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Danilo Marcondes Textos Básicos de Filosofia e História das Ciências A Revolução Científica

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Danilo Marcondes

Textos Básicos de Filosofia e História das Ciências

A Revolução Científica

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Copyright © 2016, Danilo Marcondes

Copyright desta edição © 2016: Jorge Zahar Editor Ltda.

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ou em parte, constitui violação de direitos autorais. (Lei 9.610/98)

Grafia atualizada respeitando o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa

Preparação: Lucas Bandeira de MeloRevisão: Carolina Sampaio, Mônica Surrage

Capa: Miriam LernerImagens da capa: © GoneWithTheWind/Shutterstock.com;

© iStock.com/duncan1890

CIP-Brasil. Catalogação na publicaçãoSindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ

Marcondes, DaniloM321 Textos básicos de filosofia e história das ciências: a revo-

lução científica/Danilo Marcondes. – 1.ed. – Rio de Janeiro: Zahar, 2016.

(Textos básicos)Inclui bibliografiaCronologiaISBN 978-85-378-1523-6

1. Ciências – História. 2. Ciências – Filosofia. 3. Teoria do conhecimento. I. Título. II. Série.

CDD: 50115-28208 CDU: 501

À Maria Inês e ao Danilo.

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Apresentação

A Revolução Científica moderna: seu significado e sua influência

O período de quase um século e meio que vai da publicação de Sobre a revolução dos orbes celestes de Nicolau Copérnico (1543) até os Princí-

pios matemáticos da filosofia natural de Isaac Newton (1687) ficou conheci-do como Revolução Científica e é considerado, juntamente com o humanis-mo renascentista e a Reforma Protestante, um dos principais marcos do início da Modernidade.

O termo “revolução científica” deve-se à profunda transformação ocorri-da em relação ao pensamento da tradição antiga e medieval, uma autêntica reviravolta, principalmente nos campos da física e da astronomia. Mas é so-bretudo enquanto fator determinante do surgimento do pensamento moder-no, numa ruptura com o pensamento escolástico medieval e o pensamento antigo greco-romano, que a Revolução Científica passa a ter uma importân-cia decisiva para além do campo estrito da ciência.

A Revolução Científica significa uma nova forma de conceber não só o cosmo – com a passagem do modelo geocêntrico ptolomaico, que até então vigorava, para o modelo heliocêntrico proposto por Copérnico –, mas princi-palmente uma profunda mudança na própria concepção de ciência herdada da tradição antiga, sobretudo aristotélica. O que se entendia até então como conhecimento transforma-se radicalmente, e os pensadores desse período são levados a rever o que se considerava ciência. Montaigne é um dos primeiros a explicitar diretamente essa questão (na passagem que se encontra reproduzida e comentada neste volume). Trata-se, portanto, de uma autêntica “revolução epistemológica”, uma vez que a concepção de conhecimento científico passa por profundas transformações tanto teóricas quanto metodológicas.

Raramente na história de nossa tradição cultural encontramos um pro-cesso de ruptura tão profundo e uma mudança tão radical na visão de mun-do e no modo de se conceber o conhecimento como o que ocorreu nesse período.

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Compreender o que se passou nesses quase dois séculos tão intensamente

revolucionários permanece um grande desafio para o filósofo e o historiador das

ideias. Homens como Copérnico foram capazes de olhar para a mesma realidade

que até então todos viam e enxergar alguma coisa completamente diferente. E

não se trata apenas de “ver”, mas de conceituar, teorizar, procurar explicações

através de um pensamento altamente inovador.

O químico inglês Robert Boyle já teria usado o termo "revolução científica", ainda

no século XVII, mas é no período contemporâneo que ele efetivamente se consagra

como um conceito-chave da história das ciências. Possivelmente foi o matemático

e astrônomo francês Jean Sylvain Bailly, em sua História da astronomia moderna

(1782), quem primeiro usou essa expressão em sentido próximo do que usamos

hoje, aplicando-a aos séculos XVI e XVII e enfatizando a ruptura entre a Antiguidade

e o pensamento medieval, de um lado, e a Modernidade, de outro.

Hoje em dia, a Revolução Científica moderna tem sido analisada do ponto de

vista da história das ciências, mas também se estudam as questões epistemológicas

– sobre a natureza do conhecimento científico – e metodológicas – sobre o método

científico –, de grande importância para a compreensão do processo que levou à

ciência contemporânea.

