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THIAGO REIS GÓES A OFERTA DE CRÉDITO NA ECONOMIA BRASILEIRA PÓS-PLANO REAL (1995-2004) SALVADOR 2005

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THIAGO REIS GÓES

A OFERTA DE CRÉDITO NA ECONOMIA BRASILEIRA PÓS-PLANO REAL (1995-2004)

SALVADOR 2005

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THIAGO REIS GÓES

A OFERTA DE CRÉDITO NA ECONOMIA BRASILEIRA PÓS-PLANO REAL (1995-2004)

Versão definitiva da monografia apresentada no curso de graduação em Ciências Econômicas da Universidade Federal da Bahia como requisito á obtenção do grau de Bacharel em Ciências Econômicas.

Orientador: Prof.Luiz Alberto B. Petitinga

SALVADOR 2005

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Ficha elaborada por Joana Barbosa Guedes CRB5- 707 Góes, Thiago Reis G598 A oferta de crédito na economia brasileira no pós plano real ( 1995-2004) / Thiago Reis Góes. – Salvador: T. R. Góes, 2005. 59 p. tab. Monografia (Graduação em Economia) – UFBA, 2005 Orientador: Prof. Luiz Alberto B. Petitinga 1.Sistema Financeiro 2.Crédito. 3.Setor bancário. Teoria pós-keynesiana. I Título

________________________________________________________CDD 330.981___

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Folha de aprovação

Thiago Reis Góes

A oferta de crédito na economia brasileira pós-Plano Real (1995-2004)

Aprovada em julho de 2005.

Orientador: ___________________________ Prof. Luiz Alberto B. Petitinga

Faculdade de Economia da UFBA

_________________________________

Prof. Antônio Plínio Pires de Moura

Faculdade de Economia da UFBA

__________________________________

Prof. Dr. Bouzid Izerrrougene

Faculdade de Economia da UFBA

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RESUMO O presente trabalho tem como objetivo analisar a tendência da oferta de crédito na economia brasileira tanto setorialmente quanto por categoria de bancos no período pós-Plano Real (1995-2004). Para tanto se faz uma discussão teórica sobre o comportamento dos bancos segundo algumas visões do pensamento econômico, sobretudo a visão clássica e a visão pós-keynesiana da firma bancária, e seu efeito sobre a oferta de crédito na economia. Analisam-se também as limitações históricas à oferta de crédito na economia brasileira e a reestruturação do Sistema Financeiro Nacional. Por fim, a luz do referencial teórico pós-keynesiano, busca-se uma explicação para o comportamento da oferta de crédito durante o período analisado. Palavra – chave: Setor bancário, crédito, sistema financeiro, teoria pós-keynesiana

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LISTA DE FIGURAS Figura 01 - Operações de crédito do sistema financeiro total: saldos em final de

período (1995 a 2004). 33 Figura 02 – Proporção dos saldos das operações de crédito em atraso e em

liquidação (jul/1994 a jan/1997). 34 Figura 03 – Operações de crédito do sistema financeiro como proporção

do PIB (1995 a 2004). 38

Figura 04 - Operações de crédito do sistema financeiro - recursos livres: saldo

em final de período(1995 a 2004). 40

Figura 05 – Taxa média de juros, Selic (jul/96 a dez/2004). 41 Figura 06 – Operações de crédito concedidas pelo sistema financeiro privado:

saldo em final de período (1995 a 2004). 42 Figura 07 – Operações de crédito concedidas pelo sistema financeiro

privado como proporção do PIB(1995 a 2004). 43 Figura 08 – Operações de crédito concedidas pelo sistema financeiro público:

saldo em final de período (1995 a 2004). 44 Figura 09 – Operações de crédito concedidas pelo sistema financeiro

público como proporção do PIB (1995 a 2004). 45 Figura 10 – Operações de crédito concedidas pelo sistema financeiro

ao setor privado (1995 a 2004). 46 Figura 11 – Operações de crédito concedidas ao setor privado segundo

categorias de tomador (1995 a 2004). 47 Figura 12 – Operações de crédito concedidas pelo sistema financeiro público

e privado ao setor rural: saldo em final de período (1995 a 2004). 48 Figura 13 – Operações de crédito concedidas pelo sistema financeiro privado

e público ao setor habitacional: saldo em final de período (1995 a 2004). 49

Figura 14 - Crédito como proporção do PIB em dezembro de 2004 51 Figura 15 - Evolução da dívida líquida do setor público como proporção do PIB 60

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LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Estrutura dos ativos do sistema financeiro nacional em % (1995 a 2004) 59 Tabela 2 – Alavancagem das operações de crédito – razão empréstimos e

financiamentos por patrimônio líquido (1995 a 2004) 60

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SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO 7 2 BREVES COMENTÁRIOS SOBRE A TEORIA DO CRÉDITO

BANCÁRIO 10 2.2 A TEORIA DA FIRMA BANCÁRIA 15

3 O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL E AS LIMITAÇÕES

HISTÓRICAS À OFERTA DE CRÉDITO NA ECONOMIA BRASILEIRA 21

4 ANÁLISE DO COMPORTAMENTO DO VOLUME DE CRÉDITO NA ECONOMIA BRASILEIRA 31 4.1 METEODOLOGIA, ORGANIZAÇÃO DOS DADOS E PERÍODO DE

ANÁLISE 31 4.2 ANÁLISE DA TENDÊNCIA DO CRÉDITO TOTAL DO

SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL 32 4.3 ANALISE DA TENDÊNCIA DAS OPERAÇÕES DE CRÉDITO

POR CATEGORIAS DA BANCO E SEGMENTO DE MERCADO 41 4.3.1 Operações de crédito do Sistema Financeiro público e privado 41 4.3.2 O crédito Setorial –Participação do setor produtivo privado

no crédito total 46 5 OS DETERMINANTES DA EVOLUÇÃO RECENTE DO VOLUME

DE CRÉDITO NA ECONOMIA BRASILEIRA: UM ENFOQUE PÓS-KEYNESIANO 51

5.1 PREFERÊNCIA DOS BANCOS POR OPERAÇÕES DE TESOURARIA E O CARÁTER CONSERVADOR DO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL 52

6 CONCLUSÕES 62

REFERÊNCIAS 65

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LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Estrutura dos ativos do sistema financeiro nacional em % (1995 a 2004) 59 Tabela 2 – Alavancagem das operações de crédito – razão empréstimos e

financiamentos por patrimônio líquido (1995 a 2004) 60

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1 INTRODUÇÃO

O crédito é um grande indutor do crescimento econômico. Para que o crescimento econômico

seja sustentável é necessário dentre outros aspectos a elevação da relação crédito/PIB o que

requer a ampliação da demanda expressa nas várias necessidades de financiamento. É consenso a

necessidade de mecanismos eficientes de financiamento à produção e ao consumo para viabilizar

o desenvolvimento econômico.

A insuficiência de crédito é um problema que por muito tempo, no Brasil, esteve associado à

instabilidade macroeconômica, em especial às taxas de inflação elevadas. Com a estabilidade de

preços trazida pelo Plano Real e o estabelecimento de um ambiente econômico mais propício ao

planejamento esperava-se que houvesse modificações consideráveis no sistema financeiro

brasileiro e, conseqüentemente, um aumento da oferta de crédito, uma vez que com a

estabilização da economia todas as instituições deixariam de ganhar com a inflação. Deste modo,

os bancos ao perderem a vantagem financeira proporcionada pela inflação teriam que se adaptar a

uma nova estratégia operacional para recompor a perda de lucratividade. Para muitos estudiosos,

a alternativa seria a elevação da oferta de crédito por parte do setor bancário.

Muitos estudos se preocuparam em constatar se houve, realmente, uma elevação do volume de

crédito na economia brasileira após a implantação do Plano Real. Ressaltam-se os estudos de

Mendonça de Barros e Almeida Junior (1997) e o de Fernando Puga (1999), dentre outros.

Quanto ao primeiro, os autores afirmavam que com a estabilização da economia os bancos

perderam sua principal fonte de receita, a receita inflacionária. Para os autores o crédito

aumentou com a estabilização, compensando assim, a perda da receita oriunda da alta inflação.

No estudo os autores mostram, segundo dados do Banco Central, que durante o primeiro ano após

a implantação do real houve um crescimento de 58,7% dos empréstimos totais do sistema

financeiro para o setor privado. No estudo de Puga (1999), o mesmo faz uma análise semelhante

a de Barros e Almeida Junior no que se refere ao efeito da estabilização da economia sobre o

crédito bancário. Para ele, a perda da receita inflacionária foi compensada pelo aumento das

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operações de crédito concedido pelos bancos. O estudo mostra que durante o período de junho de

1994 a junho de 1996 o crescimento do volume de crédito foi de 81%. Ou seja, ambos os estudos

evidenciam que na transição para o Real houve aumento na oferta de crédito. Ressalta-se que

nesses dois estudos a análise do volume de crédito foi feita em termos nominais.

O objetivo desta monografia é examinar se o crescimento da oferta de crédito, verificado após a

implantação do Real se manteve depois de passados dez anos de implementado o Plano Real.

Busca-se também, neste trabalho, uma explicação, com base no referencial teórico pós-

keynesiano, para o comportamento do crédito no período. A análise da evolução do crédito será

feita pela ótica da tendência, utilizando séries de tempo a preços constantes de dezembro de 2004.

Pretende-se, assim, examinar se os saldos das operações de crédito no período 1995/2004

cresceram mais que a inflação desse período. Analisar-se-á a oferta tanto do crédito setorial

quanto a evolução do crédito por categoria de bancos (públicos e privados).

A fim de entender o objetivo proposto, procura-se mostrar nesse trabalho, através do enfoque

pós-keynesiano, o comportamento e as estratégias dos bancos, objetivando assim uma melhor

compreensão das forças que determinam a demanda e a oferta de crédito.

O estudo foi organizado em seis capítulos, incluindo este. O segundo capítulo aborda a questão

teórica com relação à firma bancária e a oferta de crédito. Nesse capítulo é exposta a visão da

firma bancária (em algumas escolas do pensamento econômico), a teoria da preferência pela

liquidez e o motivo finanças (demanda por crédito) incorporado por Keynes em sua demanda por

moeda. No terceiro capítulo são discutidas as limitações históricas à oferta de crédito no Brasil e

uma revisão bibliográfica dos principais problemas à expansão do crédito no Brasil. Ainda neste

capítulo, se faz uma breve análise da reestruturação recente do Sistema Financeiro Brasileiro. O

quarto capítulo procura identificar a tendência da evolução do crédito total e setorial, bem como a

evolução do crédito por categoria de bancos durante o período de análise. No quinto capítulo

busca-se uma explicação para o comportamento do crédito, no período, com base nas estratégias

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adotadas pelos bancos. No último capítulo são expostas as constatações e as conclusões do

trabalho bem como algumas sugestões para possíveis estudos do tema.

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2 BREVES COMENTÁRIOS SOBRE A TEORIA DO CRÉDITO BANCÁRIO

Sendo o objetivo do presente estudo analisar a evolução do volume de crédito na economia

brasileira durante o período 1995-2004, se faz necessário uma análise teórica das forças que

determinam a demanda por crédito bem como o papel dos agentes econômicos que os cedem,

especificamente os bancos, visto o papel fundamental que os mesmos desempenham no

estabelecimento das condições de financiamento da economia. O capítulo pretende analisar a

dinâmica do comportamento dos bancos e seus efeitos sobre a oferta de crédito na economia bem

como os determinantes da demanda por saldos bancários.

A incorporação do motivo finanças na teoria da demanda por moeda de Keynes a partir de

acirrados debates entre este e os clássicos nos anos 1930 e, conseqüentemente, o papel dado aos

bancos, foi de fundamental importância para a ruptura deste com os clássicos.

As instituições financeiras – especialmente os bancos – são consideradas fontes fundamentais de fundos para as empresas e depositárias de “aplicações financeiras” (em vez de poupança) dos agentes econômicos superavitários. São de importância crucial para a ruptura de Keynes com a Teoria dos Fundos de Empréstimos. Esta era uma tentativa de preservar a tradição clássica de explicar os juros como fenômeno real, como prêmio pela “espera”, que igualava as forças da parcimônia (poupança) e da ganância (investimento), embora adaptando essa teoria à economia creditícia (COSTA, 1999, p. 241).

Nos anos 1930 observou-se um amplo debate entre Keynes e os Clássicos (dentre eles Ohlin e

Robertson) sobre os determinantes da taxa de juros. Para o primeiro a taxa de juros seria

determinada no mercado monetário, por intermédio da função de demanda e oferta da moeda.

