arqueologia da arquitetura: ensaio sobre complexidade

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Anais do V encontro do Núcleo Regional Sul da Sociedade de Arqueologia Brasileira – SAB/Sul. De 20 a 23 de novembro de 2006, na cidade de Rio Grande, RS ARQUEOLOGIA DA ARQUITETURA: ENSAIO SOBRE COMPLEXIDADE, PERFORMANCE E PROCESSOS CONSTRUTIVOS DAS ESTRUTURAS SEMI-SUBTERRÂNEAS DO PLANALTO GAÚCHO. Silvia Moehlecke Copé 1 Núcleo de Pesquisa Arqueológica - NUPArq INTRODUÇÃO Este ensaio visa proporcionar subsídios para responder a uma questão minimamente curiosa para a arqueologia do planalto sul brasileiro: por que os grupos humanos que se fixaram neste ambiente construíram suas casas escavando o solo? Ou, parafraseando Antonhy King (1980 apud Zarankin, 2003): que ‘coisas podemos aprender sobre uma sociedade estudando seus edifícios’?, ou inversamente, que ‘coisas podemos aprender de um edifício estudando a sociedade’? Para responder estas questões entre outras, aplicamos os conceitos da arqueologia da arquitetura às minuciosas escavações realizadas no sítio RS-AN-03 em Bom Jesus e continuamos aplicando às estruturas arquitetônicas no município de Pinhal da Serra, RS. Além das escavações, realizamos um levantamento bibiográfico para ver em que situações grupos humanos construíram estruturas escavadas no solo e com que intuito e, ainda, conhecer as interpretações ou leituras que os arqueólogos fizeram destas estruturas. Sobre a arqueologia da arquitetura Segundo Stedman (1996), a arqueologia da arquitetura são as investigações focadas no estudo da arquitetura a partir de uma perspectiva arqueológica. A arqueologia da arquitetura desenvolveu-se nos anos 1980 quando surgiu a arqueologia preventiva na Europa, especialmente na França e Itália, porém, encontra suas raízes bem mais cedo no final da década de 1950 e nos inícios de 1960 quando a arqueologia urbana afirmou-se e, dentro desta, a arqueologia medieval. Aqui, não pretendo historiar a evolução desta linha de investigação na arqueologia, pois isto foi feito por pesquisadores mais autorizados como Zarankin (1999, 2002, 2003) e Tirello (2007) que trabalham com arqueologia histórica e urbana. Entretanto, cabe mencionar que a aplicação da arqueologia da arquitetura na interpretação dos dados arqueológicos produziu diferentes posições de acordo com as orientações teórico-metodológicas dos pesquisadores, desde posições funcionalistas que veem a arquitetura como uma resposta lógica a uma série de necessidades de proteção ao ambiente à posições de caracter simbólico que enfatizam a presença de sistemas ideológicos por trás das construções, entre outras (Zarankin, 2003). A partir de minha visão leiga sobre a aplicação da arqueologia da arquitetura no período histórico, atrevo-me a dizer que esta abordagem toma corpo na virada do presente século, ao empregar, na análise de uma construção em elevação, os mesmos procedimentos que a arqueologia tradicional, ou seja, a análise das unidades estratigráficas (US) dos vestígios. Inclusive alguns pesquisadores a percebem como o surgimento de uma nova disciplina (Parron- Kontis & Reveyron, 2005; Tirello, 2007). Os sistemas de registro utilizados pelos arqueólogos históricos repousam sobre os mesmos princípios de decomposição dos vestígios, o conhecido sistema Harris (1991), pois é o reconhecimento das unidades estratigráficas que permite obter a gênese das estruturas e a sua história: perturbação, tranformação, destruição... Associadas, as unidades estratigráficas permitem constituir no tempo, as sequências (fases, períodos) e no 1 Departamento de História - IFCH Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS Avenida Bento Gonçalves, 9500 Porto Alegre – RS [email protected]

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Anais do V encontro do Núcleo Regional Sul da Sociedade de Arqueologia Brasileira – SAB/Sul.

De 20 a 23 de novembro de 2006, na cidade de Rio Grande, RS

ARQUEOLOGIA DA ARQUITETURA: ENSAIO SOBRE COMPLEXIDADE, PERFORMANCE E PROCESSOS CONSTRUTIVOS DAS ESTRUTURAS SEMI-SUBTERRÂNEAS DO PLANALTO

GAÚCHO.

Silvia Moehlecke Copé1 Núcleo de Pesquisa Arqueológica - NUPArq

INTRODUÇÃO

Este ensaio visa proporcionar subsídios para responder a uma questão minimamente curiosa para a arqueologia do planalto sul brasileiro: por que os grupos humanos que se fixaram neste ambiente construíram suas casas escavando o solo? Ou, parafraseando Antonhy King (1980 apud Zarankin, 2003): que ‘coisas podemos aprender sobre uma sociedade estudando seus edifícios’?, ou inversamente, que ‘coisas podemos aprender de um edifício estudando a sociedade’? Para responder estas questões entre outras, aplicamos os conceitos da arqueologia da arquitetura às minuciosas escavações realizadas no sítio RS-AN-03 em Bom Jesus e continuamos aplicando às estruturas arquitetônicas no município de Pinhal da Serra, RS. Além das escavações, realizamos um levantamento bibiográfico para ver em que situações grupos humanos construíram estruturas escavadas no solo e com que intuito e, ainda, conhecer as interpretações ou leituras que os arqueólogos fizeram destas estruturas. Sobre a arqueologia da arquitetura Segundo Stedman (1996), a arqueologia da arquitetura são as investigações focadas no estudo da arquitetura a partir de uma perspectiva arqueológica. A arqueologia da arquitetura desenvolveu-se nos anos 1980 quando surgiu a arqueologia preventiva na Europa, especialmente na França e Itália, porém, encontra suas raízes bem mais cedo no final da década de 1950 e nos inícios de 1960 quando a arqueologia urbana afirmou-se e, dentro desta, a arqueologia medieval. Aqui, não pretendo historiar a evolução desta linha de investigação na arqueologia, pois isto foi feito por pesquisadores mais autorizados como Zarankin (1999, 2002, 2003) e Tirello (2007) que trabalham com arqueologia histórica e urbana. Entretanto, cabe mencionar que a aplicação da arqueologia da arquitetura na interpretação dos dados arqueológicos produziu diferentes posições de acordo com as orientações teórico-metodológicas dos pesquisadores, desde posições funcionalistas que veem a arquitetura como uma resposta lógica a uma série de necessidades de proteção ao ambiente à posições de caracter simbólico que enfatizam a presença de sistemas ideológicos por trás das construções, entre outras (Zarankin, 2003). A partir de minha visão leiga sobre a aplicação da arqueologia da arquitetura no período histórico, atrevo-me a dizer que esta abordagem toma corpo na virada do presente século, ao empregar, na análise de uma construção em elevação, os mesmos procedimentos que a arqueologia tradicional, ou seja, a análise das unidades estratigráficas (US) dos vestígios. Inclusive alguns pesquisadores a percebem como o surgimento de uma nova disciplina (Parron-Kontis & Reveyron, 2005; Tirello, 2007). Os sistemas de registro utilizados pelos arqueólogos históricos repousam sobre os mesmos princípios de decomposição dos vestígios, o conhecido sistema Harris (1991), pois é o reconhecimento das unidades estratigráficas que permite obter a gênese das estruturas e a sua história: perturbação, tranformação, destruição... Associadas, as unidades estratigráficas permitem constituir no tempo, as sequências (fases, períodos) e no

1 Departamento de História - IFCH Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS Avenida Bento Gonçalves, 9500 Porto Alegre – RS [email protected]

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espaço, os fatos e as estruturas, colocando cada elemento constitutivo dentro de uma ordem cronológica e fixando assim as etapas da história de uma construção (Journot, 1999). Tirello (2007) propõe que no reconhecimento e avaliação de edifícios históricos de cronologia complexa, além de pesquisas de natureza estratigráfica, haja uma ampla utilização da arqueometria no estudo dos materiais constituintes de uma construção.

Na arqueologia pré-histórica/pré-colonial, arqueologia da arquitetura é uma expressão decorrente da proposta feita por alguns arqueólogos de usar a arquitetura como artefato (Gilman, 1987). Esta proposta aparece na literatura arqueológica norte-americana da segunda metade da década de 1980 e foi empregada no estudo das estruturas semi-subterrâneas (pithouses) do sudoeste dos Estados Unidos e originada da grande discussão sobre o custo maior/menor de construção das estruturas escavadas no solo e dos pueblos.

Como o nosso objeto de estudo constitui-se de conjuntos de estruturas edificadas no planalto sul brasileiro (estruturas escavadas no solo, depósitos de terra, montículos, aterros, estruturas em alto relevo, além dos sítios superficiais líticos e lito-cerâmicos), estudá-las como artefato forneceu uma base de dados riquíssima para discussões sobre a disponibilidade de recursos garantidos, as estratégias de subsistência (mobilidade), padrões e sistemas de assentamentosi. Acrescentamos à nomenclatura já consolidada da arqueologia da arquitetura como p.ex. de processos construtivos, os conceitos de performance (aqui compreendido como o esforço despendido x o tempo de construção) e de complexidade (no sentido de volume de código humano gerado, seja no âmbito social, político e ideológico).