Em O novo espírito científico (1934), Gaston Bachelard introduziu a ideia de

“corte epistemológico” para interpretar as mudanças radicais do ponto de vista

da epistemologia e da metodologia científica, como as que ocorreram durante a

Revolução Científica. Esse conceito influenciou o pensamento de Alexandre Koyré

e de Thomas S. Kuhn, que produziram interpretações importantes.1

Avançando a interpretação de Bailly, Koyré empregou a expressão “revolução

científica” no sentido encontrado contemporaneamente na história das ciências.

Mas foi Kuhn, em seu clássico A estrutura das revoluções científicas, quem introdu-

ziu, para definir essa ruptura, a expressão “quebra de paradigma” (paradigm shift),

hoje consagrada.

Contudo, atualmente a interpretação de autores como Kuhn e Koyré começa

a ser questionada e revista por especialistas (por exemplo, Robert Westman em The

Copernican Question, de 2011). A própria expressão “revolução científica” pode

ser criticada por seu caráter muito geral, que simplifica a complexidade de todo

esse processo. No presente livro, procuramos evitar essa simplificação mostrando as

transformações oriundas de diversas áreas e decorrentes da contribuição de diferen-

tes pensadores, com frequência até mesmo em conflito.

1. Em obras como Estudos galileanos (1939) e Do mundo fechado ao universo infinito (1957), de Koyré, e A revolução copernicana (1957) e A estrutura das revoluções científicas (1962), de Kuhn.

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De um ponto de vista histórico, no entanto, as raízes desse processo de transforma-ção no campo do conhecimento remontam à introdução da obra de Aristóteles no Ocidente, a partir do século XIII, o que impulsionou o interesse pela ciência natural. Nos séculos XIV e XV, sobretudo, encontramos uma extensa produção em física, da qual a escola franciscana do Merton College, em Oxford, é um dos melhores exem-plos. Com efeito, a polêmica entre historiadores da ciência continuístas, como A.C. Crombie, e descontinuístas, como Alexandre Koyré, é que os continuístas insistem em enfatizar a dívida da Revolução Científica para com os filósofos medievais, que em vários sentidos teriam sido precursores dos astrônomos, físicos e matemáticos dos séculos XVI e XVII. O físico e historiador da ciência Pierre Duhem, do final do século XIX, foi um dos pioneiros nessa abordagem, que mostra a influência que o pensamento do final da Idade Média teve sobre a ciência moderna, principalmente a ciência natural.

Por exemplo, a contribuição de astrônomos árabes na Península Ibérica, ainda no século XIV, também foi importante, e Copérnico teve conhecimento deles. Nico-lau de Cusa, já no século XV, introduziu a ideia de infinito, também desenvolvida por Giordano Bruno, mas que não foi adotada por Copérnico nem por Galileu Galilei, que mantiveram a concepção de órbitas circulares dos planetas. O astrônomo dina-marquês Tycho Brahe formulou um sistema intermediário entre o geocêntrico e o heliocêntrico, mostrando como rupturas profundas também envolvem pensamentos de transição e soluções de compromisso. Segundo o “sistema ticônico”, a Terra se encontrava no centro do cosmo, com a Lua e o Sol girando em torno dela e os de-mais planetas girando em torno do Sol; esse sistema foi defendido ainda em 1651, quando o jesuíta italiano Giovanni Battista Riccioli publicou seu Almagestum novum.Mas Kepler, que foi discípulo e assistente de Tycho Brahe, não seguiu sua propos-ta, e demonstraria como as órbitas circulares de Copérnico e Galileu deveriam ser descritas como elípticas. O astrônomo inglês Thomas Digges defendeu as ideias de Copérnico, mas questionou a concepção da esfera das estrelas fixas e propôs um espaço infinito, rompendo com elas.

Contudo, mesmo se considerarmos a dívida dos modernos em relação aos me-dievais, principalmente dos séculos XIII e XIV, amplamente demonstrada pelos espe-cialistas nesse período, há um fato histórico que marca a radicalidade da ruptura: a descoberta do Novo Mundo. Não encontramos nenhum vestígio de conhecimento sobre o novo continente na Antiguidade nem na Idade Média, exceto em um senti-do puramente mítico, através de referências a outras terras, como as ilhas afortuna-das e os povos antípodas.

A confluência de três grandes eventos que coincidem temporalmente – as gran-des navegações e a descoberta do Novo Mundo; as transformações na visão de cos-mo inauguradas por Copérnico e desenvolvidas sobretudo por Kepler e Galileu; e a ruptura no interior do cristianismo provocada pela Reforma – levou à reviravolta que

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o historiador inglês Christopher Hill denominou “o mundo de ponta-cabeça” (em-bora referindo-se mais especificamente à guerra civil na Inglaterra no século XVII).

