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INTRODUÇÃO

O direito de votar e de ser votado são instrumentos da democracia, no Estado

Democrático de Direito. As inelegibilidades, nesse sentido, devem ser utilizadas como forma

de assegurar a lisura nas eleições, bem como impedir os abusos de autoridade e do poder

econômico, corrupção ou fraude, entendendo-se estas como medidas necessárias a garantir

uma maior legitimidade e moralidade no processo eleitoral. Diante disso, a vedação ao

analfabeto contida no art.14 § 4º da CRFB/1988, não é vista como medida necessária, idônea

ou mesmo relevante a garantir a proteção do processo eleitoral, e sim, uma forma de

discriminação àqueles, que por motivos variados, não tiveram a oportunidade de aprender as

habilidades da leitura e da escrita. Dessa forma, o presente trabalho, tem como finalidade,

demonstrar que a inelegibilidade prevista no art. 14, § 4º da CRFB/1988, é uma afronta aos

princípios basilares do Estado Democrático de Direito, bem como, desconstruir o argumento

de que o analfabeto é intelectualmente incapaz de exercer cargo eletivo, demonstrando que

em um país com milhões de analfabetos, o impedimento ao exercício dos direitos políticos

passivos é uma limitação a própria cidadania.

O método de abordagem deste trabalho será o dedutivo e a metodologia que será

empregada será a pesquisa bibliográfica de fontes primárias, sendo elas livros, revistas,

doutrinas, artigos científicos, jurisprudência, legislação e internet. O trabalho está estruturado

em três capítulos; no primeiro, aborda uma breve evolução histórica dos direitos políticos do

analfabeto na legislação brasileira, tendo como condão o estudo dos direitos políticos do

analfabeto no Brasil – Colônia, no Império, e durante o período republicano, onde será

analisada todas as constituições e legislação eleitoral pertinente, até a CRFB/1988; no

segundo capítulo, será estudado o conceito de analfabetismo, suas classificações, e também a

dos direitos políticos; e finalmente no terceiro capítulo, veremos o alcance da norma

constitucional contida no art.14 § 4º da CRFB/1988, o exame da condição de alfabetizado, a

inelegibilidade do analfabeto e a colisão entre princípios constitucionais no Estado

Democrático de Direito, bem como, a justificativa para a inelegibilidade do analfabeto.

Essa é uma questão bastante controvertida em que não existe consenso entre os

aplicadores do direito, nem na doutrina moderna, porém, não se pode fugir do debate diante

da grande relevância do tema, haja vista que o consentimento dos direitos políticos passivos

aos analfabetos visa reparar uma histórica violação dos direitos políticos destes, concedendo-

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os, assim, a participar efetivamente das decisões políticas do país, o que vem a colaborar para

o resgate da cidadania plena e o aperfeiçoamento do Estado Democrático de Direito.

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I-BREVE EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS POLÍTICOS DO ANALFABETO

NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

1.1 Os direitos políticos do analfabeto no Brasil – Colônia.

A partir de 1530, Portugal com a intenção de colonizar o Brasil, para assim

assegurar o território de outras nações européias, fundou as primeiras vilas, como por

exemplo, a vila de São Vicente e Piratininga, ambas fundadas em 1932, cuja administração

passou a ser exercida por representantes locais, que iniciaram a tradição do voto, ou seja,

segundo Manoel Rodrigues Ferreira, “a história do povo, como ser político, achava-se na

história das repúblicas das vilas e cidades” (FERREIRA, 2005, p.27)

Para Ferreira, era nas vilas e cidades que “a gente do Brasil exercitava o seu poder

político elegendo e sendo eleita para cargos da sua República”. ( FERREIRA, 2005, p.28)

Portugal apesar de ter como forma de governo a monarquia, as vilas e cidades

adotavam como forma de governo a república, ou seja, o Estado Nação denominado de Reino

de Portugal era governado por uma Monarquia (no plano nacional) e pelas repúblicas (nas

vilas e cidades).

Contudo, havia uma única legislação conhecida como “Ordenação do Reino” que

estabelecia a organização política desses dois Estados (Monarquia e República). Assim, as

eleições para os cargos das repúblicas das vilas e das cidades (tanto na metrópole como em

suas colônias) eram regidas pelo Código Eleitoral da Ordenação do Reino, ou seja, era o

sistema jurídico que existia em Portugal e que vigorou durante todo o período colonial no

Brasil. As Ordenações do Reais, mais importantes para o Brasil, nesse período, foram as

Ordenações Manuelinas de 1521 e as Ordenações Filipinas, que foram elaboradas durante o

reinado de Filipe I, em 1595, contudo, somente no governo de Filipe II, em 1603, é que foram

efetivamente colocadas em vigor em Portugal e em suas colônias.

As Ordenações do Reino, que vigoraram no Brasil-Colônia, mormente, as

Ordenações Manuelinas e as Filipinas, regulamentavam como deveria ser aplicado o processo

eleitoral nas vilas, essa legislação de Portugal, não proibia o direito de voto aos analfabetos

nem mesmo, proibia a estes, de ocuparem os cargos públicos nas Câmaras Municipais.

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Contudo, apesar de ser garantido o voto a todos moradores das vilas e cidades,

somente a nobreza destas, ou seja, os denominados “homens bons”1, é que podiam ser

votados, assim ensina Manoel Rodrigues Ferreira:

[...]O concelho cujo mandato estava terminando, e por ser ele o terceiro, convocava eleições por meio de editais, convocando todos os cidadãos, homens bons e republicanos, para a eleição que seria realizada num determinado dia de dezembro. A denominação cidadãos significava o povo todo, ou melhor, a “Gente mecânica” ou os “Oficiais mecânicos”, que era a plebe que tinha o direito de votar, mas não de ser votada. Só podiam ser votados os que pertenciam à nobreza das vilas e cidades, ou seja, os denominados homens bons que recebiam também a denominação de republicanos. Os editais da Câmara Municipal de São Paulo usavam tanto uma como outra denominação, indiferentemente. Portanto, o sufrágio era universal, não havia qualificação prévia de eleitores, e nem restrições ao seu exercício. (FERREIRA, 2005, p.30)

Os cidadãos, como demonstra o autor citado acima, era a maioria da população, ou

seja, era o povo comum, e somente podiam votar, sendo-lhes negado o direito de ser votado.A

restrição imposta aos analfabetos, era de ordem político-econômica, e não intelectual, visava a

concentração do poder local nas mãos de uma minoria branca e abastada.

O voto não era direto, ou seja, a população do Brasil-colônia não votava

diretamente nos candidatos aos cargos eletivos. Nessa fase, não era necessário demonstrar

renda, contudo, os “homens bons” e o povo eram votantes de primeiro grau e indicavam o

nome de seis pessoas capacitadas para serem eleitores de segundo grau, tendo estes, a

incumbência de votar diretamente nos candidatos a cargos eletivos. Embora votassem

indiretamente e fosse facultativo, o voto não era universal e o eleitorado das câmaras de

primeiro grau era bastante restrito.

Nesse sentido, entende Victor Nunes Leal :

[...] não se tratava, como é fácil imaginar, de sufrágio universal. Ao contrário o eleitorado de primeiro grau das câmaras era bastante restrito, pois geralmente se consideravam homens bons os que já haviam ocupado cargos da municipalidade, ou costumavam a andar na governança da terra.[...] (LEAL, 1977)

Do voto, como já dito antes, não era excluído o analfabeto, mesmo porque, no

Brasil- colônia, mais da metade da população brasileira era constituída de pessoas que não

sabiam ler e escrever. Essa situação, também era a realidade de uma grande parcela de

colonos, que apesar de possuírem condições econômicas, não sabiam ler e escrever o que

tornava-os analfabetos, contudo, não os impediam de participar do sufrágio.

1 “homens bons” abrangiam os nobres de linhagem e seus descendentes; os senhores de engenho, a alta burocracia civil e militar e seus descendentes.

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De acordo com o Walter Costa Porto, as Ordenações Filipinas que regulava o

processo eleitoral na colônia, no período de sua vigência, determinava expressamente que

“não sabendo os eleitores escrever, ser-lhe-á dado um homem bom, que com eles escreva com

juramento, que não descubra o segredo da eleição. (PORTO, 2002, p.15)

Dessa forma, no Brasil – colônia, os analfabetos não eram impedidos de participar

do processo eleitoral, haja vista a previsão nas Ordenações Filipinas, de um “homem bom”

para ajudá-lo a exercer o direito ao voto.

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1.2 Os direitos políticos do analfabeto durante o Império.

Logo após a Independência do Brasil, foi instalada, em 03 de março de 1823, a

Assembléia Constituinte. Entre outros assuntos, o anteprojeto da Constituição de 12 de

novembro, daquele ano, restringia os direitos políticos aos indivíduos com renda anual

superior ao valor de 150 alqueires de farinha de mandioca. Mas, esta Assembléia Constituinte

foi dissolvida por D. Pedro I, uma vez que não ficou satisfeito com a tentativa de limitação de

seus poderes, e em seguida, nomeou o Conselho de Estado para organizar a 1ª Constituição do

Brasil, finalmente outorgada no dia 25 de março de 1824.

A primeira constituição brasileira instituiu o voto censitário, ou seja, os eleitores

eram selecionados de acordo com a renda anual, que de acordo com Walter Costa Porto, “era

exigido a renda de 100$000 para votante e de 200$000 para o eleitor”2. (PORTO, 2002, p.15)

O processo eleitoral era indireto e era realizado em dois turnos: eleições primárias,

para a formação de um colégio eleitoral que, nas eleições secundárias, elegeria os senadores,

deputados e membros do Conselho da Província.

Em 1828, foi criada a primeira legislação infraconstitucional, que viria a

regulamentar todo o processo eleitoral, pós-constituição de 1824, nestes termos comenta

Manoel Rodrigues Ferreira:

[...]Com a primeira Constituição Política do Império (1824), foram baixadas Instruções para a eleição dos deputados à assembléia simplesmente legislativa e aos conselhos provinciais. Era a Lei Eleitoral de 26 de março de 1824. Essa lei eleitoral não alcançava as câmaras municipais, pois a referida Constituição estabelecia, em seu art. 169, que uma lei regulamentar sobre a organização dos governos locais, inclusive a sua eleição, seria decretada posteriormente. Nessas condições, enquanto não foi decretada a lei eleitoral para a eleição dos governos municipais, as Ordenações continuaram em uso. Assim, até 1828, as Ordenações constituíram o Código Eleitoral das câmaras municipais. Em 1° de outubro de 1828, foi decretada a esperada lei, que dava nova forma aos municípios, estabelecendo normas para a eleição de vereadores. (FERREIRA,2005)

Em 1o de outubro de 1928, foi decretada a primeira lei eleitoral estabelecendo

diversas inovações, como a eleição direta de um só grau. Até essa data, todas as leis eleitorais

adotadas no Brasil exigiam a eleição indireta. Assim, a eleição direta passa a ser realidade no

Brasil. O local da eleição não era estabelecido, ficando os seus encarregados com a faculdade

2 A expressão votante, para caracterizar o eleitor de primeiro grau, viria somente com o decreto 157, de 04 de maio de 1842. Mas já as discussões no parlamento e nos relatos de imprensa se utilizavam largamente as denominações votantes e eleitores para definir os atores da cena eleitoral. Porto,Walter Costa, O voto no Brasil, Rio de Janeiro,2002 p. 45.

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de o designar. A mesa era formada como estabeleciam as Instruções de 26 de março de 1824,

para a eleição de senadores, deputados e conselhos provinciais. O eleitor podia ser analfabeto,

a lei anterior (26.03.1824) exigia que o eleitor, ao votar, assinasse a sua cédula, silenciando

sobre a eventualidade de que ele era analfabeto, donde se concluía que ele podia levar a

cédula assinada.

Segundo Manoel Rodrigues ferreira:

[...]Essa lei de que estamos tratando permitia que o eleitor fosse analfabeto, mas o sinal (uma cruz), que ele poderia fazer, é substituído pela assinatura de uma pessoa que assinasse a seu rogo. O eleitor entregava ao presidente da mesa duas cédulas: uma, com os nomes dos cidadãos em quem votava para vereadores; e outra, com dois nomes, um para juiz de paz e outro para suplente. Ambas as cédulas eram, no verso, assinadas pelo eleitor ou por outra pessoa a seu rogo. Os eleitores que não pudessem comparecer, por impedimento grave, mandariam seus votos, em carta fechada, ao presidente da assembléia, “declarando o motivo por que não comparecem”.(grifo nosso) (FERREIRA,2005)

Em 19 de agosto de 1846, foi assinado pelo Imperador D. Pedro I, a nova lei

eleitoral do Império. Ficavam por conseqüência, revogados todas as leis e disposições

anteriores que tratavam da matéria eleitoral. A eleição, por esta nova lei, continuaria,

entretanto, a ser indireta, em dois graus; os eleitores do primeiro grau elegiam os do segundo

grau, que por sua vez iriam eleger os senadores, deputados e membros das assembléias

legislativas provinciais. Esta Lei de 19 de agosto de 1846, além da eleição desses

representantes, também dava instrução sobre a eleição das autoridades municipais, isto, é

juizes de paz e câmaras municipais.

Como todas as leis anteriores, a de 19 de agosto de 1846 estabelecia também as

restrições do voto, mas nada dizia sobre os analfabetos, segundo Ferreira:

[...]O art. 51 rezava: “Os votantes (do 1° grau) não serão obrigados a assinar suas cédulas (...)”. Isto fazia subentender que os analfabetos poderiam ser eleitores (de 1° grau). A fim de dirimir as dúvidas, o presidente da Província de Santa Catarina oficiou ao imperador, em data de 24 de outubro de 1846, perguntando “se os que não sabem ler e escrever podem ser votados para eleitores de paróquia”.(...)Segundo Manoel Rodrigues Ferreira, o imperador submeteu a consulta ao Conselho de Estado dos Negócios do Império, o qual resolveu favoravelmente. E, em 26 de novembro de 1846, respondendo ao presidente da Província de Santa Catarina, o imperador “Há por bem, declarar: que podem ser votantes e elegíveis os que não sabem ler e escrever, pois que os não excluem os artigos 91 e 92 da Constituição, nem os artigos 17, 18 e 53 da lei regulamentar das eleições” (Lei de 19 de agosto de 1846). Assim, ficava dirimida a dúvida: os analfabetos (que tivessem direito a voto) podiam votar e ser votados nas eleições municipais. (FERREIRA, 2005p. 255)

Com eventuais modificações, de pouco significado prático, o “voto censitário”

permanece em vigor durante todo o Império. Pode-se perceber que para ter direito a participar

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do processo eleitoral, era preciso apenas comprovar renda e ser católico, o que se observa que

a restrição ao sufrágio era apenas de ordem econômica, não havendo assim, restrição quanto a

participação do analfabeto que abrangia grande parte da população do período imperial.

Contudo, tal situação pendurou até 1881, onde por meio da chamada “Lei Saraiva” modificou

o processo eleitoral que culminou com a proibição do direito de voto aos analfabetos.

Em 1880, o Deputado Rui Barbosa, da Bahia, redigiu, a pedido do presidente do

Conselho de Ministros, José Antônio Saraiva, o projeto de lei de reforma eleitoral. Aprovado

pelo Senado, em janeiro do ano seguinte seria transformado no Decreto nº 3.029 e ficaria

popularmente conhecido como Lei Saraiva ou Lei do Censo.

A lei saraiva é um marco para a legislação eleitoral brasileira, na medida em que

modificou o processo eleitoral anterior – resquício oriundo da influência da Constituição

espanhola de 1812 – avançando ao mesmo tempo, retroagindo, em alguns aspectos,

mormente, no que tange aos direitos políticos dos analfabetos. Entre as diversas mudanças

que foram promovidas com a reforma eleitoral destacam-se: a separação da igreja e do estado

na realização do processo eleitoral3, opção pelo formato direto e distrital; alterações

concernentes ao direito de votar, passando a ter direito os estrangeiros naturalizados e os

acatólicos, perdendo os direitos políticos a maioria da população, excluída principalmente por

dois aspectos da lei: a eliminação dos analfabetos e questões referentes ao censo, tanto em seu

valor, que sofreu certa elevação, quanto em sua comprovação que se tornou mais criteriosa.

Antes da reforma eleitoral de 1881, o corpo de votantes, era composto, em sua

maioria, por trabalhadores livres e pobres, e em quase sua totalidade, eram considerados

analfabetos. Estruturados em meio a política do clientelismo, serviam de massa de manobra

para a elite oligárquica na realização dos interesses eleitorais destes, que por conseqüência,

permitiam diversos tipos de fraudes que viciavam todo o processo eleitoral.

Assim, segundo José Murilo de Carvalho, em 1881, um Biólogo francês que

ensinava no Rio de Janeiro, Luis Couty, publicou um livro intitulado “A escravidão no

Brasil”, em que fazia, uma afirmação radical sobre a população brasileira;

[...]O Brasil não tem povo”. Dos 12 milhões de habitantes, existentes na época, ele separava, um extremo, 2 milhões em meio a índios e escravos, que classificava como excluídos da sociedade política.No outro extremo, colocava 200 mil proprietários e profissionais liberais que constituíam a classe dirigente. No meio ficavam 6 milhões que, segundo ele, “nascem, vegetam e morrem sem ter servido o

3 Os trabalhos eleitorais, não seriam mais com o advento desta lei, precedido de cerimônias religiosas, como antes, refletindo a relação entre Estado e Igreja. Com a nova lei, o sufrágio somente será realizado em prédios públicos, não mais em templos religiosos.Porto,Walter Costa, ob. citada.p.33.

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país”.Não havia em lugar algum, é ainda Couty quem fala, massas organizadas de produtores livres, “massas de eleitores sabendo pensar e votar capazes de impor ao governo uma direção definida”.(CARVALHO, 2010,p.64)

Diferentemente da tendência liberal mundial de ampliação do eleitorado e até do

sufrágio universal, o Brasil restringia o seu eleitorado, excluindo uma grande massa de

cidadãos do direito ao sufrágio por meio do voto censitário e pela perda dos direitos políticos

dos analfabetos.