A soma dos conceitos da arqueologia da arquitetura com a arqueologia da paisagem potencializa a interpretação do nosso objeto, pois como já preconizava Rapoport em 1969 (1969, 1982, 1990), o ambiente e a cultura possuem uma relação direta e a arquitetura é um reflexo deste contato, assim como, nesta interação o homem constrói o seu entorno, a paisagem.

Esta interface foi bem apropriada por Sondereguer que, no seu livro Arquitetura Precolombina (1998), considera que as estruturas construídas possuem uma linguagem arquitetônica, ou seja, os processos construtivos comprovam a gestão e compreensão da paisagem, a seleção das características da topografia para a localização das suas casas. O autor entende arquitetura como toda a construção destinada à criação de estruturas determinadas para funções habitacionais, econômicas, sociais, políticas e religiosas, concebida como o desenho de estruturas integradas com uma dada espacialidade, com uma especificidade espacial interna e externa, de acordo com ideologia e cânones pré-fixados, para a obtenção de uma morfo-espacialidade conceitual e utilitária (Sondereguer, 1998:11). Assim, dentro da paisagem percebida e com sentido cosmológico, os grupos humanos plasmaram uma nova paisagem, a paisagem conceitualizada, redescoberta e integrada com o que lhes foi dado e que eles elegeram. Na edificação de suas casas, percebemos que os grupos do planalto criaram uma nova realidade: a encosta do morro, o rio, o vale e a mata de araucária passaram a participar de uma dialética construtiva. Esta comunhão produziu os sítios arqueológicos, possuídos de ideologias e diretrizes políticas, econômicas, religiosas, que nos cabe identificar (Sondereguer, 1998:10). Sobre o levantamento bibliográfico Na análise bibliográfica sobre os grupos humanos que edificaram estruturas escavadas no solo observa-se uma grande disparidade nos dados disponíveis, quantitativa e qualitativamente, seja para o Velho Mundo quanto para a América. A bibliografia consultada é uma ínfima parcela do que está disponível, porém, nem sempre acessível. Como seria praticamente impossível consultar os relatórios de campo onde com certeza teríamos informações mais detalhadas das características de cada sítio, tivemos que nos contentar com a utilização de artigos, manuais, compêndios que, mesmo alguns sendo de alta qualidade, nem sempre são os mais adequados para este tipo de investigação. Entre outras dificuldades, a grande maioria dos trabalhos publicados descreve os artefatos, porém, não os sítios e as estruturas habitacionais. Apesar da relativa abundância de informações sobre o uso de estruturas semi-subterrâneas no mundo e o acesso facilitado pela internet, ainda não é possível uma visão de conjunto que permita compor um quadro geral sobre a dispersão temporal e espacial e a significação do fenômeno. Constata-se que a maior quantidade de casos conhecidos e estudados está no Novo Mundo e que há disparidade entre as informações provenientes da América do Norte e América do Sul, tanto em número de casos quanto na intensidade de pesquisa assim como na divulgação dos resultados.

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Portanto, neste ensaio apresentaremos primeiro as questões arqueológicas levantadas pelas pesquisas realizadas em várias partes do mundo onde aparecem estruturas arquitetônicas escavadas no solo, após, relataremos os resultados obtidos nas escavações realizadas por nossa equipe no sítio RS-AN-03 utilizando das abordagens da arqueologia da arquitetura e da paisagemii, e por último, faremos alguns comentários comparativos como conclusão.

AS GRANDES QUESTÕES QUE ENVOLVEM A CONSTRUÇÃO DE ESTRUTURAS ARQUITETURAIS ESCAVADAS NO SOLO.

O levantamento completo de todos os sítios arqueológicos constituídos de estruturas arquiteturais escavadas no solo e utilizadas como unidades residenciais seria impossível no âmbito deste trabalho, entretanto, o amplo espectro aferido nos permitiu estabelecer relevantes considerações que auxiliaram na interpretação dos nossos dados sobre o planalto sul brasileiro.

Uma primeira e óbvia observação é que a prática de escavar o solo como processo construtivo de casas, fogueiras, silos, sepulturas, depósitos de lixo, sistema defensivo/fossos, é mais comum que se imagina e o encontramos espalhado por todo o globo e em todos períodos da trajetória humana. No Velho Mundo, as estruturas semienterradas ou enterradas são registradas desde o pré-mousterirense no paleolítico médio até o calcolítico europeu, havendo casos isolados até a Alta Idade Média. Geograficamente, estão presentes desde a Europa Ocidental até o Extremo Oriente. No Novo Mundo, as estruturas semi-subterrâneas foram utilizadas por grupos tribais da América do Norte, Mesoamérica e América do Sul como moradias e, em alguns casos, para fins cerimoniais, e como poços de armazenamento desde 5500 a.C. até a atualidade.

No período precedente aos anos 1960, a prática arqueológica possuía um viés histórico-cultural que privilegiava a elaboração de seqüências histórico-culturais baseada em seriações de artefatos ou conjunto de artefatos desconsiderando, muitas vezes, a distribuição dos mesmos no espaço e contexto. Isto levou a acusação a alguns arqueólogos de que só identificavam estruturas escavadas no solo como sítios de habitação porque era fácil distinguir os limites de uma cavidade e não porque era um comportamento padronizado de construção de uma determinada sociedade. Com a abordagem sistêmica adotada na análise de padrões de assentamento ficou claro que a presença significativa de estruturas escavadas no solo não é produto do tipo de pesquisa realizada, mas sim, resultado da preferência do grupo humano que viveu em determinada área.

A decisão de determinados grupos humanos de escavar o solo para construir estruturas depende de diversas variáveis que podem influenciar isoladamente ou, como é muito provável, em conjunto. Entre as razões atribuídas pelos diversos autores consultados, a construção de moradias semi-enterradas ou enterradas estaria condicionada pela sua localização (latitude, altitude, clima) destacando sua qualidade térmica, pelo tipo de relevo, pelas matérias-primas disponíveis no meio ambiente, pelo desenvolvimento técnico exigido para a manipulação das matérias-primas e edificação, pela necessidade de defesa ou camuflagem, para atender as necessidades criadas pelas mudanças econômicas e a evolução nas relações sociais e políticas. A seguir analisaremos algumas destas variáveis, que interligadas, podem explicar o uso deste tipo de arquitetura por diversos povos no Velho e no Novo Mundo durante milhares de anos até o presente.

As estruturas semi-subterrâneas e a sua localização geográfica

Alguns autores do Velho Mundo (J.P.Demoule, verbete in: Leroi-Gourhan, 1988:1143) creditam a grande quantidade deste tipo de habitação, especialmente nas estepes russas, desde o paleolítico superior até o neo-calcolítico, como uma forma de proteção aos rigores das baixas temperaturas. Tomando o exemplo russo, as estruturas semi-subterrâneas são tão freqüentes no registro arqueológico que eles criaram o termo ‘zemljanka’ para designar as habitações semi-enterradas da pré-história européia. As habitações subterrâneas teriam a propriedade de manter de forma mais eficiente o calor de uma fogueira, principalmente quando está protegido dos ventos frios que acompanham as baixas temperaturas. Há registros de sítios da cultura Kostienki-Avdeevo que foram ocupados durante o inverno quando as temperaturas podem atingir –30 a – 40 °C. A observação feita por Desbrosse e Kozlowski (2001:98) de que a presença de ‘pergélsol’ (solo típico de inter-estágio frio do glacial) impediria a escavação profunda do solo é muito pertinente para entender porque, para o período paleolítico em geral, às vezes temos, outras

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vezes não, evidências deste tipo de construção, e ainda, porque elas aumentam em número no neo-calcolítico.

Entretanto, no levantamento realizado na literatura do Velho Mundo, verificamos que as estruturas escavadas no solo também estão muito bem representadas no mesolítico e neolítico pré-cerâmico do Oriente Próximo onde as temperaturas não atingem estes frios extremos. Considerando que as primeiras ocupações do epipaleolítico e mesolítico inicial se dão nas partes elevadas dos montes ou nas suas meias encostas e que, neste período de 17 a 12.000 AP, temos no Norte do Levante um clima frio e seco e, no Sul do Levante, um clima frio e úmido (Arl. Leroi-Gourhan, 1980 apud Desbrousse e Kozlowski, 2001: 149), poderíamos pensar que a cultura kebariana desenvolveria este tipo de habitação (p.ex. o sítio de Ein Guev) para enfrentar as adversidades climáticas. Ora, a cultura natufiense, que a sucede, irá ocupar as mesmas áreas, porém também as planícies onde edificará o mesmo tipo de habitações, o que relativiza a hipótese da qualidade térmica, ou a reforça, quando interpretamos este tipo de edificação como uma resposta às necessidades humanas de proteção aos extremos de temperatura, seja de frio e calor, seja de seca e umidade. Não podemos ignorar a grande amplitude térmica diária das áreas desérticas e, nas encostas dos montes, a facilidade da construção de uma parede recortando, através de escavação, o declive.

