicativa A ética do discurso de Habermas tem suas bases no mundo da vida (Lebenswelt), que é o horizonte no qual os agentes comunicativos efetivamente se situam. O mundo da vida é o âmbito das relações sociais espontâneas, das emissões linguísticas não tematizadas, da vigência do entendimento mútuo.

As relações sociais que se dão no mundo vivido assumem, caracteristicamente, a forma da ação comunicativa: um processo interativo, linguisticamente mediatizado, pelo qual os

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indivíduos coordenam seus projetos de ação e organizam suas ligações recíprocas.92

Neste âmbito, os participantes de um processo

comunicativo, em uma situação de fala, estão plenamente de acordo com as pretensões de validade implícitas no proferimento linguístico. Ou seja, falantes e ouvintes encontram-se em uma situação de comum entendimento sobre a verdade do enunciado, sobre a adequação normativa do proferimento e sobre a veracidade do falante em relação ao que este está expressando. Essa situação de entendimento sobre as pretensões de validade de um jogo de linguagem é chamado por Habermas de consenso de fundo.93 Além da condição mínima de que, pelo menos, dois sujeitos linguística e interativamente competentes entendam o mesmo sobre uma expressão linguística, isto é, de que ela seja inteligível a ambos (pretensão de inteligibilidade), um ato de fala orientado ao entendimento levanta, segundo Habermas, três pretensões universais de validade94, quais

92 ROUANET, 1989, p. 24.

93 Cf. TACC, 1989, p. 98.

94 Em alguns textos, Habermas fala de três e, noutros, de quatro pretensões de validade implícitas em um ato de fala. Daí a confusão que alguns comentadores por vezes fazem, deixando o leitor desnorteado. Afinal, são três ou quatro as pretensões de validade distinguidas por Habermas, a partir de uma análise sobre os atos de fala? As duas respostas estão certas, desde que se façam as devidas distinções. Se se fala que Habermas distingue três pretensões de validade, então temos que deixar claro que há uma quarta que aparece pressuposta. A pretensão de inteligibilidade é pressuposta, pois é condição de possibilidade para que os atores compreendam o que se está dizendo. Se alguém só fala e compreende chinês, por exemplo, e o seu suposto oponente só fala e compreende português, então o entendimento torna-se impossível. O acordo sobre a pretensão de verdade, correção ou veracidade só é plausível se proponente e oponente falam a mesma língua. É por isso que se diz que a pretensão de inteligibilidade é um pressuposto para o entendimento. Se essa pretensão não estiver satisfeita, também não será

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sejam, pretensão de verdade, de correção e de veracidade. A pretensão de verdade consiste na comunicação de um conteúdo proposicional verdadeiro, e refere-se ao mundo objetivo enquanto totalidade dos estados de coisas. A pretensão de correção consiste na manifestação correta com relação a normas e valores intersubjetivamente reconhecidos, e refere-se a algo no mundo social comum, enquanto totalidade das relações interpessoais legitimamente reguladas. E, por fim, a pretensão de veracidade consiste na expressão das intenções de modo veraz, e refere-se a algo no mundo subjetivo enquanto totalidade das vivências subjetivas. Tais pretensões de validade são passíveis de críticas. Enquanto não houver objeção a nenhuma delas, por parte de nenhum dos interlocutores, o entendimento entre falante e ouvinte está plenamente satisfeito. Nessas condições, o mundo da vida, enquanto horizonte de saber não tematizado, continua sendo o contexto próprio das relações sociais. O falante obteve êxito com sua intenção comunicativa, pois o ouvinte compreendeu e aceitou a sua emissão linguística. Mais do que compreender o que está sendo dito, entender significa, para Habermas, aceitar as pretensões de validade implícitas no ato de fala. Um ouvinte, porém, pode não acreditar na verdade das afirmações, na veracidade do locutor ou na manifestação correta com relação às normas intersubjetivamente reconhecidas: “Quem rejeita a oferta feita com um ato de fala inteligível, questiona pelo menos uma dessas pretensões de validade”.95 Quando isso acontece, falante e ouvinte já não se encontram mais sob o horizonte do mundo da vida, ou seja, sob o horizonte das certezas e obviedades

possível o entendimento sobre qualquer uma das outras três pretensões de validade.

95 TAC, I, 1987, p. 394.

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inquestionadas, sob o horizonte do entendimento plenamente satisfeito. A intenção comunicativa do falante não ficou plenamente satisfeita, pois o ouvinte não aceitou pelo menos uma das pretensões de validade implícitas naquele ato de fala. Surge, assim, a necessidade de se resgatar a pretensão de validade, temporariamente suspensa, por meio de um discurso argumentativo96 racionalmente motivado. No entanto, diz Habermas, mesmo que os atos de fala orientados ao entendimento estejam sempre ligados a estas três pretensões de validade e a uma rede complexa de referências ao mundo, o falante quer que sua emissão seja entendida preferentemente sob um aspecto de validade específico. Este aspecto é definido pela parte ilocucionária do ato de fala.

Quando o falante faz um enunciado, conta algo, explica algo, expõe algo, prediz algo, ou discute algo etc., busca um acordo com o ouvinte sobre a base do reconhecimento de uma pretensão de verdade. Quando o falante emite uma oração de vivência, descobre, revela, confessa, manifesta etc., algo subjetivo, o acordo só pode produzir-se sobre a base do reconhecimento de uma pretensão de veracidade. Quando o falante dá uma ordem ou faz uma promessa, nomeia ou exorta alguém, compra algo, se casa com alguém etc., o acordo depende de que os participantes considerem normativamente correta a ação.97

96 Habermas entende por argumentação o “tipo de fala em que os participantes tematizam as pretensões de validade que se apresentam duvidosas e tratam de desempenhá-las ou de recusá-las por meio de argumentos. Uma argumentação contém razões que estão conectadas de forma sistemática com a pretensão de validade da manifestação ou emissão problematizadas. A força de uma argumentação mede-se num contexto dado pela pertinência das razões” (TAC, I, 1987, p. 37).

97 Id., p. 395.

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Nesse sentido, por meio de um enunciado constatativo, o falante tem, preferentemente, a pretensão de que sua afirmação encontre o assentimento de todos os possíveis concernidos sobre a verdade de sua emissão. Se pelo menos um dos envolvidos não concordar com a verdade do enunciado, então é necessário que seja restabelecido o entendimento98 por meio do discurso argumentativo. Nesse discurso, falantes procuram convencer seus oponentes da verdade de suas emissões, mediante a apresentação de razões (Gründe). Algo semelhante ocorre com a emissão de enunciados regulativos. Se, pelo menos, um ouvinte discorda da justeza da norma implícita no ato de fala, os atores já não se encontram mais no horizonte do mundo da vida, no horizonte do entendimento plenamente satisfeito. Surge, assim, a necessidade de se restabelecer o consenso de fundo por via do discurso racionalmente motivado. Aduzindo razões, o proponente tenta convencer seu oponente da adequação da norma implícita no seu ato de fala. Por último, por meio de enunciados expressivos ou representativos, os locutores estão alegando implicitamente que a expressão de seus sentimentos são verazes. Neste caso, porém, se um dos receptores do proferimento linguístico põe em questão a veracidade do locutor, não há como se restabelecer o entendimento por meio do discurso. O dissenso será superado espontaneamente na medida em que o locutor provar, pela consistência de seu comportamento, que de fato estava sendo sincero: “Que alguém pense sinceramente o que diz é algo a que só se pode dar

98 “Entendimento (Verständigung) significa a ‘obtenção de um acordo’ (Einigung) entre os participantes na comunicação acerca da validade de uma emissão; acordo (Einverständnis), o reconhecimento intersubjetivo da pretensão de validade que o falante vincula a ela” (TAC, II, 1987, p. 171).

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credibilidade pela consistência de suas ações, não pela indicação de razões”.99 Conforme Habermas, quanto mais um ato de fala orientado ao entendimento estiver ligado a apenas uma pretensão de validade, mais puro ele será. O interesse do autor é justamente com os casos puros ou idealizados de atos de fala, pois é a partir deles que ele desenvolve sua teoria consensual da verdade e sua proposta de fundamentação racional de normas, isto é, sua ética do discurso.100 Quando, nos atos de fala constatativos e regulativos, as correspondentes pretensões de validade são postas em dúvida, falantes e ouvintes já não se encontram mais sob o horizonte do mundo da vida, mas entram em uma situação de discurso. Por meio do discurso, procuram alcançar o consenso, reabilitando o entendimento por ora abalado.101 Apresentando bons argumentos (razões),

99 HABERMAS, 1989, p. 79.

100 Habermas alerta para o fato de que, para se obter um acordo, é regra da ação comunicativa que se reconheça ao menos implicitamente as outras duas pretensões de validade, além daquela que efetivamente está em questão, conforme os casos puros de atos de fala: “Um consenso não é possível quando, por exemplo, um ouvinte aceita a verdade de uma afirmação, mas põe simultaneamente em dúvida a veracidade do falante ou a adequação normativa de sua emissão; e o mesmo vale para o caso em que, por exemplo, um ouvinte aceita a validade normativa de uma ordem, mas põe em dúvida a seriedade do desejo que se expressa nessa ordem ou as pressuposições de existência anexas à ação que se lhe ordena (e com isso a executabilidade da ordem)” (TAC, II, 1987, p. 172). O consenso, portanto, só é possível na medida em que todas as pretensões de validade estiverem simultaneamente satisfeitas, ou seja, que o enunciado formulado seja verdadeiro, que ele seja correto relativamente a um contexto normativo existente e que a intenção manifesta pelo falante seja sincera.

101 O acordo sobre as pretensões de validade (verdade e correção) postas em dúvida é, em princípio, possível. A expressão em princípio significa, segundo Habermas, a seguinte reserva idealizadora: “que a argumentação seja suficientemente aberta e dure o tempo suficiente” (TAC, I, 1987, p. 69).

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proponentes e oponentes procuram entrar em um acordo sobre as pretensões de validade postas em dúvida. Os participantes do processo argumentativo procuram resgatar as pretensões de validade, temporariamente suspensas, por meio do discurso racionalmente motivado, isto é, por meio de um discurso no qual a única coação aceita é a do melhor argumento. Toda coação que provém de fora desse processo argumentativo deve ser, conforme Habermas, rigorosamente rejeitada. A única coação válida é a coação sem coações, exercida pela força do melhor argumento. Enquanto falantes e ouvintes estiverem em um comum acordo sobre as pretensões de validade levantadas em casos puros de atos de fala, movem-se sempre dentro do horizonte do mundo da vida. Porém, quando um ouvinte assume uma postura com um não frente a determinada pretensão de validade, entram no discurso para tentar chegar a um acordo sobre a pretensão de validade que se apresenta duvidosa. A tematização é sempre sobre algo no mundo (objetivo, social ou subjetivo). O mundo da vida é inacessível à tematização, mas, segundo o autor, em uma situação de discurso, ele aparece como contexto formador de horizonte dos processos de entendimento.102 Além desse contexto formador, o mundo da vida é o pano de fundo a partir do qual falantes e ouvintes podem entender-se: “As condições de validade das expressões simbólicas remetem a um saber de fundo, partilhado intersubjetivamente pela comunidade de comunicação”.103 O mundo da vida, como horizonte de saberes intersubjetivamente partilhados, é condição de possibilidade para a reabilitação do entendimento por meio da apresentação de razões. Assim, o conceito de mundo da vida torna-se um conceito complementário ao de ação comunicativa, pois possibilita aos participantes da

102 Cf. TACC, 1989, p. 494.

103 TAC, I, 1987, p. 31.

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comunicação a obtenção de um acordo acerca da validade de uma emissão. Considerando que só é possível desempenho discursivo sobre a pretensão de verdade e a pretensão de correção normativa, Habermas distingue duas formas de discurso. A fundamentação ou refutação da pretensão de verdade de um enunciado constatativo dá-se por meio do discurso teórico. Quando a pretensão de verdade de um proponente é posta em dúvida, a reabilitação do entendimento só é possível mediante um discurso teórico, que tem os diversos cânons da indução como critério para vencer a distância entre as observações singulares e as hipóteses universais de verdade. Em semelhante situação, proponentes e oponentes procurarão convencer uns aos outros das verdades de suas afirmações, por meio de uma argumentação racional.

Procurarão obter um novo consenso por intermédio da cooperação dos demais participantes do discurso, sem o recurso à coação ou a qualquer forma de manipulação do debate, buscando o entendimento com base no melhor argumento.104

Esse resgate da pretensão de verdade de um

enunciado assertórico, mediante a apresentação de argumentos pertinentes em um discurso teórico, constitui a essência da Teoria Consensual da Verdade, de Habermas. O discurso prático, por sua vez, consiste na reabilitação do comum entendimento sobre pretensões de validade normativas. Quando a pretensão de correção é questionada, entra-se em um discurso prático para se refutar ou fundamentar a legitimidade do uso da norma implícita no enunciado regulativo. Da mesma forma que, no discurso teórico, o processo argumentativo deve ser

104 FREITAG, 1992, p. 243.

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conduzido de forma racional, livre de toda e qualquer coação, de forma que prevaleça apenas a força do melhor argumento. Há uma suspensão temporária da legitimidade da norma em questão para que, por meio de um processo argumentativo, chegue-se ao consenso sobre a sua validade ou não. Tal consenso consiste em um processo de universalização do agir. Havendo o reconhecimento (aceitação) de todos os participantes da comunidade de comunicação, a máxima subjetiva de ação, para usar a expressão de Kant, passa a ter validade intersubjetiva, ou, se quisermos, passa a ter validade universal.105 Esse processo de resgate discursivo da validade de normas constitui a essência da Ética do Discurso e a expressão máxima da racionalidade ético-comunicativa de Habermas. O entendimento, como télos do agir comunicativo em discursos práticos e teóricos, só é possível mediante a pressuposição de uma situação ideal de fala em que falantes e ouvintes encontram-se sob uma igualdade de direitos. Habermas chama ideal

[...] a situação de fala em que as comunicações não só não vêm perturbadas por influxos externos

105 Habermas faz uma distinção entre o bom e o justo, entre enunciados valorativos e enunciados estritamente normativos. Para ele, “os valores culturais, diferentemente das normas de ação, não se apresentam com uma pretensão de universalidade. Os valores são no máximo candidatos a interpretações sob as que um círculo de afetados pode, chegado o caso, descrever um interesse comum e normá-lo. O reconhecimento intersubjetivo que se forma em torno dos valores culturais não implica de modo algum uma pretensão de aceitabilidade culturalmente geral ou mesmo universal” (TAC, I, 1987, p. 39-40). Os valores culturais encontram-se tão ligados a uma forma de vida particular que não podem pretender validade normativa no sentido estrito. Só os enunciados normativos podem pretender validade universal. Os enunciados valorativos restringem-se às vivências de um determinado mundo da vida e por isso não podem ser debatidos com perspectivas de consenso (cf. tb. HABERMAS, 1989, p. 126-7).

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contingentes, como tampouco por coações que resultam da própria estrutura da comunicação. [...] E a estrutura da comunicação deixa de gerar coações só se para todos os participantes no discurso está dada uma distribuição simétrica das oportunidades de eleger e executar atos de fala.106

Esta condição de universal simetria é condição de

possibilidade para alcançar-se um consenso discursivo racionalmente motivado. Em cada discurso já sempre tem de estar antecipada contrafaticamente a situação ideal de fala, como condição de possibilidade de todo consenso alcançado racionalmente.107 Um consenso racional só pode ser distinguido de um consenso enganoso por referência à situação ideal de fala. Se ela não estiver já pressuposta no discurso (prático ou teórico), o único consenso possível é o consenso imposto (enganoso). A situação ideal de fala não é, segundo Habermas, um fenômeno empírico ou um conceito existente (no sentido de Hegel), nem uma simples construção ou um princípio regulador (no sentido de Kant). Ela é “[...] uma suposição inevitável que reciprocamente nos fazemos nos discursos”.108 A situação ideal de fala tem de estar antecipada nos discursos orientados ao entendimento para que o consenso, faticamente alcançado, possa ser reconhecido como racional e não como um consenso imposto. O consenso resultante de um discurso no qual a situação ideal de fala foi desrespeitada é um consenso inválido, um consenso não suficientemente fundado.

106 TACC, 1989, p. 153.

107 Cf. id., p. 105.

108 Id., p.155.

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2.3 O princípio “U” como princípio moral Como se sabe, por meio de um proferimento linguístico, o proponente levanta preferentemente uma pretensão de validade universal. Com a execução do proferimento, o proponente está lançando ao ar a tentativa de objetivação de sua expectativa pessoal. Mediante o sim de todos os participantes da comunicação, há uma confirmação da expectativa particular, e esta passa a ter validade intersubjetiva. Mediante o não de algum dos ouvintes, a expectativa pessoal do falante não alcança objetivação, ou seja, não consegue aprovação para passar da singularidade à universalidade, pois pelo menos um dos ouvintes não concorda com a expectativa do proponente. Se o oponente questiona a pretensão de verdade do autor de um enunciado constatativo, recorre-se ao discurso teórico para tentar-se alcançar um acordo e restabelecer, assim, o entendimento que se encontra perturbado. Se a pretensão de correção normativa do autor de um enunciado regulativo é questionada, recorre-se ao discurso prático e tenta-se um acordo sobre a legitimidade da norma implícita naquele ato de fala. O restabelecimento do entendimento mútuo sobre pretensões de validade, por meio do discurso argumentativo, consiste em um processo de universalização das expectativas subjetivas. Ora, diz Habermas,

no discurso teórico, a ponte que serve para vencer a distância entre as observações singulares e as hipóteses universais é lançada por diversos cânons da indução. No discurso prático, é preciso um princípio-ponte correspondente.109

109 HABERMAS, 1989, p. 84.

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Nos discursos práticos não se tem um princípio que assegure a passagem da expectativa normativa singular para a validade universal da norma.110 Daí a necessidade, segundo Habermas, de introduzir-se na lógica da argumentação moral “[...] um princípio moral que, enquanto regra da argumentação, desempenha um papel equivalente ao do princípio da indução no Discurso da ciência empírica”.111 A elaboração de semelhante princípio fará com que a ética do discurso mantenha o caráter impessoal e universal dos mandamentos morais válidos da ética kantiana, aspectos esses priorizados por Habermas. A universalidade na proposta habermasiana de fundamentação racional da ética, da mesma forma que, em Kant, é condição de validade das normas morais, pois as normas que não encontrarem o assentimento de todos os possíveis concernidos serão excluídas como inválidas. Nesse sentido,

o princípio-ponte possibilitador do consenso deve [...] assegurar que somente sejam aceitas como válidas as normas que exprimem uma vontade universal; é preciso que elas se prestem, para usar a fórmula que Kant repete sempre, a uma lei universal.112

Habermas, porém, vai mais longe do que Kant ao

compreender que a exigência de universalização não é condição suficiente para a validação de normas morais, pois poderíamos universalizar e, consequentemente, legitimar normas de ação imorais agindo corretamente, isto é,

110 A validade universal de uma norma é consequência do reconhecimento intersubjetivo da correspondente pretensão normativa, pela via do discurso prático racionalmente motivado.

111 HABERMAS, 1989, p. 84.

112 Id., ibid.

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analisando solipsisticamente (ou em um grupo restrito de pessoas) quais máximas de ação poderiam ser universalizadas. Se a universalização fosse o único critério para a validação de normas morais, então normas inaceitáveis também poderiam ser legitimadas. Este risco é evitado pela ética do discurso na medida em que ela transfere o procedimento de validação de normas morais, do sujeito solipsista, para a comunidade do discurso de todos os sujeitos capazes de linguagem e ação. Com efeito, a ideia fundamental da ética do discurso exprime-se pelo princípio do discurso “D”, que diz: “Só podem reclamar validez as normas que encontrem (ou possam encontrar) o assentimento de todos os concernidos enquanto participantes de um Discurso prático”.113 Segundo este princípio, a legitimação de normas morais não depende da análise de um ou de alguns indivíduos sobre a possibilidade de universalização da norma subjetiva de ação (máxima), mas do assentimento de todos os possíveis concernidos. A validade de uma norma não é estabelecida por meio de um procedimento monológico, em que o ator solipsisticamente analisa e avalia quais máximas podem ter validade universal, mas por um procedimento dialógico de formação imparcial do juízo em meio a um discurso prático.

Ao invés de prescrever a todos os demais como válida uma máxima que eu quero que seja uma lei universal, tenho que apresentar minha máxima a todos os demais para o exame discursivo de sua pretensão de universalidade. O peso desloca-se daquilo que cada (indivíduo) pode querer sem contradição como lei universal para aquilo que todos querem de comum acordo reconhecer como norma universal.114

113 Id., p. 116.

114 MCCARTHY apud HABERMAS, 1989, p. 88.

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A imparcialidade, para Habermas, implica o assentimento universal e não o assentimento de alguns ou de um determinado grupo de indivíduos. Restringir a validade de uma norma a determinado grupo de indivíduos é condição insuficiente, pois poder-se-ia conferir essa mesma forma a mandamentos imorais – determinada norma poderia ser válida para um grupo, mas não para outro. A exigência seria demasiado restritiva, pois normas não morais poderiam ser tomadas por objeto de um discurso prático e submetidas ao teste de universalização (relativamente ao círculo dos concernidos).115 Os interesses pessoais daquele grupo poderiam estar tranquilamente satisfeitos, mas não os interesses de todas as outras formas de vida, o que, conforme a proposta de Habermas, invalida as correspondentes normas morais. Nos discursos práticos, proponentes e oponentes têm de levar em conta não só os interesses próprios, mas também os interesses de todos os possíveis concernidos que não se encontram presentes no contexto real do discurso. O Eu e o Tu argumentantes têm de levar em conta o Ele, que representa todos os argumentantes potenciais, de forma que a norma consensuada possa ser universalmente válida. Uma norma só é válida se qualquer indivíduo potencial, que tomasse o lugar dos argumentantes reais, pudesse perceber seus interesses plenamente satisfeitos e, consequentemente, aceitar tal norma como válida. A condição de validade de uma norma é, pois, o potencial assentimento de todos os indivíduos, tanto dos que se encontram efetivamente no discurso como dos que não se encontram nessa situação real de argumentação.116

115 Cf. HABERMAS, 1989, p. 85.

116 Ao grupo dos argumentantes potenciais, Karl O. Apel chamou comunidade ideal de comunicação; ao grupo dos argumentantes reais, comunidade real de comunicação (cf. APEL, 1994, p. 190). Assim, no contexto do discurso prático, a comunidade ideal de comunicação tem

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Nesse sentido, como regra de argumentação para qualquer discurso que pretender legitimar normas morais, Habermas introduz o princípio de universalização “U”, que diz:

Toda norma válida tem que preencher a condição de que as consequências e efeitos colaterais, que previsivelmente resultem de sua observância universal, para a satisfação dos interesses de todo indivíduo, possam ser aceitos sem coação por todos os concernidos.117

Este é o princípio que deverá servir de ponte, em

discursos práticos, para vencer a distância entre as pretensões normativas subjetivas e a validade universal das mesmas. No âmbito do discurso prático, o consenso encontra-se perturbado e precisa ser restabelecido a partir de uma reflexão argumentativa sobre a norma controversa:

Ao entrarem numa argumentação moral os participantes prosseguem seu agir comunicativo numa atitude reflexiva com o objetivo de restaurar um consenso perturbado. As argumentações morais servem, pois, para dirimir consensualmente os conflitos da ação.118

Conforme o autor, a reabilitação do consenso,

porém, só é possível se o discurso for conduzido segundo o princípio moral acima exposto. Daí que o princípio “U”,

de estar antecipada contrafaticamente pela comunidade real de comunicação. Isso vale também para o discurso teórico, que visa ao entendimento consensual sobre enunciados constatativos.

