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Licenciatura em Teatro módulo história da arte – educação 2 16

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Licenciatura em Teatro

módulohistória da arte –

educação 2 16

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AUTORES DO PROJETO

Universidade Federal do Maranhão (UFMA)

Universidade de Brasília (UnB)

Universidade Federal de Goiás (UFG)

Universidade de Brasília (UnB)

Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes)

Secretaria de Estado da Educação do DF (SEDF)/

Universidade de Brasília (UnB)

Universidade de Brasília (UnB)

Universidade de Brasília (UnB)

Itamar Alves Leal dos Santos

José Mauro Barbosa Ribeiro

Leda Maria de Barros Guimarães

Lygia Maria Maurity Sabóia

Raquel Helena de Mendonça e Paula

Sheila Maria Conde Rocha Campello

Suzete Venturelli

Terezinha Maria Losada Moreira

Luciana Hartmann

Taís Ferreira

Universidade de Brasília (UnB)

AUTORAS DO MÓDULO

Ângela Maria Cavalcante Coelho

Arão Nogueira Paranaguá de Santana

Eny Arruda Barbosa

Jorge das Graças Veloso

Universidade Federal de Rondônia (UNIR)

Universidade Federal do Maranhão (UFMA)

Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes)

Universidade de Brasília (UnB)

COORDENADORES DO CURSO

Universidade de Pelotas (UFPel)

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módulo

Licenciatura em Teatro

história da arte –educação 2 16

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HARTMANN, Luciana; FERREIRA, Taís

1. Pedagogia do teatro 2. Teatro na educação 3. Recepção teatral

Módulo 16:História da Arte-Educação 2.

Brasília: LGE Editora, 2009

124p.

ISBN: 978-85-7238-424-7

FICHA CATALOGRÁFICA

EQUIPE EDITORIAL

Conselho editorial: Eny Arruda

Izabel Costa

Lilian Ucker

Maria de Fátima Burgos

Nely Matter

Suzete Venturelli

Organizadores: J orge das Graças Veloso

Luzirene do Rego Leite

Projeto gráfico: Mario Luiz Belcino Maciel

Coordenação de programação visual: Bruno Ribeiro Braga

Equipe de programação visual: Amanda Priscilla Moreira

André Ramalho Maciel

Daniela Barbosa

Lauro Gontijo

Mariana Rausch Chuquer

Ronaldo Ribeiro da Silva

Designer Educacional: Susy Batista Dias de Araújo

Colaboradores: Samanta Maciel de Lima

Stephanie Pellucio

LGE EDITORA LTDA.

CNPJ: 03.307.528/0001-04, CF/DF: 07.399.790/001-14

SIA Trecho 3, Lote 1.760, CEP: 71200-030, Brasília-DF

Tel.: 61 3362-0008, Fax: 61 3233-3771

Site: www.lgeeditora.com.br

E-mail: [email protected]

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SUMÁRIO

09 INTRODUÇÃO

10 O LUGAR DA ARTE-EDUCAÇÃO NO BRASIL CONTEMPORÂNEO

14 OS PRESSUPOSTOS CURRICULARES PARA O ENSINO DO TEATRO – PRÓS E CONTRAS

25 TEORIAS, MÉTODOS, TÈCNICAS SOBRE O ENSINO / APRENDIZAGEM DE TEATRO

40 A PEDAGOGIA DO TEATRO – UMA NOVA CATEGORIA PARA NOVAS DEMANDAS

45 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

51 INTRODUÇÃO OU O QUE O ESPECTADOR TEM A VER COM AS AULAS DE TEATRO?

54 A PRODUÇÃO TEATRAL PARA CRIANÇAS E JOVENS NA CONTEMPORANEIDADE: TEATRO COMO PRODUTO NO CIRCUITO DA CULTURA

58 ARTEFATOS TEATRAIS PARA INFÂNCIA E JUVENTUDE

63 PEDAGOGIAS CULTURAIS: ESPAÇOS-TEMPO ONDE SE APRENDE (TAMBÉM) A SER ESPEC-TADOR

65 MEDIAÇÕES OU AQUILO TUDO QUE ESTÁ ENTRE O PALCO E A PLATÉIA

70 LINHAS DE FUGA, PONTOS DE ENCONTRO: A PEDAGOGIA TEATRAL E A RECEPÇÃO TEA-TRAL PODEM CAMINHAR JUNTAS?

74 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

50 UNIDADE 2 – O QUE É UM ESPECTADOR? DOS MODOS DE CONSTITUIR-SE DEN-TRO E FORA DA AULA DE TEATRO

08 UNIDADE 1 – O LUGAR DA ARTE-EDUCAÇÃO NO BRASIL CONTEMPORÂNEO

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Unidade 1

O Lugar da Arte-Educação no Brasil Contemporâneo

Luciana Hartmann

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INTRODUÇÃO

Antes de iniciar nosso percurso pela segunda etapa

da história da Arte-Educação no Brasil, quero saudá-

los e desejar a todos uma ótima jornada. Espero que

a leitura deste texto produza não apenas novos co-

nhecimentos, mas satisfações, inquietações e, sobre-

tudo, o desejo de continuar aprendendo, sempre.

Inicialmente faremos uma contextualização do lugar

da Arte-Educação no Brasil contemporâneo, ainda

sob uma abordagem mais ampla, da Arte (com “A”

maiúsculo) englobando as quatro linguagens: Ar-

tes Visuais, Dança, Música e Teatro. Num segundo

momento faremos um levantamento das avaliações

críticas – positivas e negativas – que os Parâmetros

Curriculares Nacionais (PCNs) para o ensino do Teatro

vêm sofrendo por parte de professores e pesquisa-

dores da área. Na sequência trataremos das teorias

e propostas metodológicas desenvolvidas a partir de

processos criativos realizados por artistas, docentes

e pesquisadores, como jogo teatral, jogo dramático,

peça didática, pedagogia do oprimido, drama como

método de ensino, etnocenologia, antropologia te-

atral, etc. Finalmente avaliaremos as novas perspec-

tivas teóricas e práticas relativas ao ensino/aprendi-

zagem do teatro, nos diversos ambientes (escolar e

não-escolar), com um enfoque privilegiado para a

discussão dos usos e significados da nova terminolo-

gia utilizada para designar nosso campo de saber: a

Pedagogia do Teatro.

Imagem disponível em: http://www.

passeiweb.com/saiba_mais/arte_cultura/

teatro/imagens/teatro_brasil.jpg

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O LUGAR DA ARTE-EDUCAÇÃO NO BRASIL CONTEMPORÂNEO

No Brasil e no mundo a Educação pela Arte ou Arte-

Educação vem conquistando um relevante espaço de

ação e discussão, tanto dentro quanto fora do am-

biente escolar formal. Não temos a pretensão de es-

tabelecer “o” lugar que a Arte-Educação ocupa na

contemporaneidade, mas apresentar brevemente o

contexto de inserção dessa forma de conhecimento

lúdica, criativa, onírica e sinestésica, para dizermos

o mínimo, na sociedade brasileira nos dias de hoje.

Conseqüência de vitórias em lutas travadas em dife-

rentes instâncias ao longo de, pelo menos, os últimos

quarenta anos, a Arte-Educação no Brasil conta atu-

almente com um discurso sólido, fundamentado, em

grande parte, nos resultados oriundos das reflexões

ocorridas em reuniões e congressos da Associação e

da Federação de Arte-Educadores Brasileiros (FAEB).

Grande parte desse discurso amadureceu e se trans-

formou ao longo do tempo, acompanhando com jus-

teza as transformações sociais, políticas e ideológicas

sofridas pelo Brasil nesse período. Assim, da crença

na educação como uma forma neutra de transmis-

são e construção de conhecimentos, passamos pela

crise das ideologias e pela compreensão de que toda

atitude, postura ou comportamento – inclusive dos

docentes – será sempre parcial. Chegamos no perí-

odo que a profa Sandra Mara Corazza, do Departa-

mento de Educação da UFRGS, chama de “desafio da

diferença pura” (Corazza, 2003). Segundo esta pro-

fessora, a educação em tempos pós-modernos se vê

obrigada a confrontar os currículos, as didáticas e as

metodologias com elementos mais culturais e menos

escolares. Este é um ponto fundamental, que deve

ser lembrado para pensarmos nesse novo lugar que

a Arte, e sobretudo o Teatro, ocupa na contempora-

neidade: não se pode mais buscar respostas ou solu-

ções absolutas, pois nossas questões e problemas não

são, definitivamente, os mesmos. E esta percepção

de que somos sujeitos, produtos e produtores de cul-

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turas, sociedades, tempos, espaços geográficos, reli-

giões, economias, sistemas políticos, não pode mais

estar separada de nossa atuação docente.

Podemos aproveitar essa discussão para inserir em

nossa discussão a questão da educação multicultu-

ral. Diferentemente da interdisciplinaridade, que

prevê o relacionamento entre diversas disciplinas e

a execução de projetos comuns, nos quais as fron-

teiras entre as áreas de conhecimento são rompidas,

a multidisciplinaridade contempla os trabalhos entre

disciplinas, sem que estas, no entanto, percam suas

especificidades.

Já o Multiculturalismo, que parte do mesmo prefi-

xo (multi), está calcado, na perspectiva da arte-edu-

cação, no respeito às tradições culturais, artísticas e

estéticas dos estudantes, ou seja, na contextualiza-

ção de suas origens e de seus grupos sociais. Tam-

bém entendido como pluralidade cultural, este é um

dos temas transversais previstos nos PCNs. O concei-

to chega ao Brasil através de discussões iniciadas nos

EUA e na Europa, relativas aos seus problemas sociais

(preconceito racial, étnico, etc.). Aqui vai encontrar

reverberação nestas e em outras questões, como a

Imagem disponível em: http://3.bp.blogspot.

com/_UbYo9I1p9Kw/SdccmHsZ6aI/

AAAAAAAAAQc/rw5fXQX9Yug/s320/

Multiculturalidade.bmp

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desigualdade social e a discriminação, encobertas,

por exemplo, pelo “mito das três raças”1.

A necessidade de contextualização, que é fortemen-

te defendida por algumas das principais correntes da

educação contemporânea, é também uma das gran-

des – e talvez principais – bandeiras da antropologia.

Sem contextualização não há possibilidade de com-

preensão dos processos sociais, e sem essa compre-

ensão não há possibilidade de se atingir uma comu-

nicação democrática e produtiva entre as diferentes

culturas. Transportando essa idéia para a sala de aula,

podemos pensar que se para a antropologia a idéia

de educação pode compreender os processos formais

e informais pelos quais a cultura é transmitida aos

indivíduos, a Educação Multicultural seria o processo

pelo qual uma pessoa desenvolve competências em

múltiplos sistemas de perceber, avaliar, acreditar e

fazer (Richter, 2007: 86). A compreensão destes pro-

cessos por parte do docente de arte e sua introdução

no ambiente de ensino-aprendizagem permite maior

1 Pretende uma participação igualitária das três raças, branco (português), negro (escravo africano) e índio (nativo) na formação da sociedade.

Imagem disponível em: http://blast-illustration.

blogspot.com/2008/05/multiculturalidade.html

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riqueza no desenvolvimento das atividades didáticas,

ao mesmo tempo em que democratiza e valoriza o

conhecimento prévio de cada aluno. Nesta proposta,

o aluno deixa de ser visto como uma tabula rasa a ser

preenchida e passa a ser respeitado como um sujei-

to que pode compartilhar, dar e receber saberes de

ordens diversas. Como observa Clarice Cohn em seu

livro Antropologia da Criança:

(...) ao invés de se estabelecer um apreciação gene-

ralizante e universalizante sobre os conhecimentos

e os modelos de ensino e aprendizagem, devemos

observar contextualizadamente concepções, meios

e processos: em cada caso, uma concepção de pes-

soa, criança, e aprendizagem conformará um mo-

delo específico de transmissão e apropriação de co-

nhecimentos. (COHN, 2005: 38,39)

Antes de adentrarmos no campo de avaliação da po-

tencial eficácia dos PCN, será importante revermos

a própria relação entre o Teatro e a Educação e os

múltiplos significados que têm sido atribuídos a ela.

Somente a partir do estabelecimento de um “chão

comum” em relação aos conceitos é que poderemos

avançar no debate e implementar propostas mais afi-

nadas com as reflexões que vem sendo produzidas na

Arte-Educação contemporânea.

Historicamente os fundamentos do Teatro na Educa-

ção foram estabelecidos sob a perspectiva da educa-

ção. No entanto, atualmente essa relação se inverte,

pois são os conteúdos e metodologias específicas do

Teatro que direcionam nossa reflexão e prática teatral

em sala de aula. A partir da reestruturação da relação

entre a arte e a educação passamos da denominação

Educação Artística para Arte, de mera atividade edu-

cativa atingimos o estatuto de disciplina e do Teatro-

Educação chegamos à Pedagogia do Teatro.

Esse processo de mudança conceitual, da mesma for-

ma que reflete uma transformação nas posturas em

relação ao ensino-aprendizagem de Teatro, também

deve refletir, influenciar e gerar novas abordagens

nesse campo de atuação. Portanto, fique atento para

essa nova terminologia – Pedagogia do Teatro – pois

ela propõe novas posturas e novos sentidos para nos-

so papel como educadores de/em Teatro.

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OS PRESSUPOSTOS CURRICULARES PARA O ENSINO DO TEATRO – PRÓS E CONTRAS

Embora se tenha notícia do uso do teatro na educa-

ção formal e, num sentido mais amplo, nos processos

informais de aprendizagem no Brasil, desde o início

de sua colonização, a presença efetiva do teatro na

escola só ocorreu de fato a partir da lei 5692/71, que

estipula a obrigatoriedade da Educação Artística.

Uma ação concreta no sentido de definir as especifi-

cidades do ensino de Teatro, no entanto, só ocorre a

partir da instauração dos novos PCN, no ano de 2000.2

Em texto de 2001, os professores Arão Paranaguá de

Santana, da UFMA, e Yara Rosas Peregrino, da UFPB,

desenvolvem uma elucidativa análise crítica da pro-

posta dos PCN. Um dos primeiros aspectos – negati-

vos – considerados pelos autores é que as considera-

ções introdutórias da parte de teatro, no documento

para as séries iniciais, são muito vagas, podendo ser-

vir para qualquer outra área de conhecimento. Por

outro lado, os autores vêem como positiva a preo-

cupação dos PCN em ressaltar a importância que o

conhecimento específico das etapas do desenvolvi-

mento da linguagem dramática e sua relação com o

processo cognitivo têm para o ensino de teatro – que

não ocorre, por exemplo, em relação às outras áre-

as, como Artes Visuais, que em geral determinam as

perspectivas de abordagem em artes. No entanto,

é criticada a falta de contextualização desta opção

epistemológica que, para os autores, parece aproxi-

mar-se do construtivismo, ignorando, portanto, ou-

tras trajetórias da teoria curricular contemporânea

(PEREGRINO; SANTANA, 2001: 99). Outro aspecto

levantado pelos autores é a falta de definição das

vertentes teóricos e metodológicas que orientam a

inclusão dos jogos na prática educacional em teatro.

