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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO NÚCLEO DE TECNOLOGIA EDUCACIONAL PARA A SAÚDE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E SAÚDE THAIS SALEMA NOGUEIRA DE SOUZA A FORMAÇÃO DO NUTRICIONISTA COMO EDUCADOR: reflexividade, integração e práxis RIO DE JANEIRO 2015

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

NÚCLEO DE TECNOLOGIA EDUCACIONAL PARA A SAÚDE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E SAÚDE

THAIS SALEMA NOGUEIRA DE SOUZA

A FORMAÇÃO DO NUTRICIONISTA COMO EDUCADOR:

reflexividade, integração e práxis

RIO DE JANEIRO

2015

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THAIS SALEMA NOGUEIRA DE SOUZA

A FORMAÇÃO DO NUTRICIONISTA COMO EDUCADOR:

reflexividade, integração e práxis

Tese de doutorado apresentada ao Programa de

Pós-Graduação em Educação em Ciências e

Saúde, Núcleo de Tecnologia Educacional

para a Saúde, Universidade Federal do Rio de

Janeiro, como requisito parcial à obtenção do

título de Doutora em Educação em Ciências e

Saúde.

Orientador: Alexandre Brasil Carvalho da

Fonseca

RIO DE JANEIRO

2015

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S725f Souza, Thais Salema Nogueira de.

A formação do nutricionista como educador: reflexividade, integração e

práxis / Thais Salema Nogueira de Souza. – Rio de Janeiro: UFRJ / NUTES,

2015.

188 f.; 30 cm.

Orientador: Alexandre Brasil Carvalho da Fonseca.

Tese (Doutorado) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde, Programa de Pós-graduação em Educação em Ciências e Saúde, Rio de Janeiro, 2015.

Referências bibliográficas: f. 168-178 .

1. Nutricionista. 2. Relações profissional-paciente. 3. Tecnologia Educacional em Saúde - Tese. I. Fonseca, Alexandre Brasil Carvalho da. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde. III. Título.

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Thais Salema Nogueira de Souza

A FORMAÇÃO DO NUTRICIONISTA COMO EDUCADOR: reflexividade, integração e

práxis.

Tese de Doutorado apresentada ao

Programa de Pós-Graduação Educação

em Ciências e Saúde, Núcleo de

Tecnologia Educacional para a Saúde,

Universidade Federal do Rio de

Janeiro, como requisito parcial à

obtenção do Título de Doutor em

Educação em Ciências e Saúde.

Aprovado em __________________________________

______________________________________________________

Prof. Dr. Alexandre Brasil Carvalho da Fonseca - UFRJ

______________________________________________________

Profa. Dra. Anelise Rizzolo de Oliveira Pinheiro - UNB

______________________________________________________

Profa. Dra. Silvia Angela Gugelmin – UFMT

______________________________________________________

Prof. Dr. Julio Alberto Wong Un - UFF

______________________________________________________

Profa. Dra. Vera Helena Ferraz de Siqueira - UFRJ

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A todos os educadores,

que passaram e estão na minha vida,

somando afetos e saberes que constituem quem sou.

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AGRADECIMENTOS

À minha família. Pai, mãe, irmão e todos os queridos, pelo apoio, presença e enorme

carinho.

À minha outra grande família. Amigas e amigos de alma que venho cultivando e sentindo

pela vida afora e adentro, pela compreensão da ausência em tempos “concentrados”.

Ao meu orientador, Prof. Alexandre Brasil, pelo incentivo e apoio ao meu processo de

formação intelectual e humana e pela parceria e amizade iniciadas ainda nos tempos do

mestrado.

À Silvia Gugelmin pela amizade e à Vera Helena Siqueira pela parceria iniciada no

mestrado e, para ambas, pelas frutíferas contribuições dadas na ocasião do Exame de

Qualificação.

À Anelise Rizzolo e Julio Wong, pelo aceite em colaborar com meu processo de

doutoramente e pelas parcerias que poderão existir.

Aos professores, professoras e estudantes entrevistados na pesquisa, pela generosidade em

partilharam comigo suas histórias de vida, experiências e expectativas profissionais e pelos

aprendizados que obtive neste contato.

Aos professores do NUTES, que muito contribuíram para o aprimoramento dos meus

conhecimentos no campo da educação, da ciência e da saúde. À Lucia e Ricardo, da

secretaria do NUTES, pela atenção e apoio.

Às colegas do DNSP, Elaine, Giane, Leila, Lourdes, Lucia, Polônio, Sandra e Zelinda, pelo

acolhimento carinhoso e pelo apoio oferecido desde o primeiro dia de ingresso na

UNIRIO, com os quais pude ter tranqüilidade para realizar o doutorado concomitante com

o trabalho.

À Sheila, Jorginete, Verônica e Thatiana, amigas queridas, pelos diálogos produtivos e

colaborações preciosas desde o mestrado.

À Gilda, pela escuta, diálogo e “co-orientação” psicanalítica e educacional.

À Marcia Duarte (in memoriam), querida colega de mestrado e doutorado, pelas ótimas

conversas e pela presença saudosa.

E a todos aqueles que, direta ou indiretamente, contribuíram para a realização desta tese.

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RESUMO

SOUZA, Thais Salema Nogueira. A formação do nutricionista como educador:

reflexividade, integração e práxis. 2014. 202 f. Tese (Doutorado em Educação em Ciências

e Saúde) – Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde, Universidade Federal do Rio

de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015.

No campo da saúde, a Nutrição é a área que tem os alimentos, a relação ser humano-

alimentação e a sociedade como objetos centrais de estudo e atuação. Nos cursos de

graduação em Nutrição, a disciplina Educação Nutricional é, em geral, caracterizada pela

integração de conteúdos das ciências biológicas, humanas e sociais, e pela função de

formar o nutricionista para atuar como educador. Porém, existem pontos críticos na

formação geral e na disciplina Educação Nutricional, como a necessidade de maior

fundamentação teórica, articulação entre teoria e prática e integração entre as disciplinas

das áreas de Nutrição e com outras áreas de conhecimento. Frente a essa situação, o

objetivo deste estudo foi investigar a práxis da educação nutricional na formação

universitária em Nutrição, visando promover uma análise compreensiva sobre suas

contribuições e desafios no contexto contemporâneo. Para o desenvolvimento do estudo

foram considerados os pressupostos da Entrevista Compreensiva, tanto em sua construção,

quanto em seu desenvolvimento. A pesquisa de campo foi realizada em 6 universidades do

Rio de Janeiro, sendo 3 públicas e 3 privadas. O primeiro conjunto de dados foi obtido por

meio de entrevistas semi-estruturadas junto a 31 professores, sendo estes responsáveis pela

disciplina Educação Nutricional e pela disciplina Estágio nas três áreas clássicas da

Nutrição – Alimentação Coletiva, Nutrição Clínica e Saúde Coletiva. O segundo conjunto

de dados foi produzido por meio da realização de grupos focais com estudantes no último

ano da graduação, que já tivessem cursado a disciplina Educação Nutricional e estivessem

inseridos em estágios. No processo de análise compreensiva, que levou em consideração os

diálogos com professores e estudantes, os referenciais teóricos e as intenções da

pesquisadora, foram identificadas três categorias conceituais essenciais para a formação do

nutricionista como educador no contexto atual: reflexividade, integração e práxis. A

concepção de reflexividade chama atenção para a necessidade de que professores e

estudantes reflitam sobre as funções, atividades e intenções do educador nas práxis

educativas realizadas tanto no contexto da universidade, quanto da sociedade. A concepção

de integração alerta para a necessidade de interdisciplinaridade entre as disciplinas das

áreas da nutrição e com outros campos de conhecimento, e também, de integração entre as

pessoas, os projetos e processos de trabalho. A concepção de práxis esclarece que a

integração entre teoria e prática é imprescindível para que os processos educativos sejam

de fato transformadores. A tese defendida nesta pesquisa é a de que a formação do

nutricionista como educador não ocorre somente na disciplina Educação Nutricional, ela se

desenvolve no contexto amplo de vida – nas experiências escolares, universitárias,

familiares e sociais, - e também, em outros espaços e situações ao longo da graduação

como, por exemplo, nos estágios, nas observações do exercício docente, nas relações com

os professores e nas demais experiências universitárias. A soma desses aspectos influencia

a formação e a identidade do nutricionista como educador. Nesse sentido, é necessário que

os cursos de nutrição e seus professores reflitam sobre suas intenções e ações e criem

estratégias curriculares e educativas para a formação do nutricionista como educador.

Palavras-chave: Nutrição; Formação profissional; Educação alimentar e nutricional.

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ABSTRACT

SOUZA, Thais Salema Nogueira. A formação do nutricionista como educador:

reflexividade, integração e práxis. 2014. 202 f. Tese (Doutorado em Educação em Ciências

e Saúde) – Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde, Universidade Federal do Rio

de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015.

In Health, Nutrition is the area responsible for three central objects of study and acting:

food, relationship human beings/eating, and society. In undergraduate courses of Nutrition,

the Nutrition Education discipline is generally characterized by the integration of contents

in humanities, social and biological sciences, and by the function of graduating the

nutritionist to act as an educator. However, there are critical points in the general

graduation and in the discipline of Nutrition Education, as the need for more theoretical

grounding, the articulation between theory and practice and the integration between

disciplines in the areas of Nutrition with other areas of knowledge. In this sense, the aim of

this study was to investigate the praxis of nutrition education in undergratuate courses of

Nutrition, in order to promote a comprehensive analysis of their contributions and

challenges in the contemporary context. To develop this research I considered the

assumptions of the Comprehensive Interview, both in its construction and in its

development. The field research was conducted in six universities in Rio de Janeiro, 3

public and 3 private. The first set of data was obtained through semi-structured interviews

with 31 teachers, which are responsible for the discipline of Nutrition Education and also

of Training in the three classic areas of Nutrition – Collective Food, Clinical Nutrition and

Public Health. The second set of data was produced by conducting focus groups with

students in the final year of undergraduation, who had already taken the course of Nutrition

Education and also the course of Training. In the process of comprehensive analysis, which

took into account the dialogues with teachers and students, the theoretical references and

the intentions of the researcher, three conceptual categories were identified as essential to

the formation of the nutritionist as an educator in the current context: reflexivity,

integration and praxis. The concept of reflexivity calls attention to the need for teachers

and students to speculate on the functions, activities and intentions of the educator in

educational praxis, both within the contexts of university and society. The concept of

integration points to the need for interdisciplinarity among the disciplines in the areas of

nutrition and other fields of knowledge, and also integration between people, projects and

work processes. The concept of praxis clarifies that the integration between theory and

practice is essential for the educational processes to be really transformers. The thesis

defended in this research is that the formation of nutritionists as educators not only occurs

in the discipline Nutrition Education, it develops in the broader context of life - in school,

college, family and social experiences - and also in other spaces and situations throughout

the undergraduation as, for example, stages, observations of teaching practice,

relationships with teachers and also other college experiences. The sum of these aspects

influences the formation and the identity of the nutritionist as an educator. Therefore, it is

necessary that nutrition courses and their teachers reflect on their intentions and actions

and create curriculum strategies for the educational training of nutritionists as an educator.

Key-words: Nutrition; Professional qualification; Food and Nutritional Education

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 Cursos de graduação em nutrição situados na região metropolitana

do Estado do Rio de Janeiro por categoria administrativa e

município.

55

Quadro 2 Informações básicas das IES participantes da pesquisa. 57

Quadro 3 Blocos, temas e questões abordadas no roteiro de entrevista com

Professores.

59

Quadro 4 Codificação dos professores, por IES, disciplina, tempo e data

entrevista, 2010/2011.

63

Quadro 5 Número e codificação dos estudantes, por IES, por tempo e data

do grupo focal, 2010/2011.

65

Quadro 6 Informações dos docentes entrevistados, IES 1, 2011. 71

Quadro 7 Informações dos docentes entrevistados, IES 2, 2011. 72

Quadro 8 Informações dos docentes entrevistados, IES 3, 2010. 73

Quadro 9 Informações dos docentes entrevistados, IES 4, 2011. 74

Quadro 10 Informações dos docentes entrevistados, IES 5, 2011. 75

Quadro 11 Informações dos docentes entrevistados, IES 6, 2011. 76

Quadro 12 Área de interesse profissional dos estudantes, por IES, áreas de

atuação e ordem de prioridade, 2010/2011.

77

Quadro 13 Informações sobre as cargas horárias total, teórica e prática nas

disciplinas Educação Nutricional, por IES.

127

Quadro 14 Informações sobre a carga horária dos estágios e internatos, por

IES.

129

Quadro 15 Informações sobre a presença da educação nutricional nas ementas

das disciplinas estágio e internato, por IES.

129

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 11

2 PERCURSO DA PESQUISA 20

2.1 SOBRE AS MOTIVAÇÕES E IMPLICAÇÕES COM O ESTUDO 20

2.2 SOBRE O PROCESSO DE CRIAÇÃO E MANUFATURA DA TESE 22

2.2.1 O encontro teórico-metodológico 23

2.2.2 A busca pela inspiração teórica nas Teorias Sociais da Educação 30

2.2.3 Origem e abordagens da educação nutricional 44

2.3 O CAMINHO E O ENCONTRO COM O OBJETO NA PESQUISA DE 54

CAMPO

3 CONHECENDO OS SUJEITOS DO DIÁLOGO 70

4 CONHECENDO OS DIÁLOGOS COM OS SUJEITOS 82

4.1 A REFLEXIVIDADE COMO MÉTODO DE PESQUISA E 82

MEIO DE EXPRESSÃO HUMANA

4.1.1 Ser educador: o eu, o outro, a sociedade 87

4.1.1.1 A dialogicidade entre a responsabilidade local e o compromisso global 88

4.1.1.2 Pelos educandos aprendizes ou pelas aprendizagens do educador? 92

4.1.1.3 A formação pedagógica do nutricionista-professor 96

4.1.1.4 Distorções e disposições dos professores no processo educativo 99

4.2 POR UM OLHAR DIALÓGICO DA FORMAÇÃO DO 107

NUTRICIONISTA COMO EDUCADOR

4.2.1 O papel da disciplina Educação Nutricional (EN) na formação 108

do nutricionista

4.2.2 Os espaços formais e informais da formação do nutricionista como 125

educador: disciplina, estágios e outras situações

4.2.3 Desejos, demandas e desafios: integração e práxis nos processos 131

educativos

4.2.3.1 A integração entre disciplinas, áreas e práticas 133

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4.2.3.2 A integração entre a teoria e a prática na práxis educativa: o educador 145

como artesão intelectual

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 159

REFERÊNCIAS 168

APÊNDICES 179

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11

1 INTRODUÇÃO

Alimentação, saúde e educação são temas impregnados de complexidade e de

grande amplitude compreensiva. Fazem parte da vida dos seres humanos e podem ser

vivenciados e compreendidos de maneiras distintas, a depender dos contextos ambiental,

biológico, histórico, geográfico, cultural, político, social, econômico e afetivo. Não são

conceitos auto-explicativos ou consensuais, pelo contrário, durante séculos vêm compondo

diferentes interpretações e abordagens, as quais dão o tom e influenciam as características

e práticas cotidianas e vice-versa (BUCHANAN, 1998; GAZZINELLI ET AL., 2005).

A alimentação tem sido considerada uma prática determinante no processo

permanente de (re)construção das sociedades. Na atualidade, as práticas alimentares têm

sido fortemente transformadas em decorrência de diversos fatores que vêem conformando

os variados modos de vida contemporâneos (FISCHLER, 1995; POULAIN, 2004;

CANESQUI; GARCIA, 2005; BOURDIEU, 2008).

Essas transformações têm sido objeto de preocupação das ciências desde que os

diferentes estudos sinalizaram, na primeira metade do século XX, a ocorrência de doenças

transmissíveis e carenciais associadas à insegurança alimentar e à fome, como as

hipovitaminoses e a desnutrição, e mais recentemente as doenças não transmissíveis, como

a hipertensão, as doenças cardiovasculares, a diabetes tipo 2, que possuem uma relação

estreita com o consumo alimentar (WHO, 2004). Nas últimas décadas, registrou-se no

Brasil uma importante mudança no perfil nutricional da população. A desnutrição vem

diminuindo, hoje concentrada em locais e grupos vulneráveis, e a obesidade vem

aumentando praticamente em todos os grupos populacionais (MONTEIRO; MONDINI,

2000; BRASIL, 2006a).

Os reflexos dessas mudanças também podem ser notados em vários âmbitos da

sociedade: a maior preocupação e a busca dos indivíduos por uma vida saudável; o

incremento de pesquisas científicas e o desenvolvimento de novas tecnologias no campo da

alimentação e da saúde; a exploração de temas relacionados à dieta e à estética do corpo

pela mídia; a especulação comercial e industrial do sistema alimentar, desde a produção até

o consumo de alimentos em nível global; os avanços na construção e consolidação das

políticas públicas na área de alimentação, nutrição e saúde; entre outros (BLEIL, 1998;

GARCIA, 2003; VELOSO; FREITAS, 2008; GARCIA, 2011a). Inúmeros estudos têm

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sido realizados a fim de compreender a complexidade da questão alimentar e de desvelar

os fenômenos motivacionais e os efeitos de tais mudanças nas sociedades (MENELL ET

AL., 1992; FISCHLER, 1995; CANESQUI; GARCIA, 2005; CONTRERAS; GRACIA

ARNÁIZ, 2005; GARCIA, 2011b). Neste mesmo cenário, a alimentação como um direito

humano tem ganhado destaque nos debates pontuados em diversas declarações e tratados

internacionais (VALENTE, 2004).

A multidimensionalidade da questão alimentar tem permitido que várias áreas do

conhecimento como agricultura, antropologia, economia, história, medicina, nutrição,

sociologia, entre outras, encontrem na alimentação um objeto, direto ou indireto, de estudo.

No campo da saúde, a Nutrição é a área que tem os alimentos e a relação ser humano-

alimento-sociedade como objetos centrais de estudo. Neste sentido, surge o primeiro

questionamento: a graduação em Nutrição tem conseguido formar o nutricionista de modo

que ele possa compreender a alimentação e a nutrição em sua complexidade e atuar na

promoção de uma alimentação adequada e saudável junto a indivíduos e coletividades? A

complexidade mencionada se refere a diversos aspectos associados com: os saberes e

práticas alimentares que os sujeitos (re) produzem cotidianamente com base nas relações

sociais vivenciadas em diversos contextos; o perfil e as condições de saúde e de vida da

população; os interesses políticos e econômicos relacionados aos sistemas alimentares; os

impactos ambientais associados à alimentação e, também, as interfaces existentes com

outras áreas do conhecimento que trazem novos olhares sobre o campo.

Portanto, consideramos pertinente investigar como os cursos de graduação em

nutrição têm compreendido e atuado na formação de nutricionistas, tendo em vista a

necessidade de preparar profissionais para atuar em realidades complexas, não só na

recuperação e manutenção da saúde, mas, sobretudo, com capacidade de desenvolver

processos de promoção e de educação em saúde, alimentação e nutrição.

Observa-se que, no imaginário coletivo o nutricionista, tem sido associado ao

profissional que tem como função prescrever dietas. Para além dessa representação, esse

profissional deve ser formado para atuar em diversas áreas, buscando exercer seu papel

social na promoção da saúde e da qualidade de vida e na garantia da segurança alimentar e

nutricional da população. De acordo com a Resolução nº 380/2005 do Conselho Federal de

Nutricionistas (CFN), são definidas as seguintes áreas de atuação: 1) Alimentação

Coletiva: alimentação escolar e alimentação do trabalhador; 2) Nutrição Clínica: hospitais,

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clínicas, ambulatórios, lactários, bancos de leite humano, asilos, atendimento domiciliar; 3)

Saúde Coletiva: políticas e programas institucionais; atenção básica em saúde; vigilância

em saúde; promoção da saúde 4) Docência: ensino, pesquisa e extensão (graduação e pós-

graduação) e coordenação de cursos; 5) Indústria de Alimentos: desenvolvimento de

produtos; 6) Nutrição em Esportes: clubes esportivos; academias e similares; 7) Marketing

de Alimentos e Nutrição (CFN, 2005).

A resolução do CFN reflete, em parte, os rumos tomados pela profissão no país,

que acumula mais de 70 anos de história. A Nutrição surgiu formalmente no Brasil em

1939, com a criação do primeiro curso de graduação na Universidade de São Paulo.

Passaram-se quase três décadas até a regulamentação da profissão, em 1967. Até aquele

momento, existiam seis cursos de nutrição em universidades públicas, concentrados nas

regiões Sudeste e Nordeste. No contexto da forte expansão da educação superior no Brasil,

houve um significativo incremento dos cursos de Nutrição na década de 1970 graças ao II

Programa de Alimentação e Nutrição (Pronan II), que tinha como uma de suas diretrizes

estimular o processo de formação e capacitação de recursos humanos em nutrição

(VASCONCELOS, 2002; CANESQUI; GARCIA, 2005). Somente naquela década foram

criados 21 novos cursos de Nutrição em universidades públicas e privadas do país. Já na

década de 1980 até meados da década de 1990, ocorreu uma desaceleração deste

crescimento em função de um decreto que dispôs sobre a suspensão temporária da criação

de novos cursos de graduação, havendo a criação de apenas 17 cursos. O segundo

momento de expansão dos cursos ocorreu a partir de 1997, após a publicação da nova Lei

de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) em 1996, que impulsionou o ensino

privado no país. Em apenas cinco anos, foram criados 108 novos cursos, totalizando 153

cursos de nutrição em 2001 (CALADO, 2008). Atualmente, existem 430 cursos, o que

mostra que o número de cursos quase triplicou em apenas 11 anos, revelando a contínua

expansão dos cursos de nutrição no país (BRASIL, 2012d).

A proliferação crescente de cursos tem gerado uma preocupação frequente, devido

a uma provável mercantilização do saber com a explosão do ensino privado e a adequação

dos currículos aos anseios do mercado capitalista. Além disso, somado à expansão dos

cursos privado, houve um aumento considerável de cursos em universidades públicas, com

a criação de programas como o REUNI - Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e

Expansão das Universidades Federais, que incentivaram a interiorização do ensino superior

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e a abertura de cursos noturnos em centros urbanos a fim de atender parte da população

excluída desse processo (BRASIL, 2007). Este é um dos dilemas vivenciados pelos

docentes com consciência crítica e social, no sentido de tentar alcançar os objetivos

essenciais da educação e da nutrição. Tal situação tem mobilizado o interesse de vários

estudiosos da área em fazer uma análise histórica do processo de construção e evolução da

formação do nutricionista nos últimos 70 anos (YPIRANGA, 1981; BOSI, 1988; COSTA,

1999; VASCONCELOS, 2002; MOTTA, OLIVEIRA, BOOG, 2003; CANESQUI;

GARCIA, 2005).

Outra constatação que está sempre presente nos debates sobre a formação é a

existência de um hiato entre os aspectos biológicos e sociais nos currículos. Na opinião de

Costa (1999, p.17) “a falta de mecanismos concretos para a articulação dos conhecimentos

biológicos e sociais é limitada pela deficiência de uma análise crítica da realidade da

formação, da prática profissional e da totalidade social”.

Canesqui e Garcia (2005) buscaram verificar as dimensões deste “hiato” e analisar

a presença das disciplinas de ciências sociais e humanas em cursos de nutrição no Brasil.

Foram analisadas, de forma geral, as grades curriculares e a carga horária das disciplinas e,

de forma específica, os conteúdos e metodologias das disciplinas de ciências sociais e

humanas, em cursos fundados até o início da década de 1980. As autoras verificaram que

as disciplinas sociologia e psicologia foram as que predominaram na área das

humanidades, seguidas pela antropologia, filosofia, metodologia da pesquisa e geografia

econômica. Na percepção delas, a presença destas disciplinas nos currículos parece

marcada mais por um movimento de inclusão fragmentada do que pelo esforço de integrá-

las aos conteúdos da alimentação e nutrição, visando simplesmente responder às exigências

formais, sem compromisso com a formação integral do futuro profissional. Este mesmo

estudo identificou que as disciplinas de caráter profissionalizante que têm interface com as

ciências sociais e humanas são a nutrição em saúde pública e a educação nutricional, sendo

que esta última é a que mais faz interlocução com a antropologia, sugerindo análises mais

detalhadas em estudos futuros.

Com um interesse similar ao do estudo anterior, Fonseca et al. (2009) realizaram

um estudo nas universidades públicas e privadas da cidade do Rio de Janeiro que também

teve o objetivo de analisar a presença de conteúdos de sociologia e antropologia nos cursos

de nutrição. Porém, este estudo foi um pouco além e buscou compreender a percepção dos

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15

estudantes sobre a importância destas disciplinas e aspectos socioculturais para sua

formação e atuação profissional. Uma das questões procurou conhecer a opinião deles

sobre o grau de importância de algumas disciplinas para sua formação profissional. As

disciplinas oferecidas como opção foram: anatomia, biologia, comunicação, estatística,

genética, psicologia, química, saneamento, sociologia. Mais da metade dos entrevistados

consideraram as disciplinas biologia, anatomia e química como “muito importante”. A

sociologia, por outro lado, foi à disciplina que recebeu o menor grau de importância, tendo

sido considerada “muito importante” por apenas 15% dos respondentes. Uma explicação

dada para a posição de indiferença ocupada pela disciplina sociologia se baseou na falta de

integração das temáticas abordadas com discussões de autores da socioantropologia da

alimentação, visto que, na maioria das disciplinas sociais, há uma predominância do

conteúdo sociológico clássico.

Uma hipótese levantada no estudo de Fonseca et al (2009) foi a de que as

disciplinas do campo social poderiam assumir maior importância quando vinculadas a

situações concretas e factíveis no cotidiano do nutricionista. Nesse sentido, foram

fornecidas aos estudantes duas situações, para que eles avaliassem a aplicação de um

conjunto de disciplinas no exercício profissional. Os resultados refutaram tal hipótese, pois

mais uma vez foi evidenciada a baixa importância atribuída para as disciplinas das

Ciências Sociais. Por outro lado, em ambas as situações propostas, a disciplina educação

nutricional foi considerada “muito importante” ou “importante” por quase a totalidade dos

alunos.

Nas reflexões de Franco e Boog (2007), a disciplina educação nutricional apresenta

um diferencial em relação às outras que integram o curso de nutrição por exigir do docente

a mediação de conhecimentos diferentes daqueles que compõem o instrumental técnico de

nutrição. Desse modo, professores e alunos são desafiados a se relacionarem com conceitos

e contextos diversos, em que o conhecimento técnico da nutrição se revela insuficiente

para lidar com situações vivenciadas em campo.

Conforme apontado, é na disciplina educação nutricional que os conteúdos das

ciências sociais e humanas são abordados, discutidos e relacionados com a prática

profissional do nutricionista. Essa observação conduz à reflexão de que a Educação

Nutricional é uma disciplina relevante para a formação profissional, pois se propõe a

promover um diálogo entre as ciências sociais, humanas e biológicas e é identificada como

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essencial para a resolução de situações concretas que evidenciam problemáticas complexas

e multidimensionais, como é o caso da realidade brasileira.

A educação nutricional é uma disciplina que integra o currículo mínimo do curso de

nutrição, é considerada uma atividade privativa do nutricionista e faz parte das ações deste

profissional em quase todas as áreas de atuação. Suas ações podem ser desenvolvidas nos

espaços públicos e privados e junto a diversos grupos sociais – mulheres e homens,

crianças e idosos, sadios ou não. Ao longo do tempo suas teorias e práticas vêm se

transformando. Muitos fatores proporcionaram esta mudança: o contexto político e

econômico do país, as mudanças no perfil epidemiológico da população, as tendências

pedagógicas orientadoras da práxis educativas, as políticas públicas vigentes, as demandas

individuais e coletivas da população, as disposições profissionais, entre outras (LIMA;

OLIVEIRA; GOMES, 2003; SANTOS, 2005; BOOG, 2011a).

Ao mesmo tempo em que estudantes, profissionais e pesquisadores reconhecem e

valorizam a importância da educação nutricional, existem muitas críticas em relação ao

processo de formação na área e às ações desenvolvidas pelos profissionais junto à

população. Ainda que as ações de educação nutricional sejam bastante heterogêneas quanto

aos conteúdos, às formas de abordagem e aos públicos de interesse, é recorrente observar

que o foco central tem sido a difusão de informação sobre os benefícios de determinados

alimentos e nutrientes e os malefícios de outros para a saúde (GARCIA, 1997, 2000). As

estratégias educativas tradicionalmente utilizadas são desenvolvidas, muitas vezes, de

forma fragmentada, sem embasamento teórico e desarticuladas da realidade local, não

resultando em ações de fato transformadoras (CASTRO et al., 2007).

Ao observar o desenvolvimento da educação nutricional, percebe-se que as

produções acadêmicas e científicas se dedicam prioritariamente a técnicas e práticas

utilizadas junto à população e aos espaços de atuação. Existem poucos estudos que

abordam as bases teórico-conceituais e os processos de formação em educação nutricional.

Nesse contexto, Boog (1997), Santos (2005) e Fonseca et al. (2009) comentam que é

necessário aprofundar as reflexões sobre as possibilidades, os limites e os elementos que

norteiam as reflexões e práticas neste campo.

É importante esclarecer que historicamente existem diferentes formas de se referir

às práticas educativas que têm a alimentação e nutrição como tema central. Encontramos

na literatura referências à educação alimentar, educação nutricional, educação alimentar e

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nutricional. No contexto dessa tese utilizarei a nomenclatura educação nutricional, por esta

ser a forma clássica de se referir à disciplina nas universidades brasileiras, apesar de

considerar um avanço a inclusão do termo “alimentar” entre as palavras educação e

nutricional. Considero o termo educação alimentar e nutricional mais apropriado, pois

agrega aspectos da alimentação que não estão necessariamente incluídos no escopo das

temáticas inerentes ao campo da nutrição.

Na análise de Bosi e Prado (2011, p.12) sobre o campo da alimentação e nutrição,

seja no plano do senso comum ou no espaço acadêmico, tem predominado visão

equivocada de que o conceito "nutrição" abarca o fenômeno alimentar-nutricional,

reduzindo, desta forma, “a multidimensionalidade e a complexidade do ato alimentar aos

elementos privilegiados pela vertente biológica”. A alimentação diz respeito à saúde, mas

também à agricultura, à indústria, ao comércio, ao meio ambiente, à cultura, à economia, à

política, enfim, está na vida das pessoas e na história das sociedades. Essa transversalidade

não permite que os conceitos de alimentação e nutrição sejam considerados sinônimos,

uma vez que possuem dimensões epistemológicas distintas e interface com diferentes

campos da ciência.

Temáticas como a cultura alimentar, o sistema de produção de alimentos e os

impactos ambientais relacionados à alimentação não são tradicionalmente debatidos no

campo da nutrição, mas nos últimos anos tem ocupado um espaço significativo na

literatura, em congressos científicos e em conteúdos de interesse da formação universitária

na área de nutrição (CASTRO; CASTRO; GUGELMIN, 2011; PRADO et al., 2011). Essas

temáticas, no entanto, não são exclusivas do campo da nutrição, pois são objeto de estudo e

atuação de outras áreas e campos, permitindo a inter/transdisciplinaridade e a construção

de novos conhecimentos e rumos para a nutrição.

Inspirado no contexto vivido e nas reflexões apresentadas acima, o objetivo deste

estudo foi investigar a práxis da educação nutricional na formação universitária em

Nutrição, junto a professores e estudantes, visando promover uma análise compreensiva

sobre suas contribuições e desafios no contexto contemporâneo.

Considerando os resultados de estudos anteriores e as observações decorrentes da

prática profissional, a hipótese inicialmente levantada neste estudo foi: as questões

relacionadas à alimentação e nutrição têm se tornado mais complexas no cenário

contemporâneo e, de modo geral, a formação em Nutrição tem tido dificuldades de ampliar

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seus referenciais teórico-metodológicos e de exercitar a interdisciplinaridade, visando

buscar respostas contextualizadas, ficando principalmente a cargo da disciplina de

Educação Nutricional estabelecer o elo entre as ciências sociais, humanas e biológicas, no

sentido de trazer novos elementos para a reflexão sobre tais problemáticas.

Frente a esta situação, considerou-se relevante analisar o processo de formação do

nutricionista como educador, buscando conhecer seu passado, suas condições e

características atuais e seus desafios futuros para um fazer educativo contextualizado e

transformador. Neste sentido, são pontuadas algumas questões de interesse para este

estudo:

a) Qual o papel da educação nutricional na formação do nutricionista?

b) Quais são os espaços para a formação do nutricionista como educador?

c) Quais são as possibilidades e os desafios da educação nutricional frente às novas

demandas no contexto contemporâneo?

Vale destacar, que o momento final da escrita desta tese reflete a atual conjuntura

em que vivemos e reforça a complexidade e multidimensionalidade dos campos da

alimentação e nutrição e da educação. Em 2012, ocorreram no país dois eventos cruciais

para a reflexão sobre o campo da alimentação e da nutrição, suas bases, paradigmas e

ações. O primeiro deles, o Congresso Mundial de Nutrição, um evento científico que se

configurou como um marco na história da nutrição no Brasil e no mundo. Sob o tema

Conhecimento, Política e Ação, o evento teve o propósito de discutir e debater os inúmeros

desafios e crises da nutrição em saúde pública, que envolvem múltiplas instituições e

atores como governos, organizações da sociedade civil, indústria, comunidade acadêmica,

trabalhadores que atuam na área e junto a diferentes grupos da comunidade. O congresso

proporcionou a socialização de novos olhares e questões para a área de Alimentação e

Nutrição. As discussões abordaram os determinantes básicos e fundamentais dos sistemas e

dos padrões alimentares e seus impactos na saúde e na vida das populações; considerando

também os determinantes sociais, econômicos, políticos, ambientais, além dos

determinantes biológicos da nutrição e da saúde. Ficou evidente a necessidade de revisão

de paradigmas na compreensão da alimentação e nutrição no contexto contemporâneo para

a superação das problemáticas atuais e definição de novos rumos das políticas, da produção

científica e das ações empreendidas.

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O segundo deles foi o encontro Educação Alimentar e Nutricional (EAN) –

Discutindo Diretrizes, organizado pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à

Fome em parceria com outros ministérios e entidades. Este encontro deu início ao processo

de discussão do Marco de Referência de Educação Alimentar e Nutricional para as

Políticas Públicas, que tem como objetivo promover a reflexão e orientar ações de EAN

em diversos setores e esferas. O processo de construção do Marco foi extremamente

frutífero pela mobilização e aproximação de docentes dos cursos de nutrição, gestores e

profissionais que atuam em diversos setores, de todo país, na reflexão sobre eixos

temáticos como: o campo conceitual, a formação profissional, as práticas, a mobilização e

a comunicação em EAN.

Além disso, neste momento de 2012 em que penso e escrevo sobre a formação

universitária em nutrição está ocorrendo uma greve nacional nas Instituições Federais de

Ensino (IFE), com adesão de professores, técnicos e estudantes e de quase a totalidade das

IFE, e que perdura há mais de 100 dias. Esse movimento reflete a insatisfação com as

condições de ensino e de trabalho que hoje existem na universidade pública e as diretrizes

pautadas pelo Ministério da Educação (MEC) e agências de fomento à pesquisa no Brasil.

Portanto, é mais do que oportuno dar voz e ter uma escuta compreensiva aos relatos e

opiniões de professores e estudantes de nutrição sobre o processo de formação ao qual

estão vinculados.

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2 PERCURSO DA PESQUISA

“...a epistemologia é sempre uma questão de

posição. Dependendo de onde estou

socialmente situado, conheço certas coisas e

outras não. Não se trata simplesmente de uma

questão de acesso, mas de perspectiva”

(SILVA, 2004, p.94).

2.1 SOBRE AS MOTIVAÇÕES E IMPLICAÇÕES COM O ESTUDO

A motivação de escrever esta tese partiu da minha experiência atual como

professora do curso de nutrição e da vontade de pensar e repensar este processo de

formação, mas especificamente a formação em educação nutricional. Sem dúvida, trago

para esse processo minhas experiências como aluna da graduação em nutrição em uma

universidade privada, as experiências profissionais que tive como nutricionista fora da

universidade, às reflexões que fiz tanto no mestrado quanto no doutorado e as experiências

como professora universitária em cursos de nutrição.

O interesse pela educação nutricional surgiu na graduação, pois foi esta disciplina

que me apresentou uma outra forma de ver as possibilidades e abordagens no trabalho do

nutricionista. Ela apresentava o nutricionista como um profissional que tinha compromisso

com as questões sociais, que se preocupava com a saúde integral e a qualidade de vida e

que trabalhava de forma criativa a relação com o indivíduo ou a população com as quais se

relacionava. Essa nova perspectiva me levou a ser monitora da disciplina, na busca de me

aproximar mais deste novo universo que se abria, e me mobilizou a participar do

movimento estudantil, reabrindo o Centro Acadêmico do curso e me juntando a estudantes

de outras universidades em uma gestão da Executiva Nacional dos Estudantes de Nutrição

– ENEN. Dois professores foram fundamentais neste processo, o prof. Alcemi Barros,

responsável pela disciplina Educação Nutricional e a prof. Ana Maria Florentino, que

ministrava as disciplinas Saúde da Comunidade e Ética Profissional. Eles perceberam meu

interesse pela área da saúde coletiva, me orientaram e incentivaram a seguir por este

caminho.

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Depois da graduação, dentre as experiências profissionais que tive antes de me

tornar professora duas foram marcantes. A primeira delas foi a atuação como nutricionista

na Saúde Indígena no Estado do Acre. Ali, aprendi e vivenciei a importância do trabalho

em equipe multiprofissional, as potências e impotências da saúde pública em cenários

diversos e, por vezes, adversos. Aprendi, também, que os conhecimentos que eu trazia da

universidade não eram suficientes para lidar com aquela realidade. A complexidade era

grande frente a um cenário desconhecido, somado ao entusiasmo e à insegurança da

primeira experiência profissional. Dentre as atividades desenvolvidas, uma das que mais

me desafiava eram as atividades de educação em saúde junto à população, mediadas pelas

diferenças lingüísticas, socioculturais e de cosmovisão. Nesse contexto, mais aprendi do

que ensinei.

A segunda experiência marcante foi no Instituto de Nutrição Annes Dias, órgão

vinculado a Secretaria Municipal de Saúde. Lá tive a oportunidade de trabalhar com

nutricionistas com vasta experiência na saúde pública e, algumas delas, professoras de

universidades públicas do Rio de Janeiro. Minha atuação principal foi em projetos de

pesquisa que envolveram a participação de profissionais de saúde da atenção básica,

profissionais da rede de educação e adolescentes das escolas públicas municipais. Os

projetos tinham como objetivo sensibilizar e formar multiplicadores para a promoção da

alimentação saudável na cidade. Mais uma vez a saúde coletiva e os processos educativos

cruzaram minha trajetória profissional. Dentre os diversos aprendizados, o que mais me

marcou foi perceber a riqueza dos processos coletivos de trabalho. A construção

compartilhada de ideias, experiências e conhecimentos permeavam as decisões, o

desenvolvimento das atividades e, de forma especial, as relações humanas e sociais.

Dessa experiência veio à inspiração para o mestrado que teve como objetivo

analisar concepções e práticas de profissionais de saúde e de educação da rede pública

municipal do Rio de Janeiro sobre a alimentação, a promoção da saúde e a educação em

saúde. O mestrado oportunizou também a realização de um estágio docente na disciplina

de Educação Nutricional no Instituto de Nutrição da UERJ. Pude acompanhar os bastidores

da formação em nutrição, observar a atuação das professoras Luciana Maldonado e Isabel

Jóia, que partilhavam a disciplina, e o cotidiano da sala de aula de um lugar diferente e

privilegiado – nem aluna, nem professora responsável –, e me colocar em cena como

professora. O estágio docente cumpriu belamente sua função formadora.

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As experiências relatadas acima, somadas ao fato de ter sido selecionada para ser

professora substituta da disciplina educação nutricional no Instituto de Nutrição Josué de

Castro (INJC) da UFRJ, me fizeram escolher a educação nutricional como objeto de

estudo. No INJC, tive a oportunidade de compartilhar a disciplina e conviver com uma

professora que estava em seu último ano de docência, após longa atuação e militância nas

áreas de saúde pública e de educação nutricional, Profª. Eronides Lima. Foi um espaço

importante na constituição da minha práxis educativa e que acredito ter contribuído de

forma substancial para minha aprovação para professora efetiva da mesma disciplina na

UNIRIO, onde leciono atualmente.

Cabe ressaltar, que durante todo o período de doutorado estive diretamente

envolvida com a formação em nutrição, seja ministrando a disciplina educação nutricional,

supervisionando estágio na área de saúde pública e participando de projetos de pesquisa e

de extensão. Esta situação traz uma série de elementos peculiares na relação com o objeto

estudado, que serão sinalizados ao longo da tese.

Considerei oportuno fazer este relato porque os primeiros passos acadêmicos e

profissionais são formadores, servindo para esclarecer ao leitor minha implicação pessoal e

profissional com este estudo e com as questões que ele apresenta e discute. A educação

nutricional já foi objeto de estudo de outros pesquisadores, mas com outros recortes e

interesses teóricos e profissionais. Além disso, o exercício de pensar sobre minha própria

trajetória de vida foi inevitável no decorrer da pesquisa, já que fui buscar junto a outros

professores o relato de suas trajetórias de vida para que pudessem, mediante sua história,

narrar o que sentem, pensam e fazem na atualidade. Certamente, parte do que vivemos no

presente está permeado pelas vivências passadas e pelo que vislumbramos para o futuro.

2.2 SOBRE O PROCESSO DE CRIAÇÃO E MANUFATURA DA TESE

Desenvolver uma tese não é algo simples. Que o diga quem já passou por esse

momento. Existem muitos fatores envolvidos no processo como os interesses e objetivos

iniciais do estudo, os diálogos com o orientador e outros parceiros, as teorias lidas e

aprofundadas que mediam as reflexões sobre os mais variados temas, o trabalho de campo

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com toda a sua riqueza de possibilitar o encontro com o objeto e as problemáticas de

estudo e a pessoa-pesquisadora-autora que precisa conjugar todos esses personagens e

fazer escolhas para a criação e elaboração da tese.

Nesse percurso, ocorreram alguns encontros e desencontros bem vindos, que

surgiram de algumas descobertas teóricas e de outras descobertas empíricas, advindas do

elemento vivo da tese, ou seja, dos entrevistados e seus contextos. Deste processo

praxiológico, foram sendo conjugadas algumas permanências e mudanças necessárias para

a construção desse produto-tese.

A decisão do caminho epistemológico e teórico é sempre um desafio,

principalmente para os que percebem a existência da complexidade, do movimento de

permanência e impermanência das sociedades. Todas as teorias possuem sua inspiração

filosófica, seu tempo histórico, sua territorialidade, seu contexto político e social. Apesar

de se originarem imbuídas de um espírito-vontade de rejeição, reação ou mudança, a

passagem de uma teoria a outra (se é que se pode mencionar isso) se reflete muito mais em

um processo de transição do que de ruptura. Seus princípios, conceitos e expressões

convivem num mesmo tempo-espaço, são plasmados uns nos outros, em variadas

proporções. A educação e a saúde são campos de conhecimentos e de práticas que

vivenciam esse movimento dialógico.

Como uma artesã em seu processo de criação e manufatura de um produto novo, fui

juntando os elementos necessários, buscando inspiração na vida vivida e refletindo sobre

as intenções e funções do produto. Elementos que, bem combinados, pudessem resultar

numa produção harmônica e numa boa comunicação com os leitores interessados pelo

tema. Os objetos produzidos podem ter função puramente artística, teórica ou alguma

funcionalidade e utilidade prática. No caso desta tese, espero fazer uma interface destas

três possibilidades.

2.2.1 O encontro teórico-metodológico

Desde o início da pesquisa, o diálogo com os principais atores do processo de

formação em nutrição, os professores e os estudantes, foi identificado como um elemento-

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chave para construção e análise do objeto de estudo. Para isso, iniciamos uma busca por

metodologias que adotassem uma abordagem compreensiva e tivessem como perspectiva a

percepção e a valorização das intersubjetividades e dos significados atribuídos pelos

sujeitos às suas próprias experiências vividas, no sentido de buscar uma unidade na

diversidade (MINAYO, 2008). Além disso, sentimos a necessidade de encontrar uma

metodologia que permitisse uma aproximação teórica multireferenciada, para que se

pudesse ter uma visão plural sobre a complexidade do pensar e do agir nos campos da

saúde e da educação, em contextos diferenciados.

Na aproximação com diversas propostas metodológicas que foram acessadas para o

desenho do estudo, para seu desenvolvimento teórico e prático e para as análises

necessárias, me encontrei com a proposta da Entrevista Compreensiva desenvolvida pelo

sociólogo francês Jean-Claude Kauffman (2011). Foi um daqueles bons encontros teóricos

mencionados anteriormente. O interesse por essa abordagem metodológica veio da ousadia

do autor, que coloca o pesquisador na posição de “artesão intelectual”, essencialmente

envolvido no processo de modelagem da pesquisa e da sua teoria.

Na apresentação de sua proposta, Kaufmann expõe ao leitor as motivações e

justificativas para a criação desse método no campo das ciências sociais, debate o processo

de construção de teorias, apresentando um olhar sobre a técnica da entrevista, sobre a

postura do pesquisador, sobre os procedimentos de análise e de organização do texto, mas,

sobretudo, partilha de forma generosa suas experiências nos bastidores da pesquisa, na

interação com a realidade social e na construção artístico-autoral de teorias. O autor toma

como referência alguns teóricos para criação do método, como Bourdieu (1997), Geertz

(2003) e Mills (2009). Dentre eles, faço um destaque para Mills que, com seu “artesanato

intelectual”, proporcionou-me importantes reflexões sobre o sobre o papel do pesquisador

e do educador e o objeto de análise, se configurando como outro feliz encontro neste

processo de pesquisa.

Inicialmente, Mills (2009) faz uma crítica ao comportamento de “produção

industrial” que as pesquisas nas ciências sociais vêm adotando, pautando-se num

movimento que vai na contra corrente desta tendência que ele denomina “artesanato

intelectual”. A supervalorização das técnicas e das ferramentas de pesquisa, a intensa

produção e acumulação de dados, a exigência de relatórios periódicos ocorrem em

descompasso com as interpretações contextualizadas, análises críticas e elaborações

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teóricas necessárias à construção de conhecimentos. O essencial na paisagem intelectual é

a articulação entre as dimensões macro-micro, individual-coletivo, objetivo-subjetivo.

Nessa perspectiva, a entrevista compreensiva propõe uma inversão no modo de construção

do objeto.

O objeto é construído gradualmente, através da elaboração teórica que

progride diariamente, a partir de hipóteses forjadas no campo. O

resultado é uma teoria particular, friccionada ao concreto, que só emerge

lentamente a partir dos dados (KAUFMANN, 2011, p. 23).

Deseja-se que ocorra no processo de pesquisa um movimento constante de

construção, desconstrução e reconstrução do objeto de estudo. A partir da ruptura

progressiva e relativa com o senso-comum, a entrevista compreensiva almeja que a

objetivação vá se construindo aos poucos, com um processo dialógico entre a teoria e a

prática, entre o saber local e o saber global, entre o pensamento racional e o intuitivo-

criativo, conduzidos pelo pesquisador-artesão (BOURDIEU, 1997; GEERTZ, 2003;

KAUFMANN, 2011; MILLS, 2009). Nesse sentido, o objeto é sempre uma representação

de determinado ponto de vista, em que o pesquisador busca construir uma explicação

compreensiva para o social.

O trabalho de campo não é considerado uma instância de verificação da

problemática preestabelecida ou de comprovação de hipóteses, mas o ponto de partida para

sua problematização. Nas abordagens compreensivas as hipóteses não possuem a

conotação clássica e positivista das ciências naturais, elas têm uma história e fazem parte

do conjunto de questionamentos do pesquisador quando se debruça sobre os aspectos da

realidade que pretende investigar (MINAYO, 2008). Ao pesquisador cabe encontrar, por

meio de uma construção que se fundamenta no mundo concreto, o essencial de um real,

por vezes, anulado pelas rotinas cotidianas (LALANDA, 1998).

