textos da série educação ambiental do programa salto para o futuro

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  • Repblica Federativa do Brasil Fernando Henrique Cardoso

    Ministrio da Educao - MEC Paulo Renato Souza

    Secretaria Executiva do MEC Luciano Oliva Patrcio

    Secretaria da Educao Fundamental - SEF Iara Areias Prado

    Secretaria de Educao a Distncia - SEED Pedro Paulo Poppovic

  • MINISTRIO DA EDUCAO SECRETARIA DA EDUCAO FUNDAMENTAL SECRETARIA DE EDUCAO A DISTNCIA

    Textos da Srie Educao Ambiental

    do Programa Salto para o Futuro

    DEPARTAMENTO DE POLTICA DA EDUCAO FUNDAMENTAL COORDENAO-GERAL DE EDUCAO AMBIENTAL PROGRAMA TV ESCOLA - SALTO PARA O FUTURO

  • Secretaria de Educao a Distncia Programa TV Escola - Salto para o Futuro

    Diretora de Planejamento e Diretor de Produo e Divulgao Desenvolvimento de Projetos de Programas Educativos Cormen Moreira de Castro Neves Jos Roberto Neffa Sadek

    Coordenadora-Geral de Planejamento e Coordenadora-Geral de Material Desenvolvimento de Educao a Didtico-Pedaggico Distncia Vera Maria Arantes Tnia Maria Magalhes Castro

    Assessora Tcnica Dnia Freitas

    Associao de Comunicao Educativa Roquette-Pinto - ACERP

    Diretor-Presidente Copidesque e Reviso Mauro Garcia Magda Frediani Martins

    Gerente de Educao Ncleo de Criao Mrcia Mermestein Feldman Bete Esteves

    Supervisora Pedaggica Programadora Visual Rosa Helena Mendona (Ncleo de Criao)

    Norma Massa Coordenadoras de Utilizao e Avaliao Mnica Mufarrej e Leila Atta Abraho

    Secretaria da Educao Fundamental Departamento de Poltica da Educao Fundamental

    Diretor do Departamento de Poltica da Consultoria Pedaggica Educao Fundamental Joime Tadeu Oliva Walter Takemoto

    Capa Coordenadora-Geral de Educao Patrcio Ramos Mendona Ambiental

    Acompanhamento Grfico Luc/la Pinsard Vianna

    Paulo Costa

  • SUMRIO

    Apresentao 5

    Proposta pedaggica A Educao Ambiental na Escola Jaime Tadeu Oliva --- .......... ------------ ...... 9

    Boletim Biodiversidade Maria Ceclia Wey de Brito -- ................... ......................... .......................................... ....................21

    Consumo Sustentvel Rachel Biderman Furriela ......... ....................... --------------------------------- 27

    Os Consumidores e o Consumo Sustentvel Rachel Biderman Furriela ......................... ..........------------------- .................39

    Poltica Nacional de Educao Ambiental Coordenao-Geral de Educao Ambiental-------------------- 51

    Formao de Professores Neide Nogueira -------- ........... ....................... ............................................................ 63

    O PCN em Ao do Tema Transversal Meio Ambiente Jaime Tadeu Oliva--------------- ...... ............. .............................. ..................... .................................69

    O Projeto Educativo da Escola e a Questo Ambiental Clia Regina Pereira do Nascimento ---------------------------------- ........................................77

    Educao, Informao e Meio Ambiente Ladislau Dowbor .......................................... ------------------- 81

    Referncias em Educao Ambiental 85

    Anexos 91

  • Apresentao

    * As pessoas e os grupos sociais tm o direito de serem iguais quando a diferena os inferioriza e o direito de serem diferentes quando a igualdade os descaracteriza."

    Boaventura de Souza Santos.

    A Educao voltada para a cidadania uma das chaves para fortalecer a democracia, o respeito mtuo, a justia social e a igualdade de oportunidades.

    A questo ambiental, cada vez mais presente no imaginrio social, permeia a noo de cidadania em muitos sentidos. Se queremos que o aluno reflita de forma crtica sobre seu lugar no mundo, sobre a convivncia humana, sobre as relaes sociais nas suas diferentes dimenses, sobre a vida, os seres vivos, o espao e como ocupamos este espao, esta questo torna-se referncia importante na produo de informaes. A discusso em torno da questo ambiental abre um caminho possvel para refletir sobre a noo de encadeamento dos fatos e das dimenses espaciais (relao global-local) e da existncia coletiva. Mais do que isto, apela para a mudana de comportamento e atitudes de tal forma que pode ser a mola propulsora para a transformao da escola num espao coletivo de atuao.

    A Coordenao-Geral de Educao Ambiental - COEA - responsvel por tornar a Educao Ambiental tema transversal nos currculos das escolas do ensino fundamental e por inclu-la nas polticas pblicas educacionais dos sistemas de ensino. O maior desafio justamente a construo da prtica coletiva nas escolas de forma permanente e contnua.

    Esta publicao pretende ser uma fonte de pesquisa para ampliar a divulgao sobre temas ambientais, sobre estratgias de implementao da Educao Ambiental e sobre o papel das polticas pblicas na sua institucionalizao. Assim, queremos incitar o debate e contribuir para um dilogo participativo entre os professor e o MEC, de forma a refletir e otimizar suas aes.

    Os textos foram preparados para subsidiar a srie de Educao Ambiental do programa Salto para o Futuro, veiculado pela TV Escola (de 28 de agosto a 1 de setembro de 2000).Cabe ressaltar que o programa abordou outros temas que no foram contemplados com textos e portanto no esto nesta publicao.

    A escolha desses temas para a Srie Educao Ambiental do Programa Salto para o Futuro so fundamentais para a compreenso da questo ambiental e para a incluso da Educao Ambiental nas escolas:

  • PROGRAMA 1 - MEIO AMBIENTE: CONTEDOS FUNDAMENTAIS

    Biodiversidade - o que , porque ela importante para o homem, os nveis de organizao e adaptao dos seres vivos nos diversos ambientes (biomas brasileiros) e comparao entre a biodiversidade do Brasil e a de outros pases.

    Homem e natureza: o que Meio Ambiente e natureza, os diferentes olhares do homem (urbano, rural, populaes tradicionais - tais como remanescentes de quilombos, caiaras, ribeirinhos, pantaneiros - ndios, etc), ressaltando a pluralidade cultural e as formas diferenciadas da relao homem-natureza).

    Consumo sustentvel: o que sustentabilidade, porque surgiu esta idia, mostrar os hbitos culturalmente predadores das civilizaes modernas e o quanto isto compromete a sustentabilidade dos recursos naturais.

    PROGRAMA 2 - POLTICA NACIONAL DE EDUCAO AMBIENTAL (PNEA)

    PNEA como instrumento legal que contempla a obrigatoriedade da insero da Educao Ambiental em todos os setores da sociedade, incluindo o ensino formal em todos os nveis e modalidades de ensino. O processo de criao da lei, o significado e a importncia deste instrumento jurdico para a sociedade.

    Seu contedo, processo de regulamentao e abrangncia. Implantao da PNEA pelos rgos gestores da mesma - Coordenao-Geral de Educao Ambiental do MEC e Diretoria de Educao Ambiental do Ministrio do Meio Ambiente - ressaltando, principalmente, o que diz respeito a iniciativas de Educao Ambiental relacionadas direta ou indiretamente com as escolas.

    PROGRAMA 3 - FORMAO DE PROFESSORES E PCN EM AO DE MEIO AMBIENTE

    A formao de professores a prioridade do MEC e da Secretaria da Educao Fundamental (SEF)atravs do Programa Parmetros em Ao.

    A COEA, responsvel pelo PCN em Ao de Meio Ambiente, discute a Transversalidade - o que , qual sua importncia, problemas e estratgias.

    PCN em ao de Meio Ambiente - concepo; proposta diferenciada para a implantao das atividades; como e porque trabalhar os contedos de Meio Ambiente na formao dos professores.

    Experincia do PCN em Ao feita no municpio de Salvador. A articulao e a parceria com vrias instituies que trabalham com Educao Ambiental, visando implantar esses trabalhos de forma organizada no planejamento pedaggico da escola.

    PROGRAMA 4 - PROJETOS EDUCATIVOS E EDUCAO AMBIENTAL

    O que projeto educativo, como acontece e sua importncia para a escola e para os projetos de Educao Ambiental.

    O que so Projetos de Educao Ambiental, quais as vantagens de se trabalhar desta forma e como os projetos so inseridos no contexto escolar.

    Relato de projetos de gesto ambiental a serem implantados em alguns municpios do Acre e como foi desenvolvido o Projeto Arco-ris.

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  • PROGRAMA 5 - INFORMAO E EDUCAO AMBIENTAL

    A importncia da produo, sistematizao, seleo e disseminao da informao ressaltada pela Poltica Nacional de Educao Ambiental.

    Como organizar a informao para a eficcia de seu uso. Papel da informao e informtica na capacitao dos professores. Importncia da escola como plo disseminador de informao. Importncia do acesso informao para a escola exercer seu papel na construo do conhecimento de seus alunos e como trabalhar com a informao.

    Construo de Redes de Educao Ambiental e seu papel na formao do professor. Como se d o fluxo de informao das redes de informtica, como e onde

    A iniciativa da COEA deve ser considerada como parte do processo de construo da poltica de Educao Ambiental do MEC, em consonncia com os Parmetros Curriculares Nacionais - PCNs - do ensino fundamental e com a Poltica Nacional de Meio Ambiente. Esperamos que este material alimente com informao e reflexo, o esprito daqueles que se preocupam em tornar a ptrica da Educao Ambiental uma ao concreta na escola.Bom proveito!

    Lucila Pinsard Vianna

    Coordenadora-Geral de Educao Ambiental - COEA/DPE/SEF

  • A Educao Ambiental na Escola Jaime Tadeu Oliva #*

    "{...) ter muitos opinies s/idos um indicador ambguo de bem-estar, que

    pode ou no cumprir permanentemente a promessa de dotar os que as tm com

    verdadeira identidade e rica personalidade. Mostrei ainda que, nesses aspectos,

    ter opinies ser tanto menos eficaz quanto mais as opinies forem adquiridas

    por meio de adoo irrestrita de uma ideologia, ou seja, quanto mais pronunciado

    for seu carter 'reflexo'. Um modo de adquirir opinies de maneira oposta,

    enriquecendo a personalidade, dar-lhes forma definida s depois de t-los

    confrontado intensivamente com outras idias, ou seja, por meio do processo de

    deliberao democrtica." (Albert O. Hirschman, p. 96).

    APRESENTAO

    Esta proposta refere-se srie de programas sobre Educao Ambiental que ser veiculada pela TV Escola no Salto para o Futuro, de 28 de agosto a 01 de setembro.