Proponho aqui que, sob muitos aspectos, a Revolução Científica de fato come-ça com os desafios ao conhecimento tradicional lançados pelas grandes navegações, que têm início no século XV, e sobretudo pelo descobrimento do Novo Mundo. Isso pode ser ilustrado na figura de um pensador, Cláudio Ptolomeu (século II). É de Pto-lomeu, no Almagesto, a descrição do cosmo que Copérnico questiona, e é também dele, na sua Geografia, uma imagem da Terra que, após as grandes navegações, teve de ser substituída por uma nova representação, incluindo um novo continente até então inteiramente desconhecido. É, portanto, particularmente relevante que Copérnico se refira ao descobrimento do Novo Mundo.

Pela primeira vez, de forma sistemática e radical a autoridade da tradição e dos grandes sábios da Antiguidade perde a sua credibilidade. O próprio conceito de tradição passa a significar algo conservador, retrógado mesmo, que deve ser aban-donado em favor do novo; isto é, dá lugar ao ideal de progresso em que o novo é visto como superior ao antigo, ao tradicional. Francis Bacon, no Novum organum (cujo título é representativo dessa concepção, pois faz referência direta ao Organon aristotélico), e René Descartes, no prefácio aos Princípios da filosofia, referem-se cri-ticamente a sábios da Antiguidade como Platão e Aristóteles, nada menos. Até o Renascimento ainda prevaleciam teorias oriundas dos filósofos gregos pré-socráticos (século V a.C.), como a teoria dos quatro elementos de Empédocles. Quando Rafael pintou a alegoria da Filosofia, o fez recorrendo à imagem de uma jovem coberta com um manto cujas cores – azul, verde, vermelho e marrom – representam os qua-tro elementos: ar, água, fogo e terra.

Por mais radical que tenha sido a Revolução Científica moderna, qualquer inova-ção só é possível com base em um contexto prévio que prepara o solo para o salto que será dado e permite a afirmação da ruptura com o passado. É significativo que os primeiros responsáveis pela grande ruptura no campo da física e da astronomia, como Copérnico, não a enfatizem tanto, e que essa ênfase venha sim, sobretudo algumas décadas depois, com Descartes, Bacon e Galileu, que em seu Diálogo sobre os dois máximos sistemas coloca em confronto explícito o modelo geocêntrico de Ptolomeu e o heliocêntrico de Copérnico.

“Tradição”, do latim traditio, significa literalmente “transmissão”, continuida-de; transmissio, traductio e translatio são também termos usados nesse sentido no Renascimento. O século XVII verá, ao contrário, uma interrupção dessa transmissão de conhecimentos e valores, levando à necessidade de se criar algo novo, de inovar. Bacon e Descartes propuseram um corte radical, ambos mencionando os erros dos antigos. Platão, por exemplo, no final do Teeteto se refere ao movimento do Sol em torno da Terra. Sabemos que ninguém é capaz de romper totalmente com o passa-

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do, como Hegel nos mostrou ao analisar a formação do pensamento moderno em suas Lições de história da filosofia. Mas o que importa é que esses inauguradores da Modernidade sentiram a necessidade de afirmar essa ruptura e de criar uma nova identidade de pensamento com base nela.

É significativo que expressões como “novo” sejam constantes nesse período, desde a carta Mundus novus, de Américo Vespúcio, até a Scienza nuova, de Gali-leu, passando pela Astronomia nova, de Kepler. Os termos “progresso” e “avanço” (advancement, que aparece no título de uma obra de Bacon2) significam também que o novo deve ser melhor que o velho, o antigo, o tradicional, o qual passa a ser visto como algo a ser superado, ultrapassado. Além disso, o progresso é conside-rado como trazendo necessariamente benefícios, mudanças positivas. No próprio nome da principal instituição científica da época encontramos expressão disso: Royal Society for Improving Natural Knowledge (ao pé da letra, Real Sociedade para o Aprimoramento do Conhecimento Natural).

Mudanças nos vários campos do conhecimento raramente ocorrem de forma isolada. É como se uma mudança incentivasse outra em um contexto em que vários interesses coincidem, em que transformações na própria sociedade criam condições para isso e demandam novos conhecimentos. O abalo produzido por uma teoria em um determinado campo pode abrir caminho para mudanças em outros, sobretudo ao contribuir para questionar as autoridades até então em vigor. Isso fica claro quando se comparam conhecimentos em campos diferentes, porém relacionados, como as invenções técnicas e a observação do céu necessárias para as grandes navegações e, algumas décadas depois, a revolução nos campos da física e da astronomia. Outro exemplo são os estudos sobre anatomia humana empreendidos por Leonardo da Vinci e a obra sobre anatomia de Andreas Vesalius, o primeiro no campo do desenho e da gravura, o segundo na medicina, mas que, se comparados, apresentam relação óbvia. É significativo que a obra de Vesalius tenha sido ricamente ilustrada por gravuras.