Essa metodologia privilegia o contato direto com o objeto de estudo e a palavra

destaca-se como elemento central para a compreensão da realidade estudada. O

pesquisador ocupa uma posição privilegiada de observação, “de captura direta da

construção social da realidade através da pessoa que fala diante dele” (KAUFMANN,

2011, p. 60). A entrevista funciona como uma câmara de eco da situação cotidiana de

fabricação da identidade. O informante precisa refletir sobre si e falar de si mais

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profundamente do que se faz no cotidiano. Ele se empenha em ordenar aquilo que fala de

si mesmo, pois são sua vida e seu eu que estão em jogo. Esse trabalho de ordenamento

acaba trazendo à tona mais informações para construir sua unidade identitária. Nesse

momento, o entrevistado pode desenvolver duas posturas na entrevista. Ele pode investir

na sua unidade, se concentrando para que as opiniões sejam coerentes e não expressem

contradições, o que é mais freqüente. Ou pode usar a situação da entrevista para se

interrogar sobre suas escolhas, se auto-analisar, indo além da superfície com a ajuda do

investigador. Nesta segunda situação, onde foi acionado um processo reflexivo em relação

a si próprio e ao objeto, podem obter-se resultados preciosos.

O contato direto com o objeto também é valorizado pela possibilidade de

transformar o momento de geração dos dados em uma experiência de humanização da

própria pesquisa, quer dizer, permite ao pesquisador a possibilidade de ver de perto,

ocupando uma dupla posição de observação: a de investigador e a do próprio narrador.

Em função disso, a entrevista é entendida como um “suporte de exploração”, não

simplesmente como uma técnica de levantamento de informações ou um instrumento

complementar da pesquisa (KAUFMANN, 2011, p. 17). Ela é um suporte flexível nas

mãos do pesquisador, que está aberto a se surpreender com as novas descobertas. A

entrevista compreensiva exige que seja dispensado um cuidado no planejamento e na

realização das entrevista, no processo de tratamento dos dados e na elaboração teórica.

No ato de entrevistar, a empatia e a proximidade são fundamentais, em detrimento

da formalidade e da distância exigida em outros métodos de pesquisa. Segundo Kaufmann

(2011, p.18), “a retenção do entrevistador inicia uma atitude específica para o entrevistado,

que também evita o envolvimento mais pleno: a não-personificação das perguntas ecoa a

não-personalização das respostas”. Sendo assim, o conhecimento do meio onde se realiza o

trabalho de campo e a possibilidade de um olhar crítico sobre essa mesma realidade são

identificadas como uma vantagem no processo de pesquisa (MILLS, 2009).

A relação do investigador com o entrevistado deverá transformar-se, durante a

entrevista, numa relação de confiança e compromisso, o que pressupõe uma certa

familiaridade com a população em estudo. É criada uma relação interpessoal onde

emergem expressões não verbais, silêncios, gargalhadas, que precisam ser compreendidas

e ecoadas pelo entrevistador, numa postura de acolhimento, descontração e

disponibilidade. O entrevistado deve se sentir à vontade e ser levado a ocupar lugar central

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durante a entrevista, o que em muitos momentos o leva a ter iniciativa na condução do

discurso e, a depender da confiança estabelecida, oferecer discursos com diferentes graus

de profundidade (LALANDA, 1998).

A proposta metodológica de Kaufmann oferece um caminho concreto para a

produção e análise de dados, mas é flexível e pede que o pesquisador seja criativo e

imprima sua marca pessoal, principalmente, nas análises. Silva (2006) indica de forma

sistematizada os instrumentos e técnicas adotados em pesquisas que se orientam pela

Entrevista Compreensiva: o roteiro de entrevistas, o quadro dos entrevistados, os planos

evolutivos e as fichas de interpretação.

O roteiro de entrevistas serve como um guia para o investigador e é um dispositivo

relativamente flexível, que permite a ampliação e aprofundamento das narrativas no

decorrer da pesquisa. As questões se organizam por blocos temáticos que buscam a

história de vida dos sujeitos e suas representações sobre determinado objeto. O roteiro

precisa ser testado antes da entrada definitiva em campo. O quadro dos entrevistados tem a

função de situar os entrevistados na pesquisa e no texto, de forma anônima. Já que na

elaboração do texto, em alguns momentos, é necessário trazer explicitamente a voz dos

entrevistados, identificando-os como co-autores no processo de construção do objeto de

estudo.

Já para a fase de análise propriamente dita, Kaufmann (2011) se apóia em três

ferramentas – o gravador, as fichas e o plano evolutivo. Para ele, mais do que a exploração

minuciosa da transcrição integral dos materiais, a escuta das gravações é fundamental. A

oralidade permite o contato mais íntimo com a história narrada e cria melhores condições

para a articulação criativa entre dados e questão-hipótese, entre o saber local e o saber

global (GEERTZ, 2003). No processo de pesquisa e de escuta das falas, são feitos

apontamentos gerais e fichas de interpretação. Mills (2009, p.23) sugere a manutenção de

um diário para os apontamentos das “reflexões sistemáticas” e “pensamentos marginais”,

que tem a função de captar observações “frescas” do campo e, também, de desenvolver

hábitos auto-reflexivos e a capacidade de expressão escrita.

As fichas de interpretação são as anotações livres que são feitas ao lado das falas

no momento de investigação do material. Elas podem conter comentários sobre situações

interessantes e falas autênticas ou informativas e, também, análises mais conceituais e

elementos próximos das hipóteses em elaboração. Enfim, são observações que podem

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embasar argumentações mais descritivas ou teóricas, na composição do texto final. Para

evitar a dispersão dos objetivos da pesquisa no processo de mergulho no material, são

elaborados os planos evolutivos. Eles servem como um guia, um fio condutor das ideias

centrais do pesquisador, para que ele não seja dominado pelo material ou se perca no

emaranhado de aspectos novos ou hipóteses emergentes. Conforme as análises vão

evoluindo, o plano vai sendo modificado e ressignificado pelo pesquisador. É raro que no

plano final da pesquisa não surjam partes que não tinham sido previstas. Esses planos

evolutivos podem se desdobrar no sumário do texto.

A análise do material, segunda parte da investigação e ponto de partida do trabalho

de aprofundamento, passa por algumas fases. Uma mais exploratória, com a realização de

uma escuta-leitura flutuante, para destacar falas marcantes, fazer anotações livres e criar

hipóteses despretensiosas. Depois vem uma fase mais analítica, onde se começa a

interpretar e delinear os caminhos compreensivos da realidade social estudada. A relação

entre a tríade pesquisador-sujeitos-teorias é o ponto de partida para problematização e para

identificação das categorias conceituais. Adotando a postura de artesão intelectual, o

investigador precisa acionar sua agilidade intelectual e ao mesmo tempo renunciar, para

encontrar e se surpreender com as novas hipóteses no processo de fricção com os fatos

(MILLS, 2007). Do mesmo modo, precisa adotar um olhar dialógico e fazer a chamada

“fricção dos conceitos”, que se traduz pela confrontação permanente entre saber local,

relacionado às categorias nativas, as observações concretas, com o saber global, que se

refere aos conceitos abstratos, as teorias, os modelos gerais de interpretação (GEERTZ,

2003). A chave da produtividade de análise seria este vai-e-vem dinâmico e contínuo. O

objeto se constrói pela utilização de categorias nativas para elaboração dos modelos

teóricos.

Esse movimento interpretativo dialógico suscita formas cognitivas diferentes –

pensamento mais consciente, dedutivo e racional mesclado às emoções, impressões e

intuições, necessárias aos processos criativos, que permitem conexões audaciosas.

Mergulhado na interpretação o pesquisador é impelido a tomadas de decisão constantes. A

descoberta de novas categorias demanda um cuidado permanente nas operações e escolhas,

sendo prudente pôr as certezas e preconceitos “em suspensão” (SILVA, 2006). Cada

hipótese nova deve ser articulada com outras, criando encadeamentos lógicos. A

interpretação compreensiva está fundada na evidenciação “dos encadeamentos e das

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regularidades” (WEBER, 1992 apud KAUFMANN, 2011). Não há pesquisa possível sem

um fio condutor, que neste caso se tece pelos planos evolutivos, em torno dos quais deverá

desenvolver-se a narração argumentativa, que dará corpo ao texto.

Na fase da síntese teórica e da passagem ao texto escrito, Kaufmann (2011) propõe

uma inversão da postura de pesquisador. No início, ele está inteiramente aberto ao

material, o maneja com o máximo de transversalidade, desconstrói os primeiros esboços;

no final, ao contrário, ele só ouve o que aperfeiçoa seu modelo, trabalha sua arquitetura

interna, busca construir um produto autônomo. Isso exige do autor a capacidade de

transpor em palavras não só o modelo teórico explicativo, mas também a própria realidade

observada. Por isso, abre-se espaço à introdução de expressões retiradas das narrativas

individuais ou coletivas, que são consideradas elementos intrínsecos da argumentação da

obra (KAUFMANN, 2011). Elas têm grande valor, pois permitem ao leitor situar a análise

teórica numa realidade concreta, dando voz ativa aos sujeitos que inspiraram a construção

da teoria/objeto.

A escrita compreensiva do artesão intelectual pede leveza na redação e honestidade

por parte do pesquisador. A leveza na redação tem por objetivo privilegiar a argumentação,

valorizar os conceitos centrais e reforçar o modelo teórico. A qualidade e a cientificidade

do trabalho são fundadas em sua liberdade de interpretação, à medida que se respeita a

verdade do material, buscando restituir os tons que lhes dão sentido. O estilo do texto,

também, pode assumir um caminho mais pessoal e artístico, sem deixar de respeitar as

exigências da pesquisa. Deste modo, quando o pesquisador explica suas análises e os

encadeia aos seus conceitos centrais, é válido que busque sempre a clareza “para transmitir

com o máximo de eficácia seus argumentos, que são o coração da teoria viva”

(KAUFMANN, 2011, p.115).

A escolha desta abordagem metodológica como referência inspiradora para o

delineamento e as análises da pesquisa se fez dentro de um conjunto de experiências

formadoras. Essa escolha se deu quando percebi que tanto a Análise de Conteúdo

Tradicional quanto à análise de discurso não se aplicavam aos interesses metodológicos

daminha pesquisa. A primeira, por não analisar o contexto no qual os conteúdos das falas

estão imersos e a segunda, que apesar de valorizar os contextos, as instituições e as

identidades, traz como elemento inerente a análise lingüística. A entrevista compreensiva

permitiu analisar as experiências narradas e as percepções do real vivido nos diferentes

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contextos, incluindo de forma ousada o pesquisador como elemento ativo e integrante do

processo. É uma metodologia criativa, que instiga o pesquisador a encontrar seu método

pessoal de investigação que, com flexibilidade e rigor, permite uma construção teórica que

se sabe única.

2.2.2 A busca pela inspiração teórica nas Teorias Sociais da Educação

Além do encontro com a abordagem teórico-metodológica que me acompanhou

nesta tese, precisei buscar as bases que dariam a direção teórico-conceitual dentro do

amplo campo da educação. Nesse sentido, fiz uma incursão pelas Teorias Sociais da

Educação e uma opção pelas Teorias Críticas da Educação, pela afinidade com seus

princípios, questionamentos e argumentos.

A história do pensamento sobre educação se caracteriza por ter sido desenvolvido

em paralelo e em diálogo com a teoria social de seu tempo. A tradição sociológica clássica

tem servido de base para uma série de questões e debates nos domínio da teoria social e da

educação. Os trabalhos de autores clássicos da sociologia como Marx e Engels, em meados

do século XIX, e de Durkheim e Weber, no final do século do XIX e início do XX,

apresentam diferenças significativas em termos conceituais e analíticos. No entanto, pode-

se dizer que suas propostas partiram do argumento de que as transformações na educação

são, ao mesmo tempo, o resultado e o sintoma das transformações sociais, em função das

quais precisam ser explicadas (MORROW; TORRES, 1997).

De acordo com a análise de Morrow e Ta orres (1997) as principais discussões e

correntes que emergiram em meados do século XX foram influenciadas por esses autores e

caracterizaram a educação como: um espaço de reprodução ideológica dos interesses da

classe dominante (Marx e Engels); instituições integradoras essenciais para a ordem social

(Durkheim); fonte de um novo princípio de controle, enquanto racionalidade instrumental e

dominação burocrática (Weber).

A teoria social da educação ganha força como campo da ciência no século XX, pela

profusão de estudos e debates interessados na educação como objeto de análise micro ou

macrossociológica, principalmente, voltado às instituições, as suas dinâmicas e aos papéis

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ocupados na sociedade. Diferentes correntes de pensamento sociológico, como o

funcionalismo e o estruturalismo, influenciaram o surgimento de inúmeras propostas

teóricas e metodológicas em países ocidentais, que tiveram maior ou menor impacto e

adesão no sistema educacional da época, bem como na atualidade.

Como ocorre em diversos campos do conhecimento, é comum que se façam

algumas classificações ou modos de organizar as teorias dos diferentes ramos do saber

social e científico. Isso geralmente ocorre de acordo com suas trajetórias evolutivas, seus

paradigmas estruturais, seus conceitos e abordagens metodológicas e suas relações com a

sociedade. No caso da educação existem algumas propostas classificatórias que são

geralmente pautadas em perspectivas mais filosóficas, mais sociológicas ou mais

pedagógicas.

Alguns estudiosos das teorias sociais da educação organizam as teorias da educação

situando-as entre as perspectivas tradicionais ou não críticas, as perspectivas críticas e as

pós-críticas (MORROW; TORRES, 1997; SILVA, 2004). Os critérios de diferenciação

entre elas, a identificação de autores com determinada perspectiva e os limites de onde

começam ou terminam no tempo histórico podem ter algumas variações e compreensões

diferenciadas. Esses limites são mais bem definidos entre as teorias associadas às

perspectivas tradicionais/não críticas e às perspectivas críticas e menos entre as

perspectivas críticas e pós-críticas, em função das contribuições da primeira e de algumas

confluências teóricas existentes entre elas. Para Silva (2004), o prefixo “pós”, neste caso,

não significa necessariamente uma superação. O autor sugere que se faça uma combinação

da teoria crítica com a pós-critica para uma compreensão de questões relevantes para o

universo da educação, como por exemplo, as relações entre saber, identidade e poder. Mais

do que o rótulo classificatório, o que importa são as questões que estão em jogo e que

precisam ser levadas em consideração na compreensão da complexidade dos processos

educativos.

Nesta tese, optamos por dialogar com autores que se situam nas teorias críticas da

educação e que também fazem interface com os conceitos e abordagens das teorias

chamadas pós-críticas (pós-estruturalistas, pós-modernas, estudos culturais, por exemplo).

As teorias críticas da educação se desenvolveram sob forte influência das ideias da Escola

de Frankfurt e dos pensamentos de Habermas e de Gramsci, desempenhando um papel

fundamental na reconstrução da educação. Sob o olhar de Pacheco (2001), elas não são

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uma ciência empírico-analítica, baseada no interesse técnico, mas uma ciência crítica que

persegue um interesse educativo de desenvolvimento da autonomia racional e de formas

democráticas de vida social, tendo como denominador comum a reflexividade e o interesse

emancipatório dos agentes. Nesta direção, busquei dialogar com alguns autores e elegi

como principais interlocutores Paulo Freire e Henry Giroux que me conduziram a outras

referências e leituras neste universo fascinante da educação.

O encontro com Freire ocorreu há muitos anos – inconscientemente, por meio de

professores entusiasmados com suas palavras, ao mesmo tempo indignadas e estimulantes

deste pensador e com sua visão de mundo curiosa, corajosa e amorosa ao olhar para a

educação, para o Brasil e para o mundo; e conscientemente, alguns anos mais tarde, na

universidade, quando me apresentaram em vídeo àquele homem barbudo de expressão

severa à primeira vista, mas fascinante ao final das imagens. Reconheço hoje que naquele

momento foi despertado em mim um sentimento de mundo, que certamente marcou minha

identidade como cidadã e como educadora.

Com Giroux o encontro foi mais recente, quando estava em busca de pensadores

que tivessem uma perspectiva teórica e reflexiva do contexto contemporâneo da educação.

Nas leituras das teorias sociais da educação, me deparei com a ideia de que os educadores

deveriam assumir o papel de intelectuais transformadores. Esta ideia traz em si uma

compreensão da educação para além das funções de ensino-aprendizagem atribuídas pelo

senso comum, vislumbrando-a como dispositivo ativo e comprometido com a possibilidade

de transformação, mediado pela relação de educadores e educandos no movimento de

pensar e agir sobre si, sobre a realidade vivida e sobre a sociedade. Além disso, pensar os

educadores como intelectuais transformadores se afinou com a proposta do artesanato

intelectual de Mills, se configurando como mais um encontro profícuo entre as teorias aqui

estudadas.

Freire e Giroux construíram suas vidas e teorias em tempos e espaços geográficos

diferentes, porém, compartilham muitas questões, conceitos e olhares comuns frente à

educação e a sociedade. Esses autores colocam em cena a compreensão da educação como

um campo de ação político-cultural e uma possibilidade de transformação social. Outro

aspecto que os aproxima é que são pensadores ousados e criativos, que entendem a

educação e a cultura como construções sociais, em que homens e mulheres são tanto

produtores quanto produtos de relações sociais, históricas e pedagógicas específicas. Há

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uma reconhecida influencia em Giroux das reflexões e propostas teóricas de Freire e uma

explícita reverência de Freire às virtudes do pensamento de Giroux, quando faz a

apresentação de um de seus livros.

Apesar de o desenvolvimento das teorias críticas da educação ter suas bases na

Europa, elas ganharam novos rumos no continente americano, onde foram criadas

propostas originais, construídas em contextos histórico-sociais específicos e diferenciados,

tendo como grandes nomes John Dewey – filósofo e pedagogo norte-americano e Paulo

Freire – pensador e educador brasileiro, como gostava de ser chamado. O livro

Democracia e Educação, escrito por Dewey (2007), juntamente com Pedagogia do

Oprimido de Freire (1988), foram considerados os livros mais influentes na filosofia da

educação do século XX (TEODORO; TORRES, 2006).

Freire faz parte da história da educação brasileira e se tornou um nome mundial,

estudado e adotado por inúmeros educadores e pesquisadores, ganhador de dezenas de

títulos honoris causa em universidades de todo mundo, sendo eleito recentemente Patrono

da Educação Brasileira, por meio em uma lei sancionada em abril de 2012 (BRASIL,

2012a). Outro reflexo da mundialização de seu pensamento-ação foi a criação, em 2008, de

uma universidade internacional – a Universitas Paulo Freire (Unifreire). A Unifreire se

configura como um centro articulador do legado Freiriano, com caráter transnacional,

interinstitucional e formativo voltados aos educadores vinculados a ela, bem como a

comunidade externa. Funciona por meio de uma comunidade virtual, como rede em

autoconstrução, para produção e publicização dos conhecimentos e das formas de ler e

intervir no mundo contemporâneo, criando uma cultura do diálogo (MAFRA, 2008). A

atualidade do pensamento freireano nos deixa seguros para afirmar a necessidade constante

de retomada e reinvenção das suas ideias, concepções e perspectivas.

No início, os trabalhos de Freire eram mais voltados para a alfabetização de adultos

e para a educação dos mais pobres, sendo amplamente utilizado, conhecido como “método

Paulo Freire” e caracterizado como uma pedagogia popular, problematizadora,

conscientizadora e libertadora. Em um segundo momento seus escritos ganharam status de

filosofia da educação e inspiraram educadores a refletirem e a lidarem com questões de

diferença de gênero, etnia e divergências culturais (GHIRALDELLI JR, 2006). Esse novo

olhar para o universo da educação mobilizou seus seguidores estrangeiros, como Giroux e

McLaren, a integrarem o ideário Freiriano aos Estudos Culturais. Eles passaram a usar sua

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Pedagogia do Oprimido não direcionando-a para os sujeitos considerados oprimidos, mas

para conscientizar os não discriminados a respeito da existência de discriminação contra os

pobres, negros, mulheres, gays, nativos, etc. A repercussão destes desdobramentos abriu

caminhos para o uso de suas ideias pelos estudiosos chamados pós-modernos (SILVA,

2004; GHIRALDELLI JR., 2006).

O pensamento freiriano é amplo, multifacetado e põe em diálogo temas referentes

à educação, a ética e a humanidade. Sua teorização envolve questões epistemológicas e

essenciais como: O que significa conhecer? O que significa ser educador? Qual o sentido

da educação? Das mais de 40 obras escritas, duas representam o gérmen e a síntese das

concepções e perspectivas que marcaram o desenvolvimento da sua construção teórica e

influenciaram algumas linhas da teoria crítica da educação – Educação como prática da

liberdade, publicado em 1967, e Pedagogia do Oprimido, lançado em 1970. Nestes livros

ele parte de uma análise histórica e sociológica da realidade brasileira para propor uma

forma alternativa de pensar e agir contra a marginalização de homens e mulheres, por meio

da educação e da construção de uma consciência crítica de si e do mundo em que se vive

concretamente.

Ao analisar a progressão do pensamento político-pedagógico de Freire, Scoguglia

(2001) observa que houve um processo de transição na construção de pensamento do autor.

Em Educação como prática para a liberdade, Freire defendia a mudança da sociedade

através de uma “reforma interna” dos sujeitos, via “conscientização”. Com a inclusão de

categorias econômicas, complementando sua análise teórica no último capítulo de

Pedagogia do Oprimido, suas concepções político-pedagógicas foram reestruturadas.

Segundo o autor, Freire avançou de um humanismo idealista, influenciado por correntes

existencialistas e personalistas, para um humanismo concreto, influenciado por correntes

críticas, especialmente pelos contatos com Gramsci e Marx. Essa transição foi

acompanhada por uma evolução nas teorizações pedagógicas que, na opinião de Silva

(2004), não se limitam a analisar a educação e a pedagogia tal como eram, mas apresentam

uma teoria bastante elaborada de como elas deveriam ser.

Essa construção se reflete como uma marca central no pensamento de Freire – a

compreensão da educação como um ato político, uma das contribuições inovadoras no

campo da educação. Ao nos determos nessa concepção, se faz necessário considerar a

relação da educação com a sociedade, lócus das manifestações educacionais. Desta relação,

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nascem os processos educativos, que ocorrem fundamentalmente na relação com o outro e

destes com o mundo. Nas palavras de Freire, o conceito de relação guarda em si

“conotações de pluralidade, de transcendência, de criticidade, de conseqüência e de

temporalidade”, apresentando assim uma análise filosófica da educação (FREIRE, 1987,

p.39).

Nas relações: a pluralidade emerge da própria busca de respostas para a ampla

variedade de desafios postos no mundo, tornando esta ação ao mesmo tempo plural e

singular para cada sujeito; a criticidade é mobilizada pela captação de dados objetivos da

realidade e dos laços que ligam os fatos, gerando uma atitude crítica e, por isso, reflexiva;

a transcendência está vinculada à noção de finitude e a consciência de sermos seres

inacabados, cuja plenitude se acha na ligação com algo maior, no religare proporcionado

pelas relações, levando à libertação; a temporalidade pode ser sentida no ato de existir e de

perceber a multidimensionalidade do tempo – passado, presente e futuro, nos situando

dentro e fora do tempo histórico; a consequência é potencialmente provocada pela

percepção de existir no mundo e com o mundo, de fazer parte da história e da cultura e

pelo desejo de atuar sobre a realidade para modificá-la. Esta compreensão da educação

como relação, dá o tom das construções teóricas de Freire, calcadas em uma visão de

mundo humana, integrada e flexível.

Passando à análise do sistema educacional, Freire classificou a educação

convencional como bancária (FREIRE, 1987). A “educação bancária” estaria

fundamentada em uma ideologia de opressão, que tinha como intenção manter uma divisão

entre os que sabem e os que não sabem, entre os opressores e os oprimidos. Nessa

perspectiva, a educar é o ato de depositar, de transferir, de transmitir valores e conteúdoS

sem uma troca solidária entre educadores e educandos. O educador é o sujeito ativo no

processo educativo e os educandos, meros objetos da ação. Para Freire,

[...] nesta visão distorcida de educação, não há criatividade, não há

transformação, não há saber. Só existe saber na invenção, na reinvenção,

na busca inquieta, impaciente, permanente, que os homens fazem no

mundo, com o mundo e com os outros (FREIRE, 1988, p.58).

Como consequência deste modus operandi, teríamos, no âmbito educacional, a

deficiência nos processos de auto-aprendizagem, de construção de conhecimento e de

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práxis social, ocasionada pela dificuldade de um “pensar autêntico” e, no âmbito político, a

perpetuação dos processos de dominação, exclusão e desigualdade social.

Estas observações levaram Freire a propor uma “educação problematizadora”, que

se constitui essencialmente por meio das relações dialógicas e reflexivas entre os sujeitos e

destes com o mundo, para a construção de uma consciência crítica, que conduza os sujeitos

a uma práxis transformadora da realidade social e à libertação. Estes princípios refletem

um olhar ampliado para educação como um aspecto inerente e imprescindível à vida.

Para Freire, uma das chaves da educação problematizadora está na intencionalidade

da consciência e da ação. A consciência é sempre consciência de alguma coisa, tem sempre

um objeto diante de si, mas também, possui a propriedade de se voltar sobre si mesma e ser

consciente de sua consciência (FREIRE, 1988). Este movimento gera um processo circular

de reflexividade, que permitiria aos sujeitos a passagem da consciência ingênua para a

consciência crítica, ou seja, não neutra, intencionada. A consciência crítica consegue

revelar algumas razões que explicam a maneira como pensamos e agimos, como estamos

sendo no mundo; ela se baseia na criatividade e estimula tanto a reflexão quanto a ação

sobre a realidade, promovendo a práxis transformadora e criadora. Portanto, um processo

de “pensar-se a si mesmos e ao mundo, simultaneamente, sem dicotomizar este pensar da

ação” (FREIRE, 1988, p.72).

Quanto aos processos pedagógicos, a proposta de Freire exige a superação da

contradição educador-educando, pois sendo a educação dialógica, ambos se educam

mutuamente, como sujeitos ativos do processo de construção do conhecimento. O ato de

conhecer não é um ato individual ou isolado, ele envolve a intercomunicação e a

intersubjetividade. O objeto a ser conhecido não pode ser simplesmente narrado,

comunicado, ele deve ser problematizado pelo “pensar do educador que somente ganha

autenticidade na autenticidade do pensar dos educandos, mediatizados ambos pela

realidade, portanto, na intercomunicação” (FREIRE, 1988, p.64). Dos educadores, espera-

se o compromisso com o educando, para que este seja sujeito do seu processo de

aprendizagem e da sua própria história. Seu movimento se direciona para a busca do

“desvelamento da realidade”, já que “todo aprendizado deve encontrar-se intimamente

associado à tomada de consciência da situação real vivida pelo educando” (FREIRE, 1987,

p.6).

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É com bases nesses fundamentos que é criado o famoso “método Paulo Freire”.

Não cabe aqui descrever em detalhes o método, mas em linhas gerais, pode-se dizer que

ele se desenvolve em três momentos: a investigação temática – em que educadores e

educandos buscam na vida cotidiana questões e temas significativos para serem

problematizados; a identificação de temas geradores – os temas levantados inicialmente

são “codificados” e “decodificados” para a identificação dos temas geradores, a partir de

uma visão mais crítica e social; a problematização – momento de reflexão sobre os temas e

situações existenciais identificadas, pela articulação dos pensamentos abstrato e concreto,

visando a identificação de limites e possibilidades que possam potencializar a

transformação do contexto vivido (FREIRE, 1987; 1988; BRANDÃO, 2006). Em síntese,

a consciência gerada pela investigação e conhecimento da realidade seria o elemento-chave

de um processo educativo construído de forma coletiva por educadores e educandos, no

qual o diálogo constitui o dispositivo catalisador da reflexão e da ação intencionada para a

transformação social.

Um componente central da proposta freireana é a valorização da dimensão cultural

nos processos educativos. Segundo o autor, a dimensão cultural se origina das relações dos

sujeitos com a realidade social, se expressando em tudo que os homens e mulheres criam e

recriam (FREIRE, 1989). De forma ampla, a cultura é compreendida em dois sentidos:

como resultado da práxis humana, criando e influenciando formas de ser e de se comportar,

em determinado contexto sócio-histórico; e, também, como a visão que se tem da própria

realidade. Deste modo, faria mais sentido falar em cultura como algo plural – as culturas

vividas, faladas ou silenciadas – que diferencia os sujeitos e grupos sociais.

Este olhar sobre a noção de cultura é o pano de fundo para o argumento de Freire

sobre a legitimidade da cultura popular, que no senso comum é considerada inferior frente

à cultura erudita, comumente associada às expressões artísticas clássicas produzidas pela e

para a elite dominante. Esta teorização representa um dos pontos de encontros centrais

entre Freire, Gramsci e Giroux, que teve desdobramentos teóricos e práticos significativos

para o campo da educação no cenário contemporâneo, gerando impacto também em outros

campos como, por exemplo, os da cultura e da saúde.

Apesar de Freire só ter lido Gramsci após ter escrito alguns de seus livros, existem

paralelos epistemológicos e teóricos entre os trabalhos destes autores. Os conceitos

gramscianos de “hegemonia”, ligado às relações de dominação e de poder entre grupos e

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classes sociais, e de “práxis”, relativo à unidade entre teoria e prática para a transformação,

estão presentes em argumentações fundamentais de Freire como a ligação entre educação e

política e a noção de Educação Popular, concebida por ele. Essas argumentações

evidenciam relações com análises gramscianas baseadas no “senso comum” e no “bom

senso”, na atividade prática como base para o conhecimento e na educação como atividade

contra-hegemônica (MORROW; TORRES, 1997).

No caso de Giroux, a influência de Gramsci também passa pelas noções de

hegemonia e de práxis, o que resultou na articulação de novas conceituações e abordagens

em diálogo com as problemáticas contemporâneas analisadas. Além destes, o conceito de

“intelectuais orgânicos” desenvolvido por Gramsci foi preponderante na construção de

uma importante teorização de Giroux, que repensa a natureza da atividade docente e

propõe encarar os professores como intelectuais transformadores.

Além das influências de Freire e de Gramsci, a obra de Giroux é marcada por uma

autêntica conexão de ideias de diversos campos conceituais, clássicos e contemporâneos,

revelando uma flexibilidade teórica com rigor argumentativo, que o conduziu a uma

perspectiva renovada e integrada de saberes. A trajetória de Giroux no campo da educação

começou na década de 1960, mas sua obra escrita começou a ser desenvolvida no final da

década de 1970 e perdura, de forma sistemática e intensa, até os dias de hoje com a

publicação de mais de 50 livros, entre outras produções. De acordo com alguns estudiosos

do campo da educação, o trabalho de Giroux representa uma contribuição histórica para a

teoria crítica da educação, tanto pela qualidade de suas elaborações teóricas, quanto pelo

delineamento de novos rumos para a própria teoria (McLAREN, 1997; MORROW;

TORRES, 1997; SILVA, 2004).

Nestas cinco décadas de produção intelectual, pode-se dizer que a obra de Giroux

passou por algumas fases. De acordo com a análise de McLaren (1997), a primeira delas,

que baliza grande parte de suas concepções, é inaugurada em seu primeiro livro Ideologia,

Cultura e Processo de Escolarização, publicado em 1981, que apresenta uma tentativa

inventiva de estabelecer um elo conceitual entre as formulações de ideologia e dominação

de Gramsci; os conceitos de cultura e alfabetização de Freire; a crítica da racionalidade

tecnocrática, do marxismo clássico e psicologia profunda da Escola de Frankfurt; e os

trabalhos da sociologia da educação e teoria curricular desenvolvida em países anglo-

saxões. Nestes escritos, Giroux defende a tese de que o conceito de cultura deve ser

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politizado e desassociado das categorias de arte consideradas superiores, entendendo-a

como um lócus de contestação material e ideológica. Sua percepção da dinâmica da cultura

fez com que ele evitasse uma identificação com a visão marxista clássica, que lia a cultura

como mero reflexo da base econômica (SILVA, 2004).

Ainda nesta fase, Giroux avança na análise sobre os processos socioculturais

ocorridos na escola e promove uma crítica cuidadosa sobre as teorias de reprodução,

desenvolvidas na época em textos de Bowles e Gintis e de Bourdieu e Passeron

(MORROW; TORRES, 1997). Para ele, as escolas são mais do que simples locais de

reprodução social e cultural, definidas pela lógica de dominação, pois sua compreensão da

relação dialética entre estrutura social e agência1 humana se opõe a ideia de que os agentes

sociais são vítimas passivas de formulações ideológicas, reconhecendo-os como capazes de

transcender a cultura herdada por meio de um conhecimento crítico (McLAREN, 2007).

A segunda fase do percurso teórico de Giroux é marcada pela busca de uma

proposta alternativa que superasse o imobilismo e pessimismo apontados pelas teorias da

reprodução, que se refletiu na construção do caminho que o levou à “pedagogia da

possibilidade” – conceito central em sua obra (McLAREN, 1997; SILVA, 2004). O autor

parte do conceito de resistência para sugerir que existem espaços e tensões dentro do

ambiente escolar que oferecem a estudantes e professores a possibilidade de resistência às

diversas formas de poder e de luta transformadora. Nesse sentido, Giroux chama atenção

para a necessidade de revelar o processo de formação da ideologia e sua relação com a

conformação dos sujeitos. Para ele, a ideologia pode ser transmitida por imagens, gestos e

expressões lingüísticas, pelas quais “os significados são produzidos, mediados e

incorporados em formas de conhecimento, práticas sociais e experiências culturais” dentro

da escola e de diversos domínios públicos e privados da vida cotidiana, influenciando o

que pensamos, sentimos e desejamos (GIROUX, 1997, p.36).

A compreensão deste processo de construção e significação ideológica é apontada

como uma chave para professores e estudantes resistirem a crenças e atitudes hegemônicas

e buscarem experiências emancipadoras e libertadoras. No processo educativo, os

professores devem dar voz aos estudantes e buscar conhecer sua realidade, afirmando a

relevância da participação ativa dos mesmos, no relato de suas opiniões e experiências,

1 Tradução de agency, termo empregado na literatura anglo-saxônica para se referir à capacidade de

agir do ser humano: “agência” é aquilo que um agente tem. (SILVA, 2000, p.15).

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como parte importante do processo pedagógico. O autor considera que “silenciar a voz do

estudante é torná-lo impotente” (GIROUX, 1997, p.202). Além disso, os professores

devem oferecer conteúdos e práticas que estejam conectados com as experiências vividas,

para que com base nelas possam ser identificadas as problemáticas e as possibilidades de

transformação. O direcionamento crítico dos professores é crucial para ajudar os estudantes

a reconhecerem as implicações políticas e morais das próprias experiências e também os

limites e possibilidades de transformação. Fica clara, nesta proposta, uma forte influência

da pedagogia problematizadora e libertadora, criada por Freire.

Essa dinâmica educativa encontra espaço em escolas que se configuram como

esferas públicas democráticas – outro conceito central na teoria de Giroux. Nessa

perspectiva, as escolas são consideradas “locais democráticos dedicados a formas de

fortalecer o self e o social. (...) onde estudantes aprendem conhecimentos e habilidades

necessárias para viverem em uma democracia autêntica” (GIROUX, 1997, p.28). O

discurso democrático é uma referência para a análise crítica e está fundamentado na noção

dialética escola-sociedade, na intenção de dar significado para a atividade humana. O autor

problematiza que, inerente ao discurso democrático, às escolas se apresentam como locais

contraditórios de reprodução da sociedade mais ampla e de resistência à lógica de

dominação. Cabe à escola criar espaços para reflexão crítica e análise de como as formas

culturais, políticas e históricas incidem no cotidiano da escola e de como tais formas são

experimentadas subjetivamente pela comunidade escolar.

Nesse modelo de escola, os professores deveriam desempenhar o papel de

intelectuais transformadores. Ao politizar o papel da educação, Giroux também politiza o

papel dos professores, atribuindo-lhes uma função social e política particular. Nesse

sentido, eles devem desenvolver junto aos estudantes um duplo movimento: de

fortalecimento pedagógico, oferecendo aos estudantes conhecimentos e habilidades sociais

para serem agentes críticos na escola e na sociedade; de transformação pedagógica, onde

professores e alunos atuariam em prol de mudanças institucionais e na luta contra opressão

na arena social mais ampla, em favor da democracia. Os processos educativos devem

integrar reflexão e ação com o interesse de potencializar a auto-formação dos estudantes,

para que eles se sintam capazes de pensar e atuar no mundo. O objetivo desta dupla tarefa é

também desenvolver nos estudantes a postura de intelectuais transformadores.

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O autor defende a associação da categoria intelectual ao trabalho dos educadores

por diversos motivos.

Primeiramente, ela oferece uma base teórica para examinar-se a atividade

docente como forma de trabalho intelectual, em contraste com sua

definição em termos puramente instrumentais ou técnicos. Em segundo

lugar, ela esclarece os tipos de condições ideológicas e práticas

necessárias para que os professores funcionem como intelectuais. Em

terceiro lugar, ela ajuda a esclarecer o papel que os professores

desempenham na produção e legitimação de interesses políticos,

econômicos e sociais variados através das pedagogias por eles endossadas

e utilizadas (GIROUX, 1997, p.161).

Para atuarem como intelectuais transformadores os professores “precisarão

reconsiderar e, possivelmente, transformar a natureza das condições em que trabalham”

(GIROUX, 1997, p.29). Eles deverão ser capazes de remodelar o tempo, o espaço, as

atividades e os conhecimentos vividos no cotidiano, para encontrarem condições de

escreverem, pesquisarem e trabalharem juntos na (re)construção do currículo, na repartição

de poder e no fortalecimento de um discurso conjunto que apóie a atuação como

intelectuais transformadores. Isso se traduz em uma forma de trabalho na qual o

pensamento e a ação são indissociáveis, onde não há separação dos processos de

concepção e de execução das ações, respeitando, assim, as especificidades das experiências

de construção ocorridas entre estudantes e professores.

O autor destaca dois conceitos importantes, que têm implicações metodológicas

para os professores que desejam assumir a postura de intelectuais transformadores. O

primeiro deles é o que ele chama de libertação da memória, que envolve o reconhecimento

de sofrimentos passados pelos sujeitos, que constituem situações de opressão e que

necessitam de entendimento. O desvelamento e a compreensão das diferentes realidades

alertam para as circunstâncias em que elas são construídas e podem provocar o desejo de

transformação das condições sociais que geram tais sofrimentos. Esse processo funcionaria

com um lembrete para as pessoas de que os mecanismos de dominação existem, mas que

os de resistência também, mantendo viva a esperança de transformação.

A segunda concepção a ser levada em consideração pelos professores intelectuais é

a compreensão da pedagogia como política cultural. Ela se refere ao conjunto concreto de

práticas, como a dinâmica do professor em sala de aula e a consideração ou não da voz do

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estudante, que interferem na produção de diferentes tipos de conhecimentos, experiências e

subjetividades no processo de formação dos estudantes. É importante que os professores

compreendam que estes conjunto de práticas e processos de produção são construídos

historicamente e que eles carregam interesses particulares variados e podem legitimar um

tipo particular de verdade ou estilo de vida.

Nesta direção, Giroux resgata a noção de currículo oculto para elucidar que as

escolas são espaços de socialização e que nelas se aprendem muito mais que os conteúdos

oferecidos. Para ele, os professores têm que estar atentos para a existência e para as

contradições entre o currículo oficial, que define explicitamente os conteúdos e as metas da

instrução formal, e o currículo oculto, que se refere “a normas, valores e crenças não

declaradas que são transmitidas aos estudantes através da estrutura subjacente do

significado e do conteúdo formal das relações sociais na escola e na vida da sala de aula”

(GIROUX, 1997, p.57). Evidenciar a existência do currículo oculto junto aos estudantes

permite o desenvolvimento do pensamento crítico, tanto na intenção de identificar e alterar

suas expressões negativas, quanto na busca de construção novos métodos e

relacionamentos sociais, nos quais as normas e valores subjacentes em sala de aula atuem

para promover a aprendizagem e não a manipulação.

Ainda na segunda fase de seu desenvolvimento teórico, Giroux alargou a sua

análise da teoria da resistência, das esferas públicas e dos trabalhadores culturais por meio

da utilização de argumentos fornecidos pelo pensamento pós-moderno (MORROW;

TORRES, 1997). Ao analisar a aproximação da teoria crítica da educação às questões

trazidas pelo pensamento pós-moderno, Giroux (1993) pondera que a pedagogia crítica não

deve se basear na escolha entre modernismo e pós-modernismo, pois os dois discursos têm

elementos valiosos e fragilidades teóricos. Para ele os educadores devem combinar

importantes debates pós-modernistas, como a diversidade e o pluralismo cultural, com

elementos modernistas estratégicos para uma educação comprometida com a formação de

cidadãos pensantes e atuantes. Ele argumenta, ainda, que a pedagogia crítica deve criar

uma nova linguagem, novas formas de conhecimento e um território para encontros

analíticos situados para além das fronteiras disciplinares.

Porém, essa aproximação com os estudos pós-modernos foi mais intensa no que se

pode considerar a terceira fase de produção intelectual de Giroux, que perdura até o

momento atual. Nos últimos anos, seus trabalhos têm se voltado para uma análise política

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sobre os impactos do modelo neoliberal sobre o universo da educação. Ele tem feito uma

crítica radical ao sistema educacional comandado pela cultura de mercado e do consumo,

dominante nos Estados Unidos. Em suas análises, tem apontado as indústrias culturais e de

consumo e os meios de comunicação como responsáveis pelo empobrecimento da vida

pública e dos valores sociais na cultura americana, principalmente, na infância e juventude.

Nesse contexto, ele tem debatido os efeitos negativos desta tendência nas instituições

educativas e na sociedade atual, do que chama de pedagogia da mídia. Ao analisar os

filmes produzidos pela Disney, por exemplo, o autor identifica uma pauta pedagógica

carregada de pressupostos etnocêntricos e sexistas, que acabam moldando as identidades

infantis e juvenis, de forma bem particular e não inocente (SILVA, 2004). Além disso,

Giroux enfatiza que a teoria neoliberal e sua prática tem gerado uma substituição de um

contrato social por um contrato de mercado, no qual os direitos políticos são estritamente

limitados, os direitos econômicos são desregulamentados e os direitos sociais são

substituídos pelo dever individual (GIROUX, 2007).

Em paralelo, as articulações teóricas de Giroux com os Estudos Culturais têm tido

avanços promissores, em função do rompimento de algumas fronteiras disciplinares. Ele

tem analisado as relações entre língua, texto e sociedade, descrevendo as implicações das

novas tecnologias no intercâmbio e na recriação de novos conhecimentos estabelecidos em

novas teias de poder. Desta forma, tem trazido importantes contribuições na identificação

de novos modos de representação e de aprendizagem no contexto contemporâneo

(GUILHERME, 2006).

Na opinião de Guilherme (2006), Giroux tem mobilizado educadores e acadêmicos

a reagir a estas forças paralisantes e a serem críticos, criativos e esperançosos em relação

ao potencial que tanto eles como seus estudantes podem oferecer, a fim de contrariar as

tendências políticas conservadoras, que têm imposto uma definição de excelência em

educação que significa mais uma submissão às pressões de mercado do que excelência

educativa nos termos de uma produção intelectual inovadora.

Apesar de estas questões serem extremamente relevantes para a reflexão do cenário

atual da educação, interesso-me, especialmente, nesta tese pelas elaborações desenvolvidas

na segunda fase do pensamento de Giroux, pois a pedagogia da possibilidade não se limita

a questionar os arranjos sociais existentes, mas apresenta alternativas para a construção de

processos educativos diferenciados e de uma sociedade mais justa e igualitária. Seus

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interesses estão voltados para debater de forma crítica e propositiva os significados e

desafios das instituições e dos atores da educação na sociedade contemporânea. Ele

provoca, especialmente, os professores a (re) pensarem suas funções, concepções, ações e

relações vividas no cotidiano do trabalho e na sociedade, e defende a atuação dos

professores como intelectuais transformadores, que combinam reflexão e prática a serviço

da educação dos estudantes para que sejam cidadãos reflexivos e ativos.

2.2.3 Origem e abordagens da educação nutricional

Para alcançar os objetivos apresentados nesta tese, fez-se necessária uma

aproximação e análise das origens, abordagens e perspectivas da educação nutricional no

cenário brasileiro, tanto no que se refere às concepções e teorias norteadoras, quanto às

ações e práticas desenvolvidas. É importante conhecer os processos e os episódios

ocorridos na constituição deste campo, a fim de compreender o cenário atual. Apresento a

seguir uma exposição concisa sobre a educação nutricional no Brasil.

Ao fazer uma leitura sobre a área, pude observar que, historicamente, a educação

nutricional teve diversos significados, objetivos e práticas, em função das conjunturas

políticas nacionais, dos modelos de atenção à saúde vigentes e das perspectivas

educacionais vivenciadas em cada época. Isso, de alguma forma, contribuiu para a

manutenção ou para a realização de mudanças nos modos de pensar e agir dos profissionais

que atuam na área de nutrição.

O desenvolvimento da educação nutricional no Brasil possui um estreito vínculo

com as políticas de alimentação e nutrição em vigência e tem sido estudado por diferentes

autores (VALENTE, 1989; BOOG, 1997, 2011a; LIMA; OLIVEIRA; GOMES, 2003;

SANTOS, 2005). O interesse pela educação nutricional surgiu nos anos de 1940, período

em que teve status privilegiado e era vista como um dos pilares dos programas

governamentais de proteção ao trabalhador. Ela nasceu com a perspectiva de ser uma

estratégia que ocasionaria mudanças significativas nas condições de alimentação da

população trabalhadora.

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Nas décadas de 1950 e 1960, a educação nutricional esteve ligada às campanhas

que visavam à inclusão de novos alimentos na rotina alimentar brasileira como, por

exemplo, a introdução da soja. Nesse período os EUA implantaram programas de ajuda

alimentar internacionais que tinham como real objetivo escoar os excedentes agrícolas e

manter o preço dos cereais no mercado internacional. O governo brasileiro teve de usar

estratégias “educativas” para induzir determinados grupos da população a consumirem os

alimentos fornecidos pelos programas (BOOG, 1997). Lima, Oliveira e Gomes (2003)

ressalta que esse momento da educação nutricional se fundamentou no mito da ignorância,

fator considerado como determinante da fome e da desnutrição na população de baixa

renda, para a qual as ações educativas eram dirigidas. Sendo assim, era prioridade o

desenvolvimento de ferramentas educativas que ensinassem as populações empobrecidas a

comer e que corrigissem os maus hábitos alimentares. Este tipo de ação demonstra uma

concepção de educação centrada na culpabilização dos indivíduos e na mudança do

comportamento alimentar.

Já na década de 1970, houve um redirecionamento das políticas de alimentação e

nutrição no país, passando a ser norteadas pelo pensamento técnico-científico. De acordo

com Boog (1997, p.6) “o paradigma social foi substituído pelo paradigma técnico”, com a

adoção de medidas que privilegiavam a racionalização do sistema de produção de

alimentos, suplementação alimentar e o combate a carências nutricionais. Nesse mesmo

período, os resultados do Estudo Nacional de Despesa Familiar (ENDEF), realizado em

1974 e 1975, indicaram que o principal obstáculo à alimentação adequada era a renda, e

que somente transformações estruturais no modelo econômico poderiam reverter os

problemas alimentares (BOOG, 1997). Nesse contexto, o binômio alimentação-educação

que prevaleceu até então, começou a ceder espaço para o binômio alimentação-renda,

relegando a educação nutricional a segundo plano. Como conseqüência, intensas críticas

foram feitas à educação nutricional que vinha sendo desenvolvida, acusada de ser uma

estratégia utilizada para ensinar os grupos mais pobres da população a comerem alimentos

de baixo valor nutricional, como cascas e sobras, por exemplo (VALENTE, 1989; LIMA;

OLIVEIRA; GOMES, 2003).

Nas décadas de 1970 e 1980 a educação nutricional tinha como característica

principal uma prática domesticadora e repressora, sendo reprovada por todos que prezavam

a liberdade de expressão. Comer o que se quer, na hora e com quem se quer era uma forma

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de exercer o direito à liberdade e ensinar o que é melhor para a saúde era entendido como

cerceamento deste direito. Boog (1997) se refere a esse período como um “exílio” dos

programas de educação nutricional. Ela continuou sendo praticada por nutricionistas em

suas rotinas profissionais junto à população, devido à realidade dos serviços e à

necessidade de tratamento das enfermidades existentes.

Em meados dos anos de 1980, começaram a surgir importantes discussões sobre as

novas perspectivas da educação nutricional, gerando propostas de uma educação

nutricional crítica. Valente (1989) foi fundamental nesse processo, ao abordar a educação

nutricional em seu livro “Fome e desnutrição: determinantes sociais”. O autor fez uma

crítica severa às bases teóricas e à prática da educação nutricional tradicional, ao mesmo

tempo em que lançou as bases para uma educação nutricional comprometida com a

superação das causas básicas da fome e da desnutrição. Em sua proposta, ele admitiu que

ações educativas críticas em nutrição feitas de forma isolada não conseguiriam eliminar a

desnutrição e outros distúrbios nutricionais. No entanto, a intenção de sua proposta era

desvelar os processos históricos e sociais de determinação dos problemas alimentares.