117 HABERMAS, 1989, p.147. Formulações semelhantes também aparecem nas páginas 86 e 116.

118 HABERMAS, 1989, p.87.

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enquanto regra da argumentação moral, é o princípio possibilitador do consenso. Qualquer argumentação que pretender validar normas morais tem de ter o princípio da universalização como regra. Ele é o critério para validação de normas, pois a norma que não puder alcançar o assentimento de todos os possíveis concernidos é rejeitada como inválida. O princípio “U” exclui, como não suscetíveis de consenso, todas as normas que encarnam interesses particulares, isto é, interesses não suscetíveis de universalização. Não basta, segundo Habermas, que alguns indivíduos examinem e decidam sobre a entrada em vigor de uma norma relativamente às consequências e efeitos colaterais do seguimento geral da mesma, mas é necessário um acordo consensual sobre a norma controversa. A pretensão normativa que não alcançar o assentimento de todos não pode ser aceita como válida, pois não preenche os requisitos exigidos por “D” e “U”. Com a introdução de “U”, como regra de argumentação em discursos práticos, Habermas afirma que o sucesso da ética do discurso depende da fundamentação com validade do princípio-ponte “U”. A questão da fundamentação do princípio da universalização torna-se, assim, uma das questões centrais da proposta habermasiana de fundamentação racional de normas morais. Cláudio Dalbosco retrata muito bem a importância desse aspecto:

pode-se dizer, sem exagero de linguagem, que toda a possibilidade de sucesso da ética do discurso, enquanto proposta de tematização da moral, concentra-se em torno da fundamentação do princípio da universalização. Se a ética do discurso fracassa neste ponto, compromete toda sua proposta.119

119 DALBOSCO, 1996, p. 86.

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A princípio, a possibilidade de fundamentação de um princípio de universalização parece inacessível, pois, conforme Habermas, não foram poucas as tentativas de cognitivistas éticos que se empenharam nessa tarefa sem sucesso. Por outro lado, para acentuar ainda mais a aparente impossibilidade de fundamentação de um princípio de universalização, o cognitivista ético defronta-se com o argumento desenvolvido, por Hans Albert, no Tratado da razão crítica (1968). Mediante o chamado trilema de Münchhausen, H. Albert procura mostrar que toda tentativa de fundamentação, e isso vale também para princípios morais,

[...] consiste em ter de escolher entre três alternativas igualmente inaceitáveis, a saber, ou admitir um regresso infinito, ou romper arbitrariamente a cadeia da derivação ou, finalmente, proceder em círculos.120

Para Habermas, porém, o citado trilema não atinge

nem o princípio da indução dos discursos teóricos nem o princípio da universalização dos discursos práticos, pois pressupõe um conceito semântico de fundamentação, que não é caso. O trilema só é aplicável a relações dedutivas entre proposições, isto é, a relações proposicionais que implicam conclusões lógicas. Conforme Habermas, os princípios da indução e universalização só foram introduzidos como regras da argumentação para vencer o hiato lógico em relações não dedutivas, ou seja, para vencer a distância entre observações singulares e sua verdade intersubjetivamente reconhecida, entre pretensões normativas subjetivas e a validade universal das referidas normas. Por isso, diz Habermas, “não se deve esperar para

120 HABERMAS, 1989, p. 101.

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esses princípios-ponte eles próprios uma fundamentação dedutiva, que é a única admitida no trilema de Münchhausen”.121 A possibilidade de fundamentação do princípio da universalização renasce com o pensamento de Apel. Nas palavras de Habermas,

[...] cabe sobretudo a K. O. Apel o mérito de haver desobstruído a dimensão entrementes soterrada da fundamentação não dedutiva das normas éticas básicas. Apel renova o modo de fundamentação transcendental com os meios fornecidos pela pragmática linguística.122

Utilizando-se do conceito de contradição

performativa123, Apel mostra a inconsistência da tese do falibilista, qual seja, a da impossibilidade da fundamentação de princípios morais. Vejamos o argumento. O falibilista, que contesta a possibilidade da fundamentação de princípios morais, é gentilmente convidado, pelo cognitivista ético, a apresentar razões para sustentar a sua pretensão de verdade. Ao apresentar razões, o falibilista engaja-se na argumentação com a qual faz pressuposições que são inevitáveis em qualquer jogo argumentativo voltado ao exame crítico, cujo conteúdo proposicional (das pressuposições) contradiz o próprio enunciado asserido pelo falibilista. A afirmação ‘toda tentativa de fundamentar princípios universalmente válidos é desprovida de sentido’ é negada pelo conteúdo proposicional das pressuposições do jogo argumentativo. O falibilista, ao

121 Id., p. 101-2.

122 Id., p. 102.

123 A contradição performativa, usada por Apel, “[...] surge quando um ato de fala constatativo ‘Cp’ se baseia em pressuposições não contingentes cujo conteúdo proposicional contradiz o enunciado asserido ‘p’” (HABERMAS, 1989, p. 102).

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apresentar sua objeção ao cognitivista ético, pressupõe inevitavelmente a validade de um conjunto mínimo de regras lógicas que não podem ser negadas por ele, caso esteja argumentando seriamente. Tal constatação contradiz a própria tese da impossibilidade de fundamentarem-se princípios morais universalmente válidos. Esse tipo de contradição chama-se contradição performativa e deve ser evitada em qualquer argumentação que pretende validade. Para Apel, a situação da argumentação é irretrocedível. Com efeito, todo aquele que quiser negar a possibilidade de fundamentação de princípios morais engaja-se em uma argumentação ou fica reduzido ao estado de planta, situação na qual nada é negado. Se não quiser ficar reduzido ao estado de planta, o falibilista tem de entrar no jogo argumentativo. Ao argumentar, ele pressupõe uma lógica mínima que compreende aquelas regras que não podem ser negadas sem cometer-se uma autocontradição. Segundo Habermas, a regra da contradição performativa a ser evitada, apresentada por Apel, não é aplicável somente a atos de fala e argumentos isolados, mas é aplicável ao discurso argumentativo como um todo. Este é o ponto de partida da fundamentação do princípio “U”, que deve funcionar como regra da argumentação em discursos práticos. “A fundamentação exigida do princípio moral proposto poderia, por conseguinte, assumir a forma de que toda argumentação, não importa o contexto em que é levada a cabo, se baseia em pressuposições pragmáticas, de cujo conteúdo proposicional pode-se derivar o princípio de universalização ‘U’”.124 Habermas abandona a tentativa tradicionalista de fundamentação dedutiva de últimos princípios e volta-se para a explicação de pressuposições incontornáveis, das quais afirma derivar o princípio “U”. A fundamentação de “U” é, pois, uma fundamentação

124 Id., p. 104.

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pragmático-transcendental e não uma fundamentação lógico-dedutiva. Habermas, seguindo o cânon aristotélico, distingue três planos de pressupostos argumentativos, os quais se representam pelas regras formuladas originalmente por R. Alexy, a saber: a) Plano lógico-semântico

(1.1) A nenhum falante é lícito contradizer-se; (1.2) Todo falante que aplicar um predicado F a um objeto a tem que estar disposto a aplicar F a qualquer outro objeto que se assemelhe a a sob todos os aspectos relevantes; (1.3) Não é lícito aos diferentes falantes usar a mesma expressão em sentidos diferentes.125

b) Plano dialético dos procedimentos

(2.1) A todo falante só é lícito afirmar aquilo em que ele próprio acredita; (2.2) Quem atacar um enunciado ou norma que não for objeto da discussão tem que indicar uma razão para isso.126

c) Plano retórico dos processos

(3.1) É lícito a todo sujeito capaz de falar e agir participar de Discursos; (3.2) a. É lícito a qualquer um problematizar qualquer asserção; b. É lícito a qualquer um introduzir qualquer asserção no Discurso;

125 Id., p. 110.

126 Id., p. 111.

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c. É lícito a qualquer um manifestar suas atitudes, desejos e necessidades; (3.3) Não é lícito impedir falante algum, por uma coerção exercida dentro ou fora do Discurso, de valer-se de seus direitos estabelecidos em [c.1] e [c.2].127

As regras do plano lógico-semântico regulam as condições de sentido das argumentações. As regras do plano dialético dos procedimentos têm por objeto regular as condições de sinceridade dos argumentantes. Ambos os planos não fornecem nenhum ponto de partida apropriado para a fundamentação de “U”, que deve funcionar como regra da argumentação moral. Contudo, tanto as condições de sentido como as condições de sinceridade têm de estar satisfeitas para que uma argumentação tenha validade. Se uma dessas condições não estiver satisfeita, a argumentação não pode ser caracterizada como um discurso sério, como uma argumentação que pretende validade. É no plano retórico dos processos que Habermas encontra o ponto de partida apropriado para a fundamentação de “U”, recorrendo ao argumento pragmático-transcendental de Apel. Nesse plano situam-se as regras que determinam os requisitos de participação dos falantes em um discurso prático. Elas asseguram, a todos os sujeitos que disponham de capacidade argumentativa, o direito de acesso ao Discurso (3.1), o direito da igualdade de chances (3.2) e a exigência de condições de comunicação que assegurem os direitos anteriores (3.3). É dessas pressuposições argumentativas procedimentais que Habermas deriva o princípio de universalização “U”:128

127 Id., p. 112.

128 Dado que o princípio “U” deve funcionar como regra de argumentação em discursos práticos, ele só poderia ser derivado do plano dos pressupostos argumentativos procedimentais. Os outros dois planos de pressupostos também têm de estar satisfeitos para que a

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Se todos os que entram em argumentações têm que fazer, entre outras coisas, pressuposições cujo conteúdo pode ser apresentado sob a forma das regras do Discurso (3.1) a (3.3); e se, além disso compreendemos as normas justificadas como regrando matérias sociais no interesse comum de todas as pessoas possivelmente concernidas, então todos os que empreendem seriamente a tentativa de resgatar discursivamente pretensões de validade normativas aceitam intuitivamente condições de procedimento que equivalem a um reconhecimento implícito de ‘U’129.

Nesse sentido, quem quiser negar a validade de “U”

cai em contradição performativa. Pois, ao entrar no discurso para negar a validade do princípio “U”, o falibilista teria que negar, além de outros, os pressupostos argumentativos procedimentais (terceiro plano), o que invalidaria a sua participação no discurso.130 O princípio “U”, portanto, é fundamentado “[...] por via da derivação pragmático-transcendental a partir de pressuposições argumentativas [...]”.131 Como condições de possibilidade do próprio discurso, os pressupostos argumentativos são irretrocedíveis. Eles não resultam de meras convenções, mas quem se põe a argumentar de forma racional já as aceitou implicitamente. Negá-las implica cair em contradição performativa, pois sempre que

argumentação tenha validade, mas o princípio “U” é derivado especificamente das pressuposições procedimentais.

129 HABERMAS, 1989, p. 115-6.

130 Conforme Rouanet (1989, p. 35), mediante a fundamentação do princípio da universalização, a partir dos pressupostos da argumentação, Habermas superou Kant que, com todo o seu rigor teórico, limitou-se a dizer que o imperativo categórico se fundava em um fato da razão.

131 HABERMAS, 1989, p. 116.

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argumentamos moralmente estamos apoiados neste saber intuitivo. Com efeito, o critério a ser seguido em procedimentos discursivos de fundamentação é evitar a autocontradição performativa, ou seja, no dizer de Apel, com o que concorda Habermas,

aquilo que não posso contestar sem cometer uma autocontradição atual e, ao mesmo tempo, não posso fundamentar dedutivamente sem uma petitio principii lógico-formal pertence àquelas pressuposições pragmático-transcendentais da argumentação, que é preciso ter reconhecido desde sempre, caso o jogo de linguagem da argumentação deva conservar seu sentido.132

A fundamentação do princípio “U”, demonstrada pelo recurso ao argumento pragmático-transcendental de Apel, completa a proposta habermasiana de legitimação de normas morais. Enquanto “D” exprime a ideia fundamental de uma teoria moral, mas não pertence à lógica do discurso prático, o princípio “U” funciona como regra da argumentação moral. Ele é o único princípio moral da proposta de Habermas e consiste em um critério de validação intersubjetiva de normas morais. Os sujeitos têm de sustentar suas pretensões de validade normativas de forma que obtenham o reconhecimento de todos os possíveis concernidos. Mais do que isto, diz Habermas, uma norma controversa só pode encontrar o assentimento de todos se o discurso prático for dirigido segundo o princípio “U”. Somente mediante esse reconhecimento mútuo é que a pretensão normativa subjetiva passa a valer como norma moral universal. Com essa rápida exposição dos elementos constitutivos da proposta de Habermas, podemos agora analisar se a herança kantiana, de fornecer uma proposta

132 APEL apud HABERMAS, 1989, p. 104.

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ética puramente procedurística, implica também normas morais de universalidade absoluta ou, se elas, dependendo das circunstâncias, são passíveis de reformulação. Se essa última hipótese for sustentável, a proposta de Habermas representa um avanço em relação à proposta de Kant, pois, para este último, as normas morais validadas pelo princípio da moralidade não permitem exceção alguma. Uma vez válida, a norma é válida para sempre e todas as vezes que se queira reformulá-la, com base no imperativo categórico, chegar-se-á sempre ao mesmo resultado. 2.4 Habermas e o puro procedimentalismo O princípio “U” deve ser distinguido, segundo Habermas, de quaisquer princípios ou normas conteudísticas e do conteúdo normativo das pressuposições da argumentação. Ele é puramente formal, pois indica apenas o procedimento a ser seguido para a legitimação de normas morais universalmente válidas. O objetivo de Habermas, da mesma forma que o de Kant, está voltado apenas à validação de normas morais, e não à elaboração ou vigência social de normas. Isso fica bastante claro em uma de suas discussões com Tugendhat: “Quando se confunde a dimensão da validade das normas, sobre as quais os proponentes e os oponentes podem disputar com base em razões, com a validez social das normas que estão de fato em vigor, a validez deôntica é privada de seu sentido autônomo”.133 Na argumentação contra Tugendhat, Habermas afirma que este não consegue manter de pé tal distinção, pois, em vez do jogo argumentativo, reserva as condições de validade a uma análise semântica; em vez da intersubjetividade, proporcionada pela prática discursiva, o processo da justificação de normas fica reduzido a um

133 HABERMAS, 1989, p. 95.

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processo de comunicação contingente e desligado de toda referência à validade.134 No texto Atingem as objeções de Hegel a Kant também a ética do discurso?, Habermas, tomando para si a crítica de Hegel ao puro formalismo kantiano, afirma que nem ele nem Kant merecem tal acusação. Pois entendem que a tarefa do teórico moral não é a de elaborar normas morais, senão apenas a de indicar o procedimento a ser seguido para legitimá-las. Os princípios morais não fornecem normas conteudísticas, mas tratam da questão “[...] de se todos podemos querer que uma determinada norma pode cobrar nas circunstâncias dadas uma obrigatoriedade geral”.135 Kant apresentou o imperativo categórico como princípio de fundamentação do julgar e agir moral. Habermas formulou o princípio “U” como princípio de legitimação de normas morais. Ambos os princípios são fornecidos de forma a priori e, como tais, não fornecem nenhum conteúdo moral, mas têm por objeto apenas indicar o procedimento a ser seguido para o agir moral. Se se toma a crítica de Hegel de forma literal, perceber-se-á que ela não é tão forte quanto a princípio ela parece ser, pois é possível mostrar que em ambas as propostas há espaço para a introdução de princípios conteudísticos (normas). Ou seja, é possível mostrar que ambas as propostas não permanecem apenas no como se deve proceder, mas, por meio dos procedimentos indicados, é possível saber o que se deve fazer para agir com mérito moral. Em Kant, como vimos no capítulo anterior, quando em uma situação concreta nos encontramos frente a um dilema moral, basta perguntar-se a si mesmo se aquela máxima de ação pode ser universalizada sem contradições. Se isso for possível, a máxima passa a assumir também o estatuto de norma moral objetiva, fundamentada solipsisticamente. Em

134 Cf. id., ibid.

135 HABERMAS, 1991, p. 115.

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Habermas, diferentemente de Kant, a fundamentação de normas morais dá-se dentro de uma comunidade de comunicação. As normas provêm do mundo da vida, que é o âmbito real no qual os sujeitos efetivamente se situam. Neste âmbito encontram-se pretensões normativas subjetivas repletas de conteúdo que, passando pelo crivo de “U”, obtêm reconhecimento intersubjetivo e, assim, passam também à validade objetiva. Essa passagem de normas conteudísticas subjetivas para normas objetivas, cuja validade é garantida pelos respectivos princípios de universalização – imperativo categórico em Kant e princípio de universalização em Habermas –, invalidaria a objeção hegeliana do vazio formalismo. Contudo, a crítica de Hegel não se restringe apenas ao aspecto puramente formal do único princípio da proposta de Kant nem supostamente apenas ao aspecto formal do princípio “U” de Habermas. Entretanto, não quero ater-me, aqui, às diferenças entre o pensamento de Hegel e as éticas do tipo kantianas, mas pode-se dizer com segurança que a proposta de sistema de Hegel é muito mais ampla e abrangente que as propostas de Kant e de Habermas, pois, para aquele, a verdade é o todo. Voltarei a essa ideia no último capítulo, onde falarei sobre o Projeto de Sistema de Cirne Lima, com o qual o autor pretende corrigir o erro do necessitarismo do sistema hegeliano. Habermas, da mesma forma que Kant, afirma que o teórico moral não deve ocupar-se com os conteúdos das normas morais nem com a aplicação social das mesmas. Para ele, o trabalho do filósofo deve ser apenas o de proporcionar o procedimento a ser seguido para a legitimação de normas morais. Mas será que a despreocupação com os conteúdos morais não leva essa proposta ao mesmo problema da proposta de Kant? A indicação de um puro procedimentalismo não a leva também ao problema da validade universal absoluta de normas morais?

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Osvaldo Guariglia, em Moralidad: ética universalista y sujeto moral, afirma que

[...] o exame dos procedimentos puramente formais, de Kant a Habermas, leva a um resultado negativo: não é possível determinar por meio do procedimento exclusivamente formal a correção ou incorreção moral de uma norma”.136

O caráter puramente formal do princípio de

universalização não pode fundamentar norma alguma, pois só estabelece o alcance universal de determinada ação geral. Da mesma forma que o princípio de não contradição não garante a verdade das proposições que se ajustam a ele – pois uma proposição pode ser não contraditória e falsa –, a universalidade formal não garante o aspecto moral da norma, pois uma norma pode ser formalmente correta, mas imoral.137 A exemplo das propostas de Kant, Habermas e Singer (proposta esta que será brevemente esboçada no capítulo terceiro), Guariglia também se ocupa com a tarefa de elaborar um critério que sirva de fundamento para o agir humano. Esse critério é o princípio de universalização, que Guariglia considera como “[...] um esquema lógico-prático sobre o qual se apoiam, como sobre uma garantia última, os juízos morais particulares”.138 Adotando a definição de princípio, apresentada por Singer, o autor afirma que o princípio da universalização é pressuposto por todo juízo moral genuíno. Além disso, afirma ser uma característica essencial do raciocínio moral, pois é pressuposto em toda tentativa de se dar uma razão para um juízo moral. Assim, diz Guariglia, somente mediante a análise dos nossos juízos

136 GUARIGLIA, 1996, p. 156.

137 Cf. id., p. 155-6.

138 Id., p. 22.

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morais cotidianos, verificando o princípio que todos eles pressupõem e sobre o qual se sustentam, pode-se provar a existência de um tal princípio.139 Mediante a apresentação de um exemplo de juízo moral, que deve representar os nossos juízos morais habituais, Guariglia fornece a seguinte formulação para o princípio de universalização:

[U] Se F, com a propriedade b, não deve fr (ou não fr) a G ou H, com as propriedades c ou d nas circunstâncias x, então G, com a propriedade b, não deve fr (ou não fr) a F ou H, com as propriedades c ou d nas circunstâncias x ou similares a x em todos os aspectos relevantes.140

Segundo o autor, os elementos “F, G, H” são

variáveis de pessoas; “b, c, d” são variáveis de propriedades gerais que delimitam classes ou conjuntos de pessoas; “não deve” equivale à proibição da ação específica em questão; “não fr” é uma variável de omissões que afetam indivíduos distintos do agente; e “x”, uma variável para circunstâncias que afetam incidentalmente a ação.141 De acordo com Guariglia, a correta aplicação do princípio de universalização depende de um conjunto de regras adicionais, de caráter semântico e pragmático. Para o autor, as regras que devem legitimar a substituição das variáveis do princípio de universalização são sempre pressupostas por aquele princípio. Sem elas, o funcionamento do princípio de universalização, isto é, sua correta aplicação a normas ou ações específicas tornar-se-ia duvidosa. Entretanto, não vou me ater ao detalhamento dessas regras, pois por ora não é esse o objetivo.

139 Cf. id., p. 23.

140 Id., p. 26 e 153.

141 Cf. id., p. 26-8.

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Segundo Guariglia, o caráter formal lógico-semântico do princípio de universalização não pode fornecer nenhuma fundamentação para normas, pois só estabelece o alcance universal de determinada ação geral. Conforme o autor, pode haver normas que, mesmo sendo formalmente corretas, são imorais. Observemos os seguintes princípios substanciais:

(I) Ninguém deve forçar outra pessoa a realizar um ato contra sua vontade para benefício do agente.142 (II) Uma pessoa qualquer tem licença para forçar outra pessoa qualquer a realizar um ato contra sua vontade para benefício próprio.143

Conforme Guariglia, são exemplos opostos contraditórios, de forma que, se um é válido, o outro é necessariamente inválido. Mesmo sendo excludentes, ambos os princípios satisfazem as condições de simetria e reciprocidade exigidos pelo princípio de universalização. Tanto (I) como (II) são normas materiais formalmente corretas, mas é evidente que (II) é imoral. É certo que sob a perspectiva da terceira pessoa, quem julga moralmente, só pode aceitar (I) como princípio universal, mas isso não é determinado pelo princípio de universalização. A escolha entre dois princípios materiais como (I) e (II) requer, segundo Guariglia, critérios que não sejam meramente formais.144 O princípio da universalização, que é puramente formal, desempenha nas questões práticas uma função semelhante à do princípio de não contradição nas argumentações teóricas. Este último garante a falsidade dos argumentos que o infringem, mas não garante a verdade

142 Id., p. 58.

143 Id., p. 59.

144 Cf. id., p. 59-61.

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daqueles argumentos que o satisfazem. Da mesma forma, diz o autor, o princípio da universalização determina a incorreção das normas que desrespeitam as relações de simetria, mas não garante a correção daquelas que o satisfazem. Tal é o caso do princípio (II) supracitado, pois ele é formalmente correto, mas evidentemente imoral.145 Percebe-se, assim, segundo Guariglia, que não se deve propor princípios puramente formais nem postular de forma lisa ou plana princípios substantivos da moralidade, pois ambos os aspectos precisam andar juntos. Para ele, o grande erro de Habermas consiste em aceitar, como ponto de partida, a completa disjunção entre uma ética formal e uma ética do bem. No seu entender, uma boa proposta ética não se pode sustentar exclusivamente em regras de procedimento, mas deve possuir também princípios materiais. Daí o seu empenho em desenvolver uma via alternativa ao puro formalismo (pragmático de Habermas e semântico de Hare) e ao puro construtivismo (de John Rawls):

A meu juízo, é possível reunir um certo procedimentalismo dialógico, por um lado, com a postulação de princípios substantivos de justiça como conteúdos universais, por outro, que são aqueles princípios que todo participante racional se vê constrangido a admitir, ao enfrentar-se com uma alternativa que envolve postulados contraditórios.146

O objetivo de Guariglia, portanto, não está

satisfeito com o estabelecimento do princípio meramente formal de universalização, mas, paralelamente a este, procura estabelecer também princípios materiais. No nosso

145 Cf. id., p. 60 e 156.

146 Id., p. 147.

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modo de entender, a intenção é boa, mas sua proposta ainda não está suficientemente clara. Não vou aprofundar a discussão sobre essa proposta, pois o objetivo era apenas o de mostrar a crítica que Guariglia faz às propostas que apresentam princípios puramente formais como critérios de fundamentação do agir moral. Além da crítica de Guariglia, entendo que, se concordarmos com Habermas de que a preocupação do teórico moral deve ser apenas com o procedimento de fundamentação e não com as normas elas mesmas, teremos que nos contentar com um paradigma que se assemelha à proposta kantiana de fundamentação. É esse o risco que Habermas corre ao afirmar que sua proposta é puramente procedurística (formal), uma proposta que não trabalha com as normas morais elas mesmas, senão que apenas procura indicar o procedimento a ser seguido para legitimá-las. A proposta de fundamentação de normas universalmente válidas precisa ter em conta, não só o conteúdo proposicional das normas, mas também a relação desse com a historicidade. Caso contrário, as normas legitimadas revelam-se absolutas, o que em determinadas circunstâncias pode justificar a realização de ações inadmissíveis. Entretanto, a suspeita levantada não se confirma, na proposta de Habermas, da mesma maneira como acontece na proposta de Kant. Pois, por um lado, o próprio princípio “U” pressupõe que o discurso prático verse sobre pretensões normativas (conteúdos), provenientes do mundo da vida, do contexto concreto dos interesses dos participantes da comunicação. Os conteúdos não são abstraídos (separados) da realidade empírica para, a partir daí, serem submetidos ao teste da universalização. Na minha interpretação, isso acontece em Kant, mas não na proposta de Habermas, pois o discurso prático é sobre pretensões normativas subjetivas que revelam sempre interesses fáticos. Satisfeitos os interesses de todos os

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possíveis concernidos com base em razões, aquele conteúdo normativo subjetivo passa a valer objetivamente como norma moral, embora esteja constantemente sujeita à tematização147, o que revela contingência nessa proposta ética. Por outro lado, as razões (Gründe) apresentadas para refutar ou fundamentar-se determinada pretensão de validade normativa provêm do contexto concreto dos agentes da roda do discurso. Isso tudo mostra que a proposta de Habermas não permanece em um mero formalismo, pois tanto as pretensões normativas quanto as razões (Gründe) apresentadas na roda do discurso revelam conteúdo empírico. A questão que, no entanto, de imediato surge é: dado que os princípios “U” e “D” são princípios puramente formais, princípios que não trabalham com conteúdos normativos, o que são essas razões (Gründe)? Como é que as boas razões podem ser o fundamento do consenso sobre normas controversas, se os únicos princípios apresentados por Habermas são os princípios “U” e “D”? Dado que “U” e “D” são meramente procedimentais, qual é o fundamento, ou seja, qual é o critério para se distinguir razões válidas de razões não válidas? A hipótese mais provável é a de que Habermas faz uso de um terceiro princípio, que ele não identifica, mas que não é nem o princípio “U” nem o princípio “D”. Segundo Cirne Lima, se a proposta de Habermas se sustentar apenas nos princípios “U” e “D”, ela fica frágil e não funciona. A modo de ilustração, observemos o seguinte exemplo. Para se saber se a máxima ser padeiro148 é

147 Dizer que uma norma está constantemente sujeita à tematização significa que ela não é absoluta. Sendo o objeto do discurso, a norma pode ser ou refutada, mediante a apresentação de boas razões, ou reafirmada, o que vai garantindo a solidez da sua validade.

