the best of poeta mas nem tanto

135

Upload: jose-danilo-rangel

Post on 25-Jul-2016

214 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

Coletânea de poemas de José Danilo Rangel.

TRANSCRIPT

Page 1: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto
Page 2: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

The Best OfPOETA, MAS NEM TANTO

José Danilo Rangel

Porto Velho / Rôndonia2016

Page 3: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

Um intelectual é um homem que diz uma coisa simples de umamaneira difícil; um artista é um homem que diz uma coisa difícil

de uma maneira simples.

Bukowski

Page 4: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

SUMÁRIO

apresentação................................................................................................................................. 6

você nunca vai saber ..................................................................................................................... 9

desajeito...................................................................................................................................... 11

a lição da pedra ........................................................................................................................... 13

desesperança e desespero.......................................................................................................... 13

escola........................................................................................................................................... 15

ideia de mundo ........................................................................................................................... 16

danilo vs poesia ........................................................................................................................... 18

seus problemas não acabaram ................................................................................................... 36

intestinal...................................................................................................................................... 39

pedreira....................................................................................................................................... 44

o peso do vazio............................................................................................................................ 47

1/5 bobagem, 4/5 fantasia.......................................................................................................... 47

para nos proteger........................................................................................................................ 48

coisas guardadas ......................................................................................................................... 52

não alimente os animais ............................................................................................................. 52

brincadeira! ................................................................................................................................. 53

correria........................................................................................................................................ 55

ódio ao mister m ......................................................................................................................... 55

comunicação ............................................................................................................................... 56

entretempos................................................................................................................................ 56

você sabe do que estou falando?................................................................................................ 60

perguntas e respostas ................................................................................................................. 61

se imagine gay............................................................................................................................. 64

bloqueio ...................................................................................................................................... 67

do algodão-doce à rapadura ....................................................................................................... 67

o poeta e o menino ..................................................................................................................... 72

pense bonito! .............................................................................................................................. 75

o que eles querem....................................................................................................................... 77

sísifo é uma porra........................................................................................................................ 78

sobre saber.................................................................................................................................. 81

eu sei do que eles estão falando................................................................................................. 81

problema ..................................................................................................................................... 83

já fui............................................................................................................................................. 83

o jogo........................................................................................................................................... 84

é complicado!.............................................................................................................................. 84

Page 5: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

sapataria...................................................................................................................................... 89

a bússola quebrada ..................................................................................................................... 90

a lição da alegria.......................................................................................................................... 92

pelo avesso.................................................................................................................................. 93

sobre deixas e ensejos ................................................................................................................ 93

ou 8 ou 80.................................................................................................................................... 94

o regozijo das migalhas ............................................................................................................... 95

as dimensões do ato.................................................................................................................... 97

pausa para o drama................................................................................................................... 100

surpresa..................................................................................................................................... 104

comandas e demandas.............................................................................................................. 104

quem dera!................................................................................................................................ 106

emprego .................................................................................................................................... 106

o peso do mundo ...................................................................................................................... 108

pergunta:................................................................................................................................... 109

canção do conformado ............................................................................................................. 109

amar(rar) ................................................................................................................................... 110

intimidade ................................................................................................................................. 111

tamanhos e proporções ............................................................................................................ 111

na sintaxe e na vida................................................................................................................... 115

abestadão.................................................................................................................................. 115

solado ........................................................................................................................................ 119

flagrante .................................................................................................................................... 120

a geladeira imaginária ............................................................................................................... 121

cadernos antigos ....................................................................................................................... 123

passeio....................................................................................................................................... 126

pedra ......................................................................................................................................... 126

a gentileza embriagada ............................................................................................................. 127

o homem que não podia voar ................................................................................................... 129

incompletude ............................................................................................................................ 133

aquele dj.................................................................................................................................... 133

Page 6: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

APRESENTAÇÃO

Em 2012, por participar frequentemente de alguns eventos depoesia, apresentando as minhas, tive a ideia de fazer e fiz uma coletâneacom as “melhores” poesias que eu tinha escrito até então. Reuni numarquivo, imprimi e mandei encadernar. Nem eu acreditava que eram asmelhores, na verdade, eram as que melhor e mais facilmenterepresentavam as ideias que eu tinha na época.

Outra característica desses poemas reunidos é serem, todoseles, muito fáceis de falar, o que fazia com que fossem os meus favoritospara saraus, porque não exigiam nenhum ensaio, nenhuma entonaçãoespecial, só a fala comum de todos os dias que é como de ouvir eapresentar os versos. Não me dei o trabalho de nominar a coleção, mas sefosse fazer isso, acho que seria qualquer coisa como “os meus poemasmais fáceis de falar em público, volume 1”.

Em 2013, fiz outra coletânea. Agora tinha outra ideia, pretendiselecionar o meu melhor material, desde 2008 (quando comecei aescrever para o meu primeiro blog, o Literações), para montar um livro.Naquele tempo, meus poemas estavam espalhados por cadernos, folhassoltas, uma porrada de arquivos dispersos pelos computadores que euutilizava, o de casa e o do trabalho, e ainda outros postados em sitesdiversos da internet ou em e-mails. Além de fazer um livro, eu tambémqueria juntar o material pra conferir o que já tinha feito.

De certo modo, deu certo, mas o resultado final, que eupretendia distribuir, não me agradou muito, então, deixei pra lá. Nem seipor onde anda. Alguns amigos, que me pediram, ficaram com algumascópias, mas não lembro direito quem e também, não faz diferença porquede lá pra cá faz tempo e já produzi muito mais e coisas bem diversasdaquelas.

Em 2014, comecei a fazer diferente, já tinha o blog Poeta, masnem tanto e agora estava compilando meus poemas e outros textos no

Page 7: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

Google Drive. Nesse ano, mais uma vez, tive vontade de fazer uma seleçãodos meus melhores poemas até então, colocar num pdf e disponibilizarpara download. Infelizmente, minha imaginação muito ambiciosa, masnada objetiva, tornou o projeto irrealizável.

Fiquei umas semanas alisando, colocando poema, tirandopoema, revisando, reeditando e no fim, me perdi todo e deixei pra lá.Seria uma grande reunião do melhor de tudo o que já escrevi até hoje eacabou sendo apenas o projeto nunca terminado disso. Também não seipor onde anda.

No fim de 2015, teimoso que sou ou que algo em mim é, pensei:vou fazer uma coletânea com os melhores poemas de 2015 e me fixeinessa ideia, os melhores de (e tão somente de) 2015. Inicialmente, eupeguei uns poemas, o modesto número de 10, e fiz um projeto com maisou menos 50 páginas. O nome seria Top 10 2015 poeta mas nem tanto, ousó Top 10 poeta, mas nem tanto. Aí, visitei meu blog e, olhando o montede poema bom que tinha lá, conclui que 10 era pouco.

Inicialmente ia fazer um pdf com 10 poemas só pra dar umapequena amostra do que produzi em 2015. Contudo, repensei e concluique cada poema já é uma pequena amostra e que eu já tinha o suficientepara oferecer mais do que uma pequena amostra de produção. Tive aideia de usar 20 dos poemas postados no blog em 2015. Acabei colocando26.

Selecionados e incluídos os poemas, fiz a capa, mas quandoestava para fechar o pdf, pensei que seria um desperdício não aproveitar aoportunidade e colocar também umas frases e os poeminhas que nãopostei no blog, então, fui dar uma olhada nas minhas páginas, do Face edo G+. Encontrei quase 30 páginas de material. Fiz uma seleção e aí, ovolume se engrossou um pouco mais.

Era isso? Era… Mas quando estava para acabar a formatação,que ideia tive? Dar uma olhada nos meus arquivos armazenados do

Page 8: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

Google Drive. Pois foi o que fiz e acabei achando várias outras poesias e,claro, acabei adicionando mais algumas. Adicionei a Danilo vs Poesia, Ideiade Mundo, A Lógica do Despropósito e ainda outras. Inclusive, duasinéditas Ulisses de Periferia e Na Teoria Até Eu. Na verdade, não vougarantir que são inéditas, garanto que enquanto estava revisando minhastimelines não vi nem uma nem outra.

A ideia original era fazer algo simples, com uns bons poemas sópra chamar a atenção, como eu já disse, para dar uma amostra do queandei produzindo em 2015, mas como não sei me aquietar, aí está, umcompilado com material que mais gostei de escrever em 2015. Além deum critério altamente subjetivo pra seleção do material, o dispus sob umcritério bem objetivo de organização, estão todos em ordem cronológica.

No fim, acho que só consegui terminar dessa vez porque fizdiferente, o contrário do que estava tentando fazer, em vez de colocar ospoemas que gostei, só não coloquei os que não gostei. Se tivessepensando nisso antes… Afinal, era isso, era só colocar tudo o que escrevinum doc e excluir o que não gostei em vez de tentar encher um arquivocom tudo o que gostei. Mas é assim, é o que dizem, vivendo eaprendendo.

Pelas próximas páginas, você vai se deparar com um monte depoemas, grandes, médios e microscópicos que fui escrevendo ao longo de2015, como os tamanhos, os temas também são diferentes e, muitasvezes, os humores, a fala muda um pouco, a atitude, afirmo, contudo, queforam coisas que vivi, senti, testemunhei, pensei, sofri e em cada versodesses aí vai um pouco do esforço, alegria e espanto com que tentoencarar a Vida, o Mundo, a Poesia e Tudo Mais.

Espero que goste.Valeu!

José Danilo Rangel09 de janeiro de 2016

Page 9: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

9

VOCÊ NUNCA VAI SABER

Você nunca vai saber o que ése sentir um inútil enquanto nãotentar fazer algo e fracassar, etentar de novo e fracassar de novo,e então, desistir.

Você nunca vai saber o que ése sentir um besta enquanto nãoconfiar e se der muito mal.

Nunca vai entender o valor de um valorou o quanto importa este ou aquele idealenquanto não defender algum até as últimasconsequências

E se lascar bonito.

Você nunca vai saber como é se sentirpequeno enquanto não for arroganteo suficiente para se sentir enormee um dia se dar conta de que nemé tanta coisa assim.

Você nunca vai saber o que é orgulhoenquanto não passar fome e sedepara alimentá-lo.

Você nunca vai saber nada das pessoasenquanto não precisar delas de verdade,não vai saber nada de si mesmo,enquanto elas não precisarem, realmente,contar com você.

Page 10: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

10

Você nunca vai saber como é a angústiada perda enquanto não for ingênuo obastante para acreditar que não vaiperder.

Você nunca vai saber o que é humilhaçãoenquanto não se mostrar do jeito que é,com os seus desejos, sonhos, segredosesperanças e tudo mais, e então,zombarem de você.

Você nunca vai saber até onde pode irou quanto pode suportar enquantonão chegar o momento em que confessepra si mesmo: não aguento mais. E parar.

Você nunca vai saber o que é desilusãoenquanto não amar do jeito bobo do cinemae quebrar a cara.

Você nunca vai saber o quanto é mal,ridículo, mesquinho, egoísta, enquantonão for franco consigo mesmo e continuaracreditando nas próprias mentiras.

E se continuar assim, nunca vai saberquem é de verdade e o bem e o maldisso.

Nunca vai saber o quanto é suaculpa estar como está enquantoviver inventando desculpas;

E se continuar assim,nunca vai sentir a glória de se tirar

Page 11: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

11

da fossa pelas próprias forças.

Você nunca vai saber o que é se sentirum nada enquanto não pôr à provaa estima pública.

Nunca vai saber o que é impotênciaenquanto não tentar mudar o mundoe descobrir que não consegue mudarnem a si mesmo.

Você nunca vai saber o quanto os acasosdo mundo, às vezes, são estúpidos e cruéisenquanto eles não fuderem com tudo;

Por outro lado, nunca vai saber queestes mesmos acasos podem ser comoum milagre se continuar insistindoque é sorte.

E você nunca vai saber nada de nadaenquanto gastar mais do seu tempotentando evitar as dores da vidado que buscando o queespera dela.

03 de janeiro de 2015

DESAJEITO

A verdade é que a gentevai se fechando, vai se prendendo,vai se contendo

Page 12: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

12

E quando vê, desaprendeu.

A hora chega,mas a língua não sabearticular a palavra amigaque o pensamento disse,

Força, treme, esboça,balbucia, e por fim,se engasga...

E então, se cala.

As mãos desacostumadasde afagar ou pendemestupidamente frígidas,

Ou fazem de mal jeitoo gesto que a vontadeacabou de desenhar.

É o duro da vidaque endurece aqualquer um.

E a gente vira aqueletipo que faz e falasó na imaginação,

Quando repensa o fatojá ocorrido ou quandoensaia para umapróxima vez.

05 de janeiro de 2015

Page 13: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

13

A LIÇÃO DA PEDRA

Um cara está andando na rua,distraído com pensamentosdiversos, alguns até confusos,

Então, bam! – Ele dá uma topadabonita, daquelas de deixar o dedãolatejando por uma boa meia hora.

Não é, pelo menos, inusitadoimaginar que mais tarde, aorepensar o fato, ele concluiu

Que a pedraestava ali para ensiná-loa não andar distraído?