Neste sentido, ofereceremos adiante algumas sínte-

ses de propostas contemporâneas de utilização de

jogos, improvisações, dramatizações, desenvolvidas

por diferentes autores, professores ou pesquisadores

no ensino/aprendizagem do Teatro.

2 PCN-Arte I e PNC-Arte II.

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Ainda em relação aos PCN, um aspecto positivo res-

saltado pelos autores, nas propostas para os diferen-

tes níveis, diz respeito à orientação no sentido de

aproximar a vivência do aluno de sua prática em sala

de aula, ou seja, a contextualização dos conteúdos

curriculares de Arte/Teatro de acordo com a realida-

de sócio-cultural dos alunos. Embora partindo desta

necessária contextualização, que permite que os con-

teúdos adquiram significado, os PCN não restringem

o processo educacional em Arte a este aspecto, pro-

pondo também que se oportunize aos alunos experi-

ências artísticas diferenciadas, permitindo a amplia-

ção de seu universo de apreciação e a conseqüente

produção de um pensamento crítico.

Considerando isso, pode-se afirmar que a chamada

Abordagem Triangular, idealizada por Ana Mae Bar-

bosa (1991), formada pelos eixos produção, aprecia-

ção e reflexão, está contemplada nos PCNs para o

ensino da arte, porém, na proposta de Teatro para

o Ensino Fundamental (PCN-Arte I), Peregrino e San-

tana (2001: 104) observam que os conteúdos não

estão situados claramente em cada um dos eixos, o

que pode dificultar uma condução sistemática destes

por parte do professor. Já no documento relativo ao

Ensino Médio, as especificidades da linguagem estão

contempladas, pois os conteúdos encontram-se rela-

cionados de maneira mais direta aos três eixos norte-

adores, cujos conceitos, embora alterados neste nível

de ensino para produção, apreciação e contextuali-

zação, não diferem sensivelmente em seu conteúdo

semântico e função.

Não se pode ignorar, no entanto, que adoção da

Abordagem Triangular como suporte pedagógico

para o ensino de Artes tem encontrado algumas res-

salvas, especialmente no que tange ao ensino de Te-

atro, visando sobretudo não torná-lo excessivamente

explicativo e pouco prático/vivencial.

Uma alternativa para a questão pode ser encontrada

na proposta do prof. Graça Veloso (2008), de abor-

dagem do ensino-aprendizagem especificamente

voltada para as Artes Cênicas. Nesta, a triangulação

é pensada sob a perspectiva das práticas cênicas, fa-

cilitando o estabelecimento de uma relação mais di-

reta com os conteúdos curriculares de Teatro e suas

possibilidades de trabalho em sala de aula, nos mais

diversos níveis de aprendizagem.

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Ao enfocar as práticas cênicas em sua multiplicidade

e multiculturalidade, o prof. Graça chama a atenção

para a necessidade de olhar para o Teatro não mais

a partir da visão linear e historicista vigente nas ma-

trizes curriculares brasileiras, ampliando o campo de

atuação do professor disposto a repensar os sentidos

de fazer e ensinar teatro no século XXI.

Historicamente o ensino de Artes no Brasil esteve

pautado, em grande medida, numa produção rela-

cionada às Artes Plásticas (desenho, pintura, escultu-

ra, etc.). A própria idéia de polivalência trazida pelos

cursos de Educação Artística, implementados a partir

de 1971, resultou numa proposta dificilmente aplicá-

vel, que teve como conseqüência prática a prioriza-

ção, por parte da grande maioria dos professores, do

ensino de Artes Plásticas. Como esta é uma área que

tem uma longa e sólida tradição de ensino e pesqui-

sa, é natural que acabasse se estabelecendo como re-

ferência para as demais linguagens artísticas. No en-

tanto, diante da insatisfação gerada por esta ênfase

e da lacuna deixada no que diz respeito ao espectro

da aprendizagem de Arte na escola, são implantados,

em 1998, os novos PCN, que reconhecem as especi-

ficidades dos demais campos de saber da área: dan-

ça, música e teatro, juntamente com as Artes Visuais,

como linguagens artísticas. É neste sentido que tor-

na-se importante que trabalhemos na perspectiva de

sistematizar os conhecimentos da linguagem teatral,

para que possamos melhor compreender as especifi-

cidades de nosso campo de atuação.

Necessária ainda no âmbito desta problematização

do PCN, a profa. Ingrid Koudela, do Depto. de Ar-

tes Cênicas da USP, aponta que os Parâmetros para a

área de Arte, ao incorporarem como eixos de apren-

dizagem a apreciação estética e a contextualização,

somadas à expressividade/produção de arte pela

criança e pelo jovem, representam um grande avan-

ço. De acordo com ela, “essa proposta vem promo-

vendo o potencial do Teatro como exercício de cida-

dania e o crescimento da competência cultural dos

alunos” (2002: 234). A profa ressalta a importância

da inclusão do eixo “apreciação”, a partir do qual a

questão do papel do receptor e da relação dialógica

gerada através da obras de arte são particularmente

valorizadas. Dessa forma, o Teatro no processo edu-

cacional passa a ser pensado não apenas enquanto

ação (exercícios de improvisação, jogos, montagens

de espetáculos), mas também como recepção (as-

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sistir espetáculos, analisá-los, criticá-los). Koudela

aponta ainda que o efetivo deslocamento para o te-

atro – sala de espetáculos – permite aos alunos uma

experiência estética diferenciada, pois os coloca em

contato direto com a totalidade dos elementos que

compõem um espetáculo: iluminação, sonoplastia,

cenografia, maquiagem, atuação, dramaturgia, dire-

ção, entre outros. Vale lembrar que todos estes ele-

mentos podem ser, na volta à sala de aula, ricamente

aproveitados como objetos de análise. E na medida

em que os alunos tenham experiências estéticas di-

ferenciadas, maior será sua compreensão e domínio

da linguagem teatral. No entanto, embora pretenda

oferecer uma referência completa, para o professor,

ao ensino e estudo das artes na escola, o PCN-Arte

não explora o potencial que o fazer artístico, em suas

diversas instâncias, oferece para o desenvolvimento

cognitivo e emocional de crianças e jovens.

Neste sentido, seria importante reforçar a necessida-

de, mais premente a cada dia dessa “pós-modernida-

de” em que nos encontramos, de rompimento com

a relação hierárquica tradicionalmente estabelecida

tanto na prática quanto no ensino do Teatro, que

posicionava ora o dramaturgo, ora o diretor, e mais

contemporaneamente, o ator no topo da escala. As

metodologias de trabalho em teatro / com teatro,

não deveriam pautar com exclusividade a formação

do ator, mas acolher a riqueza pertinente à teatrali-

dade em toda a sua abrangência, como uma arte que

congrega outras artes (dança, canto, música, literatu-

ra, artes visuais, etc.).

Imagem disponível em:

http://www.mz-ir.com/tim/

RAO2007/imgconteudo/foto_

sustentabilidade_06_05.jpg

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Ainda nesta linha de reflexão, podemos também

pensar nas consequências geradas pela ênfase do

trabalho teatral, especialmente em sala de aula, no

processo – expressivo – não no produto dramático

do Departamento de Artes Cênicas da UDESC. Para

a profa. Biange Cabral, esta perspectiva de trabalho,

obscureceria a idéia do teatro como “arte e ofício”.

Para além da crítica, que será problematizada abai-

xo, a proposta de relacionar arte a trabalho, a um

saber específico, é valiosa e pode/deve ser utilizada

na busca pela legitimação do teatro – e de suas espe-

cificidades – no ambiente escolar

Os processos de ensino/aprendizagem em Teatro e,

sobretudo, de troca e conhecimentos que marca o

desenvolvimento destes em sala de aula, só tem a ga-

nhar com essa abordagem mais igualitária e equili-

brada de seus componentes. Com isso, nossos alunos,

dos 8 aos 80 anos, se sentirão mais livres e confiantes

para se aventurar no maravilhoso e multifacetado

universo do Teatro.

Em artigo sobre o tema, a profa. Biange Cabral, do

Depto. de Artes Cênicas da UDESC, também propõe

uma reflexão crítica sobre a atual configuração dos

parâmetros curriculares relacionados à área de tea-

tro no ensino fundamental, no ensino médio e no

ensino superior.

Imagem disponível em:

http://voluntariado.fb.org.br/

NR/rdonlyres/25E18418-49B4-

463C-8B14-9F311A747851/0/

L2_Cultura_TeatroEscola.gif

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Para Biange (2000), a discussão dos PCNs para o en-

sino superior deve partir da constatação das neces-

sidades do ensino fundamental e das “pedagogias

invisíveis” que orientam as atividades escolares e a

prática teatral em sala de aula e na comunidade. Ao

chamar a atenção para o fato de que existem múlti-

plas pedagogias e que nem todas são evidentes ao

olhar menos atento, a autora aponta para a impor-

tância da promoção da sensibilidade do professor

para que essas pedagogias possam se tornar visíveis

e, sobretudo, objetos de análise, avaliação e, se for o

caso, revisão e transformação.

Muitas destas pedagogias invisíveis se configuram

como reproduções de comportamentos, normas e

valores culturais que são naturalizados e, por esse

motivo, não são percebidos nem problematizados

pelos professores. Como exemplo poderíamos pensar

no vocabulário que por vezes vem à tona em aulas

de Teatro, quando o professor valoriza o “talento”

de um aluno, comparando-os aos demais e posicio-

nando-o numa escala hierarquicamente superior em

relação aos demais colegas. Comparar desempenhos

de alunos em aulas de Teatro envolve uma comple-

xa reflexão que tem relação direta com os proces-

sos avaliativos previstos ao longo de uma disciplina

de Teatro. O que e como avaliar devem ser questões

norteadas, antes de tudo, pelos objetivos da discipli-

na e não pelo aparecimento aleatório de “talentos”

individuais. O Teatro, sobretudo na sala de aula, na

contemporaneidade, deve fundamentalmente ser in-

clusivo e não discriminatório e excludente.

Embora saibamos que o eixo de “produção” foi aque-

le que historicamente mais recebeu atenção dos es-

tudos teatrais, e que o eixo “contextualização” seja

fundamental para a construção do conhecimento em

Arte – e aqui podemos pensar no desenvolvimento

de novas sub-áreas como a “Etnocenologia”, os “Es-

tudos de Performance”, entre outros (que serão re-

tomados adiante) – é no eixo “recepção” que vemos

atualmente, no campo do teatro, talvez a maior pro-

liferação de estudos, pesquisas e publicações.

A importância conferida ao espectador de teatro, a

partir do início do século XX, estimulada por estra-

tégias como a “quebra da quarta parede” e a reve-

lação de todos os elementos cênicos (preparação do

ator nas coxias, contra-regragem visível, recursos de

iluminação e sonoplastia tornados explícitos, etc.)

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denota uma busca, por parte dos encenadores, em

despertar na platéia uma participação efetiva e não

mais de assistência passiva, submetida a uma preten-

sa ilusão criada pela cena e incólume aos fragmentos

de vida representados no palco (ver quadro abaixo).

A revolução operada pela nova relação estabelecida

com o espectador representou uma mudança de para-

digma não apenas no sentido da construção da cena

Imagem disponível em:

http://camas.ca/files/images/

ws_paradisenow3.jpg

SAIBA MAIS:

Alguns encenadores/pesquisadores da primeira metade do século XX exerceram papel fundamental na instauração deste processo. Vale ressaltar alguns deles: Meyerhold (1874-1940), contemporâneo de Stanislavski, nega o distanciamento entre a cena e a platéia e é responsável pela eliminação da quarta parede; Artaud (1896-1948), totalmente contra o uso do palco italiano, propõe o envolvimento físico, direto do espectador com a encenação, na qual passa a ocupar um lugar central – literalmente, pois deve estar posicionado no centro do palco; Brecht (1898-1956), considera que o teatro deve provocar no espectador possibilidades de reflexão crítica, para isso utiliza processos de “distanciamento” que estão constantemente lembrando ao público que o que está sendo visto é teatro e não a vida real; Living Theatre, grupo de teatro norte-americano que inicia suas atividades logo após o término da Segunda Guerra Mundial, parte da vontade revolucionária de mudar a sociedade a partir da transformação dos espectadores. Levam o teatro para a rua e para espaços alternativos e provocam o público a participar diretamente das encenações; no Brasil, já na segunda metade do século XX, Augusto Boal sofre influência direta tanto do Living Theatre quanto de Brecht, a partir da qual desenvolve seu Teatro do Oprimido e técnicas como o Teatro do Invisível.

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(no âmbito da dramaturgia, do espaço, tempo e repre-

sentação), mas também na própria função do teatro.

Embora ao longo do século XX este processo tenha se

intensificado na cena teatral, o mesmo não se refletiu

no trabalho nas salas de aula, que durante o mesmo

período, em larga escala, esteve calcado na produção

de pequenos espetáculos que poderiam “abrilhantar”

eventos comemorativos de datas cívicas.

É no sentido de aproximar o ensino/aprendizagem de

teatro da reflexão suscitada por este novo paradigma

que autores como Flávio Desgranges vêm desenvol-

vendo seu trabalho. Partindo da constatação de que

o teatro possui uma dimensão pedagógica intrínseca,

este autor vê no espectador o protagonista das novas

relações instituídas pelo processo de desconstrução das

ilusões cênicas. É a partir de uma “Pedagogia do Es-

pectador” que estas relações podem ser conhecidas e

aprofundadas, permitindo o desenvolvimento de uma

arte do espectador, na qual este seja sujeito de um ato

criativo, produtivo, autoral. Para ele, se a atuação do

espectador precisa ser tomada a partir de uma perspec-

tiva artística, precisa-se também afirmar a necessidade

de formação desse espectador – já que a capacidade

de analisar (e, podemos pensar, fruir) uma peça teatral

não é somente um talento natural, mas uma conquis-

ta cultural. (Desgranges, 2006: 37) A relevância deste

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novo enfoque fica evidente na reflexão e no exemplo

fornecidos pelo autor, citados abaixo:

A conquista da linguagem teatral pelo espectador

implica o desenvolvimento de um senso estético e

um olhar crítico – olhar armado, exigente, atento

à qualidade do espetáculo, que reflete sobre os fa-

tos apresentados e não se contenta em ser apenas

em ser o receptáculo de um discurso monológico,

que impõe um silêncio passivo. A aquisição da lin-

guagem teatral capacita o espectador a interpretar

a obra, desempenhando uma efetiva participação

no fato artístico e assumindo a autoria da narrati-

va apresentada, mantendo viva sua possibilidade de

construção e reconstrução da história.