Apesar da eleição direta, segundo José Antônio Saraiva, ter por objetivo alargar as

bases em que se assenta o poder legislativo, entrementes, Maria D Alva Kinzo, entende que:

[...]"caminhou mais no sentido de restringir do que alargar" essas bases, uma vez que manteve o voto censitário, isto é: não só conservava, mas elevava para 200 mil réis a restrição para se adquirir o direito de voto. Isso reduziu drasticamente o contingente eleitoral brasileiro, passando de 1.114.066 indivíduos em 1874 (12% da população) para 145.296 (1,5% da população). (KINZO, 1980, P.105)

A comprovação da renda, era extremamente rígida, o que fazia com que fosse o

real obstáculo ao exercício do voto, haja vista que não bastava ser alfabetizado e ter renda

suficiente para participar do processo eleitoral, era preciso o eleitor comprovar este último,

mediante um procedimento rigoroso que dificultava e até mesmo o impedia de participar do

sufrágio.

[...]No atendimento a uma precisa e complicada lista de documentos que precisavam ser apresentados para que o cidadão comprovasse sua renda anual. Naquela época, quase todos os homens adultos poderiam ter uma renda anual de 200 mil réis – mas poucos poderiam comprová-la. (GRAHAM, 1981, p.87)

Para Graham, a Lei Saraiva, tinha como propósito de ampliar “o controle exercido

por uma pequena classe dominante e impedir que a grande massa do povo realmente

exercesse o poder”. (GRAHAM, 1981, p.87)

Como decorrência da necessidade do voto direto e do Censo, em virtude das

transformações políticas e econômica do final do século XIX, a restrição dos direitos políticos

do analfabeto também surgiu como forma de restringir o eleitorado e assim, concentrar o

poder nas mãos de uma minoria branca e abastada. Os votantes de primeiro grau, constituída

como já dito, em sua maioria, pela classe menos abastada, não tinha a consciência do dever

cívico do direito ao voto, fato que gerava uma ojeriza por parte da elite, que, preconceituosa,

taxava-os de ignorantes e os culpavam pelos malogros eleitorais e ineficiência do sistema

eleitoral vigente.

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Na descrição de um político conservador da época ilustra bem a idéia que as

classes mais ricas e instruídas tinham dos votantes pobres:

[...] A máxima parte dos votantes da eleição primária não tem consciência do direito que exercem, não vão a urna sem solicitação, ou, o que é pior, sem constrangimento ou paga, o votante é a turbamulta,ignorante, desconhecida e dependente.O votante é, por via de regra, analfabeto; não lê, nem pode ler jornais, não freqüenta clubes, nem concorre a meeting, que os não há; de política, só sabe de seu voto, que ou pertence ao senhor Fulano de tal por dever ou dependência( algumas vezes também por gratidão) ou a quem lhe paga por melhor preço,ou lhe dá um cavalo ou roupa a titulo de ir votar na freguesia. (GRAHAM, 198, p.88)

Com isso, entendia a elite dominante intelectual, que a massa da população,

constituída de maioria pobre e analfabeta, com a reforma eleitoral, não deveriam ter direito ao

voto, muito menos de ser votado, posto serem ignorantes e manipuláveis, não tendo estes a

consciência da importância do direito ao voto.

Tal entendimento fortaleceu, também, com a possibilidade da abolição da

escravatura ser uma realidade presente, em vista da promulgação da Lei do Ventre Livre em

28 de setembro de 1871, assinada pela princesa Isabel, considerando livre todos os filhos de

mulheres escravas nascidos a partir da data da mencionada lei. Assim, com a possível

abolição da escravatura, que viria em 1888, com a chamada Lei Áurea, haveria a necessidade

de se restringir o eleitorado para impedir que escravos venham a ter direito de participar da

vida política do país. Como, em sua maioria, os escravos não sabiam ler e escrever, a reforma

eleitoral que impediria o direito ao voto aos analfabetos (em sentido amplo), viria então,

conseqüentemente, também, assegurar o impedimento destes de participar do processo

eleitoral.

A lei Saraiva proibiu o sufrágio aos analfabetos, mas somente para o futuro (em

1882), chamado senso literário, no primeiro alistamento4, qualquer cidadão poderia ser

incluído no processo eleitoral, mesmo sendo analfabeto, dede que assim o requeresse. Os

títulos eleitorais5, segundo Porto, eram entregues aos próprios eleitores, que assinavam á

margem, perante o Juiz e, em livro especial, passariam recibo, com sua assinatura. Mas era

4 A reforma eleitoral de 1881, previa o alistamento anual de eleitores, que se haveriam de produzir no primeiro dia útil do mês de setembro de 1882 e “de então em diante,todos os anos em igual dia.Porto,Walter Costa, O voto no Brasil,Rio de janeiro,202.5 A reforma eleitoral, em uma iniciativa inovadora, criou a identificação do eleitor por meio de título, em substituição ao de qualificação, fixado em 1875, com número e data de alistamento. Nele,constavam além da assinatura do juiz de direito do local de alistamento, dados pessoais como nome,idade, filiação,estado natal, profissão, domicilio e renda. Fernando Kitzinger Dannemann,fonte:TSE.Disponível em: http://www.fernando dannemann.recantodasletras.com.br/visualizar.php?idt=2561398 Acesso em:16/07/2011.

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admitido: “a assinar pelo eleitor que não souber ler ou não puder escrever, outro por ele

indicado” (PORTO, 2002, p.106).

Contudo, prossegue o mesmo autor:

[...]Mas, nas revisões do alistamento geral, que se haviam de produzir, no primeiro dia útil do mês de setembro de 1882 e,“ de então em diante todos os anos de igual dia” somente iriam incluídos os cidadãos que requeressem provando ter as qualidades do eleitor, de conformidade com a lei, e soubessem “ler e escrever”. (PORTO,2002,p.106)

Neste sentido, a partir de 1882, pela primeira vez na história eleitoral brasileira, os

analfabetos iriam ser excluídos do sufrágio, que por conseqüência, acabou reduzindo ainda

mais o eleitorado, ou seja, “somente 15% da população era alfabetizada, ou 20%, se

consideramos somente a população masculina. De imediato, 80% da população masculina era

excluída do direito de voto”. (CARVALHO, 2010, p.39)

Carvalho demonstra a conseqüência da proibição do direto de voto aos

analfabetos pela reforma eleitoral de 1881, estabelecendo que:

[...] As conseqüências logo se refletiram nas estatísticas eleitorais.Em 1872, havia mais de 1 milhão de votantes, correspondentes a 13% da população livre. Em 1886, votaram nas eleições parlamentares pouco mais de 100 mil eleitores, ou 0,8% da população total. Houve um corte de quase 90% do eleitorado. (CARVALHO,2010, p.39)

Como se pode observar, com a reforma eleitoral de 1881, milhões de brasileiros

perderam o direito de participar da vida política do país, foram excluídos do sufrágio, o poder

acabou concentrando nas mãos de uma minoria rica, que passou a determinar os rumos da

política nacional de acordo com os seus interesses particulares, afastando a maioria da

população considerada pobre e analfabeta o direito do voto. Contudo, não foi reclamada pela

maioria da população que sequer tinha a consciência para que serviam esses direitos, haja

vista, que nunca os exerceram, nisso, não mudou em nada a vida destes, e por isso,

continuaram alheios as mudanças ocorridas no cenário político, ou seja, continuaram

conformados com a condição que lhes eram impostas pela minoria branca e abastada.

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1.2 Os direitos políticos do analfabeto durante o período republicano

Com o início do período republicano, no dia 08 de fevereiro de 1890, o chefe do

governo provisório, Marechal Deodoro da Fonseca, determinou para a eleição dos deputados

à Assembléia Nacional Constituinte, que se observassem as instruções constantes no decreto

que recebeu o número de 200-A6. Esse decreto, regulamentava como deveria ser feito o

alistamento eleitoral, bem como, estabelecia aqueles que podiam e não podiam votar:

Art. 4° São eleitores, e têm voto em eleições: I — todos os cidadãos brasileiros natos, no gozo dos seus direitos civis e políticos, que souberem ler e escrever; II — todos os cidadãos brasileiros declarados tais pela naturalização; III — todos os cidadãos brasileiros declarados tais pela grande naturalização.Art. 5° São excluídos de votar: I — os menores de vinte e um anos, com exceção dos casados, dos oficiais militares, dos bacharéis formados e doutores e dos clérigos de ordens sacras; II — os filhos-famílias, não sendo como tais considerados os maiores de vinte e um anos, ainda que em companhia do pai; III — as praças de pré do exército, da armada e dos corpos policiais, com exceção das reformadas. (DEPUTADOS, Câmara. Decreto 200-A. Disponível em: http://www 2.camara.gov.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-200-a-8-fevereiro-1890-51631 3-publicacaooriginal-1-pe.html, acesso em 15.08.2011)

Como se pode observar, o decreto 200-A, embora considere eleitores aqueles que

saibam ler e escrever, não proibia expressamente, o direito de voto aos analfabetos, assim, o

art. 60 do mesmo diploma dizia: “Os cidadãos atualmente alistados eleitores, em virtude da lei

de 09 de janeiro de 1881, serão incluídos ex officio no alistamento eleitoral pelas comissões

distritais e municipais [...]”.7 Essa previsão, possibilitava aos analfabetos, que foram

qualificados pela “Lei Saraiva, no primeiro alistamento, a exercerem o direito ao voto,

contudo, aqueles analfabetos que fossem alistar-se pelo Decreto no 200-A, não poderiam ser

eleitores, neste sentido, Manoel Rodrigues Ferreira, dispõe:

[...]Logo, poderiam ser eleitores os analfabetos qualificados pela Lei Saraiva, de 1881. É fácil verificar que havia uma certa contradição: os analfabetos alistados pela Lei Saraiva podiam votar. Os que fossem alistar-se pelo Decreto n° 200-A, art. 4°, se fossem analfabetos, não poderiam ser eleitores. (A 12 de maio de 1890, o Governo Provisório decidiu que a interpretação correta era essa mesma). O artigo 79 do Decreto n° 200-A dispunha: “O trabalho eleitoral prefere a qualquer outro serviço público”. E assim finalizava esse decreto, que cuidava unicamente da qualificação eleitoral. (FERREIRA, 2005)

6 Decreto 200-A, regulamento eleitoral organizado por Aristides da Silveira Lobo, Ministro dos negócios do interior, de 08 de fevereiro de 1890, tratava do alistamento eleitoral da recém criada República dos Estados Unidos do Brasil7 DEPUTADOS, Câmara. Decreto 200-A. Disponível em: http://www 2.camara.gov.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-200-a-8-fevereiro-1890-51631 3-publicacaooriginal-1-pe.html, acesso em 15.08.2011

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A primeira inovação eleitoral trazida pela Republica, através da Constituição dos

Estados Unidos do Brasil de 1891(CEUB/1891), foi a eliminação do “censo pecuniário”: o

decreto no. 6, de 19 de novembro de 1889, considerava eleitores, para as câmaras gerais,

provinciais e municipais, todos os cidadãos brasileiros no gozo de seus direitos civis e

políticos. Mantinha-se entretanto, o “Censo Literário”, votando, somente, os que soubessem

ler e escrever.

A CEUB/1891, no título IV, estabelecia em seu art. 70, §10, a proibição expressa

aos analfabetos, dispondo que: “não podem alistar-se eleitores para as eleições federais ou

para as dos Estados: 1º)[...]; 2º) os analfabetos; [...]” (grifo não original)

A perda dos direitos políticos dos analfabetos pela reforma eleitoral de 1881,

estendeu-se durante todo o período compreendido como primeira republica, como o voto era

restrito, apenas uma pequena parte da população votava, e mesmo assim, poucos

compareciam para o sufrágio, isso se justifica não somente pelo fato de ser proibido o voto

aos analfabetos, como demonstra Nicolau, e sim pela,

taxa de analfabetismo da população adulta era de mais de 50%: 65% (1900), 65%(1920) e 60%(1930),” ou mesmo pelos demais excluídos no art. 70, §1o da constituição de 1891, mas sim também, pela restrição ao direito de voto as mulheres, e, além disso, “o alistamento e o voto não eram obrigatórios” .(NICOLAU, 2002,p.36)

A CEUB/1891, em seu art. 70, §10, excluiu, expressamente, os direitos políticos

ativos e passivos aos analfabetos, impedindo-os de exercer o direito ao sufrágio durante toda a

chamada república velha, nisso, “se a renda e a religião caíram como obstáculo ao exercício

eleitoral agora se impunha como restrição o não - ter acesso as letras”. (CURY, 2001, p.191)

Com a Revolução de 1930, a estrutura do coronelismo da republica velha, que

favorecia as constantes fraudes que viciavam todo o processo eleitoral, começou a ruir,

Getúlio Vargas, então chefe do governo provisório, nomeou interventores nos estados e

promoveu uma designação de uma subcomissão para propor alterações no processo eleitoral.

Depois de um longo período de discussão e consulta a juristas, o trabalho da

comissão resultou no código eleitoral Brasileiro de 1932 (CE/1932) que introduziu uma série

de importantes modificações na vida eleitoral brasileira. Dentre as principais mudanças

destacam-se: o direito de voto as mulheres, título eleitoral com fotografia (para evitar fraudes

e identificar o eleitor), voto secreto com sobrecarta8, criação da Justiça Eleitoral (que ficou

com a responsabilidade de organizar o alistamento, as eleições, a apuração dos votos, o

8 A sobrecarta era um envelope uniforme e opaca, numerada e rubricada pelos membros da mesa eleitoral. Nicolau,Jairo, A historia do voto no Brasil,Ed.Zahar,Rio de Janeiro.2002.p.38

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reconhecimento e a proclamação dos eleitos). Ratificou ainda, o código eleitoral brasileiro de

1932, em seu art. 4o, alínea “b”, a perda dos direitos políticos do analfabeto, estabelecendo

que “Não podem alistar-se como eleitores: a) [...]; b) os analfabetos; [...]”; (grifo não

original)

Dessa forma, o primeiro código eleitoral do período republicano no Brasil, fez

previsão expressa em seu texto, com algumas alterações, os mesmos impedimentos ao

exercício do voto que constavam na própria constituição de 1891, permanecendo assim, o

impedimento do analfabeto de exercer os direitos políticos ativos e passivos.

Em 16 de julho de 1934, foi promulgada a nova Constituição dos Estados Unidos

do Brasil de 1934 (CEUB/1934). Em termos gerais, essa nova carta ainda preservava alguns

pontos anteriormente lançados pela constituição de 1891. Entre muitos itens foram

respeitados o princípio federalista que mantinha a nação como uma República Federativa; o

uso de eleições diretas para escolha dos membros dos poderes Executivo e Legislativo; e a

separação dos poderes em Executivo, Legislativo e Judiciário.

A CEUB/1934, observando as restrições ao sufrágio, previsto no código eleitoral

de 1932, proibiu, de forma expressa, o voto aos analfabetos em seu título III, capítulo I, art.

108, parágrafo único, dispondo que: “Não se podem alistar eleitores: a) os que não saibam

ler e escrever; [...]” (grifo não original)

Como se pode observar, foi mantida a exclusão dos direitos políticos dos

analfabetos, na CEUB/1934, e não poderiam, com a entrada em vigor da presente

constituição, votar e nem serem votados no processo eleitoral, tendo em vista que não são

alistáveis e em virtude disso, também são inelegíveis.

A CEUB/1934, pela primeira vez, com o objetivo de evitar os altos índices de não

comparecimento dos eleitores nas eleições, instituiu a obrigatoriedade do alistamento e do

voto, estando previsto no art.109 do mesmo diploma que: “O alistamento e o voto são

obrigatórios para os homens e para as mulheres, quando estas exerçam função pública

remunerada, sob as sanções e salvas as exceções que a lei determinar”. (CREUB/1934, art.

109)

Nisso, o legislador de 1934, não satisfeito em retirar a cidadania plena dos

analfabetos, passou agora a obrigar aos alfabetizados a exercê-la, através da obrigatoriedade

do voto, sob as penas da lei.

Com o golpe de 10 de novembro de 1937, conhecido como Estado Novo, Getúlio

Vargas outorgou a nova Constituição dos Estados Unidos do Brasil (CEUB/1937) que afastou

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as eleições diretas, ou seja, “Por 11 anos (entre outubro de 1934 e dezembro de 1945) não

houve eleições diretas no Brasil.” (NICOLAU, 2002, p.42)

Embora as eleições em 1937 fossem indiretas para a Câmara e o Senado (que foi

transformado em Conselho Federal) os “eleitores” correspondentes aos cargos, não podiam

ser analfabetos, ou seja, a constituição de 1937, em seu art. 117, parágrafo único, vedava aos

analfabetos, dentre outros, serem os respectivos “eleitores” que iriam participar das eleições

indiretas. Assim, previa o art.117, Parágrafo único: “Não podem alistar-se eleitores: a) os

analfabetos; [...]”. (grifo não original)

Assim, Walter costa Porto, demonstra como era feito o sufrágio:

[...]Para a escolha dos membros da Câmara dos Deputados, eram eleitores no primeiro grau - os votantes, como se chamavam no império até 1881- os vereadores ás Câmaras Municipais e, em cada município dez cidadãos eleitos por sufrágio direto, no mesmo ato de eleição da Câmara Municipal.(PORTO, 2002,p.270)

Segundo o mesmo autor, “para o conselho federal, cada estado elegia, por sua

assembléia Legislativa, um representante. Dez outros membros seriam nomeados pelo

presidente da República”. (PORTO, 2002, p.270)

Concluindo, para presidente da Republica, Porto dispõe que:

[...]Finalmente, o presidente da República seria eleito por um colégio eleitoral como posto de eleitores designados pelas Câmaras Municipais, elegendo cada estado um número de eleitores proporcional a sua população mas não podendo o máximo exceder de vinte e cinco; de cinqüenta eleitores designados pelo Conselho de Economia Nacional, dentre empregadores e empregados em número igual; de vinte e cinco eleitores designados pela Câmara dos Deputados e de vinte e cinco pelo Conselho Federal, dentre cidadãos de notória reputação[...] (PORTO,2002,p.270)

No dia 18 de setembro de 1946, foi oficialmente promulgada a Constituição dos

Estados Unidos do Brasil de 1946 (CEUB/1946) e o Ato das Disposições Constitucionais

Transitórias, que consagrou as liberdades democráticas que existiam na Constituição de 1934,

mas haviam sido retiradas em 1937.