    O objetivo desta srie o de propiciar a reflexo sobre os mltiplos significados, virtudes e desdobramentos da introduo da Educao Ambiental (EA) no ensino formal (e em outras instncias sociais que, de alguma forma, possam se vincular ao sistema escolar). A srie aborda temas relacionados s possibilidades e caminhos para efetivar a EA nas escolas, garantindo a qualidade e buscando subsidiar a prtica do professor. Alguns temas selecionados dizem respeito s estratgias para implantao da EA elencados na Poltica Nacional de EA (informao, formao de professores), bem como estratgia mais frequente na prtica da EA nas escolas

    Este texto contou com a colaborao de Lucila Pinsard Vianna, Coordenadora Geral de Educao Ambiental do MEC. **

    Gegrafo, doutorando em Geografia Humana pela Universidade de So Paulo.

  • (projetos de Educao Ambiental). Outro conjunto de temas aborda os contedos fundamentais para compreenso da temtica ambiental (natureza e sociedade, biodiversidade e consumo sustentvel). Finalmente, discutimos tambm um panorama da Lei que institui a Poltica Nacional de Educao Ambiental.

    O ensino/aprendizagem da Educao Ambiental tornou-se obrigatrio com a promulgao da Poltica Nacional da EA, para todos os nveis e modalidades de ensino. Mas iniciativas de Educao Ambiental no ensino formal datam da dcada de 50, ainda que muito isoladas. De l para c, pipocaram projetos de educao ambiental originados ou tendo o apoio do sistema de ensino formal. A Rio 92 - Conferncia das Naes Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento-foi um estopim para o aumento de iniciativas deste tipo, que se multiplicaram. Estas iniciativas tm ocorrido, tradicionalmente, por meio da execuo de projetos de EA que trabalham com temas relacionados s questes ambientais mais significativas para a comunidade da qual a escola faz parte. Muitas destas iniciativas demonstram a mobilizao de alguns professores para o tema (que muitas vezes agem isoladamente), outras demonstram interesse de ONGs, das Secretarias de Educao e/ou da escola como um todo, o que em si louvvel. Entretanto, raramente os projetos de EA esto inseridos no projeto educativo da escola: caracterizam-se por serem projetos extracurriculares, nos quais a transversalidade nas disciplinas, quando acontece, centrada em um tema especfico. Com atuao pontual, muitas dessas iniciativas tomam-se transitrias e espordicas.

    O Ministrio da Educao (MEC), antes mesmo da promulgao da Lei PNEA, definiu Meio Ambiente como Tema Transversal nos PCN. Mas fato que nem o reconhecimento da necessidade nem a obrigatoriedade da lei so suficientes para garantir a existncia da EA na escola, muito menos sua qualidade. A prtica de EA na escola busca assegurar um ensino-aprendizagem que torne os estudantes aptos a compreenderem o conceito de meio ambiente e seus processos e dinmicas. E necessrio, tambm, que eles compreendam o seu lugar, seu papel e sua responsabilidade com os processos e as dinmicas caractersticos do meio ambiente.

    A proposta do MEC para a prtica da EA na escola, implementada pela Coordenao Geral de Educao Ambiental, a insero da temtica ambiental nos currculos, aliada adoo de uma nova postura - de prticas e atitudes - de toda comunidade escolar, que pode ser exercitada em projetos de EA articulados com o projeto educativo da escola. E os professores so os principais agentes de implantao da EA na escola. Por isso mesmo, necessrio oferecer-lhes formao para desenvolvera capacidade de compreender, refletir e ensinar os temas relacionados ao meio ambiente.

    1. ANTECEDENTES HISTRICOS

    A Educao Ambiental uma prtica que s agora comea a ser introduzida de modo organizado e oficial no sistema escolar brasileiro. Isso no quer dizer que alguns temas relacionados com o que nos habituamos designar como a questo ambiental j no estivessem presentes, eventualmente, no corpo programtico das disciplinas. Certamente eles estavam, porm, no organizados sob um recorte abrangente e globalizante, o que vem se configurando desde os anos 60/70, por fora de um conjunto de movimentos em defesa do meio ambiente

  • que, sem dvida, logrou sensibilizar parcelas significativas da sociedade e suas respectivas instituies para a questo ambiental.

    A abrangncia dessa questo, que desde o incio teve vocao transnacional, se manifestou e se manifesta em uma srie de articulaes (conferncias, fruns, convenes, etc.) de carter internacional, que vm sedimentando diretrizes e acordos que passaram a orientar as polticas ambientais nacionais. Foi no interior desse movimento que ganhou forma a idia de Educao Ambiental e que se estabeleceu que essa prtica, alm de ser empregada em vrios mbitos da vida social, tambm deveria ser introduzida no universo escolar formal dos pases signatrios desses acordos internacionais.

    Podemos considerar os anos 60/70 como um marco contemporneo de ascenso dos movimentos sociais em defesa do meio ambiente. Como todos sabem, a fora das reivindicaes e a concretude real dos problemas ambientais funcionaram como uma poderosa presso poltica sobre os Estados nacionais e organismos internacionais, o que acabou resultando na I Conferncia Mundial para o Meio Ambiente e Desenvolvimento em Estocolmo, na Sucia, promovida pela Organizao das Naes Unidas (ONU) em 1972. Foi uma conferncia em que compareceram mais de 100 representantes de Estado, o que no impediu uma participao paralela de cerca de 250 organizaes da sociedade civil. Dessa conferncia da ONU resultaram inmeros estudos e documentos e foi estabelecida uma agenda. A partir da, houve uma sucesso de iniciativas desse tipo, at chegar-se II Conferncia das Naes Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro, em 1992.

    O principal documento extrado da II Conferncia foi a Agenda 21. Trata-se de um programa recomendado para os governos, agncias de desenvolvimento, rgos das Naes Unidas, organizaes no-governamentais e para a sociedade civil de um modo geral, para ser colocado em prtica a partir de sua aprovao, em 14 de junho de 1 992, ao longo do sculo 21, em todas as reas em que a atividade humana interfira no meio ambiente. Uma caracterstica desse documento, que tem carter abrangente, foi incorporar uma srie de decises anteriores que vinham sendo tomadas em conferncias especficas e temticas. Tal o caso da Conferncia Intragovernamental de Tbilisi sobre Educao Ambiental, organizada pela UNESCO e pelo PNUMA e realizada em 1 977. Esta conferncia o referencial fundamental para a celebrao da Educao Ambiental como prtica a ser desenvolvida no cotidiano das sociedades, entendida como instrumento essencial de sensibilizao para a centralidade do meio ambiente nas questes contemporneas - num sentido mais amplo-e como prtica que busca educaras pessoas para cuidarem melhor do meio ambiente - sendo esse seu sentido mais restrito.

    A Agenda 21 incorporou, junto a outros temas relacionados ao meio ambiente, as decises de Tbilisi sobre Educao Ambiental, no seu captulo 36, que trata da promoo do ensino, da conscientizao e treinamento em relao questo ambiental. Um dos aspectos principais das recomendaes da Agenda 21 sobre Educao Ambiental refere-se reorientao do ensino formal no sentido de incorpor-la, salientando que: "o ensino tem fundamental importncia na promoo do desenvolvimento sustentvel e para aumentara capacidade do povo para abordar

  • questes de meio ambiente e desenvolvimento. Ainda que o ensino bsico sirva de fundamento para o ensino em matria de ambiente e desenvolvimento, este ltimo deve ser incorporado como parte essencial do aprendizado. (...) O ensino tambm fundamental para conferir conscincia ambiental e tica, valores e atitudes, tcnicas de comportamentos em consonncia com o desenvolvimento sustentvel e que favoream a participao pblica efetiva nas tomadas de deciso. Para ser eficaz, o ensino sobre o meio ambiente e desenvolvimento deve abordar a dinmica do desenvolvimento do meio fsico/biolgico e do scio-econmico e do desenvolvimento humano (que pode incluir o espiritual), deve integrar-se em todas as disciplinas e empregar mtodos formais e informais e meios efetivos de comunicao."

    Com base nessas recomendaes, acordadas em mbito internacional, o Congresso Nacional instituiu a Poltica Nacional de Educao Ambiental por meio da Lei n. 9.795 de 27 de abril de 1999. Para o que nos interessa no momento, vale destacar que a lei define que a presena no ensino formal da Educao Ambiental deve abranger os currculos das instituies de ensino pblicas e privadas, englobando: Educao Infantil; Ensino Fundamental; Ensino Mdio, Educao Superior; Educao Especial; Educao Profissional; Educao de Jovens e Adultos, todavia - e isso merece toda a ateno- ela no deve ser implantada como disciplina especfica nos currculos.

    2. A IMPORTNCIA DA EDUCAO AMBIENTAL NO ENSINO FORMAL

    Os elementos expostos at aqui nos permitem identificar algumas caractersticas particulares da Educao Ambiental, quando a pensamos no interior do universo escolar formal, que vo influenciar sobremaneira sua implementao. Vamos examin-las:

    A Educao Ambiental - por suas origens e em funo das configuraes diversas que foi assumindo - transcende o universo escolar. Vem se desenvolvendo em vrios mbitos sociais, pelas mais diferentes entidades e organizaes que atuam numa gama incrvel de temas associados questo ambiental. Portanto, constitui uma experincia moldada num contexto extra-escolar. Ou seja, a origem da Educao Ambiental no coincide com a das disciplinas tradicionais, que tm razes nas universidades e na cultura acadmica, de um modo geral.

    Por que Educao Ambiental na escola? Hoje, a escola est buscando formar cidados, conforme as referncias dos Parmetros Curriculares, publicados pelo MEC, e da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) da Educao Nacional. Procura-se formar indivduos que olhem e vejam a realidade, que a compreendam e tenham capacidade para critic-la, que se preocupem com o destino coletivo e saibam se posicionar diante dos desafios do mundo. Para os cidados conscientes, tratar de meio ambiente torna-se uma tarefa inerente ao seu cotidiano, visto que um tema universal e que dele depende a vida no planeta. A Educao Ambiental um caminho para formao de indivduos em questes essenciais para a qualidade de vida e para a construo da cidadania, tais como, por exemplo, solidariedade, sade, tica,

  • natureza, diversidade cultural e idias de processo, sincronia, responsabilidade.

    Introduzira Educao Ambiental na escola, nos termos em que propomos, exige algumas adaptaes, que no eliminem sua fora e conhecimentos obtidos na prtica da vida corrente (alis essa uma das virtudes que esse tema traz para o ensino formal), mas que considerem que a formalidade do ensino pode, tambm, trazer algumas vantagens para a Educao Ambiental. Quais vantagens? As reas/ disciplinas podem possibilitar a organizao dos contedos da EA segundo outros padres e expor seus conhecimentos e prticas a outras formas de discusso, o que sempre saudvel. Ao ingressar no universo do ensino formal, a Educao Ambiental tem o potencial de ganhar maior espao para reflexo, ampliando sua contribuio na formao e construo de idias e tambm de possibilitar a ao, que a prtica tradicional da EA, em outras experincias realizadas fora do mundo escolar.

    Como j assinalamos, a temtica ambiental dever estar presente nos currculos dos vrios nveis de ensino, porm no de modo disciplinar, como acontece nas outras reas. Isso significa que a entrada dos temas da Educao Ambiental no cotidiano escolar se dar por meio da transversalizao dos seus contedos.

    Quais as possibilidades existentes para o bom rendimento dessa inovao - a introduo da EA no ensino formal?