148 Esse exemplo foi citado por Cirne Lima durante suas aulas no Programa de Pós-Graduação da PUCRS (1998/I e II) e ajusta-se ao

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moral ou não, devo apresentá-la à roda do discurso e tentar universalizá-la. Se universalizarmos ser padeiro, veremos que isso não funciona, pois alguns têm que ser professores, outros médicos, outros engenheiros, outros construtores civis e assim por diante. Se se aplicam apenas o “U” e o “D”, concluir-se-á que ser padeiro é algo imoral, pois é uma máxima que não pode ser universalizada; se universalizada, leva a uma implosão. Percebe-se, assim, diz Cirne Lima, que não é nem o princípio “U” nem o princípio “D” nem ambos juntos que determinam a correção da máxima de ser padeiro. Segundo o autor, para determinar a correção moral daquela máxima, tanto Habermas quanto Apel apelam para um terceiro princípio, que ele chama de princípio “G”. Mediante a aplicação de “U” e “D” não é possível determinar se ser padeiro é algo moral ou não. A correção da ação de ser padeiro é medida pela apresentação de razões (Gründe). Pela mera aplicação de “U” e “D” teria de se concluir que ser padeiro é algo moralmente incorreto, pois é algo que não pode ser universalizado. Assim, diz Cirne Lima, Apel e Habermas engendram um terceiro princípio que eles não dizem qual é, mas que é fundamental para o correto funcionamento de suas propostas éticas. A correção ou incorreção da ação de ser padeiro não encontra seu fundamento apenas em “U” e em “D”, mas também nas razões (Gründe), que ele chama de princípio “G”. Considerando-se que as pretensões normativas e as razões resultam do contexto concreto (mundo da vida) dos participantes da comunicação, percebe-se que a proposta de Habermas não permanece em um puro formalismo. Se a proposta de Habermas não trabalhasse com conteúdos da historicidade, as normas morais legitimadas pelo processo argumentativo não admitiriam exceção alguma. O que fosse consensualmente normado, jamais poderia ser violado,

grupo de exemplos de universal concreto, sobre os quais farei uma breve consideração no terceiro capítulo, item 3.2.

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independentemente das circunstâncias específicas das ações. A aceitação contrafática das consequências e efeitos colaterais de determinada pretensão normativa seria uma tomada de posição absoluta. Independentemente das circunstâncias contingentes das ações, a norma consensuada jamais poderia ser posta em questão. O consenso sobre determinada pretensão normativa subjetiva implicaria uma norma moral objetiva, de validade universal absoluta. Assim, no mínimo, encontra-se uma ambiguidade na proposta de Habermas. Por um lado, a afirmação de que sua proposta é puramente procedurística. Por outro, a constatação de que a argumentação moral é sempre sobre conteúdos empíricos e que as razões (Gründe) apresentadas são a maior prova dessa historicidade. Se o discurso prático não fosse sobre conteúdos relacionados à realidade empírica, as normas resultantes do consenso seriam absolutas, normas que, independentemente das circunstâncias, teriam que valer sempre e ser rigorosamente seguidas. Se essa proposta não trabalhasse com conteúdos normativos ligados à historicidade, estaria condenada ao fracasso, pois cairia em um rigorismo. Razão nenhuma seria capaz de justificar uma exceção à norma consensuada dentro da comunidade de comunicação. Querer uma exceção seria desejar a imoralidade. Com efeito, o rigorismo ético, como já se disse, é insustentável, pois podem surgir situações em que uma exceção à norma é mais moral do que se a seguíssemos rigorosamente. Somente mediante a consideração das condições e circunstâncias empíricas, pode-se classificar a ação como certa ou errada. A proposta de fundamentação de normas, que despreza a contingência, torna-se frágil e, consequentemente, impotente em relação às situações concretas de conflito moral. Pela proposta de Habermas, uma exceção à norma é perfeitamente possível. Ela, porém, tem de ser uma

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exceção justificada. Para ser justificada, ela tem de ser tal que poderia obter o assentimento de todos os possíveis concernidos em uma situação de discurso. No entanto, se todos concordassem com a exceção, ela já não seria mais uma mera exceção, mas passaria a valer como norma, pois qualquer pessoa que se encontrasse em circunstâncias semelhantes a do indivíduo que quer a exceção poderia agir da mesma maneira. Tal norma, porém, não tem um sentido de obrigação e sim de permissão. Qualquer pessoa que se encontrar em semelhante situação teria o direito de agir da mesma maneira. Nesse sentido, se em determinada situação de emergência – cujos efeitos e consequências colaterais não puderam ser considerados contrafaticamente devido à especificidade do conflito moral –, alguém achar que é mais coerente não agir conforme à norma consensuada em meio ao discurso prático, este deve possuir também razões suficientemente fortes para convencer a todos de que aquela era a melhor forma de agir. Essa exceção à norma passa a ser uma exceção justificada pela especificidade do contexto empírico da ação, o que contribui para provar que a proposta de Habermas não é puramente formal, mas que ela também trabalha com a situação histórico-concreta na qual a norma é aplicada.

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O Universal Abstrato e o Universal Concreto

O que se tentou fazer até aqui foi mostrar o caminho que Kant e Habermas seguiram para fundamentar normas que devem regrar o agir moral. Embora sigam caminhos diferentes, ambos apresentam a universalização como critério para a validade normativa do agir moral. Em Kant, o critério de universalização é o imperativo categórico. Cada indivíduo, em seu foro interno, tem condições de saber o que é e o que não é moral, o que pode e o que não pode fazer para agir com mérito moral. A bússola para se saber o que é certo e o que é errado é o imperativo categórico. As leis subjetivas do querer que puderem também valer como leis objetivas do querer, sem contradição interna e sem que a vontade, que quer sua máxima como lei universal, se contradiga a si mesma, são leis moralmente válidas. As máximas que não puderem também valer como leis, por caírem em contradições ao serem submetidas ao teste de universalização, são rejeitadas como inválidas. Em Habermas, o procedimento de legitimação de normas morais não é mais monológico, como acontece na proposta de Kant. A distinção do agir moral e do agir imoral acontece dentro da roda do discurso. A norma que não alcançar o assentimento de todos os possíveis concernidos em meio a um discurso prático é rejeitada

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como inválida. O critério a ser seguido é o princípio “U”, ou seja, universaliza-se a norma, e ela tem de poder ser aceita por todos sem o uso de qualquer tipo de coação que fuja à do melhor argumento. Nas condições de um discurso racionalmente motivado, a pretensão normativa subjetiva só será aceita como lei moral se os interesses de todos estiverem igualmente satisfeitos. O consenso só será alcançado se cada um puder concordar com a validade universal da norma em questão. O problema central, que agora se quer retomar, porém, é: universalizar a máxima de ação ou a pretensão normativa subjetiva, da forma como Kant e Habermas fazem, é critério suficiente para se saber o que é e o que não é moral? Será que o imperativo categórico e o princípio de universalização “U”, que é uma versão melhorada daquele, são critérios absolutamente seguros para fundamentar o agir moral? A universalização das máximas e das pretensões normativas subjetivas, como critério do agir moral, não pode levar também a concluir absurdos? Marcus George Singer, em Generalization in Ethics, elabora uma proposta ética semelhante à de Kant, mas procura corrigir a insuficiência do imperativo categórico como critério do agir moral. Para ele, a possibilidade de universalização sem contradição das máximas de ação não é critério seguro para se determinar o que é moralmente correto, pois há ações que não podem ser universalizadas, mas nem por isso deixam de ser morais. Antes, porém, de apresentar a argumentação, ela mesma, apresento brevemente a proposta de Singer, pois, para esse autor, as condições de aplicação do seu critério de fundamentação moral (que é o Argumento da Generalização) são as mesmas condições que devem ser observadas para superar-se a deficiência do imperativo categórico kantiano. Entretanto, nem Kant, nem Habermas, nem Singer escapam à objeção neoplatônica do universal abstrato, que está sendo retomada por Cirne Lima. Cirne Lima aceita a

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objeção de Singer ao imperativo categórico, mas, muito mais do que as éticas do tipo kantianas, propõe uma ética que não pode ser pensada independentemente das outras áreas do conhecimento. A ética, proposta por ele, faz parte da ideia de sistema e, como tal, é regida pelo mesmo princípio do dever-ser que perpassa também as outras ciências, como a Lógica, a Física, a Biologia, o Direito, a Sociologia e assim por diante. A ética não pode ser pensada independentemente das outras ciências, mas tem que ser pensada como uma parte que é parte do todo e que, por isso, não pode desvincular-se do todo maior, que consiste no Projeto de Sistema. Essa ideia será trabalhada na última parte deste capítulo. 3.1 A Teoria da Generalização de Singer A proposta de Singer, semelhantemente à de Kant, tem como ponto de partida a concepção de que

todos nós temos convicções morais, convicções do que é certo e do que é errado. Se não as tivéssemos, também não teríamos problemas morais. Pois, problemas morais resultam de nossas convicções morais – do fato de que elas às vezes são inadequadas, muitas vezes vagas e frequentemente contraditórias.149

Kant parte do fato de que os homens agem

moralmente, ou seja, de que eles já agem segundo determinados princípios e, assim, têm consciência do dever

149 “Wir alle haben moralische Überzeugungen, Überzeugungen davon, was richtig und was nicht richtig ist. Hätten wir sie nicht, so hätten wir auch keine moralischen Probleme. Denn moralische Probleme

entstehen aus unseren moralischen Überzeugungen – aus der Tatsache, dass sie manchmal inadäquat, oft vage und häufig widersprüchlich sind” (SINGER, 1975, p. 28).

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moral. O que ele procura fazer, então, é apenas elaborar um critério de justificação ou, se quisermos, um princípio de fundamentação para aquilo que o humano senso comum já sabe. De forma análoga, o que Singer pretende é apenas fundamentar nossas convicções morais, procurando esclarecer a razão pela qual determinadas ações são tidas como certas e outras como erradas ou, então, o que faz com que as ações consideradas certas sejam certas e as ações consideradas erradas sejam erradas. Para solucionar os dilemas morais, Singer toma como modelo uma questão com a qual, segundo ele, certamente todos nós já estamos familiarizados, qual seja: “O que aconteceria se cada um fizesse isso?”.150 Essa questão, diz o autor, é uma preparação para a ideia que a segue: “Se cada um fizesse isso, as consequências seriam devastadoras”.151 Conforme Singer, essa constatação negativa, que segue a questão inicial, em muitas das nossas situações cotidianas, serve como fundamento para se deixar de realizar determinada ação ou para se agir de outra maneira de forma a evitar consequências indesejáveis previsíveis. Em uma eleição, por exemplo, se alguém tivesse a intenção de não votar, poderíamos apresentar o seguinte questionamento: o que aconteceria se ninguém votasse? Se ninguém votasse, além de outras consequências indesejáveis, no mínimo o sistema democrático ficaria abalado. A partir disso, poder-se-ia concluir que todos os que têm direito ao voto devem votar e que é errado deixar de votar. Nesse exemplo é empregado um tipo de argumentação que Singer chama de Argumento da Generalização (Argument der Verallgemeinerung): “Se cada um

150 “Was würde passsieren, wenn das jeder täte?” (SINGER, 1975, p. 23).

151 “Wenn das jeder täte, wären die Folgen verheerend” (SINGER, 1975, p. 23).

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fizesse isso, as consequências seriam devastadoras (ou indesejáveis); por isso, ninguém deve agir assim”.152 Esse tipo de raciocínio, bastante comum em nossas discussões morais cotidianas, é o que está no centro das investigações de Singer. Para ele, generalizar é fundamental para se saber o que é moralmente correto, mas, por outro lado, entende que a simples universalização das máximas de ação, como manda o imperativo categórico de Kant, não é critério suficiente para se saber o que é e o que não é moral. Universalizar ou generalizar, sem determinados cuidados, pode levar a absurdos. O Argumento da Generalização, porém, não é o único princípio da proposta de Singer. Dentre outros, que complementam o seu sistema moral, está o Princípio da Generalização (Prinzip der Verallgemeinerung), que é um princípio moral necessário, pois legitima a passagem do particular para o universal, do não cada um para ninguém ou de alguns para todos. Vejamos, então, em que consiste esse princípio, que é um elemento essencial da estrutura lógica (logische Struktur) do Argumento da Generalização. 3.1.1 O Princípio da Generalização Para Singer, o caráter de uma ação depende das circunstâncias em que ela é realizada. Só podemos classificar uma ação como certa ou errada, considerando o contexto, as condições e as circunstâncias em que ela é realizada.153 Segundo o autor, sabe-se, por exemplo, que em determinadas circunstâncias tem-se o direito de romper uma promessa, de mentir ou de tirar algo de alguém, sem

152 “Wenn das jeder täte, wären die Folgen verheerend (oder nicht wünschenswert); daher sollte niemand das tun” (SINGER, 1975, p. 24).

153 “Ob wir richtig oder nicht richtig handeln, hängt von der Situation oder dem Kontext der Handlung ab oder von den Bedingungen und Umständen, unter denen wir handeln” (SINGER, 1975, p. 34).

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antes obter a permissão para tanto. O fundamento comum para a realização de tais ações é: “Isso depende das circunstâncias” (das hängt von den Umständen ab). Se uma ação pode ser certa em um determinado contexto e em outro não, ela também pode ser certa para uma pessoa e não para outra, pressuposto que elas ajam em situações distintas. Em todo caso, porém, uma ação considerada certa para A, em semelhantes condições, também tem que ser considerada certa para B. Da mesma forma, a ação de A também tem que ser considerada certa para C, D, E, etc., se as circunstâncias, nas quais a ação é realizada, não forem essencialmente diferentes. A partir disso, Singer apresenta uma primeira formulação do Princípio da Generalização: “O que é certo para um, tem que ser certo também para qualquer outro que se encontre em iguais ou semelhantes circunstâncias”.154 Essa ênfase dada ao aspecto circunstâncias é, no meu modo de entender, algo que diferencia bastante a proposta de Singer da proposta de Kant. Pela proposta de Kant conclui-se que o que é certo (ou errado) para um também tem de ser certo para qualquer outro, independentemente das circunstâncias. Já a proposta de Singer diz que o que é correto (ou incorreto) para um indivíduo também tem de ser certo (ou errado) para qualquer outro, desde que se encontre em iguais ou semelhantes circunstâncias. A formulação acima, porém, pode levar a interpretações ambíguas, pois a ideia de circunstâncias (Umstände) não está bem especificada. Essa expressão, conforme Singer, pode ser entendida de duas formas: por um lado, as circunstâncias de uma ação podem ser determinadas sem referência ao agente e, por outro, com referência ao agente. Se usarmos a expressão circunstâncias

154 “Was für den einen richtig ist, muss unter gleichen oder ähnlichen Umständen auch für jeden anderen richtig sein” (SINGER, 1975, p. 34).

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no primeiro sentido, então é errado dizer que o que é certo para um tem de ser certo também para qualquer outro que se encontre em semelhantes circunstâncias. Não seria obrigação de um cego ou de um homem sem pernas, por exemplo, pular na água para salvar alguém que se esteja afogando, o que, ao contrário, pode ser a obrigação de um bom nadador. Da mesma forma, sabe-se que para um cirurgião experiente pode ser correto realizar uma operação delicada em uma situação crítica; para um estudante de medicina ou para um incompetente, ao contrário, é incorreto realizar o mesmo, independentemente de quão boas sejam suas intenções. A determinação do que é certo para alguém depende, portanto, não só das condições exteriores (äusseren Bedingungen), mas também das qualidades ou condições pessoais de cada indivíduo.155 Isso mostra, segundo Singer, a necessidade de se acrescentar à formulação do princípio o aspecto pessoas com semelhantes pressuposições individuais e em semelhantes circunstâncias, de forma a evitar interpretações ambíguas no que diz respeito ao termo circunstâncias. O PG assume, então, a seguinte formulação: “O que é certo para um também tem que ser certo para qualquer outro com semelhantes pressuposições individuais e em semelhantes circunstâncias”.156 Com base nesse princípio, afirma Singer, não podemos sustentar determinada ação como certa para A e julgá-la errada para B, sem a apresentação das condições que assegurem uma fundamental diferença entre os dois indivíduos. Se alguém julga uma ação como certa para si, também a julga implicitamente como certa para cada pessoa, cujas qualidades e condições não se distinguem em aspectos essenciais das suas.

155 Cf. id., p. 35-6.

156 “Was für einen richtig ist, muss auch für jeden anderen mit ähnlichen individuellen Voraussetzungen und unter ähnlichen Umständen richtig sein” (SINGER, 1975, p. 35).

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Essa ideia, segundo Singer, não precisa estender-se muito para encontrar suas primeiras objeções. As objeções de C. D. Broad contra o pensamento de Sidgwick poderiam ser aplicadas também, como o próprio Singer reconhece, ao seu pensamento: pode-se tranquilamente insistir na ideia de que o que é correto para um também tem de ser correto para qualquer outro, pressuposto que se encontre em semelhantes circunstâncias. Mas o que significa isso? Como se pode decidir, em situações isoladas, se as disposições e condições dos envolvidos são semelhantes ou não? Quando de fato se pode dizer que duas pessoas são semelhantes entre si? Não basta dizer que pessoas com semelhantes pressuposições individuais e em semelhantes circunstâncias são pessoas cujas disposições e circunstâncias não se diferenciam entre si em determinados aspectos essenciais, pois poder-se-ia perguntar: o que são e quais aspectos são essenciais?157 Não vou ater-me, aqui, às análises de Singer na tentativa de solucionar esses problemas, mas quero antecipar que sua proposta pretende dar conta dessas supostas objeções. O PG implica que,

[...] se é correto para A fazer x, então é correto para cada semelhante a A em semelhantes circunstâncias fazer x (ou uma ação da espécie de x). De outra forma, o juízo de que A deve fazer x implica que qualquer outro semelhante a A deve fazer x (ou uma ação da espécie de x) em semelhantes circunstâncias.158

157 Cf. id., 1975, p. 39.

158 “[...] das Prinzip, dass für jeden mit ähnlichen individuellen Voraussetzungen und unter ähnlichen Umständen richtig sein muss, was für einen richtig ist, impliziert, dass, wenn es für A richtig ist, x zu tun, es für jeden, der A ähnlich ist, unter ähnlichen Umständen richtig ist, x zu tun (oder eine Handlung von der Art wie x). Um es anders zu sagen, das Urteil, dass A x tun sollte, impliziert, dass jeder, der A ähnlich ist, unter ähnlichen Umständen x tun sollte (oder eine Handlung von der Art wie x)” (SINGER, 1975, p. 60).

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À primeira vista, parece ser incompatível com esse

princípio que existam ações que sejam corretas somente para uma determinada pessoa. Essa incompatibilidade, porém, não existe. Segundo Singer, pode ser que uma determinada ação, em determinadas circunstâncias, seja correta para A e para mais ninguém. Nesse caso, A constitui isoladamente uma classe, pois ninguém possui semelhantes pressuposições individuais e se encontra em semelhantes circunstâncias para realizar d ou uma ação semelhante a d. Mas, se B fosse semelhante a A, em determinados aspectos essenciais para tal, então seria correto também para B realizar d. Nesse caso, B pertenceria à mesma classe de A, e o que fosse certo (ou errado) para A também teria de ser certo (ou errado) para B. Para demonstrar que podem existir ações que são corretas para apenas uma pessoa, Singer cita o exemplo do matrimônio. Enquanto não se pode dizer que para o Sr. Jones é errado manter relações sexuais com a Sra. Jones, é a rigor incorreto para qualquer outro. Tem-se aqui uma ação que é correta para apenas uma pessoa. Mas isso, segundo Singer, não contradiz o PG. O princípio não diz que ninguém deve realizar determinada ação e, sim, que ninguém deve realizar a ação em questão sem apresentar fundamentos ou boas justificativas para tal. As relações sexuais do Sr. com a Sra. Jones são justificadas pelo fato de ele ser casado com ela. Se ele não fosse casado, as condições não estariam justificadas, e qualquer outro que fosse casado com a Sra. Jones poderia justificar suas relações sexuais mantidas com ela. Em semelhantes circunstâncias, cada um tem o direito de realizar tal ação – cada um está autorizado a ter relações sexuais com sua própria mulher, mas não com a mulher de outro.159

159 Cf. id., p. 55.

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As razões apresentadas para justificar uma exceção, ou para mostrar o porquê de uma ação ser correta para A e errada para B, têm que ser de caráter geral ou universal. Eu não posso querer, por exemplo, reclamar algo como certo para mim só por possuir um nome que nenhuma outra pessoa possui ou por morar em uma casa cujas particularidades (localização, cor da casa, número de janelas, etc.) a diferenciam de qualquer outra casa. Todos poderiam, pois, alegar o mesmo, o que implica uma contradição. Se eu reclamar uma exceção por eu ser eu, então todos poderiam alegar o mesmo, e cada um seria uma exceção. Mas, se cada um fosse uma exceção, a rigor não existiria exceção alguma. Nesse sentido, o que é certo para A não pode ser errado para B se não houver uma relevante diferença nas suas disposições ou circunstâncias. De outra forma, o que é certo para a pessoa A só pode ser errado para a pessoa B se encontrarmos uma diferença, nas suas disposições e circunstâncias, digna de reconhecer-se, isto é, que essa diferença possa ser aceita por todos. O valor moral (correto/incorreto) definido para A deve ser válido para qualquer outra pessoa que se encontre nas mesmas circunstâncias e com qualidades pessoais semelhantes às de A. Com a aplicação do PG ao exemplo do matrimônio e a exemplos semelhantes, Singer afirma podermos concluir que o PG não é vago, inútil ou inaplicável. A tese que ele procura defender é a de que o PG está contido em cada juízo moral ou que esse pressupõe aquele (o PG). De acordo com o autor, o PG é um aspecto essencial da argumentação moral, pois é pressuposto em cada tentativa de fundamentação de um juízo moral. As razões apresentadas em casos especiais fixam, ao mesmo tempo, a aplicação do princípio, pois delimitam o âmbito da qualificação pessoas com semelhantes pressuposições individuais e em semelhantes circunstâncias. Disso se segue, diz Singer, “que não pode haver juízo moral específico independente de razões e

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não pode haver fundamentação moral independente do Princípio da Generalização”.160 Apresentado o PG, far-se-á a exposição do Argumento da Generalização e do seu aclaramento a partir da sua aplicação a casos concretos. O PG apenas diz que o que é válido para um também tem de ser válido para todas as pessoas similares e que se encontrem em similares circunstâncias; mas, isolado, é insuficiente para a elaboração e fixação de normas morais. Na proposta de Singer, as normas morais encontram seu fundamento no AG, onde o PG está implícito. 3.1.2 O Argumento da Generalização como critério do moral O Argumento da Generalização de Singer tem a seguinte formulação geral:161 “Se as consequências de que cada um faça x fossem indesejáveis, então ninguém deve fazer x”. Essa fórmula geral é deduzida da seguinte anatomia:

(I) Se as consequências de que A faça x fossem indesejáveis, então A não deve fazer x [Princípio das Consequências – PC].162 (II) Se as consequências de que cada um faça x fossem indesejáveis, então não qualquer um (não

160 “Daraus folgt, dass es kein spezifisch moralisches Urteil unabhängig von Gründen und keine moralische Begründung unabhängig von Prinzip der Verallgemeinerung geben kann” (SINGER, 1975, p. 57).

161 Singer apresenta várias formulações ao AG, mas, no meu entender, esta é a mais inclusiva e, como veremos, é a que o autor formula como resultante da anatomia do Argumento da Generalização – Anatomie des Arguments der Verallgemeinerung.

162 Prinzip der Folgen: “(I) Wenn die Folgen davon, dass A x tut, nicht wünschenswert wären, sollte A x nicht tun” (SINGER, 1975, p. 88).