P. A. Gilman (1987: 540-1), analisando as condições que afetam o uso de estruturas semi-subterrâneas no sudoeste norte-americano baseada em documentos etnográficos e arqueológicos de todas as partes do mundo, destaca que três condições sempre estão presentes: clima não tropical durante a estação de uso das estruturas escavadas, um padrão de assentamento minimamente bi-sazonal e a certeza de recursos alimentícios disponíveis durante o período de habitação das estruturas. A autora utiliza como ponto de partida o Atlas etnográfico de Murdock (Ethnographic Atlas, 1967)iii que, numa amostragem mundial de 862 grupos, apresenta 84 grupos que possuem estruturas semi-subterrâneas como habitação primária ou secundária. Abaixo, na Figura 1, colocamos o mapa mundial da distribuição do uso de estruturas semi-subterrâneas, retirado de Gilman.

Figura 1 – Distribuição mundial do uso de estruturas escavadas (Gilman 1987).

Todos os casos analisados por Murdock estão localizados em latitudes acima de 32°, com seis exceções localizadas no leste da África, na área sub-andina da Argentina, no Paraguai e no sul/sudeste do Brasil. Nestes locais, o uso de estruturas semi-subterrâneas está ligado a regiões montanhosas com elevadas altitudes e uma estação fria durante o ano. O Atlas de Murdock informa sobre inúmeras outras variáveis, além da localização e latitude, como densidade populacional, tipo e intensidade das atividades agrícolas e outras estratégias de subsistência, níveis de complexidade política e hierarquia jurídica, diferenciação de classes e padrão de assentamento para cada um destes grupos. Alguns destes aspectos comentaremos a seguir.

Na América, embora tenham ocorrido em diferentes ambientes geográficos, caracterizados pela presença de climas variados, incluindo até temperaturas extremas, tanto baixas quanto altas (como é o caso da região ártica e certas áreas do sudoeste norte-americano)

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registraram-se com maior freqüência em áreas cujas condições climáticas incluem invernos rigorosos.

Gilman (1987: 542) também ressalta que as estruturas semi-subterrâneas são particularmente úteis como habitações de inverno devido a sua eficiência térmica. Cita os resultados das investigações de pesquisadores do Underground Space Center da Universidade de Minnesota (1979 apud Gilman, 1987:542) que concluíram que a perda de calor por transmissão é menor em estruturas construídas dentro do solo do que sobre a superfície. Farwell (1981 apud Gilman, 1987:542) calculou que a perda de calor em uma estrutura subterrânea é 20 % menor que uma estrutura construída sobre o solo. Outra vantagem é que a temperatura do solo permanece constante durante o ano, portanto, menos energia é gasta para mantê-la estável. As estruturas enterradas não estão sujeitas a perda de temperatura provocada pelos ventos, funcionando como uma proteção, pois a temperatura do solo, nos locais onde a temperatura não é constante, alcança o seu ponto mais baixo três meses após o começo da estação fria. Durante estes três meses, o calor armazenado nas paredes da estrutura é liberado no compartimento e as variações da amplitude térmica diária e as pequenas variações de temperatura são virtualmente eliminadas.

No Brasil e Rio Grande do Sul observamos a mesma tendência que, surgida nos artigos das décadas de 60 e 70 e ainda hoje presente na literatura, descreve a forma como os grupos humanos adaptaram-se ao meio ambiente do planalto, construindo casas subterrâneas e, em alguns casos, galerias que as ligavam entre si para fugir aos rigores das baixas temperaturas invernais. Segundo Schmitz, o ambiente do planalto é um cenário caracterizado pelos terrenos elevados, íngremes e frios com cobertura vegetal (também adaptada às baixas temperaturas), de campos e matas mistas com pinheiro-do-paraná (Araucaria augustifolia). A área de extensão da mata de araucária e dos campos de cima da serra corresponderia aproximadamente à área onde se localizam os sítios arqueológicos compostos de conjuntos de casas subterrâneas. Estas estruturas escavadas no solo constituiriam adequadas respostas aos desafios impostos pelo meio, uma proteção às baixas temperaturas, aos ventos frios que as acompanham e as eventuais quedas de neve (Schmitz, 1991:82). As estruturas semi-subterrâneas e a sua implantação no relevo

Os processos construtivos das estruturas escavadas dependem das matérias-primas disponíveis no meio ambiente, assim como o relevo irá condicionar a forma de implantação dos sítios. Nas regiões onde não há abrigos naturais, como cavernas e grutas, ou quando estas não apresentam condições adequadas à permanência, como p.ex. a elevada umidade, os grupos humanos deram preferência aos terraços e as meias encostas dos montes, como no período natufiense de Jericó e Abu Hereyra. Na meia encosta ou no sopé dos montes foram escavadas plataformas ou cavidades no solo para serem usadas como unidades residenciais.

Da mesma forma na América, o relevo preferencial é o topo de morros, das encostas e meias encostas, sendo estas últimas as preferenciais, porque além de protegerem dos ventos gelados, o declive poderia servir de parede natural das estruturas. Como vimos, no Brasil, há uma maior concentração de estruturas nas altitudes entre 800 e 1000 metros e podem estar tanto em campo aberto como dentro da mata de araucária ou da floresta subtropical. Encontramos estas estruturas nas encostas dos morros, raramente no topo das elevações e quase sempre a algumas dezenas de metros de algum córrego pequeno não navegável. Segundo Schmitz (1991), esta posição topográfica permite uma boa visibilidade e uma situação defensiva favorável, evitando também a ação de fortes enxurradas que afetam as partes baixas onde as águas das chuvas se acumulam. As estruturas semi-subterrâneas e os processos construtivos: forma, tamanho, matérias-primas, tecnologia.

Outra variável importante é o processo construtivo adotado e a forma e tamanho das estruturas escavadas. Verifica-se que os solos de habitação, sejam estruturas semi-enterradas sejam sobre o solo, possuem uma forma circular ou oval. Alguns autores (p.ex. Binford, 1988) querem ver que a mais antiga e duradoura forma (todos os solos de ocupação humana desde o paleolítico até o neolítico no Velho Mundo) tem suas origens na posição das pessoas ao redor da fogueira e daí provém a associação ou o duplo sentido da palavra ‘foyer’ (fogueira) empregado como fogão/lareira/lar/local de reunião. Além de ser a forma mais simples, o calor emanado da fogueira chega uniformemente a todos os lados. Analisando exemplos do Velho Mundo, verifica-

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se uma relação entre a passagem do mesolítico com casas circulares e semi-subterrâneas para as casas retangulares e superficiais do neolítico. Para Liverani (1995: 67), a planta quadrangular ou retangular das casas possui um significado social. Enquanto que a cabana redonda corresponde à estrutura familiar baseada em núcleos não ampliáveis, a casa quadrangular permite ampliação e tende a formar agregados em torno de um pátio, um tecido apertado reticulado. Os sítios de Ghassoul e Mureybet são dois bons exemplos da evolução das plantas de cabanas circulares enterradas ou semienterradas para plantas quadrangulares na superfície. Em Çayönü há grandes edifícios com alicerces de pedra cujo uso, como matéria-prima preferencial de construção, ajudou na adoção de plantas quadrangulares.

Para o sudoeste norte-americano também foi estabelecida uma relação entre a passagem do arcaico com casas circulares e semi-subterrâneas (pithouses) para casas retangulares/quadrangulares e superficiais do formativo (pueblos) e existe uma vasta bibliografia sobre os possíveis fatores que levaram a esta mudança na arquitetura. No Brasil, as informações obtidas mostram a maior ocorrência (80%) de estruturas semi-subterrâneas circulares e/ou ovais; as retangulares e quadrangulares, e até em forma de “D”, são em menor número. Em muitas estruturas foi observado um pequeno aterro periférico, alcançando de 30 cm até dois metros de altura, possivelmente para compensar um declive pronunciado do terreno.

O tamanho das estruturas é outro dado a ser explorado, a grande maioria das estruturas utilizadas como moradia possui um tamanho médio a pequeno (estipulamos para o nosso trabalho, baseado nas evidências americanas e brasileiras (Reis, 1980), que 2 a 5 m são pequenas, de 6 a 8 m são médias e de 9 a 20 m são grandes) e, quando apresentam tamanhos grandes, foram interpretadas como possuindo funções cerimoniais (áreas de reuniões ou culto como as “kivas” do sudoeste norteamericano, local de hospedagem, segregação sexual) ou evidenciando diferenciação social (como os estudos que estão sendo efetuados nas estruturas das Ilhas do Canal da Califórnia pertencentes aos índios Chumash).