Nada ensina nada,o que acontece,acontece e só,

A gente é que pega praexemplo e se dá a lição.

10 de janeiro de 2015

DESESPERANÇA E DESESPERO

Um homem pode suportar o insuportável,sorrindo e tranquilo, desde que não suponhauma vida diferente da vida que suportee não inquiete os desejos comos deleites da suposição,

Page 14: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

14

Desde que não aplique nem um minutodo seu tempo imaginando como seria,onde estaria e o que faria nessaoutra vida diferente,

Desde que não sonhe, que não aspire,que saiba do impossível e tenhacerteza disso mais que de todo o resto;

Um homem pode suportar o insuportável,sorrindo e tranquilo, desde que se convençade que não tem outro jeito, é aquilo e pronto,não adianta lutar, não adianta tentar,

Mas basta que ele tenha um pouquinhode esperança e tudo está perdido,basta a mínima fagulha de esperançaacendendo a ideia de que tudo podeser melhor, para incendiá-lo por dentro.

Basta um tantinho que seja de presunçãodizendo que ele merece mais do que o que tem,ou de confiança dizendo que ele pode, sim,que é capaz, sim, basta um punhado de vontadede mudar e alguma crença na possibilidadede mudança,

Para que este homem, que suportava o insuportável,sorrindo e tranquilo, comece a estamparno rosto a angústia, o medo, a fúria,o cansaço, o desgosto, o fastio,a insatisfação

E inaugure em siuma grande revolta e faça dela motivo

Page 15: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

15

pra se debater contra o mundo.

Basta um tantinho miúdo de expectativapara que ele nem aguente nem queiramais aguentar as mesmas condiçõesque ainda há pouco sequer o perturbavam;

Basta o anseio por um pouco mais,pra que ele passe a andar inquietoe reclamão.

É como um cachorro que está na coleira,enquanto não passa um gato ou um cheirode carne, ele não se importa nada comestar preso, mas depois que acontece,ele não se aquieta mais.

17 de janeiro de 2015

ESCOLA

Um menino de 7 anos xingandomais que a Dercy Gonçalvesdepois de ser atendidano Banco do Brasil,

A mãe diz,se defendendo:

"Não sei onde o diabo desse molequeaprende o caralho dessas porras...Deve ser na escola."

Deve ser...

17 de janeiro de 2015

Page 16: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

16

IDEIA DE MUNDO

1.O mundo é como a gente pensa que ele é,e daí? – você me pergunta.

E daí que você lida com as ideias quetem do mundo e não diretamentecom ele.

Mas esse não é o problema,ninguém lida diretamente com ele,quanto a isso, pode ficar tranquilo,

O problema é que se você confundeo mundo com o que pensa do mundo,você confunde tudo.

Acaba levando a sério demaisas próprias ideias e conceitos e percepçõese lhes dotando de uma concretude que o mundotem, mas elas não.

2.Vou dar um exemplo,você chega na casa de um amigoe antes de entrar pelo portão,você vê um cachorro.

Não importa se ele é braboou manso, se seu amigo dizque ele não morde, ou se dizpra ter cuidado,

Se você pensa que cachorros

Page 17: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

17

são feras traiçoeiras, não vaientrar enquanto ele não prendero cachorro.

Vamos dizer que você passoupor uma série de más experiênciascom cachorros até que acabouficando com medo deles

Então, pra você, cachorros sãotodos feras traiçoeiras e você não vaientrar na casa do seu amigo, não porquetodos os cachorros são feras traiçoeiras,mas porque pra você, eles são.

3.Estamos falando de uma ou outramordidinha que nunca será nada sério,a não ser que o cachorro tenha raiva,mas que a mera possibilidade é suficientepara evitarmos tudo que é cachorro,o que talvez nem seja uma grande perda.

Se pensarmos assim, realmente,não tem muita importância concluirmosque atribuímos a todos os cachorrosdo mundo as qualidades de algunse que lidamos com estes comose fossem todos como aqueles,

Agora, se você pensar que esse é omodelo de como as coisas acontecemdentro das nossas cabeças e quedo mesmo modo como fizemos comcachorros, fazemos com tudo mais,

Page 18: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

18

Então, você começa a ter ideia doque estou tentando te dizer.

23 de janeiro de 2015

DANILO VS POESIA

A ideia aparece, uma não, todas,uma gangue delas, vem aí um poema,vai ser um bom poema. Me sentona frente do computador, abroo google drive, estralo os dedos,respiro fundo, e então, começo.

Sai o primeiro verso, saemo segundo e o terceiro, aí,eu procuro uma música,

Slipknot? Nirvana? TalvezVivaldi ou Beethoven, faztempo que não escuto,talvez Skrillex,

Vai ser Skrillex!

Levanto e danço umpouco, olho os meus livros,pego e folheio alguns,

Me sento de novo, maisum verso, fechei a primeiraestrofe, começo a segunda,

Page 19: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

19

Levanto, vou pra cozinha,acendo um cigarro, tomoum café, dou uma voltano quintal,

Volto pra cadeira,termino a segunda estrofe,começo a terceira,

Levanto, pego o minusculinho,ele mia um pouco surpreso,faço uns afagos, levo umasmordidas de brincadeira,

De novo na cadeira,me sento e já levanto,vou no banheiro, lavoas mãos, tomo um banho?Não, agora não.

"Eu que tantas vezes não tenho tido paciência pra tomar banho",eu sei do que Pessoa estava falando...

Mais uma estrofe,saiu do quarto, andopelo casa falando sozinhoe fazendo uns gestosgrandiosos com os braços,

Volto. Vou ouvir um poucode Nirvana, canto juntocom o Cobain, grito um pouco,

♫ I feel stupid, and contagious

Page 20: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

20

Mas nem tanto, hehehehe

Vamos lá, mais uma estrofe,boto as mãos na cabeça,faço um pouco de força,divido ou não divido em duaspartes?

Melhor não.

Abro outra aba, começooutra poesia, essa vaiser pequena.

Levanto, procuro um jogoque vou jogar daqui a pouco,já são quatro da tarde,minha mãe fala pra eualmoçar, como umas bolachas,

Volto pra primeira poesia,mais um verso, menos umverso, tenho que tirar umascoisas e colocar outras,

Começo um crônica, não,um pensamento, o primeiroparágrafo sai, começo o segundo,

Faço umas flexões, 20 só,ando pela casa de novo,vou no quintal e olho o céu,

4 horas da tarde! O tempovoa enquanto a gente se diverte.

Page 21: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

21

Termino a segunda poesia,sinto que poderia esticá-laum pouco mais, mas deixo quieto.

Tenho a ideia de uma frase de efeito,posto a frase no Facebook, aproveitoe abro o Twitter, o Google+ também,será que vale a pena fazer uma imagem?

Minha mãe pede pra eu ir no mercado,puta merda, não quero ir no mercado,vou ao mercado, volto do mercado,

Tá aqui, mãe, o sabão,o açúcar, a farinha, a mistura,seja lá o que for…

Cadeira de novo, a poesiaestá com as mãos na cintura,chateada pela espera.

Vamos lá, mais uma estrofe,mais outra, essa vai ser foda!

Melhor terminar o pensamento,volto ao pensamento, texto em prosa,está no quase, sai e não sai.

Se o poeta é a antena do mundo,às vezes, acho que sou 3G,sinal intermitente.

Olho um site pra rir,gargalho, ponho o almoço,

Page 22: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

22

dou umas colheradas eesqueço a panela em cimada mesa do computador.

Procuro um caderno,tenho que anotar alguma coisae só pode ser no caderno,achei o caderno, agora,cadê o lápis?

Acho uma caneta, caneta não serve,tem que ser um lápis,acho o lápis, que está desapontado,

Mãe, cadê o meu estilete?

Não sabe, passou o diadesfazendo uma costuracom ele, mas não sabe.

Acho o estilete, pego oprato, mais uma colherada,a Vanessa tá no bate papo,

“Oi, amor, como tá?Já almoçou?”Estou almoçando.

Boto a câmera pra carregar,vamos fazer um vídeo hojecom a Desesperança e Desespero,ou A Lição da Pedra, ou outra poesia,não sei ainda,

Respondo a uma pergunta

Page 23: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

23

no face, “o que é veemência?”Veemência é o mesmo que“com vontade”.

Passo um pano na TVque uso como monitor,também no modem, na mesa,limpo o celular,

Volto e termino o pensamento,deixo pra revisar mais tarde,mais tarde, às vezes, éigual a nunca.

Minha mãe diz que vouficar doido, eu digo, tomara.acho Elastic Heart no Youtube,acho a música bonita,canto junto no embromation:

♫ Iu nó breique miii i iiiAi me is faiti for piiiiici i iiii iiiii

Aquela garotinha bailarinadança com o cara do Transformer(irreconhecível)dentro de uma gaiola gigante,o clipe é perfeito!

É sensível e forte, um poucotriste, um pouco revoltante,lindo! A Arte deve ser assim.

O que faço é Arte?

Page 24: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

24

Volto à poesia,empaco.

Paro a música, precisode um pouco de silêncio,de muito silêncio, na verdade,

Tem um palavra perfeitapara o que quero dizer,perfeita mesmo, só elavai servir, mas qual é?

Qual é? Qual é? Qual é?Ando pelo casa, de novo,pelo quintal, de novo,qual é a porra da palavra?

Puta que o pariu!

É simples, não compareceu,não vai aparecer, uso outraqualquer, vai servir.

Pronto, mais um verso.

E aposto que a tal palavravai inventar de aparecerdaqui a uma semana, aí,eu vou dizer bem na sua cara,agora é tarde, bonitona!

Minha cabeça coça,só que por dentro,desamarro o cabelo,amarro de volta,

Page 25: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

25

Desligo o ventilador,vou vestir uma camisa,hoje o dia está frio.

Está frio em Porto Velho,nem é tão frio assim, masé frio.

Procuro a camisa,encontro uma, mas estáfedendo muito, encontro outra,cheiro, está ok, visto.

Mais uns versos, mais outros,tiro a camisa, está quente.

Minha mente está uma bagunça,as ideias não sabem fazer fila,deixam a minha cabeça comoum loja num dia de queima total.

Hoje é dia de queima total!E elas estão desesperadasporque muitas vão perdera chance de aparecer napoesia.

Levanto pela milésima vez,vou pra cozinha, pego um cigarro,acendo o cigarro, jogo fora,tenho que parar de fumar.

Bebo dois litros de água,volto pra cadeira, e porqueo teclado, o mouse, a cadeira, a mesa

Page 26: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

26

me incomodam muitopenso comigo mesmo,

Um dia vou ter um lugarperfeito pra escrever!

Lavo as mãos e limpo o teclado,estavam grudentos e não dá praescrever com essa sensaçãode dedos pegajosos.

Puta merda, perdi o fio da meada,vai dar um trabalhão pegar de novo,vamos, lá, começo a ler a poesiado começo e penso

"Tenho que terminar essa poesia,tenho que terminar, já tenho um milhãode poesias por terminar e algumasjá intermináveis..."

As poesias têm um tempo limitepra serem escritas, depois, dele,a ideia se perde de vez.

Daí-me forças Senhor!opa, peraí, eu sou ateu:daí-me forças, BIG BANG!

Penso nos meus fãs, em todosos 5, eles vão gostar de leressa poesia, vão rir pra caramba,

Tenho que terminar essa poesia,por eles.

Page 27: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

27

Hehehehe

Nunca é por eles.

Penso na cultura local, na estadual,na cultura brasileira, essa poesiavai ajudar em alguma coisa?Nem ligo.

Penso nos grandes, era assimcom eles, essa briga toda?Mais uns versos, fechouma estrofe e mais outra,estou chegando lá.

Mais um verso e pronto!Estou exausto, já é de noitee tem formigas comendoo meu almoço,

Agora falta só um título,Escrevendo? – Não, muito besta,Briga feia? – Também não,pode até ser, porque fala de uma briga mesmo,mas falta alguma coisa, não é de qualquer brigaque estou falando.

Já sei:Danilo vs Poesia

Perfeito!Aproveita o Hype do UFC.Vou dormir.

24 de janeiro de 2015

Page 28: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

28

TUBARÃO SABIA QUAL ERA O PROBLEMA

1.A gente chamava ele de tubarão,ele tinha uma bela de uma nareba,era o ponto referencial da sua cara,da pessoa que existia em torno,que era um soldador.

Tubarão trabalhava com a gentenuma empresa de metalurgia daconstrução civil, 14 anos de trabalho,e agora, era soldador, mais 10 ou 15daquele trabalho e teria sua própria equipe.

Mas nem em mil anosteria sua própria empresade metalurgia da construçãocivil, igual a mim e a todosos outros.

A gente estava em cima do telhado,colocando telhas de alumínio de uns6 ou 7 metros, o trabalho era semprepesado, mas ali, era o inferno porqueo sol das 2 da tarde refletia nas telhase não nos dava escapatória.

Pra distrair, a gente conversava,besteiras, bobagens e putarias em geral:bebedeiras, brigas, contravenções,dia a dia e coisas que fugiam àcurva da normalidade, pra cima,ou pra baixo.

