texto sobre arquitetura

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A Formao do Arquiteto e a UniversidadeJaime Gonalves de Almeida Universidade de Braslia (UnB)

No pretendia concorrer e, na verdade, no concorro; apenas me desvencilho de uma soluo possvel, que no foi procurada, mas surgiu, por assim dizer, j pronta. LCIO COSTA. Relatrio do Plano Piloto de Braslia.

Analisa as relaes entre a formao do arquiteto e a universidade sob o ponto de vista do ensino de arquitetura. O artigo argumenta em favor da insero desse ensino no contexto universitrio (disciplinas universitrias afins). A escola, ou Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Braslia (FAU/ UnB) o principal objeto de anlise. O artigo aponta, como um srio obstculo ao intercmbio acadmico, a forma como o ensino de projeto ministrado. A anlise compara duas concepes existentes sobre esse ensino, uma denominada disciplinar e outra universitria. O mtodo de ensino de projeto correspondente disciplinar denominado de programa-projeto ou anlise-sntese, e o segundo, de projeto conceituai. Para o primeiro, a universidade um ambiente neutro; para o segundo, uma necessidade. O artigo argumenta em favor da insero da arquitetura na universidade. Dois aspectos interdependentes so enfatizados: a formao intelectual e investigativa (pesquisa) dos estudantes.

Introduo Um dos importantes aspectos do ensino da arquitetura o relacionamento entre a formao profissional e a formao universitria do estudante.' Entretanto, as escolas de arquitetura,2 inseridas na universidade, tendem a concentrar seus esforos na preparao profissional dos seus estudantes em detrimento da sua formao universitria. Os laos entre o ensino de Arquitetura e o contexto universitrio, desde a reforma universitria dos anos 60, com a criao da escola de Arquitetura da Universidade de Braslia (UnB), tm sido enfraquecidos. O argumento corrente defende o alinhamento do currculo do curso de Arquitetura suposta demanda do mercado profissional por arquiteto com maior qualificao tcnica (arquiteto projetista). desejvel uma formao equilibrada do arquiteto, ao invs da sua concentrao unicamente nas disciplinas especficas da rea. Entre elas, o ensino de projeto arquitetnico uma das atividades essenciais insero do ensino de Arquitetura na organizao universitria. Afora a sua especificidade, por exemplo, a representao por meio de desenhos, a elaborao de projeto em Arquitetura contm procedimentos comuns a outras reas acadmicas. Entre elas, encontram-se as engenharias, a administrao e a economia. O projeto no ensino da Arquitetura uma etapa de sntese. Ele atua pedagogicamente no desenvolvimento dessa capacidade de sntese na formao do estudante. O ensino de projeto usualmente dividido em duas principais etapas, a anlise de informaes e a espacializao. Esta ltima se subdivide em estudo preliminar, anteprojeto e projeto executivo.1

2

Por formao profissional do arquiteto, entende-se aquela onde a unidade de ensino da arquitetura (departamento, escola ou (acuidade) supre as suas prprias necessidades de disciplinas que compem o currculo do curso. Sua nfase no preparo e treinamento profissional do estudante. Visa ao exerccio profissional, isto , ao desenvolvimento da capacidade do estudante em resolver proble mas utilizando-se de conhecimento especfico (instrumental tcnico) restrito rea disciplinar. Por formao universitria do estudante de arquitetura, entende-se seu treinamento intelectual e sua insero na cultura organizacional ou universitria. Essa insero do estudante de arquitetura na universidade implica trs tipos de formao. O primeiro comprende a capacidade de falar diversas linguagens existentes na universidade. Esta uma das condies da interdependncia acadmica. O segundo, o preparo intelectual e em pesquisa dos estudantes de arquitetura. O terceiro, a cultural. O termo "escola", particularmente 'escola de arquitetura", usado genericamente, podendo signi ficar faculdade, instituto ou departamento.

A etapa analtica do projeto importante por ser um dos pontos de partida para a elaborao daquele. Ela envolve o exame de aspectos comportamentais e, tambm, de solicitaes de ordem fsica das pessoas e das instituies a que o projeto se destina. Tais informaes, na sua totalidade, so geradas em outros ramos do ensino universitrio no vinculados ao ensino de arquitetura. A anlise dessas informaes para elaborar o projeto requer do estudante de arquitetura duas aes. Uma a obteno ou seleo da informao e, a outra, a interpretao. Em ambas, a interdependncia acadmica inevitvel.3 Os tipos mais comuns de obteno de informaes, envolvendo reas de ensino universitrio, so o contato direto (entre as pessoas) e o indireto (por exemplo, a consulta bibliogrfica). Na atual estrutura organizacional da universidade, o contato direto entre as reas acadmicas ou entre as pessoas pertencentes a elas pode ocorrer por meio das atividades formais. Um exemplo a disciplina Ergonomia, pertencente ao Departamento de Psicologia, que poder ser cursada pelos estudantes de arquitetura como uma disciplina optativa Do ponto de vista do contato indireto, o relacionamento poder ocorrer atravs dos equipamentos universitrios, como a biblio-teca central. O relacionamento existente do curso de Arquitetura com as demais unidades universitrias ocorre, mediante a oferta de algumas disciplinas, por imposio curricular (por exemplo, Matemtica e Estatstica). Quanto ao relacionamento indireto, este acontece, por exemplo, na elaborao do projeto arquitetnico (disciplinas de ateli). Na montagem do programa de necessidades, os estudantes buscam informaes de diversas naturezas (sociais, tcnicas, etc). Consultam professores de outras reas e material bibliogrfico (textos universitrios, livros, etc). Outras informaes para o projeto, tais como as relativas ao repertrio tipolgico (modelos de edificaes e solues construtivas entre outras), provm na sua maioria do mercado profissional da produo da arquitetura. So elas veiculadas nas revistas, exposies, palestras e noutros eventos de arquitetura.3

Jos Arthur Gianotli tem razo quando defende a palavra "interdependncia" em lugar de "integrao". A primeira traduz melhor o ambiente universitrio onde h conflitos entre as diversas unidades acadmicas (ver "O pensamento cientfico integrado". Opinio, 9/7/1976).

A universidade, entretanto, pouco ou quase nada explorada. Algumas dificuldades, em relao ao aproveitamento das informaes acadmicas (fruto de pesquisas, estudos, seminrios e outras atividades) pelo estudante de arquitetura, so evidentes. No fcil a interpretao de informaes acadmicas quanto forma de aproveitamento destas na organizao do programa e na elaborao do projeto. Soma-se a esse quadro o nvel de complexidade e especificidade, em termos de processo de trabalho e enfoque, das reas acadmicas e, em particular, das afins do ensino da arquitetura. Essas reas tm oferecido disciplinas nunca dantes cogitadas, tanto no ensino universitrio quanto no currculo acadmico do arquiteto. Por isso, o estudante de arquitetura defronta-se com disciplinas tais como: a Antropologia da Arte, a Percepo, a Morfologia Geomtrica, a Cincia do Desenho dos Objetos, entre outras. A principal caracterstica desse processo a variedade de enfoque (oferta de disciplinas por diferentes reas de ensino) de assuntos de interesse do estudante de arquitetura. A limitao do acesso desse estudante a tal oferta uma das questes que afetam negativamente o ensino de arquitetura. O aproveitamento de informaes geradas numa rea acadmica para outra (nesse caso, pelos estudantes de arquitetura) no um processo imediato. Em primeiro lugar, sua utilizao em projeto demanda certo manuseio, seleo (como e onde usar) e, principalmente, interpretao (saber da importncia). Em segundo, compatibilidade de processo de trabalho entre ambas as reas envolvidas no relacionamento acadmico. Nesse sentido, importante considerar a pedagogia do ensino de arquitetura. Este trabalho, com base no ensino de projeto, analisa a insero do ensino de arquitetura no contexto universitrio (reas acadmicas afins). A anlise compara dois pontos de vista sobre a formao do arquiteto. O primeiro denominado de disciplinar e o segundo, de universitrio ou da formao do arquiteto. Cada um deles interpreta, a seu modo, o papel da universidade no curso de Arquitetura. O primeiro modelo de ensino concentra-se nos aspectos pragmticos da formao do arquiteto (instrumentao tcnica, por exemplo). Sua principal caracterstica a nfase na preparao profissional.