A educação nutricional crítica baseia-se nos princípios da pedagogia crítica,

considerando que a educação nutricional não é neutra, e que não pode seguir uma

metodologia prefixada. Nesse sentido, essa vertente da educação nutricional pressupunha

assumir o compromisso político de colocar a produção técnica e científica a serviço do

fortalecimento das classes populares em sua luta contra a exploração que gera a fome e a

desnutrição (SANTOS, 2005).

Na análise de Santos (2005), a educação nutricional crítica influenciou os

conteúdos da disciplina educação nutricional, integrante dos currículos para formação de

nutricionistas, fortalecendo a discussão sobre a determinação social da fome e da

desnutrição e a relação desses fenômenos com o modelo de organização capitalista, em

detrimento do enfoque biológico e técnico, como também dos métodos e técnicas

educativas. Como conseqüência, passou-se a discutir a fome e não apenas a desnutrição, e

a educação alimentar passou a contemplar não somente as práticas alimentares,

pressupondo, também, a tarefa de esclarecer a população sobre os direitos de cidadania

(LIMA; OLIVEIRA; GOMES, 2003).

Esse novo olhar sobre o universo da nutrição já havia sido debatido no I Seminário

Nacional de Avaliação do Ensino de Nutrição, que ocorreu em 1982. A análise sobre os

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aspectos conceituais, estruturais e metodológicos dos cursos de nutrição realizada nesta

ocasião tornou evidente o descontentamento com os currículos adotados, devido à

constatação de um hiato existente entre o biológico e o social e o descompasso entre a

teoria e a prática. Outro aspecto observado foi o predomínio de disciplinas da área das

“ciências básicas” e a baixa proporção das disciplinas relativas à compreensão social,

como das áreas de educação, ciências sociais e saúde pública (COSTA, 1999; MOTTA;

OLIVEIRA; BOOG, 2003).

No início da década de 1990, fatos novos fizeram ressurgir o interesse pela

educação nutricional: a divulgação dos resultados da Pesquisa Nacional sobre Saúde e

Nutrição (PNSN) realizada pelo Ministério da Saúde (MS) em 1989, que apontavam para o

expressivo aumento da prevalência da obesidade, principalmente entre mulheres de baixa

renda; a comparação dos resultados da Pesquisa de Orçamento Familiar, realizada pelo

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, com estudos anteriores que evidenciou um

aumento significativo no consumo de alimentos calóricos e pouco nutritivos, como

biscoitos, refrigerantes e embutidos (MONTEIRO; MONDINI, 2000). Ao mesmo tempo, a

constatação científica de que a alimentação de má qualidade é um fator de risco para várias

doenças fez com que a educação nutricional fosse apontada como medida a ser considerada

para reverter a crescente tendência ao consumo de açúcares, gorduras e produtos

industrializados (BOOG, 2011a). Diante deste contexto, as práticas alimentares

inadequadas e a obesidade foram assumidas como prioridade nas agendas de saúde pública

nacional, que apontaram como fundamental o investimento em ações de promoção da

alimentação saudável (BRASIL, 2005).

Nesse cenário, é importante destacar a instituição da Política Nacional de

Alimentação e Nutrição (PNAN), aprovada em 1999, que concretizou a busca de uma nova

direção das políticas de alimentação em nutrição no país, em oposição ao modelo de

atenção assistencialista e voltada para públicos específicos, como trabalhadores e grupos

de risco, que prevaleciam desde a década de 1970. Uma das bases para sua elaboração é o

reconhecimento da alimentação e da nutrição como um dos requisitos básicos para a

promoção e proteção da saúde, possibilitando o desenvolvimento humano e a qualidade de

vida (BRASIL, 2005). Tal perspectiva foi influenciada pelas discussões em torno do

renovado conceito de segurança alimentar e nutricional que se consolidou na I Conferência

Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, realizada em 1994.

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Na PNAN a educação nutricional encontra espaço na terceira diretriz, que versa

sobre a “promoção de práticas alimentares e estilos de vida saudáveis”, cuja ênfase está na

“socialização do conhecimento sobre alimentos e o processo de alimentação bem como

acerca da prevenção dos problemas nutricionais, desde a desnutrição - incluindo as

carências específicas - até a obesidade” (BRASIL, 2005, p.22). O documento menciona

que a educação nutricional contém “elementos complexos e até conflituosos”, e sugere que

“deverão ser buscados consensos sobre conteúdos, métodos e técnicas do processo

educativo, considerando os diferentes espaços geográficos, econômicos e culturais”

(BRASIL, 2005, p.22).

Vale ressaltar que existe uma valorização dos aspectos que envolvem os processos

educativos em alimentação e nutrição, porém não foram estabelecidas claramente as bases

teórico-conceituais e operacionais que deveriam nortear as ações. Esta lacuna foi objeto de

algumas críticas, que consideraram que a proposta educativa se limitava a subsidiar os

indivíduos com informações, pela lógica da transmissão, valorizando a importância dos

meios de comunicação, tanto na produção de campanhas e materiais educativos, quanto no

controle das práticas de marketing relativas à alimentação e aos alimentos (SANTOS,

2005).

É importante mencionar que esta política passou por um processo de atualização e

aprimoramento de suas bases e diretrizes ao completar 10 anos de sua publicação, o que

resultou em uma nova versão publicada em 2012. Antes de passar a esse assunto, cabe

fazer um breve relato dos importantes avanços ocorridos na primeira década dos anos

2000, até o momento atual. A partir dos anos 2000, as conquistas relativas à criação e

consolidação das políticas públicas voltadas a alimentação e nutrição no Brasil foram

bastante substanciais. Seus delineamentos tomaram como base algumas pesquisas sociais,

econômicas, de saúde e consumo alimentar, como por exemplo, as Pesquisas de

Orçamento Familiar (POF) dos anos de 2002-2003 e 2008-2009 (IBGE, 2004, 2006, 2011).

Seus resultados revelaram mudanças no perfil das famílias das cinco regiões brasileiras,

que refletem alterações mais amplas na sociedade. A última POF, por exemplo, trouxe

como inovação a incorporação de um módulo sobre o consumo pessoal de alimentos que

irá atualizar os dados de consumo alimentar, em âmbito nacional (RECINE;

VASCONCELOS, 2011).

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Um aspecto marcante, neste período foi a consolidação de políticas intersetoriais.

Exemplo desse avanço foi a instituição da Lei Orgânica de Segurança Alimentar

Nutricional (LOSAN) em 2006, que criou Sistema Nacional de Segurança Alimentar e

Nutricional (SISAN) e que culminou na construção da Política Nacional de Segurança

Alimentar e Nutricional (PNSAN), lançada em 2010 (BRASIL, 2006; 2010d). Tanto a lei

como a política têm entre suas bases diretivas o fortalecimento das ações de alimentação e

nutrição no sistema de saúde, mas incluem ações que envolvem aspectos associados à

cultura, ao direito e à produção de alimentos. A PNSAN se baseia em oito diretrizes, dentre

elas a “instituição de processos permanentes de educação alimentar e nutricional, pesquisa

e formação nas áreas de segurança alimentar e nutricional e do direito humano à

alimentação adequada”, incluindo os processos educativos como prioridade das ações

(BRASIL, 2010b, p.1).

Outras iniciativas relevantes para o campo da alimentação e nutrição e, mais

diretamente, para a práxis da educação nutricional são a Política Nacional de Promoção da

Saúde, a Portaria interministerial nº 1.010, que orienta a promoção da alimentação

saudável nas escolas das redes públicas e privadas, e o Programa Saúde na Escola, que tem

como finalidade contribuir para a formação integral dos estudantes da rede pública de

educação básica por meio de ações de prevenção, promoção e atenção à saúde (BRASIL,

2006b; 2006c; 2007b). As duas últimas são iniciativas conjuntas entre os Ministérios da

Saúde e da Educação e se configuram como dispositivos relevantes para atuação do

nutricionista como educador no espaço escolar.

Não podemos nos abster de mencionar o principal evento da primeira década de

2000, que foi a incorporação da alimentação entre os direitos sociais individuais e coletivos

na Constituição Federal, por meio da Emenda Constitucional n° 64 (BRASIL, 2010a). Este

fato representa a conquista de um instrumento legal que fortalece mecanismos para a

garantia da efetividade do Direito Humano à Alimentação Adequada a todos indivíduos e

os povos do país.

Conforme apontado acima, uma importante iniciativa foi desenvolvida no ano 2010

– o processo de atualização da Política Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN). Foi

uma ação do Ministério da Saúde, que promoveu seminários em 26 estados brasileiros,

com o objetivo de avaliar os dez anos de implementação da PNAN e de debater

proposições para uma nova política. Tanto os seminários estaduais como o nacional

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contaram com a participação de representantes dos segmentos de usuários do SUS,

profissionais de saúde, gestores do SUS e prestadores de serviços (BRASIL, 2010d). Tive

a oportunidade de participar da etapa nacional, que considero um marco histórico na

construção das políticas públicas de alimentação e nutrição no país.

A nova edição da PNAN tem como propósito “a melhoria das condições de

alimentação, nutrição e saúde da população brasileira, mediante a promoção de práticas

alimentares adequadas e saudáveis, a vigilância alimentar e nutricional, a prevenção e o

cuidado integral dos agravos relacionados à alimentação e nutrição” (BRASIL, 2012b,

p.21). Como na edição anterior, a educação nutricional está incluída de forma mais

evidente na diretriz intitulada Promoção da Alimentação Adequada e Saudável (PAAS) –

uma das nove diretrizes da política. Pode-se observar uma abordagem mais ampliada em

relação à compreensão do universo da alimentação e das ações PAAS. A alimentação é

vista como um processo que agrega significados culturais, comportamentais e afetivos,

para além de suas funções biológicas, comumente referidas pelo senso comum. Nesta

mesma perspectiva a PAAS é apresentada como um conjunto de estratégias voltadas aos

indivíduos e coletividades, que visam proporcionar a realização de práticas alimentares

adequadas, considerando a multidimensionalidade da alimentação.

Pode-se perceber também um amadurecimento conceitual em relação aos processos

educativos envolvidos na PAAS. A educação nutricional é identificada como uma

estratégia central, que necessita de articulação de diversos setores para seu

desenvolvimento e que se configura

[...] como processo de diálogo entre profissionais de saúde e a população,

de fundamental importância para o exercício da autonomia e do auto-

cuidado. Isso pressupõe, sobretudo, trabalhar com práticas referenciadas

na realidade local, problematizadoras e construtivistas, considerando-se

os contrastes e as desigualdades sociais que interferem no direito

universal à alimentação (BRASIL, 2012b, p.33).

Os avanços alcançados com a revisão e a definição dos novos rumos da PNAN

reforçam a responsabilidade do Estado brasileiro no enfrentamento da complexidade da

situação alimentar e nutricional vivenciada pela população brasileira no contexto atual.

Importante destacar que a SEGAN do Ministério da Saúde tem se colocado na

vanguarda das políticas de saúde tanto na definição e revisão das e ações no campo da

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alimentação e nutrição, no debate e indução de politicas que visam o enfrentamento da

indústria de alimento como, por exemplo, na regulamentação da rotulagem de alimentos e

das fórmulas alimentares e infantis quanto no momento atual para redução do sódio,

gordura trans e açúcares dos produtos industrializados.

Para finalizar esta contextualização, é mister falar de um processo importante para a

reflexão sobre a práxis da educação nutricional. A construção do Marco de Referência de

Educação Alimentar e Nutricional para as Políticas Públicas. Uma iniciativa da

Coordenação-Geral de Educação Alimentar e Nutricional do Ministério do

Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), e um conjunto de parceiros -

Coordenação Geral de Alimentação e Nutrição (MS), Coordenação Geral do Programa de

Alimentação Escolar do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE/MEC),

Associação Brasileira de Nutrição (ASBRAN), Conselho Federal de Nutrição (CFN),

Observatório de Políticas de Segurança Alimentar e Nutrição da Universidade de Brasília

(OPSAN/UnB).

O processo de construção do Marco abrangeu 3 etapas com participação

diversificada e teve o objetivo de construir um documento que contemplasse o caráter

intersetorial do tema Educação Alimentar e Nutricional (EAN), foram eles:

• O encontro "Educação Alimentar e Nutricional – Discutindo Diretrizes ", realizado em

Brasília em outubro de 2011, que teve como objetivo gerar reflexões, intercâmbios e

propostas acerca do tema Educação Alimentar e Nutricional no campo conceitual; de

formação profissional; das práticas; da mobilização e comunicação e das estratégias de

articulação. Participaram do Encontro 160 pessoas, dentre elas: docentes de cursos de

nutrição de universidades públicas e privadas de todo o país; gestores e profissionais que

atuam em políticas públicas relacionadas ao tema da EAN na área da Saúde, Educação,

Assistência Social e Segurança Alimentar e Nutricional.

• A "Atividade Integradora sobre Educação Alimentar e Nutricional", realizada durante a

IV Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional na cidade de Salvador, em

novembro de 2011, com objetivo de dar prosseguimento as discussões iniciadas no

primeiro encontro. Esta atividade contou com a participação de 27 profissionais, gestores,

docentes e sociedade civil interessados no tema EAN nas diferentes áreas de atuação.

• A "Oficina de Educação Alimentar e Nutricional para as Políticas Públicas" realizada no

Congresso Mundial de Nutrição - World Nutrition Rio2012, em abril de 2012, que teve

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como objetivo compartilhar e acolher a diversidade de visões sobre conceitos e princípios

de EAN, contribuindo para a elaboração do Marco de Referência. A oficina contou com 59

profissionais que atuam com o tema EAN em diferentes áreas, assim como docentes e

pesquisadores de universidades públicas e privadas do Brasil e de outros países como

França e Portugal.

Além disso, foi realizada uma Consulta Pública do documento, produzido com base

nos três encontros, que ficou disponível no mês de junho de 2012. Até a presente data, o

documento final não foi divulgado. Cabe mencionar, que tive a oportunidade de participar

do primeiro e do terceiro encontros, e, também, de colaborar com a consulta pública.

O Marco de Referência de Educação Alimentar e Nutricional (EAN) para as

Políticas Públicas tem como objetivo “promover um campo comum de reflexão e

orientação da prática no conjunto de iniciativas de EAN que tenham origem,

principalmente, na ação pública” (BRASIL, 2012c, p.2). O que motivou a construção do

Marco foi à percepção de que a EAN tem sido considerada estratégica em relação as

questões alimentares e nutricionais contemporâneas, mas as reflexões sobre suas

possibilidades, limites e o modo como é concebida são escassas. Além disso, foi

identificada uma lacuna entre as formulações das políticas públicas e as ações educativas

desenvolvidas no âmbito local.

O Marco traz em seu conteúdo um resumo do histórico da EAN, o conceito, os

princípios, os papéis e os campos de práticas da EAN, uma proposta de agenda pública,

entre outros tópicos. Vale expor aqui o conceito de EAN construído com base nas

discussões dos três eventos. De acordo com o Marco a

Educação Alimentar e Nutricional é um campo de conhecimento e prática

contínua e permanente, intersetorial e multiprofissional, que utiliza

diferentes abordagens educacionais problematizadoras e ativas que visem

principalmente o diálogo e a reflexão junto a indivíduos ao longo de todo

o curso da vida, grupos populacionais e comunidades, considerando os

determinantes, as interações e significados que compõem o

comportamento alimentar que visa contribuir para a realização do DHAA

e garantia da SAN, a valorização da cultura alimentar, a sustentabilidade

e a geração de autonomia para que as pessoas, grupos e comunidades

estejam empoderadas para a adoção de hábitos alimentares saudáveis e a

melhoria da qualidade de vida (BRASIL, 2012c, p.8-9).

Tal como foi sinalizado no escopo do Marco, a produção científica na área de

alimentação e nutrição identifica problemas ao analisar o exercício da educação

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alimentar e nutricional por parte dos profissionais de saúde, em particular dos

nutricionistas. É comum observar a crítica de que eles têm atuado mais como

veiculadores de informações do que como sujeitos das ações educativas na promoção de

práticas alimentares saudáveis, prejudicando, com isso, a relação dialógica entre

profissional e indivíduo. Esta análise reforça a idéia de que informação e educação são

processos diferentes, que geram sujeitos diferentes (SANTOS, 2005). O fato de

disponibilizar informações não garante a construção crítica do conhecimento

(GADOTTI, 2000).

Este “modo de agir” do profissional nutricionista é, em grande medida, reflexo

do processo de formação acadêmica realizado nos últimos anos. Os conteúdos

abordados nas disciplinas de educação nutricional variaram muito ao longo dos anos e,

segundo alguns autores, não está fundamentada em teorias consistentes que embasassem

suas concepções, pesquisas e práticas profissionais (BOOG, 1997; LIMA; OLIVEIRA;

GOMES, 2003; SANTOS, 2005; FRANCO; BOOG, 2007). Na formação do

nutricionista, há maior ênfase ao conteúdo biológico em detrimento dos aspectos

psicológicos, socioculturais, econômicos, históricos e ambientais envolvidos no

processo de alimentação. Isso dificulta ao estudante a aproximação com outros campos

do conhecimento e com reflexões que lhe permitiriam compreender melhor os

determinantes das problemáticas nutricionais e alimentares, o que acaba

comprometendo o preparo do profissional para assumir as atividades educativas

(CERVATO et al., 2005).

Um dos desafios que se apresentam hoje à educação nutricional é o de

estabelecer uma interação entre diferentes abordagens educativas com a compreensão da

multidimensionalidade da alimentação humana, visando promover saúde e qualidade de

vida junto a indivíduos e coletividades. Este aspecto é desafiador tanto para os

profissionais que estão em contato direto com os públicos quanto para os docentes da

educação superior, envolvidos com a formação de profissionais que irão lidar com uma

realidade complexa. Nesse sentido, se configura como um elemento de interesse central

ao escopo desta tese.

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2.3 O CAMINHO E O ENCONTRO COM O OBJETO NA PESQUISA DE CAMPO

“Caminhante, não há caminho, o caminho se faz ao caminhar.”

Antônio Machado, poeta espanhol.

É comum ocorrer em projetos de pesquisa algumas mudanças no processo de

delineamento da pesquisa de campo. Nesse estudo não foi diferente. Foram feitas algumas

alterações no projeto inicial apresentado para entrada no doutorado, sob influencia do

processo de qualificação, de orientação e de amadurecimento da pesquisa. A seguir, faço

um convite ao leitor para conhecer os caminhos e bastidores da pesquisa, já que “os

processos são tão importantes quanto os resultados” (1.ISC), como mencionou uma das

professoras entrevistadas. Compartilho da mesma opinião e, por isso, faço a exposição

abaixo.

No projeto inicial, o objeto central de interesse de estudo era a formação em

educação nutricional nos cursos de nutrição, tendo como foco imediato a disciplina

educação nutricional. Estava previsto o diálogo com os professores desta disciplina, para

conhecer suas opiniões e experiências na área, e com os estudantes que já a tivessem

cursado para conhecer suas percepções, vivências e avaliação da formação.

Com o passar do tempo, das leituras e das reflexões, fomos sentindo a necessidade

de ampliar o foco de análise para outras disciplinas do curso, que também poderiam

colaborar com a formação em educação nutricional – os estágios. Os estágios são o lócus

clássico para a realização das atividades vivenciadas no cenário de atuação profissional. É

o momento de experimentar e exercitar a atividade profissional ainda em um processo de

graduação e de aprendizagem formal. Em função disso, incluímos no conjunto de atores de

interesse do projeto os professores supervisores ou coordenadores de estágio, das três áreas

clássicas da nutrição: Alimentação Coletiva, Nutrição Clínica e Saúde Coletiva (INEP,

2006). A intenção era conhecer seus olhares e experiências em relação à educação

nutricional e às possíveis interfaces com suas áreas de atuação e com as atividades do

estágio.

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Ficaram definidos, então, os seis atores de diálogo – professores da disciplina

educação nutricional e das disciplinas estágio supervisionado em alimentação coletiva, em

nutrição clínica e em saúde pública, estudantes no último ano do curso e a pesquisadora.

O universo desta pesquisa envolveu Instituições de Ensino Superior (IES) públicas

e privadas do Rio de Janeiro, que tinham curso de graduação em Nutrição ativo e

reconhecido pelo Ministério da Educação (MEC). Para o planejamento da pesquisa de

campo, foi realizado levantamento na internet com objetivo de identificar as Instituições de

Ensino Superior (IES) da Região Metropolitana do Rio de Janeiro que ofereciam o curso

de Nutrição, no ano de 2010. Buscou-se no endereço do MEC na internet a relação dos

cursos presentes no Cadastro de Instituições de Educação Superior. Esta relação foi

comparada com a lista disponível na página do Conselho Federal de Nutricionistas e com

as páginas das IES para confirmar a oferta dos cursos (Quadro 1).

Quadro 1 – Cursos de graduação em nutrição situados na região metropolitana2 do Estado do

Rio de Janeiro por categoria administrativa e município.

Instituição de Ensino Superior Categoria

administrativa

Município

Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ Pública Rio de Janeiro

Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro

– UNIRIO

Pública Rio de Janeiro

Universidade Federal Fluminense – UFF Pública Niterói

Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ Pública Rio de Janeiro

Centro Universitário Augusto Motta – UNISUAM Privada Rio de Janeiro

Centro Universitário Celso Lisboa – UCL Privada Rio de Janeiro

Centro Universitário Metodista Bennett Privada Rio de Janeiro

Centro Universitário Plínio Leite – UNIPLI Privada São Gonçalo

2 Atualmente, a região metropolitana do Rio de Janeiro é composta, segundo a Lei Complementar

Np° 105 de 2002, por 17 municípios: Rio de Janeiro, Belford Roxo, Duque de Caxias, Guapimirim,

Itaboraí, Japeri, Magé, Nilópolis, Niterói, Nova Iguaçu, Paracambi, Queimados, São Gonçalo, São

João de Meriti, Seropédica, Mesquita e Tanguá.

Fonte:

http://www.observatoriodasmetropoles.ufrj.br/como_anda/como_anda_RM_riodejaneiro.pdf

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Faculdade Bezerra de Araújo – FABA Privada Rio de Janeiro

Universidade Castelo Branco – UCB Privada Rio de Janeiro

Universidade do Grande Rio Professor José de

Souza Herdy – UNIGRANRIO

Privada Duque de

Caxias

Universidade Estácio de Sá – UNESA Privada Rio de Janeiro

Universidade Gama Filho – UGF Privada Rio de Janeiro

Universidade Salgado de Oliveira – UNIVERSO Privada Niterói

Universidade Veiga de Almeida – UVA Privada Rio de Janeiro

Fonte: http://emec.mec.gov.br/, 2012.

No ano de 2010, havia na região metropolitana do Rio de Janeiro quatro IES

públicas e onze IES privadas com curso de graduação em Nutrição ativo, que tinham

formado pelo menos uma turma. Deste universo de quinze IES, decidimos excluir a

UNIRIO, pois faço parte do corpo docente desta instituição, na função de professora da

disciplina Educação Nutricional, ficando inviável a realização do estudo, tal como foi

delineado.

Cabe informar que o desenho inicial do estudo envolvia somente as IES situadas no

município do Rio de Janeiro. Em função disso, o pré-teste da pesquisa de campo foi

realizado em uma universidade fora deste município. Pela riqueza dos dados obtidos e pela

sugestão dos componentes da banca de qualificação, essa universidade e os resultados

obtidos junto à sua comunidade foram incluídos como objeto de pesquisa.

Outra informação importante é que o início da pesquisa de campo só aconteceu

após apreciação e aprovação3 do projeto no Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de

Estudos em Saúde Coletiva (IESC), da UFRJ (Apêndice A). Para isso, foi feito contato

com a direção dos cursos de graduação em Nutrição para apresentação da proposta e

obtenção do aceite de participação. Foram enviados uma carta-convite (Apêndice B) e um

Termo de Compromisso Institucional (Apêndice C), nos quais estavam descritos os

propósitos e as características do estudo, as etapas de levantamento dos dados, os aspectos

3 CEP/IESC – Parecer nº116/2010; Processo nº 52/2010.

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éticos da pesquisa e uma declaração de compromisso da universidade em participar do

estudo. Esta iniciativa ocupou um tempo significativo, pois as coordenações

encaminhavam o termo para instâncias superiores e estas, por vezes, tiveram um caminho

de retorno demorado para as coordenações dos cursos. Dos cursos contatados apenas o

Centro Universitário Metodista Bennett não deu um retorno com a resposta.

Passada a qualificação, o lócus da pesquisa foi delimitado em três universidades

públicas e três universidades privadas da região metropolitana do Rio de Janeiro, sendo

quatro delas no município do Rio de Janeiro e dois delas fora desta cidade. Caso este

recorte não fosse suficiente para responder aos objetivos da pesquisa, seriam incluídas

outras IES privadas, pela inexistência de outras IES públicas no estado. Antecipo que esta

inclusão não foi necessária em função de termos alcançado o ponto de saturação nas

entrevistas e grupos focais realizados. O “ponto de saturação” é percebido quando os novos

entrevistados começam a repetir os conteúdos já obtidos em entrevistas anteriores, sem

acrescentar novas informações relevantes (SILVA et al., 2006).

O critério de seleção das IES privadas se baseou nos seguintes termos: no

município do Rio de Janeiro foram incluídos o curso mais antigo e o curso mais novo na

época da seleção, que tivesse formado pelo menos uma turma; na região Metropolitana,

excluindo o município do Rio de Janeiro, foi incluída a IES com oferecimento do maior

número de vagas e que se localizasse em um município diferente da IES pública situada

fora do município do Rio de Janeiro. A identificação do número de vagas oferecidas foi

feito na página do MEC na internet. Quanto às IES públicas, foram selecionadas todas,

excluindo a UNIRIO, conforme mencionado anteriormente. No quadro abaixo podem ser

observadas informações básicas dos cursos participantes da pesquisa, obtidas na página da

internet do e-mec, do MEC e, também, junto aos diretores dos cursos (Quadro 2).

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Quadro 2 – Informações básicas das IES participantes da pesquisa

IES

Ano de

autorização

Organização

acadêmica

Categoria

administrativa

Número de

vagas/ano

Carga

horária

mínima

Modalidade

de ensino

Número de

semestres

1 1944 Universidade Pública 88 3195 hs Presencial 8 semestres

2 1948 Universidade Pública 90 3790 hs Presencial 8 semestres

3 1968 Universidade Pública 70 4645 hs Presencial

9

semestres*

4 1983 Universidade Privada 100* 3325 hs

Presencial e

distância 8 semestres

5 2003 Universidade Privada 80* 3900 hs

Presencial e

distância* 8 semestres

6 2005

Centro

Universitário Privada 80* 3723 hs Presencial 8 semestres

Fonte: http://emec.mec.gov.br/

* Diferente da informação do e-mec e informado pelo diretor.

Para o desenvolvimento do estudo foram utilizados métodos e técnicas da pesquisa

qualitativa, tanto para produção como para análise dos dados. A produção dos dados foi

gerada junto aos dois grupos de interesse da pesquisa: os professores e os estudantes. Cabe

esclarecer que, na perspectiva da pesquisa social, os dados não são coletados, mas

produzidos. Existe a compreensão de que os dados não existem de forma independente do

meio pelo qual são interpretados, seja um modelo teórico, um conjunto de pressupostos ou

os interesses que levaram aos dados serem produzidos, pois há uma produção de acordo

com cada realidade e relação estabelecida entre pesquisador e pesquisado (MAY, 2004).

O primeiro conjunto de dados foi obtido por meio de entrevistas semi-estruturadas

junto a docentes responsáveis pela disciplina Educação Nutricional e a docentes

responsáveis ou coordenadores da disciplina Estágio ou Internato nas três áreas clássicas

da Nutrição – Alimentação Coletiva, Nutrição Clínica e Saúde Pública. O objetivo das

entrevistas foi conhecer e analisar as diversas trajetórias e perfis profissionais, somado às

opiniões, experiências, dificuldades e expectativas destes professores em relação à

Educação Nutricional e à formação em nutrição de um modo geral. Os roteiros das

entrevistas foram elaborados com base na hipótese e objetivo da pesquisa, e em outros

estudos realizados na área, sendo organizado em três blocos (Apêndice D). Abaixo um

quadro sintético com a apresentação geral das questões abordadas (Quadro 3).

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Quadro 3 - Blocos, temas e questões abordadas no roteiro de entrevista com os

professores

Blocos Temas Questões

1. Informações

básicas do docente

Dados pessoais nome, data de nascimento

Formação profissional graduação, pós-graduação

Vínculo institucional

com IES

tempo na IES, disciplinas ministradas

Experiência

profissional

antes do ingresso na IES ou atual em

paralelo a IES

2. Trajetória de

vida

Origem local de nascimento, bairro onde viveu,

atividade dos pais, condição social da

família

Experiência escolar na

infância e adolescência

fatos, situações ou professores marcantes

Experiência

universitária

motivação para escolha da nutrição

fatos, situações ou professores marcantes

lembranças das aulas de EN

Docência

como se tornou professor(a)

opinião sobre o perfil dos professores de

EN ou de estágio

o que representa/significa ser professor

3. Opiniões e

experiências sobre

a formação em

nutrição, em

educação

nutricional e no

estágio/internato

Opiniões e percepções

papel da EN e do estágio na formação do

nutricionista

inter-relação da EN com outras disciplinas

do curso

Experiência docente organização, dinâmica, métodos e recursos

didáticos utilizados na disciplina

autores, referenciais ou linhas de

pensamento que dão inspiração teórica

para ministrar a disciplina

conteúdos, temas e abordagens essenciais

e que são desafiantes no contexto das

disciplinas

relacionamento com estudantes

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Perspectivas gerais desafios atuais da educação nutricional na

formação e na área de atuação

avaliação da formação do nutricionista no

contexto atual

As entrevistas foram iniciadas com perguntas mais objetivas sobre o docente, como

por exemplo, a formação acadêmica e as experiências de trabalho, pois eram questões que

não traziam muita dificuldade e não exigiam muita reflexão. Foi estratégico,

principalmente junto aos professores que eu não conhecia. Em seguida, passávamos para as

questões relativas à trajetória de vida. Incluímos estas questões no repertório da entrevista,

pois no processo de reflexão e construção do objeto de pesquisa sentimos a necessidade de

ampliar o olhar e conhecer melhor os professores entrevistados e não só suas experiências

e opiniões relativas às disciplinas que ministram.

No âmbito da pesquisa qualitativa, o uso de estratégias focadas em investigar a

trajetória ou história de vida é considerado um poderoso instrumento para a descoberta, a

exploração e a avaliação de como as pessoas compreendem seu passado, vinculam sua

experiência individual a seu contexto social, constroem sua identidade, interpretam-na e

dão-lhes significado, a partir do momento presente. Várias teorias a utilizam para

investigação de diferentes meios sociais, recortes teóricos e temas, na intenção de se buscar

uma unidade na diversidade (TEODORO; TORRES, 2006; MINAYO, 2008). Essas

estratégias exigem uma consciência reflexiva que abrange investigadores e interlocutores

na construção de um discurso inserido num contexto histórico-social mais amplo. A

aproximação com a trajetória de vida, quando incluída como parte de um escopo maior de

pesquisa, auxilia o pesquisador no processo de análise, pois possibilita uma relativização

do olhar sobre as respostas dos sujeitos da pesquisa, gerando maior contextualização e

análise crítica sobre o universo estudado.

Nesta direção, investimos em questões que pudessem trazer à tona a trajetória de

vida de cada professor desde a infância ao momento atual, tendo como fio condutor suas

experiências educativas. A intenção era facilitar que o professor pensasse “o hoje” levando

em conta sua história, considerando o processo e não só o resultado. Este segundo bloco

funcionou, também, como um aquecimento para as questões do terceiro bloco que exigiam

certa elaboração e uma reflexão mais aprofundada sobre suas práticas individuais e

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coletivas no processo de formação em nutrição e sobre suas percepções das relações

estabelecidas nesse processo.

O segundo conjunto de dados foi produzido por meio de entrevista coletiva com

estudantes que estivessem no último ano do curso (7° ou 8° período), que já tivessem

cursado a disciplina Educação Nutricional e estivessem inseridos em estágios. Utilizamos a

técnica de Grupo Focal para esta etapa (GATTI, 2005; MINAYO, 2008). As questões

norteadoras buscaram conhecer as opiniões dos estudantes sobre as experiências vividas

durante a formação em educação nutricional, sobre o papel do nutricionista como educador

e, também, a avaliação da formação em nutrição como um todo (Apêndice E).

A escolha pela utilização das técnicas de grupo focal e entrevista semi-estruturada

se deu pelo fato de que elas permitem obter informações em profundidade e investigar

diferentes percepções, valores, subjetividades e conhecimentos dos indivíduos em relação a

uma experiência, um tema específico ou um comportamento dentro de determinados

grupos por meio do diálogo (VICTORA; KNAUTH; HANSEN, 2000; MINAYO, 2008).

Nestas técnicas, ocorre a interação entre entrevistado e entrevistador ou moderador, relação

que é considerada elemento fundamental no processo de construção do conhecimento e que

possibilita ao informante o alcance da liberdade e espontaneidade (TRIVIÑOS, 2006). No

caso da pesquisa qualitativa, esta interação não é considerada um risco, e sim, uma

possibilidade de aprofundamento de uma relação subjetiva que pode revelar aspectos

afetivos e cotidianos, importantes para a pesquisa (MINAYO, 2008).

A aparente informalidade do debate nos grupos focais e no diálogo estabelecido na

entrevista se reveste de uma série de pressupostos, de cuidados teóricos e práticos que

podem facilitar ou também prejudicar o conhecimento da realidade investigada. Na opinião

de Minayo (2000, p.129), o grupo focal “consiste numa técnica de inegável importância

para se tratar das questões da saúde sob o ângulo do social”. A literatura recomenda um

mínimo de 3 grupos focais com 6 a 12 participantes (KRUEGER, 1994). Isto se justifica

pelo fato de que em grupos maiores, a participação, as oportunidades de troca de idéias e o

aprofundamento do tema podem ficar limitados (GATTI, 2005).

No caso das entrevistas semi-estruturadas, Minayo (2008) as considera um

instrumento privilegiado de coleta de informações, pois possibilita encontrar falas

reveladoras de condições estruturais, de sistemas de valores, normas e símbolos. Ao

mesmo tempo permite transmitir, por meio do indivíduo, representações de determinado

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grupo social contextualizadas no processo histórico, sócio-econômico e cultural. Ou seja,

as consciências individuais refletem e expressam a consciência coletiva. Além disso, a

entrevista permite um tipo de interação verbal privilegiada e densa enquanto relação social,

que exerce efeitos sobre os resultados obtidos (BOURDIEU, 1997).

Tanto nas entrevistas quanto nos grupos focais, foram considerados os pressupostos

da Entrevista Compreensiva para a condução dos diálogos e para análise das informações

produzidas (KAUFMANN, 2011). É importante destacar que, no processo de escrita,

houve a intenção e o cuidado de evitar uma apropriação depreciativa dos discursos e

experiências, buscando fazer uma análise responsável e comprometida com os parceiros da

pesquisa, ou seja, os entrevistados.

Vale mencionar ainda que, além das entrevistas e grupos focais, obtivemos junto a

direção dos cursos algumas informações básicas como o início de funcionamento do curso,

o tipo de organização acadêmica e administrativa, o número de vagas oferecidas, as

modalidades de ensino, a carga horária e, também, a estrutura curricular e as ementas das

disciplinas pesquisadas. Pretende-se, com a articulação das informações obtidas, ter um

quadro mais abrangente do objeto estudado.

Definidas as IES públicas e privadas a serem investigadas e as questões centrais a

serem abordadas nas entrevistas e grupos focais, procedemos a entrada em campo. O

primeiro passo foi o contato via correio eletrônico ou telefone com as direções dos cursos

para apresentação do projeto. Havendo interesse na participação foi feito contato presencial

para obtenção da assinatura no Termo de Compromisso Institucional. Todos os diretores

dos cursos se mostraram disponíveis à parceria, providenciaram o aceite de participação na

pesquisa nas instâncias superiores e facilitaram o contato com os professores e os

estudantes do último ano do curso.

Como o projeto previa o diálogo com o professor da disciplina Educação

Nutricional e os professores responsáveis pela disciplina Estágio das três grandes áreas da

Nutrição, em cada uma das 6 IES seriam entrevistados 4 docentes, perfazendo um total de

24 entrevistados. Porém, algumas IES apresentam número variado de professores por

disciplinas e, também, nas modalidades de estágio supervisionado e de internato. Portanto,

o convite para participação na pesquisa foi feito a todos os professores de Educação

Nutricional – objeto central desta pesquisa, e a um (01) professor responsável pelo estágio

em Alimentação Coletiva, em Nutrição Clínica e em Saúde Publica, tanto da modalidade

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estágio supervisionado quanto da modalidade internato. No que se refere ao quantitativo de

participantes dos grupos focais, prevíamos um diálogo com no mínimo 36 e no máximo 72

estudantes, tomando como base o número sugerido por Krueger (1994).

O convite aos professores e aos estudantes foi feito por correio eletrônico, com o

envio do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Apêndice F) contendo os

procedimentos da pesquisa, e por telefone, quando necessário. Os contatos foram

repassados pelas direções dos cursos. No caso dos estudantes, foram convidados todos os

estudantes dos dois últimos períodos do curso, com o informe de que participariam do

grupo focal os 12 primeiros alunos que respondessem afirmativamente e que se

adequassem aos critérios de inclusão mencionados acima.

Ao longo da pesquisa de campo me encontrei com 31 professores e 61 estudantes

dos 6 cursos de graduação em nutrição envolvidos na pesquisa. As entrevistas e grupos

focais ocorreram nas dependências das 6 IES participantes entre os meses de outubro de

2010 e outubro de 2011, gerando aproximadamente 70 horas de gravação, conforme

disposto nos Quadros 4 e 5. Vale destacar, que todos os professores convidados aceitaram

participar da pesquisa e que não houve desistências ou perdas.

Quadro 4 – Codificação dos professores, por IES, disciplina, tempo e data da

entrevista, 2010/2011.

IES Codificação

professor

Disciplina Tempo

entrevista

Data

1

1.EN1 Educação Nutricional 1h16m 16/05/11

1.EN2 Educação Nutricional 2h05m 16/05/11

1.EN3 Educação Nutricional 2h50m 25/05/11

1.EAC Estágio em Alimentação Coletiva 2h05m 23/05/11

1.IAC Internato em Alimentação

Coletiva

2h13m 19/05/11

1.ENC Estágio em Nutrição Clínica 1h50m 09/06/11

1.INC Internato em Nutrição Clínica 1h25m 21/06/11

1.ESC Estágio em Saúde Coletiva 2h10m 16/06/11

1.ESC Internato em Saúde Coletiva 2h47m 01/06/11

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2

2.EN Educação Nutricional 1h36m 26/05/11

2.EAC Estágio em Alimentação Coletiva 3h30m 07/06/11

2.ENC Estágio em Nutrição Clínica 1h08m 31/05/11

2.ESC Estágio em Saúde Coletiva 2h45m 26/05/11

2. ISP Internato em Saúde Coletiva 1h55m 09/06/11

3

3.EN1 Educação Nutricional 1h50m 19/10/10

3.EN2 Educação Nutricional 2h00m 19/10/10

3.EN3 Educação Nutricional 1h40m 25/10/10

3.EAC Estágio em Alimentação Coletiva 2h08m 25/10/10

3.ENC Estágio em Nutrição Clínica 1h12m 22/10/10

3.ESC Estágio em Saúde Coletiva 1h10m 28/10/10

4

4.EN* Educação Nutricional 1h45m 30/06/11

Estágio em Saúde Coletiva 30/06/11

4.EAC Estágio em Alimentação Coletiva 1h46m 16/06/11

4.ENC Estágio em Nutrição Clínica 1h25m 15/06/11

5

5.EN Educação Nutricional 2h00m 22/09/11

5.EAC Estágio Alimentação Coletiva 1h16m 27/09/11

5.ENC Estágio em Nutrição Clínica 1h16m 26/09/11

5.ESP Estágio em Saúde Coletiva 2h52m 22/09/11

6

6.EN Educação Nutricional 3h00m 11/10/11

6.EAC Estágio em Alimentação Coletiva 2h52m 15/09/11

6.ENC Estágio em Nutrição Clínica 1h02m 16/09/11

6.ESP Estágio em Saúde Coletiva 1h30m 29/09/11

Total 31 professores 60h07m

* Nesta IES a professora de Educação Nutricional também é a responsável pelo Estágio Supervisionado em

Saúde Pública.

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65

Quadro 5 – Número e codificação dos estudantes, por IES, por tempo e data do grupo

focal, 2010/2011.

IES Número de

Estudantes

Codificação estudantes Tempo

GF

Data

1 12 1.est1, 1.est2, 1.est3, 1.est4, 1.est5, 1.est6,

1.est7, 1.est8, 1.est9, 1.est10, 1.est11, 1.est12

1h35m 17/06/11

2 9 2.est1, 2.est2, 2.est3, 2.est4, 2.est5, 2.est6,

2.est7, 2.est8, 2.est9

2h30m 01/07/11

3 9 3.est1, 3.est2, 3.est3, 3.est4, 3.est5, 3.est6,

3.est7, 3.est8, 3.est9

1h22m 27/10/10

4 11 4.est1, 4.est2, 4.est3, 4.est4, 4.est5, 4.est6,

4.est7, 4.est8, 1.est9, 1.est10, 1.est11

1h33m 15/06/11

5 10 5.est1, 5.est2, 5.est3, 5.est4, 5.est5, 5.est6,

5.est7, 5.est8, 5.est9, 5.est10

1h25m 17/10/11

6 10 6.est1, 6.est2, 6.est3, 6.est4, 6.est5, 6.est6,

6.est7, 6.est8, 6.est9, 6.est10

1h05m 25/10/11

Total 61 9h30m

Para facilitar a compreensão dos leitores foi feita a padronização da nomenclatura

dos estágios, que variam entre as IES. Por exemplo, em uma IES encontramos a disciplina

“Estágio em Nutrição Social”, em outra “Estágio Supervisionado de Nutrição em Saúde

Coletiva”, em outra “Estágio em Saúde Pública”, todos se referem à mesma área de

atuação, descrita na resolução nº 380 do CFN como Saúde Coletiva (CFN, 2005).

Padronizamos este caso sob a nomenclatura de Estágio em Saúde Coletiva. Retiramos o

termo „Nutrição‟ por entender que este é o contexto da pesquisa e para reduzir a

quantidade de letras na codificação. O mesmo aconteceu com o que decidimos padronizar

como Estágio em Alimentação Coletiva, que também é nominado de diferentes formas

como, por exemplo, “Estágio em Alimentação Institucional”, “Estágio Supervisionado em

Nutrição Institucional”, “Estágio em Unidades de Alimentação e Nutrição”. Isto não

ocorreu em relação aos nomes da disciplina estágio na área de nutrição clínica, que se

referem ao Estágio em Nutrição Clínica, conforme mantemos na nossa codificação.

Também sob o argumento de reduzir a quantidade de letras na codificação e facilitar a

leitura não incluímos a palavra supervisionado no nome das disciplinas.

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66

Foi criada uma codificação específica para cada participante da pesquisa. Elas estão

localizadas ao final dos fragmentos de falas, que estão expostas ao longo do texto, a fim de

manter o anonimato dos professores e dos estudantes e, também, para facilitar a

identificação do vínculo do entrevistado com determinada IES e do professor com a

disciplina ministrada. A codificação sempre é iniciada pelo número da IES, prosseguida

pela identificação do entrevistado. Exemplo: 1.EN2 (um dos três professores de educação

nutricional da IES 1), 2.EAC (professor responsável pelo Estágio em Alimentação Coletiva

da IES 2), 3.Est6 (estudante 6 da IES 3).

Todas as entrevistas com os professores foram realizadas por mim e seguiram as

seguintes etapas: 1. Apresentação do projeto de pesquisa; 2. Leitura do Termo de

Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE); 3. Aceite e assinatura do TCLE; 4. Realização

da entrevista com base no roteiro de questões; 5. Agradecimento de participação. Elas

tiveram duração mínima de 01 hora e 02 minutos e duração máxima de 03 horas e 30

minutos, conforme descrito no Quadro 4.

A justificativa para algumas entrevistas longas se deve ao fato de termos optado por

realizar a entrevista em profundidade, na intenção de evitar um material frágil e possíveis

perdas de informações relevantes geradas por interrupções precipitadas do entrevistador

para passar a outra pergunta. Deve-se utilizar o tempo que for necessário, permitindo que o

entrevistado fale livremente, sempre mediado pelas questões de interesse do investigador

(KAUFMANN, 2011). As falas são as principais unidades de referência para análise. A

experiência de Bourdieu (1997, p.700) nos diz que as entrevistas “representam um

momento privilegiado em uma longa série de trocas” e não devem ser realizadas de forma

arbitrária ou às pressas.

Em muitos momentos os entrevistados entravam em um fluxo de pensamento e

discurso, respondendo a perguntas que não tinham sido feitas, com relatos construídos por

uma lógica própria, mas com uma fala fluída e às vezes longa. Isso refletia uma

necessidade de falar, de usar a entrevista como oportunidade de organizar seus

pensamentos, de afirmá-los para si e para o pesquisador, como um espaço de reflexividade.

Esses momentos exigiam uma escuta ativa e uma disponibilidade total para o sujeito em

diálogo, reduzindo com isso a possível “violência simbólica”, alertada por Bourdieu (1997)

em processos de pesquisa pouco cuidadosos.

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67

Os grupos focais também foram mediados por mim e apoiados por uma monitora,

previamente capacitada. Como mediadora tive a função de iniciar as atividades, apresentar

as questões para o debate, incentivar e garantir a palavra de todos os participantes e

aprofundar algumas questões relevantes para a compreensão do tema. A monitora teve

como função registrar o ordenamento das falas dos participantes e a linguagem não verbal

expressa nos diálogos e outros apoios que se fizeram necessários. A realização do grupo

focal considerou as seguintes etapas: 1. Apresentação do projeto de pesquisa; 2. Leitura do

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE); 3. Aceite e assinatura do TCLE; 4.

Realização do grupo focal com base no roteiro de questões norteadoras; 5. Agradecimento

de participação; 6. Sorteio de livro da área de educação ou de nutrição; 7. Oferecimento de

lanche. As duas últimas etapas foram realizadas como forma de agradecimento pela

participação, incentivo à leitura e garantia da alimentação, já que muitos grupos focais

eram feitos ao final do turno da manhã ou da tarde.

Busquei realizar as entrevistas com os professores em salas onde existisse somente

a presença de entrevistador e entrevistado, para evitar qualquer constrangimento ou

inibição por parte dos entrevistados e para que se sentissem a vontade e seguros de

partilhar suas opiniões. No caso dos grupos focais, não houve a presença de professores na

sala reservada ao diálogo com os estudantes. Após o término das entrevistas e grupos

focais eu gravava ou anotava as primeiras impressões dos encontros. Realizar estes

apontamentos foi um exercício precioso, porque exigia uma reflexão sobre mim como

entrevistadora, atenta às narrativas e abertas aos insights de análise, e sobre as pessoas

entrevistadas na busca de relatos enfáticos, contradições, lacunas e emoções.

Todos os diálogos foram gravados em dois gravadores digitais, transcritos por

terceiros e revisados por mim. Esse processo consumiu um tempo considerável da

pesquisa. Finalizada esta etapa, foi dado início ao processo de análise, que teve como base

os arquivos sonoros e textos impressos resultantes das entrevistas. A organização dos

dados incluiu a transcrição, revisão e impressão das entrevistas, a organização de anotações

e outras informações que foram colhidas durante a pesquisa de campo.

Conforme mencionado acima, a análise dos relatos produzidos teve como base os

pressupostos da Entrevista Compreensiva. A pré-análise correspondeu à realização de

algumas atividades como: a dupla leitura flutuante do material, a sonora e a escrita, de

forma livre e exaustiva; a formulação de hipóteses emergentes e indicadores de análise

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68

com base nos temas recorrentes e relevantes, a fim de orientar os destaques do texto e

facilitar a categorização das unidades de sentido. O tratamento do material consistiu na

exploração dos dados brutos e na elaboração das fichas de interpretação, visando favorecer

a sistematização e a análise, na busca de uma representação significativa dos conteúdos das

falas, principais unidades de referência da pesquisa.

No processo de análise do material, a diversidade e a não uniformidade das

dimensões temáticas abordadas pelos entrevistados me exigiram um duplo olhar: um olhar

mais horizontal para as perguntas feitas no decorrer das entrevistas, a fim de conhecer as

opiniões de todos sobre determinado assunto, e um olhar mais transversal para os conceitos

emergentes e temáticas recorrentes abordados pelos entrevistados, de forma não linear, em

vários momentos do diálogo. A análise compreensiva dos dados foi realizada com base no

cotejamento das categorias relevantes com as hipóteses, os objetivos e os referenciais

teóricos eleitos para abordar o tema. Além disso, nesta proposta metodológica, há um

processo de construção do caminho de análise e organização da tese que se expressa nos

planos evolutivos que podem se desdobrar no sumário.