Uma pesquisa realizada, na década de 1990, com

crianças extremamente desfavorecidas do subúr-

bio da cidade de Lion, na França, mostrou que uma

das principais características dessas crianças, que se

sentiam fracassadas pessoal e socialmente, era a ab-

soluta incapacidade de pensar numa história, a sua

história (Meirieu, 1993). A investigação ressalta ainda

que nas conversas travadas com essas crianças, que

tinham entre seis e doze anos, em que lhes foi pe-

dido para contar a própria vida, a própria história,

pôde-se perceber a grande dificuldade que demons-

travam em se referir ao passado, mesmo recente. Foi

possível perceber que elas utilizavam constantemen-

te o “você” e o “a gente”, e quase nunca o pronome

“eu”, e que se mostravam incapazes, mesmo as mais

velhas, de utilizar “estas pequenas expressões tão

fundamentais para dar sentido à vida, que são: ‘foi a

partir deste momento que eu compreendi’, ‘teve um

momento em minha vida que aconteceu isto e me

levou a decidir isto’, ‘eu descobri que’, etc. (ibidem,

p. 15). A pesquisa ressalta ainda o fato de que, dentre

as crianças entrevistadas, as habituadas a frequentar

salas de teatro e cinema revelavam a maior facilida-

de em utilizar esse tipo de discurso narrativo, apon-

tando para a conclusão de que aprender a assistir e

interpretar uma história é aprender a contar e cons-

truir a própria história. (Desgranges, 2003: 172, 173)

Como a profa. Taís desenvolverá com maior profun-

didade em seu texto, aprender a assistir, embora não

haja regras explícitas – e nem mais corretas que ou-

tras – é um dos grandes desafios que se colocam para

o professor de Teatro no contexto atual. A idéia de

que o professor exerce um papel importante como

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mediador nesse processo impõe sua presença nes-

ta reflexão. E tanto maior será o desafio quando se

considera a heterogeneidade das encenações teatrais

contemporâneas, que não tomam mais como premis-

sa a narratividade – ou o drama – em cena. O “pós-

dramático” – denominação que pretende olhar as es-

pecificidades do fenômeno pós-moderno no campo

teatral – concorde-se ou não com o conceito3, se im-

põe e temos que lidar com textos não-dramáticos em

cena, jogos entre ficção e realidade, interpretações

das mais variadas naturezas (do ultra-naturalismo

ao expressionismo ou às partituras cênicas desconec-

tadas do texto), espacialidades não-convencionais,

etc. Embora o teatro infantil – aquele apresentado

às crianças, nossos alunos – ainda mantenha uma es-

trutura de encenação mais convencional, também

nele os reflexos desta implosão dos padrões cênicos

já podem ser sentidos. Diversas estratégias metodoló-

gicas tem sido pensadas no sentido de viabilizar esta

mediação do professor e desenvolvimento da capa-

cidade de apreciação e avaliação dos alunos. Como

exemplo podemos citar algumas propostas feitas por

Robson Rosseto (2008: 80, 81):

As atividades em sala de aula que visam preparar

o aluno para assistir a um determinado espetáculo,

certamente, estarão atuando e interferindo no seu

horizonte de expectativas. Nesse caso, o objetivo é

preparar e instaurar um clima de expectativas com

relação ao espetáculo que os alunos irão assistir, por

meio da utilização de algum elemento representati-

vo deste espetáculo. Por exemplo, explorar o tema,

focos das ações principais, imagens (de movimento/

imobilidade, multidão/solidão, silêncio/barulho, luz/

escuridão), dentre outras. Poderão acontecer impro-

visações ao utilizar o tema central a partir de algum

adereço ou objeto, dos ruídos e de outras possibili-

dades por meio da utilização de alguma referência

do espetáculo escolhido, visando a uma aproxima-

ção prévia como universo cênico constituinte da-

quela encenação. O objetivo não é “traduzir” ou

“explicar” o espetáculo, pelo contrário, o intuito é

de familiarização sobre um determinado elemento

utilizado pela encenação, para provocar expectati-

vas sobre o espetáculo. (...) Posterior à ida ao espe-

táculo, ao se trabalhar com jogos dramáticos, jogos

de improvisação, o professor estará percebendo a

3 Para maior aprofundamento na discussão sobre a “ operacionalidade” do con-ceito “ pós-dramático” ver FERNANDES, S. (org.), 2008.

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24

recepção do aluno, sob o foco de captar as impres-

sões, dúvidas, preconceitos, e etc.

A sistematização da abordagem da arte teatral pelo

professor de teatro, através da implementação de um

discurso teórico, histórico e técnico a seu respeito, per-

mite instrumentalizar jovens e crianças para que pos-

sam participar/ter acesso à cultura teatral de maneira

mais completa, abrangente e inclusiva. Para o desen-

volvimento mais eficaz de qualquer tipo de constru-

ção de conhecimento é necessária a união entre teoria

e prática, forma e conteúdo, ação e reflexão.

Imagem disponível em:

http://teatroeducacional.

zip.net/images/teatro-

especial.jpg

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TEORIAS, MÉTODOS, TÉCNICAS SOBRE O ENSINO/APRENDIZAGEM DE TEATRO

Neste momento, adotando como cenário a discussão

introdutória feita no texto sobre o lugar da Arte-

educação no Brasil contemporâneo e a reflexão so-

bre os Parâmetros que regem os currículos escolares

da área de Arte na atualidade, trataremos mais es-

pecificamente das teorias e propostas metodológicas

desenvolvidas a partir de processos criativos reali-

zados por artistas, docentes e pesquisadores, como

jogos improvisacionais, jogo teatral, jogo dramático,

peça didática, pedagogia do oprimido, drama como

método de ensino, etnocenologia, antropologia tea-

tral e os estudos da performance. Estas não esgotam

as possibilidades de trabalho prático e de reflexão

sobre o Teatro como Pedagogia, porém são repre-

sentativas de algumas das principais tendências de

abordagem da linguagem teatral nos últimos cin-

qüenta anos.

¶ Jogos Improvisacionais: denominação genérica

para aqueles exercícios teatrais em que um ou

mais jogadores-atores executam uma cena de

maneira improvisada, ou seja, sem ensaio. A cena

pode ser improvisada a partir de uma breve com-

binação estabelecida pelos jogadores-atores, ou

mesmo sem nenhuma combinação prévia, partin-

do-se de uma proposta dada pelo coordenador

do processo. Os demais integrantes do grupo se

colocam, geralmente, como jogadores-espectado-

res da cena apresentada. O exercício continua até

que todos os integrantes do grupo apresentem as

suas cenas. Normalmente, depois da apresentação

Imagem disponível em: http://

www.ronaldperet.com.br/

blog/220520095858bk.jpg

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26

das cenas, o grupo conversa e analisa a experiên-

cia. (Desgranges, 2006: 87)

EXEMPLO DE JOGO IMPROVISACIONAL:

A professora divide a turma em grupos e orienta a

improvisação de cada grupo a partir de uma propos-

ta temática, como ditados populares: “Água mole

em pedra dura tanto bate até que fura”, “Olho por

olho, dente por dente”, “Quem com ferro fere, com

ferro será ferido”. Os grupos dispõe de um breve

tempo para estruturar a improvisação, de acordo

com o significado que atribuem ao ditado. Após a

apresentação do exercício de improvisação de cada

grupo, o restante da turma deve tentar descobrir

qual o ditado foi encenado. No final da aula a pro-

fessora coordena um debate sobre as possibilidades

de interpretação e, consequentemente, de repre-

sentação teatral de cada ditado.

¶ Jogo Dramático: embora tenha como principal re-

ferência a obra de Peter Slade, O Jogo Dramático

Infantil (1978), esta modalidade de jogo não se

constitui como uma estrutura metodológica rígi-

da, pois permite aos professores utilizarem-no de

diferentes formas, a partir de sua realidade e de

acordo com suas demandas. Slade compreende o

jogo como um comportamento natural dos seres

humanos. O jogo seria “a maneira da criança pen-

sar, comprovar, relaxar, trabalhar, lembrar, ousar,

experimentar, criar e absorver.” (op. it.: 18). Carac-

terizado, portanto, como um comportamento es-

pontâneo, o jogo dramático só se aproxima do te-

atro através do uso que dele possa fazer o adulto/

professor, embora seu principal objetivo não seja

a inserção da criança no universo do teatro pro-

priamente dito e sim o desenvolvimento de sua

personalidade. Já o Jogo Dramático de linhagem

Imagem disponível em: http://4.

bp.blogspot.com/_ urY4ARLLTj0/Sikf6-

hLfI/AAAAAAAAADs/Ae2kL6Nq7JA/

s200/improvisa%C3%A7ao.jpg

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francesa (jeu dramatique), ao contrário, se conec-

ta de maneira mais direta à prática teatral, pro-

pondo que seus participantes, sem perderem a es-

pontaneidade característica do jogo, “conquistem

a capacidade de criar, organizar, emitir e analisar

um discurso cênico” (Desgranges, 2006: 94). Nesta

última acepção, vale ainda salientar, os papéis dos

jogadores e dos espectadores aparecem bem de-

finidos e alternam-se ao longo das atividades, en-

quanto na primeira o grupo todo pode se consti-

tuir como jogador, sem que haja uma platéia que

o observe e avalie. Podemos citar como uma das

maiores referências da tradição francesa o autor

Jean-Pierre Ryngaert, que teve recentemente seu

livro clássico sobre o tema, Jogar, Representar –

práticas dramáticas e formação, traduzido para o

português, e no Brasil as professoras Olga Rever-

bel e Maria Lúcia Pupo. Como exemplo de uma es-

tratégia de trabalho com o jogo dramático, além

da descrição oferecida abaixo, trago uma reflexão

de Ryngaert (2009: 236):

Quando uma oficina de jogo não fornece modelos

de imitação, impõe ‘padrões’ a serem reproduzidos,

ela conta com a invenção. Apesar disso, essa inven-

ção potencial está contaminada pelas idéias que os

jogadores têm da estética teatral e daquilo que se

diz e se faz nos teatros. A improvisação não é ga-

rantia de um produto original, saído inteiramente

pronto da imaginação do improvisador; como já dis-

semos, muitas vezes a improvisação se limita a es-

quemas familiares e a estereótipos. Como poderia o

jogador ser capaz de um ato criativo se ele vive uma

espécie de aprendizagem e se, dentro de um perí-

odo, segundo a tradição, ele deve imitar modelos

antes de sonhar com obras pessoais?

EXEMPLO DE JOGO DRAMÁTICO COM CRIANÇAS DE 11 A 13 ANOS (IN SLADE, 1978: P. 66)

PARA PRINCIPIANTES

Se as crianças forem inexperientes comece construin-

do uma história ou situação com idéias reunidas en-

tre as crianças e as suas; essas naturalmente serão

“mais velhas” do que as mostradas nos exemplos do

curso primário.

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28

EXEMPLO – ALGUÉM SUGERIU UMA ESTAÇÃO FERROVIÁRIA:

Professor: “Que tipo de gente aparece numa estação?”

Ao nível do pré-primário, a resposta esperada seria

“trem”, “homem com bandeirinha”, etc. Aqui com

as crianças maiores, elas são:

¦ Uma velha SENHA cansada;

¦ Um passageiro irritado e apressado que perdeu a pas-

sagem;

¦ Um cachorro amedrontado.

Podemos ajudá-las a adquirirem mais senso de carac-

terização e de situação, e maior observação do dra-

ma cotidiano da vida.

Toda sala de aula ou salão pode então ser transfor-

mado numa estação de estrada de ferro; mais tarde,

quando já se ganhou alguma prática de ser essa gen-

te, pode-se introduzir uma situação simples, como por

exemplo, alguém furtando a bolsa da velha senhora,

ou o cachorro assustado latindo para um velho, etc.

Essas cenas precoces podem ser bem curtas, mas po-

dem ser feitas em sucessão bem rápida. Mantenha as

coisas em andamento para que a cena não morra.

¶ Jogo Teatral: sistematizados pela norte-americana

Viola Spolin na década de 40, os Jogos Teatrais

passaram a ser amplamente conhecidos no Brasil

a partir da publicação do livro Improvisação para

o Teatro, traduzido por Ingrid Koudela e Eduardo

Amós, em 1984. Também chamados de “Jogos de

Regras”, estes se caracterizam pela divisão do gru-

po de participantes entre os que jogam e os que as-

sistem, pela clareza e objetividade na transmissão

das regras e pelo foco preciso na resolução do pro-

blema a que se propõe cada exercício. Spolin inicia

seu livro dizendo: “Todas as pessoas são capazes de

atuar no palco. Todas as pessoas são capazes de im-

provisar. As pessoas que desejarem são capazes de

jogar e aprender a ter valor no palco.” (2001: 4) Ou

seja, para a autora o importante é o processo de de-

senvolvimento pessoal e de grupo que os jogos po-

dem gerar: “Aprendemos através da experiência, e

ninguém ensina nada a ninguém” (idem). Através

dos jogos esta educadora propõe aos participan-

tes um mergulho de corpo-mente na linguagem

do teatro, não apenas como atuantes, mas tam-

bém como espectadores críticos. A partir de jogos

pautados em perguntas como: QUEM?, ONDE?, O

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QUE?, diferentes elementos constituintes da lin-

guagem teatral são explorados (personagens, es-

paços cênicos, conflitos – ações dramáticas, etc.). A

proposta de Spolin é composta de três aspectos que

se completam: a Solução de Problemas – através de

instruções precisas dadas por um professor aos jo-

gadores, um problema de natureza cênica deve ser

experimentado e solucionado na área de jogo; o

Ponto de Concentração – direciona os participantes

a cumprir determinado objetivo, como por exem-

plo criar um objeto, um personagem ou um lugar

através da sua fisicalização (mostrando e não con-

tando); a Avaliação, que é realizada inicialmente

pelo grupo que assiste e num momento seguinte

por todo o grupo – os espectadores, desta forma,

assumem um papel ativo. Apesar de enfatizar a im-

portância de o professor ter claro e sistematizado

o método com o qual está trabalhando, a autora

também insiste no cuidado que se deve ter para

evitar um enrijecimento demasiado deste sistema.

Tratando de chamar a atenção para que o modo de

ação planejado possa continuar sendo livre, a au-

tora desafia o leitor-professor de teatro: “nenhum

sistema deve ser um sistema” (Spolin, 2001: 17).

EXEMPLO DE USO DE J OGO TEATRAL (IN SPOLIN, 2001: 57-58):

JOGO DA BOLA:

¦ Introdução do exercício: o grupo é dividido em dois,

um que joga e outro que observa. O primeiro grupo

que sobe ao palco decide sobre o tamanho da bola

(imaginária) e, depois, os membros jogam a bola de

um para o outro. Uma vez começado o jogo, o profes-

sor-diretor dirá que a bola terá vários pesos.

¦ Ponto de concentração: no peso e no tamanho da bola

¦ Instrução: A bola é cem vezes mais leve! A bola é cem

vezes mais pesada! A bola é normal novamente!

¦ Avaliação: todos os jogadores se concentraram no peso

da bola? Eles mostraram ou contaram?

PONTOS DE OBSERVAÇÃO:

1. observe os alunos que usam o corpo para mostra o

relacionamento com a bola. O corpo tornou-se leve

e flutuou com a bola mais leve? O corpo tornou-se

pesado com a bola mais pesada? Não chame a aten-

ção dos alunos para isso até que o problema tenha

sido trabalhado. Se a Avaliação for dada antes que

todos tenham ido ao palco, muitos tentarão agradar

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o professor e representarão leveza ou peso ao invés

de sustentar o Ponto de Concentração (que produz

espontaneamente o resultado que procuramos)

2. junto com este exercício, faça com que o grupo

jogue beisebol, pingue-pongue, basquete, etc.