O segundo modelo insiste no envolvimento interdisciplinar do ensino de arquitetura com o ensino universitrio. Ele evidencia a formao universitria do estudante de arquitetura. Este trabalho est organizado em trs partes. A primeira contm a discusso de dois pontos de vista sobre o ensino da arquitetura. Ela se subdivide em duas sees: a) A formao disciplinar do arquiteto e b) A formao universitria do arquiteto. A segunda parte discute os obstculos existentes insero acadmica do ensino de arquitetura na universidade. A terceira parte contm a concluso, apresenta um quadro sumrio dos problemas que afetam o ensino de arquitetura e sugere medidas para fortalecer o relacionamento desse ensino com a universidade. Anlise da formao profissional e universitria do arquitetoA FORMAO DISCIPLINAR DO ARQUITETO

Um ensino de arquitetura com pretenso disciplinar um ensino pragmtico. Preocupa-se essencialmente com a transmisso de informaes, regras de composio do projeto, relativas s suas tipologias especficas e s matrias de apoio tcnico. A orientao principal dessa viso de ensino o exerccio profissional. Sua fonte de inspirao so os modelos organizacionais, ou os padres de projeto, provenientes da prtica profissional da arquitetura. Tudo indica que as disciplinas universitrias afins da arquitetura, como Artes ou as Cincias Sociais, desempenham um papel secundrio nesse tipo de ensino. Elas so consideradas, respectivamente, meio de treinamento da capacidade de desenho e fonte de informao para a elaborao de programas. Vitruvius (1960) , talvez, o primeiro a enfatizar esse ponto de vista Ele assinala que "o arquiteto deveria ser instrumentado com conhecimento de vrios ramos de estudo e tipos de aprendizagem". As principais disciplinas integrantes da elaborao da arquitetura, segundo ele, so: Desenho, Histria, Filosofia, Msica ou Matemtica, Medicina, Direito e Astronomia Ele afirma que o nvel de conhecimento dessas disciplinas para o arquiteto no deveria ser nem profundo (conhecimento extensivo) nem superficial. O objetivo de tais discipli-

nas tornar o arquiteto ciente dos conhecimentos primrios de projeto. Isso pode ser traduzido como informaes para o projeto (programa de necessidades) e regras especficas (procedimentos normativos) para a elaborao do mesmo. A Msica constitui a fonte inspiradora do sistema de proporcionalidade geomtrica, sendo a arquitetura clssica grega o seu modelo real. Vitruvius destaca trs critrios (construo, utilidade e beleza) para a elaborao do projeto arquitetnico. Entre eles, a composio formal do desenho, a aparncia visual ou beleza uma das mais importantes atividades do arquiteto. Isso justificado por ele por intermdio da teoria das propores matemticas. Adicionalmente, certas propriedades, como, tamanho, tenso e tonalidade das cordas dos instrumentos musicais foram arroladas como demonstrao prtica daquelas regras. Vitruvius advoga critrios de projeto tais como: o ordenamento e a simetria; a organizao dos planos e fachadas; a harmonia (relao entre a altura do edifcio com a sua profundidade); a adequao de estilo e dos materiais empregados e a sua implantao no terreno ou stio. Em Vitruvius, o ideal da beleza formal pode ser traduzido em ordenamento, ou ordem, proporo, ou relao, e abstrao, ou razo. Em outras palavras, beleza significa composio derivada de regras racionais de desenho. A forma o principal veculo de expresso visual da beleza. Ruskin (1956, p. 126-127) observa que tanto a proporo quanto a abstrao "so as duas especiais distines do desenho arquitetural de todos os outros desenhos". Para ele, "a composio [um ato de] organizar coisas desiguais, e a primeira coisa a ser feita ao iniciar uma composio determinar qual a principal coisa". A regra essencial da composio de no mnimo trs elementos, segundo o autor, e compreende o relacionamento entre a simetria, empregada no plano horizontal, e a proporo, no vertical. Ruskin justifica o emprego dessas regras, por meio de uma analogia com a organizao da natureza,4 e afirma que a beleza formal nasce a partir de um processo de reproduo (arte) e de abstrao (analogia) das formas orgnicas naturais.4

Natureza significa a exterioridade em oposio interioridade, isto , conscincia.

Figura 1 - Modelo de um projeto por Andra PalladioFonte: PALLADIO. Andra. The four books of architecture. New York : Dover Publications, 1965. p xiii.

A vinculao do ensino de arquitetura faculdade de belas-artes parece ter contribudo para uma diferente funo da arte nesse ensino. As artes plsticas (por exemplo, a pintura e a escultura) deixaram de ser uma rea de ensino complementar para se tornar central na formao do arquiteto. No Rio de Janeiro, na dcada de 30, durante a reforma do ensino de Arquitetura, Lcio Costa (1962) assinalava que a arquitetura "fundamentalmente, artes plsticas". A inteno plstica desempenha na elaborao do projeto um papel central. No menos importantes para Lcio Costa so as disciplinas tecnolgicas como, na rea da Engenharia Civil, a disciplina de Construo. Lcio Costa defendia um currculo para o ensino de arquitetura com disciplinas de formao plstica e tcnico-cientfica. Para ele, as artes ocupavam um lugar central entre as disciplinas da formao do arquiteto. Nesse sentido, ele advogava a convivncia do estudante de arquitetura com pintores e escultores. A opinio corrente, entre os arquitetos, que h diferenas substanciais entre o ensino de arquitetura vinculado faculdade de belas-artes e politcnica (engenharia civil). Fundamentado nessa premissa, fala-se da suposta oposio entre o conhecimento artstico (nfase na chamada sensibilidade) do primeiro e o cientfico (nfase na chamada racionalidade) do segundo. Ora, tal diviso insustentvel de um ponto de vista menos restrito. Para Schiller (1985, p. 123) a funo da beleza no limitada a uma especfica potencialidade humana, seja ela a sensitiva ou a racional. A beleza unifica as "duas opostas situaes, o sentimento e o pensamento; embora entre elas no haja absolutamente meio termo". A questo levantada por Lcio Costa (relacionamento entre a dimenso plstica, tcnica e cientfica do ensino de arquitetura) adquire outra dimenso quando considerada a instituio universidade.5 Nessa instituio, a antiga dicotomia (entre o ensino de arquitetura na faculdade de belas artes e na politcnica) perde sentido. A diversidade de ramos de ensino da instituio amplia o horizonte do estudante de arquitetura.5

A universidade considerada uma organizao social formada por vrias reas interdependentes do conhecimento. Seu principal propsito o ensino, a pesquisa e a extenso; possui estrutura fsica (territrio e edificaes) e organizacional, regida por normas como, por exemplo, estatutos e regimentos.

Assim, esse curso tem maiores possibilidades de estabelecer novas parcerias, e o ensino de projeto adquire novas dimenses. Quanto parte analtica, pode ser enriquecida, pois ao invs de preparar a sntese ela pode funcionar como elemento verificador da hiptese lanada (projeto). Nesse sentido, a anlise testa o projeto sob o ponto de vista dos requisitos funcionais e ambientais, entre outros. Outra implicao compreende a mudana do significado de projeto. Enquanto conceito, amparado por uma teoria, o projeto uma suposio ou resposta a um determinado contexto (econmico, ambiental ou cultural), a um tema (ou mote) e a dadas condies tcnicas. Um dos requerimentos para a conceituao o preparo intelectual. Essa preparao terica do arquiteto pode ser viabilizada na universidade, uma vez que nela h uma multiplicidade de disciplinas acadmicas de formao geral e de interesses especficos. O campus universitrio favorece o acesso fsico atais facilidades, pois as distncias so minimizadas devido concentrao dos edifcios num nico territrio. O custo financeiro de utilizao desses recursos pelo ensino de arquitetura mnimo. Entre as caractersticas de um currculo voltado para o ensino essencialmente disciplinar esto a especializao (concentrao de crditos ou disciplinas na prpria rea) e a sobrecarga curricular (nmero exagerado de crditos). O argumento este: quanto mais atividades e disciplinas prprias melhor ser a preparao do profissional. Um exemplo disso a disciplina sobre o conforto das edificaes (Conforto Ambiental, matria anteriormente estudada na disciplina de Higiene das Construes). Atualmente, ela est desmembrada em pelo menos trs disciplinas especficas: Conforto Trmico, Acstico e Luminoso. Tal desmembramento produz, em regra geral, a ampliao dos crditos do curso. O custo disso , por um lado, a supresso de crditos externos (disciplinas no administradas pelo prprio curso). Por outro lado, o aumento da carga horria dos estudantes na sua rea de estudos pode dificultar a sua integrao com os demais estudantes universitrios (estudantes pertencentes a outros cursos universitrios). Adicionalmente, a falta