Entretanto, para os Clássicos a taxa de juros seria determinada no mercado de fundos de

empréstimos.

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A Teoria da Preferência pela Liquidez, de Keynes, apresenta a taxa de juros como sendo

determinada pelos estoques demandados e ofertados de ativos líquidos, moeda, ao passo que a

Teoria dos Fundos de Empréstimos, defendida pelos Clássicos, apresenta a taxa de juros como

sendo determinada pelos fluxos de demanda e oferta dos referidos ativos.

Como destaca Oreiro (1999) o que estava em jogo no debate em consideração não era em qual

mercado a taxa de juros é determinada, e muito menos na dicotomia fluxo e estoques, mas sim o

papel que a produtividade do capital e a propensão a poupar tinham sobre a taxa de juros. Na

verdade o ponto importante da discussão entre Keynes e os clássicos era a definição do

mecanismo de transmissão das variações da produtividade do capital e da propensão a poupar

sobre a taxa de juros.

Keynes (1998) defendia que a produtividade do capital e a propensão a poupar só teriam

influência indireta sobre a taxa de juros. Flutuações daquelas variáveis afetariam, inicialmente, a

renda e o emprego e só assim poderiam afetar as taxas de juros. Entretanto os clássicos

afirmavam que tais variáveis afetam a taxa de juros de forma direta, pois as mesmas são

determinantes do investimento e da poupança.

Na visão clássica a poupança seria a fonte de financiamento, ou seja, o financiamento do

investimento pressupunha poupança prévia. No entanto, como destaca Studart (1999, p. 155) “tal

tradição foi muito criticada por Keynes não só na Teoria Geral, como em escritos posteriores. Ele

apresenta uma visão diametralmente oposta à teoria convencional, com base no circuito

financiamento-investimento-poupança-funding”. Keynes (1988) argumenta que a taxa de juros é

determinada independente da poupança e do investimento. Para o mesmo, a taxa de juros é

determinada pela preferência da liquidez e pela oferta de moeda.

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Em sua teoria Keynes afirma que os indivíduos só estão dispostos a reterem ativos ilíquidos se

lhes forem oferecidos uma recompensa (taxa de juros) pela renúncia à posse da moeda (ativo de

máxima liquidez). Para ele, os motivos pelos quais os indivíduos demandam ativos líquidos são

os seguintes; motivo transação (para efetivarem seu consumo), motivo precaução (devido a

incertezas) e o motivo especulação (objetivando realizar lucros com os diferenciais da taxa de

juros).

Segundo Keynes (1988) a demanda por moeda para atender aos motivos transação e precaução é

função direta do nível de renda, no entanto a demanda por moeda para atender o motivo

especulação seria uma função inversa da taxa de juros. Ressalta-se que Keynes considera que a

oferta de moeda é exógena, ou seja, está sob controle das autoridades monetárias. Assim a função

da taxa de juros é compatibilizar a demanda por moeda a sua oferta, que é dada. É importante

ressaltar que em sua teoria, Keynes supõe a separação entre as decisões de consumo-poupança e a

composição de portifólio.

No capitulo 13 da Teoria Geral, Keynes faz uma distinção entre a decisão de consumo-poupança e a decisão de composição de portifólio. A primeira seria governada pela propensão a consumir, ou seja, o conjunto de fatores objetivos e subjetivos que determinam a parcela da renda corrente que os indivíduos alocam para o gasto com bem de consumo. A Segunda seria governada pela preferência pela liquidez, isto é, pelo desejo dos indivíduos em manter a sua riqueza sob a forma de ativos líquidos (KEYNES apud OREIRO, 1999, p. 228).

Partindo desse pressuposto, Keynes afirmava que a única forma pela qual a produtividade do

capital e a propensão a poupar afetariam a taxa de juros seria através do impacto sobre o nível de

renda e emprego, ou seja, de forma indireta.

Contrapondo à teoria de Keynes os Clássicos argumentavam que a produtividade do capital e a

propensão a poupar seriam fatores que determinariam a oferta e a demanda por fundos de

empréstimos, visto que as decisões de poupança e investimento seriam determinadas por tais

variáveis.

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Para os Clássicos, Keynes não admitia a existência de um mecanismo direto pelo qual a

produtividade do capital e da propensão a poupar poderia influenciar a taxa de juros por não ter

levado em conta as relações existentes entre as decisões de poupar e investir. Na verdade os

economistas clássicos tentaram demonstrar que o mecanismo indireto de Keynes só seria válido

num contexto em que não houvesse nenhuma relação entre os planos de compra e venda de ativos

e os planos de poupança e investimento.

A partir deste debate, Keynes incorporou o motivo finanças na sua teoria de demanda por moeda

(demanda por moeda para financiamento) “contudo, ele aceita que a análise apresentada na

Teoria Geral era incompleta. Isto porque ela nada dizia a respeito da forma como os empresários

financiam a compra de bens de capital”. (OREIRO, 1999, p. 236).

O motivo finance foi apresentado por Keynes como a demanda por liquidez necessária para concretização do investimento, isto é, que sugere entre a decisão de investir e a sua efetivação. Portanto, é a condição monetária anterior (em antecipação) para a realização do gasto discricionário (distintos dos gastos rotineiros) planejado que representa uma demanda adicional por saldos “inativos” (COSTA, 1999, p.243)

Ao introduzir o motivo finanças, Keynes afirmava que quando o empresário decidisse investir em

capital fixo poderia causar uma pressão temporária na demanda por moeda causada pela

necessidade por parte dos empresários de obterem recursos antes da realização dos gastos com

investimento. Entretanto, apesar da incorporação do motivo finanças de demanda por moeda,

nem a produtividade do capital nem a propensão a poupar seriam determinantes da taxa de juros,

apesar da relação direta destas variáveis com o investimento. Na verdade tal fato só iria ocorrer

segundo Keynes, se o investimento estivesse aumentando ao longo do tempo.

Ele (Keynes) afirma que a pressão adicional sobre a demanda por moeda devido às necessidades impostas pelo motivo finanças pode produzir um aumento da taxa de juros. Entretanto, diz ele, isto só irá ocorrer no caso em que o investimento estiver aumentando ao longo do tempo. Em estado estacionário, o finance que é exigido pelos planos correntes de investimento é fornecido pelo finance que foi liberado pela realização dos gastos de investimento planejado no período anterior. (OREIRO, 1999, p.237)

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A demanda por moeda para o motivo finanças se justificava pela retenção temporária de moeda

tendo em vista algumas despesas discricionárias, como o investimento em bens de capital. Chick

(1993, p.219) trata o investimento em bens de capital como sendo não financiado pela renda

corrente, são gastos não rotineiros e vultuosos (gastos excessivos) apresentando características do

motivo finanças.

Como destaca Costa (1999, p.243) “os fundos para atender o motivo finanças estariam num

fundo rotativo do sistema bancário que, segundo Keynes, recompor-se-ia à medida que os gastos

com investimento fossem realizados. Está ai a noção de que investimento ex-post origina-se de

finanças para investimento ex-ante”.

A teoria keynesiana contraria a teoria clássica no sentido em que o investimento independe da

poupança prévia, visto a capacidade do sistema financeiro em ofertar crédito No motivo finanças,

Keynes reforça sua idéia de que o investimento independe de poupança prévia; na realidade,

implica uma demanda adicional por liquidez que pode ser suprida com a expansão da oferta de

moeda creditícia. Portanto, o nível de investimento efetivo vai depender da disposição do sistema

bancário em sancioná-lo, criando crédito (COSTA, 1999, p.242).

O motivo finanças da demanda por moeda de Keynes reforça a importância da atividade bancária

que segundo o mesmo afeta o nível dos investimentos e do crescimento econômico. Ou seja, os

agentes econômicos requerem aquisição prévia de moeda seja para motivos transacionais, de

precaução e para realização dos gastos planejados de investimento.

Ao introduzir o motivo finanças na sua teoria sobre o demanda por moeda, Keynes confere aos

bancos um poder de influência extremamente relevante, contrapondo assim, à visão clássica da

firma bancária, propondo dessa forma, a teoria do circuito monetário. Conforme define Studart

(1999, p. 152) “com base no circuito financiamento-investimento-poupança-funding, o papel do

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sistema financeiro é mais complexo e essencial do que o de simples intermediador entre

investidores e poupadores”.

Keynes, ao empregar o conceito de fundo rotativo para designar o finance, reconhece o poder de

influência dos bancos no processo de controle de financiamento, dado a capacidade dos mesmos

de controlar a oferta de moeda através do controle da liquidez via suas decisões referentes aos

refinanciamentos. Keynes empregou o termo fundo rotativo para designar a liquidez que, sem

interrupção, as empresas despejam sobre o mercado de bens e serviços e recuperam no mercado

de crédito. Deve-se advertir que, mesmo se esses fundos rotativos parecerem funcionar de uma

forma regular e automática, dependem sempre da vontade dos bancos em renovar os

empréstimos. (COSTA, 1999, p.240).

2.2 A TEORIA DA FIRMA BANCÁRIA

Na visão clássica de intermediação financeira os bancos ao criarem moeda estão apenas

intermediando a transferência de recursos das unidades superavitárias para as unidades

deficitárias. Na síntese clássica o comportamento dos bancos não afeta as condições de

financiamento da economia. O papel dos mesmos, segundo tal corrente, é prover serviços de

pagamentos. Tal visão é explicada devido ao fato do investimento depender de uma poupança

prévia, sendo os bancos meros intermediadores.

Conforme Studart (1999, p.153) “a teoria dos fundos emprestáveis também estabelece a visão

convencional sobre o papel do sistema financeiro, qual seja, intermediação de poupanças”. De

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acordo com a concepção “clássica” de intermediação financeira, os bancos, ao criarem moeda,

estão apenas intermediando a transferência de recursos (poupanças) das unidades superavitárias

para unidades deficitárias. Deste modo, as firmas bancárias são meros intermediários neutros na

transferência de recursos reais na economia.

A teoria ortodoxa da firma bancária considera que o problema decisório fundamental enfrentado

pelo banco consiste na escolha entre o conjunto de ativos ilíquidos e rentáveis ou ativos líquidos

e menos rentáveis, como os ativos defensivos.

Para os pós-keynesianos, a teoria ortodoxa da firma bancária é um arcabouço teórico insatisfatório para a análise do comportamento dos bancos porque, por um lado, desconsidera o fato de que os diferentes ativos possuem diferentes graus de liquidez. Dessa forma, o problema decisório do banco não pode ser apresentado como simplesmente uma escolha entre ativos líquidos e ilíquidos, mas entre graus de liquidez associados aos diversos ativos que o banco pode manter em carteira (OREIRO, 2005 p.102 apud Carvalho)

Contrapondo a visão clássica, para Keynes, os bancos agem de forma ativa gerenciando seus

ativos bancários tentando conciliar a busca pelo lucro e sua preferência pela liquidez (por exercer

sua atividade num ambiente de incerteza). Os bancos, ao tomarem suas decisões com relação a

composição de seu portifólio, levam em consideração sua preferência pela liquidez justamente

por suas atividades serem de caráter especulativo, necessitando assim, um certo grau de proteção.

Tal como no capítulo 17 da Teoria Geral, pode-se expressar a preferência pela liquidez de um banco numa cesta especifica de ativos escolhidos por ele, de acordo com os diferentes graus de liquidez associados aos vários ativos ao seu alcance. Neste sentido, Keynes (1971, 2, p.67), no Treatise on Money, já havia assinalado que o problema dos bancos, no que se refere ao gerenciamento bancário no lado do ativo, dizia respeito à composição do portifólio de aplicações (PAULA, 1999, p.176).

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No que se refere às estratégias bancárias para escolha dos seus portifólios, os bancos buscam

conciliar dois objetivos antagônicos, rentabilidade e liquidez. Segundo Paula (1999, p. 177) a

tentativa de conciliar estes dois objetivos “resulta a expansão ou a contração da oferta de moeda,

uma vez que esta é criada quando os bancos compram ativos financiados pela emissão de uma

obrigação particular destas instituições – depósitos à vista”.

A percepção dos bancos quanto ao ambiente econômico influencia diretamente a oferta de crédito

na economia. Fato explicado pela forma de como tais agentes irão formar seu portifólio de ativos,

seja preferindo a liquidez ou a rentabilidade. Quando as expectativas dos bancos são otimistas, os

mesmos compõem seus ativos buscando uma maior rentabilidade (como os empréstimos de mais

longo termo) em detrimento aos ativos mais líquidos, consequentemente de menor risco.