Page 29: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

29

A gente era tão rude quantoo trabalho, às vezes, um pouco pior.

Mas no meio de tudo aquilo,do sol, das falas obscenasou maldosas, das ameaças,das gargalhadas e dos assobiosàs mulheres que passavam láembaixo,

Tubarão limpou o suor da testacom a manga do jaleco imundode anos e anos de graxa, poeira,faíscas de metal, fuligem e soldae disse, assim do nada:

– Sabe qual é o problema da juventude?Ela não pensa que vai envelhecer.

2.Se você for capaz de aproximar os extremos,vai concordar comigo quando digo que omundo é um lugar insano.

Veja bem, conheço dondocas e dondocosque agora mesmo estão angustiadoscom a ideia de serem médicos ou advogados,querem ser artistas, fotógrafos, atores, poetase por aí vai.

Querem passar o resto de seus diasenvolvidos com algo maior, algoque tenha sentido, geralmente,esse sentido tem a ver combeber muito e usar substâncias

Page 30: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

30

para a expansão da mente.

Enquanto isso, tem um montede jovens pedalando de 10 a 20 kmou passando boa parte de suasmanhãs dentro de ônibus parafazer o curso de panificação oude mecânico de motocicletano Senai, Senac, ou sei lá onde.

Tem coisas que você não temque se aplicar muito pra compreender,será perda de tempo, ainda maisporque você tem é que aceitare não compreender.

Essa é uma delas, porque por maisque arranje os motivos explicaçõespelo menos razoáveis pra essas coisas,longe de você, elas têm seus própriosmotivos e explicações, geralmente muitodiferentes daqueles que você imaginou.

3.Com 15, 16 e 17 eu sonhavacom ter 18 e o motivo era simples,poder comprar bebida e cigarrose entrar em lugares de má fama ondemenores não entrariam(mas entram, é claro).

Eu tinha 20 e poucos anosquando ouvi o que o tubarão falou,e depois que completei 18 e pudefazer oficialmente tudo o que já fazia

Page 31: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

31

extraoficialmente, não pensei maisno assunto.

Pra mim, só existia o presente,era “um imediatista”, como disseo cara do exército quando fuime apresentar, uns anos antes,e declarei que não queria servir.

Ele disse isso e falou sobre tudoo que tinha feito no exército, isso e aquilo,eu respondi que era esse o motivode eu não querer servir, ele medeixou pra atender por último.

Fiquei por lá, até as 2 da tarde,sentado numa cadeira de plástico,tentando me distrair com pensamentosdiversos.

4.Eu não tinha porque pensar no futuro,já sabia, intuía, na verdade, e a intuiçãoé uma forma de saber com as entranhas,repetiria a sina dos meus pais,a vida toda trabalho sem sentidopra manter uma vida sem sentido.

Minha esperança era morrercedo e não ter que passarpor isso.

Era assim que pensava na época,o relógio estava contando eu tinhaera que aproveitar o máximo antes

Page 32: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

32

da minha hora chegar.

Acho que é isso que comunica todosos jovens descontentes com o futuro,não querem repetir a vida dos paise dos contemporâneos dos pais.

Se um cara não quer ser médicoou advogado, não é porque não queiraser médico ou advogado, é porqueo pai ou a mãe, ou os dois, são,o que não se quer é aquelefuturo empacotado e entregue.

Ninguém mais que os jovens,que ainda acreditam nas própriasexpectativas e esperanças e sonhos,sente o que há de errado com o mundo,então, é normal que não queiramherdar o mundo todo errado de seuspais,

Embora, seja o que acontecepara a maioria.

5.Não era disso que tubarãoestava falando, ele estava cansado,os dias de trabalho iam pesando cadavez mais e nele, ia faltando força,ia aparecendo uma dor aqui,outra ali.

Tubarão não era mais o “menino”de 14 anos atrás, e o trabalho

Page 33: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

33

estava acabando com o querestara dele, gradualmente,como uma tortura a longoprazo.

A gente trabalhavade domingo a domingo,das 7 às 18, e todo diatinha algo pesado pra fazer

No meu caso,ainda tinhaas bebedeirase a cross.

Então, eu entendi!

Me vi 14 anos no futuro– soldador...

Todo dia saindo de casaàs 6, de bicicleta, chegando notrabalho às 7, pausa para umalmoço horrível ao meio dia,retorno ao trabalho às 1,saída às 18.

Cada vez mais fraco,cada vez mais descontente,sem opções.

Eu tinha que fazer algoa respeito.

07 de fevereiro de 2015

Page 34: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

34

NA TEORIA, ATÉ EU...

Quando vejo um monge,daqueles carequinhas e comcaras de abestado, falandosobre a Vida, eu me pergunto:

Como ele pode saberda Vida, de qualquer coisada Vida,

Se não viveu?

Um cara, pra ser monge,tem que se retirar e meditar,depois disso, ele se convencede que tudo é ilusão,tudo é nada!

MENOS (é claro)a ilusão dele:o nada que é tudo!

Então, ele vem falar de amor,basicamente, falar que estamostodos errados, que o amor é maior,é mais, é magnífico.

E é claro que ele está certo,e está certo porque a ideiaque ele tem de amor, não temnada da Vida, é uma ideiadescarnada.

E é claro que todo mundo

Page 35: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

35

lhe dá razão, seria indecenteerguer a voz e dizer que eleestá errado,

Seria um baita de um vexame,já que ele diz coisas tão bonitase nós vivemos coisas tão pequenas,mesquinhas e com odor fortede suor e sangue.

Entre um monge e o bebumdo bar ali da esquina, que pededinheiro pra interar uma garrafa de pinga,prefiro ouvir o bebum fodido,

Pelo menos, o bebum me dáideias reais a respeito do quenão fazer e o outro só podeme oferecer ideais magnânimas,muito boas pra mostrar pros amigos,mas sem nenhum uso prático.

Eu prefiro ouvir as pessoasde verdade com vidas de verdade,pessoas que vão à faculdade, ou não,que têm filhos, que trabalham, pagamas contas, reclamam dos impostos,

Elas, sim, têm algo a oferecer,pessoas que às vezes não sabemo que fazer, não sabem o que pensar,e que, às vezes, estão desesperadas,mas que vão levando a vida.

16 de fevereiro de 2015

Page 36: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

36

SEUS PROBLEMAS NÃO ACABARAM

1.Eles vivem dizendo que nossasvidas podem ser melhores, maisemocionantes, saudáveis, magníficas,memoráveis, invejáveis, fantásticase por aí vai…

E isso porque eles nos queremsempre insatisfeitos, sempre carentes,sentindo que falta alguma coisa,daí que a insatisfação dos nossos temposé comercial, completamentecomercial.

Eles são vendedores e sabemque pessoas satisfeitas com suasvidas e com quem são comprammenos, muito menos,

Eles são vendedores, por issoestão sempre tentando nos convencerde que precisamos de algo, geralmente,algo que estejam vendendo.

Você já viu uma propagandafalando que talvez você nãoprecise comprar algo?

Pra eles, é imprescindívelque levemos a sério a ideia que tudo écomprar, comprar, comprar,porque pra eles, tudo é vender,vender e vender.

Page 37: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

37

2.Eu vejo comerciais e, às vezes,nem sei direito o que estão vendendoos atores felizes e bem resolvidosdos comerciais, mas seus rostoslímpidos e a beleza dos seus gestossempre mexem comigo.

Um dia desses, me deu uma vontadede comprar uma caixa de absorventessem abas ultrafinos com a tecnologiasei lá qual para me sentir livre, levee solto naqueles dias,

Sou homem, então, não tenhoaqueles dias, mas realmente estavaa fim de me sentir livre, leve e solto.

Não sei se você reparou, mas afunção do produto vendido é a menorparte de um comercial, eles se concentramna felicidade, praticidade e facilidadeque a aquisição daquilo vai trazer,

É como eu disse, às vezes, vocênem sabe direito pra que serve,mas você quer um, pra ser feliz,com aquelas praticidade e facilidadeapresentadas.

Quem é que não quer ser feliz?

E é claro que a ideia é muitosedutora, imagina aí, se é verdadeo que eles dizem, então, ser feliz

Page 38: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

38

e a resolução de todos os nossosproblemas depende de uma ou duascompras.

Quem é que não quer umafacilidade dessas?

O mundo parece bem maissimples quando você imaginaque tudo se resume a arranjardinheiro.

3.Tem mais: se você vê o pessoalque cursa publicidade e achaque publicitários são maconheiroscom tatuagens esquisitas, cabeloraspado nas têmporas, óculosquadrados e roupas esquisitasou decoradores mal orientadospela imprecisão de algum testevocacional, você está errado,

Publicitários são agentes do Satã.

Estou falando sério,acho até que o símbolo da Publicidadenão devia ser um galo, devia sera Serpente primordial com um risinhocínico dando uma piscadela astuciosa.

Talvez você não saiba, mas elessabem tudo o que interessa deFreud e Skinner, desejos profundose condicionamento, eles sabem

Page 39: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

39

como mexer com a gente, aprendemna faculdade.

Ou será que você acha que elesestudam apenas as cores e fontescertas pra um anúncio ou comofazer vídeos superlegais?

Não tem aquele filme,Advogado do Diabo,com Keanu Reeves e Al Pacino?

Pois é, podiam fazer um outrocom o mesmo argumento,mas trocando o mundo do Direitopelo da Publicidade, o título seria:

Publicitário do Diabo.

É por aí...

28 de fevereiro de 2015

INTESTINAL

Primeiro disseram que não tinha médico:como assim, não tem médico?,as pessoas se entreolharamentre confusas e revoltadas,

Algumas se agitaram, outrassuspiraram, se encolheram emseus lugares e ficaram com aquelacara de é assim mesmo...

Page 40: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

40

Depois vieram com a historinhade que só tinha um médico e que elesó estava atendendo emergências de verdade,“Emergências de verdade?”

Alguém foi perguntar o que aquilosignificava: será que tenho que chegaraqui gritando de dor?

Um pessoal disse que sim, era precisochegar lá ou sentindo muita dor oufingindo que estava sentindo,nos dois casos, tinha que fazer umescândalo. E dos bons.

Lá fora, um cara vomitava e não faziaesforço algum pra esconder, dava pra ouviro seu estômago tentando passar pelagarganta.

Dentro da sala de espera, que por si sójá era um horror, uma mulher seguravaum pano branco grudado no nariz ede vez em quando os exibia cheiosde sangue.

Foram os primeiros a entrar.

O carinha que estava fazendo as fichasera calvo, tinha orelhas grandes, olhos pequenos,boca sem lábios, uma expressão meio idiota

E aquela altivez subservienteprópria dos lacaios e puxassacos, da genteque separa o mundo entre menores

Page 41: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

41

e maiores, desprezando os primeirose lambendo a sola dos pés dos segundos.

Ficava dizendo que não podia fazer nada,que não era com ele, tinha que ver com o diretor,então, se fazia de surdo.

Quando se irritou, perguntou aos reclamantespor que não iam pagar um plano de saúde eprocurar um hospital particular...

E tu acha que a gente não paga poressa merda não é? – alguém lembroude dizer.

Pensaram em dar uma surra nele,pouco foi dito a esse respeito,mas alguns olhares duros e furiososacompanhados por punhos erguidosprometeram um espancamento até a morte,ou pelo menos uns murros.

Era sexta-feira, de manhãzinha.

Desde quarta de tarde, eu estavaum pouco mal, à noite, depois da faculdade, piorei,passei a madrugada ruim e quinta de manhã,estava um bagaço, febre alta e diarreia, passeio dia mais ou menos e de noite, piorei de novo.

Com certeza, foi algo que comi.

Se não fosse a Vanessa passar a madrugadame chamando, preocupada que só, eu nem ia,meu plano era esperar o corpo dar um jeito…

Page 42: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

42

“O que não me faz morrer,me fortalece.”

Fui. Fomos.

Agora, eu estava sentado na sala de esperado pronto socorro, estranhando não ter cartazescom o artigo 331 pendurado por todas as paredes dalie torcendo pra não ter uma dor de barriga,suando frio,

Enquanto isso, a Vanessa e outros trêsbatiam boca com o nojentinho das fichas.

Quase 2 horas depois, eu estava dianteda médica, outra nojentinha com cara de piranha,pior que a doença: depender de gente desse tipo,

Gente que faz medicina pra agradar o papai,ganhar dinheiro, status ou coisa equivalentee que depois do primeiro mês de trabalhojá não vê a hora de se aposentar.

Gente que pensa no glamour da profissãoe que depois de trabalhar uns dias numposto descobre que a coisa toda não étão glamourosa assim.

Minha vontade era sair dali,sem ser atendido mesmo, irnuma dessas farmácias que aindavendem antibióticos sem receita,me automedicar e ver no que dava.

Mas pensei direito, era obrigação

Page 43: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

43

dela me atender, se ela não estavabem com isso, problema dela:fiquei.

Ela agiu como um médicocom muitos anos da Saúde Pública,duas perguntas impacientes, uns rabiscosna ficha e pronto.

Ela não via uma pessoa,via trabalho e trabalho chato, pelo quepercebi.