Nas estepes russas, o tamanho das casas está associado à matéria-prima empregada. Trazendo novamente o exemplo da cultura Kosteinki-Avdeevo, no interior de algumas cabanas foram encontradas presas de mamute, fincadas verticalmente e dispostas de forma centrípeta, que formavam um teto. As dimensões das cabanas eram determinadas pelo duplo comprimento das presas de mamute que serviam de suporte para o telhado (Debrosse e Kozlowski, 2001: 89). Neste exemplo, a profundidade está diretamente ligada ao diâmetro das estruturas. No caso brasileiro, principalmente registrado nos Campos de Lages de Santa Catarina, também se verifica a estreita ligação entre o tamanho das estruturas e suas profundidades (Reis, 1980).

O meio ambiente, a implantação dos sítios no relevo, as matérias-primas disponíveis estão diretamente ligados à seleção dos componentes das estruturas habitacionais como piso, paredes, telhado, entrada/acesso e fogueiras. Nos dados expostos pelo nosso levantamento, observamos pisos simples sobre o solo escavado, pavimentado de argila endurecida, lajeado; paredes revestidas de argila, pedra ou tijolos; teto sustentado por postes (internos ou externos à cavidade ou ambos) e com vigas de madeira ou ossos de animais; coberturas de telhado feitas de vegetais, peles de animais, pranchas de madeira ou de camadas de argila; pedras ou muretas de barro para segurar a cobertura; banquetas escavadas nas paredes; buracos nas paredes ou no piso para silos; fossas de enterramentos debaixo do piso da residência.

As estruturas semi-subterrâneas e a sua função

Para o Velho Mundo não encontramos discussões em torno da função das estruturas semi-enterradas, afora raras exceções, foram interpretadas como unidades residenciais (Desbrosse & Kozlowski, 2001). Na América, como vimos acima, o tamanho diferenciado e a pouca quantidade de material no interior das estruturas semi-enterradas, levantou questões sobre sua funcionalidade. A partir das informações referentes à arquitetura, como também a constatação de pisos de ocupação com presença de artefatos ligados a atividades domésticas, foi identificada, na quase totalidade dos casos, a função de moradias. Associadas às casas, foram encontradas, principalmente no sudoeste americano, estruturas utilizadas para fins cerimoniais como, por exemplo, as “kivas”. Estas estruturas possuem, em geral, tamanhos grandes e posições de destaque na paisagem e podem ter sido utilizadas como local de práticas rituais, de reuniões do conselho, alojamento de hospedes, segregação de categorias como, por exemplo, casa de homens.

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No caso brasileiro, poucos trabalhos questionaram a função das estruturas semi-subterrâneas, a tal ponto que na literatura é recorrente o uso do termo casas semi-subterrâneas. Reis (1980) foi a primeira pesquisadora a tentar definir funções diferenciadas a partir dos atributos arquiteturais e conclui que a maioria das estruturas foi utilizada como unidades residenciais, inclusive as grandes, com exceção de sete estruturas. Na busca de explicações para estas variações de tamanho das estruturas, porém com função semelhante, a pesquisadora aventa a possibilidade de variação na constituição de grupos domésticos, a evolução de uma família poligâmica ou matrilocal para um sistema patrilocal.

Outra função identificada para as unidades menores é a de poços de armazenamento, silos, locais de esconderijo. No Velho Mundo, há inúmeros registros sobre o uso de esconderijo para a carne e outros produtos provindos das atividades de coleta e/ou agricultura, assim como, de objetos de alto valor agregado e de uso estacional recorrente, além de silos bem estruturados e compartimentos (salas) para o depósito dos produtos da atividade de subsistência. Na América, mesmo no sudoeste americano, pouca atenção foi dada a estas necessárias estruturas. Gilman (1987) coloca que, sendo os alimentos disponíveis, concentrados e armazenáveis, a base principal da dieta durante o uso das estruturas subterrâneas, as mesmas devem ter micro estruturas (buracos, salas) ou elementos (potes e cestas) que facilitem a estocagem. Segundo a autora, falta escavar as paredes e os pisos para identificar estes elementos. No Brasil, Reis (1980) correlaciona as estruturas muito pequenas e/ou geminadas, entre um a três metros, como unidades de armazenamento. Estas unidades foram registradas em 59 dos sítios pesquisados, entretanto, não foram efetuadas escavações para identificar a função das mesmas, presumindo-as do seu tamanho e das informações etnográficas disponíveis. Rogge (2004) também menciona a existência de estruturas pequenas demais para funcionar como residência nos sítios do projeto Vacaria e levanta hipótese de tratar-se de silos.

As estruturas semi-subterrâneas e os modos de subsistência

Temporalmente, as estruturas semi-subterrâneas são descritas como moradias preferenciais de sociedades em transição entre modos de subsistência baseados na caça e coleta de vegetais e os baseados na agricultura ou pecuária, período conhecido no Velho Mundo como mesolítico e, na América, como período arcaico. A análise deste período transicional é problemática, porque é difícil captar no registro arqueológico o processo de mudança (com exceções como de Tehuácan no vale do México e Sadi el-Natuf no Oriente Médio). Em geral, o arqueólogo “congela” a área considerada como o piso de uma estrutura ocupada e pertencente a uma determinada sociedade, como uma imagem, a fim de fazer uma leitura deste instantâneo e, assim cristalizando-o.

Na América, a ocorrência foi registrada entre grupos culturalmente bem distintos, preferencialmente entre caçadores e coletores e pescadores, com ou sem a presença de agricultura incipiente e, de modo mais restrito, entre praticantes de agricultura intensiva. Observa-se, como descrevemos acima, que há casos em que, com o desenvolvimento da agricultura, houve a substituição das estruturas subterrâneas por estruturas sobre o solo. Não obstante, Gilman (1987) mostra que a presença ou ausência de agricultura não está diretamente relacionada ao uso ou não de estruturas escavadas e, portanto, elas não podem ser usadas para diferenciar economias de caçadores e coletores de agricultores.

No Brasil, devido à existência de cerâmica associada às estruturas escavadas e restos de plantas cultivadas em sítios cemitérios, atribuíram atividade de caça, coleta, pesca e uma agricultura incipiente ou adquirida pelo contato com os grupos da tradição ceramista Tupiguarani.

As estruturas semi-subterrâneas e o sistema de assentamento

Um sistema de assentamento pode ser definido pela morfologia dos sítios, a forma de implantação dos mesmos no relevo, as estratégias de subsistência, as formas de organização sociopolítica e simbólica, entre outras. Aqui nos debruçaremos sobre a questão da sedentariedade/mobilidade dos grupos humanos que está intimamente imbricada com as estratégias de subsistência, a densidade demográfica e construções arquiteturais mais elaboradas.

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Diversos autores sugerem que o aumento no número de sítios no Paleolítico Superior deve-se a certa sedentariedade e que esta é provavelmente produto de uma coleta mais intensiva de plantas (como no caso dos sítios do Oriente Médio) ou da armazenagem da carne em silos como verificamos nos sítios russos (nos exemplos que trouxemos aqui se percebe sítios que foram ocupados o ano todo).

O grau de desenvolvimento tecnológico está ligado à disponibilidade das matérias-primas, mas, principalmente, à necessidade de habitações mais resistentes às intempéries (a pavimentação do solo pode estar ligada à umidade das planícies e ao pisoteio do solo como resultado da ocupação humana) e a proteção de eventuais inimigos. O esforço de construir casas mais reforçadas deve estar associado a uma ocupação de caráter mais permanente e de uma economia que permitia ou exigia certa sedentariedade. Tanto na cultura kebariana quanto na sua sucessora natufiense, há um aumento do tamanho das áreas dos sítios, nas grutas e seus terraços como El Wad, no sul do Monte Carmelo, e Hayonim, ao norte de Haifa, as superfícies chegam a 500 m² e 1000m² respectivamente. A grande maioria dos sítios está em áreas abertas e apresenta grande tamanho como Rosh Zin, no sul da Palestina, cobre 600 m², Ein Mallaha, perto do lago da Galiléia, cobre 2000 m², Rosh Horesha, no Neguev, cobre 3000 m². Complementando, um grande número de sítios de caça não ultrapassa 200 m² (Debrousse e Kozlowski, 2001: 152). Estes sítios grandes permitem inferir uma população maior convivendo no mesmo espaço durante um período maior (talvez o ano todo), explorando recursos disponíveis. Os kebarianos já praticavam uma caça seletiva e os natufienses aprimoram a seleção caçando preferencialmente a gazela, inclusive construindo cercados para a guarda e abate dos animais. Eles intensificaram a colheita de cereais ancestrais da cevada e do trigo.

Na América, segundo Gilman (1987), a presença de estruturas semi-subterrâneas em um sistema cultural é um indicador direto de um padrão de sedentariedade estacional, ou seja, as estruturas eram ocupadas na estação fria quando havia recursos estocados disponíveis, de fácil acesso e que poderiam exigir proteção contra diversos predadores. Nas outras estações do ano, o padrão de assentamento muda de acordo com os diversos ambientes a serem explorados. A densidade populacional, estimada em 50 casos etnográficos levantados por Murdock (1967), mostra um predomínio de 100 indivíduos por assentamento, enquanto havia somente três assentamentos com mais de 400 e, em um caso, chegando a mais de 1000 habitantes. Os assentamentos com habitações de estruturas semi-subterrâneas geralmente são menores que assentamentos com outros tipos de estruturas combinadas (Gilman, 1987:544).