de tempo pode limitar a participao dos estudantes em eventos culturais fora do mbito da escola e da universidade. O argumento em prol da exclusividade do ensino de arquitetura na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da UnB fundamenta-se em dois aspectos acadmicos. Um deles diz respeito definio ou afirmao da arquitetura como rea especfica dentro da universidade e o outro, ao limitado contedo e tipo de disciplina oferecida pela universidade arquitetura. Segundo esse argumento, o estudante estar melhor qualificado para exercer suas atribuies profissionais se for preparado principalmente por arquitetos. Em primeiro lugar, a participao de outros profissionais (artistas, acadmicos, etc.) na formao do arquiteto no exclui necessariamente os profissionais de arquitetura. Em segundo lugar, a afirmao de uma rea de estudos dentro da universidade no feita no isolamento. Neste aspecto, o intercmbio de experincia e atividades com os setores afins e, principalmente, com os de maior tradio de vida acadmica, uma necessidade. O argumento prossegue afirmando que as disciplinas introdutrias oferecidas por outras unidades de ensino arquitetura despertam pouco interesse dos estudantes. Esse parece ser o caso das disciplinas oferecidas, por exemplo, pelos Departamentos de Fsica e de Matemtica. Esses departamentos oferecem aos estudantes do bsico em geral, inclusive estudantes de cincias humanas e de arquitetura, disciplinas tais como Introduo Fsica e Clculo 1. Neste tipo de oferta h problemas. Essas disciplinas so um encargo a mais para esses departamentos. Os professores responsveis por elas so obrigados, por uma contingncia institucional, a ministrar disciplinas para estudantes fora de sua rea. O desempenho dos estudantes, em geral, no agradava a esses departamentos. Isso repercute negativamente para o relacionamento acadmico entre os cursos universitrios. Um agravante disso a falta de mecanismos de administrao de problemas dessa natureza no nvel das reas envolvidas. No h, tambm, investimento de esforos a fim de tornar essas ofertas de disciplinas mais teis e atrativas clientela. obvio que disciplinas dessa ordem tm uma funo pragmtica. Elas cumprem exi-

gncia curricular e nada alm, pois visam sobretudo transmitir, na forma mais elementar possvel, os contedos necessrios para que os estudantes possam cumprir seus programas de curso. Essas disciplinas na sua totalidade so prrequisitos de outras disciplinas obrigatrias. Os departamentos que as oferecem no se sentem estimulados na transmisso do que h de mais novo na sua rea. As noes essenciais de teoria da rea so abreviadas. Por exemplo, os estudantes de Arquitetura vo ao Departamento de Matemtica no para resolver um determinado problema espacial de um dado programa ou projeto. Eles buscam obter crditos necessrios para cursar outras disciplinas de sua rea como: Estruturas Arquitetnicas e Conforto Ambiental, que tm como pr-requisito Clculo e Introduo Fsica, respectivamente. Existe, ento, uma vinculao curricular e pragmtica entre disciplinas e no entre reas do conhecimento.A FORMAO UNIVERSITRIA DO ARQUITETO

O segundo ponto de vista do ensino de arquitetura difere do primeiro em um aspecto principal: a incluso de disciplinas acadmicas integrantes de outras reas de ensino universitrio na formao do estudante de arquitetura. Trata-se da insero do estudante na cultura universitria. Do ponto de vista profissional, as disciplinas universitrias, em menor nmero do que no segundo, desempenham duas funes principais. Elas so a fonte de informao para a elaborao dos programas de necessidades fsicas e o complemento (aspectos tcnicos) do ensino de arquitetura. Nesse caso, so apenas prrequisitos obrigatrios do curso de Arquitetura. O Ateli ou Composio, nomes comuns dados disciplina de Projeto Arquitetnico, o divisor de guas entre esses dois pontos de vista. A elaborao de projeto no ensino de arquitetura pressupe, entre outros aspectos, o desenvolvimento da capacidade mental e imaginativa do estudante. Alberti (1986, p. 1 -2) afirma que arquiteto " quem, por certa maravilhosa arte e mtodo, capaz, com pensamento e inveno, de projetar e

elaborar, com beleza (projetos de edificaes), (...) para usos diversos da humanidade". Assim, o projeto "um firme e gracioso pr-ordenamento de linhas e ngulos, concebido na mente, e imaginado por um artista engenhoso". De outro ngulo, Ruskin (1956, p. 7) define arquitetura como "uma arte relacionada com edifcios e sua ornamentao os quais so construdos pelo homem, para qualquer uso, cuja presena pode contribuir para a sade, o poder e o prazer mental do homem.". Em ambas as consideraes de Alberti e Ruskin, sobre o projeto e a arquitetura, h em comun dois aspectos inter-relacionados. O primeiro refere-se s disciplinas vinculadas organizao formal da edificao. O segundo, ao trabalho intelectual investido nela. Este ltimo, segundo tais autores, confere ao projeto uma funo civilizatria e cultural. O cumprimento dessa funo, no ensino de arquitetura, fora delegado s disciplinas integrantes do currculo do curso. Por exemplo, nas antigas faculdades (ligadas s belas-artes e politcnica), a disciplina de Histria e Teoria visavam formao intelectual dos estudantes; as de Artes, sua sensibilidade (Associao Brasileira de Ensino de Arquitetura, 1977); a de projeto, capacidade criadora e de sntese. Porm, num contexto universitrio, existe uma grande variedade de disciplinas que podem desempenhar semelhantes funes. So elas disciplinas acadmicas, no vinculadas Arquitetura. Por uma contingncia conjuntural (a implantao de novas universidades federais nas capitais estaduais e a reforma do ensino superior brasileiro, durante as dcadas de 1960 e 1970, particularmente o estabelecimento do campus universitrio), os cursos de arquitetura, na sua grande maioria, estabeleceram-se na universidade. Igualmente, as escolas mais antigas de arquitetura migraram para o campus. O curso de Arquitetura desde ento passou a ser considerado uma das reas de ensino universitrio. Assim, as disciplinas integrantes desse curso passaram a ter uma dimenso acadmica, no somente profissional. A institucionalizao do docente arquiteto, em tempo integral, com qualificao acadmica, reforou tal quadro. O tipo mais elementar de colaborao acadmica entre reas do ensino universitrio a troca de informaes. Amais usual forma de relacionamento

entre reas acadmicas, envolvendo estudantes, a oferta de disciplinas. O mais significativo a aplicao e o desenvolvimento de teorias e mtodos acadmicos de trabalho criados numa rea por outras, como a Fsica e a Estatstica, que se beneficiavam da Matemtica. Do mesmo modo as duas primeiras influenciam outras unidades universitrias. Esse um ambiente de mtua interao ou interdependncia acadmica. Os estudos de arquitetura no s podem se beneficiar desse ambiente, na aplicao e no desenvolvimento de conhecimento, como, tambm, contribuir para ele. Nesse sentido, a identificao dos elementos usados no intercmbio acadmico o passo necessrio ao entendimento do significado da dimenso universitria para a formao do arquiteto. Em primeiro lugar, para Newman (1947, p. 36), a principal funo do ensino universitrio " imprimir na mente do jovem a idia de cincia, mtodo, ordem, princpio e sistema; de regra e exceo, de riqueza e harmonia". Em segundo lugar, os mecanismos (instncias de ensino, organizao e gestao acadmica) da viabilizao dessa funo foram, segundo Rashdall (1942), definidos pelas universidades medievais europias do sculo XII. Nessas universidades, a "faculdade de artes" era a instncia acadmica responsvel pela formao do bacharel e no do profissional especializado. Na "faculdade de artes", as disciplinas responsveis pela formao universitria do estudante compunham dois ciclos de estudo. O primeiro, chamado de trivium, com durao de trs anos, compreendia as disciplinas de Gramtica, Retrica (letras clssicas) e Lgica (substituda mais tarde pela Dialtica). O segundo, o quadrivium, abrangendo quatro anos de estudo, era formado pelas disciplinas de Aritmtica, Geometria, Msica e Astronomia. O significado da palavra arte, para tal faculdade, parece ser o mesmo de cincia na concepo de universidade feita por Newman. Em ambas as situaes, o emprego da palavra arte significa preparao mental do estudante. Entretanto, na atualidade, a dimenso esttica da arte no ensino est relacionada com categorias da sensibilidade, como a sensao e a contemplao. Quanto s artes, o ensino de arquitetura tem se valido da pintura e da escultura como meios pedaggicos para a educao esttica do arquiteto. A