A CEUB/1946, assim como as anteriores, proibiu o voto aos analfabetos em seu

art. 132, dispondo que: “Não podem alistar-se eleitores: I - os analfabetos; [...].” (grifo nosso)

Em 24 de julho de 1950, foi aprovado o novo código eleitoral (CE/1950) que

observando as disposições da CEUB/1946, estabeleceu a proibição do sufrágio, dentre outros,

aqueles que não soubessem ler e escrever. O número de eleitores, ainda era restrito,

principalmente, devido a proibição do direito ao voto aos analfabetos, “sobretudo quando

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observamos o contingente de adultos que não sabiam ler e escrever: 48% em 1950 e 39% em

1960”. (NICOLAU, 2002, p.54)

Com o golpe militar de 1964, a constituição democrática de 1945, já não servia

para regular as mudanças políticas ocorridas com a imposição da ditadura militar de 1964,

nisso, Walter Costa Porto, dispõe:

[...]Após três Atos Institucionais e quinze emendas que mutilaram a Carta de 1946 – alterando desde o processo de eleição do presidente ao de modificação da própria Castello Branco devesse, por uma nova Carta, “ uniforme e harmônica”, trazer a institucionalização dos “ ideais e princípios” do movimento militar de março de 1964.(PORTO, 2002, p.309)

Embora os militares tenham assumido o poder, os eleitores continuaram a ir as

urnas, contudo, comenta Jairo Nicolau:

[...]as eleições proporcionais não foram suspensas e os eleitores escolheram os deputados estaduais e federais (1966, 1970, 1974 e 1978) e vereadores (1966,1970,1972 e 1976). Por outro lado, as eleições foram suspensas ou restringidas para todos os cargos eleitos pelo sistema majoritário (presidente, governador, prefeito e senador)[...] (NICOLAU,2002,p.55)

Durante a ditadura militar, foi criada a lei 4.7.37 de 15 de julho de 1965, onde se

instituiu o atual código eleitoral brasileiro, que previa, mesmo antes da constituição de 1967,

em seu art. 5º, inc. I, a proibição, expressa, do direito ao voto ao analfabeto, dispondo que:

“Não podem alistar-se eleitores: I- Os analfabetos; [...]”.(grifo nosso)

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1967 (CRFB/1967)

institucionalizou o regime militar, “deixando o poder executivo em posição soberana em

relação aos outros poderes e transformando-os junto com a população brasileira em meros

espectadores das medidas tomadas pelos militares”. (PORTO, 2002, p.282)

Como foi debatida e votada pela Assembléia Nacional Constituinte, a Constituição

de 1967, muito embora tenha sido amplamente elaborada de acordo com os interesses de

quem estava no poder, pode ser considerada uma Carta Constituinte Semi-Outorgada. “Desta

forma, os militares garantiam a imagem na política internacional de um país de certo modo

democrático, mas a prática mostraria que o regime estabelecido no Brasil se tratava mesmo de

uma ditadura”. ( PORTO, 2002, p.282)

A CRFB/1967, assim como já previa o código eleitoral de 1965, restringiu os

direitos políticos aos analfabetos, não podendo estes votar e nem serem votados, como se

pode observar no art. 142, parágrafo 3º, da magna Não podem alistar-se eleitores: a) os

analfabetos; [...]”. (grifo nosso)

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A nova Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/1988), foi

aprovada em outubro de 1988, e foi apelidada como constituição cidadã, uma vez que foi

construída de acordo com os princípios basilares do Estado democrático de direito, com

valorização dos direitos humanos e maior participação política dos cidadãos nas decisões do

país.

Antes da elaboração da nova Carta, foram criadas várias emendas á constituição de

1967, como forma de adaptá-la as novas exigências democráticas, preparando o cenário

político do país, para a futura abertura da democracia, com a entrega do poder aos civis.

Segundo a emenda nº. 25, de 15/05/1985, dispunha “sobre a forma pela qual

possam os analfabetos alistar-se eleitores e exercer o direito de voto”. Observa-se que a

emenda nº 25, foi uma medida de grande relevância para o país, pois concedia o direito de

voto aos analfabetos, nesse sentido que Jairo Nicolau aponta:

[...]outra importante medida da emenda nº 25 foi a concessão do direito de voto aos analfabetos. Tal medida acabou com uma restrição que começou em fins do Império (1882) e resistiu por mais de 100 anos.Apesar de passarem a poder votar, os analfabetos continuaram inelegíveis (sem poderem se candidatar nas eleições). Para eles também, o alistamento e o voto eram obrigatórios. As eleições de 1985, foram as primeiras na história da republicana nas quais os analfabetos puderam votar.(NICOLAU, 2004,p.61)

E logo a lei nº. 7.332, de 1º de julho de 1985, ao estabelecer normas para a

realização das eleições municipais daquele ano, veio, por seu art. 18, disciplinar o alistamento

e o voto aos analfabetos:

[...]o alistamento eleitoral passa a ser feito, dispensando-se a formalidade do próprio alistando datar o respectivo requerimento e, quando este não souber assinar o nome, aporá a impressão digital de seu polegar no requerimento e na folha de votação.(PORTO,2002,p.375)

Pelo parágrafo único do mesmo artigo, o mesmo sistema deveria ser utilizado “no

dia da votação para o eleitor que não souber assinar o nome”.(PORTO,2002,p.375)

Embora seja um prenúncio, de que a futura constituição democrática iria garantir o direito de

voto aos analfabetos, estes não poderiam ainda serem votados, ou seja, iriam adquirir o direito

de voto, mas não o direito de ser votado.

Nesse sentido, comenta Porto:

[...]Continuava o analfabeto a ver negado o direito a ser votado, o jus honoris de que falavam os Romanos. E ao lhe permitir o voto, o sistema eleitoral lhe constrangia com uma operação complexa: a escolha uninominal – para deputados, para vereadores – a partir de uma lista composta pelos partidos. Fosse distrital o modelo, com circunscrições de um só nome, e o voto seria facilitado com cédulas em cores, com símbolos ou figuras de animais a encarar as agremiações em luta.

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Muitos dos votos nulos resultaram da incapacidade dos não alfabetizados em superar tal dificuldade.(PORTO,2002,p.375)

A Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988(CRFB/1988), foi

promulgada no dia 05 de outubro de 1988, e fez previsão, em seu art. 14,§ 1º, das pessoas que

estariam obrigadas e facultadas a exercer o direito ao voto: “Art.14 [...] § 1º - O alistamento

eleitoral e o voto são: I - obrigatórios para os maiores de dezoito anos; II - facultativos para:

a) os analfabetos; [...]”.(grifo nosso)

Pode-se observar que a CRFB/1988, adotou a obrigatoriedade do voto, todavia,

para alguns, o exercício do direito de voto tornou-se facultativo, como é o caso do eleitor

analfabeto que passou a ter o direito de votar, direito este que não o exercia plenamente desde

a reforma eleitoral de 1881, ou seja, a mais de 100 anos.

Segundo José Murilo de Carvalho, os analfabetos ao adquirirem o direito de voto,

foi eliminado o grande obstáculo existente a universalização do voto:

A constituição de 1988 eliminou o grande obstáculo ainda existente à universalidade do voto, tornando-o facultativo aos analfabetos.Embora o número de analfabetos se estivesse reduzido, ainda havia em 1990 cerca de 30 milhões de brasileiros de cinco anos de idade ou mais que eram analfabetos.A medida significou, então ampliação importante da franquia eleitoral e pôs fim a uma discriminação injustificável.(CARVALHO,2010,p. 200)

Embora a CRFB/1988 tenha garantido o direito de voto aos analfabetos, estes

continuaram sem ter direito a ser votado, o que se pode observar no § 4º do art. 14, do mesmo

diploma, que dispõe que “são inelegíveis os inalistáveis e os analfabetos”. Assim, a

CRFB/1988, restringiu os direitos políticos dos analfabetos, reconhecendo-os apenas a

capacidade eleitoral ativa, ou seja, a capacidade de votar nos candidatos a cargos eletivos que

entendam ser aptos a representá-los; não os reconheceram, contudo, a capacidade eleitoral

passiva, ou seja, a capacidade de ser votado e assim, concorrer a cargo eletivo para

representar aqueles o elegeram.

Diante de todo exposto, fazendo uma análise com o direto comparado, percebe-se

que as exigências de alfabetização ou de certa escolaridade para ter direito de voto foram

pouco freqüentes na história eleitoral de outras democracias. Na Europa apenas Portugal

condicionou o direito de voto à alfabetização, exigência que foi banida em 1974. Já na

América Latina em muitos países os eleitores eram obrigados a saber ler e escrever para poder

votar, entretanto,“a abolição da exigência de alfabetização para o sufrágio ocorreu na seguinte

ordem: Uruguai (1918), Colômbia (1936), Venezuela (1946), Bolívia (1952), Chile (1970) e

Peru (1980). O Brasil foi o último país a permitir o voto dos analfabetos”.(NICOLAU, 2004,

p.61)

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II- O ANALFABETISMO E OS DIREITOS POLÍTICOS

2.1 O conceito de analfabetismo

Para compreender o termo analfabeto empregado pela CRFB/1988, como condição

de inelegibilidade, é necessário antes, conceitua-lo, buscando-o fora do campo das ciências

jurídicas, uma vez que não há uma definição de um conceito preciso dentro do ordenamento

jurídico.

Adriano Soares, entende que “não existe um conceito unívoco de analfabetismo,

de modo a seguramente ser aplicado no direito eleitoral”,(SOARES,2002,p.160)

Nesse entendimento, para se compreender o verdadeiro alcance do termo

analfabeto, empregado pela CRFB/1988, faz-se mister a análise do conceito no âmbito da

ciência da pedagogia e do ensino, que através de estudos mais específicos e direcionados

sobre o assunto, torna-os uma importante fonte de consulta para uma melhor compreensão e

aplicação da norma eleitoral, que considera inelegível o analfabeto.

Neste clivo, inicialmente, faz-se necessário, buscar a definição do termo analfabeto

tomando emprestado do dicionário, conhecido como Aurélio, que assim conceitua: “1.Que ou

quem não sabe ler ou escrever. 2. Que ou quem é muito ignorante” .

Como descreve o referido dicionário, é considerado analfabeto aquele que não

sabe ler e escrever, ou seja, que não codifica e nem decodifica os sinais gráficos do alfabeto;

ao contrário, para ser considerado alfabetizado, atualmente, além de saber ler e escrever,

também é necessário, que saiba interpretar o que leu, ou seja, é preciso que compreender e

expressar-se de acordo com o código escrito.

Neste sentido, Magda Soares exara:

[...]Sem dúvida, a alfabetização é um processo de representação de fonemas em grafemas, e vice- versa, mas é também, um processo de compreensão/expressão de significados por meio do código escrito.Não se considera “alfabetizada” uma pessoa que fosse apenas capaz de decodificar símbolos visuais em símbolos sonoros,”lendo” por exemplo, silabas ou palavras isoladas, como também, não se consideraria “alfabetizada” uma pessoa incapaz de, por exemplo, usar adequadamente o sistema ortográfico de sua língua,ao expressar-se por escrito. (SOARES, Magda, 2004,p.16)

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Para Magda Soares, (SOARES, 2004) uma pessoa alfabetizada, no atual mundo

globalizado, deve ser compreendida em um sentido mais estendido que abrange um sentido

mais amplo das habilidades de ler e escrever. Dessa forma, é considerada alfabetizada, não tão

somente se o indivíduo conhece o alfabeto, ou melhor, se sabe ler e escrever um texto

simples, e sim, se faz da leitura e da escrita o seu uso corriqueiro como instrumento de

inserção social.

Neste sentido, Magda Soares, entende que:

[...]até os anos 40 do século passado, os questionários do Censo indagavam, simplesmente, se a pessoa sabia ler e escrever, servindo, como comprovação da resposta afirmativa ou negativa, a capacidade de assinatura do próprio nome . A partir dos anos 50 e até o último Censo (2000), os questionários passaram a indagar se a pessoa era capaz de "ler e escrever um bilhete simples", o que já evidencia uma ampliação do conceito de alfabetização: já não se considera alfabetizado aquele que apenas declara saber ler e escrever, genericamente, mas aquele que sabe usar a leitura e a escrita para exercer uma prática social em que a escrita é necessária.(SOARES,Magda,2004,p.26)(grifo nosso)

Segundo a mesma autora, essa interpretação do conceito mais estendido que

considera uma pessoa alfabetizada, deu origem a palavra letramento, que pode ser entendido

como um processo de inserção e participação na cultura escrita. Apesar de ainda não estar

previsto esta palavra no dicionário, tal termo tem ganhado uma infinidade de adeptos, que

entendem que em um mundo globalizado o simples fato de saber ler e escrever já não é

suficiente, exigindo-se assim, a prática social da leitura e da escrita como instrumento

necessário ao desenvolvimento humano.

Marlene Carvalho, citando Soares, compreende que uma pessoa pode ser

alfabetizada e ao mesmo tempo não ser letrada, o que ocorre como o analfabeto funcional

(conceito que se acrescenta ao alfabetizado em sentido estricto) que embora domine as

habilidades da leitura e da escrita, mesmo que precariamente, não consegue interpretar um

simples texto, ou mesmo expressar-se, não utilizando assim, a leitura e a escrita como

instrumento para inserção e participação em práticas sociais.

Neste sentido, a autora acima exara :

[...]Uma pessoa alfabetizada conhece o código alfabético, domina as relações grafofônicas, em outras palavras, sabe que sons as letras representam,é capaz de ler palavras e textos simples mas não necessariamente é usuário da escrita na vida social.Pessoas alfabetizadas podem eventualmente, ter pouca ou nenhuma familiaridade com a escrita dos jornais, livros, revistas, documentos, e muitos outros tipos de textos; podem também encontrar dificuldades para se expressarem por escrito. Letrado, no sentido que estamos usando esse termo, é alguém que se apropriou suficientemente da escrita e da leitura a ponto de usá-las com desenvoltura, com propriedade, para dar conta de suas atribuições sociais e profissionais.(CARVALHO,2005,p.66)

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Ao contrário, também pode acontecer, segundo Soares, um adulto pode ser

analfabeto, e também ao mesmo tempo letrado, ou seja, embora não tenha aprendido a ler e a

escrever, pode utilizar a escrita para escrever uma carta através de um outro indivíduo que

seja alfabetizado,(um escriba), mas é necessário ressaltar que é o próprio analfabeto que dita o

seu texto, logo, ele lança mão de todos os recursos necessários da língua para se comunicar

mesmo que tudo seja carregado de suas particularidades. Sendo assim, Soares afirma que:

[...] Assim um adulto pode ser analfabeto, porque marginalizado social e economicamente, mas, se vive em um meio em que a leitura e a escrita têm presença forte, se se interessa em ouvir a leitura de jornais feita por um alfabetizado, se recebe cartas que outros lêem para ele, se dita cartas para que um alfabetizado as escreva ( e é significativo que, em geral, dita usando vocabulário e estruturas próprios da língua escrita), se pede a alguém que lhe leia avisos ou indicações afixados em algum lugar, esse analfabeto é de certa forma, letrado, porque faz uso da escrita, envolve-se em práticas sociais de leitura e de escrita. .(SOARES,Magda,2004,p.49)

Diferente da definição de analfabeto que é conceituado pelo dicionário, como

visto, como aquele “1.Que ou quem não sabe ler ou escrever. 2. Que ou quem é muito

ignorante” , o mesmo dicionário define analfabetismo como sendo o “estado ou condição de

analfabeto”.Dessa forma, pode-se entender que analfabetismo é uma condição de ausência de

conhecimento das habilidades de ler e escrever de um indivíduo, que pode estar associado há

vários fatores históricos, sociais, políticos e econômicos.

Historicamente o analfabetismo é um fato secular no Brasil e continua sendo

produzido nos dias atuais. Alceu Ravanello Ferraro afirma que “o analfabetismo no Brasil é

produzido social e historicamente”. (FERRARO, 1985)

O primeiro censo foi realizado, em 1872, e já apontava um alto índice de

analfabetismo; a preocupação em realizar uma contagem de analfabetos, naquela época,

provavelmente, deveu-se à percepção da profundidade do fato. A situação de analfabetismo

da população brasileira já existia anteriormente, mas só foi reconhecida no censo de 1872.

A UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a

Cultura) em 1980, conceituava como sendo analfabeta:

[...]a pessoa incapaz de exercer todas as atividades para as quais é necessário saber ler, para o bom funcionamento do grupo e da comunidade e também para que a pessoa continue a utilizar-se da leitura, da escrita e da aritmética em prol de seu próprio desenvolvimento e o da comunidade.(GARCIA,1990,p.16)

Até 1940, os formulários dos Censos definiam como analfabeta ou alfabetizada a

pessoa perguntando-lhe se sabia assinar o nome, pois a condição social, político e cultural da

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época exigia apenas esse nível de conhecimento de grande parte da população. As pessoas

aprendiam a “desenhar” o próprio nome para utilizar esse conhecimento em situação de

eleição ou de trabalho.