No Brasil, a disposição das estruturas não apresenta um padrão fixo. Foram encontradas alinhadas a um córrego, formando linhas paralelas ou uma concentração circular de pequenas estruturas ao redor de outra maior. Embora ocorram como unidades isoladas, aparecem, preferencialmente, agrupadas em conjuntos que contém de 2 até 68 unidades, no mais das vezes dispostas irregularmente.

As estruturas semi-subterrâneas e a organização socio-política

A questão sobre os estágios de desenvolvimento social e político dos grupos humanos pretéritos gera ainda muita controvérsia e muitos arqueólogos atribuem isso a simplificações não verificáveis no registro arqueológico (Yoffe, 2000). Segundo Liverani, o aumento da complexidade sócio política, no mesolítico, pode ser aferido a partir do aumento das edificações e da área ocupada. Há indícios de cooperação intra-familiar, cujo exemplo é as fortificações de Jericó, assim como, os crânios dos antepassados com moldes de argila da face representam as primeiras expressões ideológicas da estrutura patriarcal. As propriedades são maiores: de 2000 a 3000 m2 do Natufiense passou para 2 a 3 hectares no Acerâmico A, e por último a 10 hectares no Acerâmico B (Liverani, 1995: 67).

Segundo o levantamento apresentado por Gilman para a América (1987:547), a maioria dos grupos que edificaram estruturas subterrâneas não possui estratificação em classes, verificam-se distinções em metades ou distinção de riqueza não hereditária. Com uma densidade populacional reduzida, que acompanha o uso de estruturas escavadas, as comunidades apresentam baixos níveis de hierarquia jurídica e complexidade política (na amostragem de Murdock, somente 27% dos grupos são chefaturas). A organização política não afeta a presença ou ausência de estruturas edificadas.

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No Brasil, esta questão nunca chegou a ser trabalhada. A interpretação de que os construtores e habitantes das estruturas semi-subterrâneas se organizassem em cacicados (grupos tribais liderados por caciques) foi inferida a partir dos dados etnográficos disponíveis para os índios Kaingang do século XIX (Schmitz e Becker, 1991). A ARQUEOLOGIA DA ARQUITETURA: AS ESTRUTURAS SEMI-SUBTERRÂNEAS DO SÍTIO RS-AN-03

O sítio arqueológico RS-AN-03 compõe-se de um conjunto de quatro estruturas semi-subterrâneas circulares, um grande depósito de terra e as evidências localizadas nas áreas externas. Abaixo, na Figura 1 está o croqui planimétrico do sítio arqueológico, com exceção da área externa 2 que está a leste da estrutura semi-subterrânea C.

Neste ensaio utilizaremos os resultados obtidos nas escavações das estruturas semi-subterrâneas C e A do sítio RS-AN-03 para compararmos com as questões arqueológicas identificadas no levantamento bibliográfico. Intencionalmente não trataremos das demais estruturas do sítio como o depósito de terra resultante da construção das estruturas semi-subterrâneas e a ocupação das áreas externas.

Figura 1 – Croqui planimétrico do sítio RS-AN-03

O sítio RS-AN-03 e a sua localização geográfica O sítio RS-AN-03 localiza-se na encosta sul de uma elevação coberta de mata de araucária, a 3 km da sede do município de Bom Jesus, local denominado Parque Leotídia. Suas coordenadas obtidas por GPS são 28°40.405’ Latitude Sul e 50º25.445’ Longitude Oeste, a altitude é de 920 m acima do nível do mar e situa-se sobre o divisor de águas entre o rio das Antas e o Pelotas. O sítio RS-AN-03 e a sua implantação no relevo

Quanto a sua implantação no relevo, o sítio está localizado parte em declive abrupto, parte em declive suave, na baixa encosta de um morro com topo amplo, em desnível superior a 40 metros. A elevação e a mata protegem as estruturas do sítio dos ventos gelados de inverno, assim como, podem servir de proteção contra eventuais inimigos, apresentando uma implantação no relevo estratégica. No lado da encosta as paredes são mais retas e altas, sendo compensada a altura, nas paredes ao sul, com uma série de postes dispostos sobre a primeira bancada. Ainda sobre a encosta foram realizados trabalhos de terraceamento, que denominamos de bancadas externas, que provavelmente visam proteger as estruturas semi-subterrâneas da enxurrada das águas das chuvas. Na Figura 2 é possível visualizar a forma de implantação do sítio no relevo.

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Figura 2 – Implantação no relevo da estrutura semi-subterrânea C – Perfil norte/Sul

Os recursos d’água são abundantes, visto a proximidade de pequenos córregos à leste e à oeste, em distância não superior a 20 metros. Hoje estes córregos estão parcialmente drenados para açudes. Na margem destes córregos poderia ser obtida a argila para confecção de recipientes cerâmicos e no entorno do sítio existem muitos afloramentos de basalto que facilitariam o acesso à matéria prima para a confecção de artefatos líticos.

A análise sedimentológica (granulometria, geoquímica e difratometria) ofereceu informações relevantes para entender, a aqui denominada, arqueologia da arquitetura. Em primeiro lugar, todos os elementos constitutivos das estruturas do sítio RS-AN-03, assim como, das micros estruturas (blocos e fragmentos de rocha que compõem as fogueiras e firmam os postes e os artefatos) e os sedimentos que as preenchem após o seu abandono são e provem de matérias-primas autóctones, do entorno do sítio e características do planalto sul brasileiro.

As estruturas semi-subterrâneas foram construídas em solos resultantes do intemperismo muito avançado do basalto, decompondo o basalto e apresentando altos índices de silte e argila (70%). Acredita-se que se trata de um paleosolo, pois a abundância de concreções ferruginosas (60 a 80% no gráfico da fração grossa) encontradas na maioria das amostras evidencia sua formação posterior aos intemperismos.

Constatamos ainda que, dentro das estruturas, o solo é muito homogêneo e as modificações são resultados da ocupação humana. As características particulares dos sedimentos encontrados na área de ocupação são altos teores de quartzo. O quartzo não é típico dos solos decorrentes de rochas basálticas, portanto, a sua alta incidência pode ser explicada pela ação antrópica. Na estrutura semi-subterrânea C, os altos teores de carvão e quartzo podem ser conseqüência do tamanho da unidade residencial. As estruturas semi-subterrâneas C e A do RS-AN-03 e os processos construtivos A estrutura semi-subterrânea C A intervenção arqueológica na estrutura semi-subterrânea C foi completa (exceto duas quadrículas na periferia oeste da estrutura e quatro è leste) e isto nos permite ter uma idéia clara dos elementos – paredes, bancadas, piso, fogueiras, esteios, vigas do telhado e telhado - que a compõem e o processo construtivo empregado.

Os processos construtivos da estrutura semi-subterrânea C compreenderam a abertura de um imenso buraco no solo e a constituição de paredes escavadas em rocha basáltica em decomposição, componente natural da elevação onde se localiza o conjunto do sítio. As paredes são circulares possuindo um diâmetro de 8 metros aproximadamente (medidas na superfície do solo) e afunilando suavemente à medida que aprofundam talvez resultado do assoreamento natural e/ou antrópico. Os elementos construtivos identificados através da escavação arqueológica são duas bancadas circulares construídas junto das paredes a partir do sistema de ‘não-escavação’ de plataformas/degraus. A primeira começa a aparecer a 1,10 da superfície e, na parede sul da estrutura, apresenta aglomerados de pedras dispostas de forma circular ao redor de buracos das estacas (esteios) de suporte das vigas do telhado.

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Os instrumentos utilizados para a construção/abertura desta estrutura em cova deveriam ser encontrados próximos às estruturas, entretanto, os artefatos achados são materiais de uso expediente (constatado pelos seus atributos tecno-funcionais) e não atendem aos requisitos necessários para este trabalho pesado. Alguns pesquisadores brasileiros aventam a possibilidade das estruturas terem sido abertas com os grosseiros machados lascados em basalto que encabados funcionariam como enxadas. Na literatura norte-americana encontramos documentos etnográficos que comprovam o uso de enxadas feitas com grandes ossos de animais (como clavículas e partes da bacia) que encabadas serviam para trabalhar a terra. A terra possivelmente seria transportada com cestos e depositada no lado externo, a certa distância das estruturas escavadas como se verifica na localização do depósito neste sítio (http://www.usd.edu/anth/crow/ccwho.html).

As condições climáticas subtropicais não permitem a conservação de materiais perecíveis, portanto, o uso de cestaria é uma presunção. Não obstante, em vários grupos etnográficos e arqueológicos norte-americanos constatamos o uso freqüente da cestaria, mesmo em grupos conhecedores da confecção cerâmica, como é o caso dos construtores das estruturas semi-subterrâneas do planalto. Estas considerações são reforçadas pela cerâmica encontrada no sítio, cuja técnica de confecção ou de decoração plástica, entre outras, apresenta impressões de cestaria, além do grupo etnográfico Kaingang, considerado descendente dos grandes construtores das estruturas semi-subterrâneas, ainda produzir majoritariamente artesanato em cestaria.

