textos de direito e sociedade 05 marx - coletanea

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TEXTOS DE DIREITO E SOCIEDADE KARL MARX Biografia: Marx nasceu numa família de classe média. Sua mãe (Henrietta) era judia holandesa e seu pai (Heinrich Marx) um advogado que teve de se converter ao cristianismo, (quando Marx ainda tinha 6 anos) em função das restrições impostas à presença de membros de etnia judaica no serviço público. Em 1835, com dezessete anos Marx ingressou na Universidade de Bonn para estudar Direito, mas, já no ano seguinte, transferiu-se para a Universidade de Berlim, onde a influência de Hegel ainda era bastante sentida, mesmo após a morte (em 1831) do celebrado professor e reitor daquela universidade. Ali, os interesses de Marx se voltam para a Filosofia, tendo participado ativamente do movimento dos Jovens Hegelianos. Doutorou-se em Jena, 1841 com uma tese sobre as "Diferenças da filosofia da natureza em Demócrito e Epicuro". Nesse mesmo ano, concebeu a idéia de um sistema que combinasse o materialismo de Ludwig Feuerbach com a dialética de Hegel. Impedido de seguir uma carreira acadêmica, tornou-se, em 1842, redator-chefe da Gazeta renana. Com o fechamento do jornal pelos censores do governo prussiano, em 1843, Marx emigra para a França. Naquele mesmo ano, casou-se com Jenny von Westphalen. Desse casamento, Marx teve cinco filhos: Franziska, Edgar, Eleanor, Laura e Guido. Franziska, Edgar e Guido morreram na infância, provavelmente pelas péssimas condições financeiras a que a família estava submetida. Marx já havia sido privado da oportunidade de seguir uma carreira acadêmica na Alemanha pelo recrudescimento do absolutismo prussiano, que tornava suas posições como hegeliano de esquerda inaceitáveis, e, com a Revolução de 1848 e o exílio que se seguiu a ela, foi obrigado a abandonar o jornalismo na Alemanha e 1 Karl Henrich MARX Nascimento 5 de Maio de 1818 Tréveris, Alemanha Faleciment o 14 de Março de 1883 Londres, Inglaterra Nacionalid ade Alemã Ocupação Economista, sociólogo e filósofo Principais trabalhos * A ideologia Alemã * O capital Cônjuge Jenny von Westphalen

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Coletanea para aula de direito e sociedade - Marx

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TEXTOS DE DIREITO E SOCIEDADEKARL MARX

Biografia: Marx nasceu numa família de classe média. Sua mãe (Henrietta) era judia holandesa e seu pai (Heinrich Marx) um advogado que teve de se converter ao cristianismo, (quando Marx ainda tinha 6 anos) em função das restrições impostas à presença de membros de etnia judaica no serviço público. Em 1835, com dezessete anos Marx ingressou na Universidade de Bonn para estudar Direito, mas, já no ano seguinte, transferiu-se para a Universidade de Berlim, onde a influência de Hegel ainda era bastante sentida, mesmo após a morte (em 1831) do celebrado professor e reitor daquela universidade. Ali, os interesses de Marx se voltam para a Filosofia, tendo participado ativamente do movimento dos Jovens Hegelianos. Doutorou-se em Jena, 1841 com uma tese sobre as "Diferenças da filosofia da natureza em Demócrito e Epicuro". Nesse mesmo ano, concebeu a idéia de um sistema que combinasse o materialismo de Ludwig Feuerbach com a dialética de Hegel.Impedido de seguir uma carreira acadêmica, tornou-se, em 1842, redator-chefe da Gazeta renana. Com o fechamento do jornal pelos censores do governo prussiano, em 1843, Marx emigra para a França. Naquele mesmo ano, casou-se com Jenny von Westphalen. Desse casamento, Marx teve cinco filhos: Franziska, Edgar, Eleanor, Laura e Guido. Franziska, Edgar e Guido morreram na infância, provavelmente pelas péssimas condições financeiras a que a família estava submetida. Marx já havia sido privado da oportunidade de seguir uma carreira acadêmica na Alemanha pelo recrudescimento do absolutismo prussiano, que tornava suas posições como hegeliano de esquerda inaceitáveis, e, com a Revolução de 1848 e o exílio que se seguiu a ela, foi obrigado a abandonar o jornalismo na Alemanha e tentar ganhar a vida na Inglaterra como um intelectual estrangeiro desconhecido com meios de subsistência precários, sofrendo, assim, a sorte comum destinada pela época às pessoas destituídas de "meios independentes de subsistência" (isto é, viver de rendas), e sua incapacidade de ter uma existência financeiramente desafogada não parece ter sido maior do que a dos seus contemporâneos Balzac e Dostoievsky. Durante a maior parte de sua vida adulta, sustentou-se com artigos que publicava ocasionalmente em jornais alemães e estadunidenses, bem como por diversos auxílios financeiros vindos de seu amigo e colaborador Friedrich Engels. Tentava angariar rendas publicando livros que analisassem fatos da história recente, tais como "O 18 Brumário de Luís Bonaparte ", mas obteve pouco retorno com essas empreitadas.Karl Marx supostamente teve um filho nascido da relação extraconjugal com Helen Demuth, empregada em sua casa (Frederick Lewis Demuth). Não podendo perfilhá-lo, arranjou para que fosse reconhecido como filho por Engels. Apesar do que se possa aparentar, sua esposa foi paciente em relação a todos esses ocorridos, mesmo porque ela, uma filha de nobres e amiga de infância de Marx, casa-se com ele por desejo, e não por arranjo cerimonial (comum naquele período). Marx foi, no mais, um pai vitoriano convencional: procurou casar bem suas filhas, de modo a poupá-las dos sofrimentos que haviam sido inflingidos por sua atividade revolucionária à sua mãe (como ele diz numa carta a seu

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Karl Henrich MARX

Nascimento 5 de Maio de 1818

Tréveris, AlemanhaFalecimento 14 de Março de 1883

Londres, InglaterraNacionalidade Alemã Ocupação Economista, sociólogo e

filósofoPrincipais trabalhos

* A ideologia Alemã* O capital

Cônjuge Jenny von Westphalen

futuro genro Paul Lafargue) e chegou a impedir o enlace de sua filha Eleanor com o revolucionário francês e historiador da Comuna de Paris Lissagaray.Friedrich Engels declamou estas palavras quando da morte de Marx, quinze meses após a perda da esposa:“Marx era, antes de tudo, um revolucionário. Sua verdadeira missão na vida era contribuir, de um modo ou de outro, para a derrubada da sociedade capitalista e das instituições estatais por estas suscitadas, contribuir para a libertação do proletariado moderno, que ele foi o primeiro a tornar consciente de sua posição e de suas necessidades, consciente das condições de sua emancipação. A luta era seu elemento. E ele lutou com uma tenacidade e um sucesso com quem poucos puderam rivalizar.(...)Marx foi o homem mais odiado e mais caluniado de seu tempo. Governos, tanto absolutos como republicanos, deportaram-no de seus territórios. Burgueses, quer conservadores ou ultrademocráticos, porfiavam entre si ao lançar difamações contra ele. Tudo isso ele punha de lado, como se fossem teias de aranha, não tomando conhecimento, só respondendo quando necessidade extrema o compelia a tal. E morreu amado, reverenciado e pranteado por milhões de colegas trabalhadores revolucionários - das minas da Sibéria até a Califórnia, de todas as partes da Europa e da América - e atrevo-me a dizer que, embora, muito embora, possa ter tido muitos adversários, não teve nenhum inimigo pessoal”.

Obras em português* Diferencia entre a filosofia da natureza de Demócrito e a de Epicuro ,(1841 trabalho de doutorado)* A questão judaica (1843)* Manuscritos econômico-filosóficos (Ökonomisch-philosophische Manuskripte), 1844 (publicados apenas em 1930);* A crítica da filosofia do direito de Hegel (1844)* Teses sobre Feuerbach (1845, publicado póstumamente)* Contribuição a crítica da economia política (1859)* A Guerra Civil na França* Crítica da Filosofia do Direito de Hegel* A Sagrada Família (Die heilige Familie), 1845;* A Ideologia Alemã (Die deutsche Ideologie), 1845-46;* Miséria da Filosofia (Das Elend der Philosophie), 1847;* Manifesto do Partido Comunista (Manifest der Kommunistischen Partei), 1848;* Trabalho assalariado e Capital, 1849;* O 18 Brumário de Luís Bonaparte (Napoleão III Luís Bonaparte) (Der 18 Brumaire des Louis Bonaparte) (publicado em 1852 em jornais e em 1869 como livro );* A tecnologia do capital: Subsunción formal e subsunción real do processo do trabalho ao processo de valorização. (Extractos del manuscrito de 1861-1863) Karl Marx* Contribuição à Crítica da Economia Política, 1859* Estatutos Gerais da Asociação Internacional dos Trabalhadores (1864)* Salário, preço e lucro (1865)* O Capital (Das Kapital) - Livro I, publicado em 1867; Livros II e III, publicado postumamente por Engels. Outros textos foram publicados por Karl Kautsky* As resoluções da Conferencia de Delegados da Associação Internacional dos Trabalhadores (Londres, 23 de setembro de 1871) (em colaboração com Engels, 1871)* Crítica ao programa de Gotha, 1875, (publicado póstumamente)* Formações Econômicas pré-capitalistas (Grundrisse)(Extraído e adaptado de: pt.wikipédia.org – Verbete KARL MARX)

VISITEhttp://www.marxists.org/portugues/index.htm

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Origens de seu pensamento – Segundo Lênin

- Socialismo Utópico Francês – Fourier (Falanstérios), Saint Simon, Robert Owen (Cooperativismo)- Idealismo Alemão – Hegel (dialética)- Economia política inglesa – Adam Smith e Ricardo

As Três Fontes e as Três partes Constitutivas do Marxismo (passagens) V. I. Lênin - Março de 1913

(...)

A doutrina de Marx suscita em todo o mundo civilizado a maior hostilidade e o maior ódio de toda a ciência burguesa (tanto a oficial como a liberal), que vê no marxismo um a espécie de "seita perniciosa". E não se pode esperar outra atitude, pois, numa sociedade baseada na luta de classes não pode haver ciência social "imparcial". De uma forma ou de outra, toda a ciência oficial e liberal defende a escravidão assalariada, enquanto o marxismo declarou uma guerra implacável a essa escravidão. Esperar que a ciência fosse imparcial numa sociedade de escravidão assalariada seria uma ingenuidade tão pueril como esperar que os fabricantes sejam imparciais quanto à questão da conveniência de aumentar os salários dos operários diminuindo os lucros do capital.

Mas não é tudo. A história da filosofia e a história da ciência social ensinam com toda a clareza que no marxismo não há nada que se assemelhe ao "sectarismo", no sentida de uma doutrina fechada em si mesma, petrificada, surgida à margem da estrada real do desenvolvimento da civilização mundial. Pelo contrário, o gênio de Marx reside precisamente em ter dado respostas às questões que o pensamento avançado da humanidade tinha já colocado. A sua doutrina surgiu como a continuação direta e imediata das doutrinas dos representantes mais eminentes da filosofia, da economia política e do socialismo.

A doutrina de Marx é onipotente porque é exata. É completa e harmoniosa, dando aos homens uma concepção, integral do mundo, inconciliável com toda a supertição, com toda a reação, com toda a defesa da opressão burguesa. O marxismo é o sucessor legítimo do que de melhor criou a humanidade no século XIX: a filosofia alemã, a economia política inglesa e o socialismo francês.

Vamos deter-nos brevemente nestas três fontes do marxismo, que são, ao mesmo tempo, as suas três partes constitutivas.

I

A filosofia do marxismo é o materialismo. Ao longo de toda a história moderna da Europa, e especialmente em fins do século XVIII, em França, onde se travou a batalha decisiva contra todas as velharias medievais, contra o feudalismo nas instituições e nas idéias, o materialismo mostrou ser a única filosofia conseqüente, fiel a todos os ensinamentos das ciências naturais, hostil à supertição, à beatice, etc. Por isso, os inimigos da democracia tentavam com todas as suas forças "refutar", desacreditar e caluniar o materialismo e defendiam as diversas formas do idealismo filosófico, que se reduz sempre, de um modo ou de outro, à defesa ou ao apoio da religião.

Marx e Engels defenderam resolutamente o materialismo filosófico, e explicaram repetidas vezes quão profundamente errado era tudo quanto fosse desviar-se dele. Onde as suas opiniões aparecem expostas com maior clareza e pormenor é nas obras de Engels Ludwig Feuerbach e Anti-Dübring, as quais - da mesma forma que o Manifesto Comunista - são os livros de cabeceira de todo o operário consciente.

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Marx não se limitou, porém, ao materialismo do século XVIII; pelo contrário, levou mais longe a filosofia. Enriqueceu-a com as aquisições da filosofia clássica alemã, sobretudo do sistema de Hegel, o qual conduzira por sua vez ao materialismo de Feuerbach. A principal dessas aquisições foi a dialética, isto é, a doutrina do desenvolvimento na sua forma mais completa, mais profunda e mais isenta de unilateralidade, a doutrina da relatividade do conhecimento humano, que nos dá um reflexo da matéria em constante desenvolvimento. As descobertas mais recentes das ciências naturais - o rádio, os elétrons, a transformação dos elementos - confirmaram de maneira admirável o materialismo dialético de Marx, a despeito das doutrinas dos filósofos burgueses, com os seus "novos" regressos ao velho e podre idealismo.