Não posso finalizar este relato sem falar de uma situação peculiar – a familiaridade

com o universo estudado e a proximidade com alguns professores entrevistados. Na

abordagem metodológica da Entrevista Compreensiva este fator não é preocupante, pelo

contrário, pode trazer vantagens significativas na obtenção das narrativas e na análise do

contexto estudado (KAUFMANN, 2011). No caso desta pesquisa, o fato de eu ser

professora de um curso de graduação em nutrição, de ter atuado em outras duas instituições

e de circular neste universo se traduz no conhecimento de vários docentes entrevistados,

sendo que com alguns cultivo uma relação de amizade.

Além disso, a vivência profissional nestas instituições e na minha própria formação

universitária me fez conhecer de perto as diferentes realidades vivenciadas no cotidiano de

trabalho dos professores e de formação dos estudantes. No caso dos estudantes, alguns

sabiam que eu era professora de um curso de nutrição, outros sabiam que eu era

nutricionista e fazia uma pesquisa de doutorado. Em muitos momentos no diálogo coletivo,

eu buscava mostrar que já havia passado por situações similares durante a minha

graduação, que estava interessada em suas opiniões e que compreendia os comentários

positivos e negativos feitos sobre suas expectativas e experiências universitárias.

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69

O conhecimento prévio do universo estudado somado à atenção e à abertura ao

outro podem potencializar a elaboração de perguntas intuitivas e hipóteses provisórias

durante a entrevista, levando os entrevistados a se revelarem além do que seria alcançado

com o repertório básico de questões (BOURDIEU, 1997). Esses saberes prévios também

permitem uma interpretação compreensiva mais realista dos relatos escutados. Com essa

lógica, Bourdieu (1997) considera positiva a realização de entrevista com pessoas

conhecidas ou que tenham sido apresentados por alguém conhecido. Essa proximidade e

familiaridade proporcionam uma maior troca entre pesquisador e pesquisado e asseguram

um acordo sobre os pressupostos dos conteúdos e as formas de comunicação. Os feedbacks

verbais e não verbais, quando colocados oportunamente durante a entrevista, reforçam a

participação intelectual e afetiva do pesquisador.

Devido a esta situação e às relações sociais estabelecidas durante as entrevistas, foi

bastante freqüente o sentimento recíproco de agradecimento ao final dos diálogos – do

pesquisador por ter tido a oportunidade de ouvir histórias até então desconhecidas e, de

certa forma, pessoais; e do entrevistado por poder partilhar sua história, conquistas e

expectativas.

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70

3 CONHECENDO OS SUJEITOS DO DIÁLOGO

Os quadros apresentados a seguir (Quadro 6 a 11), permitem uma visão sinótica de

informações básicas dos professores, levantadas por meio do preenchimento do bloco A do

roteiro de questões (Apêndice D). Tais informações nos revelam um pouco das

características pessoais, das escolhas no processo de formação acadêmico-científica, das

vivências profissionais e das condições de trabalho de cada um dos professores,

favorecendo a compreensão do contexto de trabalho vivido pelos docentes e, conseguinte,

de formação dos estudantes de nutrição. O quadro seguinte traz informações (Quadro 12)

sobre os estudantes participantes dos grupos focais.

Cabe informar, que dos 31 professores entrevistados, apenas três eram do sexo

masculino, todos vinculados à IES privadas, representando 10% do total desta amostra.

Esta diferença representativa segue a tendência geral do perfil dos profissionais de

nutrição, que em sua maioria é composta por mulheres (96,5%), uma característica

marcante da categoria profissional dos nutricionistas (CFN, 2006).

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71

Quadro 6 - Informações dos docentes entrevistados, IES 1, 2011.

Professor Idade

Categoria

funcional e

regime de

trabalho

Tempo na

IES em

anos

Tempo

geral de

docência

em anos

Tempo de

docência na

disciplina

em anos

Ano de

conclusão da

graduação

Pós-grad. Lato

Sensu / Ano de

conclusão

Pós-grad. Strictu

Sensu / Ano de

conclusão

Disciplinas que ministra

atualmente (graduação em

nutrição)

Outras disciplinas que já

ministrou (graduação em

nutrição)

Instituições/áreas de

atuação anterior

1.EN1 37 Substituto 11h 3,5 3,5 3,5 1999 -

Mestre em

Nutrição/2011;

Doutor em

Nutrição/em

andamento

Educação Nutricional;

Exercício Profissional - Restaurante comercial

1.EN2 39 Assistente 20h 8 9,5 8 1991

Residência em

Saúde

Pública/1994

Mestre em

Educação/1998

Educação Nutricional; Estágio

de Nutrição em Saúde Pública -

FIOCRUZ; UFF;

Secretaria Municipal de

Saúde e Defesa Civil/RJ

1.EN3 47 Assistente 40h 13 13 13 1986 -

Mestre em

Educação/1998;

Doutor em

Nutrição/em

andamento

Educação Nutricional; Estágio

de Nutrição em Saúde Pública -

Unidade de Alimentação e

Nutrição em empresa

privada; Secretaria

Municipal de

Desenvolvimento

1.IAC 39 Assistente 40h 11 16 11 1994 -

Mestre em Medicina

Veterinária/2001;

Doutor em

Nutrição/em

andamento

Internato de Alimentação

Coletiva; Administação de

Serviço de Alimentação

(colaboradora)

Administação de Serviço de

Alimentação; Fundamentos de

Qualidade em Serviços; Estágio

em Alimentação Coletiva

Escola privada; Hospital

Federal de Bonsucesso;

UFF; Empresa de

Alimentação Coletiva;

UNIGRANRIO; UNIPLI

1.EAC 52 Assistente 40h 21 23 17 1983

Administração em

Serviços de

Alimentação/

1985

Mestre em

Educação/1999;

Doutor em Serviço

Social/em

andamento

Estágio de Alimentação

Coletiva; Administração de

Serviços de Alimentação;

Alimentação Institucional

Exercício Profissional; Educação

Nutricional; Saúde Pública;

Marketing em Nutrição; Internato

de Nutrição em Alimentaççao

Coletica; Estágio em Nutrição em

Saúde Pública

Unidades de Alimentação

em Nutrição em empresas

privadas; UGF; UCL;

UVA

1.ENC 50 Adjunto 40h 26 26 26 1982

Administração em

Serviços de

Alimentação/

1984

Mestre em

Educação/1993;

Doutor em Saúde

Coletiva/2003

Estágio em Nutrição Clínica;

Patologia I; Dietoterapia I

Patologia da Nutrição II;

Dietoterapia II

Hospital SEMIC;

Secretaria de Estado de

Educação/RJ; Hospital

Universitário

1.INC 35 Adjunto 20h 7 9 1,5 1998 -

Mestre em

Bioquímica/2000 e

Doutor em Ciências

dos Alimentos/2004

Internato em Nutrição Clínica;

Estágio em Nutrição Clínica

Bioquímica; Nutrição Humana;

Nutrição Experimental; Patologia

da Nutrição; Dietoterapia UNIPLI; UGF; INCA

1.ESP 56 Assistente 40h 10 29 6 1978

Administração em

Serviços de

Alimentação/

1985

Mestre em

Nutrição/1991

Nutrição Materno-infantil;

Estágio em Saúde Coletiva -

Secretaria Municipal de

Saúde/RJ; IASERJ;

UNIRIO; UNESA

1.ISP 43 Adjunto 40h 15 15 5 1989

Residência em

Saúde

Pública/1991

Mestre e doutor em

Saúde Pública/1994

e 1999

Internato em Nutrição em

Saúde Pública

Avaliação Nutricional; Nutrição

em Saúde Pública

UGF; Secretaria Municipal

de Saúde e Defesa

Civil/RJ

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72

Quadro 7 - Informações dos docentes entrevistados, IES 2, 2011.

Professor Idade

Categoria

funcional e

regime de

trabalho

Tempo na

IES em

anos

Tempo

geral de

docência

em anos

Tempo de

docência na

disciplina

em anos

Ano de

conclusão da

graduação

Pós-grad. Lato

Sensu / Ano de

conclusão

Pós-grad. Strictu

Sensu / Ano de

conclusão

Disciplinas que

ministra atualmente

(graduação em

nutrição)

Outras disciplinas que já

ministrou (graduação em

nutrição)

Instituições/áreas de

atuação anteriores

2.EN 47 Adjunto DE 0,5 11 5 1999 -

Mestre em Saúde

coletiva/2003;

Doutor em

Medicina

Social/2009 Educação Nutricional

Estágio Superv. em

Nutrição em Saúde

Coletiva; Antropologia da

Alimentação; Exercício

Profissional

Cooperativa; UNIRIO;

Empresa de alimentação;

Consultório em Clínica

Especializada; FAMATH;

UNESA; UERJ

2.EAC 45 Assistente DE 17 22 18 1988

Aperfeiçoamento

Bioquímica

Nutricional e

Alimentos; 1993

Mestre em

Nutrição

Humana/2004

Estágio Superv. em

Alimentação Coletiva;

Administração em

Serviços de Alimentação

II;

Administração em Serviços

de Alimentação I;

Saneamento (colabora);

Introdução a Tecnologia de

Alimentos; Processamento

de alimentos de origem

anima

Empresa de Alimentação

Coletiva; Unidade de

Alimentação e

Nutrição/IASERJ;

UNIVERSO; Gestão e

consultoria em Restaurante

Comercial

2.ENC 45 Adjunto DE 8 12 12 1987 -

Mestre em

Nutrição

Humana/1999;

Doutor em Clínica

Médica/2006

Estágio Superv. em

Nutrição Clínica;

Dietoterapia I e

Dietoterapia II (colabora)

Dietoterapia I; Dietoterapia

II

Empresas de Alimentação

Coletiva (Unidade de

Alimentação e Nutrição e

Marketing); Hospital

Federal de Bonsucesso

2.ESP 52 Adjunto DE 23 15 15 1982 -

Mestre em

Nutrição/1994;

Doutor em Saúde

da Criança e da

Mulher/2007

Nutrição em Saúde

Pública; Estágio Superv.

em Nutrição em Saúde

Pública

Saneamento; Administração

em Saúde Pública

Empresas de Alimentação

Coletiva; Restaurante

Universitário; Unidade de

Saúde-Escola/ Faculdade

de Medicina/UFRJ; UGF

2.ISP 52 Assistente DE 24 28 24 1981

Residência em

Saúde

Pública/1982

Internato em Saúde

Pública; Saneamento e

Saúde; Administração de

Saúde Pública

Nutrição em Saúde Pública;

Epidemiologia; Educação

Nutricional; Avaliação

Nutricional UFPR; UFSC

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73

Quadro 8 - Informações dos docentes entrevistados, IES 3, 2010.

Professor Idade

Categoria

funcional e

regime de

trabalho

Tempo na

IES em

anos

Tempo

geral de

docência

em anos

Tempo de

docência na

disciplina em

anos

Ano de

conclusão da

graduação

Pós-grad. Lato

Sensu / Ano de

conclusão

Pós-grad. Strictu

Sensu / Ano de

conclusão

Disciplinas que ministra

atualmente (graduação em

nutrição)

Outras disciplinas que já

ministrou (graduação em

nutrição)

Instituições/áreas de

atuação anterior

3.EN1 51 Adjunto DE 26 27 27 1981

Saúde

Pública/1984

Mestre em

Educação/1995;

Doutor em Saúde

Pública/2005

Educação Nutricional

(colabora); Estudos da

Obesidade (colabora)

Desenvolvimento da

comunidade; Estágio em

Saúde Pública

UFPR; UGF; Ministério

da Agricultura

3.EN2 42 Adjunto DE 2 4 1 1991

Nutrição

Clínica/1998

Mestre em

Nutrição/2000;

Doutor em Saúde

Pública/2005

Avaliação Nutricional; Prática

Integrada em Nutrição

Clínica

Educação Nutricional;

Nutrição Materno-infantil;

Internato em Nutrição

Clínica

Hospital Privado;

Hospital das Clínicas/PR;

UNIPLI; UERJ

3.EN3 50 Adjunto 20h 23 24 24 1982

Saúde

Pública/1986

Mestre em Saúde

da Criança e da

Mulher/1999

Educação Nutricional

(colabora); Prática Integrada

em Creche; Estudos da

Obesidade (colabora)

Estudos dos Problemas

Brasileiros I e II; Estágio

em Saúde Pública

UGF; Secretaria de

Estado de Saúde/RJ;

Secretaria Municipal de

Saúde e Defesa Civil/RJ

3.EAC 53 Adjunto DE 25 29 29 1979 -

Mestre em

Administração de

Sistemas de

Informação/1995

Estágio em Alimentação

Coletiva; Gestão em

Alimentação para

Coletividade; Prática

Integrada em Laboratório

Dietético

Administração de Serviços

de Alimentação;

Alimentação Institucional;

Deontologia; Introdução à

Administração

USU; Unidade de

Alimentação e Nutrição

em empresa privada;

Consultoria para

restaurantes comerciais

3.ENC 53 Adjunto DE 18 18 18 1983

Residência em

Nutrição

Clínica/1984

Mestre em

Tecnologia

Educacional para a

Saúde/2002

Estágio de Nutrição Clínica;

Dietoterapia I e II -

Unidade de Alimentação

e Nutrição em empresa

privada; Hospital e

Clínica privadas

3.ESC 34 Adjunto DE 4 7 4 1999 -

Mestre e Doutor

em Engenharia

Biomédica/2002 e

2006

Estágio Sup. em Saúde

Pública; Seminário de

Trabalho de Conclusão de

Curso

Avaliação Nutricional;

Introdução à Pesquisa em

Nutrição UNESA; FASE

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74

Quadro 9 - Informações dos docentes entrevistados, IES 4, 2011.

Professor Idade

Categoria

funcional e

regime de

trabalho

Tempo na

IES em

anos

Tempo

geral de

docência

em anos

Tempo de

docência na

disciplina

em anos

Ano de

conclusão da

graduação

Pós-grad. Lato

Sensu / Ano de

conclusão

Pós-grad. Strictu

Sensu / Ano de

conclusão

Disciplinas que ministra

atualmente (graduação

em nutrição)

Outras disciplinas que

já ministrou

(graduação em

nutrição)

Instituições/áreas de

atuação anterior

4.EN 37 Adjunto 40h 0,5 12 0,5 1996 -

Mestre e Doutor

em

Epidemiologia/2001

e 2005

Educação Nutricional;

Estágio Superv. em Saúde

Pública; Nutrição em

Saúde Coletiva; Exercício

Profissional

Metodologia Científica;

Internato em Saúde

Pública; Nutrição em

Geriatria; Introdução à

Alimentação, Nutrição e

Meio Ambiente

Empresa de

Alimentação Coletiva;

ENSP/FIOCRUZ;

UERJ; UNESA

4.EAC 31 Assistente 4oh 1 5 1 2003

MBA Gestão de

Qualidade e

Segurança dos

Alimentos/2005

Mestre em

Bioquímica

Nutricional dos

Alimentos/2009

Estágio Superv. Em

Alimentação Coletiva;

Técnica Dietética

Administração em

Serviços de Alimentação;

Microbilogia dos

Alimentos; Tecnologia

dos Alimentos; Controle

de Qualidade

Controle de Qualidade

em Hotelaria; Gestão e

consultoria em

Restaurantes

Comerciais; Educação

Continuada em

Hospital privado;

Curso preparatório

para concurso (atual)

4.ENC 31 Adjunto 20h 4 7 1,5 2002 -

Mestre em

Biologia/2005;

Doutor em

Ciências/2008

Estágio Superv. em

Nutrição Clínica;

Orientação do Trabalho

de Conclusão de Curso

Nutrição Clínica;

Nutrição e Dietética;

Dietoterapia; Patologia

Clínica privada;

UNESA; Faculdade

Redentor; Secretaria

Municial de

Educação/Niterói

(atual); Polícia Militar

(atual)

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75

Quadro 10 - Informações dos docentes entrevistados, IES 5, 2011.

Professor Idade

Categoria

funcional e

regime de

trabalho

Tempo na

IES em

anos

Tempo

geral de

docência

em anos

Tempo de

docência na

disciplina

em anos

Ano de

conclusão da

graduação

Pós-grad. Lato

Sensu / Ano de

conclusão

Pós-grad. Strictu

Sensu / Ano de

conclusão

Disciplinas que ministra

atualmente (graduação

em nutrição)

Outras disciplinas que

já ministrou

(graduação em

nutrição)

Instituições/áreas de

atuação anterior

5.EN 32 Adjunto 20h 4,5 7 4,5 2003 -

Mestre em Ciência

e Tecnologia dos

Alimentos/2005;

Doutor em Higiene

e Tecnologia dos

Alimentos/2011

Educação Nutricional;

Ética Profissional;

Educação Saúde e Meio

Ambiente; Estágio em

Ciências dos Alimentos;

Trabalho de Conclusão de

Curso

Composição dos

Alimentos; Bromatologia;

Introdução a Nutrição;

Nutrição Experimental;

Tecnologia de Alimentos;

Nutrição e Dietética

UBM; UFF; UNISUAN;

UVA (atual)

5.EAC 31 Assistente 40h 4 4 0,5 2003 -

Mestre em Nutrição

Humana/2006

Estágio Superv. em

Alimentação Coletiva;

Técnica Dietética I e II;

Administração de Serviço

de Alimentação I;

Tecnologia dos Alimentos,

Trabalho de Conclusão de

Curso -

Hospital privado (Clínica e

Unidade de Alimentação e

Nutrição)

5.ENC 35 Assistente 33h 3 7/8 3,5 2000

Nutrição

Clínica/2003 e

2007

Mestre em Nutrição

Esportiva/Em

andamento

Estágio Superv. em

Nutrição Clínica;

Parasitologia; Fisiologia;

Clínica I, II e III; Trabalho

de Conclusão de Curso -

IPV - pós-graduação;

Hospitais privados (atual);

Itaperuna - pós-graduação

(atual)

5.ESP 48 Adjunto 30h 22 22 4 1984

Metodologia do

Ensino Superior/

1990; Gestão em

Saúde Materno

Infantil/ 2002

Mestre em Nutrição

Humana/ 1998

Estágio Superv. em Saúde

Pública

Gestão em Saúde;

Gerontologia; Fisiologia

Unidade de Alimentação e

Nutrição/Hospital da

Posse; Clínica Privada;

Secretaria de Estado de

Saúde/RJ (atual)

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76

Quadro 11 - Informações dos docentes entrevistados, IES 6, 2011.

Professor Idade

Categoria

funcional e

regime de

trabalho

Tempo na

IES em

anos

Tempo

geral de

docência

em anos

Tempo de

docência na

disciplina

em anos

Ano de

conclusão da

graduação

Pós-grad.

Lato Sensu /

Ano de

conclusão

Pós-grad. Strictu

Sensu / Ano de

conclusão

Disciplinas que ministra

atualmente (graduação

em nutrição)

Outras disciplinas que

já ministrou

(graduação em

nutrição)

Instituições/áreas de

atuação anterior

6. EN 51 Assistente 10h 5 27 4 1982

Nutrição/198

5

Mestre e Doutor

em Saúde Coletiva/

2001 e 2005

Educação Nutricional;

Nutrição, Saúde e

Estética; Alimentação,

Saúde e Cultura

Nutrição Clínica;

Epidemiologia Nutricional

Hospital privado (Clínica e

Unidade de Alimentação e

Nutrição); Pós-graduação

Carlos Chagas; UERJ

(atual)

6.EAC 42 Auxiliar horista 1 15 2,5 1998

Controle de

Qualidade/20

02 -

Estágio Superv. em

Alimentação Coletiva;

Técnica Dietética

Alimentação, Sociedade

e Cultura; Tecnologia de

Alimentos

UNESA; HUPE/UERJ;

Instituição Asilar (Unidade

de Alimentação e

Nutrição); Home Care

(Unidade de Alimentação

em Nutrição, Clínica);

UVA; Consultório

privado; INU/UERJ

(atual)

6. ENC 30 Auxiliar horista 3 4 2 2006 -

Mestre e Doutor

em Biologia

Humana

Experimental/2008

e 2011

Estágio Superv. em

Nutrição ClínicaI;

Nutrição Clínica I e II;

Avaliação Nutricional;

Internato em Nutrição

Clínica

Consultório privado;

Atendimento Nutricional

Domiciliar; UERJ (atual)

6.ESP 33 Auxiliar 8h 1,5 2 0,5 2002

Materno

Infantil/

Residência em

Saúde

Coletiva /

Gestão em

Sistemas e

Serviços de

Saúde; 2003,

2006 e 2010

Mestre em Saúde

Pública/2008

Estágio em Superv. em

Saúde pública; Ética e

Orientação Profissional;

Trabalho de Conclusão de

Curso

Nutrição e Saúde

Pública; Saúde Coletiva I

e II

IFF/FIOCRUZ; Secreria

de Saúde do Estado/RJ;

Secretaria Municipal de

Saúde/Mesquita; UERJ;

Projeto Teias/FIOCRUZ

(atual)

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Quanto aos estudantes, não levantamos informações pessoais, como fizemos com

os professores, por entender que nosso objetivo nessa pesquisa é analisar o processo de

formação do qual fazem parte e os possíveis impactos que tal processo pode ter em suas

escolhas e atuação profissional. A única pergunta que fizemos individualmente para cada

estudante da entrevista coletiva foi a primeira questão do roteiro de entrevista: Após a

formação você gostaria de atuar em que área? Fazendo o que? As questões posteriores

foram dirigidas ao grupo.

A primeira pergunta foi delineada com duas intenções. Uma intenção

metodológica: partir de uma reflexão sobre si, que o situasse como indivíduo dentro

daquele grupo, para em seguida refletir sobre o processo de formação vivido

coletivamente, apesar das particularidades experienciadas por cada aluno. Outra intenção

compreensiva para conhecer as escolhas e dilemas dos alunos no final do curso. O quadro

12 apresenta as áreas de interesse profissional dos estudantes entrevistados.

Quadro 12 – Área de interesse profissional dos estudantes, por IES, áreas de atuação

e ordem de prioridade, 2010/2011.

IES Estudante 1ªopção 2ªopção 3ªopção**

1 1.Est1 NC - -

1.Est2 AC - -

1.Est3 NC - -

1.Est4 NC SC -

1.Est5 NC SC

1.Est6 - - -

1.Est7 SC NC

1.Est8 SC

1.Est9 SC

1.Est10 SC

1.Est11 SC

1.Est12 SC

2 2.Est1 - - -

2.Est2 - - -

2.Est3 NC AC docência

2.Est4 NC SC -

2.Est5 NC AC -

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2.Est6 - - -

2.Est7 esporte NC docência

2.Est8 NC

2.Est9 docência

3 3.Est1 NC SC -

3.Est2 NC SC -

3.Est3 SC NC -

3.Est4 AC SC -

3.Est5 NC - -

3.Est6 SC NC docência

3.Est7 AC SC -

3.Est8 AC NC SC

3.Est9 NC SC

4 4.Est1 Marketing SC AC

4.Est2 AC SC NC

4.Est3 NC

4.Est4 AC SC

4.Est5 AC SC

4.Est6 NC

4.Est7 NC

4.Est8 NC

4.Est9 SC

4.Est10 SC NC

4.Est11 NC

5 5.Est1 NC AC

5.Est2 AC

5.Est3 SC

5.Est4 SC

5.Est5 AC

5.Est6 NC

5.Est7 NC SC

5.Est8 NC SC AC

5.Est9 SC NC Agroecologia

5.Est10 AC

6 6.Est1 AC

6.Est2 AC SC

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6.Est3 SC AC

6.Est4 NC

6.Est5 NC

6.Est6 SC

6.Est7 SC

6.Est8 NC AC

6.Est9 SC NC

6.Est10 AC

Consolidado 1ªopção 2ªopção 3ªopção

AC (alimentação coletiva) 13 (21,3%) 5 2

NC (nutrição clínica) 24 (39,3%) 8 1

SC (saúde coletiva) 17 (27,9%) 15 1

Docência 1 (1,6%) 3

Marketing 1 (1,6%)

Esporte 1 (1,6%)

Sem opção 4 (6,6%)

* AC: alimentação coletiva; NC: nutrição clínica; SC: saúde coletiva

** Refere-se à 1ª e a 3ª opção de área de atuação ou relacionada as 1ª ou 2ª opções.

Um estudo feito com 809 estudantes de nutrição, de doze cursos da cidade do Rio

de Janeiro, evidenciou que 18,7% tinham menos de 19 anos, 35,9% entre 20 e 22 anos,

18,3% entre 23 e 25 anos, 10,0% entre 26 e 28 anos e 17,2% com 29 anos ou mais; com

média de 24 anos (FONSECA, 2009). Ainda no estudo, a grande maioria (92%) era do

sexo feminino, ficando muito próximo do perfil de gênero dos profissionais de nutrição em

nível nacional (CFN, 2006; FONSECA et al., 2009).

Nesta pesquisa, dos 61 estudantes que participaram dos grupos focais, apenas 4

(6,5%) são do sexo masculino, reiterando a baixa participação de estudantes do sexo

masculino nos cursos. Quanto à área de interesse profissional, a Nutrição Clínica foi

apontada como primeira opção por 39,3% dos estudantes, seguida das áreas de Saúde

Coletiva e Alimentação Coletiva, com 27,9% e 21,3% respectivamente. No estudo

realizado por Fonseca et al (2009), que utilizou a Escala de Likert para avaliar o grau de

interesse dos estudantes pelas áreas de atuação, o resultado seguiu a mesma tendência,

porém com proporções diferentes pelo uso de metodologias diferenciadas. No estudo

citado, a Nutrição Clínica foi apontada como a área de maior grau de interesse, por 79,7%

dos entrevistados. As áreas de Saúde Coletiva e da Indústria de Alimentos também

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mobilizam o interesse dos estudantes (58,1% e 57,8). Eles expressaram baixo ou muito

baixo interesse em relação ao trabalho nas áreas de docência e de marketing (38,7% e

34,9%) (FONSECA et al., 2009).

A respeito do interesse profissional na área clínica, Bosi (1996) observou que

grande parte dos alunos que buscavam o curso de Nutrição o faziam a partir da desistência

de outros cursos considerados “nobres”, como Medicina e Odontologia. Observando os

resultados referentes a área de Nutrição em Saúde Coletiva, percebe-se que existe certo

interesse dos estudantes por essa área de atuação, tendo sido considerado de baixo interesse

por apenas 16% dos entrevistados. Alguns estudos realizados nas décadas de 1980 e 1990

evidenciaram um afastamento do nutricionista da área de Saúde Coletiva (BOOG;

RODRIGUES; SILVA, 1988; PRADO; ABREU, 1991; BOSI, 1996). Este perfil parece

estar se alterando em função das mudanças ocorridas no mundo do trabalho no final do

século XX, com os avanços nas políticas públicas de saúde e de alimentação e nutrição,

com a abertura de concursos públicos para a categoria de nutricionistas a partir dos anos

2000, tornando o setor público uma opção atrativa em função da estabilidade profissional.

Ao investigar a inserção profissional do nutricionista no Brasil, o Conselho Federal

de Nutricionistas evidenciou que 41,7% dos profissionais estavam atuando em Nutrição

Clínica, 32,2% em Alimentação Coletiva, 8,8% em Saúde Coletiva, 8,8% Ensino e

Educação, 4,1% Nutrição Esportiva e 3,7% em Indústria de Alimentos (CFN, 2006). Este

cenário confirma a tendência dos alunos pela área de Nutrição Clínica, porém revela a

elevada atuação profissional na área de Alimentação Coletiva, provavelmente por ser a

área que apresenta maior oferta de trabalho. A área de Saúde Coletiva, apesar de se

apresentar como foco de interesse dos alunos, tem ainda baixa representatividade na

realidade profissional.

Surge então a seguinte questão: se os alunos têm interesse pela área de Saúde

Coletiva, por que o profissional está pouco presente neste campo de atuação? Essa questão

foge ao escopo desta pesquisa, uma vez que os dados obtidos não são capazes de respondê-

la. Contudo, é possível deduzir que, apesar de existir o interesse, as oportunidades de

trabalho em Saúde Coletiva são ainda reduzidas, pois estão disponíveis na maioria das

vezes nos setores públicos. Exemplos de lócus de trabalho que poderiam ampliar

significativamente a atuação do profissional nesta área seriam sua inserção de forma

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efetiva no Núcleo de Apoio à Saúde da Família e no Programa de Alimentação Escolar,

políticas públicas relevantes no contexto atual.

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4 CONHECENDO OS DIÁLOGOS COM OS SUJEITOS

Conforme mencionado anteriormente, a tese tinha como foco central de análise a

disciplina educação nutricional. No decorrer da pesquisa, confirmamos a hipótese de que a

formação em educação nutricional não acontece somente por meio da disciplina que leva o

mesmo nome. Ela acontece em vários momentos e situações ao longo do curso e, também,

fora dele. Nesta tese não anseio (nem posso) esgotar as análises compreensivas ou trazer

conclusões fechadas, uma vez que o material obtido é vasto e pode servir de inspiração

para muitas análises que ainda podem ser feitas (e pretendo fazer). A intenção maior é

apresentar um olhar, dentre outros possíveis, sobre o objeto estudado e suscitar reflexões.

No processo de tessitura da tese identificamos três categorias conceituais que foram

chaves no processo de pesquisa e na mirada sobre a formação do nutricionista como

educador no contexto atual. A reflexividade, a integração e a práxis são as três categorias

conceituais de sentido macro da pesquisa, que foram identificadas de modo transversal e

perpassaram os discursos de professores e estudantes dos seis cursos investigados. Dentro

de cada uma delas existem outras sub-unidades de sentido micro, na análise das questões

de interesse abordadas nas entrevistas.

4.1 A REFLEXIVIDADE COMO MÉTODO DE PESQUISA E MEIO DE EXPRESSÃO

HUMANA

“Não é no silêncio que os homens se fazem,

mas na palavra, no trabalho, na ação-reflexão”

(FREIRE, 1988, p.78).

A reflexividade é compreendida aqui como a capacidade do ser humano de refletir

sobre si, sobre sua própria atividade e sobre a presença desta atividade na sociedade e em

relação com ela. É um processo dialógico, dinâmico e cíclico que ocorre através da relação

de um elemento com ele mesmo.

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Como ocorre com diversos conceitos, este também apresenta várias representações e

sentidos a depender do autor que as discute e das teorias subjacentes. Ao discutir o

conceito de reflexividade no contexto da formação de professores, Libâneo (2002) o situa

dentro dos limites existentes entre o pensamento moderno e pós-moderno, devido ao

caráter reflexivo da razão. A modernidade acredita na potencialidade reflexiva dos seres

humanos, que envolve a capacidade de pensar, a auto-reflexão, a intencionalidade e a

autonomia dos sujeitos, frente à realidade, noções rejeitadas pelas teorias pós-modernas.

Em sua análise, faz uma distinção entre a concepção de reflexividade na matriz

neoliberal e na vertente crítica. Na primeira, o sujeito atua em uma realidade dada,

entendida como pronta, enquanto que na segunda, o sujeito age numa realidade vista como

uma construção social. Para este autor, a noção de reflexividade corresponde a uma auto-

análise, individual ou coletiva, sobre as próprias ações, que deve ser praticada pelos

educadores, por terem a tendência de limitar seus pensamentos e ações ao contexto

imediato, não conseguindo ver as condicionantes culturais e socializantes de suas ações.

Um autor amplamente referenciado, quando se discute a noção de reflexividade, é

Giddens. Ao fazer uma leitura da obra deste autor, Paixão et al. (2004, p.95) apontam que

ele entende que, nas culturas que precederam a era moderna, a reflexividade existia

subordinada às tradições, que perpetuavam a experiência de gerações; com a transição para

os tempos modernos, a noção de reflexividade se altera, sendo “introduzida na própria base

da reprodução do sistema, de forma que o pensamento e a ação estão constantemente

refratados entre si. No pensamento de Giddens a questão da reflexividade é sustentada pela

noção de ator enquanto entidade dotada de inteligibilidade e de agência enquanto

capacidade que tal ator tem para atuar, sendo o conceito de poder, mais que o de intenção

ou motivação, o elemento transformativo da agência humana (apud PIRES, 1999, grifos

do autor). Com esta visão, Giddens (apud PAIXÃO, 2004) acredita que, numa sociedade

altamente reflexiva, em que os sujeitos realizam suas práticas pautadas no diálogo e no

respeito, pode-se chegar a formas mais democráticas de convivência privada e pública.

A reflexividade é entendida como a saída para uma vida melhor, sendo este o ponto

mais criticado em Giddens pelos teóricos pós-modernos. Estes últimos, entendem que o

sujeito não é centro da ação social – ele não pensa, fala e produz, ele é pensado, falado,

produzido; ele é dirigido pelo exterior, pelas estruturas, pelas instituições, pelo discurso

(SILVA, 2004).

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Tal como Giddens, Freire também acredita na potencialidade da reflexão humana.

Em sua obra, a reflexão se apresenta como um elemento central para a prática docente e

para o desenvolvimento humano e social. Para Freire (1988), reflexão e ação são

indissociáveis, uma depende da outra e se retroalimentam num processo de ação-reflexão-

ação. Nesta ótica, a reflexão só é legitimada quando associada ao concreto, cujos fatos

busca esclarecer, tornando possível uma ação consciente. Na voz do autor, o que “se

precisa é possibilitar que, voltando-se sobre si mesma através da reflexão sobre a prática, a

curiosidade ingênua, percebendo-se como tal, se vá tornando crítica” (FREIRE, 2011, p.

40). Portanto, a reflexão é um movimento dinâmico e dialógico entre o fazer e o pensar

sobre o fazer.

De acordo com Bourdieu (1997), a relação de pesquisa é diferente das trocas da

existência comum, mas também se estabelece como relação social, que exerce efeitos sobre

os sujeitos, podendo afetar até os resultados da entrevista. Para este autor, “só a

reflexividade, que é sinônimo de método, mas uma reflexividade reflexa, baseada num

„trabalho‟, num „olho‟ sociológico, que permite perceber e controlar no campo, na própria

condução da entrevista, os efeitos da estrutura social na qual ele se realiza” (Bourdieu,

1997, p.694, grifos do autor).

A situação da entrevista possibilitou um processo de reflexividade para a

pesquisadora, professores e estudantes nela envolvidos. Houve naquele momento uma

quebra da rotina para esses atores, permitindo um „olhar de fora ou de cima‟ para si, para

relações sociais estabelecidas no cotidiano vivido na universidade. Em diversos momentos

as narrativas giraram em torno das intenções e das ações como sujeitos participantes do

processo de formação no curso e dos impactos deste processo nas suas vidas pessoais,

profissionais e na sociedade.

Durante as entrevistas, senti a necessidade de falar para alguns professores que a

tese seria escrita por muitas mãos, primeiro porque reconhecia a riqueza dos depoimentos

para a tessitura da tese, e segundo porque incitava nos participantes a vontade de

expressarem ideias relevantes, uma vez que poderiam se sentir autores. Da mesma forma,

comentei com os estudantes e alguns professores, que pretendemos fazer um fórum com

diretores, docentes e alunos dos cursos de nutrição para apresentar os resultados da

pesquisa e debater sobre o que queremos da formação do nutricionista no Rio de Janeiro.

Os participantes sentiram que poderiam propor soluções e alguns viram a entrevista como

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espaço de desabafo ou denúncia. Percebi que estas atitudes de pesquisa promoviam uma

aproximação maior entre eu e a algumas pessoas em diálogo, na medida em que eu

mostrava o interesse em seus relatos e que identificávamos percepções e objetivos comuns

sobre o cenário dialogado.

Em sua experiência de pesquisa, Lalanda (1998) diz que o fato dos participantes

saberem que seu discurso irá integrar um estudo, uma tese ou um livro provoca muitas

vezes a participação entusiasta do entrevistado e, ao mesmo tempo, compromete o

investigador com a contrapartida de refletir sobre o sentido de seu caso particular,

integrando-o a um contexto maior, e de divulgar.

Junto aos professores, os conduzi a pensar em suas trajetórias de vida, nas relações

familiares, nas vivências escolares na infância e na adolescência, nas escolhas e

experiências universitárias, no percurso profissional, nas situações marcantes de cada

período até chegar aos dias de hoje. Pensar na sua história, nas pessoas que passaram por

ela e deixaram marcas no passado, mas que também permanecem imprimindo suas

influências, ora objetivas ora subjetivas, foi essencial para refletir sobre quem se é e quem

se deseja ser e, também, para construir um relato mais consciente, contextualizado e

desarmado. Passar por essa trajetória permitiu uma aproximação entre entrevistador e

entrevistado, uma partilha de memórias cheias de afeto ou de dor, que nos levou para uma

relação menos impessoal e, por vezes, afetiva e emocionada. Com alguns, pude consolidar

relações que já existiam e com outros ficou a sensação de que um laço havia sido criado.

Junto aos alunos, não parti do passado, optei por iniciar com uma questão que é

preocupação da maioria deles em final de curso – seu futuro profissional. Algo que dá

sentido para sua formação universitária, que durou no mínimo quatro anos de suas vidas, e

que seria o assunto a ser tratado logo a seguir. Essa pergunta foi importante pois fez com

que os alunos se posicionassem individualmente e também percebessem que vivem o

mesmo momento que aquele coletivo de estudantes ali presentes. Trocaram inicialmente

suas dúvidas, inseguranças, motivações e expectativas frente ao futuro profissional e

depois suas opiniões, experiências e avaliações sobre a educação nutricional e sobre seu

processo de formação profissional.

Uma questão inerente ao universo da pesquisa qualitativa que envolve o relato das

pessoas sobre as situações vividas é o quanto este conteúdo narrado reflete a realidade. O

diálogo nas entrevistas permite acessar, de modo privilegiado, o universo subjetivo dos

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sujeitos, ou seja, as representações e os significados que atribuem ao mundo do qual fazem

parte e aos acontecimentos que relatam como fazendo parte da sua história. Essa

subjetividade não é um mero reflexo da individualidade, mas de um processo de

socialização e de partilha de valores e práticas com outros, ou seja, ocorre por meio da

intersubjetividade (LALANDA, 1998).

Entendemos esses relatos como um processo de construção da realidade e da

própria identidade, que surge da observação e da análise das situações vividas

individualmente, mas sempre em relação com as outras pessoas, em determinado contexto

histórico-social. O conhecimento, seja de si ou do mundo, é construído nas situações de

interação social, é resultado de um processo de criação e interpretação, que não separa as

dimensões consideradas mais objetivas das julgadas mais subjetivas, já que ambas fazem

parte das construções humanas e da realidade vivida (SILVA, 2004).

Do mesmo modo que o conhecimento, as experiências vividas e narradas pelos

sujeitos são determinadas e determinantes na construção das identidades. Quanto a esse

assunto, Teodoro e Torres (2006, p.112) salientam que a teoria educacional crítica entende

que as identidades são construções sociais com bases materiais e históricas, que

fundamentam as percepções sobre os conhecimentos e as experiências que devem ser

legitimadas, aprendidas ou partilhadas – resultando na afirmação de que “toda a narração é

uma construção social”.

Buscar respostas para determinadas perguntas exige pensar sobre o assunto e

encontrar uma maneira de representar concreta e simbolicamente o real e o imaginado, o

vivido e o desejado. A forma como damos significado a nossas vidas e ao mundo, como

contamos nossas histórias e experiências, acabam por revelar nossa visão de mundo, de nós

mesmos, dos outros e, neste caso, dos processos de trabalho e de formação vividos, nos

âmbitos individuais e coletivos.

Além disso, conforme comentado, os entrevistados tinham consciência dos

objetivos da entrevista, que seus relatos iriam alimentar uma tese que seria divulgada no

meio acadêmico e que poderia gerar a reflexão e possíveis mudanças nos processo de

trabalho e de ensino. Alguns usaram a situação da entrevista como um espaço de desabafo

sobre as dificuldades vividas nas relações com os alunos e com os colegas de trabalho, de

valorização de seus feitos na história da formação profissional em nutrição, de denúncia de

comportamentos considerados inadequados por parte de outros professores, de crítica

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social ao sistema de educação, entre outras. Consciente ou inconscientemente, ficava

expresso o desejo de que seus discursos e ideias pudessem ecoar para além daquelas quatro

paredes. Que por meio da tese e da minha voz, suas histórias pudessem ser perpetuadas e

sua voz ouvida por seus pares. Daí meu compromisso e cuidado com os relatos preciosos

que obtive no contato com os professores e os estudantes.

Algumas questões incluídas no roteiro de entrevista proporcionaram a reflexividade

sobre „quem somos‟, „o que fazemos‟, „o que temos‟ e „o que queremos‟ como estudantes,

professores, nutricionistas e cidadãos. Essa construção reflexiva se expressava por vezes

em pensamentos e narrativas que envolviam mais a esfera local, individual, íntima e

identitária e, por outras, discursos e análises mais ampliadas, coletivas e da esfera global.

4.1.1 Ser educador: o eu, o outro, a sociedade

Depois de um diálogo sobre a trajetória de vida, com relatos por vezes extensos e

emocionados, os professores faziam uma pausa, davam um sorriso ou um suspiro surpreso

ao ouvirem a última pergunta do segundo bloco de questões da entrevista – O que é ser

professor(a) para você? Para vários entrevistados foi uma pergunta inesperada e complexa

“Nossa, que pergunta difícil. Nunca parei para pensar nisso assim” (6.ESC), ao mesmo

tempo, que para outros pareceu ser era algo refletido, respondido com assertividade.

Dentro do roteiro de entrevista esta pergunta não pretendia responder diretamente

aos objetivos iniciais da pesquisa, mas ao longo do estudo se apresentou como uma

questão central para iniciar o processo de reflexão dos professores sobre seu trabalho e a

formação do nutricionista. A intenção desta pergunta foi buscar conhecer os “educadores”,

presentes naqueles nutricionistas que decidiram pelo caminho da docência e que não foram

formados formalmente para esta função. Ao analisar os relatos percebemos uma

confluência de aspectos e intenções, tanto do âmbito pessoal quanto do profissional,

envolvidos nas percepções de “ser professor(a)”.

Para alguns dos entrevistados o caminho da docência foi uma escolha consciente e

uma busca intencionada (FREIRE, 1987; GIROUX, 1997). Um desejo iniciado na infância,

motivado por um familiar que era professor; pelo gosto de explicar as matérias para os

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88

amigos com dificuldade em determinadas disciplinas; ou inspirados por algum professor

que foi marcante na escola, que os mobilizou o gosto pelos estudos ou que os ensinou algo

além dos conteúdos disciplinares formais.

Para outros, foi um caminho que se construiu dentro da universidade, pela

oportunidade de realizar estágio ou monitoria com alguns professores que os fizeram

experimentar atividades docentes, como dar aula e estar no diálogo com os outros alunos;

pelo gosto adquirido pela pesquisa e vontade de continuar nesta direção; ou pela indicação

de algum professor para participar de processo seletivo em uma universidade pública ou

privada. Neste caso, a compreensão dos papéis do professor e a desenvoltura para realizar

as atividades, principalmente na relação com os estudantes, foram adquiridas no processo.

O relato de uma professora deixa clara esta situação e traz outras questões importantes

abordadas por muitos professores.

“É uma coisa que quando eu comecei a ser professora eu não tinha noção

e comecei a ter mais percepção sobre isso quando eu entrei aqui. Eu

comecei a perceber o valor que muitos alunos dão ao professor e o que

representa o professor na vida do aluno, eu não tinha essa noção da

responsabilidade, da imagem que você passa pra esses alunos. Isso foi

uma coisa que eu vim construindo aqui. Ser professor, além de eu gostar

muito, acho que é assumir uma responsabilidade forte, porque muitos se

remetem a você, tem você como espelho. Então, é um compromisso

muito grande com a formação dos alunos.” (1.IAC).

4.1.1.1 A dialogicidade entre a responsabilidade local e o compromisso global

A responsabilidade e o compromisso com a formação dos estudantes foram

mencionados por muitos professores como elementos inerentes à função docente. Em

geral, os relatos vinham envolvidos por um tom de seriedade e, em alguns momentos, por

uma preocupação de ter condições de conseguir cumprir esse papel “eu penso „meu Deus,

será que eu estou me saindo bem? Será que um dia ele vai ser um bom profissional e

realizar bem suas atividades?‟ É uma responsabilidade e tanto” (3.EN1).

Esses elementos considerados “de peso” na práxis docente, em alguns relatos

transcenderam a formação do estudante e foram vinculados ao papel social e cidadão que o

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professor deve assumir na sociedade. Neste sentido, ser professor(a) foi visto como uma

“oportunidade de exercitar o crescimento pessoal e de atender essas premissas mesmo de

responsabilidade civil e cidadã. A educação é o único caminho pelo qual as pessoas

transformam de verdade a sua vida e a vida de muitas pessoas” (2.EAC), como um

compromisso de contribuir para a construção de uma sociedade melhor.

Ambas observações nos elucidam os motivos pelos quais os professores encaram a

formação dos estudantes como um desafio profissional, mas também pessoal. Eles

percebem que possuem uma dupla responsabilidade neste processo. A primeira delas é

entendida como uma função básica do professor, que é realizar a formação técnico-

científica para habilitar os estudantes a desenvolverem suas atribuições profissionais como

nutricionistas. Porém, muitos professores destacam a responsabilidade de promover a

formação dos estudantes como pessoas, como cidadãos que irão atuar na sociedade.

Isso implica um processo de ensino-aprendizagem que envolve muito mais do que

os conteúdos técnicos e específicos da graduação em nutrição. Envolve a partilha de

valores, de opiniões pessoais, de visões de mundo, de intenções com a formação, de

posturas e atitudes profissionais e pessoais. Ou seja, é ter a função de formar para além das

habilidades técnicas, é investir na formação humana e preparar o estudante para a vida.

Esses aspectos são percebidos e valorizados por muitos dos professores. Ter essas funções

expressa a potência e as múltiplas possibilidade do trabalho do professor na formação dos

sujeitos e seus impactos na construção da sociedade. Uma das entrevistadas faz uma

ponderação crítica em relação a esta questão.

Ser professor é saber da conseqüência das suas palavras. É ter

consciência de que nada do que sai da sua boca ou nada que sai da sua

atitude deixa de marcar. E isso dá medo né? Isso não é uma coisa

arrogante, de onipotência, é uma consciência de que o movimento tem

que ser muito coerente, muito cuidadoso. Quando você me faz essa

pergunta fico pensando que ser educador são as duas coisas, é o

compromisso com essa formação no sentido mais amplo e a consciência

do que é essa função na sociedade e de que você pode fazer a maior

diferença para o bem ou para o mal (1.ISC).

Este depoimento traz a questão fundamental da reflexividade e da consciência dos

professores sobre o papel que desempenham e sobre os impactos que suas ações podem ter

na formação dos estudantes e na sociedade, “para o bem ou para o mal”. Nesse sentido, o

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conceito de intencionalidade é esclarecedor. O ser humano é um ser-no-mundo (FREIRE,

1988). A intencionalidade remete à relação ativa entre a consciência do sujeito e sua

atividade/objeto em relação. A consciência se dirige à atividade/objeto e a atividade/objeto

se perfila pela consciência. Nesse pensamento, a dicotomia subjetivo/objetivo não se

mantém, pois são mutuamente constitutivos (ESTEBAN, 2010). Não cabe a famosa

distinção de Descartes entre corpo e mente, corpo e mundo. Aqui, os seres humanos são

entendidos como “corpos conscientes” e a consciência como “consciência intencionada ao

mundo” (FREIRE, 1988, p.67). Não existe, portanto, a neutralidade. O conhecimento e a

ação são sempre dirigidos para alguma coisa. Por isso, a necessidade permanente de

reflexividade e consciência dos educadores e educandos, sobre si e sobre o mundo em

relação, para a ação.

Tal ponto de vista nos remete, também, a outra teorização do campo da teoria

crítica da educação, que é o debate em torno da existência de possíveis contradições entre o

currículo oficial e o currículo oculto (MORROW; TORRES, 1997). No caso desta

pesquisa, percebemos que os professores se referem a dois tipos de conhecimentos que são

necessários nos processos formativos da educação superior. O primeiro reúne um conjunto

de conteúdos técnico-científicos e informações específicas, que são organizados como

núcleo central das disciplinas oferecidas e moldados de acordo com a singularidade do

curso. São os micro-objetivos do curso, que incluem a aquisição de conhecimentos

selecionados e o desenvolvimento de habilidades de aprendizagem especializada e de

investigação específica (GIROUX, 1997).