¶ O Drama como Método de Ensino: pesquisado

e utilizado no Brasil especialmente pela profa.

Biange Cabral, da UDESC, a partir do modelo de

drama-processo inglês, desenvolvido por Doro-

thy Heathcote e Gavin Bolton, este se constitui,

numa subárea do fazer teatral e está baseado

num processo contínuo de exploração de formas e

conteúdos relacionando-se com um determinado

foco de investigação (selecionado pelo professor

ou negociado entre professor e aluno). Caracte-

rizado como uma “prática sobre a pesquisa” (e

não como ocorre mais comumente, uma pesqui-

sa sobre a prática), o drama se identifica pelo

grau de visibilidade no foco de pesquisa, que

torna evidente as questões que estão sendo in-

vestigadas e as suas múltiplas formas de respos-

ta (Cabral, 2006). Embora envolvendo processos

bastante distintos, o Drama e o Sistema de Jogos

Teatrais se assemelham na preocupação que tem

com o foco do trabalho e com a ênfase na pos-

sibilidade de múltiplas respostas às questões que

surgem no decorrer do jogo: não há um modo

certo ou errado de solucionar os problemas, a

solução se dá na relação, na dinâmica instituída

pelo próprio jogo entre os atores sociais/alunos.

Como processo, o drama articula uma série de epi-

sódios, os quais são constituídos e definidos com

base em convenções teatrais criadas para possi-

bilitar seu seqüenciamento e aprofundamento.

Algumas características básicas são associadas ao

drama como atividade de ensino: contexto e cir-

cunstâncias de ficção, que tenham alguma resso-

nância com o contexto real ou com os interesses

específicos dos participantes; processo em desen-

volvimento através de episódios, um pré-texto

que delimite e potencialize a construção da nar-

rativa teatral em grupo; e a mediação de um pro-

fessor-personagem, que permite focalizar a situa-

ção sob perspectivas e obstáculos diversos. Entre

as estratégias que articulam essas características,

algumas, de acordo com Cabral (2006: 12) são fun-

damentais: as convenções teatrais que identificam

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formas distintas de ação dramática, a quantidade

e a qualidade do material oferecido aos partici-

pantes, a delimitação e ambientação cênica.

EXEMPLO DE PROCESSO DE DRAMA (IN CABRAL, 2006: 45-56):

CAVERNAS

O tema cavernas foi escolhido pela atração que gera

na infância, com imagens de mistério, de esconderi-

jo, de tocas de animais selvagens, de minas de pedras

preciosas ou tesouros de épocas passadas e também

pela possibilidade de, a partir dele, serem abordadas

questões de preservação do meio ambiente, ecossis-

tema, turismo predatório, etc.

Pressupostos teóricos (o pré-texto): “geólogos” (re-

presentados por professores e monitores) apresen-

tam a turma o relato de expedições anteriores num

congresso nacional, formado pelo restante da classe.

Através de um vídeo, apresentam às “autoridades”

um vídeo sobre a exploração de cavernas recém-des-

cobertas, além de mapas e desenhos do material ob-

servado e coletado.

²� Estrutura narrativa:

Esta experiência foi realizada em quatro etapas, com

uma hora e meia de duração cada encontro. O pro-

cesso envolveu a leitura e construção de imagens em

Imagem disponível em:

http://www.dac.ufsc.br/fotos/

teatro_ transito_024.jpg

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cada etapa – leitura do material apresentado, das

histórias ouvidas e das apresentações dos colegas;

construção de imagens a partir do material observa-

do, das narrações dos monitores, das suas vivências

anteriores.

Os alunos trabalharam em equipes de oito, com dois

monitores cada equipe e especialidade diferenciada:

exploradores de cavernas subterrâneas, com estalac-

tites e estalagmites (equipe 1), exploradores de ca-

vernas com inscrições rupestres (equipe 2), e explo-

radores de oficinas líticas e inscrições em pedras na

região litorânea (equipe 3).

O primeiro encontro – introdução do tema e do

contexto

²� Atividades:

1. compartilhando o que sabemos – o tema é “caver-

nas” é introduzido e os alunos contam o que conhe-

cem sobre o assunto, vêem um vídeo sobre a explo-

ração de cavernas mineiras e fotos de outros tipos de

cavernas. Estimula-se o debate sobre o tema.

2. Transformando-se em “geólogos” – o tema “ex-

ploração de cavernas” é introduzido: as funções do

geólogo e do espeleólogo são comentadas e dis-

cutidas. O tema “teatro” é introduzido e os alunos

são convidados a vivenciarem um processo de teatro

“como se” fossem espeleólogos. A classe é dividida

em três grupos, cada um com dois alunos de Artes

Cênicas e orna-se especialista em um tipo de caver-

na. Os grupos passam a criar a história de sua equipe

e de uma descoberta e exploração de uma caverna

que os tornou famosos. Cada grupo cria as evidências

desta expedição anterior, através de desenhos, ma-

pas) e dá nome à expedição e à caverna descoberta.

3. Preparando-se para atuar – um jornalista (profes-

sor de teatro: professor-personagem) visita cada la-

boratório e/ou escritório, entrevista e fotografa as

equipes de espeleólogos para a Revista da Ciência.

Um representante da Fundação do Meio Ambiente

de SC (FATMA) visita cada equipe para convidá-la a

participar de importante encontro sobre preservação

do meio ambiente e apresentar dados sobre o ecos-

sistema das cavernas.

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O segundo encontro constitui-se pela construção de

personagens, o terceiro é chamado “a expedição” e

o quarto é a apresentação das descobertas.

Ao final de cada processo de trabalho, são levanta-

dos Pontos de Reflexão, principalmente aos coor-

denadores do processo. No caso do exemplo dado,

concluiu-se que o processo gerou aprendizagem em

três áreas distintas: na linguagem teatral, na espe-

leologia (ou no tema “cavernas”) e na preservação

e proteção do meio ambiente. São também discuti-

dos possíveis desdobramentos desta atividade para

atividades posteriores, de acordo com os debates

suscitados pelos alunos. E finalmente são elencados

temas geradores para as outras disciplinas, como por

exemplo, português: um diário da expedição; mate-

mática – cálculo das distâncias das áreas pesquisadas;

geografia – mapas (reais ou não); história – os povos

das cavernas, os contrabandistas; etc.

¶ Peça Didática: componente importante da obra

do diretor, dramaturgo e pesquisador alemão

Bertold Brecht, a peça didática propõe uma edu-

cação político-estética através de procedimentos

pedagógicos fundamentados no Teatro e no pra-

zer proporcionado por ele. Neste sentido, o autor

estava buscando um contraponto à educação bur-

guesa, que via como “a mera apropriação de um

bem cultural, ou a aquisição de uma mercadoria”

(Brecht apud Desgranges, 2006: 79). Deflagrando

um processo de democratização do teatro através

da pesquisa por novas possibilidades de espaços,

público e narrativas para o Teatro, Brecht iniciou

sua experiência com as peças didáticas sendo tra-

balhadas inicialmente nas escolas, com jovens e

crianças, ou nas fábricas, com operários.

Imagem disponível em: http://1.

bp.blogspot.com/_ kfXHq0xoo_c/

SOqjGydJ72I/AAAAAAAAAEU/

I92efk9REo0/s320/brecht1_1.jpg

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No texto Para uma Teoria da Peça Didática (Brecht

apud Koudela, 2007: 16, 17), estabelecendo como

principais ferramentas didáticas o “efeito de estra-

nhamento” e o “modelo de ação”, o autor funda-

menta sua proposta: “A peça didática ensina quanto

nela se atua, não quando se é espectador. Em prin-

cípio, não há necessidade de espectadores, mas eles

podem ser utilizados.”

EXEMPLO DE EXERCÍCIOS DE “ESTRANHAMENTO” PROPOSTOS POR BRECHT (APUD KOUDELA, IDEM: 112, 113)

¦ a transposição par a terceira pessoa;

¦ a transposição para o passado;

¦ a verbalização de rubricas e comentários

A transposição para a terceira pessoas é recomenda-

da pro Brecht para desenvolver a atitude que torna

possível a “citação”. O atuante experimenta o seu

papel ora na primeira, ora na terceira pessoa. “Ele

levantou-se e disse, enraivecido, pois não havia al-

moçado... ou Ele ouviu isso pela primeira vez e não

sabia se era verdade... ou Ele sorriu e disse despreo-

cupadamente”.

No procedimento de trabalho com a peça didática, o

jogador/atuante encontra-se na mesma situação privi-

legiada que o ator diante da platéia. Em função da ex-

perimentação com o texto da peça didática, ele irá in-

vestigar um modelo de comportamento, atitude, gesto

e seu conteúdo de significação e efeitos históricos.

¶ a Pedagogia do Oprimido: conjunto de métodos

e técnicas desenvolvidas pelo dramaturgo, ence-

nador, pesquisador e teórico brasileiro Augusto

Boal, recentemente falecido. Consagrado como

um dos mais importantes dramaturgos do em-

blemático Teatro de Arena de São Paulo (1953 –

1972), em obras como Arena conta Zumbi, Revo-

lução na América do Sul, Boal sofre duramente

com a opressão do Regime Militar pós-AI 5 (1968),

e após ser preso e torturado passa um longo pe-

ríodo de exílio em países da América Latina e

posteriormente na Europa. Sua experiência junto

aos mais diversos grupos populares e a inspiração

teórica na obra de Bertold Brecht (sobretudo nas

suas Peças Didáticas) o levaram à criação do Tea-

tro do Oprimido. Este constitui-se, de acordo com

Boal (2002: 15), como uma ferramenta de apoio –

através do teatro – às lutas dos oprimidos. Para

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Boal, todos os seres humanos são atores, porque

agem, e espectadores, porque observam. Mas

fundamentalmente, para o autor, somos todos

“espect-atores”, ou seja, não somos espectadores

passivos, devemos e podemos agir para modifi-

car a cena – ou a vida. Neste sentido, seu método

pode ser usado tanto por atores profissionais ou

não-profissionais quanto por professores, em sala

de aula, ou ainda por grupos que desejem usar

a linguagem teatral com objetivos específicos (na

psicoterapia, na luta social ou política, etc.). Atra-

vés da Estética do Oprimido, busca-se desenvolver

entre os praticantes a capacidade de perceber o

mundo, por meio de todas as Artes e não apenas

do Teatro (podemos dizer que aqui o teatro fun-

ciona como um catalizador), focalizando o proces-

so no imbricamento entre Palavra (todos podem

e devem escrever poemas e narrativas), Som (in-

venção de novos instrumentos e de novos sons) e

Imagem (pintura, escultura, fotografia, etc.).

Dentre as técnicas que compõem o Teatro do Oprimi-

do encontram-se: O Teatro-Imagem, o Teatro-Fórum,

o Teatro-Invisível, o Teatro-Jornal, etc.

EXEMPLO DE EXERCÍCIO NA CATEGORIA “SENTIR TUDO QUE SE TOCA” (IN BOAL, 2002: 91,92):

HIPNOTISMO COLOMBIANO

Um ator põe a mão a poucos centímetros do rosto de

outro; este, como hipnotizado, deve manter o rosto

sempre à mesma distância da mão do hipnotizador,

os dedos e os cabelos, o queixo e o pulso. O líder

iniciar uma série e movimentos com as mãos, retos

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AAAAAAAAAFk/_Ph7-BOSyEM/

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e circulares, para cima e para baixo, para os lados,

fazendo com qe o companheiro execute com o corpo

todas as estrutruas musculares possíveis, a fim de se

equilibrar e manter a mesma distância entre o ros-

to e a mão. A mão hipnotizadora, pode mudar, para

fazer, por exemplo, com que o ator hipnotizado seja

forçado a passar por entre as pernas do hipnotiza-

dor. As mãos do hipnotizador não devem jamais fa-

zer movimentos muito rápidos, que não possam ser

seguidos. O hipnotizador deve ajudar seu parceiro

a assumir todas as posições ridículas, grotescas, não

usuais: são precisamente estas que ajudam o ator a

ativar estruturas musculares pouco usadas e a melhor

sentir as mais usuais. O ator vai utilizar certos mús-

culos pouco usados e a melhor sentir as mais usuais.

O ator vai utilizar certos músculos esquecidos do seu

corpo. Depois de uns minutos, trocam-se o hipnoti-

zador e o hipnotizado. Alguns minutos mais, os dois

atores se hipnotizam um ao outro: ambos estendem

sua mão direita, e ambos obedecem à mão do outro.

²� Variante:

Hipnose com as duas mãos. Mesmo exercício. Desta

vez, o ator dirige dois de seus companheiros, um com

cada mão. O líder não deve parar o movimento ne-

nhuma mão nem da outra. Esse exercício é para ele

também. Pode cruzar suas mãos, obrigar o parceiro a

passar por debaixo do outro (sem se tocarem). Cada

corpo deve procurar seu próprio equilíbrio, sem se

apoiar sobre o outro. O líder não pode fazer movi-

mentos muito violentos; ele não é um inimigo, mas

um aliado, mesmo se está tentando sempre desequi-

librar seus parceiros. Depois, troca-se de líder, de ma-

neira que os três atores possam experimentar ser o

hipnotizador. Após uns minutos, os três atores, em

triângulo, hipnotizam-se uns aos outros, estenden-

do, à sua direita, sua mão direita e obedecendo à

mão direita do outro, que lhe vem pela esquerda. (o

autor ainda oferece duas outras variantes).

¶ A Etnocenologia: a linha de pesquisa chamada et-

nocenologia é uma das abordagens que pretende

dar conta da análise dos eventos “espetaculares”

como um todo. A etnocenologia surge, baseada

numa crítica ao etnocentrismo do termo “teatro”

(aplicável apenas a algumas culturas ocidentais),

como um conceito alternativo que busca contem-

plar a universalidade das práticas espetaculares.