Ou isso, ou na faculdade não ensinarama ela a diferença entre bonecos que simulamdoença e pessoas com doenças.

Fui pra sala de medicação equando vi ia tomar soro, pergunteipela bezetacil, nada de bezetacil,era soro mesmo.

Aí, estou lá sentado, tomando soro,quando escuto que deve ser a horado lanche, então, as enfermeiras eestagiárias saíram,

Eu fiquei a sós com um carinhaque há pouco estava se vangloriandopor ser enfermeiro e não técnicode enfermagem – não sei a diferença...

Ele fechou a porta, se encostounum balcão, cruzou as pernas,coçou um pouco o queixo e disse:

Page 44: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

44

acho que te conheço de algum lugar...

Eu ri. E ri porque era sóo que faltava...

07 de março de 2015

PEDREIRA

1.Passou o Dia Internacional da Mulher,e foi aquilo de sempre, o grande dia da mulher,da mulher que é meiga, forte e mãe,da mulher símbolo do amor e da compreensão,da doce, terna e carinhosa mulher,

Eu vejo e tenho pra mim que a maioriadas homenagens do dia da mulher é ctrl c ctrl vdas homenagens do dia das mães,o que é bastante esquisito, o própriohomenagear é esquisito,

Pense comigo, é dia da mulher,e já se convencionou, que é diade comprar flores, bombons, pagarum jantar num bom restaurante oualgo parecido, e isso por quê?

É uma forma de agradecimento?Ou será um incentivo capciosopara que as lindas, fortes e mãesdos textos elogiadores continuemassim e as demais, deem um jeitode as imitar?

Page 45: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

45

Parece uma tentativa de emperrara mulher onde ela está, num papelsecundário, a subornando compresentes, fazendo parecer menosimportante que a homenagem otrato de questões relevantespara a mulher,

É algo como dar um docepra criança se aquietar:

“Toma aqui esse perfume,e não me vá inventar conversasobre essa tal de emancipação,não, hein?”

2.Antes do dia 8, teve gente mepedindo pra escrever um textoem homenagem à mulher,pra compartilhar no facebook,

Não senti a menor vontade de escrever,e por isso, não ia escrever nada a respeito,fiz uma postagem engraçadinha e pronto,

Mas aí, na quarta, eu acho, chegueiem casa depois do trabalho e vi essamulher trabalhando numa obra aqui pertoe me deu vontade de escrever.

Ela estava logo ali depois do muro,no quintal vizinho, de pé em cima deum andaime improvisado, levantandouma casa, tijolo por tijolo,

Page 46: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

46

com as próprias mãos.

Era uma mulher jovem e robusta,com uma camisa branca de mangas compridas,abotoada até o queixo, por cima de outra camisa,calça jeans e uns coturnos enlameados,

Tinha um brinco discreto edourado na orelha, um bonéatochado na cabeça, escondendoos cabelos todos,

Não era bonita, era simpática, tinha no rostoaquela tranquilidade de quem já descobriuque a vida não é fácil e que o jeito é perseverar,e perseverar é insistir por muito tempo,com muito esforço e muita calma.

3.Era difícil imaginar que do jeito que estava,suada e suja de cimento e barro,servisse pra algum vídeo sobre oDia Internacional da Mulher, o grande diade todas as mulheres,

Sempre que penso em alguém,sempre que especulo sobre alguém,em como deve ser, como deve agire por aí vai, pego um pouco de todosque já conheci e então, parto do pressupostode que pessoas são pessoas,

Por isso, parando para pensar nessa mulherpensei que, como qualquer um, ela já mentiu,

Page 47: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

47

já enganou e foi enganada, como qualquer um,já teve seus deslizes, como qualquer um,e certamente, já fez escolhas das quaisse arrepende hoje, como qualquer um,

O que a tornava ainda mais distanteda mulher a ser homenageada no 8 de março,então, pensei:

Que bom!

14 de março de 2015

O PESO DO VAZIO

O vazio pesaTudo o que neleCaiba,

Seja um sonho,Seja um nada.

16 de março de 2015

1/5 BOBAGEM, 4/5 FANTASIA

Uma hora,a gente entende quenão entendia era nadae o que pensava que sabiaera 1/5 bobagem,4/5 fantasia.

18 de março de 2015

Page 48: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

48

PARA NOS PROTEGER

Muitas vezes,erguemos os punhoscomo alguém queergue muros

E levantamos a vozcomo quem levantao vidro do carro

E nos fechamoscomo alguém quetranca todas as portase janelas de casa

Para nos proteger.

25 de março de 2015

CONJUNTO MAMORÉ

Conjunto Mamoré,Zona Sul de Porto Velho,a casa do meu pai ficanuma ruazinha escondidae esburacada, coberta por um asfaltodesbotado de tão velho,

É uma casa típica de conjunto,com um alpendre e uma cozinhaacrescidos ao projeto original,

Estou lá, me balançando na

Page 49: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

49

rede da varanda, meu irmãome mostra jogos no tablet delee como dá pra jogar com ocontrole do PS3,

Meu pai olha pra câmera compactaque lhe dei, foi pra ele parar de postarfotos embaçadas no facebook,está novinha, mas sem usoaqui em casa.

Aproveitei pra mostrar pra elealgumas técnicas e recursos.

O Toninho está na varanda também,ele teve um tempo redbanger, outrotempo emo, um tempo boy e agoranão sei em que tempo está,

Está falando de mulheres como sempree dos mais de 400 clipes que tem salvoem casa, diz que se eu quiser eleme passa alguns, não quero nenhum,tenho todos – na internet.

A Vanessa está pela casa,estava brincando com a Rebeca,minha irmã mais nova, e agoraacho que na cozinha, conversandocom a Vanda.

Vanda é a mulher do meu pai,não a chamo de madrasta,ela é mais como uma amigae acho que madrasta quer

Page 50: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

50

dizer outra coisa.

Ficamos nisso um tempo, aí,o Caveirinha chegou se pendurandono portão, falando que tinha matadoum rato, fez jeito de sniper segurandoo fuzil e até o barulhinho do tiro:

PSHIII! – tiro com silenciador.

Estava verdadeiramente empolgadocom a ideia de ter acertado e matadoum rato, com certeza, um dos milharesque vivem no córrego imundo aliem frente.

Nisso, aparece um cara de uns 35 anos,um pouco gordo, com a cara inchada,segurando a espingarda de chumbinhono ombro.

O Caveirinha entroue o cara subiu a rua.

Depois, veio a notícia que o caratinha acertado a nina, na cabeça,alguém disse que o dono delaia ficar puto, outro disse que o caranão lembrava que a espingarda estavacarregada.

Nina era a cachorra de alguém,pelo visto, a cachorra muitoquerida de alguém, porque foium rebuliço.

Page 51: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

51

Todo mundo foi pra rua pra dar contado caso, até os moleques que estavamfumando um se mobilizaram um pouco,igualmente, curiosos.

É engraçado, eles ficam na frentede um quintal que mais parece umterreno baldio, exalando quilos de fumaçacomo uma chaminé, rindo comoimbecis e acham que ninguém sabeo que estão fazendo,

Mas todos sabem e a verdade, éque sabem que não sendo seus filhos,o problema também não é seu,já dá muito trabalho cuidarda própria vida.

Tem um pula pula bem no meio da rua,carro não passa, mas não faz muitadiferença, é difícil mesmo passar umcarro por ali.

Meu pai diz que sempre saicedo, 6, 6 e 30 da manhã,e sempre está tudo um deserto,mas naquele domingo, acordaramcedo, as crianças.

Acho que nem dormiram.

Alguém lembra de se preocuparcom o pior e lança a pergunta:E se ele tivesse acertado umdesses meninos?

Page 52: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

52

Os meninos e meninas não estãonem aí, estão suados, cansados,sujos, e pulando, só querem saberde pular.

04 de abril de 2015

COISAS GUARDADAS

Todos temos coisas guardadas,coisas muito diversas,armas e flores, ódiose amores.

Acho que a questãotem pouco a vercom o que guardamos,

Acho que é mais sobreo que nos esforçamospara

DESGUARDAR!!!

08 de abril de 2015

NÃO ALIMENTE OS ANIMAIS

Talvez a gente não seja, de fato,responsável pelos sentimentosque nascem na gente,

Contudo, acho mais difícil

Page 53: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

53

duvidar da nossa responsabilidadesobre os sentimentos já crescidos,

Se eles cresceram o que cresceramé porque foram alimentados.

10 de abril de 2015

BRINCADEIRA!

Muitas vezes, a Vidase parece com brincarde porrada:

É só diversão e alegria,então, você leva um murrãobem na boca do estômago.

13 de abril de 2015

A LUTA DE TODOS OS DIAS

Há uma luta e é uma lutaque não é contra ninguém,ao mesmo tempo é contracada um e todos os queou nunca entenderamou deixaram de entender:mais de 97% da populaçãomundial.

Não se trata de Poesia,Cultura, Arte, ou de salvar

Page 54: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

54

a Humanidade – só de salvara mim mesmo.

De quê?

Não é uma coisa,é um processo, lento, mas incisivo,são muitas coisas agindoao mesmo tempo, me arrastandopelos braços, me puxandopelos cabelos.

Tenho medo de quetodos esses soprosde todas essas bocase pulmões sem donosacabem por formarem,um vendaval que apagueem mim essa minhaflama cambiante.

A luta é essa: manter acesoesse resto de fogo sagrado,esperando a hora do incêndio.

Escrevo poesia como, quandomenino, pulava o muro da escolapra vadiar, leio livros e mais livroscomo quem falta ao trabalhopra não fazer nada o dia todo,fazendo o que der na telha.

São formas de resistência!

A luta é essa: conseguir

Page 55: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

55

mais lenha, essa lenhaque são os pedaços cada vezmais magros de mim, maisescassos.

Mas não posso dizer que é uma lutasó minha e se não é de todos,é porque nem todos têm comque manter em si o brilho dealgo que lhe queime as entranhas,

Os que conseguem, estão aí,ainda tentando, temendo como eu,e lutando ainda para evitar a hora fatalem que se apagarão para sempre.

18 de abril de 2015

CORRERIA

Tem gente quesó corre atrásquando não tem maispra onde correr.

24 de abril de 2015

ÓDIO AO MISTER M

Quando a gente vêo truque atrás da mágica,não volta a vera mágica,

Page 56: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

56

Talvez por isso,ninguém gostede quem revelao truque.

Quem revelao truque estragaos olhos de quemvê a mágica.

09 de maio de 2015

COMUNICAÇÃO

A falaquando falatoca

21 de maio de 2015

ENTRETEMPOS

1.A gente não tem como sabercomo vai ser daqui a um tempo– como vamos ser, eu digo,por mais força que a gente faça,o que virá e como nos acertará,a gente nem sabe, nem temcomo saber...

Temos nossas esperanças,mas o que realmente pode

Page 57: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

57

fazer o tecido dessas esperançasnas mãos do acaso, tão boasem desfiar?

O que o tempo fará da gentee o que faremos de nós mesmosé uma coisa que nos escapa, sódepois de estar lá é que saberemose talvez, nem tanto.

A gente também não temcomo saber como é que esse alguém,que seremos, vai pensarnesse outro alguém,que vamos sendo agora.

Esses dias,eu pensei nisso.

2.Duvido muito que o pequeno Danilo,estudante dedicado e ingênuo,bestinha bestinha, imaginouque um dia abandonaria a escolae se tornaria um renomadobebum de praça,

Duvido muito que esse bebum de praça,que andava de cross, era conhecidopor Zé e se via na infância como umperfeito abestado, um dia tenha se imaginadoescrevendo poesia, cursando psicologiae acordando de segunda à sextaàs 6 horas da manhã pra trabalhar.

Page 58: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

58

De algum jeito, aqui estou, e hojepenso como será daqui a 5 anos,como serei,

E daqui a 10 anos,20 anos?

Eu fico pensando, como esseDanilo do futuro vai olhar praesse Danilo de agora, o quevai pensar dele?

3.Meu amigo, Marcos, hoje medisse que agir com maturidadeé uma boa forma de evitarvergonhas futuras,concordei com ele.

Ele pensou nisso depois deme ouvir falar que tenhomais vergonha de falarque um dia já fui modelo mequetrefedo que já ter andado pela praça do halfvestindo bermudas rasgadas e camisasde campanhas eleitorais.

Mas eu fiquei pensando se o Danilo,que fazia o curso de modelo, pensavaque um dia ia ficar sem jeito pra falarsobre o assunto,

Pensei também se o Zé pensavaque um dia ia ver tudo de outrojeito,

Page 59: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

59

Nos dois casos,acho que não.

4.Hoje, eu tenho uma cabeçabem diferente de todas as cabeçasque já tive, mas que é o conjunto delas,resulta de um processo de contraçãoe expansão, de contínuas organizações,crises e reorganizações,

Com essa minha cabeça de hoje,sei que muita coisa que o tempo traz, o tempo leva,mas não leva por completo, qualquer tanto fica,perdura, persiste em nosso convívio,na gente.

Não se trata só de agir commaturidade, nem só de evitarvergonhas futuras, a gentenem tem como saber o queentenderemos por vergonhosono futuro,

Acho que se trata, na verdade,de entender que o que fazemos,o que vivemos, as coisas quea gente passa e que passampela gente, não passam de todo,de algum modo,ficam.