    A proposta dos Parmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental foi, sem dvida alguma, onde melhor se explicitou o campo de atuao da Educao Ambiental na escola, por meio da transversalizao do tema meio ambiente, para o qual foi criado um texto prprio. Nesses Parmetros foram introduzidos Temas Transversais como forma de contribuir para prticas de uma concepo de educao, na qual a educao tratada como um valor social, quer dizer, que ultrapassa sua mera dimenso utilitria e conjuntural. A educao assim pensada de fato um instrumento imprescindvel de constituio da cidadania, tendo em vista, tambm, que essa idia no pode ser identificada s idias redutoras que definem cidado apenas como um consumidor ou um participante do processo econmico, por exemplo.

    Se a vivncia escolar um momento indispensvel de constituio da cidadania, preciso que o conhecimento l oferecido e desenvolvido seja de fato conhecimento. No h conhecimento verdadeiro que no se referencie na realidade, no h conhecimento se o que for aprendido no enriquece nosso olhar sobre a realidade, e se no nos capacita para que, diante da complexidade do mundo real, saibamos, minimamente, nos posicionarmos e orientar nossas opes e aes. Infelizmente, pode-se afirmar que o universo e o momento escolar no tm cumprido a contento essa finalidade. Muitas so as razes. Vamos nos ater a uma, que assinalada com destaque em todos os documentos dos PCN. O olhar sobre a realidade a partir das disciplinas clssicas, de certo modo, se congelou. Mesmo nos grandes centros e nas principais escolas, o conhecimento (somatria de disciplinas) est burocratizado e afastado da realidade. Tem valor utilitrio para ultrapassar fases (vestibulares, concursos, empregos, etc.) mas tem valor menor na construo humana, desinteressada por um lado e cidad por outro. Como "sacudir" o conhecimento

  • escolar? Como "sacudir" as disciplinas e faz-las de novo se alimentarem da vida real, vitalizando o valor educativo que elas possuem? Trazendo para o universo escolar recortes da vida real, questes candentes que estamos vivenciando e que de fato contam no desenrolar de nosso destino, como no caso, sem dvida, do Tema Transversal Meio Ambiente.

    Cabe ressaltar um aspecto da idia de transversalidade que nos parece essencial. Vamos trabalhar com o exemplo da questo ambiental. O tema Meio Ambiente no foi transversalizado por capricho dos elaboradores dos citados Parmetros, nem como um artifcio para estimular que as vrias reas/disciplinas inclussem nos seus programas alguma coisa de Educao Ambiental. Se assim fosse, estaria sendo inventada uma transversalidade de maneira forada e artificial, o que no foi o caso. O que ocorre que certas dimenses da realidade, apesar dos recortes que as reas/ disciplinas executam para estud-la, segundo ticas diversas, continuam a permear cada um dos enfoques. Quer dizer: no foram os Parmetros que fizeram do tema Meio Ambiente algo transversal s reas curriculares, pois de algum modo essa transversalidade j estava dada na realidade. No por outra razo que, justamente, as reflexes mais apuradas sobre a questo ambiental no a reduzem apenas a uma defesa tpica da natureza, ou do meio ambiente, mas sinalizam que por meio dessa questo pensamos mais largamente o mundo que vivemos, ou dito de outro modo: as questes ligadas ao meio ambiente so transversais vida como um todo (logo, tambm aos objetos das reas/disciplinas).

    Esse raciocnio sobre a transversalidade do tema Meio Ambiente acaba por mostrar o caminho da introduo da Educao Ambiental no ensino formal. De forma latente e sob recortes vrios, a questo ambiental j est presente no interior das reas curriculares. O que preciso revel-la e ampli-la, o que por si s pode lhe dar novos e mais slidos contornos, com a contribuio dessas reas, assim como em contrapartida a presena da questo ambiental (tal como dos outros Temas Transversais) significar um arejamento do universo escolar, estimulando as reas/disciplinas a se reaproximarem da realidade, ampliando, inclusive, seus repertrios.

  • 3. COMO INTRODUZIR A EDUCAO AMBIENTAL NO ENSINO FORMAL

    J assinalamos que os caminhos da transversalizao de temas devem ser percorridos para a introduo da Educao Ambiental no ambiente escolar, tradicionalmente organizado pelo quadro disciplinar. Isso significa dizer que as iniciativas sobre o que ser aprendido e discutido esto sob o encargo das reas/disciplinas. Como introduzir o Tema Transversal Meio Ambiente sem que ele aparente ser uma exterioridade, uma invaso, uma moda, ou um tema gerador?1 Como demonstrar que ele uma intemalidade que deve ser revelada no repertrio das reas/disciplinas? Uma resposta seria a seguinte: os recortes das disciplinas e o recorte construdo socialmente do tema ambiental no coincidem mas, obviamente, possuem muitos pontos de contato, j que o tema Meio Ambiente transversal. Mostrar por meio de atividades (essa uma idia dos Parmetros em Ao de Meio Ambiente) esse campo comum entre as reas/ disciplinas e um tema que ningum dvida ser a "realidade real" pode "sacudir" saudavelmente os alicerces estranhos e burocrticos das reas/disciplinas e do ambiente escolar. Melhor ainda quando os novos contedos propostos exigirem interlocuo com outras reas de estudo e com elaboraes vindas da vida externa (ambientalismo, entidades de vrios tipos, ONGs nacionais e internacionais, estado, mdia, etc). A que se perceber o que cada rea/disciplina tem a oferecer enquanto conhecimento aplicado e isto servir inclusive para demonstrar que, s vezes, a "voz" da rea/disciplina, ao ser exposta vida real, precisa ser melhorada ou remodelada.

    Mas h outras questes: essa convivncia orgnica com o Tema Transversal Meio Ambiente (e os outros) seria suficiente para aproximar o universo escolar da realidade e isso seria s o que se pode fazer para a constituio da cidadania? Bem, caso se consiga aproximar a realidade do ensino escolar, quer dizer restabelecer essa relao indispensvel, j ser muito, mas preciso destacar que, para que isso ocorra, preciso aproveitar o potencial integral de um Tema Transversal. No caso, o tema ambiental no se caracteriza apenas por ser um recorte diferente em comparao com as reas/disciplinas. Ele um recorte construdo social e historicamente como produto de movimentos e lutas sociais, ou poderamos enunciar de outro modo: ele uma transversalidade real identificada e revelada por esses movimentos, que de certa maneira se ocultava sob os recortes congelados das reas/disciplinas. Mas o que queramos destacar agora, at como forma de detalhamento de afirmaes anteriores, que no se constituiu esse recorte para se estudar a realidade de um outro ponto de vista, mas para se intervir nela, para se questionar o mundo que vivemos, para reform-lo, ou mesmo revolucion-lo. Trata-se

    1 A idia de tema-gerador tem pelo menos dois significados. O primeiro, caro aos educadores ambientais, refere-se ao tratamento que deve ser dado s prticas pedaggicas que utilizam como forma de Educao Ambiental a discusso e soluo de problemas ambientais localizados. E a a idia tem o seguinte significado: a soluo do problema ambiental no deve ser a finalidade, e sim a partir dela gerar uma outra e superior compreenso da questo ambiental. De outro lado, convencionou-se designar como tema gerador aquela situao em que, em ambiente escolar, a partir de um nico tema, as reas/disciplinas atuam sincronizadamente no tempo e no espao, de certo modo dando um carter de excepcionalidade que interrompe a rotina escolar, o que contraria a idia de transversalidade orgnica que buscamos alcanar. No caso do texto, estamos usando a expresso tema-gerador nesse segundo significado.

  • de um jeito de olhar a realidade que vem carregado de valores assumidos, de atitudes propostas e de atitudes j tomadas. Ora, deixar a escola ser penetrada por algo assim cria condies para que sua comunidade se insira num outro e mais elevado patamar de aproximao da realidade. Cria-se um campo de discusso e confrontao de valores, o que segundo o texto dos PCN sobre Temas Transversais deve ser encarado como o momento crucial de formao da autonomia do aluno, ingrediente obviamente imprescindvel na formao de um cidado.2

    O destaque e o cuidado que estamos dando para a importncia da formao autnoma de valores deve-se ao fato de que as grandes elaboraes crticas, engendradas por autores e pelos movimentos organizados do ambientalismo, criaram um vasto quadro cultural que tomou certas idias indiscutveis, a partir de opinies rgidas envoltas por convico apaixonada. Nada disso mau em si, contudo, no se pode desejar que no universo escolar idias com essas caractersticas sejam exclusivas e sirvam de mote e pretexto para sensibilizar e formar o aluno crtico quanto ao quadro ambiental em que estamos inseridos. Os alunos esto se formando, preciso discusso e contraposio. O aluno crtico no aquele que assume as nossas convices e que faz uma crtica por ns planejada. O potencial crtico do ser humano criador e no repetidor, pois o horizonte da crtica sempre aberto e infinito, e no termina num projeto dado.

    A crueza e gravidade da dimenso ambiental do mundo so fortes o suficiente para sensibilizar os que sero informados sobre ela. Deve-se, no conjunto das informaes usadas, mostrar vises distintas, que admitem nveis diferenciados de condenao do mundo que vivemos, logo proposies diversas de soluo para o quadro apresentado. Se a Educao Ambiental algo novo, campo de conhecimento em constituio, ela no pode estar erigida em definitivo sobre idias slidas e irremovveis, porque no campo do conhecimento e da educao idias slidas nem sempre so saudveis.

    Estamos insistindo que o Tema Transversal Meio Ambiente no ambiente escolar, configurado como Educao Ambiental ultrapassa a importncia de uma experincia cognitiva. Trata-se de uma experincia humana de maior envergadura, da suas virtudes na formao da cidadania. E isso se d, portanto, por meio do tema Meio Ambiente, de forma a se estimular um olhar mais globalizante sobre temas muito complexos com os quais as pessoas vo ter que conviver e j convivem. Para se ter uma idia do alcance da discusso sobre a questo ambiental, tal o contorno por ela assumido, por seu intermdio coloca-se em xeque concepes de ser humano e concepes de natureza que estavam bem arraigadas na cultura ocidental. Esse tema nos conduz para o ncleo mesmo de nossa existncia. Nos obriga, por exemplo, a questionar como a vida em nossa cidade, em nosso pas e no mundo. E a partir da questo ambiental que atualmente ainda sobrevivem reflexes sobre como devem ser os modelos de desenvolvimento, como deve ser nosso futuro, o que toma a questo ambiental um campo para se discutir cidadania, comportamento em relao aos outros membros da sociedade, em relao natureza, etc. Os

    PCN - Temas Transversais pp. 35 e 36.

  • vrios atores que propugnam, por meio da Educao Ambiental, discusses acerca do futuro, embora possam faz-lo de diversas formas, tm algo em comum: a idia de sustentabilidade. Esta idia tem um papel central no interior da Educao Ambiental no ensino formal.

    E preciso sempre ressaltar que os temas que a Educao Ambiental levantar nas escolas sero sempre polmicos e controversos, porque nenhuma questo, com essa dimenso globalizante, desenrola-se consensualmente. o modelo inteiro de nossa existncia (por exemplo, somos ou no natureza?) que est em causa, e natural que os entendimentos e interpretaes difiram e conflitem (so olhares, interesses e referenciais diferentes), mesmo entre aqueles que concordam com a gravidade de uma questo ambiental a ser resolvida. Eis mais uma riqueza do Tema Transversal Meio Ambiente que no pode deixar de ser explorada no ambiente escolar.