palavra arte , por vezes, colocada em oposio palavra cincia. Entretanto, na educao do arquiteto ambas so relevantes. Nesse ensino h princpios de composio arquitetnica envolvendo o que se denomina arte e cincia. Assim, os princpios de ordem, harmonia e proporo em Vitruvius, e a noo do todo, em termos formais e estruturais em Alberti, so, ao mesmo tempo, objetos da educao esttica e lgica ou cientfica do arquiteto. Schiller (1985) identifica trs estgios do processo reflexivo: a sensao, o intelecto e a razo. Segundo Schiller, a esttica6 relaciona-se com esses trs estgios, embora no se limite a nenhum deles. Cada um desempenha funes especficas no processo reflexivo. A sensao e a razo so processos globalizadores do conhecimento, enquanto o intelecto, ao contrrio dos dois anteriores, um processo que decompe ou separa o conhecimento. Para Schiller, a forma (entendida como ordenamento e proporo) no processo de conhecimento unifica o sentimento ao pensamento (funo do intelecto). No ensino da arquitetura, a forma relaciona-se com o pensamento por meio de duas atividades: a especulao e a imaginao. A contribuio da universidade (estudos universitrios) na preparao do estudante para lidar com a forma tem se dado de trs maneiras. Em primeiro lugar, a arte desenvolve no arquiteto a viso de conjunto; em segundo, a extenso universitria desenvolve a percepo do real; em terceiro, a cincia, o aprimoramento do processo intelectual. Entre as atividades acadmicas, as de pesquisa desempenham um papel especial na formao universitria do estudante de arquitetura. Por exemplo, ela desenvolve a capacidade terica do estudante relacionada com a descrio e a proposio de formas de desenvolvimento (sistemas, leis e princpios). Adicionalmente, ela prepara o estudante para a descri6

Schiller (1985, p. 139) observa que "o nosso psquico passa da sensao para o pensamento por meio de uma condio intermediria na qual a sensao e a razo esto ao mesmo tempo ativas. Precisamente por esta razo, no entanto, elas se cancelam mutuamente como foras determinantes e estabelecem a negao por meio da oposio. Essa condio intermediria, na qual o psquico no est sujeito s condies fsicas nem morais, estando mesmo assim ativo nessas duas formas, claramente merece ser chamada de disposio livre; e se ns chamamos a condio de racional determinao da lgica, ou moral, ento devemos chamar de real e ativa a propriedade da esttica".

o e a interpretao sistemtica de fatos observados nos ambientes construdos. A atividade de pesquisa no mbito do ensino da arquitetura no feita no isolamento. O estabelecimento de relaes com outras reas acadmicas imprescindvel . Entretanto, a insero da formao do arquiteto na cultura universitria dificultada por trs principais obstculos: a falta de uma poltica universitria para o relacionamento acadmico das reas de ensino e pesquisa, a formao exclusivista do arquiteto e a organizao do ensino de arquitetura. Anlise dos obstculos insero do ensino de arquitetura na universidade O primeiro obstculo a ausncia de polticas universitrias que estimulem a colaborao das reas acadmicas entre si visando formao dos estudantes universitrios. um fato dominante na universidade de hoje a concentrao de esforos das diversas reas acadmicas na formao especfica dos seus estudantes. Parece que as possveis atividades mtuas, propsitos comuns do ponto de vista institucional, ficam no segundo plano. Por exemplo, na Universidade de Braslia, os ncleos multidisciplinares de ensino, criados em meados da dcada de 80, em substituio ao bsico comum, no tiveram o xito esperado. A ausncia de um projeto universitrio certamente concorreu para esse estado de coisas. No h compromisso claro do ensino universitrio e, tambm, da prpria instituio de participar na resoluo dos problemas nacionais. Na dcada de 60 havia diretrizes institucionais. No incio da dcada de 70 havia interesse, entre estudantes e professores, de comprometimento do ensino com problemas reais do Pas. As restries das aplicaes financeiras no ensino pblico universitrio devem ter agravado a situao. Do ponto de vista curricular a diminuio da oferta mtua de disciplinas outra sria limitao das relaes interdepartamentais. No menos importante o problema apontado por Almeida (1988). Trata-se da substituio da formao humanstica do estudante pela profissional. O bsico geral que deveria ter

sido substitudo por um instrumento mais eficaz foi simplesmente eliminado. A administrao universitria deixou em aberto a livre escolha de disciplinas complementares. Nele o estudante de Arquitetura, por exemplo, pode escolher disciplinas de outra reas dentro de um nmero muito reduzido de crditos. O segundo obstculo a formao exclusiva ou profissional do arquiteto. A exclusividade justificada pelo seguinte. O treinamento do estudante, em profundidade, no campo especfico, uma das garantias da boa atuao do futuro profissional. Para viabilizar tal intento, as escolas de arquitetura buscaram modelos organizacionais exclusivos (por exemplo, o de faculdade), com autonomia na oferta, criao de disciplinas e contratao de docentes. Nesse aspecto, tais escolas suprem, por elas mesmas, as disciplinas ou contedos que poderiam ser oferecidos com maior eficcia por outras reas de ensino. Artifcios administrativos so adotados para contornar o problema da dependncia de disciplinas. Por um lado, quando no possvel transmitir um determinado contedo pela prpria unidade acadmica, esse excludo do currculo. Por outro lado, ampliam-se ou adaptam-se disciplinas existentes a fim de incorporar novos contedos. Um exemplo a disciplina sobre a forma na arquitetura, que tem se prestado ao estudo da relao entre os ocupantes e a ocupao das edificaes. Entretanto, assuntos de interesse do arquiteto, como o comportamento humano no uso dos ambientes construdos (preferncias, percepo, etc.) e a teoria urbana so hoje tpicos desenvolvidos, respectivamente, pela psicologia ambiental e pela geografia urbana. A colaborao mtua dessas reas com a arquitetura seria altamente desejvel. Adicionalmente, o aperfeioamento acadmico dos professores de Arquitetura, ou seja, a qualificao docente por meio de cursos tem sido um meio para superar tais problemas. Entretanto, desenvolver recursos humanos para cobrir todos os campos de estudo, como os relacionados com o meio ambiente construdo, invivel do ponto de vista prtico e financeiro. Certamente, o caminho menos oneroso para resolver tais problemas o do intercmbio acadmico no mbito da prpria universidade. O terceiro obstculo est relacionado com a forma de organizao institucional do ensino da Arquitetura. A forma como esse ensino se organiza

acadmica e administrativamente uma importante varivel anlise de sua insero na instituio universitria. A FAU/UnB tomada como exemplo. O principal motivo dessa escolha o fato de essa escola ter passado, num curto espao de tempo, aproximadamente trs dcadas, por uma srie de experincias organizacionais. O principal mrito dessas tentativas foi a busca de um modelo organizacional que fortalecesse a formao universitria dos seus estudantes. A FAU/UnB foi criada em 1962 juntamente com a implantao da universidade. Ambas as instituies participaram da renovao do ensino universitrio brasileiro da dcada de 60. A UnB instituiu uma nova forma de organizao acadmica das reas de ensino coordenada por Darcy Ribeiro e Heron de Alencar. A estrutura organizacional da universidade, segundo Ribeiro (1978), era composta de dois nveis de ensino superior, um universitrio e outro profissional. Na UnB, tais nveis de ensino eram, respectivamente, de responsabilidade dos institutos, organizados por rea de ensino, e das faculdades, por rea profissional. Talvez um dos aspectos mais relevantes fosse a institucionalizao do departamento, por rea de ensino ou atividade. Quanto formao do arquiteto, essa ocorria em dois momentos. O primeiro compreendia o Instituto Central de Artes (ICA) e o segundo, a FAU. A criao do ICA, sob a coordenao do arquiteto Alcides da Rocha Miranda, do ano de 1962. A necessidade de vinculao da FAU com o ICA deve-se manuteno do ensino da arquitetura baseado nas Artes. Por outro lado, o ICA era a ponte pela qual o ensino de arquitetura se relacionava com a universidade. As principais unidades de ensino do ICA eram as de Desenho, Cinema, Fotografia, Grfica, Maquete, Teatro, Msica, entre outras. Alm das disciplinas integrantes do ICA, o ensino de arquitetura contava com algumas disciplinas das cincias exatas e da tecnologia. E o caso de Clculo, do Departamento de Matemtica, das Estruturas Prediais e Materiais de Construo do Departamento de Engenharia Civil. A substituio do ensino ICA-