A questão é: a gente se fazdo que é feito da gente,então, é preciso sempre

Page 60: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

60

ter em mente do que éque nos queremos feitos.

23 de maio de 2015

VOCÊ SABE DO QUE ESTOU FALANDO?

O dia inteiro com dor de dente,o mês inteiro com essa dor nas costas,desde janeiro com esse enfado todo,eu sou mesmo o diabo de um teimosocomo ainda diz minha mãe.

Às vezes, é tão raro e tão duro aprendersobre a delicadeza do que vale a pena,passei o dia pensando num poema e,agora, à noite, sinto que meu dianão passou à toa.

Você sabe do que estou falando?Ter um motivo muda tudo,no fundo, é só o que você precisaarranjar – pessoas com motivomudam o mundo e sempre serãoelas quem o vão mudar.

Você sabe do que estou falando?Antes de um porquê, a vida é sóum como, um modo de passar o tempoque de qualquer maneira, vai passar,

Mas quando você tem um motivo,esse bicho arisco vem ronronar aosseus pés e é sempre tão bonito!

Page 61: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

61

Você sabe do que estou falando?Você sabe...

26 de maio de 2015

PERGUNTAS E RESPOSTAS

01.Não há uma resposta só,porque não há resposta certapras perguntas da Existência,

Cada um enquanto existe,vai dando um jeito de se responder,mas não é incomum que quemse responda ache que o fezpor todos e não por si e só.

Não é incomum que alguém,ao encontrar uma respostapros seus próprios anseios,confunda as coisas e penseque encontrou uma respostapros anseios de todos.

02.Eu era um jovem cabeça dura,confuso, com raiva de tudo, ingênuoe andava atrás de uma VerdadeMaior, porque sentia que mefaltava,

Procurei tanto que encontrei

Page 62: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

62

e encontrando, me obrigueia colonizar o mundo comminhas ideias, afinal, eu sabia"a Verdade".

Estava convicto de que sabiae era muito simples: quemdiscordava, estava errado.

03.Não sei como é que essepensamento foi parar naminha cabeça, estava lá:

Eu pensava que estava tentandoresponder às indagações do mundo,mas a verdade é que tentavaresponder às minhas indagações,

E pensando assim, é claro quequando respondia algo meu,acreditava que tinha encontradoa resposta para algo do mundo,

Eu não me importava com o mundo,me importava comigo, se meimportasse com o mundoteria aprendido mais cedoo que sei hoje.

04.Eu não sabia que a verdadeque procurei e encontreiera a minha verdade,que minhas respostas eram

Page 63: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

63

minhas e respondiamàquilo que eu queriarespondido,

Então, não tinha como saberque a verdade do outro eraa sua verdade e que as suasrespostas eram suas e respondiamàquilo que eles queriamrespondido.

Então, não tinha nem como concluirque o mundo não era lugarde uma resposta só, mas lugarde muitas.

05.Ontem,uma amiga me falou de Deus,faz muito tempo que não acreditoem deuses, mas acredito na bondade,e era disso que a gente falava.

Fosse há um tempo atrás, e com certeza,eu ia tentar explicar pra ela que Deusnão existe, mas ontem, não; Deus nãoexiste pra mim, pra ela existe.

Minha resposta é diferente dasua resposta, mas não se tratade quem está certo ou errado,se trata de perceber que,apesar dos desacordos, em muito,a gente pode concordar.

Page 64: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

64

E se tem uma coisa de queo mundo anda meio precisado éde acordos – mãos dadas,em vez, de punhos erguidos.

30 de maio de 2015

SE IMAGINE GAY

01.Imagine que fosse a sua caraque quisessem acertarcom lâmpadas fluorescentes,que fosse sobre vocêque falassem com ódio,sempre de punhos erguidos,

Imagine ouvir que vocêé uma aberração e quea sua forma de amarcausa nojo, que é umafalta de respeito.

Imagine!

E se dissessem que lutarcontra “pessoas do seu tipo”é fazer a vontade de Deus,proteger a família e a própriahumanidade?

Imagine pessoas dizendoque é um direito delas sercompletamente contrárias

Page 65: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

65

a um direito seu.

Você que não faz mal a ninguém,que não quer o mal de ninguém,que quer levar a sua vida eamar a quem quiser amar,

Se imagine gay.

02.Eu vi essa propaganda da Boticário,depois de ver muitos comentáriospelo Facebook, comentáriosdizendo que isso era errado,que incentivava o homossexualismo,

Antes de ver, eu pensei mesmoque era alguma coisa feita sópra chamar a atenção,

Mas não tinha nada,só gente sendo gente.

Vi também o vídeo do Malafaiadizendo que eles queremmudar o “paradigma da sociedade”,macho e fêmea, e ele fala comose a homoafetividade fossenovidade dos nossos tempos,

Vai vender perfume pra gay,ele disse.

Não sei se ele pensa no tipode efeito que as suas falas

Page 66: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

66

têm sobre as pessoas, eleque está cuidando dafamília milenar e da sociedade,

Será que ele sabe que a famíliade hoje, mudou e está tentandose arranjar, que o mundo mudoue está tentando dar um jeito?

Será que ele pensa nas pessoas?

Se imagine gay e me digase discursos como o do Malafaiaiam ajudar você.

Se imagine gay e me diga:Como seria se a sua famíliaouvisse o Malafaia

03.Tem gente que pensa que o Malafaiadefende os interesses da sociedade,mas eu vi o vídeo dele e fiquei pensandonessa sociedade que quer desprezarboa parte dos seus membros,

Nessa sociedade que, para se protegerdos tempos e das mudanças, defendeque não tem lugar pra todos e que alguns,só por estarem com quem querem estar,estão ameaçando o mundo.

Fiquei pensando nessa sociedadeque quer boicotar quem é a favordas diferenças.

Page 67: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

67

Fiquei pensando,e se eu fossegay?

06 de junho de 2015

BLOQUEIO

Tem dia que é assim,as pedras estão molhadas,então, de nada adiantaesfregá-las,

Fazem o barulho do toque,o arrasto do som e maisnada, faísca alguma.

Melhor é descansaras mãos cansadase evitar as chagas.

08 de junho de 2015

DO ALGODÃO-DOCE À RAPADURA

Para Vanessa,com quem aprendi a viver um amor de sonho

e sem cuja inspiração eu não seria capazde escrever tão bonitamente.

01.O amor é sempre maior,mais delicado, mais bonito,

Page 68: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

68

na imaginação, nas falasdos poetas, nos filmes, nosromances, nas fotos doscasais perfeitos do instagram,

Mas quando vem ao mundo,quando a ideia se converte em fato,quando a vontade se transforma em ato,que diferente, que outro é o espetáculo,que tão diverso é o amor!

Quem vive o amordescobre.

02.Não há quem roteirizeseus sonhos de amorlevando em contaos detalhes técnicos,

Sonhando, ninguém lembra que existemfebres, dores de dente, de cabeça,dias inteiros de mau humor.

As pessoas imaginam banquetes fartosem tardes idílicas e primaveris,nunca vão se imaginar dividindoum miojo e um suco ralo numanoite magra,

Mas o amor tem disso,quem vive o amor sabe.

Quem vive o amor sabe queexistem suvacos e que é preciso

Page 69: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

69

esfregá-los.

Quem vive o amor conheceas questões práticasque o sonhador esquece.

03.Viver um amor é muito diferentede sonhá-lo, e o amor vivido,muito distinto daquele que ésonhado,

Se você não ajustaros olhos e as expectativas,vai procurar por um e, por isso,não vai ver o outro.

E por não ser capaz de o ver,vai se perguntar por onde anda o amor,perguntando, na verdade, pela utopia,porque estará ali, bem perto, o amorvestido da simplicidade cotidiana,

Estará na mão que se oferece e afaga,no bom dia de cabelos despenteados,nos afazeres da rotina,Vibrando o corpo que se alegrae enlaça, que se esfrega e abraça,que se entrega e goza.

O amor estará ali,embelezando o essencial do instante,abrindo em risos as bocasdos amantes, enternecendoas faces.

Page 70: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

70

Não como no sonho:bonito ainda, mas bonitode outro jeito.

Quem vive o amor tem queaprender a ver a ternura,não como a espera,como ela aparece.

04.Tenho essa ideia de que o amorque se torna realidade perdeos contornos de sublime,com isso não quero dizerque perca o encanto.

Não necessariamente.

Se é verdade que a realidaderedesenha o amor sonhadocom os traços mais verídicosda trivialidade e do convívio,É verdade também que esse amortinge a realidade com os matizesdo fantástico,Quero dizer que o amorque deixa o sonho pra ser vividonão escapa ileso,

Mas se não morre pelo caminho,se resiste ainda, mantém algode onírico e maravilhosamente belo,uma elegância, uma força,uns ares, uns brios,

Page 71: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

71

A parte improvável de umavirtude ainda a ser inventada.

05.Todo amor que é tirado do sonhoe transposto ao mundopor mãos firmes e cautelosas,capricha as coisas simples,os momentos,

É questão de jeito!

Do jeito de quem amaao transportar o amorpara que toque o chãosem que se despedace.

Quem vive o amor sabeque trazer o que se sonhapro que se vive é coisamuito delicada, masbem possível.

06.Quem vive o amor sabeque o amor do sonhonão aguenta meia horaao sol, ao sal do dia a dia,

Mas se o mesmo amorque inspira o sonho,inspira o ato, então,o amor do fato se confundeao amor da fantasia.

Page 72: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

72

Quem vive o amor sabe…

12 de junho de 2015

O POETA E O MENINO

Era um homem bomque se fez poetae a quem o duro da Existênciatinha feito sábio.

Todo dia, se sentavana sua mesa de madeira antiga,apontava o lápis,aprumava o cadernoe escrevia um tempo.

E isso se repetiahá muito tempo,todo dia.

Era visto pelo bairrocom deferência e cuidado,tinha quem o achasseum louco, tinha quemo achasse um imbecil,

Mas o mais da genteo estimava e por isso,quando o chamavam depoeta, não se podia ouvirsenão respeito em suasvozes.

Page 73: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

73

Naquele dia, se sentoucomo de costume, diantedo caderno, mas antesque pudesse fazero primeiro risco

Um menino,muito curioso, bateu palmano portão e pediu praentrar.

Entrou e já foi perguntandopelo que o senhor estavafazendo.

– Poemas – ele respondeucom sua magreza calma.

– Pra quê?

– Eu quero me tornarum grande poeta.Criar com essas mãosuma obra imortal...

– E isso demora muito?

– Às vezes,uma vida inteira.

– Tu não cansa?

– Às vezes, canso.

Page 74: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

74

– E por que não para?

– Tá vendo aquela estante?Tem muitos livros nela,não tem?

– Um montão.

– E se você tivesse queler todos?

– Eu nem começava.Tem muito livro, tio!

– Pois vou te dizeruma coisa:

Comemore cada passo adiantee não vai parecer tão distanteo fim de uma longacaminhada.

Nisso, o menino coçouo queixo, olhou a estantede cima à baixo, e, por fim,cruzando os braços,disse:

– Não entendi foi nada…

O poeta riu um risosossegado:

– Não precisa pressa, um

Page 75: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

75

dia vai entender. E quandoentender, vai comemorar...

20 de junho de 2015

PENSE BONITO!

Esqueça essa ideiade que pensaras coisasenfeia as coisas,

Pense bonitoe tá tudo resolvido!

21 de junho de 2015

O MURO NO MEIO DO CAMINHO

1.Eu já contei a vocêsque eu pensava que iaficar rico e famoso escrevendoos poemas mais lindos do mundo?

Podem rir, às vezes,até gargalho contandoessa história.

Menino novo e com 100 vezesmais empolgação do que juízo,eu acreditava nisso, confiava nisso.

Desespero e ingenuidade não são

Page 76: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

76

os melhores conselheiros pra sonhos,em geral, os transformam emdelírios...

Um dia, atacado por um surtode lucidez, dei uma boa lidanos meus “maravilhosos” poemas ea realidade, sem dó nem piedade,como um chute na boca,me acertou.

E ela estava de coturno,então, POW!– eu descobri:

A realidade não ébaseada emfatos ideais.

2.Quando a gente se mantémnuma estrada pela certezado que vai encontrar e essacerteza se desfaz, a vontadede continuar desaparece.

Aconteceu comigo,quando vi que não iaficar nem rico nem famosoescrevendo aquelas porcarias,fiz o que me pareceu mais sensato:parei de perder meu tempocom esse negócio de escrever.

E talvez, não voltasse a escrever

Page 77: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

77

nunca mais, se não fosse essaparte minha que herdei dosantigos cínicos.

A minha certeza, agora, erade que não ia dar em nada,escrever não ia me levara lugar nenhum,

Mas aí, pensei, rindo:vou parar só por isso?

Não parei.

23 de junho de 2015

O QUE ELES QUEREM

Eles me querem louco, porquetêm a esperança maluca de quea minha loucura será um anestésicopara as suas sanidades doentias,

Eles me querem sofredor, queeu invente angústias para queeles possam assumir como suase possam proclamar as doresque não sentem como distintivosde sua superioridade.