Aprofundando e desenvolvendo o materialismo filosófico, Marx levou-o até ao fim e estendeu-o do conhecimento da natureza até o conhecimento da sociedade humana. O materialismo histórico de Marx é uma conquisto formidável do pensamento científico. Ao caos e à arbitrariedade que até então imperavam nas concepções da história e da política, sucedeu uma teoria científica notavelmente integral e harmoniosa, que mostra como, em conseqüência do crescimento das forças produtivas, desenvolve-se de uma forma de vida social uma outra mais elevada, como, por exemplo, o capitalismo nasce do feudalismo.

Assim, como o conhecimento do homem reflete a natureza que existe independentemente dele, isto é, a matéria em desenvolvimento, também o conhecimento social do homem (ou seja: as diversas opiniões e doutrinas filosóficas, religiosas, políticas, etc.) reflete o regime econômico da sociedade. As instituições políticas são a superestrutura que se ergue sobre a base econômica. Assim, vemos, por exemplo, como as diversas formas políticas dos Estados europeus modernos servem para reforçar a dominação da burguesia sobre o proletariado.

A filosofia de Marx é o materialismo filosófico acabado, que deu à humanidade, à classe operaria sobretudo, poderosos instrumentos de conhecimento.

II

Depois de ter verificado que o regime econômico constitui a base sobre a qual se ergue a superestrutura política, Marx dedicou-se principalmente ao estudo deste regime econômico. A obra principal de Marx, O Capital, é dedicada ao estudo do regime econômico da sociedade moderna, isto é, da sociedade capitalista.

A economia política clássica anterior a Marx tinha-se formado na Inglaterra, o país capitalista mais desenvolvido. Adam Smith e David Ricardo lançaram nas suas investigações do regime econômico os fundamentos da teoria do valor-trabalho. Marx continuou sua obra. Fundamentou com toda precisão e desenvolveu de forma conseqüente aquela teoria. Mostrou que o valor de qualquer mercadoria é determinado pela quantidade de tempo de trabalho socialmente necessário investido na sua produção.

Onde os economistas burgueses viam relações entre objetos (troca de umas mercadorias por outras), Marx descobriu relações entre pessoas. A troca de mercadorias exprime a ligação que se estabelece, por meio do mercado, entre os diferentes produtores. O dinheiro indica que esta ligação se torna cada vez mais estreita, unindo indissoluvelmente num todo a vida econômica dos diferentes produtores. O capital significa um maior desenvolvimento desta ligação: a força de trabalho do homem torna-se uma mercadoria. O operário assalariado vende a sua força de trabalho ao proprietário de terra, das fábricas, dos instrumentos de trabalho. O operário emprega uma parte do dia de trabalho para cobrir o custo do seu sustento e de sua família (salário); durante a outra parte do dia, trabalha gratuitamente, criando para o capitalista a mais-valia, fonte dos lucros, fonte da riqueza da classe capitalista.

A teoria da mais-valia constitui a pedra angular da teoria econômica de Marx.

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O capital, criado pelo trabalho do operário, oprime o operário, arruína o pequeno patrão e cria um exercito de desempregados. Na indústria, é imediatamente visível o triunfo da grande produção; mas também na agricultura deparamos com o mesmo fenômeno: aumenta a superioridade da grande exploração agrícola capitalista, cresce o emprego de maquinaria, a propriedade camponesa cai nas garras do capital financeiro, declina e arruína-se sob o peso da técnica atrasada. Na agricultura, o declínio da pequena produção reveste-se de outras formas, mais esse declínio é um fato indiscutível.

Esmagando a pequena produção, o capital faz aumentar a produtividade do trabalho e cria uma situação de monopólio para os consórcios dos grandes capitalistas. A própria produção vai adquirindo cada vez mais um caráter social - centenas de milhares e milhões de operários são reunidos num organismo econômico coordenado - enquanto um punhado de capitalistas se apropria do produto do trabalho comum. Crescem a anarquia da produção, as crises, a corrida louca aos mercados, a escassez de meios de subsistência para as massas da população.

Ao fazer aumentar a dependência dos operários relativamente ao capital, o regime capitalista cria a grande força do trabalho unido.

Marx traçou o desenvolvimento do capitalismo desde os primeiros germes da economia mercantil, desde a troca simples, até às suas formas superiores, até à grande produção.

E de ano para ano a experiência de todos os países capitalistas, tanto os velhos como os novos, faz ver claramente a um numero cada vez maior de operários a justeza desta doutrina de Marx.

O capitalismo venceu no mundo inteiro, mas, esta vitória não é mais do que o prelúdio do triunfo do trabalho sobre o capital.

III

Quando o regime feudal foi derrubado e a "livre" sociedade capitalista viu a luz do dia, tornou-se imediatamente claro que essa liberdade representava um novo sistema de opressão e exploração dos trabalhadores. Como reflexo dessa opressão e como protesto contra ela, começaram imediatamente a surgir diversas doutrinas socialista. Mas, o socialismo primitivo era um socialismo utópico. Criticava a sociedade capitalista, condenava-a, amaldiçoava-a, sonhava com a sua destruição, fantasiava sobre um regime melhor, queria convencer os ricos da imoralidade da exploração.

Mas, o socialismo utópico não podia indicar uma saída real. Não sabia explicar a natureza da escravidão assalariada no capitalismo, nem descobrir as leis do seu desenvolvimento, nem encontrar a força social capaz de se tornar a criadora da nova sociedade.

Entretanto, as tempestuosas revoluções que acompanharam em toda a Europa, e especialmente em França, a queda do feudalismo, da servidão, mostravam cada vez com maior clareza que a luta de classes era a base e a força motriz de todo o desenvolvimento.

Nenhuma vitória da liberdade política sobre a classe feudal foi alcançada sem uma resistência desesperada. Nenhum país capitalista se formou sobre uma base mais ou menos livre, mais ou menos democrática, sem uma luta de morte entre as diversas classes da sociedade capitalista.

O gênio de Marx está em ter sido o primeiro a ter sabido deduzir daí a conclusão implícita na história universal e em tê-la aplicado conseqüentemente. Tal conclusão é a doutrina da luta de classes.

Os homens sempre foram em política vítimas ingênuas do engano dos outros e do próprio e continuarão a sê-lo enquanto não aprendem a descobrir por trás de todas as frases,

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declarações e promessas morais, religiosas, políticas e sociais, os interesses de uma ou de outra classe. Os partidários de reformas e melhoramentos ver-se-ão sempre enganados pelos defensores do velho, enquanto não compreenderem que toda a instituição velha, por mais bárbara e apodrecida que pareça, se mantém pela força de umas ou de outras classes dominantes. E para vencer a resistência dessas classes só há um meio: encontrar na própria sociedade que nos rodeia, educar e organizar para a luta, os elementos que possam - e, pela sua situação social, devam - formar a força capaz de varrer o velho e criar o novo.

Só o materialismo filosófico de Marx indicou ao proletariado a saída da escravidão espiritual em que vegetaram até hoje todas as classes oprimidas. Só a teoria econômica de Marx explicou a situação real do proletariado no conjunto do regime capitalista.

No mundo inteiro, da América ao Japão e da Suécia à África do Sul, multiplicam-se as organizações independentes do proletariado. Este se educa e instrui-se travando a sua luta de classe; liberta-se dos preconceitos da sociedade burguesa, adquire uma coesão cada vez maior, aprende a medir o alcance dos seus êxitos, temperam as suas forças e cresce irresistivelmente.

MARX: TRANSFORMAR O MUNDO!Objetivo da Teoria de Marx – 11ª Tese sobre Feuerbach

Teses sobre Feuerbach

Karl Marx – 1845 (Escrito: primavera de 1845).

1A principal insuficiência de todo o materialismo até aos nossos dias - o de Feuerbach incluído - é que

as coisas [der Gegenstand], a realidade, o mundo sensível são tomados apenas sobre a forma do objecto [des Objekts] ou da contemplação [Anschauung]; mas não como atividade sensível humana, práxis, não subjectivamente. Por isso aconteceu que o lado activo foi desenvolvido, em oposição ao materialismo, pelo idealismo - mas apenas abstractamente, pois que o idealismo naturalmente não conhece a actividade sensível, real, como tal. Feuerbach quer objectos [Objekte] sensíveis realmente distintos dos objectos do pensamento; mas não toma a própria actividade humana como atividade objectiva [gegenständliche Tätigkeit]. Ele considera, por isso, na Essência do Cristianismo, apenas a atitude teórica como a genuinamente humana, ao passo que a práxis é tomada e fixada apenas na sua forma de manifestação sórdida e judaica. Não compreende, por isso, o significado da actividade "revolucionária", de crítica prática.

2A questão de saber se ao pensamento humano pertence a verdade objectiva não é uma questão da

teoria, mas uma questão prática. É na práxis que o ser humano tem de comprovar a verdade, isto é, a realidade e o poder, o carácter terreno do seu pensamento. A disputa sobre a realidade ou não realidade de um pensamento que se isola da práxis é uma questão puramente escolástica.

3A doutrina materialista de que os seres humanos são produtos das circunstâncias e da educação, [de

que] seres humanos transformados são, portanto, produtos de outras circunstâncias e de uma educação mudada, esquece que as circunstâncias são transformadas precisamente pelos seres humanos e que o educador tem ele próprio de ser educado. Ela acaba, por isso, necessariamente, por separar a sociedade em duas partes, uma das quais fica elevada acima da sociedade (por exemplo, em Robert Owen).

A coincidência do mudar das circunstâncias e da atividade humana só pode ser tomada e racionalmente entendida como práxiss revolucionante.

4Feuerbach parte do fato da auto-alienação religiosa, da duplicação do mundo no mundo religioso,

representado, e num real. O seu trabalho consiste em resolver o mundo religioso na sua base mundana. Ele perde de vista que depois de completado este trabalho ainda fica por fazer o principal. É que o fato de esta base mundana se destacar de si própria e se fixar, um reino autônomo, nas nuvens, só se pode explicar precisamente pela autodivisão e pelo contradizer-se a si mesma desta base mundana. É esta mesma, portanto, que tem de ser primeiramente entendida na sua contradição e depois praticamente revolucionada por meio da eliminação da

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contradição. Portanto, depois de, por exemplo a família terrena estar descoberta como o segredo da sagrada família, é a primeira que tem, então, de ser ela mesma teoricamente criticada e praticamente revolucionada.

5Feuerbach, não contente com o pensamento abstrato, apela ao conhecimento sensível [sinnliche

Anschauung]; mas, não toma o mundo sensível como atividade humana sensível prática.6

Feuerbach resolve a essência religiosa na essência humana. Mas, a essência humana não é uma abstração inerente a cada indivíduo. Na sua realidade ela é o conjunto das relações sociais.

Feuerbach, que não entra na crítica desta essência real, é, por isso, obrigado: 1. a abstrair do processo histórico e fixar o sentimento [Gemüt] religioso por si e a pressupor um indivíduo abstratamente - isoladamente - humano; 2. nele, por isso, a essência humana só pode ser tomada como "espécie", como generalidade interior, muda, que liga apenas naturalmente os muitos indivíduos.

7Feuerbach não vê, por isso, que o próprio "sentimento religioso" é um produto social e que o

indivíduo abstrato que analisa pertence na realidade a uma determinada forma de sociedade.8

A vida social é essencialmente prática. Todos os mistérios que seduzem a teoria para o misticismo encontram a sua solução racional na práxis humana e no compreender desta práxis.

9O máximo que o materialismo contemplativo [der anschauende Materialismus] consegue, isto é, o

materialismo que não compreende o mundo sensível como atividade prática, é a visão [Anschauung] dos indivíduos isolados na "sociedade civil".

10O ponto de vista do antigo materialismo é a sociedade "civil"; o ponto de vista do novo [materialismo

é] a sociedade humana, ou a humanidade socializada.11

Os filósofos têm apenas interpretado o mundo de maneiras diferentes; a questão, porém, é transformá-lo.

Conceito de Classe Social e Luta de Classes

LER O MANIFESTO DO PARTIDO COMUINSTA.

Sugestão http://www.youtube.com/watch?v=EaVbYyky-BwManifestoon

K. Marx e F. Engels - O manifesto do Partido Comunista (passagens)

"A história de todas as sociedades que já existiram é a história de luta de classes." (materialismo histórico)

"A burguesia, afinal, com o estabelecimento da indústria moderna e do mercado mundial, conquistou, para si própria, no Estado representativo moderno, autoridade política exclusiva. O poder executivo do Estado moderno não passa de um cômite para gerenciar os assuntos comuns de toda a burguesia." (Estado)

"Tudo que é sólido derrete-se no ar, tudo o que é sagrado é profanado e os homens são por fim compelidos a enfrentar de modo sensato suas condições reais de vida e suas relações com seus semelhantes." (capitalismo e autofagia)

"Compele todas as nações, sob a pena de extinção, a adotar o modo de produção burguês. Compele-as a introduzirem o que chama de civilização no seu meio, ou seja, a se tornarem burguesas. Resumindo, cria um mundo à sua imagem." (ideologia capitalista)

"A condição essencial para a existência e para o poder da classe burguesa é a formação e o crescimento de capital. a condição para o capital é o trabalho assalariado. O trabalho

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assalariado fundamenta-se exclusivamente na competição entre os trabalhadores." (p. 28) (capital e trabalho)

"Neste sentido, a teoria dos comunistas pode ser resumida em uma sentença: a abolição da propriedade privada." (p. 31) (resumo idéia comunismo)

"[o trabalho] cria capital, ou seja, aquele tipo de propriedade que explora o trabalho assalariado e que não pode aumentar exceto na condição de gerar um novo suprimento de trabalho assalariado para nova exploração. Propriedade na sua forma atual, é baseada no antagonismo de capital e trabalho assalariado." (p. 31) (dialética materialista)

"O capital é, portanto, não um poder pessoal, mas um poder social." (p. 32) (capital)

MARX, Karl. Ideologia Alemã (excertos)

[6. A concorrência dos indivíduos e a formação das classes. Desenvolvimento da contradição entre os indivíduos e as condições da sua vida. A comunidade ilusória dos indivíduos na sociedade burguesa e a unidade real dos indivíduos no comunismo. A subjugação das condições de vida da sociedade ao poder dos indivíduos unidos]

A concorrência isola os indivíduos uns contra os outros, não apenas os burgueses mas ainda mais os proletários, e isto a despeito de os aproximar. Daí que demore muito tempo até que estes indivíduos se possam unir, para não referir o facto de que os meios necessários para esta união a fim de não ser meramente local —, as grandes cidades industriais e as comunicações baratas e rápidas, têm primeiro de ser estabelecidos pela grande indústria, e por isso só ao cabo de longas lutas se consegue vencer todo o poder organizado contraposto a estes indivíduos isolados que vivem no seio de relações que diariamente reproduzem o isolamento. Reclamar o contrário seria o mesmo que reclamar a não existência de concorrência nesta época histórica determinada, ou que os indivíduos banissem da cabeça relações sobre as quais, enquanto isolados, não têm nenhum controle.