Também a importância da metodologia científica até os dias de hoje é em grande parte resultado da influência de pensadores como Bacon e Descartes – que discutem o papel do método em qualquer trabalho científico como um pressupos-to fundamental para garantir o bom resultado da pesquisa e sobretudo legitimá-la

– embora tenha havido precursores importantes dessa discussão no início da Mo-dernidade, como Jacopo Zabarella, cujo tratado De methodis, que mantém uma perspectiva aristotélica, pode ter influenciado Descartes quanto à importância dessa temática, ainda que criticamente.

2. Trata-se de The Two Books on the Proficience and Advancement of Learning (1605), com uma versão posterior em latim, De dignitate et augmentis scientiarum (1623).

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Epistemólogos e historiadores da ciência como Bachelard, Koyré e Kuhn enfatizaram em suas análises sobretudo as grandes mudanças teóricas no campo da física, tal-vez porque nas primeiras décadas do século XX essa ciência estivesse mais uma vez passando por grandes transformações, chamando a atenção de filósofos e cientistas. Quero ressaltar aqui, contudo, a importância de mudanças igualmente radicais no período em outros campos do saber, desde a geografia e a ciência natural, no caso da descoberta do Novo Mundo, até a medicina, e mesmo nas artes plásticas e nos estudos da linguagem.

Sem ser um especialista em epistemologia e filosofia da ciência, foi meu inte-resse na formação do pensamento moderno que serviu de ponto de partida para este trabalho de pesquisa sobre a história da Revolução Científica em suas várias dimensões e sua importância nas transformações do pensamento do período, aqui limitado aos séculos XVI e XVII. A retomada do ceticismo antigo no período moder-no – como mostra Richard H. Popkin em História do Ceticismo de Erasmo a Spinoza (2000) – contribuirá decisivamente para esse processo de crise e ruptura com a tradi-ção. É significativo que Sexto Empírico, a principal fonte do ceticismo antigo, tenha sido traduzido do grego para o latim e publicado em meados do século XVI. Sexto foi autor de obras como Contra os professores (que significativamente inclui “Con-tra os físicos”, referindo-se principalmente à física dos estoicos), em que questionou as pretensões da ciência de sua época. Os céticos valorizavam a experiência como fonte de conhecimento, consideravam que o conhecimento sempre devia ser pensa-do em relação com as circunstâncias e o contexto e defendiam que o conhecimento relatava, quando muito, nossa apreensão dos fenômenos ou das aparências (phai-nomenon era uma noção central nessa discussão).

Pretendi aqui, então, rever e ampliar o conceito de Revolução Científica, incluin-do autores como Montaigne – ele próprio bastante influenciado pelo ceticismo anti-go –, que em princípio não teriam relação direta com o tema por não terem contri-buído para a ciência da época, mas que, como procuro mostrar, levantaram questões filosóficas pertinentes e souberam interpretar de forma mais abrangente o impacto dessas descobertas e das novas teorias no pensamento. Incluí também a medicina, as grandes navegações e as artes plásticas. Nesse período, as áreas do saber não se encontravam ainda demarcadas nitidamente, o que só ocorrerá muito mais tarde, a partir do século XIX principalmente. Leonardo da Vinci, por exemplo, foi artista plástico e engenheiro, e via em ambas as atividades um trabalho da techné (técni-ca). Os astrônomos foram também astrólogos, como Kepler e Newton, que faziam horóscopos. Os químicos, como é o caso de Robert Boyle, começam a se afastar dos alquimistas, embora tivessem grande conhecimento de suas obras, principalmente do célebre Paracelso.

Este livro não é voltado para o especialista, o filósofo e o historiador da ciência, mas para o estudante e o leitor leigo interessados nesses temas. Pretendo que seja

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apenas um ponto de partida e estimule o desenvolvimento desse interesse através de leituras mais aprofundadas de textos especializados.

Procurei me restringir a textos dos séculos XVI e XVII, que é quando a Revolu-ção Científica, nos vários aspectos que levei em consideração, primeiro se formula, causando impacto sobre a tradição, e começa então a se consolidar, até o momento em que se torna aceita, praticamente não havendo mais defensores expressivos da visão tradicional.