Eles me querem marginal, porqueno fundo, querem estar à margem,mas têm medo demais para fazermais que admirar quem seja,

Page 78: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

78

quem viva a seu modo.

Eu ignoro todos eles e me sentoaqui tranquilo e razoável, escrevendoalegremente sobre coisas que elesnão entenderão.

Eles não entendem.Não entendemnada.

01 de julho de 2015

SÍSIFO É UMA PORRA

Quem alcança seu ideal, vai além dele.Nietzsche

01.Não é uma sensação muito boaolhar pra si e sentir que ainda não é isso,que, apesar dos esforços cotidianos,ainda se é um tristonho arremedodo ser pretendido,

Algo ainda falta,talvez pouco, talvez muito,não importa, importa que falta,

A mão se ergue em vãoao céu que escapa, o troféuda vitória recente se despedaçae tudo o que deixa na estanteda comemoração: espaço.

Page 79: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

79

E a visão incômoda desse espaçopermanentemente se interpondoentre o anseio e a coisa ansiada,me faz pensar se vale a pena.

Descanso as mãos, as chagas,largo o cinzel com que venhoescavando muro atrás de muro,parado diante desse outro muro,e já adivinhando os outros muros maisque ainda haverão por escavar.

Sísifo, a pedra, e o inútil da subida:o ponto de chegada sempre um novoponto de partida.

02.Quantas vezes a noiteme pareceu mais escurae o abismo sob os pés mais fundoporque me assediava essaangústia de andar, andar, andare não chegar nuncaa lugar nenhum?

Perdi as contas.Mas aprendi:

Não sou mais o meninosonhando em ser homem,sou o homem tentando abrir,ao custo dos dedos em frangalhos,frestas suficientemente grandespor onde varar o Impossível.

Page 80: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

80

A porra é séria.

03.Não sou Sísifo, não tenteme enganar, meu cansaço:as pedras que levo ao topoda montanha ficam lá,

Se volto a descer é porque aindanão tenho todas as pedrasque almejo em minha coleção.

E se de vez em quando sinto o queestou sentindo, é porque crescie cresceram comigo os meus ideais.

Não chegaria até aqui se nãome fizesse outro, e esse outro,que agora sou, quer mais queaquele outro, que deixei de ser.

É, portanto, naturalque esteja insatisfeitoe queira adiantar o pénoutro passo adiante.

É, portanto, bom sentirque de tudo, algo ainda falta,porque

O que me faltame move.

04 de julho de 2015

Page 81: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

81

SOBRE SABER

Se você não sabecomo funciona,não pode sabero que está errado;

Se você não sabeo que está errado,não pode consertar.

08 de julho de 2015

EU SEI DO QUE ELES ESTÃO FALANDO

Eu queria não saberdo que estão falandoos desesperançadosquando estão falandoque não tem jeito,

Eu queria não saberdo que estão falandoos desiludidosquando estão falandoque a verdade dói,

Eu queria não saberdo que estão falandoos famintosquando estão falandodo preço do feijão.

Eu queria não saber,

Page 82: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

82

mas acontece que eu sei.

Eu sei do que estão falandoos solitários, os miseráveis,os deprimidos, os sem futuro,os fracos e os estúpidos,

Eu sei do que estão falandoos beberrões, os perdidos,os combalidos, os desprezados,os malucos e os idiotas,

Eu sei do que estão falandoquando eles estão falandode seus males, suas dores,amarguras e arrependimentos.

Em compensação,eu também seido que estão falandoos perseverantesquando estão falandosobre seguir adiante.

Eu sei do que estão falandoos sonhadoresquando estão falandode possibilidades,

Eu sei do que estão falandoas pessoas boas,quando estão falandode bondade.

Eu sei do que estão falando

Page 83: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

83

aqueles que acham que vale a pena,quando estão falandoda Vida.

Eu sei do que estão falandoos poetas, os pensadorese os inquietos em geral,

Então, beleza!

18 de julho de 2015

PROBLEMA

O grande problemade ir ficandomenos estúpido

É que a gente só sereconhece menos estúpido

Quando se dá conta de quejá foi mais estúpido.

23 de julho de 2015

JÁ FUI

Já fui otimistae esperei o melhor,já fui pessimistae esperei o pior.

Page 84: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

84

Hoje,eu não espero.E é só…

27 de julho de 2015

O JOGO

Jogo de xadrezcontra um pilantraque, vira e mexe, mudaas peças de lugar– ISSO É VIVER!

Se aindanão se acostumou,vai se acostumar.

31 de julho de 2015

É COMPLICADO!

É complicado!

Seguir adiante pela Vida afora,frágeis viajantes pela via instávele móvel, de pés descalçospor uma estrada falha e flutuante,

De um a outro agora,que se movem, mudame se transformam,de ano em ano, mês em mês,

Page 85: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

85

de hora em hora.

A gente se preparapra uma montanha,mas encontra um abismo,se prepara pro abismomas encontra uma montanha.

É complicado,porque cedo ou tarde,a gente aprende a andarsempre com cautela,cuidado, pé ante pé.

Sacomé?

O que vem? O que virá?A gente tenta adivinhare pelo que advinha, se prepara,mas vem a Vida e surpreende,a gente quebra cara.

E quando a gentenão tem mais cara pra quebrar,de novo, a Vida inventa e surpreende,

Quem vai entender?Quem é que entende?Nem abismo, nem montanha,eis uma planície, muito amplae muito fácil de transpor.

A gente para, pensa,indaga: será que agora vai?Será que agora vou?

Page 86: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

86

A gente desconfia, é claro,já se acostumou a desconfiar,e não é raro que a gente eviteo caminho mais sossegadoe siga adiante por outro.

E por quê? – por medo,medo do que a Vida,essa raposa velha e ardilosa,pode estar aprontando.

A gente segue em frente,e segue desconfiando semprede qualquer coisa que outra sejae não a mesma Vida dura, árdua,mas conhecida.

É complicado!

01 de agosto de 2015

ULISSES DE PERIFERIA

01.Quando eu tinha deuses no convívio,podia ficar com raiva de sua crueldade,se a situação estava ruim, eu podiaacusá-los de injustos, eu tinhacontra quem brigar.

Tinha com quem reclamar.

Então, puto com toda a divindade,

Page 87: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

87

eu os desafiava, era o regozijo doinjustiçado, contestar!

E contestar sem outro motivoa não ser ressentimento,rancor por ter nascido pobrenum mundo em que mereceriaser rico.

Eu pensava que os deuses nãogostavam de mim e que, por isso,tinham me reservado um destinomedíocre.

Eu era um Ulisses de periferia,de sandálias havaianas e bermuda jeans,velha e suja, vociferando injúrias e blasfêmiascontra o julgo dos deuses e sua arbitrariedade,

O senhor do meu destinoseria eu!

Tinha também as horas boas,quando o coração estava sossegadoe até borboletas fortuitas me faziamsorrir e agradecer aos mesmosdeuses com quem ainda já poucoeu estava brigando.

E como tinha mais motivospra brigar que pra agradecer,brigava muito mais que agradecia.

02.A vida era assim, se estava ruim,

Page 88: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

88

brigava com Deus, se estavaboa, era todo gratidão.

Uma vez, li Freud e ele dizia queDeus era como um substitutivo parao pai que a gente perdia quandocrescia e se dava contada sua humanidade,

Pra mim, era isso mesmo,Deus era o pai de quem eu exigiatratamento VIP e com quemeu me zangava por não me dar.

03.Hoje, os deuses ficaram para trás,tudo que é místico, mágico e fantásticotambém ficou pelo caminhoe vou dizer o motivo:

Deuses são um problema quandoem vez de lidar com o mundovocê lida com eles, e esperadeles tudo e confia neles.

Era o que fazia.

Quando entendi isso, elesse tornaram figuras meramenteilustrativas e, passando o tempo,até esse lugar perderam.

Hoje, não existem para mim senão comoficção, uma ficção levada muito a sériopelos outros.

Page 89: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

89

Não tenho mais deuses no convívio,só o mundo, a gente nelee a dinâmica em que estãometidos.

E eu no meio disso, eu e meu orgulho,o orgulho raro de se desfazer de deuses.

01 de agosto de 2015

SAPATARIA

A dor somente dóiqualquer que seja– dói e não ensinanada;

Masa gente aprendea não andar descalçodepois que levaumas topadas.

E daí?

Daíos nossos coraçõesestarem cheios e atulhadosde chinelos, botase sapatos.

03 de agosto de 2015

Page 90: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

90

PROJETO

Aparece o desejo,mas desejar não é suficiente,

Poder nenhumtem o maior desejosobre o desejado.

É preciso agir,mas agir tambémé só uma parte,

Sem o que os oriente,os atos, como os passos,só podem levara lugar nenhum.

E por fim, não importam,nem desejos, nem atos,há sempre o risco e o receio:

Tudo pode dar em nada,a depender do meio.

03 de agosto de 2015

A BÚSSOLA QUEBRADA

01.A gente sempre se perguntapor que está sofrendo,mas só muito raramentepor que está sorrindo.

Page 91: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

91

Não é comum ver por aíalguém explodindo de alegriaparando um momento pararefletir sobre o sentido da Vida,

E se a gente perguntapra alguém feliz, eleresponde, sorrindo:

Não é óbvio???Mas procure entre os sofredores,aí, sim, você vai encontrar reflexõesde todos os tipos, todas tristese pesadas...

02.Acho que tem a ver com a ideia de quepensar as coisas, enfeia as coisas.

É como se a felicidadefosse um cristal muito delicadoa que as mãos abruptas dopensamento não pudessemmanusear sem destruir.

Então, a regra geral énão pense, se vocêestá feliz, não pense,a menos que esteja triste,

Não pense.

03.Não é à toa que tanta genteacredita que o sofrimento ensina:

Page 92: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

92

só pensa quando sofre,

Só se indaga sobre a Vida,a Morte e o que tem no meio,quando está mal,

Quando está bem:NECA!

Não é sem motivo quetem essa concepção por aí:que a dor está ligadaao amadurecimento

E a felicidade à idiotice,quem está feliz não pensa…

Não pensa: sente!

É como se a gente estivessetentando chegar a algum lugar,mas só lembrasse de onde équando se encaminhandopra mais longe de lá.

08 de agosto de 2015

A LIÇÃO DA ALEGRIA

Os dias de alegriatambém têm algopra nos ensinar.

08 de agosto de 2015

Page 93: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

93

PELO AVESSO

Aprender com os errose com os acertos, nãoé como tentar aprenderas regras de um jogoexatamente pelas formascom que não se deve jogar.

09 de agosto de 2015

SOBRE DEIXAS E ENSEJOS

01.As coisas da Vida,

Às vezes, têm a vercom sorte, então,a gente não temmuito que fazer:espera.

Às vezes, têm a vercom merecimento,então, a gentenão pode esperar:faz por onde.

É assim, às vezes, dependeda gente, noutras vezes,a gente é que depende.

Saber distinguiré que é o problema.

Page 94: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

94

02.Boa parte das inquietaçõesvem desse desacordoentre o que a vida exigee a gente dá.

Às vezes, ela exige espera,então, fazer o que sejaé desperdício,Às vezes, ela exige atos,então, qualquer esperaé omissão.

03.Basicamente, é isso:ou a gente aprendea reconhecer as deixas,os ensejos,

Ou se condenaa viver numa contínuadivergência,

Agindo na hora da esperae esperando na hora detentar.

15 de agosto de 2015

OU 8 OU 80

Para alguns, tudoé muito simples:

Page 95: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

95

Não é preto?– É branco!

Não é branco?– É preto!

Se nem é pretonem é branco:

NÃO EXISTE!!!

20 de agosto de 2015

O REGOZIJO DAS MIGALHAS

01.Eu li por aí que é bomque o sofrimento existaporque, sem ele, a gentenão teria como sabero que é felicidade;

Fiquei pensando se o mesmofunciona pra felicidade, quese ela não existisse a gentenão teria como sabero que é sofrimento.

Se é assim que as coisas são,então, é ótimo que o sofrimentoexista, já que por ele a gentedescobre a felicidade,

Por outro lado, a felicidade

Page 96: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

96

não é tão boa assim, já quepor ela a gente descobre osofrimento.

02.Vamos concordar com a ideiade que através do sofrimentoa gente descobre o que éfelicidade,

Então, seria certo dizer queum pequeno sofrimento revelauma pequena felicidade e queum grande sofrimento revelauma grande felicidade?

Se for assim, a gente podeconcluir o seguinte:quanto maior o sofrimento,maior a felicidade revelada.

Ou seja, uma vida sofridaé o caminho pro Nirvana;não acho que funcionedesse jeito.

03.Uma vida sofrida não revelaa felicidade. Não! Na verdade,ela arregaça o sujeito ao pontode ele se sentir abençoado atépelo copo dágua que bebe.

Taí o que chamo deo regozijo das migalhas.

Page 97: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

97

É o que perpassa o sujeitonuma situação realmente precária,quando ele acha 2 reais na ruae, tomado de euforia, se senteo cara mais sortudo do mundo!