Construção de casas. Entre os selvagens, é a coisa mais natural que cada família tenha a sua própria caverna ou cabana, como entre os nómadas a tenda separada de cada família. Esta economia doméstica separada é tornada ainda mais necessária pelo desenvolvimento posterior da propriedade privada. Entre os povos agrícolas, a economia doméstica comum é tão impossível quanto a cultura comum do solo. Foi um grande progresso a construção de cidades. Em todos os períodos até hoje, entretanto, a abolição [Aufhebung] da economia separada, a qual não se pode separar da abolição da propriedade privada, era simplesmente impossível, dado que não existiam ainda as condições materiais para ela. A instituição de uma economia doméstica comum pressupõe o desenvolvimento da maquinaria, da utilização das forças naturais e de muitas outras forças produtivas — por exemplo, água canalizada. [54] iluminação a gás, aquecimento a vapor, etc., abolição [da oposição] de cidade e campo. Sem estas condições, a economia comum não seria ela própria, por seu turno, uma nova força de produção, careceria de toda a base material, assentaria num fundamento meramente teórico, isto é, seria uma simples mania e não passaria de economia monástica. O que foi possível revela-se na aglomeração nas cidades e na construção de casas comuns com vários objectivos determinados (prisões, casernas, etc.). Que a abolição da economia separada não se pode separar da abolição da família por si mesmo se compreende.

(A afirmação, tão frequente em São Max, de que cada um é tudo o que é por meio do Estado, é no fundo o mesmo que dizer que o burguês é apenas um exemplar da espécie

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burguesa; uma afirmação que pressupõe que a classe dos burgueses existisse já antes dos indivíduos que a constituem(80).)

Os burgueses de todas as cidades eram obrigados, na Idade Média, a unir-se contra a nobreza rural para salvarem a pele; a expansão do comércio, o estabelecimento de comunicações, levou as diferentes cidades a conhecer outras cidades, as quais tinham afirmado os mesmos interesses na luta contra o mesmo contrário. Das muitas corporações locais de burgueses de cada uma das cidades nasceu, a princípio muito gradualmente, a classe dos burgueses. As condições de vida de cada um dos burgueses tornaram-se, ao mesmo tempo, pelo antagonismo contra as relações vigentes, e pelo tipo de trabalho por aquelas condicionado, condições que a todos eles eram comuns e independentes de cada um deles. Os burgueses tinham criado estas condições na medida em que haviam cortado com o vínculo feudal, e foram por elas criados na medida em que foram condicionados pelo seu antagonismo contra a feudalidade que já encontraram vigente. Com o estabelecimento da ligação entre as diferentes cidades, estas condições comuns desenvolveram-se e tornaram-se condições de classe. As mesmas condições, o mesmo contrário, os mesmos interesses, tinham também de dar origem, por toda a parte e dum modo geral, a costumes iguais. A própria burguesia só com as suas condições progressivamente se desenvolve, cinde-se de novo em diferentes fracções segundo a divisão do trabalho, e acaba por absorver em si todas as classes possuidoras precedentes(81) (ao passo que transformou a maioria das classes não possuidoras que encontrou e uma parte das classes até aí possuidoras(82) numa nova classe, o proletariado), na medida em que toda a propriedade que encontrou é transformada em capital comercial ou industrial.

Os indivíduos isolados só formam uma classe na medida [55] em que têm de travar uma luta comum contra uma outra classe; de resto, contrapõem-se de novo hostilmente uns aos outros, em concorrência. Por outro lado, a classe autonomiza-se, por seu turno, face aos indivíduos, pelo que estes encontram já predestinadas as suas condições de vida, é-lhes indicada pela classe a sua posição na vida e, com esta, o seu desenvolvimento pessoal —, estão subsumidos na classe. É este o mesmo fenómeno que a subordinação [Subsumtion] de cada um dos indivíduos à divisão do trabalho, e só pode ser eliminado por meio da abolição da propriedade privada e do próprio trabalho(83). Como esta subordinação dos indivíduos à classe se desenvolve numa subordinação a toda a série de representações. etc., já foi por nós referido variadas vezes. — Se se considera filosoficamente este desenvolvimento dos indivíduos nas condições comuns de existência das ordens e classes que se sucedem historicamente, e nas representações gerais que assim lhes são impostas, é certamente fácil imaginar que nestes indivíduos se desenvolveu a espécie, ou o Homem, ou que eles desenvolveram o Homem; um imaginar com que se dá à história algumas sonoras bofetadas. Pode-se então tomar estes diferentes estados [ou ordens sociais] e classes como especificações da expressão geral, como subespécies da espécie, como fases de desenvolvimento do Homem.

Esta subordinação dos indivíduos a determinadas classes não pode ser abolida antes que se tenha formado uma classe que, contra a classe dominante, já não tenha de afirmar nenhum interesse particular de classe.

A transformação dos poderes (relações) das pessoas em das coisas [sachliche] por meio da divisão do trabalho também não pode ser abolida pelo facto de se banir da cabeça a sua representação geral, mas apenas pelo facto de os indivíduos submeterem de novo a si estes poderes das coisas e abolirem a divisão do trabalho(84). Isto não é possível sem a comunidade. Só na comunidade [com outros, é que cada] indivíduo tem [56] os meios de desenvolver em todas as direcções as suas aptidões; só na comunidade, portanto, se torna possível a liberdade pessoal. Nos substitutos precedentes da comunidade, no Estado, etc., a liberdade pessoal existiu apenas para os indivíduos desenvolvidos nas relações da classe dominante, e tão-só na medida em que eram indivíduos dessa classe. A comunidade aparente

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em que se uniram, até aqui, os indivíduos autonomizou-se sempre face a eles, e foi, ao mesmo tempo, por ser uma união de uma classe face a outra, para a classe dominada não só uma comunidade completamente ilusória como também um novo grilhão. Na comunidade real, os indivíduos conseguem, na e pela sua associação, simultaneamente a sua liberdade.

Os indivíduos partiram sempre de si, mas, naturalmente, de si no quadro das suas condições e relações históricas dadas, não do indivíduo "puro" no sentido dos ideólogos. Mas no curso do desenvolvimento histórico, e precisamente pela autonomização das relações sociais, que é inevitável no quadro da divisão do trabalho, sobressai uma diferença entre a vida de todos os indivíduos enquanto ela é pessoal e na medida em que ela está subordinada a um qualquer ramo de trabalho e às condições respectivas. (Isto não deve ser entendido como se, por exemplo, quem vive de rendimentos, o capitalista, etc., deixassem de ser pessoas; mas a sua personalidade está condicionada e determinada por relações de classe muito bem definidas, e a diferença só se torna patente no antagonismo face a uma outra classe, e para eles mesmos apenas quando ficam arruinados.) No estado [ou ordem social] (e, ainda mais, na tribo) isto ainda está oculto, por exemplo um nobre é sempre um nobre, o roturier(85) é sempre um roturier, independentemente das suas demais relações, uma qualidade indissociável da sua individualidade. A diferença do indivíduo pessoal contra o indivíduo da classe, o carácter acidental das condições de vida para o in[divíduo], surge apenas com o aparecimento da classe, que é ela própria um produto da burguesia. A concorrência e luta [dos] indivíduos entre si pro[duz] e de[senvolve], pela primeira vez, [57] este carácter acidental como tal. Na representação, os indivíduos são, por isso, sob o domínio da burguesia, mais livres do que anteriormente, porque as suas condições de vida lhes são acidentais; na realidade são, naturalmente, menos livres, porque mais subordinados ao poder das coisas. A diferença do estado [ou ordem social] sobressai nomeadamente no antagonismo da burguesia contra o proletariado. Quando o estado [ou ordem social] dos burgueses citadinos, as corporações, etc., surgiram face à nobreza rural, a sua condição de existência — a propriedade móvel e o trabalho artesanal, que já tinham uma existência latente antes da sua separação do vínculo feudal apareceu como algo positivo que era feito valer contra a propriedade fundiária feudal, e daí que, por seu turno, tenha começado também por assumir, a seu modo, a forma feudal. E certo que os servos fugitivos tratavam a sua servidão anterior como algo acidental à sua personalidade. Mas aqui eles faziam apenas o mesmo que fazem todas as classes que se libertam de um grilhão, e depois não se libertaram como classe, mas isoladamente. Além disso, não saíram do domínio do sistema de estados [ou ordens sociais], mas apenas formaram um novo estado [ou ordem social] e conservaram o seu modo de trabalho anterior também na nova posição, e desenvolveram-no libertando-o dos seus grilhões anteriores, que [já] não correspondiam ao desenvolvimento já atingido.

No caso dos proletários, pelo contrário, a sua própria condição de vida, o trabalho, e com ele todas as condições de existência da sociedade actual, tornou-se para eles algo acidental sobre que cada um dos proletários não tem nenhum controle, e sobre que nenhuma organização social lhes pode dar um controlo, e a contradição entre a personalidade do proletário individual e a condição de vida que lhe é imposta, o trabalho, torna-se patente para ele mesmo, nomeadamente porque ele já desde a juventude é sacrificado e porque lhe falta a oportunidade de alcançar, no seio da sua classe, as condições que o coloquem na outra. —

[58] N. B. Não esquecer que já a necessidade de existirem os servos, e a impossibilidade da grande exploração agrícola que a repartição dos allotments(86) pelos servos acarretava, a muito breve trecho reduzia as obrigações dos servos face aos senhores feudais a uma média de pagamentos em géneros e de corveias que tornou possível ao servo a acumulação de propriedade móvel, e assim facilitou que escapasse à posse do seu senhor e lhe deu a perspectiva do seu progresso como burguês da cidade; produziu também gradações entre os servos, pelo que os servos que fogem já são meios burgueses. Com isto se torna

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igualmente óbvio que os camponeses servos peritos num ofício eram os que mais possibilidade tinham de adquirir propriedade móvel.

Enquanto, por conseguinte, os servos fugitivos só queriam desenvolver livremente e fazer valer as suas condições de existência já presentes, e por isso, em última instância, apenas chegaram ao trabalho livre, os proletários têm de abolir a sua própria condição de existência anterior, que é simultaneamente a de toda a sociedade anterior, o trabalho, para valerem como pessoas. Por isso, encontram-se também em antagonismo directo com a forma em que até aqui os indivíduos da sociedade se deram uma expressão global, o Estado, e têm de derrubar o Estado para afirmarem a sua personalidade.

Decorre de todo o desenvolvimento anterior que a relação comunitária em que entraram os indivíduos de uma classe, e que era condicionada pelos seus interesses comunitários face a terceiros, foi sempre uma comunidade à qual os indivíduos só pertenceram enquanto indivíduos médios, apenas na medida em que viviam nas condições de existência da sua classe, uma relação em que eles não tomaram parte enquanto indivíduos, mas enquanto membros da classe. No caso da comunidade dos proletários revolucionários, ao invés, que tomam sob o seu controlo as suas condições [59] de existência e as de todos os membros da sociedade, as coisas passam-se precisamente ao contrário; nela os indivíduos tomam parte enquanto indivíduos. É justamente a união dos indivíduos (naturalmente, no quadro da premissa das forças produtivas agora desenvolvidas) que coloca as condições do livre desenvolvimento e movimento dos indivíduos sob o seu controlo, condições que até aqui estavam abandonadas ao acaso e que se tinham autonomizado contra cada um dos indivíduos, precisamente devido à sua separação como indivíduos, devido à sua união necessária que fora dada pela divisão do trabalho e se tornara, pela sua separação, um elo que lhes era estranho. Até aqui a união era uma união (de modo nenhum arbitrária, como por exemplo é apresentada no Contrat social [N31], mas necessária) nestas condições (compare-se, por exemplo, a formação do Estado norte-americano e as repúblicas sul-americanas) em que os indivíduos tinham então o prazer da acidentalidade. A este direito de se poder deliciar em paz com a acidentalidade em determinadas condições dava-se, até aqui, o nome de liberdade pessoal. — Estas condições de existência são apenas, naturalmente, as respectivas forças de produção e formas de intercâmbio.

O comunismo distingue-se de todos os movimentos anteriores por transformar radicalmente a base de todas as relações de produção e de intercâmbio anteriores e por tratar conscientemente, pela primeira vez, todas as premissas naturais como criaturas dos homens anteriores, por despi-las da sua naturalidade e submetê-las ao poder dos indivíduos unidos. A sua instauração é, por isso, essencialmente económica, a produção material das condições desta união; ela faz das condições existentes condições da união. A realidade que o comunismo cria é precisamente a base objectiva para tornar impossível que essa realidade seja independente dos indivíduos, na medida, todavia, em que essa realidade mais não é do que um produto do intercâmbio anterior dos próprios indivíduos. Os comunistas, portanto, tratam na prática como inorgânicas as condições criadas pela produção e intercâmbio anteriores, sem contudo imaginarem que as gerações anteriores tinham tido o plano de, ou estavam destinadas a, fornecer-lhes material, e sem acreditarem que estas condições eram inorgânicas para os indivíduos que as criaram.