    4. ALGUMAS QUESTES PRTICAS DA EDUCAO AMBIENTAL NO ENSINO FORMAL

    Todas as idias aqui desenvolvidas argumentam a favor de que o tema Meio Ambiente se incorpore ao cotidiano escolar como Educao Ambiental, por intermdio das reas do conhecimento, e no apenas se mantenha como um tema excepcional (como uma exterioridade) em semanas ou atividades comemorativas. O esforo vai na direo de trabalhar para que as reas/disciplinas no incluam burocraticamente contedos de Meio Ambiente nas suas aulas s para "cumprir tabela". O objetivo encontrar nas reas/disciplinas3 contribuies efetivas que podem dar a partir de sua prpria natureza, no entendimento, na ampliao e no enriquecimento da questo ambiental. Que isso se d sem que o professor de qualquer rea de estudo tenha que fugir do seu programa, sem ferir sua autonomia. A necessidade que ele integre no seu curso, conforme a especificidade de sua rea, o tema ambiental. A busca a obteno de uma certa organicidade entre a rea/disciplina e a transversalidade.

    Para obteno de uma relao frtil entre as reas/disciplinas e o tema Meio Ambiente, seja por meio da transversalidade ou da interdisciplinaridade, preciso responder uma questo. Quais os contedos a serem utilizados para efeito de anlise das reas/disciplinas e para servirem de meios para estimular algumas aes de Educao Ambiental na escola? De incio, vamos informar algumas fontes: como documento mestre, recomenda-se o prprio texto dos Parmetros Curriculares do tema Meio Ambiente. Contudo a idia no introduzir esse documento como uma "lei", ao contrrio, a atitude ser de abri-lo inteiramente discusso, submetendo-o a

    3 Nos seus objetos e ngulos de abordagem prprios.

  • um exame seletivo e crtico, confrontando-o com outros materiais e outras possibilidades de leitura do tema ambiental. Essa proposio de dilogo evidentemente mais vantajosa, tanto para a informao dos professores e formao dos estudantes, quanto para a seduo daqueles que at ento se mantm afastados do tema Meio Ambiente. Mas no se deve ficar somente nos materiais oficiais, pois se os livros didticos, por exemplo, ainda no incorporaram adequadamente os contedos fundamentais para a Educao Ambiental, o que no faltam so materiais de outras origens. Afinal, a questo ambiental surge pioneira no interior da sociedade e a foi o local de maior produo de materiais.

    Mas a questo permanece sem resposta: quais os contedos a serem tratados? Se as preocupaes em torno da questo ambiental lograram constituir uma Educao Ambiental que com todo mrito se impe ao sistema escolar, coerente que se mantenha como orientao bsica de roteiro programtico o prprio roteiro construdo nos documentos bsicos. O mais completo a Agenda 21 e nele identificamos as caractersticas que permitem um tratamento adequado da questo. Vamos identificar algumas:

    1. A questo ambiental jamais tratada como algo destacado das dimenses sociais e econmicas do mundo que vivemos; e jamais tratada, portanto, como uma simples preservao pontual da natureza; 2. A idia de sustentabilidade amplamente discutida e est sempre orientando todos os aspectos tratados da questo ambiental; 3. Todas as questes fundamentais da crise ambiental, que esto espera de soluo ali esto apresentados (a questo dos padres de consumo e a sobrecarga sobre os recursos naturais; saneamento bsico; a questo da gua; do uso e da transformao das vrias formas de energia; o combate ao desflorestamento e desertificao, com a proteo de ecossistemas frgeis; o uso e a conservao da diversidade biolgica; a questo das substncias de alta periculosidade e os resduos e atividades perigosos, etc). Talvez a grande lacuna refira-se carncia de tratamento direto dos ambientes urbanos, o que pode ser suprido facilmente. E lgico que esses contedos devem ser adaptados e as prprias disciplinas devem adequ-los, modific-los, tirar alguns e acrescentar outros ao seu corpo, ou mesmo permitir que esse corpo se modifique. H tambm que se encontrar formas de adaptao para os nveis e tipos diferenciados de ensino. Mas, reforamos, os contedos no so misteriosos, pois so esses mesmos que foram se disseminando e se popularizando com contedos prprios da questo ambiental.

    Uma face diferenciadora da Educao Ambiental, que j assinalamos, refere-se transcendncia em relao ao universo escolar que a caracteriza. Ela surgiu e est em grande medida fora da escola, protagonizando experincias nicas, incorporando novos saberes e testemunhos de resultados importantes. Ela est no ambiente extra-escolar funcionando como um elemento de interveno modificador do quadro social em que atua. Ora, ao introduzir a Educao Ambiental no ensino formal, com as adaptaes necessrias j debatidas, no se quer produzir uma ruptura com a Educao Ambiental ampla e criar-se dois campos estranhos, desconectados de Educao Ambiental. Seria lamentvel que isso ocorresse, pois a Educao Ambiental no ensino formal correria o srio risco de se congelar, e se tornar apenas formal, no sentido pejorativo da palavra. Um dos valores centrais da Educao Ambiental que

  • fundamental para a formao de cidados: o estmulo para pensarmos em projetos, em interveno e participao na vida global, para combatermos a indiferena, que nem sempre o sistema escolar consegue combater. Portanto, faz parte da introduo da Educao Ambiental no ensino formal a considerao da existncia de aes que garantam esse vnculo com a Educao Ambiental em ambiente extra-escolar. Faz parte tambm a elaborao de projetos de Educao Ambiental no interior do universo escolar, aliados ao projeto educativo da escola, como um instrumento essencial da prtica da EA nas escolas. E por essa razo que o sistema escolar deve estar aberto a projetos de Educao Ambiental que tenham inspirao e iniciativa extra-escolar (nas comunidades, em rgos governamentais de todas as instncias, nas entidades no-governamentais, etc), e ao mesmo tempo, a escola deve ser tambm palco de iniciativas que extrapolem seus limites e se irriguem para as comunidades imediatas ou alm.

    Por fim, o que resta para ser comentado como algo prtico a ser tratado refere-se aos procedimentos necessrios para a formao dos professores para saberem lidar com a Educao Ambiental. Encontrar a palavra ideal nesse caso difcil, mas usando uma mais ou menos generalizada, como devem ser capacitados os professores para assumirem em ambiente escolar a Educao Ambiental? No basta, para fazer juz complexidade da Educao Ambiental, reduzir essa capacitao do professor a certas tcnicas e informaes que permitam ao professor ser um "agente sensibilizador" sobre a questo ambiental. No ruim que o professor seja capaz disso, mas no bom que ele pare a.4 E preciso que o professor esteja preparado para que, a comear do ponto de vista de sua rea de conhecimento, saiba aprofundar a anlise e elevar a discusso do tema ambiental para patamares mais complexos. Uma necessidade inicial se impe. Os professores, para essa capacitao, devero ter acesso a materiais, cursos e experincias que lhes demonstrem essa possibilidade de sua disciplina produzir uma contribuio questo. Para que eles no fiquem com a impresso de que o saber e a experincia que eles j trazem de nada servem, e que a capacitao em Educao Ambiental signifique o acesso e o aprendizado de um cabedal totalmente novo de conhecimentos estranhos a eles e sua rea especfica de formao. Caso no tenham familiaridade com a questo, necessitaro conhecer alguns contedos novos. Mas em especial aqueles que mais alimentam a metodologia da questo ambiental, tais como: idias de sustentabilidade, de ecossistema, de diversidade biolgica, etc. Tambm eles devem ter acesso, sucinto que seja, ao histrico dos movimentos ambientalistas: o que j foi institucionalizado, o que a legislao ambiental, o que so as polticas ambientais, etc. Quer dizer, necessrio ter acesso a um certo ncleo comum de conhecimentos para que cada professor, especialista ou no, tenha como se inserir, usando os conhecimentos que possui para ser um participante ativo e crtico da Educao Ambiental, introduzida e disseminada como Tema Transversal e interdisciplinar no ensino formal.

    4 MEDINA, Nan Mininni, 2000.

  • BIBLIOGRAFIA CITADA

    Dirio Oficial da Repblica Federativa do Brasil; Atos do Poder Legislativo (Lei n. 9.795, de 27 de abril de 1999).

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    MEDINA, Nan Mininni. A Formao dos Professores em Educao Ambiental. In: Oficina Panorama de Educao Ambiental no Brasil (28 e 29 de maro de 2000) MEC/SEF; Coordenao-Geral de Educao Ambiental (no prelo).

    Secretaria do Meio Ambiente do Estado de So Paulo. Agenda 21 - Conferncia das Naes Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Srie Documentos Ambientais, 1997.

  • Biodiversidade Maria Ceclia Wey de Brito*

    Todos sabemos do incontvel nmero de astros que com a Terra povoam o universo. Te-mos noo da grandeza deste nmero, mas no sabemos precis-lo ao certo, apesar dos esfor-os dos estudiosos deste campo da cincia.

    Em semelhante dimenso sabemos que existem inmeros seres vivos na Terra alm de ns, seres humanos. E tambm aqui s temos noo da grandeza deste nmero, apesar dos esforos dos cientistas em nominar as diferen-tes espcies que aqui habitam. Alguns falam que na Terra existem aproximadamente 10 mi-lhes de espcies diferentes, j outros arriscam 50 milhes, mas conhecidas at hoje s so 1,5 milho.

    A variedade/pluralidade dos seres vivos do nosso planeta expressa pelo termo diversida-de biolgica ou biodiversidade. Esta variedade se manifesta em todos os nveis de orga-nizao dos seres vivos - das clulas aos ecossistemas - e diz respeito a todas as espci-es - as vegetais, as animais e os microrganis-mos. A variedade dos seres vivos fundamen-

    tal para que se possa enfrentar as modifica-es ambientais. Quanto maior a diversidade, maior a opo de respostas da natureza.

    Mas, bom lembrarmos que a distribuio dos seres vivos no planeta no homognea nem esttica. Segundo Ross "Ao longo do tempo, os organismos se movimentaram na superfcie da Terra expandindo ou contraindo sua rea de distribuio, substituindo ou sendo substitudos por novas formas" (1998:110).

    Tambm no so homogneas nem est-ticas a composio e forma da Terra. Nosso planeta sofre constante e permanentemente a ao de dois tipos de foras: as endgenas e as exgenas. E essas foras atuam sobre ele de forma antagnica.

    As foras endgenas, ou seja, aquelas que provm da prpria Terra, so exercidas pelo ncleo sobre a crosta terrestre e criam as diferentes formas de relevo. Contrariamente, as foras exgenas - que vm de fora da Terra -atuam sobre a mesma, modificando seu

    * Agronma, mestre em Cincia Ambiental pela USP e Coordenadora da Aliana SOS Mata Atlntica - Conservation International.