E isso,meu amigo, não é felicidade,não passa nem perto.

22 de agosto de 2015

AS DIMENSÕES DO ATO

1.Com 20 anos na cara,meu pensamento não ia muito longe,em geral, não passava do dia seguinte:como seria amanhã?

Às vezes, a gente tinha o que comer,às vezes, não. Então, sim, eu pensava:quem eu vou visitar amanhã? Será bemna hora do almoço ou um pouco antes?

Pensar no futuro sempre tinhaa ver com alguma urgência:quando será que vão cortar a energia?

Quando o dono da casa vai pedirque a gente saia e a gente vai ter que sair?

Fora isso, minha mente se projetava,

Page 98: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

98

no máximo, até o dia da próxima festae minha preocupação em torno do assuntoera bastante simples: que jeito eu daria pra ir.

Coisa da idade.

02.Aos 20 e poucos anos,eu nunca saberia me imaginaraos 30, e mesmo que soubesse,não estava nem aí, então, não tinharazão para especular e simplesmente,não especulava.

Hoje, com 31, fico pensando em comotodos os aqueles atos acumulados de10 ou mesmo de 20 anos atrás aindarepercutem em mim e na minha vida.

Falei dos atos, mas as omissõestambém entram no cálculo, afinal,aquilo que não fiz, também me fez.

Não fazer também é atoe o que não é feito, tambémse torna fato.

03.Quando penso no existir,penso em continuidade,assim que a rupturaé aparente

E romper, na verdade,é só outra forma de continuar.

Page 99: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

99

Se comparo o que fuicom o que sou, me percebomuito diferente,

Mas não deixo de veressa linha torta que vem de lápra cá, esse algo permanente.

Viver é caminhar emesmo que a gente vá aos saltos,sempre firma os pés em alguma parteantes de saltar.

É com issoque ando cismado.

04.Quando a gente se dá contade que o que fez repercuteno presente, percebe o pesodo que anda fazendo pro futuro.

Aí, cada ato e cada omissão,pelo tanto que podem ressoar,assumem outra dimensão.

E não estou falando só de fazerou não fazer algo, da escolhade mover ou não as mãos,adiantar os pés ou parar,falar, ou se calar.

Meto aí também, no mei da bagaceira,as escolhas psicológicas,as ideias que assumi e as que descartei,

Page 100: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

100

os sentimentos que soube alimentare os outros que morreram de fome.

Então, porque penso queo que penso precede o que faço,antes de pensar sobre o fazer,fico pensando, exatamente,sobre pensar...

29 de agosto de 2015

PAUSA PARA O DRAMA

A gente volta do intervalo,ainda conversando as bobagensdo intervalo, e vê um casalsentado nos degraus.

Caras muito sérias,um pouco tristes,olhos cheios dáguae uma tentativa dedisfarce.

Ela olha pra frente,onde tem uma parede,ele olha para ela, ele todovoltado para ela.

Parece que ele insistee ela resiste.

A gente passa,faz um minuto de silêncio,

Page 101: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

101

se olhando com aquela carade eita!

Então, retoma a conversa:

"O que quero dizer é queaos 60 anos de idadeo simples fato de ter os intestinosfuncionando normalmentejá é uma alegria."

01 de setembro de 2015

A LÓGICA DO DESPROPÓSITO

01.Depois que acontece e passa,tudo de algum modo se articula,se comunica e encaixa eaté o evento mais insólitoe fora de lugar faz sentido.

A gente olha pra tráse pensa: nada foi em vão,nem a dor, nem a alegria.

E até se admirade ter dado tudo tão certin,como no roteiro de um filme bomonde só aparece o que importa à trama.

O negócio é que acho que issonão é próprio das trajetórias,mas de quem transita por elas.

Page 102: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

102

02.Estava lembrando coisas do passado,então, parei pra pensar e pensei:isso aí tá muito lógico pro meu gosto...

MUITO LÓGICO MESMO!

Fiz um pouco mais de força mentale acabei percebendo que, de algum modo,ao me recontar a minha históriaeu estava omitindo muitos detalhes,

Por quê?

Claro que eu não ia fazer isso por mal,tinha esquecido só, deixei passar.

Foi aí que pensei:

Todos os passoslevam a algum lugare tudo é caminho,depois de chegar.

03.Não acredito em destino,assim que a história de cada umsó se dá, depois que já se deu,não existe antes de existir.

Então, quando acontecida,o passado emerge ebasta ligar os pontos,fazer de causa, cada acaso.

Page 103: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

103

A gente junta as pontas soltas,faz nós e laços, assume que issofoi por aquilo e aquilo por issoe enfim, tem todo um contocom começo, meio e fim.

E é aí, que somem asincoerências, as eventualidades,as vicissitudes,

Ou somem ou assomamcomo parte da históriaque sempre e invariavelmente,faz sentido.

04.Tenho pra mim que a históriade cada um, de qualquer um,se constitui mais sobre os acasos,mais de desvios que de caminhos,

Mas depois que acontece,cada um encontra um jeitode justificar pra si cada passofora da rota.

05.E daí? – é o que me perguntoquando chego a conclusõesdesse tipo.

E daí que a existêncianão é teleológica!

A continuidade existe,

Page 104: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

104

os eventos se encadeiam e tal,

Mas a finalidade que parece haverem tudo na vida não está nas coisaspor que a gente passa, mas na genteque passa pelas coisas.

É a gente que inventa finspara que tudo seja meioe exista algum sentido.

08 de setembro de 2015

SURPRESA

Uma hora a gentese dá conta de quehá muito maismundo no mundo.

16 de setembro de 2015

COMANDAS E DEMANDAS

01.Um garçom tentandoatravessar o salão cheio,já viu como é?

Ele é só concentração,detrás de alguma simpatiae um tanto de impaciência.

Page 105: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

105

Ele é todo cuidado,ao redor, tudo conspira,todos que bebem, dançam,gritam,

Cada braço que gira,cada corpo que sacode,cada passo dado,um risco.

Qualquer coisinhae a bandeja vibra,se desequilibra.

02.Cada um de nósé como o garçome o entorno: a badernade uma festa insana.

Mas não tentamosatravessar salões de festaem dias de festa, mantendointeiros pratos e garrafas.

Tentamos é atravessaro tumulto da vidasem deixar que nos escapeaquele tanto imprescindívelde humanidade.

19 de setembro de 2015

Page 106: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

106

QUEM DERA!

Quem disseque pro amorsó amor bastava

Falou só por falare sem saberdo que falava.

25 de setembro de 2015

EMPREGO

A cena é essa:tenho uns vinte e poucos anose depois de ficar na frente de uma empresadas 5 e 30 até as 9 da manhã,sou chamado pra falar com um cara.

Eu era um vagaltentando mudar de vidae achando que ia ser fácil.

Entro numa sala bonitacom ar condicionado e tudoe digo de cara que estou aliporque preciso de um emprego,

O cara ri um riso zombeteiro e diz que,tirando pelas minhas roupas,o caso é mesmo urgente.

Ele era um gordinho de cara vermelha,

Page 107: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

107

camisa branca muito bem passada,gel no cabelo, dentes perfeitos.

Eu era um marginalque andava de cross, bebia cachaça com refrina praça do half e tinha largado a escolasó porque deu vontade.

Sentado ali, ouvindo o cara rir,imaginando qual dos parentesdele tinha lhe dado o cargo,imaginei também como ficariaaquela carinha bem barbeadadepois de um murro bem dado.

Não dei o murro.

Juntei o pouco da poucadignidade que tinha, pegueiminha bicicleta velha e pedaleiaté em casa segurando o choro.

Penso que pra qualquer outroaquilo podia ser só mais um não,mas eu estava desesperado,e o desespero amplia tudo.

Se você nunca foi um desesperado,não pode saber a euforia que traza menor possibilidade e a desolaçãoque vem depois que tudo dá em nada.

A gente tinha se empolgado, de verdade,eu e minha mãe, com a possibilidadede um emprego,

Page 108: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

108

Conseguir um empregosignificava muita coisa,ter um empregoera ter outra vida.

Pra ter uma ideia, a gentejá estava pensando em como gastaro primeiro salário e o que fariacom o 13º.

Mas aí, BANG!

Quando cheguei em casa,contei pra minha mãeque não tinha dado em nada,ela pensou que era brincadeira.

Não era.

03 de outubro de 2015

O PESO DO MUNDO

Quando a genteé pequeno,o mundo é leve,então, a gente brinca;

Quando a genteé grande,o mundo pesa, por isso,a gente quer brincar.

03 de outubro de 2015

Page 109: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

109

PERGUNTA:

Nossas verdades:

são nossas porquesão verdades

ou são verdadesporque são nossas?

6 de outubro de 2015

CANÇÃO DO CONFORMADO

Se fosse pra ser,tinha sido, diz o conformadodepois do acontecido

Que não foi como devia ser,porque tudo aconteceupra não acontecer.

Se fosse pra vencer,tinha vencido, diz o conformadodepois de ter perdido.

Talvez melhor assim,talvez não fosse a horaé no que ele pensa,é no que demora

A acreditar, ainda coma esperança que não cansa

Page 110: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

110

de brincar – cruel como criança.

Mas era pra perder,jogo já perdido, diz o conformadotodo ressentido.

Hoje,vai pra cama com mágoasa mais, tentando sossegaro incômodo mordaz

Que o morde.

10 de outubro de 2015

AMAR(RAR)

Toda relação se tecee é tecida pelas pontasque se soltam no decorrerda vida;

Cada um não é senãoum denso emaranhadode fios – uns frouxos,outros apertados;

E no meio dessa confusão,que é própria de um novelo,o que se desata e soltabusca o outro– para envolvê-lo.

14 de outubro de 2015

Page 111: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

111

INTIMIDADE

Intimidadetem a ver com se despir,mas só quando se despiré muito mais que ficar nu.

15 de outubro de 2015

TAMANHOS E PROPORÇÕES

Isso de crescernos apequena,

Quanto mais o corpo estica,mais pro alto vão os olhose a visão, que se amplifica,mostra como é largo o mundo,distante o céu e o marprofundo.

E à emoção da descobertaacompanha sempre certo medoe uma angústia certaque se faz segredo

No escuro de cada umconvertendo em pânico a alegriae o indômito anseio da aventurana vontade de não ir a lugaralgum.

Taí o que é crescer:perder a própria

Page 112: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

112

enormidade.

Por isso, aqui e ali,a gente se pegacom a maior vontadede voltar no tempo,pros momentos primeirosda primeira idade.

Voltar pra quando aindanão havia nem dores, nem cansaços,e a gente morria de achar graçada cara dos vizinhos bebadaços.

Voltar pra quando ser feliznão exigia quase nada,café com pão era refeição,banquete era macarronada;

Voltar pra quando o mundoia até o mercadinho do Joãoonde tinha doce de leite,paçoca e bolacha recheada.

Qualquer coisa,era só meterum fiado.

Voltar pra quando os limitesdo mundo estavam à distânciade uma caminhada e as pernasda imaginação corriam soltas,desembaraçadas.

Às vezes, quando o dia pesa,

Page 113: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

113

e não é incomum que pesepara a mente já pesada,a gente para e pensa:maravilha é ser criança,ser adulto não é grande coisa,não compensa;

Tudo é sempre muito sério,pode ser ridículo, mas é sério– muito sério;

A vida de um adulto,basicamente, é sobreganhar dinheiro,reclamar do governoe dizer que tá osso...

Eu já disse:com isso de crescera gente se apequena,e daí, sofre.

E no sofrimentoa gente lembrade como se sentia grandequando era pequeno,

Não é à toa, portanto,essa vontade de voltar!

Mas por quê?

O que é que acontececom a gente pra que a gente

Page 114: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

114

se sinta tão pequenodepois que cresce?

Acho que é alguma coisaque não devia se perder,mas porque se perdeua gente quer de volta.

Não estou falandoda infância – perda inevitável,estou falando da gente.

Uma hora a gente crescee já não quer brincare até o que há de sonhodesaparece.

Sim, eu sei,já estou careca de saber:

O mundoé um lugar estranho,pra quem só cresceno tamanho,

Mas(e esse é realmente o ponto)

O mundo será sempreum lugar muito triste,pra quem não vive,não brinca, não sonha– só existe.

17 de outubro de 2015

Page 115: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

115

NA SINTAXE E NA VIDA

Quemnão é sujeito,é objeto.

23 de outubro de 2015

ABESTADÃO

De vez em quando, me flagrocom esses pensamentos inúteis,fúteis e bobalhões:

Bem que todo banhopodia ser de chuva,

Bem que remédiopodia ter gosto de jujuba,jujuba podia ser remédio!

Seria bom um superbonderpra corações partidose caras quebradas,

Brincar podia dar dinheiro...

Penso nessas coisasachando graça e aí,me sinto um abestadãoe acho graça duas vezes,

Porque me deixo levarpelo enlevo, que é leve,

Page 116: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

116

igualmente leve.

Desobrigado de ser sério,me dou licença e continuoa brincadeira

Só porque é bom brincar.