Entretanto quando as expectativas dos bancos não são as mais favoráveis eles buscam na

composição de seus ativos uma maior segurança (como os títulos do governo) expressando sua

preferência pela liquidez. Tal atitude faz diminuir a oferta de crédito na economia. Como destaca

Studart (1999, p. 157):

A visão de Keynes sobre o papel do sistema de crédito (como agente central no financiamento do investimento) na Teoria Geral tem suas raízes no Tratado (...). No Tratado, ele mostra como a evolução do sistema monetário transforma os bancos, de simples cofres privados e intermediários de poupança, em principais supridores de meios de pagamentos, capazes de criar crédito independente de depósitos prévios.

Na abordagem pós-keynesiana da firma bancária o enfoque será dado com base na teoria de

Hyman Minsky. Segundo o mesmo, as firmas bancárias montam seus portifólios de modo a

conciliar lucratividade com sua preferência pela liquidez (assim como a visão keynesiana).

Ressalta-se que a partir da composição do portifólio cria-se o crédito e os depósitos bancários

afetando diretamente na oferta de crédito na economia.

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Para Minsky (1986) os bancos são agentes ativos, administram os dois lados do balanço

patrimonial (tanto os ativos quanto os passivos) buscando maximizar seus lucros. Dessa forma, o

comportamento da firma bancária implica nas condições de financiamento da economia. Minsky

parte do ponto que:

Antes do início dos anos 60 os bancos procuravam aumentar a lucratividade gerenciando o portifólio de aplicações (ativo bancário) – por exemplo, substituindo empréstimos por aplicações em títulos de dívida pública, ou vice-versa – depois de meados de 1960, eles passaram a almejar lucros buscando efetuar alterações na estrutura das obrigações (passivos) e aumentando a razão de alavancagem. (MINSKY apud PAULA, 1999, p.179)

Os bancos não tomam seus passivos como dados, eles agem do lado das obrigações. Essa

capacidade de atuar ativamente no lado dos passivos implica que os fundos que financiam seus

ativos sejam condicionados pelo seu próprio comportamento. Dessa forma, com vista a aumentar

suas aplicações, os bancos passam a se utilizar ativamente de técnicas de administração do

passivo podendo, inclusive, aumentar o volume de recursos captados junto ao público e

direcionar a composição de seus passivos visando uma maior rentabilidade.

Portanto, mais que receber de forma passiva os recursos de acordo com as escolhas realizadas pelo público, os bancos procuram interferir nessas escolhas das mais diferenciadas formas, promovendo alterações nas obrigações para que possam aproveitar-se de possíveis oportunidades de lucro (PAULA,1997, p.179).

As formas como os bancos modernos agem a fim de administrar o perfil de suas obrigações são

diversas, vão desde manipulação das taxas de juro de depósitos até a indução do direcionamento

do público para o tipo de obrigação que deseja (via publicidade, oferecimento de prêmios, etc)

como também, introduzem novas técnicas de captação de recursos (as inovações financeiras).

Devido a capacidade dos bancos de exercerem forte influência sobre o montante e o perfil dos

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recursos por eles captados, os mesmos possuem a capacidade de atender uma expansão na

demanda por crédito.

Dado o caráter ativo dos bancos na administração de seus passivos, a oferta de crédito bancário é

uma resposta à demanda por financiamento. Aquela não é totalmente controlada e estabelecida

pela autoridade monetária.

As técnicas de administração de passivos e a possibilidade de introdução de inovações financeiras – como, por exemplo, a criação de novas obrigações financeiras sob forma de quase-moedas – podem conferir ao sistema bancário a capacidade de contornar as restrições impostas pelas autoridades monetárias sobre a disponibilidade de reservas por força de uma política monetária restritiva, permitindo que os bancos tornem-se mais responsivos à demanda por crédito do público (PAULA, 1999, p.180).

Em síntese, a atividade bancária é um negócio dinâmico e inovativo de fazer lucro. Banqueiros

procuram ativamente construir suas fortunas ajustando seus ativos e obrigações, o que significa,

em suas linhas de negócio, tirar vantagem das oportunidades de lucro que lhes são oferecidas.

Este ativismo do banqueiro afeta não somente o volume e a distribuição do financiamento, mas

também o comportamento cíclico dos preços, da renda e do emprego (MINSKY, 1986, apud

PAULA, 1999, p.171).

De fato, os bancos modernos, são agentes econômicos ativos e inovadores que inseridos na lógica

capitalista visam lucros focando tanto suas aplicações quanto a administração de suas obrigações

para atender este fim. As estratégias dos bancos, que possuem preferência pela liquidez, podem

não responder a demanda dos outros agentes econômicos por crédito, justamente porque eles são

capazes de direcionar suas aplicações para os ativos que lhes proporcionem maior retorno aliado

a sua preferência pela liquidez. Os bancos são capazes de racionar crédito, isto é, a

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disponibilidade de adiantamentos na economia está subordinada às estratégias adotadas por esses

agentes financeiros.

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3 O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL E AS LIMITAÇÕES HISTÓRICAS À

OFERTA DE CRÉDITO A ECONOMIA BRASILEIRA

Examinar o comportamento do crédito requer analisar as limitações históricas à oferta de crédito

bem como as transformações recentes do sistema financeiro nacional, visto que essas

transformações afetaram tanto as estratégias quanto a estrutura do setor bancário brasileiro.

Assim, o objetivo deste capítulo é apresentar uma resenha seletiva do sistema financeiro

brasileiro, descrevendo suas principais características, analisando as tendências recentes da

transformação de sua estrutura, bem como as limitações históricas da oferta de crédito na

economia brasileira.

Desde a primeira metade da década dos 60 diversas reformas trataram de aperfeiçoar as

instituições do mercado financeiro a fim de torná-las mais forte permitindo um melhor

desempenho das suas funções, dentre elas possibilitar um maior fluxo de crédito para os agentes

econômicos. Por outro lado, o desenvolvimento da própria economia, e em particular a presença

constante da inflação no cenário econômico, levou o sistema financeiro a se adaptar às

oportunidades lucrativas que apareceram, acumulando um bom número de distorções no processo

de intermediação financeira.

O problema da oferta de crédito na economia brasileira, sobretudo o crédito de longo prazo, o

funding, se manifesta com a aceleração da industrialização brasileira nos anos 30 que só foi

permitido, a princípio, pela transferência de recursos do setor cafeeiro para o setor industrial,

visto que o capital privado nacional era frágil, a capacidade financeira do Estado era baixa e não

existia um sistema financeiro capaz de financiar o setor industrial que emergia.

No governo de Juscelino Kubitschek tornou-se evidente a promoção do desenvolvimento

industrial pelo Estado, sendo este peça chave para viabilização dos investimentos. Observou-se,

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até então, a importância do estado desenvolvimentista para o processo de industrialização em

detrimento ao sistema financeiro brasileiro que se mostrava incapaz de prover recursos

financeiros, pois o sistema financeiro privado nacional não era efetivo, necessitava da criação de

mecanismos institucionais capazes de captar os recursos reais e financeiros.

É comum analisar que o problema do financiamento da expansão da capacidade produtiva da

economia brasileira, no período do pós-guerra, se devia a baixa taxa de poupança interna o que,

conseqüentemente, forçava a economia brasileira a recorrer à poupança externa. No entanto, para

Tavares (1977), o problema principal do financiamento na economia brasileira não estava nesta

visão estática. A mesma considerava que em uma economia em franca expansão, como a

brasileira na época, não se aproveitava da poupança interna que crescia continuamente, isto é

reflexo das restrições de natureza institucional, herdada do modelo primário-exportador.

Voltando ao financiamento do ponto de vista interno e admitindo um potencial de poupanças em expansão, coloca-se, de imediato, o problema de uma adequada estrutura financeira. Esta deveria ser capaz não só de suprir a atividade real com um montante global de poupança efetiva satisfatória, como também permitir as transferências intersetoriais requeridas pelo processo de desenvolvimento. Para isso ter-se-ia que forjar instrumentos financeiros que possuíssem os padrões de liquidez exigidos pela demanda de recursos financeiros por parte das empresas e as garantias de rentabilidade e segurança exigidas para ampliar e diversificar a oferta de poupanças no mercado financeiro, além de criar canais institucionais capazes de orientar os fluxos financeiros para os setores que se pretendesse desenvolver. (TAVARES, 1997, p. 129).

Ressalta-se que no pós-guerra intensificou-se o ritmo de urbanização e industrialização o que

implicou num acelerado processo de mudança da estrutura produtiva brasileira, levando os vários

setores a competirem por recursos financeiros. Dada a inexistência de instrumentos e mecanismos

institucionais capazes de transferir os recursos intersetoriais, a inflação apresentou-se como

mecanismo de transferência destes recursos, ou seja, funcionou como mecanismo de

financiamento que possibilitou a acumulação de capital.

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A inflação parece ter funcionado, no contexto de desenvolvimento brasileiro, até alguns anos atrás, não só como um mecanismo de poupança forçada (em sentido global), mas principalmente como uma força capaz de dissolver uma certa rigidez da institucionalidade financeira e de proporcionar brechas e canais subterrâneos para transferência intersetorial de recurso. (TAVARES, 1997, p. 131).

Segundo Guerra (1999), durante todo período que precedeu a reforma financeira de 1964, o

sistema financeiro manteve-se reduzido, quando comparado a outros setores econômicos. Ele

baseava-se, fundamentalmente, nas atividades dos bancos comerciais, que concentravam suas

operações no curto prazo, devido à inflação e ao impedimento de se aplicar correção monetária

aos títulos de maior prazo, à lei da usura, que proibia juros acima de 12%, e à lei cláusula-ouro,

que vedava a possibilidade dos contratos serem expressos em divisas estrangeiras. Os bancos não

possuíam dimensão, operavam captando, basicamente, depósitos à vista e as operações ativas, de

curto prazo, eram praticamente desconto de duplicatas.

A rentabilidade real negativa dos ativos financeiros devido a alta inflação e a lei da usura

implicou na restrição da poupança financeira voluntária, sendo estes inibidores de instrumentos

de créditos. Não estavam assegurados, assim, os pré-requisitos mínimos para financiar o

investimento via crédito, independentemente da acumulação prévia de poupança.

Até então, o aparato financeiro tradicional, destorcido por anos de inflação crônica em condições de uma taxa de juros máxima de 12%, contava para multiplicar o crédito, basicamente, com a expansão de meios de pagamento e com o aumento de depósitos nos bancos comerciais (TAVARES, 1977, p. 219).

O golpe militar em 1964, que se deu em meio a uma profunda crise econômica (elevadas taxas de

inflação), e a posse da nova equipe econômica representou um marco na reestruturação do

sistema financeiro brasileiro. A nova equipe econômica afirmava que se fazia necessário a

adoção de políticas econômicas firmes e consistentes a fim de estimular a produtividade, a

poupança e o investimento. Para os ministros Campos e Bulhões, o desenvolvimento econômico

requeria instituições adequadas e políticas econômicas condizentes com a estabilidade, redução

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da inflação. A reforma financeira de 1964-65 era parte integrante e necessária para implantação

de um novo modelo de crescimento econômico.

As principais medidas tomadas na reforma monetário-financeira de 64 foram no sentido de

possibilitar o controle monetário e os efeitos da inflação sobre o sistema financeiro, visto que em

ambiente inflacionário as aplicações financeiras de longo prazo se tornam desprotegidas. Para

tanto se instituiu a correção monetária que tornava o valor dos ativos financeiros indexados,

assegurando uma remuneração real a seus proprietários.

A reforma financeira-monetária de 1964-65 obteve êxito em alguns dos seus objetivos,

principalmente, no que diz respeito ao desenvolvimento do setor financeiro brasileiro, permitindo

maior agilidade do financiamento (intermediação entre os agentes), embora o mesmo tendo

caráter de curto prazo. “No tocante ao financiamento de médio e longo prazo, orientado para as

atividades produtivas, a reforma não conseguiu estimular a criação de instituições e instrumentos

privados de suporte à formação de capital das empresas” (GUERRA, 1999, p.89).

Guerra (1999) define bem os resultados da reforma financeira durante o período (1964 – 1980),

destacando a falta de oferta de crédito, sobretudo de longo prazo. Conforme o mesmo:

Em síntese, não obstante a nova estrutura do sistema financeiro-monetário ter ampliado a intermediação financeira ao longo do período (1964 – 1980), o financiamento de longo prazo continuou a ser sua grande lacuna. Foram os empréstimos externos e o de origem pública que viabilizaram, de forma destacada, a formação de capital fixo no Brasil (GUERRA, 1999, p.95)

A conjuntura econômica do início dos anos 80 foi marcada pela crise financeira do estado

brasileiro e pelo sepultamento do modelo de substituição de importações. A fragilidade financeira

do setor público, decorrente dos desequilíbrios financeiros (gastos governamentais excessivos),

dos desequilíbrios nos balanços de pagamentos e da crise da dívida (transformação da dívida

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externa em dívida pública interna), esgotou o padrão de financiamento no qual o Estado estava no

centro do desenvolvimento. A partir daí, cessaram os recursos externos e aumentou a fragilidade

financeira do setor público.