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todos) deve(m) fazer x [Generalização do Princípio das Consequências – GC].163 (III) Se não qualquer um (não todos) deve(m) fazer x, então ninguém deve fazer x. [Fórmula alternativa:] Se é incorreto para um qualquer fazer x, então é incorreto para todos fazer x. [Princípio da Generalização – PG].164

Segundo Singer, o PC é um princípio moral necessário (ein notwendiges ethisches oder moralisches Prinzip).165 A ele corresponde manifestamente a frase “se as consequências de que A não faça x fossem indesejáveis, então A deve fazer x”. Todavia, de forma alguma lhe corresponde a frase “se as consequências de que A faça x fossem desejáveis, então A deve fazer x”, pois essa formulação poderia justificar alguma das versões do utilitarismo, o que colocaria em risco a validade do seu pensamento. O segundo passo da anatomia do AG nada mais é do que a generalização do PC. O terceiro consiste no acréscimo do PG. Os três passos são fundamentais para a formulação do AG, mas, segundo Singer, sua fórmula geral resulta expressamente de (II) e (III): “Se as

163 Verallgemeinerung des Prinzips der Folgen: “(II) Wenn die Folgen davon, dass jeder x täte, nicht wünschenswert wären, dann sollte nicht jeder x tun” (SINGER, 1975, p. 90).

164 Prinzip der Verallgemeinerung: “(III) Wenn nicht jeder x tun sollte, dann sollte niemand x tun. Das kann natürlich auch in einer alternativen Formulierung gesagt werden: Wenn es für jeden nicht richtig ist, x zu tun, dann ist es auch für irgendeinen beliebigen nicht richtig, x zu tun” (SINGER, 1975, p. 91).

165 Conforme Guariglia (1996, p. 118), depois de fortes críticas, Singer reconsiderou o status do Princípio das Consequências. Enquanto no livro Generalização in Ethics (1961) o PC era considerado um princípio moral necessário no mesmo nível que o PG, em outros artigos (1977 e 1984) ele admite que se trata apenas de um princípio prudencial subsidiário do PG.

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consequências que cada um faça x fossem indesejáveis, então ninguém tem o direito de fazer x”.166 Sobre essa dedução, Singer faz, entre outras, a seguinte observação: na premissa (II) o termo cada um tem que ser compreendido coletivamente e não distributivamente; já na premissa (III), o termo qualquer um tem que ser compreendido distributivamente e não coletivamente. Ou seja, na premissa (II) a expressão cada um refere-se a todas as pessoas no sentido universal e, na premissa (III), a expressão qualquer um refere-se a qualquer pessoa do conjunto de pessoas semelhantes e não a todas as pessoas no sentido universal da palavra. Qualquer um, aqui, contempla a aplicação do PG, que sustenta a validade dos mesmos direitos e deveres para todas as pessoas semelhantes em semelhantes circunstâncias, condição essa que Singer denomina universalidade reduzida (eingeschränkter Allgemeinheit). Para Singer, o AG é o princípio fundamental da moral. Sua aplicação a situações concretas permite distinguir se determinada ação é moralmente correta ou não. O AG não pode, porém, ser aplicado a todos os casos, pois há situações em que a sua aplicação leva a absurdos. Embora, segundo Singer, a humanidade provavelmente padeceria de frio, se cada um passasse a produzir alimentos e, certamente, morreria de fome, se cada um passasse a fabricar roupas ou a construir casas, não se pode concluir dali que ninguém deva produzir alimentos ou construir casas.167 O problema fundamental relacionado ao AG está, portanto, em determinar as condições em que o Argumento é aplicável.

166 “Das Argument der Verallgemeinerung (Wenn die Folgen davon, dass jeder x täte, nicht wünschenswert wären, hat niemand das Recht, x zu tun) folgt klar aus PV (Prinzip der Verallgemeinerung - grifo meu - JJR) und VF (Verallgemeinerung des Prinzips der Folgen - grifo meu - JJR)” (SINGER, 1975, p.91).

167 Cf. id., p. 24.

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Dizer que o argumento é válido em determinadas condições significa que em tais condições a frase “se cada um fizesse isso, as consequências seriam indesejáveis” fornece boas razões para se concluir que agir desse modo não é correto.168

Outra ideia que precisa ser esclarecida é a passagem do particular ao universal, ou seja, do não cada um para ninguém ou de alguns para todos. Essa conclusão parece estar errada, pois aparentemente é o mesmo que concluir que todos fumam pelo fato de que alguns fumam. É certo que o AG implica uma inferência (Folgerung) de não cada um tem o direito para ninguém tem o direito, mas, segundo Singer, ela não é necessariamente falsa. Em questões morais, essa dedução possui um qualificativo distinto dos raciocínios lógico-dedutivos, pois é mediada pelo PG. Se se aceita o PG, antes exposto, então não é errado argumentar que o que é certo para uma pessoa também tem que ser certo para qualquer outra que tenha semelhantes pressuposições individuais e se encontre em semelhantes circunstâncias. É importante ressaltar, porém, que a expressão qualquer outra não tem a conotação de todas as pessoas, no sentido absoluto, mas refere-se a todas as pessoas similares e que se encontrem em similares circunstâncias àquela para a qual a ação foi definida como certa. A partir do PG, pode-se dizer que é semelhante ao fumante todo aquele que fuma. Logo, o que é certo (ou errado) para um fumante também é certo (ou errado) para cada fumante que se encontre em semelhantes circunstâncias, mas não para

168 “Zu sagen, dass das Argument unter bestimmten Bedingungen gültig sei, heisst, dass unter diesen Bedingungen der Satz, wenn das jeder täte, seien die Folgen nicht wünschenswert, einen guten Grund abgibt für die Schlussfolgerung, dass es nicht richtig ist, in dieser Weise zu handeln” (SINGER, 1975, p. 86).

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qualquer pessoa, no sentido universal, independentemente de ser fumante ou não. Da mesma forma que a expressão qualquer outra não tem conotação de todos, em um sentido absoluto, a aplicação do AG também não é válida para todo e qualquer caso. Retomemos o exemplo da produção de alimentos. Se as consequências de que cada um (todos) produzisse(m) alimentos fossem indesejáveis, pois não haveria ninguém para cuidar da saúde, construir casas, fabricar roupas, etc., então, pelo paradigma do AG, deveria resultar que ninguém deve produzir alimentos. O que se segue desse raciocínio é obviamente um absurdo, pois, se ninguém produzisse alimentos, a humanidade morreria de fome. Seria esse um bom exemplo para se refutar o AG? Singer diz que não e apresenta razões para isso. O AG não é válido, segundo Singer, para um argumento que pode ser invertido (umkehrbar). Tal acontece nos casos em que as consequências de cada um fazer x fossem indesejáveis, enquanto que as consequências de ninguém fazer x fossem da mesma forma indesejáveis. O exemplo da produção de alimentos ou fabricação de roupas é passível de inversão.

[...] um argumento com a formulação “se as consequências de cada um fazer x fossem indesejáveis, então ninguém deve fazer x” só é válido se não for o caso de as consequências do fato de ninguém fazer x fossem da mesma forma indesejáveis.169

Se o argumento pode ser invertido, então a

aplicação do AG não é válida.

169 “[...] ein Argument der Form ‘Da die Folgen davon, dass jeder x tut, nicht wünschenswert wären, sollte niemand x tun’, ist nur gültig, wenn es nicht der Fall ist, dass die Folgen davon, dass niemand x tut, auch nicht wünschenswert wären” (SINGER, 1975, p. 98).

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Conforme Singer, o AG só é aplicável a argumentos de conotação moral. Produzir alimentos, fabricar roupas e construir casas, diferentemente de roubar, matar ou quebrar uma promessa, são ações moralmente indiferentes. A indiferença moral, porém, se deve à invertibilidade de tais ações. Mas o que faz com que elas sejam invertíveis, mediante a aplicação do AG e, consequentemente, moralmente indiferentes? Segundo Singer, a razão pela qual tais ações são invertíveis está no fato de que a descrição produção de alimentos, fabricação de roupas e construção de casas é indeterminada do ponto de vista moral. Para que elas pudessem ser determináveis, elas teriam de ser apresentadas dentro de um determinado contexto. A expressão produzir alimentos, por exemplo, da forma como ela está aí é muito geral para se dizer se ela é uma ação certa ou não. Poder-se-ia dizer que isso depende do contexto: em determinadas circunstâncias, é certo produzir alimentos, em outras não.170 Se quisermos que a produção de alimentos seja moralmente determinável, então precisamos, conforme o autor, apresentar mais detalhes sobre essa expressão e torná-la menos geral. Se a ação for apresentada dentro de um contexto e for bem detalhada, a questão de, se ela é correta ou não, pode ser respondida, e o AG pode ser aplicado a ela, sem cair em um raciocínio invertível. Fora de um contexto específico, não podemos dizer que cada um deva produzir alimentos, nem que ninguém deva produzir alimentos.171 Singer propõe que imaginemos uma situação na qual alguém, com uma doença contagiosa, é empregado na produção de alimentos. Nesse caso, as circunstâncias nas quais os alimentos são produzidos possibilitam que outras pessoas possam ser contagiadas a partir dos alimentos

170 Cf. id., p. 102-3.

171 Cf. id., p.105.

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produzidos por aquele. Se a ação produzir alimentos recebe a especificação de que ela é realizada em tais circunstâncias, então ela é moralmente determinável. Se cada pessoa, que tivesse tal doença, trabalhasse na produção de alimentos, as consequências seriam devastadoras, enquanto que as consequências de forma alguma seriam indesejáveis, se nenhuma pessoa dessas (que tivesse tal doença) trabalhasse na produção de alimentos. Disso se segue que ninguém com tal doença contagiosa tem o direito de produzir alimentos, ou seja, não é correto em tais condições produzir alimentos.172 Com essa argumentação percebe-se, porém, que o AG não é um critério ou princípio moral seguro. Para Singer, o AG só é aplicável a ações moralmente determináveis. Moralmente determináveis são as ações que não são invertíveis. Para superar a invertibilidade de determinado exemplo, ele afirma que precisamos apresentar mais especificações sobre o caso. Entretanto, se 80% da população não tivessem nenhuma doença contagiosa e todos esses quisessem se empenhar na produção de alimentos, pelo AG não teríamos como saber que o correto é apenas uma parte dessa população produzir alimentos e a outra parte se ocupar com outras funções. Pois, se todos os 80% se ocupassem com a produção de alimentos, as consequências ainda continuariam indesejáveis. Elas deixariam de ser indesejáveis na medida em que houvesse um determinado equilíbrio entre a necessidade e a demanda em todas as funções imprescindíveis para o bem-estar da humanidade. Assim, mesmo com determinadas especificações, entendo que

172 A aplicação do AG a este exemplo pressupõe que nem todos estejam com a doença. Se todos já estivessem com a doença, não haveria problemas de que alguém, com a doença, trabalhasse na produção de alimentos, pois as consequências não seriam devastadoras, e a questão de se tais pessoas poderiam ou não produzir alimentos nem seria colocada (cf. SINGER, 1975, p. 106-7).

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ainda não temos como saber, recorrendo ao AG, o que é certo e o que é errado. Em uma palavra, foram apresentadas mais especificações acerca da produção de alimentos, e o AG pode agora ser aplicado sem implicar um argumento invertível. Entretanto, ainda não temos como saber quantos indivíduos, da população que não está com a doença, podem produzir alimentos. Além dos argumentos invertíveis, Singer também afirma que é inválida toda aplicação do AG a casos em que o argumento resulta repetível: “Cada aplicação do Argumento da Generalização, que for repetível, é inválida. Pois cada aplicação do argumento, que for repetível, é também simultaneamente invertível”.173 São repetíveis os casos em que o argumento pode ser constantemente retomado. Se cada um jantasse às 18h, por exemplo, não haveria ninguém que desempenhasse determinadas funções que precisam ser desempenhadas naquele horário. Pelo paradigma do AG, poderíamos argumentar, então, que ninguém tem o direito de jantar às 18h. Contudo, se argumentarmos que ninguém tem o direito de jantar às 18h, também poderíamos argumentar que ninguém tem o direito de jantar às 19h ou às 20h15 ou às 21h43. Dessa possibilidade de retomada do argumento resulta que ninguém deveria jantar, independentemente do horário. Da mesma forma, alguém poderia reclamar para si o direito de não pagar impostos por ser portador do nome John Smith, com a justificação de que, se todo portador do nome John Smith não pagar impostos, as consequências de forma alguma seriam indesejáveis. Contudo, todas as pessoas poderiam reclamar o mesmo direito, apontando para o seu próprio nome ou para qualquer outra particularidade. Cada pessoa seria uma exceção, e ninguém estaria obrigado a

173 “Jede Anwendung des Arguments der Verallgemeinerung, die iterierbar ist, ist ungültig. Denn jede Anwendung des Arguments, die iterierbar ist, ist gleichzeitig auch umkehrbar” (SINGER, 1975, p. 108).

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pagar impostos. Por conseguinte, diz Singer, a aplicação do AG não é válida para argumentos repetíveis, pois poderíamos justificar uma ação que seria indesejável se cada pessoa agisse assim. De acordo com Singer, o AG é o princípio fundamental da moral (das fundamentale Prinzip der Moral). Ao fazer uma distinção entre princípios e regras morais, o autor afirma que aqueles (os princípios) são o fundamento para a validação de normas morais. Para o autor, os princípios morais estão contidos em toda tentativa de justificação e fixação de regras morais. Como princípios, são o fundamento e a ponte para todo juízo moral válido. Independentemente das circunstâncias das ações, em cada situação moral, os princípios são válidos e invariáveis ou não seriam princípios. As regras morais, ao contrário, não são tão amplas assim, pois não valem para todas as circunstâncias e, consequentemente, não podem ser absolutas. Para Singer, as regras morais simplesmente determinam o que em geral é certo ou errado, embora elas não sejam explicitamente formuladas com essa restrição. A regra não mentir, por exemplo, não diz de forma alguma que é sempre errado mentir; é errado em geral. Dizer que uma determinada espécie de ação é errada em geral equivale a dizer que cada ação dessas é errada, pois, para o contrário, deve haver uma razão. Se, por outro lado, dissermos que determinado tipo de ação é sempre errado, isso significa que ações dessa espécie são erradas sob todas e quaisquer circunstâncias e que não pode haver razão para o contrário. As regras morais, na proposta de Singer, encontram o seu fundamento no AG. A regra que não puder ser inferida a partir da aplicação desse argumento também não pode ser justificada. O AG é o procedimento a ser seguido para se justificar uma norma moral válida. A título de ilustração, consideremos a regra de que não se deve mentir. Qual o fundamento para a validade dessa regra? Segundo Singer, o que justifica essa regra não está no fato de a

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maioria das pessoas desaprovar a mentira, mas no raciocínio do que aconteceria se cada um mentisse. Se cada um mentisse, as consequências seriam assoladoras; dizer a verdade passaria a ser exceção e, assim, as relações dialógicas não fariam mais sentido, pois nenhum homem acreditaria no que o outro dissesse. Disso se segue que, em geral, não é certo mentir e que ninguém tem o direito de mentir, sem que tenha razões para tal. Isso implica evidentemente que pode haver exceções à regra. Como podemos saber, no entanto, que as razões apresentadas são suficientemente fortes, para se ter o direito à exceção? Novamente entra em cena o AG: se as circunstâncias de uma ação são tais que nessas ou em semelhantes circunstâncias de forma alguma fosse indesejável que cada um agisse assim, então a ação de forma alguma é errada.174 Nesse sentido, se ficou suficientemente mostrado que as regras morais podem ser deduzidas do AG, seria contraditório, diz Singer, afirmar que sempre, e não somente em geral, é errado mentir, porque as razões das quais depende a regra são as mesmas razões que, em determinadas circunstâncias, bastam para se eximir dela.175 Não obstante, diferentemente do princípio kantiano, deve estar claro que o AG não fundamenta regras morais válidas sempre, isto é, em todas e quaisquer circunstâncias, mas fundamenta regras morais válidas em geral. Se o dever é não mentir, isso não significa que não se deve mentir nunca, mas não se deve mentir em geral, pois podem surgir

174 Cf. id., p. 154.

175 “Wenn sich moralische Regeln aus dem Argument der Verallgemeinerung ableiten lassen, wie ich behauptet habe, wäre es widersprüchlich zu behaupten, dass es immer und nicht nur im allgemeinen falsch wäre zu lügen, denn die Gründe, auf denen die Regel beruht, sind genau die gleichen Gründe, die unter bestimmten Umständen ausreichen, sich über sie hinwegzusetzen” (SINGER, 1975, p. 155).

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circunstâncias nas quais é mais moral mentir do que dizer a verdade. Como se sabe (ver cap. 1, item 1.3), Singer tenta defender a proposta de Kant das críticas ao absolutismo ou rigorismo das regras morais. Penso que é perfeitamente possível uma argumentação dessa natureza, mas, nestes casos, já se está corrigindo a proposta de Kant, pois o absolutismo das leis morais fica explícito tanto na Grundlegung zur Metaphysik der Sitten (1785) como na Kritik der praktischen Vernunft (1788). No texto Über ein vermeintes Recht aus Menschenliebe zu lügen (1797), onde Kant, contra as objeções de Benjamin Constant, tenta justificar por que jamais se deve mentir, o absolutismo é apenas reafirmado. Singer, ao defender uma proposta em que a generalização tem de se dar a partir das circunstâncias empíricas das ações, é mais exato que Kant e mostra, desde o princípio, a necessidade de se refutar o absolutismo das regras morais. Mas, com essa rápida exposição da proposta moral de Singer, o que interessa, aqui, não é a sua defesa da proposta de Kant e, sim, a crítica que ele faz ao imperativo categórico. 3.2 O universal abstrato: a objeção de Singer ao imperativo categórico A proposta de Singer se assemelha em vários aspectos à proposta ética de Kant. Nas palavras do autor, uma das semelhanças está no fato de que tanto o AG como o imperativo categórico implicam uma generalização (universalização), ou seja, para definir o que é moralmente correto, ambos os princípios partem da consideração do que aconteceria se todos agissem de determinada forma. Pelo imperativo categórico, se a máxima não puder também valer como lei universal, por cair em contradição interna ou por autodestruir-se, então a ação correspondente é imoral. Da mesma forma, pelo AG, se as consequências,

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de que cada um realize determinada ação, forem indesejáveis, então a ação é moralmente proibida. Uma outra semelhança, apontada pelo autor, está no fato de ambos os princípios conterem o PG e fornecerem critérios para a sua aplicação.176 Contudo, mesmo que o AG e o imperativo categórico sejam semelhantes em tais aspectos, Singer afirma que eles são também bastante distintos, pois o imperativo categórico refere-se ao querer (Willen) e à máxima de uma ação, o que não acontece no AG.

O critério kantiano é “nós temos que poder querer que a máxima de nossa ação deva ser uma lei universal [...]”. O “cânon” que o AG oferece pode talvez ser formulado assim: “As consequências, de que cada um aja de determinada forma, não podem ser tais que elas sejam indesejáveis”.177

Por sua proposta ser semelhante ao pensamento ético de Kant, Singer procura defender o imperativo categórico de um conjunto de críticas que poderiam também ser aplicadas ao AG. Essas críticas são divididas em dois grupos de objeções, quais sejam: a) de que possa haver exemplos de máximas e ações que podem ser universalizadas, mas nem por isso são corretas; b) de que possa haver exemplos de máximas ou ações que não podem ser universalizadas, mas que nem por isso são incorretas.178 A importância dessa investigação está no fato

176 Cf. id., p.30.

177 “Kants Kriterium ist ‘wir müssen wollen können, dass eine Maxime unserer Handlung ein allgemeines Gesetz werden sollte [...]’. Der ‘Kanon’, den das Argument der Verallgemeinerung bietet, kann vielleicht so formuliert werden: ‘Die Folgen davon, dass jeder in einer bestimmten Weise handelt, dürfen nicht derart sein, dass sie nicht wünschenswert wären’” (SINGER, 1975, p. 30).

178 Cf. id., p. 278.

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de que, se for possível sustentar, com exemplos, uma dessas objeções, o imperativo categórico não poderá mais ser sustentado como critério seguro para o agir moral, e o AG estará sujeito ao mesmo fracasso. Citando objeções de diferentes autores, Singer as refuta a partir da sua leitura do princípio kantiano de fundamentação e, paralelamente, também a partir do seu AG. Não vou ater-me a essa argumentação, pois o objetivo aqui é outro. Passo a apresentar, então, a crítica que Singer faz ao imperativo categórico e como ele pretende solucionar o problema, dado que o AG é bastante semelhante àquele princípio. De acordo com Singer,

a única diferença importante entre ambos os princípios é que a aplicação do AG já pressupõe que as consequências seriam indesejáveis se cada um agisse de determinada forma, enquanto a aplicação do imperativo categórico não faz isso.179

Nesse sentido, diz o autor, deve ser evidente que as

objeções contra o AG são também objeções contra o imperativo categórico e que as condições de aplicação do AG também são condições de aplicação do imperativo categórico. Conforme Singer, a relação entre ambos os princípios é tal que, se o imperativo categórico for um princípio moral válido, então, o AG também é, mas isso não pode ser invertido (“Das lässt sich jedoch nicht umkehren”).180 Ou seja, para o autor, se o AG for um princípio moral válido, isso não significa que o imperativo categórico também tem de ser necessariamente válido.

179 “Der einzig wichtige Unterschied zwischen ihnen ist der, dass die Anwendung des Arguments der Verallgemeinerung schon voraussetzt, dass die Konsequenzen nicht wünschenswert wären, wenn jeder in einer bestimmten Weise handeln würde, während die Anwendung des kategorischen Imperativs das nicht tut” (SINGER, 1975, p. 337).

180 Cf. id., p. 337.

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O imperativo categórico, da forma como Kant o apresenta, não é um critério seguro para o agir moral. O seu conteúdo diz que devemos poder querer que as máximas de nossas ações também valham como leis universais. A universalização da máxima, portanto, é o procedimento a ser seguido para se saber se a ação, que lhe corresponde, é moral ou não. A máxima de ação que não puder valer também como lei universal, por cair em contradição interna, é rejeitada como imoral, e aquela que puder ser universalizada representa a correção moral da respectiva ação. Contudo, segundo Singer, há determinadas máximas de ação cuja correção ou incorreção moral não pode ser fundamentada a partir do imperativo categórico ou, então, se se tenta fazer isso, pode-se cair em absurdos. A título de ilustração, consideremos alguns exemplos. Tomemos como máxima produzir alimentos.181 Se universalizarmos produzir alimentos, veremos que na prática as consequências seriam indesejáveis, pois, se todos produzissem alimentos, a população provavelmente morreria de frio.182 Assim, pela aplicação do imperativo categórico, resulta que produzir alimentos é algo imoral e que ninguém tem o direito de realizar tal ação, pois é algo que

181 Produzir alimentos é, a princípio, uma ação e alguém poderia argumentar que isso nem pode ser tomado como máxima. Singer, porém, interpretando Kant, afirma que não faz diferença se se aplica o imperativo categórico diretamente a ações ou a máximas, pois toda ação contém implícito um fim (Zweck), que constitui a máxima da ação. Para o autor, Kant “defende a tese de que, sempre que um indivíduo age, ele age segundo uma máxima, no sentido de que ele age de acordo com um determinado fim ou para alcançar um determinado fim” [“Er vertritt also die These, dass, wann immer jemand handelt, er nach einer Maxime handelt, in dem Sinn, dass er mit einem bestimmten Zweck handelt oder um einen bestimmten Zweck zu erreichen”] (SINGER, 1975, p. 284). Nesse sentido, pode-se dizer que produzir alimentos constitui uma máxima de ação e que, para se saber se ela é moral ou não, deve ser submetida ao teste da universalização.

182 Cf. SINGER, 1975, p. 24.

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não pode ser universalizado. Algo semelhante ocorre com a máxima construir casas ou fabricar roupas. Se universalizássemos tais ações e todos passassem ou a construir casas ou a fabricar roupas, perceberíamos que a população provavelmente morreria de fome, pois não haveria ninguém que se empenhasse na produção de alimentos. Logo, pela aplicação rigorosa do imperativo categórico teria de se concluir que construir casas ou fabricar roupas são ações imorais, pois não podem ser queridas como leis universais. Se universalizadas, a humanidade provavelmente extinguir-se-ía. Consideremos também a máxima ser professor.183 Como podemos saber se essa máxima de ação é algo moralmente bom ou não? De acordo com o imperativo categórico, para ser moralmente boa, a máxima tem de poder valer também como lei universal. A pergunta que se faz, então, é: ser professor é algo que pode ser universalizado? Se universalizarmos ser professor, ou seja, se todos se tornarem professores, veremos que não haverá mais aluno e, assim, não haverá professor. Por outro lado, se todos se tornarem professores, não haverá mais ninguém que produza o trigo, que faça o pão, que construa casas, que fabrique roupas, que cuide da saúde e assim por diante. Nesse sentido, se se segue rigorosamente o imperativo categórico, tem que se concluir que ser professor é algo imoral. Por tratar-se de uma ação que não pode ser universalizada, ninguém tem o direito de ser professor. Consideremos, ainda, um outro conjunto de máximas. Se universalizássemos jantar às 18h, não haveria ninguém para desempenhar determinadas funções que

183 O exemplo da universalização da máxima ser professor foi várias vezes citado por Cirne Lima durante suas aulas no Programa de Pós-Graduação da PUCRS (1998/I e II). Com esse exemplo, o autor procura retomar a objeção de Singer e mostrar que o imperativo categórico, da forma como ele foi apresentado por Kant, não funciona como critério seguro para a fundamentação do agir moral.