28 de outubro 2015

LEITMOTIV

Tem dia que dá pra saberde onde vem essa ideiade paraíso: o idílio fantásticode um contentamento pleno,tranquilo e sem fim.

Anteontem,deu uma chuvarada de noite,daquelas pesadas, com raiose trovões magníficos,como flashs da câmerade um deus.

Sorriam! – ele gritava.

Corri pra baixo dáguametendo os pés com vontadena lama grossa, de novoum menino.

A Vanessa hesitou um pouco,mas me acompanhou,

Page 117: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

117

a gente pulou, dançou,gritou, embriagadospor uma euforia pueril.

Era como senão houvesse amanhã,nem ontem, nem nada:

Só o momentoem suspensão,só o agora e estar alibrincando.

Então, quando a gentese agarrou com força e pressa,famintos um do outro,eu pensei:

Bem que a vida podiaser feita só disso!

Mas não foi só um pensamento,foi uma sensação, um desejo,um querer...

Ela disse: eu te amo,eu disse de volta,também te amo.

Acho que é a partirde momentos assim quese desenham os paraísos,

É dos arrebatamentosinstantâneos e raros

Page 118: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

118

em que a gente não quersenão o que tem:

A inalcançável saciedadefinalmente alcançada!

A plenitudede não ter maiso que desejar:

Quando a gente não quernada mais que aquilo,porque só se quer maisdo que não é o bastantee aquilo, naquele instante,basta,

É tudo, e basta.

Acho que felicidade é teralgo e não querer nem maisnem por mais tempo,

Por que só seria possívelansiar pelo adiamento do fimdaquilo que se está vivendodiante da ideia de fim

E quando a gente está feliz,no momento em que está,não existe fim pra adiar,porque é como não houvessefim.

Quando a gente está feliz,

Page 119: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

119

por um momento, o momentoé tudo o que existe.

Naquele instante, deu pra entendero que move os devotados perseguidoresde paraísos em suas buscas e sonhos,

Deu pra entender,não como quem entende,porque pensa igual, mascomo quem entendeporque sente igual;

Como quem finalmentedescobre do que é queeles estão falando:

Eu daria a vidapor uma vida assim.

28 de outubro de 2015

SOLADO

Dá pra adivinharquilômetros de passosolhando pro desgastede um solado,

Mas o que dá pra saberdos caminhos percorridosou de quem os percorreu?

04 de novembro de 2015

Page 120: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

120

FLAGRANTE

Acabo de descer as escadasda faculdade, tem um caracom um buquê de flores amarelas,

Ele olha pra mim um pouco sem jeito,eu olho de volta com meu olhar deisso não é muito brega mermão?

Eu acho que é,e muito adolescente também,sem dizer que é uma grandefalta de originalidade.

Dar flores está no volume 1do grande e antigo catálogode como ser romântico,está entre abrir portase puxar cadeiras.

Mas isso não é sobre mim,é sobre um cara tentando demonstraro que sente e qual o problemade ele não ser criativo?

Se a jovem que receber as floresgostar e se sentir como fossea primeira mulher da históriaa receber flores,

Então,beleza…

7 de novembro de 2015

Page 121: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

121

A GELADEIRA IMAGINÁRIA

A geladeira velha tinha pifado,e como a gente não tinha dinheiro,ficou sem uma por mais de um ano.

Foi nesse tempo que a gentedesaprendeu a comprar pra armazenar,era uma chateação, toda vez quequeria algo, tinha que ir no mercado,o Rocha e Costa.

Eu ia praticamente todos os diascomprar 1 tomate, 1 batata, 1 cenoura,meio quilo de carne moída, bife,fígado, às vezes, coxinhas de frango,só não ia nos dias que não tinhadinheiro e a gente comia ovo.

Mais de um ano fazendoa geladeira de armário,bebendo água fria de umfiltro, tomando 2 litros de refritodo de uma vez, porque nãotinha como guardar.

É engraçado: o hábito ficou,a despeito da geladeira nova(e a gente tem uma zero bala),eu ainda vivo sem geladeira,comprando pra comer na hora.

Só me dei conta disso, porqueminha irmã comprou duas bolachas,uma pra comer e outra pra guardar.

Page 122: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

122

Eu pensei, como assim guardar?A gente não guarda pra mais tarde,a gente compra e come.

Nesse caso,a gente = eu.

As coisas mudaram, a gentetem geladeira agora, eu é quemantive o hábito e tenho vividocom a geladeira pifada dentroda minha cabeça como se elaestivesse fora e fosse aindacoisa da minha realidade.

Caramba!

Se isso não é um forte indíciode que as condições em que vivemosgeram modos de pensar e de agirque permanecem lá, mesmo depoisque o entorno muda, então,não sei o que seria.

A gente não precisa viverpelo que já foi vivido,mas, no geral, acontece.

Agora estou aqui pensandono quanto de mim aindanão foi atualizado.

Tenho que atualizar...

14 de novembro de 2015

Page 123: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

123

CADERNOS ANTIGOS

01.Sempre que escrevo estou empolgado,e isso já é um hábito antigo, então,suponho que muito texto que escrevi,já há algum tempo, teve pelo menosum pouco dessa empolgação,

O que quer dizer que escrevicada um desses textos antigossentindo como se fosse o melhorde todos que já escrevi,

Aí, vou ler e quase sempre me perguntoonde é que tava com a cabeça.

Isso é fácil de explicar,eu sou outro, tenho outros anseios,amadureci um pouco, aprendiumas coisas e esqueci outras,

Então, quando olho um poemaantigo, olho pra outro tempo,pra produção de outro eu.Difícil retomar quem eu era na épocae embora entenda que estava aprendendo,ainda me escapam todas as circunstânciasde então, me deixando no vácuo.

02.Gosto de me ver como um poeta em construção,em construção e constante reforma,uma obra do Governo – sem pressa pra acabar.

Page 124: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

124

Estou sempre pensando onde dá pra melhorar,me indagando sobre o que significa isso de escrever,por que, pra que, quem, como, quando e outras questões,o que, de vez em quando, me dá umas crises e,depois, uma revisão de paradigmas.

É, eu sou esse tipo de poeta,escrevo na base dos paradigmas,mas quis a Vida e um sem fimde processos sociais, naturaise humanos, que eu fosse essainquietação, constantemente,inventando e despedaçandoparadigmas.

Não é à toa que quanto mais antigo o poema,mais evidente é a diferença, embora em todos tenha algo,um jeito de andar, falar ou ser, em que me reconheça,eles apresentam mais elementos de desconhecimento,talvez por isso, goste tão pouco dos mais velhos,– é o eu de outros tempos ali, um eu já superado.

Mas aí, penso que se não tivesse escritocada um deles, talvez, não chegassea esse ponto quando tudo parece maisclaro

E fácil.

É por isso que quando vou olharos meus cadernos antigos,tento lembrar que escrevi aquilosob outras circunstâncias, outras paixões,sendo outro, não completamente outro,mas outro em muita coisa.

Page 125: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

125

Eram tentativas, apontamentos,rascunhos e ensaios.

Os voos inaugurais de um grande albatrozse preparando para conquistar os amplos céusda liberdade.

(Isso me ocorreu agora,está meio nada a ver, masachei bonito, vai ficar)

03.Quando vou pensar no passado, faço igual,olho com paciência e sempre tentando lembrarque eu pensava diferente, via diferente num contextodiferente, o que só podia desembocar em tentativasdiferentes.

Se o que fiz ou o que não fiznão corresponde aos meus critérios atuais,não estou nem aí, tanto faz, o que fiz, tá feitoe pro que não fiz, não tem mais jeito.No geral, penso que na época pareceuuma boa ideia, deve ter parecido, pelo menos,e afinal, a maioria... – não a maioria não,boa parte... – também não...

Penso que algumas das muitas bobeirasque fiz acabaram por fazer quem sou hoje,acabaram contribuindo de algum jeito.

(Claro que algumas outras me atrapalharam bastante,mas a ideia desse poema é ser positivo– good vibes – entende?)

Page 126: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

126

Pra terminar, acho que é besteira,isso de olhar os erros de aprendizpelos olhos de quem já aprendeua lição.

É isso.

21 de novembro de 2015

PASSEIO

Pra entender algumas coisas,a gente tem que sair de si,mas não dá pra entender outrasespiando pelo lado de fora.

Se alguém me perguntasse, agora,– Danilo, o que é sabedoria? –com certeza eu ia dizer,enigmático como nunca dantes:

É o que se ganha num passeiode si para além de si, e vice–versa.

24 de novembro de 2015

PEDRA

Pior quea pedra no caminhoé a pedra no sapato,

Porque o problema

Page 127: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

127

da pedra no caminhotem a ver com ocaminho,

Mas o problemada pedra no sapatotem a ver com opróprio caminhar.

26 de novembro de 2015

A GENTILEZA EMBRIAGADA

Minha irmã me contou essa.

Ela foi pra parada de ônibus,chegando lá, viu um bebum,modelo clássico – magrelo,velho, calvo e barrigudo.

Um daqueles tagarelasque ao mesmo tempoque falam pra todos,não falam com ninguém.

Ele estava bem ali perto,na frente da casa que (ele disse)era dele, onde (segundo ele):podia fazer o que quisesse.

O que quisesse!– e o que queria, podia e faziaera beber, ouvir seu radinhoe dançar como se não tivesse

Page 128: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

128

ninguém olhando.

Acontece que tinha,sempre tem...

Mais que isso:o pessoal olhava,mas não só olhava,não olhava e só.

A gente sabe como é:olhava, apontava o dedo,comentava, ria.

O bebum lá,na sua,nem aí.

Nisso,chega um cara de muletana parada de ônibuse porque ninguém levantapra ceder o lugar,ele fica em pé.

Pois o bebum dançanteentrou, pegou uma cadeirae foi levar pro cara de muleta:

– Pega aí, ó…

Aí o cara de muletaolhou pro pessoal da paradacom uma bela cara detá vendo só?

Page 129: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

129

No que o pessoal da paradaolhou de volta com cara dequem diria, hein?

***Moral da história:seja o bêbado.

28 de novembro de 2015

DESCOBERTA

Só depois de grandeA gente descobreO que é ser pequeno

01 de dezembro de 2015

O HOMEM QUE NÃO PODIA VOAR

Começou com um sonho,talvez o mais comum:o de estar voando.

Não como o Superman,que é o mais normal,como um homem alado,um homem com asas, um anjo,mas não exatamente, um anjo.

Foi vívido, nítido,quase real!

Page 130: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

130

Quando ele acordou,a sensação do voo imaginárioera quase como uma lembrança,como o sabor que um refrigerantedeixa na boca.

Depois daí, ele começoua se imaginar em pleno voo,as asas abertas, o vão do ar,a liberdade.

Seria fantástico!

Ele aproveitava os intervalosdo cotidiano, em casa, no trabalho,no banco, na fila do pão,tivesse um tempinho livrefugia do mundo, sonhava.

Depois, os intervalosnão bastavam mais,ele se distraía mais vezes,cada dia um pouco mais,com os seus “voos”.

Chegou o dia em que elenão conseguia pensara não ser em voar.

Mais um tempo passa,imaginar já não o satisfazia,agora ele pensava com tristezana tragédia de não poder voar.

Talvez a tragédia sobre a qual

Page 131: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

131

se irmanava toda a humanidade!

Era impossível!

Ele sabia, existem aviões,ultraleves, planadorese muitos outros destesaparelhos voadores,

Mas sua vontade,seu anseio, sua angústia já,era o desejo de voarcom o impulso das própriasasas, que seriam magníficas!

Ele sabia que ninguémtinha asas, mas a constataçãonão ajudava em nada,não é porque ninguém tinha asas,não é porque é impossível,que ele não podia desejar.

Então, desejavae, desejando, se entristecia,com o mesmo afinco.

Agora andava pelo mundoencurvado de tal maneiraque os ombros ficavama meio palmo do quadril,a cara no chão,

Não havia o que o animasse,que o retirasse da melancolia,ele se pôs até a filosofar sobre

Page 132: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

132

a miséria da condição humana:desalada!

O pior era olhar pros demaise perceber que nenhum delessequer se dava contade como era lamentávela anatomia humana.

Todos desalados,mas só ele e ele só,desalado e desolado.

Os vermes rastejavampor sobre a superfíciepegajosa e imunda da terra,perfeitamente, adaptados,ignorantes de sua fatalinaptidão.

Era horrendo,chegava a ser ignominioso,a ignorância dos bípedes.

Uma hora,ele já não aguentava mais,subiu num prédio, decidido:ia saltar.

Ia, mas não saltou,porque, sabia:

NÃO PODIA VOAR.

12 de dezembro de 2015

Page 133: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

133

INCOMPLETUDE

Minha noção de incompletudetem pouco a ver com falta,tem mais a ver com a ideiade que algo que me sobraainda não está lá.

15 de dezembro de 2015

AQUELE DJ

A Vida, às vezes,é como aquele DJque não toca a músicaque a gente ensaiou.

31 de dezembro de 2015

Page 134: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto
Page 135: The Best Of Poeta Mas Nem Tanto

O grande desafioda Vida é crescer

sem se apequenar.

José Danilo RangelPoeta, mas nem tanto