O segundo tipo de conhecimentos, considerados pelos professores como

necessários para a formação humana dos estudantes, representam os macro-objetivos da

formação. Eles são destinados a fornecer as teorias que permitirão aos estudantes

estabelecerem conexões entre os métodos, conteúdos, estruturas do curso e sua importância

para a realidade social mais ampla. Estas concepções teóricas devem funcionar como

mediadoras entre as experiências formais de aprendizagem e a vida fora de sala de aula.

Utilizando tais conceitos, os estudantes deveriam ser capazes de analisar os conteúdos,

valores e normas do curso em relação aos fins que ele pretende ou pode servir (GIROUX,

1997).

Esses macro-objetivos, tão valorizados pelos professores como sendo algo além da

formação básica, permitem aos estudantes desenvolverem uma consciência crítica e

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política. Esse é o desejo dos professores. A problemática é que esses valores, experiências,

visões de mundo e questões éticas, geralmente, não estão incluídos de forma clara no

currículo oficial. Sendo assim, não são debatidos coletivamente pelo corpo docente na

intenção de pensar e definir que tipo de formação humana se pretende desenvolver junto

aos estudantes e de que forma isso será realizado. Não basta que estes macro-objetivos

estejam na carta de intenções do Projeto Político Pedagógico, se não estão incluídos no

currículo oficial e nas ementas das disciplinas como conteúdos e objetivos de ensino.

No discurso dos professores entrevistados pudemos identificar diferentes

referências de valores que deveriam ser partilhados com estudantes. Para uma entrevistada

“ser professor(a)” é uma oportunidade de perpetuar valores que são aprendidos na família e

no início da escolarização, que são também passados pelos dos diferentes grupos sociais

frequentados, como a igreja, por exemplo. Outros professores mencionaram a necessidade

e intenção de promover debates sobre a dignidade de si e do outro na busca de relações

humanas mais respeitosas, sobre um perfil de trabalho mais individual e outro que envolve

equipe e processos de construção coletiva, sobre os tipos de posturas profissionais mais

competitivos ou cooperativos. Essas considerações representam perspectivas diferenciadas

na abordagem das crenças, valores e visões de mundo.

A primeira delas nos revela certo perfil de reprodução social e cultural, pois se

refere à necessidade de perpetuar os valores apreendidos nos lócus tradicionais de

formação moral, como a família e a escola, sem mencionar a forma como seria feito

(MORROW; TORRES, 1997). O segundo bloco de intenções apresenta de forma mais

clara as questões a serem debatidas e envolvem a reflexão de diferentes modalidades de

interdependência humana, que podem ser pautadas na perspectiva do individualismo ou da

coletividade, da competição ou da cooperação. Enfim, envolve a reflexão de diferentes

paradigmas associados à práxis humana, que devem ser considerados na atuação

profissional.

Independente disso, ambas perspectivas trazem subjacentes qualidades morais

diferenciadas, pautadas em visões de mundo diversas, produzidas por meio dos capitais

culturais e sociais herdados e adquiridos ao longo da vida, por cada sujeito envolvido no

processo de educativo (BOURDIEU, 2008). Além disso, elas podem ser abordadas de

forma mais autoritária e impositiva ou de forma mais crítica e problematizadora, a

depender da atitude pedagógica de cada professor.

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Esse debate reflete a preocupação da professora destacada acima da necessidade de

os professores serem conscientes, coerentes, cuidadosos no diálogo e nas relações

desenvolvidas junto aos estudantes nos processos educativos. Neste sentido, a formação

em Nutrição não deve se preocupar apenas com o fornecimento diário de informações por

parte dos professores, mas também com as relações sociais estabelecidas no encontro

educacional com os estudantes e com outros professores, que também podem ser

compreendidas como relações pedagógicas.

4.1.1.2 Pelos educandos aprendizes ou pelas aprendizagens do educador?

Associado a esta discussão está outra questão amplamente abordada pelos

professores entrevistados. No processo de reflexividade sobre o que representa “ser

professor(a)”, todos os professores se referiram a docência e a educação como um ato de

relação. Nem sempre mencionam claramente a palavra relação, mas incluem na narrativa

elementos que expressavam esta concepção.

A atividade docente envolve essencialmente o encontro com o outro. O encontro

entre duas pessoas ou com um coletivo de pessoas; o encontro por afinidade ou por

circunstância. O outro pode ser um par ou um diferente, pode ser um professor, um

estudante, uma criança, um paciente. Esse encontro necessariamente envolve a troca, a

criação de uma relação. “Sempre você tem um outro, sempre você tem uma troca, eu acho

que esse é o lugar do professor. É estar num lugar de transformação, num espaço de

transformação entre as pessoas, nas relações (2.EN).

Ser professor(a) é viver um processo permanente de troca, de compartilhamento

entre as pessoas. Troca de informações atuais e históricas; troca de saberes científicos e

saberes cotidianos; troca de experiências pessoais e profissionais; troca de afetos e

desafetos. “Ser professora é compartilhar experiências, sentimentos, emoções. Não é dar

nada, ensinar nada. É criar laços, criar redes de saberes. Eu não consigo ser professora se

não for de uma forma poética, uma forma dialógica, uma forma sentida” (1.ENC).

Essa troca pode ser mais intensa, pessoal e profunda ou mais frágil, impessoal e

superficial a depender da disposição para o diálogo entre os parceiros de aprendizagem –

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professores e alunos, durante o encontro educativo. Mas, sobretudo, da disposição do

professor, que é o trabalhador da educação e tem a função de mobilizar o pensamento e

ação do educando. Ser professor(a) implica a abertura e cuidado com o outro.

“Professor é alguém que está perto, que se preocupa, que orienta, que

cobra. É alguém que tenta mostrar o caminho certo, apesar de a gente não

ter sempre a certeza, mas é alguém que está disposto a perder um pouco

de tempo com o outro. Então, se eu tiver que parar uma aula para

conversar sobre coisas da vida, eu vou parar, porque eu acho que são

importantes pra formação. Eu sei que o conteúdo é importante, mas eu

não sou conteudista. Professor é alguém que tem que estar disposto para o

outro, tem que estar aberta, tem que fazer isso com vontade, com

compromisso. Muitas vezes sofrendo” (2.ESC).

No contexto da formação universitária, alguns professores se vêem como um guia,

como aquele que aponta caminhos e possibilidades para a vida profissional. Eles se

percebem como alguém que já experimentou a realidade de trabalho do nutricionista e que

tem a função e o compromisso de partilhar com os futuros profissionais as experiências e

aprendizados, os erros e os acertos, vividos ao longo de sua trajetória. “Muito mais do que

eu transmitir quantas gramas de proteína um paciente tem que ingerir, é você transmitir a

questão da postura profissional na hora de enfrentar as situações na convivência com as

equipes multiprofissionais e com o próprio paciente” (3.INC). Outra professora deseja que

seus alunos aprendam com suas experiências para que sejam profissionais melhores que ela

e que façam a profissão evoluir social e cientificamente. Com esta atitude eles facilitam a

articulação entre os conhecimentos teóricos e a realidade profissional e, com isso, ampliam

o olhar e os horizontes dos estudantes para além dos muros da universidade.

Do mesmo modo que alguns professores foram marcantes, negativa ou

positivamente, e inspiraram as escolhas e a adoção de um perfil profissional por parte dos

docentes entrevistados, eles também desejam ser uma referência, um exemplo de professor

e de nutricionista para os alunos. Isso faz com que eles pensem em suas atitudes como

educador e nas relações que estabelecem com os educandos e com a área de estudo e

atuação. Embora este discurso possa trazer uma conotação de arrogância ou superioridade

em determinadas situações, pude perceber na análise dos relatos uma mudança de

perspectiva.

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A maior parte dos entrevistados entende que o contexto da educação superior atual

exige uma nova postura do professor. “O professor de hoje em dia é um gerenciador da

aprendizagem, ele ajuda o aluno a conhecer seu próprio caminho, a entender esse processo

do aprender” (3.ENC). É um professor que busca atuar de forma diferente daquela que

ocorre em modelos de educação tradicional, onde o professor é o centro do processo

pedagógico, o detentor do saber verdadeiro, que repassa os conhecimentos de forma

imperativa, acrítica e mecânica para os alunos, meros receptores do saber legítimo

(FREIRE, 1988; LUCKESI, 2008).

Outra mudança de perspectiva identificada no relato de alguns professores diz

respeito a uma menor preocupação com o repasse e a acumulação de conteúdos e teorias e

a valorização do processo de ensino-aprendizagem e de construção de conhecimentos. Isto

é, uma preocupação maior com a forma do que com o conteúdo, tradicionalmente soberano

na formação universitária. “A gente não está aqui para dar respostas prontas. Estou aqui

para ajudar o aluno a encontrar a melhor resposta pra aquela situação. Eu me vejo numa

posição de facilitadora e não de dona da verdade. Eu não tenho todas as respostas, mas eu

sei ajudar a buscar” (3.ENC).

Cabe partilhar que as duas questões ilustradas acima, entre outras narrativas

escutadas e apresentadas neste texto, me surpreenderam como pesquisadora. Não pelo

conteúdo das falas, mas por seus interlocutores. Durante as entrevistas com os docentes das

diferentes áreas da nutrição foi comum a crítica negativa aos professores da área de

nutrição clínica. Geralmente, os comentários se referiam aos métodos de ensino e as

abordagens adotadas por estes professores, classificados como acríticos,

descontextualizados com a realidade e intensamente biologicista. O diálogo com os

professores desta área me permitiu afirmar que está ocorrendo uma mudança de atitude e

perspectiva por parte dos docentes de nutrição clínica tanto na relação com os estudantes,

quanto na articulação entre os conhecimentos. Dentro da nutrição, esta é a área que pode

encontrar mais dificuldade de mudanças por estar historicamente vinculada a uma

racionalidade médica ocidental, centrada na patologia e na doença (LUZ, 1988).

Além disso, subjacente às críticas, percebe-se certo preconceito, no sentido

etimológico de prejulgamento, e uma resistência por parte dos professores das outras áreas

da nutrição. Esta situação pode ter vários motivos como, por exemplo, experiências

observadas ou relatadas pelos alunos no curso, a falta de comunicação e parceria entre os

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professores das diferentes áreas, ou mesmo, as lembranças desagradáveis dos professores

de nutrição clínica da época de graduação.

Voltando ao processo de reflexividade dos professores sobre seu papel na formação

dos nutricionistas, alguns se vêem como parte de um processo maior de educação, um ato

“que nunca termina no professor, ele pode até começar e continuar, mas ele é só parte

desse processo. Ser professor é, no mínimo, ter uma parcela de contribuição para formar

cidadãos conscientes, responsáveis, comprometidos. Pessoas que possam amar” (2.EAC).

Esta professora, como outras participantes da pesquisa, expõe uma concepção ampliada da

educação. Educação como um ato inerente a vida social humana, que ocorre de modo

contínuo, em diferentes contextos e espaços, institucionais ou não, fazendo parte do

processo de construção histórica dos indivíduos e da sociedade (FREIRE, 1994; LISITA,

2007).

Compreender a educação como algo que faz parte da vida é percebê-la como um

processo complexo, dinâmico, instável e sujeito a transformações, que exige do educador

um movimento permanente de aprendizado. Na perspectiva do educador como um artesão

intelectual, esse processo de aprendizado ocorre a todo o momento. Um bom artesão não

dissocia sua vida do seu trabalho, não que ele deva trabalhar 24 horas por dia, o importante

é o modo que ele vive e pelo qual ele vê o mundo, integrando e dando sentido para vida e

trabalho. Na proposta de Mills (2009, p.22) “o conhecimento é uma escolha tanto de um

modo de vida quanto de uma carreira docente. O trabalhador intelectual forma-se a si

próprio à medida que trabalha para o aperfeiçoamento do seu ofício”. Não é por acaso que

uma entrevistada tenha mencionado que para

“ser professor você tem que gostar de estudar, de aprender, de estar o

tempo todo ali, disposto, aberto a ouvir o novo. Às vezes até uma coisa

que você tem como um paradigma „Mas isso não é assim? Como não?

Pode ser‟ (risos). É estar aberto ao novo, buscando estudar a cada dia,

para que você possa da melhor maneira possível instrumentalizar os

alunos com o conhecimento” (2.ENC).

Em seu processo de aprendizado e criação o professor-artesão deve aprender a usar

suas experiências de vida (pessoal e profissional) em seu trabalho intelectual. Neste

sentido, a universidade pode ser um espaço privilegiado para esta atividade, já que permite

ao professor estar em diálogo constante com jovens em processo de formação e, também,

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realizar atividades de extensão junto à comunidade, identificando a partir destas relações

temáticas de pesquisa e demandas de ação – podendo gerar um círculo virtuoso de criação

intelectual e ação social.

Nesse cenário, vários professores reconheceram que a relação com os alunos é um

processo mútuo de ensino e aprendizagem. “O professor é uma pessoa que cresce junto

com o aluno, a gente está sempre aprendendo. Sempre tem um aluno pra ajudar a gente a

entender alguma coisa sob um ponto de vista diferente” (4.EN). Esse discurso carrega em

si um elemento apontado por outras professoras como uma vantagem do trabalho docente –

a possibilidade de estar em contato com pessoas jovens e com novas pessoas a cada

semestre letivo. Esse contato alimenta a vida do professor, renova e atualiza seu olhar para

as „coisas da vida‟, colocando-o em movimento.

A relação com jovens em formação é um terreno fértil para o professor-artesão. Ela

traz à tona dois elementos essenciais aos processos educativos e de construção de

conhecimento – a curiosidade e a dúvida. Um professor declarou de forma vibrante “Eu

digo pros alunos „quero sempre ter dúvidas quando vocês me perguntam alguma coisa,

porque me incentiva estudar mais‟. Então é um aprendizado, eu aprendo mais com eles do

que ensino. Porque aquele cara que acha que sabe tudo, não sabe nada!” (5.ENC).

Essa percepção da docência como ato „de‟ e „em‟ relação contrapõe-se à visão

hierarquizada entre educadores e educandos e ao distanciamento usual nos processos

educativos tradicionais, apontando para novas perspectivas e esperança de uma educação

superior mais humanizada e conectada com a realidade político-social.

4.1.1.3 A formação pedagógica do nutricionista-professor

Nessa reflexão sobre o “ser professor(a)” ficou evidente a preocupação de alguns

docentes e a insatisfação dos estudantes com a ausência ou deficiência da formação

pedagógica dos professores dos cursos de nutrição. Uma professora fez uma declaração

emblemática que descreve claramente essa conjuntura “eu dormi nutricionista e acordei

professora” (1.EN1). Este relato reflete a análise de Sacristán (2000, p.183) de que o

professor geralmente passa “da experiência passiva como aluno ao comportamento ativo

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como professor, sem que lhe seja colocado, em muitos casos, o significado educativo,

social e epistemológico do conhecimento que transmite ou faz seus alunos aprenderem.

Passa de aluno receptor a consumidor acrítico de materiais didáticos e a transmissor com

seus alunos”. Em função disso, é comum perceber que a atuação do professor se restringe a

reprodução das práticas apreendidas em seus processos de formação anterior e às suas

experiências práticas observadas e realizadas no cotidiano de trabalho.

Esta situação pode gerar insegurança nos professores, principalmente no início da

carreira docente, e uma provável reprodução dos modelos de ensino vivenciados em suas

experiências escolares ou universitárias. Muitos estudantes se queixaram da falta de

didática de alguns professores.

No caso desta pesquisa, na qual entrevistamos 31 professores, somente 6 docentes

realizaram mestrado na área de educação, sendo que 3 são professores responsáveis pela

disciplina educação nutricional, o que justifica o interesse em aprofundar os conhecimentos

na área e a busca pela formação acadêmica. As outras três professoras, duas da área de

Nutrição Clínica e uma da área de Alimentação Coletiva, justificaram o interesse em fazer

mestrado em educação para aprimorar suas habilidades como docente e para compreender

melhor o universo da educação ao qual fazem parte. Este foi o mesmo motivo que levou

uma professora da área de Saúde Coletiva a fazer uma pós-graduação lato sensu em

Metodologia do Ensino Superior. Elas justificaram tal escolha por se sentirem

despreparadas para desempenhar a docência, já que a graduação em nutrição não as

capacitou para isso. O trecho abaixo explicita esta situação e revela como a professora se

sente após a realização do mestrado em educação.

“O mestrado me incentivou a buscar conhecimentos que a gente não tem

no curso de nutrição. A gente sai bacharel e não sai licenciado. Tinha

aquela cadeira muito fraquinha de Iniciação à Didática, muito en passant.

Eu me sentia muito despreparada, eu queria uma resposta para minha

angústia, “gente, será que eu estou dando uma aula legal?” Por isso que

eu busquei o mestrado nessa área e foi o que me ferramentou bastante.

Me ajudou muito a ter minha autocrítica, me auto-avaliar, a ver os meus

erros e a melhorar os meus erros. E hoje em dia eu sou uma professora

bem melhor do que eu era há 18 anos atrás, com certeza” (3.ENC).

A formação pedagógica de professores da área de saúde vem sendo amplamente

debatida e revela a centralidade desta questão na qualificação da formação de novos

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profissionais. Batista e Batista (2004), em seus estudos sobre a docência na área de saúde,

consideram esta discussão urgente, devido às transformações sociais ocorridas nos últimos

anos, que têm exigido que os professores promovam um debate crítico sobre as propostas

pedagógicas e acadêmicas existentes e assumam um papel de protagonistas do processo, na

estruturação de cenários de aprendizagem que sejam significativos e problematizadores das

condições de ensino, para sua melhoria. Os autores consideram que a formação pedagógica

dos docentes das áreas de saúde tem sido secundarizada.

Existem diversos fatores que podem gerar a desvalorização dos aspectos

pedagógicos da docência no ensino superior. Nas universidades públicas, uma das questões

preponderantes é a atual supremacia da pesquisa, no tripé ensino-pesquisa-extensão. Esta

situação é alimentada pelo próprio MEC, quando vincula a maior parte dos critérios de

progressão na carreira às atividades de pesquisa e produção científica, restando poucos

critérios ou com baixa pontuação para as atividades de ensino e extensão.

Outro aspecto significativo é a existência da crença de que o professor universitário

não precisa de formação nas dimensões de ensino e aprendizagem, bastando a formação

técnica da área específica de atuação (BATISTA; BATISTA, 2004). Esse é um aspecto que

ocorre nas instituições de uma forma geral, mas especialmente nas IES privadas. Neste

caso, o interesse é por professores com larga experiência profissional e com boa titulação

acadêmica, para uma formação voltada às necessidades do mercado e para uma melhor

pontuação nas avaliações do MEC.

Cabe chamar atenção, também para a ausência ou deficiência da formação

pedagógica previstas nos programas pós-graduação de mestrado e de doutorado.

Teoricamente, a pós-graduação tem a função de promover a formação científica e

acadêmica de mestres e doutores, o que inclui a formação para atuar na docência. O que

vemos atualmente, como apontado acima, é o foco na pesquisa e na formação de

pesquisadores. Muitos programas de pós-graduação strictu sensu não oferecem disciplinas

didático-pedagógicas aos alunos, que poderão vir a se tornar docentes. Sendo assim,

quando os cursos são voltados exclusivamente para as atividades de pesquisa, não atendem

às necessidades específicas dos professores no tocante às atividades de docência.

Um agravante deste quadro se deve ao fato de a legislação brasileira sobre

educação, mais especificamente a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB),

ser omissa em relação à formação pedagógica do professor universitário, deixando a cargo

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de cada instituição ou curso o oferecimento ou não de disciplinas e estágios docentes, suas

cargas horárias, etc. (PACHANE; PEREIRA, 2004). Esta omissão da LDB reforça a crença

na não necessidade de que esta formação seja oferecida.

Na opinião de Costa (2009), que fez uma análise sobre os cursos de nutrição, um

dos desafios da formação de nutricionistas é a formação pedagógica de professores, que

precisam ter uma visão global da profissão docente. Para a autora, o corpo docente é um

dos elementos cruciais para o êxito das reformulações necessárias à formação dos

nutricionistas e o sustentáculo para a instituição das mudanças. Além disso, ela destaca a

necessidade dos cursos de nutrição reconhecerem que a maior parte do quadro de

professores não foi formado para a atividade docente, sendo indispensável a discussão

desta questão no sentido de buscar alternativas para superar esta deficiência.

A falta de formação pedagógica dos professores ou falta de visão crítica para os

aspectos humanos e sociais envolvidos nas relações educativas pode conduzir a uma

formação puramente técnica e impessoal ou ainda, a práticas autoritárias e

discriminatórias, violando o direito do estudante a uma formação digna e dignificante.

4.1.1.4 Distorções e disposições dos professores nos processos educativos

Como diz o ditado popular, “nem tudo na vida são flores”. Nas relações

estabelecidas na práxis educativa à aproximação e a troca com o outro podem gerar

inúmeros resultados, a depender do cenário encontrado – das pessoas envolvidas no

processo, das temáticas postas em diálogo, dos interesses, das intenções e o que está em

jogo em um determinado contexto e momento. Dos encontros podem nascer reflexão,

descoberta, conflito, disputa, empatia, frustração, criação, transformação – uma

diversidade de situações e sentimentos, tanto para estudantes como para professores

(LINDGREN, 1965; GIROUX, 1997).

Um ponto central desta questão é que os sujeitos envolvidos neste processo reagem

e lidam de formas diferentes no contato com as diversas situações e processos gerados na

troca educativa em sala de aula e em outras vivências pedagógicas. Alguns professores se

sentem ameaçados e desmotivados, quando ocorre algo diferente do planejado ou quando

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perdem o controle das situações. No entanto, outros compreendem que esses elementos

fazem parte dos processos educativos e se sentem positivamente desafiados.

“Ser professor é participar da formação desse jovem e uma formação

mais ampliada, mas ela não é tudo e também não é pouco. É estar sempre

em troca. Eu gosto dos meus temas ou da forma de lidar, porque eles são

sempre abertos. Então, você sempre se surpreende. A cada encontro com

o aluno aparecem questões novas, situações imprevistas ou não pensadas

e isso eu acho desafiador. Eu gosto, eu acho que é desafiador para a gente

ter que estar o tempo problematizando, pensando e refletindo” (3.EN3).

Segundo Lindgren (1965), os professores lidam de formas diferentes com suas

frustrações e com o sentimento de fracasso no desenvolvimento das atividades junto ao

grupo de alunos. Tal situação depende da maturidade emocional de cada professor na

condução das relações humanas. Em relação a este último aspecto, o autor analisa que

quanto mais emocionalmente inseguro o professor for, mais ele vai temer o fracasso e se

utilizar de dispositivos de poder e autoridade junto aos alunos para conseguir o que deseja;

e quanto maior a segurança emocional do professor, maior a sensibilidade e habilidade na

promoção de boas relações humanas entre os sujeitos envolvidos no processo educativo.

Nesta perspectiva, este o autor propõe que o professor busque desenvolver

habilidades para se tornar um “artista em relações humanas”. Para esclarecer esta proposta

ele faz uma comparação entre as posições do professor como técnico e como artista. O

técnico é aquele que analisa e diagnostica os problemas e aplica soluções baseado em

fórmulas ou critérios mensuráveis, normalmente de acordo com os manuais. Se empregar

as técnicas adequadas e o diagnóstico for correto, acredita que será bem sucedido. Quanto

ao termo artista, ele é empregado em sentido amplo, pois “quem quer que lide com meios

complexos, dinâmicos e mutáveis como as relações humanas são ou deveria ser um artista”

(LINDGREN, 1965, p.363). Um artista pode utilizar técnicas e métodos para apoiar seu

trabalho, mas as emprega de forma individualizada. Ele busca auxílio no conhecimento

científico, mas toma as decisões baseadas no que sente.

Apesar dos escritos de Lindgren terem sidos desenvolvidos na década de 1960, suas

ideias são absolutamente pertinentes ao contexto da educação superior atual, o qual inclui a

formação em Nutrição. As Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Graduação em

Nutrição instituem que a formação do nutricionista seja generalista, humanista e crítica, e

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que dote o profissional com competências e habilidades diversas e ampliadas, dentre elas

as de: comunicação com diferentes públicos, liderança no trabalho em equipe

multiprofissional e educação permanente de outros profissionais e da população em geral

(BRASILa, BRASILb, 2001). Neste sentido, é mais importante que o professor se torne

um artista em relações humanas do que um artista em conteúdos e disciplinas curriculares.

Como artista das relações humanas o professor precisa desenvolver a empatia e a

tolerância e, ao mesmo tempo, a capacidade de auxiliar um grupo de estudantes a

direcionarem suas forças de forma cooperativa e construtiva.

A complexidade e a diversidade das situações proporcionadas pelos encontros

educativos foram valorizadas por alguns professores, como sendo os elementos que

conferem a dinamicidade e beleza a profissão. Ao mesmo tempo, as situações geradas por

tais elementos podem se expressar no que uma professora identificou como uma

“distorção” na compreensão do que seja “ser professor(a)” ou do que se deseja de um

processo formativo democrático. Na situação relatada por essa professora os alunos

“Acham que o „bom professor‟ é aquele que entra na sala com um giz,

escreve o quadro inteiro, apaga, escreve, apaga. Ou aquela que é severa,

que dá esporro, que é grossa, que cobra trabalho, datas e prazos, que não

é flexível. Essa também „é boa‟. Quando você fica no meio termo, um

professor flexível, que acha que cada aluno é um aluno, cada situação é

uma situação, aí você começa a ser „a boba, é a boazinha‟, aí acaba

distorcendo o conceito de professor” (5.EAC).

A práxis educativa criticada por esta entrevistada revela o exercício de uma

docência inspirada no modelo tradicional de educação, ainda praticado em muitas salas de

aulas brasileiras. A manutenção deste modelo pode ocorrer por vários motivos, que

envolvem desde questões conjunturais e políticas – relacionadas ao saber global, a esfera

macro, até questões de personalidade e de formação pedagógica – associadas ao saber

local, a esfera micro (GIROUX, 1997; GEERTZ, 2003).

Pelo fato de as práticas educativas tradicionais ainda serem muito usuais, elas

acabam sendo reproduzidas pelos professores e aceitas pelos alunos. Isso ocorre mais por

conveniência e por falta de experiência em outros modelos de educação do que por uma

escolha consciente. É o que Gramsci chama de reprodução dos processos de dominação

por consentimento, neste caso, a reprodução do modelo tradicional de educação ainda

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hegemônico (apud MORROW; TORRES, 1997). Na rotina dos cursos de graduação,

professores e estudantes costumam incorporar crenças e práticas que são naturalizadas e

reproduzidas, mas que acabam influenciando a maneira como percebem e estruturam suas

vivencias educacionais. A fala ilustrada acima evidencia a naturalização de processos não

dialógicos e não participativos de educação. Além disso, o próprio sistema de ensino está

estruturado de uma forma que dificulta a implementação de outras propostas e métodos

educativos e avaliativos.

Na busca de explicações para situações similares às apontadas acima, que são

observadas também no curso em que leciona, uma professora declara que se sente

provocada a mudar, mas chama atenção para as dificuldades encontradas em função de um

quadro histórico existente – “Ser professor é provocar, fazer os alunos pensarem. Se a

gente pensar na história, na maior parte do tempo, a gente viveu num sistema formal de

ensino, que não ensinou a pensar. Ensinou a gente a memorizar, reproduzir aquilo que é

certo, que é errado” (1.EN3). Em função deste contexto, alguns professores relatam

encontrar dificuldade para realizarem propostas educativas que saiam do padrão praticado

na universidade e que exijam dos alunos maior participação, criação ou construção

coletiva, como, por exemplo, em atividades externas a universidade.

Outra cena de distorção no processo formativo, narrada de modo contundente por

uma professora, envolve a conduta de alguns docentes, que utilizam estratégias de opressão

e fazem uso indevido do poder conferido a ele na condução do processo educativo.

“Eu fico chocada quando vejo um professor que reprova 80% da turma e

acha que o problema está na turma. Que fala „enquanto eu for professor

você não passa nessa disciplina, você não é inteligente o suficiente‟, „ah,

o aluno não quer nada‟. Eu fico chocada com o senso comum pautando as

falas dos professores. Com a falta de auto-crítica. Com a capacidade que

um professor tem de se aboletar nesse lugar e não se questionar sobre sua

prática. Isso é ser “não professor” na verdade. Então, hoje eu me

movimento dentro da instituição no sentido de investir em processos

institucionais em que esse tipo de prática, de discurso, seja colocado na

berlinda. Então, como é que a gente cria mecanismos de avaliação

transparentes das práticas desses professores?” (1.ISC).

O relato acima expressa o que Freire (1997, p.672) caracteriza como denúncia-

anúncio em discursos utópicos e esperançosos. Utópico, não porque se nutrem de sonhos

impossíveis, mas porque “ao repensar nos dados concretos da realidade, sendo vivida, o

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pensamento utópico, implica a denúncia de como estamos vivendo e o anúncio de como

podemos viver. É um pensamento esperançoso, por isso mesmo”.

A entrevistada denuncia a permanência de processos opressores de ensino e de

comunicação desrespeitosa entre professores e estudantes. Ela expressa indignação com a

postura acrítica dos docentes ao se eximirem da responsabilidade pela reprovação dos

alunos e do compromisso com a formação dos mesmos. Esta cena pode indicar, também, a

omissão de outros professores e de gestores em promoverem a reflexão e o diálogo sobre

tais situações, na intenção de protegerem os alunos e reverterem tais processos. Ao mesmo

tempo em que denuncia, ela anuncia a busca de alternativas institucionais para a reversão

de um quadro desumanizador da educação, adotando uma postura de intelectual

transformadora (GIROUX, 1997).

Ao denunciar o “ser „não professor‟”, ela anuncia na sequência de sua narrativa que

“Ser professor é o exercício de uma constante tomada de consciência do que está por ser

feito. Porque se você está numa função de formação, você está comprometido com o devir

e o devir pode ir pra várias direções” (1.ISC). Nesse sentido, o educador precisa refletir

sobre a realidade vivida, desde os aspectos mais locais aos mais globais. No caso do

professor universitário, envolve um processo constante de (re)pensar seu papel e suas

ações junto aos alunos e na instituição; conhecer o grupo de estudantes ou público com o

qual se relaciona e dirigi suas ações; (re)ver os objetivos da sua atividade docente como

parte de um curso e de uma formação mais ampla; pensar os propósitos do curso e suas

funções na sociedade.

Com base na reflexão coletiva da realidade vivida – nos cenários local da

universidade e global da sociedade, professores e estudantes podem definir de forma mais

consciente o que “está por ser feito”, em que direção desejam seguir e onde pretendem

chegar. Além de ajudar a definir mais claramente as intenções e caminhos a se seguir, a

atitude reflexiva ajuda a alimentar a continuidade dos processos. A experiência de Mills

(2009, p.23) diz que “desenvolvendo hábitos auto-reflexivos, você aprende como manter

seu mundo interior desperto”. Mantendo o mundo interior desperto os educadores podem

se sentir mais seguros e motivados para despertar o pensamento e a ação dos estudantes,

dos outros professores e demais sujeitos envolvidos no processo formativo. A reflexão,

como diz Freire (1988), nos traz consciência da incompletude, do inacabado, que abre

espaço a criação, a ação. Ou seja, a reflexão gera disposição para ação.

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Essa disposição para a ação foi percebida em vários professores. Os motivos são

variados, construídos com base nas suas experiências passadas e atuais. Uma preocupação

comum entre os professores entrevistados em seu cotidiano de trabalho é a percepção de

certa falta de interesse e iniciativa dos estudantes em seu processo de auto-formação e,

também, um olhar restrito às questões sociais, políticas e culturais mais amplas. Por isso,

associam ao “ser professor (a)” a função de mobilizar, provocar, dinamizar, problematizar,

ampliar os horizontes, trazer para a realidade. “É claro que eu tenho um objetivo, eu

planejo e sei o que eu quero incentivar. Eu busco alguma dinâmica que desperte no aluno

um sentimento, aquela vontade de fazer alguma coisa. Um motivo. Eu acho que eu consigo

instigar, ativar um processo, movimentar” (2.ISC).

Para potencializar este “despertar” dos alunos para sua auto-formação e para o

desenvolvimento de um olhar ampliado para o universo da nutrição, alguns professores

mencionam a necessidade de criar espaços de debate e experimentação, dentro e fora de

sala de aula. Sendo assim, seria apropriado realizar atividades que coloquem o aluno em

cena, que mobilizem a pesquisa autônoma e o contato com a realidade social e profissional,

abrindo espaço para escuta da sua voz e das suas ideias. Neste sentido, uma entrevistada

acredita que

“ser professor é problematizar a sensação de impotência que as pessoas

têm. E não é só problematizar, é criar situações concretas em que as

pessoas exercitem, com suporte, o protagonismo e se sintam confiantes

pra fazer isso em ambientes hostis depois, é como se fosse uma

incubadora de cidadãos (risos)” (1.ISC).

Ao mesmo tempo em que expressam esta disposição para ação, alguns professores

reconhecem que é trabalhoso atuar fora do modelo tradicional de ensino, buscar fazer

diferente e inovar tanto em termos teóricos, quanto em termos práticos e metodológicos.

Como educadores sabemos que dá trabalho ser coerente com o que se fala, negociar com o

outro, fazer conexão entre saberes de diferentes campos, criar novos métodos de ensino e

de avaliação, participar de processos de trabalho coletivo, fazer atividades externas aos

muros da universidade, enfim, algo que nos tira da rotina e da zona de conforto de fazer

mais do mesmo.

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“Ser professor precisa se dedicar e abdicar de muita coisa. Eu falo sempre

que numa próxima encarnação eu não vou ser professora, porque é uma

profissão que você leva trabalho para casa, passa sábado e domingo

corrigindo trabalho (risos). Mas eu acho maravilhoso, apesar disso. Eu

me sinto realizada nessa área. Só financeiramente... claro que não fiquei

rica” (5.ESC).

Cabe assinalar a queixa de alguns professores em suas reflexões sobre “ser

professor (a)” exposta no final da narrativa ilustrada acima. Alguns professores se sentem

um pouco frustrados com o não reconhecimento de alguns alunos do esforço empreendido

nas aulas e nos estágios e, também, com a baixa remuneração conferida em troca de seu

trabalho. Ao mesmo tempo, se dizem realizados profissionalmente e que ficam satisfeitos

quando os alunos dão retornos positivos sobre as atividades, como quando são

homenageados pela turma ou quando um aluno faz um simples elogio a dinâmica da aula.

Um das entrevistadas, apesar de reconhecer que “dá trabalho” promover atividades

diferenciadas na formação dos estudantes, faz um contraponto com a seguinte fala:

“Ser professor é não achar que dá trabalho é problema, porque viver dá

trabalho. Eu acho que ser professor é regar a disposição pra se mexer. Eu

falo para os meus alunos „o mundo foi feito pelas pessoas e a gente vai

continuar fazendo, qual é o legado que a gente vai deixar?‟” (1.ISC).

A reflexão destacada acima expressa o que foi abordado como ponto inicial desta

análise sobre a compreensão dos docentes sobre o ato de “ser professor (a)” – o

compromisso com o estudante, mas sobretudo com a sociedade. Para além do

compromisso, esta professora agrega a necessidade da ação. Não uma ação reprodutivista

ou mecânica, embotada pela rotina de trabalho, mas uma ação refletida e intencionada para

a transformação social. Uma ação que pretende fazer a diferença e construir a sociedade

em que se vive e que se pretende deixar para as próximas gerações. Esse pensamento nos

remete à compreensão de Freire (1987) da educação como um ato de relação sujeito-sujeito

e sujeito-mundo, que na fala acima se associa mais claramente às noções de temporalidade

e de conseqüência, vinculadas à percepção de existir no mundo, de se integrar a sua

construção histórico-cultural e pelo ímpeto de transformar a realidade para um melhor

viver.

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A “disposição para se mexer” conclamada por esta docente e explicitada, também,

por outros professores, encontra afinidade com o espírito do professor como intelectual

transformador proposto por Giroux (1997). No caso da formação em nutrição, implica

exercitar a reflexão sobre o seu papel na formação dos estudantes como educadores, como

nutricionistas, como profissionais atentos à realidade e às necessidades de transformação

social. O professor intelectual transformador precisa exercitar o pensamento crítico na

reflexão sobre o papel da universidade em sua relação com a sociedade, para atuar como

um artesão intelectual no processo de construção de novos métodos e de novos

conhecimentos. Para facilitar e fortalecer suas ações precisa criar espaços institucionais

propícios à reflexividade, espaços de encontro e debates entre os professores, os alunos e

os demais sujeitos envolvidos nas experiências realizadas via universidade.

Mais do que uma categoria ou alternativa profissional, ser professor pede uma

atitude, uma forma de ser e estar na vida, na relação com as pessoas e com o mundo, na

disposição para a troca e para a construção dialogada e conjunta de conhecimentos. Porque

“Ser professor é um lugar de quem assume esse papel de forma consciente. Não precisa ter

o rótulo ou estar legitimando formalmente para isso, pensar o professor assim é superficial.

O aluno também é professor” (2.EN).

Diversas questões trazidas para o diálogo sobre o “ser professor (a)” nos deixam

claro que a formação do nutricionista como educador ocorre no contexto da universidade,

mas também antes dela, nas experiências escolares na infância e na adolescência; e

informalmente, nas relações com a família e outros grupos sociais e nas experiências

vividas por cada estudante, futuro nutricionista.

Na sessão a seguir, serão apresentadas as percepções, opiniões e experiências dos

docentes e estudantes quanto à educação nutricional, por vezes comentada como disciplina,

em outras como prática exercida pelo nutricionista. A reflexividade explorada aqui neste

capítulo permeou todo processo de entrevista e continua impressa nas narrativas dos

participantes apresentadas em seguida. Porém, suas vozes serão trazidas para o diálogo

com outras categorias analíticas identificadas no decorrer da pesquisa.

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4.2 POR UM OLHAR DIALÓGICO NA FORMAÇÃO DO NUTRICIONISTA COMO

EDUCADOR

“Todo ponto de vista é a vista de um ponto”.

Leonardo Boff (1977)

“A cultura é como uma lente através da qual o homem vê o mundo” (BENEDICT

apud LARAIA, 2005, p. 67). A depender das lentes que usamos e de onde estamos,

teremos pontos de vistas diferentes, o que é muito comum e saudável, diga-se de

passagem. Inicio com esta frase para justificar a proposta de usar lentes dialógicas para ter

um olhar crítico e ampliado sobre a formação do nutricionista como um educador. Não é

um exercício fácil. Vai-se acostumando com as lentes aos poucos e descobrindo novas

possibilidades de visão das coisas, dos outros e do mundo.

Essa disposição vem do encontro com alguns autores que, por caminhos diferentes,

mas confluentes, têm posturas dialógicas. Como por exemplo, com Geertz e sua

perspectiva analítica local e global; com Mills e seu artesanato intelectual que integra vida

e trabalho, concepção e ação; com Giroux e sua pedagogia da possibilidade que alia crítica

e esperança; com Freire e sua pedagogia dialógica, que se sustenta na indissociabilidade

entre reflexão e ação; entre outros.

Se a educação e a docência são atos que envolvem relação e a relação prescinde o

diálogo, isso quer dizer que podemos trabalhar na direção de uma educação dialógica. O

diálogo é compreendido aqui, não apenas como a troca de palavras e ideias entre duas ou

mais pessoas, mas como possibilidade de colocar diferentes perspectivas em relação em

diálogo. Neste sentido, podemos ter um olhar dialógico que auxilie nossas formas de

pensar e de agir como educadores – profissionais ou cidadãos. Podemos pôr em diálogo as

concepções e perspectivas: macro e micro; local e global; objetividade e subjetividade;

individual e coletivo; teoria e prática; saberes científicos e saberes cotidianos;

disciplinaridade e inter/transdisciplinaridade; social e biológico; etc. Enfim, uma ampla

gama de possibilidades para a ação de “pôr em diálogo”.

A intenção não é trabalhar as questões ou concepções de forma dicotômica ou

dualista, que tende mais a separação, bifurcação, divisão. Em sentido oposto, fazendo um

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paralelo com as bases matemáticas, o diálogo pode promover a união, a interseção, a

integração e a criação do novo, mais relacionados às operações de soma ou multiplicação

do que às de subtração ou divisão. Sobre este assunto, Boff considera errôneo confundir

dualidade com dualismo.

O dualismo vê os pares como realidades justapostas, sem relação entre si.

Separa aquilo que, no concreto, vem sempre junto. Assim, pensa o

esquerdo ou o direito, o interior ou o exterior, o masculino ou o feminino.

A dualidade, ao contrário, coloca e onde o dualismo coloca ou. Enxerga

os pares como os dois lados do mesmo corpo, como dimensões de uma

mesma complexidade. Complexo é tudo aquilo que vem constituído pela

articulação de muitas partes e pelo inter-retro-relacionamento de todos os

seus elementos, dando origem a um sistema dinâmico sempre aberto a

novas sínteses (BOFF, 1997, p.74-75, grifos do autor).

A complexidade mencionada por Boff é característica básica da condição humana.

Para ele “tudo está em relação com tudo. Nada está isolado, existindo solitário, de si e para

si” (BOFF, 1997, p.72). A complexidade se expressa em nossos pensamentos, ações e

reações. É ela que move o espírito do pesquisador, do artesão intelectual, do professor

transformador, que sai em busca de respostas e novas perguntas para alimentar sua práxis.

Entendendo a complexidade da realidade brasileira, Freire propõe uma educação

problematizadora e libertadora, que tem o diálogo como centro da ação pedagógica. Para

Freire (1988) o conhecimento é um ato histórico, gnosiológico, lógico e também dialógico.

Sendo assim, conhecer e pensar estão diretamente relacionados e necessitam da disposição

dialógica para se desenvolverem. A arte do diálogo oportuniza o encontro e o confronto de

ideias que podem levar a outras idéias e, consequentemente, a outras atitudes e ações. Este

é o movimento que esperamos que se desenvolva nos processos educativos e formativos

em nutrição.

4.2.1 O papel da disciplina Educação Nutricional (EN) na formação do nutricionista

No processo de entrevista fizemos duas perguntas diferentes aos professores, que

pretendiam respostas distintas, mas que para nossa surpresa, apresentaram conteúdos e

características confluentes. Qual o papel da educação nutricional na formação do

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nutricionista? Quais são os desafios atuais da formação em educação nutricional? Em

muitos depoimentos, os elementos que compunham o papel da EN, se apresentaram

também como desafios enfrentados tanto na formação do nutricionista, quanto na prática

desta atividade nos diferentes cenários de atuação profissional.

Estas perguntas permitiram conhecer os olhares sobre os objetivos e funções da

disciplina EN na formação do nutricionista e as possibilidades de aplicação nas diferentes

áreas de nutrição, tanto de professores da própria disciplina, quanto de professores

responsáveis pelos estágios das três áreas clássicas da nutrição. É importante salientar que

encontramos olhares aproximados, e outros nem tanto, principalmente no que se refere às

possibilidades de aplicação nos diferentes contextos e realidades profissionais, que

possuem especificidades técnicas e funcionais. No caso dos estudantes, ouvimos suas

percepções e opiniões sobre a relevância da EN na formação e na prática do profissional

nutricionista. Neste item, iremos apresentar uma análise geral sobre o papel da educação

nutricional na formação do nutricionista.

A educação nutricional é percebida pela maioria dos professores como um elemento

central para a atuação dos nutricionistas em todas as áreas e junto aos mais diversos

públicos – criança, adolescente, gestantes, adultos, trabalhadores, idosos, saudáveis ou

doentes, “tem esse papel tanto junto aos funcionários quanto junto à clientela” (4.EN). Os

professores de estágio compreendem a EN como uma estratégia, uma ferramenta de

trabalho relevante, que precisa se adaptar as diferentes áreas de atuação, de acordo com

suas especificidades e realidades.

“Eu acho que é importantíssimo, porque acaba atuando em todas as áreas.

Você pode atuar na produção, que tem que ter educação nutricional. Um

foco diferencial num estabelecimento comercial é isso, ir além da comida

segura, é educar o consumidor, é educar o seu manipulador. Então, eu

acho que é primordial na produção, na área clínica, na materno-infantil,

na saúde pública. Então, é uma matéria que é o coração e todos os lados

vão pegar um pouquinho da educação nutricional” (5.EAC).

Segundo uma resolução do Conselho Federal do Nutricionista a educação

nutricional não é uma área de atuação clássica, como a alimentação coletiva, a nutrição

clínica e a saúde coletiva (CFN, 2006). Porém, ela é identificada como atribuição e

atividade a ser desenvolvida pelo nutricionista em cinco das sete áreas de atuação definidas

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na resolução. Talvez isso explique o fato de alguns professores não a considerarem uma

atividade fim, mas uma atividade meio que pode potencializar os resultados desejados

junto aos diversos públicos atendidos. Uma docente da área de alimentação coletiva pensa

que a EN pode ser diferencial para o trabalho do nutricionista nesta área e criar maior

identidade profissional e compromisso social com as pessoas que freqüentam o espaço,

neste caso os trabalhadores e os comensais.

“Se o nutricionista incorporar isso como uma propriedade sua daria um

grande diferencial e valorização daquele profissional no local de trabalho.

Porque quando ele deixa um pouco essa nutrição de lado e fica muito

como gestor, ele acaba perdendo um pouco da sua identidade como

nutricionista. A educação nutricional tem um papel importantíssimo de

valorização profissional e de compromisso com aquelas pessoas.

Principalmente hoje que a gente tem mega quantidades de informações na

mídia, que as pessoas ficam completamente perdidas e confusas”

(1.IAC).

No contexto do curso de nutrição, foi unânime o entendimento que a EN se inter-

relaciona com várias áreas de atuação e disciplinas ministradas. Uma professora

considera a EN como um “eixo transversal, que tem que passar por tudo, igual a ética e a

técnica dietética” (2.EAC). Ela menciona em seu relato que no processo de reforma

curricular que está acontecendo em seu curso, ocorreu a proposta das disciplinas citadas

não existirem como tais e seus conteúdos e práticas serem inseridos em diversas outras

disciplinas como temas transversais. No caso da educação nutricional, a proposta de eixo

transversal não se consolidou, mas influenciou sua reestruturação e apresentação em

Educação Nutricional I, II e III, que estão previstas para serem ministradas ao longo do

curso, nos 1º, 5º e 7º períodos. Cada disciplina abordaria teorias e temas gerais relativos

aos aspectos educativos, sendo que cada uma delas seria mais voltada para uma das três

áreas clássicas da nutrição.

Na opinião da maioria dos estudantes a educação nutricional se relaciona com todas

as áreas de atuação da nutrição. Entretanto, alguns deles ponderaram que a depender do

local de trabalho podem encontrar dificuldades para realizá-la. Essa observação foi feita

por alunos que tiveram dificuldade de realizar atividades em alguns campos de estágio. O

trecho da fala destacada a seguir representa o discurso de parte dos alunos e faz um

destaque quanto à disciplina.

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“Eu acho que a educação nutricional é a base de muitas coisas. Como eu

vou chegar no paciente, como que eu vou convencê-lo a fazer certas

práticas. Dentro da produção, tem que ter educação nutricional. Dentro de

todas as áreas que a gente já citou tem que ter educação nutricional. Eu

acho uma disciplina muito importante e acho que deveria ser mais

valorizada dentro da faculdade” (2.Est8).

Para alguns docentes e estudantes, uma das funções da disciplina EN no curso é a

articulação de diversos conhecimentos aprendidos ao longo da formação – articulação

entre os conhecimentos teóricos e práticos de várias disciplinas, e destes com a realidade

social na qual serão confrontados. “Eu acho que no momento em que essa disciplina é

oferecida no curso o aluno já foi muito exposto a informação, informação, informação. É o

momento disso ser retrabalhado, ressignificado” (1.ISC). Esta ressignificação proposta pela

professora é vivida com certa dificuldade pelos professores da disciplina EN no cotidiano

da sala de aula e percebida como surpresa agradável ou espanto pelos estudantes,

ocasionando uma certa confusão paradigmática. O relato de uma estudante a seguir revela

esta problemática.

“Isso é o correto, isso é o cientifico, isso está fundamentado e

estabelecido. Ai chega na educação nutricional, lá no final da graduação e

desconstrói tudo. Aí você tem que compartilhar, colaborar, co-

participar... Como é que fica aquela coisa tecnicista, que só despeja,

unilateral? Complicado! Você tem que desmontar um ideal de uma hora

pra outra, uma coisa que foi sendo estabelecido... Derrubar o paradigma é

difícil” (1.Est3).

A necessidade de ressignificação salientada pela docente e pela aluna corresponde,

também, a duas questões centrais que vem sendo debatidas na literatura acadêmico-

científica da área e, também, que foi mencionada inúmeras vezes pelos entrevistados – o

reconhecimento da complexidade e da multidimensionalidade da alimentação, da nutrição

e da saúde; e a necessidade de processos educativos diferentes dos tradicionalmente

realizados.