Por influência da UNESCO, no Brasil, no Censo Demográfico 1950 o conceito

passou a ter o seguinte teor: “Como sabendo ler e escrever entendem-se as pessoas capazes de

ler e escrever um bilhete simples, em um idioma qualquer, não sendo assim consideradas

aquelas que apenas assinassem o próprio nome”. Com pequenas variações de redação, esta

definição esteve em vigor até o Censo 2000, onde se lê: “Considerou-se como alfabetizada a

pessoa capaz de ler e escrever um bilhete simples no idioma que conhecesse. Aquela que

aprendeu a ler e escrever, mas esqueceu, e a que apenas assinava o próprio nome foram

consideradas analfabetas” (IBGE, 2000)

No ultimo Censo Demográfico de 2010, foi utilizado o mesmo critério do último

censo demográfico realizado no ano 2000, ou seja, “considerou-se como alfabetizada a pessoa

de 5 anos ou mais de idade capaz de ler e escrever um bilhete simples no idioma que

conhecesse”. (IBGE, 2010)

Também no último censo, como forma de se apurar o índice de analfabetismo, foi

utilizado o seguinte critério: “foi considerada analfabeta a pessoa de 5 anos ou mais de idade

que aprendeu a ler e escrever, mas que esqueceu devido a ter passado por um processo de

alfabetização que não se consolidou, e a que apenas assinava o próprio nome”.(IBGE,2010)

Ainda que sejam complexas as definições sobre o analfabetismo, Foucambert o

define como sendo:

[..] analfabetismo é o desconhecimento das técnicas de utilização da escrita” traduzido como a [...] impossibilidade de compreender ou de produzir uma mensagem escrita simples, que trate de questões concretas ligadas à vida cotidiana: sua origem está na falta de domínio do sistema de correspondência entre grafemas e fonemas. Esse analfabetismo provém da ausência de alfabetização. (FOUCAMBERT,1994,p.18)

Compreende-se, pelas definições acima, que analfabeta é a pessoa que não possui

conhecimento sobre leitura e escrita, que tem falta absoluta de instrução; e analfabetismo é a

situação ou estado de ignorância em que o analfabeto se encontra, por não dominar a técnica

da leitura e da escrita.

Em uma definição que sintetiza o contexto sócio-histórico e político que envolve o

indivíduo analfabeto, vem re-significar o conceito, buscando-se superar a definição que o

concebe tão-somente como o indivíduo que não sabe ler. Nesse entendimento, Álvaro Vieira

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Pinto, define “o analfabeto como uma realidade humana e o analfabetismo como uma

realidade sociológica.”(PINTO,1991),

Nisso, o mencionado autor explica que:

[...]O analfabeto (...) em sua essência não é aquele que não sabe ler, sim aquele que, por suas condições concretas de existência, não necessita ler (...). O adulto se torna analfabeto porque as condições materiais de sua existência lhe permitem sobreviver dessa forma com um mínimo de conhecimentos, o mínimo aprendido pela aprendizagem oral, que se identifica com a própria convivência social [...](PINTO, 1991)

Em tal conceito, pode-se observar que o analfabeto em virtude de vários fatores,

sejam eles históricos, políticos, econômicos ou sociais que antecederam o seu estado de

analfabetismo, o condiciona a um estado, ou modo de vida, que em virtude das condições

materiais de existência, que o envolve, não necessita ler ou mesmo escrever, haja vista que tal

situação concreta de existência lhe permite sobreviver com o mínimo de conhecimento

aprendido pela aprendizagem oral que se identifica com a própria convivência social.

Para ilustrar o conceito de analfabeto demonstrado pelo autor acima, nos

atrevemos a demonstrar como exemplo, aquele individuo que estudou até a 4º série e que teve

que abandonar a escola para laborar, já adulto, em virtude de estar trabalhando como gari,

nunca mais fez uso da leitura e da escrita como um instrumento habitual, considerando que a

sua real situação profissional não o exige maiores conhecimentos e de também conviver com

outras pessoas da mesma realidade social, este indivíduo, se tornou analfabeto, não em virtude

de não saber ler e escrever, mais sim, porque as condições materiais de sua existência lhe

permitem sobreviver dessa forma com o mínimo de conhecimento.

Pode-se compreender, que o termo analfabeto, segundo o autor citado acima, está

ligado a uma realidade, ou condição humana, derivado do seu status quo, ou seja, é a

condição que encontra o indivíduo que não necessita de fazer uso das habilidades da leitura e

da escrita para o seu desenvolvimento pessoal e profissional.

O analfabetismo, ao contrário, é visto como uma realidade sociológica, na medida

em que a sociedade é pautada pelas relações sociais, e quanto mais complexa a sociedade,

maior será também essas as relações. Neste prisma, quanto mais complexa a sociedade, maior

será a necessidade de uma qualificação profissional, sobretudo, no que se refere a

educação.Dessa forma, as desigualdades sociais, que é um dos fatores que colaboram para o

crescimento do analfabetismo, tendem, por conseqüência, também a aumentar, mormente,

naquelas sociedades em que não há um efetivo combate as vulnerabilidade, a pobreza e a

marginalização social.

Page 32: Thiago Monografia Texto Corrigido

32

Neste sentido, compreende-se que “o analfabetismo é, em principio, índice natural

da etapa em que se encontra o processo de desenvolvimento do país”(PINTO,1991) e

conseqüência de uma situação política geradora de uma estrutura social desigual e injusta,

traduzida pelo título de pobreza, indicativa de subdesenvolvimento que, atendendo as

finalidades especificas do sistema, gera o pobre, o subdesenvolvido, o trabalhador

desqualificado, manipulado e o analfabeto.

2.2 As classificações de analfabetismo

O analfabetismo, como visto, é termo amplamente conhecido pela sociedade

brasileira, e é definido como o “estado ou condição de analfabeto”.Diante das informações já

colhidas sobre o analfabetismo, é preciso ainda identificá-lo de acordo com a sua extensão, ou

seja, de acordo com as classificações que identificam o estado ou condição que se encontra o

analfabeto que, segundo vários estudiosos, podem ser classificados de diversas maneiras,

onde se reproduz a situação fática que está inserido o indivíduo analfabeto. Nisso, em virtude

de uma variada classificação sobre o analfabetismo, iremos destacá-los em apenas três

aspectos, por se revelarem pertinentes a elaboração do presente trabalho, quais sejam: o

analfabetismo em sentido estricto, analfabetismo funcional e o analfabetismo político.

2.2.1 O analfabetismo absoluto (sentido estricto)

O Analfabeto absoluto, também chamado de analfabeto em sentido estricto, é

aquele que não sabe ler e nem escrever, ou seja, não sabe decodificar a linguagem escrita em

linguagem falada (ler) e nem codifica a linguagem falada em linguagem escrita (escrever).

Nesse entendimento, o analfabetismo em sentido estricto, identifica o estado ou condição que

se encontra um ou mais indivíduos, que desconhecem por completo, as habilidades da leitura

e da escrita.

Dessa forma, o analfabeto em sentido estricto não sabe ler e nem escrever o

próprio nome, ou mesmo, um simples bilhete. Essa condição ou estado, o torna um analfabeto

absoluto, posto que não tem nenhuma intimidade com a leitura e a escrita.

Em virtude de ainda haver um grande número de analfabetos absolutos no Brasil, o

Ministério da Educação, através do novo Plano Nacional de Educação (PNE), elaborou um

plano de combate ao analfabetismo no Brasil, através de metas, a serem cumpridas, com o

objetivo de erradicar, até 2020, o analfabetismo absoluto: “Meta 9: Elevar a taxa de

alfabetização da população com 15 anos ou mais para 93,5% até 2015 e erradicar, até 2020, o

Page 33: Thiago Monografia Texto Corrigido

33

analfabetismo absoluto e reduzir em 50% a taxa de analfabetismo funcional”.(PNE 2010-

2020)(grifo nosso)

2.1.2 O analfabetismo funcional

O conceito de analfabetismo mudou muito nos últimos 40 anos. Em 1958 a

UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) definia

como analfabeto um indivíduo que não consegue ler ou escrever algo simples. Após vinte

anos, ela passou a usar o conceito de alfabetização funcional, definido como:

[...]Uma pessoa é funcionalmente alfabetizada se pode participar de todas as atividades em que o conhecimento da escrita é necessário para o funcionamento efetivo do seu grupo e da sua comunidade, e também para permitir que continue a usar a leitura, a escrita e o cálculo para o seu desenvolvimento e o da sua comunidade(ARTIGO,Analfabetosfuncionais.Disponívelem:<http://caravelas.Icmc .usp.br/wiki/index.php/Analfabetosfuncionais_%28AF%29>Acesso em17/08/2011)

Para o Instituto Paulo Monte Negro9, é considerada analfabeta funcional a pessoa

que, mesmo sabendo ler e escrever, não tem as habilidades de leitura, de escrita e de cálculo

necessárias para viabilizar seu desenvolvimento pessoal e profissional.

Dessa forma, o analfabetismo funcional pode ser conceituado como toda pessoa

que saiba ler e escrever um texto simples, ainda que com embaraços da gramática, que

consegue efetuar cálculos básicos, contudo, é incapaz de interpretar o que lê e ainda utilizar a

leitura e a escrita em atividades cotidianas impossibilitando o seu desenvolvimento

profissional e pessoal. Ou seja, o analfabeto funcional não consegue extrair os sentidos das

palavras, de colocar idéias no papel por meio da escrita, nem fazer operações matemáticas

consideradas mais elaboradas.

Nisso, seguindo recomendações da UNESCO, o IBGE (Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatística) passou a adotar, no Brasil, alguns critérios para a definição das

9 O Instituto Paulo Montenegro é uma organização sem fins lucrativos,ligada ao IBOP, criada em 2000, sob a direção de Fabio Montenegro "em memória", com o objetivo de desenvolver ações que contribuam para a melhoria da qualidade do sistema de ensino do país. http://www.ipm.org.b r/ipmb_pagina. php?mpg= 2.01. 00 .0 0.00&ver=por

Page 34: Thiago Monografia Texto Corrigido

34

pessoas a serem consideradas analfabetas funcionais, ou seja, tomando como base não a auto-

avaliação dos respondentes, mas o número de séries escolares concluídas. Pelo critério

adotado, são analfabetas funcionais as pessoas com menos de quatro anos de escolaridade:

[...]Pelo critério adotado, no Brasil são consideradas analfabetas funcionais (AFs) as pessoas com menos de quatro anos de estudo. Esta definição, segundo a UNESCO, é mais adequada para se avaliar a realidade social do mundo moderno, pois está voltada para rotinas diárias e também para o ambiente de trabalho, pois para os empregadores é importante não somente as habilidades de leitura, escrita e cálculos numéricos simples, mas também o quão competentes são seus empregados para usar estas habilidades na solução de problemas[...](ARTIGO,Analfabetos funcionais.Disponívelem:<http://caravelas.Icmc.usp.br/wiki/index.php/Analfabetos funcionais %28AF%29>Acesso em17/08/2011)

Para Foucambert, “o analfabetismo funcional envolve pessoas com vários anos de

escolaridade que dominam essas técnicas de correspondência grafo-fonética em um certo

período de sua vida, mas perderam esse domínio por falta de uso e de exercício com elas”

(FOUCAMBERT,1994,p.118)

Para esse autor, os “novos analfabetos” considerados funcionais, dominaram,

mesmo que precariamente, as técnicas da leitura e da escrita no passado, cerca de dez ou mais

anos, e por não mais fazerem uso da leitura e da escrita como um instrumento habitual, quer

seja pela exclusão da rede de comunicação, ou ausência de motivos para recorrer a textos

levam a perda dos saberes alfabéticos previamente adquiridos. Para o autor, o analfabetismo

funcional não é senão a conseqüência da exclusão que se assenta na divisão desigual do

poder.

2.1.3 O Analfabetismo político

O analfabetismo político, é uma das espécies de analfabetismo que deveria ser

considerada na sociedade moderna, a mais preocupante, haja vista que para o exercício da

democracia, é necessário a participação política dos cidadãos, que devem exercer a parcela de

sua cidadania em prol dos interesses difusos, seja através dos direitos políticos positivos, ou

seja, votando e sendo votado, ou mesmo, diretamente, através dos mecanismos assegurados

constitucionalmente destinados a manifestação da soberania popular como o plebiscito o

referendo e a iniciativa popular.

Também é através da participação política dos cidadãos que se tem um meio hábil

de coibir a malversação dos recursos públicos, de preservar a moralidade administrativa e

direcionar a atuação estatal para as reais necessidades sociais, nisso, o analfabeto político

Page 35: Thiago Monografia Texto Corrigido

35

pode ser considerado o maior dos ignorantes, tendo em vista que este “fecha os olhos” para os

acontecimentos que o rodeia,

Nesse sentido, Marco Aurélio Rodrigues da Cunha e Cruz10, divide o analfabeto

político em duas categorias, os que votam e os que são votados:

[...]São vários os exemplos deste último tipo de analfabeto político, mas que podem ser divididos, como é lógico, em duas categorias: os que votam e os que são votados. Os primeiros são àqueles que votam por votar, sem ter a preocupação de escolher o candidato que possui a conduta e as propostas congruentes com a democracia, a cidadania e o desenvolvimento social. Votam unicamente em quem lhes trazem benefícios, prevendo uma clara oportunidade de obter as benesses do sabor do poder. Ou apenas votam e não acompanham os resultados das promessas do seu candidato, desprezando a eficácia da sua participação democrática. A segunda classe de analfabeto político (que é “plenamente alfabetizado”) inclui aqueles que são votados. Estes, apesar de eleitos para representar a sociedade, não cumprem com os papéis democráticos de seus cargos, guiam a sua carreira política com numerosas falácias politiqueiras e conchavos partidários mal intencionados, e se elegem apenas para satisfazer os seus escusos interesses privados e de seus pares. Este analfabeto político “eleito” se dedica à politicagem, não à política.(CRUZ, Marco Aurélio Rodrigues da Cunha e. Analfabeto político.Disponível em:http://jornaldedebates.uol.com.br/debate/por-que-educacao-não -tem-prioridade -no-brasil/artigo/analfabeto-politico/12369,acesso em: 31 de set. de 2011)

Diante do exposto, quando se fala em analfabeto político, é impossível não falar do

poeta e dramaturgo alemão Eugen Berthold Friedrich Brecht, que em uma de suas maiores

poesias conhecida como “o analfabeto político” destaca a preocupante ignorância desse tipo

de analfabetismo:

O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas. O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política. Não sabe o imbecil que da sua ignorância política nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos que é o político vigarista, pilantra, o corrupto e lacaio dos exploradores do povo.(“O Analfabeto Político” Bertolt Brecht)

Em um país como o Brasil com milhões de pessoas consideradas analfabetas, é

comum entender que o analfabeto, ou seja, aquele que não sabe ler e escrever, também seja

um analfabeto político, embora não seja uma regra, visto que existem muitos analfabetos que

participam efetivamente das decisões políticas de sua comunidade ou mesmo exercem grande

influência local.

Contudo, é comum observar que muitas pessoas consideradas plenamente

alfabetizadas, também possam se enquadrar na classificação de analfabeto político. Ou seja,

embora dominem plenamente as habilidades da leitura e da escrita, não participam da vida

10 Marco Aurélio Rodrigues da Cunha e Cruz, é advogado Doutorando em Direito Constitucional pela Universidad de Sevilla.

Page 36: Thiago Monografia Texto Corrigido

36

política do país, se mostrando alheios aos acontecimentos políticos que tenham reflexos na

vida social das pessoas. O analfabetismo político nessa ordem, tornam as pessoas inertes, sem

senso crítico e conformadas com a situação econômica , política e social que os evolve, cria-

se uma cultura do “tô nem aí”, resultado da falta de consciência coletiva e do descrédito frente

aqueles que ocupam cargos eletivos.

2.3 A classificação dos direitos políticos

Celso Spitzcovsky e Fábio N. Soares de Moraes conceitua os direitos políticos

como sendo “aqueles voltados à regulação do exercício da soberania dentro de determinado

estado”.(SPITZCOVSKY,Celso, e, MORAES, Fábio N. Soares, 2008, p.1)

Neste sentido, Pedro Lenza, define os direitos políticos como “nada mais são do

que instrumentos através dos quais a CRFB/1988 garante o exercício da soberania popular,

atribuindo poderes aos cidadãos para interferirem na condução da coisa púbica, seja direta ou

indiretamente”.(LENZA,Pedro,2007,p.667)

Alexandre Moraes, no mesmo sentido, entende:

[...]É o conjunto de regras que disciplinam as formas de atuação da soberania popular, conforme preleciona o caput do art. 14 da CF/88. São direitos políticos subjetivos que investem o individuo no status active civitatis, permitindo-lhe o exercício concreto da liberdade de participação nos negócios políticos do Estado, de maneira a conferir os atributos da cidadania (MORAES, 2008, p. 207).

Pimenta Bueno, conceitua os direitos políticos como sendo:

[...]prerrogativas, atributos, faculdades, ou poder de intervenção dos cidadãos ativos no governo de seu país, intervenção direta ou indireta, mais ou menos ampla, segundo a intensidade do gozo desses direitos. São os Jus Civitatis, os direitos cívicos, que se referem ao Poder Público, que autorizam o cidadão ativo a participar na formação ou exercício da autoridade nacional, a exercer o direito de vontade ou eleitor, o direito de deputado ou senador, a ocupar cargos políticos e a manifestar suas opiniões sobre o governo do Estado. (BUENO,2007,p.2007)

Assim, segundo os mencionados autores, o exercício dos direitos políticos, são

aqueles que regulam o exercício da soberania popular, conclusão que se alcança pela leitura

do art. 1º, parágrafo único, da CRFB/1988, que atribui a titularidade do poder ao povo

prevendo no dispositivo constitucional que “todo poder emana do povo, que o exerce por

meio de seus representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta

constituição”.(CRFB/1988, art. 1º, parágrafo único)

A leitura do dispositivo constitucional, colacionado permite concluir não só que o

poder em nosso país foi entregue ao povo, mas também, que este poderá exercê-lo por meio

Page 37: Thiago Monografia Texto Corrigido

37

de representantes eleitos ou de forma direta, respeitados os limites estabelecidos pelo

constituinte.

Dentro desse contexto, o art. 14 da CRFB/1988 estabelece que a soberania popular

será exercida diretamente por meio dos instrumentos previstos no seu caput e também nos

seus incisos, conforme a redação a seguir:

“Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal pelo voto direto

e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:

I- plebiscito

II- referendo;

III- iniciativa popular”.

Segundo os mesmos autores, tem-se, assim, que o aspecto comum entre essas

figuras relacionadas pela Constituição reside no fato que todas elas surgem como instrumento

de manifestação direta da soberania popular. De outra parte, o mesmo art.14 disciplina as

formas pelas quais o exercício da soberania popular ocorre pela via de representação

estipulando as condições de elegibilidade, como a nacionalidade brasileira, o pleno exercício

dos direitos políticos, o alistamento , domicilio eleitoral na circunscrição, filiação partidária e

ainda idade mínima para o cargo pretendido.