  • relevo. Neste caso, a energia solar que, agin-do por meio da atmosfera, desgasta e esculpe novas formas de relevo na Terra. Ross lembra que "A complexidade desse jogo de foras opos-tas permitiu e continua permitindo que os di-versos componentes do estrato geogrfico ter-restre, (...), representados pela superfcie ter-restre (subsolo, relevo e solo), pela hidrosfera (oceanos, rios e lagos) e pela atmosfera, ao interagirem nos mecanismos de troca de ener-gia e matria, dessem suporte ao aparecimento e evoluo da vida vegetal e animal na Terra." (1998:18). So os terrenos, climas e guas que condicionam fortemente a vida na Terra, segundo o mesmo autor.

    A distribuio dos organismos na superf-cie da Terra no depende apenas das carac-tersticas do ambiente fsico, depende tambm da histria evolutiva da regio e, consequen-temente, de eventos passados, s vezes, h milhes de anos.

    Entende-se que um dos condicionantes da distribuio dos seres vivos na Terra foi a sepa-rao dos continentes - ou deriva continental. Esta teoria diz que os continentes atuais no tinham a configurao e a distribuio que hoje observamos. Havia um nico continente - Pangea, que se separou em dois blocos -Gondwana e Laurasia. O primeiro inclua o que hoje denominamos Austrlia, Amrica do Sul, Africa e Antrtida. J o segundo reuniria a Amrica do Norte, a Europa e a sia. Mais tarde estes dois blocos (ou placas tectnicas) tambm sofreram alteraes, resultando no de-

    senho dos continentes que hoje conhecemos. O movimento das placas tectnicas continua at hoje deslocando os continentes, alargando alguns oceanos e estreitando outros.

    De acordo com Ross " A pelcula viva que envolve todo o planeta navegou com os continentes desde sua origem e foi sendo sub-metida s mudanas climticas que em muitas pocas levaram ao desaparecimento de comunidades inteiras" (1998:73).

    O clima tambm no foi sempre constante no planeta Terra. H cerca de 4,5 bilhes de anos ocorreram vrias alteraes no clima da Terra, passveis de reconhecimento e estudo graas aos registros deixados pelos fsseis, pelas geleiras, pelas rochas, pelos plens e troncos das rvores.

    Mais recentemente, h cerca de 2 milhes de anos, teriam ocorrido perodos glacirios e interglacirios. Quando da ocorrncia dos pri-meiros, a temperatura mdia da Terra caa e as geleiras polares e as das montanhas podiam expandir-se por importantes espaos do globo. Quando a temperatura mdia voltava a subir, estas geleiras se retraiam novamente, voltando aos seus limites anteriores.

    Essas circunstncias provocaram a expan-so e retrao de florestas1 a pequenos ncleos mais ou menos isolados. Os organismos que dependiam destas florestas tinham que se refu-giar nestas ilhas, por exemplo. Aquelas regies da Terra, mais distantes do Equador (zonas tem-peradas e frias) foram as que sofreram mais

    As florestas pluviais tropicais so as que apresentam maior biodiversidade no planeta. Para E. O Wilson a teoria que explica este fato a da Energia-Estabilidade-reo. Para Wilson "Maior energia, maior produo de biomassa, diminuio da distribuio geogrfica num ambiente com menos variaes - todas essas propriedades aumentam o nvel de biodiversidade nos trpicos em longos perodos de tempo geolgico. (...) Climas estveis com estaes pouco definidas permitem que mais tipos de organismos se especializem em trechos menores do ambiente, que superem os generalistas ao seu redor e que, portanto, persistam por perodos de tempo mais longo (1 994:216).

  • com este avano e recuo das geleiras. J as zonas tropicais guardaram condies climticas tais que permitiram a existncia destes ncleos ou "refgios"

    Alm do ambiente fsico e da histria evolutiva da regio, a distribuio dos seres vivos no planeta tambm condicionada por seus limites de tolerncia. Os limites de tole-rncia, por sua vez, esto afetos bagagem gentica de uma populao. Esta bagagem define a capacidade de sobrevivncia e su-cesso de uma determinada espcie ou de uma populao em funo da inexistncia, escassez ou abundncia de um determinado recurso (a gua, por exemplo). Tambm as relaes entre os indivduos como a competio, predao, simbiose, por exemplo, podem definir o territrio ocupado por uma determinada populao.

    A evoluo das espcies tambm vem de-finindo a variedade e pluralidade de seres vivos que encontramos hoje. Sabemos que, por meio desse processo, os atributos dos seres vivos mudam ao longo do tempo. Para Ricklefs, todos os seres vivos da Terra "descendem de um nmero muito menor (talvez um nico) [de espcies] que existiu em algum tempo remoto no passado. O processo pelo qual as espcies proliferam, a especiao, envolve o isolamento de 'subpopulaes' a partir de uma nica e a sua mudana evolutiva independente" (1993:11). Segundo este autor, as diferenas geradas pela separao das subpopulaes evoluem a tal ponto que os indivduos sejam impedidos de procriar-se com sucesso com a espcie original se estas se reencontrarem. A

    repetio deste processo vem gerando um enor-me nmero de seres vivos.

    A mudana nas caractersticas de subpopulaes isoladas (ou a divergncia ecolgica) explicada por dois fatos. O pri-meiro diz respeito diferena de hbitats que pressionam as espcies de forma desigual2. O segundo fato diz respeito s relaes dentro de um mesmo hbitat como a adaptao, por exemplo, que ao exercer presso provoca mudana evolutiva em outras espcies3.

    Neste ponto, importante lembrar que a histria do planeta Terra no foi feita apenas do surgimento de novas espcies. A diversidade de espcies tem mantido uma certa estabilidade ou no mximo tem registrado um crescimento lento. Mas o desaparecimento de espcies tambm tem ocorrido naturalmente. O planeta Terra j teria sofrido cinco grandes eventos de extino em massa, alm de, em menor grau, incontveis outros episdios locais e regionais de extino. Mas, depois de cada declnio de espcies, o planeta voltou a recuperar seu nvel original de diversidade, num perodo estimado de dezenas de milhes de anos (Wilson, 1 994). Alguns cientistas consideram que a humanidade equivale ao sexto grande evento de extino da diversidade biolgica do planeta.

    Sabe-se que hoje, diferentemente dos cin-co eventos naturais registrados no passado, a ao da espcie humana sobre os seres vivos do planeta acelerou o ritmo e intensidade do processo de perda de espcies. Para alguns pesquisadores, durante os ltimos 600 milhes de anos, esta perda tem sido da ordem de 1

    2 Neste caso estaria ocorrendo a especiao aloptrica, ou seja, a nova espcie se origina num lugar diferente estando isolada da populao original por uma barreira fsica.

    3 Neste outro caso estaria ocorrendo a especiao simptrico, ou a origem de uma nova espcie no mesmo local que a espcie "original".

  • espcie por ano (Raup & Sepkoski, 1984 apud Brito et al. 1999). Ento, podemos nos per-guntar: Com que rapidez as espcies esto sumindo hoje em dia? Embora se saiba que este um dos maiores problemas cientficos da humanidade, estima-se que esta taxa seja pelo menos cem vezes maior que a dos cinco eventos anteriores (Ehrlich e Ehrlich, 1981; Myers, 1986; Raven, 1987; Souli, 1986; Wilson, 1987 apud Brito et al.).

    Autores como Pimm e Gilpin (opud Varela, Fontes e Rocha, 1999) apontam quatro principais causas da perda de espcies e empobrecimento da biodiversidade:

    1. Destruio e fragmentao de alguns hbitats, poluio e degradao;

    2. Eliminao exagerada de plantas e animais pelo homem;

    3. Efeitos secundrios de extines;

    4. Introduo de animais e plantas aliengenas (ou exticos).

    Alm destas causas, McNeely4 aponta que "A perda da biodiversidade devida sobretudo a fatores econmicos, especialmente aos bai-xos valores econmicos dados biodiversidade e s suas funes ecolgicas - como a prote-o de bacias hidrogrficas, ciclagem de nu-trientes, controle da poluio, formao dos solos, fotossntese e evoluo - do que depen-de o bem-estar da humanidade. Portanto, vir-tualmente todos os setores da sociedade hu-mana tm interesse na conservao da diversi-dade biolgica e no uso sustentvel de seus recursos biolgicos" (1994:8) (traduo livre).

    A Conveno sobre Diversidade Biolgica (CDB) surgiu do resultado das preocupaes dos meios cientfico-tcnico e poltico com a alta taxa de perda de diversidade biolgica em todo o mundo5. Buscando introduzir um enfoque amplo, que cobrisse todos os aspectos relacionados conservao da diversidade biolgica e que permitisse aes convergentes por parte dos vrios pases, foi engendrada a CDB, por meio da coordenao do Programa das Naes Unidas para Meio Ambiente (PNUMA). A Conveno foi adotada por 150 pases em 1992, incluindo o Brasil6.

    No segredo que uma Conveno, abrangente como a de Diversidade Biolgica, contm vrios desafios intelectuais para aque-les que pretendem implement-la.

    So cinco os pontos considerados os mais importantes da Conveno:

    1. Soberania Nacional e a preocupao comum da humanidade -Aqui reside a grande inovao da CDB, ou seja, o reconhecimento de que estando a diversidade biolgica situada em reas sob jurisdio de pases, estes tm a soberania sobre ela. A diversidade biolgica deixou ento de ser tratada como herana da humanidade, qual todos tinham livre acesso. No que se refere "pre-ocupao comum" o que se busca a responsabilidade compartilhada de todos os pases na conservao da diversidade biolgica.

    4 McNeely cita Peter Vitousek que estimou que quase 40% da produo fotossinttica primria lquida hoje diretamente consumida, convertida ou desperdiada como resultado das atividades humanas.

    5 Segundo Swanson (1997), a idia de uma Conveno internacional sobre diversidade biolgica foi lanada no III Congresso sobre Parques Nacionais e outras reas Protegidas em Bali, em 1982.

    6 Atualmente so 1 74 os pases que ratificaram a CDB, alm da Unio Europia.

  • 2. A conservao e o uso sustentvel - Este ponto expressa a convergncia que se v possvel entre o de-senvolvimento de atividades econ-micas e a conservao, mas a CDB deixa clara a distino que faz entre os conceitos de conservao e de uso sustentvel. Tambm fica clara a ne-cessidade do uso de diferentes estra-tgias para a conservao e uso, quando se trata de ecossistemas, ou espcies, ou recursos genticos.

    3. Os aspectos relativos ao acesso a recursos genticos - Este ponto a causa dos maiores embates entre os pases, signatrios e no, da CDB. E aqui que se expressa a prtica do ponto 1 desta lista.

    4. Financiamento - Durante o processo de negociao da CDB, nunca se questionou a necessidade de trans-ferncia de recursos financeiros do Norte para o Sul. Criou-se o GEF (Global Environmental Facility), que recebe contribuies de pases desen-volvidos e que s pode ser acessado por pases em desenvolvimento.

    5. A implementao - A execuo dos preceitos da CDB se dar em nvel

    nacional. So os pases que devero, a seu critrio, definir as medidas, as estratgias, as instituies e os cronogramas de execuo para im-plantara CDB.