Muitos autores importantes daquela época não tiveram suas obras incluídas nesta coletânea. Como exemplos temos o médico e filósofo Francisco Sanches, o matemático jesuíta Clavius, o dominicano Giordano Bruno, o alquimista Jan Baptist van Helmont, o físico e matemático Christiaan Huygens, o grande matemático fran-cês Pierre de Fermat, o filósofo e matemático também francês Blaise Pascal, entre outros. Esses pensadores também trouxeram importantes contribuições, e não fo-ram selecionados apenas pelo critério inevitável do limite de espaço. Mas é preciso enfatizar que faz parte do contexto da Revolução Científica uma enorme diversida-de de pensadores que, em áreas e linhas de pensamento bastante diferentes, contri-buíram para formar esse grande mosaico, a ciência moderna, em seus vários campos do saber.

Há, sobretudo, uma grande diversidade de posições teóricas e de hipóteses científicas, muitas em conflito, que acabam por se combinar para formar concep-ções de ciência que, na verdade, nunca estão prontas e acabadas.

Com frequência, como o leitor poderá observar, os textos selecionados correspon-dem ao prefácio ou à introdução das obras. Isso se dá sobretudo porque, nesse tipo de texto, o autor se preocupa em formular seus objetivos e em assumir sua posição diante da discussão científica da época. Vale a pena notar também como, igualmen-te com frequência, esses textos científicos são dedicados a reis, príncipes e membros da nobreza, uma vez que o patrocínio recebido pelos cientistas era de grande im-portância para financiar suas pesquisas e publicações. Essas dedicatórias indicam a relevância não só do financiamento, mas do apoio político e institucional buscado pelos autores. De um ponto de vista retórico, os textos apresentam as novas teorias quase sempre de forma defensiva, porque levam em conta o quanto se contrapõem à tradição. Os autores argumentam em favor do caráter inovador de suas propostas, mas nem sempre de forma contundente como Galileu e, de certo modo, Vesalius antes dele. Copérnico, por exemplo, é bastante cauteloso. Algumas vezes, como em seu caso, apelam para precursores, como que evitando ressaltar a radicalidade da ruptura. Mas devemos levar em conta que Galileu se encontra quase um século depois de Copérnico e que, então, novas contribuições na física e na astronomia, como as de Kepler e Tycho Brahe, influenciaram significativamente as mudanças e criaram um novo contexto.

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Meu objetivo primordial ao selecionar estes textos que, dentre muitos outros pos-síveis, me pareceram representativos desse momento crucial na história do pensa-mento, foi fazer com que falassem por si mesmos, deixando claros os interesses e as preocupações de seus autores e, sobretudo, seu posicionamento em um dos mais significativos momentos de crise e de conflito na história das ideias.

Após uma breve introdução ao pensamento do autor e à sua contribuição, há uma apresentação da obra que será citada e, então, a passagem selecionada. Se-guem-se uma sugestão de questões e temas para discussão do que foi lido e uma bibliografia específica com itens acessíveis, sempre que possível em língua portu-guesa. A Bibliografia Geral inclui obras que consultei na elaboração deste livro e que podem ser usadas para um aprofundamento na temática.3 A Cronologia ao final visa destacar alguns dos principais marcos da época, ao mesmo tempo ressaltando a coincidência temporal entre eles, mostrando assim como as grandes transformações vão ocorrendo simultaneamente em diversas áreas.

3. Como referência importante, temos atualmente no Brasil vários grupos de pesquisa sobre epistemologia e história das ciências, dentre os quais se destacam os da Universidade de São Paulo, que edita o periódico Scientiae Studia; o da Universidade de Campinas, que edita os Cadernos de Epistemologia e História das Ciências; o da Universidade Federal do Paraná; o da Universidade Federal da Bahia, com um programa inter- disciplinar de pós-graduação; o da Coppe, da Universidade Federal do Rio de Janeiro; além de alguns mais recentes, como o da Universidade Federal do ABC.

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AS GRANDES NAVEGAÇÕES

O marco fundador do evento histórico que chamamos de “descobrimento do Novo Mundo” é a chegada de Cristóvão Colombo ao Caribe em 12

de outubro de 1492, navegando sob a bandeira da coroa de Espanha. O feito de Colombo era inédito: a travessia do oceano Atlântico em 33 dias, em dire-ção ao Ocidente, buscando o caminho para o Oriente e suas preciosas especia-rias, metais, seda. Possivelmente navegadores e exploradores nórdicos haviam chegado antes ao norte do continente através da Groenlândia. Mas o que de-nominamos “descobrimento” resulta sobretudo do reconhecimento político e histórico do feito de Colombo, ao longo das décadas seguintes, como algo sem precedentes. Nas palavras do cronista espanhol Francisco López de Gómara em sua História geral das Índias Ocidentais, de 1555, trata-se do “maior evento desde a criação do mundo, excluindo a encarnação daquele que o criou”.