Ao refletir sobre o papel da disciplina EN na formação do nutricionista grande parte

dos professores se referiu à função de ampliar o olhar dos estudantes sobre o universo da

alimentação e da nutrição, para além dos aspectos biológicos que estão fortemente

presentes no interior da estrutura curricular. A fala de uma professora da disciplina EN

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revela a dificuldade em promover esta ampliação do olhar solicitada, principalmente, pelos

professores de estágio.

“Então, chega no 6º período e eu pego uma pessoa que passou por tudo

isso, com uma formação pesada na biomedicina, nos saberes do campo

das ciências biológicas, ou do alimento, ou da doença e mostrar pro cara

que não é só isso, que ele precisa incorporar outros elementos do campo

das ciências sociais e humanas. Que ele tem que provocar aquele paciente

ou aquele indivíduo a repensar a relação com a comida. É muita

novidade! Não é fácil. Eu tento que ir criando esses espaços de inserção,

de estímulo a criatividade na estrutura da disciplina. A gente tem que ser

mais ousado! Educação nutricional não dá pra fazer sem ousadia, sem

coragem pra fazer coisas diferentes! Porque a gente está há anos fazendo

a mesma coisa!” (1.EN3).

Historicamente a formação em nutrição expressa a hegemonia do paradigma

biomédico que, acaba por se manifestar nas práticas em saúde predominantes e em uma

visão de mundo pautada na lógica das ciências naturais, que limita o reconhecimento da

alimentação como um ato cultural e social (FREITAS; MINAYO; FONTES, 2011). Nessa

perspectiva, a nutrição tem sido criticada por seu referencial biológico e tecnicista, que vê

o corpo humano como máquina (aparelho digestório, respiratório, circulatório), a

alimentação como elemento essencial para o bom funcionamento do corpo e a nutrição

como a ciência que define, calcula e planeja a quantidade de nutrientes e energia que

devem ser consumidas para tratar as enfermidades ou manter o corpo saudável. Com o

predomínio desse olhar tecnicista, a nutrição acabou se refugiando no campo das ciências

biológicas e da saúde, e estabelecendo tímidas relações com outros campos do

conhecimento, que poderiam auxiliar na criação de novas formas de ver e lidar com os

fenômenos alimentares na sociedade.

Tanto os professores da disciplina EN, quanto os de estágios tem consciência desta

problemática no estrutura do curso e conferem a disciplina EN a tarefa de incluir temáticas

de diferentes disciplinas do campo das ciências sociais e humanas e fazer variadas pontes

destas temáticas com a alimentação e a nutrição – “Acho que EN hoje em dia tem um

cunho assim, de trazer a sociologia pra dentro da nutrição, pra perceber que a alimentação

e nutrição não é só cuidado com alimentação ou com uma alimentação saudável. Perpassa

por toda uma questão histórica, de fundamento sociológico” (1.ESC). A educação

nutricional “tem que falar de cultura, de sociologia. De como é que o mundo é, de como é

que o mundo gira, de como é que a sociedade se forma. Porque que é importante você estar

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a serviço da conscientização na sociedade” (1.ENC). O papel da EN é “você formar um

profissional criativo, que saiba lidar com diversidades culturais, socioeconômicas,

fisiológicas. Tudo junto” (6.EN).

Os professores justificam esta demanda em função da complexidade da alimentação

e da nutrição no contexto atual, associados aos modos de vida nos centros urbanos, a

desigualdade social, a industrialização da alimentação, a profusão de informações

nutricionais e propagandas de alimentos veiculadas por diferentes mídias, ao desafio no

enfrentamento da obesidade, das doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) e dos

transtornos alimentares, entre outros. Alguns professores consideram que a abordagem

pautada exclusivamente nos aspectos biológicos não é suficiente para lidar com a

complexidade vivida na realidade social. É necessário “entender a nutrição dessa forma

mais ampla. A relação homem, alimento e sociedade. E esse alimento, de onde ele vem?

Como ele é produzido? Eu acho que isso começou a ser incorporado na nossa formação,

mas ainda falta!” (3.EN3).

Nesse sentido, a disciplina EN tem o papel de ampliar o olhar do aluno para o

outro, respeitando suas diferenças e particularidades; para a percepção da alimentação na

sociedade para além dos aspectos biológicos, incluindo temas como sustentabilidade,

produção de alimentos, mídia, fome, segurança alimentar e nutricional, comportamento

alimentar, cultura, culinária, políticas públicas, entre outros. Enfim, uma profusão de temas

diversos, complexos e multireferenciados, que reforçam a necessidade de um olhar

dialógico entre as dimensões locais e globais de cada situação encontrada na realidade

social e profissional (GEERTZ, 2003).

Em função disso, algumas professoras destacaram a necessidade de problematizar a

concepção de alimentação saudável construída pela ciência da nutrição, divulgada pela

mídia, aceita pelos profissionais de saúde e pela população, como um senso comum. Uma

delas trouxe a questão da indústria de alimentos e suas estratégias de vinculação ao

“saudável”: “Gosto de discutir às vezes no estágio, que alimentação saudável para mim não

é uma alimentação light nem diet, vamos parar com isso, isso é termo da indústria. Eu

tento romper um pouco com essa linha” (3.EN3). Outra docente problematizou que as

recomendações para uma alimentação saudável divulgadas por órgão oficiais de saúde,

acabam virando dogmas difíceis de serem aplicados por populações com baixo poder

aquisitivo.

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“Eu sou meio avessa a dogmas, essa coisa da alimentação saudável pra

mim é um dogma. Às vezes eu recebo pessoas aqui que ganham um

salário mínimo e tem que sustentar sete pessoas. E como é que faz

aqueles passos todos? Como é que faz cinco ao dia?4 E aí as respostas a

gente não sabe dar. A gente fica impactada com os dogmas. Então, eu

acho que educação nutricional precisa ser critica nesse sentido” (1.ENC).

Castro, Castro e Gugelmin (2011) partem do entendimento da alimentação como

um processo complexo, que envolve indivíduos, coletividades, alimentos e todas as

relações envolvidas no sistema alimentar, para proporem a observação da alimentação por

meio de cinco dimensões: do direito humano, biológica, psicossocial e cultural, ambiental

e econômica. Nessa perspectiva, as autoras entendem que é necessário rever o escopo de

ações e políticas públicas desenvolvidas neste campo, que deve passar a considerar a

interface entre saúde-ambiente-sociedade, combinando medidas legislativas, regulatórias,

fiscais, educativas, entre outras.

De acordo com os professores a disciplina EN deve formar os estudantes para atuar

junto aos indivíduos e coletividades na intenção de sensibilizá-los para importância e a

centralidade da alimentação na vida humana e de qualificar as informações que eles têm

em quantidade, mas não em qualidade, sustentada pela sociedade de consumo. Tal ponto

de vista se expressa na fala da professora abaixo.

“Educação nutricional é trabalhar com alimentação para adultos, para

pessoas que tem escolaridade, mas que não tem a especialidade, que está

sujeita a toda uma era de consumo, porque a gente tem muitas

informações, mas não são informações de qualidade às vezes e que a

gente pode depurar isso com o trabalho que a gente faz através do

cardápio que a gente fornece, por exemplo” (2.EAC).

A necessidade de compreender a alimentação e a nutrição em uma perspectiva mais

ampla vem sendo debatida com maior intensidade nas últimas duas décadas no Brasil.

Segundo Fonseca et al. (2011) ao compreender o fenômeno alimentar e o seu consumo em

uma abordagem mais qualitativa pode-se avançar na construção das ciências nutricionais,

privilegiando-se uma abordagem compreensiva sobre o alimento e a alimentação nos dias

atuais. Os autores sugerem que os estudos atuais devem se dedicar à investigação do

4 A professora se refere à publicação do Ministério da Saúde “Dez passos para uma alimentação saudável” e

ao “Programa 5 ao dia”, que recomenda o consumo de, no mínimo, 5 porções de frutas e hortaliças, todos

os dias.

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consumo alimentar como um fenômeno social para que se agreguem novos componentes

analíticos ao conjunto de resultados com o enfoque biomédico.

Além da função de apresentar aos estudantes diferentes possibilidades de ver e

compreender o ser humano, a alimentação e a sociedade, a disciplina EN teria o papel

sensibilizar e formar o nutricionista para atuar como educador.

“As pessoas têm que tomar a consciência do poder da educação. É nesse

momento da formação do nutricionista que a gente tem que falar disso,

não é em outro momento. É a disciplina específica para falar disso e não é

só fazer planejamento da prática, não só plano de aula, é algo mais. É

mexer com o coração, com o corpo, chamar gente que possa falar disso.

Chamar poeta de cordel, o pessoal do nordeste que trabalha educação em

saúde fazendo bilro e cantando canções sobre alimento” (1.ENC).

Nesta tarefa de formar o nutricionista como educador, surgem algumas questões

relevantes. A primeira delas corresponde a necessidade de formar estudantes para adotarem

uma postura profissional diferenciada. Associa-se a essa questão o desejo de que os

estudantes compreendam a necessidade de assumir uma atitude de educador. Nesse

sentido, a disciplina EN teria a função de sensibilizar os estudantes para uma postura

menos técnica, pautada prioritariamente na racionalidade biomédica, e mais humanizada,

que considere a integralidade no cuidado e relação com indivíduos e coletividades

(MATTOS, 2009).

Essa atitude de educador que os docentes esperam que seja gerada nos estudantes

tem elementos comuns com os surgidos na auto-reflexão que fizeram sobre o “ser

professor”. Assim, eles desejam que os estudantes sejam educadores com compromisso e

responsabilidade social, na promoção da saúde e da alimentação saudável, mas também, na

formação de cidadãos. Além disso, esperam que a atitude de educador seja compreendida

como algo que irá acompanhá-los em todas as suas atividades cotidianas, na relação com

os diferentes públicos atendidos, com sua equipe e com os demais trabalhadores. A fala de

uma professora de educação nutricional revela a compreensão dessa atribuição da

disciplina.

“Eu acho que a gente tem esse papel para além do conteúdo, da formação

de atitude, atitudinal (sic) desse profissional. Eu acho que o único

momento em que eles pensam sobre isso, salvo algumas aulas que algum

professor puxa um assunto, mas formalmente eles não discutem isso em

nenhum momento, de como eles vão interagir com as pessoas, dos

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valores, do simbolismo da alimentação, é só quando chega em educação

nutricional. Então a gente tem uma tarefa árdua de despertar essa questão

pra eles” (1.EN2).

A narração acima revela, também, a percepção de que não basta ter conhecimentos

e conteúdos técnico-científicos necessários aos processos educativos, é preciso

problematizar junto aos estudantes suas visões de mundo e paradigmas associados à

alimentação, a saúde e ao próprio papel de educador. Esta é “uma tarefa árdua” conferida à

disciplina EN, porque exige um duplo investimento no processo de ensino-aprendizagem: a

formação humanística-reflexiva e a formação didático-pedagógica. Neste sentido, boa

parte dos docentes acredita que a “educação nutricional vai dar um olhar mais criativo, um

olhar mais crítico, um olhar mais humano para o profissional nutricionista” (5.EN).

Cabe abrir aqui um “parêntese” para falar de uma característica peculiar da

disciplina EN, que foi mencionada por algumas de suas professoras.

“Ela é reflexiva, é uma disciplina que se debruça sobre si mesma. Isso

facilita muito as coisas e dificulta muitas outras. Acho que essa é uma

característica da educação nutricional, aliás do processo educativo em

geral. Porque como é uma apropriação dessa área mais de educação pra

dentro do currículo, eu acho que ela acaba tendo essa característica de

reflexividade” (2.EN).

A reflexividade ocorre na disciplina, pois durante as aulas o professor apresenta e

debate teorias, princípios e procedimentos educativos, que ao mesmo tempo são (ou

deveriam ser) realizados por ele em sala de aula. Ao mesmo tempo, as aulas expressam (ou

deveriam expressar) o próprio processo educativo do qual o professor esta propondo que o

aluno desenvolva junto aos sujeitos de suas ações educativas. A fala de outra professora

explicita este processo.

“Nas aulas de educação nutricional, a gente trabalha com uma lógica que

não é uma aula de conteúdo pronto, de transparência. É uma lógica de

construção daquele conhecimento, que é o que a gente quer que ele

(aluno) faça profissionalmente. Em dia que eu dou aula eu fico bem

cansada, porque é um exercício interno de fazer esse papel do professor

pra que eles percebam que é possível um outro formato. Que um outro

formato existe, faz sentido, que ele funciona” (1.EN2).

Ou seja, os professores da disciplina precisam ter habilidades, competências e

qualidades – humanísticas-refletivas e didático-pedagógicas – para realizarem os processos

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educativos junto estudantes, para que eles tenha uma referencia e sejam sensibilizados para

realizá-las junto ao público de suas ações.

Para que isso ocorra é necessário desenvolver o pensamento crítico de estudantes e

professores. Segundo Giroux (1997, p.99) o desenvolvimento do pensamento crítico requer

que o processo de ensino-aprendizagem estabeleça, num primeiro momento, relações entre

teorias e fatos. Nesse sentido, o pensamento crítico é compreendido como a capacidade de

tornar problemático o que havia sido tratado como dado; examinar criticamente a vida que

levamos; ter a capacidade de pensar sobre nossos pensamentos. Em termos pedagógicos,

significa exercitar a problematização proposta por Freire (1988, 2011). Por meio da

problematização, os estudantes podem criar seu próprio sistema de referência – isto é, sua

visão de mundo, e aprender a utilizá-lo como instrumento teórico-conceitual na análise das

teorias e fatos.

O segundo componente fundamental do pensamento crítico corresponde a relações

entre fatos e valores, já que o conhecimento não pode ser isolado dos interesses, normas e

valores humanos (GIROUX, 1997). Quando um sujeito seleciona e dá uma sequência as

informações, ele constrói um quadro de realidade contemporânea e histórica com base em

suas operações cognitivas e sistemas de valores e crenças. Segundo o autor, ignorar a

relação entre os fatos e os valores é correr o risco de ensinar os estudantes a lidar com os

meios, independente das intenções dos fins.

Exercitar o pensamento crítico pode facilitar a “contextualização da informação”

por parte dos estudantes em seu processo de auto-aprendizagem, isto é, aprender a

questionar a legitimidade de um fato, conceito ou questão; aprender a perceber a essência

da questão examinada; aprender a pensar dialeticamente e não de forma isolada (GIROUX,

1997, p.100).

No processo de reflexão sobre o papel da disciplina EN, outro aspecto foi

considerado essencial – a formação didático-pedagógica dos estudantes. Os professores

reconhecem que, dentre as disciplinas que compõem o currículo do curso de nutrição, a EN

faz “uma apropriação única das questões pedagógicas, porque não tem outro momento pra

isso” (2.EN). Sendo assim, todos os professores se reportaram a algum aspecto relacionado

ao desenvolvimento de habilidades, competências e qualidades junto aos estudantes para

que possam realizar processos educativos com diferentes indivíduos, grupos e

coletividades.

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Suas expectativas giram em torno de vários aspectos. Uma delas se refere à

habilidade com as relações sociais e humanas, associadas ao saber lidar com o outro, a

exercitar a escuta compreensiva e ao respeito às diferenças e diversidades de cada

indivíduo ou grupo. Outro aspecto está relacionado com as habilidades comunicacionais,

tanto no sentido de aprimorar a comunicação verbal do estudante junto ao público,

buscando uma linguagem clara, acessível e não pautada no “nutricionês”, quanto na

intenção de incentivá-los a buscar formas de comunicação variadas e criativas, como o uso

de recursos audiovisuais e internet.

Nesta mesma direção, alguns professores apontaram a necessidade da disciplina EN

valorizar o diálogo e a troca de conhecimentos e experiências como parte do processo de

ensino-aprendizagem.

“Se ele aprender o conceito de educação enquanto a questão de valorizar

o saber do outro. Se ele ver esse outro enquanto sujeito, um sujeito de

saber, um sujeito de aprendizado, que tem uma história de vida, que tem

experiências e que podem se somar as dele e as dele se somar as do outro,

enquanto troca. Acho que isso é um ganho e é para a vida” (3.EN3).

Entretanto, outra professora fez uma ponderação sobre esse assunto. Ela observa

que alguns alunos ficam um pouco confusos com o discurso que supervaloriza o saber

cotidiano e popular, como se o profissional de saúde não tivesse nenhum conhecimento

para pôr em diálogo. Para ela a disciplina EN tem a função também de “situar o aluno em

relação a isso, de que não existe só conhecimento científico, mas existe também o

conhecimento científico. E que ele pode contribuir muito pra mudar processos de vida,

coisas que a gente sabe hoje e a gente não sabia, que fazem a gente viver melhor” (1.ISC).

As duas falas ilustradas chamam atenção para a potencialidade da troca de saberes

científicos e de saberes populares e cotidianos nas relações educativas, respeitando os

limites e valores de cada um.

Outro aspecto mencionado pelos professores ao longo de suas narrativas é o tipo de

abordagem educativa que eles consideram adequadas ou inadequadas para o contexto

atual. Eles esperam que a disciplina EN problematize com os estudantes as condutas

consideradas negativas, que utilizam abordagens autoritárias, prescritivas, proibitivas,

acríticas, dogmáticas, medicalizantes que encarem o conhecimento e os sujeitos de forma

fragmentada. Por outro lado, a disciplina teria a função de fomentar nos estudantes

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abordagens e atitudes pautadas em referências positivas, dialógicas, críticas, criativas,

reflexivas, ampliadas, humanizadas, próximas, acolhedoras. A narrativa apresentada a

seguir explicita o pensamento de uma das professoras a esse respeito.

“Muita gente usa a educação nutricional como prescritiva, faça isso, faça

aquilo. Então, eu acho que ela é faca de dois gumes. Ela é impositiva e

ela é o caminho pra libertação. O caminho que a gente pode utilizar para a

pessoa ser gestora de sua própria saúde. Esse caminho se faz através do

diálogo. Uma educação nutricional que não seja dialógica e seja

dogmática, não funciona” (1.ENC).

No contexto da reflexão sobre a EN, suas características e abordagens, surgiram

duas questões que merecem ser destacadas. A primeira delas diz respeito ao incômodo de

duas professoras de se reportar às atividades educativas como sendo “educação

nutricional” e não “educação em saúde”. Para elas, classificar a ação como educação

nutricional acaba levando os nutricionistas a restringir as temáticas à alimentação e

nutrição, reproduzindo as práticas prescritivas e reforçando um olhar fragmentado para a

saúde. Referir-se à educação em saúde é algo maior, é o objetivo final da educação

nutricional, que precisa estar mais integrada com os outros aspectos da vida humana e

menos apegada aos dogmas da ciência da nutrição.

“A educação nutricional sempre foi uma oportunidade de discutir as

correntes de pensamentos da educação, as questões especificas na área de

alimentação e nutrição, os aspectos culturais, psicossociais, mas que

muitas vezes isso pode se desvencilhar da saúde como bem maior. Eu

acho algo muito setorial ainda. A educação em saúde ela tem uma

especificidade, que você vai abordar as questões da vida, do cotidiano e

nisso entra a alimentação, lazer, emprego. Eu tenho a impressão de que se

trabalha de forma muito setorial. Quem faz educação nutricional é

nutricionista, por isso é nutricional. Eu não percebo um trabalho em

saúde mais amplo” (2.ISC).

De fato, a educação nutricional pode ser desenvolvida de forma restritiva ou de

forma ampliada a depender da abordagem e das intenções do profissional e do objetivo das

ações. Compreendemos que a educação nutricional integra o escopo de ações da educação

em saúde e da promoção da saúde. Sendo assim, ela não está à parte, ela faz parte. Na

análise de Rotenberg et al. (2008, p.56), o nutricionista pode abordar temas mais amplos,

associando a promoção da alimentação saudável ao “contexto da segurança alimentar e

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nutricional, da determinação do processo saúde/doença, das relações com o trabalho e o

meio ambiente, da violência, das relações de gênero, sexualidade e saúde reprodutiva, da

cidadania, solidariedade, direitos e condições de vida”.

Há alguns anos, vem ocorrendo um debate nos meios acadêmicos e profissionais

sobre a educação nutricional ser uma atribuição exclusiva dos nutricionistas ou algo que

deve ser desenvolvido por outros profissionais, como médicos, enfermeiros, professores da

educação básica, etc. Pode-se dizer que não existe um consenso sobre esta questão.

Esse assunto permeou o debate em alguns eventos realizados para a construção do

Marco de Referência de Educação Alimentar e Nutricional para as Políticas Públicas. No

documento a educação alimentar e nutricional é caracterizada como um tema com “caráter

intersetorial intrínseco” e que em função disso

[...] vários profissionais podem e precisam desenvolver ações de EAN.

No entanto, no contexto de indivíduos ou grupos com alguma doença ou

agravo, onde a EAN é um recurso terapêutico vinculado ao processo de

cuidado e cura deste agravo, esta orientação é atividade privativa do

nutricionista. Portanto, as abordagens técnicas e práticas em EAN devem

respeitar as especificidades regulamentadoras das diferentes categorias

profissionais (BRASIL, 2012c, p.8).

De acordo com este documento, a educação nutricional continua sendo uma

atribuição do nutricionista, mas não de forma exclusiva, podendo ser desenvolvida por

outros profissional. Se a entendemos como integrante do escopo de ações de educação e

promoção da saúde, a participação de outros profissionais é profícua, pois pode trazer

outros olhares e abordagens para enriquecer o processo educativo. Nesse sentido, o

nutricionista pode ser o profissional de referência para as ações, orientando e coordenando

outros profissionais a fim de alcançar maior capilaridade junto à população.

A segunda questão que merece ser destacada é a discussão sobre as diferenças e

similaridades entre “educação nutricional” e “orientação nutricional”. Esta temática já foi

debatida na literatura científica por algumas autoras que fazem uma distinção entre as duas

atividades. Na ótica de algumas autoras existe uma diferença entre educação nutricional e

orientação nutricional. A primeira estaria preocupada com as representações sobre o comer

e a comida, com os conhecimentos, as atitudes e valores da alimentação para a saúde,

buscando sempre a autonomia do sujeito, sendo o nutricionista um parceiro na resolução

dos problemas alimentares; a segunda estaria preocupada apenas com a mudança de

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práticas e o seguimento da dieta, sendo o profissional autoritário e dá ênfase somente à

prescrição dietética (BOOG, 1997; MANÇO; COSTA, 2004).

No caso desta pesquisa, a análise compreensiva das narrativas de professores e

estudantes deixa claro que alguns deles entendem que estão realizando educação

nutricional, quando estão procedendo às orientações de alta junto aos pacientes

hospitalizados. Outros professores e estudantes, também, consideram estar realizando

educação nutricional no oferecimento de um cardápio saudável aos comensais de uma

empresa ou no treinamento de funcionários quanto às boas práticas de manipulação de

alimentos, conforme descrito a seguir.

“Quando eu introduzo os alunos no estágio, eu falo „a educação

nutricional é o que vocês mais vão fazer. Ao passar visita diariamente em

beira de leito, a educação nutricional permeia todo o diálogo de vocês

com eles. Por que o paciente não tem adesão ao tratamento dietético?

Porque muitas vezes ele não tem consciência de que a alimentação

naquele momento para ele é um tratamento. Ela perdeu aquele caráter

antropológico, social, de sentar à mesa... Neste momento ela é um

tratamento e ele tem que adquirir outras formas de se relacionar com o

alimento. Desenvolver outros paladares. Eu sempre falo „nossas papilas

gustativas também são educadas‟. Eu acho que a educação nutricional é

nosso instrumento de trabalho, é fundamental para a adesão do paciente e

o sucesso do trabalho” (2.ENC).

“No estágio curricular, a gente fez educação nutricional no restaurante

comercial. A gente fez alguns treinamentos com os funcionários mais

voltados pra educação nutricional, envolvendo a higiene alimentar. Foi

bem legal, tivemos uma resposta boa, eu gostei do resultado” (3.Est8).

Por outro lado, nos trechos de falas ilustradas abaixo, podemos observar o relato de

uma professora que faz uma distinção entre a prática de orientação e de educação

nutricional. Em seguida, o trecho de um diálogo entre alguns estudantes expressa certa

confusão sobre as duas formas de se referir à prática, mas ao final a maioria chega à

conclusão de que educação é um processo mais amplo que a orientação.

“Quando a gente está dentro de uma UAN, de um ambulatório ou de um

hospital, a gente vai ter que colocar a educação nutricional, seja

educação, se você tiver a oportunidade, seja a orientação. Você entende

educação nutricional como orientação nutricional? Pra mim são duas

coisas distintas. Orientação é pontual, tem início, meio e fim, acabou.

Educação é um processo contínuo, ele tem que ser de maneira gradativa e

constante. Eu não educo ninguém num encontro. Na maioria das vezes, a

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gente acaba fazendo uma orientação frente a uma educação nutricional”

(5.EN).

– “Eu fiz educação nutricional. Fiz pra ele uma dieta não com quantidade,

era só de qualidade, pra conscientização” (3.Est5).

– “Era só orientação” (3.Est4).

– “Isso pra vocês é educação nutricional?” (3.Est2)

– “O problema é que é uma orientação de alta de acordo com a

necessidade dele no momento. Isso não quer dizer que depois que ele sair

do hospital ele vai seguir aquilo. Pode voltar a seguir os hábitos que ele

tinha. Então, é uma educação nutricional naquele momento, mas depois

ele vai voltar a comer lasanha” (3.Est9).

– “É uma orientação, não é uma educação” (3.Est4).

– “Você não está educando ele a comer” (3.Est5).

– “Eu não acho que você orientando, você está educando. Eu acho que

quando você está fazendo uma orientação, você está falando o que ele

deve fazer, você não educando” (3.Est3).

– “Eu concordo. Educação é um processo” (3.Est7).

O ponto de vista compreendido nesta tese é de que a educação nutricional pode ser

desenvolvida em diversos contextos e situações, como os apontados acima. Mais do que

uma atividade organizada e planejada, a educação nutricional é uma atitude, uma ação

intencionada e reflexiva, que ocorre na relação com indivíduos, grupos e coletividades.

Entendemos a educação como um processo, mas um processo de construção de

conhecimentos que ocorre dentro de cada sujeito, nas mais diferentes situações

experienciadas ao longo da vida. Portanto, a depender da atitude de educador incorporada

pelo nutricionista uma orientação de alta hospitalar pode ser transformadora, ao passo que,

uma atividade de educação nutricional lúdica, com uso de teatro e outros recursos, pode

não surtir o efeito junto à população por ser descontextualizada de sua realidade.

Uma última questão se faz necessária no debate do papel da disciplina EN na

formação do nutricionista. É consenso entre professores e estudantes que a disciplina EN

tem função de formar o nutricionista para atuar como educador. A questão divergente é

que alguns professores criticam uma formação considerada mais “instrumental” e “técnica”

e valorizam uma formação mais reflexiva, com maior investimento nos debates teóricos da

educação e das ciências sociais, destacando os princípios que devem inspirar a práxis de

EN. A reflexão de uma professora traduz esta preocupação:

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“Isso é uma coisa que eu fico me questionando. Eu não quero trabalhar a

educação nutricional como um instrumento, como ferramenta para o

profissional. Eu acho que a educação nutricional ela deveria ser

desenvolvida, fundamentada nessas coisas todas que eu te falei sobre

educação. Eu não sou conteudista, eu estou muito mais preocupada com a

forma do que com o conteúdo. E a forma eu acho que a gente tem muito o

que aprender. Quando eu penso no Paulo Freire... essa coisa da educação

ser libertadora, da autonomia, do empoderamento [...] eu ainda tenho

dúvidas se as nossas ações estão de fato levando a isso” (2.ESC).

Outros professores não desconsideram as teorias, mas acreditam que é função da

disciplina EN o desenvolvimento de habilidades e competências no exercício da educação

junto aos estudantes, por meio de atividades mais práticas, sob a justificativa de que

precisam aprender fazendo. “Na educação nutricional a gente tem que desenvolver

habilidades e competências em um aluno que não tem muita noção daquilo. Eu não vou

lecionar educação nutricional pro aluno ficar imaginando uma atividade de educação

nutricional” (5.EN). Outra professora complementa, dizendo que para além das dinâmicas

educativas, que por vezes é motivo de desdém por parte de professores de outras áreas, a

intenção da formação mais voltada aos aspectos didáticos e pedagógicos é para “o aluno

entender e ter ferramentas com ele, para que ele possa acionar de maneira crítica na hora

que ele estiver interagindo com o outro; e que ele está imbuído da intenção de estabelecer

ali um processo educativo” (1.ISC).

Os estudantes apresentam opiniões variadas quanto a esta questão. Alguns

valorizam muito as reflexões e debates teóricos como fundamentais para despertar o

pensamento critico e ampliar suas visões sobre a nutrição. Outros acham os debates

teóricos complexos e mencionaram que passaram a entender o significado da educação

nutricional quando realizaram a prática na disciplina.

“É um modelo diferente de aula. Os textos, embora você não esteja

acostumado, sejam estranhos, mas são importantes. Porque pra discutir

você precisa ter base, ter alguma fundamentação, porque senão fica muito

pobre, perdido. Eu percebi muita diferença entre as aulas de psicologia,

de sociologia, de economia, porque quando chega em educação você vê

que você é importante na aula, você começa a se encontrar. Ai tem esse

estímulo da criatividade, é complicado, nem todo mundo tem esse talento.

Prática educativa parece moleza, mas é difícil” (1.Est5).

“Eu gostei da matéria, só que eu achei os textos muito grandes, a gente

tinha pouco tempo pra ler [...] agora quando a gente foi pra prática, aí a

gente conseguiu entender aquela teoria. Acho que a prática que foi o X da

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disciplina. Foi aí que a gente conseguiu entender, a gente conseguiu

refletir sobre aquilo ali, conseguiu passar o que a gente tinha aprendido

nas aulas teóricas” (2.Est7).

Nacif e Camargo (2009, p.2) fizeram uma análise das diretrizes curriculares dos

cursos de graduação aprovadas pelo Conselho Nacional de Educação na década de 2000 e

identificaram um conjunto de competências, habilidades e qualidades gerais constantes em

quase todas as diretrizes, podendo ser consideradas essenciais e transversais à toda

formação e vida de aprendizagem dos estudantes. Os autores as agruparam em quatro

grandes classes, que estão descritas a seguir: 1. Competências de educação permanente:

preparar pessoas para assumir a responsabilidade pela contínua formação, desenvolvimento

pessoal e profissional para o convívio numa sociedade de aprendizagem ao longo de toda a

vida; 2. Competências sociais e interpessoais: preparar pessoas para o convívio social e

interpessoal na vida em geral e nas organizações, orientada para os valores humanos, o

trabalho em equipe, a comunicação, a solidariedade, o respeito mútuo, a criatividade; 3.

Competências técnico-científicas: preparar pessoas com capacidade para transformar o

conhecimento científico em condutas profissionais e pessoais na sociedade, relativas aos

problemas e necessidades dessa sociedade; 4. Valores humanísticos: preparar pessoas para

a postura reflexiva e analítica das dimensões social e ética, que envolve os aspectos de

diversidade étnico-racial e cultural, gêneros, classes sociais, escolhas sexuais, entre outros.

Em pesquisas sobre o processo de formação de professores da área da saúde,

Batista e Batista (2004, p.22) identificam duas dimensões da formação na fala dos

docentes: a formação como processo de reflexão e a formação como treinamento

didático/exercício docente. A primeira dimensão envolve a possibilidade de o docente da

área de saúde refletir sobre sua atividade, já que é comum que a graduação e a pós-

graduação não valorizem conteúdos referentes a processo de ensino-aprendizagem. A

possibilidade de reflexão se estende, também, à urgência de pensar sobre as demandas

sociais, que exigem dos docentes a construção de novas posturas de aprendizagem e de

ensino. A segunda dimensão é comumente associada ao argumento de que o trabalho do

professor exige um conhecimento sobre o planejamento, os processos de ensino e as

práticas avaliativas. Essa percepção é pertinente, mas os autores acrescentam mais quatro

traços definidores da formação docente, a saber: “a intencionalidade, o reconhecimento da

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bagagem construída e dos temas emergentes, a responsabilidade docente e a ideia de

processo”.

Quanto a esta discussão compreendemos que a disciplina EN tem o papel de

oferecer uma formação integral para o estudante, que considere a dimensão humanístico-

reflexiva e a dimensão pedagógico-didática. De fato é necessário promover reflexões

ampliadas sobre o papel da educação na sociedade, sobre o papel do nutricionista como

educador, sobre a complexidade das questões relacionadas à alimentação nas diferentes

sociedades, entre outros assuntos. Entretanto, não basta falar sobre a potencialidade do

diálogo e da problematização, se o estudante não passa pela experiência concreta tanto em

sala de aula quanto no exercício do papel de educador junto à população. O ensino-

aprendizagem pede a integração entre teoria e prática para uma práxis educativa

transformadora, dos sujeitos envolvidos no processo.

É claro que temos que levar em consideração que o tempo disponível no interior da

disciplina é curto para aprofundamentos teóricos ou para experimentação de variadas e

continuadas atividades práticas. O que se propõe aqui é que no contexto da disciplina

sejam valorizados estes – diferentes e complementares – perfis de formação, e se caminhe

na busca de um equilíbrio possível entre eles no desenvolvimento da disciplina e no

processo de ensino-aprendizagem de professores e estudantes.

4.2.2 Os espaços formais e informais da formação do nutricionista como educador:

disciplina, estágios e outras situações

Conforme discutido anteriormente, a formação do nutricionista como educador

durante a graduação em nutrição se desenvolve formalmente na disciplina EN, que

apresenta e debate de forma organizada e intencionada as questões que envolvem a

interface entre a educação e a nutrição. Entretanto, este processo transcende o espaço da

disciplina, podendo ocorrer, também, em espaços e situações formais ou informais que

influenciam a formação e a identidade do nutricionista como educador.

No caso desta pesquisa, a EN esteve presente também em estágios, em projetos de

extensão e de pesquisa, sendo que com maior freqüência em estágio e projetos de extensão

e com menor intensidade em projetos de pesquisa. Nestas três situações, a EN pode ocorrer

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126

de modo intencional, integrando as ementas dos estágios ou etapas de projetos de extensão

e de pesquisa, ou de modo não intencional, no desenvolvimento de práticas de acordo com

a livre demanda dos docentes, dos alunos ou do público participante.

Além dos espaços formais e informais, a formação do nutricionista como educador

ocorre de modo não intencional nas observações, relações e experiências vividas durante a

graduação como um todo, como por exemplo: na observação dos professores em cena na

sala de aula; nos espaços da universidade viva – centros acadêmicos, fóruns; nos

procedimentos de avaliação; nas vivências nos estágios, nos projetos de pesquisa e de

extensão em cenários reais; no diálogo entre os estudantes sobre as percepções das formas

de pensar e agir dos professores e dos nutricionistas conhecidos no período; e nas

possibilidades de exercício do “ser educador(a)” durante o curso. Ou seja, mediado por um

currículo oculto, muitas vezes relatados por estudantes e professores nas entrevistas

(GIROUX, 1997).

Essas observações, relações e experiências, também, são tomadas como referência

pelos estudantes no desenvolvimento dos processos educativos e relacionais junto à

população. No relato da trajetória de vida muitos docentes mencionaram professores que

foram marcantes em suas experiências escolares ou professores universitários que

continuam sendo referência tanto pela competência técnica, quanto por sua postura e forma

de se relacionar com os alunos. O relato de uma professora traduz esta situação “Eu não

esqueço meus professores até hoje, são referências pra mim. Porque trabalharam de uma

forma absolutamente afetiva, me ajudando em processos de decisão pessoais e

profissionais difíceis, porque as coisas acontecem juntas, né?” (4.EN).

Quanto a disciplina EN, pudemos observar nos diálogos e discussões partilhados na

sessão anterior, que as expectativas quanto ao seu papel na formação dos estudantes são

amplas, diversas e complexas. Algumas delas são vivenciadas por professores e estudantes

como experiências bem sucedidas e outras ainda se apresentam como dilemas e desafios a

serem enfrentados. A seguir, serão apresentadas algumas informações sobre as disciplinas

EN e os estágios/internatos dos cursos de nutrição para facilitar a compreensão da

realidade vivenciada no cotidiano por professores e estudantes.

Nos cursos de Nutrição investigados neste estudo a Educação Nutricional se

caracteriza como uma disciplina que compõe o ciclo profissional. Em geral, suas aulas são

ministradas no 6º período, com carga horária que varia entre 60 e 90 horas, distribuídas em

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carga horária teórica e prática conforme pode-se observar no Quadro 13. Uma pesquisa

realizada no estado de São Paulo, que analisou o programa das disciplinas EN de 23 cursos

de nutrição, identificou que a carga horária das disciplinas variou entre 60 e 105 horas,

sendo que dos 23 cursos só 18% continha carga horária prática (BOOG, 2011b).

Interessante observar que, nas disciplinas aqui analisadas todas possuem carga horária

teórica e prática, apesar da variação entre elas.

Quadro 13 - Informações sobre as cargas horárias total, teórica e prática nas

disciplinas Educação Nutricional, por IES.

IES

Período

Carga Horária

total

Carga Horária

teórica

Carga Horária

prática

1 6º 75 45 30

2 6º 90 30 60

3 6º 90 60 30

4 6º 73 52 21

5 5º 60 40 20

6 6º 60 40 20

Quanto aos conteúdos teóricos abordados, as disciplinas seguem um repertório

semelhante, mas com variações de enfoques e textos selecionados como referência. De

acordo com as ementas, relatos dos docentes e estudantes as aulas, normalmente, as

disciplinas são organizadas em módulos ou unidades que foram sistematizados aqui em

quatro conjuntos de temas, descritos abaixo:

• Fundamentos da educação: conceito de educação, teorias e tendências pedagógicas.

• Educação em saúde (ES) e educação nutricional: histórico, conceitos e tendências da ES

e da EN; EN no contexto das políticas públicas; relação profissional de saúde-paciente; EN

em diferentes contextos de atuação e com diferentes públicos,

• Comportamento alimentar/ Alimentação e cultura: determinantes do comportamento

alimentar (aspectos históricos, culturais, econômicos, psicológicos); formação de hábitos

alimentares; antropologia da alimentação; mídia e alimentação; consumo alimentar.

• Práticas educativas em alimentação e nutrição: planejamento de práticas educativas;

métodos e técnicas de ensino.

Já na observação das referências bibliográficas básicas e complementares contidas

nos programas das disciplinas, pode-se observar uma maior diversidade de autores e

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textos5. O consenso foi maior nas referências relativas aos fundamentos da educação, onde

Freire, Brandão e Saviani aparecem em metade dos programas, sendo que Freire foi citado

em cinco dos seis cursos analisados. Quanto ao tema educação nutricional, Boog, Motta e

Boog, Linden, Santos e Vasconcelos estão presentes em pelo menos dois programas. Para a

discussão da temática do comportamento alimentar, Garcia foi a autora mais citada, com o

uso de textos variados em três cursos.

Segundo a narração de professores e estudantes as aulas teóricas e práticas ocorrem

por meio de exposição oral dialogada, com o uso ou não de projetor audiovisual; leitura e

discussão de textos teóricos ou com experiências de EN; dinâmicas de grupo; oficinas

culinárias; elaboração de materiais educativos; exposição de filmes ou vídeo educativo;

análise de propagandas veiculadas na mídia; entre outras.

A avaliação é realizada por meio de prova escrita, em geral dissertativa; trabalho

em grupo; seminário; simulação de prática educativa em sala de aula; planejamento e

execução de prática educativa junto a diferentes públicos em cenário real.

Passando aos estágios curriculares, em todos os cursos pesquisados eles ocorrem no

último ano, ou seja, no 7º e no 8º períodos. Cabe destacar que, em duas universidades

públicas, existe a possibilidade de realizá-los nas modalidades estágio clássico e internato,

que apresentam diferenças em termos de carga horária e de atividades desenvolvidas. As

cargas horárias dos estágios variam de 100 horas a 300 horas semestrais e a dos internatos

é de 780 horas semestrais, conforme se pode observar no Quadro 14. É importante chamar

atenção que em dois cursos o Estágio em Saúde Coletiva tem carga horária menor que os

estágios das outras áreas. O que pode significar uma menor valorização desta área no

contexto dos referidos cursos. Os demais cursos apresentam carga horária igual para todos

os estágios.

5 Livros ou artigos mais citados dos autores mencionados nesta análise: Paulo Freire: Pedagogia da

autonomia (2011); Carlos Brandão: O que é educação (1998); Saviani: Escola e democracia (1989);

Cristina Boog: Utilização de vídeo educativo como estratégia de educação nutricional para adolescentes:

comer o fruto ou o produto? (2003); Denise Motta e Cristina Boog: Educação nutricional (1984); Sonia

Linden: Educação Nutricional: algumas ferramentas de ensino; Lígia Santos: Educação alimentar e

nutricional no contexto da promoção de práticas alimentares saudáveis (2005); Rosa Garcia:

Representações sociais na alimentação e na saúde e suas repercussões no comportamento alimentar

(1997).

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Quadro 14 - Informações sobre a carga horária dos estágios e

internatos(horas/semestre), por IES.

IES 1 2 3 4 5 6

Estágio

Alimentação

Coletiva 300 270 240 189 200 220

Estágio

Nutrição

Clínica 300 270 240 189 200 220

Estágio

Saúde

Coletiva 300 180 240 189 100 220

Internato

Alimentação

Coletiva 780 - - - - -

Internato

Nutrição

Clínica 780 - - - - -

Internato

Saúde

Coletiva 780

Sem

ementa6 - - - -

Outra informação que consideramos relevante foi à verificação da inclusão de

atividades de EN nas ementas dos estágios e internatos das três áreas clássicas de atuação.

Das 21 ementas analisadas, a educação nutricional é mencionada como atividade em 11,

sendo que, destas duas são de estágios em Alimentação Coletiva, duas em estágios de

Nutrição Clínica e sete de estágios e internato de Saúde Coletiva, conforme descrito no

Quadro 15. Destaca-se, portanto, que em todos os estágios em Saúde Coletiva, a educação

nutricional é considerada.

Quadro 15 - Informações sobre a presença da educação nutricional nas ementas das

disciplinas estágio e internato, por IES.

IES 1 2 3 4 5 6

Estágio

Alimentação

Coletiva não não sim sim não não

Estágio

Nutrição

Clínica não não não sim sim não

Estágio sim sim sim sim sim sim

6 Não tive acesso a ementa do Internato em Saúde Coletiva da IES 2. A mesma não consta no programa de

disciplinas e na relação de ementas disponibilizada pela direção do curso.

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Saúde

Coletiva

Internato

Alimentação

Coletiva não - - - - -

Internato

Nutrição

Clínica não - - - - -

Internato

Saúde

Coletiva sim

sem

ementa - - - -

O interesse em verificar a presença de EN nas ementas dos estágios se deu por

acreditarmos que esta inclusão formal oficial abre mais uma possibilidade de prática de EN

no processo de formação dos estudantes como atividade no interior dos cursos. Ao mesmo

tempo, temos consciência que nem sempre o que está presente nas ementas é o que de fato

acontece no cotidiano das salas de aula e dos estágios. A ementa é um elemento curricular,

que integra o Projeto Político Pedagógico e que tem menos possibilidades de alteração e

mudança. Já as disciplinas em si são vivas em função da presença dos professores e

estudantes, que conduzem sua realização no cotidiano.

Nas entrevistas, todos os docentes supervisores de estágio disseram valorizar a

prática de EN, mas na maioria dos estágios elas não acontecem, mesmo em alguns em que

está incluída como atividade nas ementas. Tanto no diálogo com os professores, quanto

com os estudantes pudemos perceber que o estágio na área de Saúde Coletiva é o que mais

incentiva o desenvolvimento de ações de Educação Nutricional. Estas ações geralmente

acontecem em unidades básicas de saúde integradas ao SUS, em ambulatórios ou

policlínicas vinculadas às IES públicas e privadas, entre outros espaços eventuais de

inserção. As atividades de EN podem ocorrer em nível individual no atendimento

ambulatorial de usuários dos serviços de saúde, mas acontecem com muita freqüência em

atividades coletivas em salas de espera; em grupos educativos voltados a pacientes com

estado de saúde semelhante, como grupo de diabéticos ou de gestantes, ou grupos etários

como de idosos ou de adolescentes. Os entrevistados mencionaram também a elaboração

de materiais educativos e informativos, como folder, jogo, mural, receitas culinárias.

Já nos estágios de Alimentação Coletiva a EN, envolve o treinamento e capacitação

de trabalhadores das Unidades Alimentação e Nutrição, de restaurantes comerciais e

institucionais. Na opinião dos entrevistados é difícil realizar atividades de EN junto aos

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comensais. Entretanto, durante as reflexões sobre as possibilidades de realização de EN

nos estágios eles identificaram outras formas de fazer EN com a clientela como o

oferecimento de refeições e cardápios saudáveis que “educam o paladar” dos comensais, os

murais informativos ou jornais da instituição.

Nos estágios, na área de Nutrição Clínica, professores e estudantes consideram um

espaço limitado para realização de EN, sendo geralmente realizada nos momentos de

orientação de alta, em ambulatório e salas de espera.

4.2.3 Desejos, demandas e desafios: integração e práxis nos processos educativos

Na reflexão dos professores sobre seu processo de trabalho e dos estudantes sobre

seu processo de formação era comum ocorrerem fluxos de pensamentos que migravam

entre experiências passadas, vivências presentes e desejos futuros. Fizemos perguntas que

tocavam aspectos mais pessoais, individuais e outras que remetiam ao contexto coletivo de

vivência dos seus processos. Apesar do objeto deste estudo ser a formação do nutricionista

como educador, tivemos a intenção consciente de fazer perguntas sobre a formação geral

em nutrição para poder lançar uma mirada dialógica entre a parte e o todo, o específico e o

geral, o local e o global (GEERTZ, 2003; MILLS, 2009).

Estimulados pelos questionamentos levantados, obtivemos relatos de naturezas

distintas junto aos entrevistados. Eles partilharam experiências concretas vividas,

sentimentos de frustração, de expectativas e identificaram demandas, desejos e desafios

para a melhoria dos cursos ao qual pertencem. Nesse contexto, identificamos dois

elementos considerados essenciais, não só para a formação do nutricionista como

educador, mas para a formação geral deste profissional. Compreendemos que as

concepções de integração e de práxis abrangem a maior parte das expectativas dos atores

do diálogo – estudantes, professores e a pesquisadora, na busca de caminhos e

possibilidades para um processo de formação integral. É importante mencionar que

encontramos nas narrativas certa dualidade entre o real vivido e o desejado – o que era dito

como realizado, por vezes, também era declarado como desafio para realização, pelas

dificuldades de romper com modelos e padrões fortemente estabelecidos.

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A escolha do conceito de integração veio da intenção de discutir questões e ações

de forma ampliada, para além da tão sonhada inter/transdisciplinaridade, que está mais

associada à configuração e relação dos diversos campos de conhecimento e disciplinas nos

processos educativos. Queremos aqui alargar essa discussão, trazendo outras aproximações

necessárias aos processos formativos, como a integração entre as pessoas, os processos e

os projetos, no sentido de possibilitar encontros e resultados criativos e inovadores.

No bom e velho amigo dicionário, integrar significa: incluir um elemento num

conjunto, formando um todo coerente; incorporar(-se), integralizar(-se); adaptar (alguém

ou a si mesmo) a um grupo, uma coletividade; fazer sentir-se como um membro antigo ou

natural dessa coletividade; unir-se, formando um todo harmonioso; completar-se,

complementar-se (HOUAISS, 2009).

Em contextos educativos, formais ou informais, a integração pressupõe estabelecer

meios comuns de convivência, de aprendizagem e de trabalho entre as pessoas. Esse

processo demanda a participação democrática, a escuta compreensiva e a construção de

relações respeitosas entre todos os indivíduos envolvidos, sem segregação ou

estigmatização. Nesse sentido, a integração pode ser compreendida como “um processo

dinâmico de participação das pessoas num contexto relacional, legitimando sua interação

nos grupos sociais. A integração implica reciprocidade” (BRASIL, 2009).

A intenção de propor processos de trabalho e de ensino-aprendizagem pautados na

ideia de integração surge com base na compreensão de que os processos coletivos que

atuam em prol de um objetivo comum podem ser transformadores das pessoas – pela

divergência ou pela confluência – e, por isso, transformadores da realidade em que vivem.