FAU e FAU-Tecnologia ocorreu com a insero do curso de Arquitetura na rea das Cincias Humanas.7 A nova organizao do ensino de arquitetura da dcada de 70. Sua implantao foi devido ao desgaste da estrutura de ensino anterior e, principalmente, s contingncias diversas, entre elas as polticas e as administrativas, vividas pela UnB, em especial, e pelas universidades federais como um todo. Quanto UnB, o modelo de ensino anterior, denominado de ICAFAU, foi substitudo pelo Instituto de Arquitetura e Urbanismo (IA). O ensino das artes (ex-ICA) acabou sendo confinado num departamento, o Departamento de Desenho, vinculado ao IA. Mais tarde, tal departamento foi elevado categoria de instituto, o Instituto de Artes (IDA). Atualmente, o IDA no possui vinculaes diretas (acadmicas) com o ensino da FAU. No IA, durante a dcada de 70, o ensino de arquitetura desenvolveu os aspectos sociolgicos da formao do arquiteto. No entanto, os entraves burocrticos e o descompromisso de colaborao acadmica, entre os diferentes departamentos universitrios, concorreram para o enfraquecimento desse modelo de ensino. A mais recente reforma do currculo e da estrutura organizacional do ensino de arquitetura da UnB privilegiou a autonomia do curso em detrimento da relao acadmica com a universidade. O IA cedeu lugar FAU. Esta7

A mltipla vinculao do currculo do arquiteto com diferentes disciplinas universitrias sugerida por Reis (1978). Para ele, essas disciplinas podem ser agrupadas em trs reas de ensino. Uma "a formao tcnica", composta pelas disciplinas de Engenharia, por exemplo, Estrutura, Construo, Instalaes (hidrossanitrias. eltricas) e outras. A segunda a "formao artstica". Esta contm as disciplinas tradicionais de artes plsticas como, por exemplo, a Pintura e a Escultura. A terceira a "formao sociolgica", composta pelas disciplinas das cincias humanas, por exemplo. Antropologia, Sociologia e Psicologia. A reforma do ensino de arquitetura ocorrida durante as dcadas de 60 e 70, dentro dela a reforma do currculo da FAU/UnB, abriu outras possibilidades de vinculaes deste ensino com o contexto universitrio. Entre essas disciplinas, esto aquelas voltadas ao entendimento da linguagem, quanto aos seus aspectos visuais (por exemplo, a Composio e a Impresso Grfica, a Fotografia e o Cinema) e tericos (por exemplo, Teoria Lingstica e Literria). Miguel Pereira (1978) argumenta que a prtica profissional do arquiteto exige uma formao mais globalizante alm daquela estritamente disciplinar. Para ele, as condies sociais, como as do Brasil contemporneo, demandam uma nova postura profissional para fazer frente s necessidades sociais (especialmente a demanda por espao, pelas camadas mais pobres da populao). Miguel Pereira advoga uma nova escola, tendo a pesquisa como mtodo no ensino da arquitetura (1978, p. 115). Miguel Pereira insiste na idia de um curso de Arquitetura com opes profissionais para atender ao que ele chama de presso da dinmica socioeconmica. Ele sugere uma estrutura de ensino composta de trs nveis: os departamentos, os laboratrios e o centro de documentao. Para ele, o ciclo bsico universitrio (ou simplesmente bsico) uma pea essencial para a formao do arquiteto.

faculdade supre o ensino de arquitetura com a totalidade das disciplinas, tendo para tanto autonomia acadmica e administrativa. O quarto obstculo relaciona-se com o ensino de arquitetura nos aspectos pedaggico e organizacional. Essas variveis dizem respeito ao processo de ensino de arquitetura e seu relacionamento com o ensino universitrio. Essas so, entre as variveis j analisadas, as mais importantes a serem consideradas. O ensino, isto , os currculos e as experincias pedaggicas da FAU/UnB so os principais exemplos dessa anlise. Das formas organizacionais e curriculares que essa escola tem experimentado, trs delas correspondem a momentos representativos do ensino de arquitetura no Pas. O principal aspecto discutido o da relao entre o ensino (aspectos curriculares e organizacionais) da FAU e o ensino universitrio.8 Essas trs principais etapas do ensino de arquitetura da FAU/UnB so as seguintes: o ensino original, quando da criao da escola em 1962; o intermedirio, resultante da reestruturao de 1969, chamado de projeto cultural; e o atual ensino correspondente reforma, ou frum, de 1989. O ensino inicial de arquitetura na UnB coincide com a criao do seu curso, em 1962, e com a implantao dessa universidade. Esse currculo produziu uma experincia de ensino que foi bastante significativa. Ela renovou o ensino de arquitetura no Brasil nos aspectos organizacionais. O ciclo de estudos de arquitetura era composto de duas instncias pedaggicas. A primeira era a do ICA (Instituto Central de Artes) e a segunda, a da FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo). Esse modelo chamado de ICA-FAU. Nele o estudante, antes de ingressar no curso profissionalizante de arquitetura, ministrado pela FAU, cursava as disciplinas de formao artstica e cultural do ICA. No ICA, o ensino organizava-se por meio de oficinas. E o caso da oficina de maquete (modelo reduzido) e da oficina bsica de msica. O ensino das artes, principal meio pedaggico, visava ao desenvolvimento da criatividade e da capacidade motora dos estudantes. O leque de atividades artsticas do ICA abrangia, como foi citado anteriormente, do desenho ao cinema.8

A relao entre o currculo pleno (adotado pela escola de Arquitetura) e o currculo mnimo (determinado pelo Ministrio da Educao e do Desporto) no considerada, pois foge ao objetivo deste trabalho.

Algumas das atividades de ensino do Instituto tinham um objetivo claro, o desenvolvimento de uma linguagem industrial. Por exemplo, o desenho de mveis, sob a responsabilidade do arquiteto Elvin Dubugras, e a pr-fabricao de edifcios, sob a coordenao do arquiteto Joo Filgueiras Lima (Lel), vinculada FAU/Ceplan (Centro de Planejamento de Arquitetura e Urbanismo). Idnticos princpios orientavam o ensino das artes. Esse o caso do desenho de objetos modulados, sob a direo do professor Avatar Morais. Nesses aspectos, o ensino do ICA-FAU se assemelhava ao ensino da Bauhaus.9

Figura 2 - Diagrama representando as instncias do ensino da BauhausFonte. BAUHAUS. Stuttgard : Instituto Cultural de Relaes Exteriores, 1974. p. 28.

9

A Bauhaus foi uma escola de arquitetura criada em Weimar, na Alemanha, sob a coordenao do arquiteto Walter Gropius, em princpios de 1913. Um dos interesses do ensino da Bauhaus era o de incorporar o trabalho artstico produo industrial. O plano de ensino dessa escola explorava a dimenso formal e tcnica do projeto dos objetos de uso dirio e das edificaes. O estudo da linguagem visual ou representao do projeto formava com o ensino da tcnica o ncleo das disciplinas bsicas da Bauhaus. A teoria visual provinha do estudo da tica (fsica) e da forma O ensino da gramtica visual envolvia o estudo das leis da natureza. Havia nele uma preocupao com o ensino das propores, iluses ticas e cores. A Bauhaus abrigava artesos, artistas (por exemplo, escultores e pintores), engenheiros e arquitetos. A formao do estudante consistia no treinamento em equipe, por meio do trabalho experimental e manual. A primeira unidade do curso (formao

Figura 3 - Desenhos de Oskar Shelemer, professor da BauhausFonte: BAUHAUS. Stuttgard : Instituto Cultural de Relaes Exteriores, 1974. p. 100. bsica) compreendia o estudo formal (as propores, o ritmo, as cores, o contraste, etc.) e visava ao desenvolvimento da capacidade motora e imaginativa do estudante. As etapas subseqentes do ensino da Bauhaus aprofundavam e expandiam tais aspectos. A oficina, aps a etapa preliminar do curso, era a espinha dorsal deste. Ela unia o ensino da esttica ao ensino prtico (tcnico). O produto final dessa unidade de ensino era a produo de prottipos para a indstria. Na construo de prottipos, os estudantes empregavam trabalho artesanal, princpios industriais (por exemplo, a padronizao) e comerciais (por exemplo, custos de venda) Dois mestres, um de esttica e outro de tcnica (trabalho manual), conduziam o ensino na oficina. Aps trs anos de curso na oficina, o estudante tinha duas opes profissionais. Uma delas consistia no ingresso no mercado de trabalho como arteso. A outra opo consistia na obteno do grau de mestre. Essa fase implicava o prosseguimento e o aprofundamento dos estudos. Por intermdio desses estudos, os estudantes obtinham o grau de mestre em construo (cursos de design industrial e de Engenharia) e em arquitetura (curso de Arquitetura).