O descobrimento do Novo Mundo pelos europeus contribuiu decisiva-mente para o descrédito e a perda de autoridade da ciência antiga cinquenta anos antes do questionamento da cosmologia ptolomaica por Copérnico. Se-gundo o cronista Pedro Mártir (em De orbe novo, de 1516), “Deus deu aos cristãos a graça de circundar a Terra além do que Ptolomeu e os historiógra-fos conheciam”. Isso revelou o caráter errôneo da geografia antiga, da visão de mundo da tradição, que desconhecia a verdadeira dimensão da Terra e os novos territórios. A ideia de novo mundo precede, assim, a da ciência nova (termo efetivamente empregado por Galileu).

Foi preciso desenvolver uma “ciência do novo mundo”, um conjunto de conhecimentos possíveis apenas a partir da experiência, sobre a geografia, a flora, a fauna e os povos dessas terras até então ignoradas pelo Ocidente europeu, de modo a não só incorporá-las politicamente, mas também incluí- las na tradição científica e cultural europeia. Torná-las assim parte do que se denominava então cristandade e que passou a ser chamado civilização oci-dental. Esse foi um longo processo, talvez ainda hoje não concluído.

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Desde o início, o método analógico de conhecimento, inspirado em Aristóteles – em que se conhece o novo por analogia, ou comparação, com o já conhecido –, revelou-se insatisfatório. Havia muitas características da flora, da fauna e dos povos do novo continente que não pareciam ter termo de comparação com o que se conhecia no continente europeu. Foi necessário recorrer portanto à construção empírica dessa nova ciência. Não era apenas uma questão de incluir a nova realidade em um corpo de conhecimentos estabelecidos, que se alteraria profundamente com a inserção de novas espécies, levando à revisão de categorias e princípios classificatórios tradicionais. Tratava-se efetivamente de uma questão de sobrevivência para os conquistadores e os colonizadores, que precisavam distinguir plantas comestíveis de venenosas, animais selvagens de animais domesticáveis, e sobretudo se comunicar com os povos que en-contraram nas terras das quais queriam tomar posse.

A primeira obra científica sobre o novo continente foi do jesuíta espanhol José de Acosta, História natural e moral das Índias, publicada em 1590, inspirada na História natural de Plínio, publicada em Roma no século I. (O texto de López de Gómara a que nos referimos acima o antecede, mas não chega a ter uma elaboração comparável. O mesmo pode ser dito da Historia general y natural de las Indias, do espanhol Gonzalo Fernández de Oviedo, de 1535, e das Singularités de la France Antartique, do francês André Thevet, que esteve na baía de Guanabara com Villegagnon em 1555.)

Em um texto já clássico sobre a descoberta do Novo Mundo (A conquista da Amé-rica, de 1982), Tzvetan Todorov a interpreta como “a descoberta do outro”, devido a seu impacto sobre o pensamento europeu da época e ao abalo que causa na imagem tradicional da unidade da natureza humana no pensamento filosófico e teológico de então. Mas que relevância esse evento histórico e toda a imensa lite-ratura que gerou podem ter para a formação da filosofia moderna? À primeira vis-ta parece surpreendente que a história da filosofia, inclusive contemporaneamente, não tenha dado nenhum sentido especial à descoberta do Novo Mundo, nem tenha se preocupado em interpretá-la como parte da formação e do desenvolvimento do pensamento moderno.

O impacto dessa descoberta não se deu, contudo, de imediato. Foi apenas pro-gressivamente que se formou e consolidou uma interpretação desse acontecimento. O mundo europeu era naquele período, o início da Modernidade, ainda centrado no Mediterrâneo e em sua própria realidade política e geográfica, o que de certa forma era inevitável. Mesmo os pensadores que se consideravam universalistas ti-nham essencialmente uma visão eurocêntrica da realidade, com pouca ou nenhuma consciência de que esta não era a única. Raras foram as exceções a essa visão, que de certa forma perdurou até o Iluminismo do século XVIII, embora encontremos relatos e narrativas de viagens ao Oriente, ainda que fantasiosos, como os de Marco Polo (século XIII) e sir John Mandeville (século XIV), ambos conhecidos por Colombo.

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As grandes navegações 19

As navegações e o descobrimento progressivo do novo continente produziram um expressivo conjunto de textos agrupado por vezes como “literatura das navega-ções”, quase como se esse fosse um gênero discursivo próprio, embora na verdade se manifeste através de diferentes formas, do poema ao tratado científico, passando pelas crônicas e pelas cartas.