    O que no podemos perder de vista que a diversidade biolgica especialmente importante para prover resilincia7 aos ecossistemas8, alm de oferecer vrios outros servios ambientais9 para ns seres humanos. Em 1997, Costanza et al estimaram em US$ 33 milhes os servios prestados pelos ecossistemas ecolgicos e o estoque de capital natural que os gera. Conforme os autores "o valor dos servios que puderam ser identi-ficados no considerado no sistema de mer-cado e esse valor corresponde ao que seria necessrio prover com aes humanas para substitu-los, se for possvel" (Brasil, 1999:19).

    Mas, mesmo que a valorao da diversi-dade biolgica possa ser vista como necess-ria, nem todos os organismos podem, a curto ou mdio prazos, serem encarados desta forma e receber um valor monetrio. Mesmo que no considerssemos o valor intrnseco de cada espcie devemos concordar com Eckholm (1978) e, utilizando-nos de prudncia, dar aos organismos existentes tanto quanto possvel o "benefcio da dvida", ou seja, no mnimo res-peitar seu direito vida.

    Capacidade de um ecossistema de retornar ao seu estado de equilbrio, depois de sofrer algum impacto (natural ou antrpico).

    8 "Cada ecossistema tem seu valor intrnseco. Assim como cada nao preza seus episdios histricos finitos, seus livros clssicos, suas obras de arte e outras medidas da grandeza nacional, tambm deveria aprender a prezar seus ecossistemas peculiares e finitos, ressoantes de um senso de tempo e lugar" (Wilson, 1994:1 72).

    So considerados servios ambientais: regulao da composio qumica da biosfera, regulao do clima, absoro e reciclagem de resduos gerados pela ao humana, regulao dos fluxos hidrolgicos, suprimento de gua, processos de formao de solos, ciclo de nutrientes, polinizao, controle biolgico, recursos genticos, recreao e cultura (Brasil, 1999).

  • BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

    BRASIL (1998). Primeiro Relatrio Nacional para a Conveno sobre Diversidade Biolgica. Braslia, Ministrio do Meio Ambiente, dos Recursos Hdricos e da Amaznia Legal, Coordenao Geral de Diversidade Biolgica, 244 pp.

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    GLOWCA, F.B-G; SYNGE, H.; MCNEELY, JA; GUNDLING, L. (1994) A Guide to the Convention on Biolgica Diversity. Gland: The World Conservation Union, 161 pp.

    KRATTIGER, A.F.; MCNEELY, J.; LESSER, W.H.; MILLER, K.R.; HILL, Y; SENANAYAKE, R. (ed.) (1994) Widening Perspectives on Biodiversity. Gland: The World Conservation union and International Academy of Environment, 473 pp.

    MCNEELY, J.A (1994) "Criticai Issues in the Implementation of the Convention on Biological Diversity". In: KRATTIGER, A.R; MCNEELY, 1; LESSER, W.H.; MILLER, K.R.; HILL, Y; SENANAYAKE, R. (ed.) (1994) Widening Perspectives on Biodiversity. Gland: The World Conservation union and International Academy of Environment, 473 pp.

    RICKLEFS, R.E. (1996) A Economia da Natureza. Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan SA, 470 pp.

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    VARELLA, M.D.; FONTES, E.; ROCHA, RG. (1999) Biossegurana e Biodiversidade. Belo Horizonte: Livraria Del Rey Editora Ltda., 301 pp.

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    WILSON, E. O (1994) Diversidade da Vida. So Paulo: Companhia das Letras, 447 pp.

  • Consumo Sustentvel Rachel Biderman Furriela1

    "A Terra tem o suficiente para todas as nossas necessidades,

    mos somente o necessrio." ( Mahatma Gandhi)

    INTRODUO

    A chegada do terceiro milnio tem sido considerada por muitos um momento especial, de passagem para uma nova fase da histria humana. Cada indivduo percebe esse acontecimento de forma diferente. Muitos bus-cam explicaes esotricas, metafsicas, reli-giosas. Outros seguem seu ritmo de vida, inabalados. nesse momento especial por que passa a humanidade que necessrio propor uma reflexo sobre o futuro, certamente com base nas lies que tiramos do passado. Esse texto reflete um esforo de discusso sobre a qualidade da vida que levamos e, ainda, se o modelo atual de consumo o exemplo que

    pretendemos deixar para os nossos filhos e netos. Em alguns momentos so apresentadas sugestes de como se pode agir para melhorar a qualidade de vida dos cidados e, ao mesmo tempo, proteger o meio ambiente, porm no se pretende aqui exaurir todas as possibilidades, nem apresentar uma receita que se aplique a qualquer situao. Apresentam-se algumas idias para discusso por aqueles que se preocupam com o tema da educao e a qualidade de vida das futuras geraes e a sustentabilidade da vida no Planeta Terra. Prope-se um exerccio de re-flexo a respeito de um tema que afeta a todos: o consumo sustentvel.2

    O ponto de partida a necessidade de

    1 Advogada Ambientalista; Mestre em Cincia Ambiental pela Universidade de So Paulo (1999); Mestre em Direito Internacional, com concentrao em Direito Internacional do Meio Ambiente, pela Faculdade de Direito "Washington College of Law" da American University, Washington, D.C. (1992).

    2 H divergncia terica sobre o conceito de consumo sustentvel e consumo responsvel. Uns dizem que o segundo engloba o primeiro, outros o contrrio. Neste texto sero utilizados como sinnimos, significando o consumo de bens e servios que tenham sido elaborados e produzidos levando-se em conta o respeito ao meio ambiente, dignidade e sade humana. O consumo e produo social ambientalmente corretos impem uma preocupao com a proteo dos recursos ambientais e a defesa dos direitos humanos, includos nestes os sociais.

  • conscientizao dos indivduos a respeito da importncia de tomarem-se consumidores res-ponsveis. Prope-se que se estabelea um trabalho de formao de um "consumidor-cidado". Esse trabalho educativo essenci-almente poltico, pois implica a tomada de conscincia do consumidor como importante ator de transformao do modelo econmico em vigor, j que tem em suas mos o poder de exigir um padro de desenvolvimento socialmente justo e ambientalmente equilibra-do. Esse ator, consciente das implicaes dos seus atos de consumo, passa a compreender que o seu papel o de exigir que as dimenses sociais, culturais e ecolgicas sejam con-sideradas pelos setores produtivo, financeiro e comercial, em seus modelos de produo, gesto, financiamento e comercializao. Essa no uma tarefa simples, pois requer uma mudana de posturas e atitudes individuais e coletivos no cotidiano. O desafio que se coloca o abandono da sociedade do descarte e do consumo excessivos, a recusa do sonho americano ("american dream3") como sinnimo de bem-estar, de felicidade. Maior dificuldade reside ainda na tomada de conscincia de que a sociedade do consumismo gera enorme presses sobre o meio ambiente, j que no existe produto que no contenha material oriundo da natureza, portanto a produo depende da explorao dos recursos ambientais, e no h descarte de rejeitos que no volte Terra. Enfim, o que se prope uma mudana de paradigma, de retorno ao modo de vida simples do passado, o abandono do consumo em exagero.

    Fica evidente, quando se estuda a ques-to do consumo sustentvel, que existe uma

    grande desigualdade no poder de consumo ao se comparar diferentes segmentos de uma sociedade, e, ainda, diferentes sociedades. Muitas sociedades no atingiram padres de consumo condizentes com a manuteno das condies mnimas de dignidade humana, como ocorre em muitas regies da Africa, da sia, da Amrica Latina, e do prprio Brasil, onde sequer a alimentao bsica est ga-rantida para milhes de famlias. De acordo com dados da Organizao das Naes Unidas ("ONU"), 20% daqueles com maior renda no mundo so responsveis por 86% dos gastos totais com consumo de bens, enquanto os 20% mais pobres tm acesso a apenas 1,3% dos bens de consumo. E preciso que se encontre um equilbrio na distribuio dos frutos do progresso material, cientfico e tecnolgico entre os povos do mundo.

    Ao se tratar do consumo sustentvel, cabe a ressalva de que se propugna uma alterao do padro de consumo insustentvel dos mais ricos, e a adequao dos padres de consumo dos mais pobres a patamares mnimos de digni-dade social. Ou seja, busca-se a implantao dos conceitos de equidade e justia social.

    As desigualdades de padres de consumo foram objeto de anlise de uma organizao norte-americana favorvel adoo do paradigma do consumo sustentvel, o "Center for a New American Dream" 4 (Centro para o Novo Sonho Americano). Eis alguns exemplos de dados que colheram em suas pesquisas so-bre as desigualdades citadas anteriormente:

    Os norte-americanos consomem 40% da gasolina do mundo;

    Os norte-americanos consomem mais

    Sonho de propriedade de uma casa grande, carros suntuosos, produtos de alta tecnologia, constantemente sujeitos obsolescncia e troca, escravido da moda, do status, da imagem vendida pela mdia.

    Site: www.newdream.org

    http://www.newdream.org/

  • papel, ao, alumnio, energia, gua e carne per capita do que qualquer outra sociedade do Planeta;

    O norte-americano mdio produz duas vezes mais lixo do que o europeu mdio;

    Seriam necessrios pelo menos quatro planetas adicionais ao existente, se to-dos os 6 bilhes de indivduos da Terra tivessem um padro de consumo equi-valente ao do norte-americano mdio.

    1. VISO CRTICA SOBRE OS ATUAIS PADRES DE CONSUMO

    1.1. EVOLUO DAS DISCUSSES NOS NVEIS NACIONAL E INTERNACIONAL

    A formao de um consumidor-cidado implica necessariamente uma nova postura di-ante do ato de consumir e depende da produ-o de mais conhecimento sobre o tema do consumo sustentvel, relativamente pouco sis-tematizado. Esse um tema que acompanha as discusses relativas ao meio ambiente eco-logicamente equilibrado e nasceu principal-mente como uma demanda do movimento ambientalista, que passou a questionar o mo-delo de desenvolvimento econmico atual, al-tamente baseado na explorao irracional dos recursos naturais. O questionamento sobre esse modelo deu-se principalmente a partir da d-cada de 70 e foi bastante intensificado na d-cada de 90, principalmente em dois momentos em que as Naes Unidas se reuniram para discutir os impactos da ao humana sobre o meio ambiente planetrio. Esses dois momen-tos foram a Conferncia de Estocolmo sobre Meio Ambiente Humano, realizada em 1972, e a Conferncia das Naes Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada em 1992, no Rio de Janeiro.