A crise financeira dos anos 1980 deu início a um processo de ajustamento financeiro das

empresas (na maioria de grande porte) que não operavam na área financeira. Essas empresas

buscaram, a priori, enxugar o endividamento e passaram a priorizar o autofinanciamento por

meio de elevação dos seus mark-ups. Tal artifício era possível graças a estrutura de monopólio

dessas empresas atrelado a um contexto inflacionário. Esse processo de reestruturação das

empresas não financeiras desajustou o setor bancário, pois houve uma permuta de situação das

empresas não financeiras de devedora líquida para credoras líquidas do setor financeiro.

A crise econômica da primeira metade dos anos 80 produziu o aparente paradoxo de haver, simultaneamente, grande instabilidade e maiores lucros. Como visto, o grande capital privado aumentou a margem bruta de lucro, com aumento inflacionário dos mark-ups, e fez sua reestruturação patrimonial de devedor para credor. A fonte de lucro extraordinária para o sistema bancário foi justamente a alta inflação, que possibilitou a alta arbitragem entre diferenciais de taxas (spread inflacionário), especialmente, entre a taxa de aplicação com correção monetária e o “custo zero” da captação de saldos disponíveis. As rendas e os lucros financeiros, com aplicação dos float em títulos da dívida pública com taxas de juros reais positivos, ultrapassaram, largamente, as receitas com operações de crédito. No Brasil tornou-se inexpressiva a intermediação financeira convencional: captação de recursos – concessão de empréstimos. (COSTA, 1999, p.289).

A conjuntura econômica dos anos 1980 influenciou o comportamento do setor bancário. Segundo

Guerra (1999, p.106) o comportamento do sistema bancário ao longo da década de 80 foi

fortemente condicionado pela conjugação dos três seguintes fatores, a saber:

A retração nas operações de crédito, devido ao risco crescente associado ao cenário recessivo e ao aumento da inadimplência; a queda na demanda por crédito por parte dos principais agentes econômicos privados, pois as grandes empresas fugiram do endividamento bancário e os altos ganhos auferidos no jogo da especulação financeira, alimentada pela alta rentabilidade dos títulos lançados pelo governo federal, estaduais e até municipais [a chamada ciranda financeira].

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A Resolução 1524/88, do Bacen, transformou a estrutura do setor bancário brasileiro ao eliminar

o documento necessário para abertura de novas agências, a carta patente. Tal resolução permitiu a

criação dos chamados bancos múltiplos. Na verdade se desfez a especialização da reforma de

64/65 que criava os grandes conglomerados financeiros, transformando-os em uma única

empresa.

O movimento de desintermediação financeira, que no Brasil ganhou força na década de 1990,

proporcionou o surgimento de novos agentes financeiros e a possibilidade de novos instrumentos

de captação de recursos dentre às quais se destacam as securities (como bônus, títulos e notas).

Com o desenvolvimento do mercado de securites, o crédito bancário ficou cada vez mais posto

em segundo plano. O desenvolvimento desse mercado secundário de títulos foi responsável pela

formação de um novo padrão de financiamento internacional, caracterizado por maior liquidez,

menores custos operacionais, e embasado em capitais de curto prazo.

O alto giro da dívida pública, verificado a partir da segunda metade da década de 1980, mudou as

estratégias dos bancos no Brasil. A opção estratégica dos bancos pelas posições de tesouraria, que

se acentuaram nos anos 1990 com a desregulamentação financeira, impactou negativamente no

crédito direcionado ao setor produtivo.

Nos períodos de alta inflação e desequilíbrios macroeconômicos (anos 1980 e início dos anos

1990) as receitas inflacionárias se constituíam como a principal fonte de receita dos bancos. O

objetivo dos bancos era maximizar as captações de depósitos e aplicações, para tanto,

necessitavam de um grande número de agência.

A implantação do Plano Real implicou profundas mudanças no Sistema Financeiro Brasileiro. O

ambiente de estabilização conquistado a partir do Plano Real provocou alterações substanciais

tanto nas estratégias quanto na estrutura do setor bancário brasileiro. Mudanças estas, causadas

pela perda da principal fonte de receita do setor bancário no período inflacionário. Para Barros

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(1997, p.3) “os ganhos inflacionários eram propiciados pela perda do valor real dos depósitos à

vista e/ou pela correção dos depósitos bancários em valores abaixo da inflação”.

A perda desta importante fonte de receita impôs a necessidade do sistema financeiro brasileiro se

adequar ao novo ambiente, buscando novas formas de financiamento de suas atividades como,

por exemplo, crescimento dos serviços de intermediação financeira, administração de portfólio,

custódia e emissão de títulos, custódia de ações, etc.

O novo ambiente de estabilização macroeconômica não seria condizente com a dimensão que o sistema bancário havia alcançado, fruto de vários anos de inflação alta e desequilíbrios macroeconômicos. Esses anos levaram à constituição de um número elevado de instituições financeiras que, para se beneficiar das receitas inflacionária, faziam uso de um número elevado de agências para captação de depósitos e aplicações, com custos elevados. Diante do quadro de estabilidade macroeconômica, o sistema financeiro brasileiro teve de passar por profundas modificações, sendo redimensionado além de reorientado para novas formas de financiamento de suas atividades. (BARROS; JÚNIOR, 1997, p. 5).

No primeiro momento após a estabilização a principal fonte de receita que os bancos buscaram

foi a expansão das operações de crédito. Alguns estudos sobre o tema comprovam a elevação das

operações de crédito logo após a implantação do Real é o caso, por exemplo, dos trabalhos de

Puga (1999) e de Mendonça de Barros e Almeida Jr. (1997). O crescimento das operações de

crédito, no entanto, ocorreu sem uma análise de risco mais rigorosa por parte dos bancos, não

houve uma maior seletividade por parte dos credores. O resultado do crescimento indiscriminado

do crédito foi o aumento da inadimplência e, conseqüentemente, maior vulnerabilidade do

sistema financeiro brasileiro, que naquela época, 1995, poderia apresentar sérios problemas para

a estabilidade econômica conquistada com o Plano Real. Ressalta-se que um fator de

agravamento da crise foi o rigor da política monetária após a crise do México, centrado no aperto

da liquidez e no contingenciamento do crédito bancário.

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A perda da receita inflacionária e o aumento da inadimplência provocaram problemas de liquidez

em alguns grandes e médios bancos, a exemplo, o Banco Econômico, o Nacional e o Bamerindus,

sendo necessário, neste contexto, a intervenção do Banco Central. A fim de evitar uma crise

bancária sistêmica o Governo Federal participou de forma direta, através de várias medidas

preventivas voltadas à reestruturação e ao fortalecimento do sistema financeiro nacional.

Além das medidas institucionais se fez necessário mudanças na legislação a fim de permitir ao

Banco Central agir de forma preventiva quando os bancos não estivessem cumprindo as normas

exigidas ou estivessem com sérios problemas financeiros. O processo de reestruturação do

Sistema Financeiro Brasileiro envolveu um amplo processo de fusões, liquidações e intervenções

por parte do Banco Central além de transferências de controle acionário.

Dentre as principais medidas adotas pelo Bacen a fim de reestruturar o Sistema Financeiro

Brasileiro (SFB) destaca-se o Proer (Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento

do Sistema Financeiro Nacional). A operação de salvamento do setor bancário brasileiro ocorreu

por meio de subsídios fiscais, e incentivos creditícios do Proer.

O Proer teve como objetivo facilitar a reorganização administrativa, operacional e societária de instituições bancárias, incluindo a transferência de controle acionário, mediante a compra e incorporação de instituições com dificuldade de liquidez, por intermédio de concessão de crédito subsidiado e certas vantagens fiscais (HILLBRECHT, 1999, p.110).

No âmbito do movimento de reestruturação do setor bancário nacional intensificou-se, no Brasil,

seguindo a tendência mundial, o processo de desregulamentação e liberalização financeira.

Segundo Vasconcelos, Strachman e Fucidji (2003, p. 104) tais fenômenos desencadearam forças

que impulsionaram um acentuado processo de consolidação do setor de serviços financeiros, via

uma série de negócios de aquisições e fusões, envolvendo tanto empresas bancárias nacionais

como de países diferentes. Desde então, vários bancos estrangeiros entram no Brasil.

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A motivação dos bancos estrangeiros em entrar no país foi, principalmente, o spread creditício e

os elevados custos operacionais dos bancos brasileiros que davam aos bancos estrangeiros uma

vantagem competitiva.

Entretanto os argumentos favoráveis à liberalização e desregulamentação do setor bancário

nacional da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda (SPE-MF), da época,

eram de que os bancos estrangeiros ampliariam o leque e a qualidade de oferta de produtos

financeiros e, desta maneira, aumentariam a eficiência de todo o sistema bancário. Em suma, o

argumento favorável à entrada de bancos estrangeiros no país seria o aumento da eficiência do

sistema bancário e a possibilidade da elevação da oferta de crédito na economia.

As medidas governamentais, tais como as privatizações de bancos públicos com problemas de

solvência e a abertura do setor ao capital estrangeiro, tinham como objetivo estimular a

reestruturação do sistema bancário brasileiro, intensificar a busca por economias de escala e

poder de mercado ocasionando, como descrito anteriormente, um amplo processo de fusões e

aquisições, impactaram profundamente a estrutura concorrencial do setor.

Observou-se, nos últimos anos, uma evolução da concentração bancária no Brasil. Ressalta-se

que esta tendência à concentração vai justamente de encontro ao argumento da Secretaria de

Política Econômica do Ministério da Fazenda, da época, que tinha como objetivo a busca pelo

aumento da concorrência no setor. Os bancos no Brasil são pouco competitivos e funcionam em

uma estrutura de mercado oligopólica em que poucas instituições controlam o mercado.

O processo de reajuste do sistema bancário a fim de garantir uma maior solidez ao mesmo,

provocou um processo de desnacionalização do setor e o aumento da concentração bancária,

permitindo, assim, que as instituições financeiras cobrem altos spreads nas operações de crédito

tornando-as custosas.

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Constata-se nesse período, fim dos anos 1980 e na década de 1990, uma acentuada alteração do

comportamento bancário que passou a financiar o endividamento público (devido o alto giro da

dívida pública). Farhi (2003) destaca que tal fato ocorreu primeiro em função do

contingenciamento de crédito interno, mas que foi mantida depois por opção estratégica reforçada

pelas incertezas macroeconômicas.

Agravando ainda mais a situação da oferta de crédito na economia brasileira, a redução por parte

dos bancos do crédito às empresas não foi acompanhada pelo crescimento dos mercados de

capitais a fim de permitirem que os investimentos fossem financiados por colocação de títulos de

dívida privada (securitização) ou por lançamento de ações.

Em síntese, os problemas históricos relacionados à oferta de crédito na economia brasileira

resultaram, primeiramente, da falta de um arcabouço institucional que propiciasse a

intermediação financeira. Posteriormente, uma vez “solucionado” a questão institucional, o

problema da oferta de crédito se deslocou para as estratégias adotadas pelo sistema financeiro

nacional que reduziram a oferta de créditos para as empresas e passaram a privilegiar as posições

de tesouraria, em função do processo inflacionário e da “ciranda financeira”.

É importante observar que na década de 1980 e 1990 houve uma desarticulação do sistema

financeiro com o sistema produtivo, fato justificado pela nova lógica do setor bancário, sobretudo

o brasileiro, de atuar no curto prazo em detrimento do financiamento de longo prazo. Na década

de 1990, a integração aos fluxos financeiros internacionais privados desorganizou ainda mais o

sistema de financiamento doméstico, ao invés de assegurar o desenvolvimento de fontes de

financiamento de médio e longo prazo, destinadas à acumulação produtiva (TAVARES,

BELLUZZO apud FARHI, 2003, p.41).