Da dicção constitucional exsurge clara a distinção entre direitos políticos ativos e

diretos políticos passivos que representam o chamado direto político positivo, que decorre do

direito ao sufrágio universal. Nisso, a capacidade eleitoral ativa consistente no direito de

participar da escolha de seus representantes, através do exercício do direito de voto, bem

como a de participar diretamente através do plebiscito, referendo e da iniciativa popular,

enquanto a capacidade eleitoral passiva, dizem respeito a possibilidade de candidatar-se para

as funções legislativas ou executivas.

Nisso, é importante ressaltar a diferença entre sufrágio e voto, o sufrágio, de

acordo com Alexandre Moraes, é “um direito público subjetivo de natureza política, que tem

o cidadão de eleger e ser eleito e de participar da organização e da atividade do poder

estatal”(MORAES, 2008,p.207) , ou seja, é a instituição fundamental da democracia

representativa, e é pelo seu exercício que o eleitorado, instrumento técnico do povo, outorga a

legitimidade aos governantes. O voto, por sua vez, é um dos instrumentos de manifestação do

direito ao sufrágio, “é um ato político pelo qual se materializa a vontade popular, ou seja,

coloca no plano prático o direito de sufrágio”(MENDONÇA,2004,p.104)

Page 38: Thiago Monografia Texto Corrigido

38

Alexandre de Moraes ensina que “o sufrágio é a essência do direito político,

expressando-se pela capacidade de eleger e de ser eleito”(MORAES, 2008,p.208), ou seja, o

direito de voto pode ser entendido como elemento, ou mesmo, sub-espécie do direito ao

sufrágio.

O sufrágio, portanto, abrange a capacidade eleitoral ativa (direito de votar), como

também a capacidade eleitoral passiva (capacidade de ser votado) que são atributos para o

exercício da cidadania em um Estado Democrático de Direito.

A CRFB/1988 em seu art. 14, como visto, assegura o sufrágio universal, o que

significa que os direitos políticos são reconhecidos a todos os nacionais do país,

independentemente de sua condição social, econômica, raça, sexo, credo ou condição

intelectual. Nas palavras de José Antônio da Silva, “considera-se, pois, universal o sufrágio

quando se outorga o direito de votar a todos os nacionais de um país, sem restrições derivadas

de condições de nascimento, de fortuna ou de capacidade especial”(SILVA,2006,p.215)

O sufrágio universal, é novidade para a democracia brasileira que tem pouco mais

de 23 anos, somente tendo sido alcançada em 1985, com a emenda constitucional n.º 25/1985,

que acabou com a última restrição aos direitos político ativos, ou seja, dos analfabetos

participarem do processo eleitoral que sempre foi vedado nas constituições brasileiras, desde

o império, onde o voto era censitário, até o período republicano. Contudo, a universalidade

do voto não significa que a capacidade eleitoral passiva é concedida a todos indistintamente,

as restrições do direito ao voto, ou seja, a capacidade eleitoral passiva, é conhecida como

direitos políticos negativos.

Os direitos políticos negativos, ao contrário dos direitos políticos positivos,

caracterizam-se como as formulações constitucionais restritivas e impeditivas das atividades

político - partidárias.

Pedro Lenza define os direitos políticos negativos argüindo que:

Ao contrário dos direitos políticos positivos, os direitos políticos negativos, individualizam-se ao definirem formulações constitucionais restritivas e impeditivas das atividades politico-partidárias, privando o cidadão do exercício de seus direitos políticos, bem como os impedindo de eleger um candidato (capacidade eleitoral ativa) ou de ser eleito (capacidade eleitoral passiva)[...] (LENZA,Pedro,2007,p.667)

A inelegibilidade consiste na ausência de capacidade eleitoral passiva, ou seja, da

condição de ser candidato e, conseqüentemente, poder ser votado, constituindo-se, portanto,

em condição obstativa ao exercício passivo da cidadania. Na obra de Joel José Candido, se

extrai o conceito de inelegibilidade como sendo “a restrição ou inexistência de Direito publico

político subjetivo passivo, ou seja, perda do direito de ser votado, devido á impossibilidade

Page 39: Thiago Monografia Texto Corrigido

39

temporária ou definitiva, de uma pessoa ser eleita para um ou mais cargos eletivos”.

(CÂNDIDO ,1999,p.124). Segundo Cândido, para concorrer a um cargo eletivo, não basta

somente que o candidato preencha as condições de elegibilidade, mas também, que não incida

em nenhuma causa de inelegibilidade:

[...]Não basta,para uma pessoa poder concorrer a um cargo eletivo, que possua ela alguma das condições de elegibilidade (...)É mister que não incida ela em nenhuma causa de inelegibilidade.Estas, ao contrário daquelas que figuram em lei ordinária, só podem ser fixadas na própria constituição federal ou em lei complementar,tão-somente.Constituem-se em restrições aos direitos políticos e a cidadania, já que por inelegibilidades entende-se a impossibilidade,temporária, ou definitiva de uma pessoa ser eleita para um cargo eletivo.(CÂNDIDO,1999,p. 125)

A CRFB/1988 estabelece, diretamente, vários casos de inelegibilidades no art. 14,

§§ 4º a 7º. No referido dispositivo, há ainda o parágrafo 9º que remete a lei complementar a

implementação e o estabelecimento de outras formas ou casos de inelegibilidade.

Em 1990 foi editada a lei complementar nº. 64 em atendimento à determinação

constitucional, estabelecendo os casos de inelegibilidade, prazos de cessação, competências,

atribuições e outras providências, como forma de coibir abusos e outros atos que contaminam

o processo eleitoral. Seguindo a mesma linha, a lei complementar 135/2010, denominada

como “Lei da ficha limpa” alterou significativamente, os casos de inelegibilidade previstos na

lei complementar nº. 64 de 18 de maio de 1990, incluindo, outras hipóteses de inelegibilidade,

visando proteger a probidade administrativa e a moralidade no exercício do mandato.

As inelegibilidades, segundo Marcos Ramayana, tem uma importante função de

filtrar o político, ou seja, apontar obstáculos e impedimento para isolar uma determinada

candidatura do universo do sufrágio:

As inelegibilidades são regras que estabelecem padrões ordenadores de um estatuto jurídico político. Assinala-se um dever para as candidaturas políticas. O Estado, adotando estruturar jurídicas, formula certas normas que criam uma espécie de ‘efeito filtro do político'. Nesta linha, prescrevem-se impedimentos ou obstáculos que procuram isolar uma determinada candidatura do universo do sufrágio (RAMAYANA, 2010,p. 269)

Nesse sentido, as inelegibilidades além de ter como objetivo a proteção os valores

do regime democrático de direito, também é uma forma de restringir a candidatura de

cidadãos considerados inábeis para o exercício do mandato eletivo, assegurando assim, uma

maior confiança, por parte da população, àquele que passou pelo filtro do universo do

sufrágio.

Segundo o autor citado acima, as inelegibilidades, são classificadas de diversas

formas, podendo elas terem previsão constitucional ou infraconstitucional.

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40

As inelegibilidades podem ser constitucionais, quando oriundas diretamente da

constituição, dentre elas podem ser observadas, os casos dos inalistáveis e os analfabetos,

consoante o dispositivo previsto no art.14 § 4º da CRFB/1988, e também, podem ser

provenientes de lei complementar, sendo classificadas como infraconstitucional, como por

exemplo, o dispositivo que considera inelegível para Presidente e Vice- Presidente da

República, até 06 (seis) meses depois de afastados definitivamente de seus cargos e funções,

os ministros de Estado, conforme preceitua o art. art. 1º, inc.II, a,1, da LC nº 64/90.

As inelegibilidades podem ser ainda classificadas como absoluta, considerando o

impedimento eleitoral para qualquer cargo eletivo, o indivíduo que se encontra em alguma

dessas situações previstas pela CRFB/1988, como inelegibilidade absoluta não poderá em

hipótese alguma pleitear mandato eletivo É medida excepcional e somente pode ser

estabelecida, taxativamente, pela própria Constituição Federal. Nesta análise, somente haveria

as hipóteses dos inalistáveis (conscritos e estrangeiros) e analfabetos, constantes no art. 14 §

4º da CB/1988.

As inelegibilidade absoluta pode ser argüida a qualquer momento, não há um

prazo para a cessação do impedimento, estas podem desaparecer a partir do momento em que

a causa que a produz é eliminada. As inelegibilidades relativas, diferentemente das anteriores,

não estão relacionadas com determinada características pessoais daquele que pretende

candidatar-se, mas constituem restrições à elegibilidade para certos pleitos eleitorais e

determinados mandatos, em razão de situações especiais existentes, no momento da eleição,

em relação ao cidadão.

Nisso, segundo José Afonso da Silva, “o relativamente inelegível é titular de

elegibilidade, que, apenas, não pode ser exercida em relação a algum cargo ou função eletiva,

mas o poderia relativamente a outros (...)”(SILVA, 2006,p.389)

A inelegibilidade relativa, pode guardar relação com o cargo ou função que ocupa

a pessoa, no momento da eleição, tornando-a impedida de ser novamente candidata, salvo

haja o desentranhamento dessa situação que limita a sua capacidade eleitoral passiva. Como

por exemplo, o art. 14§ 6º da CRFB/1988, onde dispões que os chefes do poder executivo,

caso queiram se candidatar para um outro cargo, devem desincompatibilizar, no mínimo, seis

meses antes do pleito, ou seja, devem renunciar ao cargo para readquirirem a elegibilidade e

assim, pleitear outros cargos eletivos.

Nisso, Marcos Ramayana ensina que “a incompatibilidade é uma restrição à

capacidade eleitoral passiva (direito de ser votado), porque o interessado deixou de

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41

providenciar seu afastamento temporário ou definitivo dentro do prazo legal”.

( (RAMAYANA, 2010,p. 272)

Ademais, as inelegibilidades relativas podem ser subdivididas em: por motivos

funcionais; decorrentes de casamento, parentesco ou afinidade; dos militares; de ordem legal.

Em relação aos motivos funcionais, está, por exemplo, a hipótese de reeleição,

tratada no § 5º do art.14 da CRFB/1988, com redação dada pela Emenda Constitucional nº 16

de 1997, que prevê  que os chefes do executivo apenas são elegíveis para o mesmo cargo uma

única vez subseqüentemente ao exercício deste. O art.14, § 7º, da Constituição, revela a

inelegibilidade relativa decorrente de vínculo parental. Esta inelegibilidade relativa também é

classificada como inelegibilidade reflexa, a qual alude ao grau de parentesco em relação aos

ocupantes de cargo do poder executivo, onde são considerados inelegíveis na “jurisdição” (lê-

se circunscrição) em que estes exercem suas atribuições, com exceção, daqueles parentes que

já ocupava mandato e deseja reeleger-se. Contudo, há possibilidade de sanar essa

contaminação, com a desincompatibilização do chefe do executivo no prazo estabelecido em

lei, (CRFB/1988, art. 14§ 6º) ou com relação ao cônjuge, com a dissolução do vínculo

conjugal,(súmula vinculante nº 18 do STF)

A inelegibilidade relativa aos militares, por sua vez, está prevista no art. Art.14,§

8º do mesmo diploma, onde entende-se que o militar, no exercício de suas funções é

considerado inelegível, contudo, este poderá dependendo da quantidade de tempo de serviço,

afastar-se de suas atividades ou ser agregado pela autoridade superior, passando

automaticamente para a inatividade, se for o caso.Já a inelegibilidade por ordem legal, como

visto, decorre da lei infraconstitucional (LC nº. 64/ 1990), onde prevê outros casos de

inelegibilidade.

Vale ressaltar, que as inelegibilidades, como condições limitativas do direito de ser

votado, são consideradas restritivas de direitos fundamentais, ou seja, de direitos políticos,

dessa maneira, devem ser interpretadas restritivamente, haja vista que impedem o exercício

dos direitos políticos passivos dos cidadãos na vida política de seu país.

Portanto, diante do exposto, percebe-se que a inelegibilidade, mais que limitadora

da capacidade eleitoral passiva, é uma exigência do sistema democrático moderno, uma vez

que contribuem para a proteção, o fomento e manutenção da moralidade, transparência e

lisura, exigidas para o exercício do cargo público, filtrando assim aqueles que vão exercer o

munus público em benefício da coletividade e da ordem social.

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42

III-A RESTRIÇÃO DOS DIREITOS POLITICOS DO ANALFABETO NA LEGISLAÇÃO

ELEITORAL BRASILEIRA.

3.1 O alcance da norma constitucional

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/1988), quando

dispõe em seu texto, no art. 14 § 4º, a vedação aos analfabetos, quer se referir a qual tipo analfabeto? ou

seja, ao analfabeto absoluto, ou ao analfabeto funcional? Para compreender o alcance da proibição que o

legislador constituinte de 1988 estabeleceu no dispositivo constitucional previsto no art.14 §4º como causa

de inelegibilidade, é necessário analisar as possíveis conseqüências para a interpretação de ambos os

entendimentos, haja vista que dependendo da interpretação que se dê acerca da vedação constitucional,

pode ocorrer sérias conseqüências políticas que gerarão reflexos para toda a sociedade brasileira.

Para grande parte da doutrina e da jurisprudência, entende que a norma constitucional contida

no art. 14 §4º da CRFB/1988, quando veda ao analfabeto o acesso a cargo público eletivo, faz menção ao

analfabeto absoluto, ou seja, aquele que absolutamente não tem o domínio da escrita e da leitura, ao

contrário, é considerado alfabetizado para fins eleitorais, aquele que mesmo precariamente, saiba ler e

escrever. Neste sentido, leciona Arruda Pedro Robert Deconain:

[...]Por não alfabetizados devem ser havidos àqueles que nada, sabem ler, nem escrever. Os que, todavia, possuírem condições de escrita e leitura, ainda que rudimentares, devem ser considerados alfabetizados, para o fim de lhes ser permitida a candidatura a mandato eletivo.(DECONAIN,Elegibilidades e Inelegibilidades, editora Letras Contemporâneas, p. 33).

Adriano Soares da Costa, no mesmo entendimento, ensina:

[...] É alfabetizado quem sabe ler e escrever, razoavelmente, ainda que com embaraços de gramática.[...] o grau de alfabetização exigido é mínimo, apenas para que se afaste a hipótese de analfabetismo total, porquanto é inelegível o analfabeto, e não, o semi-analfabeto”(SOARES, 2001,p. 111) .

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O grau de alfabetização exigido pela CRFB/1988, ressalta Soares, é apenas o

necessário para afastar a hipótese de analfabetismo total, porquanto é inelegível o analfabeto,

ou seja, “aquele que não sabe ler ou escrever com um mínimo de sentido, ou com total

impossibilidade de externar seus pensamentos” e não o que se costuma chamar de “semi-

analfabeto” (SOARES, 2001,p.162)

Nesse entendimento, tem adotado o TRE de São Paulo:

EMENTA: REGISTRO DE CANDIDATURA. INDEFERIMENTO. ANALFABETISMO NÃO CARACTERIZADO. PROVIMENTO DO RECURSO.ELEIÇOES 2004.1. Tendo restado comprovado nos autos que o candidato possui a mínima capacidade de ler e escrever um texto simples, é de ser considerado como alfabetizado.2. Comprovado, ainda, por documentos, que possui noções de leitura e escrita, no exercício de cargos que exigem conhecimento de língua pátria, não pode ser considerado analfabeto o candidato, não incorrendo assim na inelegibilidade prevista na Constituição Federal, artigo 14, § 4º, da Constituição Federal e no artigo 1º, I, “a”, da Lei Complementar nº 64/90”(...)“Outrossim, o requisito de alfabetização deve ser sopesado dentro de critérios mais flexíveis, isto é, desde que o candidato saiba ler e escrever com razoabilidade, cumprido está o dispositivo constitucional. “Isto porque, analfabeto é aquele que não tem qualquer domínio das letras, não sendo de se exigir significativo grau de instrução ou, ainda,considerável nível de compreensão na leitura dos textos em vernáculo. (grifo nosso) (REGISTO DE CANDIDATURA,RECURSO Nº 20.882 - SÃO PAULO.Rel. Suzana Camargo, 27.08.2004)

Nos termos dos posicionamentos acima colhidos, pode-se perceber que o

analfabetismo empregado pela constituição como condição de inelegibilidade se refere ao

analfabetismo em sentido estrito, ou seja, aquele que não sabe ler e escrever de forma

absoluta. Nisso, o candidato considerado semi-analfabeto, deve ser considerado apto a

concorrer ao pleito, haja vista que o dispositivo previsto no art. 14 §4º da CRFB/1988, deve ser

interpretado de forma restritiva, não admitindo interpretação extensiva a ampliar o rol dos

excluídos do direito de ser votado.

Nesse raciocínio, compartilha a Juíza Andréa de Souza Foureaux Benfica da 140º

zona eleitoral de Itaúna –MG, no qual cita o voto do juiz Antônio Lucas Pereira, no acórdão

nº. 1.184/2004, do TRE-MG:

[...]Não tenho dúvida que seria extremamente salutar que todos os candidatos e principalmente os eleitos possuíssem pleno domínio das letras e dos números. Tivessem lido os clássicos, dominassem técnicas de oratória e conhecessem os meandros da administração pública. Mas o certo é que não foram esses os critérios estabelecidos pela Constituição, que ao invés de considerar elegíveis os alfabetizados ou aqueles que apresentassem alguma capacitação especial, optou por simplesmente afirmar inelegíveis os analfabetos, o que é coisa bastante diferente.E,

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por se tratar de causa de inelegibilidade, não é possível dar-lhe interpretação ampliativa, como é pacífico na doutrina e na jurisprudência. Por todos, vale lembrar o que consignou o Ministro Marco Aurélio na ementa do Acórdão TSE 12.236: ‘as normas regedoras das inelegibilidades são de direito estrito, descabendo a adoção de forma interpretativa que importe em elastecer-lhes o teor’. Assim, não é absurdo sustentar, como já admitiu o Tribunal Superior Eleitoral, que o semi-alfabetizado, porque não pode ser considerado analfabeto, é elegível. Pedro Henrique Távora Niess, em seu festejado Direitos Políticos (2ª edição), registra que “o direito de ser votado não pressupõe, como requisito, a alfabetização do seu titular. A letra da Constituição contenta-se com que não seja ele analfabeto. O semi-analfabeto, pois, é elegível”.(grifo nosso)(AÇÂO DE IMPUGNAÇÂO DE CANDIDATURA. Juíza Andréa de Souza Foureaux Benfica.Disponível em:http://www.tremg.gov.br/portal/website/jurisprudencia/sentenca/arquivos_sentencas/inelegibilidade_analfabetismo/proc303_registro_candidato_140ze_itauna.pdf,acesso em:08.09.2011)

O dispositivo constitucional previsto no art. 14§ 4º, como visto, deve ser analisado de forma

restritiva, e não de forma extensiva, considerando esta, como a interpretação em que lei diz menos e o

interprete diz mais do que a lei queria dizer (“lex minus dixit quam voluit”), e em caso de sua

observância, geraria prejuízo significativo, que ampliaria os seus efeitos (inelegibilidade) aos analfabetos

funcionais, restringindo assim direitos, o que em regra, não é permitido no ordenamento jurídico brasileiro.