No centro da estrutura existe um aprofundamento de três metros de diâmetro que, no início da ocupação, estava a um metro abaixo do nível da segunda bancada. A base deste aprofundamento consiste no primeiro piso de ocupação que, segundo revelam as análises sedimentológicas, foram escavadas até os sedimentos característicos do sopé do morro. Neste espaço central encontram-se as micro-estruturas fundamentais que, por sua vez também apresentam distintas localizações. No centro-oeste do aprofundamento está a fogueira e as armações de pedras firmadoras do poste central, no lado esquerdo/noroeste está outro poste de suporte do telhado e, na direita, temos a deposição secundária de refugos com pedras quebradas pelo fogo misturadas às cinzas da fogueira. As amostras de sedimentos que preenchem as depressões circundadas de pedras fixadoras dos esteios da estrutura do telhado não são diferentes das demais, portanto, os buracos dos postes foram preenchidos por sedimentos iguais aos das paredes da estrutura semi-subterrânea (Figura 3).

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Figura 3 – Matriz Harris e planta baixa gerada pelo programa ARCGIS das micro estruturas da

estrutura semi-subterrânea C (sem os artefatos). Legenda: Vermelho, laranja e amarelo: fogueiras sobrepostas; cinza e verde azulado: blocos de

rocha; círculos brancos: buracos de postes; marrom: bancadas. Na estrutura semi-subterrânea C, o que chama a atenção é a dessimetria entre o lado

oeste e leste da segunda bancada e as dessemelhanças nos processos construtivos das paredes Norte e Sul. Ao entrarmos na estrutura pelo lado sul, observamos que a segunda bancada à oeste/esquerda é mais larga (128 cm), enquanto que no leste/direta é estreita (67 m). A parede norte/nordeste é mais alta, reta e abrupta e possivelmente o vigamento do telhado é sustentado pela própria parede e os esteios central e lateral noroeste, enquanto que, na parte sul, a parede sudoeste é mais inclinada (rampa de acesso?) com bancadas largas e, no lado sudeste, aparece os buracos de postes. Na Figura 4 tentamos reproduzir, em desenho livre, a parede sul da estrutura.

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Figura 4 – Reprodução da estrutura semi-subterrânea C – Parede Sul

A estrutura semi-subterrânea A Na estrutura semi-subterrânea A foram escavados 28 m², o que perfaz pouco mais de 1/3

de sua área total. Comparando com os 24 m² escavados na estrutura C, e considerando que cobriu quase a totalidade de sua área (faltaram duas quadrículas na parede oeste e quatro na parede leste), pode-se calcular as grandes dimensões da estrutura A. Em 1999, quando realizamos a trincheira que cortava a estrutura no sentido Norte/Sul, não atingimos as paredes e quando retomamos as escavações em 2002 decidimos abrir a leste da parte central da trincheira, resultando na não obtenção de dados sobre os processos construtivos. Aparentemente evidenciamos a parede sul que se apresentava inclinada, porém a área aberta é muito pequena para podemos afirmar a possibilidade de estarmos diante de uma rampa de acesso.

Entre os elementos isolados estão, em direção a parede sul, os restos carbonizados de troncos que compunham os postes ou o vigamento do telhado que foram datados em 250 AP. Na parede Norte, não encontramos estes restos, porém sim, um conjunto de nós de pinho dispostos como se estivessem ainda no tronco quando entraram para a camada arqueológica. Supomos que o tronco/viga se decompôs e restaram os nós de pinho. As estruturas semi-subterrâneas C e A do RS-AN-03 e suas funções/usos A estrutura semi-subterrânea C

A análise da distribuição espacial dos artefatos coletados apresenta uma maior concentração no entorno da fogueira, na parte centro-oeste da estrutura. Esta divisão afeta a aparência geral do depósito arqueológico, com um lado esquerdo limpo, claro e organizado e um lado direito sujo, escuro e desorganizado. Estas divisões do depósito arqueológico nos remetem às diferentes áreas de atividades do grupo humano que ali habitou.

Observando a superfície do solo da unidade de ocupação e a maneira como as camadas foram depositadas verificam-se limpezas do piso através da retirada do material das fogueiras e dos detritos do piso por varredura, evidenciadas pelos carvões dispersos nas camadas, as micro-lascas, os micro-fragmentos de cerâmica e os citrinos identificados através da análise sedimentológica.

A análise do espaço interior da estrutura semi-subterrânea C, com o auxílio de mapas de densidades gerais dos artefatos como os fragmentos cerâmicos, os restos de debitagem e os instrumentos, mostram áreas de atividades discretas ocorrendo ao longo de toda a ocupação.

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A partir das densidades apresentadas pelas diferentes classes de artefatos foi possível sugerir três áreas de atividades no interior da estrutura: 1. uma área de refugo: um local com densidade de carvão sem formar arranjo definido (fogueiras), com presença de blocos térmicos e poucas, porém, grandes peças líticas e alguns fragmentos cerâmicos; 2. uma área de trabalho: local com evidências expressivas de produção e uso de artefatos líticos, e processamento e consumo de alimentos, através das vasilhas cerâmicas; e 3. uma possível área de descanso: local com menor densidade de objetos, sem concentração de carvão nem blocos térmicos, ou seja, uma área mais limpa, além de possuir bancadas mais amplas.

A partir das constatações acima, concluímos que a estrutura semi-subterrânea C foi utilizada como uma unidade residencial onde foram desenvolvidas atividades domésticas de preparo e consumo de alimentos, além de local de descanso. A estrutura semi-subterrânea A

Na parte central leste da estrutura, as cinco fogueiras identificadas estavam estruturadas com blocos de rocha, possuíam muito carvão no seu interior e, em duas foram encontrados fragmentos de uma vasilha cerâmica. A nossa hipótese é de as fogueiras foram utilizadas concomitantemente visto que em duas obtivemos as datas de 880 AP e 870 AP, não obstante que, na parte superior da fogueira 1’, tenha dado uma data de 370 AP. Na fogueira 2 conseguimos comprovar a hipótese, que tínhamos levantado durante a escavação da estrutura C, que as fogueiras e o piso da estrutura passam por periódicos re-arranjos ou limpezas, pois esta fogueira encontrava-se quase que completamente coberta por uma camada de 3 cm de basalto decomposto. Também muito interessante é a distribuição espacial das fogueiras (Figura 5). Elas foram um semicírculo ao redor do centro da estrutura o que nos permite supor um espaço ocupado por várias pessoas, talvez uma área comunitária.

Há evidências de três buracos de postes, um central e maior e dois laterais ao norte. A projeção, à esquerda, destes postes poderia nos dar uma idéia da estrutura do telhado. Entre os postes, as áreas estão mais limpas de estruturas e artefatos e deduzimos que seria área de circulação. Outro dado novo verificado nesta estrutura é o buraco no piso, próximo e abaixo da estrutura de fogueira, que poderia ser interpretado como local de depósito de rejeitos, um silo ou local de esconderijo. Infelizmente os dados não são suficientes para levantarmos uma hipótese sobre a sua função.

No caso da estrutura semi-subterrânea A verificamos duas áreas gerais de atividades, ao norte da área escavada temos o processamento e consumo de alimentos junto às fogueiras e, ao sul, uma área de produção de material lítico e refugo das termóforas e restos de debitagem. Como na estrutura semi-subterrânea C, a pouca densidade de material na parte central, onde estão os esteios de sustentação do telhado, pode ser interpretada como área de circulação.

As características da estrutura semi-subterrânea A, acrescidas aos tipos de artefatos e sua distribuição espacial, permitem afirmar que a mesma foi utilizada como unidade residencial onde eram realizadas atividades domésticas de preparo e consumo de alimentos.

Entretanto, se era uma unidade residencial porque a mesma possui dimensões tão avantajadas (18 metros de diâmetro) em relação às demais estruturas B, C e D (6 a 8 metros de diâmetro) também utilizadas como moradias? Pode-se levar a hipótese dos integrantes desta família possuir um status diferenciado dos demais, seja econômico, religioso ou político, ou ainda tratar-se de uma família extensa, agregando várias famílias nucleares. Agora, uma família extensa não teria necessidade de utilizar concomitantemente várias fogueiras. A hipótese que se sustenta é que a grande quantidade de fogueiras, a sua disposição em semicírculo ao redor da área central da estrutura e a sua relativa contemporaneidade denota um espaço de uso coletivo, comunitário, periódico (verificado pela camada de basalto colocada sobre a fogueira 4) e recorrente. Poderia ser a residência de uma pessoa com nível hierárquico diferenciado que episodicamente realiza reuniões de chefes de famílias nucleares pertencentes ao seu grupo, ou ainda, um local de confraria de homens. Infelizmente, os dados que dispomos nos possibilitam formular hipóteses, porém novas escavações devem ser realizadas para comprová-las.

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Figura 5 – Matriz Harris e planta baixa gerada pelo programa ARCGIS da estrutura semi-subterrânea A (sem os artefatos).