No pensamento freiriano, a transformação da educação e do mundo é potencializada pela

integração. Para Freire (1987) existem duas possibilidades básicas: a de estar no mundo e

a de existir. O estar “nele e não com ele” significa uma simples acomodação ou

ajustamento, um comportamento passivo de sujeitos massificados e desenraizados. A

integração, ao contrário, enraíza o ser humano, possibilitando a sua criticidade e

capacidade criadora. Nas palavras do educador:

A integração resulta da capacidade de ajustar-se à realidade acrescida da

de transformá-la a que se junta a de optar, cuja nota fundamental é a

criticidade. Na medida em que o homem perde a capacidade de optar e

vai sendo submetido a prescrições alheias que o minimizam [...] já não se

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integra. Acomoda-se. Ajusta-se. O homem integrado é o homem Sujeito

(FREIRE, 1987, p. 42, nota4, grifos do autor).

A integração e a socialização acontecem no jogo das relações humanas que,

potencializadas pela consciência e pela vontade de transformação dos sujeitos, podem

criar e recriar suas histórias, tempos e espaços, dos quais participam. Para Freire, a

tragédia do ser humano moderno está em renunciar, às vezes de forma inconsciente, à sua

capacidade de decidir. Sendo assim, “já não é sujeito. Rebaixa-se a puro objeto. Coisifica-

se” (FREIRE, 1987, p. 43).

Sabemos que o desenvolvimento de processos integrativos, participativos e

cooperativos não é fácil, exige disposição e disponibilidade, principalmente num contexto

em que o paradigma hegemônico impulsiona valores como a competição, o

individualismo, o consumismo e a produtividade. Daí a necessidade de promover

processos que integrem as pessoas, os contextos e os diferentes saberes, na intenção de

refletir sobre a complexidade vivida e de agir em busca das transformações necessárias

para o alcance dos objetivos coletivos.

4.2.3.1 A integração entre disciplinas, áreas e práticas

Ao analisar a formação em nutrição, pode-se observar que, nos últimos anos, tem

ocorrido um movimento em alguns cursos no sentido de repensar e reestruturar seus

currículos e disciplinas. A mobilização desse processo se deu em função da necessidade de

atender a orientações e regulamentações de dispositivos da política de formação em saúde,

criados tanto pelo Ministério da Educação, como pelo Ministério da Saúde. Podemos citar

como relevantes as Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em

saúde, o Pró-Saúde e o PET-Saúde (BRASIL, 2001a, 2007c, 2010e). Cabe aqui fazer uma

breve explanação desses dispositivos.

As Diretrizes Curriculares Nacionais dos cursos de graduação em saúde resultaram

de um processo de discussão iniciado em 1996 entre governo, docentes, estudantes,

entidades representativas de cada categoria, gestores de ensino, entre outros. Homologadas

em 2001, as diretrizes estabelecem, entre outros temas, o delineamento do perfil

profissional, os princípios que regem a sua prática, a partir do estabelecimento de

competências e habilidades, com base em conhecimentos gerais e ênfase no compromisso

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social, fato que rompe com a estrutura de conteúdos disciplinares mínimos (BRASIL,

2001a; FERNANDEZ, 2009).

Alguns anos depois, foi lançado o Programa Nacional de Reorientação da

Formação Profissional em Saúde - Pró-Saúde, que tem por finalidade aproximar a

formação de graduação das necessidades dos serviços públicos de saúde com vistas à

formação de profissionais capazes de prestar uma assistência humanizada, de qualidade e

resolutiva (BRASIL, 2007c). Um segundo importante projeto de cooperação entre os

Ministérios da Educação e da Saúde foi a criação do Programa de Educação pelo Trabalho

para a Saúde, o PET-Saúde, em 2010 (BRASILe, 2010). O PET Saúde tem como

pressuposto.

“a educação pelo trabalho, caracterizando-se como instrumento para

qualificação em serviço dos profissionais da saúde, bem como de

iniciação ao trabalho, dirigidos aos estudantes dos cursos de graduação e

de pós-graduação na área da saúde, de acordo com as necessidades do

SUS, tendo em perspectiva a inserção das necessidades dos serviços

como fonte de produção de conhecimento e pesquisa nas instituições de

ensino.” (BRASIL, 2010e, p.52).

Até o ano de 2011, o PET-saúde e o Pró-saúde foram propostos por meio de editais

específicos, com objetivos e estratégias diferentes, apesar de serem complementares. A

partir de 2012, os dois programas passaram a integrarem-se, por meio de edital único,

visando um desenvolvimento articulado das ações. A intenção desta estratégia é promover

uma ampliação das possibilidades de atuação dos estudantes nos serviços de saúde e

contribuir para a construção das redes de atenção à saúde do SUS (BRASIL, 2011).

Nesse contexto, os novos processos de organização do trabalho em saúde, a

redefinição das competências e do perfil dos profissionais, os desafios do trabalho

integrado e em equipe multiprofissional, além da redefinição do papel da universidade, no

que se refere à multiplicidade de lugares produtores de conhecimento, são elementos que

apontam para a necessidade de mudanças na formação de profissionais de saúde, dentre

eles o nutricionista.

Uma das propostas para tais mudanças é valorizar a aproximação dialógica entre

diferentes áreas de conhecimento, visando, entre outras coisas, a superação de dualismos

clássicos: biológico-social, individual-coletivo, conteúdo-método, ciclo básico-

profissionalizante, etc. Nesse sentido, os arranjos curriculares passariam a dar ênfase a

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estratégias que integrem trabalho e ensino, por meio de uma formação mais próxima dos

serviços, ou seja, das práticas nas diversas áreas de atuação do futuro profissional.

A participação mais ativa do estudante e a consideração da necessidade de

conhecimentos não específicos e restritos à área de atuação também se expressam como

um desejo de professores e estudantes dos cursos de nutrição pesquisados.

Na análise de Fernandez (2009), o desafio do diálogo entre disciplinas com objetos

distintos de análise na busca pela ampliação das explicações e do entendimento dos

fenômenos sociais é uma questão atual nas principais discussões sobre processos de

ensino-aprendizagem. Essa discussão vem sendo desenvolvida há algumas décadas em

diversas instituições de ensino e pesquisa, imprimindo movimentos de mudança no modelo

de formação e defendendo a reintegração das disciplinas através de diferentes perspectivas:

a multidisciplinaridade, a interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade.

Essas concepções possuem significados diferentes na interpretação de vários

autores. Para Fazenda (2002) a multidisciplinaridade se caracteriza por uma atitude de

justaposição ou de conteúdos de disciplinas heterogêneas ou a integração de conteúdos

numa mesma disciplina; a interdisciplinaridade traz uma relação de colaboração entre as

diversas disciplinas que conduz a uma interação, um diálogo entre interessados, que

depende de atitude; a transdisciplinaridade evoca a coordenação de todas as disciplinas,

sobre a base de uma axiomática geral, com vistas a uma finalidade comum dos sistemas.

Essas diferentes perspectivas de construção do conhecimento e organização das

disciplinas, seja de conteúdos ou de métodos, buscam, por meio de lentes variadas,

compreender e responder melhor à complexidade do mundo e da cultura contemporânea.

Olhar as problemáticas atuais por uma única lente pode conduzir a análises inadequadas e

superficiais, afetadas pelos limites impostos pela especificidade de cada disciplina ou área

de conhecimento.

Optamos aqui por trabalhar com o termo interdisciplinaridade já que estamos

debatendo o contexto específico de formação em nutrição, onde a interdisciplinaridade

ainda se apresenta como um enorme desafio. Neste momento, iremos nos concentrar mais

na reflexão dos desafios e das estratégias possíveis para o exercício da interdisciplinaridade

como essenciais para as mudanças na formação em Nutrição, e menos no aprofundamento

do debate de diferenciação desses conceitos.

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136

O discurso da interdisciplinaridade é bastante difundido no cenário acadêmico, mas

sua vivência prática está muito aquém das elaborações teóricas. A consolidação da

interdisciplinaridade na formação em nutrição encontra vários obstáculos e desafios, mas

também possibilidades, que foram expressos por professores e estudantes. Um aspecto

citado com frequência por professores das três áreas de atuação foi a hegemonia do

paradigma positivista e da tradição biologicista na abordagem teórica e prática dos

problemas de saúde. Os trechos abaixo exprimem esta opinião.

“Isso é emblemático. O aluno aprende fisiologia do coração, fisiologia do

rim, fisiologia do osso. Aprende ossos em anatomia, aprende que tem um

coração que tem um músculo. Então, o ser humano é todo separo. Aí

você está estudando na bioquímica o alimento que já virou o carboidrato,

já virou proteína. Mas pra você ter proteína, pra você ter carboidrato,

você tem que ter comida, se não ele não vira isso no teu organismo”

(3.EAC).

A gente tem avançado muito na área de funcionais, de medicalização da

vida. Com certeza pro campo da tecnologia e da clínica, isso é avanço,

mas eu me assusto com isso. Na formação geral do profissional, ele cada

vez mais se afasta dessa relação e vai cada vez mais fundo no alimento.

Pra onde a gente está indo com esse currículo? Cada vez mais eu vejo que

a gente especializa isso, a gente medicaliza a vida. Eu acho que precisa

fortalecer esse campo das ciências humanas. Por que não ter um

antropólogo no curso? A lei está lá, dizendo que professor só pode ser

nutricionista. Dada a complexidade desse nosso objeto, a gente perde

com isso” (1.EN3)

Os depoimentos ilustrados acima manifestam a crítica sobre a visão positivista do

conhecimento fragmentado e especializado, que tem limitações na integração dos

conhecimentos e na ampliação destes em relação ao todo e a sociedade. Na última fala, a

docente afirma se preocupar com os rumos da formação especializada, que medicaliza a

vida, e opina que a formação em nutrição deveria fortalecer os saberes do campo das

ciências humanas, devido à complexidade do objeto da nutrição. Como ela, outros

docentes mencionam que o currículo deveria integrar mais os conhecimentos das ciências

sociais e humanas. Isso se deve à percepção da necessidade de transcender a fronteira da

matriz biológica, para ampliar o olhar dos estudantes e embasar uma postura profissional

em saúde ligado ao contexto social.

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137

Outro aspecto amplamente abordado por professores e também por estudantes se

refere às dificuldades enfrentadas no processo de ensino-aprendizagem vinculadas à

fragmentação clássica das disciplinas entre os ciclos básico e profissionalizante.

“Aonde eu acho que está faltando ajustes, é uma integração maior do

básico com o profissional. Eu acho que as caixinhas estão muito

separadas ainda, quando não podem estar. Então, tem lá fisiologia,

patologia e dois anos depois ele vai dar dietoterapia. Como é que pode se

uma coisa esta ligada a outra? Ele já nem lembra mais nada. Está faltando

essa integração, uma coisa tem que está seguida da outra. Eu acho que

isso aí realmente é fundamental” (2.ENC).

Essa fragmentação, que existe entre os ciclos básico e profissionalizante, se

configura como uma lógica de organização do século XIX, que está historicamente

presente na estrutura curricular dos cursos e da universidade, estendendo-se até os dias de

hoje. Essa estrutura pode impedir que os cursos de nutrição empreendam grandes reformas

curriculares, pois dependem de professores de outras áreas para ministrar as aulas ou da

contratação de novos professores para seu quadro próprio. Apesar de este cenário parecer

um tanto imobilizador, pode-se buscar alternativas de integração entre os ciclos. Uma

professora comenta que participou de uma experiência de busca de integração entre os

saberes de disciplinas do ciclo básico com a realidade do curso profissionalizante, neste

caso com a disciplina de sociologia.

“Eu já revisei dois currículos (ementas) de sociologia dentro do curso de

nutrição. Não é uma mudança curricular, mas a gente é sentar pra ver o

que está colocado ali. A gente não querer mais um professor que veio

trabalhar com os conceitos básicos, mas tentar trabalhar com os conceitos

aplicados, eu acho que é uma diferença. Eu acho que isso é uma forma do

campo ir mostrando que está incorporando as ciências sociais. Eu acho

que é um processo” (2.EN).

A avaliação de um grupo de estudantes, ao refletirem sobre a disciplina educação

nutricional, revela que a compreensão sobre os conteúdos dos textos e assuntos debatidos

na seria muito facilitada se algumas disciplinas do ciclo básico como sociologia e

psicologia, tivessem feito articulações com o universo da nutrição. Segue o diálogo abaixo.

- “Deveria começar do início, entendeu? Porque aí você já vai tendo a

vivência” (1.Est8).

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- “Exatamente, você vai assimilando aos poucos” (1.Est2).

- “Porque em psicologia, que teoricamente, deveria falar um pouco disso.

Se tivesse uma matéria de antropologia, talvez você já entrasse um

pouquinho mais na questão pra entender o outro, sabe? Se você nunca

teve isso na faculdade, não vai conseguir entender o ser humano, o

comportamento humano. Aí chega no sexto período... (1.Est8).

- “No último período teórico” (1.Est2).

- “Aí querem que você saiba passar alguma coisa, estabelecer um vínculo

com outro ser humano. Por que você não entende como é que ele vai

funcionar dentro da sociedade, como é que ele pensa, o que é moral, o

que é ética” (1.Est8).

- “Aí chega no sexto período, as pessoas começam a se chocar com os

conceitos” (1.Est2).

- “É uma chuva de informações” (1.Est1).

- “E que deveria ser dado em sociologia, economia, psicologia,

desenvolvimento da comunidade” (1.Est2).

- “Mas eles colocam profissionais dessas áreas lá e não da nutrição, que

não entendem a nutrição, não sabem porque que existe essa matéria na

nutrição” (1.Est8).

As estudantes criticam a atuação dos professores de áreas das ciências humanas e

sociais, que não fazem articulação com os conhecimentos da nutrição. Esta situação é

comum a todos os cursos, com raras exceções onde professores buscam fazer algumas

pontes com a área profissional. Portanto, a presença da disciplina no currículo não garante

a compreensão e articulação dos conhecimentos.

Outro desafio existente no cenário da formação em nutrição é a integração entre as

disciplinas das diferentes áreas de atuação profissional, principalmente das três áreas

clássicas – Alimentação Coletiva, Nutrição Clínica e Saúde Coletiva. Este desafio pode

parecer ser mais fácil de solucionar, por ser uma questão de maior governabilidade dentro

do próprio curso, mas não o é. A declaração da professora, a seguir, denuncia a divisão e a

falta de articulação entre as áreas, dentro do próprio curso e, também, com áreas externas

ao curso. Esta situação dificulta a compreensão dos alunos sobre a nutrição como área

integrada, comprometendo a aprendizagem sobre temas que são naturalmente

interdisciplinares como a discussão da segurança alimentar e nutrição. Após a declaração

da professora, a fala de uma estudante reafirma esta situação.

O grande desafio que existe é essa fragmentação de conhecimento. A

gente atravessa o curso todo com uma formação muito diversificada, mas

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sem fazer as costuras. Essa coisa de „eu sou dessa área‟, „eu sou daquela

área‟... Você é nutricionista! Você carrega com você um conhecimento

diverso e que você tem que articular bem. Essa articulação não existe!

Não existia e continua não existindo! Primeiro, dentro do próprio curso.

A área de nutrição social, ela se articula com todas as outras áreas e as

outras áreas, também, são articuladas entre si. Mas cadê esse trabalho?

Com outros profissionais já é um desafio maior ainda. Eu vejo que os

alunos tem dificuldade muitas vezes de lidar com essa articulação

interdisciplinar dentro do próprio curso. Isso é fundamental na nutrição.

Quando a gente fala da segurança alimentar, quando a gente toca em

vários assuntos, isso aparece, pra eles ainda é uma coisa muito difícil.

“No nosso currículo, as áreas são bem separadas e a gente não consegue...

eu pelo menos tenho dificuldade de conseguir linkar muita coisa, sabe? O

curso é isso, vai pra nutrição normal, aí vai pra dietoterapia, mas acho

que os links vão se perdendo” (1.Est4).

Essa dificuldade é criada, principalmente, pelas disputas de poder entre as

diferentes áreas de conhecimento e atuação do nutricionista.

“Eu fico brincando que “eu to cansada de ser periférica, tem que ser

hegemônica” porque eu acho que a educação nutricional sempre foi

periférica, ela é diferente de todo o resto. Então faz com que a gente

tenha esse esforço pra garantir a legitimidade. A legitimidade não está

dada nessa área. Está muito dada pra clínica, está muito dada pra ASA

(alimentação coletiva), mas pra saúde pública de uma forma geral não. E

pra educação nutricional também não” (1.EN2).

A conexão saber-poder é particularmente importante para as teorias críticas e pós-

críticas (SILVA, 2004). É uma relação indissolúvel, que envolve a organização e a

distribuição do conhecimento no currículo e, em paralelo, a distribuição de poder no curso

e nas relações. No curso de nutrição tal conexão se expressa na diferença de carga horária

das disciplinas e estágios entre as áreas, em professores que não trocam conhecimentos e

experiências entre si e com os alunos e em comportamentos autoritários ou desrespeitosos.

Muitos professores reconhecem a necessidade de integração e buscam, por

iniciativas próprias e na maioria das vezes isoladas, a parceria com outros professores para

a aproximação entre as disciplinas e articulação entre seus saberes e práticas. Os relatos a

seguir falam um pouco a respeito desse tipo de iniciativa.

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“Acho que um grande desafio é a interdisciplinalidade, é fazer essa

parceria. É difícil pelas pessoas, pelas resistências. Muitas vezes elas

acabam acontecendo pelas próprias afinidades de trabalho. Essa parceria

que a gente fez com a educação nutricional deu super certo. Na técnica

dietética não rolou. [...] Não é só resistência, é difícil. Pro aluno é

indiscutível o quanto isso é bom. Agora para o professor não sei se é

bom, depende da visão de formação que ele tenha, do que ele quer. Às

vezes é melhor ele ficar no seu cantinho. Dá trabalho porque te abre pra

um novo universo, passa a conhecer ou vai ter que estudar. Até a questão

operacional. Pra poder fazer a parceria na disciplina a professora saía fora

do horário e se dispunha pra estar com a gente. Não são todos que estão

disponíveis pra isso. Essa troca também é difícil, porque você lida com

enfoques, vai ter conflitos e nem todo mundo sabe lidar com conflitos.

Você tem iniciativas, tentativas, mas isso não faz parte da alma daquele

currículo, daquele instituto, não flui normalmente, naturalmente.

Iniciativas de pessoas que agem e pensam assim” (1.IAC).

Nesses casos, a iniciativa foi bem sucedida porque havia uma afinidade entre as

professoras envolvidas e a disposição para a troca, para o debate, muitas vezes conflituoso,

e para o aprendizado de novos olhares e conhecimentos. No momento em que entrou uma

nova professora em uma das disciplinas, a integração entre as disciplinas acabou. Esse tipo

de experiência nos remete a uma discussão crucial para o desenvolvimento e a

continuidade da integração e da interdisciplinaridade nos cursos – a institucionalização dos

processos de trabalho. As experiências bem sucedidas de integração precisam ser

discutidas coletivamente entre o corpo docente, incluídas nas ementas e nos currículos e

adotadas como estratégias oficiais de ensino-aprendizagem nos cursos. Se esse processo

não ocorrer, as iniciativas voluntariosas dos professores correm o risco de serem pontuais e

terem vida curta. Elas precisam contar com o apoio da estrutura curricular e universitária

para existirem e serem encaradas como estratégia regular do processo educativo.

A organização curricular, comumente implementada pelos cursos, dificulta as

iniciativas de integração das disciplinas e das práticas e, também, a capacidade dos

estudantes de perceberem os elos que fazem a integração dos conteúdos. É mais

preocupante ainda a dificuldade da integração destes conteúdos em diferentes cenários

reais de atuação do nutricionista.

“A maioria das matérias... a preocupação que eu senti durante todo curso

é que você aprende, pronto e acabou. Aí quando você dá de cara com o

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estagio „putz e agora‟. Você começa a aprender a associação daquilo que

você aprendeu em sala de aula naquele momento que você está no

estágio” (4.Est9).

A organização dos currículos em uma perspectiva disciplinar em nada impede

uma tentativa de criação de possibilidades de integração dos conhecimentos, seja com a

criação de disciplinas integradoras, seja na articulação entre as disciplinas já existentes.

Uma proposta curricular não tem fim em si mesma. No contexto desta pesquisa,

identificamos algumas experiências interessantes no sentido de promover a

interdisciplinaridade na formação em educação nutricional e em nutrição, realizada por

duas IES públicas. Vale destacar que a primeira experiência comentada está incluída nas

ementas das disciplinas e a segunda foi inserida no currículo após o processo de reforma

curricular. Dessa forma, existe certa garantia de existência no curso e da oportunidade dos

estudantes vivenciarem processos de formação integrados.

A primeira experiência integra as disciplinas Educação Nutrição, Nutrição em

Saúde Pública e Ética. No final do semestre, algumas aulas são reservadas para o

diagnóstico, planejamento e realização de atividades educativas em cenários reais, junto a

diferentes públicos como, por exemplo, com crianças em uma escola pública ou com um

grupo de hipertensos em uma Unidade Básica de Saúde. Cada professora fica responsável

pelo acompanhamento de um grupo de alunos. E nas aulas debatem temas específicos de

suas áreas na interface com a atividade prática. Os professores e estudantes avaliam

positivamente está pratica integrada, que passou a ocorrer pela iniciativa de professoras do

mesmo departamento. O depoimento de uma aluna aponta a necessidade ampliação da

interdisciplinaridade experimentada nesta iniciativa: “A parte da prática achei bastante

interessante. É uma coisa que tem que continuar, porque envolve outras matérias, e é isso

que a gente quer também, a interdisciplinaridade” (2.Est7).

A segunda iniciativa, a prática integrada (PI), uma disciplina incorporada no

currículo novo e que tem como objetivo principal integrar as áreas da nutrição e colocar o

aluno em contato com a vivência da nutrição desde o início até o final do curso. Essa

integração ocorre com a participação de pelo menos um professor de cada área, tanto nas

discussões como nas práticas junto aos alunos. Existem cinco disciplinas deste tipo e

ocorrem em diversos períodos letivos: 2º período: PI em Atenção Básica em Saúde; 3º

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período: PI em Creche; 5º período: PI em Laboratório Dietético; 6º período: PI em

Alimentação para Coletividades; 7º período: PI em Nutrição Clínica.

Um relato constante é a percepção da PI como um espaço de aprendizado para

alunos e professores. No caso dos professores, ocorre uma maior aproximação entre as

áreas, podendo gerar quebra de preconceitos, abertura para novos conhecimentos e

aproximação de projetos de pesquisa e de extensão. Porém, algumas professoras

mencionaram a falta de participação do setor de Nutrição Clínica nas PI que não sejam

desta área. Como declara a professora abaixo.

“[...] a gente ainda têm muita resistência é dos professores. Os

professores tem aquela formação e eles querem continuar com aquela

formação. Têm dificuldade de praticar uma coisa que eles não conhecem.

Do social gente até se envolveu muito, do institucional se envolveu muito

com essa mudança, mas o pessoal da clínica não se envolve, não vou

dizer que todo mundo... um ou outro participa, quem tem esse desejo de

mudança” (3.ESC).

Para que toda e qualquer experiência de interdisciplinaridade ocorra nos processo

de ensino-aprendizagem, é necessário a integração de um componente essencial – os

sujeitos da ação. Neste caso estudantes, professores e demais participantes do processo

formativo. A fala da professora acima reflete bem esta questão. Se os professores de

determinada área não participarem das disciplinas PI, não vai haver a integração dos

conhecimentos desta área com as demais. Mais grave ainda, pode haver a desvalorização

da PI por parte de alunos ou de outros professores devido a este afastamento.

Sobre esta questão, Giroux (1997) analisa que existe pouca integração social

genuína na produção cultural coletiva na academia, imperando o espírito competitivo.

Segundo o autor, o professor intelectual deve buscar criar estruturas que apóiem o trabalho

conjunto tanto na pesquisa, quanto no ensino e na escrita conjunta. Ele sugere que se

reserve horário dos cursos, permitindo a possibilidade de co-ensino, de escrita de artigos

ou outras atividades coletivas. Do mesmo modo, a parceira professor-estudante em

projetos coletivos de pesquisa e extensão deve ser estimulada. Esses esforços devem estar

embutidos na estrutura do próprio curso, tornando o conhecimento e a habilidade para o

trabalho coletivo uma parte explícita do currículo.

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Em seus estudos, Giroux (1997) observa que a maioria dos professores não

compartilha estratégias pedagógicas, o que gera falta de coesão nos relacionamentos

interpessoais e a troca de experiências. Até para romper com modelos tradicionais do

ensino, é preciso a união do grupo, conferindo maior força e possível legitimidade das

iniciativas.

McLaren (1993) encontrou na concepção de solidariedade a chave para discutir a

necessidade da integração entre as pessoas nos processos educativos. Ele inicia seu debate

com a seguinte questão “Onde ficamos, como professores, na busca de uma práxis

comunicativa, na qual um diálogo verdadeiramente transformativo possa ocorrer?”

(McLAREN, 1993, p.34). O autor sugere que os educadores críticos desenvolvam uma

política de solidariedade. Na luta pelo fortalecimento dos professores, ele recomenda que

se coloque a solidariedade como passo prévio ao consenso. “A intenção da solidariedade é

potencialmente mais inclusiva e transformadora que o consenso” (McLAREN, 1993, p.35).

Esta visão de McLaren vai ao encontro de uma iniciativa desenvolvida em uma das

universidades pesquisadas, onde são promovidos encontros culturais, com o objetivo de

integrar os professores, estudantes e técnicos em situações descoladas de atividades

laborais.

“Pra mim um dos investimentos estratégicos, é ter o momento de „sarau

literário‟ entre os professores, servidores, alunos. É a gente ter um espaço

de exercício da expressão das pessoas. A gente está tentando ter uma vez

por mês um sarau, cinco horas da tarde a gente se junta, leva lanchinho e

cada um partilha o que quiser. Tem pessoas que se aproximaram que não

se conheciam. Quando a pessoa te traz o que ela gosta, ela se revela!

Então, pra gente conseguir ousar como a gente quer, a gente precisa de

mais afeto. (...) Quando eu vejo no sarau o que as pessoas trazem, a

sensibilidade, numa reunião seguinte na hora que eu olho pro olho de

uma professora ela é uma pessoa diferente do que ela era no mês anterior

pra mim. Isso faz eu me comunicar com ela diferente” (1.ISC).

A professora complementa:

“Eu tenho a impressão de que as pessoas não se dão conta que os

processos são feitos por pessoas e que a relação das pessoas tem que ser

regada. Não é só quando a pessoa está imbuída de uma intenção, porque é

feito por pessoas coletivamente. Se você não cuidar do coletivo com letra

maiúscula, a gente vai fazer mais do mesmo e vai morrer enxugando o

gelo. A coisa é tão complexa, o cenário é tão desfavorável pra

preservação da vida, que a gente precisa se organizar de uma maneira

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muito coesa e a coesão pressupõe processo coletivo respeitoso, afetuoso”

(1.ISC).

A iniciativa narrada pela docente revela uma experiência criativa e inovadora na

integração das pessoas no espaço universitário. Este tipo de atividade que humaniza,

solidariza, cria respeito e cuidado nas relações, o que facilita a participação e o

engajamento em outras situações de trabalho que exija a parceria.

McLaren (1993, p.35) salienta que a solidariedade tem dois aspectos: 1. conceder a

cada grupo respeito suficiente para que possa expor suas ideias e ser desafiado por elas; 2.

reconhecer que as vidas de vários grupos estão interligadas que cada um é responsável pelo

outro. Essa forma de reconhecimento supõe trabalhar juntos para produzir mudanças na

prática social. O autor chama atenção para o fato de que a solidariedade precisa de

condições estruturais e materiais prévias para permitir que os grupos diferentes tenham

acesso ao diálogo e sejam convidados a conversação, tendo cuidado com a distribuição de

poder no diálogo. Essa observação se coaduna com uma reflexão de Giroux (1997) sobre a

necessidade dos professores reverem seus processos de trabalho de modo a encontrarem

espaço para o encontro coletivo e para a produção intelectual.

A percepção de McLaren sobre a centralidade da solidariedade nos processos de

trabalho entre os professores pode se estender a todos os locais onde ocorra processo de

trabalho coletivo. Como é o caso da sala de aula e outros espaços agregadores vinculados a

formação universitária. Giroux (1997) considera que os trabalhos de grupo nos processos

educativos são espaços importantes e representam estratégias integradoras de pessoas por

vários motivos: desmistifica a autoridade do professor, quando este se aproxima dos

grupos; cria responsabilidade e solidariedade no grupo; promove o aprendizado mútuo e a

apreciação da aprendizagem coletiva.

Nesse sentido, o diálogo aproxima, ocasiona uma percepção de si no coletivo e

pode promover uma quebra dos valores competitivos e individualistas. O simples fato de

sentar em roda no cenário de uma aula, relatado por uma professora, pode ser

transformados de atitudes, relações sociais e formas de ver o outro e o mundo.

Um elemento central da formação universitária, que merece atenção no processo

de reflexão sobre a necessidade de integração das disciplinas, dos processos e das pessoas,

é o currículo. O currículo é um território de disputa (ARROYO, 2011), que costuma

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expressar os interesses e as intenções pedagógicas, profissionais e políticas da universidade

e dos componentes do corpo social, principalmente dos docentes. A realização de reformas

curriculares possibilita aos sujeitos envolvidos debaterem sobre a formação que têm e que

pretendem ter. No cenário atual da saúde, da educação e do mundo do trabalho é essencial

que se reflita sobre as finalidades da formação universitária em nutrição, podendo-se

encontrar várias possibilidades – uma formação técnica, especializada e voltada para a

resolução de problemas nutricionais e para o desenvolvimento da tecnologia de alimentos;

uma formação que atenda às demandas do mercado e do desenvolvimento econômico; uma

formação comprometida com a promoção da saúde e com a transformação da realidade

social, entre outras.

É fundamental, nesse processo, promover debates coletivos envolvendo

estudantes, docentes, técnicos e gestores, buscando escutar as diversas demandas e realizar

maior integração entre os sujeitos, entre as áreas da nutrição e com outras áreas de

conhecimento necessárias para a reflexão e compreensão do complexo universo da

alimentação e nutrição.

4.2.3.2 A integração entre a teoria e a prática na práxis educativa: o educador como artesão

intelectual

No processo de pesquisa tive a felicidade de conhecer parte do trabalho do

sociólogo norte-americano C. Wrigth Mills, que desenvolveu o conceito de “artesanato

intelectual”, determinante no processo de criação e manufatura desta tese (MILLS, 2009).

O artesanato intelectual tem em sua essência a relação dialógica constante entre

pensamento e ação, entre concepção e execução, entre intelectual e manual, entre teoria e

prática – formas diferentes de se referir a uma questão fundamental da origem do

conhecimento humano. Essa relação dialógica se associa ao conceito de práxis. O conceito

de práxis que embasa nossa discussão tem origem na corrente filosófica inaugurada por

Marx no século XIX, e que no século XX pôde ser aprofundada e dinamizada por

pensadores como Gramsci e Sanchez-Vazquez, que investiram na elaboração de uma

filosofia da práxis. O conceito de práxis e suas expressões têm espaço nos debates da teoria

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crítica da educação, sustentando pressupostos de autores como Freire, Giroux, entre outros,

que são trazidos neste texto.

O conceito de práxis é comumente associado à ação, à prática. Esta associação não

está completamente equivocada, uma vez que, etimologicamente, a palavra prática vem do

grego praksis e significa toda atividade humana concreta, tendo por antônimo o termo

teoria, que exprime uma ausência de atividade, uma abstração. De acordo com o

Dicionário de Ciências Sociais, filosoficamente, o conceito sofreu uma evolução

importante, ganhou uma dinâmica conceitual própria e integrou os dois opostos

etimológicos em um só conceito – o conceito de práxis (MAGALHÃES, 1987).

Aproximando-se um pouco de suas origens, foi o materialismo dialético de Marx

que estabeleceu essa relação dinâmica entre teoria e prática, considerando-as como uma

unidade. Segundo Magalhães (1987), o pensamento de Marx manifesta que, da simples

prática da conquista da natureza, homens e mulheres passam a uma prática social mais

completa, onde a atividade produtiva gera determinadas relações de produção, constituindo

o eixo do processo do conhecimento. Dessa forma, a prática social em torno da atividade

produtiva inaugura outras atividades humanas, como as artísticas, políticas, científicas, que

integram o conhecimento humano.

Magalhães (1987), em sua leitura sobre o conceito de práxis considera que Gramsci

fez um esforço particular para esclarecer e aprofundar o referido conceito, com o

desenvolvimento de uma filosofia da práxis. Segundo a autora, a filosofia da práxis tem

sua validade como projeto prático de construção de um outro mundo, pois ela impulsiona a

práxis individual e a práxis coletiva no processo histórico, que são capazes de criar

condições para uma nova realidade. Nesse sentido, a práxis de transformação de uma

condição histórica dada gera uma realidade histórica nova dentro de condições

determinadas por uma práxis anterior.

Avançando e atualizando o pensamento de Marx para o contexto contemporâneo, e

filiando-se a Gramsci, Sánchez Vázquez cria sua filosofia da práxis, que entende a práxis

como uma atividade prática que cria e recria coisas, ou seja, que transfigura uma matéria

ou uma situação. Segundo o autor, “toda práxis é atividade, mas nem toda atividade é

práxis” (SÁNCHEZ VÁZQUEZ, 2011, p. 221). Apesar de considerar a práxis como uma

unidade indissolúvel entre teoria-prática, o autor reconhece que existem diferenças

específicas, além de autonomia e dependência mútua, entre elas.

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Nessa relação entre teoria e prática, Sánchez Vázquez entende que a primeira

depende da segunda na medida em que a prática é fundamento para a teoria, que determina

o horizonte de desenvolvimento do conhecimento. Por sua vez, a prática, expressada pela

atividade humana, só acontece vinculada a uma finalidade, que traz subjacente uma

intenção ou resultado que se deseja obter. Portanto, a atividade humana implica a

consciência na definição de seus fins. A atividade da consciência é inseparável da atividade

humana e representa a “elaboração de finalidades e a produção de conhecimentos em

íntima unidade” (SÁNCHEZ VÁZQUEZ, 2011, p. 226).

Na filosofia de Sánchez Vázquez (2011, p. 226) “o homem age conhecendo, da

mesma maneira que se conhece agindo”. Essa afirmativa reafirma a relação entre

pensamento e ação. Quanto a essa relação, o autor acrescenta que, entre o pensamento e a

ação, é necessário existir a vontade de realização. Isto é, não basta pensar na ação, é

preciso disposição para realizá-la. Sendo assim, para realizar a ação, os sujeitos precisam

conhecer o seu objeto, os meios e instrumentos para transformá-los e as condições que

possibilitam ou não a sua realização. Essa atividade da consciência agrega um caráter

teórico, “uma vez que não pode conduzir por si só, como mera atividade da consciência, a

uma transformação da realidade” (SÁNCHEZ VÁZQUEZ, 2011, p. 226).

Por isso, podemos entender que a práxis é mais do que prática ou sua unidade com

a teoria. Ela tem uma finalidade que nasce da realidade vivida e que é construída pela

consciência desta realidade e pela intenção de transformá-la. Esta visão da relação entre a

teoria e a prática, como atos vinculados à transformação, faz a aproximação entre a tríade

teoria-sujeito-pesquisador proposta como fundamento do artesanato intelectual, já que os

autores identificados como referência para esta tese, os professores e estudantes

entrevistados e a pesquisadora consideram a integração da teoria e da prática como

essencial para uma práxis educativa transformadora.

Nesse sentido, entendemos a educação como uma práxis. Na universidade, os

principais sujeitos envolvidos na práxis educativa são os professores e estudantes.

Portanto, compreendemos que professores e estudantes são potenciais artesãos intelectuais,

na medida em que integrem pensamento e ação em seus processos de vida, de trabalho, de

aprendizagem e de construção de conhecimentos.

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Na formação geral em nutrição e na disciplina educação nutricional, a relação

dialógica entre teoria e prática foi apontada por professores e estudantes como uma

necessidade e um desafio tanto para os processos de formação, quanto para a atuação

profissional. A fala de uma estudante representa essa demanda “Eu acho que a disciplina

tem que estar junto com a prática, porque aí você vivencia melhor isso, você vai se tornar

um profissional melhor” (1.Est3).

Uma professora considera que, apesar de mais possibilidade de prática em sua

universidade, “falta a questão da problematização; que as disciplinas sejam de uma forma

mais problematizadora, de uma forma mais concreta; que a prática seja inserida nas

disciplinas” (1.INC). A fala desta docente reclama que os docentes de disciplinas de

natureza teórica busquem levar experiências para dentro de sala de aula ou levem suas

teorias para apoiar a observação e debate em contextos reais, como em atividades

“extramuros” da universidade. Assim, o processo educativo pode se desenvolver de forma

mais contextualizada com a realidade profissional e social, muitas vezes distante dos

conteúdos abordados.

No caso da disciplina educação nutricional, verificamos nos cursos estudados que

todas as ementas prevêem uma carga horária teórica e outra prática. Na percepção dos

professores que ministram a disciplina, a conjugação da teoria com a prática é essencial

para o desenvolvimento do estudante como educador, pois se ele “souber usar seu

conhecimento técnico, somado a essa experiência, ele vai entender que existe a

complementaridade entre teoria e prática” (3.EN3).

Na opinião de muitos estudantes, a teoria é menos atrativa que a prática. Alguns

deles consideram a parte inicial da disciplina “massante”, devido à quantidade de textos

propostos e à complexidade de seus conteúdos. Outros se “assustam”, mas no decorrer das

leituras, debates e dinâmicas, se sentem estimulados. Eles acham as leituras difíceis, sob a

justificativa de que não estão acostumados com o tipo de conteúdo de fora da área da

nutrição, como os que envolvem temáticas da educação e da cultura, por exemplo.

“As pessoas entram na graduação muito imaturas. A gente não está muito

acostumado a ler textos mais relacionados à antropologia, ou então de

didática mesmo, do Paulo Freire. Aí, quando as pessoas se deparam com

isso e não está muito preparada, demora um pouco até assimilar o que

está passando no texto” (2.Est6).

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Já a prática é citada pela grande maioria como o ponto forte da disciplina. Para a

maioria dos estudantes a ação educativa realizada no contexto da disciplina EN é a

primeira oportunidade de contato com o público, no exercício da nutrição. Eles relatam que

quando experimentam a prática, diversos conhecimentos teóricos debatidos são

compreendidos e passam a fazer sentido. Deste modo, alguns estudantes mencionaram que

ao final da disciplina conseguiram perceber a integração entre a teoria e a prática –

diferente da experiência de outras disciplinas. Os dois trechos abaixo refletem estas

colocações.

“Eu achava a parte teórica massante. Agora quando a gente foi pra

prática, aí a gente conseguiu entender aquela teoria. A prática que foi o X

da disciplina, porque a gente conseguiu entender, a gente conseguiu

refletir sobre aquilo ali, conseguiu passar o que a gente tinha aprendido

nas aulas teóricas. Minha crítica em relação a essa disciplina, do jeito que

ela foi passada pra gente, porque os textos eram grandes e tinha discussão

que era difícil. Acho também que a professora também, não soube

esmiuçar, trabalhar os textos” (2.Est1).

“A comparação que eu faço da educação nutricional com as outras

matérias, é que o estilo da educação nutricional proporcionou essa

interação da teoria com a prática, as outras não” (4.Est.8).

Ainda no que tange à formação em educação nutricional, alguns professores dos

estágios, principalmente das áreas de Alimentação Coletiva e Nutrição Clínica, criticaram

a falta de debate conceitual e a realização das práticas de EN em cenários como hospitais,

restaurantes comerciais ou em programas de alimentação do trabalhador (PAT). Segundo

suas observações, as discussões e a práticas da EN giram muito em torno da realidade e

dos cenários comuns ao campo da Saúde Coletiva, como unidades básicas de saúde e

escolas públicas. Para uma professora, o desafio posto para a disciplina EN é aproximar

seus referenciais teórico-metodológicos da realidade das diferentes áreas de atuação, para

conhecer suas especificidades e pensar a EN nesses contextos, levando essas reflexões para

dentro da disciplina e para o diálogo com as demais.

“O desafio é desenvolver ferramentas que sejam aplicáveis às áreas, aos

segmentos de atuação do nutricionista. O referencial teórico e

metodológico que a disciplina desenvolve hoje é bom. No entanto, eu

sinto falta desse desdobramento na nossa prática. É necessário que haja

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investimento de tempo de nós docentes, mas, em especial, que os

professores de educação alimentar invistam algum tempo pra poder

descobrir, nas diferentes áreas de concentração docentes, quais são os

instrumentos aplicáveis aquelas áreas, para aplicar isso nas disciplinas”

(2.EAC).

Houve ainda a sugestão de uma docente que nas práticas desenvolvidas pela

disciplina EN sejam realizadas em contextos menos institucionalizados ou desassociados

do setor público como, por exemplo, em escolas de samba ou junto a agricultores

familiares e sem terra. É interessante observar que estas propostas se afinam com as teorias

críticas da educação, ao passo que sugerem a criação de oportunidades para os estudantes

fazerem articulações entre as teorias em cenários da vida real.

Trata-se, portanto, de criar espaços e situações para que a formação se desenvolva

junto a diferentes públicos, em territórios incomuns, tirando os estudantes de sua zona de

conforto – a universidade, e mobilizando-os a criarem novos mecanismos de relação e

atuação em situações concretas. Tão importante quanto o espaço é o oferecimento de

metodologias para que os estudantes possam olhar além de sua vida cotidiana, fazendo

uma “fricção” entre fatos e valores, entre os conhecimentos locais e globais, na construção

de sua visão de mundo e, consequentemente, de ações refletidas e intencionadas (FREIRE,

1987; GIROUX, 1997; KAUFMANN, 2011).

Quanto aos desafios da práxis na formação geral do nutricionista, vários professores

têm a opinião de que o conhecimento científico na área de nutrição avançou

substancialmente. Isso se deu em função do próprio avanço da sociedade, que traz novas

demandas para a produção do conhecimento; de um incremento na qualificação dos

docentes, que estão mais capacitados com mestrados e doutorados; com o aumento da

pesquisa científica na área, que confere maior legitimidade para o campo e reconhecimento

para os profissionais; com a criação de novas áreas de atuação, pela interface com outros

campos de conhecimento.

No entanto, eles criticam que esse avanço do conhecimento não é acompanhado

pelo avanço das práticas. Segundo uma professora, “Avançou muito na produção

científica, na titulação dos profissionais, mas do ponto de vista teórico-prático ainda falta.

Ainda não conseguiu romper paradigmas e continua fazendo tudo que sempre fez” (2.ISC).

Outra docente considera que a formação técnica em nutrição teve avanços, mas a formação

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humana, necessária à prática na sociedade, ainda é insuficiente, conforme transcrito a

seguir.

“O currículo melhorou, mas a questão da formação do cidadão, da

consciência... Uma pessoa crítica, reflexiva, compromissada e que

pense na sociedade, nos problemas que tão aí, eu acho que a gente

ainda tem muitas limitações. Eu acho que o conhecimento técnico

científico, o aluno sai preparado pra fazer concursos, pra ser

aprovado. Mas eu acho que ele não está tão preparado pra lidar

com o outro” (2.ESC).

A percepção desta dificuldade da transposição da teoria na prática cotidiana da

formação e da atuação profissional faz com que docentes e estudantes valorizem muitos os

espaços de prática que já existem no âmbito da universidade como, por exemplo, os

estágios, internatos, projetos de extensão, projetos de pesquisa que tenham inserção nos

serviços ou em comunidades, entre outras iniciativas.

No caso dos docentes responsáveis pelos estágios, foi unânime a valorização dos

estágios e internatos, por vários motivos. Um deles se refere à compreensão do estágio

como uma estratégia de ensino-aprendizagem relevante pela possibilidade de uma relação

professor-aluno mais próxima e integrada, que se dá em um processo que pede maior

flexibilidade devido às situações inesperadas vindas do lócus de atuação.

“O estágio acaba sendo aquela prática integrada que a gente não consegue

fazer ao longo dos três anos prévios, pra preparar o estágio. A gente tem

um tempo pra começar a disciplina e tem tempo pra terminar. No estágio

a gente consegue fazer de uma maneira mais livre o exercício do ensinar

e do aprender. Colocando o aluno lá na rua e aí ele te dá esse retorno

muito rico e é a comprovação daquilo que a gente ensina teoricamente.

Então pra mim é um deleite o estágio” (2.EAC).

A maioria dos docentes considera o estágio essencial no processo de formação por

ser o momento em que os estudantes entram em contato com o mundo do trabalho, com a

realidade social do público atendido e com a realidade de trabalho do nutricionista,

permitindo a ampliação da visão da nutrição e da alimentação suas possibilidades de

aplicação na sociedade. Além disso, é o momento de atuar e de se experimentar como

profissional, ainda em processo de formação.

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Outras professoras destacaram que o estágio é um espaço de aprendizado das

relações profissionais e humanas. Dessa forma, valores, regras e normas sociais que, na

maioria das vezes, ficam ocultos nas disciplinas teóricas, são vivenciados no estágio e

pedem uma atitude dos estudantes (GIROUX, 1997).

“Eu acho o estágio imprescindível, porque independente da área, é no

estágio que você começa a se relacionar com as pessoas no mundo

profissional. O grande aprendizado do estágio, mais do que o conteúdo

em si, é como melhor planejar, melhor gerenciar, melhor fazer a prática

educativa. Acho que é a possibilidade de você estar lidando com pessoas

e com os conflitos, com os problemas do local de trabalho, com os

problemas com a clientela, como se colocar, como se portar. Então eu

acho que o estagio é um grande aprendizado pra você trabalhar o

relacionamento interpessoal” (1.IAC).

“Para além da bagagem técnica científica, tem a coisa da vida real. Se eu

estou tão preocupada com essa agenda de formação de valores, você

poder viver situações e problematizar essas situações. É riquíssimo pra

formação” (1.ISC).

Os docentes destacam, também, que a possibilidade de estar em um cenário

profissional, confrontado pela complexidade da vida real, faz com que os estudantes

observem ou tenham a necessidade de integrar os conhecimentos das diferentes áreas da

nutrição. Esta seria uma outra qualidade do estágio, apontada pela professora mencionada

abaixo.

“A primeira função do estágio é entrar em contato mais profundo com a

realidade e entender que o exercício da nutrição em saúde publica não

mobiliza só o conhecimento que foi trabalhado pelo departamento de

nutrição em saúde publica, ele lança mão dos outros departamentos. No

estágio o aluno tem a chance de entender a atuação profissional do

nutricionista e a articulação das diferentes áreas de conhecimento de uma

maneira muito rica, dependendo das práticas que forem propiciadas”

(1.ISC).

Para uma docente, que tem larga experiência na supervisão de estágio, esta

disciplina é relevante, pois transforma os conhecimentos teóricos, muitas vezes abstratos e

incompreensíveis para os estudantes, em algo que passa a fazer sentido a partir da

observação da realidade e das possíveis formas de aplicação. Em sua percepção:

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“Ter o olhar na rua é fundamental para o aluno entender o motivo pelo

qual aprende o que aprende no curso de nutrição. Na disciplina, ele

passou porque estudou pra passar, mas não faz sentido pra ele. Em uma

semana de estágio já faz todo sentido. É de uma riqueza, não dá pra

deixar de ter” (2.EAC).

Em função disso, muitos docentes valorizam a inserção dos estudantes em cenários

de prática desde início da formação. Conforme mencionado na sessão anterior, uma das

IES públicas conseguiu inserir disciplinas intituladas “Práticas Integradas” ao longo do

curso. Em outra universidade, as professoras lamentam não terem conseguido incluir estas

disciplinas no currículo após a recente reforma curricular, mas na opinião de uma

professora, os docentes podem encontrar alternativas paralelas de criação de espaços de

integração e de inserção precoce dos alunos em espaços de prática.

“A necessidade de inserção do aluno precocemente na prática é um

diagnóstico, parece até um chavão, mas é verdade. A gente não conseguiu

criar uma disciplina de práticas integradas, que era nosso sonho de pelo

menos um lugar ser esse lócus. Mas a gente pode fazer esse exercício

entre as disciplinas, a gente pode brincar de práticas integradas sem a

disciplina ter esse nome. Como é que a gente otimiza a grade que existe.

A gente tem uma margem enorme de otimização, que a gente não está

exercitando. Como a lógica é por períodos, poderia identificar as

disciplinas daquele período e pensar congruências. E eu acho que o

desafio que está colocado é a gente se movimentar de uma maneira

criativa em relação a esses desafios e não falar assim „agora só com uma

nova reforma daqui a 20 anos‟ entendeu?” (1.ISC).

Nos diálogos, alguns professores relataram que a função principal do estágio é abrir

espaço para aplicação e verificação dos conhecimentos aprendidos ao longo do curso,

como um momento para a contextualização curricular. Dessa forma, os estudantes

poderiam avaliar a qualidade e a quantidade do seu arcabouço teórico e técnico e, ainda

durante a formação, com a ajuda do professor, buscar recuperar e agregar conhecimentos

para uma melhor atuação profissional. Como se pode observar no fragmento destacado

abaixo.