    A Conferncia sobre Meio Ambiente Hu-mano, realizada em Estocolmo em 1972, foi centrada na discusso sobre os impactos da

    ao humana sobre a natureza e os decor-rentes riscos para o bem-estar e para a prpria sobrevivncia da humanidade. Foi marcada por uma viso antropocntrica de mundo, em que o homem era tido como o centro de toda a atividade realizada no planeta, desconsiderando o fato de a espcie humana ser parte da grande cadeia ecolgica que rege a vida na Terra. Essa conferncia foi marcada pelo confronto entre as perspectivas dos pases desenvolvidos e dos pases em desenvolvimento. Os pases desenvolvidos estavam preocupados com os efeitos da de-vastao ambiental sobre a Terra, propondo um programa internacional voltado para a conservao dos recursos naturais e genticos do planeta, pregando que medidas preventivas teriam que ser encontradas imediatamente, para que se evitasse um grande desastre. Por outro lado, os pases em desenvolvimento argumentavam que se encontravam assolados pela misria, com graves problemas de moradia, saneamento bsico, atacados por doenas infecciosas e que necessitavam desenvolver-se economicamente, e rapi-damente. Questionavam a legitimidade das recomendaes dos pases ricos que j haviam atingido o poderio industrial com o uso predatrio de recursos naturais e que queriam impor a eles complexas exigncias de controle ambiental, que poderiam encarecer e retardar a industrializao dos pases em de-senvolvimento. A Conferncia produziu a De-clarao sobre o Meio Ambiente Humano, uma declarao de princpios de comportamento e responsabilidade que deveriam governar as decises concernentes s questes ambientais (Feldmann, 1997).

    A maior conferncia internacional reali-zada at os dias de hoje sobre matria ambiental foi a Conferncia das Naes Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro, em 1992. Nessa conferncia, e no Frum paralelo das orga-nizaes no-governamentais, discutiu-se

  • amplamente o tema do consumo sustentvel. A Conferncia da ONU propiciou um debate e mobilizao da comunidade internacional em torno da necessidade de uma urgente mudana de comportamento visando preservao da vida na Terra. A Conferncia ficou conhecida como "Cpula da Terra" (Earth Summit) e contou com a presena de 1 72 pases (apenas seis membros das Naes Unidas no estiveram presentes), representados por aproximadamente 10.000 participantes, incluindo 116 chefes de Estado (SMA, 1997).

    Um dos resultados dessa conferncia foi a aprovao da Agenda 21, um abrangente plano de ao a ser imple-mentado pelos governos, agncias de desenvolvimento, organizaes das Naes Unidas e grupos setoriais independentes em cada rea em que a atividade humana possa afetar o meio am-biente. Esse plano visa primordialmente ao estabelecimento de um modelo de desenvol-vimento econmico que seja sustentvel sob o ponto de vista ambiental. Dentre as propostas de ao, constam aspectos especficos sobre o consumo sustentvel, condio inequvoca para a consecuo do objetivo maior da Agenda 21, que o desenvolvimento sus-tentvel. A Agenda 21 procura compatibilizar o direito ao desenvolvimento, principalmente para os pases que no atingiram nveis adequados de renda e de riqueza, e o direito ao meio ambiente saudvel e equilibrado, que deve ser garantido para as geraes futuras.

    As recomendaes da Agenda 21 para a implantao de um modelo de consumo sus-tentvel constam de 3 de seus 40 captulos, que so relativos a: mudana dos padres de consumo (captulo 4); manejo ambientalmente saudvel dos resduos slidos e questes relacionadas com os esgotos (captulo 21); fortalecimento do papel do comrcio e da in-dstria. O captulo especfico de maior inte-resse o de nmero 4, que prope programas voltados ao exame dos padres insustentveis de produo e consumo e o desenvol-

    vimento de polticas e estratgias nacionais de estmulo a mudanas nos padres insus-tentveis de consumo (este captulo pode ser conhecido nos Anexos).

    A discusso sobre o tema do consumo sus-tentvel no nvel internacional avanou aps a adoo da Agenda 21. Em 1995, a Comisso de Desenvolvimento Sustentvel da ONU recomendou que as diretrizes de proteo do consumidor, j consolidadas em norma da or-ganizao, fossem expandidas e passassem a incluir diretrizes sobre padres de consumo sus-tentvel. Outro rgo da ONU, o Conselho Econmico e Social (ECOSOC), aprovou re-soluo no mesmo ano (n. 1995/53), solicitando que o Secretrio Geral elaborasse diretrizes na rea de padres de consumo sustentvel. Posteriormente, as Naes Unidas pa-trocinaram uma srie de reunies de experts para a formulao de norma sobre esse teor, tendo sido realizada uma no Brasil, em 1998, sob o co-patrocnio da Secretaria de Estado do Meio Ambiente (Feldmann, 1998).

    No BRASIL

    O conceito de sustentabilidade tem sido objeto de ampla discusso e produo cientfi-ca e literria. Neste ano de 2000, o Governo Federal publicou um Estudo - objeto de contratao de consrcios de cientistas, estu-diosos e tcnicos do tema da sustentabilidade - que foi intitulado "Subsdios Elaborao da Agenda 21 Brasileira". O estudo foi dividido em vrios captulos e as questes do consumo sustentvel e da sustentabilidade foram am-plamente discutidas no Captulo intitulado "Ci-dades Sustentveis" (MMA, 2000).

    Destacamos, a seguir, as recomendaes relativas mudana de padres de consumo e de produo nas cidades. O Estudo props quatro estratgias de sustentabilidade urbana, identificadas como prioritrias para o desenvolvimento sustentvel das cidades brasi-

  • leiras. A Estratgia 3 sobre padres de pro-duo e de consumo foi formulada visando reduo de custos e desperdcios e fomento de prticas sociais e tecnologias urbanas sus-tentveis (MMA, 2000). As 15 propostas esto elencados a seguir, conforme constam desse estudo:

    Combater o desperdcio e promover o consumo sustentvel com os agentes econmicos, o setor pblico e a populao em geral.

    Arbitrar padres e indicadores capazes de orientar o planejamento urbano e o monitoramento das prticas de produo e de consumo sustentveis, tanto por parte do setor pblico como do privado.

    Estabelecer rotinas de auditorias ambientais no setor pblico e usar o poder de compra do Estado para induzir o mercado de bens e servios a adotar padres de qualidade ambiental.

    Promover mudanas nos procedimentos utilizados para lidar com assentamentos e com projetos habitacionais, passando a levar em considerao o conforto, a qualidade ambiental e a ecoeficincia, com o m-ximo aproveitamento de materiais reciclados e apropriados.

    Reduzir as perdas crnicas no sistema de saneamento e modernizar a poltica tarifria, garantindo gua mais barata e de melhor qualidade, melhorando, dessa forma, os indicadores de sade.

    Evitar e reduzir a gerao de resduos, de despejos e a emisso de poluentes, nas reas urbanas e do entorno, por parte das indstrias.

    Reduzir a queima de combustveis fsseis e promover a ef ic incia energtica, contribuindo para a mu-

    dana da matriz energtica e para o combate ao 'efeito estufa'.

    Promover maior integrao entre o meio rural e o urbano, desenvolvendo atividades agrcolas e no-agrco-las voltadas para este fim.

    Gerar empregos e renda, contribuindo para diminuir as desigualdades existentes, aproveitando, sempre que possvel, os programas decorrentes das quase noventa aes recomendadas para operacionaliz-los, utilizando me-canismos que combinem sustentabili-dade econmica e social."

    1.2. PRINCIPAIS PROBLEMAS AMBIENTAIS RELACIONADOS A PADRES DE

    CONSUMO INSUSTENTVEIS

    Um grupo de cientistas norte-americanos baseou-se em estudos realizados pela Agncia de Proteo Ambiental norte-americana ("EPA") e pelo "California Comparative Risk Project" para avaliar os principais impactos sobre a sa-de e o meio ambiente decorrentes de ativida-des humanas (Browere Leon, 1999). Esse gru-po de cientistas concluiu que uma srie de gra-ves problemas ambientais so decorrentes de padres de consumo insustentveis. Os princi-pais problemas identificados pelos cientistas so: poluio do ar, aquecimento global do planeta, alterao de hbitats e poluio das guas.

    POLUIO DO AR

    Dois poluentes relacionados queima de combustveis fsseis, o oznio e o material particulado, causam grandes riscos sade humana. H estimativas da Califrnia de que 3.000 mortes no Estado so causadas anu-almente por inalao de material particulado e cerca de 60.000 a 200.000 casos de infeces respiratrias so causadas por inalao de material particulado e oznio. Os

  • poluentes atmosfricos no afetam apenas as pessoas das grandes cidades. So levados pela ao do clima a outras regies, e se de-positam sobre o solo e a gua, causando aci-dez dos mesmos. Esse problema s pode ser contornado mediante a imposio de medidas drsticas pelos governos, que devem ser planejadas com a sociedade, visando dimi-nuio da emisso de poluentes atmosfricos. Na Regio Metropolitana de So Paulo, entre os anos de 1995 e 1998 foi realizada a Ope-rao Rodzio5, que visava diminuir os nveis de emisso de poluentes originrios da queima de combustveis dos automveis. Essa operao de iniciativa governamental permitiu a reduo da emisso dos poluentes e obteve sucesso graas adeso dos cidados motorizados, que podemos apelidar tambm de "consumidores cidados". Apesar do sucesso em termos de reduo de poluentes e opinio pblica, o governo do Estado, por motivos polticos, engavetou a inicia-tiva, que no ge-rava votos nas urnas.

    Foi noticiado recentemente na imprensa que a Ford vai construir caminhes ecologi-camente corretos . A montadora Ford ganhou um contrato do Servio Postal dos Estados Unidos para construir pelo menos 500 caminhes de entrega movidos a energia el-trica, num esforo de desenvolver uma frota ecologicamente correta. A expectativa anun-ciada pela imprensa de que o Servio Postal compre pelo menos 4,5 mil caminhes, podendo este nmero chegar a 6 mil. O custo estimado de cada veculo de aproxima-damente US$ 39.000. [Financial Times, 1999). A tendncia de produo de veculos movidos a energia eltrica vem se firmando nos Estados Unidos (Califrnia), Europa e Japo. Alguns pases (EUA e Japo) j aprova-

    ram leis obrigando que uma porcentagem dos carros que saem das montadores de veculos sejam no-poluentes.

    Um consumidor consciente pode promover algumas medidas para minimizar a poluio do ar, optando por hbitos como:

    Escolher um local de moradia que minimize sua necessidade de transporte para consecuo de atividades dirias;

    Pensar duas vezes antes de comprar o primeiro e o segundo carro;

    Optar por um veculo que seja menos poluente (ou at gere emisses zero ou prximas de zero, como algumas op-es que esto surgindo nos Estados Unidos ou Europa, movidos a hidrognio ou eletricidade);

    Estabelecer metas concretas de redu-o de viagens;

    Sempre que possvel, optar por cami-nhar, andar de bicicleta ou utilizar trans-porte pblico ou txi;

    MUDANA DO CLIMA NO PLANETA

    H evidncia e consenso cientfico de que o planeta teve sua temperatura elevada nos ltimos cem anos. Esse fenmeno foi batizado de "efeito estufa". A temperatura mais elevada causa uma srie de impactos ambientais, como o degelo de calotas polares, que causam o aumento do nvel dos oceanos (que podem impactar zonas costeiras). O aumento da temperatura pode ainda alterar os hbitats naturais, causando impactos sobre os ecossistemas e a cadeia da vida nesses lo-

    5 O programa obrigava a no-circulao de 20% da frota de veculos em alguns municpios da Regio Metropolitana de So Paulo.

  • cais. Outros impactos so o aumento dos n-veis de pluviosidade em alguns pontos do pla-neta, e a incidncia de maior seca em outros. O papel do consumidor-cidado preocupado em conter esse problema pode ser variado.