Esta abordagem, iniciada há poucos mais de quinze

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anos, especialmente por Jean-Marie Pradier (1996),

na França, vem se desenvolvendo no Brasil por

professores-pesquisadores-artistas como Marocco

(1996), Bião (1996), Brantes (2005), Veloso (2009),

entre outros. A etnocenologia tem como objetivo

“o estudo, nas diferentes culturas, das práticas e

dos comportamentos humanos espetaculares or-

ganizados” (tradução minha). Inspirado na obra

de John Blacking, especialmente no tocante à sua

argumentação para a criação da disciplina de etno-

musicologia, Pradier defende que a etnocenologia

vem suprir uma lacuna nos estudos da relação entre

corpo e produção simbólica. É aqui, então, que o

termo “espetacular” ganha espaço, definido como

“uma forma de ser, de se comportar, de se movi-

mentar, de agir no espaço, de se emocionar, de fa-

lar, de cantar e de se enfeitar distinta do cotidiano”

(PRADIER, 1998: 24). Pradier, no entanto, admite a

ambigüidade do termo e o contínuo processo de

aprimoramento de sua definição, pois as pesquisas

em etnocenologia acabarão se estendendo, bus-

cando experiências e expressões espetaculares nas

práticas, valores e símbolos também utilizados no

cotidiano4. Neste sentido, podemos acrescentar a

importante contribuição do prof. Armindo Bião,

do Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas

da UFBA, possivelmente o maior propagador das

pesquisas etnocenológicas. De acordo com ele, os

objetos originalmente descritos como “práticas e

comportamentos humanos espetaculares orga-

nizados” (PCHEO) poderiam ser divididos em três

subgrupos: artes do espetáculo, ritos espetaculares

e formas cotidianas, espetacularizadas pelo olhar

do pesquisador. (BIÃO, 2007: 26)5

¶ Antropologia Teatral: as pesquisas de “teatro an-

tropológico”, realizadas por Eugênio Barba (1991,

1994, 1995) e pela equipe da ISTA (Internation

School of Theatre Anthropology), visando a am-

pliação das possibilidades de criação artística dos

atores do Ocidente, contribuíram com a sistema-

tização de princípios extra-cotidianos de uso do

corpo semelhantes e observáveis em diferentes

4 Inês M arocco (1996), professora do Programa de Pós-Graduação em Artes Cêni-cas da UFRGS, vem desenvolvendo pesquisas nessa linha há mais de dez anos, buscando, na lida campeira dos peões (o laçar, o pealar, o domar, etc.) e na trova, uma análise do “ gesto espetacular na cultura gaúcha” .5 Bião ainda acrescenta a esses três conjuntos ou subgrupos a condição de serem, respectivamente, objetos substantivos, adjetivos e adverbiais. Para um maior apro-fundamento nesta nova classificação sugerida pelo autor, ver Bião (2007).

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culturas. Enquanto a etnocenologia vai procurar

estabelecer um suporte teórico para a análise de

tais manifestações expressivas, a antropologia

teatral vai experimentar, na prática, a compara-

ção dos métodos utilizados por performers de di-

ferentes culturas. Essas experiências vão ocorrer

especialmente nas reuniões anuais da ISTA, que

envolvem workshops, demonstrações e finalizam

com o Theatrum Mundi, espetáculo onde artistas

de diferentes culturas e técnicas de performance

contracenam (Skeel, 1994), e também nas trocas,

nas quais os atores do Odin Teatret, grupo diri-

gido por Barba, compartilham suas técnicas de

performance com comunidades de diversas partes

do mundo. Barba vai argumentar sobre as trocas

(1991: 104): “Todos podem dançar suas próprias

danças e cantar suas próprias canções. Aqui não

existe um momento estético do espetáculo, não

existe por um lado os profissionais que cantam,

dançam e recitam e, por outro lado, pessoas que

passivamente os observam e os consideram como

especialistas da música, da dança e do recital. É

esta nossa ‘troca’. Não renunciamos ao que era

nosso, eles não renunciam ao que era deles. Defi-

nimo-nos reciprocamente através de nosso patri-

mônio cultural.”

¶ Os estudos da performance: originados nas pes-

quisas e práticas teatrais do diretor e professor

da New York University, Richard Schechner (1988;

1992), os estudos da performance encontram-se

na confluência entre as pesquisas teatrais e an-

tropológicas. Schecher foi possivelmente quem

melhor (ou primeiro) fez uma adequada liga-

ção entre ambas as perspectivas de análise. Para

ele a performance está enraizada na prática e é

fundamentalmente interdisciplinar e intercultu-

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ral (1988: xv)6. Considerando que os performan-ce studies envolvem diversas artes, atividades e

comportamentos, Schechner organiza as ativi-

dades performativas da seguinte maneira (1992:

273): de acordo com a relativa “artificialidade”

da atividade ou gênero, de acordo com a neces-

sidade de treinamento formal, de acordo com o

relacionamento entre “espaço teatral” e “evento

teatral” e de acordo com o status social e ontoló-

gico de quem está atuando e de quem está sendo

representado. Mas, segundo o próprio Schechner,

sua taxonomia é falha, pois freqüentemente uma

performance mistura ou exclui algumas destas ca-

tegorias:

Performance não é fácil de definir ou localizar: con-

ceito e estrutura tem espalhado-se para todos os lu-

gares. É étnico e intercultural, histórico e a-histórico,

estético e ritual, sociológico e político. Performance

é um modo de comportamento, uma abordagem da

experiência; é um jogo, um esporte, entretenimen-

to popular, teatro experimental, e mais. Mas como

uma ampla perspectiva a desenvolver, a performan-

ce precisa ser escrita com precisão e em total deta-

lhamento.7

A discussão vivaz sobre os estudos da performan-

ce, suscitada por Schechner ao longo dos últimos

trinta anos, permite que ele vislumbre a amplitu-

de das questões envolvidas nesta perspectiva de

abordagem da sociedade.

6 Há uma sutil diferença, no entanto, entre a escola norte-americana dos Per-formances Studies, desenvolvidos por Schechner, e a Etnocenologia francesa de Pradier: enquanto esta focaliza o caráter êmico e individualizado das representa-ções, aquela, ainda que também considere suas atribuições êmicas, volta-se, numa perspectiva intercultural, para estudos comparativos, vislumbrando universais do comportamento humano.7 Tradução da autora.

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A PEDAGOGIA DO TEATRO – UMA NOVA CATEGORIA PARA NOVAS DEMANDAS

Como já foi introduzido no início deste texto, atu-

almente, a terminologia “Pedagogia do Teatro”

toma conta das discussões que ocorrem nas inter-

faces entre o Teatro e a Educação. Uma nova pers-

pectiva de abordagem do ensino/aprendizagem do

teatro caracteriza essa nomenclatura, cuja principal

mudança em relação às abordagens mais tradicio-

nais da Arte-Educação está no fato de não separar

a prática teatral que ocorre no ambiente escolar da

prática que é realizada por atores ou diretores, ou

seja, por profissionais do teatro. Três autores nos aju-

darão a compreender essa transformação conceitual,

suas implicações na formação dos novos docentes da

área de teatro e sua reverberação nas salas de aula

e nas salas de treinamento e ensaio. São eles: Ingrid

Koudela, Biange Cabral e Gilberto Icle, todos profes-

sores, de diferentes instituições e gerações, que têm

realizado ótimas reflexões sobre o tema.

Comecemos com uma pequena historicização do bi-

nômio Pedagogia do Teatro e Teatro na Educação.

De acordo com a profa. Ingrid Koudela (2006: 161), a

utilização da grafia Teatro/Educação, com uma barra

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entre os termos, no início da década de 70, visava

deixar em aberto as relações a serem estabelecidas

entre ambos os campos de atuação. Ao longo desta

mesma década, com a tradução do termo Art Educa-

tion, em inglês, oriundo das Artes Visuais dos EUA,

a grafia Teatro-Educação passou a vigorar nos con-

gressos da Federação de Arte-Educadores do Brasil

(FAEB) e da Associação de Arte-Educadores de São

Paulo (AESP), nos quais a autora participara. A partir

de então o termo Arte-Educação generalizou-se en-

globando as outras áreas de conhecimento em artes,

como o Teatro, a Dança e a Música, que passaram a

ser concebidas como linguagens (o que se mantém

até os dias de hoje, como vimos, inclusive nos PCNs),

sob a égide conceitual, no entanto, das Artes Visuais.

O termo Pedagogia do Teatro é utilizado, inicialmen-

te, em diferentes contextos, como na descrição dos

processos de aprendizagem de teatro em distintas

culturas, feita nas diversas obras que dão suporte à

Antropologia Teatral de Eugênio Barba, ou na pro-

posta alemã de diálogo entre a pedagogia e a educa-

ção, Theaterpädagogik. Para Koudela (op. cit. 163):

O intuito de incorporar reflexões e indagações so-

bre a Pedagogia do Teatro visou não apenas a am-

pliar o espectro da pesquisa na área, trazendo para

a discussão os Mestres do Teatro – dramaturgos, te-

óricos e encenadores –, como também fundamentar

a epistemologia e os processos de trabalho do tea-

tro, inserindo-os na história da cultura.

Já Gilberto Icle, que é ator, diretor e professor da

Faculdade de Educação da UFRGS, levanta as condi-

ções de emergência da pedagogia teatral como um

eixo teórico-metodológico que aproxima diferentes

instâncias do fazer teatral. Em sua pesquisa, o autor

considera que as principais mudanças que definiram

novas abordagens da prática teatral ocorreram não

necessariamente nos espetáculos, mas nas salas de

ensaio, escolas e laboratórios. Segundo ele, nas situ-

ações pedagógicas engrendradas por personalidades

como Stanislavski, Meyerhold, Copeau, Grotowski

ou Barba revelaram-se “a dinâmica e as relações in-

dissociáveis entre o artístico e o pedagógico.” (Icle,

2007: 1. O autor vai elencar, então, alguns elemen-

tos que caracterizam essa que pode ser considerada

uma mudança de paradigma, que ocorre no teatro

ao longo do século XX e que orienta a relação des-

te com a educação. Entre estes elementos, ele inclui:

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1) a instauração da improvisação como procedimen-

to criativo; 2) a conversão do diretor num “diretor-

pedagogo”, que precisa criar um “ambiente pedagó-

gico” para que consiga desenvolver seu processo de

pesquisa e criação da encenação junto aos atores e

aos demais membros da equipe; 3) a transformação

do grupo de teatro em comunidade teatral, que não

toma mais o espetáculo as ponto-chave do teatro,

valorizando o processo criativo e o desenvolvimento

de identidades teatrais localizadas social e cultural-

mente. Para Icle (2007: 4):

são nas mudanças, nas passagens, nas rupturas, nos

movimentos, nas formas distintas e “novas” de fa-

zer e pensar teatro que aquilo que chamamos de

pedagogia teatral foi se engendrando, se discipli-

nando, se constituindo como um discurso e uma

prática verdadeira.

Debruçando-se de forma mais específica na Antro-

pologia Teatral de Eugenio Barba, o autor aponta

para as contribuições que esta pode aportar para o

campo da Pedagogia do Teatro e, mais efetivamente,

no ensino do teatro. Uma das principais contribui-

ções passaria pela compreensão do conceito de pré-expressividade, ou seja, tudo aquilo que antecede o

momento expressivo, de representação propriamen-

te dita – o que vem antes da cena, do palco, da dança.

O conceito se estrutura sobre duas categorias opostas

e complementares: o cotidiano e o extracotidiano,

que mobilizam energias distintas, já que operam no

sentido de alcançar diferentes objetivos. Barba iden-

tificou o que intitula de “princípios pré-expressivos”

semelhantes em diferentes culturas, que permitiriam

a constatação de que há uma dimensão que prepa-

ra, antecede e organiza a os corpos para o estado

de atuação e que esta dimensão não está vinculada

diretamente a um significado ou a um conteúdo. De

alguma maneira, este embasamento empírico-refle-

xivo legitima a idéia de treinamento do ator – ou do

trabalho com alunos, em sala de aula, desvinculado

da idéia de uma montagem. O desenvolvimento dos

princípios pré-expressivos com alunos e/ou atores os

tornaria potencialmente expressivos, melhor prepa-

rados, assim, para atuar em uma situação extra-coti-

diana – teatral. Respeitando o trabalho de descober-

ta individual de cada aluno dentro desses princípios,

o professor também estaria exercitando uma forma

de conduzir um processo no qual sua intervenção é

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limitada ao apoio no desenvolvimento do potencial

criativo dos alunos.

As implicações dos conceitos de pedagogia do tea-

tro e teatro como pedagogia no âmbito do Teatro

na Educação também são discutidas pela professora

Biange Cabral. Se o primeiro identifica determina-

dos métodos de ensino e planejamentos, o segundo

prevê que toda atividade com a linguagem teatral

em sala de aula já configura uma pedagogia, inde-

pendente do planejamento. Para Biange (2007: 1),

embora essa abordagem acentue uma dicotomia, o

que sempre é arriscado, esse risco se justificado pois

acentua a especificidade do teatro face à função do

planejamento de ensino e à questão da aquisição de

conhecimentos próprios da área.

A autora, que tem defendido em diversos artigos a

legitimidade e o valor do trabalho do professor de te-

atro, ao mesmo tempo em que aponta a importância

de um planejamento que especifique os objetivos ar-

tísticos a serem explorados (linguagem cênica), estéti-

cos (valores) e temáticos (aspectos do texto ou tema),

também lembra que o docente deve permanecer sem-

pre atento para o contexto de trabalho, considerando

sempre a possibilidade de alterar o programa do curso

de acordo com as demandas dos alunos. Podemos re-

lembrar, neste sentido, que a contextualização é um

dos eixos da proposta triangular de Ana Mae Barbosa,

apresentada no início deste texto.

Finalmente, Biange ainda traz para a discussão a pro-

posta de Henri Giroux, de uma pedagogia da possibi-

lidade. A partir do conceito-chave de resistência, este

autor propõe a autonomia dos docentes (e podería-

mos pensar no caso específico dos docentes de tea-

tro) no sentido de reagirem contra a dominação das

teorias dominantes e a reprodução pura e simples de

elementos culturais alheios à sua própria cultura. O

professor deve assumir-se como um agente que en-

cara a educação como um empreendimento político,

social e cultural.

Conquanto as abordagens pedagógicas contemporâ-

neas em arte-educação têm enfatizado que se faça

uma justa distribuição, em sala de aula, entre a cria-

ção (prática), a apreciação (formação do público) e a

contextualização (atenção às peculiaridades da cul-

tura e da sociedade em questão), é fundamental que

os modelos pedagógicos disponíveis – como os que

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vimos acima, por exemplo – não se tornem demasia-

damente rígidos e distanciados das realidades locais.

Isso acabaria por inviabilizar resultados produtivos

em termos da sensibilização à linguagem teatral – e,

consequentemente, à arte e às relações humanas –

nos diferentes níveis. Comunicar – e se comunicar –

como já disse Viola Spolin, deve sempre ser mais im-

portante que o método utilizado para tanto. A nova

concepção do Teatro na Educação, neste sentido,

pela abordagem da Pedagogia do Teatro, permite

que se conheça e se contemple as riquezas culturais

dos diferentes sujeitos envolvidos nos processos de

construção de conhecimento através do Teatro. E

através do Teatro não apenas ensinamos e aprende-

mos, mas também vivenciamos, sentimos, refletimos,

imaginamos e criamos novos mundos possíveis.

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TELLES, Narciso. Pedagogia do Teatro e o teatro de

rua. Porto Alegre, Mediação, 2008.

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Unidade 2

O que é um espectador? Dos modos de constituir-se

dentro e fora da aula de teatro

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Autora: Taís Ferreira

INTRODUÇÃO OU O QUE O ESPECTADOR TEM A VER COM AS AULAS DE TEATRO?

Aprende-se a ser espectador? A escola nos ensina a

sermos espectadores? A aula de teatro ensina a ser

espectador de teatro? É preciso aprender algo para

ser espectador? Onde, então, aprende-se a ser espec-

tador? Que espaços-tempos e artefatos são esses que

contemporaneamente crianças e jovens usufruem e

nos quais constituem suas identidades, suas subjetivi-

dades e seu repertório de “espectar”?