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4 ANÁLISE DO COMPORTAMENTO DO VOLUME DE CRÉDITO NA ECONOMIA

BRASILEIRA

A análise do crédito foi realizada em três seções. Na primeira, indicam-se as fontes dos dados, o

período de análise, a sistemática adotada para deflacionar os dados assim como a metodologia

empregada para explicar a análise da tendência das operações de crédito. Na segunda seção

analisa-se o comportamento do crédito total ofertado pelo sistema financeiro nacional. Na última

seção será abordada a oferta de crédito por categorias de bancos: públicos e privados, e a análise

do crédito setorial, especialmente ao setor industrial, agrícola, de serviços, às pessoas físicas e ao

setor habitacional.

4.1 METEODOLOGIA, ORGANIZAÇÃO DOS DADOS E PERÍODO DE ANÁLISE

Sendo o objetivo do trabalho analisar a trajetória temporal do volume de crédito ofertado pelo

sistema financeiro, tanto setorialmente quanto por categorias de bancos, pós-Plano Real, faz-se

necessário descrever a metodologia adotada para tal análise.

Na discussão da trajetória das operações de crédito durante o período de 1995/2004 utilizou-se os

saldos consolidados das operações de crédito, concedido pelo Sistema Financeiro Nacional, em

final de período, expressos em valores de dezembro de 2004 Os dados foram extraídos do Banco

Central do Brasil (2005).

Para verificar a tendência dos saldos das operações de crédito, seus valores foram expressos em

termos constantes de dezembro de 2004 a fim de eliminar o efeito da inflação. Para tanto utilizou-

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se o Índice Geral de Preços do Mercado (IGP-M), cuja base é outubro de 1994, como deflator,

cuja fonte foi o IPEA DATA.

A metodologia escolhida para indicar a oferta do crédito é a que mostra a tendência do período.

Dessa maneira, evitou-se medir o crescimento pela variação do crédito entre dois pontos, ou seja,

em duas datas, em que o crédito pode estar ou não com comportamento normal. Identifica-se a

tendência mediante gráficos que mostram a evolução do crédito total e setorial (indústria,

agricultura, comércio e pessoas físicas) no período de 1995 a 2004, concedidos pelo Sistema

Financeiro Nacional (SFN).

4.2 ANÁLISE DA TENDÊNCIA DO CRÉDITO TOTAL DO SISTEMA FINANCEIRO

NACIONAL

O comportamento do crédito total, em valores reais, está representado na Figura 01. Tal

comportamento contradiz o argumento utilizado de que em um ambiente econômico mais estável

(estabilidade monetária), associado à abertura do setor ao capital estrangeiro, as operações de

crédito do Sistema Financeiro Nacional (SFN) tenderiam a aumentar. Observamos, entretanto,

através da tendência do crédito ofertado pelo SFN, explicitado na figura 01, que não houve a

mudança esperada no padrão de crescimento do crédito.

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0100200300

400500600700

jan/

95

jan/

96

jan/

97

jan/

98

jan/

99

jan/

00

jan/

01

jan/

02

jan/

03

jan/

04

R$

bilh

ões

Operações de crédito do sistema financeiro totalLinear (Operações de crédito do sistema financeiro total)

Figura 01 - Operações de crédito do sistema financeiro total: saldos em final

de período (1995 a 2004). Fonte: Banco Central do Brasil

Analisar a trajetória dos saldos das operações de crédito concedidos pelo Sistema Financeiro

Nacional requer uma simultânea análise concomitante da conjuntura econômica do período. Esse

requerimento se faz necessário porque os bancos, ao atuarem em um ambiente de incertezas não-

probabilísticas, conformam suas aplicações baseados nas suas expectativas em relação ao

ambiente econômico. Assim, o comportamento das operações de crédito é fortemente

influenciado por acontecimentos de caráter conjuntural.

No período imediato do pós-Plano Real observou-se uma elevação nos saldos das operações de

crédito. Esse fato foi justificado pelo direcionamento das aplicações ativas das firmas bancárias

para os empréstimos, visto a perda da receita inflacionária. Entretanto esse aumento na concessão

de crédito não foi acompanhado de uma avaliação de risco mais profunda, desencadeando assim,

a crise bancária de 1995/1996. A Figura 02 mostra a evolução da proporção dos saldos das

operações de crédito em atraso e em liquidação em relação ao crédito total durante o período de

julho de 1994 a janeiro de 1997. O comportamento ascendente da referida proporção evidencia o

problema enfrentado pelos bancos causado pela elevação dos empréstimos sem as devidas

avaliações de risco.

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%

Proporção dos saldos das operações de crédito em atraso e em liquidação emrelação ao crédito totalLinear (Proporção dos saldos das operações de crédito em atraso e em liquidaçãoem relação ao crédito total)

Figura 02 – Proporção dos saldos das operações de crédito em atraso e em

liquidação em relação ao crédito total (jul/1994 a jan/1997)1. Fonte: Banco Central

A crise refletiu nas operações de crédito a partir do segundo semestre de 1995 quando os bancos

passaram a adotar uma postura mais conservadora, sendo mais prudentes na concessão de novos

créditos. A trajetória decrescente se reverteu em 1996, permanecendo estável nesse ano. A crise

bancária impediu a tendência crescente das operações de crédito. Ressalta-se que os efeitos de

crise mexicana sobre a economia brasileira provocaram um aperto na política monetária afetando

o volume das operações de crédito, a partir de março de 1995.

O processo de ajustamento e a maior confiança no sistema bancário verificada a partir do

primeiro semestre de 1997 justificaram o comportamento crescente das operações de crédito.

Contudo, no quarto trimestre, do referido ano, a crise financeira do sudeste asiático e os

desdobramentos de seus efeitos causaram incertezas quanto à estabilidade econômica dos países

emergentes.

1 A Resolução nº2.682 de 21/12/1999 promoveu a revisão dos procedimentos para classificação das operações de crédito e regras para constituição de provisão para créditos e liquidação duvidosa. É importante estabelecer que com a mudança na metodologia de apuração não é possível manter compatibilidade com a série anterior.

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O agravamento das tensões no mercado financeiro levou o Banco Central a apertar a política

monetária elevando a taxa de juros. Deste modo, ambiente de incertezas e elevação das taxas de

juros, retrairam à oferta de crédito na economia brasileira.

A contração da oferta de crédito no último trimestre de 1997 foi reforçada pela retração dos

saldos das operações de crédito do sistema financeiro público, dado o esforço do governo federal

em reduzir o déficit público restringindo a oferta de crédito aos estados e municípios. Esse

procedimento se enquadra basicamente no processo de renegociação da dívida bancária do

governo dos estados e municípios. Nesse ano houve uma retração de 32,5%,em valores nominais,

das operações de crédito ao setor público em conseqüência da liquidação de parte da dívida

bancária dos estados e municípios por meio de securitização. É importante destacar a Resolução

nº 2.443 de 14/11/97 do Conselho Monetário Nacional (CMN) que limitava os saldos das

operações de crédito por Antecipação de Receita Orçamentária.

O recrudenciamento da crise nos países asiáticos e a reversão da tendência de alta das taxas de

juros deram início ao movimento de recuperação da atividade econômica no primeiro semestre de

1998, após a queda verificada em novembro e dezembro do ano precedente. O ambiente

favorável foi responsável pela estabilidade das operações de crédito verificadas nos primeiros

meses daquele ano.

A partir do segundo semestre de 1998, com a crise russa, as expectativas de ajustes quanto a

possíveis aumentos na taxa de juros para fazer frente ao quadro de deterioração do cenário

internacional levou a um posicionamento defensivo por parte dos agentes econômicos e os

bancos continuaram a manter a mesma postura conservadora observada ao longo do ano sendo

mais seletivos na concessão de novos empréstimos.

No período a elevação da taxa básica de juros não foi suficiente para assegurar o prêmio de risco

esperado, ante a escalada das incertezas, combinada com o regime de câmbio fixo. Nestas

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circunstâncias, O Banco Central, para manter a taxa de câmbio, frente a fuga de capitais, teve que

efetuar grandes compras de reais, implicando em esterilização monetária.

No ano de 1999 o sistema financeiro manteve a postura conservadora em suas operações ativas,

por meio da seletividade do crédito e da preferência por operações de tesouraria. Esse

comportamento que já vinha de períodos anteriores, foi reforçado pela mudança do regime

cambial e pelas variações na trajetória das taxas de juros. Assim sendo, observou-se um declínio

do volume de concessão de créditos.

È importante ressaltar que nesse ano foram adotadas algumas medidas visando à redução de custo

de intermediação financeira e à ampliação da oferta de crédito. Nesse sentido, devem ser

destacadas as reduções nos recolhimentos compulsórios por meio de circulares do Banco

Central2. Ainda dentro do contexto de estímulo às operações de crédito foi criada, por intermédio

da Medida Provisória nº1.925 de 14/10/1999, a Cédula de Crédito Bancário. Trata-se de um título

de crédito emitido por pessoa física ou jurídica em favor de instituições financeiras ofertantes do

crédito representando promessa de pagamento em dinheiro. Destacou-se também, a criação da

sociedade de crédito ao microempreendedor por meio da resolução nº2.627 de 03/08/1999.

No ano de 2000 observou-se uma trajetória crescente dos saldos das operações de crédito que se

estendeu até o primeiro quadrimestre de 2001. Tal fato é explicado pela política creditícia

direcionada no sentido de ampliar a disponibilidade de recursos para o tomador final3, a redução

das taxas de juros e pela recuperação do setor real da economia expresso em um crescimento do

PIB de 4,2%.

2 Circular nº 2.927 de 8/09/1999 reduziu a alíquota de recolhimento compulsório sobre depósitos à vista de 75% para 65% e a Circular nº 2.939 de 14/10/1999 que tornou nula a alíquota de recolhimento compulsório em títulos exigidos sobre os recursos a prazo.

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As elevadas taxas de crescimento econômico verificados desde o segundo semestre do ano 2000

começaram a se arrefecer a partir do segundo trimestre de 2001 e, conseqüentemente, os saldos

das operações de crédito tenderam na mesma direção. A explicação para o arrefecimento da

atividade econômica se deveu a fatores internos e fatores externos que afetaram as expectativas

dos agentes econômicos. No que tange aos fatores internos destacaram-se a crise energética e as

elevações das taxas de juros, já os fatores externos destacaram a crise política argentina e os

atentados terroristas de 11 de setembro. Diante de tais conturbações o sistema financeiro nacional

privilegiou as operações de tesouraria com títulos públicos. Ressalta-se que um fator importante

que contribuiu para a retração dos empréstimos no ano de 2001 decorreu da diminuição dos

empréstimos nas carteiras das instituições públicas federais devido ao programa de

Fortalecimento das Instituições Financeiras Federais, estabelecido por meio da MP nº196 de

28/06/01.

O comportamento das operações de crédito do sistema financeiro em 2002 manteve trajetória de

queda, em termos reais, sobretudo no segundo semestre. Esse comportamento declinante da

oferta de crédito foi reflexo das condições desfavoráveis predominantes no cenário externo

(incertezas quanto aos resultados corporativos associados às empresas americanas e volatilidade

do preço do petróleo devido a expectativa de conflito no oriente médio) e interno (incertezas

quanto a futura condução da política econômica) que se traduziram na contração de

financiamentos internacionais, volatilidade da taxa de câmbio e elevações da taxa de juros, que

levaram as instituições bancárias a manter o comportamento conservador no que se refere ao

crédito.

A partir do segundo semestre de 2003 com a redução das incertezas do mercado, evidenciadas

pela estabilidade cambial e pela convergência das expectativas de inflação para a meta

estabelecida pelas autoridades monetárias, adotou-se uma postura mais flexível no que se refere a

condução da política monetária. A redução das taxas de juros e a criação de medidas

3 Durante o ano houve redução da alíquota do recolhimento compulsório incidente sobre depósitos à vista de 65% para 45%.

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institucionais voltadas a ampliar e facilitar o acesso ao crédito, destacando as operações de

microcrédito e de empréstimos consignados em folha de pagamento, explicam a tendência

crescente das operações de crédito que se mantiveram até o fim de 2004. É importante destacar

que o ambiente econômico favorável que prevaleceu naquele ano foi fundamental para tal

comportamento dos saldos das operações de crédito.

A análise da relação saldos das operações de crédito com o PIB apresenta uma trajetória

decrescente no período de 1995 a 2004, como observado na Figura 03. O decrescimento desta

relação reforça a constatação de que não houve uma alavancagem do volume do crédito

concedido na economia brasileira. Baseado na trajetória dos saldos das operações de crédito

concedidas pelo SFN (Figura 01) e da evolução da relação crédito/PIB (Figura 03) podemos

concluir que, de fato, as medidas adotadas visando ao estímulo creditício, muitas das quais

envolverem aspectos institucionais, não tiveram o efeito desejado no desenvolvimento de uma

cultura de crédito que promove as condições necessárias para o crescimento da oferta de crédito

em relação ao PIB.