Conceito de Ideologia

MARX, Karl. A Ideologia alemã In. História - Marx e Engels

[f. 5] O facto é, portanto, este: o de determinados indivíduos, que trabalham produtivamente de determinado modo (16), entrarem em determinadas relações sociais e políticas. A observação

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empírica tem de mostrar, em cada um dos casos, empiricamente e sem qualquer mistificação e especulação, a conexão da estrutura social e política com a produção. A estrutura social e o Estado decorrem constantemente do processo de vida de determinados indivíduos; mas destes indivíduos não como eles poderão parecer na sua própria representação ou na de outros, mas como eles são realmente, ou seja, como agem, como produzem materialmente, como trabalham, portanto, em determinados limites, premissas e condições materiais que não dependem da sua vontade (17).

A produção das ideias, representações, da consciência está a princípio directamente entrelaçada com a actividade material e o intercâmbio material dos homens, linguagem da vida real. O representar, o pensar, o intercâmbio espiritual dos homens aparecem aqui ainda como refluxo directo do seu comportamento material. O mesmo se aplica à produção espiritual como ela se apresenta na linguagem da política, das leis, da moral, da religião, da metafísica, etc., de um povo. Os homens são os produtores das suas representações, ideias, etc., mas os homens reais, os homens que realizam [die wirklichen, wirkenden Menschen], tal como se encontram condicionados por um determinado desenvolvimento das suas forças produtivas e do intercâmbio que a estas corresponde até às suas formações mais avançadas (18). A consciência [das Bewusstsein], nunca pode ser outra coisa senão o ser consciente [das bewusste Sein], e o ser dos homens é o seu processo real de vida. Se em toda a ideologia os homens e as suas relações aparecem de cabeça para baixo como numa Camera obscura, é porque este fenómeno deriva do seu processo histórico de vida da mesma maneira que a inversão dos objectos na retina deriva do seu processo directamente físico de vida.

Em completa oposição à filosofia alemã, a qual desce do céu à terra, aqui sobe-se da terra ao céu. Isto é, não se parte daquilo que os homens dizem, imaginam ou se representam, e também não dos homens narrados, pensados, imaginados, representados, para daí se chegar aos homens em carne e osso; parte-se dos homens realmente activos, e com base no seu processo real de vida apresenta-se também o desenvolvimento dos reflexos [Reflexe] e ecos ideológicos deste processo de vida. Também as fantasmagorias no cérebro dos homens são sublimados necessários do seu processo de vida material empiricamente constatável e ligado a premissas materiais. A moral, a religião, a metafísica, e a restante ideologia, e as formas da consciência que lhes correspondem, não conservam assim por mais tempo a aparência de antinomia. Não têm história, não têm desenvolvimento, são os homens que desenvolvem a sua produção material e o seu intercâmbio material que, ao mudarem esta sua realidade, mudam também o seu pensamento e os produtos do seu pensamento. Não é a consciência que determina a vida, é a vida que determina a consciência. No primeiro modo de consideração, parte-se da consciência como indivíduo vivo; no segundo, que corresponde à vida real, parte-se dos próprios indivíduos vivos reais e considera-se a consciência apenas como a sua consciência.

Este modo de consideração não é destituído de premissas. Parte das premissas reais e nem por um momento as abandona. As suas premissas são os homens, não num qualquer isolamento e fixidez fantásticos, mas no seu processo de desenvolvimento real, perceptível empiricamente, em determinadas condições. Assim que este processo de vida activo é apresentado, a história deixa de ser uma colecção de factos mortos — como é para os empiristas, eles próprios ainda abstractos -, ou uma acção imaginada de sujeitos imaginados, como para os idealistas.

Lá onde a especulação cessa, na vida real, começa, portanto, a ciência real, positiva, a representação da actividade prática, do processo de desenvolvimento prático dos homens. Cessam as frases sobre a consciência, o saber real tem de as substituir. Com a representação da realidade, a filosofia autónoma perde o seu meio de existência. Em seu lugar pode, quando muito, surgir uma súmula dos resultados mais gerais que é possível abstrair da consideração do desenvolvimento histórico. Estas abstracções não têm, separadas da história real, o menor valor. Só podem servir para facilitar a ordenação do material histórico, para indicar a sequência de cada um dos seus estratos. Mas não dão, de modo nenhum, como a filosofia, uma receita ou um esquema segundo o qual as épocas históricas possam ser ajeitadas ou ajustadas. A dificuldade começa pelo contrário, precisamente quando nos damos à consideração e ordenação do material, seja de uma época passada seja do presente, à representação real. A eliminação destas dificuldades está condicionada por premissas que de modo nenhum podem ser aqui dadas, e que só resultarão claras do estudo do processo real da vida e da acção dos indivíduos de cada época. Vamos escolher aqui algumas destas abstracções, que utilizamos em contraposição à ideologia, e vamos explicá-las com exemplos históricos(19).

Notas

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(16) [Versão original:] determinados indivíduos em determinadas relações de produção. (17) [No manuscrito encontra-se riscado o passo seguinte:] As ideias que estes indivíduos formam são representações ou da sua relação com a natureza ou da sua relação uns com os outros, ou sobre a sua própria natureza. É evidente que em todos estes casos estas representações são a expressão consciente — real ou ilusória — das suas relações e, actividade reais, da sua produção, do seu intercâmbio, da sua organização social e política. A suposição oposta só é possível quando se pressupõe, além do espírito dos indivíduos reais e materialmente condicionados, ainda um espírito à parte. Se a expressão consciente das relações reais destes indivíduos é ilusória, eles nas suas representações colocam a realidade de cabeça para baixo, e isto por sua vez é uma consequência do seu modo de trabalho material limitado e das relações sociais limitadas que dele resultam. (18) [Versão original:] Os homens são os produtores das suas representações, ideias, etc., e precisamente os homens condicionados pelo modo de produção da sua vida material, pelo seu intercâmbio material e o seu desenvolvimento posterior na estrutura social e política. (19) A versão principal (a segunda) da cópia passada a limpo termina aqui.

Indicação – O que é Ideologia? – Marilena Chauí

“A história não é sucessão de fatos no tempo, não é progresso das idéias, mas o modo como homens determinados em condições determinadas criam os meios e as formas de sua existência social, reproduzem ou transformam essa existência social que é econômica, política e cultural.”

“Ora, o Direito e a Moral estão em conflito. Ou seja, os interesses do proprietário estão em conflito com os deveres do sujeito moral, pois o proprietário tem interesse em ampliar sua propriedade espoliando e desapropriando outros proprietários, tratando-os como se fossem coisas suas e não homens livres e independentes. E o sujeito moral deve tratar os demais como homens livres e independentes. Há, pois, uma contradição no interior de cada indivíduo entre sua face-pessoa (proprietário) e sua face-sujeito (moral). Isto é, como proprietário ele se torna não moral e como sujeito ele se torna não proprietário”.

“A história não é, portanto, o processo pelo qual o Espírito toma posse de si mesmo, não é história das realizações do Espírito. A história é história do modo real como os homens reais produzem suas condições reais de existência. E história do modo como se reproduzem a si mesmos (pelo consumo direto ou imediato dos bens naturais e pela procriação), como produzem e reproduzem suas relações com a natureza (pelo trabalho), do modo como produzem e reproduzem suas relações sociais (pela divisão social do trabalho e pela forma da propriedade, que constituem as formas das relações de produção). E também história do modo como os homens interpretam todas essas relações, seja numa interpretação imaginária, como na ideologia, seja numa interpretação real, pelo conhecimento da história que produziu ou produz tais relações”.

“As classes sociais não são coisas nem idéias, mas são relações sociais determinadas pelo modo como os homens, na produção de suas condições materiais de existência, se dividem no trabalho, instauram formas determinadas da propriedade, reproduzem e legitimam aquela divisão e aquelas formas por meio das instituições sociais e políticas, representam para si mesmos o significado dessas instituições através de sistemas determinados de idéias que exprimem e escondem o significado real de suas relações. As classes sociais são o fazer-se classe dos indivíduos em suas atividades econômicas, políticas e culturais”.

Outras visões de ideologia – Gramsci – Paulo Freire (Aderência e Prescrição)

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Conceito de Alienação

Manuscritos Econômicos Filosóficos - K. Marx. In. História - Marx e Engels

"O trabalho não produz só mercadorias; produz a si mesmo e ao trabalhador como uma mercadoria, e isto na proporção em que produz mercadorias em geral". (p. 148) (alienação)

" (...) o objeto que o trabalho produz, o seu produto, se lhe defronta como um ser alheio, como um poder independente do seu produtor. O produto do trabalho é o trabalho que se fixou num objeto e se fez coisal, é a objetivação do trabalho. A realização efetiva do trabalho é sua objetivação (...) Todas estas conseqüências estão na determinação de que o trabalhador se relaciona com o produto do seu trabalho como um objeto alheio". (p. 149-50) (alienação)

"A economia política oculta a alienação na essência do trabalho por não considerar a relação imediata entre o trabalhador (o trabalho) e a produção" (...) "A relação imediata do trabalho com os seus produtos é a relação do trabalhador com os objetos de sua produção". (p. 152) (alienação)

"O seu trabalho não é portanto voluntário, mas compulsório, trabalho forçado. Por conseguinte, não é satisfação de uma necessidade mas somente um meio para satisfazer necessidades fora dele". (p. 153) (alienação)

Dialética

Origem em Hegel - Deve ser aplicada para os homens na História. Detém os seguintes elementos: (Segundo Leandro Konder – O que é Dialética) a) Transformação; b) Contradição;c) Totalidade;d) Mediação (abstrato para o concreto – aparência a essência)

Aufheben – Conserva, Elimina e Eleva a nível superior

O que é dialética Leandro Konder1) lei da passagem da quantidade à qual idade (e vive-versa);A primeira lei se refere ao fato de que, ao mudarem, as coisas não mudam sempre no mesmo ritmo; o processo de transformação por meio do qual elas existem passa por períodos lentos (nos quais se sucedem pequenas alterações quantitativas) e porr períodos de aceleração (que precipitam alterações qualitativas, isto é, "saltos", modificações radicais), Engels dá o exemplo da água que vai esquentando, vai esquentando, até alcançar cem graus centígrados e ferver, quando se precipita' a sua passagem do estado líquido ao estado gasoso.

2) lei da interpenetração dos contrários;A segunda lei é aquela que nos lembra que tudo tem a ver com tudo, os diversos aspectos da realidade se entrelaçam e, em diferentes níveis, dependem uns dos outros, de modo que as coisas não podem ser compreendidas isoladamente, uma por uma, sem levarmos em conta a conexão que cada uma delas mantém com coisas diferentes. Conforme as conexões (quer dizer, conforme o contexto em que ela esteja situada), prevalece, 'na coisa, um lado ou o outro da sua realidade (que é intrinsecamente contraditória). Os dois lados se opõem e, no entanto, constituem uma unidade (e por isso esta lei já foi também chamada de unidade e luta dos contrários).

3) lei da negação da negação.A terceira lei dá conta do fato de que o movimento geral da realidade faz sentido, quer dizer, não é absurdo, não se esgota em contradições irracionais, ininteligíveis, nem se perde na eterna repetição do conflito entre teses e antíteses, entre afirmações e negações. A afirmação

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engendra necessariamente a sua negação, porém a negação não prevalece como tal: tanto a afirmação como a negação são superadas e o que acaba' por prevalecer é uma síntese, é a negação da negação.

Materialismo Histórico

Prefácio à "Contribuição à Crítica da Economia Política”

KARL MARX

Indivíduos que produzem em sociedade, ou seja a produção de indivíduos socialmente determinada: eis naturalmente o ponto de partida. O caçador e o pescador individuais e isolados, com que começam Smith e Ricardo, fazem parte das ficções pobremente imaginadas do século XVIII; são robinsonadas que, pese embora aos historiadores da civilização, não exprimem de modo nenhum uma simples reação contra um refinamento excessivo e um regresso aquilo que muito erradamente se entende como vida natural. O "contrato social" de Rousseau, que estabelece conexões e laços entre sujeitos independentes por natureza, tampouco se baseia em tal naturalismo. Este naturalismo não é senão a aparência, e aparência puramente estética, das grandes e pequenas robinsonadas. Na realidade, trata-se antes de uma antecipação da "sociedade civil", que se preparava desde o século XVI e que no século XVIII marchava a passos de gigante para a maturidade. Nesta sociedade de livre concorrência, cada indivíduo aparece desligado dos laços naturais, etc., que, em épocas históricas anteriores, faziam dele parte integrante de um conglomerado humano determinado e circunscrito. Este indivíduo do século XVIII é produto, por um lado, da decomposiçâo das formas de sociedade feudais, e por outro, das novas forças produtivas desenvolvidas a partir do século XVI. E, aos profetas do século XVIII, (sobre cujos ombros se apoiam ainda totalmente Smith e Ricardo), este indivíduo aparece como um ideal cuja existência situavam no passado; não o vêem como um resultado histórico, mas sim como ponto de partida da história. E que, segundo a concepção que tinham da natureza humana, o indivíduo nao aparece como produto histórico, mas sim como um dado da natureza pois, assim, está de acordo com a sua concepção da natureza humana. Até hoje, esta mistificaçâo tem sido própria de todas as épocas novas. Stuart, que se opôs em muitos aspectos ao século XVIII e que, dada a sua condição de aristocrata, se ateve mais ao terreno histórico, evitou esta puerilidade.