Entende-se, nesse sentido, que a inelegibilidade constitucional é norma restritiva

de um direito fundamental (direitos políticos), por isso, não deve ser interpretada de forma

extensiva. No entendimento de José Afonso da Silva, são “direitos fundamentais do homem-

cidadão, (...), chamados também direitos democráticos ou direitos de participação política”.

(SILVA, 2006,p.186)

Assim, segundo José Afonso da Silva, as normas relativas a inelegibilidades, por

constituírem restrições a direitos políticos, devem ser interpretadas restritivamente:

O princípio que prevalece é o da plenitude do gozo dos direitos políticos positivos, de votar e ser votado. A pertinência desses direitos ao indivíduo, como vimos, é que o erige em cidadão. Sua privação ou a restrição do seu exercício configura exceção àquele princípio. Por conseguinte, a interpretação das normas constitucionais ou complementares relativas aos direitos políticos deve tender à maior compreensão do princípio, deve dirigir-se ao favorecimento do direito de votar e de ser votado, enquanto as regras de privação e restrição hão de entender-se nos limites mais estreitos de sua expressão verbal segundo as boas regras de hermenêutica.(SILVA, 2006,p.382) (grifo nosso)

Neste sentido, não deve o interprete ampliar as condições pré-estabelecidas pelo

poder constituinte originário aos analfabetos funcionais, estendendo-lhes a inelegibilidade, ou

seja, restringindo “além dos limites mais estreitos de sua expressão verbal” os direitos

políticos dos cidadãos.

No entanto, há uma corrente de estudiosos do direito que entende que o legislador

ao criar o art.14, § 4oda CF/88, não fez distinção de qual é o analfabetismo empregado como

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condição de inelegibilidade, em virtude disso, entendem que o analfabetismo citado inclui os

chamados funcionais. Ao contrário do analfabeto absoluto apontado acima, que não sabe ler e

escrever, o analfabeto funcional consegue reconhecer as letras, contudo não consegue

entender o que lê e nem elaborar um enunciado, por mais curto que seja sobre um assunto

genérico. Nisso, entendem alguns estudiosos do direito, como Reginaldo Melo Junior11, em

parecer ministerial fundamentando acerca do termo analfabeto para fins eleitorais, no qual

defende que o analfabetismo deve ser interpretado de acordo com a evolução da sociedade

que na era moderna, devido às transformações cientificas tecnológicas e, sobretudo, sociais e

políticas exigem do cidadão, célula viva dessas transformações, um conhecimento mínimo, e

em virtude disso, tal conceito deve ser ampliado em razão dessas novas necessidades:

[...]Porém, ao longo do último século, "esse conceito de alfabetização foi sendo progressivamente ampliado, em razão de necessidades sociais e políticas, a ponto de já não se considerar alfabetizado aquele que apenas domina as habilidades de codificação e de decodificação, ´mas aquele que sabe usar a leitura e a escrita para exercer uma prática social em que a escrita é necessária [...](JÚNIOR,Reginaldo Melo,Inelegiblidade do analfabeto funcional.jus.uol.Disponível em :<http://jus.uol. com. BR /revista /texto/ 16607/ inelegibilidade-do-analfabeto-funcional>Acesso em 02/05/2011).

Entende o referido promotor de justiça, “que mais do que saber ler e escrever um

texto autônomo (uma carta bilhete etc.) em outras palavras deve conseguir usar a escrita, tirar

proveito dela, valer-se da linguagem escrita para atividades do cotidiano”. Nisso, o promotor

termina o raciocínio, sob um prisma eminentemente político, justificando a necessidade de o

ocupante de cargo eletivo ter um grau de escolaridade compatível com o desempenho de suas

funções.

[...]O vereador exerce relevante função pública. Além de legislador dos assuntos da comuna, é fiscal das atividades do prefeito, em especial da arrecadação e dos gastos públicos, dos atos e contratos administrativos. Sendo analfabeto funcional, isto é, sabendo ler e escrever sem conseguir fazer uso da escrita, não poderá desempenhar as funções do cargo, frustrando a vontade do eleitor, mal ferindo o interesse público e lesando o erário (já que receberá remuneração sem conseguir contra-prestar o serviço).Assim, quando a Constituição erigiu o analfabetismo como causa de inelegibilidade, abrangeu também o analfabeto funcional.(JÚNIOR,Reginaldo Melo.Inelegiblidade do analfabeto funcional. Disponível em: http://jus.uol. com. BR /revista /texto/ 16607/inelegibilidade-do-analfabeto-funcional, acesso em 02 de mai. de 2011).

Em que pese as considerações do parecer ministerial importantes para uma efetiva

atuação acerca das atividades eletivas, o conceito de analfabetismo previsto pela CRFB/1988

deve ser, com a devida vênia, interpretado de forma diversa.

11 Reginaldo Melo Júnior, é promotor de justiça do Estado de Goiás.

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Caso venhamos a interpretar a norma constitucional do art.14 § 4º da CRFB/1988,

considerando inelegível os analfabetos funcionais (aqueles que tem menos de 4 anos de escolaridade),

geraria grandes conseqüências para o sistema representativo brasileiro, haja vista que reduziria

drasticamente o contingente eleitoral, como se pode observar por meio da Síntese dos Indicadores Sociais

de 2006 (SIS-2006) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) que mostra que 23,5% da

população brasileira, seria considerada inelegível, caso fosse interpretada a vedação constitucional contida

no art.14 §4º da CRFB/1988 aos analfabetos funcionais:

[...]A Síntese dos Indicadores Sociais de 2006 do IBGE (IBGE, 2006) mostra que o Brasil, em 2005, contava com cerca de 14,9 milhões de pessoas de 15 anos ou mais analfabetas, segundo os dados da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) daquele ano, correspondendo a 11% da população. Quando se amplia o conceito de analfabetismo para analfabetismo funcional, o número de pessoas nestas condições cresce significativamente: a taxa alcançava 23,5%, em 2005. (ARTIGO,Analfabetosfuncionais.Disponívelem:<http://caravelas.Icmc.usp.br/wiki index.php/Analfabetosfuncionais%28AF%29>Acesso em17/08/2011)

Nisso, segundo o último Indicador Social da Pesquisa Nacional por Amostra de

Domicílios – PNAD 2009, do Instituto de Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),

mostra que em relação a síntese dos indicadores sociais de 2006 do IBGE, a taxa de

analfabetismo funcional, baixou em média 4,1%, ou seja, ainda é grande o número de

analfabetos funcionais no país, o que pode ser demonstrado pelas informações abaixo:

[...]a população brasileira contava com cerca de 191,8 milhões de habitantes. A taxa de analfabetismo das pessoas de 15 anos ou mais de idade baixou de 13,3%, em 1999, para 9,7%, em 2009, correspondendo a um contingente de 14,1 milhões de pessoas, A PNAD estimou também a taxa de analfabetismo funcional (percentual de pessoas de 15 anos ou mais de idade com menos de quatro anos de estudo) em 20,3%. O índice é 4,1 pontos percentuais menor que o de 2004 e 0,7 ponto percentual menor que o de 2008[...] (IBGE,PNAD-2009)

O Instituto Paulo Montenegro, ligado ao IBOPE, faz, desde 2001, um

levantamento chamado de Indicador de Analfabetismo Funcional (INAF)12. Este apontou em

pesquisa realizada em 2009 que apenas cerca de 25 % da população brasileira consegue ler e

escrever plenamente, ou seja, três em cada quatro brasileiros tem algum nível de

analfabetismo ou analfabetismo funcional.(Fonte: INAF – 2009)

Como se pode observar, caso venhamos a condicionar a elegibilidade aqueles

considerados alfabetizados plenamente, os excluídos de serem votados aumentaria

12 O Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf) vem sendo apurado anualmente, desde 2001, por meio de estudo realizado pelo IBOPE com base na metodologia desenvolvida em parceria entre o Instituto Paulo Montenegro – responsável pela atuação social do IBOPE – e a ONG Ação Educativa. O Indicador mensura os níveis de alfabetismo funcional da população brasileira entre 15 e 64 anos de idade, englobando residentes de zonas urbanas e rurais de todas as regiões do Brasil, quer estejam estudando quer não.

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assustadoramente, ou seja, somente cerca de 25 % da população estariam aptas a exercer

cargos eletivos.

Dessa forma, caso venhamos a interpretar a norma constitucional prevista no art.

art.14 § 4º da CRFB/1988, estendendo a vedação aos analfabetos funcionais, estaríamos ampliando o

número de pessoas consideradas inelegíveis, o que prejudicaria o próprio sistema representativo brasileiro,

ainda mais, se para ocupar o cargo eletivo fosse necessário o candidato possuir curso superior, como

entendem alguns, o poder passaria a novamente na história brasileira, a concentrar nas mãos de uma

pequena parcela da população que dominaria novamente o cenário político nacional, em detrimento a uma

grande parcela considerada inelegível que apenas serviriam de meros espectadores de um sufrágio restrito a

poucos.

3.2 Do exame da condição de alfabetizado

A restrição dos direitos políticos do analfabeto pode ser observado no momento de

registro de sua candidatura, haja vista que para concorrer a cargo eletivo, como visto, é

necessário que o candidato seja alfabetizado, ou seja, é uma das condições de elegibilidade

que o pré-candidato saiba ler e escrever. A dúvida que merece ser destacada é como deve ser

avaliada a alfabetização do candidato a cargo eletivo que não possua título escolar?

A Resolução nº. 23.221/10 do Tribunal Superior Eleitoral, em seu artigo 26 inciso

IV, § 9º e artigo 31 do mesmo diploma, estabelece como requisito necessário ao registro da

candidatura a cargo eletivo, o comprovante de escolaridade, do qual poderá na sua ausência

ser suprida por declaração de próprio punho ou por outros meios:

Art. 26.  A via impressa do formulário Requerimento de Registro de Candidatura (RRC) será apresentada com os seguintes documentos:I- (...)II-(...)III(...)IV – comprovante de escolaridade;§ 9º  A ausência do comprovante de escolaridade a que se refere o inciso IV do caput poderá ser suprida por declaração de próprio punho, podendo a exigência de alfabetização do candidato ser aferida por outros meios, desde que individual e reservadamente.Art. 31.  Havendo qualquer falha ou omissão no pedido de registro, que possa ser suprida pelo candidato, partido político ou coligação, o relator converterá o julgamento em diligência para que o vício seja sanado, no prazo de 72 horas, contado da respectiva intimação por fac-símile (Lei nº 9.504/97, art. 11, § 3º).

Dessa forma, caso o candidato não possua comprovante de escolaridade poderá

através de declaração de próprio punho, demonstrar a alfabetização necessária como requisito

imprescindível para se candidatar a cargo eletivo, ou seja, deverá demonstrar que possui

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condições mínimas de alfabetização com o fim de afastar a hipótese de analfabetismo

absoluto.

A declaração de próprio punho poderá ser feita em cartório, na presença de

servidor da justiça eleitoral ou mesmo do próprio juiz que formará a sua convicção acerca da

condição de alfabetizado do candidato. Nesse entendimento, a entrega de declaração digitada

pelo candidato, não é meio idôneo a comprovar a escolaridade como condição de

elegibilidade.

Neste entendimento, segue o TSE:

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ORDINÁRIO. REGISTRO DE CANDIDATURA. DEPUTADO ESTADUAL. ALFABETIZAÇÃO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. NÃO PROVIMENTO.ELEIÇOES 2010.1. Na ausência de comprovante de escolaridade, é facultado ao candidato firmar declaração de próprio punho na presença do Juiz Eleitoral ou de servidor do Cartório Eleitoral. Precedentes. 2. Na espécie, todavia, o agravante apresentou declaração digitada e, posteriormente, anexou às razões do recurso ordinário nova declaração firmada sem a presença do Juiz Eleitoral ou de serventuário do CartórioEleitoral. 3. Agravo regimental não provido.Acordam os ministros do Tribunal Superior Eleitoral, por unanimidade, em desprover o agravo regimental, nos termos das notas de julgamento.(AGRAVO REGIMENTAL.RECURSO ORDINÁRIO Nº4317-63.2010.6.26.0000 -CLASSE 37 - SÃO PAULO. Relator: Ministro Aldir Passarinho Júnior, 29.09.2010)

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. REGISTRO DE CANDIDATURA. ANALFABETISMO. ART. 29, IV, § 2 0, DA RES. - TSE NO 22.717. DECLARAÇÃO DE PRÓPRIO PUNHO. PRESENÇA DO JUIZ ELEITORAL OU DE SERVENTUÁRIO DA JUSTIÇA ELEITORAL. EXIGÊNCIA. TESTE. RIGOR EXCESSIVO.PRECEDENTE. OUTROS MEIOS DE AFERIÇÃO. OBSERVÂNCIA DO FIM CONSTITUCIONAL. AGRAVO PROVIDO.ELEIÇOES 208.1. Na falta do comprovante de escolaridade, é imprescindível que o candidato firme declaração de próprio punho em cartório, na presença do juiz ou de serventuário da Justiça Eleitoral, a fim de que o magistrado possa formar sua convicção acerca da condição de alfabetizado do candidato.2. 'O rigor da aferição no que tange à alfabetização do candidato não pode configurar um cerceio ao direito atinente à inelegibilidade'(Acórdão n°30.071, de 14.10.2008, rei. mm . Arnaldo Versiani).3. A norma inscrita no art. 14, § 4°, da Constituição Federal impõe apenas que o candidato saiba ler e escrever. Para este efeito, o teste de alfabetização deve consistir em declaração, firmada no cartório eleitoral, na qual o candidato informa que é alfabetizado, procedendo em seguida à leitura do documento." (AGRAVO REGIMENTAL.RECURSO ESPECIAL n° 30.682/AL, Rei. Mm. Joaquim Barbosa, PSESS de 27.10.2008) (grifo nosso)

Nesse prisma, caso o candidato não apresente documento que comprove sua

escolaridade, poderá em cartório produzir declaração que ateste a sua alfabetização

procedendo em seguida a leitura do documento, nisso, é importante que tal declaração seja

firmada no cartório eleitoral e não, simplesmente, o candidato a leve consigo.

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Se o candidato não apresentar a certidão escolar ou mesmo não atestar de próprio

punho na presença dos servidores da justiça eleitoral, o magistrado fica com um “problema”

tendo em vista a lacuna da legislação. É diante disso que surge o denominado “outros meios”

para aferir a condição de elegibilidade do candidato.

Não há parâmetros definidos pela Justiça Eleitoral de como aferir essa condição e

o Juiz Eleitoral, conforme o caso concreto, deve utilizar regras de interpretação proporcional à

luz do principio da dignidade da pessoa humana e da razoabilidade jurídica.

Neste entendimento compartilha Luciana Costa Aglantzakis13:

[...]A dignidade da pessoa humana sempre deve ser preservada no momento de aferir se o cidadão é “afalbetizado ou não”; para que os seus eleitores não possam formular juízo crítico e depreciativo, diante da peculiar condição intelectual do(a) possível candidato(a)(...) Nessa ordem de idéias, a teoria dos direitos fundamentais revela que o Magistrado Eleitoral deve ter bastante cautela em identificar o pré-candidato como alfabetizado ou não, pois o ser humano tem o direito de ser identificado com “dignidade e valor na sociedade”, principalmente na situação específica que pretenda concorrer a um cargo eletivo e ser representante de uma coletividade.(AGLANTZAKIS,Luciana Costa.Disponível em: http://www.Parana eleitoral.gov. br/artigo_impresso.php?cod_texto=303,acesso em:06 de set. de 2011)

Entende-se que o magistrado, neste momento, em face do vazio da norma, deve

atuar de acordo com a discricionariedade dada pelo legislador, inovando através do seu

entendimento, utilizando todos artifícios que entender necessário a formação de sua convicção

sobre a condição de elegibilidade do candidato a cargo eletivo. Assim, quanto ao teste de

verificação, é “lícito ao Juiz, havendo dúvida quanto a ser alfabetizado aquele que pretende

ser candidato, determinar a aplicação de teste” ( TSE, Resp Eleitoral n° 13.216-TO, Rel. Min.

Eduardo Ribeiro, DJU, Seção 1, 12-11-96,p. 43.998).

Portanto, o candidato a cargo eletivo, deve como condição de elegibilidade,

demonstrar, no momento de sua candidatura, que possui a escolaridade necessária para

concorrer ao pleito, e caso este não tenha como comprovar através de certidão escolar, a lei

infraconstitucional determina que seja submetido a declaração de próprio punho em cartório

eleitoral na presença de servidor ou mesmo seja submetido a teste perante o juiz eleitoral.

A crítica que se faz é quanto a discricionariedade do juiz eleitoral no momento de

se aferir através de teste a condição de alfabetizado do candidato a cargo eletivo, como dito, o

juiz deve utilizar regras de interpretação proporcional à luz do principio da dignidade da

pessoa humana e da razoabilidade jurídica. Nisso, o magistrado na análise do caso concreto,

deve, antes de realizar o teste individual e reservado com o candidato, verificar se este atende

13 Luciana Costa Aglantzakis é juíza de Direito da 24ª ZE/TER-TO.

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as condições mínimas para se candidatar a cargo eletivo, comprovando através de certidão

escolar ou na sua ausência, através de declaração de próprio punho em cartório eleitoral,

afastando assim, a necessidade de se submeter a teste para aferição da sua condição de

alfabetizado em juízo.