“Eu acho que o estágio é justamente o momento de arrumar na cabecinha

dele o conhecimento que ele adquiriu ao longo do curso de formação,

vivenciando o dia a dia, na prática, mas não como profissional e sim

como aluno ainda. Na verdade é onde ele tem que ser avaliado se esse

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conhecimento que ele adquiriu... Quando eu digo adquiriu, não estou

isentando ele da responsabilidade de ter que buscar isso” (6.EAC).

Essa função do estágio foi problematizada por duas professoras, que identificam

nesta disciplina uma outra potencialidade – a possibilidade dos estudantes perceberem e

avaliarem a validade e as limitações dos conhecimentos técnicos frente a realidade

complexa e sua aplicação prática. As falas a seguir esclarecem tais percepções.

“É o espaço para perceber a complexidade da questão alimentar e

nutricional, vivenciando de fato nesse estágio, situações da vida real. É

onde eles começam a perceber a limitação técnico-científica” (2.ESP).

“Os estágios são importantes pro aluno tentar encaixar todas aquelas

peças do quebra-cabeça que ele vê ao longo da universidade. E é lá o

momento dele ver... „ih, isso encaixa com isso, aí agora isso não

encaixa... O que eu vi na teoria, eu aplico? Não aplico? Está muito

distante? Aquilo lá é muito utópico? Por que a gente ouve muito do aluno

„professora, o que a gente vê na teoria é diferente do que a gente vê na

prática‟” (4.ENC).

Uma estudante de outra universidade narra exatamente a situação apontada pela

professora acima (4.ENC). “Porque a teoria é uma coisa, mas na hora de colocar na prática,

passar, tem que ter muito jogo de cintura, domínio. Não é com facilidade que a gente

consegue levar essa prática educativa” (5.Est5).

Essas observações e reflexões nos remetem a uma discussão feita por Caria (2005)

sobre os processos de educação e os usos do conhecimento. O autor parte do pressuposto

de que não existe equivalência automática entre conhecimento adquirido e conhecimento

usado. Caria (2006, p.133) compreende que

“[a] o conhecimento adquirido pode ser retido em memória (ensinado

para ser reproduzido), mas carece de recontextualização para poder ser

usado na ação, principalmente, se tiver apenas por referencia um contexto

verbal de ensino em que o aprendiz não é sujeito activo a aprendizagem;

[b] o usado nem sempre é suficientemente reflectido para poder ser

explicitado e formalizado ou relacionado com conhecimentos abstractos”.

Essa discussão nos conduz a uma reflexão específica sobre a relação da teoria e da

prática na construção do conhecimento. Ela é pertinente, principalmente em contextos de

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formação profissional que associam atividades práticas e disciplinas teóricas como

componentes de formação. No caso dos estágios e de outras oportunidades de

experimentação prática como projetos de extensão, monitorias e outras disciplinas tem

natureza teórica e prática, o exercício da teorização é essencial. A reflexão teórica em

momentos de prática propicia a estudantes e professores uma recontextualização da teoria

em situações e cenários concretos, o que leva a uma construção do conhecimento a partir

da experiência vivida (GIROUX, 1997; FREIRE, 2011).

A narrativa de uma professora revela que sua compreensão do estágio segue a

mesma ótica, sendo que ela acrescenta que essa disciplina tem, também, a função de

apresentar outro modelo de ensino-aprendizagem, diferente do oferecido nas salas de aulas

tradicionais.

“O que o estágio tem de bacana é que o ponto de partida é a vivência e

não o slide, uma reflexão teórica. A gente faz várias reflexões teóricas no

estágio, mas é sempre partindo de uma vivência, de uma lacuna que tenha

surgido, de um questionamento, de um trauma. O estágio tem a função na

formação, também, no sentido de experienciar esse processo de

aprendizagem que é diferente do que tradicionalmente as pessoas têm nas

aulas” (1.ISC).

Por outro lado, alguns professores comentaram que suas orientações partem em

grande medida de suas experiências profissionais, adquiridas ao longo dos anos. Caria

(2006) analisa que todos os saberes profissionais estão ancorados em saberes práticos e

contextuais, que mobilizam, reorganizam e atualizam, em contexto, os conhecimentos

abstratos de origem técnico-científica. Pode-se considerar, portanto, que tais saberes são

relevantes para a crítica e a reformulação das teorias existentes.

Porém, vale atentar para o seguinte fato: se professores e estudantes abrem mão de

sua capacidade reflexiva e compreensiva, por falta de aproximação com teorias, podem

recair em um pensar e agir vazios de intenção e de sentido de transformação.

Na entrevista com os estudantes, eles mencionaram que a falta de prática

profissional de alguns professores prejudica a compreensão de determinados

conhecimentos técnicos e teóricos, que necessitam de um conhecimento sobre a prática

profissional, como podemos observar no diálogo a seguir.

“Você não acha também que falta prática dos professores?” (2.Est4).

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“Com certeza. Eu acho que eles não passam a vivência prática, porque

não têm bagagem. É só teoria” (2.Est8).

“E isso também conta bastante. Eu vou aprender o quê da produção, se eu

só vivi dentro da faculdade?” (2.Est7).

Nesse sentido, a análise de Caria (2006) fala de uma reflexividade entre

pensamento e ação. O conhecimento adquirido precisa da prática para se recontextualizar e

o conhecimento usado precisa da teoria para tornar a prática uma prática refletida e

intencionada. O relato a seguir demonstra que a docente valoriza o exercício desta

reflexividade junto aos estudantes em seu cenário de estágio.

“O estagio é o momento que junta todas essas informações, e aí a gente

vai ter que praticar. Praticar com uma coisa que está viva, não com um

ratinho que não fala. É com pessoas, que têm suas histórias, suas

demandas, suas necessidades, suas dificuldades, suas relações com a

doença, suas relações com a saúde. É com a pessoa humana que você está

lidando ali, não é com livro. É trazer as informações que elas tinham na

teoria pra poder praticar junto com o ser humano, construir com ele. É o

momento onde o pensamento se constrói pra poder colocá-lo na prática.

Mas que pensamento é esse? Crítico e reflexivo, pra poder ajudar na

tomada de consciência do paciente sobre a sua saúde, pra poder

emponderá-lo, pra poder ser gestor da sua própria saúde” (1.NC).

Sua reflexão revela, também, uma característica de alguns estágios na área nutrição,

que é a triangulação entre ensino-aprendizagem-assitência. Na análise de Batista e Batista

(2004), esta triangulação demanda competências profissionais específicas, na medida em

que os processos educativos são mediados e vividos pelos professores, estudantes,

pacientes e pela comunidade que possui suas demandas de saúde. Além disso, ela expressa

um pensamento sensível e crítico sobre a relação dos sujeitos com o processo saúde-

doença e sobre a possibilidade dos estudantes entrarem em contato com o elemento vivo,

provocando-os a terem um olhar compreensivo sobre a complexidade e as relações

humanas, em seu processo de construção do conhecimento.

Nessa perspectiva, achamos pertinente convidar os professores a adotarem a

postura de artesãos intelectuais transformadores, tanto em seu processo de trabalho e de

auto-formação, quanto na mobilização dos estudantes para esse exercício dialógico entre

pensamento e ação, incentivados por um espírito curioso, crítico e criativo (GIROUX,

1997; MILLS, 2009).

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Sendo assim, as relações sociais estabelecidas no âmbito da formação pedem que o

conhecimento seja reconhecido como uma práxis, como algo que não se encerra em si, mas

como uma possibilidade de mediação entre indivíduo e realidade social. Na análise de

Giroux (1997, p.101), para que o conhecimento seja usado pelos estudantes de modo a dar

sentido à sua existência e às suas ações, os professores “terão que usar os valores, crenças e

conhecimentos dos estudantes como parte importante dos processos de aprendizagem”.

Se o professor se coloca como especialista, como provedor efusivo de

conhecimentos, sem espaço para o diálogo e a reflexão, pode acabar limitando a

capacidade imaginativa ou criativa dos estudantes em seu processo de construção de

conhecimentos. No processo de entrevista uma professora fez uma auto-reflexão sobre a

postura adotada junto aos estudantes, partilhando a dificuldade de deixá-los mais

autônomos em seu processo de aprendizagem.

“Eu não consigo, ainda, não ser paternalista. Eu não consigo delegar

muito, acreditar que o aluno tem um potencial muito grande. Eu acho que

é o nível de exigência da gente como professor, a gente acaba às vezes

fazendo pelo aluno, coisa que não deve. Eu me pergunto: será que eu

estou desenvolvendo? Ou será que eu estou aprisionando ele? Isso é uma

coisa que eu acho que deve ser desenvolvido em mim e em alguns

professores” (4.EAC).

Se tivermos a intenção de formar artesãos intelectuais, com potencial para

transformação, não podemos pensar por eles, “dar mastigado” ou “ser paternalista”. Em

sua experiência de análise sobre o universo da educação, Giroux (1997) problematiza a

crescente incapacidade dos estudantes de pensarem dialeticamente, por estarem amarrados

à fatualidade do mundo, revelando suas dificuldades em usarem conceitos para fazer uma

análise crítica da realidade vivida, dada como dada, principalmente, pela cultura visual

imposta pela mídia.

O autor alerta que a cultura visual, fortemente presente no contexto contemporâneo,

ameaça a auto-reflexão e o pensamento crítico, ocasionando uma redefinição na noção de

alfabetismo. Para ele, “em vez de formular o alfabetismo em termos de domínio da técnica,

devemos ampliar seu significador para incluir a capacidade de ler criticamente, tanto

dentro como fora de nossas experiências, e como força conceitual”. (GIROUX, 1997, p.

120).

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Na realidade brasileira, vem se discutindo na educação básica a problemática dos

analfabetos funcionais, crianças e adolescentes que têm a capacidade técnica de ler, mas

que não operam a compreensão do que lêem. Fazendo um paralelo com a universidade,

podemos concluir que, sem o exercício da reflexividade e do pensamento crítico na

universidade, corremos o risco de estar formando analfabetos intelectuais, incapazes de

lerem criticamente o mundo.

Ao discutir sobre a centralidade da práxis no ensino superior, ou seja, a relação

entre a teoria e a prática para a transformação, uma questão me veio à cabeça: no contexto

da universidade atual, esta é uma relação interessada ou interesseira? Pode ser interesseira

no sentido da teoria ir buscar “alimento” nas contradições e situações concretas vividas na

práticas cotidianas, como substrato para sua sobrevivência, crescimento e desenvolvimento

da pesquisa. Pode ser interesseira, por uma prática que se diz respaldada por teorias, que na

verdade não se aplicam ou não são contextualizadas com a realidade. Uma

retroalimentação para manter o status quo; para manter cada um em seu lugar, sem

interferência ou relação verdadeira entre elas. Interesses pessoais ou de pequenos grupos.

Pode ser interessada, no sentido de uma relação pautada na práxis transformadora

que se retroalimenta e que se transforma ao mesmo tempo, imbricada mutuamente. Uma

relação intencional, interessada na transformação da coletividade. Uma teoria construída a

partir de, junto e para uma prática social; para refletir e buscar caminhos para uma ação

contextualizada com as diferentes e complexas realidades.

Na intenção de reafirmar minha posição por uma práxis intencionada, fecho com

Freire (1988, p.56) que sabiamente compreende que:

“Educador e educandos [...] co-intencionados à realidade, se encontram

numa tarefa em que ambos são sujeitos no ato, não só de desvelá-la e,

assim, criticamente conhecê-la, mas também no de criar este

conhecimento. Ao alcançarem, na reflexão e na ação em comum, este

saber da realidade, se descobrem como seus refazedores permanentes.

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5 Considerações Finais

Você, leitor, deve ter percebido que esta tese traz explicitamente o diálogo, a

reflexão e a experiência como pontos de partida e de chegada. A chegada até aqui não

significa uma parada, mas um ponto alcançado no espaço e no tempo. Nesse sentido,

compreendo esta tese como um diálogo em andamento.

Apesar do trabalho de elaboração teórica ser mais solitário, me abri para a

construção coletiva da tese. Esta abertura foi incentivada por Wrigth Mills, que me

convidou a ser uma artesã intelectual. Por ser um sociólogo experiente, me senti

estimulada a adotar suas ideias e construir um processo de pesquisa e de escrita que foi se

desenvolvendo no percurso, ao passo que me encontrava com novas pessoas, conceitos e

questões.

Para essa construção coletiva, além de Mills, tive o prazer de contar com outros

parceiros teóricos, que me conduziram a lugares, até aquele momento, pouco explorados.

Agora que os conheço, será difícil não revisitá-los e seguir na busca de novos

conhecimentos. Esse coletivo foi fortalecido pela presença dos 31 professores e 61

estudantes que partilharam comigo seu tempo, suas palavras, histórias, saberes, desejos e

perspectivas. Foi de modo respeitoso que busquei refletir teoricamente sobre a realidade

em que vivem, que também é a minha realidade. Nessa construção coletiva pude acessar

muitas palavras escritas, dos livros e textos, e muitas outras faladas, das entrevistas

ouvidas. Pela presença desse coletivo, não me senti solitária. E sim envolvida por todas as

pessoas que contribuíram para a construção de quem sou e de quem me tornei após esta

tese. O senso de coletivo é algo que marca esse processo de artesania.

Nesse espaço destinado às considerações finais pensei que seria pertinente revisitar

alguns aspectos abordados no desenvolvimento da tese. Mais do que finais, pretendemos

que as considerações sejam um espaço aberto a reflexões e debates. Resgatando os

objetivos iniciais, percebemos que a intenção de investigar a práxis da educação

nutricional na formação universitária em Nutrição, junto a professores e estudantes sofreu

algumas mudanças no percurso da pesquisa. O objetivo passou a ser a análise

compreensiva da formação do nutricionista como educador, visando conhecer as condições

e características atuais e os desafios futuros para um fazer educativo contextualizado e

transformador.

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Ao utilizar a Entrevista Compreensiva como metodologia de construção e

desenvolvimento da pesquisa, foi esperado que ocorressem movimentos de construção,

desconstrução e reconstrução do objeto de estudo. Esse é um método que, apesar de

apresentar um caminho concreto para a produção e análise compreensiva dos materiais

obtidos, é flexível e pede uma postura ativa e criativa por parte do pesquisador.

Outro elemento fundamental da proposta da Entrevista Compreensiva foi a

necessidade de identificação de um fio condutor. Desde o início do estudo, a concepção de

práxis me acompanha e, por isso, acabou se tornando fio condutor de todo trabalho. A ideia

da integração entre pensamento e ação para a transformação remete a uma imagem de

confluência, de movimento dinâmico e de criação, e esse era o espírito que eu gostaria de

conferir ao processo de trabalho e ao produto do doutorado.

Sendo assim, foi inevitável a aproximação com as ciências sociais e humanas e as

teorias críticas da educação, para refletir sobre a complexidade dos processos formativos e

educativos, neste caso, a formação do nutricionista como educador. Freire e Giroux foram

a “dupla dinâmica”, que dinamizou as discussões sobre o ser educador na sociedade

contemporânea.

Ao entrar em campo e em contato com o objeto e os sujeitos participantes da

pesquisa para buscar respostas às hipóteses e questões levantadas no início da pesquisa,

outras questões foram surgindo no caminho. Algumas foram respondidas. Tais respostas

levantaram novas questões, mostrando como o campo é vasto e complexo, abrindo um

universo de possibilidades de investigações e articulações futuras.

Com os ingredientes em mãos – os depoimentos, as teorias e a disposição para a

análise compreensiva – me aventurei na manufatura desta obra artesanal. Após essa

mistura, pude identificar três concepções essenciais para o campo da educação e do mesmo

modo, para a formação do nutricionista como educador: a reflexividade, a integração e a

práxis. Diante disso me pergunto: que aspectos destacar do processo e da obra? Já que

entendemos que os processos integram os fins.

Um primeiro aspecto marcante no processo foi à compreensão da reflexividade

como um método de pesquisa e um meio de expressão humana. A realização da pesquisa e

das entrevistas trouxe situações de reflexividade interessantes, que considero importante

partilhar com o leitor. As vivências proporcionadas pela pesquisa provocaram em mim,

como pesquisadora e como professora de um curso de nutrição, um processo intenso de

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reflexividade, que permeou todas as etapas desse estudo. A reflexividade provocada pelas

leituras teóricas, entrevistas no campo e conhecimento da realidade de outras

universidades; pela escuta das vivências, conflitos, questionamentos e desejos dos outros

professores; pela observação das ansiedades, descobertas e expectativas dos estudantes; e,

principalmente, pela auto-reflexão da minha postura e atuação como educadora junto a

“meus” alunos, do meu processo de construção de conhecimentos e das relações no

processo de trabalho cotidiano com os outros professores. Entre várias outras reflexões

mobilizadas.

Além de professora da disciplina educação nutricional, que apresenta para o

estudante, futuro nutricionista, seu papel de educador, analiso nesta pesquisa o

desenvolvimento de tal atividade. Pesquisar o universo do qual se faz parte é

profundamente rico quando se está aberto a ouvir e a observar o outro numa postura de

aprendiz, despido de preconceitos e certezas. Uma curiosidade do processo foi que,

realizadas as primeiras entrevistas, senti necessidade de me colocar no lugar dos

professores entrevistados e responder as questões que eu havia preparado para o diálogo

com eles, para a exploração de seu universo particular.

Sendo assim, pedi a minha psicanalista que desenvolvesse o roteiro de perguntas

comigo. Seria como um pré-teste pessoal, que teve a intenção de me aproximar dos

sentimentos e reflexões provocados por aqueles questionamentos, de ser levada a lugares

próximos aos que eu estava conduzindo os professores convidados ao diálogo. A

experiência se mostrou extremamente interessante, à medida que refleti sobre as questões

propostas, o que deixou meu olhar mais sensível e atento no momento da troca nas

entrevistas.

Para além do método, a reflexividade se mostrou um importante meio de expressão

humana. Ao promoverem uma auto-reflexão dos aspectos pessoais e ampliarem esta

reflexão para o contexto global, os sujeitos da entrevista percebiam sua posição como parte

de um todo, o que gerou em muitos momentos sentimentos de impotência ou de potência

frente às situações relatadas.

Além disso, o processo de reflexividade possibilitou fazer uma análise do real

vivido e do imaginado-desejado, levando professores, estudantes e pesquisadora a fazerem

uma série de perguntas sobre o universo da nutrição e da educação que não estavam no

roteiro da entrevista, mas que compunham um diálogo sobre o local e o global no contexto

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da formação do nutricionista. Perguntas do tipo: Que nutricionista queremos formar?

Generalista ou especialista? Parceiro ou competitivo? Com disciplinas científicas, técnicas

ou humanísticas? Formar para mercado de trabalho ou para o compromisso social? O que

deve estar no centro do ensino: os conteúdos objetivos, técnicos e específicos ou os saberes

da alimentação e nutrição contextualizados com a realidade? Em termos sociais quais

devem ser as finalidades da formação? Para se enquadrar e atender as demandas do

mercado ou para inovar e transformar a realidade? Pensar a educação na lógica do

desenvolvimento econômico ou na lógica da democracia e do direito? Entre outras várias

questões que permearam os diálogos reflexivos.

Cabe aqui fazer um segundo destaque da tese. Houve uma pergunta que foi

disparadora de vários questionamentos apontados acima – O que é ser professor (a) para

você? Com esta pergunta pudemos conhecer um pouco os educadores que têm a função –

intencionada ou não, de formar outros educadores. Outra curiosidade é que muitos

professores ficaram surpresos com a pergunta e demonstraram não fazer esse exercício

auto-reflexivo no cotidiano profissional. O que marca mais sua identidade, ser nutricionista

ou ser professor? Uma pergunta que poderia de ter sido feita no contexto desta pesquisa,

mas que só surgiu depois de finalizada a etapa de campo.

Quanto à resposta, uma observação foi unânime no diálogo com os entrevistados –

ser professor (a) é uma realização pessoal e profissional. É algo que lhes dá prazer, apesar

das dificuldades encontradas no cotidiano de trabalho e dos impactos que esta atividade

profissional gera na vida pessoal. É uma atividade que exige ter paixão pelo que se faz ter

disposição, envolvimento e abertura para o outro. Ser professor(a), para alguns, extrapola a

atividade docente, é ser educador(a), é algo que faz parte da vida e acontece a todo

momento – na educação dos filhos, nas atitudes cotidianas, junto aos estudantes na

universidade. É algo que imprime marcas na pessoa. Nesse sentido, é um fazer humano

que conforma a identidade, que passa a tomar um espaço maior na vida pessoal e também

profissional, sobrepondo até a identidade relacionada ao “ser nutricionista”. Para alguns,

ser professor(a) é visto como um dom, um sacerdócio, uma tarefa especial na dedicação a

outros seres humanos. Para outros é algo que se constrói, que se aprende, é uma

possibilidade de transformação da realidade social. “É um aspecto pessoal e espiritual

muito grande, diria assim. É conquista. É caminho” (6.EAC).

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Nas análises identificamos quatro núcleos de sentido sobre as percepções a respeito

do educador: a responsabilidade local e o compromisso global; a educação e a docência

como atos de relação; a formação pedagógica do nutricionista-professor; e as distorções e

disposições nos processos educativos. O primeiro reuniu reflexões sobre o desafio vivido

pelos professores na convivência com uma dupla responsabilidade: a formação técnico-

científica do nutricionista e a formação humana do cidadão. Em função disso, discutiu-se a

existência e a convivência de um currículo oficial e de um currículo oculto no contexto da

formação universitária; o cuidado na mediação de valores, regras e crenças, que precisam

ser explícitas e intencionadas; e a necessidade dos macro-objetivos da educação serem

realmente incluídos nos currículos, nas ementas e nas práticas dos professores no

cotidiano.

O segundo núcleo de sentidos se referiu à educação e à docência como atos de

relação, que envolvem essencialmente o encontro com o outro, que exigem uma disposição

para o diálogo e uma nova postura do professor na mediação dos processos educativos.

Nesse sentido, debateu-se a possibilidade de atuação do educador como um artesão

intelectual, já que a universidade se apresenta como um espaço privilegiado para a criação

intelectual e a ação social. O terceiro ponto destacado foi à necessidade de formação

pedagógica docente e as problemáticas envolvidas na ausência desta qualificação.

A última discussão girou em torno das distorções e disposições dos professores nos

processos educativos, ocasionados pelos perfis pessoais de cada docente e pelas relações

sociais vividas no âmbito da universidade. Nesse ponto, faço coro com a proposta de

Giroux da necessidade dos professores atuarem como intelectuais transformadores na

formação dos estudantes para serem educadores e nutricionistas, atentos à realidade e às

necessidades de transformação social.

Um terceiro destaque sobre a tese diz respeito a um convite que faço aos atores

envolvidos com o curso de nutrição, na busca de um olhar dialógico na formação do

nutricionista como educador. Este convite se embasa na compreensão da complexidade do

universo da alimentação e da nutrição, e na necessidade de uma postura dialógica e crítica

na análise da realidade e construção de conhecimentos e ações.

O primeiro ponto discutido a partir daí foi o papel da educação nutricional na

formação do nutricionista. A educação nutricional foi compreendida como um elemento

central para a atuação dos nutricionistas, uma vez que se inter-relaciona com as diversas

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áreas de atuação profissional e com várias disciplinas ministradas no curso. Uma das

principais funções da disciplina no curso é a articulação de diversos conhecimentos

aprendidos ao longo da formação – tanto entre os conhecimentos teóricos e práticos de

várias disciplinas, quanto os destes com a realidade social na qual serão confrontados. A

intenção é que haja uma ressignificação dos diferentes saberes aprendidos de modo que os

estudantes tenham um olhar ampliado e crítico sobre o universo da alimentação e da

nutrição, para além dos aspectos biológicos, hegemônicos na história da formação do

nutricionista.

Outro papel essencial da disciplina educação nutricional é sensibilizar e formar o

nutricionista para atuar como educador, adotando uma postura diferenciada e uma atitude

de educador em seu cotidiano de trabalho. Sobre este assunto destaquei uma questão

divergente que surgiu no diálogo com os professores sobre disciplinas com um perfil mais

instrumental e técnico e outras com perfil reflexivo e teórico. Sobre esta discussão defendo

na tese a posição de que a disciplina EN tem o papel de oferecer uma formação integral

para o estudante, que considere a dimensão humanístico-reflexiva e a dimensão

pedagógico-didática. Ambas são necessárias e complementares.

Ao analisar a opinião dos entrevistados sobre o papel da disciplina educação

nutricional na formação do nutricionista, pode-se perceber que as expectativas são muitas e

ambiciosas. A educação nutricional acaba virando uma “panacéia”, porque tudo que está

associado às humanidades, às relações, aos contextos complexos da alimentação e da

nutrição na contemporaneidade se direciona para a disciplina educação nutricional e

sozinha ela não tem condições de responder a tais desafios. Se as disciplinas do ciclo

básico, que poderiam proporcionar uma base para esse olhar ampliado e macrossociológico

conseguissem fazer de fato a aproximação com a nutrição, seria a chave para a resolução

de muitos problemas. Se houvesse uma busca de interdisciplinaridade entre as disciplinas

sociologia, antropologia, economia, estatística, psicologia com o universo da alimentação e

nutrição, criaria um pano de fundo para refletir a complexidade deste campo. A educação

nutricional acaba utilizando grande parte de sua carga horária para criar essas pontes e

acaba reservando pouco tempo para as questões educativas, relacionais, comunicacionais e

metodológicas, que competem ao universo da educação. Teríamos um pouco mais de

tempo para sensibilizar e mobilizar a criação de habilidades e sensibilidades nos

nutricionistas para adotarem a postura de educadores.

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O ponto de vista compreendido nesta tese é de que a educação nutricional pode ser

desenvolvida em diversos contextos e situações, como os apontados acima. Mais do que

uma atividade organizada e planejada, a educação nutricional é uma atitude, uma ação

intencionada e reflexiva, que ocorre na relação com indivíduos, grupos e coletividades.

Entendemos a educação como um processo, mas um processo de construção de

conhecimentos que ocorre dentro de cada sujeito, nas mais diferentes situações

experienciadas ao longo da vida.

Para finalizar esta síntese sobre os destaques da tese trazemos as duas últimas

categorias de análise identificadas como essenciais para a formação do nutricionista como

educador – a integração e a práxis. A opção por trabalhar com a concepção de integração

surgiu do interesse de discutir questões e ações de forma ampliada, para além da

inter/transdisciplinaridade, no sentido de refletir sobre a integração entre as pessoas, os

processos e os projetos. Apesar disso, no contexto da disciplina educação nutricional e na

formação em nutrição, é indiscutível a necessidade de refletir sobre a integração entre

disciplinas, áreas e práticas.

Sobre essa questão é interessante destacar alguns pontos críticos identificados: a

hegemonia do paradigma positivista e da tradição biologicista na abordagem teórica e

prática dos problemas de saúde; a fragmentação clássica das disciplinas entre os ciclos

básico e profissionalizante; as disputas de poder entre as diferentes áreas de conhecimento

e atuação do nutricionista; a dificuldade dos estudantes de promoverem articulação entre os

diferentes conteúdos em função dos pontos apontados acima.

Uma das situações identificadas como estratégicas para promover a tão sonhada

interdisciplinaridade ou integração curricular é a integração dos sujeitos envolvidos na

formação, sobretudo, dos professores. A criação de espaços para encontro e discussão, a

busca de atitudes que facilitem as relações sociais e a revisão dos processos de trabalho

foram apontadas como essenciais para consolidar e sustentar mudanças maiores no

contexto da formação do educador e do nutricionista como um todo.

Conforme partilhado acima, o conceito de práxis foi tomado nesta tese como um fio

condutor do processo de pesquisa e de elaboração teórica. Nesse percurso, outro conceito

passou de coadjuvante a personagem principal – a de artesanato intelectual. Sendo assim,

vislumbramos que o educador pode atuar como artesão intelectual, na intenção de

potencializar a necessária integração entre a teoria e a prática na práxis educativa, nos

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contextos de formação ou atuação profissional. Sobre essa questão foram destacados três

pontos: a dificuldade de transposição da teoria para a prática, a práxis da disciplina

educação nutricional e a práxis dos estágios. Cabe destacar que os estágios foram

valorizados sobremaneira como espaços privilegiados para a práxis educativa crítica, pela

possibilidade de inserir os estudantes em cenários reais, potencializando uma formação

crítica e contextualizada com a realidade profissional e social.

Outra questão que merece destaque é o momento peculiar vivido nos últimos anos

pelos cursos de nutrição. No contato com diretores, professores e estudantes foi possível

perceber um esforço das IES no sentido de realizarem reformas curriculares e mudanças

nos cursos. A motivação geral é a mesma: a atualização e dinamização da formação em

nutrição. Porém, as IES vivem momentos diferentes. A maioria está em processo de

transição do currículo antigo para o currículo novo. Duas já estão com a proposta nova

pronta, mas não conseguiram implementar. Apenas um dos cursos passou pelo processo de

transição e já formou turmas com a nova proposta. As mudanças vêm no sentido de manter

uma formação generalista, com maior igualdade na distribuição da carga horária entre as

áreas, tentando rever a posição das disciplinas na grade de forma a facilitar a construção de

conhecimento dos alunos. O aumento da carga horária de estágio ocorreu apenas nas IES

públicas, sendo que em uma delas a oferta de internato se estendeu para todas as áreas. A

inserção dos estudantes em cenários de prática desde o início do curso ocorreu em apenas

uma das IES públicas. É um processo difícil que depende da adaptação em uma estrutura

universitária disciplinar, mas, sobretudo da participação e disposição dos docentes em

aderir e trabalhar em prol da proposta.

É importante problematizar que a graduação em nutrição “não é tudo e também

não é pouco” (3.EN3), na formação do nutricionista. Como discutimos anteriormente, a

formação do nutricionista como educador ocorre dentro e fora da universidade, antes,

durante e depois do período em que o estudante vive nela. No entanto, os cursos têm um

papel central na formação dos estudantes e na conformação da nutrição na sociedade.

O pensamento do senso comum de que o nutricionista é o profissional que “passa

dieta” é fruto da observação e das relações da sociedade com o nutricionista e vice-versa.

O criticado perfil profissional intervencionista, impositivo, desrespeitoso em relação aos

gostos e preferências, alienado às condições econômicas e de vida, poder ser mudado a

partir da mudança na formação que reproduz esse mesmo modelo. A transformação da

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postura profissional pode gerar mudanças nos modos de agir e de pensar do nutricionista,

hegemonicamente biomédico, para nutricionistas integrados às questões sociais

contemporâneas. Nessa ótica, professores, alunos e sociedade têm o poder de manter ou

transformar a representação e os rumos da nutrição.

Rememorando Sánchez Vazquez em sua filosofia da práxis: entre o pensamento e a

ação é necessário existir a vontade de realização. Para que a práxis educativa se realize de

forma plena, é necessário que a reflexão e a ação caminhem juntas, cada uma a seu tempo,

no sentido de promover mudanças no processo educativo, desde a reformulação do

currículo até o contato da universidade com a sociedade.

As reflexões e discussões mediadas nessa tese somadas à atual conjuntura oferecem

bons motivos que podem impulsionar um processo de reflexividade nos cursos de

graduação em Nutrição. A Universidade precisa viver e analisar tanto seus elementos

internos – funções, princípios norteadores, projetos político-pedagógicos, processos de

trabalho, conteúdos e métodos de ensino-aprendizagem, mas também, buscar transpor os

muros e conviver com a realidade social.

Como artesã intelectual, que se constituiu ao longo desta pesquisa, trago para esse

diálogo final a companhia dos autores que me inspiraram e a voz de uma das participantes

do diálogo para em uníssono refletir: Se acreditamos que “o mundo foi feito pelas pessoas

e a gente vai continuar fazendo, qual é o legado que a gente vai deixar?” (1.ISC). É com

essa reflexão ativa e essa disposição para a construção da sociedade e da própria história,

que desejo continuar pensando e agindo nos processos de trabalho e de formação, ou seja,

nos processos de vida.

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APÊNDICE A: APROVAÇÃO DO COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA

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APÊNDICE B: CARTA-CONVITE ENVIADA ÀS COORDENAÇÕES DOS CURSOS

DE NUTRIÇÃO

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APÊNDICE C: TERMO DE COMPROMISSO INSTITUCIONAL

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO NÚCLEO DE TECNOLOGIA EDUCACIONAL PARA A SAÚDE

Projeto de Pesquisa:

“Alimentação, saúde e educação: um estudo sobre a educação nutricional na formação do nutricionista”

Termo de Consentimento Esclarecido

(Em atendimento à Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde / Ministério da Saúde) Características do estudo: Trata-se de um estudo de campo de abordagem compreensiva com a utilização de métodos e técnicas das pesquisas qualitativa e quantitativa, que tem como objetivo geral investigar a formação universitária em nutrição tendo como foco de análise a práxis da educação nutricional, promovendo uma análise crítica sobre suas contribuições e desafios no contexto contemporâneo. Propósito do estudo: Pretende-se com este estudo apresentar um retrato da formação em nutrição pelas lentes da educação nutricional no Rio de Janeiro, cotejando com as informações obtidas de outras experiências de formação no Brasil, para a partir daí propor alternativas teóricas e metodológicas para a referida disciplina. Espera-se contribuir para o avanço do conhecimento na área de educação nutricional e para o processo de reflexão sobre a formação em Nutrição. Levantamento dos dados: A obtenção dos dados será organizada em quatro etapas: 1. levantamento dos currículos e das ementas da disciplina Educação Nutricional dos cursos de Nutrição, públicos e privados, situados no Rio de Janeiro, visando analisar a composição curricular e as características e particularidades das disciplinas ministradas; 2. entrevistas semi-estruturadas junto aos docentes responsáveis pela disciplina Educação Nutricional a docentes coordenadores/responsáveis pela disciplina Estágio nas três grandes áreas da Nutrição: Alimentação Coletiva, Nutrição Clínica e Saúde Coletiva, a fim de identificar e analisar suas trajetórias e perfis profissionais, somado às opiniões, experiências, dificuldades e expectativas em relação à Educação Nutricional; 3. debates com estudantes do 7° ou 8° período, que já tenham cursado Educação Nutricional e estejam inseridos em atividades práticas como estágios e projetos de pesquisa e de extensão. Será utilizada a técnica de Grupo Focal, na intenção de conhecer as percepção e experiências sobre a disciplina, suas práticas e aplicação profissional; 4. entrevistas com profissionais, docentes e pesquisadores da área, das cinco regiões brasileiras, com relevante produção acadêmica e científica, a fim de ampliar o debate sobre a Educação Nutricional em nível nacional. Riscos: A participação no estudo não implica qualquer risco para os participantes ou para a instituição. Benefícios: Espera-se que os benefícios, inicialmente, se dêem por meio da discussão e reflexão dos docentes e discentes participantes da pesquisa e que resultem em atitudes pró-ativas e efetivas no aprimoramento do processo de formação em Nutrição. Posteriormente, com a divulgação dos resultados da pesquisa, espera-se ampliar a discussão de modo a contribuir para uma formação comprometida com a realidade social do país. Privacidade: Qualquer informação obtida nesta investigação será confidencial. Os dados coletados serão utilizados exclusivamente para esta pesquisa e divulgados de forma sigilosa e anônima. Os arquivos de áudio serão apagados após sua transcrição para que não seja possível identificar o entrevistado pela voz. Entretanto, as informações científicas resultantes poderão ser apresentadas e publicadas em revistas científicas, sem a identificação dos participantes e da instituição. A participação neste estudo será totalmente voluntária e a qualquer momento o indivíduo poderá desistir de participar por qualquer motivo. Os integrantes da pesquisa poderão ser contatados para maiores esclarecimentos sobre o estudo e informações decorrentes dele, nos telefone 9998-3737 (Thais Salema Nogueira de Souza) e 8874-4116 (Alexandre Brasil Carvalho da Fonseca)*. Declaração de Compromisso: Declaro para fins de comprovação junto ao Comitê de Ética em Pesquisa, que li e entendi as informações deste documento de compromisso, e autorizei a realização da pesquisa entre os docentes e discentes desta Instituição de Ensino Superior. Tive oportunidade de perguntar sobre o estudo e todas as minhas dúvidas foram esclarecidas. Entendo que estou livre para decidir não participar desta pesquisa a qualquer momento. Receberei uma cópia assinada e datada deste documento. Rio de Janeiro, ............de .............................de ..................... ______________________________________ __________________________________ Nome do participante Alexandre Brasil Carvalho da Fonseca Pesquisadora ______________________________________ Assinatura do participante

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APÊNDICE D: ROTEIRO DA ENTREVISTA COM PROFESSORES

Bloco A. Informações básicas do docente

1. Nome: ___________________________________________________

2. Data de Nascimento: _________________________________________

3. Categoria funcional do docente

3.1. Substituto ( ) 3.2. Assistente ( ) 3.3. Adjunto ( ) 3.4. Associado 3.5. Outro:

4. Regime de trabalho

4.1. Dedicação exclusiva ( ) 4.2. 40hs semanais ( ) 4.3. 20hs semanais ( )

5. Tempo de docência geral ______ ano(s) ______mês(es)

6. Tempo de docência na disciplina Educação Nutricional _______ ano(s) ______mês(es)

7. Formação do professor

7.1. Graduação: Concluída em _____/_____

Curso ________________________________________________________________

Instituição _____________________________________________________________

7.2. Pós-graduação Latu Sensu: Andamento - Início em ______ Concluído em _______

Curso ________________________________________________________________

Instituição _____________________________________________________________

7.3. Pós-graduação Strictu Sensu

7.3.1 Mestrado: Andamento - Início em ____________ Concluído em ___________

Curso ________________________________________________________________

Instituição _____________________________________________________________

7.3.2 Doutorado: Andamento - Início em ___________ Concluído em ____________

Curso _________________________________________________________________

Instituição _____________________________________________________________

8. Tempo nesta instituição ______ ano(s) ______mês(es)

9. Já ministrou outras disciplinas? _______________________________________________

10. Ministra atualmente outra disciplina? __________________________________________

11. Atuou em outras instituições antes desta? Sim ( ) Não ( )

11.1. Qual(is)? _____________________________________________________________

___________________________________________________________________________

12. Atua em outras instituições? Sim ( ) Não ( )

12.1. Qual(is)? ____________________________________________________________

___________________________________________________________________________

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Bloco B: Trajetória de vida ( professor de Educação Nutricional)

1. Origem

Onde você nasceu?

Bairro em que viveu?

O que pai e mãe faziam?

Formação dos pais?

2. Experiência escolar

Como foi sua experiência na escola, infância e adolescência? Algum fato marcante

como aluno? Algum professor te marcou?

3. Vida adulta/universitária

O que motivou a escolha pela Nutrição?

Como foi sua experiência na universidade? Algum fato marcante como aluno? Algum

professor te marcou?

4. Momento atual

Como você se tornou professor(a)?

O que é ser professor(a) para você?

Você se sente motivado a continuar sendo professor(a)?

O que te motivou a ser professor(a) de educação nutricional? Por acaso ou desejado?

O que você lembra das aulas de educação nutricional na sua graduação?

Quais são seus objetivos enquanto professor(a) da disciplina EN?

Você acha que o(a) professor(a) de EN tem o perfil diferente dos outros professores?

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Bloco B: Trajetória de vida (professor supervisor de estágio)

1. Origem

Onde você nasceu?

Bairro em que viveu?

O que pai e mãe faziam?

Formação dos pais?

2. Experiência escolar

Como foi sua experiência na escola, infância e adolescência? Algum fato marcante como aluno? Algum professor te marcou?

4. Vida adulta/universitária

O que motivou a escolha pela Nutrição?

Como foi sua experiência na universidade? Algum fato marcante como aluno? Algum professor te marcou?

5. Momento atual

Como você se tornou professor(a)?

O que é ser professor(a) para você?

Você se sente motivado a continuar sendo professor(a)?

O que te motivou a ser supervisor(a) de estágio? Por acaso ou desejado?

O que você lembra das aulas de educação nutricional na sua graduação?

Quais são seus objetivos enquanto professor(a) da disciplina EN?

Você acha que o(a) supervisor(a) de estágio tem o perfil diferente dos outros professores?

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Bloco C. Opiniões e experiências relacionadas à nutrição e a educação nutricional

(professor de educação nutricional)

1. Opiniões gerais

Qual o papel da educação nutricional na formação do nutricionista?

Na sua opinião quais seriam os campo de aplicação dos conhecimentos de educação

nutricional?

2. Experiência docente

Como são suas aulas (dinâmica)? Que métodos e recursos didáticos você utiliza? Que

atividades desenvolve?

A disciplina tem espaço para a prática? Como isso acontece? Carga horária teórica e

prática?

Em que autor(es), referenciais ou linhas de pensamento você busca inspiração teórica

para ministrar a disciplina?

Que assunto você mais gosta de abordar nas aulas? Ou que seja essencial para a formação?

Que assunto mais te desafia (dificuldade)?

Tem algum assunto ou idéia interessante que você gostaria de abordar ou realizar na

disciplina e que ainda não teve oportunidade?

Como é o processo de avaliação da disciplina? Que critérios são adotados / que

aspectos são valorizados?

Como é o seu relacionamento com os alunos?

3. Interdisciplinaridade

Existem outros momentos/espaços de formação em educação nutricional fora da

disciplina?

A disciplina EN se inter-relaciona com outra(s) disciplina(s) do curso? Como?

Você acha que alguma disciplina colabora para as reflexões sobre a educação nutricional?

4. Percepção dos parceiros de ensino-aprendizagem

Como você percebe o olhar dos alunos sobre a disciplina?

Como você percebe o olhar dos outros docentes sobre a disciplina?

5. Perspectivas

Quais são os desafios atuais da formação em educação nutricional?

Como você avalia a formação do nutricionista hoje? Quais foram os avanços e o que

precisa avançar?

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Bloco C. Opiniões e experiências relacionadas à nutrição, educação nutricional e

estágio (professor supervisor de estágio)

1. Opiniões gerais

Qual o papel do estágio em... na formação do nutricionista?

Qual o papel da educação nutricional na formação do nutricionista?

Como você vê a aplicação dos conhecimentos de educação nutricional na sua área?

2. Experiência docente

Que tipo de atividade os alunos desenvolvem no estágio?

Ocorrem ações de educação nutricional no estágio?

Em que momento?

Que tipo de atividade?

Que métodos, técnicas ou recursos são utilizados?

Você pode relatar em detalhes alguma destas atividades?

Em que autor(es), referenciais ou linhas de pensamento você busca inspiração teórica

para orientar os alunos no estágio?

Que assunto/tema você considera essencial para abordar junto aos alunos no estágio?

Que assunto mais te desafia (dificuldade)?

Tem algum assunto ou idéia interessante que você gostaria de abordar ou realizar no

estágio e que ainda não teve oportunidade?

Como é o processo de avaliação no estágio? Que critérios são adotados / que aspectos

são valorizados?

Como é o seu relacionamento com os alunos?

3. Interdisciplinaridade

Você acha que a Educação Nutricional se inter-relaciona com a sua área? De que

forma?

4. Percepção dos parceiros de ensino-aprendizagem

Como você percebe o olhar dos alunos sobre EAN durante o estágio?

5. Perspectivas

Quais são os desafios atuais da prática da educação nutricional no contexto

profissional?

Como você avalia a formação do nutricionista hoje? Quais foram os avanços e o que

precisa avançar?

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APÊNDICE E: ROTEIRO DO GRUPO FOCAL COM ESTUDANTES

ROTEIRO DE QUESTÕES PARA GRUPO FOCAL COM OS ESTUDANTES

1. Após a formação você gostaria de atuar em que área da nutrição? Fazendo o quê?

2. Como foi sua vivência na disciplina Educação Nutricional? Gostaria que vocês

incluíssem nesta reflexão tanto os conteúdos teóricos quanto as abordagens práticas.

3. Fora a vivência na disciplina, você teve outras oportunidades de utilizar os

conhecimentos da área de educação nutricional em experiências práticas como estágios,

projetos de pesquisa ou de extensão? Como foram estas experiências? Teve diferença entre

as áreas da nutrição (alimentação coletiva, nutrição clínica e saúde pública)?

4. Você percebe diferenças e/ou semelhanças entre o professor de Educação Nutricional e

os outros professores do curso?

5. Em sua opinião, qual a relevância da educação nutricional para a prática profissional do

nutricionista?

6. Você vê o nutricionista como um educador?

7. O que é um educador para você?

8. Como você avalia a sua formação?

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APÊNDICE F: TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARESCIDO

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO NÚCLEO DE TECNOLOGIA EDUCACIONAL PARA A SAÚDE

Projeto de Pesquisa:

“Alimentação, saúde e educação: um estudo sobre a educação nutricional na formação do nutricionista”

Termo de Consentimento Esclarecido

(Em atendimento à Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde / Ministério da Saúde) Características do estudo: Trata-se de um estudo de campo de abordagem compreensiva com a utilização de métodos e técnicas das pesquisas qualitativa e quantitativa, que tem como objetivo geral investigar a formação universitária em nutrição tendo como foco de análise a práxis da educação nutricional, promovendo uma análise crítica sobre suas contribuições e desafios no contexto contemporâneo. Propósito do estudo: Pretende-se com este estudo apresentar um retrato da formação em nutrição pelas lentes da educação nutricional no Rio de Janeiro, cotejando com as informações obtidas de outras experiências de formação no Brasil, para a partir daí propor alternativas teóricas e metodológicas para a referida disciplina. Espera-se contribuir para o avanço do conhecimento na área de educação nutricional e para o processo de reflexão sobre a formação em Nutrição. Levantamento dos dados: A obtenção dos dados será organizada em quatro etapas: 1. levantamento dos currículos e das ementas da disciplina Educação Nutricional dos cursos de Nutrição, públicos e privados, situados no Rio de Janeiro, visando analisar a composição curricular e as características e particularidades das disciplinas ministradas; 2. entrevistas semi-estruturadas junto aos docentes responsáveis pela disciplina Educação Nutricional a docentes coordenadores/responsáveis pela disciplina Estágio nas três grandes áreas da Nutrição: Alimentação Coletiva, Nutrição Clínica e Saúde Coletiva, a fim de identificar e analisar suas trajetórias e perfis profissionais, somado às opiniões, experiências, dificuldades e expectativas em relação à Educação Nutricional; 3. debates com estudantes do 7° ou 8° período, que já tenham cursado Educação Nutricional e estejam inseridos em atividades práticas como estágios e projetos de pesquisa e de extensão. Será utilizada a técnica de Grupo Focal, na intenção de conhecer as percepção e experiências sobre a disciplina, suas práticas e aplicação profissional; 4. entrevistas com profissionais, docentes e pesquisadores da área, das cinco regiões brasileiras, com relevante produção acadêmica e científica, a fim de ampliar o debate sobre a Educação Nutricional em nível nacional. Riscos: A participação no estudo não implica qualquer risco para os participantes ou para a instituição. Benefícios: Espera-se que os benefícios, inicialmente, se dêem por meio da discussão e reflexão dos docentes e discentes participantes da pesquisa e que resultem em atitudes pró-ativas e efetivas no aprimoramento do processo de formação em Nutrição. Posteriormente, com a divulgação dos resultados da pesquisa, espera-se ampliar a discussão de modo a contribuir para uma formação comprometida com a realidade social do país. Privacidade: Qualquer informação obtida nesta investigação será confidencial. Os dados coletados serão utilizados exclusivamente para esta pesquisa e divulgados de forma sigilosa e anônima. Os arquivos de áudio serão apagados após sua transcrição para que não seja possível identificar o entrevistado pela voz. Entretanto, as informações científicas resultantes poderão ser apresentadas e publicadas em revistas científicas, sem a identificação dos participantes e da instituição. A participação neste estudo será totalmente voluntária e a qualquer momento o indivíduo poderá desistir de participar por qualquer motivo. Os integrantes da pesquisa poderão ser contatados para maiores esclarecimentos sobre o estudo e informações decorrentes dele, nos telefone 9998-3737 (Thais Salema Nogueira de Souza) e 8874-4116 (Alexandre Brasil Carvalho da Fonseca)*. Declaração de Compromisso: Li e entendi as informações deste documento de consentimento e o objetivo do estudo, bem como seus possíveis benefícios e riscos. Tive oportunidade de perguntar sobre o estudo e todas as minhas dúvidas foram esclarecidas. Entendo que estou livre para decidir não participar desta pesquisa a qualquer momento. Receberei uma cópia assinada e datada deste documento. Niterói, ............de .............................de ..................... ______________________________________ __________________________________

Nome do participante Thais Salema Nogueira de Souza Pesquisadora ______________________________________ Assinatura do participante