Estudo o sistema da economia burguesa nesta ordem: capital, propriedade do solo, trabalho assalariado, Estado, comércio exterior, mercado mundial. Sob o três primeiros títulos, investigo as condições econômicas de vida de três grandes classes em que se divide a moderna sociedade burguesa; a conexão entre os três títulos restante salta à vista. A primeira seção do livro primeiro que trata do capital, contém os seguintes capítulos: 1) a mercadoria; 2) o dinheiro ou circulação simples; 3) o capital, em geral. Os dois primeiros capítulos formam o conteúdo do presente fascículo. Tenho diante de mim todos os materiais da obra na forma de monografias, redigidas a grandes intervalos de tempo para o esclarecimento das minhas próprias idéias e não para publicação; a elaboração sistemática de todos esses materiais, de acordo com o plano estabelecido, dependerá de circunstâncias externas. Embora tenha esboçado urna Introdução geral, prescindo dela, pois bem pensadas as coisas, creio que adiantar resultados que vão ser demonstrados, seria antes um estorvo, e o leitor que queria realmente acompanhar-me deverá estar disposto a seguir do particular para o geral. Por outro lado, parecem-me oportunas aqui algumas referências à trajetória dos meus estudos de economia política. Os meus estudos profissionais eram os de jurisprudência,. com que, todavia, só me preocupei como disciplina secundária, ao lado da filosofia e da história. Em 1842-43, sendo redator da Gazeta Renana1

vi-me pela primeira vez no difícil transe de ter que opinar sobre os chamados interesses materiais. Os debates da Dieta renana sobre a destruição furtiva e o parcelamento da propriedade do solo, a polêmica oficial mantida entre o sr. von Schaper, na ocasião governador da província renana, e a Gazeta Renana sobre a situação dos camponeses do Mosela e, finalmente, os debates sobre o livre câmbio e o protecionismo levaram-me a ocupar-me pela primeira vez de questões econômicas. Por outro lado, naqueles tempos em que o bom desejo de 'marchar na vanguarda" superava de muito o

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conhecimento da matéria, a Gazeta Renana deixava transparecer um eco do socialismo e do comunismo, francês, tingido de um leve matiz filosófico. Declarei-me contra aqueles embustes, m confessando ao mesmo tempo, de modo categórico, numa controvérsia com a Gazeta Geral de Augsburgo2, que os meus estudos até então não me permitiam aventurar nenhum juízo sobre o conteúdo propriamente dito das tendências francesas. Em vez disso, aproveitei avidamente a ilusão dos gerentes da Gazeta Renana, que acreditavam que, suavizando a atitude do periódico, conseguiriam a revogação da sentença de morte já decretada contra ele, para retirar-me da cena pública para meu quarto de estudo. O meu primeiro trabalho, empreendido para resolver as dúvidas que me assaltavam, foi uma revisão crítica da filosofia hegeliana do direito, trabalho cuja introdução veio a lume em 1844, nos Anais Franco-Alemães3, que se publicavam em Paris. A minha investigação desembocava no resultado de ,que tanto as relações jurídicas como as formas de Estado não podem ser compreendidas por si mesmas nem pela chamada evolução geral do espírito humano, mas se baseiam, pelo contrário, nas condições materiais de vida cujo conjunto Hegel resume, seguindo o precedente dos ingleses o franceses do século XVIII, sob o nome de "sociedade civil", e que a anatomia da sociedade civil precisa ser procurada na economia política. Em Bruxelas, para onde me transferi, em virtude de uma ordem de expulsão imposta pelo sr. Guizot, tive ocasião de prosseguir nos meus estudos de economia política, Iniciados em Paris. O resultado geral a que cheguei e que, uma vez obtido, serviu de fio condutor aos meus estudos, pode resumir-se assim: na produção social da sua vida, os homens contraem determinadas relações necessárias e independentes da sua vontade, relações de produção que correspondem a uma determinada fase de desenvolvimento das suas forças produtivas materiais. O conjunto dessas relações de produção forma a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se levanta a superestrutura jurídica e política e à qual correspondem determinadas formas de consciência social. O modo de produção da vida material condiciona o processo da vida social, política e espiritual em geral. Não é a consciência do homem que determina o seu ser, mas, pelo contrário, o seu ser social é que determina a sua consciência. Ao chegar a uma determinada fase de desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade se chocam com as relações de produção existentes, ou, o que não é senão a sua expressão jurídica, com as relações de propriedade dentro das quais se desenvolveram até ali. De formas de desenvolvimento das forças produtivas, estas relações se convertem em obstáculos a elas. E se abre, assim, uma época de revolução social. Ao mudar a base econômica, revoluciona-se, mais ou menos rapidamente, toda a imensa superestrutura erigida sobre ela. Quando se estudam essas revoluções, é preciso distinguir sempre entre as mudanças materiais ocorridas nas condições econômicas de produção e que podem ser apreciadas com a exatidão própria das ciências naturais, e as formas jurídicas, políticas, religiosas, artísticas ou filosóficas, numa palavra, as formas ideológicas em que os homens adquirem consciência desse conflito e lutam para resolvê-lo. E do mesmo modo que não podemos julgar um indivíduo pelo que ele pensa de si mesmo, não podemos tampouco julgar estas épocas de revolução pela sua consciência, mas, pelo contrário, é necessário explicar esta consciência pelas contradições da vida material, pelo conflito existente entre as forças produtivas sociais e as relações de produção. Nenhuma formação social desaparece antes que se desenvolvam todas as forças produtivas que ela contém, e jamais aparecem relações de pr6dução novas e mais altas antes de amadurecerem no seio da própria sociedade antiga as condições materiais para a sua existência. Por isso, a humanidade se propõe sempre apenas os objetivos que pode alcançar, pois, bem vistas as coisas, vemos sempre, que esses objetivos só brotam quando já existem ou, pelo menos, estão em gestação as condições materiais para a rua realização. A grandes traços podemos designar como outras tantas épocas de progresso, na formação econômica da sociedade, o modo de produção asiático, o antigo, o feudal e o moderno burguês. As relações burguesas de produção são a última forma antagônica do processo social de produção, antagônica, não no sentido de um antagonismo individual, mas de um antagonismo que provém das condições sociais de vida dos indivíduos. As forças produtivas, porém, que se desenvolvem no selo da sociedade burguesa criam, ao mesmo tempo, as condições materiais para a solução desse antagonismo. Com esta formação social se encerra, portanto, a pré-história da sociedade humana. Engels, com quem mantive constante intercâmbio escrito, de idéias, desde a publicação do seu genial esboço sobre a crítica das categorias econômicas (nos Anais Franco-Alemães), havia chegado por caminho diferente (veja-se o seu livro A Situação da Classe Operária na Inglaterra) ao mesmo resultado que eu. E quando, na primavera de 1845, ele se estabeleceu também em Bruxelas,

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resolvemos trabalhar em conjunto para opor o nosso ponto de vista ao ponto de vista Ideológico da filosofia alemã; na realidade, liquidar com a nossa consciência filosófica anterior. 0 propósito foi realizado sob a forma de uma crítica da filosofia pós-hegeliana. O manuscrito - dois grossos volumes in octavo4 - já estava há muito tempo na Vestfália, no lugar em que deveria ser editado, quando nos inteiramos de que novas circunstâncias imprevistas Impediam a sua publicação. Em vista disso, entregamos o manuscrito à crítica roedora dos ratos, de muito bom grado, pois o nosso objetivo principal- esclarecer as nossas próprias idéias, já estava alcançado. Entre os trabalhos dispersos em que, por aquela época, expusemos ao público as nossas idéias, sob vários aspectos, só citarei o Manifesto do Partido Comunista, redigido em colaboração por Engels e por mim, e um Discurso Sobre o Livre Câmbio, que publiquei. Os pontos decisivos da nossa concepção foram expostos pela primeira vez, cientificamente, embora só em forma polêmica, na obra Miséria da Filosofia, etc., publicada por mim em 1847 e dirigida contra Proudhon. A publicação de um estudo escrito em alemão sobre o Trabalho Assalariado, que reunia as conferências pronunciadas por mim sobre este tema, na Associação Operária Alemã de Bruxelas, foi interrompida pela Revolução de Fevereiro, que trouxe como conseqüência o meu afastamento forçado da Bélgica. A publicação da Nova Gazeta Renana (1848-1849) e os acontecimentos posteriores interromperam os meus estudos econômicos, que só pude reiniciar em 1850, em Londres. Os imensos materiais para a história da economia política acumulados no British Museum, a posição tão favorável que oferece Londres à observação da sociedade burguesa e, finalmente, a nova fase de desenvolvimento em que parecia entrar esta com a descoberta do ouro da Califórnia e da Austrália, me impulsionaram a recomeçar do princípio, abrindo caminho, de modo crítico, através dos novos materiais. Esses estudos me levavam, às vezes, por si mesmos, a campos aparentemente afastados e nos quais tinha de deter-me durante algum tempo. Mas o que sobretudo me roubava o tempo era a necessidade imperiosa de trabalhar para viver. A minha colaboração, desde há oito anos, no primeiro jornal anglo-americano, o New York Tribune5, obrigava-me a dispersar extraordinariamente os meus estudos, de vez que só em casos excepcionais me dedico a escrever para a imprensa correspondências propriamente ditas. Os artigos sobre os acontecimentos econômicos mais em evidência da Inglaterra e do Continente constituíam parte tão importante da minha colaboração, que isso me obrigava a familiarizar-me com uma série de pormenores de caráter prático situados fora da órbita da ciência propriamente econômica. Este esboço sobre a trajetória dos meus estudos no campo da economia política tende simplesmente a demonstrar que as minhas idéias, qualquer que seja o juízo que mereçam, e por muito que se choquem com os preconceitos interessados das classes dominantes. são o fruto de longos anos de conscienciosa investigação. E à porta da ciência, como à porta do inferno, deveria estampar-se esta divisa:

Qui si convien Iasciare ogni sospetto; Ogni vità convien che qui sia morta6 .

K. Marx.

Londres, Janeiro de 1859. Publicado no livro de K. Marx Contribuição à Crítica da Economia Política. editado em Berlim em 1859. Publica-se de acordo com a edição soviética de 1931, em espanhol, cujo texto foi traduzido da edição de 1859. Traduzido do espanhol._____________ Reich Zeitung - Diário radical publicado em Colônia em 1842-1843. Marx foi seu redator-chefe de 15 de outubro de 1842 a 18 de março de 1843 (N. da R.) 2 Marx se refere aqui ao seu artigo O Comunismo e a “Gazeta Geral de Augsburgo”. Veja-se K. Marx o F. Engels, Cesamtausgabe, Erste Abt., Bd. I. Frankfurt ª M. 1927, S. 260-265 (N. da R.) 3 Deutsch-Franzoesische Jahrbucher - órgão da propaganda revolucionária e comunista, editado por Marx em Paris, no ano de 1844 (N. da R) 4 Trata-se da obra de Marx e Engels A Ideologia Alem . (N. da R.)5 New York Daily Tribune - Diário democrático que se publicou em Nova York entre 1841 e 1924. Marx colaborou nele de 1851 a 1862. (N. da R.) 6 “Deixe-se aqui tudo o que é suspeito - Mate-se aqui toda vileza” (Dante - A Divina Comédia) (N. da R.)

Estado e Direito

MARX, Karl. .Crítica do Programa Gotha. (excertos)

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E agora chego à parte democrática. A.) "Livre fundamento do Estado.",Antes de mais, de acordo com o capítulo II, o Partido Operário Alemão procura

realizar o "Estado livre".Que quer dizer: Estado livre?O objectivo dos trabalhadores que se libertaram da estreita mentalidade de humildes

súbditos não é, de modo algum, tornar livre o Estado. No Império alemão, o "Estado" é quase tão "livre" como na Rússia. A liberdade consiste em transformar o Estado, organismo que é colocado acima da sociedade, num organismo inteiramente subordinado a ela; e mesmo nos nossos dias as formas do Estado são mais ou menos livres ou não livres na medida em que limitem a "liberdade do Estado".

O Partido Operário Alemão - pelo menos, se fizer seu este programa - mostra que as ideias socialistas não o tocam nem ao de leve; em vez de se tratar a sociedade presente (e isto é válido para qualquer sociedade futura) como o fundamento do Estado presente (ou futuro, para a sociedade futura), trata-se pelo contrário o Estado como uma realidade independente, que possui os seus próprios "fundamentos intelectuais, morais e livres".

E, para cúmulo, que monstruoso abuso faz o programa das expressões "Estado actual", "sociedade actual" e que confusão, ainda mais monstruosa, cria a propósito do Estado, ao qual se dirigem as suas reivindicações!

A "sociedade actual" é a sociedade capitalista que existe em todos os países civilizados, mais ou menos expurgada de elementos medievais, mais ou menos modificada pela evolução histórica particular de cada pais, mais ou menos desenvolvida. O "Estado actual", pelo contrário, muda com a fronteira. É diferente no Império prussiano-alemão e na Suíça, na Inglaterra e nos Estados Unidos. O "Estado actual" é pois uma ficção.

No entanto, os diversos Estados dos diversos países civilizados, não obstante a múltipla diversidade das suas formas, têm todos em comum o facto de que assentam no terreno da sociedade burguesa moderna, mais ou menos desenvolvida do ponto de vista capitalista. É o que faz com que certos caracteres essenciais Ihes sejam comuns. Neste sentido, pode falar-se do "Estado actual" tomado como expressão genérica, por contraste com o futuro em que a sociedade burguesa, que no presente Ihe serve de raiz, terá deixado de existir.