Foram esses relatos de navegadores, conquistadores e até mesmo de cronistas que jamais haviam posto os pés no Novo Mundo que ao longo das primeiras déca-das do século XVI geraram e fixaram o que denominamos de “as primeiras imagens do Novo Mundo”, com significativo impacto sobre a Europa.

A primeira consequência das navegações foi a necessidade de alterar a própria concepção da Terra que se tinha desde a Antiguidade como o “mundo habitado”, a oikoumene, e mesmo a imago mundi, a “imagem do mundo”, título de uma obra de 1410 do cardeal Pierre d’Ailly que já questionava a visão tradicional. Foi neces-sário rever a dimensão da Terra, redesenhar a cartografia então em vigor, originária ainda em grande parte do tratado de geografia de Cláudio Ptolomeu. Para isso foi crucial a viagem de circum-navegação do globo terrestre empreendida em 1519 por Fernão de Magalhães. Um dos sobreviventes dessa expedição, o veneziano Antonio Pigafetta, publicou em 1525 partes de um relato da viagem intitulado Relatório da primeira viagem em torno da Terra.

As navegações, iniciadas pelos portugueses no século XV pela costa da África e levadas adiante depois por italianos, espanhóis, franceses e ingleses, trouxeram grandes desafios técnicos. A necessidade de orientação em mares desconhecidos, de observação dos astros, de cálculo das distâncias, do aperfeiçoamento de instru-mentos como o astrolábio, do desenho de mapas e portulanos, revolucionando a cartografia tradicional, contribuíram para o desenvolvimento de uma verdadeira ciência nova, de um saber baseado na experiência. Os portulanos, mapas que des-creviam os contornos da costa, com suas baías, correntes favoráveis e desfavoráveis, recifes e outros acidentes geográficos, eram preciosidades guardadas a sete chaves porque abriam o caminho para outros navegadores. Como disse o navegador espa-nhol Pedro de Medina em seu manual Arte de navegar, “no mar não há caminhos”, e foi preciso toda uma nova técnica para criá-los. A arte da navegação tornou-se estratégica para a expansão territorial das potências europeias da época e precedeu em várias décadas a revolução científica na física e na astronomia. Embora nem sem-pre seu significado e sua relevância tenham sido reconhecidos pelos historiadores da ciência contemporâneos, ela pode ser considerada um primeiro passo fundamental da “Revolução Científica moderna”.1

1. David W. Waters, “Science and the techniques of navigation”, in Charles S. Singleton (org.). Arts, Science and History in the Renaissance. Baltimore, Johns Hopkins University Press, 1967, p.189-237; e Daniel Banes,

“The Portuguese voyages of Discovery and the emergence of modern science”, Journal of the Washington Academy of Sciences, 28, 1988, p.47-58.

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É particularmente significativo, contudo, que em Sobre a revolução dos orbes celestes Copérnico tenha se referido ao impacto do descobrimento da América so-bre a visão que se tinha até então da Terra e sobre a necessidade de reformulá-la.

MUNDUS NOVUSA descoberta do Novo Mundo

Dentre os textos sobre as navegações e os descobrimentos, teve especial re-levância, dada sua ampla difusão, a carta Mundus novus, do florentino Amé-rico Vespúcio, dirigida a Lorenzo di Pietro de Medici, legado de Florença na corte da França, em 1502, pouco mais de uma década após a viagem de Colombo. A carta teve várias edições e logo após sua publicação, em 1504, foi traduzida para o latim e para várias outras línguas europeias, contribuindo assim para o impacto das novas descobertas no pensamento e principalmen-te no imaginário europeu.

Américo Vespúcio, ou Amerigo Vespucci, nascido em Florença em 1454, ligado a uma família de comerciantes, viveu em Portugal e Espanha, vindo a falecer em Sevilha em 1512. Teria empreendido quatro viagens ao novo continente, embora seus relatos sejam considerados imprecisos. Cinco car-tas são atribuídas a Vespúcio, mas até hoje há debate a respeito da autenti-cidade delas, principalmente da Carta a Soderini (1504), que relata as quatro viagens.

A carta Mundus novus relata a viagem empreendida em 1501 e 1502 ao Novo Mundo, que receberá o nome “América” em um mapa do alemão Martin Waldseemüller em reconhecimento ao papel de Vespúcio nas navega-ções e no testemunho das descobertas. Alguns contemporâneos e historiado-res posteriores criticaram-no sobretudo porque, com isso, seu protagonismo parece maior do que o do próprio Colombo. Contudo, esta carta, que che-gou a ser considerada apócrifa, teve um papel fundamental no entendimen-to do significado das navegações, das descobertas das novas terras e dos desafios e dificuldades envolvidos nesse processo.