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Operações de crédito do sistema financeiro/PIB

Linear (Operações de crédito do sistema financeiro/PIB)

Figura 03 – Operações de crédito do sistema financeiro como proporção do PIB

(1995 a 2004). Fonte: Banco Central do Brasil

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Ao examinar o saldo das operações de crédito com recursos livres, que exclui o crédito

imobiliário, rural, operações de arrendamento mercantil e as realizadas com repasses de fundos

públicos (MOEDA...,2000, p.63) , constatamos que houve uma expansão durante o período de

outubro de 1996 a dezembro de 20044.

Esse comportamento ascendente do saldo das operações de crédito com recursos livres pode ser

atribuído ao decréscimo da taxa básica de juros da economia que refletiu diretamente nas taxas

ativas praticadas pelas instituições financeiras. A Figura 05 mostra o comportamento da taxa de

juros Selic5, em termos nominais. Como pode ser observado, a partir de 1999, período em que o

COPOM passou a divulgar a meta para a taxa Selic para fins de política monetária, a mesma

apresentou uma queda significativa. Tal fato se deve a adoção do câmbio flutuante que

possibilitou às autoridades monetárias flexibilizar a política monetária. Com o câmbio fixo era

necessário adotar altas taxas de juro para evitar uma debandada líquida de capitais.

Em novembro de 1997 o agravamento da crise no leste da Ásia e as incertezas quanto à

estabilidade dos países emergentes provocaram uma fuga de capitais dos mesmos. No Brasil, as

taxas de juros foram elevadas com intuito de evitar essa fuga de capitais e, consequentemente

manter o câmbio fixo. A média da taxa Selic foi de 45,8% ao ano, em termos nominais, em

novembro daquele ano. Em outubro de 1998, devido à crise russa, a mesma política foi adotada a

fim de manter o câmbio fixo. Entretanto, a partir do segundo trimestre de 1999, com a adoção do

câmbio flutuante e da política de metas de inflação, a taxa básica de juros apresentou uma

trajetória declinante até abril de 2001 quando a trajetória se inverteu (crise política e econômica

argentina e a crise energética nacional). No segundo semestre de 2002 a taxa de juros se elevou

devido as incertezas eleitorais.

4 Os dados estatísticos fornecidos pelo Bacen, para o saldo das operações de crédito com recursos livres só estão disponíveis a partir de outubro de 1996.

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Destaca-se que nos períodos de redução da Selic houve um crescimento das operações de créditos

com recursos livres, sobretudo a partir do segundo semestre de 1999. Observando as Figuras 4 e

5 vê-se o comportamento inverso entre o saldo das operações de crédito com recursos livres e a

taxa básica da economia.

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100150200250300350

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Operações de crédito do sistema financeiro - recursos livres

Linear (Operações de crédito do sistema financeiro - recursos livres )

Figura 04 - Operações de crédito do sistema financeiro - recursos livres: saldo em final de

período (1995 a 2004). Fonte: Banco Central

O crescimento dos créditos com recursos livres, contrapondo com o saldo das operações de

créditos totais, ratifica o caráter de curto prazo do sistema financeiro brasileiro. Os créditos com

recursos livres são basicamente créditos para financiamento de capital de giro das empresas, são

empréstimos de curto prazo como desconto de duplicatas e operações de hot money, sendo na sua

maioria fornecido pelo sistema financeiro privado.

5 Taxa média diária , anualizada com base em 252 dias úteis.

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% a

o an

o

Figura 05 – Taxa média de juros, Selic (jul/96 a dez/2004).

Fonte: Banco Central

4.3 - ANALISE DA TENDÊNCIA DAS OPERAÇÕES DE CRÉDITO POR CATEGORIAS DE

BANCOS E SEGMENTO DE MERCADO

4.3.1 – Operações de crédito do Sistema Financeiro público e privado

O argumento utilizado para a abertura do sistema financeiro nacional ao capital estrangeiro era de

que aumentaria a concorrência no setor e consequentemente elevaria a oferta de crédito

concedida na economia. Entretanto, quando se analisa o comportamento das operações totais, em

termos reais, do sistema financeiro privado, observamos que o que se previa não aconteceu.

Apesar de o setor bancário privado brasileiro ter aumentado no período, aumento que se deu

pelas privatizações das instituições públicas, suas operações de crédito apresentaram um

comportamento de leve ascendência, de forma que, podemos afirmar que predominou uma

trajetória de estabilidade como pode ser observado na Figura 06.

É importante ressaltar que os períodos que apresentaram tendência ascendente se deveram,

sobretudo, a fatores conjunturais favoráveis e a políticas creditícias orientadas no sentido de

aumentar a disponibilidade de recursos para o tomador final. A elevação das operações de crédito

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total do sistema financeiro privado iniciado em 2000 e que se estendeu até o final de 2001 foi

reflexo das políticas creditícias que visavam o aumento da oferta de crédito na economia como,

por exemplo, a redução das alíquotas do compulsório de 65% para 45%, as trajetórias decrescente

das taxas de juros e principalmente devido ao ambiente econômico favorável.

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Operações de crédito totais do sistema financeiro privado

Linear (Operações de crédito totais do sistema financeiro privado)

Figura 06 – Operações de crédito concedidas pelo sistema financeiro privado: saldo em

final de período (1995 a 2004). Fonte: Banco Central do Brasil

O comportamento das operações de crédito concedidas pelo sistema financeiro privado, expresso

na Figura 06, se assemelha bastante, sobretudo a partir do ano 2000, com o comportamento das

operações de crédito do sistema financeiro com recursos livres (Figura 04). Essa constatação

reforça o argumento de que o sistema financeiro privado nacional fornece, principalmente,

créditos com recursos livres, cuja característica é de curto prazo.

A relação crédito total do setor privado/PIB também apresentou uma trajetória estável no período

1995 a 2004. As oscilações observadas se referem a fenômenos conjunturais. Tal relação pode ser

observada na figura 07.

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Operações de crédito do sistema financeiro privado/PIB

Linear (Operações de crédito do sistema financeiro privado/PIB)

Figura 07 – Operações de crédito concedidas pelo sistema financeiro privado como

proporção do PIB (1995 a 2004). Fonte: Banco Central do Brasil

Para analisar o comportamento dos saldos das operações de crédito do sistema financeiro público

é necessário levar em consideração que durante o período ocorreu um enxugamento do mesmo

justificado pelo próprio processo de reestruturação do setor bancário proposto pelo governo

brasileiro. O reflexo de tal reestruturação, que incluía as privatizações dos bancos públicos, se fez

sentir nas operações totais do sistema financeiro público que apresentaram, no período, trajetória

declinante. Essa trajetória já era esperada haja vista a diminuição das instituições públicas no

sistema financeiro. Ressalta-se que apesar do número de instituições do sistema financeiro

público ter caído as instituições remanescentes passaram a operar de acordo com a ótica privada e

isso também contribuiu para a diminuição das operações de crédito de tal categoria de bancos.

A Figura 08 evidencia o comportamento temporal do total das operações de crédito do sistema

financeiro público e a Figura 09 mostra a mesma variável como proporção do PIB, ambas

apontam uma trajetória decrescente ao longo do período.

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Operações de crédito totais do sistema financeiro público

Linear (Operações de crédito totais do sistema financeiro público)

Figura 08 – Operações de crédito concedidas pelo sistema financeiro público: saldo em

final de período (1995 a 2004). Fonte: Banco Central do Brasil

Os períodos de queda brusca dos saldos das operações de crédito do setor público, principalmente

em 1997 e 2001 se devem a ajustes estruturais do setor. Em 1997, dando continuidade a

reestruturação do sistema financeiro público, foram implementadas algumas privatizações como a

do Banerj, do Credireal e o Meridional. No ano de 2001 a redução do volume de crédito

decorreu, principalmente, dos efeitos produzidos pelo Programa de Fortalecimento das

Instituições Financeiras Federais, instituído pela Medida Provisória 2.196, de 28/06/2001, que

afetou mais fortemente as operações com recursos direcionados, em especial as relacionadas com

o crédito habitacional e rural. O programa objetivava o ajuste da situação patrimonial do Banco

do Brasil, da Caixa Econômica Federal, do Banco do Nordeste e do Banco da Amazônia às

normas que estabeleciam a exigência de capital mínimo das instituições financeiras.

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Linear (Operações de crédito do sistema financeiro público/PIB)

Figura 09 – Operações de crédito do sistema financeiro público como proporção do PIB

(1995 a 2004) Fonte: Banco Central do Brasil

Uma importante constatação é que a redução da participação do setor público nas operações de

crédito, reflexo da própria reestruturação do sistema financeiro público, não foi acompanhada por

uma elevação dos saldos das operações de créditos do sistema financeiro privado. Assim um dos

motivos para a retração dos saldos das operações de crédito total está no fato da redução da

participação do setor público nas concessões de crédito não ter sido compensada pela elevação

dos créditos concedidos pelo sistema financeiro privado.

Dessa forma, as medidas implementadas, desde o início do Plano Real, que contemplavam a

redução da presença do setor público na atividade bancária e a abertura do setor financeiro à

participação ativa do capital estrangeiro, com maior atuação no varejo, não surtiram o efeito

desejado, qual seja, a elevação da oferta de crédito na economia brasileira.

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4.3.2 - O crédito Setorial –Participação do setor produtivo privado no crédito total.

Como observado na Figura 10 o total das operações de crédito do sistema financeiro ao setor

privado, em valores constantes de dezembro de 2004, apresentou um comportamento de certa

forma estável durante o período 1995/2004, havendo algumas elevações em fins de 1998 e entre

o segundo semestre de 2000 e o primeiro de 2001, reflexo da melhora no ambiente econômico.

Os períodos de decrescimento, sobretudo no segundo semestre de 2002, se deveram a fatores

conjunturais adversos que levaram o sistema financeiro brasileiro a adotar uma postura

conservadora.

A predominância da estabilidade dos saldos das operações de crédito voltadas para o setor

produtivo nos permite concluir que no período pós-plano Real não houve melhorias no perfil

operacional do sistema financeiro de modo que desempenhasse adequadamente seu papel de

apoio ao crescimento econômico.

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Operações de crédito do sistema financeiro total ao setor privadoLinear (Operações de crédito do sistema financeiro total ao setor privado)

Figura 10 – Operações de crédito concedidas pelo sistema financeiro ao setor privado

(1995 a 2004) Fonte: Banco Central do Brasil

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Ao desagregarmos o crédito por categoria de tomador, constatamos que a tendência dos saldos

das operações de crédito é diferente, ou seja, o comportamento dos créditos ao setor privado

apresentou para cada segmento, uma característica própria durante o período que compreende o

estudo (Figura 11).

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Op. crédito sistema financeiro - ao setor privado industrialOp. crédito do sistema financeiro -ao setor habitacionalOp. de crédito do sistema financeiro - ao setor ruralOp. de crédito do sistema financeiro - ao setor comercialOp. de crédito do sistema financeiro - a pessoas físicas

Figura 11 – Operações de crédito concedidas ao setor privado segundo categorias de

tomador (1995 a 2004). Fonte: Banco Central do Brasil

Dentre os cinco setores analisados (setor industrial, habitacional, rural, setor de comércio e às

pessoas físicas) os créditos ao setor rural apresentaram uma trajetória relativamente estável ao

longo do período 1995/2004 em contraste com os demais que experimentaram grande flutuação.

A carteira de aplicações ao setor rural apresentou trajetórias distintas, no que diz respeito aos

bancos ofertantes, fato que pode ser observado na Figura 12. Enquanto a tendência das operações

de crédito do sistema financeiro público foi declinante, as operações de crédito do sistema

financeiro privado apresentaram uma trajetória, ao longo do período de dez anos, de leve

crescimento. Entretanto ressalta-se que o sistema financeiro público ainda é o grande credor de

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48

créditos rurais, dada a política governamental, no âmbito creditício, voltada para o setor rural,

sobretudo na forma de créditos direcionados. A diminuição da carteira de aplicações ao setor

rural por parte do sistema financeiro público se deveu tanto pela diminuição de subsídios como

também pela própria redução do setor público na atividade bancária.

A carteira de aplicações ao setor rural do sistema financeiro privado apresentou uma tendência de

leve aumento justificado pelo maior crescimento do setor rural brasileiro. Houve no período uma

maior demanda por saldos bancários, por parte das empresas agrícolas, para financiamento de

suas atividades.