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precisam ser desempenhadas naquele horário; se universalizássemos a máxima de almoçar no restaurante x, certamente viveríamos uma situação de fome generalizada; se universalizássemos a máxima de tomar o ônibus do primeiro horário para ir ao trabalho, talvez viveríamos uma situação de guerra, ou de feriado, pois só algumas pessoas chegariam aos seus postos de trabalho.184 Assim, dada a impossibilidade ou a inviabilidade da universalização de tais máximas, pela aplicação do imperativo categórico conclui-se que representam ações imorais. Ou seja, tendo-se o imperativo categórico como critério, tem de se concluir que ninguém tem o direito de jantar às 18h, de tomar o ônibus do primeiro horário para ir ao trabalho ou de almoçar no restaurante x, pois são máximas que não podem ser universalizadas. Se universalizadas, implodem. Mediante a apresentação desses exemplos185 – poderíamos apresentar uma infinidade de outros exemplos –, percebe-se a fragilidade do imperativo categórico como

184 As máximas jantar às 18h e almoçar no restaurante x são comentadas por Singer. O exemplo da máxima de tomar o ônibus do primeiro horário para ir ao trabalho foi apresentado pelo Prof. Ernst Tugendhat, contra o imperativo categórico, no decorrer da disciplina Ética e Justificação, ministrada ao Programa de Pós-Graduação da PUCRS (1998/II).

185 Há uma diferença fundamental entre os exemplos aqui apresentados e os exemplos apresentados por Kant. Os apresentados por Kant são exemplos típicos da conceituação hegeliana de universal abstrato, pois são exemplos em que a parte é separada do todo; as funções de produzir alimentos, ser professor, fabricar roupas, etc., são separadas de todas as outras funções e abstraídas do contexto histórico-concreto. Já os exemplos da forma como eles foram apresentados acima são exemplos de universal concreto. Na prática, isto é, a partir do contexto histórico-concreto é possível perceber que a universalização da função de produzir alimentos, ser professor, fabricar roupas, etc., implica absurdos. Se se abstraem tais máximas do contexto histórico-concreto, então representam ações moralmente neutras, mas se consideradas a partir do universal concreto, então são máximas que podem e devem ser moralmente determinadas.

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critério do agir moral. Produzir alimentos, construir casas, fabricar roupas e ser professor são, em geral, ações boas186 e deveriam poder ser fundamentadas como tais pelo imperativo categórico. Para se saber se a ação é moralmente boa ou não, o imperativo categórico manda universalizar. Se universalizarmos tais ações, veremos que as consequências são inaceitáveis: Sem a produção de alimentos, a humanidade morreria de fome; sem a construção de casas ou fabricação de roupas, a humanidade morreria de frio; sem professores, não teríamos mais engenheiros, arquitetos, advogados, médicos, dentistas, etc., que desempenham funções que são imprescindíveis para o bem da humanidade. Logo, o que se deve concluir a partir da aplicação do princípio kantiano é que ninguém deve produzir alimentos, ou construir casas, ou fabricar roupas, ou ser professor, pois são ações que não são passíveis de universalização. Se universalizadas, implicam problemas de sobrevivência humana. Com o outro grupo de exemplos não ocorre o mesmo problema, pois a humanidade não se extinguiria com a proibição de jantar às 18h, de tomar o ônibus do primeiro horário para ir ao trabalho ou de almoçar no restaurante x. Entretanto, o mesmo argumento pode ser retomado para horários diferentes de jantar e de tomar o ônibus para ir ao trabalho, e para restaurantes diferentes. Mas, se o argumento pode ser sempre retomado, então conclui-se que ninguém tem o direito de jantar ou de tomar o ônibus para ir ao trabalho, independentemente do horário, e que ninguém tem o direito de almoçar em restaurante algum. Percebe-se assim, portanto, os absurdos que podem resultar da rigorosa aplicação do imperativo

186 Ao usar a expressão ações boas, refiro-me às ações moralmente permitidas. Kant, ao falar da moralidade de ações, não usa o termo ações boas ou ações más, mas fala de ações permitidas e ações não permitidas. Compreendo, porém, que a ação permitida é moralmente boa e que a ação não permitida é moralmente má.

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categórico. Os exemplos apresentados devem ser suficientes para mostrar a deficiência do princípio kantiano como critério de fundamentação do agir moral.187 O princípio “U” de Habermas também consiste em um critério de universalização das pretensões normativas subjetivas. A norma que não alcançar o assentimento de todos como uma lei universal, em meio a um discurso prático, não é aceita como válida e, como tal, é imoral. Na proposta desse autor, porém, não se encontra a mesma deficiência da proposta de Kant. Pois, dado que produzir alimentos, construir casas, ser professor, etc., são, em geral, ações boas, todos poderiam concordar com a universalização de tais ações, mas não é uma universalização plana, rala ou absoluta como é a de Kant. Na roda do discurso perceber-se-ia que nem todos poderiam apenas produzir alimentos ou ser apenas professores. Se todos desempenhassem a mesma função, a humanidade provavelmente extinguir-se-ia. A extinção do gênero humano seria uma boa razão para o comum entendimento sobre o desempenho de funções diferentes que a de se produzirem apenas alimentos ou a de todos serem professores. Isso reafirma a tese, já defendida, de que o universal, em Habermas, não é um universal absoluto como o de Kant. Entretanto, como já se disse (cap. II, item 2.4), Habermas faz uso de um terceiro princípio, que Cirne Lima chama de princípio “G”. Isso se confirma quando se percebe que são as razões (Gründe) que determinam a correção da ação de produzir alimentos, construir casas, ser professor, etc. Se se recorre apenas a “U” e a “D”, que são princípios meramente

187 É importante salientar que o que entra em contradição nos exemplos de produzir alimentos, ser professor, almoçar no restaurante x, etc. não são as formas e sim os conteúdos. Se se consideram tais exemplos a partir do universal abstrato, então são ações moralmente neutras, mas se se tomam os mesmos exemplos a partir do universal concreto, então são ações que podem e devem ser moralmente avaliadas.

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procedimentais, não se tem como distinguir razões válidas de razões não válidas. Marcus Singer procura defender a proposta de Kant apontando os casos em que a aplicação do imperativo categórico não é válida. Ele afirma que as observações apresentadas acerca da aplicação do AG valem também para aquele princípio. Da mesma forma que o AG, também o imperativo categórico está sujeito à condição da universalidade reduzida (eingeschränkter Allgemeinheit).188 Ou seja, a passagem do particular para o universal, de um qualquer para todos ou ninguém, só é legítima se se aplicar o PG: o que é correto (ou incorreto) para A, também tem que ser certo (ou errado) para qualquer pessoa semelhante e que se encontre em semelhantes circunstâncias às de A. Dado que o imperativo categórico está sujeito à mesma condição do AG, Singer afirma que nos casos em que o argumento é invertível (umkehrbar), da mesma forma que nos casos em que ele é repetível (iterierbar), a aplicação do imperativo categórico é inválida. Para ser válida, a aplicação daquele princípio não pode ser feita a argumentos invertíveis, nem a argumentos repetíveis. Por conseguinte,

o imperativo categórico é invertível, com respeito a determinada máxima ou ação, se nem aquela máxima nem o seu contrário (seu oposto) pode ser querido como lei universal – se nem ‘cada um deve fazer x’ nem ‘ninguém deve fazer x’ pode ser querido como lei universal. E o imperativo categórico é, com respeito a x, perfeitamente inaplicável se tanto ‘cada um deve fazer x’ como ‘ninguém

188 Singer denomina universalidade reduzida (eingeschränkter Allgemeinheit) a condição da igualdade de direitos e deveres para todos os similares em similares circunstâncias.

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deve fazer x’ pode ser querido como lei universal.189

Dos exemplos supra-apresentados, os primeiros quatro são invertíveis. Ou seja: as consequências de que todos produzam alimentos são tão indesejáveis quanto ao fato de ninguém produzir alimentos; as consequências de que cada um construa casas são tão indesejáveis quanto ao fato de ninguém construir casas; as consequências de que todos se dediquem à fabricação de roupas são tão indesejáveis quanto ao fato de ninguém fabricar roupas; e, por último, as consequências da universalização da máxima de ser professor são tão indesejáveis quanto ao fato de ninguém ser professor. Tanto a universalização quanto a absoluta abstenção da realização de qualquer uma dessas ações implica absurdos. Por isso, diz Singer, o imperativo categórico, para ser válido, não pode ser aplicado a exemplos invertíveis. O último grupo de exemplos apresentados são máximas cuja aplicação do imperativo categórico resulta em argumentos repetíveis, isto é, em argumentos que podem ser sempre retomados. Ou seja: Se eu concluo que ninguém deve jantar às 18h, pois se todos jantassem nesse mesmo horário as consequências seriam indesejáveis, então também posso concluir o mesmo para a máxima de jantar às 18h35, ou de jantar às 19h51, etc.; se eu concluo que ninguém deve almoçar no restaurante x, pois, se todos almoçassem neste mesmo restaurante, as consequências

189 “So ist der kategorische Imperativ hinsichtlich einer bestimmten Maxime oder Handlung umkehbar, wenn weder jene Maxime noch ihr Gegenteil (ihr Gegensatz) als ein allgemeines Gesetz gewollt werden kann - wenn man weder ‘jeder sollte x tun’, noch ‘niemand sollte x tun’ als allgemeines Gesetz wollen kann. Und der kategorische Imperativ ist in bezug auf x vollkommen unanwendbar, wenn man sowohl ‘jeder sollte x tun’ als auch ‘niemand sollte x tun’ als allgemeines Gesetz wollen kann” (SINGER, 1975, p. 338).

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seriam indesejáveis, então posso afirmar o mesmo para a máxima de almoçar no restaurante a, b, c, etc.; se eu concluir que ninguém deve tomar o ônibus do primeiro horário para ir ao trabalho, então também devo concluir o mesmo para o segundo horário, para o terceiro horário de ônibus e assim por diante. Pela possibilidade de retomada dos argumentos, teria de se concluir que ninguém tem o direito de jantar ou de tomar o ônibus, independentemente do horário, pois não poderíamos querer nenhum dos casos como lei universal. De forma semelhante, teria de se concluir que ninguém deve almoçar em restaurante algum, por não podermos universalizar a máxima de almoçar em um determinado restaurante. A aplicação do imperativo categórico a argumentos repetíveis, portanto, leva a absurdos. Por isso, diz Singer, para ser válido, o critério kantiano não deve ser aplicado a esse tipo de ações ou máximas. Por meio dos exemplos apresentados, deve estar claro que o imperativo categórico, da forma como ele foi apresentado por Kant, não é um critério seguro para o agir moral. Singer, por meio da teoria da generalização, como eu a denominei, elaborou uma proposta semelhante à de Kant, mas sempre atento aos absurdos que poderiam ser concluídos da aplicação tanto do imperativo categórico como do AG. A conclusão de Singer é a de que, da mesma forma que para o AG, “[...] uma aplicação do imperativo categórico, para ser válida, não pode ser nem repetível nem invertível”.190 Entretanto, no meu modo de entender, se o AG e o imperativo categórico não podem ser aplicados a casos repetíveis e invertíveis, então não são critérios últimos para a fundamentação do agir moral, pois a aplicação dos mesmos não é válida sempre e para qualquer

190 “[...] dass eine Anwendung des kategorischen Imperativs, um gültig zu sein, weder iterierbar noch umkehrbar sein darf” (SINGER, 1975, p. 338).

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caso. Os princípios, como o próprio Singer afirma, diferentemente das normas morais, têm de ser válidos sempre. Como o AG e o imperativo categórico, para serem válidos, não podem ser aplicados a exemplos repetíveis e invertíveis, mostra-se a ineficiência desses princípios como critérios de fundamentação do agir moral. Pois, há casos em que, com base nesses princípios, que devem fundamentar o agir moral, não se consegue saber se a ação em questão é moralmente correta ou não. Assim, os mesmos exemplos apresentados por Singer para mostrar a deficiência do imperativo categórico podem ser usados para mostrar a deficiência do AG, pois não pode ser empregado, como critério válido, em todos os casos. Pelo menos nos casos repetíveis ou invertíveis, por recomendação do próprio autor, o AG não deve ser aplicado. É certo que Singer deixa bem claro que o AG não é o único princípio do seu sistema de filosofia moral (System der Moralphilosophie), pois contém implícitos o PG e o PC, mas é o critério a ser seguido para a fundamentação do agir moral. Por ser tal, o AG deveria ser a bússola para nos orientar em todas as situações de conflito moral. Todas as vezes que quiséssemos saber se determinada ação é moral ou não, deveríamos poder recorrer a ele, mas viu-se que isso não pode ser feito em casos como produzir alimentos, construir casas, ser professor, etc. Para reforçar essa observação, no prefácio à edição alemã, escrito catorze anos após à publicação original de sua obra, o próprio Singer afirma que já não sabe mais se o AG é um critério seguro para a solução de todos os problemas morais: “Eu já não estou mais tão seguro, se o AG é, em cada plano, um meio adequado para solucionar problemas morais e para aclarar dúvidas e discussões morais”.191

191 “Ich bin nicht mehr so sicher, ob das Argument der Verallgemeinerung auf jeder Ebene ein adäquates Mittel ist, moralische Probleme zu lösen und moralische Zweifel und Auseinandersetzungen zu klären” (SINGER, 1975, p. 10).

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Nesse sentido, a proposta de Singer, da mesma forma que a de Kant, também deixa algo a desejar. Além de o AG não ser aplicável a todos os casos de conflito moral, Singer se envolve em um emaranhado de problemas que ele procura resolver, mas, ao tentar resolvê-los, vai tornando sua proposta bastante ambígua. São muitas as peculiaridades que precisam ser consideradas e estar satisfeitas para que o Argumento da Generalização realmente funcione como critério para distinguir-se a correção ou incorreção moral de ações. Uma proposta bem distinta da de Singer, mas que também procura superar o problema apontado no princípio kantiano de fundamentação, é a proposta de Cirne Lima. 3.3 O Universal Concreto: coerência como princípio do dever moral 3.3.1 Filosofia como Projeto de Sistema Diferentemente de Kant, Habermas e Singer, Cirne Lima retoma o modelo neoplatônico de fazer Filosofia. Para ele, a Filosofia não pode ser dividida em subsistemas, como costumam fazer os que se denominam pós-modernos, e se ocupar apenas dos princípios primeiros de cada uma dessas ciências particulares, como a Lógica, a Física, a Astronomia, a Biologia, a Ética, a Política, a Estética, etc. Para os antigos, essas ciências particulares faziam parte da grande e abrangente ciência chamada Filosofia. Com Aristóteles, porém, o tema central da Filosofia Primeira passa a ser a questão dos primeiros princípios do ser e do pensar, princípios estes que são o fundamento racional de todas aquelas ciências particulares. Tem-se aí o início da ideia dos múltiplos sistemas que, no princípio, faziam parte da grande ciência chamada Filosofia. Cirne Lima compara a sua concepção de Filosofia a um grande jogo de quebra-cabeça. No jogo de quebra-

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cabeça, diz ele, temos que encaixar cada peça com as peças vizinhas de forma que, no final do jogo, se tenha uma imagem completa, isto é, “um todo coerente, sem buracos e sem rupturas”.192 Segundo o autor, em um grande jogo de quebra-cabeça é possível que se consiga montar apenas pedaços da grande imagem final, cada pedaço com sua figura própria, mas sem a composição final da figura. Se o jogo for jogado até o fim e não faltar nenhuma peça, todas as peças estarão, então, devidamente encaixadas e a imagem global estará completa, ou seja, teremos um todo coerente, sem buracos e sem rupturas. Compor essa imagem final é, então, o papel da Filosofia:

Fazer Filosofia hoje é como montar um grande quebra-cabeça. As ciências, como a Física, a Química, a Astronomia, a Biologia, a Arqueologia, a História, a Psicologia, a Sociologia etc., são recortes parciais do grande quebra-cabeça que é a Filosofia, a Ciência Universalíssima. Cada uma das ciências particulares monta o seu pedaço particular, ou seja, cada uma delas trata de algumas figuras. Nenhuma delas se preocupa e se encarrega da composição total do grande mosaico, que é a Filosofia, a razão, o sentido do universo. As ciências particulares trabalham, sim, na montagem do grande jogo de quebra-cabeça, mas cada uma delas se limita a um pequeno pedaço. Fazer Filosofia significa jogar o jogo até o fim, isto é, montar todas as peças, de sorte que se possa ver a imagem global.193

Contudo, diz o autor, como o filósofo não dispõe de todas as peças, pois o futuro ainda não chegou, o universo ainda está em curso e a História não acabou, o

192 Cf. CIRNE LIMA, 1996a, p. 12.

193 Id., p. 13.

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mosaico final estará sempre incompleto. Essa é a grande diferença entre o jogo de quebra-cabeça e a Filosofia. Não obstante isso, argumenta ele, é preciso montar o jogo com as peças existentes, pois o mosaico final da Filosofia “[...] é o sentido universal do universo em que vivemos, o sentido último de nossa vida”.194 Daí o subtítulo dessa parte do capítulo ser Filosofia como Projeto de Sistema e não Filosofia como Sistema, pois esse último remete a um sistema pronto e acabado, onde tudo está predeterminado. Ao contrário de Espinoza e especialmente de Hegel, que a princípio não quer, mas acaba caindo no mesmo necessitarismo sistêmico, o autor procura propor um sistema aberto195, um sistema em que há espaço para a contingência. O seu objetivo é justamente corrigir o erro do sistema hegeliano, pois nele tudo é predeterminado pelo ardil da razão. Se tudo está predeterminado, de nada adianta falar-se em liberdade e responsabilidade. Mediante a eliminação da contingência o sistema torna-se necessitarista, e é isso que o autor neo-hegeliano está tentando corrigir em relação ao pensamento de Hegel. Para Cirne Lima, a Filosofia é a grande ciência que contém dentro de si todas as ciências particulares. A explicação do mundo (explicatio mundi, como diziam os antigos) não deve ser feita de forma fragmentada, onde cada ciência particular se ocupa apenas de sua área do saber, como se não houvesse nenhuma ligação de uma para com a outra. As ciências particulares desenvolvem tarefas fundamentais, mas não devem ser pensadas como sistemas isolados, com fundamentos e princípios últimos próprios,

194 Id., ibid.

195 Uma das grandes preocupações de Cirne Lima consiste em privilegiar a contingência dentro do sistema. Pois, para ele, “quem nega a contingência, por princípio, tem que negar também o livre-arbítrio, a responsabilidade, a Justiça, o Direito, o Estado Democrático” (1996a, p. 211).

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cada uma independente da outra como se fossem saberes que não admitem uma síntese. A síntese, diz o autor, consiste em uma Grande Teoria Unificada, cujos princípios primeiro-últimos valem também para as ciências particulares. Para ele, os princípios primeiro-últimos da Grande Teoria são também os princípios tanto da Física, como da Biologia, da Psicologia, da Sociologia, da História e, em uma palavra, de todas as ciências particulares, pois todas elas fazem parte da ciência universalíssima, que é a Filosofia. De acordo com o autor, a grande síntese é possível e, mais do que isso, entende que a tarefa da Filosofia consiste justamente em tentar descobrir quais são as leis que valem para tudo ou, se quisermos, para todas as coisas. Se continuarmos a trabalhar com subsistemas, afirma ele, continuaremos a não fazer Filosofia. Esse é o objeto de sua denúncia:

É meio vergonhoso, mas devemos admitir que muitos filósofos hoje abandonaram a ideia da Grande Síntese e se contentam com subsistemas parciais; isso significa, porém, que deixaram de fazer verdadeira Filosofia.196

Em vez da Razão, una, única e com letra maiúscula,

afirma o autor, a característica central do pensamento pós-moderno são as múltiplas razões, no plural e com letra minúscula. Segundo ele, para os pós-modernos, a Razão, una e única ou, então, a Grande Síntese, defendida pelos neoplatônicos, não é mais possível. A Razão, escrita com letra maiúscula, está morta. O que existe e deve existir são as múltiplas razões. Conforme Cirne Lima, para o pensamento pós-moderno não existe um sistema uno e único, que abrange a tudo e a todas as coisas. Cada ciência constitui um subsistema

196 Id., p. 14.

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próprio, com princípios próprios e com razões próprias. Os princípios de determinado subsistema não valem para outro e, assim, cada subsistema é independente um do outro, de forma que não haja um único princípio válido universalmente. A razão pós-moderna, afirma ele, não nega apenas a existência de princípios que sejam universalíssimos, que interliguem os diversos subsistemas, mas também nega a existência de proposições que sejam universalmente válidas. Ao mostrar que quem nega a existência de proposições universalmente válidas repõe o próprio conteúdo negado – pois quem afirma que tais proposições inexistem, afirma que pelo menos essa proposição é universalmente válida e, assim, ao dizer se desdiz – o autor tenta mostrar que, da mesma forma que proposições universais são possíveis, leis ou princípios universalíssimos também são, em princípio, possíveis. Nesse sentido, postulada a possibilidade da existência da razão una, única e universalíssima, o autor se debruça sobre a seguinte questão: descobrir qual é ou quais são os princípios universalíssimos, que sejam válidos sempre e que interliguem os diversos subsistemas. Essa investigação constitui o seu projeto de sistema exposto inicialmente no artigo Dialética e Evolução (1995) e, depois, de forma um pouco mais detalhada, na obra Dialética para principiantes (1996). 3.3.2 O Princípio da Coerência como critério do agir moral O projeto de sistema proposto por Cirne Lima, semelhantemente ao sistema hegeliano, é dividido em três partes, quais sejam: Lógica, Natureza e Espírito. Todas essas partes são regidas por três princípios que, segundo o autor, determinam e ordenam tanto o pensamento analítico como o pensamento dialético, a saber: Princípio de Identidade, Princípio da Diferença e Princípio da Coerência. Para o autor,

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cada princípio corresponde, respectivamente, a um dos momentos do movimento dialético, que são tese, antítese e síntese. Cada princípio é composto por subprincípios e, esses, igualmente válidos para todas as partes do sistema. Senão vejamos o seguinte quadro197:

Princípios da Lógica

Princípios da Natureza

Princípios do Espírito198

1. IDENTIDADE:

1.1. Identidade simples A Indivíduo Pessoa

1.2. Identidade iterativa A A A Iteração, replicação, reprodução

Educação

1.3. Identidade reflexa A=A Espécie Cultura

2. DIFERENÇA:

2.1. Diferença de contraditórios A e Não A

(não existente) (não existente)

2.2. Diferença de contrários A e B

Emergência do novo, mutação por acaso

Crítica, criatividade

3. COERÊNCIA:

3.1. Anulação de um dos polos Morte, seleção natural

Seleção cultural

3.2. Elaboração das devidas distinções

Adaptação Imperativo Moral =

3.3. História da Dialética História da Evolução

Princípio da Coerência Universal

197 Os elementos da Lógica e da Natureza, apresentados no quadro, têm como fonte: CIRNE LIMA, 1996a, p. 157.

198 Tanto em Dialética e Evolução como em Dialética para principiantes, Cirne Lima não apresenta a diagramação dos elementos que correspondem aos princípios e subprincípios da terceira parte do Sistema, que é o Espírito. Entretanto, os elementos dessa terceira parte foram apresentados por ele durante as suas aulas, ministradas ao Programa de Pós-Graduação da PUCRS (1998/ I e II). É essa a diagramação que apresento aqui.