Legenda: Laranja: fogueiras; cinza: blocos de rocha; círculos verdes: buracos de postes; amarelo: lente de basalto.

As estruturas semi-subterrâneas C e A do RS-AN-03 e o modo de subsistência

Nas escavações no sítio RS-AN-03 foram encontrados muitas cascas de pinhões carbonizadas junto às fogueiras comprovando sua larga utilização. O pinhão, fruto da araucária, cuja floresta cobre amplas parcelas do planalto, constituí um alimento muito nutritivo e abundante atraindo, na época de sua maturação, vários animais. Infelizmente outros restos orgânicos (vegetais e animais) não foram encontrados e não possuímos as análises polínicas, portanto, recorremos às informações históricas e etnográficas que mostram, segundo Noelli (1999-2000), uma adaptação muito bem integrada aos variados ecótonos do Sul do Brasil, tanto no manejo florestal quanto nas atividades de caça e pesca.

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Concordo com Noelli quando afirma que diversas comunidades vegetais situadas nos territórios dos Jê do Sul constituíam florestas antropogênicas, manejadas por eles ao longo de 2.000 anos. A extensão das áreas manejadas e a sazonalidade de várias espécies permitiam uma subsistência centrada na coleta, associada às práticas de obtenção de proteína animal baseada na caça e na coleta.

No período da ocupação das estruturas semi-subterrâneas, as práticas agrícolas não podem ser comprovadas, pois as evidências de plantas domesticadas como o milho, foram encontradas na gruta do Matemático, portanto, para práticas funerárias, talvez como oferenda assim como a cerâmica, e não necessariamente para consumo. Também não foram encontradas junto às unidades residenciais, nem foram encontrados os campos de cultivo, e os solos onde se encontram os sítios não são propícios à agricultura (ainda na atualidade a economia municipal é predominantemente voltada para a pecuária e exploração da madeira). Aqui cabe a distinção entre cultígenos, plantas cultivadas e talvez utilizadas, porém não alteradas geneticamente, como o cará, mandioca, amendoim, batata, feijões e as plantas domesticadas como o milho e algodão que foram introduzidos através de intercâmbio com os grupos agricultores Guarani (Harris & Killman, eds. 1989). É provável a utilização de cultígenos, mesmo que não tenhamos evidências no registro arqueológico. Os artefatos, como mãos de pilão e a cerâmica, poderiam estar associados às atividades de processamento da farinha do pinhão e não dos produtos agrícolas.

A domesticação de plantas não foi realizada pelos grupos construtores de estruturas semi-subterrâneas, mas eles ‘domesticaram’ o ambiente (Harris & Killman, eds. 1989). Estes coletores e caçadores domesticaram o ambiente, inclusive plantas, não praticando uma agricultura, mas desenvolvendo um sistema complexo de categorização mental que lhes dá o controle sobre as plantas e animais. Deste modo, a domesticação de plantas seria uma forma relativamente tardia de manipulação do ambiente.

No nosso caso, como não foi feita a análise polínica e antracológica e não há restos macroscópicos de plantas nem de ossos devido ao clima e acidez do solo, e talvez devido à própria ação de limpeza esporádica realizada pelo grupo residente no conjunto de estruturas semi-subterrâneas, é difícil comprovar esta ‘domesticação’, porém podemos trabalhar com estes elementos para compor uma hipótese explicativa para este aglomerado de estruturas no planalto. As estruturas semi-subterrâneas C e A do RS-AN-03 e o sistema de assentamento

Para realizar a análise inter-sítios e regional, elegemos uma área piloto de 1.500 km² cujo centro é o sítio RS-AN-03. Tomando o exemplo dos sítios do entorno do RS-AN-03 localizados nos terrenos altos da mesma nascente, verificamos que se trata de estruturas pertencentes ao mesmo contexto, e devido à proximidade, deveriam estar relacionados e, portanto, poderiam ser consideradas como um sítio. Este sítio teria um conjunto de 4 estruturas com uma grande central (Estrutura A do RS-AN-03), uma outra estrutura grande a 275 m (RS-AN-06), uma terceira a 500 m e outra a 1 km.

Baseando-nos em dados exclusivamente arqueológicos constatamos que na área piloto, o sistema de assentamento compreende dois padrões bem claros. O padrão de assentamento no qual está inserido o sítio RS-AN-03 é o de construção de casas médias a grandes, isoladas ou formando pequenos aglomerados, a utilização de choças nas margens de rios e a enterramento dos seus líderes em montículos próximos às grandes casas e dos membros da comunidade depositados em grutas.

Na região do Governador (lado oeste da área piloto), apesar dos elementos culturais comuns dos grupos do planalto, identificamos outro padrão, com grande concentração de estruturas pequenas e médias, ocupação de áreas abertas próximas a correntes d’água de maior magnitude, enterramento em montículos de terra e pedra em estruturas de alto relevo, muito semelhante a que encontramos no município de Pinhal da Serra, além da construção de muros ou ‘cordões’ de terra que talvez definiriam áreas de exploração dos pinheirais ou áreas territoriais diferentes ou, ainda, poderíamos pressupor como estratégias defensivas. As estruturas semi-subterrâneas C e A do RS-AN-03 e a forma de organização sócio política Mesmo que a seleção de uma área piloto seja arbitrária e que não temos a totalidade dos sítios e a contemporaneidade dos mesmos está sendo presumida, utilizamos a técnica geo-estatística dos polígonos de Thiessen para entender o padrão de distribuição dos sítios na paisagem e nos aproximarmos do comportamento territorial dos grupos, conforme a Figura 6, abaixo.

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Figura 6 - Aplicação do teste dos polígonos de Thiessen à área piloto

A aplicação desta técnica, construída a partir dos aglomerados de sítios identificados no teste anterior, permitiu verificar uma concentração de conjuntos de sítios no entorno do sítio RS-AN-03, outra concentração na região do Governador e talvez uma terceira na região do Caraúno, concentração está já identificada no teste K-means cluster. Atrevendo-nos a aplicar o modelo de fronteiras territoriais (Hodder, 1978), poderíamos identificar duas ou três concentrações, dois ou três diferentes grupos de uma mesma parcialidade. A hipótese de trata-se de cacicados diferentes, não pode ser descartada. Estamos cientes que este modelo possui suas limitações e não delimita os limites reais de um território, porém pode servir como instrumento de trabalho para alimentar a reflexão sobre a ocupação de um território mesmo sem dados arqueológicos exaustivos (Djindjian, 1991:210).

CONCLUINDO: O QUE PODEMOS APRENDER SOBRE UMA SOCIEDADE ESTUDANDO SEUS EDIFÍCIOS?

Comparando as questões levantadas através da consulta bibliográfica e os resultados obtidos nas escavações do sítio RS-AN-03, constatamos que os grupos humanos que se fixaram em regiões com altitudes elevadas (entre 800 a 1200 m ou mais) ou em áreas temperadas construíram suas casas semi-enterradas no solo para se proteger das temperaturas extremamente baixas e dos ventos frios nos invernos rigorosos. A eficiência térmica constatada anteriormente de forma empírica, neste momento, encontra respaldo nas experiências realizadas pelo Underground Space Center que concluíram que a perda de calor por transmissão é menor em estruturas construídas dentro do solo do que na superfície (> 20 %) e que a temperatura do solo permanece constante durante o ano, portanto, gastando menos energia para mantê-la estável.

No caso do sítio RS-AN-03, a descoberta de citrinos no solo denota o uso de madeiras que produzem altas temperaturas nas fogueiras, como os nós de pinho encontrados em grandes concentrações/depósitos nas duas estruturas escavadas. Calcula-se que a queima de um nó de pinho poderia aquecer uma estrutura do porte da C, sendo está de forma circular, o calor irradiado chegaria de forma homogênea em toda a estrutura.

A implantação no relevo está relacionada com os processos construtivos, assim como, por estratégia defensiva dos ventos e dos inimigos. A maioria dos sítios está na meia encosta, cujo declive abrupto foi utilizado como uma das paredes das estruturas. Deste modo somente o outro lado deveria ser edificado e possivelmente seria o local de acesso para o interior das estruturas. As estruturas são dessimétricas e devido a isso, após o seu abandono, podem aparentar uma planta não circular (elipsóide ou em forma de um ‘D’).

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Quanto à função, a literatura nos relata o uso variado destas estruturas escavadas, sejam como unidades residenciais, comunitárias, silos, entre outras. O conjunto de estruturas do sítio RS-AN-03 foram utilizadas como unidades residenciais e a estrutura semi-subterrânea A poderia também agregar funções comunitárias. A cerâmica era de uso utilitário e o material lítico era de uso expediente e/ou de longa duração como as mãos de pilão. As atividades desenvolvidas foram de produção de artefatos para uso cotidiano nas tarefas de transformação e consumo de alimentos. A falta de grandes núcleos e evidências de lascamento inicial levanta a suposição de que estas atividades e de experimentação da matéria-prima dava-se junto às fontes de afloramentos de basalto dispersos no planalto. Da mesma forma, a cerâmica deveria ser produzida fora das estruturas, talvez nas áreas externas, e a argila obtida nos barreiros junto aos tributários do rio das Antas.