A propósito: o que é um espectador? Por que falar da

parte “menos importante”, “menos tangível”, “me-

nos discutida”, “menos conhecida”, “menos glamou-

rosa” (não há cobertura da mídia, nem fotos, nem

livros de história, nem críticas sobre espectadores,

ainda que se reconheça o crítico como “espectador

privilegiado”), ou seja, da parte minorada do todo

que é o acontecimento teatral? E, por conseguinte:

qual a pertinência de refletir acerca de ser especta-

dor nos processos de ensino-aprendizagem teatral?

Comecemos pela palavra e alguns de seus significa-

dos, na tentativa (possivelmente inglória) de respon-

der à questão que dá título a estes escritos. Parece-

me que o dicionário sempre auxilia a construir linhas

de fuga aos significados estanques, mesmo em se

tratando de termos que são consenso notório, como

a palavra espectador. Diz-nos, portanto, o Dicionário

Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa (2001): es-

pectador é “adjetivo e substantivo masculino; 1 que

ou aquele que assiste a um espetáculo; 2 que ou

aquele que presencia um fato; testemunha, presen-

te; 3 que ou aquele que observa ou examina (algo);

observador”. O homônimo expectador nos diz: “ad-

jetivo e substantivo masculino; que ou aquele que

permanece na expectativa”. Nada de novo, por en-

quanto. Mas, logo abaixo, mora o verbo espectar e

este sim abre novas possibilidades de pensar e cons-

truir o espectador na contemporaneidade. Espectar:

“verbo; Diacronismo: obsoleto. Transitivo direto;

olhar, assistir, apreciar (grifos meus)”. Pensemos, en-

tão, partindo do espectar como obsoleto.

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Se considerarmos o espectador enquanto uma par-

te ativa do acontecimento teatral, ou seja, como im-

prescindível ao teatro, ainda assim corremos o risco

de colocá-lo em um espaço minorado. O diretor, o

dramaturgo, o ator, o grupo, a peça, a performance:

todos propõem, todos lançam no espaço vazio suas

propostas criativas, suas intenções estéticas, seus pro-

cessos e seus resultados cênicos. Há espaço para o es-

pectador neste lugar tão repleto de idéias, ideais e

materiais? Ou melhor: pensa-se o espectador quando

se pensa teatro? Independente de quais e de como

são as propostas cênicas (do tradicional teatro de

texto em palco italiano às mais inusitadas propostas

performáticas), estudar, conhecer e, ousaria dizer, fa-

zer teatro implica considerar a existência do especta-

dor para além daquele que observa e espera?

Quem é o espectador? Deixemos neste instante as

subjetividades de lado, reformulemos a questão in-

tentando a (impossível) neutralidade: o que é um es-

pectador? Aquele que observa e espera (HOUAISS,

2001)? Aquele que acolhe e hospeda (DERRIDA,

2003)? Aquele que completa (ECO, 2001)? Aquele

que cria dialogicamente (BAKHTIN, 1992)? Aquele

que constitui e é constituído através da linguagem

(FOUCAULT, 2007)? Aquele que co-habita e comparte

o espaço-tempo íntimo do ato cênico do ator (GRO-

TOWSKI, 1971)? Aquele que tem seus sentidos inde-

levelmente abalados (ARTAUD, 1993)? Aquele que

age pelo e através do teatro (BOAL, 1998)? Aquele

que se posiciona (BRECHT)? Aquele que aprende

com o jogo do outro (SPOLIN, 1987)? Todas as alter-

nativas poderiam ser consideradas corretas, todas se

complementam e podem constituir uma genealogia

do espaço ocupado pelo espectador nos processos de

criação ao longo da história do teatro no século XX.

Porém, convém salientar que espectar é obsoleto:

observar, contemplar, olhar, apreciar (se forem en-

tendidos como passivos) há muito não podem ser

consideradas as únicas funções do espectador. O es-

pectador passa a ser compreendido como um co-au-

tor, ou, simplesmente, como mais um autor da obra.

É necessário que um espectador ative toda a sua

gama de repertórios de espectar (teatro, TV, música,

páginas da internet, cinema, dança, obras de arte,

vídeos, revistas, livros, outdoors, shows, entre outros)

para construir a recepção. Que não é pontual e sim

processual; que se dá antes da relação direta com o

artefato, durante e depois, num devir-espectador

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que se constrói diferentemente a cada comunidade

de recepção a qual se pertence, a cada cenário de

recepção no qual se circula. Ser espectador é mais do

que ser receptor: é ser um inevitável produtor. De

sentidos, de significados, de sensações, de sentimen-

tos, de conhecimento.

Este texto não propõe uma pedagogia do especta-

dor8, não apresenta soluções nem metodologias pos-

síveis para formar espectadores. Simplesmente tenta

refletir acerca de como nos constituímos espectado-

res nos diversos âmbitos de nossas vidas contemporâ-

neas, e tenta mapear alguns espaços-tempo de for-

mação e apresentar a aula de teatro como possível

espaço deste constituir-se no teatro.

A partir destas considerações iniciais, desenvolverei

(breve, e não exaustivamente) os seguintes aponta-

mentos:

¶ entender o teatro, a produção cultural para crian-

ças e jovens, como parte de um circuito cultural de

produção, circulação e consumo, contextualizan-

do-o sócio, econômica e culturalmente ;

¶ debater as pedagogias culturais, ou seja, artefatos

e seus discursos, que nos ensinam modos de ser e

estar no mundo, constituindo identidades e subje-

tividades de espectadores;

¶ levantar as múltiplas mediações que atravessam e

constituem a relação dos espectadores com a lin-

guagem teatral para, finalmente;

¶ apresentar linhas de fuga e pontos de encontro

que possibilitem a pedagogia teatral e a recepção

caminharem juntas.

8 Para tal fim, ver as publicações do professor e pesquisador Flávio Desgranges, que desenvolve estudos acerca da “ pedagogia do espectador” .

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A PRODUÇÃO TEATRAL PARA CRIANÇAS E JOVENS NA CONTEMPORANEIDADE: TEATRO COMO PRODUTO NO CIRCUITO DA CULTURA9

As crianças e jovens sempre foram espectadores de

teatro no ocidente. Há indícios de que crianças fre-

qüentavam os anfiteatros gregos, havia crianças e jo-

vens nas platéias das arenas romanas, os teatros litúr-

gico e profano da Idade Média (realizados nas igrejas

e posteriormente em vias públicas) também eram

assistidos por crianças, jovens e adultos, da mesma

forma as peças das trupes mambembes da comme-

dia dell’arte italiana, o teatro elisabetano (de cunho

extremamente popular na Inglaterra do século XVI e

XVII), os autos teatrais jesuíticos que catequizavam

os índios brasileiros no século XVI, os corrales do bar-

roco espanhol também contavam com espectadores

homens e mulheres, pobres e ricos, velhos e crianças,

o teatro de bonecos indiano era teatro para adul-

tos e crianças; em todas as épocas pode-se encontrar

9 O modelo de circuito da cultura a partir do qual discorro nestes escritos é aquele apresentado por JOHNSON no artigo “ O que é, afinal, estudos culturais?” (1999).10 Todas as fotografias que ilustram este artigo são de espetáculos da Cooperativa de Artistas Teatrais Oigalê, de Porto Alegre/RS, e seu uso foi gentilmente autorizado pelo grupo. M aiores informações em: <http://www.oigale.com.br/index.htm>.

Figura 1. Crianças e

adultos assistem ao

espetáculo de teatro de

rua da Cooperativa de

Artistas Teatrais Oigalê10,

“Negrinho do Pastoreio”.

Crédito da fotografia:

Kiran.

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registros de platéias formadas por pessoas de todas

faixas etárias. Enfim, até o século XX, crianças, jovens

e adultos iam juntos ao teatro, não havia uma produ-

ção específica direcionada à infância e à juventude,

o que não significa que estas não freqüentassem as

praças públicas e salas de espetáculos.

Ariès (1991) exemplifica vários aspectos da invenção

da infância moderna, ou seja, da construção cultural

(e não biológica ou imanente à raça humana) ocor-

rida em meados dos séculos XVI e XVII e que fez da

infância uma fase particular da vida, marcada pela

instituição de determinadas características posterior-

mente consideradas inerentes à condição infantil.

A partir de trechos do diário do príncipe Luís XIII

da França, escritos por seu médico, Ariès comenta a

construção do infantil e algumas práticas e dispositi-

vos que buscam entendê-lo, capturá-lo e discipliná-

lo. Em certos momentos, pode-se perceber a presen-

ça das crianças em manifestações artísticas e lúdicas,

que estas compartilhavam com os adultos. Narra-se

o teatro de bonecos, o teatro feito por atores e a

dança como elementos presentes na vida do peque-

no aristocrata.

Tudo indica que a idade dos sete anos marcava uma

idade de certa importância: era a idade geralmente

fixada pela literatura moralista e pedagógica do sé-

culo XVII para a criança entrar na escola ou começar

a trabalhar. (...) pois embora não brinque mais ou

não deva mais brincar com bonecas, o Delfim (Luís

XIII) continua a levar a mesma vida de antes. Ainda

é surrado e seus divertimentos quase não se alte-

ram. Ele vai cada vez mais ao teatro, chegando em

pouco tempo a ir quase todos os dias: uma prova

da importância da comédia, da farsa e do balé nos

freqüentes espetáculos de interior ou ao ar livre de

nossos ancestrais (ARIES, 1991, p. 87).

Tanto como o teatro, a literatura também não pos-

suía uma categoria distinta para as crianças, ainda

que houvesse leituras consideradas adequadas às

mulheres, às classes desfavorecidas, aos intelectuais,

aos aristocratas, não havia, até o século XVII (quando

Perrault compila alguns contos folclóricos na França

e os nomeia Contos da Mamãe Gansa, dedicando-os

a uma das pequenas princesas do país) notícias de

artefatos que pudessem classificar-se dentro da cate-

goria “literatura infantil”. Ainda seguindo Ariès, “os

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mesmos jogos eram comuns a ambos, crianças e adul-

tos” (1991, p. 88), assim como os contos populares, o

teatro de marionetes, as comédias, as danças, os jo-

gos dramáticos, a música e a literatura também eram

compartilhados por crianças, jovens e adultos. “A

mudança se faz insensivelmente nessa longa seqüên-

cia de divertimentos que a criança toma emprestada

dos adultos ou divide com eles” (Id., Ibid.).

Com o andamento da modernidade (e de seus me-

canismos de disciplinamento, classificação e normali-

zação) instituíram-se fases da vida humana distintas

em obrigações e direitos: as crianças, os jovens e os

adultos passam a contar cada qual com seus próprios

artefatos culturais, voltados para seu nível específi-

co de desenvolvimento cognitivo e formação moral.

Brinquedos, literatura e roupas para crianças só po-

deriam veicular conteúdos adequados àquilo que es-

tas pudessem conhecer. Cria-se uma barreira entre o

mundo dos adultos e o mundo das crianças, que en-

volve diferenciações relativas ao poder-saber. Temas

como a sexualidade são banidos das experiências for-

mais de aprendizagem infantil das classes abastadas,

assim como aos poucos a violência, a política e a reali-

dade social. Há coisas que só os adultos podem saber.

Às crianças e aos jovens ficam destinados a inocência,

os mundos oníricos, tudo aquilo que é belo e bom.

Chegamos à segunda metade do século XX e o ad-

vento da cultura de massa e da midiatização do co-

tidiano transforma estas fronteiras entre crianças de

adultos: agora, novamente, as crianças e jovens têm

pleno e ilimitado acesso ao mundo dos adultos, atra-

vés da televisão, da internet e de outros meios.

Assim, dispomos hoje de um verdadeiro arsenal de

livros, filmes, músicas, vídeos na internet, imagens,

revistas, roupas, programas televisivos e peças de te-

atro, entre outros artefatos, perfeitamente inseridos

no circuito da cultura, impulsionando o consumo e a

circulação de bens simbólicos, cada qual voltado para

determinado grupo de idade, ainda que o controle

ao acesso seja muito problemático no caso dos “ar-

tefatos de conteúdo impróprio”. Identidades e sub-

jetividades constituem-se a partir deste consumo e o

teatro não foge à regra. Podemos, desta forma, pen-

sar na constituição de um campo específico de teatro

para a infância e a juventude, que aqui denominarei

como campo do teatro infantil.

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Embora o teatro (campo teatral) seja considerado um

“domínio cultural nobre” (BOURDIEU), o teatro in-

fantil e as práticas nele envolvidas distinguem-se rela-

tivamente ao campo teatral em sua amplitude. Mes-

mo havendo lutas pela distinção dentro do próprio

campo (teatro comercial versus teatro experimental,

teatro clássico versus teatro contemporâneo, teatro

do eixo Rio-São Paulo versus teatro das outras regiões

do país e muitas outras), o teatro para crianças assu-

me certas características que lhe conferem especifici-

dade e até autonomia em relação ao campo teatral.

A intertextualidade e mestiçagem com campos como

o educacional/ escolar, o da cultura de massa e o das

culturas populares, o da literatura, o campo dos sa-

beres/ poderes relativos ao infantil e o campo econô-

mico confere-lhe peculiaridades estruturais, funcio-

nais, de conteúdo e de inserção no circuito da cultura

que permitem pensar a existência de um campo do

teatro infantil.

O teatro infantil goza, hoje, no Brasil, com o mérito

de ter muitas salas de espetáculo lotadas, em detri-

mento ao teatro realizado tendo como público alvo

os adultos, que acompanha uma decrescente taxa de

ocupação (com exceção do público que lota salas de

espetáculos em busca de atores televisivos e comé-

dias de costume sobre as relações da classe média).

Um grande número de crianças e jovens em idade

escolar também tem acesso aos espetáculos teatrais

através de contratos firmados entre grupos e/ou pro-

dutores e as instituições de ensino. Projetos de des-

centralização cultural de órgãos estatais também

colaboram para o número crescente de crianças e

jovens que têm contato, se não freqüente, ao menos

esporádico, com o teatro produzido para a infância

e a juventude. Portanto, estabelece-se um lucrativo

mercado para grupos e produtores teatrais.

Em decorrência disto, pode-se notar um tom pejora-

tivo na maior parte das referências relativas ao teatro

infanto-juvenil, devido justamente à ampla inserção

deste setor em circuitos comerciais de produção, cir-

culação e consumo. No entanto, discutir, reconhecer

e contextualizar esta produção teatral para infância

e juventude é um exercício que se tem mostrado ex-

tremamente profícuo ao entendimento da recepção

inserida no circuito cultural de produção e consumo.

Cabe aqui, portanto, uma breve explanação sobre os

artefatos teatrais produzidos para este público.

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ARTEFATOS TEATRAIS PARA INFÂNCIA E J UVENTUDE

As peças de teatro para crianças contam com algu-

mas características formais, estéticas e de conteúdo

peculiares. Ainda que sejam espetáculos cênicos,

que se valham de elementos componentes do pró-

prio campo do teatro, encontra-se certa recorrência

a algumas representações estereotipadas do infantil

e tentativas de busca de uma linguagem que seria

própria ao entendimento das crianças ou dos jovens.