Então surge a pergunta: que transformação sofrerá o Estado numa sociedade comunista? Por outras palavras: que funções sociais análogas às actuais funções do Estado subsistirão? Só a ciência pode responder a esta pergunta; e não é juntando de mil maneiras a palavra Povo com a palavra Estado que se fará avançar o problema um passo que seja.

Entre a sociedade capitalista e a sociedade comunista situa-se o período de transformação revolucionária de uma na outra, a que corresponde um período de transição política em que o Estado não poderá ser outra coisa que não a ditadura revolucionária do proletariado.

Mas o programa, por agora, não se ocupa nem desta última nem do Estado futuro na sociedade comunista.

As suas reivindicações não contêm nada mais que a velha ladainha democrática conhecida de toda a gente: sufrágio universal, legislação directa, direito do povo, milícia popular, etc. São simplesmente o eco do Partido Popular burguês, da Liga da Paz e da Liberdade. Nada mais que reivindicações já realizadas, quando não são noções marcadas por um exagero fantástico. Só que o Estado que as realizou não existe de modo algum no interior das fronteiras do Império alemão, mas na Suíça, nos Estados Unidos, etc. Esta espécie de "Estado do futuro" é um Estado bem actual, ainda que exista fora do "quadro" do Império alemão.

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Mas uma coisa foi esquecida. Já que o Partido Operário Alemão declara expressamente que se move no seio do "Estado nacional actual", portanto, do seu próprio Estado, o Império prussiano-alemão - senão as suas reivindicações seriam na maior parte absurdas, porque só se reclama o que se não tem -, o Partido não devia ter esquecido o ponto capital, a saber: todas estas belas pequenas coisas implicam o reconhecimento do que se chama a soberania do povo e, portanto, só têm cabimento numa república democrática.

Já que não se ousa - e a abstenção é correcta, porque a situação exige prudência - reclamar a república democrática, como o faziam nos seus programas os operários franceses, sob Luís Filipe e Luís Napoleão, também era preciso recolher a esta intrujice tão pouco "honesta"() como respeitável que consiste em reclamar coisas que só têm sentido numa república democrática a um Estado que não passa de um despotismo militar, com uma armadura burocrática e blindagem policial, adornado de formas parlamentares, com misturas de elementos feudais e de influências burguesas, e, para além disso tudo, em assegurar alto e bom som a esse Estado que se acredita ser possível impor-lhe tais coisas "por meios legais"!

A própria democracia vulgar, que vê na república democrática o advento do reino milenário, e que não tem a menor suspeita de que é precisamente sob esta última forma de Estado da sociedade burguesa que se travará a suprema batalha entre as classes, a própria democracia está ainda cem côvados acima de um democratismo deste género, confinado aos limites do que é autorizado pela polícia e proibido pela lógica.

Que por "Estado" se entende, efectivamente, a máquina governamental, ou então o Estado enquanto constitui, em consequência da divisão do trabalho, um organismo próprio, separado da sociedade, indicam-no já estas palavras: "O Partido Operário Alemão reclama como base económica do .Estado: um imposto único e progressivo sobre o rendimento, etc." Os impostos são a base económica da máquina governamental e nada mais. No Estado do futuro, tal como existe na Suíça, esta reivindicação está razoavelmente satisfeita. O imposto Sobre o rendimento pressupõe fontes de rendimento diferentes de classes sociais diferentes, pressupõe portanto a sociedade capitalista. Por, conseguinte, não é nada de surpreendente que o Financial Reformers de Liverpool - que são burgueses, com o irmão de Gladstone à cabeça - formulem a mesma reivindicação que o programa.

B) "O Partido Operário Alemão reclama como base intelectual e moral do Estado: 1. Educação geral do povo, igual para todos. a cargo do Estado. Obrigação escolar

para todos. Instrução gratuita."Educação do povo, igual para todos? Que se quer dizer com estas palavras?

Acreditar-se-á que, na sociedade actual (e é dela que se trata), a educação possa ser a mesma para todas as classes? Ou querer-se-á então obrigar pela força as classes superiores a receberem apenas o ensino restrito na escola primária, o único compatível com a situação económica não só dos operários assalariados mas também dos camponeses?

"Obrigação escolar para todos. Instrução gratuita." A primeira até já existe na Alemanha, a segunda na Suíça e nos Estados Unidos para as escolas primárias. Se, em certos Estados deste último país, há estabelecimentos de ensino superior igualmente "gratuitos" isso apenas significa que, de facto, nesses Estados as despesas escolares das classes superiores são pagas com as receitas gerais dos impostos. Diga-se de passagem que o mesmo acontece com a "administração gratuita de justiça" reclamada no artigo A, 5. A justiça penal é gratuita em toda a parte; a justiça civil gira quase unicamente em torno dos litígios de propriedade e afecta portanto, quase unicamente, as classes possuidoras. Irão elas sustentar os seus processes à custa do tesouro público ?

O parágrafo relativo às escolas deveria, pelo menos exigir escolas técnicas (teóricas e práticas) adjuntas à escola primária.

Uma "educação do povo a cargo do Estado" é absolutamente inadmissível. Determinar por uma lei geral os recursos das escolas primárias, as aptidões exigidas ao

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pessoal docente, as disciplinas ensinadas, etc., e, como acontece nos Estados Unidos, fiscalizar por meio de inspectores do Estado a execução destas prescrições legais é completamente diferente de fazer do Estado o educador do povo! Pelo contrário, é preciso, pelas mesmas razoes, banir da escola qualquer influência do governo e da Igreja. Sobretudo no Império prussiano-alemão (e não se recorra à evasiva falaciosa de falar num certo "Estado do futuro"; nós já vimos o que ele é) é, pelo contrário, o Estado que precisa de ser rudemente educado pelo povo.

Aliás, todo o programa, apesar do seu badalar democrático, está infectado duma ponta à outra pela servil crença da seita lassalliana no Estado, ou, o que não é melhor, pela crença no milagre democrático; ou antes, é um compromisso entre estas duas espécies de fé no milagre, igualmente afastadas do socialismo. "Liberalidade da ciência", diz um parágrafo da Constituição prussiana. Porquê então pô-la aqui?

"Liberdade de consciência!" Se, nestes tempos de Kulturkcampf,() se queria recordar ao liberalismo as suas velhas palavras de ordem, só se podia fazê-la desta forma: "Toda a gente deve poder satisfazer as suas necessidades religiosas e corporais, sem que a polícia meta o nariz." Mas o Partido Operário devia aproveitar a ocasião para exprimir a sua convicção de que a "liberdade de consciência burguesa não é mais que a tolerância de todas as espécies possíveis de liberdade de consciência religiosa, ao passo que ele se esforça por libertar as consciências da fantasmagoria religiosa, Mas prefere-se não ultrapassar o nível "burguês".

MARX, Karl. .A questão judaica. Extraído de http://www.marxists.org/portugues/marx/1843/questaojudaica.htm (excertos)

(...) (obs. para expressões em língua estrangeira verificar as notas no fim do texto)

Mas, se o homem, embora judeu, pode emancipar-se politicamente, adquirir direitos de cidadania dentro do Estado, pode reclamar e obter os chamados direitos humanos? Bauer nega esta possibilidade. "O problema está em saber se o judeu, como tal, isto é, o judeu que se confessa obrigado por sua verdadeira essência a viver eternamente isolado dos outros, é capaz de obter e conceder aos outros os direitos gerais do homem".

"A idéia dos direitos humanos só foi descoberta no século passado. Não é uma idéia inata ao homem, mas este a conquistou na luta contra as tradições históricas em que o homem antes se educara. Os direitos humanos não são, por conseguinte, uma dádiva da natureza, um presente da história, mas fruto da luta contra o acaso do nascimento, contra os privilégios que a história, até então, vinha transmitindo hereditariamente de geração em geração. São o resultado da cultura; só pode possui-los aquele que os soube adquirir e merecê-los".

"Sendo assim, pode realmente o judeu chegar a possuir estes direitos? Enquanto permanecer judeu, a essência limitada que faz dele um judeu tem que triunfar necessariamente sobre a essência humana que, enquanto homem, o une aos demais homens e o dissocia dos que não são judeus. E, através desta dissociação, declara a essência especial que faz dele um judeu sua verdadeira essência suprema, diante da qual a essência humana tem que passar para segundo plano".

"E, do mesmo modo, não pode o cristão, como tal, conceder nenhuma espécie de direitos humanos" (p. 19-20).

Segundo Bauer, o homem tem que sacrificar o "privilégio da fé" se quiser obter os direitos gerais de homem. Detenhamo-nos, um momento, a examinar os chamados direitos humanos em sua forma autêntica, sob a forma que lhes deram seus descobridores norte-americanos e franceses. Eu parte, estes direitos são direitos políticos, direitos que só podem ser exercidos em comunidade com outros homens. Seu conteúdo é a participação na

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comunidade e, concretamente, na comunidade política, no Estado. Estes direitos se inserem na categoria de liberdade política, na categoria dos direitos civis, que não pressupõem, como já vimos, a supressão absoluta e positiva da religião nem, tampouco, portanto e por exemplo, do judaísmo. Resta considerar a outra parte dos direitos humanos, os droits de l'homme,(6) e como se distinguem dos droits du citoyen.(7)

Figura entre eles a liberdade de consciência, o direito de praticar qualquer culto. O privilégio da fé é expressamente reconhecido, seja como um direito humano, seja como conseqüência de um direito humano, da liberdade.

Déclaration des droits de 1'homme et du citoyen, (8) 1791, art. 10: "Nul ne droit inquieté pour ses opinions même religieuses" (9) E a parte I da Constituição de 1791 consagra como direito "La liberté à tout homme d'exercer le culte religieux auquel il est attaché". (10)

A Déclaration des droits de 1'homme, etc., 1795, inclui entre os direitos humanos, em seu art. 7: "Le libre exercice des cultes".(11) E mais ainda, no que tange ao direito de expressar pensamentos e opiniões em público, diz, inclusive, que "La nécessité d'enoncer ces droits suppose ou Ia présence ou le souvenir récent du despotisme". (12) Consulte-se, com relação a isto, a Constituição de 1795, parte XIV, art. 354.

Constitution de Pennsylvanie, art. 9, § 3°: "Tous les hommes ont reçu de Ia nature le droit imprescriptible d'adorer le Tout Puissant selon les inspirations de leur conscience, et nul ne peut légalment être en train de suivre, instituer ou soutenir contre son gré aucun culte ou ministère religieux. Nulle autorité humaine ne peut, das aucun cas, intervenir dans les questiona de conscience et contrôler les pouvoirs de l'ame". (13)

Constitution de New-Hampshire, arts. 5 e 6: "Au nombre des droits naturels, quelques-uns sont inaliénables de leur nature, parce que rien n'en peut être 1'équivalent. De ce nombre sont les droits de conscience" (14) (Beaumont, 1. c., p. 213-14).

A religião, longe de se constituir incompatível com o conceito dos direitos humanos, inclui-se expressamente entre eles. Os direitos humanos proclamam o direito de ser religioso, sê-lo como achar melhor e de praticar o culto que julgar conveniente. O privilégio da fé é um direito humano geral.

Os droits de l'homme, os direitos humanos, distinguem-se, como tais, dos droits du citoyen, dos direitos civis. Qual o homme que aqui se distingue do citoyen? Simplesmente, o membro da sociedade burguesa. Por que se chama o membro da sociedade burguesa de "homem", homem por antonomásia, e dá-se a seus direitos o nome de direitos humanos? Como explicar o fato? Pelas relações entre o Estado político e a sociedade burguesa, pela essência da emancipação política.

Registremos, antes de mais nada, o fato de que os chamados direitos humanos, os droits de l'homme, ao contrário dos droits du citoyen, nada mais são do que direitos do membro da sociedade burguesa, isto é, do homem egoísta, do homem separado do homem e da comunidade. A mais radical das Constituições, a Constituição de 1793, proclamou:

Déclaration des droits de l'homme et du citoyenArt. 2: Ces droits, etc. (Les droits naturels et imprescriptibles) sont: l'égalité, Ia

liberté, Ia súreté, Ia proprieté. (15)Em que consiste Ia liberté?Art. 6: "La liberté est le pouvoir qui appartient à l'homme de faire ce qui ne nuit pas

aux droits d'autrui", (16) ou, segundo a Declaração dos Direitos do Homem, de 1791: "La liberté consiste à pouvoir faire tout ce qui ne nuit pas à autrui".(17)

A liberdade, por conseguinte, é o direito de fazer e empreender tudo aquilo que não prejudique os outros. O limite dentro do qual todo homem pode mover-se inocuamente em direção a outro é determinado pela lei, assim como as estacas marcam o limite ou a linha divisória entre duas terras. Trata-se da liberdade do homem como de uma mônada isolada, dobrada sobre si mesma. Por que, então, segundo Bauer, o judeu é incapaz de obter os direitos

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humanos? "Enquanto permanecer judeu, a essência limitada que faz dele um judeu tem que triunfar necessariamente sobre a essência humana que, enquanto homem, o une aos demais homens e o dissocia dos que não são judeus". Todavia, o direito do homem à liberdade não se baseia na união do homem com o homem, mas, pelo contrário, na separação do homem em relação a seu semelhante. A liberdade é o direito a esta dissociação, o direito do indivíduo delimitado, limitado a si mesmo.

A aplicação prática do direito humano da liberdade é o direito humano à propriedade privada.