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jan/03

jan/04

R$

bilh

ões

Op. de crédito do sistema financeiro privado - ao setor privado rural Op. de crédito do sistema financeiro público - ao setor privado ruralLinear (Op. de crédito do sistema financeiro privado - ao setor privado rural)Linear ( Op. de crédito do sistema financeiro público - ao setor privado rural)

Figura 12 – Operações de crédito concedidas pelo sistema financeiro público e privado ao

setor rural: saldo em final de período (1995 a 2004) Fonte: Banco Central do Brasil

Uma importante constatação é o comportamento ascendente dos créditos totais, em termos reais,

concedidos às pessoas físicas. O sistema financeiro nacional após a implantação do Plano Real

adotou como principal opção a concessão de crédito às pessoas físicas, como pode ser observado

na Figura 11. Essa constatação pode ser explicada, sobretudo, ao analisarmos o lado da oferta do

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49

crédito. Os créditos destinados às pessoas físicas apresentam elevadas taxas de juros e seus

prazos são mais curtos, sendo assim mais rentáveis para os ofertantes, os bancos. Apesar do risco

de inadimplência desse segmento ser maior os juros elevados superam o prêmio de risco.

O crédito destinado ao setor habitacional apresentou uma forte retração. A queda abrupta do

crédito ao setor habitacional em 2001 foi reflexo do Programa de Fortalecimento das Instituições

Financeiras Federais editado via Medida Provisória no referido ano, como dito anteriormente.

Essa categoria de crédito é fundamentalmente fornecida pelo sistema financeiro público como

pode ser observado na Figura 13, que apresenta os saldos das operações de crédito voltados ao

setor habitacional por categorias de bancos.

0

20

40

60

80

100

120

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jan/95

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bilh

ões

Op. de crédito do sistema financeiro privado ao setor habitacionalOp. de crédito do sistema financeiro público ao setor habitacionalLinear (Op. de crédito do sistema financeiro público ao setor habitacional)Linear (Op. de crédito do sistema financeiro privado ao setor habitacional)

Figura 13 – Operações de crédito concedidas pelo sistema financeiro privado e público ao

setor habitacional: saldo em final de período (1995 a 2004) Fonte: Banco Central do Brasil

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A carteira de aplicações em habitação diminuiu nos bancos públicos e privados. Com relação aos

bancos públicos, a forte retração da carteira de aplicações para esse setor, especialmente em

2001, foi reflexo do processo de ajustamento dos mesmos, que afetou, especialmente, os créditos

direcionados. As operações de crédito contratadas pelo sistema financeiro com uso de recursos

direcionados apresentaram, ao longo do ano (2001) variação negativa de 14,8% (valor nominal),

atuando pelo lado contracionista os empréstimos aos setores habitacionais, -57,5%, em valores

nominais. (MOEDA..., 2001, p.67).

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5 OS DETERMINANTES DA EVOLUÇÃO DO VOLUME DE CRÉDITO NA

ECONOMIA BRASILEIRA: UM ENFOQUE PÓS-KEYNESIANO

Os argumentos dos especialistas do sistema financeiro, que afirmavam que com a estabilização

econômica, estabilidade monetária, o volume do crédito ofertado iria aumentar haja vista que o

crédito seria uma fuga natural para busca de maiores fontes de receitas. Contudo, contradizendo

tal argumento, os saldos das operações de crédito não cresceram em termos reais como ficou

evidente ao analisarmos o comportamento do crédito no capítulo anterior. As operações de

crédito total do sistema financeiro nacional a termos reais decresceram no período estudado,

sendo esta a principal constatação do presente estudo.

É amplamente difundida a importância da oferta de crédito para crescimento econômico No

entanto a relação crédito/PIB no Brasil é bastante inferior quando comparada com outros países,

fato que pode ser observado na figura abaixo (Figura 14).

Figura14 - Crédito como proporção do PIB em dezembro de 2004 Fonte: FMI

Cré dito/PIB

020406080

100120140160

Brasil

Canad

áChil

e

Aleman

haIsr

ael

Coréia

do Sul

EUA

Malásia G-7

%

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Visando buscar uma melhor explicação para a trajetória descendente do crédito e a baixa relação

crédito/PIB brasileira, rejeitando a hipótese de que o mesmo aumentaria em um ambiente de

estabilidade monetária, tentou-se verificar o que ocorreu no período analisado tanto do ponto de

vista conjuntural quanto do ponto de vista das estratégias das firmas bancárias, que como visto

agem de forma ativa -visão pós-keynesiana - sendo capaz de determinar a oferta de crédito na

economia.

5.1 PREFERÊNCIA DOS BANCOS POR OPERAÇÕES DE TESOURARIA E O CARÁTER

CONSERVADOR DO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL

A explicação para a retração, em termos reais, das operações de crédito não pode ser encontrada

na restrição de oferta, visto que na abordagem pós-keynesiana da firma bancária a oferta de

moeda é endógena. De acordo com tal vertente do pensamento econômico (pós-keynesiana) a

curva de oferta monetária é horizontal no espaço definido pelos eixos da taxa de juros e da

quantidade de moeda (FREITAS, 1999, p.115). Assim, a oferta de crédito é resposta à demanda

do público, dada a capacidade dos bancos de atuarem dos dois lados do balanço (ativo e passivo)

sendo capazes de financiarem seus ativos.

A oferta de moeda torna-se interdependente da demanda por moeda (daí deriva o caráter endógeno da moeda) As autoridades monetárias não têm um controle absoluto sobre a quantidade de moeda disponível na economia, influenciando indiretamente o volume de intermediação financeira, procurando afetar as condições de custo e a disponibilidade de reservas dos bancos. Através da manipulação da taxa de juros e do nível de reservas bancárias, podem influir no volume e no preço do crédito bancário, sendo que o resultado final sobre o volume de oferta de crédito resulta das respostas do sistema bancário às variações nas taxas de rentabilidade de suas diferentes operações ativas. A base de reservas, levando em conta as condições gerais de acesso à liquidez estabelecidas pelo banco central, que limitam ou expandem a capacidade de captação de recursos por parte dos bancos, pode se expandir endogenamente de modo a atender as demandas por empréstimos por parte do público, desde que seja rentável para as instituições bancárias (PAULA, 1998, p.11).

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Buscar a explicação para o comportamento das operações de crédito analisando o lado da

demanda não parece plausível visto que durante o período analisado houve crescimento

econômico, ainda que pequeno, e este é um determinante da demanda por crédito. Embora sejam

importante ressaltar que as elevadas taxas de juros praticadas no mercado financeiro nacional

sejam um inibidor da demanda por créditos bancários.

Tendo como base a preferência pela liquidez de Keynes (1988) na qual os agentes econômicos,

inclusive os bancos, possuem preferência pela liquidez, compondo seu portifólio de aplicações

em termos do trade-off entre retornos e risco, mudanças nas expectativas dos bancos, que agem

sob condições de incertezas não-probabilísticas, inerentes à própria característica da atividade

bancária, afetam a estrutura das suas aplicações. Assim, as formas como os bancos projetam o

ambiente econômico influênciam sua estrutura patrimonial, visto que os bancos, segundo o

enfoque pós-keynesiano, agem de forma ativa dos dois lados do balanço, tomando suas decisões

orientadas pela expectativa de maiores lucros.

Com a expectativa de um ambiente econômico favorável, os bancos tendem a privilegiar a

rentabilidade à liquidez, adotando uma postura mais ousada expondo-se mais ao risco da

atividade bancária. Tendo uma perspectiva otimista, os bancos aumentam a participação dos

adiantamentos e empréstimos, para tanto agem de forma ativa no lado dos passivos via técnicas

de administração de passivos, como a introdução de novos produtos e serviços financeiros

(inovações financeiras) a fim de captarem mais recursos.

Em suma, os agentes financeiros ao terem expectativas favoráveis com relação ao ambiente

econômico tendem a diminuir a relação entre ativos líquidos/ativos ilíquidos, favorecendo,

sobretudo, o aumento dos empréstimos.

Diante de um ambiente de incertezas quanto à estabilidade econômica, os bancos adotam uma

postura mais conservadora, agindo de forma defensiva no que se refere às suas aplicações.

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Segundo Minsky em Paula (2003), em um cenário de crise, os bancos amplificam a mesma, pois

expressam mais profundamente sua preferência pela liquidez, ou seja, os bancos aumentam a

relação ativos líquidos/ativos ilíquidos, ou seja, as instituições financeiras tendem a privilegiar

títulos do governo a adiantamentos e empréstimos tornado-se mais cautelosos na concessão de

créditos.

Em particular, os bancos expressarão suas posturas mais conservadoras, procurando diminuir sua exposição aos riscos da atividade bancária, uma vez que seu estado de confiança sobre as perspectivas da economia e dos negócios se deteriora e os riscos percebidos aumentam (PAULA, 2003, p.145).

Ressalta-se que o período que sucedeu à implantação do Plano Real foi caracterizado pela

estabilidade dos níveis de preços, ou seja, estabilidade monetária. Entretanto é importante levar

em consideração que no período analisado houve algumas conturbações conjunturais que

afetaram as formulações das expectativas dos bancos, e conseqüentemente, o seu comportamento.

A postura adotada pelos bancos afetou a concessão de crédito na economia brasileira. Dentre

algumas convulsões de caráter conjuntural, destacam-se a crise bancária de 1995-1996, a crise

econômica no leste asiático em 1997, a mudança do regime cambial em 1999, a crise política e

econômica na Argentina, a crise energética nacional além das incertezas causadas pelos atentados

terroristas em 2001 e as incertezas quanto às eleições presidências de 2002 que foram reforçadas

pelas variações ascedentes da trajetória das taxas de juros.

Tais abalos implicaram na manutenção da postura conservadora do sistema financeiro em suas

operações ativas, por meio da seletividade do crédito e da preferência pelas operações de

tesouraria, evidenciando sua preferência por liquidez. Apesar de no período analisado ter havido

estabilidade monetária não houve estabilidade econômica o que levou o sistema financeiro a

operar na lógica do curto prazo, tendo preferência por liquidez, adotando uma postura mais

defensiva.

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No primeiro momento do Real os bancos exploraram o contexto de forte crescimento econômico

e o aumento na demanda por crédito, para compensarem as perdas das receitas inflacionárias.

Dessa forma os bancos atenderam ao aumento da demanda por crédito dos agentes econômicos,

adotando uma postura financeira mais ousada. No segundo momento, a partir da crise bancária de

1995 e, posteriormente, com a crise externa de 1997/98, os bancos passaram a adotar uma postura

mais defensiva, expressão de sua maior preferência pela liquidez (PAULA, 2001, p. 287). Tal

postura se manteve com a mudança do regime cambial em 1999 e com as incertezas com relação

à eleição em 2002.

É importante salientar que no caso brasileiro a preferência por operações de tesouraria se

intensifica, justamente pela alta rentabilidade dos títulos públicos nacionais. Durante o período

analisado a taxa de juros básica da economia situou-se em patamares bastante elevados. Devido

ao fato da mesma representar um custo de oportunidade para os bancos entre conceder crédito ou

investir em títulos de dívida pública, o comportamento da taxa básica de juros influenciou a

oferta de crédito no período, visto que esses ativos oferecem elevadas taxas de juros. A taxa

básica de juros situou-se em termos nominais em 25,8% ao ano em média no período analisado.

Desta forma a taxa de juros da economia brasileira gerou uma disfunção no mercado de crédito,

isto é, os bancos preferem investir em títulos públicos, ao invés de realizar operações de crédito.

Com base em Oreiro (2005) o aumento da taxa de juros básica irá levar o banco a reduzir o

volume de crédito oferecido ás empresas, aumentando dessa forma o nível de racionamento de

crédito. Tal fato ocorre porque “um aumento da taxa básica de juros irá aumentar a rentabilidade

total dos ativos defensivos (título do governo) estimulando os bancos a aumentar a sua posição

líquida defensiva” (OREIRO, 2005, p. 129).

Sendo assim a explicação para o comportamento da oferta de crédito encontra força na medida

em que os bancos são instituições empresariais submetidas a lógica de valorização do capital,

portanto visam lucro.Para tanto, os bancos administram seus passivos e ativos objetivando maior

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rentabilidade. No caso brasileiro, aliam sua preferência por ativos líquidos com a alta

rentabilidade dos títulos públicos federais.