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A partir do esquema acima, deve estar claro que nesta proposta de sistema o Princípio da Identidade, o Princípio da Diferença e o Princípio da Coerência valem tanto para a Lógica como para a Natureza e para o Espírito. São esses os três princípios, correspondentes ao movimento triádico de tese, antítese e síntese, que perpassam todo o sistema de Cirne Lima. Não quero entrar em maiores detalhes sobre cada um deles, mas quero ater-me ao terceiro princípio da terceira parte dessa proposta, ou seja, ao Princípio da Coerência, na parte denominada Espírito, pois é ali que se encontra o aspecto com o qual venho me ocupando durante todo o trabalho, a saber, o princípio ou critério do agir moral em diferentes propostas de fundamentação ética. Kant apresenta o imperativo categórico como critério da moralidade. Habermas apresenta o Princípio “U”, acrescentado ao Princípio “D”, como critério procedimentalista para o agir moral. Marcus G. Singer apresenta o Argumento da Generalização como princípio último do agir moral. E, para ser bastante breve, Cirne Lima apresenta o Princípio da Coerência como critério de correção ou incorreção do agir humano. Mas o que é e em que consiste tal princípio? O Princípio da Coerência é também chamado, por seu autor, de Princípio de Não Contradição ou Princípio da Contradição a Ser Evitada. O Princípio de Não Contradição é inicialmente formulado no livro Gama da Metafísica de Aristóteles e constantemente retomado, por analíticos, para dizer que fazer dialética, isto é, negar o Princípio da Não Contradição é bobagem. O próprio Aristóteles já dizia isso contra seu velho mestre Platão. Trabalhar com polos opostos, trabalhar com tese e antítese, dizer e desdizer, afirmam os analíticos, é irracional, leva a contradições e por isso deve ser abandonado como método filosófico. Entretanto, Cirne Lima diz que não, que fazer dialética não é algo irracional. Mais do que isto, toma a dialética como

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método privilegiado de fazer Filosofia, embora procure constantemente aproximar dialética e analítica. Segundo o autor, muitos pensadores ainda continuam sem saber como conciliar dialética com o Princípio de Não Contradição. Dialéticos e analíticos, diz ele, jamais se entenderam, e apresenta duas razões para as divergências. Por um lado, não se entendem por usarem expressões terminológicas diferentes: “[...] quando os Dialéticos dizem Contradição eles querem dizer aquilo que os Analíticos chamam de Contrariedade; quando os Dialéticos falam de Contraditórios, querem dizer Contrários”.199 Por outro lado, por empregarem diferentes estruturas sintáticas em suas linguagens: enquanto os analíticos trabalham com proposições em que o sujeito e o predicado ficam sempre expressos, os dialéticos trabalham com proposições em que o sujeito nem sempre fica expresso. Não tendo o sujeito e, consequentemente, o quantificador expressos, os analíticos não conseguem distinguir entre contrários e contraditórios. Daí a confusão e a dificuldade de se entenderem com os dialéticos.200 O Princípio da Coerência, proposto por Cirne Lima, resulta do Princípio de Não Contradição201 de Aristóteles, cuja formulação é: “É impossível predicar e não predicar o mesmo do mesmo sob o mesmo aspecto e ao mesmo tempo”.202 Para facilitar a compreensão, sigo a sugestão do autor e transcrevo-o da seguinte forma: é

199 CIRNE LIMA, 1996a, p. 122.

200 Para um melhor detalhamento sobre essa questão, ver Dialética para principiantes, p. 93-121.

201 Aristóteles, no livro Gama da Metafísica, apresenta duas formulações para o Princípio de Não Contradição. Na primeira, o princípio é apresentado como regra lógica e, na segunda, como regra ontológica. O Princípio da Coerência é resultado das considerações acerca do Princípio de Não Contradição enquanto regra lógica do pensar e falar.

202 CIRNE LIMA, 1996b, p. 60.

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impossível predicar e não predicar o mesmo predicado do mesmo sujeito sob o mesmo aspecto e ao mesmo tempo. Assim, de acordo com o princípio aristotélico, quem diz e desdiz algo do mesmo sujeito sob o mesmo aspecto, sem fazer as devidas distinções, está fazendo um discurso irracional. Dizer P e não P sob os mesmos aspectos, sem fazer as devidas distinções, é dizer bobagens, ou seja, é dizer coisas sem sentido, coisas sem fundamento. Em síntese, é isso que diz o Princípio de Não Contradição. Cirne Lima afirma, porém, que o Princípio de Não Contradição, da forma como ele foi elaborado por Aristóteles, contém um erro e precisa ser reformulado. O argumento é o que segue. Dizer que é impossível afirmar P e não P do mesmo sujeito sob o mesmo aspecto e ao mesmo tempo não é um juízo correto. Não é impossível dizer “João é careca e não careca” sob o mesmo aspecto e ao mesmo tempo. A maior prova dessa possibilidade é o fato de se poder escrever isso e também poder dizer o mesmo em alto e bom tom. Nesse sentido, diz o autor, percebe-se que o operador modal é impossível (adynaton) é muito forte, pois contradições no pensar e falar são, em princípio, possíveis. É tranquilamente possível dizer P e não P. Entretanto, quem diz P e não P ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto está dizendo bobagens, está fazendo um discurso irracional. Dado que dizer e desdizer é um discurso irracional, discursos dessa natureza devem ser evitados. Assim, afirma o autor, o operador modal é impossível, tem de ser substituído pelo operador modal não se deve203, que é um operador mais fraco que aquele. Pois não é impossível dizer P e não P, mas não se deve dizer P e não P, ou seja, não é coerente dizer P e não P. Daí o Princípio

203 Este é o lugar em que Cirne Lima afirma fazer a passagem de proposições descritivas para proposições normativas, sem incorrer na falácia naturalista. A fundamentação do dever-ser é, para o autor, em princípio, a mesma do Princípio de Não Contradição, quando corretamente formulado (isto é, com o operador deôntico).

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da Coerência: não se deve predicar e não predicar o mesmo predicado do mesmo sujeito sob o mesmo aspecto e ao mesmo tempo. Essa formulação aponta para a Lógica, mas, como se verá, o Princípio da Contradição a Ser Evitada deve valer também para a Natureza e para o Espírito, que são as outras duas partes do Sistema. O Princípio da Coerência é, segundo o autor neo-hegeliano, um princípio deôntico. O operador modal tradicional é impossível é substituído pelo operador modal deôntico não se deve. Enquanto o princípio aristotélico só é válido para sistemas lógicos formalizados, pois em sistemas não formalizados as contradições são efetivamente possíveis, o Princípio de Não Contradição em seu sentido mais fraco é universalissimamente válido.

O Princípio de Não Contradição neste segundo sentido, agora universalíssimo e ilimitado, expressa não uma impossibilidade lógica, um não-poder-existir, mas tão somente um não-dever-ser.204

Segundo o autor, o referido princípio vale tanto

para a Lógica como para a Natureza e para o Espírito. O exemplo apresentado dizer P e não P remonta à Lógica, mas o mesmo Princípio da Contradição a Ser Evitada, agora deôntico, vale igualmente para as três partes do sistema. Conforme o autor, o Princípio da Coerência supera a disjunção entre a razão prática e a razão teórica do pensamento de Kant e dos neokantianos. O imperativo categórico de Kant vale para a razão prática, mas não para a razão teórica e muito menos para a Natureza. O princípio “U” de Habermas, além da razão prática, vale também na Lógica, mas não perpassa a Natureza. Propondo o Princípio da Coerência, que deve valer tanto para a Lógica (razão teórica) como para a Natureza e para o Espírito (razão

204 Id., p. 65.

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prática), o neo-hegeliano afirma que é isto o que diferencia a sua proposta da dos neokantianos, mas que, fora isso, a sua proposta ética entra em congruência com o que Apel e Habermas estão propondo.205 Nas palavras do neo-hegeliano, “o Primeiro Princípio do Dever-Ser é, desde o começo do sistema, o Princípio da Contradição a Ser Evitada, ou, com outro nome, o Princípio da Coerência”.206 O fundamento de tal princípio é o mesmo do Princípio de Não Contradição de Aristóteles. Para o estagirita, quem quiser negar o Princípio de Não Contradição cai em contradição, pois, ao negá-lo, o pressupõe novamente ou fica reduzido ao estado de planta. O próprio ato de fala, pelo qual se nega o Princípio de Não Contradição, pressupõe o princípio mencionado. A única forma de se negar aquele Princípio é ficar completamente calado, isto é, nunca mais dizer nada, pois quem fala e argumenta sempre repõe o Princípio de Não Contradição que quer negar. “O silêncio total é a única alternativa para quem nega o princípio básico de toda fala.”207 Nesse sentido, como apenas houve um enfraquecimento do operador modal tradicional, a fundamentação do Princípio de Não Contradição, apresentada por Aristóteles, vale também para o Princípio da Coerência. De acordo com o autor, o discurso dialético é desde o início – desde a Lógica, passando pela Natureza, até o Espírito – regido por um dever-ser. Não é só na Lógica que devem ser evitadas as contradições. Também na Natureza o dever-ser impõe-se espontaneamente, pois, no processo evolutivo, os seres simples vão se tornando cada vez mais complexos, e eles devem se adaptar. Os que não se adaptam são o não coerente, o não dever ser. Esses são espontaneamente eliminados da Natureza: “Morte e

205Cf. CIRNE LIMA, 1996a, p. 182.

206 Id., p. 180.

207 Id., p. 134.

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Seleção Natural são os nomes usados pelos biólogos para expressar aquilo que nós, em Lógica, chamamos princípio da Coerência”.208 Da mesma forma que a Lógica, afirma o autor, a Natureza também obedece a leis. Entretanto, argumenta ele, não são leis tão duras, isto é, não são leis que determinam todas as coisas até o último pormenor. Mesmo obedecendo a leis, há espaço na Natureza para variações individuais. As coisas da Natureza não estão duramente predeterminadas. Elas obedecem a um dever-ser e, assim, sempre há espaço para a contingência, sempre há espaço para a emergência do novo.

É claro que o dever-ser aqui não pode ser tomado no sentido estritamente humano de ética e de lei moral, mas apenas como lei da natureza que determina, sim, mas não determina tão fortemente como as leis da Lógica Formal e da Matemática, a saber, até o último pormenor.209

A emergência do novo é resultado da contingência,

isto é, do acaso. O acaso é, segundo o neo-hegeliano, um elemento importante e, mais do que isso, imprescindível, pois sem ele não haveria movimento, não haveria dialética, não haveria reconstrução da totalidade na qual vivemos concretamente. “[...] sem o acaso, a Natureza seria apenas a explicação necessária (explicatio) daquilo que foi implicado (implicatum) na semente inicial.”210 Sem o acaso tudo estaria predeterminado. A partir de uma teoria necessitarista da natureza, tanto a historicidade como a liberdade do homem estariam comprometidas. O livre-arbítrio, ou livre escolha entre alternativas que sejam igualmente possíveis, ficaria

208 Id., p. 180.

209 Id., p. 161.

210 Id., p. 163.

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por princípio impossibilitado. Da mesma forma que uma teoria da evolução tem o acaso como elemento constitutivo, para o autor o acaso também é pressuposto fundamental para a correta construção da Ética e da Política. Sua tese é a de que a Ética tem suas bases em uma teoria da evolução e que ela tira seus conteúdos também da contingência. Posto isso tudo, a pergunta que se faz então é: qual é o princípio que deve servir de critério para o agir moral humano? Qual é a formulação do Primeiro Princípio do Dever-Ser que deve servir de bússola para saber-se agir corretamente? Nas palavras do próprio autor,

exatamente aquela do Imperativo Categórico de Kant, ou do Princípio “U” de Apel e de Habermas. Com relação a estes a diferença específica deste projeto é que o Princípio da Coerência [...] perpassa todo o Sistema de Filosofia desde o começo da Lógica até o fim, até o Absoluto.211

Para que determinada ação seja correta, diz o autor,

ela tem de se inserir e ser coerente com o todo maior, que é o universal concreto. O dever-ser é aquilo que se encaixa e é coerente com o seu meio. O carburador, por exemplo, é uma parte do todo, que é o motor. Toma-se, então, o carburador e tenta-se ver se ele se encaixa no todo. Se ele se encaixar, então é um dever-ser, pois é coerente com o bom funcionamento daquele todo maior, que é o universal concreto. O mesmo, afirma o autor, acontece na Ética. Toma-se, por exemplo, a ação de mentir, de roubar, de produzir alimentos, etc., e tenta-se ver se cada uma delas se encaixa no universal concreto. Se sim, então são ações que podem ser realizadas, pois fazem parte do todo coerente. As ações que influenciam negativamente no universal concreto são ações incorretas, ações que não devem ser realizadas. As ações

211 Id., p. 181.

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que não se encaixam para a construção do Grande Mosaico do Sentido do Mundo são incoerentes e, por isso, moralmente proibidas. Entretanto, o Princípio da Coerência, da forma como ele foi apresentado por Cirne Lima, é muito genérico e, por ser assim, não é critério seguro para a determinação do dever moral humano. A afirmação de que a formulação do primeiro princípio da Ética é exatamente aquela do Imperativo Categórico de Kant ou do Princípio “U” de Apel e Habermas, com a diferença específica de que o Princípio da Coerência perpassa todo o Sistema de Filosofia212, significa que essa proposta carece de uma formulação própria do critério a ser seguido para o agir moral. O Princípio da Coerência apenas diz que faz parte do dever-ser aquilo que é coerente. Mas, afinal, o que é o coerente? Como se deve proceder para descobrir-se o que é objetivamente coerente? Qual é o caminho que deve ser seguido para se descobrir qual ação faz parte e qual ação não faz parte do dever-ser moral? O caminho para a justificação de ações indicado por Kant e Singer é monológico. O indicado por Habermas é dialógico. E, para Cirne Lima, qual é o procedimento mais apropriado para se determinar o que é objetivamente coerente: a investigação solipsística? A roda do discurso? Ou ambos os procedimentos conduzem a resultados seguros? Por outro lado, se não houver um maior detalhamento do Princípio da Coerência como critério do agir moral, pode-se justificar também ações imorais. Poder-se-ia argumentar, por exemplo, que na fabricação de produtos ou na produção de alimentos é justificada a prática da exploração ou da escravidão, pois, da mesma forma que o chefe de serviço, o patrão ou o Senhor, devem existir também o explorado e o escravo. Sob este ponto de vista, patrão e explorado, Senhor e escravo são funções que

212 Cf. id., ibid.

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fazem parte do sistema, pois é dessa relação que resulta a fabricação de produtos e a produção de alimentos. Assim, poder-se-ia argumentar que a existência da exploração e escravidão é algo coerente e que são ações que fazem parte do dever-ser.

Se se amplia a exigência de coerência, que é o que o autor recomenda, a exploração e a escravidão são desmascaradas como algo incoerente com o todo maior, que neste caso é o bem-estar e a dignidade de todas as pessoas humanas. Se se analisam a exploração e a escravidão dentro desse todo maior, perceber-se-á que são práticas incoerentes e que são rejeitadas como incorretas pelo Princípio da Coerência Universal. Entretanto, o problema antes posto reaparece: dado que a análise da coerência ou não da ação tem de ser feita do todo maior e não do todo fragmentado, como ela é realizada? Qual é o procedimento a ser seguido para se determinar o que é coerente e o que é incoerente? Nesse sentido, falta à proposta de Cirne Lima uma especificação maior acerca do critério de fundamentação do agir moral humano. Se o Princípio da Coerência é o princípio universalíssimo do dever-ser, falta um redirecionamento maior do citado princípio para a Ética, de forma que ele realmente possa desempenhar o papel de critério de fundamentação do dever-ser moral.

3.3.3 O Universal Abstrato e o Universal Concreto Para Cirne Lima, a grande dificuldade da proposta ética de Kant, e de todas as propostas neokantianas, está em fazer a passagem do universal para o particular, do imperativo categórico para a decisão individual do homem, do princípio universal, que é vazio, para o particular que possui conteúdos.213 Habermas procura resolver o problema kantiano mostrando que o princípio “U” tem de

213 Cf. CIRNE LIMA, 1996a, p. 182.

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ser exercido dentro da roda do discurso, que é a situação concreta do mundo da vida. De dentro desse horizonte surgem os interesses conteudísticos que devem ser submetidos ao teste de universalização. Os interesses que puderem ser universalizados são morais e os que não puderem ser universalizados são imorais. Entretanto, diz Cirne Lima, a junção do princípio “U”, que é formal e vazio, com a situação real do discurso não fica bem resolvida. A questão que se coloca então é: qual é a razão da dificuldade da passagem do universal para o particular e do particular para o universal? Qual é o problema? Por que é tão difícil trabalhar com um princípio universal formal como critério de fundamentação dos interesses, que são concretos e conteudísticos? Segundo o autor, a passagem do universal para o particular e do particular para o universal é um problema que surge sempre que se segue um sistema dualista. Em um sistema monista, diz ele, não há uma oposição não conciliada entre formal/abstrato e concreto, entre particular e universal. “O sistema monista consiste justamente na conciliação destes polos opostos. [...] O Individual e o Particular são apenas recortes que se faz dentro do Universal”.214 Essa concepção de universal, porém, remonta ao que Hegel chama de universal concreto. Em oposição ao universal concreto, Hegel distingue o universal abstrato, que é o universal característico dos sistemas dualistas. Os dualistas nunca falam de dois universais. O universal, para eles, é um só. Entretanto, do ponto de vista hegeliano, falam sempre do universal abstrato, do universal que é comum a vários particulares, do universal que está sempre em contraposição ao particular. O universal concreto, por sua vez, consiste na totalidade do conceito.215 Em tal modelo, o particular não nega o universal, mas é algo que

214 Id., p. 183.

215 Essa expressão provém do pensamento hegeliano.

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lhe pertence. O universal concreto é “[...] um universal que em vez de estar separado do particular é a realidade mesma do particular em sua rica concretude”.216 A partir de Kant, a universalidade tornou-se um aspecto privilegiado quando se trata de fundamentação ou justificação moral. Só é moral aquilo que pode ser universalizado. Isso é quase que uma unanimidade entre as propostas éticas contemporâneas. Além da razão prática, também na razão teórica de Apel e Habermas a universalidade tornou-se o critério de verdade, ou seja, só é verdadeiro aquilo que pode ser intersubjetivamente reconhecido como tal. Nesse sentido, afirma Cirne Lima, a tarefa com a qual os pensadores dualistas vêm se ocupando consiste em formular princípios que sirvam de elo de ligação entre o universal e o particular. Entretanto, argumenta ele, como tratam o universal e o particular como dois polos distintos que jamais admitem uma síntese, encontram uma enorme dificuldade em fazer a junção entre esses dois polos. Para que a ação ou máxima subjetiva possa ser moral, os dualistas afirmam que ela tem de poder ser universalizada. Essa universalização, no entanto, consiste em um universal abstrato, pois não compreende a totalidade, não compreende a síntese entre o geral e o particular, mas tem por objeto o comum a vários particulares. Daí a dificuldade, segundo o autor, de fazerem a passagem do universal para o particular e do particular para o universal. Os dualistas tratam de polos opostos sem jamais conciliá-los.217

216 MORA, 1994, p. 3602.

217 Embora os exemplos apresentados por Singer sejam exemplos de universal concreto, a sua proposta de fundamentação do agir moral identifica-se com o paradigma dualista do universal abstrato, pois não procura fazer uma síntese entre o geral e o particular. Da mesma forma que Kant, Habermas e Guariglia, também Singer trabalha com polos opostos sem jamais conciliá-los. Para esses autores, o particular está sempre em oposição ao universal e não há o momento da conciliação entre ambos.

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Conforme o neo-hegeliano, os representantes de sistemas monistas não encontram a mesma dificuldade em fazer a passagem do particular para o universal, pois já sempre trabalham com um particular que faz parte do todo, que faz parte do universal. Enquanto para os dualistas o universal consiste sempre em um recorte do todo maior, para os monistas, o universal é sempre o universal concreto, o universal que contém em si também o particular. De acordo com o pensamento de Hegel, Kant permanece em um universal abstrato, pois não considera a totalidade do conceito. Pela proposta de Kant, a parte é sempre separada do todo e aí tenta-se a universalização. Se tomarmos a mentira isolada do seu contexto maior, por exemplo, veremos que ela jamais deve ser realizada, pois não pode ser universalizada. Se a mentira fosse transformada em lei universal, ninguém confiaria mais no que outro dissesse. Logo, com Kant conclui-se que o dever moral é não mentir nunca. Entretanto, se se toma a mentira ao assassino para salvar a vida de um inocente, ver-se-á que neste contexto, nesse todo maior, que compreende o universal concreto, a mentira seria justificada e, mais do que isto, tornar-se-ia um dever, pois, nesse caso, a omissão ao salvamento do inocente seria mais imoral do que aquela mentira. É o universal concreto que determina que naquelas circunstâncias específicas a mentira não é algo incorreto. A mentira é, em geral, algo incorreto, algo que não deve ser realizado. No entanto, não se pode determinar a correção de ações a partir de um universal abstrato, como faz Kant, pois pode-se estar justificando a realização de ações imorais. O universal concreto é fundamental para a correta determinação do dever moral. Sem a consideração do contexto e das circunstâncias empíricas das ações, corre-se o risco constante da justificação de absurdos. Cirne Lima, da mesma forma que Hegel, também trabalha com o universal concreto, que é o universal por coerência. No universal proposto por ele, a parte tem de se inserir no

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todo. A ação para ser moral tem de ser coerente com o seu meio. Toma-se, por exemplo, a ação de ser professor. Ser professor é algo que se insere no todo maior que é o universal concreto? Se sim, então ser professor é um dever-ser, algo coerente, uma ação que pode ser realizada. A partir do universal concreto percebe-se, porém, que nem todos podem ser professores. Alguns têm de produzir alimentos, outros têm de construir casas, outros têm de fabricar roupas, outros têm de ser médicos e assim por diante. Cada uma dessas funções cabe no todo maior, cada uma delas é um dever-ser, só que não podem ser universalizadas abstratamente. Conforme o autor, somente a partir do universal concreto pode-se saber se uma ação é boa ou não. Boa é aquela ação que contribui para a constituição do todo coerente, do todo equilibrado sem sobras nem carências. Marcus Singer, ao apresentar o AG como critério de fundamentação do agir moral, já havia percebido que as máximas não podem ser universalizadas de forma abstrata e plana, pois podem levar a uma implosão. Se universalizarmos ser professor, produzir alimentos, fabricar roupas, almoçar no restaurante x, jantar no horário y, etc., veremos que, na prática, as consequências seriam extremamente indesejáveis. Singer não trabalha com um universal concreto no sentido hegeliano do conceito. Não obstante isso, em sua proposta de fundamentação do agir moral as consequências e as circunstâncias concretas das ações estão sempre contempladas. Algo semelhante acontece na proposta de Habermas, pois na roda do discurso as consequências e os efeitos colaterais das normas provenientes do mundo da vida são sempre tematizados, seja direta ou indiretamente. A proposta de Kant, por sua vez, trabalha com um universal puramente abstrato. Por ser assim, mediante o emprego do imperativo categórico, conclui-se que ninguém deve ser professor, produzir alimentos, construir casas, etc., pois são ações que não podem ser universalizadas. Se

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universalizadas, implodem. Logo, são ações imorais e ninguém deve realizá-las. Essa é a conclusão a que se chega com a aplicação consequente do imperativo categórico. Mas dizer que ninguém deve ser professor, produzir alimentos, construir casas, etc. não é um absurdo? Penso que não deve haver dúvidas quanto à resposta afirmativa a essa questão. Não obstante isso, algum defensor de Kant poderia argumentar que se trata de ações que não têm nada a ver com a moralidade. Entretanto, tal defensor estará referindo-se sempre a um universal abstrato, pois, se se insere aquelas máximas dentro do contexto histórico-concreto, perceber-se-á que elas têm a ver, sim, com o dever moral. A título de ilustração, poder-se-ia perguntar: se a população começasse a morrer de frio e fome por não haver mais ninguém que fabrique roupas e produza alimentos, em uma situação em que tudo é favorável ao desenvolvimento dessas atividades, será que isso não tem nada a ver com a moralidade? Se a população começasse a morrer por falta de médicos, em uma situação em que tudo é favorável ao ensino e à prática da medicina, será que isso não tem nada a ver com o dever moral? Penso que sim, pois, se se tomam as ações inseridas no contexto histórico, que é o universal concreto, então são passíveis de avaliação moral. Da mesma forma que a ação de mentir, matar ou roubar, ser professor, ser médico, fabricar roupas, produzir alimentos, etc. são ações que devem ser moralmente avaliadas. Mas isso só é possível se se trabalha com um universal concreto. Em se tratando da correção ou incorreção de ações, parece-me oportuno fazer ainda um comentário acerca da distinção kantiana entre moralidade e legalidade. Essa distinção é, na minha opinião, um dos grandes erros do pensamento de Kant e de todos os autores que o seguem neste aspecto. Separar a Ética do Direito, a moralidade da legalidade é algo de difícil aceitação, pois sempre se estará frente a duas respostas: uma ação pode ser correta ou incorreta do ponto de vista moral e correta ou incorreta do

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ponto de vista legal. Habermas, da mesma forma que Kant, introduz explicitamente essa distinção, pois transforma o princípio “D” da Ética no princípio da democracia no Direito e a regra de argumentação, isto é, o princípio “U” da Ética, é abandonado no Direito. Singer, na obra Generalization in Ethics, não fala de uma distinção entre moralidade e legalidade, mas propõe o AG como um princípio equivalente ao imperativo categórico de Kant, o que leva a crer que o AG é um princípio válido apenas para a Ética e não válido também para o Direito. A grande dificuldade da distinção entre moralidade e legalidade está na possibilidade de se obterem duas respostas acerca do mesmo problema. Há países em que o aborto livre, por exemplo, é moralmente condenado, mas legalmente permitido, o que leva as pessoas a um dilema, pois são ao mesmo tempo sujeitos éticos e membros do Direito.218 Entretanto, quando falo em uma conciliação entre moralidade e legalidade, não estou querendo defender um positivismo jurídico. Por positivismo jurídico entendo a ideia de que o moral é aquilo que está prescrito na lei positiva. Nesse sentido, não procuro defender, aqui, a tese de que o moralmente correto é aquilo que está escrito nas Leis do Estado, pois nem tudo aquilo que está na Constituição pode ser considerado sempre como certo e justo. No entanto, penso que a moralidade não deveria ser, em princípio, algo distinto da legalidade. O princípio de fundamentação das leis positivas teria de ser o mesmo ou ser, pelo menos, um prolongamento do princípio de fundamentação das normas morais. Só assim é possível que haja moralidade na legalidade, Ética no Direito sem se defender um positivismo jurídico.