É importante notar como o autor acentua o contraste com a Europa ao se referir à diversidade e à abundância da natureza daquela terra desconhe-cida. O mesmo se dá no exame do céu e no relato das observações e do cál-culo da posição das estrelas, um ponto importante para o desenvolvimento posterior da astronomia durante a Revolução Científica.

Também merecem destaque passagens como “regiões [que] podemos chamar de novo mundo, uma vez que nossos antepassados não tinham ne-

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nhum conhecimento sobre elas”, que enfatizam a ruptura com o passado. Uma postura de questionamento da tradição que encontraremos em Copér-nico, Vesalius, Descartes e Bacon.

Américo Vespúcio apresenta seus melhores cumprimentos a Lorenzo di Pietro di Medici.

Em uma ocasião anterior vos escrevi de uma maneira mais extensa sobre meu retorno daquelas novas regiões que descobrimos e exploramos com nos-sa frota sob o patrocínio e as ordens do Sereníssimo Rei de Portugal. E a elas podemos realmente chamar de um novo mundo, uma vez que nossos antepassados não tinham nenhum conhecimento sobre elas e este será um assunto totalmente novo para todos aqueles que dele tomarem conhecimen-to. Porque isso transcende a concepção de nossos ancestrais, que em sua maioria achavam que não havia nenhum continente ao sul do Equador, mas apenas o mar que denominavam Atlântico; e, se alguns dentre eles chegaram a afirmar que havia um continente, por outro lado negaram com argumentos abundantes que fosse uma terra habitável. Mas minha última viagem tornou evidente que essa doutrina é falsa e totalmente oposta à verdade, pois nessa região ao sul encontrei um continente mais densamente habitado e abun-dante em animais do que a Europa, a Ásia e a África, e além disso encontrei também um clima mais ameno e agradável do que em qualquer outra região conhecida por nós, como vós vereis no relato em que apresentarei, de for-ma sucinta, apenas as questões mais importantes e as coisas mais dignas de recordação e de comentário vistas ou ouvidas por mim nesse novo mundo, como podereis confirmar a seguir.

…Se eu tentasse contar em detalhe as coisas que havia e escrever sobre as

numerosas espécies de animais que encontrei e o grande número deles, isso seria por demais vasto e prolixo. E realmente creio que nosso Plínio não che-gou a mencionar nem a milésima parte das espécies de papagaios e outros pássaros e animais que existem nessas regiões, de formas e cores tão diversas que Policleto, o mestre da pintura, não teria sido capaz de pintá-los.

…O céu é adornado com as mais belas constelações e formas, dentre as

quais notei cerca de vinte estrelas tão brilhantes quanto Vênus e Júpiter. Exa-minei os movimentos e órbitas delas, medi suas circunferências e diâmetros pelo método geométrico, e concluí que são de grande magnitude. Vi nos céus três estrelas Canopos, duas muito brilhantes e uma mais pálida. O polo an-tártico não é representado pela Ursa Maior e pela Menor como nosso polo

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ártico, tampouco há uma estrela brilhante por perto dele, e entre aquelas que se movem próximas a ele no menor circuito há três que formam um triângulo ortogonal, sendo que a metade da circunferência, o diâmetro, consiste em 9 graus e meio.

…Observei muitas outras belas estrelas, cujos movimentos anotei diligen-

temente e descrevi lindamente com diagramas em um pequeno livro tratan-do dessa viagem. Mas atualmente esse livro está com o Sereníssimo Rei de Portugal, que espero que o devolva. Naquele hemisfério vi coisas incompatí-veis com as opiniões dos filósofos.

QUESTÕES E TEMAS PARA DISCUSSÃO

1. Qual a importância das navegações e do descobrimento do Novo Mundo para a formação do pensamento moderno?

2. Em que sentido esse processo tem um papel relevante do ponto de vista da Revolução Científica?

3. Qual a importância da carta Mundus novus, de Américo Vespúcio?4. Que pontos podem ser destacados no relato de Américo Vespúcio quanto

à produção de um novo saber sobre a nova realidade até então desconhe-cida do mundo europeu?

5. Que desafios para o conhecimento foram trazidos pelas navegações e pela descoberta do Novo Mundo?

LEITURAS SUGERIDAS

Vespúcio, Américo. Novo Mundo: as cartas que batizaram a América. Introd. e notas de Eduardo Bueno. São Paulo, Planeta, 2003.

____. The “Mundus novus”, in https://archive.org/stream/vespuccireprints05-prinuoft/vespuccireprints05prinuoft_djvu.txt

Fernández-Armesto, Felipe. Américo: o homem que deu seu nome ao conti-nente. São Paulo, Companhia das Letras, 2011.