Na maioria das vezes, estes recursos “peculiares do

infantil ou juvenil” nada mais fazem que subestimar

a capacidade de interação das crianças e jovens com

a linguagem teatral, veiculando estereótipos cultu-

rais e estéticos. Há algumas destas representações

que perpassam a maior parte dos espetáculos, mas

dentro deste universo existe uma variabilidade con-

siderável de temas abordados, técnicas e tecnologias

utilizadas, bem como inúmeras linhas de fuga: traba-

lhos que se apresentam dissidentes do corriqueiro,

das representações e dos conteúdos convencionados

como infantis ou juvenis, que não se atrelam a de-

terminadas convenções do campo, transformando-as

e outras instituindo no ato mesmo de contestá-las.

Não se nega neste espaço que haja bom teatro para

crianças e jovens, não se busca empreender juízo

de valor, e sim problematizar o que se observa com

maior freqüência no campo do teatro infantil.

Contudo, intriga-me como as crianças operam na

apreensão e na atribuição de sentidos a estes este-

reótipos, que elementos utilizam na recepção deste

“estranho mundo que a elas é mostrado e ofertado”

(ABRAMOVICH, 1983) pelos produtores culturais?

O teatro contemporâneo se caracteriza pela atomi-

zação, pela diversidade e coexistência pacífica de po-

éticas e concepções estéticas, é o “cânone da multi-

plicidade” que se faz presente. E esta multiplicidade

encontra-se tanto no teatro adulto quanto no infan-

til, no qual, a partir dos anos 80, passam a conviver

diversos gêneros, técnicas e estilos: teatro de atores,

de bonecos, de formas animadas, de sombras, musi-

cais, mímicas, danças, as linguagens circense e clow-

nesca, entre outras.

Quanto à dramaturgia, dentre os tipos ou estilos mais

comumente observáveis em espetáculos do campo

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do teatro infantil, pode-se destacar: a) a transposi-

ção cênica de contos de fadas ou contos folclóricos

tradicionais; b) a adaptação de obras literárias des-

tinadas ao público infantil para a forma dramática

e sua encenação; c) textos dramáticos para o teatro

infantil já consagrados através dos anos por diversas

montagens, a exemplo da dramaturgia de Maria Cla-

ra Machado, Sylvia Orthof, Ilo Krugli, Ivo Bender e

d) os textos inéditos, de autores locais em sua maio-

ria, e as criações coletivas de grupos teatrais.

Acerca das características das encenações, destaco

o uso de recursos como bonecos e formas animadas

como freqüente nestes artefatos. A presença abun-

dante da cor e da estilização de cenários e figurinos,

na tentativa de criar universos fictícios e oníricos e

de chamar a atenção através da percepção visual das

audiências infantis é também um fato quase que

consensual. Efeitos tecnológicos especiais, além da

iluminação tradicional, têm sido regularmente utili-

zados; tentativas por vezes infelizes de plagiar meios

audiovisuais como a televisão e o cinema. Elemen-

tos como a música e a dança parecem ser integrantes

das características dos artefatos do campo do teatro

infantil, se pensarmos na freqüência com que apare-

cem nas cenas.

Quanto às temáticas veiculadas e abordadas nas pe-

ças, encontra-se uma ampla gama de assuntos, com

marcada presença de questões pára-didáticas varia-

das como higiene, ecologia e os temas transversais

propostos pelos Parâmetros Curriculares Nacionais

para Educação Básica. Há também questões relativas

à formação moral e ética da criança, às relações fami-

liares e interpessoais e um forte resgate da ludicida-

de presente em jogos e brincadeiras tradicionais, na

poesia e sua sonoridade. A formação de uma identi-

dade regional e sentimentos de brasilidade também

estão presentes.

É possível fazer uma relação direta destes temas com

os conteúdos curriculares da maioria das instituições

de ensino fundamental do país, começando aí a cons-

tatar-se a intertextualidade com a escola que vem,

progressivamente, constituindo e caracterizando os

espetáculos de teatro infantil. A comicidade e a ins-

tauração de atmosferas lúdicas são recursos recor-

rentes, bem como jogos de pergunta-reposta, visivel-

mente inspirados nas experiências pavlovianas.

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Podemos tomar como exemplo desta relação de hi-

bridização e intertextualidade com a escola e seus

conteúdos curriculares o espetáculo para “escolas e

espaços alternativos” da Cooperativa de Artistas Te-

atrais Oigalê, “A Máquina do Tempo”, sobre o qual

está informado no site do grupo:

A Oigalê propõe um trabalho de educação ambien-

tal através do espetáculo “A Máquina do Tempo”,

enfocando a questão do uso racional da água. Para

isso, apresenta as figuras características da família

brasileira como pano de fundo para despertar a

população sobre a necessidade de preservação do

meio ambiente.

¦ Espetáculo de teatro de rua, infanto-juvenil.

¦ Para escolas recomenda-se 1ª a 8ª séries. Acompa-

nha CADERNO DE ATIVIDADES.

¦ Pode ser apresentado em praças, parques, pátios

e espaços alternativos (apresenta-se também uma

versão para palco).

O espetáculo estreou em março de 2005, já tendo

realizado 50 apresentações para mais de 16 mil pes-

soas, em diversas cidades do Rio Grande do Sul (OI-

GALÊ, 2009).

Figura 2. Crianças

assistem ao espetáculo “A

Máquina do Tempo”, da

Cooperativa de Artistas

Teatrais Oigalê, nas

dependências da escola.

Crédito da fotografia:

Isabella Lacerda.

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Cumpre notar que, para além da proposta de ser um

espetáculo abertamente didático, a estética dos figu-

rinos e elementos cênicos, que podem ser observados

na foto acima, também segue algumas características

da produção teatral infanto-juvenil levantadas ante-

riormente neste texto.

Embora seja um campo relativamente recente no

Brasil (é só a partir da década de 50 que peças para

crianças e jovens concebidas por produtores adultos

começam a entrar em circulação, antes disto existia

um “teatro feito por crianças para crianças”, portan-

to amador), o mercado de bens simbólicos no campo

do teatro infantil é perpassado pela intertextualida-

de e articula-se com diversos campos. Isto fica explí-

cito no que concerne aos mecanismos de comerciali-

zação de seus produtos e do capital simbólico a eles

atrelado, como no exemplo acima citado de determi-

nado espetáculo da Oigalê.

Os artefatos teatrais para crianças e jovens contam,

em muitos casos, com forte apelo comercial: se há

anjos nas novelas televisivas, surgem espetáculos

com estes personagens; o mesmo aconteceu nos úl-

timos anos com gnomos e vampiros, ambos perso-

nagens de novelas veiculadas com grande audiência

e sucesso, principalmente entre as crianças e jovens.

Isso sem falar nos contos de fada, personagens de

desenhos animados e nas temáticas “adolescentes”

como a drogadição, problemas familiares e a sexu-

alidade (como se esses fossem os únicos assuntos de

interesse dos jovens!).

Parece-me que através de elementos estéticos, dis-

cursivos e temáticos, que se tornaram convenções do

Figura 3. Grupo de jovens

diverte-se ao interagir com atriz

em perna-de-pau no espetáculo

“Deus e o Diabo na Terra de

Miséria”, da Cooperativa de

Artistas Teatrais Oigalê. Crédito

da fotografia: Kiran.

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campo, busca-se fazer do teatro infantil um misto de

teatro popular (no qual o elemento cômico e os per-

sonagens tipificados são presenças marcantes) e de

referenciais da cultura de massa (apropriando-se das

estéticas dos desenhos animados, dos filmes da Dis-

ney, do videogame, dos jogos de computador, dos vi-

deoclipes, entre outros). Tudo isto sem abrir mão do

status de arte do qual goza o campo, já que inserido

dentro do macrocampo da arte.

E esta hibridização não somente ocorre na produção

dos bens simbólicos, dá-se também nas formas de

apropriação e consumo destes. Sendo os espectado-

res pertencentes às diversas esferas sociais e estando

eles em contato com os mais heterogêneos tipos de

artefatos e linguagens, também seu consumo e sua

recepção serão híbridos; compostos e mediados pelas

diversas possibilidades das culturas pós-modernas.

Em todas as classes podemos encontrar, misturados,

o consumo das ditas alta cultura, da cultura popular

e da cultura de massa, ainda que hoje esta divisão

seja amplamente problematizada e contestada nos

estudos de áreas como a comunicação, a educação, a

sociologia e as artes.

Algumas características acima citadas podem ser ob-

servadas em grande parte da produção teatral para

jovens e crianças e estas poderão ser (proficuamente)

levadas em consideração quando a recepção teatral

for foco de análise e debate tanto em aulas de teatro

como no âmbito das pedagogias culturais compreen-

didas de forma mais ampla, como descrevo a seguir.

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PEDAGOGIAS CULTURAIS: ESPAÇOS-TEMPO ONDE SE APRENDE (TAMBÉM) A SER ESPECTADOR

Há, nos dias de hoje, vários espaços-tempo de apren-

dizagem. A escola perdeu seu posto de “rainha abso-

lutista” dos processos de ensino-aprendizagem: isso

é o que nos apresentam os diversos olhares sobre as

pedagogias culturais. Nestes espaços-tempo e com os

artefatos culturais não somente se aprende os conte-

údos dos currículos escolares, mas se aprende, atra-

vés da apropriação e naturalização de determinados

discursos e práticas, formas de ser e estar no mundo

contemporâneo. Modos de ser menino ou menina,

homo ou heterossexual, velho ou jovem, bonito ou

feio, preto, pardo, branco ou amarelo, brasileiro ou

alemão, professor ou advogado, gordo ou magro,

feliz ou deprimido, entre as infinitas possibilidades

identitárias e de subjetivação contemporâneas.

Telenovelas, desenhos animados, telejornais, ficção

científica, programas humorísticos, aventura, video-

clipes, videogames, filmes (dos mais diversos gêneros)

no cinema, espetáculos teatrais, propagandas (veicu-

ladas em diferentes suportes), HQs, Ipods, celulares,

circos com muita luz, cor e cada vez menos palhaços,

produção cultural para crianças, para adultos, para a

família, o sexo dos animais, a última descoberta cien-

tífica que revolucionará o mundo, um conto de fa-

das encenado em um cenário que lembra uma festa

rave, bruxos em crise existencial, apresentadoras de

programas de auditório loiras e sensuais, shows de

música romântica cantada por irmãos adolescentes,

artistas de rua comendo ratos, amestrando pombos,

outras crianças jogando malabares nos sinais, contor-

ções que trarão o pão...

Facilmente preencheria várias páginas citando arte-

fatos e práticas que impelem as crianças (e não só

elas) a assumirem posições de sujeitos espectado-

res na contemporaneidade. Durante horas de seus

dias e noites, as crianças e jovens, nas conjunturas

contemporâneas, encontram-se diante das telas da

televisão, do cinema e dos computadores, perante

eventos que assumem caráter de espetáculo, for-

mas tradicionais como o teatro, os artistas de rua, os

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folguedos folclóricos e o circo, novíssimas invenções

digitais de complexo manuseio.

Essa imensa diversidade de artefatos, linguagens, gê-

neros discursivos e textuais, personagens, suportes

e técnicas invadem os cotidianos das mais díspares

infâncias e juventudes, desde aquelas que encontra-

mos trancafiadas atrás das grades dos luxuosos con-

domínios até as outras que correm pelas calçadas do

centro, carregando carteiras que não são suas e do-

ces da barraca da esquina. E estas formas, conteúdos

e linguagens que se apresentam a nós também não

são puras: nelas interpenetram-se e convivem tra-

ços e elementos das diferentes culturas (classificadas

como) erudita, popular e massiva. O momento his-

tórico e conjuntural que vivenciamos, e que alguns

teóricos denominam pós-modernidade, possibilita-

nos justamente esta convivência mútua (ainda que

não pacífica) entre inúmeras formas de expressão

que poderiam ser consideradas espetaculares, pelo

fato mesmo de colocarem os sujeitos em uma posi-

ção constante de espectadores.

Considerando que espectador é constituído por to-

das essas peças (suas práticas e discursos) que com-

põem seu repertório pessoal e seu universo cultu-

ral, ainda podemos pensar que aos constituir sua(s)

identidade(s) e sua(s) subjetividade(s), instáveis e

cambiantes, devemos levar em conta uma série de

atravessamentos que rasgam o espaço-tempo da re-

cepção teatral, sendo parte integrante do processo.

Chego, portanto, às mediações.

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MEDIAÇÕES OU AQUILO TUDO QUE ESTÁ ENTRE O PALCO E A PLATÉIA

Se o espectador é compreendido, contemporanea-

mente, como parte ativa (e absolutamente necessá-

ria) dos processos de recepção, é importante pensar

o que é um espectador encaminhando a discussão

para uma outra pergunta: como se constitui um es-

pectador? Como a aula de teatro pode (e deve) ser

um espaço de constituição de espectadores (mais do

que de formação, ousaria dizer)?

E mais: quais as linhas que atravessam o espaço en-

tre palco e platéia, entre espectador e obra de arte?

Se este espaço entre pode ser compreendido como

o acontecimento teatral em si, que se dá no espaço-

tempo único da interação, da comunhão, que linhas

são essas, que medeiam, transformam, constituem

e determinam os processos de recepção, estes sim

acontecendo mesmo antes e também excedendo o

próprio momento (instante) efêmero do aconteci-

mento teatral?

Destarte, podemos compreender que muitas instân-

cias, artefatos, pessoas, instituições, modos e costu-

mes, classes, enfim, que uma infinidade de possibi-

lidades de lugares, de objetos, de seres, de práticas

e de discursos que nos constituem, também atraves-

sam os processos de recepção, sendo determinantes

na construção da relação que determinado especta-

dor vai estabelecer com uma obra e dos sentidos e

significados que vai conferir a cada acontecimento

teatral ou cênico com o qual se relacionar.

É pertinente que estas diversas linhas que atraves-

sam o entre do acontecimento teatral, que aqui, ins-

pirada em teóricos como Martín-Barbero e Orozco-

Goméz, nomeio como mediações, sejam percebidas e

levadas em consideração quando se pretende refletir

acerca da recepção teatral e dos processos de signi-

ficação e construção de conhecimento que envolve,

principalmente se isso for feito dentro de ambientes

pedagógicos, como a aula de teatro.

Inspirada nas teorias e propostas metodológicas dos

dois pesquisadores e autores do campo da comunica-

ção, penso que seja oportuno apresentar ao leitor uma

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síntese visual de algumas mediações que poderão, en-

tre tantas outras, dependendo dos casos e situações

analisados, ser levantadas na tentativa de compreen-

der e problematizar a recepção teatral e a constitui-

ção dos espectadores na contemporaneidade.

Não irei me ater a longas digressões sobre a imagem

apresentada, que poderá ser compreendida se arti-

cularmos o que nela está proposto a tudo que foi

colocado até agora nestes escritos.