Em que consiste o direito humano à propriedade privada?Art. 16 (Constituição de 1793) : "Le droit de propriété est celui qui appartient à tout

citoyen de jouir et de disposer à son gré de ses biens, de ses revenues du fruit de son travail et de son industrie". (18)

O direito humano à propriedade privada, portanto, é o direito de desfrutar de seu patrimônio e dele dispor arbitrariamente (à son gré), sem atender aos demais homens, independentemente da sociedade, é o direito do interesse pessoal. A liberdade individual e esta aplicação sua constituem o fundamento da sociedade burguesa. Sociedade que faz com que todo homem encontre noutros homens não a realização de sua liberdade, mas, pelo contrário, a limitação desta. Sociedade que proclama acima de tudo o direito humano "de jouir et de disposer à son gré de ses biens, de ses revenues, du fruit de son travail et de son industrie".

Resta, ainda, examinar os outros direitos humanos, la égalité e la súreté.La égalité, considerada aqui em seu sentido não político, nada mais é senão a

igualdade da liberté acima descrita, a saber: que todo homem se considere igual, como uma mônada presa a si mesma. A Constituição de 1795 define o conceito desta igualdade, segundo seu significado:

Art. 3 (Constituição de 1795) : "L'égalité consiste en ce que Ia loi est Ia même por tous, soit qu'elle protège, soit qu'elle punisse». (19)

E La süreté?Art. 8 (Constituição de 1795) : "La súreté consiste dans Ia protection accordé par Ia

societé à chacun de ses membres pour Ia conservation de sa personne, des ses droits et de ses propriétés". (20)

A segurança é o conceito social supremo da sociedade burguesa, o conceito de polícia, segundo o qual toda a sociedade somente existe para garantir a cada um de seus membros a conservação de sua pessoa, de seus direitos e de sua propriedade Neste sentido, Hegel denomina a sociedade burguesa de “Estado de necessidade e de entendimento".

O conceito de segurança não faz com que a sociedade burguesa se sobreponha a seu egoísmo. A segurança, pelo contrário, é a preservação deste.

Nenhum dos chamados direitos humanos ultrapassa, portanto, o egoísmo do homem, do homem como membro da sociedade burguesa, isto é, do indivíduo voltado para si mesmo, para seu interesse particular, em sua arbitrariedade privada e dissociado da comunidade. Longe de conceber o homem como um ser genérico, esses direitos, pelo contrário, fazem da própria vida genérica, da sociedade, um marco exterior aos indivíduos, uma limitação de sua independência primitiva. O único nexo que os mantém em coesão é a necessidade natural, a necessidade e o interesse particular, a conservação de suas propriedades e de suas individualidades egoístas.

É um pouco estranho que um povo que começa precisamente a libertar-se, que começa a derrubar as barreiras entre os distintos membros que o compõe, a criar uma consciência política, que este povo proclame solenemente a legitimidade do homem egoísta, dissociado de seus semelhantes e da comunidade (Déclaration de 1791); e, ainda mais, que, repita esta mesma proclamação no momento em que só a mais heróica abnegação pode salvar

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o país e é, portanto, imperiosamente exigida, no momento em que se coloca na ordem do dia o sacrifício de todos os interesses no altar da sociedade burguesa, em que o egoísmo deve ser castigado como um crime (Déclaration des droits de l'homme, etc., de 1795) . Mas este fato torna-se ainda mais estranho quando verificamos que os emancipadores políticos rebaixam até mesmo a cidadania, a comunidade política ao papel de simples meio para a conservação dos chamados direitos humanos; que, por conseguinte, o citoyen é declarado servo do homme egoísta; degrada-se a esfera comunitária em que atua o homem em detrimento da esfera em que o homem atua como ser parcial; que, finalmente, não se considera como homem verdadeiro e autêntico o homem enquanto cidadão, senão enquanto burguês.

“Lê but de toute association est la conservation des droits naturels et imprescriptibles de 1'homme" (21) (Déclaration des droits, etc., de 1791, art. 2). "Le gouvernement est institué pour garantir à 1'homme Ia jouissance de ses droits naturels et imprescriptibles" (22) (Déclaration, etc., de 1793, art. 1). Portanto, até mesmo nos momentos de entusiasmo juvenil, exaltado pela força das circunstâncias, a vida política se declara como simples meio, cujo fim é a vida da sociedade burguesa. Ë óbvio que a prática revolucionária está em contradição flagrante com a teoria. Assim, por exemplo, a proclamação da segurança como um direito humano coloca publicamente na ordem do dia a violação do segredo de correspondência. Garante-se a "liberté indéfinie de Ia presse" (23) (Constitution de 1795, art. 122) como conseqüência do direito humano, da liberdade individual, mas isto não impede que se suprima totalmente a liberdade de imprensa, pois "la liberté de Ia presse ne doit pas être permise lorsqu'elle compromet Ia liberté politique" (24) (Robespierre jeune, Histoire Parlamentaire de Ia Révolution Française, par Buchez et Roux, tomo 28, p. 159) ; isto significa que o direito humano à liberdade deixa de ser um direito ao colidir com a vida política, ao passo que, teoricamente, a vida política é tão somente a garantia dos direitos humanos, dos direitos do homem individual, devendo, portanto, abandonar-se a estes direitos com a mesma rapidez com que se contradiz em sua finalidade. Porém, a prática é somente exceção e, a teoria, regra. Assim sendo, se nos empenhamos em considerar esta prática revolucionária como o estabelecimento seguro da relação, resta saber por que se invertem os termos da relação na consciência dos emancipadores políticos, apresentando-se o fim como meio e o meio como fim. A ilusão ótica de sua consciência não deixa de ser um mistério, ainda que psicológico, teórico.

O mistério se resolve de modo simples.A emancipação política é, simultaneamente, a dissolução da velha sociedade em que

repousa o Estado alienador e a dissolução do poder senhorial. A revolução política é a revolução da sociedade civil. O que caracterizava a velha sociedade? Uma simples palavra, o feudalismo. A velha sociedade civil tinha diretamente um caráter político, isto é, os elementos da vida burguesa como, por exemplo, a possessão, a família, o tipo e o modo de trabalho se haviam elevado ao nível de elementos da vida estatal, sob a forma de propriedade territorial, de estamento ou de comunidade. Sob esta forma, estes elementos determinavam as relações entre o indivíduo e o conjunto do Estado, isto é, suas relações políticas ou, o que dá no mesmo, suas relações de separação e exclusão das outras partes integrantes da sociedade. Com efeito, aquela organização da vida do povo não elevava a possessão do trabalho ao nível de elementos sociais mas, pelo contrário, conduzia a sua separação do conjunto do Estado e os constituía em sociedades especiais dentro da sociedade. Não obstante, as funções e condições de vida da sociedade civil continuavam a ser políticas, se bem que políticas no sentido feudal; isto é, excluíam o indivíduo do conjunto do Estado e convertiam a relação especial de sua comunidade com o conjunto do Estado em sua própria relação geral com a vida do povo, do mesmo modo que convertiam determinadas atividades e situações burguesas em sua atividade e situação gerais. Como conseqüência desta organização, revela-se necessariamente a unidade do Estado, enquanto a consciência, a vontade e a atividade da unidade do Estado, e o poder

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geral deste, também se manifestam como incumbência especial de um senhor dissociado do povo e de seus servidores.

A revolução política que derrubou este poder senhorial, que fez ascender os assuntos de Estado a assuntos do povo, que constituiu o Estado político como incumbência geral, isto é, como Estado real, destruiu necessariamente todos os estamentos, corporações, grêmios e privilégios que eram outras tantas expressões da separação entre o povo e sua comunidade. A revolução política suprimiu, com ele, o caráter político da sociedade civil. Rompeu a sociedade civil em suas partes integrantes mais simples: de um lado, os indivíduos, de outro, os elementos materiais e espirituais que formam o conteúdo de vida, a situação civil destes indivíduos. Libertou de suas cadeias o espírito político, que se encontrava cindido, dividido e detido nos diversos compartimentos da sociedade feudal; unindo os frutos dispersos do espírito político e despojando-o de sua perplexidade diante da vida civil, a revolução política fez com que viesse a se constituir - como esfera da comunidade, da incumbência geral do povo - na independência ideal em relação àqueles elementos especiais da vida civil. A atividade determinada de vida e a situação de vida determinada passaram a ter um significado puramente individual. Deixaram de representar a relação geral entre o indivíduo e o conjunto do Estado. Longe disso, a incumbência pública como tal se converteu em incumbência geral de todo indivíduo e, a função pública, em sua função geral.

Contudo, a consagração do idealismo do Estado era, simultaneamente, a consagração do materialismo da sociedade civil. Ao sacudir-se o jugo político, romperam-se, ao mesmo tempo, as cadeias que aprisionavam o espírito egoísta da sociedade civil. Daí, a emancipação política ter sido a emancipação da sociedade civil em relação à política, sua emancipação até mesmo da aparência de um conteúdo geral.

A sociedade feudal estava dividida em seu fundamento, no homem. Mas no homem, tal qual ele se apresentava como fundamento, no homem egoísta. Este homem, membro da sociedade burguesa, é agora a base, a premissa do Estado político. E, como tal, é reconhecido nos direitos humanos.

A liberdade do egoísta e o reconhecimento desta liberdade são a expressão do reconhecimento do movimento desenfreado dos elementos espirituais e materiais que formam seu conteúdo de vida.

Por conseguinte, o homem não se libertou da religião; obteve, isto sim, liberdade religiosa. Não se libertou da propriedade, obteve a liberdade de propriedade. Não se libertou do egoísmo da indústria, obteve a liberdade industrial.

A constituição do Estado político e a dissolução da sociedade burguesa nos indivíduos independentes - cuja relação se baseia no direito, ao passo que a relação entre os homens dos estamentos e dos grêmios se fundava no privilégio - se processa num só e mesmo ato. Assim sendo, o homem enquanto membro da sociedade civil, isto é, o homem não-político, surge como homem natural. Os droits de l'homme aparecem como droits naturels, pois a atividade consciente de si mesma se concentra no ato político. O homem egoísta é o resultado passivo, simplesmente encontrado da sociedade dissolvida, objeto de certeza imediata e, portanto, objeto natural. A revolução política dissolve a vida burguesa em suas partes integrantes sem revolucionar estas partes nem submetê-las à crítica. Conduz-se, em relação à sociedade burguesa, ao mundo das necessidades, do trabalho, dos interesses particulares, do direito privado, como se estivesse frente à base de sua existência, diante de uma premissa que já não é possível fundamentar e, portanto, como frente à sua base natural. Finalmente, o homem enquanto membro da sociedade burguesa, é considerado como o verdadeiro homem, como homme, distinto do citoyen por se tratar do homem em sua existência sensível e individual imediata, ao passo que o homem político é apenas o homem abstrato, artificial, alegórico, moral. O homem real só é reconhecido sob a forma de indivíduo egoísta; e o homem verdadeiro, somente sob a forma do citoyen abstrato.

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Rousseau descreve corretamente a abstração do homem político ao dizer:"Celui qui ose entreprendre d'instituer un peuple doit se sentir en état de changer

pour ainsi dire Ia nature humaine, de transformer partie d'un grand tout dont cet individu reçoive en quelque sorte sa vie et son être, de substituer une existence partielle et morale à 1'existence physique et indépendante. Il faut qu'il ôte à 1'homme ses forces propres pour lui en donner qui lui soient étrangères et dont il ne puisse faire usage sans les secours d'autrul" (25) (Contrat Social, livro II, Londres, 1782, p. 67).

Toda emancipação é a recondução do mundo humano, das relações, ao próprio homem.

A emancipação política é a redução do homem, de um lado, a membro da sociedade burguesa, a indivíduo egoísta independente e, de outro, a cidadão do Estado, a pessoa moral.

Somente quando o homem individual real recupera em si o cidadão abstrato e se converte, como homem individual, em ser genérico, em seu trabalho individual e em suas relações individuais; somente quando o homem tenha reconhecido e organizado suas "forces propres" (26) como forças sociais e quando, portanto, já não separa de si a força social sob a forma de força política, somente então se processa a emancipação humana

(...)NOTAS(6) Direitos do homem. (7) Direitos do cidadão. (8) Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. (9) A ninguém se perseguirá por suas opiniões, inclusive religiosas. (10) A todos é assegurada a liberdade de praticar o culto religioso a que se encontre vinculado. (11) O livre exercício dos cultos. (12) A necessidade de anunciar estes direitos pressupõe ou a presença ou a lembrança do despotismo (13) Constituição da Pensilvânia, art. 9, § 3.°: "Todos os homens receberam da natureza o direito imprescritível de adorar o Todo Poderoso segundo os ditames de sua consciência; ninguém pode, legalmente, ser obrigado a praticar, instituir ou sustentar qualquer culto religioso contra sua vontade. Em caso algum a autoridade humana, seja ela qual for, -poderá intervir em questões de consciência e fiscalizar as faculdades de alma-. (14) Constituição de New-Hampshire, arts. 5 e 6: "Entre os direitos naturais, alguns são inalienáveis por si mesmos, já que não podem ser substituídos por outros. Entre eles, figuram os direitos de consciência". (15) Estes direitos, etc. (os direitos naturais e imprescritíveis) são: a igualdade, a liberdade, a segurança e a propriedade. (16) A liberdade é o poder próprio do homem de fazer tudo aquilo que não conflite com os direitos de outro. (17)A liberdade consiste em poder fazer tudo aquilo que não prejudique a ninguém. (18) O direito à propriedade é o direito assegurado a todo cidadão de gozar e dispor de seus bens, rendas, dos frutos de seu trabalho e de sua indústria como melhor lhe convier. (19) A igualdade consiste na aplicação da mesma lei para todos, quando protege ou quando castiga. (20)A segurança consiste na proteção conferida pela sociedade a cada um de seus membros para a conservação de sua pessoa, de seus direitos e de suas propriedades. (21) O fim de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem. (22) O governo foi instituído para garantir ao homem o gozo de seus direitos naturais e imprescritíveis. (23) Liberdade indefinida de imprensa. (24) A liberdade de imprensa não deve ser permitida sempre que comprometer a liberdade política. (25) Aquele que se propõe a tarefa de instituir um povo deve sentir-se capaz de transformar, por assim dizer, a natureza humana, de transformar cada indivíduo, que é por si mesmo um todo perfeito, solitário, em parte de um todo maior, do qual o indivíduo receba até certo ponto sua vida e seu ser, de substituir a existência física e independente por uma existência parcial e moral. Deve despojar o homem de suas próprias forças, a fim de lhe entregar outras que lhe são estranhas e das que só possa fazer uso com a ajuda de outros homens. (26) Próprias forças.