O ICA teve alguns impactos positivos no ensino de arquitetura da UnB. Por exemplo, um deles foi o desenvolvimento da habilitao manual (execuo) e o outro, da representao de objetos (elaborao de croquis). Esse est inserido no campo do entendimento das linguagens e dos sistemas. Sem dvida, o mais importante foi o incentivo capacidade inventiva do estudante quanto aos aspectos plsticos da forma.

Figura 4 - Desenhos do professor Avatar Morais, quando integrante do ICA/FAUFonte: REVISTA DE ARTES E ARQUITETURA. Braslia, Instituto de Artes e Arquitetura da Universidade de Braslia, n. 1, dez. 1971.

Um fato poltico que concorreu para abreviar a vida do modelo de ensino ICA-FAU foi o pedido de demisso da grande maioria dos professores universitrios. Entre eles estava a quase totalidade dos mestres do ICAFAU. A crise ocorreu em 1965 durante o governo militar. No menos importante foi o contraste entre o ensino exploratrio do ICA e o profissionalizante da FAU. Por um lado, esse fato contribuiu para o desgaste desse modelo de ensino. Por outro lado, o desgaste do ensino ICAFAU pode ser atribudo circunscrio do ensino de arquitetura no mbito dessas duas instituies. Em conseqncia disto, a formao do arquiteto privava-se do acesso aos estudos do indivduo e da sociedade desenvolvidos por outras reas acadmicas (a Antropologia, a Economia, a Sociologia, a Psicologia, a Administrao, entre outras). A partir dos anos 60, os cursos pertencentes aos estudos sociais assumiram uma posio significativa na elaborao de pesquisas na universidade. A presso desse contexto possivelmente concorreu para o desgaste do modelo ICA-FAU. De acordo com Simon (1969), havia em curso uma transformao dos currculos das escolas de treinamento profissionais ou vocacionais (por exemplo, de Medicina, de Direito, de Educao, de Administrao e de Engenharia, principalmente a de Agronomia). Essas escolas se aproximavam, em termos de contedo, das chamadas cincias fundamentais (matemtica, por exemplo) e das humanas. Incorporavam ao currculo dessas escolas uma nova dimenso (ou cincia) essencialmente universitria. Simon a denomina de science of design10 ou cincia do artificial, em oposio aos objetos e processos das cincias naturais (botnica e biologia, por exemplo). Um dos tpicos de estudo dessa cincia a teoria dos sistemas no determinsticos (veja Del Nero, 1994). Por exemplo, alguns dos seus aspectos relevantes so a descrio da lgica organizacional,1 das propriedades, das leis e invarincias (uso, significado, etc.), dos artefatos artificiais assim como o projeto dos mesmos.10

De acordo com Simon, a cincia do projeto um corpo de conhecimentos (analtico, sistematizado e emprico) passvel de ser ensinado. " Mahfuz (1986) chama a ateno para categorias tais como: polifuncionalidade do projeto (sistema capaz de absorver mudanas de programa ao longo do tempo), autonomia, padronizao (tipos) e contextualidade (adaptao do projeto ao meio cultural e ambiental).

O modelo intermedirio,12 iniciado na dcada de 70, substitui o modelo ICA-FAU pelo Instituto de Arquitetura, Urbanismo e Artes (IA). Nessa ocasio a designao FAU, ou faculdade, desapareceu. A oferta de disciplinas de Artes para os arquitetos foi substancialmente reduzida enquanto as disciplinas sociais foi ampliada. O instituto configurou-se como tal, medida que o ensino de artes na universidade adquiriu status prprio, e o da tecnologia (escola de engenharia) desobrigou-se de ofertar todas as disciplinas de natureza tecnolgica ao curso de Arquitetura. Em decorrncia disso, o contedo das principais disciplinas, que eram oferecidas por outras reas universitrias para a formao do arquiteto, passou a ser gerenciado (e ministrado) pela prpria arquitetura. Esse modelo de ensino (modelo situado entre o inicial e o atual) foi uma tentativa de integrao do ensino de arquitetura na universidade. Em termos de currculo, foi ampliada a oferta de disciplinas das cincias sociais ao curso de arquitetura. A finalidade pedaggica dessa experincia visava ao desenvolvimento da conscincia social, isto , da funo social do arquiteto. O IA apoiava-se em quatro atividades pedaggicas. De acordo com Miguel Pereira (1978), a primeira era a pesquisa; a segunda, o trabalho interdisciplinar; a terceira, as reas temticas; e a quarta, o bsico geral, que formava a conscincia humanstica do estudantado, enquanto as demais atividades tratavam da sua insero na realidade social do Pas. Sendo a extenso universitria o meio pelo qual o estudante entrava em contato com os problemas reais e, ao mesmo tempo, com o trabalho interdisciplinar. Por exemplo, a escola de Arquitetura estimulava, por meio de apoio material e financeiro, os seus estudantes a constiturem equipe de estudo com estudantes de outros departamentos. Algumas equipes de trabalho foram formadas com estudan12

Um fato significativo que precedeu a passagem daquele para este modelo foi o fechamento da FAU/ UnB pelos estudantes em 1968. Os seminrios para a organizao do projeto cultural da escola, ocorridos aps tal evento, apontavam para uma mudana de orientao no ensino. Advogava-se por uma arte participante do seu tempo e transformadora da realidade sociocultural (veja o Relatrio de Reviso e Consolidao dos Planos de Ensino do Projeto Cultural do ICA-FAU, UnB, 1968).

tes de Arquitetura, de Sociologia, Medicina e Economia. Estas equipes tinham como tema de estudo problemas locais e regionais, em geral, relacionados com as camadas mais pobres da populao. Um dos trabalhos representativos dessa fase foi o ateli de projeto do IA/UnB sobre os plos regionais urbanos, coordenado pelo professor Frank Sverson (primeiros anos da dcada de 70). No houve, em contrapartida, o desenvolvimento de uma estrutura organizacional de pesquisa. O Centro de Planejamento de Arquitetura e Urbanismo (Ceplan), que passou a ser chamado de Laboratrio Experimental de Arquitetura e Urbanismo (Leau), no cobriu tal lacuna. Persistia nele a prtica de escritrio liberal de Arquitetura. Entre as causas que provocaram o desgaste do modelo de ensino do IA (sob o ponto de vista das relaes entre o ensino de arquitetura e o universitrio) esto, por exemplo, o distanciamento da universidade da realidade social e um conjunto de medidas organizacionais adotadas pela universidade. So elas: a) eliminao de instncias organizacionais que possibilitavam o relacionamento das atividades de ensino em nvel global, por exemplo, as congregaes de carreira e da coordenao do bsico geral; b) nfase excessiva no ensino disciplinar em detrimento da colaborao mtua entre as reas de ensino; c) especializao do corpo docente em disciplinas; d) a no implementao de pesquisas no ensino de arquitetura. O atual modelo de ensino (currculo) da FAU/UnB ope-se aos dois anteriores quanto sua insero na universidade. A principal caracterstica desse modelo a exclusividade da formao do arquiteto no mbito da faculdade. Esse modelo se caracteriza pela composio de um currculo de ensino de arquitetura com disciplinas ministradas e administradas exclusivamente pela faculdade. As dependncias de crditos do curso de Arquitetura, em relao aos departamentos afins, so reduzidas ao mximo. O ensino concentra-se nas disciplinas especficas da prtica profissional (Projeto, Estruturas, Conforto Ambiental, entre outras). Com a desvinculao do ensino de arquitetura da universidade, em termos da dependncia de crditos acadmicos, as disciplinas de Estrutura