MEDIAÇÕES

MEDIAÇÕES

MEDIAÇÕES

MEDIAÇÕES

É difícil conceituar com precisão o que são as media-

ções, já que os autores que propõem o termo não o

colocam como fechado e imutável, mas sim como um

conceito que se encontra sob rasura (HALL, 1997), em

suspensão, aberto à polissemia e também à discussão

teórica e metodológica. Araújo, pesquisadora que tra-

balha com o conceito de mediações, argumenta que

“mediação é uma das formas de classificar uma idéia

polimorfa, a do elemento que possibilita a conversão

de uma realidade em outra” (ARAÚJO, 2002, p. 57).

Relacionando as teorias de Martín-Barbero das me-

diações às de Foucault sobre as relações de poder,

percebo pontos de intersecção naquilo que se refere

à instabilidade das mediações e das relações de po-

der, à capacidade de transmutação e de circulação.

Assim como os sujeitos são atravessados pelas rela-

ções de poder, modificando-as e fazendo-as circular

na infinita rede, também as mediações atravessam

os sujeitos receptores; são instáveis ao mesmo tempo

em que são determinantes da relação a ser constituí-

Figura 4. Momentos e

instâncias relevantes aos

processos de recepção e

roteiro de mediações.

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da entre os receptores e os artefatos e seus discursos.

Para Araújo, “mapear estes fatores [de mediação]

representa mapear as redes de produção de sentido

que articulam e produzem as posições discursivas dos

atores sociais e, portanto, as relações de poder que

movem a sociedade” (ARAÚJO, 2002, p. 55).

Na tentativa de “trazer a teoria ao nível empírico

para que se possa pesquisar” (OROZCO GÓMEZ, 2000,

p. 116), é que Orozco Gómez tem traçado, em seu

percurso investigativo de estudos de recepção, alicer-

çado no conceito de mediações de Martín-Barbero,

o estudo das múltiplas mediações. Este pesquisador

vem realizando, durante as últimas três décadas,

importantes pesquisas de recepção, principalmente

junto ao público formado por crianças telespectado-

ras, ou seja, pensando as experiências constituídas

pelas crianças em relação à televisão. Sua obra tam-

bém comporta várias relações com o campo da Edu-

cação, já que Orozco Gómez é um dos percussores de

proposições direcionadas a uma “educação para os

meios” na América Latina.

Reproduzo aqui, com minhas palavras, a classificação

das múltiplas mediações proposta por Orozco Gómez

(1998), adaptadas a um estudo de recepção teatral,

assim como estão propostas na síntese visual.

SÃO ELAS MEDIAÇÕES:

1. Lingüísticas: elementos da linguagem teatral e das téc-

nicas envolvidas no espetáculo, bem como a trama nar-

rativa e os personagens da história, etc.

2. Situacionais: da situação na qual o espetáculo foi assisti-

do (espaço, tempo, local, entorno, outros espectadores)

e também na qual foi realizada a construção de dados.

3. Institucionais: visão de mundo, discursos e tipo de dis-

ciplinamento e regras impostos por instituições como a

escola, a igreja, a família, a mídia, etc.

4. Contextuais: ambiente sociocultural, história e tipo de

inserção social da linguagem em questão, a cidade e o

bairro, etc.

5. Pessoais: o repertório cultural anterior ao qual têm ou

tiveram acesso os espectadores, seus hábitos como con-

sumidores, etc.

6. Referenciais: são também um tipo de mediação clas-

sificada como pessoal; as referências identitárias do

espectador, tais como gênero, grupo de idade, descen-

dência étnica, nacionalidade, orientação sexual, etc.

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Entretanto, a fim de tornar a análise destas media-

ções produtiva, é importante lembrar autores como

Bakhtin (1992), que levanta o conceito de um interlo-

cutor que assume para com os discursos com os quais

se relaciona uma “atitude responsiva ativa”, em que

o “ouvinte torna-se locutor”. Espectador torna-se,

portanto, ator?

Em relação ao discurso, o receptor responde-lhe e

formula um discurso outro, no qual articula refe-

renciais anteriores que possibilitaram a formação

daquela resposta específica, um discurso próprio a

partir do mesmo que havia sido lido/ visto/ ouvido/

recebido. Dentro de um “processo metabólico” de

ampla articulação entre as várias práticas discursi-

vas que compõem e recompõem o sujeito e sua(s)

identidade(s) – ou melhor, suas posicionalidades

(mutantes) de sujeito, (HALL, 1997) – o espectador

também assume a responsabilidade de co-autor da

obra, já que esta sem sua presença e sua ação sobre

ela, junto dela, obviamente só existiria em um plano

que se apagaria nas infinitas redes de discursos e sen-

tidos, pois desprovida de significado justamente por

não haver dela um uso efetivo. Seria objeto potente,

porém morto.

Pois, fazendo uma analogia entre o pensamento de

Bakhtin (1992) e a recepção teatral, podemos depre-

ender que há vozes (ou mediações) que circulam e

atravessam o acontecimento teatral, fazendo-se ou-

vir e compondo, tornando vivos e presentes práticas

e discursos que não necessariamente emanam do es-

petáculo cênico. Mesmo que estas vozes não estejam

atualmente presentes (as do espetáculo estão), eco-

am essas múltiplas vozes (ou mediações) atravessan-

do o espaço entre. E a estas vozes atrelam-se diferen-

tes significados e sentidos, conforme os contextos e

condições de emergência em que forem articuladas,

enunciadas, ditas, colocadas em vida.

Reitero que a recepção é cultural e socialmente me-

diada. Exemplificando, ressalto que o contato coti-

diano dos sujeitos com a televisão, o rádio, os jornais,

as revistas, as propagandas, o cinema, a Internet e

toda uma gama de artefatos culturais, também for-

ma suas subjetividades e identidades, bem como se

constitui enquanto importante mediador da capaci-

dade ativa de recepção de todas as outras linguagens

e artefatos, artísticos e culturais, disponíveis na con-

temporaneidade. Muitos são os fatores de mediação:

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a família, a escola, as instituições às quais está atre-

lado o indivíduo, a temporalidade, as conjunturas

político-sociais, a produção cultural a que tem aces-

so, entre outros. É através do manejo do corpus de

representações veiculadas por variadas instâncias das

vivências e experiências de cada sujeito que aconte-

cem as mediações.

É em um processo de negociação e tensão entre as

representações veiculadas nas diversas instâncias de

suas experiências que o receptor confere significados

e atribui determinado sentido a elas. E este sentido,

em articulação com outros sentidos e significados

(que compõem o repertório único de cada indivíduo),

constituirá, culturalmente, os sujeitos espectadores.

Como resultado dos complexos processos acima cita-

dos – impuros, intertextuais, fragmentados, mestiços

e repletos de tensão – provocados pelas relações de

força neles presentes, encontramos os sujeitos pós-

modernos. Os descentrados, múltiplos, plurais, mu-

tantes, fluidos, constituídos na e constituintes da cul-

tura, soma e mescla de fatores cambiantes, trocando

e ocupando diversos lugares em um “sentir/ viver o

tempo” que reformula a noção moderna de tempo-

ralidade, tempo este que passa a ser instantâneo,

percebido no ritmo frenético do zapping do controle

remoto (SARLO, 2000), das imagens de videoclipe, do

teclar nervoso diante da tela de um computador co-

nectado à rede.

Figura 5. Jovens e

suas reações ao Diabo

de “Deus e o Diabo na

Terra de Miséria”, da

Cooperativa de Artistas

Teatrais Oigalê. Crédito

da fotografia: Kiran.

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LINHAS DE FUGA, PONTOS DE ENCONTRO: A PEDAGOGIA TEATRAL E A RECEPÇÃO TEATRAL PODEM CAMINHAR JUNTAS?

O teatro sempre esteve presente nas escolas, seja

como instrumento didático, em uma apropriação uti-

litarista da linguagem (isso no Brasil desde os jesuítas

no século XVI), seja como espaço para a livre expres-

são e exercício da tão aclamada criatividade inata in-

fanto-juvenil (muito mais recentemente, a partir da

segunda metade do século XX). Em espaços-tempo

de ensino aprendizagem informal, como em oficinas

artístico-culturais, em projetos sócio-educativos, bem

como em espaços de convívio (nos quais também se

aprende modos de ser e estar no mundo, portanto

também estes entendidos como espaços educacio-

nais) como centros de lazer, igrejas, bibliotecas pú-

blicas, clubes sociais e associações de bairro, as aulas

de teatro e as apresentações teatrais sempre tiveram

sua importância garantida, tanto pelos possíveis be-

nefícios trazidos pela sociabilidade como pela visibi-

lidade que os grupos teatrais trazem às instituições

junto à comunidade, mas, principalmente, em rela-

ção à mídia.

E mais uma questão surge a partir da contextualiza-

ção acima: se o teatro está presente em tantas es-

feras sociais, incluindo a escola e outras instituições

notadamente educativas, por que este discurso re-

corrente acerca da precariedade ou da ausência do

ensino de teatro no Brasil?

Muitas poderiam ser as respostas a esta questão: os

professores que ensinam teatro nas escolas geral-

mente não têm formação específica na área, o ensi-

no de teatro ainda está profundamente arraigado ao

entendimento do teatro como ferramenta didática

de outras disciplinas, as escolas não oferecem estru-

tura física adequada às aulas, os alunos possuem um

repertório de experiências teatrais diminuto, muitos

ministrantes de oficinas livres de teatro não possuem

conhecimentos prático-teóricos suficientes para pro-

piciar uma formação significativa, há uma banaliza-

ção da formação em teatro decorrente do anseio dos

jovens em atuar nas mídias televisivas, confunde-se

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educação estética com formação de atores, há mui-

tos cursos, escolas e oficinas “caça-níqueis”, já que

este é um mercado promissor nos dias de hoje, a es-

cassez de material didático sobre teatro que possa

ser usado na educação básica é notória, os produtos

são mais valorizados em detrimento dos processos

criativos e educacionais na pedagogia do teatro, en-

tre muitas e muitas outras possíveis justificativas.

Todo este levantamento poderia causar um grande

mal-estar, associado há certo pessimismo e falta de

perspectiva em relação ao ensino de teatro no Brasil,

tanto na formação de profissionais da área como em

relação à formação estética e aquisição de elementos

da linguagem teatral por crianças e jovens em fase

escolar. Portanto, julgo ser de extrema pertinência

discorrer acerca das diversas possibilidades que vi-

venciamos, todos nós, em nossos cotidianos, de nos

relacionarmos com artefatos culturais nas mais dife-

rentes linguagens, constituindo-nos como múltiplos

espectadores na contemporaneidade. E esta foi uma

das intenções deste artigo até o presente momento.

Ainda que seja senso comum que as relações de ensi-

no-aprendizagem em arte historicamente acontecem

muito mais em espaços formativos não institucionais,

há muitas tentativas de se institucionalizar o ensino

de arte no Brasil, através da criação os cursos de gra-

duação junto às universidades desde a década de 50,

da criação de escolas (as “escolinhas”) de arte junto

aos municípios e órgãos públicos, bem como com a

inserção da Arte no currículo obrigatório do ensino

básico no país. Contudo, há muitos outros lugares e

artefatos que nos ensinam teatro, que nos ensinam a

ser espectadores, que atuam produtivamente na for-

mação estética e cultural de crianças, jovens e adul-

tos na sua relação com a linguagem teatral.

No entanto, isso não quer dizer que debater a ques-

tão da recepção na pedagogia teatral nos dias de

hoje seja uma tarefa inútil, já que nos constituímos

espectadores em diversas instâncias para além e

aquém da aula de teatro. Muito pelo contrário, pro-

blematizar a recepção teatral e a pedagogia do tea-

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tro implica, necessariamente, pensar em como têm

sido desenvolvidos no ensino de teatro, tanto formal

como informal, os três vértices da proposta trian-

gular que permeia as diretrizes traçadas pelos PCNs

de Arte10 – Teatro, ou seja, a articulação entre expe-

rienciar a linguagem a partir da prática teatral, for-

mar esteticamente através do contato com artefatos

teatrais e instrumentalizar a partir da aquisição de

conhecimentos teóricos e históricos da linguagem, a

fim de possibilitar a contextualização e a significação

críticas destes artefatos.

Fazer teatro, experienciar a prática criativa na lingua-

gem é imprescindível para a apreensão dos códigos

e convenções do campo das artes e de cada subcam-

po como a literatura, o teatro, a dança, a música, as

artes visuais, o cinema, etc. No entanto, sabe-se que

há lacunas enormes na formação de crianças e jovens

em relação as suas possibilidades como espectadores

de teatro. Se até então, neste artigo, defendi que

nos constituímos espectadores também em nossa

relação com diversas outras linguagens e artefatos,

que construímos um repertório anterior que nos pos-

sibilita construir leituras (sejam estas preferenciais,

negociadas ou de ruptura com o senso comum, con-

forme HALL, 2002), cumpre notar que para ser espec-

tador de teatro também é necessário que se adquira

um repertório de experiências em teatro: como pra-

ticante e como apreciador, além do eixo mais esque-

cido da proposta triangular no ensino das artes, que

é a instrumentalização teórica, em que elementos da

história, da estética e ética do teatro possibilitariam

uma contextualização muito mais efetiva e significa-

tiva dos espetáculos, performances e acontecimentos

teatrais nos quais os alunos estivessem envolvidos

como espectadores e/ou produtores.

Se for consenso que debater, refletir e contextualizar

o teatro (os diferentes teatros) em relação às cultu-

ras pelas quais está sendo atravessado e que também

está atravessando e constituindo, em movimento

contínuo como parte de um circuito cultural fluido

e móvel, é uma das importantes competências ne-

cessárias à construção de conhecimento em teatro, a

10 PCN para as séries iniciais do Ensino Fundamental, PCN para as séries finais do Ensino Fundamental, Orientações Curriculares para o Ensino M édio, PCN para o Ensino M édio e PCN+ para o Ensino M édio (linguagens e suas tecnologias), todos os documentos disponíveis na página do M EC: <http://portal.mec.gov.br/ >. Acesso em 22 de novembro de 2009.

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pergunta que emerge é: estão sendo fornecidas fer-

ramentas aos jovens e crianças para que estes possam

efetivamente dar conta desta proposta? A aula de

teatro tem desenvolvido estas ferramentas ou atém-

se a propiciar um espaço para experiências práticas

no fazer teatral (jogos, improvisações e pequenas en-

cenações, geralmente)?

Obviamente que a experiência prática na linguagem

por si só constrói conhecimentos e propicia aquisição

de elementos da linguagem, no entanto, será que

não se torna imperativo pensar em outras possibili-

dades para a pedagogia teatral? Em metodologias

outras, instrumentos outros, materiais didáticos e/ou

teóricos outros na elaboração e condução de aulas

de teatro que dêem conta das três dimensões de en-

sino de teatro propostas pelos PCNs?

Será que a pedagogia teatral e a recepção teatral po-

dem caminhar juntas, dentro e fora da aula de teatro?

Lanço a pergunta, no intuito de problematizar tam-

bém como ensinamos a ensinar teatro nos cursos

de licenciatura das universidades brasileiras. Lanço

a pergunta com o desejo de que suscite idéias em

quem a estiver lendo. Lanço a pergunta para que,

como pergunta, desdobre-se produtivamente atra-

vés de quem sentir-se questionado.

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