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Uma justiça de classe.PLÍNIO DE ARRUDA SAMPAIO

FABIO COMPARATO JOSÉ AFONSO DA SILVA

Se a Justiça e o Executivo tivessem agido nos termos da lei, dezenove vidas teriam sido poupadas e 69 pessoas não teriam sido mutiladas

UM SISTEMA de justiça penal incapaz de produzir uma sentença definitiva após onze anos de tramitação sem dúvida padece de defeitos estruturais graves. Independentemente da competência e da respeitabilidade de muitos de seus integrantes, esse sistema precisa ser inteiramente reformado.

Veja-se o caso do processo-crime movido pelo Ministério Público contra os dois oficiais responsáveis pelo massacre de trabalhadores sem terra, em Eldorado do Carajás, Estado do Pará. O crime foi cometido há onze anos -no dia 17 de abril de 1996. Nesse período, a Justiça não decidiu se os réus -autores da ordem de disparo contra as vítimas- atuaram no estrito cumprimento do dever; ou extrapolaram suas funções; ou obedeceram ordens de autoridades superiores (as quais, diga-se de passagem, nem sequer foram denunciadas pelo Ministério Público).

Será necessário tanto tempo para a Justiça decidir essas questões, mesmo tratando-se de um crime fotografado, filmado e presenciado por centenas de pessoas? De um crime que deixou 19 mortos, 69 mutilados e centenas de feridos?

Dos 144 réus, dois -o comandante e o subcomandante do massacre- foram condenados pelo Tribunal do Júri a 228 e 154 anos de reclusão. Pura pirotecnia para aplacar a opinião pública! Até hoje, o processo criminal perambula pelos tribunais do país e os condenados continuam livres.

No cível, a mesma coisa: até agora as ações de indenização por perdas sofridas pelas vítimas não produziram resultado algum.

A população rural -enorme segmento da população brasileira- não consegue ser ouvida por nenhuma instância do Estado: o Executivo não avança na reforma agrária; o Legislativo só se lembra dela para tentar criminalizar suas entidades representativas; e o Judiciário, tão rápido na concessão de ordens de despejo, não prende os que assassinam suas lideranças nem resolve em tempo razoável os processos de desapropriação e de discriminação de terras públicas. A trágica ironia é que os mesmos sem-terra estão legalmente assentados no mesmo imóvel que estavam ocupando quando foram despejados à bala para cumprimento de uma ordem de despejo. Em outras palavras: o Estado reconheceu que o imóvel não cumpria a função social da propriedade e, portanto, enquadrava-se perfeitamente nos casos em que o governo federal está autorizado a desapropriá-lo para fins de reforma agrária, como prescreve a Constituição. Se, em vez de decretar um despejo a toque de caixa, a Justiça e o Executivo tivessem agido nos termos da lei, dezenove vidas teriam sido poupadas e 69 pessoas não teriam sido mutiladas. As classes dominantes recusam-se a compatibilizar o ritmo da reforma agrária com a

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urgência das medidas necessárias para deter o processo de empobrecimento que está levando as populações rurais ao desespero. O Judiciário, que poderia contribuir para minorar o problema, só faz agravá-lo.

Em um país que se pretende democrático, não cabe uma justiça de classe: atenta e prestativa às camadas ricas da população; míope para ver o direito dos pobres; e surda para os seus clamores. Muitas cartas indignadas chegam às redações dos jornais reclamando da selvageria dos sem-terra quando eles ocupam edifícios do Incra, fecham estradas, depredam postos de pedágio, ocupam terras.

Os que assim reclamam -se não são interessados ou hipócritas- deviam atentar para o óbvio: todos esses atos não passam de gestos destinados a chamar a atenção da sociedade para o drama dos sem-terra.

Afinal, o que querem as pessoas investidas no poder do Estado brasileiro? Uma nova Colômbia?

PLÍNIO DE ARRUDA SAMPAIO , 75, advogado, é presidente da Abra (Associação Brasileira de Reforma Agrária). Foi deputado federal constituinte pelo PT-SP. FÁBIO KONDER COMPARATO , 70, advogado, professor titular aposentado da faculdade de Direito da USP e presidente da Comissão de Defesa da República e da Democracia do Conselho Federal da OAB. JOSÉ AFONSO DA SILVA , 81, advogado, professor aposentado da faculdade de Direito da USP, é autor de "Curso de Direito Constitucional Positivo", entre outras obras. Foi secretário da Segurança Pública no governo Covas.

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. [email protected]

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Exercícios

1) Observe as músicas

Engenheiros do HawaiiOuça o que eu digo: não ouça ninguém

Composição: Desconhecido

Tantas pessoasParadas na esquinaAssistindo a cena:

Pele morena,Vendendo jornais

Vendendo muito maisDo que queria vender

Vozes à toaEcos na esquinaNarrando a cena:

Pele morena,Vendendo jornaisPrecisando demaisVenenos mortais

O que nos devemQueremos de dobroQueremos em dólarO que nos devem

Queremos em dobroQueremos agora

Se te disseram pra não virar a mesaSe te disseram que o ataque é a pior defesa

Se te imploraram: "por favor não vire a mesa"

Ouça o que eu digo: não ouça ninguémOuça o que eu digo: não ouça ninguém

Ouça o que eu digo: não ouça ninguémOuça o que eu digo: não!

Tantas pessoasParadas na esquina

Fingindo penaCriança pequenaCheirando colaBeijando a sola

Dos sapatos

O que nos devemQueremos de dobroQueremos em dólarO que nos devem

Queremos em dobroQueremos agora

Se te disseram pra não virar a mesaSe te disseram que o ataque é a pior defesa

Se te disseram pra esperar a sobremesa

Ouça o que eu digo: não ouça ninguémOuça o que eu digo: não ouça ninguémOuça o que eu digo: não ouça ninguém

Ouça o que eu digo: não!

Se te disseram pra não virar a mesaSe te disseram que o ataque é a pior defesa

Ouça o que eu digo: não ouça ninguém

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A CidadeChico Science

Composição: Indisponível

O sol nasce e iluminaas pedras evoluídasque cresceram com a forçade pedreiros suicidasCavaleiros circulamvigiando as pessoasNão importa se são ruinsnem importa se são boas

A cidade se apresentacentro das ambiçõespara mendigos ou ricose outras armaçõesColetivos, automóveis,motos e mêtrosTrabalhadores, patrões,policiais, camêlos

A cidade não páraa cidade só cresceO de cima sobee o de baixo desceA cidade não páraa cidade só cresceO de cima sobee o de baixo desce

A cidade se encontraprostituídapor aqueles que a usaram

em busca de saídaIlusora de pessoasde outros lugares,a cidade e sua famaVai além dos mares

No meio da espertezainternacionala cidade até que não está tão malE a situação sempre mais ou menosSempre uns com mais e outros com menos

A cidade não páraa cidade só cresceO de cima sobee o de baixo desceA cidade não páraa cidade só cresceO de cima sobee o de baixo desce

Eu vou fazer uma embolada,um samba, um maracatutudo bem envenenadobom pra mim e bom pra tuPra gente sair da lama e enfrentar os urubusNum dia de solRecife acordou com a mesma fedentina do dia anterior.

a) Identifique nas letras passagens que retomem os seguintes conceitos desenvolvidos por Marx:

- Classe Social:

- Luta de Classes:

- Ideologia:

- Preeminência Ontológica da Economia

2) Observe as fontes:

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Fonte 0124/03/2006 - 20h45

Estudantes vão às ruas de Los Angeles contra reforma migratóriada France Presse, em Los Angeles

Milhares de estudantes dos subúrbios majoritariamente hispânicos de Los Angeles abandonaram as salas de aula nesta sexta-feira para se manifestar contra uma reforma migratória que defende um endurecimento em relação aos 12 milhões de imigrantes ilegais nos Estados Unidos.

Desde de manhã, grupos de 300 a 500 estudantes secundaristas deixaram suas escolas públicas em diferentes bairros do conglomerado de Los Angeles, onde a comunidade hispânica é a principal minoria, e começaram a marchar carregando cartazes, entre eles, "não a uma lei racista".

"São protestos de uma sociedade imigrante cansada desta administração [do presidente George W. Bush] de extrema direita, que pretende nos incriminar por não termos papéis e vir para este país para fazer os trabalhos que eles não querem", disse Javier Rodríguez, porta-voz da Coalizão 25 de Março, defensora dos direitos dos imigrantes.

Segundo Rodríguez e a imprensa local, as mobilizações desta sexta-feira no sul da Califórnia foram espontâneas, como ante-sala de um fim de semana no qual dezenas de organizações que representam esta comunidade se preparam para dois grandes atos. Os protestos serão no sábado (25) e no domingo (26), em Los Angeles.

As mobilizações buscam evitar a aprovação da Lei Antiimigrantes Sensenbrenner HR 4437, que pretende endurecer os controles fronteiriços e estabelecer penas mais duras para quem empregar trabalhadores clandestinos.

Fonte 02Declaração Universal dos Direitos dos Homens – ONU – 1948.

(Inclusive tendo os EUA como signatário)(...)

Artigo 1Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.

Artigo 2I) Todo o homem tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição.II) Não será também feita nenhuma distinção fundada na condição política, jurídica ou internacional do país ou território a que pertença uma pessoa, quer se trate de um território independente, sob tutela, sem governo próprio, quer sujeito a qualquer outra limitação de soberania.

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(...)

Artigo 7Todos são iguais perante a lei e tem direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação

(...)

Artigo 15I) Todo homem tem direito a uma nacionalidade.II) Ninguém será arbitrariamente privado de sua nacionalidade, nem do direito de mudar de nacionalidade.

(...)

Artigo 30Nenhuma disposição da presente Declaração pode ser interpretada como o reconhecimento a qualquer Estado, grupo ou pessoa, do direito de exercer qualquer atividade ou praticar qualquer ato destinado à destruição de quaisquer direitos e liberdades aqui estabelecidos.

a) Leis que restringem a migração e deixam imigrantes em situação de inferioridade nos EUA podem ser consideradas em consonância com a Declaração de Direitos Humanos? Por quê?

b) Como você explicaria essa discriminação usando os seguintes conceitos de Marx:

- Luta de Classes

- Exército de reserva de trabalhadores

3) Pesquise sobre os seguintes temas na Internet ou leia algo sobre:

a) Comuna de Parisb) Rosa de Luxemburgoc) Revolução Russad) Revolução Cubanae) Maio de 1968f) Queda do Muro de Berlim

4) Assinale as corretas e indique a somatória:01) Depois do fim da URSS e da queda do muro de Berlim, a teoria de Marx passou a ser apenas um instrumento teórico do passado e sem relevância. 02) O marxismo foi um movimento puramente prático, tentando acabar com a sociedade opressora, mas sem nenhum fundamento científico.04) As três principais influências de Marx são: o socialismo utópico alemão, o idealismo filosófico inglês e a economia política francesa.08) Da Economia política clássica (liberal) Marx analisa retira os fundamentos de sua teoria econômica.

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16) A dialética de Marx é herdeira de Engels.32) Marx não acreditava no socialismo, apenas no comunismo.

5) Assinale as corretas e indique a somatória:01) Marx desenvolveu sua teoria com fins práticos, porque para ele não bastava pensar o mundo, era necessário transformá-lo.02) Para Marx a História contada como história da humanidade é a história da luta de classes.04) Classe social é um conceito formulado pela primeira vez por Marx.08) No capitalismo as classes sociais são a nobreza e o proletariado.16) É através da ideologia que Marx demonstra como o proletariado acaba, por vezes, assumindo valores da classe dominante sem ter os privilégios de classe da mesma.32) Através da ideologia, cada pessoa consegue pensar livremente, sem influências sociais algumas. “Ideologia, eu quero uma pra viver!”

6) Assinale as corretas e indique a somatória:01) A dialética de Hegel era abstrata, já a dialética de Marx era materialista.02) Quatro elementos do método dialético são: Transformação, contradição, totalidade e mediação.04) São as três leis da dialética: lei da passagem da qualidade para quantidade; lei da interpenetração dos opostos, lei da negativa da afirmação.08) Aufheben significa unicamente ‘modificar’.16) A dialética pode ser aplicada em todos os aspectos humanos, inclusive na natureza.32) Dialética é o processo meramente formal da síntese, antítese e tese.

7) Assinale as corretas e indique a somatória:01) Marx considerava que a Economia era a estrutura da sociedade, portanto era determinista econômico.02) Um modo de produção detém duas camadas, a superestrutura e a infra-estrutura, sendo que a última tem preeminência ontológica sobre a primeira.04) O Direito e o Estado são independentes da economia.08) Modo de produção é a soma das relações de produção e das forças produtivas materiais de um período.16) Dentro dos modos de produção já existem experiências que apontam para sua superação.32) A exploração do trabalho assalariado é a ferramenta analítica chave para explicar as relações de classe no capitalismo, assim como no feudalismo.

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