218 A condenação moral do aborto livre tem como fundamento crenças religiosas ou outros princípios quaisquer, mas não é resultado de uma fundamentação ética universal, pois essa por enquanto só existe abstratamente, ou seja, só existe enquanto objeto de discussão.

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Na proposta de Cirne Lima, o problema em questão parece ficar resolvido. Como o princípio do dever-ser é único e universalíssimo, moralidade e legalidade, em princípio, andam juntas. O correto e o incorreto é determinado pelo Princípio da Coerência, que, segundo o autor, é o princípio tanto da Ética como do Direito, da Lógica, da Biologia, da Física e, em uma palavra, de todas as ciências particulares, pois não passam de subsistemas e, assim, obedecem ao mesmo princípio do dever-ser que é apresentado como universalíssimo. A máxima ou ação que se encaixa no todo maior e contribui positivamente para a constituição do grande mosaico do sentido do mundo faz parte do dever-ser e por isso é correta. O que não for compatível e não for coerente para a construção daquele grande mosaico está em contradição com ele e por isso é incorreto. Nesse sentido, de acordo com o pensamento desse autor, o Princípio da Coerência é o princípio tanto da legalidade como da moralidade. Em qualquer situação e para qualquer ação, o Princípio da Coerência é o princípio do dever-ser, o princípio a partir do qual devemos determinar o que é correto e o que é errado. Entretanto, como já se disse acima, a grande dificuldade dessa proposta está em não indicar o procedimento a ser seguido para se determinar o que é e o que não é coerente. Com base em exposições orais e rodas de discussão, o autor critica o solipsismo da proposta de Kant e concorda mais com a proposta da roda do discurso de Apel e Habermas. Entretanto, afirma que o discurso deve ser conduzido ao discurso institucionalizado que, segundo ele, se dá na família, sociedade civil e Estado. Contudo, enquanto não se tiver essa ideia bem detalhada e por escrito, que é o que objetiva o pensamento de um autor, penso que a crítica supraexposta é cabível.

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Considerações finais

A reconstrução dessas diferentes propostas de fundamentação do julgar e agir moral mostra que o universal ou a universalização é um elemento comum a todas elas. Diferentes são os enfoques dados a esse elemento, mas pode-se dizer, sem exagero de linguagem, que o universal é o critério de correção ou incorreção em todas as propostas analisadas. Desde que foi introduzido por Kant, esse elemento vem recebendo um destaque cada vez maior e, na atualidade, o termo universal praticamente co-habita o terreno da Ética quando se fala em critério de fundamentação do agir moral. Na proposta de Kant, apresentada no primeiro capítulo, o critério de fundamentação do agir moral é a possibilidade de universalização das máximas de ação. As máximas que puderem ser universalizadas, por meio de um exercício solipsístico, sem contradições, valem também como leis morais. Dado que são leis, valem universalmente, isto é, devem reger as ações de todos os homens. Com Hegel, porém, percebemos que com base no imperativo categórico, sem a mediação dos conteúdos gerais e elementares do dever, só é possível estabelecerem-se deveres subjetivos, pois ficam restritos ao conjunto de indivíduos que age segundo os mesmos costumes, segundo os mesmos princípios. Para o grupo de pessoas que age segundo outros costumes, aqueles deveres fundamentados pelo imperativo categórico podem não ser válidos. Segundo Hegel, o que falta em Kant, então, é a determinação dos princípios objetivos do dever. Somente a partir desses princípios pode-se determinar também deveres objetivos,

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recorrendo-se àquele princípio formal apresentado por Kant. Em um passo seguinte, deixa-se a crítica de Hegel de lado e analisa-se a natureza dos deveres fundamentados pelo imperativo categórico. O resultado a que se chega mostra que a obsessão de Kant pela universalidade da lei moral leva-o também a desconsiderar as circunstâncias empíricas das ações. Nesse sentido, os deveres resultantes da aplicação do imperativo categórico são deveres absolutos, que devem ser válidos sempre, independentemente das circunstâncias contingentes das ações. A ética do discurso de Habermas, exposta no capítulo segundo, também deposita o fundamento do agir moral na possibilidade de universalização das pretensões normativas subjetivas. Diferentemente de Kant, o teste de universalização do agir ou da pretensão normativa subjetiva acontece na roda do discurso. Para ser moralmente válida, a norma ou ação tem de poder ser aceita como lei por todos os possíveis concernidos. Se a pretensão normativa subjetiva não for aceita por todos, então é rejeitada como imoral. Nesse caso, a pretensão subjetiva não alcançou a universalidade necessária que a caracterizaria como moral. Diferentemente de Kant, essa tentativa de universalização é feita na roda do discurso onde todos os sujeitos capazes de linguagem e ação devem fazer parte. Os que não estão presentes na roda real do discurso devem ser considerados por aqueles argumentantes reais, constituindo, assim, a comunidade ideal de comunicação. O teste da universalização das máximas ou pretensões normativas subjetivas não ocorre mais solipsisticamente, como propõe Kant, mas é feito intersubjetivamente. A grande diferença entre o procedimento de universalização proposto por Habermas, em relação a Kant, está no fato de que as normas resultantes do princípio “U”, somado ao “D”, não são absolutas ou

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válidas sempre, independentemente das circunstâncias das ações. Muito pelo contrário, desde que se tenham boas razões (Gründe), as normas morais, que já passaram pelo teste de universalização, estão sempre sujeitas à reformulação. Mas a questão que foi levantada é: o que são essas razões (Gründe)? Habermas não diz o que são. Entretanto, são elas que fundamentam a validade de normas morais nos discursos práticos. Isso leva a crer que o autor faz uso de um terceiro princípio, que Cirne Lima chama de princípio “G” (Gründe). Habermas, em sua proposta, jamais falou da existência de um terceiro princípio. Contudo, se as razões não são nem “U” nem “D”, mas são o fundamento para a validação das normas que se encontram controversas, certamente trata-se de um outro princípio. Marcus Singer apresenta uma proposta bastante semelhante à de Kant. Também para ele a generalização – ou, em termos kantianos, a universalização – é o critério para se saber quais máximas ou ações são morais. As ações que implicam consequências indesejáveis, ao serem universalizadas, são moralmente proibidas e não devem ser realizadas por ninguém. O mesmo acontece com as máximas. As máximas que implicarem consequências indesejáveis, ao serem elevadas a leis universais, representam normas imorais e não devem ser seguidas por ninguém. Aqui, porém, o dever moral não é absoluto, como acontece em Kant. Se não matar é o dever, isso não significa que o dever é matar jamais, independentemente de quais sejam as circunstâncias das ações. A consideração das circunstâncias no processo de determinação do dever moral é um dos elementos de destaque da proposta de Singer. Se universalizássemos a máxima de matar ou mentir, por exemplo, perceberíamos que as consequências seriam indesejáveis. Resulta dali que o dever é não matar e não mentir. Entretanto, as circunstâncias podem ser tais que matar ou mentir de forma alguma constituem ações

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imorais. Pense-se no exemplo do matar como único meio para salvar a sua própria vida das mãos de um criminoso, ou no mentir a um assassino para salvar a vida de um inocente, etc. Matar ou mentir, em tais circunstâncias, não constituem ações imorais, pois, se cada um que se encontrasse nas mesmas circunstâncias realizasse tais ações, de forma alguma as consequências seriam indesejáveis. Assim, de acordo com o pensamento do autor, todas as pessoas que se encontrarem em tais circunstâncias e em semelhantes condições têm o direito de matar ou mentir. Singer percebe, porém, que o Argumento da Generalização, se levado à risca, pode levar à justificação de absurdos. Se universalizarmos produzir alimentos e todos passassem a realizar tal ação, as consequências seriam indesejáveis, pois não haveria ninguém que construísse casas e fabricasse roupas, o que poderia levar a humanidade a morrer de frio. Pela aplicação do AG teria de se concluir, então, que ninguém tem o direito de produzir alimentos, o que é um absurdo. O mesmo problema, o autor percebeu no imperativo categórico de Kant. Ser professor, por exemplo, é em princípio algo correto, mas, se universalizarmos tal máxima, perceberemos que a humanidade se extinguirá. Logo, se por um lado ser professor é algo correto, por outro percebe-se que é algo que não pode ser universalizado, o que mostra a deficiência da universalização plana como critério do agir moral. A partir dessa constatação, Singer estabeleceu restrições para a aplicação dos critérios de universalidade como critérios do agir moral: para ser válido, diz o autor, tanto o AG como o imperativo categórico não podem ser aplicados a argumentos que são repetíveis e invertíveis. Entretanto, no meu modo de entender, se os princípios que devem reger o agir humano, para serem válidos, não podem ser aplicados a todas as espécies de ações, então não são critérios suficientes para orientar o agir humano, pois há casos em que não podem ser aplicados como critérios de

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distinção da correção ou incorreção de ações. Não obstante isso, com base nas restrições apresentadas por Singer, pelo menos uma coisa é certa: o imperativo categórico, da forma como ele foi apresentado por Kant, é deficiente e precisa ser reformulado. Cirne Lima, retomando o modelo neoplatônico de filosofia, propõe o Princípio da Coerência como critério do agir moral. Também chamado de Princípio de Não Contradição ou Princípio de Contradição a Ser Evitada, para o autor, esse princípio é um princípio universalíssimo do dever-ser, que vale tanto para a Lógica como para a Natureza e para o Espírito. Para esse modelo de filosofia, a verdade é o todo e, assim, diz o autor, a ação, para ser correta, tem de ser coerente, tem de se encaixar no todo maior sem entrar em contradições. Também aqui o universal é o critério de distinção da correção ou incorreção do agir humano. Entretanto, é um universal diferente do proposto por Kant, Habermas e Singer. Estes propõem um universal abstrato ou universal por subsunção, isto é, a ação ou máxima que puder ser universalizada é correta e pode ser realizada. Aquela que não puder ser universalizada é incorreta, e sua realização é moralmente proibida. Cirne Lima, ao contrário, propõe um universal concreto, um universal por inserção, ou seja, aquela máxima ou ação que não entra em contradição com o todo maior é correta e pode ser realizada. Entretanto, a grande dificuldade dessa proposta está na determinação do que é e do que não é coerente. O princípio universalíssimo do dever-ser não diz concretamente como se deve proceder para distinguir-se objetivamente o que faz e o que não faz parte do dever-ser moral. A afirmação de que, fora o fato de o princípio universalíssimo do dever-ser perpassar todo o sistema, a formulação do primeiro princípio de uma Ética geral é exatamente aquela do imperativo categórico de Kant ou do princípio “U” de Apel e Habermas mostra a carência da formulação de um princípio específico do dever-ser moral. Tal princípio não

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tem de ser, se não for o caso, essencialmente diferente daquele princípio universalíssimo do dever ser, mas tem de poder, pelo menos, indicar o procedimento a ser seguido para a determinação objetiva do que é e do que não é moralmente coerente. Pois, afinal, qual é o caminho a ser seguido para se distinguir a ação correta da ação incorreta? É o solipsístico de Kant, o discursivo de Habermas ou ambos conduzem ao mesmo resultado? Falta ao Princípio da Coerência, portanto, um maior detalhamento enquanto critério último da correção de ações, pois, da forma como ele foi apresentado, por escrito, é muito genérico e não desempenha o papel de fundamento seguro para o agir moral. Segundo exposições orais do autor, o caminho a ser seguido não é o monológico de Kant, mas o do discurso de Habermas219, embora defenda um discurso institucionalizado. O discurso proposto por ele não é tão aberto quanto o de Habermas, pois deve ser conduzido sempre ao discurso institucionalizado que se dá na família, na sociedade civil e no Estado. Essa ideia, porém, precisa ainda ser objetivada, pois, enquanto ela não for apresentada por escrito, permanece no anonimato e na subjetividade, o que dificulta a consideração da mesma para uma discussão objetiva. O que se procurou fazer no decorrer desse estudo, portanto, não foi apresentar algo totalmente novo ou uma nova proposta de fundamentação ética, mas discutir, a partir da reconstrução de propostas éticas universalistas, problemas relativos aos diferentes princípios de universalização como critérios de fundamentação do agir moral humano. Aponto e discuto problemas em todas as propostas brevemente reconstruídas. Não obstante isso,

219 Diferentemente de Habermas, o discurso proposto por Apel é sempre um discurso elitizado, que acontece nas rodas acadêmicas, congressos, encontros, etc.

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penso que uma proposta ética universalista, em oposição ao relativismo ético, é fundamental desde que paralelamente sejam respeitados os valores culturais, algo que deve ser distinguido do justo e do injusto, do moral e do imoral. O valorativo é diferente do normativo, e nisso concordo com Habermas, só o normativo pode ser objeto de universalização.

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. Reviravolta lingüístico-pragmática na filosofia contemporânea. São Paulo: Loyola, 1996.

PASCAL, Georges. O pensamento de Kant. 5. ed. Petrópolis: Vozes, 1996.

PIZZI, Jovino. Ética do Discurso: a racionalidade ético-comunicativa. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1994.

RAUBER, Jaime José. Sistema e mundo da vida em Habermas. Cadernos de estudos petianos, Toledo (Universidade Estadual do Oeste do Paraná), ano 1, n. 1, p. 21-74, 1996.

. A proposta habermasiana de fundamentação. Cadernos de estudos petianos. Cascavel: Edunioeste, ano 2, n. 2, p. 35-46, 1997.

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178 O problema da Universalização em Ética

. A teoria da generalização de M. Singer. Veritas, Porto Alegre, v. 43, n. 4, p. 1021-30, dez. 1988.

ROHDEN, Valério. Razão prática e direito. In: ROHDEN, Valério (coord.). Racionalidade e ação. Porto Alegre: Ed. da Universidade/UFRGS, Instituto Goethe/ICBA, 1992, p. 124-44.

ROUANET, Sérgio Paulo. Ética iluminista e ética discursiva. Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, n. 98, p. 23-78, jul./set. 1989.

SALGADO, Joaquim Carlos. A ideia de justiça em Kant: seu fundamento na liberdade e na igualdade. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 1986.

SIEBENEICHLER, F. B. Jürgen Habermas: razão comunicativa e emancipação. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1990.

SINGER, Marcus George. Verallgemeinerung in der Ethik: zur Logik moralischen Argumentierens. Frankfurt: Suhrkamp, 1975.

TUGENDHAT, Ernst. Lições sobre ética. Petrópolis: Vozes, 1996.

VALCÁRCEL, Amélia. Hegel y la ética: sobre la superación de la ‘mera moral’. Barcelona: Anthropos, 1988.

WEBER, Thadeu. Hegel: liberdade, estado e história. Petrópolis: Vozes, 1993.

. A eticidade hegeliana. In: DE BONI, Luis A. (org.). Finitude e transcendência. Petrópolis: Vozes; Porto Alegre: Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 1995, p. 757-65.

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Jaime José Rauber 179

. A razão teórica e a razão prática em Kant. Veritas, Porto Alegre, v. 42, n. 4, p. 913-21, dez. 1997.

. Formalismo e liberdade em Kant. Veritas, Porto Alegre, v. 41, n. 164, p. 671-79, dez. 1996.

. Ética e filosofia política: Hegel e o formalismo kantiano. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1999.

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Obras da Série Filosofia da EDIPUCRS

TÍTULO AUTOR ANO Nº EDIÇÃO MÍDIA

FÉ E RAZÃO NO PENSAMENTO MEDIEVAL*

URBANO ZILLES

1996 1 2º IMPRESSO

O ARGUMENTO ONTOLÓGIO DE SANTO ANSELMO*

SERGIO R. STREFLING

1997 2 1º IMPRESSO

O ATEÍSMO ANTROPOLÓGICO DE LUDWIG FEUERBACH*

DRAITON GONZAGA DE SOUZA

1994 3 2º IMPRESSO

O CONCEITO DE LIBERDADE NO LEVIATÃ DE HOBBES*

SERGIO WOLLMAN

1994 4 1º IMPRESSO

ESCRITA E LINGUAGEM EM PLATÃO*

JAYME PAVIANI 1993 5 1º IMPRESSO

SOBRE A CONTRADIÇÃO*

CARLOS CIRNE-LIMA

1996 6 2º IMPRESSO

O SAGRADO EM RUDOLF OTTO*

BRUNO ODÉLIO BIRCK

1993 7 1º IMPRESSO

SOBRE A FUNDAMENTAÇÃO*

MANFREDO ARAUJO DE OLIVEIRA

1997 8 1º IMPRESSO

EPISTEMOLOGIA E LIBERALISMO*

JULIO CESAR PEREIRA

1993 9 1º IMPRESSO

BIBLIOGRAFIA SOBRE FILOSOFIA MEDIEVAL*

LUIS ALBERTO DE BONI

1994 10 1º IMPRESSO

O RACIONAL E O MÍSTICO EM WITTGENSTEIN*

URBANO ZILLES

2001 11 3º IMPRESSO

O MÉTODO FENOMENOLÓGICO DE HUSSERL*

JAIME ZITKOSKI

1994 12 1º IMPRESSO

CONHECIMENTO E LIBERDADE*

ALBERTO OLIVA

1999 13 1º IMPRESSO

A TEORIA DA HISTÓRIA EM ORTEGA Y GASSET*

SERGIO CALDAS

1994 14 1º IMPRESSO

ÉTICA DO DISCURSO* JOVINO PIZZI 1994 15 1º IMPRESSO

A TEORIA DA AUTO-ORGANIZAÇÃO*

HANS-GEORG FLICKINGER

1994 16 1º IMPRESSO

AMOR X CONHECIMENTO*

JOSÉ A. F. MEISTER

1994 17 1º IMPRESSO

FILOSOFIA DA LINGUAGEM E RELIGIÃO*

EDVINO RABUSKE

1994 18 1º IMPRESSO

A LINGUAGEM MUDA E O PENSAMENTO FALANTE*

ÚRSULA ROSA DA SILVA

1994 19 1º IMPRESSO

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A RELAÇÃO AO OUTRO EM HUSSERL E LEVINAS*

MARCELO LUIZ PELIZZOLI

1994 20 1º IMPRESSO

TEORIA DO CONHECIMENTO*

URBANO ZILLES

2006 21 5º IMPRESSO

DIÁLOGO E DIALÉTICA EM PLATÃO*

SERGIO A. SARDI

1995 22 1º IMPRESSO

LÓGICA E LINGUAGEM NA IDADE MÉDIA*

LUIS ALBERTO DE BONI

1995 23 1º IMPRESSO

PROBLEMÁTICA DO CULTURALISMO*

ANTÔNIO PAIM 1995 24 1º IMPRESSO

PARA UMA CRÍTICA INTERNA AO SISTEMA DE HEGEL*

EDUARDO LUFT

1995 25 1º IMPRESSO

CRÍTICA DA RAZÃO E MÍMESIS NO PENSAMENTO DE T.W. ADORNO*

MARCIA TIBURI 1995 26 1º IMPRESSO

O HOMEM DIANTE DO UNIVERSO*

DOM DADEUS GRINGS

1995 27 1º IMPRESSO

A INFINITUDE DO MUNDO*

WOLFGANG NEUSER

1995 28 1º IMPRESSO

INDIVIDUALISMO E VERDADE EM DESCARTES*

EDUARDO ELY MENDES RIBEIRO

1995 29 1º IMPRESSO

CIÊNCIA E MUDANÇA CONCEITUAL*

LUIZ CARLOS BOMBASSARO

1995 30 1º IMPRESSO

GABRIEL MARCEL E O EXISTENCIALISMO*

URBANO ZILLES

1995 31 1º IMPRESSO

FUNDAMENTALISMO* LUIS ALBERTO DE BONI

1996 32 1º IMPRESSO

O REINO E O SACERDÓCIO*

JOSÉ ANTÔNIO DE CAMARGO R.

1995 33 1º IMPRESSO

POPPER: AS AVENTURAS DA RACIONALIDADE*

JULIO CESAR PEREIRA

1995 34 1º IMPRESSO

EPICURO: O FILÓSOFO DA ALEGRIA*

REINHOLDO ALOYSIO ULLMANN

2010 35 4º IMPRESSO

EDUCAÇÃO E RACIONALIDADE*

NADJA HERRMANN

1996 36 1º IMPRESSO

EPISTEMOLOGIA AMBIENTAL

GERALDO MARIO ROHDE

2005 37 2º IMPRESSO

IDADE MÉDIA: ÉTICA E POLÍTICA*

LUIS ALBERTO DE BONI

1996 38 1º IMPRESSO

INDAGAÇÃO SOBRE A IMORTALIDADE DA ALMA EM PLATÃO*

MARGARIDA NICHELE PAULO

1996 39 1º IMPRESSO

APROXIMAÇÕES SOBRE HERMENÊUTICA 1º REIMPRESSÃO*

ERNILDO STEIN

2010 40 2º IMPRESSO

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A CRISE DA HUMANIDADE EUROPEIA E A FILOSOFIA

URBANO ZILLES

2013 41 4º IMPRESSO

O CONHECIMENTO ABSTRATIVO EM DUNS SCOTO*

CESAR RIBAS CEZAR

1996 42 1º IMPRESSO

MAQUIAVEL* JOSÉ NEDEL 1996 43 1º IMPRESSO

ESTÉTICA MÍNIMA* JAYME PAVIANI 2003 44 2º IMPRESSO

O ESTOICISMO ROMANO*

REINHOLDO ALOYSIO ULLMANN

1996 45 1º IMPRESSO

METÁFORA E SIGNIFICAÇÃO*

INGRID FINGER

1996 46 1º IMPRESSO

AÇÃO E TEMPO NA BHAGAVAD-GITA*

MARIO J. FREIBERGER

1996 47 1º IMPRESSO

DIALÉTICA PARA PRINCIPIANTES*

CARLOS CIRNE-LIMA

1997 48 2º IMPRESSO

A QUESTÃO DE DEUS NA FILOSOFIA DE DESCARTES*

LUCIANO MARQUES DE JESUS

1997 49 1º IMPRESSO

TOTALIDADE E DESAGRAGAÇÃO*

RICARDO TIMM DE SOUZA

1997 50 1º IMPRESSO

TÓPICOS SOBRE DIALÉTICA*

MANFREDO ARAUJO DE OLIVEIRA

1997 51 1º IMPRESSO

A DEMOCRACIA EM ROUSSEAU*

LUIZ VICENTE VIEIRA

1997 52 1º IMPRESSO

O “ARGUMENTO ÚNICO” NO PROSLOGION*

PAULO RICARDO MARTINES

1997 53 1º IMPRESSO

O PODER DA LINGUAGEM*

LUIZ ROHDEN 1997 54 1º IMPRESSO

CIÊNCIA E IDEOLOGIA* ALBERTO OLIVA

1997 55 1º IMPRESSO

GUILHERME DE OCKHAM*

LUIS ALBERTO DE BONI

1997 56 1º IMPRESSO

A CAMINHO DE UMA FUNDAMENTAÇÃO PÓS-METAFÍSICA*

ERNILDO STEIN

1997 57 1º IMPRESSO

O REINO DE DEUS E O REINO DOS HOMENS*

JOSÉ ANTÔNIO DE CAMARGO R.