Os bancos, como todos os outros agentes, possuem preferência pela liquidez e expectativas em relação ao futuro, que norteiam as estratégias que traçam em sua busca incessante de valorização. [...]. Como o propósito dos bancos em se manter líquidos depende de sua consideração otimista ou pessimista sobre o estado dos negócios ao longo do ciclo econômico, é possível que, em certas circunstâncias, decidam racionar o crédito, refreando o crescimento econômico ou mesmo conduzindo à regressão da produção e do investimento. De igual modo, podem privilegiar o financiamento da circulação financeira, financiando os agentes especuladores ou suas próprias atividades especulativas. (FREITAS, 1999, p. 131).

Um fato relevante para justificar comportamento dos bancos e do crédito no período em que a

economia se estabilizava foram às medidas introduzidas pelas autoridades monetárias a fim de

minimizar o risco sistêmico e aquelas voltadas para ajustar o sistema bancário brasileiro as

exigências do Acordo da Basiléia I.

Com relação aos ajustes estruturais do sistema financeiro destacaram-se a regulamentação do

Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional

(Proer), dos Proes (Programa de Incentivo á Redução do Setor Público Estadual á Atividade

Bancária) e o redesenho das linhas de ação para reestruturar o setor financeiro, notadamente os

bancos oficiais e estaduais, destacando a implantação do processo de privatização de instituições

financeiras.

A adoção do Acordo da Basiléia com intuito de homogeneizar as regras do sistema financeiro

nacional com as regras internacionais, adequação do grau de alavancagem do patrimônio líquido

ao grau de risco da carteira transparência das demonstrações financeiras e baratear o custo de

captação no exterior alterou o comportamento dos bancos e de suas aplicações.

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A adesão do país ao Acordo ocorreu em agosto de 1994 com a Resolução nº2.099 do Bacen. Tal

Resolução estabeleceu que a alavancagem do sistema financeiro seria de 12,5 o que equivale a

8% a razão capital-ativo. A Resolução também estabeleceu classificações de risco dos ativos com

ponderação de 0%,20%,50% e 100%. Ressalta-se que os títulos públicos federais são

considerados de risco nulo e as operações de empréstimos e financiamento são consideradas de

risco normal, tendo ponderação de 100%.

Soares (2001) explica bem as conseqüências de Resolução nº2.099 do Banco Central no que se

refere à composição dos passivos e ativos dos bancos.

Em função dessa Resolução, tem-se que, para cada R$ 100,00 que os bancos apliquem em créditos, necessitam ter R$ 8,00 de capital [patrimônio líquido]. Por outro lado, para cada R$ 100,00 aplicados em títulos do governo federal, não necessitam comprometer nada do seu patrimônio. Esta é a maneira de dizer que esses ativos são considerados livres de risco e que conseqüentemente, nenhum capital seria necessário para sustentá-los (SOARES, 2001 p. 31).

O critério de ponderação zero para os financiamentos destinados ao governo federal é danoso a

performance do sistema econômico. À medida que o Banco Central considera esse critério de

ponderação para os títulos públicos, exigindo percentuais mínimos de capitalização para o

sistema financeiro, criará interesses para que desloquem recursos da atividade produtiva para o

setor público.(MALAN; MAIA, 1998, p.29). Ocorre dessa forma o deslocamento das aplicações

em créditos para o financiamento da dívida pública.

Em junho de 1997 a Resolução nº 2.399 exigiu que a razão capital-ativo aumentasse de 8%, razão

recomendada pelo Acordo da Basiléia, para 10%. Essa norma implicou na redução da capacidade

de alavancagem dos bancos de 12,5 para 10 vezes o patrimônio líquido (PL). Em novembro do

mesmo ano foi editada a Circular nº 2.784 de 27/11/1997 que elevou mais uma vez a razão

capital-ativo para 11%. Dessa forma, houve mais uma redução na capacidade de alavancagem do

sistema financeiro que foi reduzido para 9,09 vezes o PL. A partir dessas duas normas, para cada

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R$ 100,00 que os bancos apliquem em empréstimos necessitam manter não mais R$ 8,00 em

patrimônio líquido, e sim R$ 11,00.

Medidas que aumentem a necessidade de elevação do capital mínimo ponderado pelo risco agem

limitando a oferta de crédito. Caso os bancos optarem por não aumentarem seu capital, a fim de

apresentar um índice de maior lucratividade para seus acionistas, diminui o limite dos mesmos

para aplicação de crédito. Ressalta-se a exigência da razão capital/ativo de 11% se mantêm até os

dias atuais, ou seja, a alavancagem do sistema financeiro é de 9,09 vezes o PL6.

Desta forma medidas que alterem a exigência da razão capital-ativo afetam a realocação dos

recursos das aplicações bancárias favorecendo os ativos de pequena ponderação visto que com o

aumento de tal razão o setor bancário ou deve aumentar o seu capital ou deve reduzir seus ativos

considerados de risco normal, notadamente suas operações de crédito, realocando suas aplicações

para ativos de ponderação de risco zero, principalmente títulos da dívida pública federal.

Os títulos públicos federais são considerados de risco zero o que implica que o aumento da

participação dos mesmos na estrutura dos ativos das instituições financeiras não requer a

necessidade de aumento de capital em contrapartida. Sendo assim, além de apresentarem liquidez

e possuírem alta rentabilidade os títulos públicos nacionais possuem risco zero não necessitando

assim, de capital para financiá-lo.

A análise da estrutura de ativos do sistema financeiro comprova tal argumento, conforme

demonstra a Tabela 1, referente à composição dos ativos do SFN entre 1995 e 2004.

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Tabela 1 – Estrutura dos ativos do sistema financeiro nacional em % (1995 a 2004) Discriminação 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004aplicações interfinanceiras de liquidez 22,7 24,1 20,0 16,7 12,7 13,0 12,8 15,5 16,8 16,0Operações de crédito e Arrendamento Mercantil 31,7 30,4 25,4 26,4 26,0 27,0 24,4 23,7 24,7 26,5Operações de tesouraria 13,3 15,9 21,1 22,2 23,9 23,1 28,0 25,2 24,9 23,7Permanente 11,9 9,8 10,0 12,1 12,5 11,6 10,6 10,3 10,7 10,5Outros ativos* 20,4 19,8 23,4 22,5 25,0 25,3 24,1 25,2 23,0 23,3OBS : outros inclui operações cambiais,com derivativos,dentre outrosaplicações em tesouraria são aplicações financeiras de curtíssimo prazo, sobretudo com títulos públicosFonte: DEPEC - Banco Central do Brasil

Observamos que as aplicações em tesouraria, aplicações de curtíssimo prazo, apresentaram

significativa expansão no período. Em 1995 as operações em tesouraria correspondiam a 13,3%

do ativo do sistema financeiro nacional. Entretanto em 2004 as aplicações em tesouraria

correspondiam a 23,7% do total do ativo, crescimento de 10,4 pontos percentuais. Em

contrapartida a participação das aplicações em operações de crédito e arrendamento mercantil no

total do ativo do sistema financeiro diminuiu entre 1995 e 2004. No ano de 1995 as operações de

crédito e arrendamento mercantil representavam 31,7% do ativo do sistema financeiro, em 2004,

sua participação no total do ativo reduziu para 26,5%, queda de 5,2 pontos percentuais.

Observamos assim, um efeito deslocamento, pois parcela considerável das aplicações do sistema

financeiro nacional é consumida na rolagem da dívida interna, que cresceu significativamente nos

últimos anos (Figura 15).

6 A razão capital-ativo corresponde ao inverso da alavancagem

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Figura 15. Evolução da dívida líquida do setor público como proporção do PIB Fonte: Tesouro Nacional

O indicador do sistema financeiro nacional, a alavancagem das operações de crédito (número de

vezes em que as operações de crédito são superiores ao patrimônio líquido), revela uma retração

no período observado (Tabela 2), evidenciando a menor expansão das operações de crédito diante

da maior capitalização desse setor econômico. Ou seja, o comportamento do setor bancário se

manteve conservador quanto à concessão de novos empréstimos expressando a maior cautela dos

bancos.

Tabela 2 – Alavancagem das operações de crédito – razão empréstimos e financiamentos por

patrimônio líquido (1995 a 2004)

Discriminação (ano) 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004

Sistema financeiro nacional 6,7 4,4 4,5 3,4 3 3,3 2,7 2,6 2,3 2,5Fonte: DEPEC - Banco Central

Em suma, o grande fator determinante para a retração dos saldos das operações de crédito na

economia brasileira se deve a postura conservadora do sistema financeiro nacional que privilegia

as aplicações em títulos da dívida federal à concessão de crédito dado que aqueles são ativos que

possuem propriedades bastantes atrativas quais sejam liquidez, rentabilidade e segurança. Essa

010203040506070

jul/94

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jul/04%

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alta liquidez, inclusive, favorece rápidas mudanças de posição em função de alterações do grau

de risco e da rentabilidade dos ativos concorrentes.

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6 CONCLUSÕES

Durante o período de alta inflação o sistema financeiro brasileiro adaptou tanto sua estrutura

patrimonial quanto sua estratégia visando explorar as oportunidades do ganho inflacionário.

No ambiente de alta inflação as receitas com a inflação se caracterizaram como as principais

fontes de recursos para o setor bancário brasileiro.

Com a introdução do Plano Real e, consequentemente, a estabilização monetária, esperava-se

que a oferta de crédito na economia fosse aumentar. Argumento este, justificado pelo fato dos

bancos ao perderem sua principal fonte de receita tenderiam a buscar novas fontes de recursos

e essa seria a ampliação da oferta de crédito em suas operações ativas.

A análise do comportamento temporal da oferta de crédito, em termos reais, na economia

brasileira contradiz tal argumento. A análise da evolução dos saldos das operações de crédito

no período 1995-2004 nos mostra que a mesma apresentou uma tendência decrescente, ou

seja, o aumento dos preços superou o aumento dos saldos das operações de crédito.

Uma importante constatação foi a evolução ascendente dos saldos das operações de crédito

concedidos às pessoas físicas. Esse comportamento reforça o argumento de que o sistema

financeiro nacional opera na lógica de curto prazo, explorando as oportunidades de obter

maiores lucros, visto as altas taxas de juros cobradas nas operações de crédito destinadas a este

segmento, cuja característica é se tratar de operações de curto prazo.

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Destaca-se também que a redução da participação do sistema financeiro público na concessão

de créditos não foi acompanhada pela maior participação do sistema financeiro privado, apesar

do patrimônio líquido do mesmo ter aumentado durante o período.

Esse comportamento é justificado com base nas estratégias e postura do setor bancário no

período analisado. Com base no referencial teórico pós-keynesiano da firma bancária, os

bancos têm preferência pela liquidez tendendo assim, a privilegiar as operações de tesouraria

em detrimento as operações de crédito. Deste modo o setor bancário conforma seu portifólio

de acordo com o trade-off liquidez e rentabilidade.

Ressalta-se que no período analisado apesar de ter havido uma estabilidade monetária,

controle inflacionário, não houve estabilidade econômica. No período houve algumas

conturbações conjunturais que criaram um ambiente de incerteza levando os bancos a

reforçarem sua posição conservadora privilegiando as operações com títulos públicos. No caso

brasileiro a preferência natural dos bancos por operações de tesouraria é reforçada pela alta

rentabilidade dos títulos da dívida pública que rendem juros reais elevados e são considerados

de risco zero. Desta forma a elevada taxa de juros básica da economia brasileira gerou uma

disfunção no mercado de crédito, isto é, os bancos preferem investir em títulos públicos, ao

invés de emprestar para o público, perdendo assim uma de suas principais funções numa

economia monetária que é o financiamento do dispêndio produtivo.

Nestas circunstâncias a potencialidade de expansão da economia brasileira torna-se limitada

pela restrição de financiamento, sobretudo aos setores produtivos, visto que os bancos têm

papel central no estabelecimento das condições de financiamento na economia.

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Assim se faz necessário a adoção de medidas que aumente o volume de crédito na economia

brasileira e direcione os para os setores produtivos.

A condição necessária para alavancar as operações de crédito é a redução das taxas de juros,

embora não suficiente, visto que essas são bastante elevadas e impossibilitam o investimento

produtivo além de causar um deslocamento das aplicações dos bancos para os títulos públicos.

É necessária tambémm, adoção de medidas que limitem as aplicações em títulos públicos

federais a fim de evitar o deslocamento de parcela significativa das aplicações do sistema

financeiro em títulos da dívida. Ressalta-se que isso requer também uma redução do giro da

dívida pública concomitantemente à sua rentabilidade.

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REFERÊNCIAS BANCO CENTRAL DO BRASIL. Organização do sistema financeiro nacional: sua criação, evolução e estágio atual. Dezembro, 1993, mimeo. __________. Programa de redução da participação do setor público estadual na atividade bancária. Julho, 1998a, mimeo.

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