Dessa forma, a discricionariedade do juiz eleitoral, conferida pelo legislador, na

realização de testes para se avaliar a condição de alfabetizado do candidato, pode acarretar,

diversos tipos de abusos, por não ter a lei eleitoral um modelo ou mesmo orientação aos

magistrados de como se deve conduzir o teste que vai declarar apto ou não o candidato a

cargo eletivo, nisso, o poder discricionário do juiz pode tornar o teste uma “tortura” ao

candidato, expondo-o a situações vexatórias e humilhantes que pode conferi-lo, ao final, um

odioso diploma de analfabeto.

Felizmente, o duplo grau de jurisdição, presente em nosso ordenamento jurídico, é

um incontestável instrumento da democracia, que tem como objetivo rever as decisões

monocráticas ou mesmo colegiadas de tribunais inferiores, como forma de dar um provimento

jurisdicional aquele que, inconformado com a decisão que o prejudicou, usa dos instrumentos

hábeis que a lei dispõe, alcançando assim, o máximo de eficiência na administração da justiça.

Nisso, o TSE, em recurso especial contra decisão monocrática que julgou

inelegível candidato a cargo eletivo em teste para aferir a condição de alfabetizado, já decidiu:

REGISTRO. ANALFABETISMO. TESTE. DECLARAÇÃO DE PRÓPRIO PUNHO. POSSIBILIDADE.RECURSO PROVIDO EM PARTE.ELEIÇOES 2004.A constituição federal não admite que o candidato a cargo eletivo seja exposto a teste que lhe agrida a dignidade.Submeter o suposto analfabeto a teste público e solene para apurar-lhe o trato com as letras é agredir a dignidade humana (CF,art.1º,III).Em tendo dúvida sobre a alfabetização do candidato, o juiz poderá submetê-lo a teste reservado. Não é lícito contudo, a mostragem de espetáculo coletivo que nada apura só produz constrangimento.(...)O art. 14, § 4º, da constituição federal, não admite que o suposto analfabeto se submeta a testes agressivos à sua dignidade.A prova descrita nos autos (fls. 21-22) é um odioso exercício de agressão de dignidade de pessoas humildes, que, por pretenderem exercer a cidadania, são expostas à execração pública.Um simples exercício de empatia revela a ineficiência de tal modo de aferição: nervoso e humilhado, o candidato tende a perder por inteiro a habilidade que aderiu nos bancos escolares.O postulante trouxe no autos a declaração de próprio punho, dando conta de ser alfabetizado. Se houver dúvida quanto à declaração, o juiz poderá em diligencia reservada e orientada por experto, apurar o teor da alfabetização.Não é licita, contudo, a montagem de espetáculo coletivo que nada apura e só produz constrangimento.Dou provimento ao recurso.(RECURSO ESPECIAL ELEITORAL Nº 2.1707 – CLASSE 22ª – PARAIBA (30ª Zona – Teixeira) Relator: Ministro Humberto Gomes de Barros. 17.08.04 )

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É preciso que o legislador infraconstitucional regulamente a matéria, retirando do

juiz eleitoral o poder discricionário de interpretar a vedação contida no art. 14 § 4º da

CRFB/1988, ao aplicar testes para averiguar a condição de alfabetizado do candidato a cargo

eletivo, o que facilitaria o entendimento e a aplicação adequada no caso concreto e ao mesmo

tempo, geraria economia processual, haja vista que é grande o número de recursos contra

decisões monocráticas que são reformadas pelos tribunais superiores, no que tange a aplicação

de testes que afastam os direitos políticos passivos de candidatos a cargos eletivos.

3.3 A inelegibilidade do analfabeto e a colisão entre princípios constitucionais do Estado Democrático de Direito.

Como já mencionado, a inelegibilidade contida no art. 14 § 4º da CRFB/1988,

segundo a maioria dos estudiosos do direito, se refere aos analfabetos absolutos, ou seja,

aquele que não sabe ler e escrever, e não aos analfabetos funcionais, considerados aqueles que

sabem ler e escrever, mesmo que precariamente.

Contudo, existe ainda, uma outra corrente de estudiosos, que entendem que os

analfabetos de uma maneira geral devem ser assegurados o direito de ser votado, não obstante

a CRFB/1988, tenha vedado em seu art. 14 § 4º. Essa corrente de estudiosos, do qual nós nos

filiamos, faz uma análise sistemática da constituição, demonstrando que a inelegibilidade do

analfabeto entra em colisão com uma série de normas basilares do Estado Democrático de

Direito. Dentre vários dispositivos constitucionais que “colidem” com a previsão da

inelegibilidade do analfabeto, vale ressaltar primeiramente, o princípio da isonomia contida

no art. 5º da CRFB/1988, onde declara de “todos são iguais perante a lei, sem distinção de

qualquer natureza [...]”. (CRFB/1988, art.5º)

A CRFB/1988, estabelece de forma corrente em seu texto a presença constante da

palavra igualdade, como sinal de grande relevância para o ordenamento jurídico, para a

construção de uma sociedade justa e de preocupação elementar para com a permanência de

um Estado Democrático de Direito. E nessa sintonia, para com o restante do corpo, traz o

preâmbulo da Constituição de 1988:

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das

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controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL(CRFB/1988, preâmbulo) (grifo nosso)

Ao assegurar a igualdade de todos perante a lei, a CRFB/1988, quer impedir

qualquer forma de discriminação ou mesmo privilégios de qualquer ordem econômica ou

financeira que não seja para reduzir as desigualdades sociais ou regular a vida em sociedade,

ou seja, o princípio da isonomia, como norma basilar do Estado Democrático de Direito, tem

como objetivo a “construção de uma sociedade livre, justa e solidária”.(art.3º,CRFB/1988)

Conforme preleciona o professor Celso Antônio Bandeira de Mello, “não deve,

assim, ser a lei reduto de privilégios ou perseguições, mas instrumento regulador da vida em

sociedade que necessita tratar de forma paritária todos os cidadãos”(MELLO, 1999,p.145)

Esse entendimento vem de encontro ao pensamento de Aristóteles que afirma que

“a verdadeira igualdade consiste em tratar-se igualmente os iguais e desigualmente os desiguais a

medida em que se desigualem”. Entretanto, se a norma constitucional estabelece de maneira

isonômica que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, porque a

mesma lei proíbe ao analfabeto ocupar cargo público elegível, considerando-o, assim,

inelegível?

Segundo José Afonso da Silva, as inelegibilidades previstas na CRFB/1988,

devem ter um fundamento ético relevante, ou seja, devem ter como proteção a probidade

administrativa e a moralidade para o exercício do mandato selecionando assim, melhor os

administradores e os representantes do povo:

[...]As inelegibilidades têm por objeto proteger a normalidade e a legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta (art. 14, § 9o). Elas possuem, assim, um fundamento ético evidente, tornando-se ilegítimas quando estabelecidas com fundamento político ou para assegurarem o domínio do poder por um grupo que o venha detendo, como ocorreu no sistema constitucional revogado. Demais, seu sistema ético correlaciona-se com a democracia, não podendo ser entendido como um moralismo desgarrado da base democrática do regime que se instaure. (grifo nosso) (SILVA,2006,p.228)

Nisso, observa-se que há uma preocupação do legislador originário em afastar do

processo eleitoral os governantes e representantes do povo que cometem abusos de autoridade

e do poder econômico, entendendo-se estas como medidas necessárias a garantir uma maior

legitimidade e moralidade nas eleições. Nestes termos, compreende-se que o analfabetismo

não é um fundamento ético evidente a ser relacionado como a probidade e a moralidade

administrativa, ou seja, não há uma relação lógica entre ser analfabeto e a prática de atos de

improbidade administrativa ou mesmo de abuso de autoridade e de poder econômico, o que se

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pode concluir que o tratamento desigual dado pela norma é fruto do preconceito e

discriminação, pela elite econômica, àqueles em que a vida não reservou sorte semelhante.

É pensando nessa contradição, que a restrição dos direitos políticos do analfabeto,

pode gerar uma certa discriminação e violação ao principio da isonomia que rege a

CRFB/1988, por isso, vários estudiosos do direito e demais pensadores de outras áreas do

conhecimento, passaram a criticar tal tratamento dado pela norma aos analfabetos, vale

destacar, por exemplo, o pensamento de José Aleixo14:

(...) Transcorridos quase vinte anos, da Carta de 1988, é imperiosa a pergunta: está concluída e completa a reparação? Certamente que não. Nossas históricas dívidas para com os laboriosos, mas, geralmente, emudecidos e envergonhados analfabetos, ainda não foram totalmente saldadas. Eles continuam inelegíveis. Nada importa que demonstrem, em suas vidas, patriotismo, espírito público, seriedade, honestidade, capacidade administrativa, inclusive empresarial, confiabilidade e sabedoria. Seus adversários, talvez carentes destes atributos e temerosos de uma derrota, podem impugnar, com base no parágrafo 4º do artigo 14, os molestos rivais. E mais. Na falta de uma definição legal do termo “analfabeto” probos magistrados aplicam, ou julgam poder aplicar, em suas jurisdições, aos pré-candidatos, a seu talante, testes de crescente complexidade[...](grifo nosso) (ALEIXO,José. A inelegibilidade de analfabetos: uma nódoa na constituição .domtotal.Disponível em:http://www.domtotal.com/direito/pagina/detalhe/23905/a-inelegibilidade-de-analfabetos-uma-nodoa-naconstituicao, acesso em :13 de set. de 2011)

Pode-se observar nas palavras de José Aleixo, que ainda é grande a discriminação

aos analfabetos no Brasil, não importa o que demonstrem, por mais nobre que seja a sua

contribuição para o país, são ainda considerados “incapazes” para exercer cargo eletivo.

A Constituição da República Federativa do Brasil, em seu art.3º inc. IV, ainda

observando o princípio da isonomia, dispõe como objetivo fundamental “promover o bem de

todos sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de

discriminação.(grifo nosso) (CRFB/1988,art. 3º inc.IV)

Assim, como norma programática que estabelece os objetivos a serem observados

pela República Federativa do Brasil, entende-se que a vedação da ocupação a cargo eletivo

aos analfabetos é uma evidente forma de discriminação, haja vista, que são cidadãos

brasileiros que por variados motivos, não puderam estudar, e quando resolvem exercer o

direito de representar os seus pares, é proibido por a norma considerá-lo inelegível.

Questionando a discriminação que a norma estabelece aos analfabetos, Ivan Lira

argúi:

[...]Num país onde faltam escolas e onde as crianças são destas arrancadas para lavourar ou trabalhar em carvoarias, é bem comum a escravidão do analfabetismo. E quando alguém alcança a luz das letras incipientes, deveria ser louvado e elogiado, e não ser perseguido para que não exerça uma porção da sua cidadania,

14 José Aleixo é padre e doutor em ciência política, membro da academia mineira de letra

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que é justamente a exposição ao julgamento popular, via voto.(CARVLHO,Ivan Lira de. candidatos analfabetos. Disponível em :http://jus. uol.com.br/ revista/texto /1524/candidatos-analfabetos, acesso em:13 de set. de 2011).

Nesse entendimento, a CRFB/1988, em seu art. 6º, estabelece a educação como

sendo um direito social, e no mesmo diploma, em seu art. 205, prevê que a educação é um

direito de todos e dever do Estado, nisso, deve ser fomentado como forma de dar

oportunidades a todos os brasileiros, para que tenham igualdade de condições, em busca de

uma vida mais digna e respeitosa. Ensina Pedro Lenza, que as normas previstas no referido

dispositivo constitucional, “são normas de eficácia limitada, declaratórias de princípios

pragmáticos, veiculam programas a serem implementados pelo Estado, visando a realização

de fins sociais”(LENZA,2007,p.138)

Pode-se então compreender que é necessário um planejamento através de

programas e outras ações a serem implementados pelo estado, como forma de assegurar a

todos o direito a educação, enquanto isso, ainda se pode notar em várias comunidades,

sobretudo, aquelas localizadas nas áreas urbanas consideradas mais carentes, ou mesmo, na

zona rural, a precariedade do ensino, mormente, no que tange a falta de escolas, ou na sua

existência, pode-se observar ainda, algumas irregularidades: como transporte escolar

inadequado (quando tem); as péssimas instalações em infra-estrutura; falta de materiais

didáticos; a ausência de merenda escolar ou mesmo a sua má qualidade; a falta de professores,

decorrente, muitas vezes, da má remuneração que lhes são oferecida, e outros fatores que

contribuem para a evasão escolar, e a produção de novos analfabetos no Brasil.

Desse modo, em um país, com milhões de pessoas consideradas analfabetas, que

não desempenha, de forma adequada, o seu papel constitucional de assegurar uma educação

de qualidade a toda população, teria legitimidade, então, este mesmo país, de restringir os

direitos políticos do analfabeto impedindo-o de concorrer a cargos eletivos?

Um outro princípio basilar do Estado Democrático de direito, é o da soberania

popular, nisso, a CRFB/1988, dispõe em seu art.14, que “a soberania popular será exercida

pelo sufrágio universal pelo voto direto secreto, com valor igual para todos” [...](CRFB/1988,

art.14) .

Se a soberania popular, segundo a constituição, é exercida pelo voto, compreende-

se então, que a restrição aos direitos políticos do analfabeto é também uma restrição ao direito

de sufrágio, ou seja, é uma restrição ao direito de votar. Neste sentido, a norma constitucional

quando veda ao analfabeto o direito de ser votado, também priva no eleitor de votar em seus

iguais e dessa forma, impede o candidato analfabeto de se candidatar e de demandar

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diretamente nas discussões políticas por decisões em benefício da sua condição e a dos seus

pares.

A CRFB/1988, em seu art. 1º, estabelece os fundamentos da República Federativa

do Brasil; dentre eles, está previsto a cidadania, que pode ser compreendida como a

legitimidade dada aos nacionais, para o exercício da democracia, no Estado Democrático de

Direito. A cidadania, como legitimidade para o exercício da democracia, não é conferida a

todos os brasileiros de forma ampla e indiscriminada, mas sim, a todos aqueles que estejam

em sua capacidade plena de exercê-la, ou seja, para que se possa falar em cidadania plena é

necessário que não haja nenhuma restrição legal que impeça o exercício dos direitos

considerados inerentes em um Estado Democrático de Direito pelo sujeito ativo: o cidadão.

Entende-se que o impedimento previsto no art. 14, § 4º da CRFB/1988, como

causa de inelegibilidade, é uma restrição aos direitos políticos do analfabeto, que segundo

esse entendimento, também é uma restrição a cidadania destes, haja vista que impede o

exercício dos direitos políticos em sua plenitude. A cidadania plena, segundo José Murilo de

Carvalho, é o gozo dos direitos civis, políticos, e sociais em sua plenitude, nisso, cidadão

pleno é o titular dos três direitos, aos passo que na ausência de algum destes instrumentos da

democracia que formam a cidadania, o tornam cidadãos incompletos, ou mesmo, não-

cidadãos. Resumindo, para o autor citado acima, “o cidadão pleno seria aquele que fosse

titular dos três direitos. Cidadãos incompletos seriam os que possuíssem alguns dos direitos.

Os que se não se beneficiassem de nenhum dos direitos seriam não cidadãos”.(CARVALHO,

2001, p.09)

Compreende-se que o analfabeto por ter somente a metade dos direitos políticos,

ou seja, somente o direito de voto, teria então este a metade da cidadania, e por conseguinte,

seria considerado um quase - cidadão, ou um cidadão pela metade.

Segundo Luiz Ismaelino Valente, citando José Cretella Junior, a legislação

brasileira está atrasada, com relação a outros países do mundo, que também enfrentam altos

índices de analfabetismo, mas que em virtude disso, não impediram estes de concorrerem com

dignidade ao pleito:

[...]“A lei brasileira só deu ao analfabeto metade dos direitos políticos” disse, com ironia, José Cretella Júnior. Quer dizer: entre nós, o analfabeto é só metade cidadão.Estamos mais atrasados do que a Polônia e a Bulgária, que consideram elegíveis os analfabetos, que, lá como cá, constituem boa parcela da população e merecem ser representados, como os demais segmentos.(Luiz Ismaelino Valente,procurador de justiça do Pará,artigo, http://jus.uol.com.br/revista /texto / 1523/os-analfabetos-e-a-prostituta). (grifo nosso).

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No mesmo sentido, segue o voto do Ministro Francisco Peçanha Martins, do TSE,

no acórdão nº 21.707 de 17 de agosto de 2004, que teve como relator o Ministro Humberto

Gomes de Barros:

REGISTRO. ANALFABETISMO. TESTE. DECLARAÇÃO DE PRÓPRIO PUNHO. POSSIBILIDADE.RECURSO PROVIDO EM PARTE.ELEIÇOES 2004.(...)(...) Se isso aconteceu na Inglaterra, imagine no Brasil, Sr. Presidente, onde nós temos 40% de analfabetos, ou semi-analfabetos. Creio que, uma vez admitido o voto do analfabeto, mas não lhe admitindo o direito de ser eleito, o legislador concedeu-lhe cidadania pela metade, ou seja, ele é cidadão para votar e não para ser votado. (grifo nosso) (RECURSO ESPECIAL ELEITORAL Nº 2.1707 – CLASSE 22ª – PARAIBA (30ª Zona – Teixeira) Relator: Ministro Humberto Gomes de Barros. 17.08.04 )

Diante do exposto, compreende-se que a restrição dos direitos políticos do

analfabeto é uma restrição também a sua cidadania, haja vista que devido a condição pessoal

em que se encontra (não saber ler e escrever) não pode exercer os direitos políticos em sua

plenitude, sendo considerado um semi-cidadão, ou um quase-cidadão como entendem muitos

estudiosos do direito. Em outras palavras, o analfabeto é considerado cidadão quando exerce a

sua capacidade eleitoral ativa (quando vota), e não é considerado cidadão para exercer o

direito de ser votado, haja vista que não possui a capacidade eleitoral passiva (direito de ser

votado).