1997 58 1º IMPRESSO

REPENSANDO A FILOSOFIA*

ANTONIO R. DOS SANTOS

1997 59 1º IMPRESSO

ANAMNESE* ERNILDO STEIN

1997 60 1º IMPRESSO

O PROBLEMA DO CONHECIMENTO DE DEUS*

URBANO ZILLES

1997 61 1º IMPRESSO

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MARX E A LIBERDADE* AVELINO DA ROSA OLIVEIRA

1997 62 1º IMPRESSO

CORPO INVISÍVEL* SONIA MARIA MACIEL

1997 63 1º IMPRESSO

O PROBLEMA DOS FUTUROS CONTINGENTES*

FERNANDO PIO DE ALMEIDA FLECK

1997 64 1º IMPRESSO

EPISTEMOLOGIA DA ECONOMIA*

GABRIEL ZANOTTI

1997 65 1º IMPRESSO

DESENCANTANDO A ONTOLOGIA*

MARCELO FABRI

1997 66 1º IMPRESSO

O MUNDO DOS FATOS E A ESTRUTURA DA LINGUAGEM*

MARCONI OLIVEIRA DA SILVA

1997 67 1º IMPRESSO

CATÃO, O VELHO OU DIÁLOGO SOBRE A VELHICE*

MARCO TULIO CICERO

1998 68 1º IMPRESSO

A CAMUFLAGEM DO SAGRADO E O MUNDO MODERNO*

CLEIDE CRISTINA ROHDEN

1998 69 1º IMPRESSO

A DINÂMICA DO TRABALHO ABSTRATO NA SOCIEDADE MODERNA*

MARCOS KAMMER

1998 70 1º IMPRESSO

O ESPÍRITO COMO HERANÇA*

MARIA CRISTINA POLLI FELIPPI

1998 71 1º IMPRESSO

RUSSERL ON THE FOUDATIONS OF LOGIC*

CLAUDIO DE ALMEIDA

1998 72 1º IMPRESSO

O HOMEM E A FILOSOFIA

JOSÉ MAURÍCIO DE CARVALHO

2007 73 2º IMPRESSO

ÉTICA, DIREITO E JUSTIÇA*

JOSÉ NEDEL 2000 74 2º IMPRESSO

DO LIBERALISMO AO NEOLIBERALISMO*

FRANCISCO URIBAM XAVIER DE HOL

2004 75 3º IMPRESSO

FORMAS DO DIZER* JAYME PAVIANI 1998 76 1º IMPRESSO

OS PRINCÍPIOS DA FILOSOFIA DE SÃO TOMÁS DE AQUIMO*

DOM ODILAO MOURA

1998 77 1º IMPRESSO

ÉTICA E GENÉTICA* LUIS ALBERTO DE BONI

1998 78 1º IMPRESSO

A ESCRAVIDÃO EM ARISTÓTELES*

NEDILSO BRUGNERA

1998 79 1º IMPRESSO

O FIM ÚLTIMO DO HOMEM*

IDALGO JOSE SANGALLI

1998 80 1º IMPRESSO

FILÓSOFOS PRÉ-SOCRÁTICOS: PRIMEIROS MESTRES DA

MIGUEL SPINELLI

2012 81 3º IMPRESSO

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FILOSOFIA E DA CIÊNCIA GREGA

O TEMPO E A MÁQUINA DO TEMPO*

RICARDO TIMM DE SOUZA

1998 82 1º IMPRESSO

PAULO FREIRE: ENTRE O GREGO E O SEMITA*

BENEDITO ELISEU LEITE CINTRA

1998 83 1º IMPRESSO

HISTÓRIA E METAFÍSICA EM HEGEL*

MARIA DE LOURDES BORGES

1998 84 1º IMPRESSO

FILOSOFIA DA CULTURA*

JOSÉ MAURÍCIO DE CARVALHO

1999 85 1º IMPRESSO

AVICENA* JAMIL IBRAHIM ISKANDAR

1999 86 1º IMPRESSO

ÉTICA E FILOSOFIA POLÍTICA: Hegel e o Formalismo Kantiano*

THADEU WEBER

2009 87 2º IMPRESSO

LUDWIG WITTGENSTEIN*

LÉIA SCHACHER ABRAMOVICH

1999 88 1º IMPRESSO

A IMORTALIDADE DA ALMA NO FÉDON DE PLATÃO*

BENTO SILVA SANTOS O.S.B.

1999 89 1º IMPRESSO

A DOUTRINA DOS ATRIBUTOS DIVINOS NO GUIA DOS PERPLEXOS

TADEU MAZZOLA VERZA

1999 90 1º IMPRESSO

SANTO AGOSTINHO* MARCOS ROBERTO NUNES

1999 91 1º IMPRESSO

SUJEITO, ÉTICA E HISTÓRIA: LEVINAS, O TRAUMATISMO INFINITO*

RICARDO TIMM DE SOUZA

1999 92 1º IMPRESSO

VALIDADE EM EDUCAÇÃO*

NADJA HERRMANN

1999 93 1º IMPRESSO

CIÊNCIA E SOCIEDADE* ALBERTO OLIVA

1999 94 1º IMPRESSO

A EMERGÊNCIA DO INDIVIDUALISMO MODERNO NO PENSAMENTO*

PAULO CÉSAR NODARI

1999 95 1º IMPRESSO

A METAFÍSICA NO TRACTATUS DE PRIMO PRINCIPIO DE DUNS ESCOTO*

RODRIGO GUERIZOLI

1999 96 1º IMPRESSO

ENTRE O ESTADO LIBERAL E A DEMOCRACIA DIRETA*

LUIS CARLOS TOMAZELLI

1999 97 1º IMPRESSO

O TOPOS ÉTICO DA PSICANÁLISE*

ANTONIO M. R. TEIXEIRA

1999 98 1º IMPRESSO

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THÁNATOS: DA POSSIBILIDADE DE UM CONCEITO DE MORTE*

ALEXANDRE COSTA

1999 99 1º IMPRESSO

TRACTATUS ETHICO-POLITICUS*

NYTHAMAR FERNANDES DE OLIVEIRA

1999 100 1º IMPRESSO

FILOSOFIA E PSICANÁLISE*

JORGE ANTONIO TORRES MACHADO

1999 101 1º IMPRESSO

CETICISMO OU SENSO COMUM?*

MARIO A. L. GUERREIRO

1999 102 1º IMPRESSO

VERDADE, RACIONALIDADE E RELATIVISMO EM H. PUTNAM*

RICARDO NAVIA

1999 103 1º IMPRESSO

O PROBLEMA DA UNIVERSALIZAÇÃO EM ÉTICA*

JAIME JOSÉ RAUBER

2015 104 1º E-BOOK

RICOEUR E A FORMAÇÃO DO SUJEITO

ABRAHÃO COSTA ANDRADE

2000 105 1º IMPRESSO

TEMAS SOBRE KANT* ÂNGELO VITÓRIO CENCI

2000 106 1º IMPRESSO

O LIVRO DAS CAUSAS* JAN GERARD JOSEPH TER REEGEN

2000 107 1º IMPRESSO

A TEORIA ÉTICO-POLITICA DE JOHN RAWLS*

JOSÉ NEDEL 2000 108 1º IMPRESSO

ROUSSEAU E RAWLS NEIVA AFONSO OLIVEIRA

2000 109 1º IMPRESSO

FILOSOFIA MEDIEVAL* LUIS ALBERTO DE BONI

2005 110 2º IMPRESSO

A UNIVERSIDADE MEDIEVAL*

REINHOLDO ALOYSIO ULLMANN

2000 111 1º IMPRESSO

A CIÊNCIA E A ORGANIZAÇÃO DOS SABERES NA IDADE MÉDIA*

LUIS ALBERTO DE BONI

2000 112 1º IMPRESSO

ENTRE SÓCRATES E CRISTO*

ALVARO LUIZ MONTENEGRO VALLS

2000 113 1º IMPRESSO

DIFERENÇA E METAFÍSICA*

ERNILDO STEIN

2000 114 1º IMPRESSO

ÉTICA E COMPREENSÃO DO OUTRO*

RICARDO BINS DI NAPOLI

2000 115 1º IMPRESSO

OS SENTIDOS INTERNOS EM IBN SINA (AVICENA)

MIGUEL ATTIE FILHO

2000 116 1º IMPRESSO

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HERMENÊUTICA FILOSÓFICA*

LUIZ ROHDEN 2000 117 1º IMPRESSO

GLOBALIZAÇÃO E HUMANISMO LATINO

ARNO DAL RI JUNIOR

2000 118 1º IMPRESSO

DA REPRESENTAÇÃO AO SENTIDO

ALOISIO RUEDELL

2000 119 1º IMPRESSO

SENTIDO E ALTERIDADE*

RICARDO TIMM DE SOUZA

2000 120 1º IMPRESSO

OS SENTIDOS DA JUSTIÇA EM ARISTÓTELES*

DENIS COITINHO SILVEIRA

1998 121 1º IMPRESSO

MERLEAU-PONTY: ACERCA DA EXPRESSÃO*

MARCOS JOSÉ MÜLLER

2001 122 1º IMPRESSO

O MOVIMENTO DA ALMA*

MARIANA PALOZZI SÉRVULO DA CUN

2001 123 1º IMPRESSO

AGOSTINHO: BUSCADOR INQUIETO DA VERDADE

JOSÉ ZACARIAS DE SOUZA

2015 124 1º E-BOOK

O PROBLEMA DOS UNIVERSAIS*

PEDRO LEITE JUNIOR

2001 125 1º IMPRESSO

RELIGIÃO E CAPITALISMO

ROSALVO SCHÜTZ

2001 126 1º IMPRESSO

HISTÓRIA DA FILOSOFIA E TRADIÇÕES CULTURAIS

JOSÉ MAURÍCIO DE CARVALHO

2001 127 1º IMPRESSO

DO ELOGIO À VERDADE

DION DAVI MACEDO

2001 128 1º IMPRESSO

FENOMENOLOGIA HOJE*

RICARDO TIMM DE SOUZA

2001 129 1º IMPRESSO

O PENSAMENTO SOCIAL DE SANTO ANTÔNIO

JOSÉ CAMARGO RODRIGUES E SOUZA

2001 130 1º IMPRESSO

AS RAÍZES MEDIEVAIS DO PENSAMENTO MODERNO

ALESSANDRO GHISALBERTI

2001 131 1º IMPRESSO

FILOSOFIA E MÉTODO EM PLATÃO*

JAYME PAVIANI 2001 132 1º IMPRESSO

DIÁLOGO EM LETÍCIA ERNST TUGENDHAT

2002 133 1º IMPRESSO

PLOTINO: UM ESTUDO DAS ENÉADAS

REINHOLDO ALOYSIO ULLMANN

2002 134 2º IMPRESSO

HERMENÊUTICA E DIALÉTICA*

CUSTODIO LUIS SILVA DE ALMEIDA

2002 135 1º IMPRESSO

LEVINAS: A RECONSTRUÇÃO DA SUBJETIVIDADE

MARCELO LUIZ PELIZZOLI

2002 136 1º IMPRESSO

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KANT E HABERMAS: A REFORMULAÇÃO DISCURSIVA DA MORAL KANTIANA*

DELAMAR DUTRA VOLPATO

2002 137 1º IMPRESSO

O MUNDO DA CONSCIÊNCIA

LUIZ HEBECHE 2002 138 1º IMPRESSO

O PROBLEMA DO MAL NA POLÊMICA DA ANTIMANIQUÉIA DE AGOSTINHO

MARCOS ROBERTO NUNES COSTA

2002 139 1º IMPRESSO

A HERMENÊUTICA FRANCESA: PAUL RICOEUR

CONSTANÇA MARCONDES CESAR

2002 140 1º IMPRESSO

INVESTIGAÇÕES LÓGICAS*

GOTTLOB FREGE

2002 141 1º IMPRESSO

ÉTICA E FELICIDADE: UM ESTUDO DO FILEBO DE PLATÃO

SONIA MARIA MACIEL

2002 142 1º IMPRESSO

GLOBALIZAÇÃO E JUSTIÇA - GLOBALISIERUNG UND GERECHTIGKEIT

DRAITON GONZAGA DE SOUZA

2002 143 1º IMPRESSO

LIBERDADE OU IGUALDADE

MARIO A. L. GUERREIRO

2002 144 1º IMPRESSO

HELENIZAÇÃO E RECRIAÇÃO DE SENTIDOS

MIGUEL SPINELLI

2002 145 1º IMPRESSO

IGREJA E PODER SERGIO R. STREFLING

2002 146 1º IMPRESSO

FRANCISCO DE VITORIA E OS DIREITOS DOS ÍNDIOS AMERICANOS

RAFAEL RUIZ 2002 147 1º IMPRESSO

A DOUTA IGNORÂNCIA - NICOLAU DE CUSA

REINHOLDO ALOYSIO ULLMANN

2002 148 1º IMPRESSO

FENOMENOLOGIA HOJE II: SIGNIFICADO E LINGUAGEM

NYTHAMAR FERNANDES DE OLIVEIRA

2002 149 1º IMPRESSO

O EU E A DIFERENÇA: HUSSERL E HEIDEGGER*

MARCELO LUIZ PELIZZOLI

2002 150 1º IMPRESSO

PRÁXIS E RESPONSABILIDADE

WOLFDIETRICH SCHMIED-KOWARZIK

2002 151 1º IMPRESSO

INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO DE MARTIN HEIDEGGER*

ERNILDO STEIN

2011 152 1º IMPRESSO

EM NOME DA LIBERDADE

HANS-GEORG FLICKINGER

2003 153 1º IMPRESSO

ENSINAR - DEIXAR APRENDER

JAYME PAVIANI 2003 154 1º IMPRESSO

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O QUE É JUSTIÇA?* OTFRIED HÖFFE

2003 155 1º IMPRESSO

JUSTIÇA E POLÍTICA DRAITON GONZAGA DE SOUZA

2003 156 1º IMPRESSO

A METAFÍSICA DO CONCEITO

ALFREDO DE OLIVEIRA MORAES

2003 157 1º IMPRESSO

SOBRE A RESPONSABILIDADE

ZELJKO LOPARIC

2003 158 1º IMPRESSO

ÉTICAS EM DIÁLOGO* RICARDO TIMM DE SOUZA

2003 159 1º IMPRESSO

LA PRESENCIA DE LA FILOSOFÍA EN LA UNIVERSIDAD

VICENTE DURÁN CASAS

2003 160 1º IMPRESSO

DE ABELARDO A LUTERO*

LUIS ALBERTO DE BONI

2003 161 1º IMPRESSO

UNIVERSALISMO E DIREITOS HUMANOS

WOLFGANG KERSTING

2003 162 1º IMPRESSO

A ÉTICA DA ALTERIDADE EM EMMANUEL LEVINAS

NÉLIO VIEIRA DE MELO

2003 163 1º IMPRESSO

LINGUAGEM E SIGNIFICADO: O PROJETO FILOSÓFICO DE D. DAVIDSON

MARIA CRISTINA DE TÁVORA SPARA

2003 164 1º IMPRESSO

ÉTICA E GENÉTICA II BERNARDO ERDTMANN

2003 165 1º IMPRESSO

LEITURAS DE PLATÃO LUC BRISSON 2003 166 1º IMPRESSO

OS MOVIMENTOS SOCIAIS E O ESPAÇO AUTÔNOMO DO "POLÍTICO"

LUIZ VICENTE VIEIRA

2004 167 1º IMPRESSO

SER-NO-MUNDO E CONSCIÊNCIA-DE-SI

LÍVIO OSVALDO ARENHART

2004 168 1º IMPRESSO

RAZÕES PLURAIS RICARDO TIMM DE SOUZA

2004 169 1º IMPRESSO

PROBLEMAS E TEORIAS DA ÉTICA CONTEMPORÂNEA

JOSÉ MAURÍCIO DE CARVALHO

2004 170 1º IMPRESSO

A RECEPÇÃO DO PENSAMENTO GRECO-ROMANO ÁRABE E JUDAICO

ROBERTO HOFMEISTER PICH

2004 171 1º IMPRESSO

A ÉTICA MEDIEVAL FACE AOS DESAFIOS DA CONTEMPORANEIDADE

LUIS ALBERTO DE BONI

2004 172 1º IMPRESSO

JOAQUIM DE FIORI: TRINDADE E NOVA ERA

NOELI DUTRA ROSSATTO

2004 173 1º IMPRESSO

Page 186: ÉTICA - editora.pucrs.breditora.pucrs.br/Ebooks/Pdf/978-85-397-0780-5.pdf · fundamentação do agir moral. A Ética, como disciplina filosófica, foi fundada por Aristóteles (384-322

FILOSOFIA E SOCIEDADE PÓS-MODERNA

SÁVIO CARLOS DASEN SCOPINHO

2004 174 1º IMPRESSO

CRER E COMPREENDER URBANO ZILLES

2004 175 1º IMPRESSO

DIREITO E ETICIDADE WALTER JAESCHKE

2004 176 1º IMPRESSO

OS DIREITOS SOCIAIS BÁSICOS

MARIA CLARA DIAS

2004 177 1º IMPRESSO

ENTRE KANT E HEGEL JOÃOSINHO BECKENKAMP

2004 178 1º IMPRESSO

CIORAN: A FILOSOFIA EM CHAMAS

ROSÁRIO ROSSANO PECORARO

2004 179 1º IMPRESSO

MUNDO VIVIDO ERNILDO STEIN

2004 180 1º IMPRESSO

OS MERCADORES, O TEMPLO E A FILOSOFIA: MARX E A RELIGIOSIDADE

MAURO CASTELO BRANCO DE MOURA

2004 181 1º IMPRESSO

ÉTICA, CRISE E PERSPECTIVAS

PERGENTINO S. PIVATTO

2004 182 1º IMPRESSO

FILOSOFIA E LITERATURA

RICARDO TIMM DE SOUZA

2004 183 1º IMPRESSO

CRÍTICA E TEORIAS DA CRISE

BENTO ITAMAR BORGES

2004 184 1º IMPRESSO

PROPRIEDADE E DEMOCRACIA LIBERAL

NEIVA AFONSO OLIVEIRA

2004 185 1º IMPRESSO

GLOBALIZAÇÃO E JUSTIÇA II

DRAITON GONZAGA DE SOUZA

2005 186 1º IMPRESSO

FIDES RATIO AUCTORITAS: O ESFORÇO DIALÉTICO NO MONOLOGION

MANOEL LUÍS CARDOSO VASCONCELL

2005 187 1º IMPRESSO

LIBERDADE E LIBERALISMO

WOLFGANG KERSTING

2005 188 1º IMPRESSO

CRÍTICA DA RELIGIÃO E SISTEMA EM KANT

JAIR ANTÔNIO KRASSUSKI

2005 189 1º IMPRESSO

DO JUÍZO TELEOLÓGICO COMO PROPEDÊUTICA À TEOLOGIA MORAL EM KANT

CARLOS ADRIANO FERRAZ

2005 190 1º IMPRESSO

A FRAGILIDADE DA RAZÃO: 1ª REIMPRESSÃO

EVILÁZIO FRANCISCO BORGES TEIX

2013 191 1º IMPRESSO

RACIONAL OU SOCIAL? ALBERTO OLIVA

2005 192 1º IMPRESSO

ÉTICA E ESTÉTICA: A RELAÇÃO QUASE ESQUECIDA*

NADJA HERRMANN

2005 193 1º IMPRESSO

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AMOR E SEXO NA GRÉCIA ANTIGA*

REINHOLDO ALOYSIO ULLMANN

2007 194 2º IMPRESSO

OS INDÍCIOS DE DEUS NO HOMEM

JORGE ANTONIO TORRES MACHADO

2006 195 1º IMPRESSO

ÉTICA E ÉTICAS APLICADAS A RECONFIGURAÇÃO DO ÂMBITO MORAL

JOVINO PIZZI 2006 196 1º IMPRESSO

ENTRE HISTÓRIA E IMAGINÁRIO

GREGORIO PIAIA

2006 197 1º IMPRESSO

EXPOSIÇÃO SOBRE A SUBSTÂNCIA DO ORBE

ROSALIE HELENA DE SOUZA PEREIR

2006 198 1º IMPRESSO

CIDADANIA E DEMOCRACIA DELIBERATIVA

CATHERINE AUDARD

2006 199 1º IMPRESSO

FENOMENOLOGIA E CULTURA: HUSSERL, LEVINAS E A MOTIVAÇÃO ÉTICA DO PENSAR

MARCELO FABRI

2007 200 1º IMPRESSO

DA RAZÃO PRÁTICA AO KANT TARDIO

JOSÉ N. HECK 2007 201 1º IMPRESSO

ESTUDOS DE FILOSOFIA MEDIEVAL: autores e temas portugueses*

JOSÉ FRANCISCO MEIRINHOS

2008 202 1º IMPRESSO

FENOMENOLOGIA HOJE III: BIOÉTICA, BIOTECNOLOGIA, BIOPOLÍTICA

RICARDO TIMM DE SOUZA

2008 203 1º IMPRESSO

ALTERIDADE E ÉTICA: obra comemorativa dos 100 anos de nascimento de E. Levinas

RICARDO TIMM DE SOUZA

2008 204 1º IMPRESSO

AGOSTINHO: CONHECIMENTO, LINGUAGEM E ÉTICA

ROBERTO HOFMEISTER PICH

2008 205 1º IMPRESSO

JUSTIÇA GLOBAL E DEMOCRACIA: homenagem a John Rawls

DRAITON GONZAGA DE SOUZA

2009 206 1º IMPRESSO

HEGELIANISMO, REPUBLICANISMO E MODERNIDADE

DOUGLAS MOGGACH

2010 207 1º IMPRESSO

PROJETOS DE FILOSOFIA

AGEMIR BAVARESCO

2011 208 1º E-BOOK

NIETZSCHE: SUJEITO MORAL E CULTURA CRISTÃ

ADILSON FELICIO FEILER

2011 209 1º E-BOOK

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O PARADOXO DA ANÁLISE: UMA ABORDAGEM EPISTEMOLÓGICA

LUIS FERNANDO MUNARETTI DA ROSA

2011 210 1º E-BOOK

PROJETOS DE FILOSOFIA II

TIEGÜE VIEIRA RODRIGUES

2012 211 1º E-BOOK

CONSTITUCIONALISMO E MÉTODO DIALÉTICO

SHIRLENE MARQUES VELASCO

2012 212 1º E-BOOK

DEMOCRACIA E INDIVIDUALISMO: A IGUALDADE COMO PRINCÍPIO ORGANIZADOR

WALTER VALDEVINO OLIVEIRA SILVA

2012 213 1º E-BOOK

EPISTEMOLOGIA SOCIAL: DIMENSÃO SOCIAL DO CONHECIMENTO

FELIPE DE MATOS MÜLLER

2012 214 1º E-BOOK

LEVINAS E A ANCESTRALIDADE DO MAL: POR UMA CRÍTICA DA VIOLÊNCIA BIOPOLÍTICA

RICARDO TIMM DE SOUZA

2012 215 1º IMPRESSO/E-BOOK

INTRODUÇÃO À FILOSOFIA MODERNA E CONTEMPORÂNEA: ORIENTAÇÃO SOBRE SEUS MÉTODOS

CHISTIAN GERHART IBER

2012 216 1º E-BOOK

SUJEITO E LIBERDADE. INVESTIGAÇÕES A PARTIR DO IDEALISMO ALEMÃO

KONRAD CHRISTOPH, AGEMIR BAVARESCO E PAULO ROBERTO KONZEN

2012 217 1º E-BOOK

ÉTICA, LINGUAGEM E ANTROPOLOGIA: PERSPECTIVAS MODERNAS E CONTEMPORÂNEAS

JULIANO SANTOS DO CARMO E ROBINSON DOS SANTOS

2012 218 1º E-BOOK

PROJETOS DE FILOSOFIA III

FRANCISCO JOZIVAN GUEDES DE LIMA

2013 219 1º E-BOOK

O CONCEITO DE TRABALHO NA FILOSOFIA DE HEGEL E ALGUNS ASPECTOS DE SUA RECEPÇÃO EM MARX

MÁRCIO EGÍDIO SCHÄFER

2013 220 1º E-BOOK

SANTO AGOSTINHO: REFLEXÕES E ESTUDOS

PEDRO GILBERTO DA

2014 221 1º E-BOOK

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SILVA LEITE JUNIOR E LUCAS DUARTE SILVA

UMA INTRODUÇÃO AO CONTEXTUALISMO NA EPISTEMOLOGIA CONTEMPORÂNEA

TIEGUE VIEIRA RODRIGUE

2013 222 1º E-BOOK

A FUNDAMENTAÇÃO ÉTICA DO ESTADO SOCIOAMBIENTAL

ORCI PAULINO BRETANHA TEIXEIRA

2014 223 1º E-BOOK

Homenagem aos 40 anos do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da PUCRS, 1974 - 2014

AGEMIR BAVARESCO et al.

2014 224 1º E-BOOK

Los aportes del itinerario intelectual de Kant a Hegel Comunicaciones del I Congreso Germano- Latinoamericano sobre la Filosofía de HegelComunicaciones del I Congreso Germano- Latinoamericano sobre la Filosofía de Hegel

Héctor Ferreiro, Thomas Sören Hoffmann e Agemir Bavaresco

2014 225 1º E-BOOK

226 1º E-BOOK

O QUE NÓS CONHECEMOS? ENSAIOS EM EPISTEMOLOGIA INDIVIDUAL E SOCIAL

FELIPE DE MATOS MÜLLER E ALEXANDRE MEYER LUZ

2015 227 2º E-BOOK

* Livros ESGOTADOS