Predial, antes oferecidas pela Faculdade de Tecnologia, passaram a ser ministrados pela FAU. Isso fez com que a eficincia do ensino de estrutura para os arquitetos aumentasse. Em contrapartida, o vnculo com as engenharias cessou a partir de ento. No atual currculo, os demais crditos (relativos s disciplinas tais como as de Artes e de Cincias Sociais) foram reduzidos em quantidade, tipo e importncia (transformadas de crditos obrigatrios em optativos). O tradicional ensino das Artes encontra-se embutido nas disciplinas de representao do espao arquitetnico. Alm disso, permanece nesse modelo de ensino de arquitetura, por meio do projeto, o processo indutivo. Neste, a elaborao do projeto composta de duas etapas principais: programa de necessidades (listagem dos requerimentos e condicionantes funcionais e fsicos) e o projeto arquitetnico (peas grficas e maquete). Esse o resultado de um tour de force - briga com o trao - do arquiteto com a geometria, o programa e o conhecimento tcnico dado. Os critrios de escolha da melhor opo de projeto, quanto aos aspectos de layout do edifcio, fachadas e volumetria so atribudos, entre outros fatores, intuio e capacidade do estudante de manipular o repertrio de arquitetura existente. Outras conseqncias agravadas por esse modelo organizacional de ensino so a especializao de professores por disciplinas ou departamentos e a mudana de categoria do docente com o declnio da dedicao exclusiva. Concluso Em resumo, h dois tipos de problemas no ensino de arquitetura quando este desenvolvido numa faculdade organizada em moldes tradicionais. O primeiro problema o isolamento do ensino de arquitetura do contexto universitrio. Esse modelo exemplificado pela FAU/UnB. O ensino dessa faculdade pretende ser um ensino profissionalizante no sentido restrito da palavra - treinamento tcnico. Em termos curriculares, a formao do arquiteto por intermdio desse modelo exclui a possibilidade de contar com a

cooperao de outros departamentos, faculdades e institutos (por exemplo, os de artes e tecnologia). Por outro lado, o processo de ensino numa faculdade desse tipo, sem vinculao acadmica com a universidade, atualmente uma limitao sria formao "mais arejada", ou universitria, do estudante. O segundo problema desse modelo est relacionado com o primeiro. a ausncia de atividade de pesquisa na formao do arquiteto. Esse um dos entraves da atualizao do ensino de arquitetura. As atividades de pesquisa, ao lado da extenso, so as mais tpicas atividades da universidade. Elas atingem reas de ensino que, h pouco tempo, no estavam includas no rol daquelas que tradicionalmente faziam pesquisa. E o caso da rea de Artes. Na UnB, por exemplo, o Instituto de Artes (IdA) oferece cursos de ps-graduao onde pesquisas so desenvolvidas. Tais atividades podem desempenhar no ensino de arquitetura dois papis principais. Para a docncia, elas so meio de atualizao e aperfeioamento alm de produtora de conhecimento. Para os estudantes, so formao complementar. Ao mesmo tempo, elas so um importante meio para o fortalecimento dos laos entre esse ensino e a universidade. Dessa forma, um ensino de arquitetura confinado a uma s faculdade priva o estudante do acesso cultura universitria. Quanto aos obstculos que dificultam o relacionamento da FAU com o ensino univeristrio, foram analisados os seguintes: O primeiro deles o mais simples, entre os problemas que afetam o relacionamento do ensino de Arquitetura com a universidade. Trata-se do aproveitamento dos processos e produtos (informaes, principalmente) provenientes das pesquisas universitrias. No ensino de graduao em arquitetura, h pouco aproveitamento dessa produo acadmica. O inverso deve ser verdadeiro. O problema no s de integrao social, mas sobretudo acadmica, onde a comunicao (linguagem) assume um papel fundamental. O outro o limitado acesso dos estudantes preparao intelectual que a universidade oferece. Algumas disciplinas obrigatrias com esse objetivo, ofertadas por outros departamentos, foram retiradas do currculo do curso de Arquitetura. Por exemplo, a disciplina sobre a organizao do trabalho intelectual no mais existe no atual currculo de Arquitetura.

Ambos os obstculos citados refletem duas ordens de problemas. Um o baixo grau de cooperao mtua, entre as atividades do ensino de arquitetura com suas reas afins da universidade. O outro, a falta de compromisso das disciplinas quanto capacitao intelectual dos estudantes. Ruskin (1956, p. 151) assinala que a arquitetura "uma vivida expresso da vida intelectual". Por vida intelectual o autor se refere ao cultivo da mente do homem. Esta para Ruskin importantssima ao arquiteto, pois as coisas "tomam-se nobre ou ignbil na medida da proporo da quantidade de energia que a mente emprega nelas". Assim, o treinamento intelectual do arquiteto e, conseqentemente, do estudante de arquitetura, no est dissociado do seu desenvolvimento sensitivo. Felizmente, as disciplinas de Artes (IdA) e as de Educao Intelectual - Instituto de Cincias Humanas (IH), ainda fazem parte da mesma organizao, a universidade, e habitam o mesmo territrio, o campus, sendo possvel encaminhar o equacionamento da insero do ensino de arquitetura na universidade. Nessa direo, algumas medidas so sugeridas a seguir. Quanto estrutura organizacional do ensino de arquitetura, possvel torn-la menos fechada. Da, a necessidade de aumentar o grau de permeabilidade dessa estrutura, em relao ao contexto universitrio. A forma tradicional utilizada at hoje para estimular tal permeabilidade o intercmbio ou oferta de disciplinas. Entretanto, a faculdade pode explorar outras formas de intercmbio acadmico, por exemplo, a realizao de atividades (seminrios, encontros, palestras, projetos de pesquisa interdisciplinares, etc.) envolvendo outras reas acadmicas. Outra forma a de contar no quadro docente da FAU com professores no arquitetos. Por outro lado, a diversificao profissional (reas de concentrao profissional) do quadro docente da FAU deve ser, tambm, considerada. Quanto ao ensino de arquitetura, levando em conta o desenvolvimento da sua dimenso universitria, h dois aspectos a serem considerados. Um aspecto a presena da atividade de pesquisa como atividade complementar no ensino de arquitetura. Essa atividade, seja no mbito do

ensino de graduao, de especializao ou de ps-graduao em arquitetura, produz informaes e ajuda a qualificar o docente e o discente. Entre as informaes factuais, so imprescindveis a montagem dos programas de necessidades e a elaborao do projeto arquitetnico. Por outro lado, a pesquisa uma atividade estimuladora de relacionamento nesse caso, entre esse ensino e os demais no nvel da universidade. Nesse contexto, o relacionamento de unidades de ensino requer uma condio de se falar a mesma linguagem. Na universidade, h diversas lnguas. Praticamente, cada ramo de ensino tem uma, exclusiva. Entretanto, para que haja colaborao entre si necessrio o dilogo. E o dilogo entre cada ramo de ensino, segundo Oakshott (1989), s possvel por meio do domnio e da manipulao de suas linguagens. O autor insiste no argumento de que a formao universitria do estudante no se limita ao treinamento profissional. Essa formao, porm, est relacionada com o desenvolvimento da capacidade de comunicao do estudante e, conseqentemente, com a sua insero dentro de uma cultura comum. Nos estabelecimentos escolares, Bernstein (1971) identifica dois tipos principais de linguagem. Uma delas a linguagem formal e a outra, a informal ou pblica A primeira, segundo o autor, inerente organizao (universidade). Nela, a mais falada a linguagem formal, o meio principal de comunicao entre docentes e discentes.13 Outro aspecto a ser considerado o do intercmbio de informao e compatibilidade de processo da arquitetura com os demais cursos afins (Sociologia, Antropologia, Psicologia, Filosofia, Geografia, Engenharia Civil, entre outros). Esse intercmbio no se encerra na simples troca de informaes. O que est em jogo a possibilidade de interao de experincia e conhecimento. Dobbs (1992) enfatiza a importncia da especulao (ou conjectura)13