    Algumas dicas para o consumidor cons-ciente :

    Evitar o consumo de combustveis fs-seis em demasia, ou seja, utilizar o transporte individual apenas para o es-tritamente necessrio, buscando-se al-ternativas de transporte como carona, transporte pblico, andar a p;

    Procurar alternativas energticas que no causem a emisso de gases efeito estufa, como a instalao de painis solares para gerao de energia;

    Minimizar o consumo de energia eltrica (principalmente nos pases em que a matriz de gerao de energia baseada na queima de combustveis fsseis, como petrleo ou carvo);

    Promover campanhas de coleta seletivo no local de trabalho, recreio e em casa. A reduo do volume dos lixes pode implicar a reduo da formao do metano, gs de efeito estufa.

    ALTERAO DE HBITATS

    Os seres humanos historicamente tm exer-cido enorme presso sobre a natureza, explo-rando os bens ambientais de forma avassaladora e irracional para a produo de seu bens de consumo. A consequncia disso tem sido a des-truio e a alterao de hbitats naturais. Den-tre as principais atividades destruidoras de hbitats, destacam-se a explorao de madei-ra, minerao, agricultura, pesca marinha, al-terao e canalizao de cursos hdricos, ex-panso de malhas urbanas. Isso tem acarreta-do o declnio de populaes de fauna e flora e o desequilbrio de inmeros ecossistemas.

    Algumas aes tm sido implementadas principalmente por governos e organizaes no-governamentais para reverter, ou ao me-nos minimizar, os danos causados pela ao antrpica sobre a natureza. Essas aes visam conservar hbitats naturais ou recuperar reas degradadas. Isso beneficia no s a fauna e a flora, mas os seres humanos, tambm, que dependem do equilbrio da vida no Planeta para sua prpria sobrevivncia.

    Dentre as aes que podem ser implementadas pelo cidado, empresas ou governos, para reverter esse quadro, sugeri-mos algumas:

    Procurar envolver-se como voluntrio ou profissionalmente com programas de governo ou de organizaes no-go-vernamentais de proteo e conserva-o da biodiversidade;

    Promover tcnicas de agricultura, mi-nerao e utilizao de recursos natu-rais que sejam menos impactantes so-bre o meio ambiente;

    Estabelecer nas propriedades rurais grandes reas de refloresta mento e con-servao da natureza, o que pode be-neficiar a propriedade, pela melhoria da qualidade do solo, gerao de gua, um microclima agradvel, e beneficiar a sociedade como um todo pelo aumento da rea vegetada e preservada, o que repercute sobre vrios aspectos da vida;

    Criao por parte dos governos de uni-dades de conservao pblicas (reas de proteo ambiental);

    Transformar propriedades privadas em reas de preservao permanente (ex.: atravs da criao de um parque parti-cular, que no Brasil recebe o nome de "Reserva Particular do Patrimnio Na-tural" e pode ser criada mediante con-sulta ao IBAMA - Instituto Brasileiro do

  • Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovveis);

    Evitar consumir bens que resultaram de explorao inadequada da natureza, o que pode ser verificado pelos diferentes mtodos de certificao ambiental (ex.: evitar objetos provenientes de animais ameaados de extino, do corte de madeira ilegal ou sem manejo florestal adequado, alimentos gerados atravs de produo com uso intensivo de agrotxicos, etc).

    POLUIO DAS AGUAS

    Diversas so as fontes de poluio que contaminam os recursos hdricos. Os efluentes resultantes de atividades agrcolas, industriais e comerciais, bem como os dejetos gerados pelos seres humanos, tm sido lanados historicamente na vala comum dos rios. Apesar de as leis ambientais de controle da poluio das guas terem evoludo ao longo dos tempos, isso no impediu o lanamento cons-tante de enormes volumes de rejeitos industri-ais, agrcolas e domiciliares nos cursos hdricos, que tiveram sua qualidade de gua comprometida, e usos limitados.

    A gua um recurso fundamental para a subsistncia de todas as formas de vida no planeta. Esse recurso indispensvel vem so-frendo grande presso em vrias partes do mundo, que dever aumentar em funo do crescimento da populao e do aumento da produo agrcola e industrial. So grandes os desafios para o gerenciamento do recurso "gua", que envolve a soluo de problemas como a escassez, degradao da sua quali-dade e alocao adequada do seu uso.

    Os recursos hdricos esto distribudos de for-ma desigual pelo planeta, alguns pases os tm em abundncia, outros so sujeitos escassez. E assustador imaginar, segundo dados da ONU, que

    a metade dos 12.500 quilmetros cbicos de gua doce disponveis no planeta j esto sendo utiliza-dos, considerando-se que a populao mundial dever dobrar nos prximos 50 anos e que na dcada de 90 o nvel de consumo da gua cres-ceu duas vezes mais que o nvel de crescimento da prpria populao. Segundo estudo recente da ONU, intitulado "Comprehensive Assessment of the Freshwater Resources of the World" (Anlise dos Recursos de gua Doce do Mundo), de 1997, cerca de 460 milhes de pessoas, mais de 8% da populao mundial, vivem em pases com sria falta de gua. Outra quarta parte da populao mundial vive em regies que devero sofrerfutura-mente sria falta desse recurso (Hunter; 1998).

    Atualmente, cerca de um quinto da po-pulao mundial no tem acesso gua em condies de potabilidade e um tero da po-pulao mundial no tem acesso ao sanea-mento bsico. A Organizao Mundial de Sade estima que mais de 5 milhes de pes-soas morrem por ano por doenas relacionadas ao consumo de gua no potvel e falta de acesso a saneamento bsico e condies de higiene adequadas. Esses nmeros incluem 3 milhes de crianas que morrem de doenas diarricas, transmissveis pela gua (Watson, 1998).

    O acesso gua doce um dos proble-mas ambientais, econmicos e de sade mais graves que afetam os pases em desenvolvi-mento. A falta de gua e sua poluio causam problemas graves de sade pblica, limitam o desenvolvimento econmico e agrcola e prejudicam os ecossistemas. A manuteno de estoques de gua potvel para consumo humano (na agricultura, nas casas e na indstria) e para o equilbrio dos ecossistemas um desafio crescente para mui-tas sociedades. A alocao dos recursos hdricos para esses diferentes usos tambm tem se tornado bastante complexa. Algumas esti-mativas demonstram que no ano 2025, quando a populao mundial provavelmente ter atingido a cifra de 8 bilhes de pessoas, toda

  • a gua acessvel no mundo para consumo ser necessria para atender s necessidades de produo agrcola, uso domstico e industrial, e para o atendimento das necessidades dos ecossistemas (Watson, 1998).

    O primeiro grande desafio que se coloca para a humanidade a tomada de conscincia de que no existe um suprimento inesgotvel de gua potvel no Planeta. Algumas medidas devem ser promovidas para garantir o suprimento de gua em quantidade e padres aceitveis. O grande desafio da atualidade re-side em reduzir o nvel de degradao da gua, atravs de medidas como conservao, melhoria do saneamento bsico, reduo da utilizao de pesticidas, produo industrial mais limpa e gerenciamento do consumo.

    Algumas medidas citadas pela organiza-o no-governamental "Consumers Interna-tional" 6 sobre esse tema que podem ser pro-movidas pelos consumidores de gua so:

    Instalao de vlvulas hdricas ampla-mente comercializadas no mercado nas casas e locais de trabalho que permitem a economia de gua nas torneiras, chuveiros e descargas;

    Promoo de campanhas para a conscientizao sobre o valor econmi-co e social da gua, estmulo ao seu uso racional e proteo de sua qualidade;

    Fazer campanhas para aprovao de leis de proteo dos recursos hdricos, visando garantia de sua qualidade e quantidade, inclusive atravs do esta-belecimento de valor econmico para o bem "gua" e de sua cobrana;

    Buscar fontes alternativas de gua (ex.: dessalinizao de gua do mar);

    Desenvolver novas tcnicas de econo mia de gua para utilizao na produ o agrcola.

    Outras medidas pertinentes, principalmen-te no caso do Brasil, onde prevalece o equi-vocado conceito de que temos gua em abun-dncia, so:

    Evitar hbitos de lavagem de caladas, quintais, carros, em demasia;

    Buscar deixar a torneira fechada ao escovar os dentes, tomar banho, lavar loua, fazer faxina, lavar roupa, quando no tiver necessidade de deixar gua correndo.

    1.3. QUESTIONAMENTOS PRTICOS PARA O ESTABELECIMENTO DE UMA POSTURA

    CRTICA

    Na prtica, as questes que se colocam para aqueles que pretendem refletir sobre o tema do consumo sustentvel e promover aes no seu cotidiano so inmeras. Algumas questes bsicas que propomos para reflexo so:

    Quais so as necessidades bsicas dos indivduos para que tenham uma vida saudvel e equilibrada?

    Quais so os produtos e servios es-senciais para garantir essa vida saud-vel e equilibrada ?

    Que tipo de consumo se promove da hora em que se levanta at a hora de deitar? (Pensar o ciclo de vida de cada produto utilizado, como o sabonete, a pasta de dente, o fio dental, as roupas, os itens do caf da manh, fonte de energia que permite a utilizao de

    Site: http://www.consumersinternational.org

    http://www.consumersinternational.org/

  • aparelhos eltricas, quantidade e qua-lidade da gua, volume de material des-cartado, etc.)

    Por que tipo de transporte se deve optar para se cobrir as distncias percorridas na execuo de atividades cotidianas, de forma a causar menos agresso qualidade do ar? Que tipo de transporte sustentvel est disponvel em sua cidade ou regio?

    Que tipo de produo agropecuria pode garantir uma alimentao saudvel com o menor nvel possvel de agresso ao meio ambiente?

    Que tipo de produo de artigos de vesturio pode garantir a menor agres-so possvel ao meio ambiente ?

    Que tipo de fonte energtica garante o menor impacto possvel sobre o meio ambiente?

    Como possvel reformular o atual modelo de consumo, cujo padro ideal est baseado nos valores norte-ame-ricanos e europeus propagados pela grande mdia, e adequ-lo s reais ne-cessidades de sobrevivncia e bem-es-tar do brasileiro?

    Quais so as dimenses sociais, cultu-rais e ecolgicas que devem ser consi-deradas pelos setores produtivo, finan-ceiro e comercial, em seus modelos de produo, gesto, financiamento e comercializao?

    Como podemos agir enquanto consu-midores para induzir as empresas a le-varem em conta as dimenses sociais, culturais e ecolgicas no seu modo de produo e gesto?

    Como reduzir o consumo de bens supr-fluos e, consequentemente, o acmulo e descartes excessivos de materiais?

    Como estabelecer uma estratgia

    educativa que promova a nova tica do consumo?

    Como identificar um produto ou servio ambientalmente sustentvel?

    Quais so os atuais fornecedores de produtos ou servios ambientalmente sustentveis em cada regio?

    Essas so questes complexas, cujas res-postas sero encontradas neste texto apenas em parte, dado o aspecto introdutrio do mesmo. Uma boa parte das respostas depende de pesquisa, principalment