Estudos antropológicos ilustram que espaços definidos por unidades arquiteturais são dotados de significados completamente práticos, ou por atividades conduzidas dentro de espaços que informam sobre, e quase sempre representam, comportamentos sócio-culturais e esquemas conceituais. A natureza e localização destas áreas sugerem que os ocupantes das edificações compartilhavam, de um modo geral, de similares conceitos de espaço e que as estruturas do sítio RS-AN-03 foram utilizadas como unidades residenciais e comunitárias, evidenciadas pela continuidade da camada arqueológica, pela existência de microestruturas como fogueiras e postes, pelos artefatos, pela abundância destes materiais e pela articulação das unidades entre si, sugerindo uma função integradora própria de moradores.

A arquitetura das estruturas semi-subterrâneas é conseqüência de um sistema adaptativo expresso pela confiança nos recursos estocados no período em que as estruturas do sítio estão ocupadas. A elevada densidade demográfica (evidenciada pela alta incidência de sítios com várias estruturas configurando aldeias) não pode ser calculada pela falta de escavações (no SO norte-americano foram computados 100 indivíduos por assentamento), porém está relacionada ao acesso a recursos alimentícios abundantes, ricos e previsíveis.

Concomitantemente às nossas pesquisas arqueológicas no planalto, um grupo de ecólogos coordenado por Hermann Behling (1995, 1997, 1998, 1999, 2001, 2002) está estudando a dinâmica do fogo, da vegetação e do clima no planalto sul brasileiro durante o Quaternário antigo, através de amostras de carvão e pólen datados por alta resolução e pela análise multivariada. Os resultados mostram que o ambiente da mata de araucárias (onde os grupos humanos pretéritos tiravam a sua subsistência) e dos campos de cima da serra possui um forte componente dinâmico que é o próprio homem.

O surgimento tardio da mata de araucárias e sua expansão atribuída à ação de queimadas e manejo pelos grupos humanos ali residentes no passado permitem a hipótese de tratar-se de um ambiente domesticado pelo homem. Situação encontrada em outras partes do mundo já estudadas, como na Austrália e África (Harris & Killman, eds. 1989), e ainda, na Amazônia (Balée, 1987). Não deve ser por acaso que temos uma concentração de datações radiocarbônicas neste período, no sítio RS-AN-03.

A expansão das florestas, em geral sobre os campos, traz um acréscimo na biomassa alimentar: o aumento da floresta de araucárias leva ao aumento de um alimento fundamental no planalto que é o pinhão que, na época de maturação (várias vezes ao ano), atrai toda sorte de animais, permitindo uma grande concentração de pessoas constituindo grandes aldeias de caráter permanente. Esta hipótese é corroborada pela grande quantidade e variedade de sítios arqueológicos, todos pertencentes ao mesmo e complexo sistema de assentamento.

Os novos dados sobre a ecologia da região do planalto das araucárias, a análise intra-sítio realizada no RS-AN-03, a análise inter-sítio feita na área piloto e a utilização da abordagem da arqueologia da paisagem permitiram demonstrar uma verdadeira antropogenização da paisagem (Copé, 2006).

O padrão de assentamento verificado é que os conjuntos de estruturas semi-subterrâneas ocupam as partes mais elevadas do planalto, localizadas nos morros que configuram as nascentes dos tributários do rio das Antas, dominando os divisores de água e possuindo uma grande visibilidade sobre a região. As estruturas são construídas aproveitando a ondulação do relevo e recortando a elevação para edificar paredes, bancadas de retenção das chuvas e terra e, quando preciso, nivelando o terreno. Nas áreas com relevos mais suaves, elevaram os terrenos através do terraceamento para construir plataformas sobre as quais abriram as covas, produzindo

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grandes depósitos de terra. Na maioria dos casos, as estruturas escavadas dos sítios formam conjuntos, são raras as estruturas isoladas que não possuem uma outra a uma distância de uns 500 m. Estes sítios ou conjuntos de estruturas também formam concentrações ou aglomerados.

Segundo Sondereguer (1998), cada grupo possui uma linguagem arquitetural, uma concepção morfo-espacial própria, e as variações regionais devem ser levadas em conta mesmo que os processos construtivos deste tipo de arquitetura apresentem certo paralelismo.

Na literatura do sudoeste norte-americano foram identificados, no mundo Pueblo entre AD 700 e 1300, duas classes de sítios residenciais: as ‘vilas’ (com uma ou poucas casas) e ‘aldeias’ (com 12 casas ou mais). Comparativamente, na nossa área piloto tem os dois tipos, sendo que as ‘aldeias’ podem chegar até a 22 casas, enquanto em Santa Catarina, até 68 unidades.

Pelo grande trabalho empregado na construção das estruturas residenciais, cerimoniais e silos, assim como, no manejo de terra para aterros e para nivelação dos terrenos = plataformas (alta performance), deduzimos que seja uma sociedade hierarquizada de residência permanente, com territórios bem delimitados e defendidos, demonstrando elevado grau de complexidade.

O grande investimento em construções é compensado pela sua contínua utilização e as aldeias continuam a crescer porque nunca são desocupadas e os suprimentos e produtos são complementados com os provenientes de fora e, por isso, a produção regional deve ser considerada.

A aglomeração de sítios é tão evidente que ela foi presumida quando dos trabalhos de campo levando à criação das zonas e subzonas de prospecção e, após a aplicação dos testes do vizinho mais próximo (Nearest neighbour analysis) e dos polígonos de Thiessen, a constatação foi reforçada. Possivelmente os habitantes destes aglomerados deslocavam-se sazonalmente para o rio das Antas, mais piscoso e rico como fonte de matérias-primas, em cujas margens situam-se os sítios lito-cerâmicos, resultantes das grandes choças construídas com palmeiras nativas.

As pequenas elevações no entorno das grandes estruturas podem ser atribuídas ao sepultamento dos grandes chefes residentes nas unidades residenciais e também comunitárias e/ou cerimoniais, enquanto que os demais indivíduos seriam depositados em grutas (como na gruta do Matemático, onde foram registrados mais de 65 indivíduos).

Saldanha (2005), trabalhando com a perspectiva de hierarquia de sítios, ressalta que sua existência pode ser baseada no tamanho dos assentamentos ou na própria complexidade das estruturas presentes. Quanto maior a estrutura, como a Casa A no sítio RS-AN-03, maior é o esforço para sua construção. A abordagem dos lugares preferenciais permite identificar dois agrupamentos de sítios principais, baseados na performance (esforço empreendido x tempo de construção): a construção de um grande nº. de estruturas semi-subterrâneas e a presença de estruturas maiores.

Verificamos que para a obtenção de uma boa performance na construção de estruturas semi-subterrâneas grandes como a casa A que possui um diâmetro de 18 m por 6 metros de profundidade, assim como as complexas estruturas anelares/funerárias localizadas no município de Pinhal da Serra, há necessidade de um esforço coordenativo e cooperativo que ultrapassam o nível doméstico, sugerindo uma supervisão a partir de um local central e grupos com certa centralização sócio política para administrar o volume de código humano gerado, aqui tomado como sinônimo de complexidade. Tanto no exemplo de Bom Jesus como em sítios de Pinhal da Serra, alguns conjuntos de casas semi-subterrâneas foram construídos sobre amplos terraços artificiais, ação que requer planejamento e que exigia um projeto prévio de configuração espacial das diferentes casas, pois estas se encontravam sobre um único e grande terraço.

A presença de estruturas de terra de tamanhos avantajados que sugerem desigual acesso à força de trabalho, como na micro-região de Pinhal da Serra as estruturas funerárias e, em Bom Jesus, as grandes estruturas semi-subterrâneas, exibem uma complexidade social e indicam centralização política.

Na medida em que se dispor de mais estruturas trabalhadas desta maneira, em espaços e tempos separados, importantes interpretações sobre a história e funcionamento destas sociedades podem ser obtidas, seja sobre a emergência e manutenção de etnicidades regionais, simbiose cultural, natureza e forma da divisão sexual do trabalho, a emergência de complexidade sócio-econômica, a forma de acesso diferenciado à riqueza e poder e a natureza das redes de troca entre os grupos.

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arquitectura como artefacto en el estúdio de paisajes arqueológicos del altiplano sur brasileño, Rio Grande do Sul (Revista Cazadores-Recoletores del Cono Sur. Revista de Arqueologia 2, no prelo). ii Em 2005, apresentamos em um congresso uruguaio, um trabalho que utiliza esta abordagem: Da arqueologia da

arquitetura à arqueologia da paisagem: as diferentes escalas no estudo de paisagens arqueológicas nas terras altas do

sul do Brasil (no prelo). iii Utilizamos a 2ª edição do Ethnographic Atlas de 1967, citada por Gilman, porém há a 4ª edição: Murdock, G. P. & O’Leary, T. Ethnographic Bibliography of North América. New Haven: Human Relations Área Files Press, 1975, que possui um quinto volume e 40.000 entradas.