O cdigo da linguagem formal possibilita ao usurio ampla margem de liberdade de uso. Ele facilita, portanto, a expresso individual ou particularizada, embora seja universal quanto sua mensagem. Outra caracterstica desse cdigo o uso de smbolos. Sua aprendizagem requer um processo sistemtico. Bernstein ope a linguagem formal pblica. Esta aprendida informalmente e instantaneamente e possui, segundo o autor, um cdigo restrito. Sua expresso universal, embora com mensagem (significado) particular. Bemstein associa tais linguagens a realidades sociais opostas. Por exemplo, a escola trabalha essencialmente com a linguagem formal, ao passo que as instituies sociais, como a famlia e as turmas de rua e do trabalho, entre outras, falam a linguagem pblica.

na elaborao do projeto arquitetnico e, por deduo, na formao do arquiteto. No ensino de projeto h uma etapa de trabalho onde o projeto se configura. O risco (hiptese) lanado nessa fase. Sua origem pode ser analgica, segundo Kruger (1989), em padres, Alexander (1978) e Krier (1985) ou, ainda, em tipos, Mahfuz (1986). O projeto arquitetnico tem sido o mais importante meio pedaggico do ensino de arquitetura. Normalmente, o ateli de projeto ocupa a principal carga horria do curso como um todo. Entretanto, o seu papel no fortalecimento do intercmbio entre o ensino de arquitetura e o estudante universitrio pouco desenvolvido. O projeto no ensino considerado, ao mesmo tempo, uma opo de treinamento profissional e uma opo pedaggica de formao do estudante, particularmente do seu intelecto. Na primeira opo, prioriza-se a preparao profissional, torna-se uma disciplina pragmtica. sntese de um processo analtico. Assim, o programa de necessidades constitui a anlise e o projeto, a resposta (ou sntese). Desse modo, requerida do estudante a aplicao de conhecimentos adquiridos por meio das disciplinas cursadas (Estrutura, Conforto Ambiental, Teoria e Histria, entre outras). Esse processo de ensino de arquitetura denominado por Ledewitz (1985) de anlise-sntese. Na etapa analtica (elaborao de programa) desse mtodo de ensino, o estudante examina a temtica e realiza trabalho de campo, por exemplo, levantamentos fsicos e funcionais (salas, equipamentos e atividades). Faz contatos com profissionais (arquitetos, engenheiros e tcnicos, principalmente). Assiste a palestras e demonstraes. O processo de anlise-sntese, no ensino da arquitetura, tende a ser auto-suficiente em relao universidade e aproxima-se do mercado profissional. Na segunda opo, a nfase dada funo educativa do projeto arquitetnico no ensino de arquitetura. Ela atua no aprimoramento da capacidade sensitiva e intelectual do estudante. O projeto considerado conceito. Esse processo de ensino depende da existncia da universidade, pois um

projeto conceituai implica um mtodo de ensino no seqencial e, sobretudo, base terica. No modelo anlise-sntese, o ordenamento dessas etapas linear. Considera-se que a sntese segue a anlise, em outras palavras, a primeira atividade (sntese) como resultado da segunda (anlise). Em contrapartida, a interpretao (ou conceituao) espacial de determinada temtica, na segunda opo, eqivale noo de conjectura em cincia. Nela, o que importa a noo do todo, ou a determinao do sistema de relaes formais (podendo ser ambientes ou salas, elementos construtivos, etc). No se confunde com o projeto arquitetnico, pois este essencialmente composio, como uma obra de arte composta. Projeto conceituai mais idia (esboo) de projeto do que projeto no sentido convencional do termo. Ele uma sntese (design). Sua elaborao requer preparo intelectual do estudante. Sobretudo, alguma fundamentao, ou preparao cientfica, como defende Artigas (1981). Por outro lado, o projeto conceituai, enquanto conjectura, deve ser transformado em projeto real (etapa subseqente de detalhamento). Tem sido proposta por vrios autores, entre eles Ledewitz (1985), a inverso do processo convencional de projeto, da anlise-sntese para a sntese-anlise. O ensino desse comearia, ento, com uma proposta inicial de um sistema de relaes fsicas (conceito espacial). O aumento da quantidade de informaes e as anlises constantes modificariam ou no tal sistema. Ambas (informaes e anlises) atuariam na condio de modeladores do conceito (espacializao). Ento, o conceito global representado pelo desenho sofreria modificaes de modo a atender s demandas funcionais e contextuais (climticas e culturais, por exemplo). As anlises especficas so denominadas de testes. Os testes do projeto conceituai so essenciais sua transformao. No ensino, essas avaliaes so, tambm, uma maneira de decompor o processo de projeto a partir de um todo j estabelecido. Entre os elementos dessa avaliao, encontram-se o programa de necessidades - incluindo, entre outros itens, os condicionantes ambientais, funcionais e de equipamentos -

o custo financeiro de construo, o impacto ambiental, o problema energtico e a linguagem de arquitetura utilizada. Quanto mais rigoroso for o teste, melhor. Ele pode reafirmar ou negar o projeto conceituai. Os testes, no ensino da arquitetura, permitem o estudo particularizado de cada uma das variveis analticas do ensino do projeto. A espacializao, definida por meio do projeto conceituai, assegura o estudo de cada uma delas sem a perda de vista do todo. Uma das vantagens desse mtodo de ensino de arquitetura o acompanhamento do trabalho do estudante pelo orientador e a auto-avaliao do projeto pelo estudante. Referncias bibliogrficas ALBERTI, L. B. The ten books of architecture. New York: Dover Publication, 1986. ALEXANDER, C. et al. A patern language : towns, buildings, construction. New York: Oxford University Press, 1978. ALMEIDA, J. G. Humanismo sacrificado? Jornal da Cincia, Braslia, v. 2, n. l,p. 7, 1988. ARTIGAS, V. Caminhos da Arquitetura. So Paulo : LECH, 1981. ASSOCIAO BRASILEIRA DE ENSINO DE ARQUITETURA. Sobre a histria do ensino da Arquitetura no Brasil. So Paulo : ABEA, 1977. BERNSTEIN, B. Class, codes and control. London: Routledge KeganPaul, 1971. 3 v. COSTA, Lcio. Sobre Arquitetura. Porto Alegre : Centro dos Estudantes Universitrios de Arquitetura, 1962. DEL NERO, H. S. Do behaviorismo s redes neurais. In: ABRANTES, P. (Org.). Epistemologia e cognio. Braslia: Ed. UnB, 1994.

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usual teaching, known as analysis-synthesis, by improving the academic background of architectural students. On the other hand, the method improves the insertion of the architectural school in the university. Les rapports entre la formation de l'architecte et l'Universit. La prise de position en faveur de l'insertion de cet enseignement dans le contexte universitaire (disciplines universitaires associes). La Facult d'Architecture et Urbanisme de l'Universit de Brasilia est I 'object de l'analyse. L'enseignement actuel du project comme un obstacle srieux l'change acadmique. Deux conceptions de cet enseignement restreint sont nommes programme-plan ou analyse-sinthse, et l'autre, conceptuelle. Pour la premire mthode, l'insertion dans le contexte universitaire est indiffrente, tandis que pour la deuxime mthode, elle est indispensable. Deux aspects lis sont mis en relief: la formation intellectuelle des tudiants et la recherche. Este artculo estudia las relaciones entre la formacin del arquitecto y la universidad desde el punto de vista de la enseanza de la arquitectura. Introducimos argumentos favorables a la inclusin de esta enseanza en el mbito universitrio (en especial con las matrias disciplinares comunes). La Facultad de Arquitectura y Urbanismo de la Universidad de Brasilia es nuestro punto focal. Nuestro escrito seala que la forma como la matria de proyecto es enseada es el principal obstculo para que se realize verdadero intercmbio acadmico. Comparamos dos concepciones sobre la forma de ensear: una, que denominamos disciplinar y otra universitria. Cuando corresponde a la primera forma el mtodo se llama programa-proyecto o anlisis-sntesis. Ya cuando corresponde al segundo se llama proyecto conceptual. Para el primero, la universidad es un ambiente neutro y para el segundo es una necessidad. Argumentamos en favor de la inclusin de la arquitectura en la universidad. Destacanse dos aspectos: la formaccin intelectual y la investigacin por parte de los alumnos.