Essa dicotomia, é uma evidente violação aos princípios basilares do Estado

Democrático de Direito, tendo em vista que obsta o exercício da democracia, tornando lenta a

marcha da cidadania, haja vista “a incapacidade do sistema representativo de produzir

resultados que impliquem em redução das desigualdades e o fim da divisão dos brasileiros em

castas separadas pela educação, pela renda, pela cor”.(CARVALHO,2010,p.229)

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3.4 A justificativa para a inelegibilidade do analfabeto

Para José Afonso da Silva, a inelegibilidade do analfabeto tem como fundamento o

cunho político, basta visualizar a história política do Brasil, em que o analfabeto, visto como

massa de manobra pela classe dominante, perdeu o direito de participar da vida política do

país, por questões de ordem eminentemente política, contudo, a justificativa pautou-se na sua

incapacidade. Alceu Ravanello Ferraro15, em discussão sobre o tema, demonstra que a lei

Saraiva foi o cume em que resultou na perda dos direitos políticos do analfabeto, considerado-

o incapaz de exercer o múnus público:

[...]O analfabetismo, portanto, emergiu no Brasil como uma questão política, não como uma questão econômica. Esta segunda dimensão do problema só seria levantada mais tarde, a partir do segundo pós-guerra, com as teorias do desenvolvimento que dariam sustentação teórica e ideológica ao período do Estado keynesiano ou do bem-estar. A Lei Saraiva de 1882, do final do Império, e todas as constituições republicanas anteriores à de 1988 se distinguiram, sob este aspecto, pelo seu caráter discriminatório, rotulador e excludente em relação ao analfabeto. O analfabetismo constituiu-se na grande vergonha nacional. O voto foi repetidamente negado aos analfabetos sob o argumento principalmente de sua incapacidade. (FERRARO, Alceu, Ravanello, Analfabetismo e níveis de letramento no Brasil: o que dizem os censos.Disponível em: http://www.scielo. br/pdf/es/v23n81/13930.pdf, acesso em: 13.09.2011) (grifo nosso)

A justificativa para a perda dos direitos políticos do analfabeto, no que tange a sua

incapacidade, segundo Ferraro, foi sendo repassada ao longo do tempo, já em 1957, o projeto

de Emenda Constitucional n.º15, que questionava de forma explícita tal incapacidade, tinha

em Armando Falcão16 o seu principal interlocutor que assim, justificativa:

15 Alceu Ravanello Ferraro é Professor do Departamento de Educação e do Instituto Ecumênico de Pós-Graduação/IEPG, da Escola Superior de Teologia/EST, São Leopoldo/RS. Professor Titular aposentado da UFRGS. Ex-professor titular da UNISINOS e da UCPEL. Ex-presidente da ANPED, 1989/93. Pesquisador do CNPq.16 Armando Falcão, foi político brasileiro, deputado federal pelo Ceará em 1950, 1954, 1958 e 1962, foi ministro da justiça no governo de Juscelino Kubitschek e ministro interino das relações exteriores, assumiu ainda a secretaria de justiça da Guanabara em 1960. Ocupou interinamente o ministério da saúde no governo de Jânio quadros, ministério da justiça no governo de Ernesto Geisel; sob a sua coordenação foi também elaborado projeto de reforma do poder judiciário, que incluía os anteprojetos de reforma do código civil, do código de processo penal e da lei de contravenções penais.Morreu em 10 de fev. de 2010.

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Sabe-se que cerca de 70% dos brasileiros são analfabetos (...). Ser analfabeto, entretanto, não significa ser incapaz. O discernimento não está subordinado à circunstância de saber ler e escrever (...). O analfabeto é um cidadão brasileiro para todos os efeitos. Paga impostos, é convocado para o serviço militar, é chefe de família, pertence a partidos políticos, integra associações de classe, participa de campanhas eleitorais, é proprietário, é agricultor, é industrial. Mas há uma discriminação injusta: não pode ser eleitor (...). O analfabeto tem os ônus da cidadania. Não pode ter, todavia, uma de suas prerrogativas ou faculdades essenciais, o que, mais do que injusto, é iníquo e odioso. (FERRARO, Alceu, Ravanello. Analfabetismo e níveis de letramento no Brasil: o que dizem os censos. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/es/v23n81/13930.pdf, acesso em: 13 de set. de 2011)(grifo nosso)

Atualmente, embora a CRFB/1988, tenha assegurado o direito de voto aos

analfabetos, estes ainda são impedidos de serem votados sob o mesmo argumento, ou seja, o

analfabeto ainda é visto como incapaz de ocupar cargo eletivo, como já exposto o argumento

do promotor do Estado de Goiás Reginaldo Melo Junior17, que entende que não somente o

analfabeto absoluto, mas também o funcional, são considerados inelegíveis, posto serem

incapazes de exercer as atribuições necessárias ao cargo.

A discriminação aos analfabetos, segundo Paulo Freire, está arraigada na própria

definição de analfabetismo, que ainda é visto como um mal, uma enfermidade em que se

encontram aqueles que estão desprovidos do conhecimento das letras:

A concepção, na melhor das hipóteses, ingênua do analfabetismo o encara ora como uma “erva daninha” – daí a expressão corrente: “erradicação do analfabetismo” –, ora como uma “enfermidade” que passa de um a outro, quase por contágio, ora como uma “chaga” deprimente a ser “curada” e cujos índices, estampados nas estatísticas de organismos internacionais, dizem mal dos níveis de “civilização” de certas sociedades. Mais ainda, o analfabetismo aparece também, nesta visão ingênua ou astuta, como a manifestação da “incapacidade” do povo, de sua “pouca inteligência”, de sua “proverbial preguiça”.(grifei) (Freire, 2001, p. 15)

O fato do analfabeto, em virtude de várias situações não ter conhecimento das

letras, ou seja, não saber ler e escrever, não o torna incapaz de ocupar cargo eletivo. Nisso, “é

uma injustiça, sobretudo quando se dispõe do rádio e da televisão e as pessoas ouvem e vêem.

Lembro que nossa cultura se deve a relatos orais”.( (RECURSO ESPECIAL ELEITORAL Nº

2.1707 – CLASSE 22ª – PARAIBA (30ª Zona – Teixeira) Relator: Ministro Humberto Gomes

de Barros. 17.08.04 )

Neste sentido, o senador Magno Malta (PR-ES) entende que pessoas cegas não são

impedidas de exercer cargo eletivo, devido a limitação funcional em que se encontram, nisso,

17 JÙNIOR,Reginaldo Mello,ob. Citada.

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desde que preencham os requisitos legais como condição de elegibilidade, estarão aptas a

serem votadas, contudo, o senador demonstra que terão praticamente as mesmas dificuldades

que os analfabetos, haja vista que necessitarão de ter pessoas confiáveis para ler os

documentos necessários para o exercício de suas funções:

[...] Aliás, pessoas com deficiência visual já comprovaram competência admirável para desempenhar altos cargos políticos, como por exemplo, David Paterson, o primeiro governador cego dos Estados Unidos, que assumiu oficialmente o mandato em NovaYork e o Presidente Joaquim Balaguer, da República Dominicana.Tal como os deficientes visuais, os rotulados de “analfabetos” podem encontrar pessoas confiáveis que lerão para eles papéis relevantes e escreverão o que eles ditarem, pois podem ser cultos e muito sábios, já que a sabedoria não está vinculada aos conhecimentos técnicos específicos repassados nos bancos escolares, pois o analfabetismo não os torna incapazes ou menos inteligentes.(grifo nosso) (MALTA,Magno,PEC da cidadania .Disponível em: http://legis.senado.gov.br/mate-pdf/83783.pdf, acesso em: 18 de set. 2011)

Como já visto, nas palavras do saudoso político brasileiro Armando Falcão, ser

analfabeto não significa ser incapaz, ou mesmo ignorante, o discernimento não está

subordinado a circunstância de saber ler e escrever. Nisso, afastar a elegibilidade do

analfabeto sob o argumento de ser este incapaz intelectualmente, é argumento frágil que não

deve prosperar em um Estado Democrático de Direito.

Neste entendimento, coaduna o representante do Ministério Público Luiz

Ismaelino Valente18:

Nem a Constituição nem as leis definem o analfabeto (...) Analfabetismo não é sinônimo de ignorância. Há muito apedeuta com diploma de nível superior. Se é para fazer testes, que se faça um que afira a honestidade do candidato. É melhor um analfabeto honesto do que um letrado corrupto.(VALENTE,Luiz Ismaelino, os analfabetos e a prostituta.JusUol.Disponível em:<http://jus.com.br/ revista/texto/1523/os-analfabetos-e-a-prostituta>Acesso em 18.09.2011)

O senador Magno Malta (PR-ES), entende que a vedação contida no art. 14, § 4º

da CRFB/1988, é injusta e incoerente, haja vista que os analfabetos não podem ser taxados

como incapazes ou ignorantes, como justificativa para não ocuparem cargos públicos, pois,

segundo o senador, a verdadeira sabedoria brota da essência dos homens:

[...]Portanto, não há como se negar tal direito aos analfabetos, pois a verdadeira sabedoria brota da essência dos homens e essa teoria de que o não alfabetizado deve ser excluído do direito de ser votado é discriminatória e repulsiva, pois o conhecimento técnico formal exigido, a ética e a moral não caminham sempre lado a lado, existindo candidatos despreparados, corrompíveis e corruptíveis em todas as camadas sociais, independente do nível cultural, já que cultura, não é necessariamente sinônimo de sabedoria. É inegável que existem muitos

18 VALENTE. Luiz Ismaelino. Procurador de Justiça no Pará, professor de Direito Eleitoral da ESM/PA e da FESMP/PA, sócio emérito do IBRADE (Instituto Brasileiro de DireitoEleitoral)

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diplomados ignorantes, assim como existem muito analfabetos sábios. A sabedoria não se consegue apenas com estudo, razão pela qual são muitos os teoricamente sem cultura, que possuem elevado grau de sabedoria, posto que erudição não constitui, por si só, sabedoria. (MALTA, Magno, PEC da cidadania..Disponível em:<http://legis.senado.gov.br/mate-pdf/83783.pdf, acesso em:18.09.2011)

Tal pensamento do referido senador, já fora confirmado por Magda Soares, no

estudo sobre letramento, entende a autora que um indivíduo pode ser ao mesmo tempo

analfabeto e letrado, ou seja, pode ser analfabeto e ter um vasto conhecimento de mundo,

enquanto um outro pode ser alfabetizado e ser iletrado, tendo assim, poucas experiências

empíricas, o que contribui para o entendimento que aquele que é analfabeto não quer dizer

que seja também incapaz intelectualmente.

É diante de tal raciocínio, que o senador supracitado acima, compreendendo como

injusta a vedação contida no art. 14, § 4º da CRFB/1988, em que proíbe ao analfabeto o

direito de ser votado, e tendo em vista inúmeras ações ajuizadas na justiça eleitoral sobre

inelegibilidade de candidatos analfabetos, passou a presidir um grupo de parlamentares, onde

foi elaborada a PEC nº. 27/2010, denominada de PEC da cidadania, que foi apresentada no

Congresso Nacional em 18 de novembro de 2010 com o objetivo de alterar o dispositivo

previsto no art.14, § 4º da CRFB/1988, concedendo o direito políticos passivos aos

analfabetos.

Nesse entendimento, a proposta de emenda à constituição (PEC nº 27/2010), visa a

revogação em parte do art.14, § 4ºa da CRFB/1988, ficaria com a seguinte redação: “Art. 14

[...], § 4º São inelegíveis os inalistáveis”.

Tal proposta de emenda à constituição, tem como objetivo reparar uma histórica

violação dos direitos políticos dos analfabetos, concedendo-o, assim, o direito de participar

efetivamente das decisões políticas do país, o que vem a colaborar para o resgate de sua

cidadania plena e promover aperfeiçoamento do Estado Democrático de Direito.

Portanto, exercício dos direitos políticos é uma importante ferramenta para o

exercício da democracia, sendo assim, não deve ser proibida, sem um fundamento ético

relevante. Para José Afonso da Silva, “deve prevalecer a plenitude dos direitos políticos

positivos, de votar e ser votado. A concentração desses direitos no indivíduo é que o faz

cidadão”. (SILVA, 2006,p.380)

Não permitir que o analfabeto exerça porção de sua cidadania é promover um

acesso restrito aos direitos políticos. A cidadania segundo Ivan Lira de Carvalho, “pressupõe a

igualdade do direito de votar (“jus sufragii”) e ser votado, (“jus honorum”), nisso, Julien

Freund, em A Essência da Política, proclamou uma verdade absoluta: “Ninguém pode ser

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mais cidadão do que o outro” (apud CARVLHO, Ivan Lira de. candidatos analfabetos.

Disponível em: http://jus.uol.com.br/revista/texto/1524/candidatos-analfabetos, acesso em: 13

de setembro de .2011).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho monográfico procurou elaborar uma pesquisa sobre os direitos

políticos do analfabeto na legislação eleitoral brasileira, observando o tratamento dado pela

norma a esse grupo de pessoas, em relação a cada momento histórico da formação do Estado

Brasileiro, como forma de angariar informações a promover uma maior reflexão sobre a

inelegibilidade contida no art.14 § 4º da CRFB/1988.

Foi verificado, que o analfabeto no Brasil –Colônia, podia votar e ser votado, ou

seja, detinha os direitos políticos ativos e passivos, haja vista que as Ordenações do Reino que

foram aplicadas como legislação eleitoral nesse período, não proibia aos analfabetos o

exercício destes direitos, contudo, somente detinham os direitos políticos passivos (direito de

ser votado), para os cargos eletivos no Brasil – Colônia, a nobreza local, conhecidos como

“homens bons”, ou seja, a maioria da população, denominada de cidadãos, somente podiam

exercer os direitos políticos ativos (direito de votar), o que se pode observar que o

impedimento ao exercício dos direitos políticos passivos é de ordem político- econômica.

No império, o analfabeto possuía os direitos políticos em sua plenitude, ou seja,

com a Constituição de 1824, o analfabeto podia votar e ser votado, contudo, para exercer os

seus direitos políticos deveria ter renda suficiente, o que fazia com que apenas um número

restrito de pessoas exercesse os direitos políticos positivos. Todavia, com a reforma eleitoral

de 1881, os analfabetos perderam o direito de voto, por questões de ordem política, tendo

como objetivo afastar do pleito a maioria da população que era considerada analfabeta,

visando assim, concentrar o poder nas mãos de uma minoria branca e abastada.

As demais constituições e leis infraconstitucionais eleitorais, no período

republicano, continuaram com o impedimento do direito de voto, bem como de ser votado aos

analfabetos, agora com o argumento que é incapaz intelectualmente para exercer os direitos

políticos, haja vista que não tem consciência do dever cívico. Somente com a abertura política

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a partir de 1985, é que foi estendido aos analfabetos o direito do voto, facultando o seu

exercício. Contudo, a CRFB/1988, impediu aos analfabetos o direito de ser votado,

considerando-o inelegível em seu art. 14, § 4º. Assim, o Brasil foi o último país na América

Latina a permitir o direito de voto aos analfabetos, e ainda os proíbe o direito de ser votado.

Observa-se que a vedação contida no art. 14, § 4º, não faz referencia a qual tipo de

analfabeto, haja vista que existem diferenciações quanto a sua condição educacional, o que

faz com que não haja no meio jurídico, entendimento quanto à vedação que a norma quer

alcançar. Recorrendo a outros ramos do conhecimento, como forma de se encontrar um

conceito mais preciso sobre analfabetismo, e poder melhor compreender o tema e facilitar a

aplicação da vedação contida no art.14 § 4º da CRFB/1988, verifica-se de uma forma ampla,

que analfabetismo é o estado ou condição de analfabeto, ou seja, é o status quo em que se

encontra o indivíduo que não tem conhecimento preciso das habilidades da leitura e da escrita.

Nisso, verifica-se que pode esse estado ser absoluto, ou seja, não saber ler e nem escrever

(analfabeto absoluto), ou mesmo, pode ser funcional, entendido aquele que sabe ler e

escrever, contudo, precariamente, e não consegue interpretar um simples bilhete (analfabeto

funcional). Diante dessas informações, conclui-se que a vedação contida no art. 14, § 4º da

constituição, diz respeito àquele que não sabe ler e escrever, ou seja, ao analfabeto

considerado absoluto. Essa conclusão, embora não seja pacífica, segue a maioria da doutrina e

da jurisprudência, e é atualmente o entendimento do TSE.

Entendendo como condição de elegibilidade a alfabetização do candidato, e a

legislação eleitoral, atribui ao juiz, no caso de dúvida sobre ser ou não o candidato

alfabetizado, o poder discricionário de promover testes para aferir a sua condição educacional,

e sendo assim, o considerará elegível ou não. Tais testes promovem situações vexatórias,

constrangimentos e humilhações aos candidatos a cargos eletivos, e o pior podem até afastar o

direito de representar os seus pares, considerando-o “incapaz intelectualmente”.

Diante dos argumentos levantados, conclui-se que a CRFB/1988, ao impedir o

exercício dos direitos políticos passivos ao analfabeto, entrou em “colisão” com vários

dispositivos e princípios constitucionais inerentes em um Estado Democrático de Direito,

causando aos analfabetos, discriminação e violação de seus direitos como cidadãos

brasileiros. Pôde-se verificar que a norma constitucional ao impedir aos analfabetos o direito

de ser votado, limitou também a cidadania destes, bem como, o exercício da própria

democracia, uma vez que os proibiu de representar os seus pares, ou seja, representar aqueles

que exerceram, através da soberania do voto, a manifestação de vontade de eleger os

representantes que entendam aptos a representá-los. Dessa forma, o objetivo principal foi

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alcançado, haja vista que no atual Estado Democrático de Direito, as vedações ao exercício

dos direitos políticos, como direitos considerados fundamentais, devem ter uma justificativa

ética relevante a assegurar a lisura de todo o processo eleitoral, bem como a probidade

administrativa, não tendo assim, a restrição dos direitos políticos do analfabeto uma

justificativa plausível a afastá-los do pleito, visto que a condição educacional em que se

encontra, não é atributo para considerá-lo inelegível, e sim, resultado da negligência, do

descaso, malversação dos recursos públicos e da corrupção dos considerados alfabetizados.

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